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CARTEIRA
Roteiro De Coelho De Moraes sobre a obra de
Machado de Assis. Personas: Honório, Gustavo,
Amélia, filha criança de Honório, 2 atendentes de
bar.
1.0
CENA 1
EXT. PRAÇA. DIA
Honório caminha, olha para o chão e vê uma carteira. Abaixa-
se, apanha, olha – carteira recheada - e a guarda
rapidamente. Olha para todo lado. As pessoas caminham
normalmente. Ninguém o viu.
CENA 2
Letreiro: Momentos antes
INT. BAR. TARDE
Luz coada pelas vitrines. Honório bebe. Pensa, preocupado,
olhar perdido na bancada ou na mesa. Entra Gustavo. Faz
sinal para o atendente apontando para os lados de Honório.
GUSTAVO
Como vai, meu caro.
Pensa muito não que não adianta.
HONÓRIO
Dívidas.
400 pratas até amanhã.
Estou enrascado.
GUSTAVO
Para o barman.
Obrigado.
Recebe a bebida.
Para Honório.
Pô...
A dívida não parece grande para um homem da
sua posição...
um advogado.
HONÓRIO
... mas todas as quantias são grandes ou
pequenas, segundo as circunstâncias,
e as minhas não podiam ser piores.
GUSTAVO
Tipo o que?
HONÓRIO
Gastos de família excessivos,
a princípio por servir a parentes,
e depois por agradar à mulher,
que vive aborrecida da solidão;
2.0
GUSTAVO
Em suma: Endividou-se.
HONÓRIO
Começou pelas contas de lojas e armazéns;
passou aos empréstimos, duzentos a um,
trezentos a outro, quinhentos a outro,
milhares para os bancos... e tudo a crescer,
e as viagens a darem-se,
e os jantares a comerem-se,
um turbilhão perpétuo,
uma voragem.
GUSTAVO
Tu agora vais bem, não?
HONÓRIO
Mente.
Bebe um pouco.
Vou sim...
bem sucedido e tal.
GUSTAVO
400 pratas não é nada para você.
HONÓRIO
Rosto sem manifestações.
GUSTAVO
Então...
HONÓRIO
A verdade é que vou mal, Gustavo.
Poucas causas, de pequena monta,
e constituintes remissos;
por desgraça perdi, recentemente, um
processo, em que fundara grandes esperanças.
Não só recebi pouco,
3.0
GUSTAVO
Não li.
E Amélia?
HONÓRIO
Amélia não sabe nada;
não conto nada, sejam bons ou maus negócios.
Não contei nada a ninguém. Só pra você.
Finjo de alegre,
como se nadasse em um mar de prosperidades.
CENA 3
INT. SALA DO HONÓRIO. NOITE
Gustavo E Honório, sentados, conversam, riem; Amélia ao
piano, toca, nesse momento Gustavo presta mais atenção à
música, acena positivamente com a cabeça para Honório,
aplaude sem barulho; ao final da peça vão à mesa de cartas.
Amélia recebe aplausos; jogam cartas, conversam, riem.
CENA4
VARANDA. CASA DE HONÓRIO, DIA.
Amélia veio de dentro e vê Honório dando muitos beijos à
filha, criança de quatro anos, e viu-lhe os olhos molhados;
ficou espantada.
AMÉLIA
Mas, o que foi homem?
HONÓRIO
Solta a filha que corre para o jardim.
Nada, nada.
CENA 5
INT. BAR. TARDE
Mesmo momento anterior da conversa com Gustavo.
HONÓRIO
Compreende-se que era o medo do futuro
4.0
e o horror da miséria.
GUSTAVO
Ei, calma lá.
As esperanças voltam com facilidade.
HONÓRIO
Isso dá certo conforto.
A ideia de que os dias melhores tinham de
vir me dá conforto para a luta.
GUSTAVO
Você ainda é novo.
HONÓRIO
O tempo passa assim mesmo.
GUSTAVO
Ainda é o princípio das nossas carreiras:
todos os princípios são difíceis.
E toca a trabalhar, a esperar, a gastar,
pedir fiado ou: emprestado, para pagar mal,
e... a de vez em quando... as más horas.
HONÓRIO
Mas...
a dívida urgente de hoje são uns malditos
quatrocentos reais.
Mas tenho outras.
Nunca demorei tanto a quitar uma conta,
nem ela cresceu tanto, como agora;
e, a rigor,
o credor não me põe a faca ao peito...
GUSTAVO
Então...!
HONÓRIO
Mas disse hoje uma palavra azeda,
com um gesto mau,
e quero pagar-lhe hoje mesmo,
acabar logo com isso.
HONÓRIO
Café, aqui na mesinha.
(Voz off)
Posso lançar mão do dinheiro,
e ir pagar com ele a dívida?
CONSCIÊNCIA
Não pode...
HONÓRIO
(Voz Off)
Mas e os meus apuros...?
Tenho que pagar esse consórcio,
esse automóvel.
(Voz Off)
...ninguém me entregaria de volta.
É a dívida paga;
menos despesas....
(Voz Off)
900 e trinta.
Uau!
(Voz On)
Pena que não acredito nos anjos...
(Voz Off)
Recolhendo as notas com um risinho.
HONÓRIO
(Voz on)
Ah! Namoricos...
CENA 6
CASA DE HONÓRIO. HONÓRIO ENTRA.
Já ali se achava o Gustavo, que logo se levantou,
preocupado, e a própria Amélia também. Honório entra rindo.
HONÓRIO
Boa noite, meu caro.
Íamos jantar?
GUSTAVO
Boa noite, Honório.
Demorou, hein?
AMÉLIA
Já é noite. É tarde...
Esperávamos você...
HONÓRIO
Para Gustavo.
GUSTAVO
Nada.
HONÓRIO
Nada?
Nadinha?
AMÉLIA
Vou por a mesa.
GUSTAVO
Por quê?
HONÓRIO
Mete a mão no bolso;
não te falta nada?
GUSTAVO
8.0
Gustavo se apalpa.
Falta-me a carteira.
Sabe se alguém a achou?
HONÓRIO
Achei-a eu.
Entrega-lhe.
Gustavo pegou precipitadamente,
olhou desconfiado para o amigo.
Honório engole em seco. Sorriu amargamente.
GUSTAVO
Onde a achou.
HONÓRIO
Logo depois que saí do bar.
Na praça.
GUSTAVO
Mas conheceu-a?
Como sabia que era minha carteira?
HONÓRIO
Não... não sabia que era sua...
achei os teus bilhetes de visita.
Vi teu nome.
Pausa.
Os dois se entreolham.
Honório sai.
Gustavo saca da carteira, abre-a, vai a um dos bolsos, tira
um dos bilhetinhos, e estende-o a Amélia. Amélia toma do
bilhete, com medo. Nesse momento Honório entra, arrumando
a camisa, Amélia se vira e vai ao lavabo, ansiosa e trêmula,
aperta a testa, rasga o bilhete em trinta mil pedaços sem
que Honório perceba. Honório esfrega a mão, faminto, e, vai
sentar-se à mesa fazendo sinal para que Gustavo se sente a
seu lado. Gustavo olha na direção de Amélia.