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A donzela assassinada

Sacudindo seu lencinho, estendendo-o, para que o mesmo secasse, já era época de dezembro,
já era chegado o natal, a jovem e bela donzela, se encantava vendo as pequenas nuvens de
verão no ar, vendo os raios de sol, e as flores, que tanto havia esperado, crescendo nos
arbustos que ela mesmo cuidara por tanto tempo, tendo em sua paisagem um rosto familiar, e
apesar de que muitos cavalheiros passassem em sua mira, nenhum deles lhe atraia, só tinha
olhos para um garoto, o rosto do jovem rapaz na qual lhe entregara seu puro coração, era o
único que ela realmente via, cujo o nome era: Joaquim José da Silva Xavier.

- Aí de mim, que suspeitam, que lhe estaria a acenar! Sacudia meu lencinho para
estende-lo a secar. – Pensava a jovem, enquanto com pena, observava o semblante
esperançoso de outros rapazes.

E esse mesmo lencinho, fora seu acompanhante nas noites em que não dormira, nas noites em
que silenciosamente suas lágrimas surgiam, e era naqueles momentos em que ela se via
sozinha, que parava para refletir o quão injusto era o mundo, e a questão final seria sempre a
mesma:

- Porque o meu amor é pobre de condição desigual?

Era chegado o natal, e mal sabia a bela jovem, que tinha o amor pela frente e a morte por
detrás, desceu seu pai pela escada, e com um único golpe de seu punhal de outro, tirou a vida
de sua própria filha, dando por encerrada a longa jornada que ela haveria de ter com seu
verdadeiro amor, com um único suspiro fraco e relutante, como quem dizia:

- Não posso partir agora, não me deixe ir dessa forma! – a garota nos braços do pai,
com seu olhar já morto, mas ainda assim, clamando por ajuda.

Se voasse aquele lencinho e começasse a contar, que havia morrido, seria por culpa de seu
coração, que aos pensamentos do pai haveria se apaixonado pela pessoa errada, ou por culpa
da ganância de seu pai, que lhe havia tirado a vida por se apaixonar por um homem pobre.

Mas agora, aquela pobre alma, vaguei pela cidade, observando o que há de acontecer; e é aqui
que a nossa história começa, contando a história, não da bela dama e de seu pai, mas sim
daquele rapaz que perdeu seu amor, Joaquim José da Silva Xavier, ou Tiradentes.

As conversas indignadas

Palavras sobre palavras, e não há nada que possa impedir os escrivães e os juízes de
conseguirem testemunhas que servem de fundamento às sentenças.

- Calem-se os apadrinhados! Fujam parentes e amigos! Contaremos esta história


segundo o preço que paguem e ao mais fraco escolheremos para receber por todos o justo
exemplar castigo

Aquele bravo homem, parado ali a frente, sem amigos nem parentes, sem um lar, sem fazenda,
sem quem contar, metido em sonhos de louco, de salvar sua nação, nem que fosse apenas por
um pouco, o salvador que não se salva, uma pobre ovelha na fila de abate, um pobre homem
condenado sem nenhum resgate.

É Alferes Tiradentes.
Caminho da forca

Uma grande multidão o esperava, desde os mais altos cargos e as mais altas classes, até aos
mais simples, que o vira de perto, havia até pessoas que haviam sido curadas por ele, em seus
pensamentos apenas uma coisa habitava, por onde estariam aqueles que por hora se disseram
seu companheiro, aqueles que também teriam estado à frente da rebelião.

- Onde estão os poderosos? Eram todos eles fracos? Onde estão os protetores? Seriam
todos ingratos? Mesquinhas almas, mesquinhas, dos chamados leais vassalos!

Então seu rosto apareceu para todos, como esperado, seus olhos castanhos arregalados, como
quem implorava: “tenham misericórdia e me tirem daqui!”; seus cabelos esvoaçavam ao vento,
e com passos curtos e trêmulos subiu ao pódio, e observou a corda balançando, o nó que em
poucos minutos seria o responsável por tirar de si a vida, seria isso tão injusto quanto seu amor
perdido? Pois agora, já seria Joaquim uma pobre alma vagante, com seu corpo sem vida
espalhado em quatro partes pelo caminho.

Os maldizentes

- Ouves no papel a pena? Agora, acumula embargos à sentença que o condena o que outrora,
em altos cargos, pelo mais breve conceito as rendas do Real Erário apenas do porto larga,
revertia em seu proveito.

- Assim o destino é vário! Grande fim para habitantes de um país imaginário, que falam por
consoantes.

- E usam nomes fingidos. (Aquilo havia mistério nas letras dos apelidos...)

- Tanto ler o Voltério...

- E se não fosse o ladino capitão Joaquim Silvério!

- Assim é vário, o destino: negro, porém, é o desterro, e há de arranjar palavreado com que se
lhe escuse o erro.

- Tanto impou de namorado! E agora, quando se mira vê-se um mísero coitado... (como lá diz
numa lira... )

- Se nas águas se mirasse, veria ralo o cabelo.

- Um par de esporas, somente. e murcha e pálida, a face.

- Falta-lhe aquele desvelo da sua pastora terna...

- Deveria socorrê-lo..

-... a quem dará glória eterna!...

- Ai, que ricos libertinos! Tudo era Inglaterra e França, e, em redor, versos latinos...

- lá se lhes foi a esperança!

- Mas segue com seus embargos. (Quem porfia, sempre alcança...)

- Os argumentos são largos.


- Que tem luzes, ninguém nega.

- Mas são coisas da Fortuna, que bem se sabe ser cega...

- Não lhe sendo a hora oportuna, perder-se-á tudo que alega.

Ilustres assassinos

O que seriam as grandes excelências além de oportunistas, calculando o valor da vida de cada
um em cruzeiros, e embebendo suas vistosas penas em pecados que outrora cometeram os
mais cruéis seres humanos, a sangue frio tirando o fôlego de vida de outras pessoas talvez
inocentes, talvez não.

Mas seriam as grandes excelências diferentes desses assassinos? O ponteiro do relógio


continua girando, o tempo passa, o silêncio da noite se manifesta, e as grandes excelências
continuam indo para suas belas casas, em suas belas carruagens, com suas belas roupas de
grife, tudo pago pelos cruzeiros que ganhavam em cima da morte de pessoas muitas vezes
inocentes, e em outras vezes culpadas.

- Todo esse poder que tendes confunde os vossos sentidos: a glória, que amais, é desses que
por vós são perseguidos.

Ah se em algum momento de suas vidas, experimentasse uma vida plebeia e miserável como a
de muitos ali. Ah se vissem as masmorras cobertas de escuridão e mágoas, ou sentissem o
peso das algemas e os calafrios que corriam pelos corpos quando o metal gelado encontrava
seus pulsos, e quantas sepulturas abertas graças a suas condenações, quantos corpos jogados
rio abaixo graças as suas penas e suas assinaturas.

Ó como eram soberbos, se achando melhores por causa de um mero título, o seu desdém e
sua ganância me dão enjoo, e por vossas fantasiosas razões e falsos motivos, em vão matastes
inúmeras pessoas.

- Vossos mortos são mais vivos; e, sobre vós, de longe, abrem grandes olhos pensativos.

Os passeios da rainha louca

Seguindo em um corredor de seus súditos ajoelhados ante a sua presença, anda a rainha louca
por uma cidade melancólica, que há pouco tempo viu morrer na forca um homem sem fortuna,
que lutava por liberdade.

Enquanto a rainha, que já não era tão lucida quanto outrora, andava com seus passos curtos e
demorados, toda sua comitiva, desde os batedores até os cavalheiros, a acompanhava nessas
estranhas caminhadas, que oxalá fossem de bom feitio para a vossa rainha.

E por mais bela que fosse a paisagem encontrada naquela praça no alto da colina, a pobre
coitada nada mais via além daquelas amargas memórias, que não importa que fosse no
alvorecer do dia mais bonito de primavera, ou no silêncio da mais fria noite de inverno, a
cercavam fazendo com que ela enlouqueça aos poucos graças ao horror que aquilo lhe
causava.

- Vou para o inferno – murmurava enquanto andava em círculos perante todos

- já estou no inferno, não quero que o diabo me veja – gritava em meio a multidão, enquanto
enlouquecia
A morte da rainha

O que a população pediria? Promessas? Procissões? Ladainhas?

A única voz que se ouvia era a do grande sino dourado, que balançava de um lado para outro
anunciando: “A rainha está morta! “.

Neta de Dom João Quinto, filha de Marianinha, que outrora tão bela, tão radiante, agora seria
lembrada como louca. Deitada em suas sepulturas com um semblante amargo e abalado pelos
pecados cometidos em vida, pelo sangue de inúmeras pessoas que carregava em suas mãos.

Agora o dia está quieto, sombrio e negro, simbolizando o luto. Bandeiras negras foram
hasteadas no pátio do castelo, a cidade está cercada de buchichos, cujo motivo seria
Tiradentes, e como mesmo morto ainda mantinha suas lembranças vivas e conseguia justiça
pelos crimes cometidos contra sua pessoa. Seria isso uma ação divida de Deus, fazendo justiça
para um filho condenado inocentemente? Seria o universo mandando seu carma? Ou seria
simplesmente o destino? Ninguém tem essa resposta.

A única coisa que se sabe é que sua história, sua coragem e braveza, e o modo como expressou
sua opinião, se declaram na sociedade atual, na forma em como manifestamos nossa opinião,
e como lutamos para conquistar o que queremos.

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