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John Fletcher
CAPÍTULO I
A figura varonil do cavaleiro
perfilou-se por instantes em
contraluz, segundos antes de fazer
cavalgar a sua montada em direcção
ao fundo do vale que tinha a seus
pés, passando por um pequeno
pinhal que crescia junto dum
profundo arroio de águas límpidas e
cristalinas. Era um lugar que ele
conhecia perfeitamente. E quando
recordou a quem pertencia, seu
rosto duro crispou-se desaparecendo
por momentos aquele rito de
amargura que desde há um ano
permanecia inalterável na sua boca.
Depois, o cavaleiro recordou
também a carta, escrita pelo
proprietário das terras que começava
agora a pisar. Era o antigo juiz de
Belem, em pleno território do Novo
México, Joe Kelly, o alto e maciço
Joe Kelly.
Bob O’Hara recordava-se bem
dele. Com a sua eterna sobrecasaca
e a sua inseparável parelha de «Colt
45», pendurados baixo e presos às
coxas por finas e entrançadas
correias de coiro.
Era ainda novo, pois agora
deveria ter uns trinta e dois ou trinta
e três anos, cabelo preto, nariz recto
e olhos pardos, boca um tanto
grande e o queixo tão quadrado
como o seu próprio.
A seguir... O xerife Jim Madigan.
Tão alto e atlético como o próprio
juiz. Ruivo e de olhos extremamente
azuis. Testa ampla, nariz aquilino e
queixo ligeiramente pontiagudo.
O’Hara pensou que agora deveria ter
pouco mais ou menos a sua própria
idade: trinta anos.
Ambos tinham sido,
respectivamente, juiz e xerife,
quando, cinco anos atrás, fora
obrigado a sair de Belem, alegando
todos que ele tinha por hábito fazer
justiça por suas próprias mãos. E
agora ele regressava, sabendo
desde já que a sua volta ia provocar
um verdadeiro cataclismo.
Pensando deste modo, O’Hara
crispou ainda mais o rosto quando o
curso dos seus pensamentos se
fixaram no rancheiro Kennedy e na
sua ruiva, formosa e excitante filha
Sílvia.
Ambos tinham más recordações
dele. Sobretudo ela, atendendo ao
facto do seu noivo já há tempo estar
criando flores no cemitério de Belem
por suas próprias mãos.
Não. Sílvia Kennedy não poderia
esquecer facilmente o homem que
matou o seu noivo e que depois,
graças à actuação de um xerife e de
um juiz imparcial, tinha sido liberto
de um julgamento que nunca chegou
a realizar-se apesar da pressão
nesse sentido. Limitaram-se,
simplesmente, a dizer-lhe que
partisse e ele limitou-se a cumprir a
ordem.
E era por este facto,
precisamente, que ele voltava:
porque tanto o juiz como o xerife
tinham perdido o cargo por isto. Joe
Kelly assim o afirmava na carta que
tinha no bolso.
Havia algo mais, e o jovem
afastou essas ideias, pois que sentia
na sua mente uma perturbação
infernal. Esta luta que travara
consigo próprio, reflectia-se bem no
seu rosto.
E isto aconteceu quando seus
pensamentos se voltaram para a
dama do poncho (1) mexicano.
Então, seu rosto dulcificou-se,
enquanto um sorriso surgia nos seus
lábios.
Ela não voltaria mais a cavalgar
com a máscara vermelha, para lhe
sair ao encontro um coiote com o
fora Gary Mac Donald, ou Cliff
Graham, como na verdade se
chamava, conhecido em toda a
Califórnia pela «Hiena da Califórnia».
Não, nunca mais Noemi Carter ─
O’Hara pelo seu casamento com ele
─, voltaria a cavalgar na noite, provo-
cando estampidos e desafiando as
feras. Porque ela estava morta!
E sem o poder evitar, O’Hara
vacilou como se toda a sua inteireza
se tivesse derrubado subitamente.
Sua altiva cabeça, já com alguns
cabelos brancos, apesar dos seus
trinta anos, pendeu sobre o peito
enquanto seus pensamentos
mantinham viva aquela história do
passado que para sempre ficara
gravada a fogo na sua alma.
O cavalo pisava agora o verde
tapete de erva. Seus cascos sobre
ela não produziam qualquer ruído. E
estacou quando o arroio surgiu junto
dele. O animal baixou a cabeça para
beber e, O’Hara, sobre a cela,
permaneceu na mesma atitude
pensativa.
Um grito, procedente das águas,
obrigou-o a erguer subitamente a
cabeça, enquanto seus
pensamentos se esfumavam.
Porque ali, na sua frente, estava
uma visão maravilhosa. O’Hara viu
primeiro a ondulação duma cabeleira
brilhando ao sol como oiro, depois
um rosto de deusa.., E o sangue
converteu-se em fogo.
(1) Poncho, manto usado na América do Sul, principalmente pelos Gaúchos. ─ (Nota do Editor).
CAPÍTULO VII
Com esta pergunta no
pensamento, o jovem regressou para
junto de Jim Kelly que, mal o viu
entrar, procurou distraí-lo formulando
uma pergunta:
─ Porque não disseste que as
terras eram agora tuas, Bob?
─ Não merece a pena, estando de
permeio uma mulher como é Jayne
Sinclair, juiz ─ Replicou o jovem. ─
Gosto de caçar pumas com esporas
e nunca com saias. Se ela sabe do
que fizemos, tenho a certeza de que
se iria embora dali e eu não desejo
fazer-lhe qualquer mal, apesar do
que aconteceu e dos seus insultos.
─ Tu mereceste, Bob.
─ Que graça, Kelly! Maldita seja
essa gata! Nunca vi nada parecido.
─ Como mulher formosa?
Embora compreendendo a
intenção da pergunta, Bob O’Hara
respondeu seriamente, encarando
Kelly:
─ Como um bonito gato
assanhado, que eu gostaria de
domesticar... Particularmente. E que
a minha tia de Oklahoma morra já,
se não começo agora a pensar fazer
isso mesmo, apesar dos seus
queridos irmãozinhos.
─ Comportaram-se bem, não?
─ Assim, assim, juiz. Se a minha
tia de Oklahoma não me avisa a
tempo, a estas horas teria levado
uma boa ração de chumbo pelas
costas, por parte dela, ou deles,
desses dois anjinhos que pensavam
que Bob O’Hara seria capaz de
disparar contra uma mulher.. A
matar. Mas que o diabo me leve se
não fiquei gostando deles, Kelly! ─
Terminou o jovem subitamente.
─ Qualquer teria feito o mesmo,
tratando-se de uma irmã, Bob ─
Argumentou Kelly para perguntar em
seguida: ─ Que pensas fazer agora?
A resposta fez estremecer Kelly,
que não pôde esconder um gesto de
dor:
─ Primeiro vou dar uma volta
pelas pastagens de Kennedy ─
Disse inteiramente calmo. ─ Depois
penso que irei ter a uma certa
cabana que existe na margem de um
arroio.
─ Estás doido. Se te vêem nas
terras desse patife, cosem-te a tiros.
─ Quantos vaqueiros há ainda na
antiga equipa, Kelly?
─ Nenhum, Bob. Agora esse
rancho já não é tão grande.. Ainda
que renda mais. Ted Kennedy foi-os
despedindo, um a um, para ir
contratando «pistoleiros», que tanto
podem marcar uma rês, como
disparar.
─ Quantos são?
─ Dez diabos com revólver e
esporas. Não te metas nessas
terras, se não queres deixar por lá a
tua pele.
─ Então para que foi que me
chamaste?
─ Já te expliquei ontem à noite.
Não foi para que te metas sozinho
na boca do lobo. E... Podes acreditar
em mim, Bob. Agora estou
começando a arrepender-me por te
ter chamado.
E nada mais disse perante a
muda interrogação do jovem, posto
que a verdadeira, pelo qual o tinha
chamado! Não era ainda oportuno
dizer-lha.
─ Está bem, Kelly, não irei só se é
essa a tua vontade ─ Replicou o
jovem, encaminhando-se para a
porta e voltando-se logo em seguida
para o juiz: ─ Se vier o Madigan diz-
lhe que ando cavalgando pelas
cercanias do rancho dos Kennedy.
Quero ajustar umas contas com o
maior porco da família.
Kelly soltou uma imprecação, que
O’Hara já não ouviu, porque tinha
fechado a porta e se afastava em
direcção à rua.
Quando ali chegou levou as mãos
à cabeça, perguntando a si mesmo
onde estaria o seu cavalo. Pela
primeira vez na sua vida tinha-se
esquecido de tratar dele.
Concluindo que não havia perdão
para tal esquecimento e prometendo
a si mesmo que revolveria toda a
cidade de Belem até o encontrar, o
jovem deu a volta ao edifício
encaminhando-se para a cavalariça,
disposto a levar consigo o do juiz.
E O’Hara suspirou com alívio
quando viu lá dentro o magnífico
cavalo que ele montava.
Instantaneamente pensou em
Madigan. Sim, tinha sido este que,
ao sair de casa de Kelly, o tinha
levado até ali.
Pensando agora em Sílvia e Ted
Kennedy, o jovem selou o cavalo.
Minutos depois estava na rua
principal.
Foi então que O’Hara observou
um movimento pouco normal por
parte de alguns homens que, mal o
viram, começaram a retroceder
procurando refúgio nos portais.
Olhou para todos os lados, já com
a mão à altura do «45». Em seguida,
olhou em frente e no mesmo instante
experimentou um estremecimento ao
ver aquele cavalo branco parado no
meio da rua e a maravilhosa
estampa de amazona que o montava
com o cabelo de oiro brilhando ao
sol.
Quando a viu, O’Hara
compreendeu que Sílvia Kennedy
estava esperando por ele e, como da
outra vez, também não tinha vindo
só a Belém. Com um olhar brilhante,
esquadrinhou ambos os lados da
rua, os portais, a entrada de um
pequeno estabeleci lento de bebidas
e as portas-batentes dos «saloons».
A seguir, mais atentamente, olhou
para o «Oklahoma Saloon». E
enquanto continuava avançando
lentamente ao encontro dela, que
não se movia do sítio onde estava,
O’Hara pensou que as coisas
estavam tomando o mesmo rumo
que da outra vez, só com a
diferença, que, desta vez, Sílvia
estava na sela dum cavalo e que da
outra estava a pé.
Sorriu. Sorriu claramente quando
pensou na sua fuga por aquela
mesma rua, quando já tinha deixado
caídos por terra vários cadáveres.
* Mas não era essa a única razão
do seu sorriso. É que agora iria ser
muito mais difícil obrigá-lo a sair
daquela terra. Pelo menos sob o
domínio da Lei, nunca o seria. Belem
não tinha juiz nem xerife; e mais
ainda vendo que Sílvia e seu pai não
estavam dispostos a dar-lhe um mo-
mento sequer de descanso.
Ele preferia assim. Deste modo,
não se via obrigado a agir de modo a
sacá-los dos seus esconderijos.
Bob O’Hara chegou por fim junto
da bela mulher, que o olhava com
seus belos olhos azuis de uma
maneira que ele próprio não podia
definir. Deteve o cavalo e cum-
primentou-a, enquanto fitava
igualmente a porta do «Oklahoma
Saloon».
─ Olá. Sílvia Kennedy. Esperavas
por mim?
Ela quase saltou da sela, sem
poder conceber que um dos seus
antigos peões se atreveria a gracejar
com ela. Durante uns segundos
manteve-se calada e em seguida
estalou incontidamente com uma
pergunta:
─ Quem lhe deu autorização para
gracejar com uma senhora?
O’Hara riu calmamente e as notas
do seu riso espalharam-se pela rua
duma maneira sinistra.
─ Tu não és uma senhora, Sílvia.
Ninguém que use saias e se apoia
nas armas de uns coiotes para fazer
o que bem lhe apetece, o pode ser.
Onde estão aqueles que te
acompanhavam?
Sílvia vibrou perante o insulto e
replicou sem fazer caso da pergunta:
─ Maldito sejas, Bob O’Hara.
Nunca devias ter vindo a uma cidade
onde deixaste tantos ódios. Nunca!
Porque vieste para morrer. Tu... Tu,
assassinaste o meu noivo.., E uma
mulher jamais pode esquecer isso e
perdoar. Sim, Bob O’Hara, trouxe
três homens comigo, contra ti.. Que
não usarão o «Colt» se partires de
Belem dentro de vinte e quatro
horas.
Porém, Bob O’Hara não estava
ouvindo o que ela dizia. Pensava
que ela e Jayne Sinclair eram muito
parecidas. Tanto na cor dos cabelos
como em muitas outras coisas.
Ambas com formas de sereia, belas
e excitantes como dois maravilhosos
pumas das pradarias.
Subitamente ocorreu-lhe à mente
o beijo que lhe tinha dado no dia da
sua fuga, naquela mesma rua e no
mesmo lugar em que agora se
encontravam.
Bob O’Hara acabou por
interrompê-la, dizendo com toda a
franqueza o que estava pensando
naquele momento:
─ Estou a recordar o beijo que te
dei, Sílvia. E... Creio ser melhor que
chames esses porcos que te
acompanham ou vou fazer-te o
mesmo, não tarda. A minha tia de
Oklahoma disse-me um dia que não
havia nada melhor no mundo como
os lábios de uma mulher formosa. E
o diabo da bruxa não estava
enganada!
O jovem aproximou o cavalo.
Sílvia, com o rosto congestionado
pela fúria, moveu a mão enquanto
O’Hara se baixava sentindo passar
sobre a sua cabeça o silvo do
chicote que ela empunhava.
─ Vou ser eu quem te vai matar,
Bob O’Hara ─ Sussurrou Sílvia,
depois do jovem se ter endireitado
sobre a sela. ─ É uma promessa que
fiz em tempos.
─ Agora?
E Sílvia mostrou os seus dentes
brancos e puros quando respondeu:
─ Agora, não, Bob. Antes.. Quero
que os meus homens se divirtam um
pouco contigo. Depois, quando te
vires só e abandonado, sem
ninguém que te estenda a mão,
então eu irei ter contigo... Para que
me beijes. Morrerás com os meus
lábios junto aos teus. E quando me
estiveres beijando, mato-te, O’Hara.
Mato-te porque estarás atado a uma
cadeira e não poderás fazer um
movimento. E tão pouco poderás
negar-me esse beijo. Sílvia Kennedy
sabe como proceder para que um
condenado a beije.
Enquanto falavam, ninguém pôde
ver a figura de Jayne Sinclair que
saindo de um dos portais e depois
de lançar um rápido olhar, correu
dirigindo-se para casa de Jim Kelly,
enquanto a uma esquina surgia a
figura de Joe Madigan que ficou
aterrado, ao ver a rua deserta e no
centro o não menos isolado par; r
Colado às fachadas das casas,
Madigan foi-se acercando do
pequeno estabelecimento de
bebidas que O’Hara vira antes e
desapareceu no interior para logo
aparecer a uma das janelas com a
mão crispada em redor da culatra do
«Colt» direito, no preciso instante em
que Bob dava a resposta
insofismável à ruiva filha de Ted
Kennedy.
★
Jayne chegou à porta e como um
furacão entrou pela casa dentro.
Atravessou duas portas antes de
atingir o quarto de Jim Kelly, onde
chegou com a fúria de um toiro. Era
a expressão viva do que ela estava
sentindo naquele momento. Kelly
teve bem disso a consciência
quando fitou aqueles olhos que
pareciam despedir fogo.
─ O senhor é tão canalha e tão
patife como Bob O’Hara, juiz Kelly. O
senhor enganou-me.
Kelly riu tanto e com tanta
vontade que gotas de suor
começaram surgindo na sua testa,
sentindo o corpo doer-lhe como
nunca.
Jayne quase se atirou sobre ele.
─ Não se ria.. Não faça isso ou...!
Por favor, juiz Kelly. Que vai
acontecer agora?
Jim Kelly compreendeu que
apesar de toda a sua fúria, o medo
que ela começava sentindo era mais
forte ainda. Olhou-a, sorridente, para
a acalmar.
─ Eu não menti, Jayne. Disse-te o
que ia fazer e tu aceitaste sem
pensar muito. Como todos,
acreditavas também que Bob O’Hara
não mais regressaria a Belem. Agora
assusta-te a ideia de que...
─ Não diga mais nada!
Kelly obedeceu. E durante uns
instantes ambos se fitaram como
dois galos prestes à luta. Kelly foi
quem acabou com aquele silêncio.
─ Agora essa ideia causa-te
medo, Jayne. Mas, antes...
Consentiste. Não é verdade o que
estou dizendo? Porquê? Queixas-te
por nunca teres admitido que esse
fantasma das planícies poderia
voltar?
─ Nada posso dizer, Kelly. Foi o
preço que nos cobrou ao consentir
que habitássemos neste bocado de
terra. Quase jurou que Bob O’Hara
jamais voltaria a Belem. Que o
senhor evitaria essa ocorrência.., E
fez precisamente o contrário:
chamou-o!
─ Ninguém tem culpa de que tu
sejas tontinha, Jayne ─ Replicou
Kelly com absoluta tranquilidade. Ela
ouviu estas palavras, mas os seus
olhos eram carvões em brasa.
─ Nunca o fui ─ Retorquiu depois
de um curto silêncio. ─ Se aceitei, foi
porque já estava farta de andar de
um lado para o outro como um
vagabundo; porque meus irmãos e
eu não tínhamos um lugar para
descansar; porque, em todo o lado,
éramos perseguidos pela má sorte,
inclusivamente aqui com esse velho
canalha de Ted Kennedy e a gata da
sua filha. Por isso aceitei essa ideia
absurda, juiz Kelly! Compreende
agora? Mas, neste momento...
E Jayne Sinclair não olhou para
aquele que a fitava agora
atentamente. Seus verdes olhos
muito brilhantes percorriam todos os
cantos do quarto sem que os visse.
Jim Kelly pensou naquele instante
que ela mais parecia uma
maravilhosa gata cercada por um
bando de cães enraivecidos, e foi
então que sentiu uma vaga
impressão no estômago. Estaria
acontecendo que a sua consciência
o estava acusando?
No entanto, ele sabia que tinha
procedido de boa-fé.
Bob O’Hara era demasiado
homem para que a bala de um
desconhecido «pistoleiro» lhe
arrancasse a vida, ainda mesmo que
fosse pelas costas.
A seguir Kelly interrompeu
bruscamente aquele aglomerado de
pensamentos a acorrer-lhe em dura
batalha, vendo como a jovem voltava
o rosto para ele, dizendo:
─ O senhor é um manhoso, Kelly
─ Disse repentinamente. ─ Enganou-
me a mim e aos meus irmãos,
embora estes nada saibam por
enquanto. E ao próprio O’Hara.
Vamos ver o que ele vai dizer das
suas manhas. Pode ser que desta
vez acabe com a mania de arranjar
documentos como esses.
Jayne calou-se por instantes,
enquanto Kelly perguntava a si
mesmo se ela não teria razão ao
pensar na reacção de O’Hara
quando soubesse tudo. Dado o seu
carácter explosivo, podia muito bem
acontecer que as coisas para ele
corressem mal. Agora, não era o juiz
de Belem.
A seguir, da forma tão repentina
que sempre a caracterizava, Jayne
acercou-se da cama. Na
tranquilidade que agora reflectia o
seu rosto, Kelly viu ainda mais perigo
do que ante a sua féria indomável. E
movendo-se ao compasso dos seus
passos, Jayne chegou junto do leito,
debruçou-se sobre o leito e Kelly
sentiu sobre si o suave perfume que
dela emanava: perfume a flores
silvestres.
Pensando em O’Hara, o juiz
cerrou os olhos. Então ela falou com
estranha calma:
─...E O’Hara, juiz Kelly! Portanto...
Enfim, regressou e agora está no
meio da rua com essa suja Sílvia
Kennedy. Mas...
Ele abriu os olhos e fitou-a no
preciso momento em que Jayne
sorria, para prosseguir depois:
─ Creio que, afinal, me fez um
grande favor, Kelly. Se tudo correr
bem, esqueço a sua actuação... Com
a condição de que seja o senhor a
pôr tudo em pratos limpos.
Porém, Jim Kelly não escutava
sequer as suas palavras. Ao seus
ouvidos só tinha chegado uma frase:
de que Bob O’Hara estava no meio
da rua com Sílvia Kennedy. Aquilo
era uma emboscada!
Esquecendo as suas dores, que
faziam estremecer todo o seu corpo,
Kelly sentou-se na cama e Jayne,
quando viu o seu aspecto, esqueceu
por instantes todo o seu rancor, se é
que verdadeiramente o sentia, e
admirou-se pela sua atitude.
─ Por todos os demónios do
inferno, Jayne ─ Explodiu Kelly. ─
Vão matá-lo. Procure o Madigan.
Vão matá-lo, se não fizer o que lhe
peço, Jayne Sinclair!
E estremeceu perante o olhar que
ela lhe dirigiu. Depois, sem que
trocassem mais palavras, a jovem
deu meia volta e sorrindo duma
maneira estranha saiu do quarto.
À porta da rua, a jovem estacou
por momentos pensando que tinha
sido uma estúpida seguindo as
indicações do juiz. Jayne pensou em
seguida nos seus irmãos e já não
sentiu tanta angústia. O sacrifício, se
a isto se podia chamar sacrifício, não
era em vão, pois que eles a tinham
criado desde o berço, sacrificando-
se muito mais por ela.
Mais calma, Jayne saiu do umbral
da porta caminhando pelo falso
passeio até à rua principal. A mão,
metida na ampla saia, acariciava a
culatra nacarada de um «Colt 38».
E justamente ao dobrar a esquina,
sentiu que o seu rosto ficava
subitamente vermelho quando
pensou que aquela ideia que, ao
princípio, classificara de estúpida e
sem pés nem cabeça, quanto mais
atinava nela mais a aceitava como
sendo mesmo agradável.
Quando recordou a cena do
arroio, estacou. Mas não foi só por
isto, mas também porque Bob
O’Hara, naquele momento...
★
─ Qualquer condenado à morte
iria para o túmulo tranquilamente se
pudesse ser beijado antes que o
diabo o levasse, Sílvia Kennedy. Eu
não; não me custará muito beijar-te
ainda mesmo que saiba que vou
morrer... Se conseguires fazer isso...
Por outro lado, não creio que me
guardes grande rancor. Aposto que,
ao deixar-te sem noivo e sem sua
família, teu pai tratou de ficar com o
rancho que lhes pertencia. Estou
enganado Sílvia? Afinal deves estar
agradecida pelo meu acto.
O chicote dela sibilou de novo.
Mas desta vez O’Hara não se
baixou. Com um movimento rápido,
esticou o braço e a pequena trança
de coiro enrolou-se em redor dele.
Deu um brusco puxão, e Sílvia
agarrou-se às crinas do cavalo
procurando manter o equilíbrio, coisa
que conseguiu quando já estava em
poder do jovem.
Fitaram-se frente a frente
enquanto ela murmurava qualquer
coisa que não soou nada bem aos
ouvidos do jovem. Depois e dum
modo repentino falou secamente.
─ Guarda-o, O’Hara. Será melhor
que leves o chicote com que penso
arrancar-te a pele em tiras. Sei...
─ Disseste que seria de um tiro e
depois de um beijo. Esqueceste já,
Sílvia?
─ Terás tudo isso. Bob. O beijo, o
tiro e a pela arrancada às tiras.., E
antes de morreres, querido.
Bob O’Hara não respondeu.
Olhava agora para o «saloon» de
Ralph. A seguir cravou seus olhos
nos dela, e disse absolutamente
calmo:
─ Vai correr muito sangue antes
disso, Sílvia. Só tu e teu pai terão a
culpa. Diz-lhe que há um homem em
Belem que é tão forte como ele
mesmo. Que se vá embora com
vento fresco, ou que deixe os outros
sossegados. Se não o fizer...
─ Pensas matá-lo?
E os olhos de Sílvia cintilaram.
─ Depende dele. E acredita que
lastimava por tua causa. És uma
mulher.., Embora os teus actos se
assemelhem muito aos de um puma
das pradarias. A minha tia de
Oklahoma seria capaz de se zangar
comigo se eu não estivesse dizendo
a verdade. E outra coisa... Sílvia
Kennedy: Bob O’Hara nunca gostou
de inimigos pelas costas.
E antes que ela pudesse entender
bem o verdadeiro significado das
suas palavras, o jovem desmontou
de um salto. E Sílvia manteve-se na
dúvida, até que o viu dirigir-se na
direcção do Oklahoma Saloon».
Joe Madigan afastou-se do vidro
das janelas e saiu do
estabelecimento de bebidas. Com
passos rápidos começou
atravessando a rua e da esquina
Jayne Sinclair suspirou de alívio
quando o viu. Depois fixou seus
olhos em Sílvia Kennedy que tendo
entendido por fim o que O’Hara
queria dizer esporeou o cavalo
lançando-o contra o jovem.
O’Hara ouviu perfeitamente como
ele se aproximava, mas quando
empunhou com a velocidade dum
raio com vontade de sacrificar o
animal, um «Colt» solitário crepitou
do fundo da rua.
Sílvia Kennedy e o cavalo
precipitaram-se por terra numa
verdadeira confusão. Mas a ruiva
filha do velho Kennedy era uma boa
amazona e não se deixou arrastar
para debaixo do cavalo. Muito antes
que este tocasse no solo ela saltou
da sela e rolou pela rua poeirenta.
Quando se pôs de pé levando a
mão à arma que empunhava, Bob
O’Hara desaparecia já pelas portas
batentes e Jayne Sinclair com o
«Colt» fumegante empunhado
acercava-se rapidamente dela.
─ Será melhor que deixe esse
homem em paz, Sílvia ─ Disse
quando ficou ao lado dela enquanto
apontava a arma para o seu
estômago. ─ São... Os que forem...
Frente a um. Mas se ele não sair
vivo dali, a senhora vai morrer como
um cão.
E pela primeira vez na sua vida,
Sílvia Kennedy soube o que era o
medo ao fitar os olhos de uma
semelhante.
Mas o que Sílvia nunca soube,
enquanto era ameaçada, era que
Jayne estava perguntando a si
mesma a que seria devido aquele
repentino interesse pela vida de um
homem do qual só tinha ouvido
lendas, e que se chamava Bob
O’Hara. Do homem que a tinha
ofendido.., E que ela sentia que
gostava das suas ofensas.
Sílvia olhou-a bem nos olhos, e
tão-pouco soube entender porque
estavam vermelhas as suas faces.
Ambas ficaram frente a frente
fitando-se. Naquele momento Joe
Madigan chegava junto das portas
batentes do «Oklahoma».
A rua estava agora mergulhada
no mais completo dos silêncios.
Pelos cantos das janelas e nos
umbrais das portas um ou outro mais
curioso podia ver-se.
Junto ao balcão, estavam três
homens conversando. Na sua frente,
viram-se vários copos de «whisky».
Tex Haroc era alto, forte como um
toiro.
Seu cabelo era açafroado e os
olhos cinzentos, cruéis e pequenos
sob duas espessas sobrancelhas.
Suas roupas eram as de um vulgar
vaqueiro, mas no duplo cinturão-
cartucheira pendiam dois «Colt» do
máximo calibre.
Clifton Callender, de estatura
normal, cara de símio, moreno e
cabelo preto como o do índio das
pradarias. Sua cintura estava
adornada com um magnífico «Colt
Frontier», também do calibre 45. Era
extremamente delgado e movia-se
como um felino. Suave e silencioso
como uma serpente cascavel.
Depois estava Deal Custer, ruivo
como Sílvia Kennedy ou Jayne
Sinclair, com um sorriso de patife
bailando nos lábios. Olhos negros
em contraste com o cabelo. Pouco
menos alto que Callender.
Na cintura, e com as culatras
saindo de fora viam-se dois
magníficos «Colt».
Tudo isto viu O’Hara mal entrou
no estabelecimento. E sem vacilar
atravessou a sala indo directamente
em direcção à barra, para ficar
situado no extremo oposto do
balcão.
O rosto de Ralph Fletcher nada
reflectia quando se acercou
solicitamente. E antes de perguntar,
O’Hara pediu:
─ Sirva-me «whisky», Ralph.
O dono do «Oklahoma» obedeceu
enquanto os homens de Kennedy
cravavam seus olhos no jovem,
estudando-o. Não sabiam quem era,
mas o aspecto era de pistoleiro.
Portanto estavam-no estudando
calculando as suas possibilidades
que qualquer deles poderia ter frente
a ele.
Mas logo ficaram sabendo, posto
que O’Hara com o copo na mão os
encarou francamente.
─ Brindo pela gata que ficou lá
fora... Sem unhas. Chama-se Sílvia
Kennedy.
E o jovem bebeu de um trago,
enquanto os três o fitavam agora
com mais atenção, separando-se no
mesmo instante da barra. E foi o
corpulento Tex Haroco que lhe deu
réplica:
─ É um insulto ou um desafio,
amigo?
Com o mesmo tom incisivo com
que tinha perguntado Haroc,
respondeu O’Hara:
─ As duas coisas. Sei que me
estão esperando por ordem de um
velho patife. Eu chamo-me Bob
O’Hara!
Separaram-se ainda mais com as
mãos mais perto das armas. O
sorriso de Custer acentuou-se ainda
mais.
─ Sentia grande vontade de te
conhecer, O’Hara ─ Disse, enquanto
Haroc iniciava o avanço na direcção
do jovem. ─ Como queres morrer?
Talvez a tua tia de Oklahoma não te
tivesse dito que não sairias vivo de
Belem. Estou enganado?
O jovem sorriu por seu turno, mas
sem qualquer alegria.
─ Aposto em como não o disse ─
Replicou. ─ Mas eu posso
responder. Com o «Colt» ou com os
punhos, é fácil morrer de qualquer
maneira.
Joe Madigan estava já no
«saloon» e com as costas apoiadas
contra uma das colunas.
Tex Haroc interveio novamente
cortando à nascença a frase que
surgia já na boca de Callender:
─ Segura a língua e as mãos,
Custer. O’Hara disse que era
indiferente com o «Colt» ou com os
punhos. Eu quero ver se estes
chegam. A seguir, encho-lhe a
cabeça com chumbo. Um bonito
presente para dar à menina
Kennedy.
E avançando, Haroc deu uma
forte risada. Fletcher por detrás do
balcão pensava que aquela luta lhe
ia custar um bom punhado de
dólares. Mas tomou isso com certa
dose de filosofia, pensando que se
dissesse alguma coisa para que
fossem para a rua, tudo poderia
resultar contra ele.
De passagem pegou num banco.
O’Hara deslocou-se rapidamente
cravando seus olhos numa das
mesas. Com o mesmo ímpeto que
um toiro selvagem, agarrou-a com
seus poderosos braços.
De seguida, com uma velocidade
vertiginosa, voltou-se a tempo de
evitar que Haroc lhe esmagasse a
cabeça com o banco.
Teve que a soltar rapidamente
para furtar o corpo ao choque, e de
seguida retrocedeu rapidamente até
ficar colocado no ponto mais distante
do estabelecimento. O riso de Haroc
voltou a ouvir-se enchendo o
«saloon» de notas trocistas
enquanto Callender e Custer sorriam
como dois canalhas.
Haroc dirigiu-se para ele. Mas
desta vez O’Hara não o deixou
avançar mais. Nas suas mãos
estava no mesmo instante um dos
pesados bancos que ali existiam
naquele canto do «saloon». Atirou-o
com uma força incrível contra o
gigantesco pistoleiro. Este, levado
pelo seu impulso, não pôde afastar-
se da sua trajectória.
As suas risadas converteram-se
em imprecações quando apanhou
em cheio com o pesado banco
disparado como um bólide no
estômago. Suas palavras eram
entrecortadas pelas dores que
sentia.
Procurou endireitar-se, mas o
jovem não lhe deu tréguas. Carregou
contra ele levando na outra mão um
banco semelhante ao anterior que
descarregou com uma força
poderosa contra o adversário,
procurando este furtar-se ao golpe
terrível. O resultado foi que o banco
apanhou-o em cheio na cabeça.
Tex Haroc caiu por terra sem um
gemido enquanto Custer e Callender
avançavam já contra o jovem.
O primeiro levando as mãos às
armas, enquanto o outro agarrava
numa garrafa de «whisky»,
atacando-o pelo outro lado.
As armas de Custer saíram dos
coldres, e o jovem desviou-se com
um movimento felino, enquanto se
lançava contra ele, esquecendo de
momento, que também estava
armado.
Madigan moveu-se um pouco, e o
estalido de duas detonações atroou
o ambiente do estabelecimento.
Custer d teve-se em seco ao ver que
as suas armas voavam das suas
mãos, enquanto a voz do antigo
xerife de Belem se fazia ouvir.
─ Disse que era com os punhos,
canalhas. As armas ficam em
sossego!
Callender vacilou ante aquilo que
pensou ser uma ordem indiscutível
de Madigan, no preciso momento em
que O’Hara lançava o seu punho
contra ele, para o despertar.
O pistoleiro não pôde evitar o
terrível embate e foi apanhado na
ponta do queixo. No mesmo instante
levantou os pés do chão e uns
metros adiante foi estatelar-se sobre
uma das mesas que se desfazia em
estilhas enquanto o jovem
enfrentava agora Custer, o qual,
mediante um hábil movimento de
cabeça, se esquivou ao punho que
este lhe dirigia.
Durante uns segundos os dois
homens estiveram dando voltas e
mais voltas em redor de si mesmos,
iniciando ofensivas que nunca se
concretizavam.
Por seu turno, Fletcher, apesar
das palavras que Madigan proferira
contra ele na noite da chegada do
jovem, permanecia recostado contra
o balcão com os braços cruzados
sobre o peito, contemplando com
pasmosa tranquilidade a luta que se
estava desenrolando.
Custer lançou subitamente um
golpe contra O’Hara pretendendo
atingi-lo no rosto. O jovem afastou a
cabeça e o punho roçou pelas suas
faces enquanto ripostava com uma
tremenda investida pela direita que
não conseguiu atingir o alvo, pois
Custer saltou para o lado.
Voltaram a tentar alguns golpes e
ainda desta vez foi o pistoleiro que
teve a iniciativa. Dando voltas e mais
voltas, os dois homens trocavam
murros até que O’Hara conseguiu
acertar com a sua esquerda.
Custer foi projectado para trás,
embatendo com as costas contra o
balcão fazendo ranger todos os seus
ossos. O’Hara caiu sobre ele
disparando um tremendo golpe
cruzado com a sua esquerda,
seguido de outro pela direita que
obrigou o outro a dobrar os joelhos.
O’Hara afastou-se um pouco.
─ Já chega? ─ Perguntou.
─ Maldito porco!
E com esta resposta, Custer pôs-
se de pé lançando-se curvado contra
ele. O’Hara afastou-se ligeiramente
enquanto erguia o punho baixando-o
de seguida como uma flecha.
O fantástico golpe alcançou
Custer em pleno pescoço e com um
impressionante grito caiu no solo
como um saco. O jovem passou o
dorso da mão pelo rosto empapado
em suor e girou sobre si mesmo
fixando a porta e com esta a
Madigan.
Neste preciso instante ouviu-se
um brado detrás do balcão:
─ Cuidado. O’Hara!
O jovem voltou-se como uma
centelha tendo já o «Colt»
empunhado. Num quinto de segundo
entendeu o que se tinha passado; o
gigantesco Tex Haroc estava de
joelhos empunhando os dois «Colt».
O’Hara atirou-se para o chão
enquanto o «saloon» estremecia ao
som das detonações. O chumbo
passou a poucos milímetros da sua
cabeça, mas Haroc, no instante em
que premia os gatilhos sentiu o golpe
mortal de dois projécteis no seu
peito.
Um que partiu de O’Hara quando
os seus ossos embatiam no soalho,
entrando na altura do coração, outro
dirigido da porta por Madigan.
Sem um grito sequer, Haroc
vacilou sobre os joelhos. Madigan
que naquele momento estava já
assoprando pelo cano do «Colt»
fitou-o e viu o pistoleiro de Kennedy
retorcer-se nos espasmos da agonia
para segundos mais tarde ficar
imóvel.
O’Hara encaminhou-se para a
porta e já no meio do «saloon» olhou
em redor calculando os estragos.
Deteve-se olhando para Fletcher que
o continuava fitando com extrema
calma.
─ Estes não são como os outros,
Fletcher. Certa ruiva virá procurá-los.
Tome nota de quanto valem estas
mesas que eu volto mais tarde para
fazer contas.
O dono do «Oklahoma Saloon»
sorriu quando disse:
─ Vai em paz, Bob O’Hara,
porque aqui não deves nada. Foi
para mim uma satisfação ver isto
como o foi já há anos atrás.
O’Hara saudou-o e saiu com
Madigan.
CAPÍTULO VIII
No centro da rua as duas
mulheres continuavam perplexas.
Sílvia com os olhos fixos no
«saloon»; Jayne, sem abandonar o
«Colt» que empunhava agora, apon-
tando-lhe, sem a perder de vista com
os seus belos e cintilantes olhos
verdes.
As detonações vieram
sobressaltá-las. E foi então que
Sílvia Kennedy desviou a vista do
«Oklahoma» para se fixar na
rapariga.
Ambas estavam agora pálidas.
Sílvia talvez o estivesse pela
ameaça de Jayne e daí talvez não.
Por outro lado, a jovem Sinclair
sentia crescer dentro de si uma
estranha sensação de angústia que
brotava de seu coração como uma
corrente maligna, sem que pudesse
adivinhar a sua causa.
Seus olhos pareciam despedir
centelhas.
─ Como um cão, Sílvia Kennedy
─ Murmurou surdamente, e esta
entendeu o que ela dissera.
Sílvia estremeceu bem contra sua
vontade e voltou os olhos para o
«saloon». Madigan e Bob O’Hara
saíam naquele momento e a
maravilhosa e bela ruiva suspirou
com alívio.
Jayne voltou o rosto, enquanto
com um movimento rápido guardava
o «Colt 38», fitando francamente os
dois homens.
O’Hara avançou directamente
para o seu cavalo que permanecia
imóvel no meio da rua, a pouca
distância do local onde se
encontrava o cavalo morto e as duas
mulheres.
E Jayne Sinclair viu que ele não
tirava os olhos da outra. Uma garra
gelada pareceu apertar-lhe o
coração até que viu a expressão dos
olhos do jovem.
Respirou com alívio enquanto se
detinha quase roçando por Sílvia.
─ Um gigante acaba de morrer ali
dentro, Sílvia Kennedy. Os outros
estão dormindo.., E a minha tia de
Oklahoma está bastante satisfeita
pelo descanso.
Atrás dele Madigan estava
sorrindo. O semblante de Sílvia era
um poema, e Jayne Sinclair
procurava olhar para outro lado, para
que ele não visse, enquanto,
trémula, perguntava a si mesma o
que diria aquele colosso chamado
Bob O’Hara, quando o soubesse.
Mas logo, e enquanto Sílvia ficava
silenciosa perante as palavras do
jovem, e, ao mesmo tempo que as
portas se iam abrindo, ela lembrou-
se do que tinha de fazer, ainda mais
que não fosse, só para o aborrecer.
Influíam nela a recordação do
arroio e a acção do juiz Kelly, já que
este depois de ter afirmado o
contrário não negou que tinha
chamado o jovem a Belem.
Jayne viu que os dois
continuavam fitando-se nos olhos. E,
como mulher, viu mais qualquer
coisa, que nos olhos dele havia um
oculto fogo satânico, e os de Sílvia
procuravam esquivar-se. Porquê?
No momento em que podia
pensar em responder a esta
pergunta, O’Hara deu uma repentina
meia volta. Agarrou nas rédeas do
cavalo e acompanhado por Madigan
encaminhou-se na direcção da casa
de Kelly.
Bob O’Hara tinha perdido por
momentos o interesse pelas terras
do rancheiro Ted Kennedy,
calculando que havia muito tempo,
se não fosse o velho patife ir pro-
curá-lo à cidade depois do que tinha
acontecido ainda há tão pouco
tempo.
Jayne fitou Sílvia frente a frente, e
pela primeira vez ela aguentou o seu
olhar.
─ Já ouviu o que tinha a saber,
Sílvia Kennedy ─ Exclamou
subitamente. ─ No «saloon» de
Fletcher estão esperando por si.
E sem aguardar qualquer
resposta, a jovem deu meia volta e
Sílvia viu-a correr na direcção de
O’Hara. Depois, com uma
contracção no seu rosto belíssimo,
encaminhou-se para o «saloon». E
não vacilou quando entrou, enquanto
Jayne alcançava o jovem e Madigan,
Mas não foi com Bob com quem a
jovem se encarou agora; dirigiu-se
imediatamente a Madigan.
─ Xerife Madigan ─ Disse. ─
Poderia fazer o favor de nos deixar a
sós por momentos?
Madigan assentiu com um
movimento brusco de cabeça,
enquanto o jovem a fitava com um
olhar de desconfiança.
Quando Madigan desapareceu
por uma das ruas, O’Hara deteve-se,
fitando-a.
─ Quer arranhar-me novamente,
menina Sinclair?
E perante a sua admiração ela
não pôde aguentar o seu olhar,
baixando os olhos para o chão
enquanto murmurava:
─ Não sei o que lhe disseram os
meus irmãos, Bob O’Hara; mas eu
peço-lhe desculpa pelos insultos que
lhe dirigi junto do arroio.
O jovem sentiu que a sua
perplexidade ia aumentando.
Replicou, procurando disfarçar o que
estava sentindo:
─ Poderia mandá-la agora
passear, não, menina Sinclair?
Foi então que a jovem ergueu
seus olhos para ele e O’Hara já não
viu fogo naqueles olhos tão belos,
mas sim tudo quanto existia de belo
e incitante nela.
Semicerrou os seus, quando a
jovem respondeu:
─ Pode ser que não tarde muito
em fazê-lo, Bob. E... Pode crer que
eu sentiria muito.
O’Hara fitou-a atentamente e ela
manteve o olhar. Ia para dizer
qualquer coisa, mas a recordação de
Noemi Carter veio-lhe naquele
instante à memória.
Sua boca tomou um ricto amargo
e Jayne sentiu que,
inexplicavelmente, seu coração
parecia querer falhar. Por intuição,
ela adivinhou o que ele estava pen-
sando e fez-lhe uma pergunta,
consciente de que esta lhe ia causar
dano e trazer à memória
recordações amargas.
─ Quer-lhe muito, não é verdade,
Bob?
O’Hara estremeceu ao dar-se
conta de que era a segunda vez que
Jayne Sinclair o tratava pelo seu
nome próprio.
─ A quem? ─ Perguntou
bruscamente, para afogar de certo
modo a sensação que sentia,
admitindo que havia muitas horas
que a recordação da morta tinha
desaparecido da sua mente.
Tinham a culpa os olhos de Jayne
ou continuava subjugado pela
maravilhosa figura velada pelas
águas cristalinas do arroio?
─ À que foi sua mulher em Sells,
Bob ─ Replicou ela concretamente.
E pela primeira vez em muito
tempo, Bob O’Hara sentiu-se
perplexo quando admitiu que não
podia dar uma resposta categórica
àquela pergunta. Tinha-lhe querido
muito, sim, muito. Agora...?
Nem ele mesmo sabia o que
havia responder, enquanto os olhos
verdes pareciam fasciná-lo,
ofuscando-lhe o pensamento.
─ Vai para o diabo de uma vez
para sempre, Jayne Sinclair ─ Foi a
resposta que ele deu.
Jayne não se sentiu chocada por
aquela reacção dele.
E O’Hara ficou deveras
surpreendido, pois que a jovem
quando ele lhe respondeu daquela
forma, retorquiu voltando-lhe as
costas:
─ Vou já, Bob O’Hara. Mas
havemos de ver até quando.
O jovem fitou-a enquanto ela se
afastava. Depois, deu meia volta
bruscamente, encaminhando-se
seguidamente para casa de Kelly.
Madigan estava à porta
aguardando a sua chegada com um
brilho trocista nos olhos. O’Hara
murmurou uma surda imprecação
quando o viu e então voltou-se para
o cavalo enquanto lhe batia
amigavelmente no pescoço e
proferia estas palavras:
─ A «nossa» tia de Oklahoma não
contava com isto, cavalinho. Aposto
um dólar em como não.
E Madigan procurou esconder um
amplo sorriso, enquanto Jayne
Sinclair entrava num dos melhores
armazéns de Belen.
O velho Curt Cradock fitou-a,
franzindo o sobrolho, vendo nos
lábios vermelhos de Jayne surgir um
sorriso travesso e trocista.
Quando chegou junto do balcão e
tendo em frente o velho que a
continuava fitando com cara de
poucos amigos, Jayne falou e ele
surpreendido não compreendeu a
subtil ironia que havia nas suas
palavras:
─ Venho fazer-lhe um pedido
muito importante, Cradock.
─ Vai pagar?
─ Não.
─ Pois então não pode ser,
menina Sinclair. Seus irmãos devem
já neste armazém cerca de
oitocentos dó...
─ Feche já a boca, Cradock ─
Interrompeu ela violentamente. ─
Isso será pago esta semana. ─ E
Cradock, apesar da sua idade, ficou
fascinado pelo brilho dos olhos
verdes, ainda que, segundos depois,
respingasse sem poder conter o que
estava sentindo.
Com um trejeito de estupefacção
em seu rosto, Cradok estava dando
a entender a Jayne que não
acreditava nas palavras dela.
─ Velho sovina ─ Estalou ─,
pergunte ao juiz Kelly e saberá a
verdade. Preciso de fazer umas
compras importantes e está a negar-
se. Vai ver o que acontecerá depois.
E sem mais, a jovem deu meia
volta iniciando o seu regresso em
direcção à porta. Como esperava, o
velho Cradock chamou-a instantes
depois:
─ Menina Sinclair!
Jayne voltou-se, encarando-o,
mas não se moveu.
─ Isso... É mesmo verdade?
─ Que o diabo o leve, seu
desconfiado!
E a jovem voltou-se novamente
na direcção da porta. Mas desta vez
não pôde mover um pé naquela
direcção.
─ Espere!
Jayne deu outra meia volta,
exclamando:
─ Isto vai acabar ou não!
─ Sim... Sim, menina Sinclair. De
que precisa?
A jovem acercou-se do balcão e
meia hora depois saía, deixando o
velho Cradock atarefado, preparando
numa carroça toda a classe de
artigos que ela encomendara.
A carroça chegou à margem do
rio quando Jayne já se encontrava
na sua cabana. Junto dela e
sentados numa pequena mesa,
estavam seus irmãos mergulhados
no mais profundo silêncio.
Ela começou preparando a ceia,
sabendo no que eles estavam
pensando: nos «Colts» que não
tinham apanhado em casa do juiz
Kelly e também na destroçada
espingarda que o tiro certeiro de Bob
O’Hara inutilizara. E sobretudo não
esquecia também o que sucedera
nas margens do arroio.
Nada lhe disseram, nem ela tão-
pouco quis perguntar; sabia, no
entanto, que dentro de poucas horas
Leo e Don sofreriam uma das
maiores surpresas da sua vida.
E quando o ruído dos cavalos de
tiro, junto com o das rodas, se fez
ouvir, os dois irmãos entreolharam-
se. De seguida olharam para ela e,
por fim, como o ruído ia
aumentando, acercando-se cada vez
mais da cabana, levantaram-se e
saíram.
Jayne ficou na pequena e tosca
cozinha, mas sem fazer fosse o que
fosse, atenta ao que estava
acontecendo no exterior. Ouviu a voz
forte de seu irmão Léo perguntar:
─ Que diabo é isso?
Depois, a resposta do que
conduzia:
─ Foi encomendado...
E, no mesmo instante, um coro de
imprecações, seguido de
precipitados passos e ruído de
esporas.
Jayne preparou-se, de modo que,
quando ambos surgiram à porta da
cozinha, ela tinha aquele gesto de
desafio no seu rosto e seus olhos
estavam cintilantes.
Don foi o primeiro a perguntar,
desta vez com o rosto duro como
uma rocha:
─ Que nova brincadeira é esta?
Responde, Jayne! Quero advertir-te
de que já estou cansado das tuas
idiotices e se...
─ Por favor, Don... Mas trata-se
da mais pura verdade!...
─ O quê?...
A pergunta soou em uníssono e
ela ficou um pouco vermelha,
enquanto seus olhos fitavam agora o
soalho.
─ Sim ─ Sussurrou muito baixo. ─
É simplesmente a verdade.
Olharam para ela como se fosse
um fantasma. Em seguida e de
modo repentino, Léo avançou para
ela, agarrando-lhe o queixo e
obrigando-a a levantar a cabeça.
─ Que pensas fazer agora,
Jayne?
A jovem desviou a vista, incapaz
de resistir ao olhar de uma das
pessoas que mais queria no mundo.
Depois e perante a maior
estupefacção dos dois, deu a mesma
resposta:
─ É a verdade, pura e simples,
Léo.
Não os fitou e por isso não pôde
ver nos olhos deles que não
acreditavam nela, até que Dons
lançou uma maldição, para depois
prosseguir:
─ Maldita sejas de uma vez para
sempre, Jayne! A tanto chega o teu
ódio? Não vês que, quando esse
homem souber disto, vem aqui e...
Só então é que Jayne levantou os
olhos do chão e os encarou
francamente. Como um felino, foi-se
acercando de seu irmão, enquanto
seus lábios vermelhos e incitantes se
entreabriam para deixar passar as
palavras.
─ Nunca te menti, Don, e tu sabes
bem que é verdade. Disse-te a
verdade, quando afirmei tal coisa.
E prosseguindo, Jayne contou
aquela história sem precedentes.
Quando terminou, Léo e Don não
sabiam que dizer ou que fazer.
Mas depois e enquanto o homem,
que conduzia a carroça, proferindo
maldições, via que tinha de a descar-
regar sozinho, Don acercou-se de
sua irmã.
─ Pois tu... Fizeste isso por nós?
Para que pudéssemos ter um
bocado de terra? Jayne.., Eu... Mas
agora, que diabo vais tu fazer, minha
Jayne?
Ante a pergunta. Jayne sorriu e as
suas faces avermelharam-se.
─ Isso depende de mim, irmão.
Entendes o que quero dizer, não? Só
te posso dizer mais qualquer coisa:
que não te preocupes demasiado
com tua irmã. A ele... ─ E Jayne
olhou para o chão novamente ─
Agrada-lhe a ideia... Muito, Don.
Ambos os irmãos se entreolharam
com o assombro estampado no
rosto.
─ Jayne! ─ Exclamaram.
E ela sorriu, replicando:
─ Deixem este assunto por minha
conta. Pode ser?! Só lhes peço uma
coisa: que no caso de ele aparecer,
os dois se afastem no mesmo
instante.
Fitaram-se sem dizer palavra.
Depois, ambos sentindo estranhos
desejos perante a acção daquela
que para eles era o ente mais
querido que tinham no mundo, com
um amargo nó na garganta saíram
para o exterior e o condutor da
carroça respirou aliviado quando os
viu chegar.
Silenciosamente, mas com um afã
febril, os dois irmãos Sinclair
começaram descarregando o
veículo, enquanto o condutor
perguntava a si próprio que diabo
teria acontecido para que eles
tivessem aquela cara.
Por fim, acabada de descarregar
a carroça, ficaram junto da cabana
mercadorias no valor de dois mil
dólares ao encargo de Bob O’Hara.
CAPÍTULO IX
À mesma hora em que a carroça
do velho Cradock regressava à
povoação completamente vazia,
outra chegava ao rancho dos
Kennedy. Mas esta não levava en-
comendas para o velho Ted, mas
sim Sílvia, dois «pistoleiros»
bastante feridos e o cadáver do
gigantesco Haroc.
Na boleia, a formosa ruiva
mantendo um profundo silêncio, que
os dois «pistoleiros» atribuíam ao
fracasso que tinham tido no
«saloon» de Belem contra Bob
O’Hara.
Eles também seguiam calados,
pensando o que lhes ia acontecer
quando chegassem ao rancho. Não
pelo velho, mas sim pela filha.
Temiam-na mais a ela do que a Ted
Kennedy.
Com estas ideias na mente
acabaram por chegar ao seu destino.
Sílvia saltou para o solo. A seguir
voltou-se para os dois.
─ Tirem o cadáver da carroça e
levem-no à povoação. Esta mesma
noite preciso que estejam de
regresso.
E sem mais palavras, Sílvia
penetrou no rancho. Não queria ver
seu pai, pelo menos naquele
momento, mas o rancheiro estava
aguardando a sua chegada com a
porta do escritório aberta. Ouviu os
seus passos rápidos e foi ao
encontro dela. Ambos se fitaram
frente a frente.
─ Então, Sílvia, como correram as
coisas em Belem?
Durante segundos ela ficou sem
saber o que responder. Depois,
encarando-o nos olhos como num
gesto de desafio, replicou:
─ Fracassei por ter sido idiota,
pai. Quis falar com ele antes de
mandar Haroc, Custer e Callender
matá-lo. Queria.. Queria que partisse
quanto antes de Belem. O meu
pensamento era de que... Já tinha
havido bastante sangue. E agora,
Bob O’Hara acabou por matar Tex.
Está lá fora.
Durante uns minutos, Ted
Kennedy nada disse, ainda que seus
olhos e rosto manifestassem bem a
fúria que sentia. Por fim, explodiu:
─ Estúpida. E és tu quem
pretende conduzir as rédeas de tudo
isto? Tu, que acabaste por estar
gostando desse maldito porco com
esporas?! Do homem que matou o
teu noivo?! Fosse ou não fosse o
que tu desejavas, era ele quem ia
casar contigo. Não passas duma
nulidade, Sílvia. Prometes, ameaças,
vais à povoação e voltas trazendo o
cadáver de um dos meus melhores
homens. Onde estão Callender e
Custer?
─ Mandei-os à cidade para
devolver a carroça que nos
emprestaram. Porquê?
─ Dentro de bem pouco tempo
vais saber, esperta. Para já, chama
Tommy Gaynor. E se não vais
rapidamente, vou eu.
Ted Kennedy moveu-se
velozmente na direcção da porta,
mas não tão rápido que sua filha lhe
interrompesse a passagem, fitando-o
nos olhos, perguntou:
─ Que vais fazer?
─ O que tu não conseguiste.
Sempre suspeitei que um dia
acabarias por gostar desse vaqueiro
porco.
Quando O’Hara saía do «saloon«,
ficou surpreendido: o velho Cradock,
saindo de uma porta, fez-lhe sinal
para que se acercasse dele.
O jovem aproximou-se, enquanto
seus olhos de falcão abarcavam tudo
quanto podia distinguir na escuridão
da rua.
─ Queria falar consigo, senhor
O’Hara ─ Disse o velho, mal tinha
chegado junto dele.
O’Hara fitou-o durante uns
segundos em silêncio.
─ É o que está fazendo agora,
avô ─ Replicou.
Cradock discordou com um aceno
de cabeça, dizendo a seguir:
─ Não na rua, O’Hara. Quer ir até
ao meu armazém?
O jovem assentiu com um gesto e
passou levemente a mão pela
culatra do revólver, mas não com
tanta suavidade que Cradock não
tivesse notado aquele movimento.
Apontando para o «Colt»,
murmurou:
─ Pode afastar a mão dessa
arma... Se quer. Não há qualquer
cilada no armazém.
Bob O’Hara permaneceu mais um
instante, fitando-o nos olhos.
Cradock manteve-se firme e
prosseguiu:
─ Compreendo que tenha de viver
alertado numa cidade de coiotes.
Mas isso não é para mim, jovem.
Deu uma volta repentina e
penetrou no seu estabelecimento.
O’Hara vacilou uns instantes ainda,
antes de se decidir a segui-lo e,
quando o fez, sua mão estava mais
afastada que nunca da culatra do
«45». Mas também era certo de que
estava mais alerta do que um tigre.
Cradock estava por detrás do
balcão quando o jovem apareceu à
porta. O’Hara viu-o sorrir e, embora
tivesse correspondido, os seus olhos
estavam esquadrinhando todos os
recantos daquele amplo
estabelecimento.
Avançou uns passos até ficar na
sua frente.
─ Diga o que tem a dizer, porque
tenho pressa ─ Disse por fim.
Cradock mostrou-lhe o papel que
tinha na mão.
, ─ Desculpe, O’Hara ─ Disse ─
Mas quero saber se isto é verdade.
No mesmo instante soltou-o de
uma maneira brusca, mas ainda
assim foi como que uma revelação
para o jovem. E durante uns
segundos fico usem saber se havia
de rir ou maldizer-se.
Não fez, no entanto, qualquer
destas coisas e simplesmente
perguntou:
─ Como posso eu saber, se isto é
verdade?
─ A menina... ─ Cradock hesitou
uns segundos e prosseguiu: ─ A
menina Sinclair afirmou que Kelly
estava perfeitamente ao corrente do
assunto.
O rosto de O’Hara nada
demonstrava, quando replicou:
─ Terá de aguardar uns dias para
cobrar isso, avô. Agora não tenho no
bolso os dólares suficientes. E fique
sabendo que Jayne Sinclair não
mentiu quando afirmou isso. Fica
sabendo que Kelly nada tem a ver
com este negócio.
Cradock deu o assunto por
encerrado e ficou pensativo olhando
as amplas costas de O’Hara quando
este se voltou para se dirigir para a
saída.
Muito mais pensativo teria ficado,
certamente, se pudesse ver o rosto
deste, natural agora, sem máscara e
ainda muito mais, se escutasse a
frase que brotou de seus lábios
quando atravessava o umbral da
porta:
─ A minha tia de Oklahoma está a
falhar-me. Ela não adivinhou isto,
Bob O’Hara.
E saiu com a fúria retratada no
semblante. Primeiro, iria ajustar
contas com Madigan e Kelly. Depois,
com Jayne Sinclair. Ela iria
arrepender-se daquela burla. Estas
eram duas contas que ele pensava
saldar quanto antes, deixando para o
fim Ted Kennedy e sua filha.
E não tinha dúvidas de resolver o
assunto com ela, apesar dos dois
irmãozinhos que tinha. Ele, ainda por
cima, lhe tinha pedido desculpa...
Não tinha graça?
Justamente quando atingiu o
outro umbral, O’Hara recordou-se de
que as terras onde viviam os irmãos
Sinclair eram uma oferta que lhe
tinha feito o antigo juiz Kellk. Outra
armadilha para que regressasse?
Ao interrogar-se, o jovem,
instintivamente, levou a mão ao
bolso. Instantes depois tinha o
documento aberto na sua frente. Era
uma concessão em forma daquelas
terras, mas em baixo havia algo
mais.
E quando viu as assinaturas,
O’Hara soltou uma imprecação
vendo que tinha assinado
precisamente ali, onde não o devia
ter feito.
Lentamente dobrou o documento
e voltou a guardá-lo utilizando a mão
direita. E foi naquele preciso instante
que um laço de vaqueiro sibilou por
cima da sua cabeça.
O’Hara compreendeu no mesmo
instante o que estava acontecendo,
mas era já demasiado tarde para
evitar o puxão que o fez ficar
imobilizado, enquanto era atirado ao
chão.
─ Maldito velho! ─ Exclamou. ─
Devia ter adivinhado.
E então ouviu aquela voz quando
o silencioso cavalo que tinham
utilizado para o caçar começou
avançando, obedecendo à mão do
cavaleiro que o conduzia.
O’Hara viu-se arrastado e tentou
frenética mente des prender-se sem
o conseguir. Por duas vezes ficou de
joelhos, afrouxando ligeiramente a
pressão da cordo e outras tantas
vezes se viu revolvido no solo,
enquanto a mesma voz repetia a
mesma cantilena, agora apoiada
pelo ruído metálico dos canos de
várias espingardas:
─ Agarra-o de uma vez, Gaynor!
Com os diabos, mexe-te!
O’Hara escutou o som de botas
com esporas que se aproximavam.
Voltou a ajoelhar-se com uma
expressão terrível em seu rosto
coberto de poeira. A seguir, conse-
guiu ficar de pé.
O cavalo voltou a puxar quando
ele tinha já quase sacado o «Colt»
do coldre. Perdeu o equilíbrio no mo-
mento preciso em que Gaynor o
agredia com a sua arma.
Como uma rês laçada, rolou pelo
solo ficando inconsciente. Minutos
depois estava completamente atado
e cruzado sobre a sela de um
cavalo, como um verdadeiro fardo.
Ted Kennedy e seus sequazes
atravessaram Belem a caminho da
pradaria.
CAPÍTULO X
A primeira sensação que o jovem
experimentou, quando voltou a si, foi
de que se estava banhando na
margem do arroio e que Jayne
Sinclair o estava fitando amorosa-
mente com seus formosos e
brilhantes olhos verdes.
Tentou fazer um movimento, mas
uma terrível dor de cabeça
acometeu-o. Depois, quando tentou
novamente, concluiu que não o
podia fazer. Então o jovem recordou
o que se tinha passado. Aquele
maldito velho Cradock e Ted
Kennedy!...
Olhou em roda. Estava numa
habitação que em anos anteriores
ele tinha visitado. Completamente
atado a uma cadeira. Na sua frente e
num cómodo cadeirão, encontrava-
se Ted Kennedy.
Os dois fitaram-se nos olhos,
estudando-se. E foi O’Hara quem
falou primeiro:
─ Olá, Kennedy, como estás? ─
Fez uma pausa e prosseguiu em tom
trocista: ─ A minha tia de Oklahoma
não me disse que teria este encontro
tão agradável. Acredita no que te
digo, Kennedy!
Apesar de saber a sorte que o
esperava, estando nas mãos do
rancheiro, Bob O’Hara fitou-o com
um sorriso, troçando da morte que
rondava por sobre a sua cabeça,
enquanto Kennedy se levantava,
dizendo:
─ Vais morrer, O’Hara. Mal
amanheça, vais ser pendurado pelo
pescoço no extremo de uma viga no
lugar mais afastado deste rancho.
─ Porquê?
E a pergunta de O’Hara brotou de
seus lábios com extrema
tranquilidade. Kennedy fitou-o como
que duvidando de que um homem no
seu juízo perfeito pudesse manter
aquela calma, quando sabia que
poucas horas lhe restavam de vida.
Por fim, decidiu responder:
─ Mataste o noivo de minha filha e
seus primos, Bob. E como se ainda
fosse pouco, regressas a Belem
disposto a ajudar esses porcos com
esporas. O que estão preparando
Madigan e Kelly?
A resposta de Bob O’Hara foi um
sorriso. A seguir e depois de um
longo silêncio, durante o qual os dois
se fitaram atentamente, o jovem
replicou, sempre com o mesmo tom
trocista:
─ E Sílvia morreu de pena, patrão!
Creia que o sinto bastante. A minha
tia de Oklahoma também, mas não o
disse. ─ E depois, num estalido
incontido, o jovem prosseguiu: ─ E o
senhor ficou com esse rancho, Ted
Kennedy! Portanto.. Afirmo-lhe que o
senhor é um patrão porco!
O rosto de Kennedy estava agora
lívido pela fúria que sentia. Mas não
respondeu, limitando-se
simplesmente a retroceder até junto
da porta. Antes de abrir voltou-se do
novo para ele.
─ Ainda te resta qualquer coisa,
O’Hara. Sei de alguém que te vai
fazer padecer as penas do inferno,
antes que vás para ele com esporas
e tudo.
E saiu, batendo violentamente
com a porta. Passou junto de
Callender, que montava guarda junto
da porta, sem sequer olhar para ele.
Bob O’Hara ficou só e cerrou os
olhos, enquanto seus pensamentos
giravam em redor de Sílvia e da
conversa que tivera com o velho e
irascível Kennedy.
O jovem sabia bem que tudo
aquilo era a verdade pura e simples.
Manteve os olhos fechados
durante bastante tempo e sua boca
sorriu algumas vezes enquanto
pensava em Noemi Carter, até que
tudo se esfumou para dar lugar à
figura excitante de Jayne Sinclair.
O’Hara nunca soube quanto
tempo permaneceu naquele sonho;
somente abriu os olhos quando o
ruído da porta se fez ouvir, não ao
abrir mas quando se fechou a dar
passagem a uma pessoa. O jovem
observou-a.
Sílvia Kennedy estava ali,
avançando na direcção dele com um
estranho trejeito nos lábios
vermelhos, até que se deteve a
menos de três polegadas.
O’Hara fitou-a de frente sem nada
dizer e, de súbito, ela agachou-se
para com um gesto rápido levantar a
saia. Quando a deixou cair, detinha
entre os dedos da mão direita um
comprido e afiado punhal. O’Hara
sorriu.
─ Vais cumprir a tua palavra, não,
Sílvia? ─ Perguntou.
Ela desviou um pouco os olhos,
enquanto sua voz soava um pouco
enrouquecida aos ouvidos do jovem:
─ Maldito sejas, Bob O’Hara!
Deveria fazê-lo, mas.. Não posso,
não o poderia fazer por nada deste
mundo. ─ E quando o fitou de frente,
o jovem notou que o seu semblante
se alterava, as suas faces se
afogueavam; contemplou-a
absolutamente surpreendido,
enquanto ela prosseguia muito
suavemente: ─ Gosto de ti, Bob...
Não sei quando o soube nem me
interessa. Só sei que não te deixarei
morrer. Vou... Cortar essas cordas.
E Sílvia inclinou a sua cabeça
escultural. O’Hara não o pôde evitar.
A boca dela colou-se à sua num
beijo de desespero, enquanto o seu
braço direito circundava as suas
costas.
Pela sua mente passaram as
palavras que ela dissera em Belem,
e pareceu-lhe sentir o frio aço
penetrar-lhe na carne. Segundos
depois, constatou que não era assim
ao notar que as suas mãos estavam
livres.
E quando ela separou a boca,
O’Hara só conseguiu proferir estas
palavras absolutamente
surpreendido com tudo quanto se
estava passando:
─ Sílvia...
A jovem respondeu com um triste
sorriso enquanto se inclinava uma
vez mais para desta vez manejar
habilmente o punhal contra as
cordas que retinha as pernas do
jovem à cadeira, ao mesmo tempo
que murmurava num sussurro quase
imperceptível:
─ Não estejas surpreendido, Bob.
Sei.. Que nunca serei nada para ti.
Jayne Sinclair é muito boa rapariga
─ E Bob O’Hara perguntou a si
mesmo se ela saberia tudo ─
Enquanto eu… Eu sou, o que
quiseram que eu fosse! Antes te
tivesse conhecido antes! ─ E numa
brusca transição prosseguiu
dolorosamente: ─ Vai-te Bob O’Hara!
Sei que meu pai, apesar do que eu
disse que ia fazer contigo, quando
estivesses nas minhas mãos, não se
fia em mim. Vai antes que entre! E...
Procura pagar isto... Poupando-lhe a
vida.
O jovem já estava em pé olhando-
a, assombrado ante aquela
revelação da qual nunca poderia
suspeitar. E sem afastar os olhos
dela, estendeu-lhe a mão.
Sílvia compreendeu o gesto e
estendeu-lhe o punhal. E foi
precisamente quando o jovem o
tomava nas suas mãos quando a
porta se abriu violentamente dando
passagem a Callender com as armas
na mão.
─ Velho patife! ─ Exclamou.
E apertou o gatilho disparando
contra o jovem. Sílvia deu um grito
saltando de costas e o chumbo
destinado ao coração de O’Hara
despedaçou-lhe o peito.
Com um rouco gemido, Sílvia caiu
no solo. Callender fez menção de
utilizar novamente os «Colt», mas
não chegou a fazer uso deles.
O’Hara tinha lançado o punhal.
A folha feriu o ar com um silvo e
Callender deteve em seco o seu
gesto quando a arma mergulhou no
seu peito até ao cabo. Durante uns
segundos permaneceu fitando o
jovem com os olhos desorbitados.
Pretendeu a seguir agarrar nos
«Colt», e então as forças falharam.
As armas caíram no chão e sempre
com a surpresa estampada no rosto
caiu de joelhos para pouco depois
embater com o rosto no chão.
O’Hara esqueceu tudo num
segundo. Jayne, Noemi, o juiz e o
antigo xerife de Belem; tudo,
inclusivamente o perigo que o
cercava, quando, de pé,
contemplava Sílvia Kennedy
estendida a seus pés e coberta de
sangue.
O jovem ajoelhou-se junto dela.
Sílvia tinha os olhos abertos e
olhava-o tentando um sorriso.
─ E.., Melhor assim... Bob. E
também é... Uma prova de que não
te menti. Dei... Dei a minha vida por
ti. Eu... Não mates o meu...
Não terminou, mas Bob O’Hara
entendeu o que ela queria quando
procurava a todo o custo estender os
braços para ele. Inclinou-se,
beijando-a nos lábios.
Pouco a pouco Sílvia desfez o
abraço, sussurrando a muito custo:
─ Pede perdão a mim a Jayne
pelo beijo, Bob...
Seu formoso e feiticeiro corpo
estremeceu e Bob
O’Hara, piedosamente, fechou-lhe
as pálpebras.
Mal acabou de o fazer quando
ouviu passos apressados do outro
lado da porta. Então, voltando a si,
O’Hara saltou como um tigre na
direcção das armas de Callender.
Empunhando-as já, encarou a
porta no momento preciso em que
Kennedy fazia a sua aparição.
Durante uns segundos o rancheiro
ficou imóvel, fitando a figura de
O’Hara.
─ Que diabos...
E seu rosto tornou-se da cor da
terra ao ver o cadáver de Sílvia no
chão.
─ Foste tu quem a matou, Bob
O’Hara! Vou desfazer-te com as
minhas mãos.
Sem pensar, Kennedy lançou-se
contra ele. O jovem podia tê-lo
morto, mas, como um relâmpago,
surgiu-lhe na mente o último pedido
de Sílvia.
O’Hara limitou-se a recuar um
pouco e estender uma perna por
entre as do rancheiro. Este
desequilibrou-se, rolando
aparatosamente pelo chão para ficar
estendido ao lado do corpo de Sílvia.
E ali toda a sua fúria se esfumou
como por encanto. Com os olhos
desorbitados, sem pensar em que
era ele o principal culpado daquela
morte e, recordando que aquela
mulher sem vida e com o peito
coberto de sangue era sua filha,
Kennedy levantou-se um pouco e,
lentamente, foi-se erguendo até ficar
de joelhos junto dela.
O’Hara fitava-o como se estivesse
fascinado. Ele era um homem duro,
como o tinha demonstrado em
muitas ocasiões, mas aquele quadro
era demasiado violento para ele. Viu
como Kennedy a tomava entre os
seus braços para depois girar na sua
direcção, dizendo:
─ Se és um homem como dizem.
O’Hara, deixa que a enterre e depois
espera-me em Belem.
O jovem voltou-se para a porta,
ficando de costas para Kennedy,
enquanto dizia:
─ Quem a matou foi Callender,
quando ela se meteu entre os dois
para evitar que eu fosse atingido,
Kennedy. Deu a sua vida pelo
homem de quem gostava. Disse ela,
disse-o antes de cair.
Nas suas costas, o velho
rancheiro lançou uma gargalhada.
Bob saiu apressadamente do
escritório. Nas suas costas e como
se carregasse um enorme peso
sobre os seus ombros, ia
caminhando lentamente Ted
Kennedy.
Com uma vontade incontida de
matar O’Hara, foi prosseguindo pelo
corredor. Ao alcançar a porta,
Kennedy atroou os ares com a sua
voz onde soava toda a surda fúria
que tinha conseguido conter, em
frente dos «Colts» do jovem:
─ Matem-no! Dez mil dólares se o
conseguires... Custer!
Este acabava de sair de uma das
habitações quando ouviu aquela vol.
Encarou com Kennedy e ficou
imobilizado ao ver o rosto do
rancheiro e o corpo de Sílvia era
braços, tingido de vermelho seu
vestido branco.
Perdeu uns segundos quando se
voltou como uma fera na direcção do
fundo do corredor, os mesmos que
O’Hara aproveitou para se colar à
parede e esperar que Custer
acabasse de se voltar.
Quando este o fez. O’Hara
esperou ainda que puxasse das
armas, enquanto ele empunhava já
uma que tinha arrebatado a
Callender. E quando o foragido
levantou as mãos ao mesmo tempo,
o jovem elevou o braço e fez fogo
uma vez só.
O estampido ressoou pelo longo
corredor e antes que Custer tivesse
caído, Kennedy pôde ver o orifício
negro na sua testa.
Voltou-se então para o fundo do
corredor, mas Bob O’Hara já ali não
se encontrava. Então Kennedy
inclinou a cabeça sobre o peito e
seguiu avançando sem soltar o
cadáver da filha, enquanto o jovem
alcançava o pátio de entrada.
CAPÍTULO XI
As detonações que se registaram
no interior alertaram Gaynor e os
outros três. Estes últimos já
empunhando as armas, correram
para o edifício do rancheiro, mas
Tommy Gaynor deteve-os com um
gesto, sublinhando a seguir:
─ Não devemos entrar. Se esse
O’Hara se soltou acaba por nos
apanhar como coelhos.
E com outro gesto, os três
pistoleiros correram agora a
refugiarem-se nos barracões
enquanto Gaynor se escondia atrás
de uma das colunas que sustinham o
alpendre do átrio.
Uns e outros dos seus respectivos
sítios, esquadrinhavam a ampla e
alta porta da casa do rancheiro,
aberta de par em par.
O’Hara estava quase chegando
junto dela. Nada sabia daquela
espera que lhe podia vir a ser
completamente trágica. E apesar
disto, fez algo assombroso.
Foi quando, colado com a parede
de troncos, alcançou a porta,
procurando que não o vissem de
fora. Uma vez junto dela, O’Hara
encolheu-se como um felino e saltou
para o exterior.
Caiu junto de um dos três degraus
que iam do átrio à terra que
circundava o rancho, e voltou a
saltar acto seguido, tendo agora os
dois «Colt» de Callender empu-
nhados.
Fora já do amparo do alpendre
revolveu-se como um puma furioso,
inclinado para diante e tornando-se
um alvo bastante mais pequeno e
difícil de atingir.
O’Hara só se apercebeu da
presença de Gaynor, quando este
disparou.
Sentiu o silvo do primeiro projéctil.
Depois um golpe seco nas costas, e
Gaynor semente pôde ver como ele
vacilava um tanto, visto que, quando
ele premia já o gatilho das suas
armas, pela segunda vez Bob
O’Hara disparava por duas vezes
metendo-lhe, com pontaria certeira,
dois projécteis na cabeça.
O jovem não esperou que ele
caísse, posto que imediatamente
girou em direcção às cavalariças
sabendo de antemão que, se não
encontrasse ali o seu cavalo, certa-
mente encontraria algum que o
conduzisse à cabana de Jayne
Sinclair.
Sempre vacilando, sentindo que o
sangue alastrava nas suas costas,
O’Hara avançou.
Kennedy estava junto ao alpendre
quando ele ia a atingir as cavalariças
e no mesmo instante um dos pisto-
leiros saía do barracão disparando
como um demónio.
O ruído das detonações mesclou-
se com o silvo das balas e o grito do
velho Kennedy.
─ Quietos todos! Disse que
estejam quietos, que diabo!
Porém para o pequeno e simiesco
Dick Taylor aquelas palavras não
tinham qualquer significado, posto
que, quando Kennedy começou a
pronunciá-las, ele, atingido por um
certeiro tiro à altura do coração,
estava caindo de costas sem que
Dor este motivo as suas mãos
tivessem desprendido os «Colt».
E este facto deveu-se ao facto de
O’Hara, quando ouviu o primeiro
zumbido, girar sobre si mesmo,
disparando à altura dos coldres. Os
que estavam à janela dos barracões
viram-no perfeitamente e tudo
quanto se desenrolou de seguida. O
fim surgiu quando Taylor caiu e se
ouviam os gritos de Kennedy.
Com a estupefacção estampada
em seus rostos os dois pistoleiros
afastaram-se da janela, enquanto
O’Hara fitava a figura do rancheiro
enquanto retrocedia de costas.
E o jovem compreendeu que por
aquele lado nada havia a recear por
agora. Kennedy com a sua ruiva e
formosa filha nos braços era a
expressão viva da derrota, apesar
das palavras coléricas que tinha
proferido antes.
Sempre retrocedendo e olhando
agora na direcção dos barracões,
O’Hara alcançou as cavalariças. Um
suspiro de alívio soltou-se de sua
boca quando viu o seu cavalo
completamente selado. Acercou-se
dele e o animal girou a cabeça
relinchando em tom festivo. O’Hara
acariciou-lhe o lustroso pescoço.
─ Vamos. A «nossa» tia de
Oklahoma aconselha-nos a que nos
vamos embora quanto mais
depressa melhor ─ Disse, enquanto
montava com bastante dificuldade,
pois que as dores nas costas
estavam aumentando.
E partiu como uma centelha com
os dois «Colt» brilhando ao sol.
Porém nenhum dos dois pistoleiros
de Kennedy lhe surgiu, nem tão-
pouco Kennedy se voltou quando ele
partiu a galope.
E foi quando este desapareceu na
distância, que os dois pistoleiros
saíram do barracão dirigindo-se
directamente para o local onde se
encontrava Kennedy com a vista
cravada neles, sem no entanto os
estar vendo.
Foi o mais velho dos dois Doc
Murphy, quem falou primeiramente:
─ Que diabo se passou, patrão?
Kennedy fitou-o agora, e Murphy
compreendeu no mesmo instante
que o seu patrão tinha agora
regressado à realidade por efeito das
suas palavras.
Em que demónios estaria
pensando? Doc não podia responder
a esta pergunta embora simples,
porque Kennedy se adiantou,
dizendo com voz enrouquecida:
─ Callender matou a minha filha
dentro do rancho ─ Disse Kennedy,
com voz firme. ─ E O’Hara acabou
por apanhá-lo a seguir. Vá... Vamos
enterrá-la, Murphy.
Alio e seco com um sorriso
maligno bailando na sua boca e
vestindo todo de negro, Nick
Sullivan, o segundo pistoleiro deu a
resposta que se traduziu numa
pergunta:
─ E Bob O’Hara?
A cara de Kennedy nublou-se.
─ Foi ele quem teve a culpa disto.
Se não tivesse...
Kennedy não terminou a frase,
mas os pistoleiros entreolharam-se.
─ Sei o que estás pensando,
Sullivan. Vamos a isto; jun... To do
arroio. Depois... Falaremos.
E sempre com ela nos braços,
acompanhado pelos seus guarda-
costas, que o seguiam com o
pensamento posto em O’Hara,
encaminhou-se em direcção das
árvores que se divisavam perto dali.
★
Jayne acabava de sair da água no
preciso momento em que o jovem,
seguindo a sinuosa corrente do
arroio chegava à cabana.
O’Hara viu-a primeiro, e sem
saber porquê, e apesar das dores
que sentia nas costas, recordou-se
como naquela vez em que a tinha
encontrado naquela margem, sem
que a recordação de Noemi Carter
viesse perturbar, por instantes
sequer, o curso dos seus
pensamentos.
Desviou os olhos dela para lançar
um olhar em redor, e no mesmo
instante o jovem deu por duas
coisas: os seus irmãos não estavam
ali, e de que a um dos lados da
cabana se viam ainda bastantes
encomendas.
Descobriu pouco depois algumas
das coisas que o velho armazenista
lhe tinha indicado que ela tinha
levado de Belem para a sua cabana.
E quando pensou em Cradock,
O’Hara recordou as suspeitas que se
tinham levantado no momento em
que ele o tinha chamado.
Cradock não tinha mentido. As
encomendas estavam ali, e ele não
necessitava de mais provas para
actuar. Portanto seria melhor
esquecer tudo e ter em mente
Cinicamente o objectivo que o fizera
ir até ali.
Bob O’Hara fitou agora a jovem.
Jayne estava recostada num tronco
de árvore, olhando-o com os seus
olhos muito abertos, e com as mãos
à altura do peito.
O jovem viu o seu busto subir e
descer, e sem proferir palavra fez
avançar a montada até junto dela.
Deteve-a quando a cabeça do
animal roçou um dos ombros da
rapariga, sem que esta se movesse.
Desmontou, e Jayne não se deu
conta de que ele estava ferido, tal
era o desassossego que sentia no
seu íntimo.
Mas quando o fitou nos olhos a
jovem compreendeu, soube o que
queria saber desde o primeiro dia em
que o tinha conhecido. Fez um gesto
para dizer qualquer coisa, e O’Hara
interrompeu-a com um movimento
Dr. sua mão. Depois apontou para a
cabana e disse-lhe:
─ Sabe que isso não é correcto,
menina Sinclair?
E ela, quando fitou os objectos e
embrulhos que se encontravam junto
à cabana, procurou sorrir sem o
conseguir.
─ Sim, sei ─ Sussurrou. ─ Mas eu
precisava de fazer qualquer coisa
para que viesses até aqui. O nosso
primeiro encontro e os que se
seguiram não eram os mais apro-
priados para pedir este favor, e muito
menos depois do que tinha
acontecido em casa do juiz Kelly.
Algo sem importância, mas que eu
não quis ver assim. Primeiro fiz por
isso. Depois pensei em obrigar-te
para que pagasses. Mas agora...
Jayne calou-se antes de terminar
a última frase. Sempre fitando-a,
O’Hara perguntou:
─ Agora, o quê, menina Sinclair?
Jayne volveu os olhos para ele,
replicando então:
─ Agora sei que não o devia ter
feito apesar de estar contigo, Bob ─
E prosseguiu vendo a expressão dos
olhos de O’Hara. ─ Trazes ainda
dentro de ti o fantasma da tua
mulher. Eu.., Eu nada posso fazer
perante...
─ Está entendendo, não?
E estupefacto, pois que ela estava
falando suavemente, Jayne explodiu
com aquela fúria de que só ela era
capaz:
─ Que o diabo te leve de uma vez,
Bob O’Hara! Eu não entendo nada.
Só sei de uma coisa por todos os
diabos: que Noemi Carter morreu e
que eu estou viva. Ela... Significa a
morte e eu... Eu sou a vida, querido!
Eu represento tudo quanto um
homem como tu pode desejar. Amor,
carinho, compreensão. Mas
sobretudo: a vida tal qual ela é, com
tudo quanto ela nos proporciona de
triste e alegre!
Ao falar, Jayne deu um passo em
frente e O’Hara sentiu o efeito do
calor do seu corpo quando ela quase
o roçou fitando-o nos olhos,
desafiando-o, envolvendo-o com o
seu perfume as flores silvestres.
O’Hara sentiu que estava
perdendo o domínio de si mesmo,
que vacilava e retrocedia um par de
passos enquanto afastava os olhos
daquela figura de mulher tão
apaixonante.
Um gesto de surpresa surgiu no
seu belo rosto, quando Bob voltou a
estender o braço, apontando os
objectos empilhados junto da
cabana.
─ Pode ficar com tudo isto,
menina Sinclair, posto que já paguei
tudo em Belem ─ Disse mentindo. ─
Isto é tudo quanto posso fazer por...
Mas subitamente, O’Hara vacilou
sobre os seus pés. Jayne deu um
grito ao ver o seu rosto
completamente branco, e voltou a
gritar quando o jovem caiu
desamparadamente no solo.
Com os olhos arrasados pelas
lágrimas, Jayne ajoelhou-se
procurando naquele corpo para ela
tão querido a causa daquela súbita
queda e com as mãos febris
destapou a ferida das costas.
A cor voltou às suas faces quando
observou que aquela ferida não
passava de um ferimento sem
qualquer importância, e que o jovem
estava desmaiado em parte pela
perda de sangue e por outro lado
pelo cansaço.
Com mãos de seda, Jayne fez
estancar o sangue ali mesmo,
ligando a ferida com tiras do seu
próprio vestido. Em seguida, olhou
em redor e depois para a distância,
na direcção das montanhas onde
Don e Léo estavam cortando lenha.
Por fim, agarrou o jovem pelas axilas
e arrastou-o a muito custo na
direcção da cabana. Porém Jayne
viu-se impossibilitada de subir os
degraus que havia na entrada.
Então, sentou-se no solo, tomando a
cabeça dele entre as suas mãos,
reclinando-a sobre as suas formosas
pernas e aguardou.
Assim a foram encontrar os
irmãos duas horas mais tarde, sem
que Bob O’Hara tivesse recobrado o
conhecimento.
Os dois irmãos levaram-no para o
interior, e Jayne, com um gesto
mudo e o semblante carregado,
indicou-lhes o quarto dela.
A seguir, os três irmãos reuniram-
se na cozinha que fazia de casa de
jantar.
E a primeira pergunta surgiu na
boca de Léo.
─ Que pensas fazer com ele,
Jayne?
E os dois ficaram boquiabertos
perante o doce sorriso que surgiu
por segundos na boca da jovem.
─ Cuidar dele, Léo. E.., Meu
marido, ou não é?
─ Jayne!
E ela surpreendeu a burla nos
olhos de Don.
─ Vai para o diabo! ─ Exclamou.
E Don riu a bom rir enquanto Léo
dizia agora também entrecortado
pelo riso:
─ Diabo, Jayne; não sabes quanto
me alegra saber que por fim
encontraste um homem capaz de te
dominar, minha ferazinha!
Jayne ergueu o seu voluntarioso
queixo e num gesto de desafio
replicou simplesmente.
─ E... É Bob O’Hara, irmãos.
Qualquer mulher se sentiria
orgulhosa por lhe pertencer.
Eles tornaram a rir, vendo o rubor
de seu rosto.
Mas, subitamente, interromperam
as suas gargalhadas vendo a rápida
transformação que se tinha operado
no rosto dela. Seus olhos desceram
até fitar o solo enquanto lágrimas
furtivas teimavam em cair.
─ E afinal eis agora o resultado de
tudo isto ─ Sussurrou.
Acto contínuo contou toda a cena
ocorrida entre ela e o jovem antes
que este caísse no solo sem
sentidos?
─ Disse-te como foi que o feriram,
Jayne Ela abanou a cabeça. A seguir
encarou Léo.
─ Pega num cavalo, e vai a
Belem. Parece-me que será melhor
trazer um médico.
Don discordou com um aceno de
cabeça.
─ O teu tratamento foi perfeito,
Jayne. Podemos esperar até
amanhã.
Quando anoitecia Jayne entrou no
seu quarto. Bob O’Hara dormia
tranquilamente. Já estavam a jantar,
quando um cavalo se deteve à porta
da cabana. Os três entreolharam-se
e os dois homens verificaram se os
«Colts» saíam bem dos coldres
enquanto Jayne, como uma leoa,
corria buscando uma espingarda,
pendurada num prego e com as
costas coladas à porta do seu quarto
encarava a porta que dava para a
rua.
A porta abriu-se e Don e Léo
sorriram. Jayne mantinha uma
expressão séria sem largar a
espingarda e lançou-se com os olhos
brilhantes e com movimentos felino»,
na direcção de Jim Madigan que,
naquele momento, enchia por
completo o umbral da porta.
Com as mãos crispadas à altura
do rosto, Jayne exclamou:
─ Sim, xerife Madigan. Bob
O’Hara está aqui e ferido. Aposto em
como foi esse porco do Kennedy
quem fez isso!?... E.., Enfim ele está
aqui e é o meu marido.., E não deve
ficar na cabana. Ele.., Ele não me
quer. A recordação de Noemi está
ainda muito recente na sua mente,
Madigan. E agora... Pense nisto. Se
Bob O’Hara acaba por resolver ir-se
embora da comarca, asseguro-lhe
que eu, Jayne Sinclair, corro todos a
tiro por toda a cidade de Belem, ao
senhor e a Kelly!
Madigan não ficou surpreendido
por aquele chorrilho de palavras,
embora estivesse certo de que
Jayne era muito capaz de lhes dar
algum desgosto, se aquele animal do
O’Hara partisse.
Com esforço e, enquanto Leo e
Don sorriam trocistas, procurou
manter aquele olhar de fera que
ainda mais parecia um verdadeiro e
infernal fogo verde. Respondeu por
fim:
─ O’Hara vai ficar, senhora...
E como sempre Don soltou uma
forte gargalhada ao ver o salto que
sua irmã tinha dado quando Madigan
a tratou por senhora.
─ Vá brincar para outro sítio,
Madigan! Senhora do diabo! E.., Em
vez de estar aí como um poste,
porque não nos diz de uma vez o
que veio cá fazer?
Jayne ficou surpreendida pela
resposta calma do jovem:
─ Ainda não, senhora. Não bebi
em Belem.., Mas espero que seus
irmãos tenham por aí um par de
garrafas escocesas.
Dessa vez Jayne O’Hara não
replicou, visto que assim como tinha
gostado de início saber-se mulher de
O’Hara também agora começava
gostando do tratamento de senhora,
claro. Por conseguinte nem fez caso
do pedido de Madigan, o mesmo não
acontecendo a Léo que logo correu
para um dos toscos armários na
parede. Quando se voltou tinha na
mão uma garrafa poeirenta e um
copo na outra. Madigan estava
sentado junto de Don enquanto
Jayne permanecia atrás dele em
atitude de quem tinha ainda qualquer
coisa para dizer.
E foi quando bebeu o segundo
copo de «whisky» que Madigan deu
a saber o que se tinha passado no
rancho de Kennedy. Em resposta a
estas palavras Jayne saiu da
cozinha e dirigiu-se directamente
para o seu quarto onde estava
repousando Bob O’Hara.
Junto da cabeceira da cama, a
jovem permaneceu a noite inteira,
velando o seu sono.
★
O desafio estava lançado, quando
Bob O’Hara se levantou do leito três
dias depois. Madigan foi também
desta vez o portador da notícia, mas
ia acompanhado por, Joe Kelly.
Pelo que parecia estava já
reposto da terrível agressão de que
fora vítima e o seu primeiro passeio
a cavalo foi para acompanhar
Madigan a casa dos Sinclair.
Durante aqueles três dias Jayne
mal se afastou do leito. Nenhum dos
dois abordou mais aquele problema
que parecia ser bastante espinhoso.
Mas Bob O’Hara, uma vez por outra,
deixou-se tratar por aquela que
segundo Kelly se chamava Jayne
O’Hara.
Por seu turno, a jovem procurou a
todo o custo evitar qualquer tema
que lhe causasse aborrecimento,
evitando estas situações com aquela
rara intuição que as mulheres
possuem, evidentemente!
E foram muitas horas aquelas que
passaram juntos conversando
absolutamente sós.
Mas quando naquela manhã
apareceram Kelly e Madigan e ela
viu como O’Hara saía para os
receber em companhia dos seus
irmãos, um tanto vacilante, esqueceu
todos os propósitos de o molestar.
No entretanto, aguardou que os
cinco homens estivessem juntos no
interior da rústica cabana para falar
se chegasse essa oportunidade.
Sem a fitar, Bob foi o último a
entrar. Depois quando Kelly se lhe
dirigiu para lhe perguntar como se
encontrava, o jovem deteve-o com
um gesto enquanto dizia:
─ Que significa tudo isto, Kelly?
Ninguém entendeu a pergunta
senão quando O’Hara tirou do seus
bolso o documento no qual, e por
vontade do antigo juiz de Belem, ele
se tinha convertido no proprietário
das terras deste.
E fez isto precisamente porque
Jayne e seus irmãos estavam
presentes.
Kelly sorriu travessamente antes
de pegar no papel.
─ Isto... ─ Disse ─ É.. A cedência
das minhas terras, Bob.
─ Um... ─ E o jovem calou-se não
prosseguindo por respeito para com
ela. A seguir, e em tom bem
diferente prosseguiu: ─ Queres
dizer-me quem foi que escreveu
esse documento, que eu assinei sem
o dever ter feito?
Jim Kelly esteve a ponto de largar
uma das suas, mas quando olhou o
jovem desistiu:
─ Vou-te explicar, Bob ─
Começou: ─ Noemi morreu em Sells
e tu começaste a andar sem destino,
dum lado par ao outro. Isso, segundo
a minha maneira de pensar, não era
vida. A notícia chegou aqui pouco
antes dos irmãos Sinclair se fixarem
nesta comarca. Começaram a viver
da caça, necessitados de tudo. Um
dia, e note-se que já andava dando
voltas à cabeça pensando na
maneira de te fazer regressar de vez
para junto de nós, quando vi Jayne.
Durante muitos dias tentei captar a
sua confiança, até que finalmente o
consegui. Falámos de muitas coisas,
dessas terras, das suas
necessidades e então surgiu-me a
ideia mais invulgar que se possa
imaginar ─ O rosto do jovem era
uma máscara de granito, enquanto o
de Jayne se tornava lentamente
vermelho. ─ Levei-a ao escritório e
ali lhe disse que somente teria de
assinar uma acta matrimonial na
qual constava que estava casada
com um tal Bob O’Hara, residente
em Sells e que as terras passariam
para a sua posse, se não em
propriedade, mas na qualidade de
arrendatária sem que nada tivesse
de pagar por isso. Chamou-me
louco. Mas depois aceitou quando eu
afirmei que aquilo significava
Cinicamente uma satisfação pessoal
para mim. Voltou a chamar-me doido
mais uma vezes e finalmente acedeu
em assinar. Sei que o fez por seus
irmãos, Bob! E mais ainda... Creio
que adivinhou algo mais, que ela não
disse, embora eu desconheça qual a
razão. Jayne é inteligente e sem
dúvida adivinhou, ou pensou ter
adivinhado, que eu tinha uma ideia
fixa na mente; ou então aceitou
somente para ter um lugar onde
pudesse viver, tomando-me como
um doido, sabendo além disso que,
se não assinasse, as coisas em
Belem continuariam sendo difíceis
para todos.
Fez tudo isto, a pensar em seus
irmãos que a criaram desde criança.
Sabia que estava unida a um homem
que saber ao certo se era uma
trapaça, soube sacrificar-se sem
saber ao certo se era uma trapaça
minha ou eu estava preparando
qualquer golpe. Não havia outra
solução para ela e aceitou. Depois
meteu-se Kennedy de permeio e tu
regressaste, pois que eu te tinha
escrito uma carta contando-te a
verdade...
─ Envolta num montão de
mentiras, Kelly. Tu só pretendias que
eu desse com ela, que
simultaneamente a livraria de um
lobo como esse, ao mesmo tempo
que a ti e a Madigan ─ Interrompeu o
jovem com os olhos brilhantes. ─
Mas não conseguiste o que
pretendias, Jim Kelly. Este
casamento não é válido embora me
tenhas feito assinar a cedência das
terras, sabendo que Kennedy cairia
materialmente em cima de mim
quando o soubesse, com mais
vontade ainda do que saber que
tinha regressado, pois que nelas se
encontrava a mulher que ele, nas
suas fantasias de velho, queria para
si; em lugar que não correspondia,
pois que debaixo dessa escritura
está o documento do casamento. E
foi aí que me fizeste assinar, Kelly.
Portanto, já que eu estava distraído
quando assinei o contrato de
casamento, estou mesmo casado
com Jayne Sinclair. Mas esqueceste
uma coisa, meu espertalhão: que tu
não elas o juiz de Belem quando
redigiste esse documento. Portanto,
esse casamento preparado habilido-
samente, pode ir para o diabo.
Fez-se um longo silêncio
enquanto a jovem levava as mãos ao
peito, até que subitamente Kelly
desatou a rir enquanto encarava
Madigan.
─ Porque não perguntas a Jim o
que estava ele fazendo no dia em
que eu fui agredido pelos homens de
Kennedy no «Oklahoma», Bob?
Segundo creio ele estava fora de
Belem.
O’Hara voltou-se com a
expressão de uma fera quando se vê
encurralada não tendo qualquer
possibilidade de fuga.
─ Fala, Joe Madigan ─ Disse,
enquanto Jayne adivinhando algo
fora do normal lançava um suspiro
de alívio e em seus olhos surgia de
novo o desafio.
─ Vais ver... Bob. Eu não tenho
culpa disso. Foi Jim quem me enviou
à capital para que eu inscrevesse o
acto do teu casamento no registo
civil. Ali, não fazia falta a tua
assinatura ou a de Jayne. Portanto...
Creio que te vai ser difícil provar que
tudo foi uma ideia sem pés nem
cabeça.
O’Hara soltou uma imprecação
sem se recordar de presença de
Jayne; ela sentiu as suas faces
ficarem vermelhas, soltando
subitamente um grito quando o
jovem sacou com um gesto
vertiginoso.
Volteando o «Colt» na mão,
perante os olhares de espanto de
Don e Léo e a pouca tranquilidade
de Kelly e Madigan, exclamou
enfurecido:
─ Patifes! Se não fosse.., Metia-
lhes uma bala na cabeça. Agora só
me resta dizer-lhes e especialmente
a ti, Kelly, que tens de esclarecer
tudo isto: por que motivo vieram
aqui?
Kelly e Madigan entreolharam-se
como se tivessem descido das
nuvens naquele momento, enquanto
em suas mentes surgia a figura de
Kennedy. Depois olharam fixamente
o jovem: t
─ Trata-se de Kennedy, Bob. Há
dois dias que está em Belem. Diz
que pensa mandar-te para o inferno,
ainda que saiba que não foste tu
quem matou Sílvia. Aquele porco
está plenamente convencido de que
foste tu o culpado de tudo quanto se
passou.
O’Hara nada disse, conquanto na
sua mente surgissem nitidamente as
palavras da mulher que morrera nos
seus braços. Durante uns segundos,
pensou que era melhor aguardar a
noite e partir de Belem sem nada
dizer. Mas deu conta de que esta
atitude implicava o fim de «Ter-
ramoto O’Hara». E pensando nisto, o
jovem soube o que tinha de fazer.
─ De acordo, Kelly. Não te guardo
rancor pela tua intenção. ─ Todos
ficaram estupefactos com as suas
palavras. ─ Sei que, embora tenhas
procedido mal, não foste mal-
intencionado. Só te resta remediar o
assunto. Quanto a Kennedy... Vou
ao encontro dele.
Saiu, deixando-os a olhar para as
suas costas. A imobilidade de
estátua em que ficou convertida por
momentos a figura de Jayne,
quebrou-se subitamente quando
voltou a agarrar na espingarda Don
dirigiu-se para ela, enquanto Kelly e
Madigan bloqueavam a porta. Jayne
moveu a espingarda e o fogo em
seus olhos era como metal em
fusão. Como Don era o que estava
mais próximo, dirigiu-se-lhe:
─ Esse homem pertence-me. Don.
Retirem-se da porta para eu passar.
Não quero ferir ninguém e muito
menos o meu próprio irmão.
Don entendeu perfeitamente que
Jayne continuava sendo a mesma
para todos, excepto para Bob
O’Hara.
Fez-se um silêncio embaraçoso,
quebrado por Léo:
─ Para aquilo que te serve, não
creio que...
─ Fecha o bico, animal. Isso é de
minha conta...
Jayne dirigiu-se para a porta. O
cano da espingarda traçou um
semicírculo. Kelly e Madigan
sentiram-no, como se este estivesse
cravado no estômago. Afastaram-se
e Jayne saiu para o exterior quando
já os cascos da montado do jovem
pisavam o caminho que conduzia a
Belen.
Com um gesto de angústia, que
contrastava poderosamente com a
sua atitude anterior. Jayne voltou-se
para os quatro homens e disse:
─ Vão matá-lo em Belem.
Kennedy tem, certamente, seus
homens com ele.
Um estranho sorriso surgiu nos
lábios de Kelly quando replicou:
─ Continua a estar equivocada,
senhora O’Hara. Kennedy despediu
os dois homens que lhe restavam e
a esta hora já devem estar bem
distanciados da povoação. Portanto,
está só. Pouca coisa, para um
homem como Bob.
Jayne pouco ou nada ouviu das
palavras proferidas por Kelly. Olhou
seus dois irmãos e exclamou:
─ Apesar de tudo, vou a Belem
Depois... Se tiver vivo... É senhor de
fazer o que entender.
★
O velho Kennedy estava no
«Oklahoma Saloon« junto de
Fletcher. Teve ele a percepção de
que O’Hara se aproximava quando
viu entrar impetuosamente no
estabelecimento um homem que,
quase sem fôlego, se lhe dirigiu com
um sorriso maldoso a bailar-lhe nos
lábios:
─ Falou alto de mais, Kennedy ─
Disse ele. ─ Bob O’Hara dirige-se
para aqui. ─ Lançou uma gargalhada
quando viu o semblante de Fletcher
e continuou trocista: ─ E a sua tia de
Oklahoma não vem com ele,
Kennedy. Pelo menos, eu não a vi.
Creio que vai poder com os dois,
não?
─ Que o diabo te leve, maldito
Baker! ─ Foi a resposta que obteve
pela sua intervenção trocista.
Pouco depois surgiu à porta a
gigantesca figura de O’Hara,
dirigindo-se felinamente em direcção
ao balcão.
Fletcher, com os nervos em
tensão, aproximou-se dele.
O’Hara pediu um «whisky» duplo
que bebeu de um trago sem proferir
palavra. Depois pediu outro, fitando
então Kennedy:
─ Estava procurando por mim,
patrão? ─ Perguntou friamente.
Kennedy manteve-se silencioso
durante uns segundos, enquanto o
vaqueiro sorria enigmático e à porta
se formava um nutrido grupo de
curiosos.
─ E verdade, Bob O’Hara e tu
sabes porquê? ─ Replicou, por fim, o
rancheiro.
O velho Kennedy ficou
surpreendido ante a resposta do
jovem que, com o olhar fixo numa
bela mulher pintada na parede, disse
simplesmente:
─ Na rua e depois de eu ter
bebido este «whisky», patrão.
O jovem voltou-lhe as costas com
inteira tranquilidade.
Kennedy deixou-se ficar por uns
momentos na mesma posição e
repentinamente girou sobre si
mesmo e saiu para a rua, afastando
os homens que lhe barravam o
caminho. Tão cego ia que não deu
conta de que cinco cavalos, parados
em sítios diferentes, mostravam
sinais de ter efectuado uma violenta
e vertiginosa correria.
Mas O’Hara tinha dado conta
desse facto e franziu o sobrolho.
Depois, lentamente, avançou pelo
centro da rua para se deter a umas
quinze jardas do ponto onde
permanecia Kennedy, inclinado para
diante com as mãos fincadas nas
negras culatras do seu par d:
«Colts» 45.
─ Quem saca primeiro, Kennedy?
A pergunta de O’Hara foi feita em
tom suave, embora tivesse ressoado
por toda a rua. Kennedy ia para
responder, mas a voz de Don cortou-
lhe a palavra. Este acercara-se
rapidamente, dizendo:
─ Ninguém. Nem Kennedy, nem
Bob O’Hara!
Bob voltou-se com o semblante
ofuscado pela fúria.
No mesmo instante viu que Don
ocupava um lugar no passeio
fronteiro, com uma espingarda nas
mãos, enquanto Madigan e Kelly
avançavam como felinos pelo centro
da rua com as armas prontas a saltar
dos coldres, enquanto Jayne
sustinha com mão firme a
«Winchester», apontada às pernas
de O’Hara. Este ouviu-a dizer:
─ Ainda não estás completamente
restabelecido, querido. Afasta-te da
questão ou não terei outro remédio
senão meter-te uma bala numa
perna Bob O’Hara interrogou-se se
ela seria mesmo capaz de fazer
aquilo. E como não fosse capaz de
obter resposta, permaneceu firme no
local que ocupava, vendo-os avan-
çar, enquanto Kennedy, imóvel
também, perguntava a si mesmo a
que se devia agora aquela situação.
Que não era coisa de Bob O’Hara,
já o sabia. Tinha ouvido falar dele o
suficiente para não aceitar que
aqueles homens estivessem
cumprindo ordens suas para evitar
um duelo frente a frente. Tal atitude
seria própria de um cobarde e
O’Hara não o era.
Firmemente esperou a chegada
de Don, enquanto Madigan, Kelly,
Don e Jayne rodeavam O’Hara.
─ Tem trinta minutos para montar
a cavalo e desaparecer de Belem,
Kennedy. A sua presença não
interessa aqui.
Madigan dirigiu-se para ele e
repetiu as palavras de Don:
─ Só trinta minutos, Kennedy.
Sem responder, fitou-os a todos
um por um. Depois encarou Bob
O’Hara, que avançava rodeado pelos
seus amigos ─ Sei que isto não é
coisa tua, Bob. Mas porque não nos
deixam resolver o nosso assunto?
Jayne, com a sua costumada
violência, quebrou o silêncio que se
estabelecera:
─ Vá para o diabo, seu patife! Não
entende, pois não? B porque na sua
cabeça sem miolos não lhe cabe a
ideia de que estamos fazendo isto
em memória de Sílvia! Parta de
Belem, antes que tenha de deixar os
ossos ao sol, Kennedy. Antes que
todos nós tenhamos de recordar-nos
de todo o mal que fez aqui. Antes
que meu marido ─ E ela acentuou a
palavra ao ponto de O’Hara quase
dar um salto ─ Esqueça os seus
propósitos de não disparar contra o
senhor e lhe perfure a alma... Se
alguma vez a teve. Fora daqui,
rancheiro. Desapareça da nossa
vista... ─ E voltou-se no preciso
momento de ver o olhar de surpresa
que se reflectia nos olhos do jovem.
É que ele perguntava a si próprio,
como teria Jayne adivinhado.
─ Vamos buscar o cavalo,
Kennedy.
Como em sonhos, o jovem
escutou aquela ordem dada por
Madigan. Depois, refeito da
surpresa, fitou-os a todos.
O rosto de Kennedy estava pálido.
Seus olhos fitaram o solo sem dar
uma resposta. Mas, de seguida,
começou rapidamente a andar,
rodeado por Don, Madigan, Kelly e
Don.
Ficaram frente a frente Jayne e o
jovem; os curiosos e Fletcher, que se
lembrava da primeira vez em que
O’Hara surgiu na cidade e se livrara
de ver toda a mobília feita em
cacos...
Lentamente O’Hara deu meia
volta e com um gesto de cansaço
começou a caminhar em direcção à
casa onde era antigamente o
escritório do que fora juiz da cidade.
Jayne seguiu-o rapidamente.
─ Bob! ─ Chamou.
─ O que é, Jayne?
Ela notou que que desta vez Bob
O’Hara não lhe tinha chamado
»menina Sinclair». Aproximou-se,
sem se importar co mos olhares dos
curiosos que agora os rodeavam.
Envolvendo-o pela feitiçaria do seu
corpo felino, Jayne falou como
quando estava na cabana:
─ E... Duro, cruel se tu quiseres,
Bob. Refiro-me a ela e ao que te
disse na minha casa, que é agora a
tua. Noemi, morreu.., Morreu... E...
Será uma doce recordação para ti
enquanto viveres. Isso ninguém o
pode evitar e não será nunca essa a
minha intenção. Mas eu... Continuo
sendo a mesma vida para ti! Pensa
antes de partir, querido!
E ninguém podia pensar o que ela
ia fazer, muito menos ainda O’Hara.
Jayne, mal acabou de falar, pôs-se
em bicos de pés e beijou-o
apaixonadamente na boca. A seguir
e de uma maneira que impressionou
os que estavam assistindo à cena,
girou rapidamente e subiu para a
sela, desaparecendo rua abaixo a
todo o galope.
O’Hara não a olhou. Deu meia
volta e entrou na casa de Jim Kelly.
Procurou o lugar mais cómodo,
estendendo-se ao comprido com o
olhar fito no tecto e um cigarro na
boca. Jayne, Noemi, Sílvia e todos
os personagens que tinham
intervindo na sua vida, tomavam
forma na sua mente duma maneira
infernal. Duas horas mais tarde,
Madigan e Kelly foram-no encontrar
na mesma posição e tendo nos
lábios o décimo cigarro.
O’Hara não se moveu quando os
viu entrar. Simplesmente aguardou
que eles falassem. Foi Kelly quem
disse:
─ Ele vai a caminho da fronteira,
Bob. Leo e Don devem estar na sua
cabana, E tu?
─ Esperarei que montes no teu
cavalo, te dirijas à cidade e anules
esse casamento sem pés nem
cabeça.
─ Uso... Dizer isso, ali.. A
verdade... É a prisão para mim. Bob.
─ Eu sei ─ Replicou.
E começou a rir, voltando a cara
para a parede, enquanto murmurava
com os olhos fechados:
─ Amanhã falaremos, Kelly.
Tenho um sono terrível...
Bob O’Hara estava dizendo a
verdade. As horas que estivera a
cavalo, a perda de sangue, o
movimento daquele dia, a tensão a
que servira submetido em frente de
Kennedy; tudo, enfim, quanto tinha
acontecido naquele dia, tinha-o
materialmente destroçado.
Nem Madigan nem Kelly estavam
ali quando saiu para a rua, dirigindo-
se à cavalariça. Ninguém, a não ser
alguns escassos desocupados que
permaneciam nos passeios, o viu
sair de Belem, nem o rumo que o
seu cavalo seguiu quando tomou a
pradaria.
Mas Jayne Sinclair adivinhou tudo
isto quando uma nuvem de poeira
lhe despertou a atenção. Pensou
que era ele e não se enganou. Com
o coração batendo
descompassadamente, com louca
violência, a jovem saiu da cabana
quando O’Hara já penetrava dentro
do arroio, pensando que ela tinha
dito que era a vida e que ele tinha de
averiguar se isto era a verdade ou
não.
Desmontou de um salto e Jayne
dirigiu-se para ele com um brilho de
desafio naqueles belos olhos que o
fitavam. O’Hara viu-se envolvido pela
sua luz e não quis fechar os seus.
Esperou por ela.
Não eram só os olhos, mas o seu
corpo flexível como um junco, seu
rosto, seus lábios, seu busto
palpitante. Enfim, toda ela que o
estava desafiando com a sua atitude
de felino. E quando Jayne se deteve
na sua frente, o jovem tomou-a em
seus braços beijando-o apaixonada-
mente. Depois...
─ Ficas, Bob?
Foi uma pergunta desnecessária,
pois ela já sabia de antemão a
resposta. Mas queria ouvi-la da sua
boca.
─ Com certeza, Jayne. És ou não
a minha mulher? Então, esta noite...
─ Bob...!
─ Esta noite virão Madigan e Kelly
com alguns amigos de Belem. A
minha tia de Oklahoma quer celebrar
isto, Jayne. E vão fazer isto que lhes
disse, porque lhes deixei uma nota
antes de vir ao teu encontro.
Fitaram-se nos olhos e depois de
um curto espaço de tempo em que
os dois permaneceram imóveis,
lançaram-se arrebatadamente nos
braços um do outro.
Com verdadeira paixão suas
bocas encontraram-se iniciando um
beijo interminável.
E Bob O’Hara teve a prova de que
Jayne Sinclair tinha razão quando
afirmou que para ele, ela era a vida e
que Noemi Carter seria uma doce
recordação.
FIM