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Cavalgada para a Morte

John Fletcher
CAPÍTULO I
A figura varonil do cavaleiro
perfilou-se por instantes em
contraluz, segundos antes de fazer
cavalgar a sua montada em direcção
ao fundo do vale que tinha a seus
pés, passando por um pequeno
pinhal que crescia junto dum
profundo arroio de águas límpidas e
cristalinas. Era um lugar que ele
conhecia perfeitamente. E quando
recordou a quem pertencia, seu
rosto duro crispou-se desaparecendo
por momentos aquele rito de
amargura que desde há um ano
permanecia inalterável na sua boca.
Depois, o cavaleiro recordou
também a carta, escrita pelo
proprietário das terras que começava
agora a pisar. Era o antigo juiz de
Belem, em pleno território do Novo
México, Joe Kelly, o alto e maciço
Joe Kelly.
Bob O’Hara recordava-se bem
dele. Com a sua eterna sobrecasaca
e a sua inseparável parelha de «Colt
45», pendurados baixo e presos às
coxas por finas e entrançadas
correias de coiro.
Era ainda novo, pois agora
deveria ter uns trinta e dois ou trinta
e três anos, cabelo preto, nariz recto
e olhos pardos, boca um tanto
grande e o queixo tão quadrado
como o seu próprio.
A seguir... O xerife Jim Madigan.
Tão alto e atlético como o próprio
juiz. Ruivo e de olhos extremamente
azuis. Testa ampla, nariz aquilino e
queixo ligeiramente pontiagudo.
O’Hara pensou que agora deveria ter
pouco mais ou menos a sua própria
idade: trinta anos.
Ambos tinham sido,
respectivamente, juiz e xerife,
quando, cinco anos atrás, fora
obrigado a sair de Belem, alegando
todos que ele tinha por hábito fazer
justiça por suas próprias mãos. E
agora ele regressava, sabendo
desde já que a sua volta ia provocar
um verdadeiro cataclismo.
Pensando deste modo, O’Hara
crispou ainda mais o rosto quando o
curso dos seus pensamentos se
fixaram no rancheiro Kennedy e na
sua ruiva, formosa e excitante filha
Sílvia.
Ambos tinham más recordações
dele. Sobretudo ela, atendendo ao
facto do seu noivo já há tempo estar
criando flores no cemitério de Belem
por suas próprias mãos.
Não. Sílvia Kennedy não poderia
esquecer facilmente o homem que
matou o seu noivo e que depois,
graças à actuação de um xerife e de
um juiz imparcial, tinha sido liberto
de um julgamento que nunca chegou
a realizar-se apesar da pressão
nesse sentido. Limitaram-se,
simplesmente, a dizer-lhe que
partisse e ele limitou-se a cumprir a
ordem.
E era por este facto,
precisamente, que ele voltava:
porque tanto o juiz como o xerife
tinham perdido o cargo por isto. Joe
Kelly assim o afirmava na carta que
tinha no bolso.
Havia algo mais, e o jovem
afastou essas ideias, pois que sentia
na sua mente uma perturbação
infernal. Esta luta que travara
consigo próprio, reflectia-se bem no
seu rosto.
E isto aconteceu quando seus
pensamentos se voltaram para a
dama do poncho (1) mexicano.
Então, seu rosto dulcificou-se,
enquanto um sorriso surgia nos seus
lábios.
Ela não voltaria mais a cavalgar
com a máscara vermelha, para lhe
sair ao encontro um coiote com o
fora Gary Mac Donald, ou Cliff
Graham, como na verdade se
chamava, conhecido em toda a
Califórnia pela «Hiena da Califórnia».
Não, nunca mais Noemi Carter ─
O’Hara pelo seu casamento com ele
─, voltaria a cavalgar na noite, provo-
cando estampidos e desafiando as
feras. Porque ela estava morta!
E sem o poder evitar, O’Hara
vacilou como se toda a sua inteireza
se tivesse derrubado subitamente.
Sua altiva cabeça, já com alguns
cabelos brancos, apesar dos seus
trinta anos, pendeu sobre o peito
enquanto seus pensamentos
mantinham viva aquela história do
passado que para sempre ficara
gravada a fogo na sua alma.
O cavalo pisava agora o verde
tapete de erva. Seus cascos sobre
ela não produziam qualquer ruído. E
estacou quando o arroio surgiu junto
dele. O animal baixou a cabeça para
beber e, O’Hara, sobre a cela,
permaneceu na mesma atitude
pensativa.
Um grito, procedente das águas,
obrigou-o a erguer subitamente a
cabeça, enquanto seus
pensamentos se esfumavam.
Porque ali, na sua frente, estava
uma visão maravilhosa. O’Hara viu
primeiro a ondulação duma cabeleira
brilhando ao sol como oiro, depois
um rosto de deusa.., E o sangue
converteu-se em fogo.
(1) Poncho, manto usado na América do Sul, principalmente pelos Gaúchos. ─ (Nota do Editor).

«Quem era aquela diabólica


beleza feminina que ele não
conhecia? Acaso seria a deusa do
pequeno bosque, ou talvez das
águas?»
E justamente quando o jovem
fazia a si mesmo a si mesmo a
última pergunta, ela gritou
novamente:
─ Saia daí. Desapareça... Seu
rufião... Que pretende?
Por instantes, O’Hara franziu o
sobrolho. Depois ergueu a cabeça e
voltou a fitar as águas. A mulher, na-
dando somente com a cabeça fora
de água, acercava-se da margem.
O’Hara estava esperando que ela
chegasse. O seu primeiro impulso
fora retirar-se dali, mas o insulto que
ela proferira obrigou-o a mudar de
ideias.
A mulher, que mais não teria do
que uns vinte anos, estava agora
junto da margem. O’Hara admirou o
seu rosto, agora crispado pela mais
diabólica fúria, aqueles olhos belos,
rasgados, verdes como uma pedra
de jade, de longas e desenhadas
pestanas ruivas, seu rosto maravi-
lhoso de faces rosadas como um
fruto maduro, o nariz fino e recto de
deusa pagã.
Os lábios... O’Hara pensou por
instantes que nunca tinha visto nada
semelhante, e num estranho
contraste com os seus anteriores
pensamentos, também naquele
momento recordou Noemi, a mulher
que tinha fingido ser cega para
cumprir uma vingança e que fora sua
mulher, durante três anos; três anos
que para ele mais lhe pareciam ter
sido três dias.
O jovem fitou-os de uma maneira
insistente. Carnudos e vermelhos
como uma cereja madura. Incitantes,
convidando ao beijo, húmidos pela
água e de si mesmos, trémulos
agora pela fúria que também se
reflectia na sua boca, um tanto
grande, seu pequeno queixo com
uma covinha ao centro, e seus
diminutos e brancos dentes, quais
pérolas brilhando ao sol.
O’Hara prosseguiu, olhando a
garganta branca com brilho de
nácar, levemente rosada, a brancura
imaculada de um dos seus ombros,
enquanto a água cobria o outro.
Olhou mais ainda e desviou o rosto
para encarar aquelas duas fúrias
verdes que, por seu turno, o fitavam
reflectindo o desejo de matar.
─ Quer afastar-se ou não,
vaqueiro?
─ Antes disso temos ainda outra
coisa, menina. Se não retira o que
disse, receio bem que o seu banho
se vai prolongar por muito tempo.
─ Patife! Canalha! Saia daqui...
Por favor.
E O’Hara sorriu levemente, fitando
as águas e pensando no duro
contraste que havia entre os insultos
que ela tinha proferido com a sua
petição final.
─ Vou sair:
─ Quer afastar-se, ou não? Se o
fizer, prometo que esqueço isto! Se
não...
─ Diga...
─ Vai pagar muito caro, seu
ordinário! Meto-lhe no corpo tanto
chumbo que não poderá digeri-lo.
─ Por mim, não há problema, ode
sair, quando entender que não sou
eu quem a vai impedir.
O rosto da jovem reflectiu por
instantes toda a fúria que sentia.
Depois empalideceu, pensando que
estava metida num verdadeiro apuro.
Aquele homem não saía dali. Afinal,
que pretendia ele? E pensando nisto
suas faces ficaram extremamente
ruborizadas.
Em seguida, fitou-o com temor e
O’Hara percebeu isso. Finalmente,
veio a pergunta:
─ O que.. Quer de mim?
─ Nada. Quero simplesmente
contemplar algo maravilhoso que até
hoje jamais tinha visto.
─ Maldito seja. Terá notícias de
Jayne Sinclair.
Pela primeira vez na sua vida,
O’Hara sentia-se divertido perante a
fúria de uma mulher, apesar de lhe
dar toda a razão. Estava
verdadeiramente encantado com
aqueles olhos e o brilho quase
satânico deles, assim como com a
sua boca.
Fitou seguidamente a sua
garganta e as águas e então o jovem
concluiu que era melhor deixá-la em
paz. Voltou-se, ficando de costas, e
sua voz soou enrouquecida quando
disse:
─ Pode sair quando quiser. Não
me volto..., mas quero vê-la depois.
Um rosto como o seu, deve ter um
complemento adequado.
Ela permaneceu uns segundos
hesitante, inquieta e plena de fúria
que lhe fazia ferver o sangue nas
veias como se fosse um vulcão.
Depois, muito lentamente, saiu da
água com o rosto voltado para as
costas de O’Hara, que se tinha
apeado. Caminhando descalça,
Jayne alcançou o espesso tufo de
artemisa onde tinha deixado ficar a
roupa, sem afastar os olhos do
jovem.
Nem se preocupou em limpar-se.
O’Hara mantinha-se impassível, de
costas, até que escutou o rápido
deslisar de seus pés sobre a
almofada de erva.
Voltou-se para encarar aquela
rapariga que avançava na sua
direcção, lamentando-se de não ter
consigo um «Colt», no preciso
instante de a apanhar nos seus
braços que a cingiram pela cintura,
aprisionando-lhe os dela, evitando
que as suas mãos, como duas
garras, o atingissem no rosto.
Jayne Sinclair debateu-se como
uma serpente, ou pelo menos era
isso que ele estava pensando ao
sentir contra o seu corpo o calor da
jovem que continuava vociferando
surdamente:
─ Canalha! Bandido! Patife!...
Largue-me; está a magoar-me!
Porco!...
O’Hara não fazia caso. Pelo
contrário. Lentamente começou a
apertar e Jayne sentiu que pouco a
pouco a respiração lhe fugia do
corpo. Ainda assim, por uns minutos
debateu-se, até que ficou exausta.
A jovem permaneceu vacilante e
respirando entrecortadamente;
O’Hara fitou-a, não no rosto, claro.
E ficou sem saber o que fazer
perante a selvática beleza que
emanava daquele corpo maravilhoso
e felino como um gato ou um tigre.
Suas pernas, embora cobertas,
eram bem traçadas, altas e
proporcionadas. O’Hara parecia
adivinhar, assim como concluiu, que
não podiam ter comparação possível
com as de qualquer estrela dos
diversos «saloons» que tinha
encontrado no seu caminho, embora
fossem inúmeros.
Mas a ele só lhe restava apreciar
o que estava mesmo vendo. Que a
blusa era decotada e, depois... Bem,
tudo quanto se seguia. Ainda que
quisesse continuar na sua
observação, não teve outro remédio
senão fitá-la no rosto atendendo a
que ela já tinha recobrado o fôlego e
exclamava já:
─ Vai pagar muito caro tudo isto,
se pensa ficar nesta terra, vaqueiro.
E não esqueço facilmente. O
senhor... ─ E O’Hara pensou que ela
morreria sufocada se tivesse outro
ataque de fúria. ─ Viu-me de cima e
desceu ─ E o jovem olhou fascinado
o bem torneado braço que, erguido
agora, apontava o cume do monte
por onde ele tinha descido. ─ Isso
ninguém o faria.. A não ser um
indivíduo da sua espécie.
Jayne calou-se por instantes e
com os olhos plenos de fogo
acercou-se dele até quase lhe tocar.
O’Hara preparou-se, mas a jovem
limitou-se a perguntar:
─ Que foi que viu... Seu rufião?
Gos...?
Bob O’Hara ficou sem saber o que
ela ia para dizer. Subitamente, ela
levantou a mão e levada pela cólera
que cada vez mais sentia, agrediu-o
por duas vezes.
O jovem nada pôde fazer para
evitar a agressão e os estalos
soaram como duas detonações.
Jayne voltou a tomar posição,
mas desta vez O’Hara foi mais
rápido do que ela. Moveu-se para o
lado e quando a jovem perdeu o
equilíbrio, ao falhar a agressão, para
seguidamente se voltar como um
fogoso felino, O’Hara agarrou-a
pelas mãos.
Durante uns segundos teve-a à
sua mercê contra o seu peito,
enquanto ela procurava a todo o
custo agredi-lo com os seus pés
descalços, fitando aqueles lábios
maravilhosos, o belo rosto erguido
para ele onde os olhos verdes
ressaltavam poderosamente, cheio
ainda de gotas de água que, como
pérolas, emprestavam a este um en-
canto ainda maior.
E subitamente O’Hara sentiu-se
arrebatado. Acima de tudo por
aquela boca que se movia trémula,
como se quisesse murmurar
qualquer coisa.
Então, sentindo uma estranha
sensação por todo o seu corpo, o
jovem colou os seus lábios aos dela,
sentindo no mesmo instante o suave
odor a sálvia e artemisa que se
desprendia dela.
E quando Jayne sentiu os lábios
masculinos nos seus, deixou de se
debater. Ficou extremamente calma
entre os braços de O’Hara, tanto que
a sua mente se transformou num
caos.
E quando uma ideia começou
surgindo, dando-lhe a entender o
que estava sucedendo, o jovem
afastou-a de si mantendo-a ainda
presa pelas mãos.
Jayne sentiu-se incapacitada de
pensar, ao vê-lo agora com as suas
feições alteradas, como se estivesse
horrorizado. Depois...
E com um violento empurrão,
lançou-a sobre a erva. Logo de
seguida afastou-se, voltando-lhe as
costas.
A jovem ficou ali mesmo, feita
num novelo, com a mão junto da
boca e uma estranha indefinível
expressão no rosto, enquanto
O’Hara montava no seu cavalo,
desaparecendo pouco depois por
entre o arvoredo.
Levantou-se então e correu para
um ponto onde o mato era mais
espesso. Parecia que ia também
buscar a montada. Mas não era esta
a sua intenção. Jayne, louca de fúria,
encaminhou-se na direcção duma
cabana situada umas quinhentas
jardas arroio acima. Uma cabana
que O’Hara poderia ter visto se não
fosse completamente absorvido pelo
pensamento de Noemi, pois que
tinha sido este o obstáculo que se
tinha interposto entre ela e ele.
A jovem chegou à cabana sem se
deter na sua correria e mal recobrou
o alento pegou numa «Winchester»
que pendia dum prego cravado na
parede. Com a arma empunhada,
dirigiu-se para a janela.
O’Hara, sobre a cela, começava a
subir um pronunciado declive ainda
dentro do pequeno bosque. Jayne
apontou e premiu o gatilho.
O chumbo passou sinistramente a
pouca distância da cabeça do
cavaleiro,, que imediatamente se
debruçou sobre o pescoço do
cavalo, soltando uma imprecação e
cravando simultaneamente as
esporas.
Ouviram-se ainda duas
detonações de efeitos nulos, talvez
devido à magnífica arrancada do
animal. O’Hara volveu seus olhos na
direcção da cabana e entendeu que
aquele gato-montês chamado Jayne
Sinclair, tinha a luminosa ideia de lhe
transformar a pele num passador.
CAPÍTULO II
Jim Madigan, como sempre
acontecia desde que perdera a
estrela devido à influência maligna
do velho Ted Kennedy, encontrava-
se embriagado naquela noite, o que
era um verdadeiro perigo atendendo
a que era tido em Belem como um
«pistoleiro».
Todavia, ainda havia muitos que
não deixavam de reconhecer que
ele, de parceria com o juiz Joe Kelly,
tinha limpado de foragidos toda a
cidade numa época não muito
distante, análoga àquela por que
Belem estava atravessando.
Mas agora a embriaguez do
antigo xerife não era, nem pela
estrela nem pela recordação de Bob
O’Hara, no qual pensava muito
amiúde. Era nem mais nem menos
por culpa do rancheiro Kennedy e,
mais do que este, pelo que tinha
acontecido na noite anterior no
«Oklahoma Saloon» sem que o seu
proprietário, homem de sentimentos,
pudesse ter intervindo.
Ninguém podia ter evitado aquilo,
nem mesmo ele, caso se
encontrasse em Belem, embora
fosse ele o único com verdadeira
valentia para enfrentar três dos
homens de Ted Kennedy ou sua
bela filha, estendendo a mão em
socorro de Joe Kelly.
Havia horas que andava bebendo,
de «saloon» em «saloons, já que as
coisas nos últimos anos se tinham
transformado bastante em Belem.
Agora, absolutamente toldado
pelo álcool, Madigan saiu do
«Estrela do Sul, um tugúrio com
pretensões a lugar distinto, onde
tinha acabado de tomar outro
«whiskeys.
Na borda do passeio teve uma
tontura que o fez quase tropeçar,
indo parar ao meio da rua. Ali traçou
um «S» bastante regular sem deixar
de sibilar algumas palavras entre
dentes, para logo a seguir se dirigir
para o «Oklahoma«, cujos
candeeiros de petróleo alumiavam a
rua quase às escuras, através das
janelas abertas.
Junto das portas-batentes deteve-
se uns instantes, fazendo esforços
visíveis para que o seu corpo de
atleta não vacilasse tanto. Em
seguida, ajustou o cinturão da cartu-
cheira e entrou no estabelecimento.
Fixando unicamente a barra do
balcão, atravessou por entre os
presentes que se calaram quando o
viram e, por fim, estacou em frente
de Fletcher.
O dono do «Oklahoma»
empalideceu um pouco, fitando em
seguida uma das mesas onde três
homens contemplavam quatro
bailarinas, enquanto bebiam
genebra, tendo subitamente que
desviar a sua atenção pois lhe
estavam pedindo qualquer coisa:
─ Sirva-me um pouco desse
veneno que o senhor conhece,
Randolph.
Fletcher não hesitou um segundo:
─ Não, Madigan. Por esta noite,
não é conveniente que beba mais.
O antigo xerife de Belem arqueou
comicamente uma sobrancelha,
assombrado por uma negativa
daquela índole.
─ Está a brincar, não? ─
Perguntou com voz um pouco
insegura.
Randolph não respondeu com
palavras, mas o gesto que fez com a
cabeça dava a entender que estava
dizendo a verdade, e seu sangue,
sempre quente, parecia querer
ferver-lhe nas veias.
─ Que bando de cobardes! ─
Rebentou. ─ E não digo isto por ti,
Ralph Fletcher, pois tu sempre o
foste, mas refiro-me antes a todos os
que estão por aí. Fita-os bem, Ralph!
Assustados e calados como
donzelas! ─ E ao proferir estas
palavras, para dar mais força às
mesmas, Madigan encarou a
silenciosa assistência do
estabelecimento, que o fitava como
se estivesse velando um cadáver.
Estava quase a cair, mas conseguiu
ficar direito, vacilando, soltou uma
gargalhada que nada tinha de agra-
dável e sublinhou por entre soluços:
─ Tremendo porque alguém,
chamado Ted Kennedy, quer tudo o
que há de bom em Belem.
Assustados por esses coiotes com
esporas que têm em seu redor.
Inclusivamente por sua filha, uma
simples mulher mais parecida com
um puma das pradarias do que outra
coisa! ─ E Madigan calou-se, fitando
em redor de si, com um esgar
estúpido na sua boca; vacilou por
instantes, agarrando-se à borda do
balcão, lutando por que a ideia que
tinha na mente tomasse forma e
quando o conseguiu voltou-se para
Fletcher intensamente pálido: ─ Tu,
também tens medo, Ralph. E tudo
isto porque foste o único em Belem
que jurou declarar-se a favor de Bob
O’Hara diante de qualquer. É isso o
que temes? Que agora esse idiota
do Kennedy faça contigo o mesmo
que fizeram os seus homens com
Jim Kelly? Que cambada de...
Porcos... Sim... Senhor. ─ E girou
completamente sobre si mesmo.
Inclusivamente as bailarinas
tinham deixado de actuar, ainda que
se mantivessem no palco, pálidos e
assustados seus bonitos rostos. Os
três homens também estavam
calados, fixando Joe Madigan com
olhos que mais pareciam fogo
assassino.
Nem sequer bebiam. Escutavam,
simplesmente...
Madigan tão-pouco falava,
parecendo querer encontrar alguém
com quem recomeçar a conversa e,
para tanto, ia fitando um por um.. Até
que deu pelo trio.
Seu corpo pareceu ter sofrido
uma descarga eléctrica, vendo todos
como ele tinha estremecido. Houve
quem pensasse que aquela
retracção tinha sido de medo, ao ver
as sinistras figuras dos três
«pistoleiros» de Kennedy, mas
estavam enganados.
E foi ele próprio que se apressou
a desfazer quaisquer dúvidas. Sem
desviar os olhos deles, exclamou:
─ Olhem, lá estão eles! Mais três
porcos, o amparo de um velho
abutre. Mike Terrence, Don Tyler e,
por último... O sujo Tom Harristone.
Carne para a forca, os três!
Valentes, como outros não há! Tanto
que são precisos os três para lutar
conjuntamente contra Joe. E sabem
porquê? Porque o velho abu...
─ Fecha o bico, Madigan!
A ordem soou da boca do gordo
Terrence, ao mesmo tempo que os
seus pequenos olhos pardos
brilhavam perigosamente. Os três
estavam já de pé quando este falou
secamente, como uma chicotada.
Porém, Madigan, ou estava
demasiado embriagado ou não temia
o trio, pensando talvez que ainda era
o mesmo de antes, visto que replicou
sem se intimidar e por entre
escandalosos soluços, que noutra
ocasião teriam feito rir todos, mas
que agora estavam provocando
precisamente o efeito contrário,
atendendo ao facto da numerosa
clientela começar a recuar,
retrocedendo até ficar junto das
paredes, enquanto outros preferiam
ir saindo pela porta, pensando que
da janela o espectáculo também
seria bem seguido e com muito
menos perigo.
─ Porque queres tu que eu me
cale, Terrence? O porco do teu
patrão não gosta, não?
Decididamente, Joe Madigan
estava insuportável naquela noite.
Nenhum dos presentes tinha ideia de
o ter visto no «saloon» como
naquela noite, com uma bebedeira
tão agressiva como aquela, nem
mesmo quando em Belem se soube
que o «Terramoto O’Hara» se tinha
casado em Sells, no longínquo
Arizona, com uma mulher chamada
Noemi Cárter.
Aquilo era verdade, mas também
o era, que nunca o rancheiro tinha
lançado os seus homens contra eles
daquela maneira brutal e serrando-
os separadamente.
E era precisamente o que ia
acontecer naquela noite a Madigan,
que, tendo bebido quantidades
assombrosas de «whisky» o
tornavam se não um elemento
perigoso, porque no momento de
sacar deveria estar sumamente torpe
para o fazer com eficiência, mas sim
suficientemente agressivo para dizer
a verdade, o que ele realmente
sentia, sem medo das
consequências.
─ Toma cautela com a língua,
Madigan! Ou então vai acontecer-te
o mesmo que se passou com esse
simpático antigo juiz.
As palavras de Don Tyler,
juntamente com a troça que delas
emanava, fizeram saltar Madigan; a
seguir, encolheu-se como um gato
pronto a saltar e levou a mão ao
«Colt», deixando-a crispada junto da
culatra.
Até agora silencioso, Tom
Harristone deslocou-se para um
lado, enquanto o centro do
estabelecimento ficava
absolutamente deserto. Por seu
turno, Tyler fez o mesmo mas em
sentido contrário e Terrence ficou ao
meio.
Os três com as suas mãos junto
das culatras. Encolhidos também e
com um sorriso estranho pairando
nas suas bocas.
Madigan mexeu-se um pouco e
quando conseguiu restabelecer o
equilíbrio do corpo, fitou-os em
conjunto.
─ Vamos, seus valentes ─ Disse.
─ Vou fazê-los mascar chumbo
antes que regresse Bob O’Hara e
acabe com vocês de vez.
Apesar de terem pela frente o seu
adversário, eles entreolharam-se
durante uns segundos. Depois
voltaram a fixar o jovem, e
Harristone perguntou no mesmo
instante com voz fria:
─ Explica isso, Madigan! Como
sabes que ele vai voltar?
Madigan teve então um ataque de
riso. Depois, o silêncio reinou
novamente. Interrompeu então
aquele prolongado silêncio:
─ Sei e basta. Estamos de
acordo?
─ És um estúpido, Madigan ─
Retorquiu Torrence. ─ Esse Bob
O’Hara, a quem não conheço, nunca
virá a Belem. O senhor Kennedy
nunca iria permitir que isso
acontecesse. Tu sabes bem que há
uma dívida de sangue entre eles.
Não eras tu xerife quando isso
aconteceu, Madigan?
O aludido voltou a rir e parou
subitamente para os encarar.
─ Grandes imbecis ─ Gritou. ─
O’Hara acabará com vocês todos.
Saiam daqui ou peguem nas armas,
seus porcos! Mas, antes, uma
pequena advertência: nenhum de
vocês vai sair daqui pelo vosso pé.
Três asquerosos ratos a menos para
o abutre do vosso patrão.
Foi precisamente Harristone quem
deu o sinal de ataque puxando pelo
seu «Colt». Madigan saltou de lado
mas vacilou permitindo que Tyler
com um sorriso nos lábios
disparasse junto ao coldre, quando
Madigan demasiado lento pelos
efeitos do álcool tinha conseguido
sacar o «Colt».
Com uma pancada espantosa o
projéctil de Tyler arrebatou-o das
mãos. Durante uns segundos a
bebedeira de Joe Madigan pareceu
esfumar-se por completo, pois
ergueu-se em toda a sua estatura
fitando-os, e sobretudo a Terrence
que nem se tinha incomodado a
sacar.
E quando os viu avançar na sua
direcção compreendeu que se
propunham fazer-lhe o mesmo que
tinham feito com Kelly. Iam bater-lhe
até lhe deixarem os ossos
amassados.
Madigan retrocedeu até que as
suas costas tocaram no balcão,
sacudindo a cabeça para que os
efeitos do álcool não lhe invadissem
por completo o conhecimento.
Em parte conseguiu o que
pretendia e dispôs-se a repelir a
agressão o melhor que pudesse.
Os pistoleiros deram três passos,
sorrindo com canalhas. O silêncio
que reinava dentro do «Oklahoma
saloon» tornava-se insuportável.
Junto do balcão, mas por detrás,
Fletcher suava.
E foi então que soou aquela voz
vinda da porta e que teve o condão
de tornar completamente consciente
o antigo xerife Madigan:
─ Vocês, aí! A minha tia de
Oklahoma não havia de gostar de
ver isso! Aposto a minha pele em
como não!
Era uma frase feita há muitos
anos. Tanto, que essa andava
sempre junto de Bob O’Hara, algo
que noutro não teria qualquer
importância mas que, partindo dele,
tomava outro aspecto. A «tia» de
Bob constituía no Texas, Arizona e
Novo México uma lenda tão forte
como o homem que a tinha
inventado.
─ Bob O’Hara; Com todos os
diabos!
Foi da boca de Madigan que se
soltou esta exclamação, enquanto
Fletcher murmurava entre dentes,
em tom calmo, mas não tanto que o
trio o não tivesse ouvido:
─ Por todos os demónios do
inferno, Ralph...; «Terramoto
O’Hara» em pessoa.., E tu que não
acreditaste quando to disse
Madigan!
Fletcher não teve outro remédio
senão interromper seus
pensamentos ao ver como Terrence,
Tyler e Harristone giravam
velozmente levando as mãos aos
«Colt» que lançaram reflexos
metálicos e sinistros à luz dos
candeeiros de petróleo, enquanto o
ar estremecia pelo troar das
detonações.
Tudo aconteceu num segundo.
Em tão curto espaço de tempo que
nenhum dos três conseguiu saber
como era mesmo, Bob O’Hara
estava envolvido pelo fumo branco
dos disparos, enquanto eles sentiam
nos seus peitos a mordedura fatal do
chumbo.
Tossindo, cambaleantes como
momentos antes fizera Madigan, os
três giraram sobre si mesmos dando
um par de voltas para depois caírem
por terra como fardos.
E quando o último dos três tocou
nas tábuas do chão do
estabelecimento, o «Colt» de O’Hara
estava novamente carregado pronto
a entrar em acção.
Ficou estático contemplando
inúmeras caras conhecidas, sem que
sequer um sorriso surgisse na sua
boca. Nem ainda quando fitou
Randolph Fletcher, que naquele
instante estava limpando o suor da
testa, perguntando a si mesmo como
poderia o jovem ter sacado daquela
maneira, já que estava certo, e
juraria se necessário fosse, de que
Bob O’Hara não trazia o «Colt»
empunhado quando entrou no
«saloon».
O’Hara acercou-se lentamente ao
encontro de Madigan sem que ainda
desta vez surgisse qualquer sorriso
na sua boca.
O jovem falou no justo momento
em que se deteve na sua frente:
─ Sempre foste um estúpido,
«estrelinha». Essa é também uma
das coisas que a minha tia de
Oklahoma me disse. Mas ainda -
assim...
Bob O’Hara, estendeu-lhe a mão.
Madigan estreitou-a com calor,
notando cada vez mais estranho que
os vapores do álcool tivessem
desaparecido quase por completo da
sua cabeça.
─ E Jim Kelly, Madigan? Segundo
as minhas notícias andam sempre
juntos, ao ponto de estarem
completamente embriagados e a
meterem-se com tipos da laia
destes.
A pergunta inesperada
surpreendeu Madigan que hesitou
em responder ainda que
desconhecesse a verdadeira razão
desta sua atitude.
─ Vamos ─ Disse um tanto
secamente. ─ O ar da noite vai
limpar esses vapores que ainda
andam por aí ─ Disse O’Hara
agarrando-o por um braço.
CAPÍTULO III
O’Hara sem dizer mais palavra
encaminhou-se na direcção da porta.
De passagem, fitou aqueles rostos, a
maioria dos quais conhecia de há
muito. Os homens que se
encontravam na porta acumulados
em massa e que começavam a abrir
caminho, afastaram-se o mais pos-
sível, quando viram que ele se dirigia
naquela direcção.
Em todas elas via a mesma
expressão. Primeiro estupefacção
perante o seu regresso que ninguém
esperava e depois um gesto
indefinível que se podia traduzir
pouco mais ou menos como se o
considerassem um defunto.
E esta era a verdade. Todos
estavam pensando o mesmo: que
Bob O’Hara talvez chamado por
Madigan ou Kelly tinha regressado
para morrer!
Partira, deixando atrás de si um
rasto de sangue, "conjuntamente
com vários cadáveres estendidos
sobre a poeira daquela mesma rua,
mortes que ninguém mais lamentava
a não ser Sílvia e Ted Kennedy.
Um deles era o noivo dela. Outros
três, primos deste, e outros mais. E
tinha regressado da mesma maneira!
Kennedy não ia perdoar aquela sua
atitude, como não tinha ainda
esquecido o que se passara tempos
atrás.
Tudo isto adivinhou O’Hara em
menos de um segundo, e sua
expressão dura acentuou-se ainda
mais, tendo havido uma única
pessoa até então que a tinha
conseguido modificar e esta era
Jayne Sinclair.
Quando estava já junto da porta
voltou-se subitamente para o balcão
encarando Fletcher.
─ Deixou-lhe essa recordação,
Ralph ─ Disse secamente. ─ A
minha tia de Oklahoma não gosta de
mortos.
Madigan esboçou um sorriso.
Já na rua. O’Hara notou que, junto
à porta do «saloon; ainda estavam
muitos curiosos comentando o seu
regresso, mas no resto da rua não
se via vivalma.
Levou a mão ao «Colt» e com ela
colada à culatra continuou
avançando, rua abaixo. Junto dele e
também no mais completo silêncio,
embora estivesse pensando, estava
Joe Madigan.
E quando finalmente ficaram um
pouco distantes da povoação junto
do cavalo do jovem. Madigan
quebrou o silêncio, dizendo:
─ Sentimos muito o que se
passou em Sells, Bob.
Este fitou-o agora francamente
sob a luz pálida das estrelas.
─ Também se sabe isso
Madigan?
─ E porque não, tratando-se de ti?
Desde que o teu nome é conhecido
em qualquer parte, mais tarde ou
mais cedo, as notícias acabam por
percorrer todo o Oeste. Acredita que
o sinto bastante. Ainda que estranhe
a tua atitude depois da partida que te
pregámos, Jim Kelly e eu.
─ Isso são águas passadas.
Portanto desata a língua e diz-me o
que foi feito desse bêbado
incorrigível chamado Kelly.
Madigan tardou uns instantes a
resposta, e depois acabou por dizer
secamente, enquanto o jovem
notava a crescente fúria que ia
sentindo enquanto falava:
─ Esses porcos do Kennedy
agrediram-no ontem à noite no
«Oklahoma». Eu não estava lá,
Bob... Senão... E fica sabendo que
estando os dois ninguém lhe tocava.
Madigan, ao que parecia, devia
ainda sofrer alguns sobressaltos
naquela noite, pois assim aconteceu
quando o jovem lhe perguntou:
─ Quem eram eles?
─ Acabaste com eles esta noite,
Bob. Isso também é coisa passada.
─ E a carta?...
E ali, sob as estrelas, ambos se
olharam. Um deles tentando rodear
uma resposta concreta, temendo que
ao tomar conhecimento dela o jovem
montasse a cavalo e se afastasse de
Belem sem voltar a cabeça.
O outro tentando descobrir no
rosto de Madigan algo que lhe
dissesse muito mais do que a
resposta que aguardava. Porém, o
rosto do antigo xerife era uma
máscara impenetrável, e assim se
manteve quando retorquiu:
─ Isso não é obra minha, Bob.
Portanto será melhor ir vê-lo. Vive
quase nos arredores, mas do lado
contrário àquele em que nos
encontramos agora.
De novo, pela rua silenciosa
O’Hara manteve a mão bem junto da
culatra do «Colt», notando dentro de
si uma estranha sensação, como se
algum daqueles escuros portais
estivesse escondendo a.., Morte.
O jovem sabia que a sua volta a
Belem tinha já que ser do
conhecimento geral, assim como a
morte dos três pistoleiros de Ted
Kelly; mas o que ele não podia adivi-
nhar era que os olhos de Sílvia
Kennedy o estavam fitando no meio
das sombras e que estes reflectiam
assombro como ódio, e talvez ainda
qualquer coisa mais.
Não o tinha visto chegar
atendendo ao facto de O’Hara ter
deixado o cavalo à porta da cidade
para depois, atravessando inúmeras
ruas se acercar do «Oklahoma
saloon» o mais rapidamente
possível, sabendo que ali iria
encontrar Madigan e Kelly.
Mas agora, e perante o seu
assombro, verificou que o
estabelecimento de Fletcher não era
o único em Belem. Havia vários
espalhados pela ampla avenida
principal, mas O’Hara não se deteve
em nenhum deles, sabendo que, se
os dois que ele procurava
mantinham os antigos costumes e
gostos, tinham de se encontrar num
estabelecimento e o «Oklahoma»
era aquele que eles tinham de há
muito escolhido.
Sílvia Kennedy nada sabia disto.
Simplesmente tinha ido ao armazém
de Belem encomendar algumas
coisas para o rancho. Fez-se tarde,
após ter visitado alguns esta-
belecimentos que seu pai tinha
agora na cidade. Foi uma
casualidade que seus passos se
tivessem dirigido para a rua principal,
e muito mais ainda que, ao chegar
ao «saloon» de Fletcher, alguém
gritasse no meio da rua: «Por todos
os demónios do inferno, Trent; é...
Bob O’Hara!»
Sílvia tinha ficado imóvel incapaz
de acreditar no que tinha ouvido,
porém os tiros deram-lhe a entender
que afinal era tudo realidade.
Momentos depois, escondida num
umbral duma porta viu-o sair
acompanhado por Madigan. Não
teve outro remédio que não fosse
aguardar que eles voltassem de
novo. E agora mantinha-se
esperando que se afastassem ainda
mais, adivinhando pela direcção que
iam tomando qual o rumo que iam
seguir.
Entretanto, os dois jovens
aproximavam-se, em silêncio, da
casa que agora ocupava Jim Kelly
nos arredores da cidade.
Como um cão, o cavalo seguia
atrás, e depois quando eles
entraram, o animal ficou ali
esperando que O’Hara se lembrasse
de o guiar até qualquer cavalariça.
Kelly lançou uma imprecação
quando os viu. Subitamente, seu
rosto pleno de assombro fixou-se em
Bob O’Hara.
─ Não pode ser, O’Hara; nunca
pensei que voltasses!
E moveu-se, tentando erguer-se.
No mesmo instante um gesto de dor
marcou o seu semblante e os olhos
do jovem cintilaram. Além das dores,
havia inúmeras marcas espalhadas
no seu rosto, indicando bem a brutal
agressão de que tinha sido alvo.
Tinha feridas até na testa. Um
olho completamente tapado graças
ao inchaço. E o jovem pensou
naquele momento como é que ele
teria o corpo, pois que ele não se
recordava de ter visto um rosto tão
maltratado como aquele.
Apesar dos seus pensamentos
O’Hara perguntou, seguindo o fio da
conversa que tinha iniciado Kelly,
quando este lhe estendia a mão:
─ Porque foi que pensou isso,
Kelly? O senhor escreveu-me, não
foi? Porque não o fez antes?
─ Sente-se, Bob ─ Respondeu o
aludido, apontando uma das
cadeiras, e dirigindo-se
particularmente a ele pois que
Madigan não necessitou de qualquer
indicação para se sentar na cama,
depois de estender as suas longas
pernas no chão de madeira a
procurar a melhor posição.
O jovem imitou-o encarando no
mesmo instante com um gesto
interrogante, o antigo juiz de Belem.
─ O senhor vivia feliz, no seu
rancho de Sells, Bob O’Hara.
Portanto para que havíamos de nós
de o incomodar? ─ E o rosto do
jovem nublou-se perante a
recordação, enquanto Kelly
prosseguia. ─ Agora as coisas
mudaram; desde.. Aquilo que
aconteceu, o senhor voltou a ser o
que era dantes. Seu nome começou
a ouvir-se e compreendi que estava
fazendo falta aqui, novamente.
─ Para me mandar outra vez
embora, Kelly?
Este sorriu levemente e passou
por cima da pergunta.
─ Como foi que aconteceu aquilo
com sua esposa, O’Hara?
O jovem estremeceu
perceptivelmente ficando suma-
mente pensativo.
─ Mataram-na ─ Respondeu
depois, enquanto Madigan e Kelly
notavam o esforço titânico que
estava fazendo para que a sua voz
soasse firme. ─ Foi um ataque
contra o rancho por um dos bandos
de ladrões que havia na montanha.
Salvou-se o rancho mas ela..,
Morreu beijando-me. Por todos os
demónios do inferno, Kelly! Era uma
verdadeira mulher, aquela que eu
conheci como caixa de um dos mais
famosos «saloons» de El Paso!
Depois voltei a encontrá-la ainda em
Sells, numa solitária e mísera
cabana, junto de três ovelhas
brancas. Estava cega; pelo menos
era o que eu pensava até que nos
casámos e ela confessou a verdade.
Soube fingir bem para poder acabar
com o homem que tinha assassinado
toda a sua família. E conseguiu-o,
com um simples «Colt», uma
espingarda, um poncho mexicano
para poder esconder o seu corpo e
uma mascarilha vermelha em seda.
Em muitas ocasiões salvou-me em
Sells de várias emboscadas, e eu
sempre pensando quem seria aquele
escorrediço mascarado com poncho
e mascarilha vermelha. E afinal era
minha mulher, Kelly! E... Para depois
morrer assim, sem que ao menos
possa ter a consolação de a poder
vingar, pois eles eram tantos que
saber qual deles a atingiu é
impossível! Inclusivamente pode até
ser qualquer dos foragidos que
ficaram para sempre estendidos por
terra. Enterrei-a e parti. Que o diabo
me leve com esporas e tudo se volte
novamente para Sells!
E O’Hara acabou por se calar
vencido pelos seus próprios
pensamentos. Seu rosto era a
máscara do sofrimento.
Passaram-se alguns minutos no
mais completo silêncio, que Jim Kelly
interrompeu quando decidiu dizer:
─ Que diabo, O’Hara; um homem
não pode viver sempre de
recordações!
O jovem ergueu os olhos do chão
fitando-o frente a frente. E quando o
antigo juiz pensava que ele ia res-
ponder às suas palavras, O’Hara
perguntou:
─ Porque foi que o agrediram,
Kelly?
E perante estas palavras,
Madigan e Kelly entreolharam-se
enquanto O’Hara cravava seus olhos
frios nos dois.
Finalmente, Kelly encarou-o
replicando:
─ Na minha carta dei a entender
qualquer coisa embora não tudo.
Ted Kennedy quer as minhas terras.
Sempre me neguei e.., Este é o
resultado, atacando-me quando pela
primeira vez não estávamos os dois
juntos! Porcos com esporas! Como
se conseguissem alguma coisa com
isso!
A resposta de O’Hara não se fez
esperar.
─ Passei por elas há umas horas
e vi a cabana. São boas e o pasto é
bastante abundante. Mas não creio
que esse seja o principal objectivo
de Kennedy. O meu antigo patrão
sempre teve bons pastos e
abundante água. A minha tia de
Oklahoma tão-pouco o sabe e por
isso me vejo forçado a perguntar.
Porquê, Kelly? Para que quer ele
estas terras? Ou talvez queira
qualquer coisa que eu também tive
ensejo de ver? Diga lá essa história
de uma vez, Kelly; eu sempre
detestei os rodeios.
E o antigo juiz de Belem
respingou na cama, enquanto seu
rosto se crispava de dor; naquele
preciso instante compreendeu que
Bob O’Hara tinha tido qualquer ques-
tão pessoal com a bela e felina
Jayne Sinclair.
E Jim Kelly conhecia
suficientemente bem Bob O’Hara
para entender o perigo que poderia
ter resultado deste encontro. Kelly
fitou-o atentamente, disposto a
responder.
CAPÍTULO IV
Sílvia Kennedy ainda permaneceu
um bom bocado no escuro porta!
Depois de O’Hara e Joe Madigan
terem desaparecido a caminho de
casa de Jim Kelly.
Depois e de uma maneira brusca,
abandonou o portal, e andando de
maneira insinuante encaminhou-se
para a porta do «saloon» onde ainda
se encontrava um ou outro curioso
que comentava o acontecimento,
calando-se mal a viram, como se
tivessem perdido a fala
repentinamente na sua presença.
Sílvia encarou-os e por meio de
perguntas veladas por ameaças,
logo conseguiu inteirar-se do que
queria, de que O’Hara tinha voltado
tal e qual como tinha partido,
matando homens ao serviço de seu
pai!
Lentamente, como não querendo
dar a entender a pressa que tinha, a
jovem encaminhou-se para o local
onde tinha deixado ficar o seu
cavalo.
Os olhos dos homens pareciam
lançar centelhas ao vê-la passar.
Vestindo um trajo de vaqueiro
bastante justo ao corpo, realçava de
uma maneira assombrosa suas for-
mas de deusa pagã.
E Sílvia, como se adivinhasse o
que eles estavam pensando, ia
caminhando de forma a provocar
ainda mais a atenção dos homens.
Ela sabia que era formosa e gostava
de brincar com o fogo, coisa que
sempre tinha feito, ainda mesmo
quando era vivo o seu noivo.
Duas horas mais tarde e já cerca
da meia-noite, Sílvia atravessou as
pastagens do seu rancho como um
furacão e desmontou junto ao pórtico
ainda antes que o animal tivesse
parado de todo.
A seguir e com a mesma pressa,
subiu de um salto os três degraus e
empurrou violentamente a porta
entreaberta. Sem parar e sem que
qualquer criado a tivesse visto, a
jovem atravessou o espaçoso «hall»
do rancho dirigindo-se directamente
para a escadaria, que subiu como
um bólide.
Do mesmo modo entrou no
escritório de seu pai, que se levantou
violentamente do cadeirão que
ocupava como se, no fundo deste,
se tivessem soltado todas as molas
tendo na ponta alfinetes.
Pai e filha fitaram-se por instantes
e Kennedy viu-a agitada, com o
busto subindo e descendo
descompassadamente e o rosto
congestionado pela excitação.
Por seu lado, Sílvia desejava
poder dar aquela notícia sabendo
que ia causar o efeito de uma
bomba, mas aguardava que fosse
ele a perguntar primeiro.
E como previra, o velho não pôde
conter-se e perguntou:
─ De onde vens a estas horas,
Sílvia?
─ De Belem.
Esta foi a fria resposta que Ted
Kennedy obteve de sua filha, que
agora o fitava com uns olhos que
pareciam despedir fogo. E como já a
conhecia, retorquiu calmamente na
aparência, já que estava certo de
que qualquer coisa de invulgar tinha
acontecido na cidade e que, de
qualquer forma, lhe dizia respeito e a
ela também.
Todas as atitudes de sua filha lhe
diziam isso mesmo. O brilho dos
seus olhos, o movimento quase
imperceptível de seus maravilhosos
ombros apenas cobertos por uma
ligeira blusa e, por fim, todo o tremor
que ele adivinhava naquele
maravilhoso corpo.
─ Isso que dizes já eu sei, Sílvia ─
Respondeu pacientemente. ─ Mas
há algo importante. ─ E num duro
contraste com a sua gentileza
anterior, Kennedy deu repen-
tinamente um estalido. ─ Por todos
os diabos do inferno, queres dizer-
me duma vez o que foi que
aconteceu em Belem, para que
venhas dessa maneira e a estas
horas? Solta a língua duma vez E
sobressaltou-se visivelmente com o
repentino riso que acometeu a
jovem. Depois, a sua voz trocista
sobressaltou-o ainda mais.
─ Perdeste esta noite três bons
elementos, papá. Mike Terrence,
Don Tyler e Tom Harristone acabam
de morrer dentro do «Oklahoma
Saloon»!
Ted Kennedy avançou para a sua
filha, levando no rosto toda a fúria
que o invadia.
Mas Sílvia devia estar
acostumada a isto, porque nem
sequer retrocedeu, nem tão-pouco o
seu corpo denotou o mais leve
tremor.
Kennedy estacou, fitando-a nos
olhos. Com voz enrouquecida
perguntou:
─ Quem foi o filho de uma loba
que o fez, Sílvia? Fala ou não
respondo por mim!
E Sílvia riu nas suas próprias
barbas, enquanto respondia com a
voz entrecortada pelo seu próprio
riso:
─ Tu não me vais tocar, pai. E
pensa que isso não te convém para
os teus próprios interesses. Onde
iriam parar os teus negócios sem
mim? Ao diabo, velho! ─ Disse,
agora sem qualquer respeito. ─ Por
isso nos aguentamos tu e eu, apesar
de tu seres meu pai e eu tua filha.
Tu, porque te serve a minha cabeça.
E eu... ─ Sílvia riu de novo, e seu
riso teve qualquer coisa de histérico
─ Porque me faz falta o teu dinheiro,
já que perdi Phil Bellow, com o qual
pensava casar-me pelo mesmo.
Nenhum de nós dois gostamos um
do outro, mas precisamos de estar
unidos e aí está porque não receio
que me venhas ameaçar. Sim ─
Prosseguiu, agora com amargura. ─
Não me olhes dessa maneira, já que
eu sou como tu quiseste que eu
fosse. Com pele de cordeiro por fora
e puma por dentro. Querias um
varão e minha mãe deu-te uma
fêmea, para a qual mal olhaste
enquanto pequena. Depois, quando
comecei a ser mulher e muito
formosa por sinal, uma beleza
diabólica, certamente, educaste-me
como te apeteceu, sempre pensando
no que poderias sacar a este bando
de camponeses estando eu por
meio. Sou o varão que tu tanto
desejavas, moldado por tuas
próprias mãos e do qual não te
podes desfazer, tanto pelo sangue
como pelo interesse. Somos, como
vês, um para o outro, pai!
Kennedy retrocedeu um passo,
vítima da maior incredulidade,
olhando sua filha como se fora a
primeira vez que o fizesse. Depois,
com voz enrouquecida pela sur-
presa, balbuciou:
─ Esse.., Esse ódio, Sílvia...
Quem...?
─ Foi uma história que minha mãe
me contou antes do morrer, mas que
para nada serviu, posto que eu já
estava perdida para o bem e tudo
graças a ti. Agora... Já não sei se me
odeio a mim mesma, ou te odeio a ti,
ou não odeio ninguém. Como tão-
pouco sei se me agrada todo este
mal que estamos fazendo, e que
sempre temos feito, nesta comarca.
Creio... Creio que acabarei os meus
dias ficando louca e muito mais
depois do que ocorreu esta noite em
Belem.
E foi precisamente ao nomear o
nome da cidade que o estupefacto
Kennedy caiu em si, verificando que
tinha esquecido por completo a
morte de três dos seus melhores
homens.
Perguntou novamente com voz
opaca:
─ Quem foi que os matou? Diz-
me, Sílvia!
Ela sorriu, como se percebesse
de antemão que a notícia que lhe ia
dar era simplesmente o eco do seu
pensamento ante a ideia que lhe
acabava de ocorrer.
Fosse como fosse, Sílvia
respondeu sem que esse sorriso
desaparecesse de sua linda e
feiticeira boca:
─ Um dos teus antigos peões, pai.
O mesmo que matou Phil Bellow e
seus primos, burlando-te depois com
a sua fuga. Um homem chamado
«Terramoto O’Hara»: Bob O’Hara, se
preferes. É... O tal que tem em
Oklahoma uma dessas tias que tudo
sabem.
E Ted Kennedy não pôde saber
naquele momento que Sílvia, sua
filha, estava troçando de si mesma,
posto que, com o rosto desfigurado
por completo, deu um passo em
frente, exclamando fora de si:
─ Mentes! Estás mentindo, Sílvia!
Sempre mentiste desde que tens o
uso da razão!
E Sílvia Kennedy deu meia volta,
sem mais nada dizer, dirigindo-se
rapidamente para a escadaria.
Kennedy foi atrás dela,
segurando-a no meio do corredor.
Agarrando-a por um braço, fez com
que a jovem se voltasse furiosa.
Seus olhos cintilaram como uma
gata enraivecida, enquanto
perguntava:
─ Que queres agora de mim, pai?
A resposta foi como que o disparo
de uma espingarda.
─ A verdade, maldita sejas, Sílvia!
─ Já te disse a verdade. Bob
O’Hara está na cidade na companhia
de Joe Madigan e de Jim Kelly. Vão
dar-te trabalho, pai. Sobretudo se se
unem aos de certa cabana.
Por instantes o velho e altivo Ted
Kennedy ficou sem fala, enquanto
seus olhos negros se cravavam nos
de sua filha, que eram pardos...
Depois, e de uma maneira brusca, o
rancheiro rodou sobre si mesmo,
adiantando-se a ela. E desta vez
tocou-lhe a ela detê-lo.
─ Onde vais tu?
─ Reunir o pessoal. Arrasarei
essa cabana e depois tocará a vez a
Bob.
─ Deixa essa cabana, pai. Isso é
algo que eu não consentirei nunca e
tu sabes porquê. E quanto a
O’Hara... Vai dormir e deixa-o por
minha conta!
Kennedy fitou-a nos olhos, sem
compreender. Um minuto depois
sorriu levemente.
─ Tu é que vais tratar do assunto?
─ Perguntou.
─ Sim, pai. Mas já sabes as
minhas condições. Outra vez essa
gata e...
Kennedy assentiu com a cabeça,
pensando que era melhor deixar Bob
O’Hara nas mãos de sua filha...
Depois, se houvesse fracasso, seria
então ele a intervir sem ter em conta
as ameaças desta.
O velho rancheiro acreditava que,
estando ou não sua filha presente,
ele continuaria sendo o senhor de
Belem. Matar, ou ordenar matar,
nada significava para ela.
Embrenhado nestes pensamentos
deu meia volta, encaminhando-se de
novo para o seu escritório. Sílvia viu-
o partir movendo a cabeça e acto
contínuo desceu a escadaria em
direcção ao «hall», num dos
extremos do qual se encontrava o
seu quarto.
Em seu lábios vermelhos, que
fazia pensar em beijos, via-se agora
um trejeito trocista. Sílvia estava
gozando de antemão quando
pensava o que ia suceder a Bob
O’Hara entre as suas garras felinas!
E enquanto ela se metia nos
lençóis, mais além, no escritório, Ted
Kennedy sem a influência de sua
filha, sentia sobre si a presença
maligna de O’Hara, um homem que
tinha sido peão do seu rancho e que
agora era uma lenda em todo o
Oeste.
Que pensaria fazer sua filha?
Kennedy adivinhava-o. E quando
pensou nela, recordou todas e cada
uma das palavras que tinha proferido
naquela noite. Sabia bem que Sílvia
nada mais tinha dito do que a
verdade quanto à educação a que se
referira.
Mas na sua alma deformada
desde o início, da qual era dona e
senhora a ambição, não faziam mal
aquelas coisas. Para ele, Sílvia tinha
sido o instrumento por meio do qual
tinha conseguido alcançar certos
objectivos que de outra forma não
teria conseguido.
Tinha-a educado sobre aquele
terreno e sentia-se orgulhoso por
ela, apesar das disputas que por
vezes surgiam entre eles, e faça-se
justiça à verdade nada até então
atingira os limites como naquela
noite em que ela precisa e
concisamente lhe disse o que
pensava dele.
Ao recordar tudo isto, Ted
Kennedy perguntou a si mesmo a
que se devia tudo aquilo: ao
ressentimento que podia ter contra
ele, sabendo-se uma mulher odiada
por todos quantos a conheciam, ou
simplesmente porque fora
perturbada pela presença deveras
inesperada de Bob O’Hara?
Perante a súbita pergunta
formulada ao seu pensamento,
Kennedy sorriu de maneira sinistra.
Estava decidido a dar toda a
corda a sua filha até ver em que
paravam as coisas. Depois, se para
tanto fosse necessário, interviria em
pessoa contra Bob O’Hara. Depois...
Seu sorriso assemelhava-se
agora ao de Mefistófeles quando
pensou no felino e formoso corpo de
uma mulher.
Lentamente, Ted saiu do seu
escritório e desceu ao «hall». No
meio deste, viu a luz que se filtrava
por debaixo da porta do quarto de
sua filha e sorriu irónico, já que o seu
ser, carecido de alma, nem dava
afectos nem os recebia. Para ele não
contava sua filha, que educara num
ambiente mau e canalha. Como tão-
pouco contra a mulher enquanto
viveu, morrendo jovem por causa
dos desgostos, e mais depressa
ainda ao entender que sua filha
rapidamente se inclinava mais para o
mal que seu pai lhe ensinava do que
para o bem que ela podia incutir-lhe
na alma.
Tudo isto sabia Ted Kennedy e se
algo desconhecia era o facto de a
jovem ter insinuado que tanto um
como outro se odiavam mutuamente.
Mas tudo isto em nada afectava.
Para ele só contavam os dólares e o
poder.
E, na verdade, Ted Kennedy era o
mais perfeito canalha que podia
haver, um homem sempre
acostumado a sair-se com a sua. Por
isso mesmo, odiava Bob O’Hara.
Porque este era o único homem que
até então tinha troçado dele e que,
mesmo agora, se atrevia a voltar
unindo-se a duas das pessoas que
mais odiava em Belen.
Seu rosto tornou-se maligno
quando atravessou a porta dirigindo-
se aos barracões.
Kennedy não ia dar qualquer
ordem contra O’Hara, mas sim
despertar seus homens para lhes
contar, à luz do candeeiro de
petróleo, o sucedido no «Oklahoma
Saloon».
Duas horas mais tarde, cerca já
das três da madrugada, encontrava-
se finalmente no seu quarto com o
pensamento em O’Hara e em Jim
Kelly, o homem que tinha as terras
que ele desejava, apesar de todas
as advertências de sua filha.
Por isso tinha enviado Harristone,
Tyler e Terrence para que o
agredissem, aproveitando o facto de
Joe Madigan estar fora da cidade.
Estes tinham morrido e agora tinha
de permeio O’Hara.
Era uma complicação com a qual
não contara, embora o seu regresso
o alegrasse um pouco, atendendo a
que deste modo havia chegado a
ocasião para liquidar uma conta
pendente desde há muito.
E com a cabeça plena de
pensamentos e planos, visto que não
sabia já se poderia ou não contar
com sua filha, Ted Kennedy acabou
por adormecer.
CAPÍTULO V
─ A cabana e que mais, Bob? ─
Perguntou.
O’Hara fitou primeiro Madigan,
mas este mantinha a vista fixa na
parede, dando a entender que
aquele assunto pouco ou nada lhe
interessava.
Então o jovem volveu o rosto para
o antigo juiz.
─ E uma mulher que mais do que
isso parece um gato-montês, Kelly.
Disparou contra mim quando me
dirigia para aqui. E é essa fera que o
velho porco do Ted Kennedy
procura, não? Um bocado
demasiado apetitoso para uns
dentes já tão estragados como os
seus. Vamos, Kelly, diga de uma vez
o que está pensando.
Os olhos de Kelly mais pareciam
punhais, quando prontamente
replicou:
─ Que foi que se passou ali,
O’Hara?
─ Uma coisa incrível! Essa mulher
estava-se banhando quando cheguei
e tomou-me por um indivíduo sem
sentimentos. Que coisa!
Agora coube a vez a Madigan de
o olhar, no que foi imitado por Kelly.
O’Hara devolveu-lhes o olhar e
acabou por contar tudo quanto se
tinha passado com a rapariga.
Durante uns instantes os três
permaneceram em silêncio, no mais
completo silêncio, até que Jim Kelly
falou de novo:
─ É precisamente essa mulher
que Ted Kennedy anda perseguindo,
O’Hara. Mas tem tanto medo dos
irmãos, dos seus dois irmãos, como
de sua própria filha. Já teria arrasado
a cabana se Sílvia não estivesse
metida de permeio. Esta nunca
consentirá que se meta no rancho
um puma com saias, que de um
momento para o outro pode arran-
car-lhe os olhos. ─ O’Hara pensou
naquele instante que a designação
de puma ficava muito melhor a
Jayne Sinclair do que chamar-lhe
«gato-montês», como ele lhe
chamava. Entretanto, Kelly
prosseguia: ─ Quero a esses três
como se fosse algo meu, O’Hara.
Por isso, lamento bastante o
acontecimento, principalmente que a
tenhas beijado. Agora contas com
nova complicação. Jayne não é uma
mulher como Sílvia Kennedy e não
te vai deixar em paz, isto se não
mandar os irmãos à frente. Bob..,
Eu...
─ Quem são eles, Kelly?
─ Não chegaste a conhecê-los,
pois vieram pouco depois de... Te
termos posto a andar daqui, Bob.
Talvez a tua tia não soubesse disto,
coisa que me causa certa
estranheza. Vinham derrotados e
com cara de fome. Deixei que
ficassem neste bocado de terra.
Kennedy, velho patife, viu-a e sem
estar dentro de água, Bob. Desde
então quer... O que qualquer de nós
poderia querer, Jayne Sinclair é o
melhor que existe neste Estado. E
tu, como sempre, buscando
complicações, como se não
bastassem aquelas que existem com
Kennedy e seus homens, sem contar
com a filha.
E foi então que O’Hara fez uma
pergunta que surpreendeu tanto
Madigan como Kelly e devolveu a
hesitação que desde há muito lhe
estava causando Jim Kelly.
─ Porque não cedes as terras a
Kennedy e evitas complicações,
Kelly?
Este, apesar das dores que
sentia, e o seu rosto bem o
demonstrou, ergueu-se da cama
com uma exclamação de fúria.
─ Tu és doido, Bab! ─ Gritou. ─
Que o diabo me leve se antes disso
não a cedo a...
─...a mim, por exemplo ─
Interrompeu o jovem, fazendo com
que Madigan desse um salto na
cama. ─ Posso pagar por esse
bocado de terra suja o que quiseres,
Kelly.
Durante bastante tempo reinou
total silêncio em torno deles. A
seguir, Kelly deixou-se cair sobre a
cama e exclamou com voz
enrouquecida:
─ Estamos de acordo, Bob. Vou
fazer qualquer coisa ainda melhor do
que isso. Vou oferecer-te essas
terras. ─ E encarando Madigan,
prosseguiu: ─ Dentro da gaveta
daquela mesa estão os papéis de
propriedade, Joe. Dá-mos, por favor.
Madigan, sem proferir palavra
dirigiu-se ao local indicado, enquanto
ia pensando que Kelly não estava
certamente agindo de boa-fé para
com O’Hara. E quando os tirou da
gaveta interrogou-se, perguntando a
si mesmo se ele não estaria
seguindo o jogo, pensando na
formosura diabólica daquela rapariga
chamada Jayne Sinclair, esquecido,
ainda que mais não fosse por
instantes, de Noemi Carter.
E quando se voltou encarou-o
fixamente. Mas o rosto de Bob
O’Hara mantinha-se tão impassível
como uma esfinge de pedra.
Acercando-se, Madigan estudou-
o. Aparte as entradas nas fontes,
Bob O’Hara era o mesmo de
sempre. Vestia tal e qual como
quando o viu destruindo sozinho o
«Oklahoma Saloon». Uma jaqueta
de caça de pele do anta, com franjas
nas mangas. Calças e esporas de
vaqueiro. Lenço vermelho ao
pescoço, camisa aos quadrados
sobre a jaqueta e um solitário e
negro «Colt» do único coldre que
pendia abaixo da cintura.
Os mesmo olhos negros, de frio e
penetrante olhar. E as mesmas
correctas feições, duras como o
granito. Seus ombros e cintura
estreita; suas pernas longas e um
tanto arqueadas...
E Madigan pensou que Bob
O’Hara continuava sendo o mesmo
de antes, com o «Colt» na mão... Ele
já tinha visto de quanto era capaz!
Portanto tinha que concluir que
aquilo que se contava dele, após a
morte da mulher, deixara de ser uma
lenda, mas sim a realidade.
Com os documentos na mão
chegou junto à cama abandonando
aqueles pensamentos, enquanto se
propunha seguir a conversa entre
aqueles dois homens, ao mesmo
tempo que, num gesto pensativo,
acariciava a culatra dos «seus 45».
─ Aí os tens, Jim ─ Disse,
atirando-os para cima da cama.
Kelly pegou nos documentos.
Depois, fazendo um penoso esforço,
sentou-se na cama e a seu pedido o
próprio Bob O’Hara emprestou-lhe
um lápis...
Durante uns minutos o antigo juiz
de Belem traçou algumas palavras
no texto; depois assinou, para em
seguida estender os papéis ao
jovem.
Mas antes de lhos dar, Kelly fitou-
o nos olhos. E O’Hara adivinhou a
pergunta antes deste a ter for-
mulado:
─ Que pensas fazer dos irmãos
Sinclair, Bob?
O’Hara não respondeu logo.
Pouco depois, disse:
─ Espero que te vejam a ti antes e
sejas tu a explicar o que aconteceu.
Creio que saberão compreender, já
que pela minha parte não me
interessam mais arroios nem mais
mulheres nas águas. O meu principal
objectivo consiste em fazer saltar
Ted Kennedy, e com o que
aconteceu no «saloon» de Fletcher,
penso que deve chegar como
rastilho. Mas, se assim não for...
─ Pensas matá-lo, Bob?
A pergunta saiu da boca de
Madigan e o jovem deu a resposta
do modo mais inesperado.
─ Não sei ainda ─ Disse. ─ E
sabes porquê? Porque não consegui
entender ainda como dois homens
como vocês, que já uma vez
souberam limpar este ninho de ratos,
puderam ficar de braços cruzados de
ta! Modo que me chamam a mim
para atirar o morto para a rua.
Porquê?
A pergunta soou de maneira
distinta dentro do quarto e Kelly fitou
Madigan como se temesse algo
deste; mas o astuto antigo xerife de
Belem estava contemplando aten-
tamente a parede oposta.
─ Já há tempos que perdemos o
interesse total por isto, Bob; pode
dizer-se que desde que Kennedy,
abusando da sua força e sob
ameaças, conseguiu que ninguém
votasse nas novas eleições que
tiveram lugar pouco depois de teres
partido. Sentimos asco por tudo e
por todos, pelo mau pago que deram
ao carinho com que velávamos por
tudo isto. Depois, soubemos que a
tua vida não era a que uma mulher,
como aquela que mataram em Sells,
poderia desejar. ─ O rosto de O’Hara
nublou-se a tal ponto que seus olhos
pareciam lançar reflexos metálicos.
Porém, Jim Kelly tinha uma ideia na
mente e continuou expondo-a: ─ Por
isso, Madigan e eu estabelecemos
um acordo. Não nos interessava que
Kennedy desse ou não os seus
ossos podres à terra. Entendes,
Bob? ─ E o jovem pensou se estaria
doido ou não, atendendo a que não
conseguia entender onde queria
chegar o antigo juiz Jim Kelly;
enquanto este prosseguia, Madigan
continuava, ao que parecia, com um
vivo interesse pela parede que havia
uns dez minutos estava contem-
plando. ─ Só nos interessava uma
coisa: que, quanto a ti, tanto te
interessava dar uns quantos tiros
aqui como em qualquer parte do
Colorado. Estou errado, Bob? ─ E
acrescentou rapidamente, como que
desejando não ser interrompido pelo
jovem: ─ Isto, contando que aqui se
encontram dois antigos amigos teus.
E esta é a razão pela qual te cedo as
minhas terras. ─ E Kelly atirou com
os papéis para cima da cama.
O’Hara apanhou-os, guardando-os
em seguida sem sequer ler o que
Kelly tinha escrito. ─ Para que, deste
modo, haja um motivo mais para que
Kennedy tenha o desejo de te
mandar para o inferno. Expliquei-me
bem, Bob O’Hara?
Demasiado bem se exprimia Jim
Kelly no pensamento jovem, sem
que, no entanto, conseguisse
descobrir o que os dois estavam
escondendo entre si.
Bob O’Hara só tinha uma plena
certeza: o do ressentimento que
estes sentiam para com o velho
Kennedy tirando a ambos o seu
emprego e ordenando aquela agres-
são a Jim Kelly por motivo das
terras.
E aliado a este pensamento.
O’Hara recordou-se de Jayne
Sinclair, na barraca do pequeno
bosque, interrogando-se como
seriam os irmãos daquela magnífica
e inquietante mulher.
─ Eu dava anos de vida para te
entender, Kelly ─ Replicou,
finalmente. ─ E com a minha tia de
Oklahoma acontece o mesmo. É por
todos os diabos que não lhe agrada
nada disto.
O’Hara encarou os dois enquanto
se punha de pé.
─ Que estão vocês escondendo
sob esse disfarce? ─ Em seguida,
como se tivesse perdido subitamente
todo o interesse por tudo aquilo,
perguntou, fitando directamente
Madigan, que continuava olhando
para a parede: ─ Não te faças
distraído, Madigan e responde à
minha pergunta: Onde posso fazer
descansar os meus ossos?
Madigan e Kelly entreolharam-se,
dirigindo logo os seus olhares para o
jovem, ao mesmo tempo que o
interpelado respondia:
─ Podes vir para minha casa ou
ficar aqui com Kelly.
O’Hara não vacilou.
─ Fico com Kelly, Madigan ─
Respondeu. ─ Entretanto, ajudá-lo-
ei. Nós, é natural que nos vejam
amanhã.
Então surgiu novamente a
pergunta:
─ Que pensas fazer com
Kennedy, Bob?
─ Pode ser que o mande para o
inferno, se antes não for eu,
Madigan.
Este não respondeu e dirigiu-se
para a saída. O’Hara acompanhou-o
até chegarem à porta. Depois voltou
para junto de Kelly, o qual, como se
quisesse distraí-lo de tudo quanto se
tinha passado, exclamou logo que o
viu entrar:
─ Tens que assinar esse papel,
Bob; caso contrário, não será válido.
O’Hara tirou o documento do
bolso da camisa enquanto dizia:
─ Tu, como juiz, sabes melhor do
que eu o que se deve fazer, Kelly.
Onde?
Kelly abriu o papel, estendendo-o
sobre a cama.
─ Aqui ─ Disse apontando o lugar
com o dedo.
E O’Hara assinou sem olhar
sequer o que estava fazendo. Sua
mente estava demasiado ocupada
com tudo quanto tinha desde que
chegara a Belem pela ideia de que
tanto Kelly como Madigan estavam
escondendo algo de verdadeiro
interesse para ele.
Depois de assinar guardou
novamente o documento, enquanto
Kelly, não desejando mais
perguntas, disse a seguir:
─ Ali ao lado encontras um quarto
onde podes dormir tranquilamente o
resto da noite. Se precisar de
alguma coisa, chamo-te.
─ Não receias que voltem, Kelly?
Apesar das suas dores, Kelly
sorriu enquanto metia uma das mãos
por debaixo da almofada. Bob
O’Hara viu um negro «Colt» surgir
debaixo dela e foi a sua vez de sorrir
também.
─ Assim é melhor ─ Disse.
E dando as boas-noites, Bob
O’Hara saiu do quarto de Kelly,
enquanto este perguntava a si
mesmo se não estaria forçando o
Destino, acabando por mandar para
os braços da morte um homem como
Bob O’Hara para que uma pessoa
como ela fosse beneficiada.
A sua consciência não lhe
permitiu dormir em toda a noite; os
seus múltiplos pensamentos davam
ocasião a isso.
Entretanto, no quarto ao lado, Bob
O’Hara continuava pensando em
tudo. E principalmente em Sílvia
Kennedy. Como encararia ela o
regresso do homem que tinha morto
aquele que ia ser seu marido,
quando ele não passava ainda de
um simples peão do seu rancho?
Depois pensou em Ted Kennedy
e na mulher que tinha beijado no
arroio. A seguir nas terras que
possuía e então, a amargura que
sempre acompanhava o seu rosto
desapareceu, dando lugar a um
sorriso que antigamente era fácil ver
bailar sempre em seus lábios.
O interesse que ele tinha por
estas terras não era devido a
Kennedy, pois este teria já rompido
em imprecações sabendo do seu
regresso e também por ter mandado
para o diabo três dos seus melhores
elementos, mas sim pelo que isto ia
representar para aquele puma com
saias (palavras de Kelly) e talvez
para os seus dois irmãos.
E pela primeira vez em muito
tempo, O’Hara adormeceu com o
pensamento fixo em algo que não
era Noemi Carter
CAPÍTULO VI
A primeira nota sensacional foi
quando Jayne Sinclair surgiu na rua
principal da povoação montando um
magnífico cavalo, vestida de
vaqueiro e trazendo suspenso à
cintura um reluzente «Colt 45».
E sobretudo porque não vinha só,
sendo ladeada por seus dois irmãos;
e mais ainda, porque, após ter
atravessado a ampla calçada, se
encaminhavam directamente para o
local onde vivia Jim Kelly.
Seu rosto, assim como os de Léo
e Don, não faziam antever nada de
bom para aquele homem que
regressara, sem ter o direito de o
fazer.
Uma hora depois, o povo de
Belem estremeceu quando surgiu a
intempestiva Sílvia Kennedy
acompanhada por três dos seus
guarda-costas.
E sobretudo quando estes
desmontaram em frente do
«Oklahoma Saloon», desaparecendo
no seu interior, enquanto ela, sem
abandonar a sela e como se
estivesse segura de antemão do
lugar onde se encontrava o homem
que andava procurando, permanecia
sobre a montada, como uma estátua
de pedra, com o rosto impassível
voltado para o fim da rua, no sentido
contrário pelo qual tinha vindo.
E enquanto a rua ficava
repentinamente deserta, Jayne
chegou a casa do juiz e entrou
seguida por seus dois irmãos, no
preciso momento em que Bob
O’Hara se estava vestindo no quarto
contíguo.
Ouviu os cascos dos cavalos e o
murmúrio de uma conversa, até que
entraram e pôde então escutar a voz
de uma mulher. O jovem não sabia
que se tratava de Jayne Sinclair e
seus irmãos, visto que entre as
vozes desta e de Kelly se ouviam
distintamente vozes masculinas.
Acabou de vestir-se rapidamente,
e acercou-se da porta de Kelly. Este,
sentado agora na cama olhava
alternadamente para os dois irmãos
escutando atentamente o que
naquele momento, Léo, o mais novo,
estava dizendo:
─ Ouvimos qualquer coisa, juiz
Kelly, e por isso viemos. Esses
porcos do Kennedy... Enfim, senhor
juiz, nós prosseguimos com a ideia
de permanecer no vale e junto ao
arroio enquanto o senhor nos deixar.
Se agora nada podemos pagar, mais
adiante...
─ Deixa o senhor Kelly com esses
assuntos, Léo ─ Cortou secamente
Don. ─ A nós só nos interessa saber
o que ele pode pensar de tudo isto ─
E encarando-o agora francamente
prosseguiu em tom frio: ─ Não temos
medo, juiz Kelly, e estamos-lhe muito
agradecidos. Já há tempos que
andávamos dispostos a ajustar
contas com esse coiote de esporas.
Esta ocasião é magnífica. Que
havemos de fazer? ─ E vendo o
rosto do juiz, Don Sinclair exclamou
subitamente: ─ Para o diabo com
todos os riscos! É certo que a terra
não é nossa, mas vivemos ali.
Kennedy mandou seus homens
contra o senhor por essa mesma
razão. Concretizando, por minha
irmã, visto que esse patife as quer
por ela estar lá. Eu.. Não estou
disposto a consentir nisso. Sou... Ou
somos tão bons com as armas,
como eles próprios, portanto...
Don Sinclair deixou a frase em
suspenso enquanto Jayne ficava
vermelha com a alusão do seu
irmão. Ela também sabia o que
andava procurando o velho patife. E
como um estranho desígnio, estes
pensamentos conduziram-na à
recordação do sinistro cavaleiro que
a tinha visto tomando banho nas
águas do arroio.
Fitou os seus irmãos de tal modo
que Kelly hesitou em responder o
que estava pensando. Perante esta
hesitação, Léo adiantou-se e
exclamou:
─ E mais ainda, juiz Kelly. Trata-
se de um homem que chegou vindo
do sul cavalgando uma montada de
pêlo café com leite; entrou pelas
suas terras e... Ofendeu Jayne junto
do arroio aproveitando o facto de eu
e Don estarmos distantes. Não deu o
seu nome, porém a minha irmã
descreveu-o suficientemente bem.
E perante o que se podia
conceber como sendo uma atitude
de divertimento por parte de Kelly,
Léo interveio acrescentando em tom
que não admitia quaisquer dúvidas:
─ Vou matá-lo, juiz Kelly. Mas se
eu não acabo com ele.., Então será
Don quem o fará. Ninguém até hoje
se atreveu a molestar um Sinclair e
menos ainda uma mulher, membro
da sua família. Maldito seja esse
cavaleiro! Daria tudo para saber de
quem se trata!
Kelly ia para responder focando
unicamente a verdade, atendendo o
carácter um pouco estranho de
O’Hara. Mas o jovem não o deixou.
Sua voz soando por detrás de todos
deixou-se ouvir em tom frio:
─ Isso pode custar uma vida... Ou
três incluindo a de uma mulher ruiva,
Don Sinclair. Perguntou acaso a sua
irmã porque foi que o tal cavaleiro se
atreveu a beijá-la?
Os dois retrocederam até ficarem
colados à parede, enquanto suas
mãos tensas se acercavam das
culatras das armas, e Jayne ficava
no centro do quarto como se fosse
esculpida de pedra, fitando o homem
que naquele momento mais julgava
odiar no mundo, enquanto per-
guntava a si mesma o que estaria
ele fazendo em casa do juiz Kelly,
uma das poucas pessoas decentes
que existiam em Belem.
Sem sequer a olhar, quando eles
tocaram com as costas na tosca
parede de troncos, Bob O’Hara
recostou-se ao umbral da porta e
estudou-os.
Don era mais baixo que sua irmã,
delgado como seu irmão mais velho
Léo e como este, todo nervos e mús-
culos. Como ela, eram também
ruivos, mas o cabelo era mais negro
do que o da rapariga.
Vestiam como vaqueiros, e todo o
seu armamento consistia em dois
«Colt 45» cada um. Vendo a forma
como estavam colocados, O’Hara
constatou que Don não tinha falado
de mais quando disse que se julgava
tão bom pistoleiro como qualquer
dos homens de Ted Kennedy.
O silêncio que se fazia parecia
incomodar os ouvidos enquanto os
três homens se estudavam
mutuamente.
Mas foi Jayne, com os olhos
flamejantes, que se meteu, de
permeio avançando na direcção de
O’Hara com o rosto levantado, as
faces congestionadas e os olhos
brilhantes.
Deteve-se quando, os seus
vestidos quase lhe cocavam,
envolvendo-o com o seu perfume a
salva e artemisa, com os lábios
entreabertos, mostrando a sua gar-
ganta acetinada. O’Hara aproximou
ainda mais a mão do «Colt»,
pensando que por culpa dela o
quarto de Jim Kelly ia ficar
convertido num cemitério... Porque,
não tardaria que a beijasse
novamente!
─ Que... Procurava no arroio?...
Que foi que viu... Caná...!
E Kelly lançou-se para fora da
cama. Seu gemido de dor desfez o
hálito maligno que parecia flutuar no
ambiente. Depois com os olhos
flamejantes e coléricos, o antigo juiz
encarou os dois irmãos quando
estes faziam menção de puxar pelas
armas.
─ Eu, se estivesse no vosso lugar,
não fazia isso, Leo e Don. Como
podem ver, ao que parece Jayne tem
vontade de saber o que o meu amigo
viu junto do arroio. Ele falou desse
assunto comigo.., E não viu nada.
Jayne sempre pecou por ser mal-
intencionada.
─ Cale-se, juiz Kelly! Este homem
é um...!
O’Hara deu um passo em frente e
segurou-a pela mão.
─ Fecha já essa maldita boca!
Desaparece daqui e espera se
quiseres. Este assunto é entre
homens. Fora daqui!
Jayne afastou-se dele, com os
olhos querendo saltar fora das
órbitas, tal a fúria que sentia,
enquanto Léo e Don davam um
passo em frente.
─ Que dia...?
─ Feche o bico e que saia esse
puma, gato ou coiote de cabelo
ruivo. Ou isto ou atiro sobre todos
agora mesmo.
E sem que ninguém desse por
isso, o a Colt 45» de O’Hara surgiu
na sua mão como por artes mágicas.
Don e Léo ficaram subitamente
imobilizados.
Porém, O’Hara não pensava fazer
uso do «Colt». Simplesmente queria
dizer algo sem que Jayne Sinclair o
interrompesse. Sem saber porquê, a
jovem crispava-lhe os nervos.
─ Então, sais ou não? Mas antes
será melhor que deixes cair no chão
esse bonito conjunto. Teria imensa
pena se tivesse que te magoar uma
dessas garras.
Jayne soltou uma imprecação
quando da alusão às suas mãos e
com o rosto congestionado fitou os
seus irmãos, os quais contemplavam
atentamente O’Hara.
─ Mas será que...?
─ Será melhor que saias daqui
para fora, Jayne.
E ela voltou-se, encarando com
os olhos cintilantes o juiz Kelly.
─ O senhor também dá razão a
um indivíduo como este, juiz?
E a jovem não entendeu o sorriso
que este teve quando lhe respondeu:
─ Faze o que te dizem. Deixa o
«Colt» e sai, Jayne. Mais logo vem
falar comigo.
Don e Léo fitavam intensamente o
antigo juiz, enquanto suas mãos
crispadas permaneciam afastadas
das armas, posto que o »Colt» que
O’Hara empunhava parecia apontar
para todos, incluindo Kelly.
Durante uns instantes a rapariga
permaneceu indecisa, até que a voz
selvática de Bob O’Hara se fez ouvir
de novo:
─ Estou perdendo a paciência,
menina ─ Disse. ─ Ou deixa cair o
cinto ou vou eu tirá-lo. E se tiver que
proceder assim, deve calcular o que
teria de fazer para imobilizar estes
dois guarda-costas que trouxe
consigo.
─ São... São meu irmãos, pa...
─ Tanto melhor para lhes meter
um pouco de chumbo numa pena, se
não obedecer.
E O’Hara sorriu para si ao ver o
gesto dos outros, o olhar de
reprovação do juiz Kelly e,
sobretudo, o rosto afogueado e
pleno de fúria de Jayne que com os
olhos mais parecendo relâmpagos
verdes parecia querer fazê-lo em
pedaços.
E, repentinamente, a jovem
substituiu esta sua atitude por outra
em que surgiu submissa, coisa que
não conseguiu iludir O’Hara. Sem
proferir qualquer palavra, des-
prendeu o cinturão e este caiu por
terra.
Sempre mantendo o mesmo
silêncio, Jayne deu meia volta e
segundos mais tarde a porta
fechava-se nas suas costas.
Os três homens permaneceram
fitando-se em silêncio, enquanto
Kelly perguntava a si mesmo o que
estaria pensando fazer O’Hara posto
que não podia acreditar que iria
disparar contra os dois irmãos de
Jayne, nem mesmo se estes o
atacassem.
Com os punhos? Eles eram
dois..., mas havia muitos mais no
«Oklahoma Saloon» naquele dia em
que matara o noivo de Sílvia
Kennedy. Isso sem contar com ele,
que também se encontrava naquele
quarto e que embora estivesse
estendido na cama, tinha um «Colt»
e não ia permitir que se passasse
qualquer coisa de grave. Antes
disso, estava disposto a meter uma
bala nas pernas de cada um deles,
coisa que lhe havia de custar muito.
E Kelly abandonou esses
pensamentos para se dirigir a
O’Hara, dizendo com ar
despreocupado:
─ Não pensas guardar o «Colt»,
Bob O’Hara?
E seguiu-se um estranho silêncio
enquanto os dois irmãos se
entreolhavam. Depois, seus olhos
dirigiram-se ao jovem e foi Don
quem falou com voz enrouquecida:
─ «Terramoto O’Hara», não é
isto?
─ A minha tia de Oklahoma ficou
bastante aborrecida quando soube
desse nome que me tinham posto.
Mas já não havia solução,
«cowboy».
─ Gostava de falar com o senhor.
Porque não guarda essa arma e não
nos comportamos como pessoas
decentes, ainda que não seja por
minutos? Porque foi que ofendeu a
minha irmã no rio, O’Hara?
O jovem fitou Don e Léo; depois,
sem proferir palavra, meteu a arma
no coldre. Retirava a mão da culatra
quando um ténue ruído procedente
das suas costas o imobilizou por um
décimo de segundo.
O’Hara voltou-se como uma
centelha olhando a janela, já
empunhando a arma e disparou
contra ela, golpeando o martelo com
a palma da mão esquerda.
Jayne Sinclair soltou um grito
quando o pesado projéctil tropeçou
com o cano da espingarda. Soltou-a
como se queimasse, enquanto o
jovem se voltava como um furacão
na direcção do lugar onde estavam
Don e Léo ao mesmo tempo que da
boca do seu «Colt» surgiam quatro
pequenas línguas alaranjadas com
halos de fumo branco.
Enquanto o quarto se enchia com
o estrondo das detonações e o ar
quase se tornava irrespirável, os dois
irmãos olhavam mudos de assombro
sem conseguirem mover-se nem
procurar as suas armas, arrebatadas
das suas mãos por quatro certeiros e
magníficos tiros.
A voz de O’Hara pôde então
ouvir-se no mesmo instante em tom
frio e cortante como um punhal,
enquanto Jayne, com o rosto pálido,
contemplava a cena absolutamente
assombrada.
─ Como pessoas decentes, foi o
que disseram, vaqueiros?
Não responderam naquele
momento. Mas, subitamente, Don
Sinclair encarou a janela.
─ Desaparece duma vez para
sempre, Jayne. Isto, como disse
O’Hara, é coisa para homens, com
todos os diabos!
E então Bob O’Hara viu qualquer
coisa de surpreendente. Que a cor
pálida de Jayne se tornava
subitamente escarlate para depois
ficar branca como a neve; que lhe
lançou um olhar indefinível e
desapareceu da janela.
O jovem tornou a guardar a arma.
─ Podemos falar agora? ─
Perguntou.
Kelly meteu-se de permeio para
dizer:
─ Não leves isto em conta, Bob.
Eles convenceram-se de que ias
disparar sobre Jayne.
─ Tem juízo, juiz! Eu nunca
disparo contra uma mulher, por
muito estúpida que seja.
─ Que querem saber, afinal? ─
Perguntou.
─ Jayne disse que a tinha
ofendido no...
─ Isso já eu sei. E agora oiçam
bem uma coisa: Nunca perco tempo
com uma mulher e não ser o estri-
tamente indispensável,
compreendem? Fiz aquilo que qual-
quer outro teria feito. Nunca vi a
vossa formosa irmã na água até o
momento em que ela gritou,
chamando-me ordinário e rufião,
ainda mesmo antes de saber quais
eram as minhas intenções. Portanto,
procurei comportar-me tal e qual
como ela desejava: como um rufião,
um ordinário. Saiu do rio.., E beijei-a
por culpa dela. Agora não sei o que
poderia ter contado nem me inte-
ressa. Não houve ofensa porque não
era essa a minha intenção. Esta é a
palavra de Bob O’Hara. Portanto, po-
dem pensar o que quiserem e fazer
o que desejam para a vingar, se não
querem aceitar as minhas palavras
como verdadeiras... Mas antes quero
dar-lhes um conselho, rapazes:
limem as unhas a esse gato-montês
ou de contrário vêem-se metidos em
breve num grande sarilho!
─ Isso é... Um pouco forte, não,
O’Hara?
─ Efectivamente, é. Mas não
posso dizer outra coisa, tratando-se
duma pessoa que se protege com as
suas roupas femininas para insultar
a cada passo e inclusivamente tenta
matar pelas costas, já que devido às
circunstâncias não tomo em
consideração os tiros que disparou
sobre mim quando me dirigia para
aqui. Vocês, vaqueiros, têm agora a
palavra.
Léo, o mais belicoso dos dois, deu
um passo em frente.
─ Mas o senhor beijou-a, O’Hara.
Que pensa fazer?
E antes que o jovem pudesse
responder, Kelly antecipou uma
resposta fria, sem admitir quaisquer
comentários:
─ Fecha a boca e ouve, Léo. No
meu entender, Bob tem razão. Teria
bastado que Jayne gritasse, pedindo
para que ele se afastasse e creio
que ele o teria feito no mesmo
instante. Em vez disso, insultou-o
sem mesmo reparar com quem
estava tratando, nem mesmo que se
tinha detido ali por mera
casualidade. ─ Kelly fez uma pausa,
fitando agora os três. ─ Este assunto
fica como está, até que eu fale com
ela, Léo?
Este olhou para o irmão. Don
encolheu os ombros e disse o que
afinal estava na mente de todos.
─ Sinto o acontecimento, por se
tratar do senhor, O’Hara.
Francamente, não gostaria de si
como inimigo e não o considero
como tal. Ela é mulher e se o
insultou peço-lhe desculpa em seu
nome. Jayne é assim, talvez devido
ao ambiente em que vive, pois
sempre se viu obrigada a defender-
se a si própria de ataques de
homens sem nenhuns escrúpulos.
Por outro lado, ficou sem mãe
quando nasceu.., E este facto
influencia muito uma pessoa que
sempre foi criada como um
selvagem. Se a ofendeu... O senhor
saberá o que tem a fazer, O’Hara.
O jovem fitou-o atentamente e a
seguir fez o mesmo exame ao irmão,
tendo concluído que estavam ambos
de acordo. Depois respondeu:
─ Fica assim por agora. Quando
falar de novo com ela..., dar-lhe-ei a
explicação que a sua conduta
mereça.
Aquela não era a resposta que os
dois esperavam, mas tão-pouco era
caso para começarem aos tiros por
algo que qualquer deles não tinha a
culpa. Era certo que Jayne era sua
irmã e que O’Hara a tinha beijado;
mas também era certo que os dois
sabiam bem qual era o feitio de
Jayne quando se aborrecia ou
tomava as coisas pelo lado contrário
ao que devia tomar.
Por outro lado, da cama, Jim Kelly
estava fazendo sinais para eles,
sinais que eles captavam sem que o
mesmo acontecesse ao jovem.
─ Estamos de acordo, Bob
O’Hara. A coisa fica pendente por
agora ─ Replicou Léo. ─ E fica assim
porque so trata do senhor. É tudo
quanto tenho para dizer. Meu irmão
pediu desculpas em nome de Jayne,
é agora a vez do senhor. Mas se
quer dar-lhas pessoalmente, não
vejo qualquer inconveniente. E por
agora.. Nada mais temos que dizer.
E sem mais, Léo girou sobre os
tacões e encaminhou-se para a porta
desaparecendo pouco depois.
Don ficou uns instantes silencioso
fitando o jovem; a seguir sussurrou
muito calmo:
─ Lastimo muito, O’Hara ─ Disse.
─ Jayne... É aquela pessoa a quem
verdadeiramente amamos e posso
assegurar-lhe, que o diabo me leve
se não estou plenamente convencido
de que é o senhor quem tem razão!
Mas... Teria preferido que lhe
batesse.., Em vez de ter acontecido
o que aconteceu. É... Uma ofensa
que só se lava no Oeste do modo
que o senhor sabe. E pode ter a
certeza de que o faria, juro-o pela
minha pele!, caso não se tratasse do
senhor. E não porque tenha medo
desse diabólico «Colt» que usa, mas
porque espero que, como homem,
nos deixe a todos satisfeitos. A gente
fala de Bob O’Hara em todo o lado e
mais do que em nenhum sítio, aqui
em Belem. Portanto.. Não.. Não o
quero como inimigo. Com um patife
em Belem, surgiram muitos mais.
E... O senhor nunca o foi. Isto sabe-
se desde o Colorado até à mais
afastada fronteira de Alabama com a
Geórgia. E aquele que se foi embora
há momentos, também pensa o
mesmo, pode ter a certeza, ainda
que não o tenha dito. ─ Don Sinclair
calou-se durante uns segundos e
depois prosseguiu sem afastar seus
olhos do jovem: ─ Voltaremos a ver-
nos, O’Hara.
E, tal como seu irmão, Don girou
também sobre os tacões e dirigiu-se
para a porta. O jovem continuava
observando a sua figura enquanto se
afastava.
─ Sinclair! ─ Chamou
repentinamente.
Don voltou-se, encarando-o.
O’Hara aproximava-se dele.
─ Gosto de homens como o
senhor ─ Disse tão repentinamente
como o tinha chamado. E estendeu-
lhe a mão.
Don Sinclair não vacilou um
instante em estreitá-la, enquanto o
encarava bem nos olhos. Depois
despediu-se e do interior o jovem
ouviu a arrancada dos cavalos,
dizendo para si que só partiam os
dois. Portanto, Jayne estava na
cidade esperando que ele
abandonasse a casa de Kelly para ir
ter com ela.
Porquê?

CAPÍTULO VII
Com esta pergunta no
pensamento, o jovem regressou para
junto de Jim Kelly que, mal o viu
entrar, procurou distraí-lo formulando
uma pergunta:
─ Porque não disseste que as
terras eram agora tuas, Bob?
─ Não merece a pena, estando de
permeio uma mulher como é Jayne
Sinclair, juiz ─ Replicou o jovem. ─
Gosto de caçar pumas com esporas
e nunca com saias. Se ela sabe do
que fizemos, tenho a certeza de que
se iria embora dali e eu não desejo
fazer-lhe qualquer mal, apesar do
que aconteceu e dos seus insultos.
─ Tu mereceste, Bob.
─ Que graça, Kelly! Maldita seja
essa gata! Nunca vi nada parecido.
─ Como mulher formosa?
Embora compreendendo a
intenção da pergunta, Bob O’Hara
respondeu seriamente, encarando
Kelly:
─ Como um bonito gato
assanhado, que eu gostaria de
domesticar... Particularmente. E que
a minha tia de Oklahoma morra já,
se não começo agora a pensar fazer
isso mesmo, apesar dos seus
queridos irmãozinhos.
─ Comportaram-se bem, não?
─ Assim, assim, juiz. Se a minha
tia de Oklahoma não me avisa a
tempo, a estas horas teria levado
uma boa ração de chumbo pelas
costas, por parte dela, ou deles,
desses dois anjinhos que pensavam
que Bob O’Hara seria capaz de
disparar contra uma mulher.. A
matar. Mas que o diabo me leve se
não fiquei gostando deles, Kelly! ─
Terminou o jovem subitamente.
─ Qualquer teria feito o mesmo,
tratando-se de uma irmã, Bob ─
Argumentou Kelly para perguntar em
seguida: ─ Que pensas fazer agora?
A resposta fez estremecer Kelly,
que não pôde esconder um gesto de
dor:
─ Primeiro vou dar uma volta
pelas pastagens de Kennedy ─
Disse inteiramente calmo. ─ Depois
penso que irei ter a uma certa
cabana que existe na margem de um
arroio.
─ Estás doido. Se te vêem nas
terras desse patife, cosem-te a tiros.
─ Quantos vaqueiros há ainda na
antiga equipa, Kelly?
─ Nenhum, Bob. Agora esse
rancho já não é tão grande.. Ainda
que renda mais. Ted Kennedy foi-os
despedindo, um a um, para ir
contratando «pistoleiros», que tanto
podem marcar uma rês, como
disparar.
─ Quantos são?
─ Dez diabos com revólver e
esporas. Não te metas nessas
terras, se não queres deixar por lá a
tua pele.
─ Então para que foi que me
chamaste?
─ Já te expliquei ontem à noite.
Não foi para que te metas sozinho
na boca do lobo. E... Podes acreditar
em mim, Bob. Agora estou
começando a arrepender-me por te
ter chamado.
E nada mais disse perante a
muda interrogação do jovem, posto
que a verdadeira, pelo qual o tinha
chamado! Não era ainda oportuno
dizer-lha.
─ Está bem, Kelly, não irei só se é
essa a tua vontade ─ Replicou o
jovem, encaminhando-se para a
porta e voltando-se logo em seguida
para o juiz: ─ Se vier o Madigan diz-
lhe que ando cavalgando pelas
cercanias do rancho dos Kennedy.
Quero ajustar umas contas com o
maior porco da família.
Kelly soltou uma imprecação, que
O’Hara já não ouviu, porque tinha
fechado a porta e se afastava em
direcção à rua.
Quando ali chegou levou as mãos
à cabeça, perguntando a si mesmo
onde estaria o seu cavalo. Pela
primeira vez na sua vida tinha-se
esquecido de tratar dele.
Concluindo que não havia perdão
para tal esquecimento e prometendo
a si mesmo que revolveria toda a
cidade de Belem até o encontrar, o
jovem deu a volta ao edifício
encaminhando-se para a cavalariça,
disposto a levar consigo o do juiz.
E O’Hara suspirou com alívio
quando viu lá dentro o magnífico
cavalo que ele montava.
Instantaneamente pensou em
Madigan. Sim, tinha sido este que,
ao sair de casa de Kelly, o tinha
levado até ali.
Pensando agora em Sílvia e Ted
Kennedy, o jovem selou o cavalo.
Minutos depois estava na rua
principal.
Foi então que O’Hara observou
um movimento pouco normal por
parte de alguns homens que, mal o
viram, começaram a retroceder
procurando refúgio nos portais.
Olhou para todos os lados, já com
a mão à altura do «45». Em seguida,
olhou em frente e no mesmo instante
experimentou um estremecimento ao
ver aquele cavalo branco parado no
meio da rua e a maravilhosa
estampa de amazona que o montava
com o cabelo de oiro brilhando ao
sol.
Quando a viu, O’Hara
compreendeu que Sílvia Kennedy
estava esperando por ele e, como da
outra vez, também não tinha vindo
só a Belém. Com um olhar brilhante,
esquadrinhou ambos os lados da
rua, os portais, a entrada de um
pequeno estabeleci lento de bebidas
e as portas-batentes dos «saloons».
A seguir, mais atentamente, olhou
para o «Oklahoma Saloon». E
enquanto continuava avançando
lentamente ao encontro dela, que
não se movia do sítio onde estava,
O’Hara pensou que as coisas
estavam tomando o mesmo rumo
que da outra vez, só com a
diferença, que, desta vez, Sílvia
estava na sela dum cavalo e que da
outra estava a pé.
Sorriu. Sorriu claramente quando
pensou na sua fuga por aquela
mesma rua, quando já tinha deixado
caídos por terra vários cadáveres.
* Mas não era essa a única razão
do seu sorriso. É que agora iria ser
muito mais difícil obrigá-lo a sair
daquela terra. Pelo menos sob o
domínio da Lei, nunca o seria. Belem
não tinha juiz nem xerife; e mais
ainda vendo que Sílvia e seu pai não
estavam dispostos a dar-lhe um mo-
mento sequer de descanso.
Ele preferia assim. Deste modo,
não se via obrigado a agir de modo a
sacá-los dos seus esconderijos.
Bob O’Hara chegou por fim junto
da bela mulher, que o olhava com
seus belos olhos azuis de uma
maneira que ele próprio não podia
definir. Deteve o cavalo e cum-
primentou-a, enquanto fitava
igualmente a porta do «Oklahoma
Saloon».
─ Olá. Sílvia Kennedy. Esperavas
por mim?
Ela quase saltou da sela, sem
poder conceber que um dos seus
antigos peões se atreveria a gracejar
com ela. Durante uns segundos
manteve-se calada e em seguida
estalou incontidamente com uma
pergunta:
─ Quem lhe deu autorização para
gracejar com uma senhora?
O’Hara riu calmamente e as notas
do seu riso espalharam-se pela rua
duma maneira sinistra.
─ Tu não és uma senhora, Sílvia.
Ninguém que use saias e se apoia
nas armas de uns coiotes para fazer
o que bem lhe apetece, o pode ser.
Onde estão aqueles que te
acompanhavam?
Sílvia vibrou perante o insulto e
replicou sem fazer caso da pergunta:
─ Maldito sejas, Bob O’Hara.
Nunca devias ter vindo a uma cidade
onde deixaste tantos ódios. Nunca!
Porque vieste para morrer. Tu... Tu,
assassinaste o meu noivo.., E uma
mulher jamais pode esquecer isso e
perdoar. Sim, Bob O’Hara, trouxe
três homens comigo, contra ti.. Que
não usarão o «Colt» se partires de
Belem dentro de vinte e quatro
horas.
Porém, Bob O’Hara não estava
ouvindo o que ela dizia. Pensava
que ela e Jayne Sinclair eram muito
parecidas. Tanto na cor dos cabelos
como em muitas outras coisas.
Ambas com formas de sereia, belas
e excitantes como dois maravilhosos
pumas das pradarias.
Subitamente ocorreu-lhe à mente
o beijo que lhe tinha dado no dia da
sua fuga, naquela mesma rua e no
mesmo lugar em que agora se
encontravam.
Bob O’Hara acabou por
interrompê-la, dizendo com toda a
franqueza o que estava pensando
naquele momento:
─ Estou a recordar o beijo que te
dei, Sílvia. E... Creio ser melhor que
chames esses porcos que te
acompanham ou vou fazer-te o
mesmo, não tarda. A minha tia de
Oklahoma disse-me um dia que não
havia nada melhor no mundo como
os lábios de uma mulher formosa. E
o diabo da bruxa não estava
enganada!
O jovem aproximou o cavalo.
Sílvia, com o rosto congestionado
pela fúria, moveu a mão enquanto
O’Hara se baixava sentindo passar
sobre a sua cabeça o silvo do
chicote que ela empunhava.
─ Vou ser eu quem te vai matar,
Bob O’Hara ─ Sussurrou Sílvia,
depois do jovem se ter endireitado
sobre a sela. ─ É uma promessa que
fiz em tempos.
─ Agora?
E Sílvia mostrou os seus dentes
brancos e puros quando respondeu:
─ Agora, não, Bob. Antes.. Quero
que os meus homens se divirtam um
pouco contigo. Depois, quando te
vires só e abandonado, sem
ninguém que te estenda a mão,
então eu irei ter contigo... Para que
me beijes. Morrerás com os meus
lábios junto aos teus. E quando me
estiveres beijando, mato-te, O’Hara.
Mato-te porque estarás atado a uma
cadeira e não poderás fazer um
movimento. E tão pouco poderás
negar-me esse beijo. Sílvia Kennedy
sabe como proceder para que um
condenado a beije.
Enquanto falavam, ninguém pôde
ver a figura de Jayne Sinclair que
saindo de um dos portais e depois
de lançar um rápido olhar, correu
dirigindo-se para casa de Jim Kelly,
enquanto a uma esquina surgia a
figura de Joe Madigan que ficou
aterrado, ao ver a rua deserta e no
centro o não menos isolado par; r
Colado às fachadas das casas,
Madigan foi-se acercando do
pequeno estabelecimento de
bebidas que O’Hara vira antes e
desapareceu no interior para logo
aparecer a uma das janelas com a
mão crispada em redor da culatra do
«Colt» direito, no preciso instante em
que Bob dava a resposta
insofismável à ruiva filha de Ted
Kennedy.

Jayne chegou à porta e como um
furacão entrou pela casa dentro.
Atravessou duas portas antes de
atingir o quarto de Jim Kelly, onde
chegou com a fúria de um toiro. Era
a expressão viva do que ela estava
sentindo naquele momento. Kelly
teve bem disso a consciência
quando fitou aqueles olhos que
pareciam despedir fogo.
─ O senhor é tão canalha e tão
patife como Bob O’Hara, juiz Kelly. O
senhor enganou-me.
Kelly riu tanto e com tanta
vontade que gotas de suor
começaram surgindo na sua testa,
sentindo o corpo doer-lhe como
nunca.
Jayne quase se atirou sobre ele.
─ Não se ria.. Não faça isso ou...!
Por favor, juiz Kelly. Que vai
acontecer agora?
Jim Kelly compreendeu que
apesar de toda a sua fúria, o medo
que ela começava sentindo era mais
forte ainda. Olhou-a, sorridente, para
a acalmar.
─ Eu não menti, Jayne. Disse-te o
que ia fazer e tu aceitaste sem
pensar muito. Como todos,
acreditavas também que Bob O’Hara
não mais regressaria a Belem. Agora
assusta-te a ideia de que...
─ Não diga mais nada!
Kelly obedeceu. E durante uns
instantes ambos se fitaram como
dois galos prestes à luta. Kelly foi
quem acabou com aquele silêncio.
─ Agora essa ideia causa-te
medo, Jayne. Mas, antes...
Consentiste. Não é verdade o que
estou dizendo? Porquê? Queixas-te
por nunca teres admitido que esse
fantasma das planícies poderia
voltar?
─ Nada posso dizer, Kelly. Foi o
preço que nos cobrou ao consentir
que habitássemos neste bocado de
terra. Quase jurou que Bob O’Hara
jamais voltaria a Belem. Que o
senhor evitaria essa ocorrência.., E
fez precisamente o contrário:
chamou-o!
─ Ninguém tem culpa de que tu
sejas tontinha, Jayne ─ Replicou
Kelly com absoluta tranquilidade. Ela
ouviu estas palavras, mas os seus
olhos eram carvões em brasa.
─ Nunca o fui ─ Retorquiu depois
de um curto silêncio. ─ Se aceitei, foi
porque já estava farta de andar de
um lado para o outro como um
vagabundo; porque meus irmãos e
eu não tínhamos um lugar para
descansar; porque, em todo o lado,
éramos perseguidos pela má sorte,
inclusivamente aqui com esse velho
canalha de Ted Kennedy e a gata da
sua filha. Por isso aceitei essa ideia
absurda, juiz Kelly! Compreende
agora? Mas, neste momento...
E Jayne Sinclair não olhou para
aquele que a fitava agora
atentamente. Seus verdes olhos
muito brilhantes percorriam todos os
cantos do quarto sem que os visse.
Jim Kelly pensou naquele instante
que ela mais parecia uma
maravilhosa gata cercada por um
bando de cães enraivecidos, e foi
então que sentiu uma vaga
impressão no estômago. Estaria
acontecendo que a sua consciência
o estava acusando?
No entanto, ele sabia que tinha
procedido de boa-fé.
Bob O’Hara era demasiado
homem para que a bala de um
desconhecido «pistoleiro» lhe
arrancasse a vida, ainda mesmo que
fosse pelas costas.
A seguir Kelly interrompeu
bruscamente aquele aglomerado de
pensamentos a acorrer-lhe em dura
batalha, vendo como a jovem voltava
o rosto para ele, dizendo:
─ O senhor é um manhoso, Kelly
─ Disse repentinamente. ─ Enganou-
me a mim e aos meus irmãos,
embora estes nada saibam por
enquanto. E ao próprio O’Hara.
Vamos ver o que ele vai dizer das
suas manhas. Pode ser que desta
vez acabe com a mania de arranjar
documentos como esses.
Jayne calou-se por instantes,
enquanto Kelly perguntava a si
mesmo se ela não teria razão ao
pensar na reacção de O’Hara
quando soubesse tudo. Dado o seu
carácter explosivo, podia muito bem
acontecer que as coisas para ele
corressem mal. Agora, não era o juiz
de Belem.
A seguir, da forma tão repentina
que sempre a caracterizava, Jayne
acercou-se da cama. Na
tranquilidade que agora reflectia o
seu rosto, Kelly viu ainda mais perigo
do que ante a sua féria indomável. E
movendo-se ao compasso dos seus
passos, Jayne chegou junto do leito,
debruçou-se sobre o leito e Kelly
sentiu sobre si o suave perfume que
dela emanava: perfume a flores
silvestres.
Pensando em O’Hara, o juiz
cerrou os olhos. Então ela falou com
estranha calma:
─...E O’Hara, juiz Kelly! Portanto...
Enfim, regressou e agora está no
meio da rua com essa suja Sílvia
Kennedy. Mas...
Ele abriu os olhos e fitou-a no
preciso momento em que Jayne
sorria, para prosseguir depois:
─ Creio que, afinal, me fez um
grande favor, Kelly. Se tudo correr
bem, esqueço a sua actuação... Com
a condição de que seja o senhor a
pôr tudo em pratos limpos.
Porém, Jim Kelly não escutava
sequer as suas palavras. Ao seus
ouvidos só tinha chegado uma frase:
de que Bob O’Hara estava no meio
da rua com Sílvia Kennedy. Aquilo
era uma emboscada!
Esquecendo as suas dores, que
faziam estremecer todo o seu corpo,
Kelly sentou-se na cama e Jayne,
quando viu o seu aspecto, esqueceu
por instantes todo o seu rancor, se é
que verdadeiramente o sentia, e
admirou-se pela sua atitude.
─ Por todos os demónios do
inferno, Jayne ─ Explodiu Kelly. ─
Vão matá-lo. Procure o Madigan.
Vão matá-lo, se não fizer o que lhe
peço, Jayne Sinclair!
E estremeceu perante o olhar que
ela lhe dirigiu. Depois, sem que
trocassem mais palavras, a jovem
deu meia volta e sorrindo duma
maneira estranha saiu do quarto.
À porta da rua, a jovem estacou
por momentos pensando que tinha
sido uma estúpida seguindo as
indicações do juiz. Jayne pensou em
seguida nos seus irmãos e já não
sentiu tanta angústia. O sacrifício, se
a isto se podia chamar sacrifício, não
era em vão, pois que eles a tinham
criado desde o berço, sacrificando-
se muito mais por ela.
Mais calma, Jayne saiu do umbral
da porta caminhando pelo falso
passeio até à rua principal. A mão,
metida na ampla saia, acariciava a
culatra nacarada de um «Colt 38».
E justamente ao dobrar a esquina,
sentiu que o seu rosto ficava
subitamente vermelho quando
pensou que aquela ideia que, ao
princípio, classificara de estúpida e
sem pés nem cabeça, quanto mais
atinava nela mais a aceitava como
sendo mesmo agradável.
Quando recordou a cena do
arroio, estacou. Mas não foi só por
isto, mas também porque Bob
O’Hara, naquele momento...

─ Qualquer condenado à morte
iria para o túmulo tranquilamente se
pudesse ser beijado antes que o
diabo o levasse, Sílvia Kennedy. Eu
não; não me custará muito beijar-te
ainda mesmo que saiba que vou
morrer... Se conseguires fazer isso...
Por outro lado, não creio que me
guardes grande rancor. Aposto que,
ao deixar-te sem noivo e sem sua
família, teu pai tratou de ficar com o
rancho que lhes pertencia. Estou
enganado Sílvia? Afinal deves estar
agradecida pelo meu acto.
O chicote dela sibilou de novo.
Mas desta vez O’Hara não se
baixou. Com um movimento rápido,
esticou o braço e a pequena trança
de coiro enrolou-se em redor dele.
Deu um brusco puxão, e Sílvia
agarrou-se às crinas do cavalo
procurando manter o equilíbrio, coisa
que conseguiu quando já estava em
poder do jovem.
Fitaram-se frente a frente
enquanto ela murmurava qualquer
coisa que não soou nada bem aos
ouvidos do jovem. Depois e dum
modo repentino falou secamente.
─ Guarda-o, O’Hara. Será melhor
que leves o chicote com que penso
arrancar-te a pele em tiras. Sei...
─ Disseste que seria de um tiro e
depois de um beijo. Esqueceste já,
Sílvia?
─ Terás tudo isso. Bob. O beijo, o
tiro e a pela arrancada às tiras.., E
antes de morreres, querido.
Bob O’Hara não respondeu.
Olhava agora para o «saloon» de
Ralph. A seguir cravou seus olhos
nos dela, e disse absolutamente
calmo:
─ Vai correr muito sangue antes
disso, Sílvia. Só tu e teu pai terão a
culpa. Diz-lhe que há um homem em
Belem que é tão forte como ele
mesmo. Que se vá embora com
vento fresco, ou que deixe os outros
sossegados. Se não o fizer...
─ Pensas matá-lo?
E os olhos de Sílvia cintilaram.
─ Depende dele. E acredita que
lastimava por tua causa. És uma
mulher.., Embora os teus actos se
assemelhem muito aos de um puma
das pradarias. A minha tia de
Oklahoma seria capaz de se zangar
comigo se eu não estivesse dizendo
a verdade. E outra coisa... Sílvia
Kennedy: Bob O’Hara nunca gostou
de inimigos pelas costas.
E antes que ela pudesse entender
bem o verdadeiro significado das
suas palavras, o jovem desmontou
de um salto. E Sílvia manteve-se na
dúvida, até que o viu dirigir-se na
direcção do Oklahoma Saloon».
Joe Madigan afastou-se do vidro
das janelas e saiu do
estabelecimento de bebidas. Com
passos rápidos começou
atravessando a rua e da esquina
Jayne Sinclair suspirou de alívio
quando o viu. Depois fixou seus
olhos em Sílvia Kennedy que tendo
entendido por fim o que O’Hara
queria dizer esporeou o cavalo
lançando-o contra o jovem.
O’Hara ouviu perfeitamente como
ele se aproximava, mas quando
empunhou com a velocidade dum
raio com vontade de sacrificar o
animal, um «Colt» solitário crepitou
do fundo da rua.
Sílvia Kennedy e o cavalo
precipitaram-se por terra numa
verdadeira confusão. Mas a ruiva
filha do velho Kennedy era uma boa
amazona e não se deixou arrastar
para debaixo do cavalo. Muito antes
que este tocasse no solo ela saltou
da sela e rolou pela rua poeirenta.
Quando se pôs de pé levando a
mão à arma que empunhava, Bob
O’Hara desaparecia já pelas portas
batentes e Jayne Sinclair com o
«Colt» fumegante empunhado
acercava-se rapidamente dela.
─ Será melhor que deixe esse
homem em paz, Sílvia ─ Disse
quando ficou ao lado dela enquanto
apontava a arma para o seu
estômago. ─ São... Os que forem...
Frente a um. Mas se ele não sair
vivo dali, a senhora vai morrer como
um cão.
E pela primeira vez na sua vida,
Sílvia Kennedy soube o que era o
medo ao fitar os olhos de uma
semelhante.
Mas o que Sílvia nunca soube,
enquanto era ameaçada, era que
Jayne estava perguntando a si
mesma a que seria devido aquele
repentino interesse pela vida de um
homem do qual só tinha ouvido
lendas, e que se chamava Bob
O’Hara. Do homem que a tinha
ofendido.., E que ela sentia que
gostava das suas ofensas.
Sílvia olhou-a bem nos olhos, e
tão-pouco soube entender porque
estavam vermelhas as suas faces.
Ambas ficaram frente a frente
fitando-se. Naquele momento Joe
Madigan chegava junto das portas
batentes do «Oklahoma».
A rua estava agora mergulhada
no mais completo dos silêncios.
Pelos cantos das janelas e nos
umbrais das portas um ou outro mais
curioso podia ver-se.
Junto ao balcão, estavam três
homens conversando. Na sua frente,
viram-se vários copos de «whisky».
Tex Haroc era alto, forte como um
toiro.
Seu cabelo era açafroado e os
olhos cinzentos, cruéis e pequenos
sob duas espessas sobrancelhas.
Suas roupas eram as de um vulgar
vaqueiro, mas no duplo cinturão-
cartucheira pendiam dois «Colt» do
máximo calibre.
Clifton Callender, de estatura
normal, cara de símio, moreno e
cabelo preto como o do índio das
pradarias. Sua cintura estava
adornada com um magnífico «Colt
Frontier», também do calibre 45. Era
extremamente delgado e movia-se
como um felino. Suave e silencioso
como uma serpente cascavel.
Depois estava Deal Custer, ruivo
como Sílvia Kennedy ou Jayne
Sinclair, com um sorriso de patife
bailando nos lábios. Olhos negros
em contraste com o cabelo. Pouco
menos alto que Callender.
Na cintura, e com as culatras
saindo de fora viam-se dois
magníficos «Colt».
Tudo isto viu O’Hara mal entrou
no estabelecimento. E sem vacilar
atravessou a sala indo directamente
em direcção à barra, para ficar
situado no extremo oposto do
balcão.
O rosto de Ralph Fletcher nada
reflectia quando se acercou
solicitamente. E antes de perguntar,
O’Hara pediu:
─ Sirva-me «whisky», Ralph.
O dono do «Oklahoma» obedeceu
enquanto os homens de Kennedy
cravavam seus olhos no jovem,
estudando-o. Não sabiam quem era,
mas o aspecto era de pistoleiro.
Portanto estavam-no estudando
calculando as suas possibilidades
que qualquer deles poderia ter frente
a ele.
Mas logo ficaram sabendo, posto
que O’Hara com o copo na mão os
encarou francamente.
─ Brindo pela gata que ficou lá
fora... Sem unhas. Chama-se Sílvia
Kennedy.
E o jovem bebeu de um trago,
enquanto os três o fitavam agora
com mais atenção, separando-se no
mesmo instante da barra. E foi o
corpulento Tex Haroco que lhe deu
réplica:
─ É um insulto ou um desafio,
amigo?
Com o mesmo tom incisivo com
que tinha perguntado Haroc,
respondeu O’Hara:
─ As duas coisas. Sei que me
estão esperando por ordem de um
velho patife. Eu chamo-me Bob
O’Hara!
Separaram-se ainda mais com as
mãos mais perto das armas. O
sorriso de Custer acentuou-se ainda
mais.
─ Sentia grande vontade de te
conhecer, O’Hara ─ Disse, enquanto
Haroc iniciava o avanço na direcção
do jovem. ─ Como queres morrer?
Talvez a tua tia de Oklahoma não te
tivesse dito que não sairias vivo de
Belem. Estou enganado?
O jovem sorriu por seu turno, mas
sem qualquer alegria.
─ Aposto em como não o disse ─
Replicou. ─ Mas eu posso
responder. Com o «Colt» ou com os
punhos, é fácil morrer de qualquer
maneira.
Joe Madigan estava já no
«saloon» e com as costas apoiadas
contra uma das colunas.
Tex Haroc interveio novamente
cortando à nascença a frase que
surgia já na boca de Callender:
─ Segura a língua e as mãos,
Custer. O’Hara disse que era
indiferente com o «Colt» ou com os
punhos. Eu quero ver se estes
chegam. A seguir, encho-lhe a
cabeça com chumbo. Um bonito
presente para dar à menina
Kennedy.
E avançando, Haroc deu uma
forte risada. Fletcher por detrás do
balcão pensava que aquela luta lhe
ia custar um bom punhado de
dólares. Mas tomou isso com certa
dose de filosofia, pensando que se
dissesse alguma coisa para que
fossem para a rua, tudo poderia
resultar contra ele.
De passagem pegou num banco.
O’Hara deslocou-se rapidamente
cravando seus olhos numa das
mesas. Com o mesmo ímpeto que
um toiro selvagem, agarrou-a com
seus poderosos braços.
De seguida, com uma velocidade
vertiginosa, voltou-se a tempo de
evitar que Haroc lhe esmagasse a
cabeça com o banco.
Teve que a soltar rapidamente
para furtar o corpo ao choque, e de
seguida retrocedeu rapidamente até
ficar colocado no ponto mais distante
do estabelecimento. O riso de Haroc
voltou a ouvir-se enchendo o
«saloon» de notas trocistas
enquanto Callender e Custer sorriam
como dois canalhas.
Haroc dirigiu-se para ele. Mas
desta vez O’Hara não o deixou
avançar mais. Nas suas mãos
estava no mesmo instante um dos
pesados bancos que ali existiam
naquele canto do «saloon». Atirou-o
com uma força incrível contra o
gigantesco pistoleiro. Este, levado
pelo seu impulso, não pôde afastar-
se da sua trajectória.
As suas risadas converteram-se
em imprecações quando apanhou
em cheio com o pesado banco
disparado como um bólide no
estômago. Suas palavras eram
entrecortadas pelas dores que
sentia.
Procurou endireitar-se, mas o
jovem não lhe deu tréguas. Carregou
contra ele levando na outra mão um
banco semelhante ao anterior que
descarregou com uma força
poderosa contra o adversário,
procurando este furtar-se ao golpe
terrível. O resultado foi que o banco
apanhou-o em cheio na cabeça.
Tex Haroc caiu por terra sem um
gemido enquanto Custer e Callender
avançavam já contra o jovem.
O primeiro levando as mãos às
armas, enquanto o outro agarrava
numa garrafa de «whisky»,
atacando-o pelo outro lado.
As armas de Custer saíram dos
coldres, e o jovem desviou-se com
um movimento felino, enquanto se
lançava contra ele, esquecendo de
momento, que também estava
armado.
Madigan moveu-se um pouco, e o
estalido de duas detonações atroou
o ambiente do estabelecimento.
Custer d teve-se em seco ao ver que
as suas armas voavam das suas
mãos, enquanto a voz do antigo
xerife de Belem se fazia ouvir.
─ Disse que era com os punhos,
canalhas. As armas ficam em
sossego!
Callender vacilou ante aquilo que
pensou ser uma ordem indiscutível
de Madigan, no preciso momento em
que O’Hara lançava o seu punho
contra ele, para o despertar.
O pistoleiro não pôde evitar o
terrível embate e foi apanhado na
ponta do queixo. No mesmo instante
levantou os pés do chão e uns
metros adiante foi estatelar-se sobre
uma das mesas que se desfazia em
estilhas enquanto o jovem
enfrentava agora Custer, o qual,
mediante um hábil movimento de
cabeça, se esquivou ao punho que
este lhe dirigia.
Durante uns segundos os dois
homens estiveram dando voltas e
mais voltas em redor de si mesmos,
iniciando ofensivas que nunca se
concretizavam.
Por seu turno, Fletcher, apesar
das palavras que Madigan proferira
contra ele na noite da chegada do
jovem, permanecia recostado contra
o balcão com os braços cruzados
sobre o peito, contemplando com
pasmosa tranquilidade a luta que se
estava desenrolando.
Custer lançou subitamente um
golpe contra O’Hara pretendendo
atingi-lo no rosto. O jovem afastou a
cabeça e o punho roçou pelas suas
faces enquanto ripostava com uma
tremenda investida pela direita que
não conseguiu atingir o alvo, pois
Custer saltou para o lado.
Voltaram a tentar alguns golpes e
ainda desta vez foi o pistoleiro que
teve a iniciativa. Dando voltas e mais
voltas, os dois homens trocavam
murros até que O’Hara conseguiu
acertar com a sua esquerda.
Custer foi projectado para trás,
embatendo com as costas contra o
balcão fazendo ranger todos os seus
ossos. O’Hara caiu sobre ele
disparando um tremendo golpe
cruzado com a sua esquerda,
seguido de outro pela direita que
obrigou o outro a dobrar os joelhos.
O’Hara afastou-se um pouco.
─ Já chega? ─ Perguntou.
─ Maldito porco!
E com esta resposta, Custer pôs-
se de pé lançando-se curvado contra
ele. O’Hara afastou-se ligeiramente
enquanto erguia o punho baixando-o
de seguida como uma flecha.
O fantástico golpe alcançou
Custer em pleno pescoço e com um
impressionante grito caiu no solo
como um saco. O jovem passou o
dorso da mão pelo rosto empapado
em suor e girou sobre si mesmo
fixando a porta e com esta a
Madigan.
Neste preciso instante ouviu-se
um brado detrás do balcão:
─ Cuidado. O’Hara!
O jovem voltou-se como uma
centelha tendo já o «Colt»
empunhado. Num quinto de segundo
entendeu o que se tinha passado; o
gigantesco Tex Haroc estava de
joelhos empunhando os dois «Colt».
O’Hara atirou-se para o chão
enquanto o «saloon» estremecia ao
som das detonações. O chumbo
passou a poucos milímetros da sua
cabeça, mas Haroc, no instante em
que premia os gatilhos sentiu o golpe
mortal de dois projécteis no seu
peito.
Um que partiu de O’Hara quando
os seus ossos embatiam no soalho,
entrando na altura do coração, outro
dirigido da porta por Madigan.
Sem um grito sequer, Haroc
vacilou sobre os joelhos. Madigan
que naquele momento estava já
assoprando pelo cano do «Colt»
fitou-o e viu o pistoleiro de Kennedy
retorcer-se nos espasmos da agonia
para segundos mais tarde ficar
imóvel.
O’Hara encaminhou-se para a
porta e já no meio do «saloon» olhou
em redor calculando os estragos.
Deteve-se olhando para Fletcher que
o continuava fitando com extrema
calma.
─ Estes não são como os outros,
Fletcher. Certa ruiva virá procurá-los.
Tome nota de quanto valem estas
mesas que eu volto mais tarde para
fazer contas.
O dono do «Oklahoma Saloon»
sorriu quando disse:
─ Vai em paz, Bob O’Hara,
porque aqui não deves nada. Foi
para mim uma satisfação ver isto
como o foi já há anos atrás.
O’Hara saudou-o e saiu com
Madigan.
CAPÍTULO VIII
No centro da rua as duas
mulheres continuavam perplexas.
Sílvia com os olhos fixos no
«saloon»; Jayne, sem abandonar o
«Colt» que empunhava agora, apon-
tando-lhe, sem a perder de vista com
os seus belos e cintilantes olhos
verdes.
As detonações vieram
sobressaltá-las. E foi então que
Sílvia Kennedy desviou a vista do
«Oklahoma» para se fixar na
rapariga.
Ambas estavam agora pálidas.
Sílvia talvez o estivesse pela
ameaça de Jayne e daí talvez não.
Por outro lado, a jovem Sinclair
sentia crescer dentro de si uma
estranha sensação de angústia que
brotava de seu coração como uma
corrente maligna, sem que pudesse
adivinhar a sua causa.
Seus olhos pareciam despedir
centelhas.
─ Como um cão, Sílvia Kennedy
─ Murmurou surdamente, e esta
entendeu o que ela dissera.
Sílvia estremeceu bem contra sua
vontade e voltou os olhos para o
«saloon». Madigan e Bob O’Hara
saíam naquele momento e a
maravilhosa e bela ruiva suspirou
com alívio.
Jayne voltou o rosto, enquanto
com um movimento rápido guardava
o «Colt 38», fitando francamente os
dois homens.
O’Hara avançou directamente
para o seu cavalo que permanecia
imóvel no meio da rua, a pouca
distância do local onde se
encontrava o cavalo morto e as duas
mulheres.
E Jayne Sinclair viu que ele não
tirava os olhos da outra. Uma garra
gelada pareceu apertar-lhe o
coração até que viu a expressão dos
olhos do jovem.
Respirou com alívio enquanto se
detinha quase roçando por Sílvia.
─ Um gigante acaba de morrer ali
dentro, Sílvia Kennedy. Os outros
estão dormindo.., E a minha tia de
Oklahoma está bastante satisfeita
pelo descanso.
Atrás dele Madigan estava
sorrindo. O semblante de Sílvia era
um poema, e Jayne Sinclair
procurava olhar para outro lado, para
que ele não visse, enquanto,
trémula, perguntava a si mesma o
que diria aquele colosso chamado
Bob O’Hara, quando o soubesse.
Mas logo, e enquanto Sílvia ficava
silenciosa perante as palavras do
jovem, e, ao mesmo tempo que as
portas se iam abrindo, ela lembrou-
se do que tinha de fazer, ainda mais
que não fosse, só para o aborrecer.
Influíam nela a recordação do
arroio e a acção do juiz Kelly, já que
este depois de ter afirmado o
contrário não negou que tinha
chamado o jovem a Belem.
Jayne viu que os dois
continuavam fitando-se nos olhos. E,
como mulher, viu mais qualquer
coisa, que nos olhos dele havia um
oculto fogo satânico, e os de Sílvia
procuravam esquivar-se. Porquê?
No momento em que podia
pensar em responder a esta
pergunta, O’Hara deu uma repentina
meia volta. Agarrou nas rédeas do
cavalo e acompanhado por Madigan
encaminhou-se na direcção da casa
de Kelly.
Bob O’Hara tinha perdido por
momentos o interesse pelas terras
do rancheiro Ted Kennedy,
calculando que havia muito tempo,
se não fosse o velho patife ir pro-
curá-lo à cidade depois do que tinha
acontecido ainda há tão pouco
tempo.
Jayne fitou Sílvia frente a frente, e
pela primeira vez ela aguentou o seu
olhar.
─ Já ouviu o que tinha a saber,
Sílvia Kennedy ─ Exclamou
subitamente. ─ No «saloon» de
Fletcher estão esperando por si.
E sem aguardar qualquer
resposta, a jovem deu meia volta e
Sílvia viu-a correr na direcção de
O’Hara. Depois, com uma
contracção no seu rosto belíssimo,
encaminhou-se para o «saloon». E
não vacilou quando entrou, enquanto
Jayne alcançava o jovem e Madigan,
Mas não foi com Bob com quem a
jovem se encarou agora; dirigiu-se
imediatamente a Madigan.
─ Xerife Madigan ─ Disse. ─
Poderia fazer o favor de nos deixar a
sós por momentos?
Madigan assentiu com um
movimento brusco de cabeça,
enquanto o jovem a fitava com um
olhar de desconfiança.
Quando Madigan desapareceu
por uma das ruas, O’Hara deteve-se,
fitando-a.
─ Quer arranhar-me novamente,
menina Sinclair?
E perante a sua admiração ela
não pôde aguentar o seu olhar,
baixando os olhos para o chão
enquanto murmurava:
─ Não sei o que lhe disseram os
meus irmãos, Bob O’Hara; mas eu
peço-lhe desculpa pelos insultos que
lhe dirigi junto do arroio.
O jovem sentiu que a sua
perplexidade ia aumentando.
Replicou, procurando disfarçar o que
estava sentindo:
─ Poderia mandá-la agora
passear, não, menina Sinclair?
Foi então que a jovem ergueu
seus olhos para ele e O’Hara já não
viu fogo naqueles olhos tão belos,
mas sim tudo quanto existia de belo
e incitante nela.
Semicerrou os seus, quando a
jovem respondeu:
─ Pode ser que não tarde muito
em fazê-lo, Bob. E... Pode crer que
eu sentiria muito.
O’Hara fitou-a atentamente e ela
manteve o olhar. Ia para dizer
qualquer coisa, mas a recordação de
Noemi Carter veio-lhe naquele
instante à memória.
Sua boca tomou um ricto amargo
e Jayne sentiu que,
inexplicavelmente, seu coração
parecia querer falhar. Por intuição,
ela adivinhou o que ele estava pen-
sando e fez-lhe uma pergunta,
consciente de que esta lhe ia causar
dano e trazer à memória
recordações amargas.
─ Quer-lhe muito, não é verdade,
Bob?
O’Hara estremeceu ao dar-se
conta de que era a segunda vez que
Jayne Sinclair o tratava pelo seu
nome próprio.
─ A quem? ─ Perguntou
bruscamente, para afogar de certo
modo a sensação que sentia,
admitindo que havia muitas horas
que a recordação da morta tinha
desaparecido da sua mente.
Tinham a culpa os olhos de Jayne
ou continuava subjugado pela
maravilhosa figura velada pelas
águas cristalinas do arroio?
─ À que foi sua mulher em Sells,
Bob ─ Replicou ela concretamente.
E pela primeira vez em muito
tempo, Bob O’Hara sentiu-se
perplexo quando admitiu que não
podia dar uma resposta categórica
àquela pergunta. Tinha-lhe querido
muito, sim, muito. Agora...?
Nem ele mesmo sabia o que
havia responder, enquanto os olhos
verdes pareciam fasciná-lo,
ofuscando-lhe o pensamento.
─ Vai para o diabo de uma vez
para sempre, Jayne Sinclair ─ Foi a
resposta que ele deu.
Jayne não se sentiu chocada por
aquela reacção dele.
E O’Hara ficou deveras
surpreendido, pois que a jovem
quando ele lhe respondeu daquela
forma, retorquiu voltando-lhe as
costas:
─ Vou já, Bob O’Hara. Mas
havemos de ver até quando.
O jovem fitou-a enquanto ela se
afastava. Depois, deu meia volta
bruscamente, encaminhando-se
seguidamente para casa de Kelly.
Madigan estava à porta
aguardando a sua chegada com um
brilho trocista nos olhos. O’Hara
murmurou uma surda imprecação
quando o viu e então voltou-se para
o cavalo enquanto lhe batia
amigavelmente no pescoço e
proferia estas palavras:
─ A «nossa» tia de Oklahoma não
contava com isto, cavalinho. Aposto
um dólar em como não.
E Madigan procurou esconder um
amplo sorriso, enquanto Jayne
Sinclair entrava num dos melhores
armazéns de Belen.
O velho Curt Cradock fitou-a,
franzindo o sobrolho, vendo nos
lábios vermelhos de Jayne surgir um
sorriso travesso e trocista.
Quando chegou junto do balcão e
tendo em frente o velho que a
continuava fitando com cara de
poucos amigos, Jayne falou e ele
surpreendido não compreendeu a
subtil ironia que havia nas suas
palavras:
─ Venho fazer-lhe um pedido
muito importante, Cradock.
─ Vai pagar?
─ Não.
─ Pois então não pode ser,
menina Sinclair. Seus irmãos devem
já neste armazém cerca de
oitocentos dó...
─ Feche já a boca, Cradock ─
Interrompeu ela violentamente. ─
Isso será pago esta semana. ─ E
Cradock, apesar da sua idade, ficou
fascinado pelo brilho dos olhos
verdes, ainda que, segundos depois,
respingasse sem poder conter o que
estava sentindo.
Com um trejeito de estupefacção
em seu rosto, Cradok estava dando
a entender a Jayne que não
acreditava nas palavras dela.
─ Velho sovina ─ Estalou ─,
pergunte ao juiz Kelly e saberá a
verdade. Preciso de fazer umas
compras importantes e está a negar-
se. Vai ver o que acontecerá depois.
E sem mais, a jovem deu meia
volta iniciando o seu regresso em
direcção à porta. Como esperava, o
velho Cradock chamou-a instantes
depois:
─ Menina Sinclair!
Jayne voltou-se, encarando-o,
mas não se moveu.
─ Isso... É mesmo verdade?
─ Que o diabo o leve, seu
desconfiado!
E a jovem voltou-se novamente
na direcção da porta. Mas desta vez
não pôde mover um pé naquela
direcção.
─ Espere!
Jayne deu outra meia volta,
exclamando:
─ Isto vai acabar ou não!
─ Sim... Sim, menina Sinclair. De
que precisa?
A jovem acercou-se do balcão e
meia hora depois saía, deixando o
velho Cradock atarefado, preparando
numa carroça toda a classe de
artigos que ela encomendara.
A carroça chegou à margem do
rio quando Jayne já se encontrava
na sua cabana. Junto dela e
sentados numa pequena mesa,
estavam seus irmãos mergulhados
no mais profundo silêncio.
Ela começou preparando a ceia,
sabendo no que eles estavam
pensando: nos «Colts» que não
tinham apanhado em casa do juiz
Kelly e também na destroçada
espingarda que o tiro certeiro de Bob
O’Hara inutilizara. E sobretudo não
esquecia também o que sucedera
nas margens do arroio.
Nada lhe disseram, nem ela tão-
pouco quis perguntar; sabia, no
entanto, que dentro de poucas horas
Leo e Don sofreriam uma das
maiores surpresas da sua vida.
E quando o ruído dos cavalos de
tiro, junto com o das rodas, se fez
ouvir, os dois irmãos entreolharam-
se. De seguida olharam para ela e,
por fim, como o ruído ia
aumentando, acercando-se cada vez
mais da cabana, levantaram-se e
saíram.
Jayne ficou na pequena e tosca
cozinha, mas sem fazer fosse o que
fosse, atenta ao que estava
acontecendo no exterior. Ouviu a voz
forte de seu irmão Léo perguntar:
─ Que diabo é isso?
Depois, a resposta do que
conduzia:
─ Foi encomendado...
E, no mesmo instante, um coro de
imprecações, seguido de
precipitados passos e ruído de
esporas.
Jayne preparou-se, de modo que,
quando ambos surgiram à porta da
cozinha, ela tinha aquele gesto de
desafio no seu rosto e seus olhos
estavam cintilantes.
Don foi o primeiro a perguntar,
desta vez com o rosto duro como
uma rocha:
─ Que nova brincadeira é esta?
Responde, Jayne! Quero advertir-te
de que já estou cansado das tuas
idiotices e se...
─ Por favor, Don... Mas trata-se
da mais pura verdade!...
─ O quê?...
A pergunta soou em uníssono e
ela ficou um pouco vermelha,
enquanto seus olhos fitavam agora o
soalho.
─ Sim ─ Sussurrou muito baixo. ─
É simplesmente a verdade.
Olharam para ela como se fosse
um fantasma. Em seguida e de
modo repentino, Léo avançou para
ela, agarrando-lhe o queixo e
obrigando-a a levantar a cabeça.
─ Que pensas fazer agora,
Jayne?
A jovem desviou a vista, incapaz
de resistir ao olhar de uma das
pessoas que mais queria no mundo.
Depois e perante a maior
estupefacção dos dois, deu a mesma
resposta:
─ É a verdade, pura e simples,
Léo.
Não os fitou e por isso não pôde
ver nos olhos deles que não
acreditavam nela, até que Dons
lançou uma maldição, para depois
prosseguir:
─ Maldita sejas de uma vez para
sempre, Jayne! A tanto chega o teu
ódio? Não vês que, quando esse
homem souber disto, vem aqui e...
Só então é que Jayne levantou os
olhos do chão e os encarou
francamente. Como um felino, foi-se
acercando de seu irmão, enquanto
seus lábios vermelhos e incitantes se
entreabriam para deixar passar as
palavras.
─ Nunca te menti, Don, e tu sabes
bem que é verdade. Disse-te a
verdade, quando afirmei tal coisa.
E prosseguindo, Jayne contou
aquela história sem precedentes.
Quando terminou, Léo e Don não
sabiam que dizer ou que fazer.
Mas depois e enquanto o homem,
que conduzia a carroça, proferindo
maldições, via que tinha de a descar-
regar sozinho, Don acercou-se de
sua irmã.
─ Pois tu... Fizeste isso por nós?
Para que pudéssemos ter um
bocado de terra? Jayne.., Eu... Mas
agora, que diabo vais tu fazer, minha
Jayne?
Ante a pergunta. Jayne sorriu e as
suas faces avermelharam-se.
─ Isso depende de mim, irmão.
Entendes o que quero dizer, não? Só
te posso dizer mais qualquer coisa:
que não te preocupes demasiado
com tua irmã. A ele... ─ E Jayne
olhou para o chão novamente ─
Agrada-lhe a ideia... Muito, Don.
Ambos os irmãos se entreolharam
com o assombro estampado no
rosto.
─ Jayne! ─ Exclamaram.
E ela sorriu, replicando:
─ Deixem este assunto por minha
conta. Pode ser?! Só lhes peço uma
coisa: que no caso de ele aparecer,
os dois se afastem no mesmo
instante.
Fitaram-se sem dizer palavra.
Depois, ambos sentindo estranhos
desejos perante a acção daquela
que para eles era o ente mais
querido que tinham no mundo, com
um amargo nó na garganta saíram
para o exterior e o condutor da
carroça respirou aliviado quando os
viu chegar.
Silenciosamente, mas com um afã
febril, os dois irmãos Sinclair
começaram descarregando o
veículo, enquanto o condutor
perguntava a si próprio que diabo
teria acontecido para que eles
tivessem aquela cara.
Por fim, acabada de descarregar
a carroça, ficaram junto da cabana
mercadorias no valor de dois mil
dólares ao encargo de Bob O’Hara.
CAPÍTULO IX
À mesma hora em que a carroça
do velho Cradock regressava à
povoação completamente vazia,
outra chegava ao rancho dos
Kennedy. Mas esta não levava en-
comendas para o velho Ted, mas
sim Sílvia, dois «pistoleiros»
bastante feridos e o cadáver do
gigantesco Haroc.
Na boleia, a formosa ruiva
mantendo um profundo silêncio, que
os dois «pistoleiros» atribuíam ao
fracasso que tinham tido no
«saloon» de Belem contra Bob
O’Hara.
Eles também seguiam calados,
pensando o que lhes ia acontecer
quando chegassem ao rancho. Não
pelo velho, mas sim pela filha.
Temiam-na mais a ela do que a Ted
Kennedy.
Com estas ideias na mente
acabaram por chegar ao seu destino.
Sílvia saltou para o solo. A seguir
voltou-se para os dois.
─ Tirem o cadáver da carroça e
levem-no à povoação. Esta mesma
noite preciso que estejam de
regresso.
E sem mais palavras, Sílvia
penetrou no rancho. Não queria ver
seu pai, pelo menos naquele
momento, mas o rancheiro estava
aguardando a sua chegada com a
porta do escritório aberta. Ouviu os
seus passos rápidos e foi ao
encontro dela. Ambos se fitaram
frente a frente.
─ Então, Sílvia, como correram as
coisas em Belem?
Durante segundos ela ficou sem
saber o que responder. Depois,
encarando-o nos olhos como num
gesto de desafio, replicou:
─ Fracassei por ter sido idiota,
pai. Quis falar com ele antes de
mandar Haroc, Custer e Callender
matá-lo. Queria.. Queria que partisse
quanto antes de Belem. O meu
pensamento era de que... Já tinha
havido bastante sangue. E agora,
Bob O’Hara acabou por matar Tex.
Está lá fora.
Durante uns minutos, Ted
Kennedy nada disse, ainda que seus
olhos e rosto manifestassem bem a
fúria que sentia. Por fim, explodiu:
─ Estúpida. E és tu quem
pretende conduzir as rédeas de tudo
isto? Tu, que acabaste por estar
gostando desse maldito porco com
esporas?! Do homem que matou o
teu noivo?! Fosse ou não fosse o
que tu desejavas, era ele quem ia
casar contigo. Não passas duma
nulidade, Sílvia. Prometes, ameaças,
vais à povoação e voltas trazendo o
cadáver de um dos meus melhores
homens. Onde estão Callender e
Custer?
─ Mandei-os à cidade para
devolver a carroça que nos
emprestaram. Porquê?
─ Dentro de bem pouco tempo
vais saber, esperta. Para já, chama
Tommy Gaynor. E se não vais
rapidamente, vou eu.
Ted Kennedy moveu-se
velozmente na direcção da porta,
mas não tão rápido que sua filha lhe
interrompesse a passagem, fitando-o
nos olhos, perguntou:
─ Que vais fazer?
─ O que tu não conseguiste.
Sempre suspeitei que um dia
acabarias por gostar desse vaqueiro
porco.
Quando O’Hara saía do «saloon«,
ficou surpreendido: o velho Cradock,
saindo de uma porta, fez-lhe sinal
para que se acercasse dele.
O jovem aproximou-se, enquanto
seus olhos de falcão abarcavam tudo
quanto podia distinguir na escuridão
da rua.
─ Queria falar consigo, senhor
O’Hara ─ Disse o velho, mal tinha
chegado junto dele.
O’Hara fitou-o durante uns
segundos em silêncio.
─ É o que está fazendo agora,
avô ─ Replicou.
Cradock discordou com um aceno
de cabeça, dizendo a seguir:
─ Não na rua, O’Hara. Quer ir até
ao meu armazém?
O jovem assentiu com um gesto e
passou levemente a mão pela
culatra do revólver, mas não com
tanta suavidade que Cradock não
tivesse notado aquele movimento.
Apontando para o «Colt»,
murmurou:
─ Pode afastar a mão dessa
arma... Se quer. Não há qualquer
cilada no armazém.
Bob O’Hara permaneceu mais um
instante, fitando-o nos olhos.
Cradock manteve-se firme e
prosseguiu:
─ Compreendo que tenha de viver
alertado numa cidade de coiotes.
Mas isso não é para mim, jovem.
Deu uma volta repentina e
penetrou no seu estabelecimento.
O’Hara vacilou uns instantes ainda,
antes de se decidir a segui-lo e,
quando o fez, sua mão estava mais
afastada que nunca da culatra do
«45». Mas também era certo de que
estava mais alerta do que um tigre.
Cradock estava por detrás do
balcão quando o jovem apareceu à
porta. O’Hara viu-o sorrir e, embora
tivesse correspondido, os seus olhos
estavam esquadrinhando todos os
recantos daquele amplo
estabelecimento.
Avançou uns passos até ficar na
sua frente.
─ Diga o que tem a dizer, porque
tenho pressa ─ Disse por fim.
Cradock mostrou-lhe o papel que
tinha na mão.
, ─ Desculpe, O’Hara ─ Disse ─
Mas quero saber se isto é verdade.
No mesmo instante soltou-o de
uma maneira brusca, mas ainda
assim foi como que uma revelação
para o jovem. E durante uns
segundos fico usem saber se havia
de rir ou maldizer-se.
Não fez, no entanto, qualquer
destas coisas e simplesmente
perguntou:
─ Como posso eu saber, se isto é
verdade?
─ A menina... ─ Cradock hesitou
uns segundos e prosseguiu: ─ A
menina Sinclair afirmou que Kelly
estava perfeitamente ao corrente do
assunto.
O rosto de O’Hara nada
demonstrava, quando replicou:
─ Terá de aguardar uns dias para
cobrar isso, avô. Agora não tenho no
bolso os dólares suficientes. E fique
sabendo que Jayne Sinclair não
mentiu quando afirmou isso. Fica
sabendo que Kelly nada tem a ver
com este negócio.
Cradock deu o assunto por
encerrado e ficou pensativo olhando
as amplas costas de O’Hara quando
este se voltou para se dirigir para a
saída.
Muito mais pensativo teria ficado,
certamente, se pudesse ver o rosto
deste, natural agora, sem máscara e
ainda muito mais, se escutasse a
frase que brotou de seus lábios
quando atravessava o umbral da
porta:
─ A minha tia de Oklahoma está a
falhar-me. Ela não adivinhou isto,
Bob O’Hara.
E saiu com a fúria retratada no
semblante. Primeiro, iria ajustar
contas com Madigan e Kelly. Depois,
com Jayne Sinclair. Ela iria
arrepender-se daquela burla. Estas
eram duas contas que ele pensava
saldar quanto antes, deixando para o
fim Ted Kennedy e sua filha.
E não tinha dúvidas de resolver o
assunto com ela, apesar dos dois
irmãozinhos que tinha. Ele, ainda por
cima, lhe tinha pedido desculpa...
Não tinha graça?
Justamente quando atingiu o
outro umbral, O’Hara recordou-se de
que as terras onde viviam os irmãos
Sinclair eram uma oferta que lhe
tinha feito o antigo juiz Kellk. Outra
armadilha para que regressasse?
Ao interrogar-se, o jovem,
instintivamente, levou a mão ao
bolso. Instantes depois tinha o
documento aberto na sua frente. Era
uma concessão em forma daquelas
terras, mas em baixo havia algo
mais.
E quando viu as assinaturas,
O’Hara soltou uma imprecação
vendo que tinha assinado
precisamente ali, onde não o devia
ter feito.
Lentamente dobrou o documento
e voltou a guardá-lo utilizando a mão
direita. E foi naquele preciso instante
que um laço de vaqueiro sibilou por
cima da sua cabeça.
O’Hara compreendeu no mesmo
instante o que estava acontecendo,
mas era já demasiado tarde para
evitar o puxão que o fez ficar
imobilizado, enquanto era atirado ao
chão.
─ Maldito velho! ─ Exclamou. ─
Devia ter adivinhado.
E então ouviu aquela voz quando
o silencioso cavalo que tinham
utilizado para o caçar começou
avançando, obedecendo à mão do
cavaleiro que o conduzia.
O’Hara viu-se arrastado e tentou
frenética mente des prender-se sem
o conseguir. Por duas vezes ficou de
joelhos, afrouxando ligeiramente a
pressão da cordo e outras tantas
vezes se viu revolvido no solo,
enquanto a mesma voz repetia a
mesma cantilena, agora apoiada
pelo ruído metálico dos canos de
várias espingardas:
─ Agarra-o de uma vez, Gaynor!
Com os diabos, mexe-te!
O’Hara escutou o som de botas
com esporas que se aproximavam.
Voltou a ajoelhar-se com uma
expressão terrível em seu rosto
coberto de poeira. A seguir, conse-
guiu ficar de pé.
O cavalo voltou a puxar quando
ele tinha já quase sacado o «Colt»
do coldre. Perdeu o equilíbrio no mo-
mento preciso em que Gaynor o
agredia com a sua arma.
Como uma rês laçada, rolou pelo
solo ficando inconsciente. Minutos
depois estava completamente atado
e cruzado sobre a sela de um
cavalo, como um verdadeiro fardo.
Ted Kennedy e seus sequazes
atravessaram Belem a caminho da
pradaria.
CAPÍTULO X
A primeira sensação que o jovem
experimentou, quando voltou a si, foi
de que se estava banhando na
margem do arroio e que Jayne
Sinclair o estava fitando amorosa-
mente com seus formosos e
brilhantes olhos verdes.
Tentou fazer um movimento, mas
uma terrível dor de cabeça
acometeu-o. Depois, quando tentou
novamente, concluiu que não o
podia fazer. Então o jovem recordou
o que se tinha passado. Aquele
maldito velho Cradock e Ted
Kennedy!...
Olhou em roda. Estava numa
habitação que em anos anteriores
ele tinha visitado. Completamente
atado a uma cadeira. Na sua frente e
num cómodo cadeirão, encontrava-
se Ted Kennedy.
Os dois fitaram-se nos olhos,
estudando-se. E foi O’Hara quem
falou primeiro:
─ Olá, Kennedy, como estás? ─
Fez uma pausa e prosseguiu em tom
trocista: ─ A minha tia de Oklahoma
não me disse que teria este encontro
tão agradável. Acredita no que te
digo, Kennedy!
Apesar de saber a sorte que o
esperava, estando nas mãos do
rancheiro, Bob O’Hara fitou-o com
um sorriso, troçando da morte que
rondava por sobre a sua cabeça,
enquanto Kennedy se levantava,
dizendo:
─ Vais morrer, O’Hara. Mal
amanheça, vais ser pendurado pelo
pescoço no extremo de uma viga no
lugar mais afastado deste rancho.
─ Porquê?
E a pergunta de O’Hara brotou de
seus lábios com extrema
tranquilidade. Kennedy fitou-o como
que duvidando de que um homem no
seu juízo perfeito pudesse manter
aquela calma, quando sabia que
poucas horas lhe restavam de vida.
Por fim, decidiu responder:
─ Mataste o noivo de minha filha e
seus primos, Bob. E como se ainda
fosse pouco, regressas a Belem
disposto a ajudar esses porcos com
esporas. O que estão preparando
Madigan e Kelly?
A resposta de Bob O’Hara foi um
sorriso. A seguir e depois de um
longo silêncio, durante o qual os dois
se fitaram atentamente, o jovem
replicou, sempre com o mesmo tom
trocista:
─ E Sílvia morreu de pena, patrão!
Creia que o sinto bastante. A minha
tia de Oklahoma também, mas não o
disse. ─ E depois, num estalido
incontido, o jovem prosseguiu: ─ E o
senhor ficou com esse rancho, Ted
Kennedy! Portanto.. Afirmo-lhe que o
senhor é um patrão porco!
O rosto de Kennedy estava agora
lívido pela fúria que sentia. Mas não
respondeu, limitando-se
simplesmente a retroceder até junto
da porta. Antes de abrir voltou-se do
novo para ele.
─ Ainda te resta qualquer coisa,
O’Hara. Sei de alguém que te vai
fazer padecer as penas do inferno,
antes que vás para ele com esporas
e tudo.
E saiu, batendo violentamente
com a porta. Passou junto de
Callender, que montava guarda junto
da porta, sem sequer olhar para ele.
Bob O’Hara ficou só e cerrou os
olhos, enquanto seus pensamentos
giravam em redor de Sílvia e da
conversa que tivera com o velho e
irascível Kennedy.
O jovem sabia bem que tudo
aquilo era a verdade pura e simples.
Manteve os olhos fechados
durante bastante tempo e sua boca
sorriu algumas vezes enquanto
pensava em Noemi Carter, até que
tudo se esfumou para dar lugar à
figura excitante de Jayne Sinclair.
O’Hara nunca soube quanto
tempo permaneceu naquele sonho;
somente abriu os olhos quando o
ruído da porta se fez ouvir, não ao
abrir mas quando se fechou a dar
passagem a uma pessoa. O jovem
observou-a.
Sílvia Kennedy estava ali,
avançando na direcção dele com um
estranho trejeito nos lábios
vermelhos, até que se deteve a
menos de três polegadas.
O’Hara fitou-a de frente sem nada
dizer e, de súbito, ela agachou-se
para com um gesto rápido levantar a
saia. Quando a deixou cair, detinha
entre os dedos da mão direita um
comprido e afiado punhal. O’Hara
sorriu.
─ Vais cumprir a tua palavra, não,
Sílvia? ─ Perguntou.
Ela desviou um pouco os olhos,
enquanto sua voz soava um pouco
enrouquecida aos ouvidos do jovem:
─ Maldito sejas, Bob O’Hara!
Deveria fazê-lo, mas.. Não posso,
não o poderia fazer por nada deste
mundo. ─ E quando o fitou de frente,
o jovem notou que o seu semblante
se alterava, as suas faces se
afogueavam; contemplou-a
absolutamente surpreendido,
enquanto ela prosseguia muito
suavemente: ─ Gosto de ti, Bob...
Não sei quando o soube nem me
interessa. Só sei que não te deixarei
morrer. Vou... Cortar essas cordas.
E Sílvia inclinou a sua cabeça
escultural. O’Hara não o pôde evitar.
A boca dela colou-se à sua num
beijo de desespero, enquanto o seu
braço direito circundava as suas
costas.
Pela sua mente passaram as
palavras que ela dissera em Belem,
e pareceu-lhe sentir o frio aço
penetrar-lhe na carne. Segundos
depois, constatou que não era assim
ao notar que as suas mãos estavam
livres.
E quando ela separou a boca,
O’Hara só conseguiu proferir estas
palavras absolutamente
surpreendido com tudo quanto se
estava passando:
─ Sílvia...
A jovem respondeu com um triste
sorriso enquanto se inclinava uma
vez mais para desta vez manejar
habilmente o punhal contra as
cordas que retinha as pernas do
jovem à cadeira, ao mesmo tempo
que murmurava num sussurro quase
imperceptível:
─ Não estejas surpreendido, Bob.
Sei.. Que nunca serei nada para ti.
Jayne Sinclair é muito boa rapariga
─ E Bob O’Hara perguntou a si
mesmo se ela saberia tudo ─
Enquanto eu… Eu sou, o que
quiseram que eu fosse! Antes te
tivesse conhecido antes! ─ E numa
brusca transição prosseguiu
dolorosamente: ─ Vai-te Bob O’Hara!
Sei que meu pai, apesar do que eu
disse que ia fazer contigo, quando
estivesses nas minhas mãos, não se
fia em mim. Vai antes que entre! E...
Procura pagar isto... Poupando-lhe a
vida.
O jovem já estava em pé olhando-
a, assombrado ante aquela
revelação da qual nunca poderia
suspeitar. E sem afastar os olhos
dela, estendeu-lhe a mão.
Sílvia compreendeu o gesto e
estendeu-lhe o punhal. E foi
precisamente quando o jovem o
tomava nas suas mãos quando a
porta se abriu violentamente dando
passagem a Callender com as armas
na mão.
─ Velho patife! ─ Exclamou.
E apertou o gatilho disparando
contra o jovem. Sílvia deu um grito
saltando de costas e o chumbo
destinado ao coração de O’Hara
despedaçou-lhe o peito.
Com um rouco gemido, Sílvia caiu
no solo. Callender fez menção de
utilizar novamente os «Colt», mas
não chegou a fazer uso deles.
O’Hara tinha lançado o punhal.
A folha feriu o ar com um silvo e
Callender deteve em seco o seu
gesto quando a arma mergulhou no
seu peito até ao cabo. Durante uns
segundos permaneceu fitando o
jovem com os olhos desorbitados.
Pretendeu a seguir agarrar nos
«Colt», e então as forças falharam.
As armas caíram no chão e sempre
com a surpresa estampada no rosto
caiu de joelhos para pouco depois
embater com o rosto no chão.
O’Hara esqueceu tudo num
segundo. Jayne, Noemi, o juiz e o
antigo xerife de Belem; tudo,
inclusivamente o perigo que o
cercava, quando, de pé,
contemplava Sílvia Kennedy
estendida a seus pés e coberta de
sangue.
O jovem ajoelhou-se junto dela.
Sílvia tinha os olhos abertos e
olhava-o tentando um sorriso.
─ E.., Melhor assim... Bob. E
também é... Uma prova de que não
te menti. Dei... Dei a minha vida por
ti. Eu... Não mates o meu...
Não terminou, mas Bob O’Hara
entendeu o que ela queria quando
procurava a todo o custo estender os
braços para ele. Inclinou-se,
beijando-a nos lábios.
Pouco a pouco Sílvia desfez o
abraço, sussurrando a muito custo:
─ Pede perdão a mim a Jayne
pelo beijo, Bob...
Seu formoso e feiticeiro corpo
estremeceu e Bob
O’Hara, piedosamente, fechou-lhe
as pálpebras.
Mal acabou de o fazer quando
ouviu passos apressados do outro
lado da porta. Então, voltando a si,
O’Hara saltou como um tigre na
direcção das armas de Callender.
Empunhando-as já, encarou a
porta no momento preciso em que
Kennedy fazia a sua aparição.
Durante uns segundos o rancheiro
ficou imóvel, fitando a figura de
O’Hara.
─ Que diabos...
E seu rosto tornou-se da cor da
terra ao ver o cadáver de Sílvia no
chão.
─ Foste tu quem a matou, Bob
O’Hara! Vou desfazer-te com as
minhas mãos.
Sem pensar, Kennedy lançou-se
contra ele. O jovem podia tê-lo
morto, mas, como um relâmpago,
surgiu-lhe na mente o último pedido
de Sílvia.
O’Hara limitou-se a recuar um
pouco e estender uma perna por
entre as do rancheiro. Este
desequilibrou-se, rolando
aparatosamente pelo chão para ficar
estendido ao lado do corpo de Sílvia.
E ali toda a sua fúria se esfumou
como por encanto. Com os olhos
desorbitados, sem pensar em que
era ele o principal culpado daquela
morte e, recordando que aquela
mulher sem vida e com o peito
coberto de sangue era sua filha,
Kennedy levantou-se um pouco e,
lentamente, foi-se erguendo até ficar
de joelhos junto dela.
O’Hara fitava-o como se estivesse
fascinado. Ele era um homem duro,
como o tinha demonstrado em
muitas ocasiões, mas aquele quadro
era demasiado violento para ele. Viu
como Kennedy a tomava entre os
seus braços para depois girar na sua
direcção, dizendo:
─ Se és um homem como dizem.
O’Hara, deixa que a enterre e depois
espera-me em Belem.
O jovem voltou-se para a porta,
ficando de costas para Kennedy,
enquanto dizia:
─ Quem a matou foi Callender,
quando ela se meteu entre os dois
para evitar que eu fosse atingido,
Kennedy. Deu a sua vida pelo
homem de quem gostava. Disse ela,
disse-o antes de cair.
Nas suas costas, o velho
rancheiro lançou uma gargalhada.
Bob saiu apressadamente do
escritório. Nas suas costas e como
se carregasse um enorme peso
sobre os seus ombros, ia
caminhando lentamente Ted
Kennedy.
Com uma vontade incontida de
matar O’Hara, foi prosseguindo pelo
corredor. Ao alcançar a porta,
Kennedy atroou os ares com a sua
voz onde soava toda a surda fúria
que tinha conseguido conter, em
frente dos «Colts» do jovem:
─ Matem-no! Dez mil dólares se o
conseguires... Custer!
Este acabava de sair de uma das
habitações quando ouviu aquela vol.
Encarou com Kennedy e ficou
imobilizado ao ver o rosto do
rancheiro e o corpo de Sílvia era
braços, tingido de vermelho seu
vestido branco.
Perdeu uns segundos quando se
voltou como uma fera na direcção do
fundo do corredor, os mesmos que
O’Hara aproveitou para se colar à
parede e esperar que Custer
acabasse de se voltar.
Quando este o fez. O’Hara
esperou ainda que puxasse das
armas, enquanto ele empunhava já
uma que tinha arrebatado a
Callender. E quando o foragido
levantou as mãos ao mesmo tempo,
o jovem elevou o braço e fez fogo
uma vez só.
O estampido ressoou pelo longo
corredor e antes que Custer tivesse
caído, Kennedy pôde ver o orifício
negro na sua testa.
Voltou-se então para o fundo do
corredor, mas Bob O’Hara já ali não
se encontrava. Então Kennedy
inclinou a cabeça sobre o peito e
seguiu avançando sem soltar o
cadáver da filha, enquanto o jovem
alcançava o pátio de entrada.
CAPÍTULO XI
As detonações que se registaram
no interior alertaram Gaynor e os
outros três. Estes últimos já
empunhando as armas, correram
para o edifício do rancheiro, mas
Tommy Gaynor deteve-os com um
gesto, sublinhando a seguir:
─ Não devemos entrar. Se esse
O’Hara se soltou acaba por nos
apanhar como coelhos.
E com outro gesto, os três
pistoleiros correram agora a
refugiarem-se nos barracões
enquanto Gaynor se escondia atrás
de uma das colunas que sustinham o
alpendre do átrio.
Uns e outros dos seus respectivos
sítios, esquadrinhavam a ampla e
alta porta da casa do rancheiro,
aberta de par em par.
O’Hara estava quase chegando
junto dela. Nada sabia daquela
espera que lhe podia vir a ser
completamente trágica. E apesar
disto, fez algo assombroso.
Foi quando, colado com a parede
de troncos, alcançou a porta,
procurando que não o vissem de
fora. Uma vez junto dela, O’Hara
encolheu-se como um felino e saltou
para o exterior.
Caiu junto de um dos três degraus
que iam do átrio à terra que
circundava o rancho, e voltou a
saltar acto seguido, tendo agora os
dois «Colt» de Callender empu-
nhados.
Fora já do amparo do alpendre
revolveu-se como um puma furioso,
inclinado para diante e tornando-se
um alvo bastante mais pequeno e
difícil de atingir.
O’Hara só se apercebeu da
presença de Gaynor, quando este
disparou.
Sentiu o silvo do primeiro projéctil.
Depois um golpe seco nas costas, e
Gaynor semente pôde ver como ele
vacilava um tanto, visto que, quando
ele premia já o gatilho das suas
armas, pela segunda vez Bob
O’Hara disparava por duas vezes
metendo-lhe, com pontaria certeira,
dois projécteis na cabeça.
O jovem não esperou que ele
caísse, posto que imediatamente
girou em direcção às cavalariças
sabendo de antemão que, se não
encontrasse ali o seu cavalo, certa-
mente encontraria algum que o
conduzisse à cabana de Jayne
Sinclair.
Sempre vacilando, sentindo que o
sangue alastrava nas suas costas,
O’Hara avançou.
Kennedy estava junto ao alpendre
quando ele ia a atingir as cavalariças
e no mesmo instante um dos pisto-
leiros saía do barracão disparando
como um demónio.
O ruído das detonações mesclou-
se com o silvo das balas e o grito do
velho Kennedy.
─ Quietos todos! Disse que
estejam quietos, que diabo!
Porém para o pequeno e simiesco
Dick Taylor aquelas palavras não
tinham qualquer significado, posto
que, quando Kennedy começou a
pronunciá-las, ele, atingido por um
certeiro tiro à altura do coração,
estava caindo de costas sem que
Dor este motivo as suas mãos
tivessem desprendido os «Colt».
E este facto deveu-se ao facto de
O’Hara, quando ouviu o primeiro
zumbido, girar sobre si mesmo,
disparando à altura dos coldres. Os
que estavam à janela dos barracões
viram-no perfeitamente e tudo
quanto se desenrolou de seguida. O
fim surgiu quando Taylor caiu e se
ouviam os gritos de Kennedy.
Com a estupefacção estampada
em seus rostos os dois pistoleiros
afastaram-se da janela, enquanto
O’Hara fitava a figura do rancheiro
enquanto retrocedia de costas.
E o jovem compreendeu que por
aquele lado nada havia a recear por
agora. Kennedy com a sua ruiva e
formosa filha nos braços era a
expressão viva da derrota, apesar
das palavras coléricas que tinha
proferido antes.
Sempre retrocedendo e olhando
agora na direcção dos barracões,
O’Hara alcançou as cavalariças. Um
suspiro de alívio soltou-se de sua
boca quando viu o seu cavalo
completamente selado. Acercou-se
dele e o animal girou a cabeça
relinchando em tom festivo. O’Hara
acariciou-lhe o lustroso pescoço.
─ Vamos. A «nossa» tia de
Oklahoma aconselha-nos a que nos
vamos embora quanto mais
depressa melhor ─ Disse, enquanto
montava com bastante dificuldade,
pois que as dores nas costas
estavam aumentando.
E partiu como uma centelha com
os dois «Colt» brilhando ao sol.
Porém nenhum dos dois pistoleiros
de Kennedy lhe surgiu, nem tão-
pouco Kennedy se voltou quando ele
partiu a galope.
E foi quando este desapareceu na
distância, que os dois pistoleiros
saíram do barracão dirigindo-se
directamente para o local onde se
encontrava Kennedy com a vista
cravada neles, sem no entanto os
estar vendo.
Foi o mais velho dos dois Doc
Murphy, quem falou primeiramente:
─ Que diabo se passou, patrão?
Kennedy fitou-o agora, e Murphy
compreendeu no mesmo instante
que o seu patrão tinha agora
regressado à realidade por efeito das
suas palavras.
Em que demónios estaria
pensando? Doc não podia responder
a esta pergunta embora simples,
porque Kennedy se adiantou,
dizendo com voz enrouquecida:
─ Callender matou a minha filha
dentro do rancho ─ Disse Kennedy,
com voz firme. ─ E O’Hara acabou
por apanhá-lo a seguir. Vá... Vamos
enterrá-la, Murphy.
Alio e seco com um sorriso
maligno bailando na sua boca e
vestindo todo de negro, Nick
Sullivan, o segundo pistoleiro deu a
resposta que se traduziu numa
pergunta:
─ E Bob O’Hara?
A cara de Kennedy nublou-se.
─ Foi ele quem teve a culpa disto.
Se não tivesse...
Kennedy não terminou a frase,
mas os pistoleiros entreolharam-se.
─ Sei o que estás pensando,
Sullivan. Vamos a isto; jun... To do
arroio. Depois... Falaremos.
E sempre com ela nos braços,
acompanhado pelos seus guarda-
costas, que o seguiam com o
pensamento posto em O’Hara,
encaminhou-se em direcção das
árvores que se divisavam perto dali.

Jayne acabava de sair da água no
preciso momento em que o jovem,
seguindo a sinuosa corrente do
arroio chegava à cabana.
O’Hara viu-a primeiro, e sem
saber porquê, e apesar das dores
que sentia nas costas, recordou-se
como naquela vez em que a tinha
encontrado naquela margem, sem
que a recordação de Noemi Carter
viesse perturbar, por instantes
sequer, o curso dos seus
pensamentos.
Desviou os olhos dela para lançar
um olhar em redor, e no mesmo
instante o jovem deu por duas
coisas: os seus irmãos não estavam
ali, e de que a um dos lados da
cabana se viam ainda bastantes
encomendas.
Descobriu pouco depois algumas
das coisas que o velho armazenista
lhe tinha indicado que ela tinha
levado de Belem para a sua cabana.
E quando pensou em Cradock,
O’Hara recordou as suspeitas que se
tinham levantado no momento em
que ele o tinha chamado.
Cradock não tinha mentido. As
encomendas estavam ali, e ele não
necessitava de mais provas para
actuar. Portanto seria melhor
esquecer tudo e ter em mente
Cinicamente o objectivo que o fizera
ir até ali.
Bob O’Hara fitou agora a jovem.
Jayne estava recostada num tronco
de árvore, olhando-o com os seus
olhos muito abertos, e com as mãos
à altura do peito.
O jovem viu o seu busto subir e
descer, e sem proferir palavra fez
avançar a montada até junto dela.
Deteve-a quando a cabeça do
animal roçou um dos ombros da
rapariga, sem que esta se movesse.
Desmontou, e Jayne não se deu
conta de que ele estava ferido, tal
era o desassossego que sentia no
seu íntimo.
Mas quando o fitou nos olhos a
jovem compreendeu, soube o que
queria saber desde o primeiro dia em
que o tinha conhecido. Fez um gesto
para dizer qualquer coisa, e O’Hara
interrompeu-a com um movimento
Dr. sua mão. Depois apontou para a
cabana e disse-lhe:
─ Sabe que isso não é correcto,
menina Sinclair?
E ela, quando fitou os objectos e
embrulhos que se encontravam junto
à cabana, procurou sorrir sem o
conseguir.
─ Sim, sei ─ Sussurrou. ─ Mas eu
precisava de fazer qualquer coisa
para que viesses até aqui. O nosso
primeiro encontro e os que se
seguiram não eram os mais apro-
priados para pedir este favor, e muito
menos depois do que tinha
acontecido em casa do juiz Kelly.
Algo sem importância, mas que eu
não quis ver assim. Primeiro fiz por
isso. Depois pensei em obrigar-te
para que pagasses. Mas agora...
Jayne calou-se antes de terminar
a última frase. Sempre fitando-a,
O’Hara perguntou:
─ Agora, o quê, menina Sinclair?
Jayne volveu os olhos para ele,
replicando então:
─ Agora sei que não o devia ter
feito apesar de estar contigo, Bob ─
E prosseguiu vendo a expressão dos
olhos de O’Hara. ─ Trazes ainda
dentro de ti o fantasma da tua
mulher. Eu.., Eu nada posso fazer
perante...
─ Está entendendo, não?
E estupefacto, pois que ela estava
falando suavemente, Jayne explodiu
com aquela fúria de que só ela era
capaz:
─ Que o diabo te leve de uma vez,
Bob O’Hara! Eu não entendo nada.
Só sei de uma coisa por todos os
diabos: que Noemi Carter morreu e
que eu estou viva. Ela... Significa a
morte e eu... Eu sou a vida, querido!
Eu represento tudo quanto um
homem como tu pode desejar. Amor,
carinho, compreensão. Mas
sobretudo: a vida tal qual ela é, com
tudo quanto ela nos proporciona de
triste e alegre!
Ao falar, Jayne deu um passo em
frente e O’Hara sentiu o efeito do
calor do seu corpo quando ela quase
o roçou fitando-o nos olhos,
desafiando-o, envolvendo-o com o
seu perfume as flores silvestres.
O’Hara sentiu que estava
perdendo o domínio de si mesmo,
que vacilava e retrocedia um par de
passos enquanto afastava os olhos
daquela figura de mulher tão
apaixonante.
Um gesto de surpresa surgiu no
seu belo rosto, quando Bob voltou a
estender o braço, apontando os
objectos empilhados junto da
cabana.
─ Pode ficar com tudo isto,
menina Sinclair, posto que já paguei
tudo em Belem ─ Disse mentindo. ─
Isto é tudo quanto posso fazer por...
Mas subitamente, O’Hara vacilou
sobre os seus pés. Jayne deu um
grito ao ver o seu rosto
completamente branco, e voltou a
gritar quando o jovem caiu
desamparadamente no solo.
Com os olhos arrasados pelas
lágrimas, Jayne ajoelhou-se
procurando naquele corpo para ela
tão querido a causa daquela súbita
queda e com as mãos febris
destapou a ferida das costas.
A cor voltou às suas faces quando
observou que aquela ferida não
passava de um ferimento sem
qualquer importância, e que o jovem
estava desmaiado em parte pela
perda de sangue e por outro lado
pelo cansaço.
Com mãos de seda, Jayne fez
estancar o sangue ali mesmo,
ligando a ferida com tiras do seu
próprio vestido. Em seguida, olhou
em redor e depois para a distância,
na direcção das montanhas onde
Don e Léo estavam cortando lenha.
Por fim, agarrou o jovem pelas axilas
e arrastou-o a muito custo na
direcção da cabana. Porém Jayne
viu-se impossibilitada de subir os
degraus que havia na entrada.
Então, sentou-se no solo, tomando a
cabeça dele entre as suas mãos,
reclinando-a sobre as suas formosas
pernas e aguardou.
Assim a foram encontrar os
irmãos duas horas mais tarde, sem
que Bob O’Hara tivesse recobrado o
conhecimento.
Os dois irmãos levaram-no para o
interior, e Jayne, com um gesto
mudo e o semblante carregado,
indicou-lhes o quarto dela.
A seguir, os três irmãos reuniram-
se na cozinha que fazia de casa de
jantar.
E a primeira pergunta surgiu na
boca de Léo.
─ Que pensas fazer com ele,
Jayne?
E os dois ficaram boquiabertos
perante o doce sorriso que surgiu
por segundos na boca da jovem.
─ Cuidar dele, Léo. E.., Meu
marido, ou não é?
─ Jayne!
E ela surpreendeu a burla nos
olhos de Don.
─ Vai para o diabo! ─ Exclamou.
E Don riu a bom rir enquanto Léo
dizia agora também entrecortado
pelo riso:
─ Diabo, Jayne; não sabes quanto
me alegra saber que por fim
encontraste um homem capaz de te
dominar, minha ferazinha!
Jayne ergueu o seu voluntarioso
queixo e num gesto de desafio
replicou simplesmente.
─ E... É Bob O’Hara, irmãos.
Qualquer mulher se sentiria
orgulhosa por lhe pertencer.
Eles tornaram a rir, vendo o rubor
de seu rosto.
Mas, subitamente, interromperam
as suas gargalhadas vendo a rápida
transformação que se tinha operado
no rosto dela. Seus olhos desceram
até fitar o solo enquanto lágrimas
furtivas teimavam em cair.
─ E afinal eis agora o resultado de
tudo isto ─ Sussurrou.
Acto contínuo contou toda a cena
ocorrida entre ela e o jovem antes
que este caísse no solo sem
sentidos?
─ Disse-te como foi que o feriram,
Jayne Ela abanou a cabeça. A seguir
encarou Léo.
─ Pega num cavalo, e vai a
Belem. Parece-me que será melhor
trazer um médico.
Don discordou com um aceno de
cabeça.
─ O teu tratamento foi perfeito,
Jayne. Podemos esperar até
amanhã.
Quando anoitecia Jayne entrou no
seu quarto. Bob O’Hara dormia
tranquilamente. Já estavam a jantar,
quando um cavalo se deteve à porta
da cabana. Os três entreolharam-se
e os dois homens verificaram se os
«Colts» saíam bem dos coldres
enquanto Jayne, como uma leoa,
corria buscando uma espingarda,
pendurada num prego e com as
costas coladas à porta do seu quarto
encarava a porta que dava para a
rua.
A porta abriu-se e Don e Léo
sorriram. Jayne mantinha uma
expressão séria sem largar a
espingarda e lançou-se com os olhos
brilhantes e com movimentos felino»,
na direcção de Jim Madigan que,
naquele momento, enchia por
completo o umbral da porta.
Com as mãos crispadas à altura
do rosto, Jayne exclamou:
─ Sim, xerife Madigan. Bob
O’Hara está aqui e ferido. Aposto em
como foi esse porco do Kennedy
quem fez isso!?... E.., Enfim ele está
aqui e é o meu marido.., E não deve
ficar na cabana. Ele.., Ele não me
quer. A recordação de Noemi está
ainda muito recente na sua mente,
Madigan. E agora... Pense nisto. Se
Bob O’Hara acaba por resolver ir-se
embora da comarca, asseguro-lhe
que eu, Jayne Sinclair, corro todos a
tiro por toda a cidade de Belem, ao
senhor e a Kelly!
Madigan não ficou surpreendido
por aquele chorrilho de palavras,
embora estivesse certo de que
Jayne era muito capaz de lhes dar
algum desgosto, se aquele animal do
O’Hara partisse.
Com esforço e, enquanto Leo e
Don sorriam trocistas, procurou
manter aquele olhar de fera que
ainda mais parecia um verdadeiro e
infernal fogo verde. Respondeu por
fim:
─ O’Hara vai ficar, senhora...
E como sempre Don soltou uma
forte gargalhada ao ver o salto que
sua irmã tinha dado quando Madigan
a tratou por senhora.
─ Vá brincar para outro sítio,
Madigan! Senhora do diabo! E.., Em
vez de estar aí como um poste,
porque não nos diz de uma vez o
que veio cá fazer?
Jayne ficou surpreendida pela
resposta calma do jovem:
─ Ainda não, senhora. Não bebi
em Belem.., Mas espero que seus
irmãos tenham por aí um par de
garrafas escocesas.
Dessa vez Jayne O’Hara não
replicou, visto que assim como tinha
gostado de início saber-se mulher de
O’Hara também agora começava
gostando do tratamento de senhora,
claro. Por conseguinte nem fez caso
do pedido de Madigan, o mesmo não
acontecendo a Léo que logo correu
para um dos toscos armários na
parede. Quando se voltou tinha na
mão uma garrafa poeirenta e um
copo na outra. Madigan estava
sentado junto de Don enquanto
Jayne permanecia atrás dele em
atitude de quem tinha ainda qualquer
coisa para dizer.
E foi quando bebeu o segundo
copo de «whisky» que Madigan deu
a saber o que se tinha passado no
rancho de Kennedy. Em resposta a
estas palavras Jayne saiu da
cozinha e dirigiu-se directamente
para o seu quarto onde estava
repousando Bob O’Hara.
Junto da cabeceira da cama, a
jovem permaneceu a noite inteira,
velando o seu sono.

O desafio estava lançado, quando
Bob O’Hara se levantou do leito três
dias depois. Madigan foi também
desta vez o portador da notícia, mas
ia acompanhado por, Joe Kelly.
Pelo que parecia estava já
reposto da terrível agressão de que
fora vítima e o seu primeiro passeio
a cavalo foi para acompanhar
Madigan a casa dos Sinclair.
Durante aqueles três dias Jayne
mal se afastou do leito. Nenhum dos
dois abordou mais aquele problema
que parecia ser bastante espinhoso.
Mas Bob O’Hara, uma vez por outra,
deixou-se tratar por aquela que
segundo Kelly se chamava Jayne
O’Hara.
Por seu turno, a jovem procurou a
todo o custo evitar qualquer tema
que lhe causasse aborrecimento,
evitando estas situações com aquela
rara intuição que as mulheres
possuem, evidentemente!
E foram muitas horas aquelas que
passaram juntos conversando
absolutamente sós.
Mas quando naquela manhã
apareceram Kelly e Madigan e ela
viu como O’Hara saía para os
receber em companhia dos seus
irmãos, um tanto vacilante, esqueceu
todos os propósitos de o molestar.
No entretanto, aguardou que os
cinco homens estivessem juntos no
interior da rústica cabana para falar
se chegasse essa oportunidade.
Sem a fitar, Bob foi o último a
entrar. Depois quando Kelly se lhe
dirigiu para lhe perguntar como se
encontrava, o jovem deteve-o com
um gesto enquanto dizia:
─ Que significa tudo isto, Kelly?
Ninguém entendeu a pergunta
senão quando O’Hara tirou do seus
bolso o documento no qual, e por
vontade do antigo juiz de Belem, ele
se tinha convertido no proprietário
das terras deste.
E fez isto precisamente porque
Jayne e seus irmãos estavam
presentes.
Kelly sorriu travessamente antes
de pegar no papel.
─ Isto... ─ Disse ─ É.. A cedência
das minhas terras, Bob.
─ Um... ─ E o jovem calou-se não
prosseguindo por respeito para com
ela. A seguir, e em tom bem
diferente prosseguiu: ─ Queres
dizer-me quem foi que escreveu
esse documento, que eu assinei sem
o dever ter feito?
Jim Kelly esteve a ponto de largar
uma das suas, mas quando olhou o
jovem desistiu:
─ Vou-te explicar, Bob ─
Começou: ─ Noemi morreu em Sells
e tu começaste a andar sem destino,
dum lado par ao outro. Isso, segundo
a minha maneira de pensar, não era
vida. A notícia chegou aqui pouco
antes dos irmãos Sinclair se fixarem
nesta comarca. Começaram a viver
da caça, necessitados de tudo. Um
dia, e note-se que já andava dando
voltas à cabeça pensando na
maneira de te fazer regressar de vez
para junto de nós, quando vi Jayne.
Durante muitos dias tentei captar a
sua confiança, até que finalmente o
consegui. Falámos de muitas coisas,
dessas terras, das suas
necessidades e então surgiu-me a
ideia mais invulgar que se possa
imaginar ─ O rosto do jovem era
uma máscara de granito, enquanto o
de Jayne se tornava lentamente
vermelho. ─ Levei-a ao escritório e
ali lhe disse que somente teria de
assinar uma acta matrimonial na
qual constava que estava casada
com um tal Bob O’Hara, residente
em Sells e que as terras passariam
para a sua posse, se não em
propriedade, mas na qualidade de
arrendatária sem que nada tivesse
de pagar por isso. Chamou-me
louco. Mas depois aceitou quando eu
afirmei que aquilo significava
Cinicamente uma satisfação pessoal
para mim. Voltou a chamar-me doido
mais uma vezes e finalmente acedeu
em assinar. Sei que o fez por seus
irmãos, Bob! E mais ainda... Creio
que adivinhou algo mais, que ela não
disse, embora eu desconheça qual a
razão. Jayne é inteligente e sem
dúvida adivinhou, ou pensou ter
adivinhado, que eu tinha uma ideia
fixa na mente; ou então aceitou
somente para ter um lugar onde
pudesse viver, tomando-me como
um doido, sabendo além disso que,
se não assinasse, as coisas em
Belem continuariam sendo difíceis
para todos.
Fez tudo isto, a pensar em seus
irmãos que a criaram desde criança.
Sabia que estava unida a um homem
que saber ao certo se era uma
trapaça, soube sacrificar-se sem
saber ao certo se era uma trapaça
minha ou eu estava preparando
qualquer golpe. Não havia outra
solução para ela e aceitou. Depois
meteu-se Kennedy de permeio e tu
regressaste, pois que eu te tinha
escrito uma carta contando-te a
verdade...
─ Envolta num montão de
mentiras, Kelly. Tu só pretendias que
eu desse com ela, que
simultaneamente a livraria de um
lobo como esse, ao mesmo tempo
que a ti e a Madigan ─ Interrompeu o
jovem com os olhos brilhantes. ─
Mas não conseguiste o que
pretendias, Jim Kelly. Este
casamento não é válido embora me
tenhas feito assinar a cedência das
terras, sabendo que Kennedy cairia
materialmente em cima de mim
quando o soubesse, com mais
vontade ainda do que saber que
tinha regressado, pois que nelas se
encontrava a mulher que ele, nas
suas fantasias de velho, queria para
si; em lugar que não correspondia,
pois que debaixo dessa escritura
está o documento do casamento. E
foi aí que me fizeste assinar, Kelly.
Portanto, já que eu estava distraído
quando assinei o contrato de
casamento, estou mesmo casado
com Jayne Sinclair. Mas esqueceste
uma coisa, meu espertalhão: que tu
não elas o juiz de Belem quando
redigiste esse documento. Portanto,
esse casamento preparado habilido-
samente, pode ir para o diabo.
Fez-se um longo silêncio
enquanto a jovem levava as mãos ao
peito, até que subitamente Kelly
desatou a rir enquanto encarava
Madigan.
─ Porque não perguntas a Jim o
que estava ele fazendo no dia em
que eu fui agredido pelos homens de
Kennedy no «Oklahoma», Bob?
Segundo creio ele estava fora de
Belem.
O’Hara voltou-se com a
expressão de uma fera quando se vê
encurralada não tendo qualquer
possibilidade de fuga.
─ Fala, Joe Madigan ─ Disse,
enquanto Jayne adivinhando algo
fora do normal lançava um suspiro
de alívio e em seus olhos surgia de
novo o desafio.
─ Vais ver... Bob. Eu não tenho
culpa disso. Foi Jim quem me enviou
à capital para que eu inscrevesse o
acto do teu casamento no registo
civil. Ali, não fazia falta a tua
assinatura ou a de Jayne. Portanto...
Creio que te vai ser difícil provar que
tudo foi uma ideia sem pés nem
cabeça.
O’Hara soltou uma imprecação
sem se recordar de presença de
Jayne; ela sentiu as suas faces
ficarem vermelhas, soltando
subitamente um grito quando o
jovem sacou com um gesto
vertiginoso.
Volteando o «Colt» na mão,
perante os olhares de espanto de
Don e Léo e a pouca tranquilidade
de Kelly e Madigan, exclamou
enfurecido:
─ Patifes! Se não fosse.., Metia-
lhes uma bala na cabeça. Agora só
me resta dizer-lhes e especialmente
a ti, Kelly, que tens de esclarecer
tudo isto: por que motivo vieram
aqui?
Kelly e Madigan entreolharam-se
como se tivessem descido das
nuvens naquele momento, enquanto
em suas mentes surgia a figura de
Kennedy. Depois olharam fixamente
o jovem: t
─ Trata-se de Kennedy, Bob. Há
dois dias que está em Belem. Diz
que pensa mandar-te para o inferno,
ainda que saiba que não foste tu
quem matou Sílvia. Aquele porco
está plenamente convencido de que
foste tu o culpado de tudo quanto se
passou.
O’Hara nada disse, conquanto na
sua mente surgissem nitidamente as
palavras da mulher que morrera nos
seus braços. Durante uns segundos,
pensou que era melhor aguardar a
noite e partir de Belem sem nada
dizer. Mas deu conta de que esta
atitude implicava o fim de «Ter-
ramoto O’Hara». E pensando nisto, o
jovem soube o que tinha de fazer.
─ De acordo, Kelly. Não te guardo
rancor pela tua intenção. ─ Todos
ficaram estupefactos com as suas
palavras. ─ Sei que, embora tenhas
procedido mal, não foste mal-
intencionado. Só te resta remediar o
assunto. Quanto a Kennedy... Vou
ao encontro dele.
Saiu, deixando-os a olhar para as
suas costas. A imobilidade de
estátua em que ficou convertida por
momentos a figura de Jayne,
quebrou-se subitamente quando
voltou a agarrar na espingarda Don
dirigiu-se para ela, enquanto Kelly e
Madigan bloqueavam a porta. Jayne
moveu a espingarda e o fogo em
seus olhos era como metal em
fusão. Como Don era o que estava
mais próximo, dirigiu-se-lhe:
─ Esse homem pertence-me. Don.
Retirem-se da porta para eu passar.
Não quero ferir ninguém e muito
menos o meu próprio irmão.
Don entendeu perfeitamente que
Jayne continuava sendo a mesma
para todos, excepto para Bob
O’Hara.
Fez-se um silêncio embaraçoso,
quebrado por Léo:
─ Para aquilo que te serve, não
creio que...
─ Fecha o bico, animal. Isso é de
minha conta...
Jayne dirigiu-se para a porta. O
cano da espingarda traçou um
semicírculo. Kelly e Madigan
sentiram-no, como se este estivesse
cravado no estômago. Afastaram-se
e Jayne saiu para o exterior quando
já os cascos da montado do jovem
pisavam o caminho que conduzia a
Belen.
Com um gesto de angústia, que
contrastava poderosamente com a
sua atitude anterior. Jayne voltou-se
para os quatro homens e disse:
─ Vão matá-lo em Belem.
Kennedy tem, certamente, seus
homens com ele.
Um estranho sorriso surgiu nos
lábios de Kelly quando replicou:
─ Continua a estar equivocada,
senhora O’Hara. Kennedy despediu
os dois homens que lhe restavam e
a esta hora já devem estar bem
distanciados da povoação. Portanto,
está só. Pouca coisa, para um
homem como Bob.
Jayne pouco ou nada ouviu das
palavras proferidas por Kelly. Olhou
seus dois irmãos e exclamou:
─ Apesar de tudo, vou a Belem
Depois... Se tiver vivo... É senhor de
fazer o que entender.

O velho Kennedy estava no
«Oklahoma Saloon« junto de
Fletcher. Teve ele a percepção de
que O’Hara se aproximava quando
viu entrar impetuosamente no
estabelecimento um homem que,
quase sem fôlego, se lhe dirigiu com
um sorriso maldoso a bailar-lhe nos
lábios:
─ Falou alto de mais, Kennedy ─
Disse ele. ─ Bob O’Hara dirige-se
para aqui. ─ Lançou uma gargalhada
quando viu o semblante de Fletcher
e continuou trocista: ─ E a sua tia de
Oklahoma não vem com ele,
Kennedy. Pelo menos, eu não a vi.
Creio que vai poder com os dois,
não?
─ Que o diabo te leve, maldito
Baker! ─ Foi a resposta que obteve
pela sua intervenção trocista.
Pouco depois surgiu à porta a
gigantesca figura de O’Hara,
dirigindo-se felinamente em direcção
ao balcão.
Fletcher, com os nervos em
tensão, aproximou-se dele.
O’Hara pediu um «whisky» duplo
que bebeu de um trago sem proferir
palavra. Depois pediu outro, fitando
então Kennedy:
─ Estava procurando por mim,
patrão? ─ Perguntou friamente.
Kennedy manteve-se silencioso
durante uns segundos, enquanto o
vaqueiro sorria enigmático e à porta
se formava um nutrido grupo de
curiosos.
─ E verdade, Bob O’Hara e tu
sabes porquê? ─ Replicou, por fim, o
rancheiro.
O velho Kennedy ficou
surpreendido ante a resposta do
jovem que, com o olhar fixo numa
bela mulher pintada na parede, disse
simplesmente:
─ Na rua e depois de eu ter
bebido este «whisky», patrão.
O jovem voltou-lhe as costas com
inteira tranquilidade.
Kennedy deixou-se ficar por uns
momentos na mesma posição e
repentinamente girou sobre si
mesmo e saiu para a rua, afastando
os homens que lhe barravam o
caminho. Tão cego ia que não deu
conta de que cinco cavalos, parados
em sítios diferentes, mostravam
sinais de ter efectuado uma violenta
e vertiginosa correria.
Mas O’Hara tinha dado conta
desse facto e franziu o sobrolho.
Depois, lentamente, avançou pelo
centro da rua para se deter a umas
quinze jardas do ponto onde
permanecia Kennedy, inclinado para
diante com as mãos fincadas nas
negras culatras do seu par d:
«Colts» 45.
─ Quem saca primeiro, Kennedy?
A pergunta de O’Hara foi feita em
tom suave, embora tivesse ressoado
por toda a rua. Kennedy ia para
responder, mas a voz de Don cortou-
lhe a palavra. Este acercara-se
rapidamente, dizendo:
─ Ninguém. Nem Kennedy, nem
Bob O’Hara!
Bob voltou-se com o semblante
ofuscado pela fúria.
No mesmo instante viu que Don
ocupava um lugar no passeio
fronteiro, com uma espingarda nas
mãos, enquanto Madigan e Kelly
avançavam como felinos pelo centro
da rua com as armas prontas a saltar
dos coldres, enquanto Jayne
sustinha com mão firme a
«Winchester», apontada às pernas
de O’Hara. Este ouviu-a dizer:
─ Ainda não estás completamente
restabelecido, querido. Afasta-te da
questão ou não terei outro remédio
senão meter-te uma bala numa
perna Bob O’Hara interrogou-se se
ela seria mesmo capaz de fazer
aquilo. E como não fosse capaz de
obter resposta, permaneceu firme no
local que ocupava, vendo-os avan-
çar, enquanto Kennedy, imóvel
também, perguntava a si mesmo a
que se devia agora aquela situação.
Que não era coisa de Bob O’Hara,
já o sabia. Tinha ouvido falar dele o
suficiente para não aceitar que
aqueles homens estivessem
cumprindo ordens suas para evitar
um duelo frente a frente. Tal atitude
seria própria de um cobarde e
O’Hara não o era.
Firmemente esperou a chegada
de Don, enquanto Madigan, Kelly,
Don e Jayne rodeavam O’Hara.
─ Tem trinta minutos para montar
a cavalo e desaparecer de Belem,
Kennedy. A sua presença não
interessa aqui.
Madigan dirigiu-se para ele e
repetiu as palavras de Don:
─ Só trinta minutos, Kennedy.
Sem responder, fitou-os a todos
um por um. Depois encarou Bob
O’Hara, que avançava rodeado pelos
seus amigos ─ Sei que isto não é
coisa tua, Bob. Mas porque não nos
deixam resolver o nosso assunto?
Jayne, com a sua costumada
violência, quebrou o silêncio que se
estabelecera:
─ Vá para o diabo, seu patife! Não
entende, pois não? B porque na sua
cabeça sem miolos não lhe cabe a
ideia de que estamos fazendo isto
em memória de Sílvia! Parta de
Belem, antes que tenha de deixar os
ossos ao sol, Kennedy. Antes que
todos nós tenhamos de recordar-nos
de todo o mal que fez aqui. Antes
que meu marido ─ E ela acentuou a
palavra ao ponto de O’Hara quase
dar um salto ─ Esqueça os seus
propósitos de não disparar contra o
senhor e lhe perfure a alma... Se
alguma vez a teve. Fora daqui,
rancheiro. Desapareça da nossa
vista... ─ E voltou-se no preciso
momento de ver o olhar de surpresa
que se reflectia nos olhos do jovem.
É que ele perguntava a si próprio,
como teria Jayne adivinhado.
─ Vamos buscar o cavalo,
Kennedy.
Como em sonhos, o jovem
escutou aquela ordem dada por
Madigan. Depois, refeito da
surpresa, fitou-os a todos.
O rosto de Kennedy estava pálido.
Seus olhos fitaram o solo sem dar
uma resposta. Mas, de seguida,
começou rapidamente a andar,
rodeado por Don, Madigan, Kelly e
Don.
Ficaram frente a frente Jayne e o
jovem; os curiosos e Fletcher, que se
lembrava da primeira vez em que
O’Hara surgiu na cidade e se livrara
de ver toda a mobília feita em
cacos...
Lentamente O’Hara deu meia
volta e com um gesto de cansaço
começou a caminhar em direcção à
casa onde era antigamente o
escritório do que fora juiz da cidade.
Jayne seguiu-o rapidamente.
─ Bob! ─ Chamou.
─ O que é, Jayne?
Ela notou que que desta vez Bob
O’Hara não lhe tinha chamado
»menina Sinclair». Aproximou-se,
sem se importar co mos olhares dos
curiosos que agora os rodeavam.
Envolvendo-o pela feitiçaria do seu
corpo felino, Jayne falou como
quando estava na cabana:
─ E... Duro, cruel se tu quiseres,
Bob. Refiro-me a ela e ao que te
disse na minha casa, que é agora a
tua. Noemi, morreu.., Morreu... E...
Será uma doce recordação para ti
enquanto viveres. Isso ninguém o
pode evitar e não será nunca essa a
minha intenção. Mas eu... Continuo
sendo a mesma vida para ti! Pensa
antes de partir, querido!
E ninguém podia pensar o que ela
ia fazer, muito menos ainda O’Hara.
Jayne, mal acabou de falar, pôs-se
em bicos de pés e beijou-o
apaixonadamente na boca. A seguir
e de uma maneira que impressionou
os que estavam assistindo à cena,
girou rapidamente e subiu para a
sela, desaparecendo rua abaixo a
todo o galope.
O’Hara não a olhou. Deu meia
volta e entrou na casa de Jim Kelly.
Procurou o lugar mais cómodo,
estendendo-se ao comprido com o
olhar fito no tecto e um cigarro na
boca. Jayne, Noemi, Sílvia e todos
os personagens que tinham
intervindo na sua vida, tomavam
forma na sua mente duma maneira
infernal. Duas horas mais tarde,
Madigan e Kelly foram-no encontrar
na mesma posição e tendo nos
lábios o décimo cigarro.
O’Hara não se moveu quando os
viu entrar. Simplesmente aguardou
que eles falassem. Foi Kelly quem
disse:
─ Ele vai a caminho da fronteira,
Bob. Leo e Don devem estar na sua
cabana, E tu?
─ Esperarei que montes no teu
cavalo, te dirijas à cidade e anules
esse casamento sem pés nem
cabeça.
─ Uso... Dizer isso, ali.. A
verdade... É a prisão para mim. Bob.
─ Eu sei ─ Replicou.
E começou a rir, voltando a cara
para a parede, enquanto murmurava
com os olhos fechados:
─ Amanhã falaremos, Kelly.
Tenho um sono terrível...
Bob O’Hara estava dizendo a
verdade. As horas que estivera a
cavalo, a perda de sangue, o
movimento daquele dia, a tensão a
que servira submetido em frente de
Kennedy; tudo, enfim, quanto tinha
acontecido naquele dia, tinha-o
materialmente destroçado.
Nem Madigan nem Kelly estavam
ali quando saiu para a rua, dirigindo-
se à cavalariça. Ninguém, a não ser
alguns escassos desocupados que
permaneciam nos passeios, o viu
sair de Belem, nem o rumo que o
seu cavalo seguiu quando tomou a
pradaria.
Mas Jayne Sinclair adivinhou tudo
isto quando uma nuvem de poeira
lhe despertou a atenção. Pensou
que era ele e não se enganou. Com
o coração batendo
descompassadamente, com louca
violência, a jovem saiu da cabana
quando O’Hara já penetrava dentro
do arroio, pensando que ela tinha
dito que era a vida e que ele tinha de
averiguar se isto era a verdade ou
não.
Desmontou de um salto e Jayne
dirigiu-se para ele com um brilho de
desafio naqueles belos olhos que o
fitavam. O’Hara viu-se envolvido pela
sua luz e não quis fechar os seus.
Esperou por ela.
Não eram só os olhos, mas o seu
corpo flexível como um junco, seu
rosto, seus lábios, seu busto
palpitante. Enfim, toda ela que o
estava desafiando com a sua atitude
de felino. E quando Jayne se deteve
na sua frente, o jovem tomou-a em
seus braços beijando-o apaixonada-
mente. Depois...
─ Ficas, Bob?
Foi uma pergunta desnecessária,
pois ela já sabia de antemão a
resposta. Mas queria ouvi-la da sua
boca.
─ Com certeza, Jayne. És ou não
a minha mulher? Então, esta noite...
─ Bob...!
─ Esta noite virão Madigan e Kelly
com alguns amigos de Belem. A
minha tia de Oklahoma quer celebrar
isto, Jayne. E vão fazer isto que lhes
disse, porque lhes deixei uma nota
antes de vir ao teu encontro.
Fitaram-se nos olhos e depois de
um curto espaço de tempo em que
os dois permaneceram imóveis,
lançaram-se arrebatadamente nos
braços um do outro.
Com verdadeira paixão suas
bocas encontraram-se iniciando um
beijo interminável.
E Bob O’Hara teve a prova de que
Jayne Sinclair tinha razão quando
afirmou que para ele, ela era a vida e
que Noemi Carter seria uma doce
recordação.
FIM

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