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CENA 1
SALA. DIA.
MÃE
(voz off)
Como é gostoso fazer de conta que tem um amigo.
Ele sempre vai brincar do que a criança quer
e nunca terá brigas,
pois é o amigo ideal que a gente constrói com imaginação.
MENINA
Não é não.
Esse elefante é bonzinho.
MÃE
Nossa,
Pensei que nunca brigasse...
CENA 2
INT. PREDIO. TARDE
Hall de entrada da casa da Tia Josy. O pai abre a porta do elevador para que
elas entrem. A menina corre para um canto e a mãe entra e vai até o outro lado.
MENINA
Cuidado mãe!
Não pode esmagar meu amigo.
MÃE
Onde está seu amigo Clara? Aqui?
MENINA
Não, mãe. Ele está parado ali no canto.
E está bravo porque você quase pisou nele.
MÃE
Está bem, filha. Vou ficar aqui então.
PAI
Está crescendo esta garota.
Chegam ao andar.
MÃE
Seu amigo vai descer aqui também Clara?
MENINA
Não, ele vai ficar aqui.
Ele não gosta da tia Josy.
A tia abre a porta e espera. Faz a maior festa pela chegada da família. Ao abraçar
a pequena Clara, sua corrente enrosca nos cabelos cacheados e quando coloca
a menina no chão ela arrebenta, fazendo o crucifixo cair longe.
TIA JOSY
Olha só... Que pena, arrebentou.
Cadê a cruz?
Pega lá Clara, caiu ali perto do vaso.
MENINA
Eu não.
Ela está quente.
PAI
Como assim quente? Deixa que eu pego.
Ui, credo. Está quente mesmo.
Como você sabia que estava quente?
Ôo Josy, sangue quente você...
CENA 3
CASA DA MENINA. INT. DIA
Um bebê no berço. Parentes e presentes na casa. Tia Josy foi visitar o bebê e
levou um crucifixo com corrente de ouro como presente.
TIA JOSY
Levei a corrente para benzer...
a vó Irma quis abençoar também.
Ela disse que o bebê não pode ficar nem um minuto sem
essa corrente.
Sabe, achei até estranho o jeito dela.
Fez um monte de rezas com a corrente.
3.
MENINA
Não vou tirar. Foi a tia Josy que deu para ele.
Não faça assim. Você faz careta para o meu irmão.
PAI
O que foi isso Clara? Com quem você está falando?
Quem está fazendo cara feia para o Junior?
Você está brincando?
MENINA
É o meu amigo.
Ele quer que eu tire a corrente que a tia deu para o Junior.
Disse que é para eu tirar e jogar no lixo.
PAI
Que brincadeira é essa? Não faça assim que é feio.
Não pode assustar o Junior...
muito menos tirar a corrente dele.
Vai, vai brincar e deixe o bebê dormir.
CENA 4
CASA. INT. TARDE.
Junior engatinhando pela casa. A corrente com o crucifixo em seu pescoço / às
vezes enrosca nos brinquedos.
MENINA
Não, não vou tirar. A mamãe vai brigar comigo.
Deixa o Junior, vem, vamos brincar.
MÃE
Cadê o Junior Clara?
Escutei você falando agora com ele.
MENINA
Não sei mamãe. Não vi o Junior.
Eu estava falando com o amigo.
MÃE
Pare com isso que já está enchendo.
Vai procurar o Junior.
4.
Mãe e filha reviram a casa atrás do bebê. De repente escuta-se um grito da mãe
no andar de cima e Clara corre para ver o que é. Encontra a mãe sentada no
chão da sacada do quarto aos prantos e com o bebê risonho no colo.
Clara desce as escadas e volta para as suas bonecas. Quando o pai entra em
casa ainda escuta:
MENINA
Viu?
E você quer o tempo todo que eu tire a corrente do Junior.
Foi a corrente que salvou meu irmão.
CENA 5
CASA.INT.NOITE.
O pai fecha a porta da sacada e prende um cordão na chave. Colocou um prego
no batente e deixou a chave pendurada ali.
PAI
Pronto! Agora ninguém mais vai abrir essa porta.
Só o papai ou a mamãe.
CENA 6
Junior cresceu / subia nos móveis, pulando na cama vestido de superman / saia
gritando pela casa. Subia no sofá e pulava sobre almofadas no chão. Junior vai
ao seu quarto e troca a fantasia pela do homem aranha. Tirou uma fantasia e
não conseguia colocar a camiseta da outra. Ficou berrando no quarto e a mãe
foi atender.
MÃE
Junior!
Você tirou a correntinha junto com a fantasia do superman.
Não pode. Nunca pode ficar sem ela.
Olha, está aqui no chão.
Vamos colocar.
Com a roupa do homem aranha o menino vai brincar na sala e sobe nos móveis.
Um estrondo e uma gritaria / Clara e a mãe correm na sala de TV e encontram
a estante no chão em meio a cacos de cristais, livros e um menino pendurado
pela correntinha no prego que segura um enfeite na parede.
CENA 7
5.
MÃE
Mais uma vez a corrente o salvou.
Agradeço a você pela corrente.
Corrente salvador.
TIA JOSY
Que nada... foi de coração.
Nós duas tivemos uma, lembra...?
MÃE
Agora... Clara me preocupa. Muito mudada.
Eu a encontro sentada no canto de seu quarto falando
sozinha e sempre muito triste.
TIA JOSY
Já a levou a algum médico?
MÃE
Por isso que vim falar com você.
Acha que devo?
TIA JOSY
Sempre é bom uma opinião profissional, n’é, mana?
MÃE
Não queria que se falasse sobre isso na escola.
Vão pensar que ela é maluca.
TIA JOSY
Nada disso... é o que é certo fazer.
MÃE
E ela só melhora o humor quando vai para a escola.
Estamos estranhando o comportamento dela,
cada vez mais arredio, triste e silencioso.
TIA JOSY
Ela trata bem o irmão?
MÃE
Ela nem fica perto do irmão, não brinca com ele...
nem fala com ele...
se vamos sair de carro, ela senta no banco de trás...
fica muda, só fica olhando pela janela,
bem longe da cadeirinha dele.
TIA JOSY
6.
MÃE
Já fizemos de tudo: conversa, agrado, briga. Nada.
Ela não explica o comportamento.
Apenas continua agindo assim.
TIA JOSY
Nada de fora do comum...?
MÃE
Fora o amigo imaginário...?
ela fala que não vai fazer isso ou aquilo.
É como alguém a tentasse fazer algo.
Ela responde que gosta do irmão.
CENA 8
EXT/INT. RUA/CONSULTÓRIO DA PSICÓLOGA. DIA.
Pai e mãe à mesa da psicóloga. Psicóloga vem sobraçando papéis.
PSI
A filha de vocês é uma criança normal.
Ela gosta imensamente do irmão.
Olhem os desenhos que ela fez do relacionamento deles.
São todos coloridos e bem feitos.
MÃE
E quanto a esse amigo imaginário...
que ela vive conversando?
PSI
Bem, eu pedi que ela falasse dele.
Ela disse que é um amigo que brinca com ela.
Toda criança pequena pode ter essa fase que inventa
personagens. É normal.
Porém... acho que na hora que comecei a conversar sobre
o amigo ela já estava cansada de desenhar...
e de ficar comigo,
pois fez uns desenhos bem feios desse amigo.
Olhem.
PAI
Meu Senhor, que horrível. É um monstro!
Parece um...
Será que ela imagina o amigo dela com essa aparência?
Coitada da minha filha.
PSI
A sua filha é inteligente.
7.
MÃE
Não vejo nada de interessante nisso...
E o que é que ela imagina que o amigo manda fazer?
Várias vezes eu a ouvi respondendo: não vou fazer isso.
PSI
Posso fazer mais umas sessões com ela...
...tentarei descobrir o que a imaginação está construindo
na relação com o amigo.
PAI
Podemos ficar com esses desenhos?
Podemos precisar para um dia conversar com ela.
CENA 9
CASA DE CLARA, INT.NOITE
Chegam em casa, Pai, mãe e menina.
MÃE
Como anda seu amigo hoje?
MENINA
Ele está descansando na varanda.
PAI
Como você sabe?
Não entendo muito bem essa história de amigo invisível...
Faz tempo que você e ele são amigos, não é?
De onde é esse teu amigo? Como você conheceu?
MENINA
Não sei, pai.
Um dia ele estava no meu quarto, deitado na minha cama.
MÃE
Quantos anos ele tem?
Qual o nome dele?
MENINA
Ele disse que tem muitos anos, mas ainda é criança.
Só vai ser adulto quando mandar alguém para o outro
quarto.
Eu não sei dizer o nome dele, daí eu só chamo de amigo.
PAI
8.
MENINA
Tá, mas ele não vai gostar.
MÃE
Por que não vai gostar?
Eu queria conhece-lo.
PAI
Já que mora em nossa casa.
MENINA
Não pode. Ele não quer conhecer ninguém.
Disse que é só meu amigo.
Mesmo assim a menina desenha no seu caderno. A mãe olha o desenho, passa
para o pai, fica muito espantada.
MÃE
Nossa, filha este seu amigo é muito... muito estranho.
Tudo bem, vai brincar.
A menina sai.
PAI
Se eu imaginasse um amigo para brincar,
ia querer um mais bonitinho!
MÃE
Pare Jorge. Isto não é brincadeira.
PAI
Acredito que depois ela terá amigos de verdade
e você vai ver, vai ter alguns bem feios no meio.
CENA 10
A menina passa pelo quarto do irmão. Olha para dentro. O irmão, que brinca, a
olha. Olham-se. A menina passa direto. O menino volta a brincar. Clara foi para
a sala, brincava na sala, trocando as roupinhas das bonecas. Junior saiu do
quarto e foi para o quintal. A mãe foi atrás e sentou-se na varanda. Junior
chutava bola. A mãe bordava olhando para ele de vez em quando. Toca o
telefone. A menina levanta os olhos e visa o telefone. Do quintal Junior faz o
9.
MÃE
Um telefonema urgente ... minha irmã foi para o hospital...
tome conta das crianças que já retorno.
A mãe pega Junior pelo braço. Sob protestos, chorando, Junior entra e fica
soluçando na frente da TV. Clara não se abala. Continua brincando. A vizinha
tenta acalmar o menino, mas a vontade dele brincar com a bola é mais forte e
ele estava inconsolável. Levou um tempo para que ele se acalmasse e assistisse
os desenhos. A vizinha se divertia com os desenhos e nem percebeu que o
menino saiu da sala. De repente escuta-se um barulho de alguma coisa
quebrando e a vizinha sai assustada procurando o menino. Encontra o danado
em meio a cacos de cerâmica dos vasos que ficavam no peitoril da janela da
copa e ele pendurado com meio corpo para fora. Estava com a correntinha
engatada no gancho que fecha a janela. A vizinha não conseguia puxar o menino
e o agarrou pelas roupas. Nesse resgate, a camiseta rasgou e a corrente se
partiu em dois pedaços fazendo com que o crucifixo voasse longe pela janela. O
menino ria muito.
VIZINHA
Nunca mais faça isso menino chato.
O que eu ia falar para sua mãe se você caísse?
JUNIOR
Mas eu quero ir lá fora chutar bola!
Não quero ficar aqui dentro...
VIZINHA
Nada disso. Sua mãe disse: assistir TV até ela voltar.
Venha, vou pegar outra camiseta para você e fique lá na
sala. Vou fazer pipoca para nós.
Ih! Arrebentou sua correntinha,
você vai levar uma surra da sua mãe.
O que tinha pendurado nela?
10.
CENA 11
MESMO LOCAL
Junior estava com outra camiseta e comia pipoca na sala, calmo / os pais
chegaram. Pais e vizinha conversam.
VIZINHA
Olha, a correntinha dele arrebentou,
mas foi ela que salvou este moleque de cair da janela.
PAI
Outra vez esta correntinha,
vou levar para consertar na segunda.
Este menino não pode ficar sem a proteção da cruz.
Onde está a cruz?
VIZINHA
Aaah! não sei. Eu procurei por tudo e não achei.
Nem sabia que era uma cruz que tinha pendurada aí.
MÃE
Só se caiu lá fora.
Amanhã nós todos vamos lá fazer uma busca.
JUNIOR
Vamos jogar bola pai?
Vamos?
PAI
Hoje não dá mais Junior.
Está escuro. Amanhã nós jogamos.
JUNIOR
Pai, vamos na garagem...
PAI
Chega, Junior.
Amanhã nós jogamos.
JUNIOR
Pai pega a bola que ficou lá fora?
PAI
11.
JUNIOR
Mas eu quero jogar bola?
PAI
É melhor preparar um lanche.
MÃE
Vem... vamos lanchar. E a Tia Josy melhorou...
Sai amanhã do hospital... foi somente um susto.
Mãe e pai vão para a cozinha preparar um lanche. Junior, na sala, chutava uma
bexiga para lá e para cá. A menina entrega pra ele uma roupa de superhomem.
Junior pega da fantasia e sobe para os quartos. A menina olha para o nada e
fica com expressão brava.
MENINA
Por que você não quer brincar?
O que é que você pretende? Está com ciúmes?
Claro que não... é meu irmão. Eu gosto dele.
Você é que tem que tomar jeito! Para com isso.
MÃE
Clara, pare com isso.
Que história de ficar conversando e brigando sozinha?
Eu não gosto de ver você assim, já falei.
Pare com isso e vai brincar sossegada.
MENINA
É o meu amigo. Ele não quer brincar.
MÃE
Não quero ouvir isso. Pare já.
Junte suas coisas e vá agora tomar banho.
Chega!
Suba que eu já levo seu pijama.
PAI
Não, aqui não está.
Deixa eu ver na cozinha.
A mãe espera.
A mãe vai até o quarto tenta acender repetidamente a luz do quarto. Não
consegue. Tudo permanece em penumbra. A mãe começa a gritar. O pai sobe
desesperado. Tenta acender as luzes. Clara aparece enrolada na toalha. Ao lado
da porta aberta da sacada, uma cadeira somente a luz da rua. Todos correm
para a sacada. Estarrecidos. Junior está deitado sobre o toldo, embaixo, vestido
de superhomem, rindo a valer. Ele se vira e pode-se ver que há uma cruz
costurada nas costas da fantasia.
PAI
Fica aí que já vou buscar você.
MENINA
Enraivecida.
O quarto se ilumina.
Menina e mãe se olham e olham o ambiente.
Abraçam-se.