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UM CONTO

DE VIGÁRIO

Roteiro de Coelho De Moraes


sobre o texto de Fernando Pessoa
Personagens: VIGÁRIO, CARA, IRMÃO1, IRMÃO2, policiais.
marcoantoniocoelhodemoraes@gmail.com
2021
1.

CENA 1
EXT. PRAÇA. DIA.
Um homem, CARA, mal arrumado, roupas velhas, se aproxima de
outro, VIGÁRIO bem arrumado, bengalando pela rua e charuto.

CARA
Senhor Vigário, como vai?

O VIGÁRIO acena com a mão.

Como vai a lavra e o gado?

VIGÁRIO
Pequena lavra. Na verdade um sitiozinho.
E o gado vai bem...
Vai benzinho... pronto pro corte.

CARA
Sabe, senhor... Sr. Vigário,
tenho aqui umas notazinhas de cem mil pratas
que me falta passar.
O senhor quer?
Deixo por vinte mil mangos cada uma...
pechincha.

VIGÁRIO
Deixa ver...

Olha bem para as notas, contra a luz.


Passa os dedos como que a retirar tintas.
Limpa as mãos num lenço que retira do bolso.
Rejeitou-as com a cabeça..

Para que quero eu isso?


Qualquer cego percebe que são muito falsas.

CARA
Insiste.

Por favor...
O senhor bem sabe o que fazer com isso.
E eu preciso muito.
Tô na lona.

Vigário expressa ceder...


Coça o queixo.
Olha para os lados.

VIGÁRIO
Muito bem.
2.

Pago 10 mil pratas e nada mais que isso...

Trocam as notas de mão.


CARA sai feliz.

CENA 2
INT. TABERNA ESCURA. JANTAR. VELAS.
Dois homens, os irmãos, estão à mesa. Bebem vinho. Almoçam.
Vigário entra na taberna cambaleando de bêbedo. Fala
enrolado. As pessoas observam.

VIGÁRIO
Boa noite... boa noite.
Desculpem pelo incômodo...
Mas,
meu incômodo maior era não pagar o que devo.

IRMÃO1
Boa noite.
Mas, pode deixar para amanhã.
Nossos negócios de gado bem que podem
esperar.

IRMÃOS2
Ríspido.

Um conto de réis.
Trouxe aí?

Vigário sentou-se à mesa deles,


e pediu vinho fazendo sinal para o garçom.

VIGÁRIO
Vou pagar... tudo o que devo.
Vou pagar agora.

Fala para todo mundo ouvir.


Puxa da carteira.

Se importam de receber tudo em notas de


cinquenta mil?

IRMÃOS2
Não... na boa...
pode pagar do jeito que quiser.

Como a carteira se entreabre, IRMÃO2 chama, com um olhar


rápido, a atenção do irmão IRMÃO1 para as notas, que se via
que eram de CEM. Houve então a troca de outro olhar. VIGÁRIO,
muito bêbedo, com lentidão, conta tremulamente vinte notas,
3.

que deposita sobre a mesa. Logo após a contagem IRMÃO2


guarda-as logo.

VIGÁRIO
Pronto... agora sim... estou satisfeito.
Garçom... traga mais vinho, por favor.

Sinaliza aos IRMÃOS.

Pode deixar que eu pago essa rodada.

O garçom logo se aproxima,


deita vinho, bebem.

Mas, olha... me façam um recibo...


um recibo.

Um irmão olha para o outro e concordam entre si.

Eu dito o que vai no recibo.

O IRMÃO2 já rindo daquilo tudo pega papel e caneta no balcão.


Enquanto o VIGÁRIO dita os irmãos se divertem.

Quero as coisas todas certas. É assim... atenção... no dia


12 de novembro, dia que dona Odete viajou, às 19 horas, na
taberna do seu Gumercindo, e estando nós a jantar, eu e meu
irmão da empresa IRMÃOS E CIA, recebemos de Manuel Vigário,
em pagamento de uns negócios, a quantia de um conto em notas
de cinquenta mil pratas. Vinte notas. O recibo foi datado,
foi assinado pelos irmãos.

VIGÁRIO meteu o recebido na carteira, bebeu ainda mais vinho,


tilintou taças, e foi-se embora.

CENA 3
INT. ESCRITÓRIO. MANHÃ
Os irmãos entram no escritório, vão para o cofre, pegam das
notas para colocar no cofre. Percebem que a nota é falsa. A
tinta sai na mão.

CENA 4
INTERNA. POLÍCIA. MANHÃ
Por trás dos vídeos dos departamentos da polícia, sem som,
queixam-se ao policial. Os policiais anotam tudo. Manuel
Vigário entra na delegacia, ouve atônito o caso, ergue as
mãos ao céu.
4.

VIGÁRIO
Fala ao policial. Audível agora.
Se eu não estivesse completamente bêbedo... talvez, embora
inocente, estivesse perdido. Se não fosse essa bebedeira nem
pediria recibo.

Retira o recibo do bolso.


Apresenta ao policial.
Os irmãos estão aturdidos.

Olhe... assinado pelos dois irmãos, e que provava bem que


tinha feito o pagamento em notas de cinquenta mil, como está
escrito aqui.
E se eu tivesse pagado em notas de cem mil?
São homens honrados... certamente nem receberiam tais notas
vendo minha bebedeira...

Por trás dos vidros, sem som.


VIGÁRIO foi mandado embora. A cena finaliza com os irmãos
aos berros na delegacia, cheios de movimentos, bengalagens,
até q eu os policiais não suportam mais e empurram os
irmãos na direção da porta. Os irmãos não saem então os
policiais os levam presos para dentro.

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