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31 de Março de 20...

Domingo de Páscoa

Olá, humano,

Sei que seu tipo é dos que normalmente se aborda como Presidente ou Primeiro
Ministro, Canciller ou Ministro de Assuntos Exteriores, inclusive com o título mais
divertido —Líder Supremo — sim, sendo humano, jamais poderia ser supremo sobre
nós, mas não tenho nenhum uso para os títulos idiotas. São tão sem sentido para mim,
como seus nomes, quase tão desagradáveis como sua própria existência. Para mim é
uma coisa e apenas uma coisa: ser humano.

Inimigo.

Reconheço que há entre nós aqueles que não concordam com esta etiqueta — amo
— já que são suas debilidades e farsas, tolamente tolerantes com suas pequenas e
insignificantes vidas. Imagino que acha encantador e adorável como gatinhos recém-
nascidos: torpes sobre pernas trêmulas, cegos, fracos e indefesos. Vocês são todas estas
coisas, com certeza, mas tenho que admitir que seu encanto me escapa, da mesma
forma que o encanto de um vírus me escapa. De fato, de todos os seres vivos deste
planeta, se assemelham a um vírus, quando olhado mais de perto. Vocês se proliferam
com uma velocidade sem sentido de uma bactéria. Toma, toma e toma, até que tudo o
que sobra é doença e ruinas, logo seguem adiante e começam o processo novamente.

Vocês destroem este planeta a muito tempo. Vou cuidar disso agora.

A partir de hoje.

Em nosso afã de sermos deixados em paz, permitimos que suas doenças se


propagassem. Ignoramos a maldade de suas formas. Vivemos em segredo e em silêncio
durante milhares de anos, aprendendo a viver junto a vocês, aprendendo a vestir, comer
e falar como vocês, aprendendo a nos esconder.

Quem somos, você se pergunta?

Somos vapor, predadores rápidos, deslizando entre a morte, relíquias de uma época
em que a natureza e a beleza abundava e a magia ainda vivia e respirava. Nascemos
na África equatorial, onde toda a vida se originou, somos os filhos primogênitos da
Mãe Terra e sua mais esplêndida criação.

Temos muitos dons que mal pode sonhar.

Podemos sentir o cheiro de um pássaro voando a milhas de distância no céu do


inverno e saber se é um falcão, uma pomba ou estorninho1. Podemos ouvir o coração de
todas as pequenas criaturas, que não se veem, procurando alimento sob a camada de
folhas fragrantes ou tuneis na terra úmida ou agarrando-se nas árvores. Podemos caçar

1 Estorninho-comum é um pássaro nativo da Eurásia e introduzido na América do Norte, África do Sul,

Austrália e Nova Zelândia.


na escuridão e correr mais rápido que uma gazela e arrancar sua garganta com presas
afiadas mesmo antes de saber que está em perigo. Temos o poder de transformação ao
pensamento e ouvi dizer que ao ver o menos bonito de nós é ver o rosto de um anjo.

Somos Ikati. Somos seus superiores em todos os sentidos.

Irá entender tudo claramente em um momento.

Estamos a ponto de fazer história, verá. Sem dúvida acha que já fez, com sua
riqueza, seu título e seu poder, mas tudo isso não é nada em comparação com a fama
eterna que vou derramar sobre você.

O tipo de fama que apenas pode conseguir com uma espetacular morte, inesquecível.

Assim seja rápido agora e olhe para cima, a partir destas palavras, viu a criatura
esbelta que se aproxima com passos silenciosos? Não importa como passou além de
seus guardas de segurança e seus patéticos sistemas — vê seu sorriso astuto, a sede de
sangue em seus olhos? Seu pulso se acelera com o conhecimento de que este será seu
último suspiro e a quem verá?

A mim. Estou contigo inclusive agora, em seus momentos finais, que todos os que
vivem em minha imaginação do mesmo modo que está vivendo na carne. Esperei toda
a vida para isto e estou disposto a admitir que devo lhe agradecer em parte.

Devido a que, com sua morte e a morte de todos os outros líderes humanos como
você, estão neste mesmo momento também lendo uma cópia desta carta, assim irão me
ajudar a governar o mundo.
Ciao2, meu inimigo.

Espero que apodreça no inferno.

Cesar Cardinalis

Rei dos Ikati

2 Olá em italiano.
A primeira vez que Ember colocou os olhos no homem que destruiria sua vida,
soube com uma certeza aguda de gelar o sangue, como uma faca entre suas
costelas, que poderia descrevê-lo em uma palavra — perigoso.

Não seria muito depois que descobriria o perigoso que era na verdade, mas
nesta noite em particular, no meio do frio de uma tempestade de fevereiro, de pé
onde ficava seis dias da semana, desde as dez da manhã até as seis da tarde, atrás
do balcão de madeira polida de Livros Antigos, a pequena livraria cômoda do
antigo bairro gótico da cidade. Era perto da hora de fechar, através das altas janelas
que estavam ao lado da porta via a chuva caindo como lâminas na escuridão, do
lado inclinado, batendo fora alto o suficiente pelo concreto desigual da estreita rua
para indicar que não pararia logo.

Ember estava cansada da chuva. Cansada do inverno.

Cansada de praticamente tudo.

Era um mal dia em um mês ainda pior por anos e estava cansada até os ossos.
Com apenas vinte e quatro anos, sentia-se décadas mais velha, já que sobreviveu
a coisas que poderiam ter enviado outras pessoas menos obstinadas diretamente
para a tumba. Nunca se permitiu o luxo da autocompaixão, mas não podia escapar
da fadiga profunda nos ossos ao se arrastar para cima dela em uma noite como
esta.

Não chovia em suas más lembranças. O mesmo nesta hora melancólica, justo
depois do entardecer quando os últimos raios da luz dos dias felizes eram
devorados pela fome, a difusão da escuridão na noite. No momento em que a
porta da loja se abriu e a pequena campainha de prata de boas-vindas cantou seu
tilintar alegre, o único que queria fazer era ir para casa, tomar um banho quente e
ficar na cama.

Olhou para cima para ver quem entrou e foi como se uma mão invisível se
estendesse e agarrasse seu coração.

Um homem estava parado dentro da loja, sacudindo a chuva de um grande


guarda-chuva preto. Fechou-o, abaixou-o no ferro antigo de pé perto, alisou a gola
do terno muito bem desenhado e lentamente, deliberadamente, olhou ao redor da
loja. Alto, com ombros largos e cabelos escuros, o corpo magro e ágil como de
um bailarino, ao mesmo tempo fascinante e proibido.

Assassino, pensou e um arrepio percorreu suas costas.

Não foi sua roupa, um terno cinza sob medida, nem seus sapatos negros
Ferragamo3 polido, um relógio platino com diamantes Patek Phillipe4 que sabia
custar mais do que ganharia em uma década ou sua tranquila confiança ou a forma
como deslizava sem fazer ruídos enquanto se afastava da porta, os sapatos
reluzentes silenciosos contra o piso como se não o tocassem, que lhe indicou.

3 Marca de sapato de couro italiano.


4 Uma empresa suíça que produz relógios e artigos de luxo.
Nem sequer foi seu semblante de elegante mistério, ameaçador ou a forma como
o ar parecia se reunir ao redor dele, tenso e expectante como um folego contido.

Foram seus olhos.

Elétricos, fumegantes, um verde sobrenatural, bordeado em Kohl nos cílios


negros e grossos — sonolentos como se houvesse encontrado sua satisfação na
cama de uma mulher luxuriosa não há muito tempo, seus olhos estavam cheios de
pecado e prazeres carnais. Também eram diferentes, sinistros, com uma tácita
advertência de perigo, que oferecia uma oposição irresistível para seu sedutor
convite.

Seus olhos eram, simplesmente impressionantes.

Assim como o resto de seu corpo e ela não era a única que pensava assim. O
enorme grupo de mulheres que abriu caminho enquanto ele lentamente passava
pelas mesas baixas e os livros na vitrine era uma evidência disso.

Devido a Ember ser o tipo de garota que desprezava este tipo de homem, que
reduzia mulheres inteligentes a uma poça de gelatina, uma substancia pegajosa, o
odiou à primeira vista.

Porque deveria ser mais bonito que a mulher mais bonita no lugar? E
provavelmente do mundo? Na verdade, era indecente. A menos que ganhasse a
vida como modelo ou acompanhante, nenhum homem deveria prestar tanta
atenção a seu guarda-roupa. Ou a sua aparência. Seu cabelo negro e brilhante,
curto dos lados e na parte de trás um pouco maior, era tão perfeito como o
restante.

Talvez fosse um ator, pensou, observando-o andar de forma calma e pausada.


Ele era uma mistura de Pierce Brosnan/Daniel Craig, ainda que mais jovem e
infinitamente mais bonito. Ela o imaginou saltando de um helicóptero para o teto
de um trem a toda velocidade para participar de uma briga com um psicopata
armado com faca, saindo dela sem uma sujeira ou apenas uma ruga em seu bonito
terno.

Ou talvez fosse homossexual? Era tão difícil dizer, estes homens espanhóis
eram muito sofisticados e melhores preparados que os rapazes que conheceu em
casa, nos Estados Unidos. Ember desejava que seu amigo Asher estivesse ali para
resolver a questão. Seu amigo gay era muito melhor avaliando estas coisas.

Os olhos verdes pararam na frente do balcão. Ele a olhou. Como um


comandante, sua voz masculina de tenor, refinada por um sotaque britânico culto,
perfeitamente adequado para ordenar empregados aterrorizados a fazer sua
vontade, disse. — Cassino Royal.

Ember quase riu. Em troca, soltou. — Deve estar brincando.

Cassino Royal? O livro que lançou James Bond como um ícone pop? A
coincidência pelo fato dela tê-lo imaginado quase assim, em si mesmo, era incrível.
Perguntou a si mesma se os olhos verdes podiam ler a mente. Além de ser a rainha
da beleza.

Rei. O que fosse.

O canto dos lábios dele se levantou, uma pontada de desgosto. — Se serve


para algo, não estou. Procuro a primeira edição, capa dura, 1953. Fui informado
que esta era a melhor livraria de livros raros da cidade. —Parou, deixou que seu
olhar caísse sobre o suéter marrom claro, a calça larga, seus sapatos velhos que
antes eram brancos e agora estavam sujos. Quando seu olhar pousou novamente
em seu rosto, murmurou. — Ou talvez me informaram mal.
Perguntando se isto era uma brincadeira, Ember o observou. Dependendo da
condição do livro e da capa, uma primeira cópia da edição de Cassino Royal
custaria em algum lugar entre cinquenta e cem mil euros. Com a economia da
maneira que estava, não tinha uma venda destas em... bom, muito tempo. Ela
decidiu chamar sua atenção.

—Não, não o informaram mal. Terá que voltar amanhã, no entanto.

Suas sobrancelhas se ergueram.

—Armazenamento. —Respondeu ela, explicando. Livros antigos raros e mais


valiosos não ficavam guardados em estantes para o público em geral manusear.
Eram guardados em caixas sem poluentes, em estantes de metal resistentes à
oxidação, em uma temperatura controlada e longe da umidade, fora da cidade.
Tinha a intenção de acrescentar um grosseiro “Duh”, mas mordeu a língua. — Se
estiver interessado.

—Perfeito. — Respondeu ao instante, como se deveria ter sido evidente.

Claro que queria algo perfeito. Desde seu aspecto, perfeito em tudo, parecia
como se estivesse acostumado a isto, durante toda sua vida.

Em uma avaliação rápida, seus brilhantes olhos verdes se estreitaram. — Estou


sendo irritante?

Isto a surpreendeu. Ember tinha certeza que não apertou os lábios, riu
dissimuladamente ou deu outra prova física do que estava pensando. Apesar de
não ser do tipo supersticiosa, a vaga ideia de que talvez isto fosse muito estranho,
apesar do cuidado excessivo, ele ler sua mente se aprofundou a algo perto da
certeza.
—Mmmm não. Claro que não. — Limpou a garganta e tentou usar seu melhor
rosto de profissional interessada. Ainda era um cliente depois de tudo e tinha que
ser educada. A livraria e os livros raros de seu pai começaram a entrar em queda
desde que ele morreu há três anos. Bom, tecnicamente desde que abriu há cinco
anos. Seu falecido pai, um artista e sonhador, tinha um fetiche por recolher livros,
não era um bom homem de negócios. E se ela fosse honesta, não estava realmente
a altura também. Herdou tanto sua capacidade artística como sua falta de visão
para os negócios. A música sempre foi a sua.

Até que não foi mais.

Assim, se o Sr. Olhos Assassinos queria gastar seu dinheiro, deveria ser mais
amável com ele. Ela pensou que deveria lhe advertir, no entanto, apenas para ser
justa. —É uma inversão substancial, no entanto. Uma primeira edição em perfeitas
condições é provável que custe...

—Entendo. Devo deixar um depósito?

Nem sequer esperou que dissesse o preço. Não parecia no mínimo interessado
no preço. Ember não sabia se estava sendo arrogante ou se na realidade era uma
dessas pessoas que nunca perguntavam os preços das coisas. Fascinada a seu pesar,
se perguntou se seria isto. Impressionante, sem dúvida. Totalmente
impressionante.

E ela mal podia pagar o aluguel.

Sua aversão deu um brusco giro para a inveja. Então ficou irritada consigo por
ser tão mesquinha e ainda mais irritada com ele por tê-la feito se irritar consigo
mesma.
Antes que pudesse abrir a boca para responder, seus olhos se estreitaram
novamente. Mas ele não parecia irritado, apenas desconcertado. —Seja o que for
que estou fazendo para incomodá-la, me desculpo sinceramente. Não foi a
intenção.

Sua expressão “profissional interessado” desapareceu, substituída, tinha


certeza, por um choque óbvio. O rosto ruborizou e gaguejou. — Não... é... não
estou... sou a que deveria se desculpar. Estou sendo grosseira.

Bem, ele estava sendo grosseiro. Mas, como demônios saberia?

Olhos Assassinos oficialmente a acharia uma louca.

Esticou uma mão para ela, mas logo pareceu pensar melhor quando de repente
levantou a cabeça e passou a mão pelo cabelo, entre as mechas escuras bem
cortadas. Suspirou, deixou cair a mão novamente de lado. —Vou deixar meu
contato, certo? —Sem esperar resposta, pegou a caneta no balcão junto a caixa
registradora. No caderno branco junto a coleção de canetas, escreveu algo em
traços rápidos e precisos. —Ligue quando chegar. Estou deixando o número do
meu cartão de crédito, assim pode cobrar o preço que lhe parece justo.

Endireitou-se e lhe ofereceu o papel. Ember o pegou de entre seus dedos.

Christian McLoughlin. Dizia, seguido de uma série de números do cartão de


crédito e um telefone.

Christian. Perguntou se os amigos o chamavam Chris para abreviar, então


imediatamente descartou. Sem apelidos, tinha certeza. Sem informalidade. Sua
própria mãe provavelmente o chamava McLoughlin. Ou provavelmente, senhor.
Limpou o pensando, preocupada com que pudesse adivinhar novamente seu
pensamento e guardou o papel no bolso traseiro da calça jeans. — Um depósito
não é necessário.

Esperou em silencio, observando-a com aqueles olhos sobrenaturais. Quando


os faróis de um carro passaram através das janelas da fachada e se refletiu no
espelho de corpo interior atrás do balcão, mostrou uma íris estreita em seus olhos.
Imaginou por um momento que algo nestas profundidades verdes mudou. Algo
tangível e efêmero, como se estivesse olhando a superfície do mar.

Um arrepio de medo arrepiou sua nuca.

—Você deve ver o que está pagando. —Explicou, levantando a mão delicada
até a corrente que sempre usava ao redor do pescoço.

Era um hábito inconsciente, algo que ela fazia quando estava preocupada ou
irritada e os olhos agudos dele não perdeu isto. Ele a viu girar os dois anéis de
ouro na corrente entre seus dedos e seu rosto suavizou. Ele assentiu com a cabeça,
como se houvesse tomado uma decisão sobre algo.

—Não sou o tipo de homem que precisa ver as coisas para acreditar nelas. —
Disse, ainda observando-a torcer a corrente.

Isto ia contra a opinião que formou sobre ele nos poucos momentos desde
que se aproximou do balcão. Parecia um homem que não acreditava em tudo o
que não estava escrito em um contrato, visível a simples vista ou de outra forma
demonstrável, sem sombra de dúvida.

Seu olhar encontrou o dela. Firme e penetrante, cravando-a no lugar, fazendo-


a esquecer seu receio e irritação, a desconfiança com relação a estranhos. Disse
impulsivamente. —As únicas coisas que vale a pena acreditar, são coisas que
podem ser vistas. Tudo o mais é simplesmente um engano.

Pareceu tomar isto como uma espécie de desafio, porque seus olhos brilharam,
logo um lento sorriso tocou seu rosto. — Estenda a mão e feche os olhos.

—O que? — Surpresa, Ember deu um passo atrás.

Ele riu e logo disse. —Não mordo. A menos que queira.

Isto fez suas bochechas ficarem ruborizadas. Estava paquerando com ela?

Não, homens como ele não paqueravam garotas como ela. Mulheres simples.
Mulheres em ruínas. Mulheres com uma boa mão e dois pés esquerdos e uma vida
que a asfixiava tanto que queria gritar.

—Apenas estenda a mão. — Insistiu, em voz baixa, persuasiva. — Confie em


mim.

Disse estas últimas três palavras como se fosse um desafio e a olhava desta
forma também.

Confiar nele? Era fácil dizer. Como se pudesse.

No entanto, devido a ter uma conta bancária sem fundo e precisar da venda,
Ember ofereceu em silencio sua mão direita com a palma para cima.

Seu sorriso ficou irônico. — Na metade do caminho. Feche seus olhos.

Foi sua vez de estreitar os olhos nele. Olhou ao redor da loja. Havia uma
dezena de pessoas dentro, uma mulher do clube de leitura as quartas estava
sentada em uma mesa na parte de trás da loja, seis deles estavam em outras mesas
e outros clientes andavam pelos corredores. Ela estava provavelmente segura.
Quando seu olhar caiu sobre Christian, seus lábios se apertaram, mas seus
olhos estavam brilhantes e divertidos, como se estivesse tentando segurar a risada.

Deixe que ria. Sabia por experiência que nunca estava segura, mesmo nos
lugares mais familiares. A vida tinha uma maneira de golpear e cuspir no rosto
quando menos esperava, logo, cortava as pernas nos joelhos quando tentava dar
um passo atrás.

Pense na venda, Ember. Pense em seu aluguel. Satisfaça-o e ganhe o prêmio ou o irrite e seja
despejada.

Ela bufou uma respiração curta, impaciente e logo fechou os olhos.

Realmente não sabia o que esperar, mas o que definitivamente não esperava
era um golpe lento, o dedo deslizando, leve como uma pluma, de seu pulso pelo
centro da palma.

Seu toque a sacudiu como um raio.

Ela ofegou. Advertiu em voz baixa. — Olhos fechados. — De modo que os


manteve fechados e deixou a sensação de seu dedo deslizar ternamente contra sua
pele, acendendo seus nervos como milhares de interruptores dentro de seu corpo.
Ela ficou plenamente consciente de sua respiração, o calor nas bochechas, o cheiro
dos livros velhos e o doce almíscar do incenso no canto da loja, os murmúrios das
mulheres do clube do livro e o bater da chuva na calçada. Cada sensação se
acentuou porque tinha os olhos fechados, todo o lugar e toda sua cor, a luz e as
distrações.

Em uma voz escura e suave, Olhos Verdes, disse. — Não pode me ver
tocando-a, verdade?
Sem folego, Ember assentiu.

—Então, como sabe que sou eu?

Porque sinto em todos os lugares do meu corpo que nem sabia que tinha.

Ela empurrou de lado o pensamento e em voz alta disse. — Porque sinto.

Seu dedo saiu. A onda de eletricidade parou abruptamente. Quando abriu os


olhos, Christian estava olhando-a fixamente. Quando ela devolveu o olhar, uma
emoção desconhecida cruzou fugazmente seu rosto, endurecendo seus traços
perfeitos, escurecendo seus olhos. Um músculo se contraiu na mandíbula
quadrada.

—Assim é como se sabe algo real. Não importa se pode ver. Seus olhos podem
e vão enganá-la. Mas se puder sentir, é real.

Havia uma lição ali, mas Ember não tinha certeza se era de alguma forma
relacionado com o que acabou de dizer. Parecia mais provável que seu corpo
tentasse dizer algo, o mesmo que seus olhos disseram na primeira vez que o viu.
Aproximar-se e afastar-se.

Ela engoliu, as bochechas ruborizadas, o coração acelerado. Endireitou-se e o


olhou nos olhos. — E como isto está relacionado com a primeira edição do
Cassino Royal... como?

O sorriso voltou, deslumbrante em sua escuridão, perfeito e conhecedor. —


Porque posso confiar que não irá me enganar. Posso sentir.

Riu quase incrédula, sem saber se estava brincando com ela ou sendo sério. De
qualquer forma, provavelmente não importava. Iria dar-lhe seu livro e nunca o
veria novamente.
E em boa hora. Não precisava de um Rei da beleza como ele ao redor de sua
livraria. Não com tudo que estava acontecendo, ninguém iria comprar um maldito
livro novamente.

—Certo, então, McLoughlin. Eu ligarei amanhã.

Pelo canto do olho, Ember viu Sofia se aproximar. Uma das mulheres do clube
do livro, que tinha uns sessenta anos e era muito maternal, com um corpo robusto
e alarmante penteado grisalho. Não precisava ter uma figura juvenil para se colocar
no caminho e conseguir uma introdução. Ela passou adiante como uma leoa
olhando uma presa fácil, com os olhos em Christian como se estivesse decidindo
em qual parte afundar os dentes em primeiro lugar.

Ember virou de costas para ele, se dirigiu até o final do balcão e chegou a Sofia
antes que pudesse fazer algo embaraçoso. Era viúva a mais de dez anos e nunca
perdeu a oportunidade de cair sobre um homem jovem e de bom aspecto. Ember
viu isto terminar mal muitas outras vezes e decidiu poupá-la de outra humilhação.

—Precisa de mais chá?

Ember tentou se comunicar com Sofia com os olhos, pedindo que voltasse a
sua mesa. Mas, como não tinha sorte, Sofia deu um passo em falso e torceu o
tornozelo na tábua desigual que Ember tinha a intenção de consertar assim que
conseguisse dinheiro. Com os olhos muito abertos, Sofia se inclinou adiante com
um leve grito, surpresa. Aconteceu tão rápido que Ember não teve tempo para
reagir.

Christian, no entanto, o fez.

De alguma forma, a partir de todo o caminho ao final do balcão, ele estava ali
a tempo de segurar Sofia antes que caísse. Com uma mão sob o braço, ele a
segurou e levantou-a novamente a seus pés com um murmúrio. —Cuidado com
o passo, senhora. Estas velhas tábuas podem ser traiçoeiras.

Sofia, com os olhos abertos, a mão ao redor do pescoço como uma grande
pomba, pálida procurando um lugar para aterrissar, respirou fundo. — Oh sim,
claro. Que descuido da minha parte. Obrigada senhor...?

Ele não mordeu a isca. Simplesmente sorriu — de forma incrível — e ela


ruborizou com um sorriso tolo e então soltou o braço e voltou o olhar agudo para
Ember.

—Até amanhã.

Ela assentiu lentamente, calculando o tempo e os passos que demoraria para


chegar onde estava há uns segundos. Não acreditava que poderia fazê-lo. Mas...
precisava.

—Até amanhã. — Ember repetiu. Quase soou como uma ameaça.

Mas o sorriso de Christian aumentou e seus olhos se estreitaram, como se


estivesse desfrutando de uma piada particular. — Nos vemos então, September5.

Virou-se e com uma dezena de pares de olhos nele, dirigiu-se para a porta. Ele
pegou o guarda-chuva e saiu, fazendo uma pausa por um momento na calçada
para abri-lo. Logo deu uns passos adiante e fundiu-se como um fantasma na noite
chuvosa.

Ao seu lado, Sofia exalou seu folego de uma só vez. Abanando-se com uma
mão, ela disse em espanhol. — Deus meu, amor! Quem era esse?

5 Setembro em inglês. Refere-se ao nome dela. Deixei em inglês.


—James Bond. — Respondeu Ember com o cenho franzido.

Sofia piscou, confusa.

—Não importa. Está bem?

Sofia assentiu, ainda distraída. Olhou novamente para a porta onde Christian
desapareceu. —Então, como sabe que é James Bond?

—Não sei. Ele estava apenas procurando um livro. Não o conhecia antes desta
noite.

Sofia se virou para Ember. Seus olhos castanhos estavam cheios de perguntas.
Ela apontou com o dedo a pequena placa de identificação de ouro no suéter de
Ember e disse. — Então, como sabia seu nome completo?

Com um nó na boca do estomago, Ember lançou um olhar para a placa de


identificação.

Ember — lia-se em negrito. Claro que sim, porque Ember nunca foi seu nome.
Mas Christian, o belo desconhecido, de alguma forma descobriu.

Como?

Ela levantou os olhos para a porta da loja, olhou pelas janelas dos lados
atingidas pela chuva e pensou que esta era uma pergunta muito, muito boa.
Ember acordou na manhã seguinte sem premonições ou pressentimentos
sobre o dia. A chuva diminuiu gradualmente durante a noite, graças a Deus e
através das janelas de seu apartamento, o céu surgia em um azul perfeito e sem
nuvens. Ao longe, os mosaicos redondos que superavam as torres da Catedral da
Sagrada Família de Gaudi, brilhavam em vermelho, amarelo e verde sob o sol da
manhã como enormes jarros de frutas e todas as ruas como labirintos de
Barcelona, igrejas medievais, praças e palmeiras, assim como a grande franja azul
do mar Mediterrâneo, se apresentava como um suntuoso banquete.

A vista de seu quarto era absolutamente a melhor de seu apartamento. Isto e


o terraço no telhado, onde tomava seu café da manhã e tentava não pensar no
passado.

—Americana! — Uma voz masculina gritou da rua de baixo. — Linda


Americana! Está acordada?

O pior de seu apartamento vivia no andar de baixo.

—Não, Dante, não estou acordada. — Ember murmurou, olhando para a


janela. Com muito cuidado, se afastou dela, imaginando seu senhorio de pé com
os braços cruzados, em sua camiseta branca, robe de seda Paisley6, meias pretas e
sapatilhas brancas no meio da praça, esticando o pescoço para trás enquanto
olhava a janela e chamava por ela. Ele era totalmente indiferente ao incomodar as
pessoas ao redor ou pela forma como poderia parecer com sua peruca preta e
sinais peludos no rosto. Uma das razões de seu aluguel ser tão barato era porque
dava aulas de inglês para Dante, mas o aluguel estava atrasado novamente, ao
julgar pela forma como a chamava de linda, o que sempre fazia quando ia pedir
dinheiro ou o assunto estava prestes a chegar.

Novamente.

Aproximou-se da mesa de madeira de segunda mão perto da porta e pegou o


pedaço de papel de onde deixou na noite anterior quando chegou em casa.

Christian McLoughlin. Mesmo sua letra parecia rica.

—Certo, Sr. Moneybags. — Ela disse com amargura, o olhar fixo nela. — É hora
de colocar-se ou calar-se.

Um golpe seco na porta a sobressaltou tanto que pulou.

—Ei delinquente. Está aí? — Sussurrou uma voz através da madeira.

Ember lançou um suspiro de alivio e colocou o papel no bolso. Usava uma


calça jeans novamente hoje, ainda que diferente da anterior. Ela não iria pensar no
Sr. Moneybags e que poderia se vestir diferente para ele a cada dois dias. Mesmo
se fosse rico, sexy e... irritante. Deveria deixar um rastro de mulheres caídas aos
seus pés, sua dignidade era o único que restava. E não estava à venda.

6 Uma estampa de tecido em padrões de gotas rendadas, com motivo vegetal persa, similar a metade do
símbolo de Ying e Yang ou uma folha de árvore bodhi da Índia ou de uma mangueira ou até a forma de
sanguessugas usadas na medicina.
Bom, a maioria não estava à venda. Levantou-se cedo para que pudesse chegar
ao depósito e recuperar um certo livro caro para um determinado e estranho
cliente de outro mundo, com um excesso de confiança. Mas isto não contava.

Ao menos isto era o que dizia a si mesma, de qualquer forma.

Rapidamente e em silêncio, tentando fazer o menor ruído possível, Ember


abriu um pouco a porta e passou para o corredor.

—Precisa de uma fuga rápida? — Sussurrou Asher.

Seu vizinho do outro lado do corredor apareceu, olhos castanhos alegremente


atrás de óculos da moda, um sorriso torcido e malicioso no rosto. Um expatriado
como ela, originário de Boston, trabalhou como jornalista esportivo para o jornal
local. Era alto, atlético e profundamente fabuloso e também um dos mais
inteligentes, mais divertidos e interessantes amigos que já conheceu. Ele sabia
sobre livros, arte, política e música, como fazê-la rir justo quando precisava e como
se manter em silêncio quando as palavras apenas podiam piorar as coisas. Asher
era o tipo de pessoa que fazia se sentir mais inteligente e mais interessante
simplesmente por associação. Uma vantagem adicional: seu apartamento tinha
uma escada que conduzia ao beco. Havia feito bom uso dela para fugir de Dante
em mais de uma ocasião.

—Já ouviu, hein?

Ele riu. —Querida, cada um dentro de um raio de cinco quarteirões ouviu.


Dante tem uma voz que poderia acordar os mortos. Vamos, se apresse antes que
canse de gritar na rua e apareça por um pouco de...

Lançou-se do outro lado do corredor e abriu a porta de seu apartamento,


fazendo um gesto para que ela o seguisse.
Ember agarrou as chaves da casa e sua bolsa da mesa da sala, olhando de um
lado a outro do corredor, fechou a porta com chave atrás de si e lançou-se do
outro lado do corredor, ao apartamento de Asher. Sua porta se fechou atrás dela
com um barulhoso quase silencioso.

—É um salvador, Ash. — Respirou ela, apoiando-se na porta fechada.

Fez uma careta e arrastou as palavras. — Bom, se vai me comparar com doces,
prefiro ser um pirulito, se sabe o que quero dizer.

Na televisão sobre a lareira, um locutor estava dizendo algo sobre uma


recompensa de um milhão de euros por informação que levasse à captura de um
terrorista. Asher apertou o botão do controle remoto na mesa de café e logo foi
para a cozinha. Serviu-se de um gole de vodca em um copo alto e acrescentou
suco de tomate, sala Worcestershire7 e suco de limão. Depois de balançar a mistura
e tomar, com um suspiro de prazer, levantou o copo em sua direção. —Blood
Mary?

—Ash, são oito horas da manhã. De uma quinta.

Ele rodou os olhos. —Por isso que não tomo vinho, querida. Não seja uma
desmancha prazeres. Sei que não gosta de beber, mas um leve gole aqui e ali não
a matará.

Tocou em uma ferida antiga que nunca cicatrizava, que ainda estava crua e
sangrenta sob a superfície, aberta. A primeira onda de pânico a deixou sem folego
a medida que se apertava ao redor do peito como um torno. Sentia-a quente e logo

7 Marca de um molho inglês.


fria, esforçou-se para manter-se com o rosto neutro, os joelhos firmes para evitar
cair no chão.

—Querida, está pálida. Sente-se bem?

Asher deixou a bebida no balcão e a olhava com olhos muito abertos, sua
expressão intrigada. Queria dizer que era algo que nunca acontecera novamente,
mas em seu lugar forçou um sorriso trêmulo e assentiu.

—Estou bem. Esqueci de tomar café da manhã. Baixo nível de açúcar no


sangue. — Afastou-se da porta e dirigiu-se através da sala de estar, para o pequeno
pátio traseiro com sua estreita escada de metal, que se contorcia até o pátio abaixo.

—Deixe que lhe faça algo para comer antes de ir.

—Não, está tudo bem. —Ember abriu a porta de vidro. — Obrigada por me
salvar. Eu o verei mais tarde.

Ela fechou a porta atrás de si e voltou-se para a escada, mas não antes de ver
o rosto de surpresa de Asher.

E a dor.

Ele não entenderia, no entanto. Não podia. Não era como se lhe contasse o
que aconteceu, porque não falava sobre isto com ninguém. Depois de uma dezena
de diferentes terapeutas ao longo dos anos, descobriu a muito tempo que ventilar
sua história triste não ajudava a se curar. Nada ajudava. Havia coisas que
simplesmente não podiam ser ditas.

Algumas pontes, uma vez queimadas, ficavam queimadas para sempre.

Ember desceu os degraus de três em três e se afastou pelo beco até a rua.
A ligação aconteceu as dez em ponto, quando Christian iria pegar o telefone.
Pegou o celular no bolso do terno e ficou olhando-o um momento, olhando o
número na tela.

Era September. Há menos de cinco procurou o número de telefone de livraria


e estava a ponto de ligar para ela.

Não era nada, era menos que nada, mas Christian firmemente não acreditava
em coincidências, assim ficou olhando o telefone durante uns minutos mais antes
de finalmente atender. Ele levantou o telefone até a orelha, escutando.

—Hum... olá?

Sua voz do outro lado da linha era hesitante. Estava, sem dúvida, perguntando-
se porque não disse o mesmo.

—Bom dia, Ember. — Disse olhando um falcão vermelho ao longe se


elevando sobre um pinheiro. Sua nova casa se encontrava profundamente no Parc
de Colleserola, um vasto bosque em uma reserva natural na cordilheira que se
elevava sobre a cidade de Barcelona. Em um dia qualquer, via-se javalis, guaxinins,
roedores, coelhos e uma ampla variedade de aves.

Todas as criaturas do bosque fugiam dele com terror, claro, inclusive os javalis
enormes e ferozes, mas o lugar lhe lembrava seu verdadeiro lar. A natureza dos
bosques antigos de Sommerley, que conhecia tão intimamente como seu próprio
rosto no espelho e se perdeu de forma tão trágica que era uma dor no peito que
sentia em carne viva.
—Tenho seu livro. — Disse Ember em seu sotaque americano simples e
Christian sorriu. O sotaque era tão encantador que dava a cada vogal um vigor
contundente, nada em absoluto como seu próprio sotaque Downton Abbey8,
fazendo soar mais como um idiota em comparação.

Mas não foi seu sotaque que o fez pensar em voltar a vê-la uma e outra vez na
noite anterior, depois que deixou a livraria.

Ela não era a mulher mais bonita que Christian já viu, de fato, parecia decidida
a passar desapercebida. Sua modesta forma de se vestir, seu cabelo sem estilo e
sua falta de maquiagem ou joias, gritavam: sou invisível! Mas havia algo diferente
nela, algo indefinido, que capturou e manteve sua atenção. Algo em seus olhos,
talvez em todo aquele castanho inteligente ou talvez na forma de suas
sobrancelhas escuras, que operavam de forma independente e pareciam capazes
de indicar incredulidade, diversão ou como fizeram com frequência, enquanto o
olhava, desprezo profundo, tudo em apenas um arquear.

Mesmo suas sobrancelhas eram inteligentes. Christian tinha a vaga sensação de


que esta mulher com sobrancelhas inteligentes poderia ser o tipo que conhecia o
segredo das pessoas.

Poderia até mesmo conhecer os seus segredos. O que seria um maldito


desastre.

—Bom. Irei buscá-lo. —Em um impulso lhe perguntou. — De onde é,


originalmente?

8 Downton Abbey foi uma série de televisão britânica produzida pela companhia Carnival Films para o canal
ITV.
—Originalmente? Do ventre da minha mãe. — Respondeu um pouco rude e
seu sorriso aumentou. Achava sua aversão inexplicável, interessante. Irradiava dela
como ondas desde o dia anterior na livraria, pequenas ondas de irritação que se
sentiam como urtiga contra sua pele. Normalmente não tinha este efeito em
particular nas mulheres e o surpreendeu. Sentia vontade de mudar sua opinião.

—Que interessante. Temos isso em comum.

Através do telefone chegou um suspiro muito pouco feminino. — De


verdade? Veio do ventre de minha mãe, também? Devemos ter pais diferentes, já
que tenho certeza que não pareço do lado de sua família.

Ele inclinou a cabeça para trás e riu. Cruzando através do estúdio, seu
mordomo Corbin fez uma pausa na metade do caminho, piscou surpreso e logo
continuou o caminho.

Christian era conhecido por muitas coisas, mas rir não era uma delas.
Especialmente nos últimos anos.

—Refiro-me a que parte dos Estados Unidos.

Ela fez uma pausa antes de responder. Christian sentiu sua irritação através da
linha e voltou a se perguntar porque ela não gostava dele. E porque não gostava
de responder perguntas pessoais.

—Novo México, Taos.

Ele esperou, mas quando não deu mais detalhes, disse. — Lindo país, pelo que
sei. Tem ali uma grande escola de arte.

O silêncio que se seguiu do outro lado, foi ensurdecedor.


Limpou a garganta. — Há uma famosa escola de música ali também, se não
estou enganado...

—Tenho duas cópias do Cassino Royal para você olhar. — Disse ela sua voz
lacônica e triste. — Estamos abertos até as seis.

Logo, o telefone ficou mudo. Christian ficou olhando para ele, se perguntando
se havia algo mais que sua aversão por ele. Algo a ver com evitar perguntas
pessoais.

Porque amava resolver mistérios tanto como gostava de um desafio, decidiu


que iria descobrir.

Com uma maldição entre dentes que fez o senhor mais velho olhando os
mapas antigos dar a volta para olhá-la com desaprovação, Ember colocou o
telefone no suporte da parede.

—Desculpe, senhor. — Disse em tom de desculpa. — Minha sogra.

Minha sogra. A palavra internacional para miséria, teve o efeito desejado. O


cavalheiro sorriu ironicamente e assentiu, voltando aos pergaminhos amarelos.

Ember passou a mão esquerda sobre seu rosto, notando que estava tremendo.

Merda.

Flexionou a mão aberta e puxou-a da forma que o terapeuta físico lhe ensinou
há anos, dolorosamente puxando os tendões mais curtos em seu pulso e tangendo
enquanto deslizavam pelos passadores de metal que prendiam seus ossos juntos.
Havia vinte e um pinos em sua mão esquerda e três placas de metal nos ossos do
braço, todos permanentes. O dano nos nervos e as cicatrizes eram permanentes
também, como a raiva que se instalou entre os caminhos em ruinas de sua carne
cicatrizada, entrando em seu corpo como matéria escura, uma anomalia invisível
e indetectável que apenas conhecia em momentos como estes.

Momentos nos quais a lembrança vinha de um só golpe. Asfixiando-a,


enchendo-a como um velho e familiar inimigo: o desespero.

Ela lutava contra o desespero desde que fez dezoito anos de idade. Sabendo
que o pior passaria em algum momento, Ember fechou os olhos e deixou a dor
passar por ela como faca afiada. Respirou através dela, tentando bloquear as
imagens que suas palavras evocaram. Toda a dor.

Tem ali uma grande escola de arte. Há uma famosa escola de música se não me engano...

—Dormindo no trabalho? É insolente mesmo para você.

Outro velho inimigo familiar: sua madrasta, Marguerite. Apenas ouvir sua voz
gelada deixava Ember arrepiada.

Virou-se e olhou nos olhos cinza e frios de Marguerite e manteve a voz leve
quando disse. — Oh bom dia, Marguerite. Não sabia que sua espécie podia sair
durante o dia.

—E não sabia que roupas assim estavam na moda novamente. — Marguerite


respondeu no mesmo tom brusco, deixando o olhar desdenhoso passar pela roupa
habitual de Ember, um jeans, suéter sem forma e velho tênis. Seu lábio superior
se ergueu como se sentisse o cheiro de algo podre.

Um anuncio andante dos melhores trajes da alta costura, Marguerite era


perfeita. Era alta, magra e pálida, com cabelos escuros presos em um coque
elegante. Em uma idade que a mulher deveria abraçar com graça sua condição
física ou ter uma batalha perdida contra o tempo com preenchimentos, agulhas e
cirurgias, Marguerite ficou com o último. Sua pele sem poros estava um pouco
esticada sobre as bochechas, as sobrancelhas um pouco mais arqueadas.
Combinando com os olhos negros, os lábios eram cheios demais, parecido com
criaturas chupadoras de sangue.

Sem nada de calor, as duas mulheres sorriam uma para a outra.

—Onde estão os Tweedles9? — Perguntou com doçura Ember.

O sorriso de Marguerite desapareceu. Ela odiava os apelidos de Ember para


suas irmãs gêmeas. Analia e Allegra, eram Tweedledee e Tweedledum,
respectivamente e o pesadelo da existência de Ember. Duas mulheres venenosas,
de qualquer modo. Rostos sérios, eram mimadas por sua mãe carinhosa e nunca
perdiam a oportunidade de fazer a vida de Ember impossível.

Tinham muito menos oportunidades desde que Ember mudou de casa a três
anos, depois que seu pai morreu, mas isto não as impediu de tentar.

Marguerite cruzou os braços sobre o peito ossudo e contemplou o nariz de


Ember. — Recebi uma ligação do Sr. Alvarez.

O coração de Ember se afundou. O Sr. Alvarez era o contador da família. Isto


não era bom.

—E tenho certeza que pode adivinhar o que me disse.

—Você ganhou na loteria? Parabéns.

9 Tweedledee e Tweedledum são personagens fictícios do livro de Lewis Carrol Through the Looking Glass.
Apareceram em Alice no País das Maravilhas. Nunca se contradizem, se completam nas palavras.
Antes de responder, Marguerite apertou os lábios com tanta força que não
ficou nada neles, mas uma franja vermelha. Inclinou-se adiante e sussurrou. —
Por sua total falta de sentidos pelos negócios, Livros Antigos está quebrando! —
Agora envolta pela nuvem de perfume emanando de Marguerite, como um
monstro em um filme de terror, Ember deu um passo atrás. —Se não fizer algo
imediatamente, ficaremos apenas devendo todos. Seu pai ficaria horrorizado com
tal situação.

O temperamento de Ember, volátil sob as melhores circunstancias se rompeu.

—Meu pai ficaria horrorizado por muitas coisas, Marguerite! Incluindo a


forma como gastou o que era minha herança e de suas próprias filhas...

—Como você se atreve! —Exclamou Marguerite, seu corpo magro rígido.


Vários clientes as olharam, mas nenhum que Ember ou sua madrasta conheciam.
Estavam absorvidas de repente na antiga briga que existia entre elas como areia
movediça, grossa, profunda e sufocante.

—E o que fez com seu trabalho! Tenho certeza que usar a porta giratória de
noivos não era o que tinha em mente!

Marguerite ficou sem fôlego. Seu rosto, muito vermelho e não era de um brilho
saudável, empalideceu com manchas pouco naturais. Ela disse. — Porque você
pouco...

—Desculpe. — Interrompeu uma voz alegre e familiar. Ember olhou do outro


lado do balcão para ver Asher com os polegares na cintura da calça jeans,
claramente divertido com o espetáculo que ela e sua madrasta estavam dando. —
Estou procurando um livro muito, muito raro e caro. Qual de vocês, belas damas,
pode me ajudar? — Ele moveu suas sobrancelhas para Ember, que em vez de tirar
os olhos de sua madrasta, apenas suspirou forte.

Como uma serpente, Marguerite se retirou lentamente. Ela odiava que os


homens a pegassem com as presas expostas e assim tentou dar um frio sorriso,
que parecia fora de lugar no rosto lívido. Se não soubesse melhor, Ember teria
jurado que a mulher escondia uma língua bífida em sua boca venenosa.

—Ember adoraria ajudá-lo, senhor. — Disse Marguerite sem problemas, ainda


com um sorriso gélido. Logo se virou e sussurrou. — Terminaremos esta
discussão mais tarde! — Ela se afastou e desapareceu através da porta giratória
que levava a parte de trás da loja.

—Oh meu Deus. — Disse Asher com um estremecimento assim que ela
desapareceu. — Está mulher é espantosa!

—Apenas precisa esperar até que veja sua cabeça girar por completo ao redor.
— Murmurou Ember. — Tem sorte que não sabe que é meu amigo ou ela poderia
voltar e tentar alimentar sua descendência com seu corpo.

Fez uma careta. — E pensei que minha mãe fosse ruim.

—Madrasta. —Ember corrigiu. — E nem sequer comece, sua mãe é incrível.

Ember viu a mãe de Asher duas vezes quando ela foi visitar Boston. Valéria
era acolhedora, atenciosa e abraçava todos. Carregava um rosário de pérolas que
era engolido por seu generoso decote, regularmente fazia o sinal da cruz sobre o
peito e cozinhava como alguém do norte da Itália, de tão delicioso que era, o que
sempre fazia Ember pensar que morreu e foi para o céu. Asher era seu filho mais
novo, seu bebê favorito, dos seis filhos que tinha. Ele reclamava que para ela todos
eram os favoritos e todos também reclamavam, mas sem nada substancial e com
certeza era amado.

Assim eram como as pessoas sabiam que eram amados. Tinham o luxo de
sentir amor. No entanto, para os desafortunados, que viviam dia após dia, sem
ninguém se importando, sabiam exatamente o que estavam perdendo. E diferente
dos desafortunados, a dor do amor era um vazio tão grande por dentro e queimava
como uma necessidade enorme e sem fundo.

—Bom, pelo menos ela vive a três milhas de distância. Se tivesse que vê-la
todos os dias, me mataria.

—Sim. — Ember disse friamente. — Conheço a sensação.

Sorriu com simpatia por ela. — Aposto que não sabe porque estou aqui.

Com um giro de arrependimento dos lábios, Ember disse. —Pensei que iria
comprar um livro muito caro e impedir a livraria de se arruinar.

—Você deseja, senhora. Na verdade, trouxe algo. — Inclinou-se e pegou uma


pequena bolsa de papel marrom no chão a seus pés. Balançou diante dela como
um brinquedo para gatos. — Almoço. Disse que não tomou café da manhã, assim
que...

Os olhos de Ember encheram de lágrimas. Ele lhe levava o almoço depois de


ter falado com ele daquela maneira? Merda. Esta manhã estava se convertendo em
um inferno. Pegou a sacola e olhou dentro. Sanduiche, uma fruta e um iogurte
natural. —Está envenenado? — Perguntou para esconder que ele conseguiu tocar
algo.
Asher sorriu e seus olhos brilharam através dos óculos. Ver através dela era
um ato difícil, mas ele nunca disse nada. Era um bom amigo por muitas razões,
mas principalmente porque a deixava ter segredos e não pressionava demais
quando se fechava. Ele sabia que era a forma mais segura de fazê-la fugir.

—Não. Não vai conseguir nada assim tão facilmente.

Lançou-lhe um beijo no ar e se virou para ir, mas Ember disse. — Espere. —


E ele lhe devolveu o olhar, parando em seco pela emoção em sua voz.

Ela rodeou o balcão, envolveu os braços ao redor de seus ombros e o abraçou.


— Obrigada Ash. —Sussurrou. — Realmente o aprecio.

Ele riu e lhe apertou. — Não fique histérica comigo, querida. Apenas sei como
lidar com crianças rebeldes. — Inclinou-se para trás, ainda a segurando pela
cintura e lhe sorriu, com os olhos castanhos suaves. — Vocês criaturas com
ovários realmente me aterrorizam. É tão imprevisível. As criaturas com pênis são
muito mais simples.

—Acho que sei o que significa simples.

Encolheu os ombros. —Para você simples é uma palavra, para mim simples
é...

Ela lhe devolveu o sorriso, seu primeiro sorriso verdadeiro em um dia e lhe
deu um beijo no rosto.

Exatamente neste momento, Christian McLoughlin passou pela porta


principal.
Ember sabia que era ele sem olhar, porque o ar na loja de repente ficou denso.

Isso e Asher enrijeceu.

Virou a cabeça para a porta ao ouvir o tilintar da campainha e o sorriso em seu


rosto sumiu, substituído por um olhar de olhos abertos. Seus dedos se fecharam
em sua cintura. De sua boca saiu um ruído sem palavras e seus olhos, fixos em
algum objetivo, viajou para cima e para baixo. Ele exalou uma respiração lenta e
fina.

Ember suspirou, soltou-o e virou-se para olhar Christian.

Tão elegante, real, bom, magnifico, como na primeira vez que o viu, olhava
entre ela e Asher com uma interrogação nas sobrancelhas altas. Bom, parecia mal-
humorado. Estava pensando que Asher fosse seu namorado. Apesar dele olhar
para Christian como se quisesse lamber cada parte de seu corpo.

—Olá, lindo. — Ronronou Asher. Ember lhe deu uma cotovelada. Se foi a
cobertura de namorado.

—Isto foi rápido. Veio voando até aqui? — Disse a Christian, não
particularmente calorosa.

O aluguel, Ember lembrou a si mesma. O dinheiro. Obrigou-se a sorrir.


Os cantos dos lábios de Christian se levantaram e ele caminhou para frente,
seu passo devagar, seguro de si mesmo. Usava uma calça cinza e uma camisa azul
de corte perfeito, que fazia seus olhos parecerem ainda mais vivos do que no dia
anterior. O cabelo estava perfeito outra vez também e Ember de forma infantil
quis passar os dedos através dele, apenas para bagunçar os fios perfeitos.

Oh queria apenas passar os dedos entres eles?

Mentalmente deu-se um tapa. Havia uma fila de um quilometro de mulheres


que queriam passar os dedos pelos cabelos deste homem, tinha certeza e tinha
igualmente certeza de que ela não estaria sequer no final da fila.

Não que ele iria querê-la ali de qualquer forma. Parecia sair apenas com
modelos de lingerie e estrelas de cinema. As mulheres com corpos e cabelos
perfeitos, unhas longas e bem cuidadas que deixavam arranhões em suas costas
enquanto se arqueavam sob ele em êxtase.

—Vou buscar os livros! — Isto saiu muito mais forte que o necessário, o
suficiente para assustar Asher que estava a alguns centímetros de distância. Deu
um salto e levou a mão na garganta.

—Jesus Ember! Diga a todo o bairro, porque não?

—E bom dia para você também! —Disse Christian, observando-a com um


olhar divertido no rosto, como se soubesse exatamente o que estava pensando.
Na verdade, o homem tinha o desconcertante costume de olhá-la assim. Era ele
sempre tão intuitivo?

—Oh. Sim, bom dia. — Ember limpou a garganta. — Desculpe, estou


realmente ocupada neste momento. — Disse sem convicção. Christian e Asher
olharam ao redor da livraria. Os clientes que estavam ali antes, já saíram e não
havia uma alma a vista, além dos três. Asher levantou uma sobrancelha e a olhou
como se estivesse louca e logo virou-se para Christian com um amplo sorriso.

—É agradável ouvir alguém que não seja eu e minha garota aqui que fale inglês.
— Sua voz ficou rouca e piscou os olhos. Na realidade os bateu. — Ainda que,
claro, sempre pensei que um sotaque britânico soasse muito mais refinado.

Oh deus, pensou se encolhendo. Realmente isto iria acabar com ela.

—Sempre preferi o sotaque americano, ao meu. — Respondeu Christian,


devolvendo o sorriso de Asher. Seu olhar verde elétrico, piscou para Ember. —
São tão revigorantes...

Ela nunca viu ninguém parecer tão à vontade em sua própria pele. Não cruzava
os braços ou apertava o chaveiro do carro ou fazia qualquer coisa que as pessoas
que conversavam ali de pé faziam. Ele simplesmente ficava ali, com as pernas
levemente separadas e os braços dos lados, ocupando mais espaço do que deveria
com sua simples presença. Havia um estranho magnetismo sobre ele, algo que
sentia vontade alcançar e tocar, algo que o rodeava como um campo de energia,
contundente e elétrico.

A medida que a olhava, Ember voltou a sentir um pouco de medo e arrepios


na nuca como no dia anterior. Mas agora o medo deslizava mais perto de algo
como excitação, um zumbido no sangue, como o ruído ameaçador de nuvens de
tempestade justo antes de disparar um raio. Era tão lindo... que se perguntou
distraidamente como seria sem roupas.

Logo ficou rígida, horrorizada. Oh não. Não gosto dele. Não mesmo!
Incrivelmente, horrivelmente, os olhos de Christian se iluminaram e se
estreitaram. Seu nariz se abriu com uma leve inalação e o sorriso hesitou,
substituído por uma expressão de... que?

Desejo?

Não, deve ser ira ou algo mais, ela não sabia o que, mas com certeza não iria
perguntar. Este homem estava sendo muito perturbador para sua comodidade.
Tinha a sensação de que podia lê-la como um livro.

Era o momento de passar por ele.

—Será apenas um segundo. — Disse a Christian sem apresentá-lo a Asher.

Pareceu tomar como uma ofensa pessoal a sua condição de homem, porque
colocou as mãos nos quadris e murmurou com um olhar ofendido. — Grosseiro.
—Logo se virou para Christian com a mão estendida e se apresentou. Apertaram
as mãos — Asher resplandecente, Christian desconcertado, enquanto Ember
andava ao redor do balcão. Em silencio torcia para que Asher não fizesse nada
muito embaraçoso, como beijar Christian nos lábios ou tentar passar com a
saudação habitual de Boston quando iam para outro país.

Quando voltou com os dois exemplares de Cassino Royal, um ou dois minutos


mais tarde, encontrou Christian e Asher absortos em uma discussão séria sobre os
méritos de Ian Fleming frente a Ernest Hemingway.

—Agora brilha o sol! — Asher insistiu com veemência. — Por quem os sinos
dobram! Adeus às armas!

Claramente impressionado pela litania, Christian devolveu. — O velho e o


mar?
—Bom. — Asher respondeu depois de uma pausa. — Você me pegou. Os
outros eram um pouco... adstringente.

—Adstringente? — Christian riu, enquanto Asher observava com a admiração


e boca aberta. Apesar de si mesma, Ember tinha que concordar, a risada de
Christian era linda. Não poderia pensar em algo mais perfeito, mas então... voilá.

Maravilhoso.

Asher recuperou a compostura o suficiente para oferecer um desmaio. — Mas


ainda assim, Ian Fleming. Ian Fleming?

—Não se pode pensar de verdade que Ian Fleming é melhor escritor que
Ernest Hemingway. — Ember cortou, ficando do lado de Asher, que com ar de
suficiência apontou o dedo como se fosse dizer: Viu? É uma prova!

Christian voltou sua atenção a ela e sentiu-se quente, como se um raio de sol
passasse pelas nuvens e se concentrasse nela. Ele inclinou a cabeça e lhe enviou
um leve sorriso, que conseguiu ruborizar suas bochechas e perturbá-la de uma
forma que não gostava. Deus, estava começando a entrar sob sua pele.

Ele disse. — Tenho três palavras para você, Ember.

Ignorando as pequenas mariposas traidoras dançando em seu estômago, ela


levantou uma sobrancelha e esperou.

—Zero. Zero. Sete.

A forma como a olhava, além de quente era também íntimo e com severidade
se lembrou que este homem era provavelmente muito, muito experiente em olhar
assim para as mulheres.
Lembrou-se de como a olhou na primeira vez que chegou na livraria no dia
anterior, com seu olhar agudo que viajou por suas roupas, seu cabelo despenteado
e decidiu que era muito mais seguro olhar daquela forma, do que como agora,
fazendo mariposas voarem.

Tinha que se lembrar que podia derreter a calcinha de todas as mulheres no


planeta Terra, ainda que suas estupidas mariposas desejassem que derretesse a sua.

Em um tom irônico, Ember disse. — Não gosto de dizer, mas são três
números. —Ela cruzou os braços sobre o peito e o olhou de cima abaixo. — Tão
bonito e sem cérebro, verdade? Bom, não é exatamente uma surpresa. Com este
rosto, provavelmente não precisa pensar muito.

Aparentemente, sem se sentir insultado, Christian arrastou as palavras em um


ronronar sensual. — Isto, Srta. Jones é um elogio? Acaba de dizer que sou bonito?

Ele sabia seu sobrenome. Ele sabia seu nome real. O que mais sabia sobre ela?

Intrigada, apesar da voz gritando em sua cabeça que era uma idiota, respondeu
um pouco rápido demais. — De fato, acabei de chamá-lo de idiota.

Ele lhe sorriu, os lábios tremendo como se fosse explodir em risadas


novamente, mas o olhar de Asher para ela, era horrorizado, tão cheio de
incredulidade com os olhos abertos, a boca aberta, que não pode evitar sorrir
também. Foi um grande, cheio de dentes e tudo e sentiu-se absolutamente
fantástico.

E quando o viu, Christian fez algo estranho.


Congelou. Seu próprio sorriso vacilou. Seu rosto se contraiu com uma emoção
passageira, não identificada, antes de afastar o olhar e apertar a mandíbula. Limpou
a garganta e murmurou. — Parece que me pegou.

Quando voltou a olhar para ela, era como se uma porta tivesse se fechado de
golpe. Havia uma frieza ali, uma nova, dura e plana, que começava nos olhos e
iam para todas as partes de uma vez. Estava até mesmo em sua voz quando falou
novamente.

—Posso vê-los? —Seu olhar pétreo se reduziu aos dois livros envoltos em
papel em seus braços.

—Oh sim. Claro.

A voz em sua cabeça estava satisfeita com esta nova frieza. Infelizmente as
mariposas não eram estúpidas e começaram a ficar deprimidas, indo para o fundo
de seu ventre, ficando pesadas e em silencio, olhando-a de forma acusadora.

Asher olhou entre eles várias vezes e logo se desculpou educadamente e


começou a andar pelas estantes de livros de cozinha de outro século, escolhendo
Julia Child — A arte de dominar a cozinha francesa. Considerando que pedir
comida para viagem era o equivalente a cozinhar algo, Ember percebeu que na
verdade estava divagando. Estava ouvindo escondido.

Certo, Ember, controle-se! Precisa ser agradável para não perder a venda mais importante
da livraria em anos!

—Por favor, siga-me. — Disse ela com mais firmeza, adotando uma atitude
toda profissional. Aproximou-se da mesa redonda na qual geralmente usava para
reunião do clube de leitura de Sofia. Christian a seguiu em silencio. Indicou que
deveria se sentar, o que o fez, depois de esperar para que sentasse primeiro e logo
abriu com cuidado as edições de Cassino Royal de seu papel negro.

Ela os virou para ele sem dizer uma palavra e inclinou-se para trás em sua
cadeira.

Demorou um tempo para se mover. Ficou olhando para baixo, para eles,
olhando primeiro um e logo o outro, considerando a condição das capas, olhando
as bordas inferiores da edição mais barata. Descartou-o e abriu a capa da edição
original, a que valia o dobro do valor.

—Está em perfeito estado, como pode ver. — Disse Ember olhando-o


enquanto ele tocava com respeito a capa. Passou os dedos lentamente ao longo da
borda das páginas acumuladas, levantou um pouco de poeira e traçou as letras
douradas. O olhar de antes estava sendo substituído pouco a pouco, por algo mais
suave, uma expressão de melancolia carinhosa que reconheceu como
sentimentalismo.

Incapaz de reprimir sua curiosidade, perguntou. — É um presente para alguém


ou...?

Sem levantar os olhos, respondeu em voz baixa. — Este era o livro favorito
de meu pai. Era dono de uma primeira edição como esta, assinada pelo autor.
Usava para ler para mim todas as noites antes de dormir, quando era criança.
Tenho certeza que poderia citar páginas inteiras dele. Não estive na Espanha a
muito tempo e pensei... talvez se pudesse encontrar uma cópia igual à que meu pai
tinha... poderia me sentir mais perto de casa...

Ele se perdeu no silêncio enquanto Ember ficava sentada ali, sentindo-se como
uma idiota de primeira classe por zombar dele antes. Nunca imaginou que alguém
como ele poderia ser tão sentimental. Ou nostálgico. Em um impulso, disse. —
Meu pai costumava ler Animal Farm10.

Christian a olhou então e outra expressão substituiu a melancolia tranquila, um


olhar tão puro, crepitante e intenso que a deixou seu folego. Seus olhos brilhavam
vivos, o verde queimando. O ar entre eles ficou elétrico.

—O que anda sobre duas pernas é um inimigo. — Recitou em voz baixa e


infinitamente sombria.

—Tudo o que anda sobre quatro patas ou tenha asas, é um amigo. — Ember
respondeu sem folego. Não sabia porque falava em voz baixa, mas algo em sua
forma a provocava, seu olhar ameaçador e urgente fazia com que quisesse falar de
segredos e mistérios. De perigo.

Ele disse. — Nenhum animal deve usar roupas. Nenhum animal deve dormir
em uma cama. Nenhum animal deve beber álcool. Nenhum animal deve matar
outro animal...

—Todos os animais são iguais. — Ember terminou, sua voz mal audível. Ela
e Christian ficaram olhando um ao outro em um silêncio tenso. Arrepios
explodiram por todo seu corpo.

Os sete mandamentos dos animais rebeldes de Animal Farm, que se uniram


contra o domínio dos cruéis seres humanos, para evitar que caíssem nos maus
hábitos dos humanos que estavam entre eles era como um elefante entre eles. Não
sabia porque mudou a forma de olhar, mas Ember sabia de uma coisa com certeza.

Ela queria saber.

10 Conhecido como a Revolução dos Bichos, de George Orwell.


Merda!

—Acredita nisso? Que todos os animais são iguais?

Sua pergunta foi feita com tanta seriedade que Ember sentiu a repentina
urgência irracional de revelar algo de si mesma, algo que nunca sentiu com
ninguém. — Meu pai sempre dizia que o homem e os animais eram
interdependentes. Os que fazemos com eles, fazemos conosco. E acredito nisso.
Acho que... não somos melhores que os animais. Os seres humanos são animais.
Apenas um tipo diferente.

Sentou-se lentamente para trás em sua cadeira, seu olhar nunca deixando o
dela. —Mais inteligentes, no entanto, que todos os demais. Tem que admitir que
os seres humanos dão uma clara vantagem. Não acha que isto é o suficiente para
que os seres humanos sejam “melhores” que os outros animais? Não acha que isto
lhe dá o direito de governar sobre todos os outros animais como melhor quiser?

—Claro que não. — Disse ela ao instante. — Sou “melhor” que uma criança
de cinco anos de idade, porque sou mais inteligente? Não. Sou “melhor” que
alguém que está mentalmente incapacitado porque sou mais inteligente? Não. Os
homens são “melhores” que as mulheres porque são — geralmente — fisicamente
mais fortes? Não. As diferenças devem ser respeitadas, não os graus de
superioridade.

—Há muitos que não concordam com você. — Disse.

—O fato de não concordarem não os fazem diferentes. Houve um momento


em que se aceitava que os brancos eram “melhores” que os negros. E houve um
momento em que um alemão convenceu muita gente de que os judeus deveriam
ser borrados da face da terra, porque eram “inferiores”. E milhares de anos de
história nos mostram grupos de pessoas assim, ratos assustados e covardes são na
verdade. O consenso geral não é igual a verdade incontroversa. Como questão de
fato, acho que está a salvo ir contra o que seja a ideologia popular. Se há algo que
sei com certeza é que as pessoas são levadas facilmente e não gostam de pensar
por si mesmo.

Ela não sabia porque falava tão apaixonadamente, apenas saiu desta forma.
Estava sentada em sua cadeira, segurando a borda da mesa forte o suficiente para
deixar os nós dos dedos brancos, olhando-o intensamente sem piscar.

—Bom. — Disse depois de um tempo, sua voz cheia de um novo calor. —


Não parece ter este problema em particular.

Ela soltou a mesa e sentou-se reta na cadeira. O calor cobriu suas bochechas,
indo até as orelhas e nuca.

—Está é outra coisa que meu pai sempre disse. — Murmurou. — Sou muito
obstinada para meu próprio bem. Desculpe. — Ela olhou para a mesa,
envergonhada por sua inadequada explosão. O homem deveria pensar que era
louca. Ou pelo menos dominante.

Mas, porque se importava com o que pensava? Ela apenas queria a venda...
verdade?

Ele se inclinou para frente e de repente segurou sua mão. O contato a


surpreendeu e ela o olhou, as mariposas voltaram a ativa, olhando-o também.

—Nunca se desculpe por ser você mesma. —Sua voz era urgente, seu olhar
queimava. — Este tipo de confiança em si mesmo, especialmente para alguém tão
jovem, é incrível.
Sua mão estava quente e era grande, queria olhar para ele, vê-lo tocando-a, mas
se manteve firma no lugar, olhando-o. Era tão... feroz. Porque?

—Não é confiança em mim mesma. — Sussurrou, olhando fixamente nos


olhos. — É mais como misantropia.

Moveu lentamente a cabeça. — Não odeia as pessoas. É muito amável para


odiar.

—Não sabe isso. Não me conhece.

—Não. Não conheço. — Abaixou a voz. O aperto em sua mão ficou mais
forte. — Mas gostaria, no entanto.

Tudo ficou a um ponto morto. O sol entrava pelas janelas da fachada da


livraria, o ruído de trafego na rua, o familiar cheiro de livros antigos, tudo sumiu.
Em seu lugar ficou o vermelho vivo, abraçando o calor.

Ninguém nunca a olhou da forma como ele a olhava agora. Ele, perfeito,
misterioso, o belo desconhecido.

Ela não podia se mover. Não podia falar. Sentou-se ali bombardeada por
sensações desconhecidas, leveza, calor e uma estupida e maravilhosa vertigem. Era
estranho que alguém como ele poderia na verdade dizer palavras assim a alguém
como ela.

Pela primeira vez em muito tempo, Ember se sentia viva. As mariposas se


disparam e gritaram de alegria.

E então o celular tocou, rompendo o momento.


Tocou alguns segundos mais antes dele finalmente soltar sua mão, quase de
má vontade, ao parecer. Sem afastar os olhos dela, colocou a mão no bolso da
camisa e respondeu com um seco. — Sim.

O que estava do outro lado pronunciou algumas frases curtas e toda a atitude
de Christian passou de intensa e apaixonada para tensão rígida, a mandíbula
apertada. De repente, irradiava violência.

—Quantos? — Disse entre dentes ao telefone. Ouviu um golpe, então. —


Tem certeza que estão encabeçados aqui?

Outro momento de silencio e logo Christian, em um movimento impactante,


ficou de pé. —Envie-me o que tem. Estarei em casa em dez minutos.

Logo, sem dizer uma palavra ou um olhar em direção a ela, deu a volta, correu
para a porta, logo partiu para a rua.

Ember se sentou na mesa incrédula, com os olhos fixos nas janelas dianteiras,
olhando a rua além, os carros, o tráfego, até que Asher se lançou para cima, sem
soltar a Arte de dominar a cozinha francesa.

—Que porra fez com Christian? Saiu daqui como se estivesse sendo
perseguido!

Ember balançou a cabeça lentamente de lado. —Não tenho a mínima ideia.

Ele suspirou. — Bom, aí vai sua grande venda. Parece que vou precisar
escondê-la de Dante pelo resto do mês.

Ela abaixou os olhos para as cópias do Cassino Royal na mesa, olhando como
ele as deixou e pensando nisto repentinamente, incomodada por não pensar na
venda em absoluto.
Apesar de odiar admitir, o que lhe importava ao vê-lo sair correndo pela porta,
era que provavelmente sairia de sua vida para sempre.
—Mais rápido, Corbin. — Christian gritou do assento traseiro do Audi. A sua
ordem, Corbin pressionou o pé no acelerador e o carro lançou adiante. O potente
motor os levou pelas ruas sinuosas e de pedras de Barcelona, tão rápido que a
paisagem se convertia em uma mancha pintada de cor que brilhava através das
janelas.

Sua mente era um borrão também.

Todos os animais são iguais. As pessoas são levadas facilmente. O consenso geral não é igual
a verdade incontroversa.

Ember se surpreenderia ao descobrir exatamente quanto concordava com cada


um desses sentimentos. Ela sem dúvida se surpreenderia ao descobrir o efeito que
suas palavras tiveram sobre ele. E o efeito que seu sorriso tinha sobre ele.

Jesus, aquele sorriso.

Pensou que era falso, mas agora percebeu seu erro. Era como o oceano antes
do amanhecer, antes do sol iluminar a superfície escura da água, com toda sua cor,
movimento e beleza da luz refletida nas ondas. Quando sorria era como ver a luz
do sol sobre a água. Todo seu rosto se iluminava. Transformava-se.

Tirava o folego.

De uma forma tranquila, natural, terrena, Ember era linda.


Ela também era humana. E assim, perigosa para ele, como ele para ela. Ele
deveria ficar longe. Sabia que sim.

E ainda...

Todos os animais são iguais.

Se alguma vez houve uma oportunidade para sua espécie, de ter um futuro
para eles, dependeria de pessoas como ela. Como a modesta e encantadora
September Jones, com seus penetrantes olhos escuros e convicções apaixonadas,
os olhares cautelosos e espetaculares sorrisos. A mão esquerda e o braço
levemente trêmulo e cheio de metal que tentava dissimular com mangas longas.

Qual é seu mistério, garota humana? Christian refletiu, olhando a expansão do caos
da cidade dando passo a extensão verde das colinas ao passar velozes, mais perto
de casa. E porque se importava?

Ele não tinha resposta para qualquer das perguntas. Quando por um momento
o carro parou nos portões de ferro que marcavam o início da propriedade,
Christian conseguiu se convencer que não importava. Ele não a veria novamente.
A busca de uma cópia original do Cassino Royal foi sentimental, uma totalmente
ridícula. Tinha que ter consciência da crua realidade pela qual foi à Espanha em
primeiro lugar e a ligação telefônica que recebeu, apenas reforçou isto.

Não podia se permitir o luxo de se distrair agora. Não podia se permitir a


curiosidade. Ou paqueras, sem importar o quão inocentes pareciam.

A medida que os portões se abriam lentamente, seu celular soou com uma
mensagem de texto. Levantou-o do bolso da camisa, olhando-o e sentiu o coração
girar no peito.
Espero que tudo esteja bem. Se não o ver novamente... foi interessante... conhecê-lo.

Murmurou um xingamento e o olhar de Corbin piscou ao dele no retrovisor.


—Nada. — Disse a Corbin. —Não é nada.

Corbin assentiu em silencio e Christian voltou o rosto para a janela,


perguntando-se se alguma vez pronunciou uma mentira tão colossal em sua vida.

Ember passou o resto do dia em uma neblina.

Comeu a refeição que Asher levou para ela, de pé atrás do balcão, apoiada na
parede. Ela não podia se concentrar e não podia tirar Christian e sua estranha visita
da cabeça, também. Guardou as duas cópias de Cassino Royal no fino papel negro,
ajustou cuidadosamente a caixa de transporte e os colocou na estante do depósito.
Ela lhe enviou uma mensagem, mas seu próprio telefone permaneceu em silencio,
sem resposta.

Não tentou enganar a si mesma, dizendo que suas razões para saber dele eram
totalmente financeiras.

As seis em ponto, quando fechou a porta e colocou o quadro branco de


fechado na porta, estava esgotada.

Mentalmente esgotada, sim. Fisicamente, se sentia como se sua pele estivesse


sendo puxada.
No crepúsculo frio com a jaqueta abotoada e um cachecol apertado ao redor
do pescoço, enquanto caminhava poucas quadras da livraria até seu apartamento
na praça Sant Jaume, cega pelas fontes iluminadas, estátuas de mármores talhadas
e os vendedores com carrinhos de comida, sorvetes, sanduiches, seu menos
favorito: lula frita. Faltava apenas alguns dias para ao Carnaval e toda cidade estava
se preparando. Os bares já estavam lotados, uma multidão de pessoas para respirar
e sair às ruas, rirem, brincarem com suas roupas brilhantes, decididos a
empanturrar-se de comida e álcool antes do período da Quaresma que começava
na próxima semana.

Uma quadra mais na rua principal Rambla, o desfile de Carnaval que marcava
o apogeu da festa na semana já estava acontecendo. Música e canto enchia o ar,
tambores, fogos de artifícios azul e vermelho tocavam o céu escuro e logo
começava uma lenta e agonizante dança de volta à terra, separado pela brisa
carregada do sal do Mediterrâneo. Havia carroças e dançarinos mascarados, todos
fantasiados e ainda que não pudesse ver, podia imaginar assim, como os que
assistia todos os anos desde que se mudou com dezoito anos.

Mas não este ano. Ela não estava de humor.

Quando chegou ao seu apartamento, Asher estava saindo. Vestido com botas
militares negras e uma mini saia cor de rosa com babados laranja, com duas
bandeiras falsas sobre o peito nu, tinha um rifle de plástico preso nas costas e uma
variedade de facas falsas e outras armas em um cinto ao redor da cintura. No alto
de sua cabeça se elevava um chapéu de penas de cores imponentes e frutas. Parecia
como se houvesse passado óleo no corpo, os braços musculosos, peito e pernas
brilhavam nas luzes do corredor.
Tinha a pele bronzeada e sem pelos. Ela resistiu ao impulso de perguntar se
tirou todos os pelos do corpo, mas isto seria informação demais e também
provavelmente não iria responder.

Ele lhe enviou um sorriso malicioso e fez o sinal de Spock ao mostrar sua
roupa.

—O que acha?

—Acho que tem transtorno bipolar. — Disse Ember olhando-o.

—Uh!? Está com ciúmes, porque eu tenho ideias criativas para todas as minhas
fantasias. Não é genial?

—Parece uma mistura de marinheiro com uma bailarina de cancã vegetariana.

—Exatamente! — Gritou, aplaudindo. Era alarmante ver um homem oleoso,


meio nu em um chapéu de frutas gritando e aplaudindo, mas definitivamente não
era a coisa mais estranha que já viu, assim se limitou a mover a cabeça e rir.

—Bem, eu me rendo. Qual seu nome?

Porque sempre havia um nome quando Asher se fantasiava. Em sua festa de


Halloween do ano passado quando se vestiu de freira da Ordem das Irmãs da
Perpétua Indulgência, seu nome era Helena — Inferno em chamas. Como ele
surgia com estas pérolas, Ember não tinha ideia.

Ele sorriu. — Carmen Mirambo.

Ember piscou. —Tem razão. É um gênio. — Olhando outra vez, ela disse. —
Onde esconde sua carteira com esta roupa?
Piscou com recato, mas o sorriso malicioso ficou mais amplo. — Não quer
saber.

—Não. Tem razão. Na verdade, não. — Ela sorriu e lhe deu um beijo estalado
e logo abriu a porta de seu apartamento e virou-se para ele. — Mantenha-se seguro
esta noite. Eu o vejo amanhã.

Parecia abatido. — Não vai sair? É uma tradição! E queria que conhecesse
Rafael!

Interessada, Ember apoiou o ombro contra a porta. Desde que o companheiro


de Asher, Sebastian morreu no ano anterior, criou uma regra de ferro de não ficar
sério com ninguém mais. Afirmou que precisava compensar por estar com apenas
um homem por tanto tempo e assim iria se dedicar a mostrar Barcelona para os
mais jovens, mas Ember sabia melhor. Era sua forma de se manter afastado,
porque ninguém poderia substituir Sebastian. Asher também não queria. Bas foi
o amor da vida de Asher. No fundo, achava que não poderia suportar outra perda.

Em quantas vezes o coração pode se partir antes que se quebre para sempre, Ember?

Disse isto na primeira semana que o conheceu. E sabia por experiência pessoal,
que era verdade.

—Rafael? Este é o novo sabor da semana?

Asher brincou passando o braço pela pistola de plástico e fez uma dança feliz
no corredor, que incluiu um giro perigoso que levantou sua mini saia. Ela
rapidamente desviou o olhar —era infame Asher estar duro.

—Sabor do mês, se eu jogar bem minhas cartas querida. Por favor, venha. Por
favor? Muito por favor?
Cada suplica aumentava progressivamente... e em última instância resultava
desastrosa. De baixo chegou um grito. — September! Está aí?

Ember entre dentes xingou, Asher ficou sem fôlego e ambos entraram no
apartamento todos embaralhados quando passos começaram a ser ouvidos na
escada.

—Dante! — Disse Asher em um sussurro enquanto permaneciam com os


ouvidos grudados na porta de seu apartamento escuro.

—Você acordou oficialmente a fera. — Murmurou Ember. — Um milhão de


obrigadas, Carmen.

Mesmo na escuridão ela o viu se encolher. —Deus, o homem tem ouvidos de


morcego. Vou dar um jeito, prometo. Venha comigo esta noite e vou comprar
quantas...

Seu olhar parou-o antes que pudesse dizer: quantas bebidas quiser. Era um
hábito, todos seus amigos bebiam muito, incluindo Asher, mas Ember não tomava
uma gota. Assim ele mudou para: — lulas fritas conseguir comer.

Ela suspirou. — Sabe que odeio lulas, Ash.

—Querida, são tão boas. Não pode discriminá-las pela forma como se
parecem...

—Parecem com placenta frita. Não vou colocar placenta frita na boca.

—São duras, salgadas e totalmente deliciosas. Feche os olhos se necessário,


funciona para mim.

—Uf. Bruto. Esqueça. Prefiro comer o dedo do pé.


Asher riu. —Há todo um movimento fetiche subterrâneo nesta cidade
dedicado exclusivamente a isso, sabia?

—Bruto duas vezes! Deixe de falar antes que vomite sobre suas brilhantes
botas de combate.

Os dois estavam cochichando, ouvindo os passos lentos e arrastados de Dante


subindo a escada. O prédio de apartamentos era velho e não tinha elevador, um
fato que agradecia agora. A subida seria lenta, ainda que Dante se movesse
lentamente, uma vez que decidia por um curso de um ato de Deus, não desistia,
então isto era melhor que nada.

—Certo. — Disse Asher. —Este é o plano. Vai colocar aquela fabulosa


fantasia que usou no Halloween e irei dizer a Dante que está passando o final de
semana com seu namorado em Terrassa.

Ember ficou olhando-o. — Que namorado em Terrassa?

—É uma mentira, cabeça oca! Quer que te compre um final de semana para
poder juntar dinheiro para o aluguel ou não?

Os passos se aproximavam. Através das janelas de seu apartamento, a lua


crescente estava pesada e languida no céu escuro. A luz brilhava pálida nas
sombras no chão e nas paredes, arrastando-se até estavam empilhados na porta.
— Bem. — Cedeu. — Mas quero escolher o nome do meu namorado falso. Não
quero me relacionar com um Xalbadoro ou um Inocêncio.

Asher lhe enviou um olhar astuto de lado. — Que tal... Christian?


—Gracioso. Muito engraçado, Sr. Mirambo. Tem sorte de não te deixar com
algumas cicatrizes com faca de verdade em seu estômago para combinar com sua
roupa.

Quando se virou e saiu nas pontas do pés para seu quarto, Asher riu baixo. —
A gatinha não gosta que puxe seu rabo, verdade?

Ela fez um gesto com a mão e desapareceu na escuridão de seu quarto,


enquanto Asher saia ao corredor para dar a notícia para Dante. Ela foi passar o
final de semana com seu namorado Christian, percorrendo os monastérios
românticos de Terrassa.

Seis horas, quatro bares, duas discotecas e uma viagem de taxi infernal que
rivalizava com o Sr. Sapo Wild Fire, Ember estava pronta para cair.

—Vou ligar qualquer noite, Ash! — Ela gritou sobre a música. Ainda que o
ouvido de Asher estivesse a centímetros de distância, ele apenas encolheu os
ombros e foi direto para o bonito Rafael, que estava vestido como Cisne Negro,
com tutu e lentes de contato vermelhas.

Ember fez movimentos com a mão até a saída. Asher lhe mostrou o polegar,
o que interpretou como, escolha você mesmo, não tem como ir embora, irmã. Ela lhe enviou
um beijo no ar, onde ele fazia piruetas com Rafael e abriu caminho lentamente
entre a multidão girando na pista de dança até que finalmente ficou de pé na
calçada, aspirando o ar fresco da noite.

Não estava com frio, porque sua fantasia era totalmente em látex. Estava
vestida da cabeça aos pés com uma capa grossa, brilhante e negra. Teria que lutar
consigo mesma mais tarde para sair dela, mas no momento estava fazendo um
bom trabalho protegendo-a do frio de fevereiro.

Uma mulher quase nua, com todo seu corpo pintado de ouro, empurrou além
dela com uma risada, com penas vermelhas caindo de seu elaborado penteado.
Um homem com um terno amarelo libélula a seguiu, bêbado, suas asas verdes
apontando perigosamente para o lado, perto de deslizar de suas costas. Os cheiros
de perfume, vinho, fumaça e fogos de artifícios eram pesados no ar, mesmo à meia
noite a multidão não diminuiu. As ruas estavam ruidosas, coloridas e
movimentadas, Ember sentia-se grata pela invisibilidade no caos, era capaz de se
mover através de todos. As ruas laterais menores estavam fechadas, mas o tráfego
abria caminho entre a multidão até uma das ruas principais, que continuava aberta
aos carros. Ela esperava pegar um taxi para levá-la de volta a casa, seus pés com
salto de dez centímetros estavam matando-a.

Ela virou a esquina da Rambla com a Cataluña e viu um ponto de taxi ao lado
de um pequeno restaurante francês. Começou a caminhar até ele com um suspiro,
ansiosa para descansar os pés, mas quando desceu da calçada para a rua, fez uma
parada brusca.

Devido a que, saindo do restaurante e caminhando pela escada com tapete


vermelho para um sedan negro esperando na calçada, estava Christian
McLoughlin.
Seus olhos se encontraram no mesmo exato momento. Christian sentiu seu
corpo leve como quando em uma montanha russa, justo antes da euforia, terror e
palpitação que se apoderava na queda, levantando os braços no ar e soltando um
grito forte.

O estômago se afundou. Seu coração se encolheu. Congelou como ele e o


olhou.

Corbin caminhava ao redor da parte traseira do Audi e abriu a porta do


passageiro para ele. Quando Christian não se moveu, virou a cabeça para olhar na
mesma direção que seu patrão e todo seu corpo sacudiu.

—Bom deus do céu. É uma piada? — Sussurrou Corbin tão atordoado como
Christian.

Mas não era uma piada. O destino decidiu mais uma vez colocar September
Jones diretamente no caminho de Christian. Apenas que desta vez, o destino tinha
um truque sob a manga.

O destino estava sendo astuto.

Ember, congelada na rua com um pé na frente do outro, sua mão parando a


caminho do rosto, estava vestida com a fantasia mais surpreendente, algo que
nunca acreditou possível se não visse com seus próprios olhos.
Um gato. Estava vestida como um gato.

Usava um diadema com orelhas de gato e uma cauda longa que curvava atrás
dela, com uma mecha no final. O traje era justo e negro, totalmente revelador e se
não fosse pela natureza da própria fantasia, que realçava suas curvas, nunca teria
imaginado isto com suas roupas habituais — calça jeans e suéter largo.

No entanto, um gato? Um maldito gato?

Nunca ficou mais surpreso em toda sua vida.

Ela se recuperou primeiro. Deu uns passos hesitantes adiante, logo um pouco
mais, com mais confiança. No momento que chegou ao seu lado na rua e ficou
olhando para ele — ela inclusive desenhou bigodes de prata nas bochechas e fez
um ponto negro na ponta do nariz, jesus cristo — Christian quase não se
controlou, mas conseguiu saudá-la com uma aparência de civilidade.

—September. Como me alegro em vê-la.

—Um, eu também. — Respondeu ela, soando um pouco insegura.

Seu olhar castanho piscou sobre ele, incomodamente agudo e esperava que ela
passasse por alto o pulso agitado em sua testa. Queria pressionar os dedos contra
ele, mas se conteve.

—Jantando?

—Oh... — Christian olhou para trás no restaurante, ainda se sentindo como


se houvesse sido golpeado por algo grande e pesado. — Sim. É meu lugar favorito
na cidade. Alguma vez comeu aqui?

Ember enrugou o nariz. Seus bigodes se moveram e os olhou com fascinação


absoluta. — Não. É mais a cara de minha madrasta.
Havia um leve desagrado em sua voz e se perguntou se era dirigido a ele ou
sua madrasta.

Depois de uma pausa, disse olhando sua roupa. — Assim que... esteve pela
cidade eu vejo.

Ela olhou a si mesma e ruborizou. Cruzando os braços sobre o peito, ela


murmurou. — Asher, você o conheceu antes, brincamos no Carnaval sempre
juntos. É uma tradição.

Um sorriso puxou seus lábios. — É uma bonita tradição. Especialmente a


fantasia.

Ela levantou o olhar para ele, o viu sorrindo e tentou sorrir de volta. —É uma
coisa minha. Gatos. Sou voluntária no refúgio em meus dias livres. Asher sempre
me diz que vou terminar como uma dessas velhas loucas cheias de gatos em seu
apartamento e sem amigos, quando morrer vai levar semanas antes que alguém
descubra meu cadáver e então os gatos terão comido a metade do lixo.

Bom Deus. A ideia fazia seu estômago se revirar.

Ao ver a expressão em seu rosto, Ember rapidamente disse. — Quer dizer,


não tenho gatos, meu senhorio não permite mascotes no prédio e não tinha a
intenção de soar tão estranho ou algo...

Interrompeu-se, as bochechas ruborizando e Christian sentiu um impulso


súbito e violento de tocar seu rosto, sentir o calor desta pele pálida, quase
translucida. Mordeu o interior da bochecha e colocou as mãos nos bolsos.
—Bom, de qualquer forma, foi agradável vê-lo. — Disse ela, dando um passo
atrás. — Se ainda quiser uma cópia do Cassino Royal, sabe onde me encontrar. —
Tenha uma boa noite.

Deu a volta, mas parou quando ele disse. — Precisa de uma carona para casa?

Corbin olhou sobre sua cabeça com as sobrancelhas levantadas. Sim, sabia que
não era uma boa ideia por um milhão de razões diferentes, mas não gostava da
ideia dela andando pela escuridão sozinha. Era apenas isso.

—Um... bom... com certeza. Acho que sim. — Em dúvida, Ember olhou para
o carro. — É seu?

Ele inclinou a cabeça e não olhou para Corbin, cuja boca estava em uma linha
apertada. Não iria se atrever a contradizer Christian, mas sua expressão era prova
o suficiente do que pensava deste plano.

—Seria bom. Se não estiver fora do seu caminho. Vivo na praça Sant Jaume.

—Conheço o lugar. Não está muito longe. —Fez um gesto para a porta aberta.
— Depois de você.

Hesitou por um momento, enviando um olhar para Corbin, que encolheu os


ombros, capitulando, mas ainda com incerteza. Entrou na parte de trás do Audi e
tentou muito manter os olhos afastados da vista incrivelmente sedutora de seu
traseiro em látex, com sua suave cauda desaparecendo no carro.

Ele a seguiu e se sentou, mas logo levantou-se quando percebeu que se sentou
em sua cauda.

—Desculpe. — Segurou a cauda no ar entre os dedos. — Isto é seu, eu acho.

—Bom, com certeza não é seu. — Brincou e levemente puxou a mão.


Colocando o cinto de segurança no assento do motorista, Corbin dissimulou
uma tosse horrorizada que Christian tentou cobrir ao se inclinar para frente e bater
em seu ombro largo.

—O frio está incomodando, Corbin? —Sua voz era severa, seu olhar cheio de
advertência. Seus olhos se encontraram no retrovisor e Corbin confirmou a
advertência com uma leve inclinação de cabeça.

—Estas coisas aparecem quando menos se espera, senhor. — Respondeu. —


Tenho certeza que ficarei bem, no entanto. Obrigado por perguntar. — Logo,
ligou o carro e se concentrou no tráfego. Não olhou no retrovisor novamente.

—Então... sempre come tão tarde? É mais de meia noite. — Disse Ember
suavemente do seu lado, tirando-o dos pensamentos. Virou-se para olhá-la,
admirando a forma como a luz dos postes teciam fios brilhantes em seu cabelo
escuro, dourados e bronze que sumiram quando o carro acelerou. Estavam
sentados muito perto, mas não tanto, o sedan era grande por dentro e no assento
traseiro cabia facilmente três adultos. Percebeu que escolher se sentar tão perto da
porta como possível, enquanto ele sentou-se quase no meio. Não o fez consciente,
mas enquanto a olhava, ficou feliz por tê-lo feito.

Cheirava a limpeza, o xampu cítrico que usou antes para lavar o cabelo, látex,
o lápis que usou para desenhar os bigodes e a pintura para a ponta do nariz. Não
usava mais maquiagem, sem batom ou rímel e ficou contente por ela não ter feito
isto. Parecia mais real para ele.

Mais... nua.

—Geralmente sim. Sou uma pessoa da noite.


Ele não queria que Corbin tossisse. Deve ter funcionado, já que o homem não
se moveu.

—De verdade? Sou uma pessoa da manhã. Quando cheguei aqui, não podia
acreditar no quanto era diferente de casa. O café da manhã as dez, o almoço as
três da tarde, uma sesta as duas horas e logo voltar para trabalhar até as oito, jantar
praticamente no meio da noite. — Ela balançou a cabeça. — Ainda não posso
dormir depois das seis.

Uma revelação pessoal. A primeira. Intrigado disse. — É do Novo México, me


disse. O que a trouxe à Espanha?

Ela abaixou o olhar para a cauda ainda em sua mão e seus dedos se apertaram
ao redor dela. Ela engoliu e disse em voz baixa. — A vida. — Ela se sentou em
silêncio um momento, logo levantou o olhar para ele. — E você? É da Inglaterra,
verdade? —Ele inclinou a cabeça. — Então, o que te trouxe para a Espanha?

—A vida. — Seus olhares se encontraram. Fora, a noite passava como um


borrão de cores. Observou seu rosto, observou seus olhos, grandes e escuros. —
Parece que tem uma forma de fazer fracassar mesmo os planos mais
cuidadosamente estabelecidos, verdade?

Seu rosto ficou sombrio, apareceu uma leve linha entre as sobrancelhas. Ela
mordeu o lábio inferior e virou para olhar pela janela, como se não pudesse olhar
em seus olhos. Sua mão se levantou para tocar os anéis de ouro que estavam na
delicada corrente ao redor de seu pescoço e ela os rodou entre os dedos, dando
voltas e voltas. Olhando para a noite, disse em voz baixa. — A vida é cruel da
mesma forma que as pessoas. Por causalidade. Ao azar. Indiferentemente. Ás
vezes me pergunto como alguém sobrevive em absoluto.
—Em última instância, não o fazemos.

Ela se virou para olhá-lo justo quando o carro passou por um buraco na rua,
um buraco que não foi visto ou previsto, fazendo Corbin xingar e desviar-se para
corrigir a direção. Eles foram sacudidos, pularam de seus assentos, um segundo
no ar e logo se sentaram novamente, mas ambos colocaram as mãos sobre o
assento para se equilibrarem e perceberam exatamente o momento em que se
tocaram. Da ponta do dedo até o pulso, suas mãos se encontraram contra o couro
e não se afastaram.

Não tinham a pretensão de se tocar. Ambos olharam adiante, em silencio, pelo


para-brisas, mas nenhum dos dois se afastou. A situação se converteu em uma
situação de agonia insuportável, a mais leve pressão da mão, o calor da pele
roçando, a necessidade de se apoiar nela, dizer algo ou não fazer nada. Mas
Christian se manteve imóvel e agradeceu pela escuridão, porque tinha certeza se
ela o olhasse agora, iria ver o que estava escrito claramente em seu rosto e teria
aberto a porta e começado a correr.

Fome. A fome surgiu dentro dele, escura, selvagem e egoísta. E tudo por
apenas um contato de sua mão.

Merda. Este era um desastre épico escrito por todas partes em letras neon
piscando.

—Uns quarteirões mais.

A voz de Ember soou um pouco sem fôlego. Ele tentou bloquear o som de
seu sangue correndo nas veias, seu coração pulsando no peito. Sua respiração ficou
mais rápida e todos os pequenos sinais de sua reação fez o animal dentro dele
silvar de prazer. Fechou os olhos e tentou se acalmar, respirar de forma constante
pelo nariz.

Então alguém se lançou na rua diretamente na frente deles, um homem com


uma fantasia de pássaro azul agitando um bastão de neon e cantando bêbado.
Corbin freou de uma vez para evitar atingi-lo. Nem ele ou Ember usavam cinto
de segurança e viu que começava a voar para frente como em câmera lenta, com
os olhos e os lábios abertos em horror.

Sua reação foi instantânea. Irreflexiva. Ele estendeu a mão, a agarrou e puxou
para o assento. Aterrissou na metade de seu corpo, prendendo-a, uma perna
apoiada contra a parte posterior do assento do motorista e uma sobre ela, as mãos
agarrando seus ombros, o rosto a centímetros do dela.

Foi horrível. Foi incrível. Terrivelmente íntimo, tolo e inadequado, seus corpos
prensados com força um contra o outro, as pernas juntas, mas ficaram assim, por
um momento sem fôlego, até que a fila de carros atrás deles começou a buzinar,
os motoristas colocando a cabeça para fora da janela e xingando em espanhol.

—Desculpe, senhor. — Corbin disse, os dedos brancos ao redor do volante.


O pássaro bêbado deixando um rastro de penas azuis na rua atrás dele. — Todos
estão bem?

—Sim. — Sussurrou, olhando nos olhos de Ember, sua voz rouca. Respondeu
uma vez mais e por alguma razão não se sentia como se estivesse respondendo a
Corbin neste momento. Sentia-se mais como um convite. A resposta a uma
pergunta que seu corpo gritava.

Sim, diga que sim, por favor, diga sim para mim.
O carro começou a se mover e Christian saiu de seus pensamentos. De repente
consciente da falta de decoro de sua posição e do que ela poderia estar pensando
por lançar-se sobre ela de forma primitiva e tola, sentou-se rapidamente, soltou
seus braços e foi para seu lado do carro.

Ela deixou escapar o fôlego suavemente, levantou a mão trêmula a seu peito.

—Desculpe. Espero que não tenha machuc...

—Não. — Interrompeu ela, ainda tremendo, negando-se a olhá-lo. —Por


favor. Não me machucou. Poderia ter acontecido, no entanto, se não tivesse me
segurado. Tem... incríveis... reflexos. — Uma pequena risada escapou de sua
garganta, junto com o que parecia uma histeria iminente. Ele a olhou bruscamente.
Se não soubesse melhor, teria imaginado que ela estava em choque. A mão no
peito esquerdo, tremia tanto agora que estava fechada em um punho, assim
colocou a outra mão sobre ela e a apertou contra seu estômago.

—Onde devo parar, senhorita? —Disse Corbin, desacelerando enquanto


virava a esquina na rua de sentido único que passava por trás da praça. Como
muitas praças em Barcelona, a grande praça de pedra era apenas para pedestres,
fora do alcance de todos, além de carros de entrega e polícia.

—Ali. — Disse Ember, com voz trêmula. Com a mão direita indicou a parte
de trás de um prédio meio quarteirão acima. Deixou a outra enroscada em um
punho no colo e Christian impulsivamente se aproximou e colocou a sua mão
sobre a dela. Sob seus dedos, a mão estava gelada. Sentia-a muito frágil e pequena.

Virou-se, surpresa ante o contato e o olhou. A luz da lua que entrava pela janela
se refletia na pele pálida. Estava assustada, muito assustada e sentia que sua reação
era muito mais do que aconteceu. Sentiu um impulso inesperado, quase assustador
de segurá-la nos braços e consolá-la.

—Está tudo bem. — Assegurou em voz baixa, segurando seu olhar. — Está
segura.

—Estou segura... com você.

Era um sussurro, quase inaudível e Christian não teve certeza se era uma
pergunta ou uma afirmação. De qualquer forma, era um campo de mina, um que
não queria explorar.

Ela nunca poderia ficar a salvo com ele. Realmente não. Temporariamente
talvez e em casos como este, onde poderia salvá-la de pequenos acidentes, evitar
que se machucasse de um milhão de forma como um ser humano poderia ficar
em sua vida cotidiana.

Mas de grandes formas, formas que realmente importavam, ela nunca estaria a
salvo com ele. Todo o contrário, de fato.

Infelizmente, seu corpo não se importava. Seu coração não se importava. Não
se importava, apesar de todas as razões pelas quais deveria.

—Deixe-me acompanhá-la. — Disse.

Ela balançou a cabeça. — Estou bem.

Não, não estava. E ele não aceitaria um não como resposta. — Vou
acompanhá-la. — Ele abriu a porta antes que Corbin pudesse sair do carro e tinha
a porta aberta antes que pudesse protestar. Estendeu a mão e ela olhou para ele,
parecendo muito pequena e frágil no assento traseiro do carro, as orelhas de seu
pequeno gato erguidas adiante como se estivesse ouvindo algo.
—Realmente Christian, estou bem.

—Assim você diz. Agora saia do carro ou irei jogá-la sobre o ombro e a levarei
para cima.

Seu rosto ficou mais pálido e teve que sorrir. — Foi uma piada. Uma ruim.
Desculpe. Prometo me comportar.

Seus lábios se apertaram, um sorriso um pouco triste que teria morrido ao


saber o que estava pensando. Sem falar nada, ela aceitou a mão estendida e saiu
do carro. Uma vez de pé, imediatamente puxou a mão. — Está tudo bem. —
Disse e se virou, deixando-o segui-la.

Assentiu a Corbin, quem os olhava pelo para-brisas e deu a volta antes que o
rosto preocupado de Corbin pudesse distraí-lo.

Quando chegaram ao seu apartamento de cinco andares sem elevador, com


uma pequena cafeteira e uma recepção no andar térreo, com gárgulas de pedra
olhando do terraço, hesitou, olhando para cima. —Aqui está bom. Meu senhorio
mora no segundo andar e... — Ela hesitou, mordendo o lábio. — Ele pensa que
estou fora da cidade. Não quero acordá-lo.

Suas sobrancelhas se ergueram. —Como saberá que é você? E porque acha


que está fora da cidade?

Ela cruzou os braços sobre o peito e enviou um olhar nervoso para as janelas
escuras do segundo andar. — Ele sempre sabe que sou eu, tem sentidos de aranha.
E... estou um pouco atrasada com o aluguel. Asher me cobriu e disse que estava
fora da cidade para que pudesse ter mais alguns dias. O movimento na livraria está
lento estes dias e eu apenas... — Limpou a garganta. — Preciso de um pouco mais
de tempo para juntar o dinheiro.
Ela parecia aflita enquanto falava as palavras, passando a ponta da bota contra
o chão e olhando para baixo, era obvio que a irritava admitir que estava atrasada
com o aluguel. Especialmente a alguém como ele, percebeu com um nó no
estômago, um homem que comia nos melhores restaurantes da cidade, dono de
um carro de seis cifras e com motorista. Nunca pensou muito em sua própria
riqueza, porque sempre foi assim, como seu pai e o pai dele antes. Como filho de
um conde, Christian nunca precisou de nada.

Nada material, claro. Quis muitas coisas na vida que não tinha nada a ver com
o dinheiro. Coisas como — liberdade, autonomia, escolha de onde viver — eram
muito mais importantes que toda sua riqueza e privilégios combinados. Ember
tinha estas coisas e ainda que provavelmente não acreditasse se dissesse, trocaria
de lugar com ela em um minuto.

Às vezes pensava que as pessoas não tinham ideia do que realmente tinham.
Pareciam sempre se concentrar em coisas ruins, pequenos inconvenientes ou
descontentamentos, quando na verdade a maioria das pessoas tinham coisas mais
valiosas que ele. Tinha dons, como todos de sua espécie, mas a maioria dos seres
humanos tinha o maior dom de todos: a escolha.

Ele sacudiu todos estes pensamentos e disse para Ember. — Então entraremos
escondidos. — Ele sorriu. — Interessante.

Ele queria rir da expressão de seu rosto. Sobressaltada, horrorizada, aliviada,


sua expressão passou por diversas transformações nos cinco segundos que ela
levou para recobrar a compostura e respondeu.

—Oh está convidando a si mesmo, verdade?


—Adoraria um café expresso, se tiver. Prometi me comportar. —Disse muito
sério, com sua melhor expressão: sou digno de confiança.

—Não, Sr. Calça Elegante. Não tenho café expresso.

Sua voz era fria, uma sobrancelha arqueada, em uma clara expressão de desdém
e olhava como se ele fosse um inseto que gostaria de esmagar com sua bota.

Incrivelmente, foi esmagado. Ela não queria que subisse. Ela queria deixá-lo...

—Mas tenho chá, se seu paladar puder lidar com isto.

Ela se iluminou com um sorriso, amplo e sem cuidado, ele sentiu um soco no
estômago como na primeira vez que ela sorriu. Seu sorriso era muito
impressionante.

—Bom, sou inglês. Aperfeiçoei meu paladar. Acho que sobreviverei.

Ela rodou os olhos e disse. — Certo, mas precisa ficar em silêncio. Bem
silencioso. Dante pode ouvir ratos subindo a escada e moro no último andar.

—Ah. Sentidos de aranha. — O sorriso de Christian ficou mais amplo. —


Neste caso, é melhor deixar comigo.

Ela inclinou a cabeça, as sobrancelhas levantadas com curiosidade e antes que


pudesse pronunciar outra palavra, sentindo uma estranha euforia escura esquentar
seu sangue, inclinou-se perto de seu ouvido e sussurrou. — Irá querer se segurar.

Então, surpreendendo a si mesmo com sua audácia, força e repentina alegria


feroz, a agarrou e começou a correr.
Tudo aconteceu tão rápido. Mais rápido do que pode reagir, mais rápido do
que pode respirar. Em um segundo estava inclinado para baixo com um brilho
travesso nos olhos, sussurrando em seu ouvido, no seguinte estava no ar, em seus
braços, voando pelo ar como se fosse impulsionada por um motor.

Estava correndo com ela. Em seus braços. Rápido. E completamente,


completamente em silêncio.

Não havia sequer o som de seus sapatos batendo nas pedras da praça ou nos
degraus de madeira da escada. Apenas sentia o rápido movimento, o vento fresco
no rosto, a praça e a escada passando como um borrão. E quando chegaram na
parte de cima do quinto andar em menos tempo que o necessário para contar de
um a dez, Christian a olhava fixamente, sorrindo do que deveria ser seu rosto de
puro choque, sentiu o estômago rodar e não tinha nada a ver com a velocidade
com a qual subiram.

—O que? Como...

Não pode continuar. Ela estava sem folego, aturdida, rígida como uma tabua
em seus braços. Os braços dela apertados ao redor do pescoço dele e seus dedos
apertando os músculos duros, agrupados de seus ombros. Era uma boa coisa não
ter unhas grandes, porque com certeza iria tirar sangue.
Seu sorriso aumentou. Aqueles olhos verdes brilhando sedutores, disse. — O
senhorio não é o único com sentidos de aranha.

Ember fez um ruído que não era nem uma palavra, nem um grito, mas algo no
meio, um leve som que era descrição perfeita para tudo o que sentia.

Com cuidado ele a desceu, assegurando que fosse capaz de se manter de pé


por si mesma antes de soltá-la. Ela cambaleou instável em suas botas de salto alto
e teve que se apoiar na porta do apartamento.

—Como fez isto? — Finalmente disse, tentando recuperar o folego.

Encolheu os ombros, colocou as mãos nos bolsos, sorriu e não disse nada.

—Certo... segredos. Estupendo. Posso lidar com segredos. — Ela tinha os seus
há anos.

Seu sorriso hesitou, substituído por um olhar intenso, um que estava


começando a reconhecer. — Eu mostro o meu se mostrar o seu.

—Disse, o que eu acho que disse?

Olhou-a, sua expressão pensativa e de alguma forma severa. Uma corrente de


eletricidade rangeu entre eles, brilhante e perigosa. — Acha?

Tentando fingir indiferença para cobrir as batidas de seu coração e o calor


inundando as bochechas, Ember engoliu e disse suavemente. — Prometeu se
comportar, Sr. Calça Elegante.

Um músculo pulsou em sua mandíbula. —Acredite Ember, estou me


comportando.
Seu coração se agitou, uma resposta direta ardeu em seus olhos. —Que tal
fazer o chá para que você possa voltar para o treino de corrida olímpica?

Antes que pudesse responder se virou para a porta, escondendo o rosto de seu
olhar aceso, querendo entrar e evitar qualquer corrida mais repentina em seus
braços.

O que na Terra aconteceu?

Ela procurou a chave da casa em um prato de planta, ao lado da porta de


entrada e rapidamente a pegou. Ela abriu a porta e entrou no apartamento, com
Christian seguindo-a em silencio.

Ela não acendeu nenhuma luz, porque não deveria estar ali. Mas isto seria um
problema. Os dois não podiam andar pela escuridão... e como iria fazer o maldito
chá se não pudesse ver o fogão?

E realmente queria ficar sozinha com o Sr. Sentidos de Aranha na escuridão?

Seu corpo dizia uma coisa, seu bom senso outra. Ficou indecisa durante uns
instantes e logo murmurou. —Oh merda. — Tirou as botas, entrou na cozinha e
acendeu a pequena luz sobre o fogão, que iluminou o suficiente para trabalhar,
mas deixou o resto da casa quase na escuridão.

—Fique cômodo. — Ela agitou uma mão para a sala de estar e se dedicou a
pegar uma xícara no armário da cozinha, colocando a água para ferver. Perguntou-
se qual chá poderia servir, olhando para a coleção de caixas pequenas e coloridas.
Chá do Ceilão11? Oolong12? Camomila?

11 Chá preto do Ceilão ou Sri Lanka.


12 Chá chinês tradicional, situado entre o chá verde e o chá preto em termos de oxidação.
Ela decidiu pelo Earl Grey13. Parecia encaixar.

—Gostei de seu apartamento. — Disse atrás dela.

Imaginou-o olhando ao redor, considerando o brilho do piso de madeira


polida, o veludo dourado e o divã antigo que seu pai comprou e restaurou de uma
loja de moveis usados, as vigas de madeira escura que atravessava o teto e dava ao
lugar um ar senhorial e rustico. E claro, os livros. Milhares de livros forrando toda
uma parede e ainda que não pudesse vê-lo, o quarto tinha sua própria parede de
livros, todos eles personalizados do chão ao teto, o que ela mesma projetou e
construiu.

Ember puxou sua veia artística não só de seu pai, mas de sua mãe, uma mulher
que ordenhava suas próprias vacas, fazia sua própria roupa e conhecia todas as
plantas por seus nomes, árvores, flores silvestres e de quem herdou um talento
prático para fazer as coisas com as mãos. E um amor pelo mundo natural e todas
as coisas nele.

—Não tem televisão. — Parecia surpreso e não era estranho, que tipo de bicho
raro não tinha televisão?

O tipo September Jones, este.

—Não gosto de televisão. A única coisa mais deprimente que um reality show
são as notícias. E além disso, se tivesse uma televisão, isto deixaria menos espaço
para meus livros. Tenho uma certa obsessão, como pode ver.

13 Chá inglês, o nome é dado a qualquer tipo de chá aromatizado com óleo essencial de bergamota. O mais
comum é o chá preto.
—Você quem diz. — Não havia ironia em sua voz. Imaginou seu
deslumbrante sorriso, os lábios esculpidos curvando-se para cima e teve que sorrir
também.

—Há esta tecnologia de última moda que poderia lhe ajudar com seu fetiche
por livros. Talvez já ouviu falar dele... kindle?

Ela encolheu os ombros. — Gosto do cheiro dos livros, especialmente os


antigos e a forma como se sente em minhas mãos. E às vezes escrevo nas margens
ou sublinho coisas. É mais... interativo. Mais real, de certa forma. Tentei um kindle
uma vez. Honestamente achei um pouco estranho, todos aqueles pequenos livros
presos dentro. Ver todos os livros cobrindo uma tela de oito polegadas me fez
sentir claustrofobia.

—Ember, as palavras: procure uma terapia, me vem à mente. — Disse de


forma seca.

Estive ali, de fato. Não funcionou. Ela encolheu os ombros e começou a caminhar
lentamente pela cozinha, seus passos quase inaudíveis.

—Isto é um lindo violoncelo.

Ember se acalmou com o saquinho de chá na mão. Estava a ponto de colocá-


lo na xícara quando falou. Isso é um lindo violoncelo.

Era. Velho, polido e perseguido pelo fantasma de si mesma, apoiada em um


canto da sala, onde sempre podia vê-lo. Devido a que precisava da lembrança
diária.

Nada dura. A impermanência é a única permanência existente.


Uma vez que percebe que pode morrer a qualquer momento, o amanhã não é
nada além de uma ilusão. O dia atual é a única realidade que existe. Agora mesmo.
Passado e futuro são apenas produto de sua imaginação.

Quando ela não fez nenhum comentário, Christian perguntou. — Toca?

Ela soltou o folego em um longo suspiro. — Não. De forma alguma.

Houve uma pausa, mas não pressionou e a tensão em seus ombros se aliviou.

Mas quando se virou novamente para ele, a tensão se apoderou dela


novamente, só que agora eram em todos os músculos de seu corpo. Estava de pé
junto à mesa baixa ao lado do divã, observando uma foto. Uma foto que segurava
na mão. Ele a olhou e disse. — Esta é sua família?

Ember engoliu a agonia que subiu em sua garganta. Ainda ferida, depois de
todos aqueles anos, estas quatro palavras simples a faziam se sentir assim.

Lutando contra um súbito e horrível ataque de lágrimas, engoliu e disse. —


Sim. É minha mãe e pai, Keely e Carter. E meu... meu irmão mais novo. August.

Auggie. O chamamos de Auggie, pensou e mordeu o interior da bochecha.

—Seus pais deram a você e seu irmão os nomes dos meses do ano? — Ele
parecia interessado, não crítico ou irônico da forma como as crianças na escola
eram.

—Minha mãe era um pouco hippie. Ela cresceu em uma comunidade em


Oregon e tinha ideias estranhas sobre muitas coisas.

Isto era subestimar as coisas. Sua mãe tinha ideias estranhas sobre tudo.
Gostava de astrologia, numerologia e tarô, com frequência dizia que estava
esperando o momento oportuno na Terra para que a nave mãe viesse e os levasse
para casa. Aquariana, de pensamento livre, um bicho raro, idealista que seguia o
zodíaco, Keely Carter era uma força natural em si mesma. Era uma pessoa
apaixonada, desafiadora, pouco convencional e Ember sentia falta dela,
diariamente.

Sua mãe devorava a vida. Inalava-a. Nos dias atuais, Ember não conhecia outra
pessoa sem medo.

—Meu irmão nasceu em agosto, daí seu nome e eu...

—Você nasceu em setembro. — Christian adivinhou corretamente.

Ember suspirou. — Uns dias mais e meu nome seria outubro. Só o


pensamento dá medo, verdade?

Ele a olhou bruscamente, o olhar verde penetrante. — E vivem na Espanha


também?

Seu estômago se contorceu, seu olhar voltou ao fogão e a chaleira quando


lágrimas começaram a apareceu em seus olhos. — O chá está pronto. Quer leite?
Açúcar?

Houve uma pausa embaraçosa, então ele ficou atrás dela. Ainda estava de certa
forma escondido, seus passos silenciosos sobre o chão. Ela sabia que estava ali
porque estava em sintonia com seu movimento, sua presença, seu calor, seu
fôlego, assim podia determinar a posição exata na cozinha. Inclinou os quadris no
balcão ao lado do fogão e a observou colocar a água fervendo na xicara.

Em voz baixa, disse. — Meus pais morreram em um acidente de carro há seis


anos. Foi o pior dia da minha vida. Mas, de alguma forma... me alegro de terem
ido juntos.
Em pânico e incapaz de falar, Ember se virou para ele. Lágrimas ardiam em
seus olhos.

Um acidente de carro. Mortos em um acidente de carro.

Ela precisou lutar para respirar e pouco a pouco, com muito cuidado, colocou
a chaleira novamente no fogão.

—Ficaram casados trinta e cinco anos. Em todos estes anos, nunca ficaram
uma noite separados. Ainda andavam de mãos dadas. Sentia vergonha quando era
jovem, ver como olhavam um para o outro. Pensava que era tão embaraçoso. Mas
agora percebo a sorte que tinha. A sorte que meu irmão, minha irmã e eu tínhamos
em tê-los como pais.

Ember sentiu o lábio inferior tremer e mordeu-o forte, para impedir. Seu olhar
caiu sobre sua boca e logo voltou aos olhos. Ele esperou, em silencio, que ela
falasse.

—Meu pai morreu há três anos. Apenas um ano depois que nos mudamos para
cá. — Sussurrou.

—Foi repentino? — A voz de Christian foi abaixando para coincidir com a


dela. A intimidade do momento era insuportável, de pé na cozinha com um total
desconhecido, servindo chá e falando em voz alta palavras que prometeu a si
mesma que nunca falaria novamente.

Ember assentiu. — Ataque de coração.

Christian a observava, esperando ainda, com os olhos vivos com empatia.

Tomou ar, tentou limpar a umidade. Não funcionou. — Estava com seu
cavalete de pintura. Fui até seu estúdio para levar o almoço e ver se estava tudo
bem. Logo, depois de comer, voltou a trabalhar e eu estava ali sentada lendo um
livro, ouvi um ruído estranho.

Ember fechou os olhos e viu tudo novamente, tão claro como se houvesse
acontecido no dia anterior. O calor do verão implacável, o cheiro de pintura a óleo
e acetona, seu pai no cavalete, tão bonito. Beethoven tocava nos altos falantes
escondidos nas paredes.

—Na parede havia janelas, precisava de luz e tinha aquela expressão em seu
rosto, como se... como se tivesse visto algo. Ou alguém. Mas não havia ninguém
ali, apenas árvores, nuvens e a luz do sol. E ele disse: Oh. Apenas isso. “Oh”.
Então caiu do banco no chão. Não sofreu, morreu naquele momento. Quando a
ambulância chegou para levá-lo, o médico disse que nunca viu ninguém parecer
tão pacifico.

Mas isso não foi o que o médico disse realmente. O médico disse feliz. Nunca
viu uma pessoa morta parecer tão feliz. Ember sabia que tinha razão. Seu pai
morreu tecnicamente de um ataque do coração, mas foi provocado por um
coração partido e estava feliz por deixar finalmente a vida.

Na pior das noites depois, quando não podia dormir, ela olhava o teto escuro,
enquanto as lembranças pairavam sobre ela como fantasmas. A medida que a dor
se arrastava sobre seu corpo como milhares de serpentes contorcendo-se, ela se
perguntava o que seu pai viu pela janela. Ela perguntava o que o sobressaltou, o
que o fez conhecer seu criador com um olhar feliz no rosto.

Ou quem.

—E sua mãe?
A mão esquerda de Ember tremeu, o que odiava com cada fibra de seu ser e
fechou-a em punho. Com a mão direita pegou a xícara de chá e entregou a ele sem
olhar.

Pegou sua xícara com as duas mãos e olhou para ele. Christian tomou ar e
exalou. —Desculpe. Estou sendo grosseiro. Não é assunto meu.

Em uma voz muito baixa, Ember disse. —Obrigada por dizer isto. Não está
sendo grosseiro, no entanto. É apenas... apenas não posso falar sobre isso. Apenas
deixa tudo pior.

Ele assentiu com a cabeça, sem deixar de olhar a xícara. —Sei exatamente a
que se refere. Considere o assunto encerrado. — Tomou o chá de uma vez e
colocou a xícara novamente no balcão. — Então. — Disse bruscamente, saindo
do balcão e olhando-a com um sorriso agradável. — Ainda estou interessado na
cópia do Cassino Royal. Não me disse o preço.

Em parte aliviada e agradecida por ele não pressionar e mudar de assunto,


Ember tentou voltar à normalidade. —Bom, certa pessoa deixou outra pessoa
antes que pudesse negociar o preço, mas vou deixar isso para trás. Pensando bem.
— Ela inclinou a cabeça, olhando seu relógio platino brilhante, com diamantes.
—Talvez acrescente algo pelo incomodo no preço. Bem... vinte por cento?

—Vinte por centro? — Fez eco, sorrindo amplamente agora. —Isso é um


roubo! Teria que informar as autoridades! Tem algum Instituto de Normas
Comerciais neste país?

—Sim tem, mas uma livraria de livros usados não é um membro. — Brincou.
— No meu caso, não há o que possa fazer a respeito. Estou praticamente
quebrando. — No momento que as palavras saíram de sua boca, se arrependeu,
mas era muito tarde — Christian já estava sobre ela como um cão sobre um osso.

—A livraria não está indo bem? O que aconteceu? É muito grave? —


Endireitou-se, de repente impondo sua altura, ombros largos e sua intensidade
elétrica que ia e vinha em uma velocidade vertiginosa, como um interruptor de luz
aceso. No momento o interruptor estava bem aceso.

—Oh por favor. — Disse ela, tentando rir disso. —Esqueça. Apenas estou
brincando. — Evitando seu olhar intenso, ela passou para a sala de estar. Olhou
ao redor da sala escura, sem saber se ficava de pé ou se sentava... o que exatamente
estava fazendo ali?

Mas Christian decidiu por ela quando disse. —Uma brincadeira. Claro.
Entendo.

Ela se virou e o viu caminhar mais perto, procurando sua expressão com
receio, em busca de qualquer indicio de emoção para indicar o que estava
pensando. Mas seu rosto estava suave e composto, totalmente ilegível.

Merda. Ela não queria que ele pensasse que estava desesperada por dinheiro.
As duas coisas mais atraentes para os homens, eram mulheres que: uma, estavam
desesperadas por dinheiro, dois: estavam desesperadas por amor. Ela não era nem
uma, nem outra. Ou definitivamente, não queria parecer estar. Por dinheiro, quer
dizer. O amor era a última coisa que seu coração destroçado alguma vez seria
capaz de sentir.

—Bom. — Disse, parando alguns centímetros de distância. — É tarde. Fiquei


tempo suficiente. Obrigada pelo chá.

—Claro. A qualquer momento.


Sorriu e seu peito suavizou, uma espécie peculiar de fusão. O homem era tão
lindo que doía sua cabeça. Este rosto. Este corpo. Os olhos. Jesus. Tinha que tirá-
lo da mente antes que se jogasse sobre ele.

Ela apertou os dentes. Não estou desesperada. Não estou desesperada. E, lembrou a si
mesma, o odeio. É muito bonito para seu próprio bem.

—O que é este olhar que está me dando? Por acaso está planejando minha
morte? — Perguntou Christian desconcertado. Suas bochechas ruborizando
novamente.

—Realmente tenho que sair desta fantasia. — Disse ela, tentando manter o
rosto em branco. Ela cruzou a pequena sala com rapidez, colocou a mão na
maçaneta. — Acho que estou sufocando a pele, o látex não a deixa respirar
exatamente. Além disso, estou cansada.

Girou a maçaneta e abriu a porta, um sinal claro de que concordava com ele,
já era hora dele ir embora.

Ele a olhou com aqueles olhos sobrenaturais, olhando seus pés descalços, a
fantasia de gato, a cauda atrás dela como um desafio. A expressão dela, tão
cuidadosamente neutra. Uma elevação leve curvou seus lábios como se achasse
algo divertido. Sem pressa, com as mãos nos bolsos e sem afastar os olhos dela,
ele se aproximou da porta e ficou olhando-a, a poucos centímetros de distância.

—Nos vemos na livraria amanhã.

Soava como uma ameaça. Olhou para ele, os lábios franzidos, odiando a forma
como sua proximidade fazia seu sangue ferver. Seu coração batia forte no peito,
se perguntou se poderia ouvir. — Certo. — Ela encolheu os ombros, fingindo
indiferença. — Como quiser.
Seu sorriso aumentou. — Na verdade não importa de qualquer forma, né?

Umedeceu os lábios e encolheu os ombros, olhando para longe.

Logo fez algo assombroso, algo que lhe converteu em pedra e roubou todo o
ar dos pulmões.

Ele estendeu a mão, tocou seu pulso acelerado no pescoço e manteve os dedos
ali com a pressão suave, sutilmente dominante. Ela voltou a olhar seu rosto, em
silencio e ele a olhava como se soubesse tudo sobre ela, como se pudesse ler cada
pensamento que cruzava sua mente.

Murmurou. — Os segredos estão bem. Eu compreendo os segredos. Mas não


minta, Ember. Quer me ver amanhã tanto quanto eu quero vê-la.

Ela observou a força bruta em seus olhos, magnéticos e assustadores. Muito


lentamente, oh muito levemente, deslizou os dedos ao longo de sua garganta,
roçando a pele, tocando o polegar no oco da base do pescoço, até que sua mão
pousou no centro do peito, diretamente sobre o coração. Abriu a palma sobre os
anéis na corrente e se apertou contra os ossos.

Boom. Boom. Boom. O coração pulsava. Seu traidor coração.

—Admita.

Mordeu a língua. Inclinou-se um pouco para frente quando falou e ela sentou
hálito no rosto. — September. Admita.

Havia fogo em seus olhos, fogo em seu sangue, fogo no ar ao seu redor. Ela
inalou fogo em seus pulmões com cada respiração e cada vez sentia queimar em
seu corpo, consumindo. Perigoso.
Ela sussurrou. — Não estou buscando complicações em minha vida, Christian.
E isto não é uma mentira. Levei muito tempo para chegar a este ponto, onde
estou... —Ela hesitou, porque ele estava observando seus lábios enquanto falava,
olhando a boca com total concentração. E de alguma forma se moveu mais perto.
— Onde estou segura.

A palavra segurando o afetou, o fez hesitar. Ela o sentiu na tensão de seu


corpo, na leve contração da mão que ele tinha pressionada sobre seu coração.
Fechou os olhos por mais tempo que um piscar e logo afastou a mão. A perda
repentina do calor contra sua pele foi discordante.

—Claro. — Murmurou. Exalou. — Tem razão.

Não disse que entendia. Disse que tinha razão. A diferença parecia importante,
mas não podia determinar porquê.

Deu um passo atrás, passou pela porta e lhe deu um leve sorriso de desculpa
sobre o ombro. — Terei que pedir que me perdoe novamente. Parece que sempre
fico fora de equilíbrio ao seu redor. —Exalou mais uma vez, passou uma mão
pelo cabelo negro. Logo, disse tranquilo. — Boa noite, Ember. — Ele deslizou
pela porta aberta e sem silencio, com rapidez desapareceu pela escada.

Ember fechou a porta e ficou na escuridão por alguns minutos, sem ver, o
sangue fervendo, os nervos tremendo, os pensamentos frenéticos, com as mãos
trêmulas dos lados.

Sempre estou fora de equilíbrio ao seu redor.

Bom, isso sem dúvida, fazia dois deles. E apesar de sentir muito claramente
que, de alguma forma era perigoso, apesar de sua determinação de não gostar dele
e manter tudo em negócios, tinha certeza de que havia algo entre eles. Algo que
seu corpo reconhecia e ao qual respondia. Algo que sua mente sempre tão
cuidadosa, sempre tão calculadora não conseguia funcionar.

—Christian McLoughlin. — Sussurrou para a sala escura, vazia. — Quem é


você? E que porra fez com meu cérebro?

A sala não tinha resposta.


Apesar de sua promessa, Christian não entrou na livraria no dia seguinte.

Ember chegou para trabalhar com êxito evitando Dante e passou o dia em um
estado e animo suspenso, tanto esperando ele entrar pela porta como temendo.

O que era exatamente que estava acontecendo? Na clara luz do dia, determinou
não ser nada, apenas o que se mostrava que era. Estava brincando com ela, ele era
uma espécie de macho alfa, o cavaleiro de armadura brilhante para uma garota
pobre antes de ir em seu cavalo para o castelo para pedir a mão da princesa em
casamento. Ela era uma distração, isto era tudo. Algo diferente e momentâneo em
seu radar.

Pelo menos, convenceu a si mesma disso até que justamente cinquenta e cinco
minutos depois, a porta da livraria se abriu e entrou um homem com um enorme
buquê de rosas como nunca viu em sua vida.

Ember nem sequer podia ver seu corpo atrás das folhas e flores que se
derramavam voluptuosamente do vaso. O vaso de vidro era de menos também.
O homem deu meia dúzia de passos cuidadosos na livraria antes de parar e
anunciar alto e em espanhol. — Entrega de flores!

Claro que não foi contratado por sua compreensão aguda do óbvio.
—Sim, por aqui! — Ember chamou, saudando de trás do balcão caso não
pudesse vê-la. Depois de algumas tentativas falidas para determinar sua localização
olhando sobre as rosas volumosas, finalmente ficou de lado e se dirigiu a ela, com
o rosto tenso pelo esforço de equilibrar o enorme vaso nos braços.

—Rosas para a Senhorita Jones.

—Sou eu.

A expressão de agradecimento foi registrada. — Onde as quer?

—Uh... — Olhou ao redor procurando espaço o suficiente e viu a mesa


redonda do clube de leitura de Sofia, onde se reunia a cada semana. —Por ali. Isto
seria genial, obrigada.

Abriu caminho até a mesa, passando de lado como um caranguejo, até que por
fim colocou a carga na mesa de madeira com um suspiro de alivio. Virou-se para
olhá-la, um sorriso malicioso no rosto. — Alguém está apaixonado, sim?

Ember ruborizou até a raiz dos cabelos. — Não! Não é nada disso. Elas são
do, er, meu, hum...

—Namorado? — Disse amavelmente.

O rubor de Ember se estendeu pelo pescoço. — Não! É um cliente! Apenas


um cliente!

Suas sobrancelhas se ergueram. Seu olhar se moveu ao redor da livraria e viu


o letreiro escrito a mão que Asher colocou em um dos livros raros junto a caixa
registradora como uma brincadeira. Dizia: Não toque a si mesmo. Peça ajuda. O olhar
do entregador caiu sobre ela e seu sorriso aumentou. Ember teve o repentino e
horrível pensamento de que poderia estar se perguntando exatamente que tipo de
cliente esteve entretendo atrás das estantes.

—Obrigada novamente. Estamos fechando agora. Adeus. — Ela o fez passar


pela porta, enquanto evitava olhar dos lados e seu sorriso arrogante, fechando a
porta atrás dele. Uma vez sozinha, cruzou lentamente até a mesa com o vaso de
rosas e ficou olhando com assombro.

Dezenas e dezenas de lavandas, prateadas, pálidas e sedosas que brilhavam sob


as luzes.

Não havia cartão, nenhuma nota dizendo: Olá ou Estou pensando em você, assim
Ember ficou olhando o vaso grande e lembrou-se de algo que fez seu coração
pular uma batida, logo duas, logo parar por completo.

Bem versada na linguagem das flores, sua mãe recitava com frequência todos
os significados das diferentes cores das rosas que cresciam em seu jardim em casa.
Tinha que cuidar muito delas, claro, o calor e a altitude de Taos eram implacáveis
no cultivo de rosas, mas sob a paciência de sua mãe, a atenção intuitiva, floresciam.
Seu pátio dianteiro era cheio de cores e de todo o tipo de plantas, mas as rosas
que se alinhavam na passarela de pedra da porta principal eram peças de
resistências.

Vermelho significava amor, branco significava pureza, rosa era graça e apreço,
amarelo era amizade. Laranja era desejo. Pêssego era sinceridade.

E rosas lavanda, raras e reais, eram as mais belas de todas elas, significavam
amor à primeira vista.

—Oh homem. — Sussurrou Ember, olhando as flores lindas. — Isso vai


causar problemas.
—O que aconteceu à noite? — Asher gritou pelo telefone. Ember fez uma
careta e o manteve afastado do ouvido. — Desapareceu! Fiquei muito
preocupado!

Ela esteve de volta em seu apartamento apenas tempo o suficiente para trocar
a calça jeans e a camiseta antes que tocasse o celular. Fingiu não estar decepcionada
quando viu o número, mas quando começou a gritar, Ember não pode conter a
raiva e gritar de volta.

—Eu disse que estava indo embora! Você não queria ir!

—O que? Não disse que ia embora!

—Apontei para a saída!

—Pensei que precisava ir ao banheiro! Nunca a deixaria andar pela cidade no


meio da noite sozinha, cabeça oca! Tem alguma ideia do preocupado que fiquei?

Isso levou o vento de suas velas. —Oh. — Disse ela, muito mais tranquila. —
Desculpe. Pensei que estivesse sendo clara que iria embora.

Asher bufou indignado. — Não, desculpe! Seus sinais vagos de mão eram
qualquer coisa menos claros, um grito seria mais óbvio! Pensei que teria um ataque
do coração quando não voltou! Passei uma hora tentando te encontrar no clube
até que finalmente desisti e voltei para casa. E então, ali estava! Dormindo como
Cachinhos Dourados...

—Espera, não estava em sua cama. Do que está falando?


Houve um curto silencio. — Usei a chave que me deu para entrar em seu
apartamento. Tinha que comprovar e ver se estava em casa. E sim, estava
roncando em feliz ignorância e por certo, nem precisa tomar Xanax para isso.

—Asher! — Ember bateu o pé e imediatamente se sentiu tão ridícula que


agradeceu não ter ninguém ali para ver. —Não pode entrar em meu quarto e me
observar dormir! Isto não é Crepúsculo, pelo amor de Deus! Preciso ter uma
conversa com você sobre limites?

—Não estava te observando dormir, apenas estava comprovando! Apenas


olhei e logo sai! Desculpe pelo cuidado!

Uh oh. Ela sabia que Asher ficaria irritado com isso. Este era precursor de
Asher frio como o ártico, que poderia durar um período indefinido de tempo, em
cujo caso ela apenas teria Dante, sua madrasta e os cliente da livraria para
conversar. Manter-se realmente tinha seus inconvenientes às vezes.

Refreando seu temperamento, ela deixou escapar um suspiro exasperado. —


Ash. — Disse em voz baixa, persuasiva.

—Não. — Disse com firmeza, mas ainda percebia o beicinho.

—Vamos, não se irrite comigo. Desculpe tê-lo assustado. E me alegro que se


importa. Sabe que é meu único amigo. Quem mais vai se colocar ao dia com meu
lixo? Você mesmo disse que é minha fada madrinha, não pode ficar irritado. Pode
ser que precise de você para transformar uma abóbora qualquer dia desses.

Houve um série de descontentamentos baixos, hmmmpf, mas nada mais.


—Vamos. Que tal... — Inspirou fundo. — Que tal vermos Cães de Aluguel14
junto esta noite? —Seus filmes favoritos sempre tinham uma grande quantidade
de homens, pistoleiros, bromance15 e sangue, assim adorava qualquer coisa que
implicava Clint Estwood, Charles Bronson ou Quentin Tarantino.

Sua resposta ao convite do filme foi o silêncio.

—E posso pedir tapas daquele lugar que gosta.

Mais silencio. Ainda não tinha mordido o anzol. Ember sabia que teria aceitar
o risco de uma birra até o próximo mês. — E... vou te contar tudo o que aconteceu
com Christian a noite, depois que te deixei no clube.

Houve uma inalação profunda e alta do outro lado do telefone que soou muito
parecido ao ruído de um aspirador quando ligado. Ela pensou que seu cérebro foi
aspirado pelo ouvido e desapareceu através da linha.

—Christian! Está falando de Christian?

Ao som de sua afirmação, Asher disse. — Estou a caminho. — E desligou.

Não pode ter passado quinze segundos antes de bater na porta principal.
Ember abriu a porta para encontrá-lo com um quimono azul e pés descalços, com
o rosto untado com uma capa grossa de creme verde claro.

—É creme hidratante? — Perguntou, dando um passo atrás para deixá-lo


passar.

14 Filme de Quentin Tarantino onde um criminoso reúne seis bandidos para um grande roubo de diamantes.
Algo sai errado e um deles é ferido durante o roubo e os bandidos precisam descobrir quem foi que os traiu, o que
gera uma enorme tensão no grupo e enfraquece todos.
15 Expressão inglesa usada para designar um relacionamento íntimo, geralmente não-sexual, entre dois
homens, de uma forma de intimidade homossocial.
Ele cheirava a pepinos e lavanda. —Máscara redutora de poros. É maravilhosa
para a pele. Deveria experimentar.

—Esta é sua forma de dizer que tenho problemas com meus poros?

Deu a volta e seu quimono se levantou ao redor dos tornozelos. Os braços em


jarras, ele a olhou de cima abaixo. — Querida, os poros são os menores de seus
problemas. Quando irá me deixar levá-la para compras?

—Hum. —Olhou o teto, pensando no que dizer. — Que tal terça depois do
nunca?

—Não é divertida. De verdade, o que é uma boa fada madrinha se não pode
comprar um vestido de baile?

—Baile? Não haverá bailes, obrigada. A única coisa pior que um vestido é ouvir
os gritos e as risadas da minha versão de dança, que se assemelha misteriosamente
a um cadáver reanimado durante um ataque epilético. Assim não vai acontecer.

—Por isso nunca dança quando saímos! Não teve o professor adequado,
querida! Posso ensiná-la a dançar! Aqui, siga-me.

Antes que Ember pudesse protestar, Asher a pegou pelos braços e começou a
dançar. — Poderia ter dançado a noite toda. — Cantarolando My Fair Lady,
moveu-se ao redor. Não durou muito porque Ember pisou seus pés descalços
tantas vezes que finalmente a soltou e ficou mancando.

—Cristo, não estava brincando! — Foi mancando até o sofá e se lançou sobre
ele, com um suspiro teatral esfregando os dedos machucados. — Estes seus pés
foram doados por um depósito de cadáveres?
—Tentei avisar. — Ember se deixou cair no sofá junto a ele. — Deveria ter
visto quando minha mãe tentou me colocar no balé quando tinha quatorze anos.
Pobres rapazes, pobres, pobres.

Asher suspirou. — Rapazes no balé. Em malhas. Deus foi bom quando pensou
nisso. — Virou-se para ela com os olhos brilhando. — E falando em rapazes no
balé... derrame irmã. Derrame tudo. E não deixe um detalhe sujo de fora. Precisa
compensar os danos nos meus pés.

Ember deixou escapar um suspiro, tentando decidir por onde começar e logo
começou pela primeira vez que viu Christian na livraria e terminou com a entrega
das rosas.

Quando terminou, Asher estava sentado com os ombros encurvados perto das
orelhas, agarrando a gola de seu quimono de seda azul e sorrindo através de sua
máscara redutora de poros.

—Oh. Meu. Deus. Sabia que ele era quente, mas rosas lavanda? Quer me ver
tanto quanto eu quero vê-la? — Ele se abanou. — Abrasador, querida. De
verdade, abrasador. Tenho que tomar um banho de água fria com meu George
Clooney de explodir o pulso.

Ember disse. —Você é uma pessoa muito, muito perturbada.

Encolheu os ombros. — Claro que sou. Todas as melhores pessoas são. Quer
passar o tempo com pessoas normais? — Ele estremeceu e puxou o quimono
mais forte ao redor do pescoço.

—Não, acho que não. As pessoas normais não são tão interessantes como
você.
Compartilharam um sorriso. — Então, o que vai fazer?

O sorriso de Ember sumiu. Ela olhou as mãos, inspecionou as unhas —


precisa de uma manicure com urgência — e suspirou. —Não farei nada,
obviamente. É a clássica história da Bela e a Fera, só que a Bela é ele e eu sou a
fera. Honestamente, tenho certeza que anda entre modelos de lingerie ou algo
assim. Não posso entender porque está perdendo tempo com alguém como eu.

Asher se esticou e afastou uma mecha de cabelo do ombro de Ember. Deixou


a mão ali por um momento e logo disse em voz baixa. — Nem sempre tem que
fazer isso, sabe.

Ela o olhou confusa. — Fazer o que?

Ele a olhou com cuidado, as sobrancelhas juntas, a boca cheia de creme verde
se curvando. — Colocar-se para baixo.

—Olhe para mim, Ash. Sou a garota mediana. Não há nada em mim para tentar
um homem como ele.

—Claro que há. Você. É muito mais linda do que acredita, mesmo se
escondendo por trás de toda esta roupa folgada e sobrancelhas sem fazer e cenho
franzido. É inteligente e graciosa, não é magra como uma modelo de lingerie.
Acredite em mim, conheci algumas. Além disso, tem um corpo pequeno e seios
bonitos. — Acrescentou, olhando sua camiseta. — Se tivesse este tipo de coisas,
tenho certeza que ele olharia para mim.

Ember fez uma careta, uma combinação de agradecimento com incredulidade.

—Claro, sua atitude é uma pouco grosseira, mas se for capaz de ver além disso,
ele poderia gostar.
—Uh, não vamos adiante aqui, Ash. Eu o conheço apenas alguns dias. Ele
poderia ser um assassino em série, pelo que sei. Ou pior, um contador.

Sua mãe lhe disse para nunca se casar com um contador, porque mesmo
enquanto fizesse amor com ela, estaria contando as formas como poderia
economizar dinheiro. Poderia ser injusto, mas era uma imagem pouco atraente
que ficou.

Asher bufou e rodou os olhos. — Se este homem for um contador, sou o rei
da Espanha. De verdade, querida, Christian é uma coisa e apenas uma coisa.

Ember levantou as sobrancelhas.

—Um macho alfa quente.

O nariz de Ember enrugou. — Faz soar como um lobo ou algo quente. Macho
alfa?

—Apenas há três tipos de homens, querida. Alfas, Betas e os Idiotas. Os dois


últimos vêm em diversos graus, mas um Alfa... bom, apenas vem em um tamanho.
O trabalho de uma mulher inteligente é descobrir com que tipo de sexo está
lidando antes que se apaixone por ele. Porque uma vez que seu coração se
envolver, está frita.

Sorrindo Ember se acomodou nas almofadas do sofá e colocou os pés por


baixo das penas. —Isto deve ser educativo.

—Certo, vamos começar com a parte inferior. Idiotas, isso fala por si mesmo.
Complicado, no entanto, é que pode chegar a convencer às vezes de que pode
casar com eles, que não são realmente idiotas. São geralmente encantadores,
inteligentes, magnéticos e fácil de confundir que maturidade e masculinidade
autentica. São divertidos, dinâmicos, emocionantes. Mas sua verdadeira natureza
finalmente se revela. Estes são os tipos de caminham diante de você, apenas um
pouco mais rápido para que não fiquem atrás. Sempre se esquecem de como toma
seu café, paqueram outras mulheres na sua frente, dirigem como loucos e não irão
gostar quando disser que não quer morrer no assento do passageiro.

—Eles cometem todo tipo de delitos menores, aparentemente perdoáveis


contra sua autoestima, a fazem se sentir levemente desconcentrada e convencem
que o problema é seu, não deles. São mestres da manipulação, completamente
narcisistas e muito, muito sedutores. Primeiro. Nunca se sentirá tão desejada como
quando um idiota a tem em seu ponto de mira. Mas tão logo a conquista, eles vão
para pastos mais verdes e você ficará com uma bomba lançada sobre sua cabeça.

Ember riu. — Anotado. Sem idiotas. E a versão Beta? Não parece um peixe?

Riu, assentindo. —Perto. Betas são muito mais sensíveis e parecem material
para o marido ideal em comparação com o idiota. Uma vez mais, no início. Não
vão se desviar, geralmente são sólidos como uma rocha. E duas vezes mais sem
graça. São garotos da mamãe, fracos, conformistas que não tem espinha dorsal
para valer por si mesmos, sem falar de qualquer outra pessoa. Em última instância,
tiram o pior de uma mulher por causa de sua incapacidade de cuidar da relação,
como um homem seguro de si mesmo e o que tem a oferecer. Betas lhe permitem
ter seu caminho em tudo e chega a se sentir cheia de trabalho e pouco apreciada.
Tem medo de tomar decisões por si mesmo. Usam as palavras “sim, querida! Há
muitas mulheres que tiveram o suficiente de Idiotas e estabeleceram-se com um
Beta estável passivo, apenas para lamentar o resto de suas vidas.
Bom, isso era muito para tomar de um homem com o rosto coberto por creme
de beleza verde.

—E os Alfas?

Asher suspirou. — Ah o escorregadio Alfa. O produto da terra, por assim


dizer. Ele é masculino na forma mais pura da palavra, confiante, capaz, muito
protetor com aqueles com quem se importa, um bom pai para seus filhos e um
bom amantes para sua mulher. Nem sempre vai concordar com o que quer,
porque ele tem suas próprias ideias de como deve fazer as coisas, mas quando
realmente importa, vai ouvir sua opinião. E seus sentimentos. Apesar de não
falarem sobre eles, não tem medo dos seus sentimentos, dos deles próprios e não
tem medo de compromisso como o Idiota.

—A outra cara da moeda é que ele não tem medo da confrontação, também.
Poderá desmascarar a mentira. Irá se manter firme quando lutar, mas perdoará
assim que a luta terminar. Diz o que significa, quer dizer o que diz e é alguém para
se apoiar em tempos difíceis. É assertivo, autodeterminado e tudo o que um
homem de verdade deve ser. Pode ser que nem sempre concorde com ele, mas
sempre poderia lhe admirar e ser acariciada por ele. Assim é como sabe que está
lidando com um macho alfa.

Houve um longe silêncio depois desse discurso, no qual os amigos se olharam


e o único som era do relógio na parede.

—Esqueça de escrever sobre esportes, deve escrever novelas românticas!


Como sabe tanto dos homens e as relações com as mulheres, de qualquer forma?
Quer dizer, sai apenas com homens?
Asher inclinou a cabeça e sorriu, um pouco triste e com cumplicidade. —
Estive ao redor por muito tempo, querida e vi muitas coisas. Tinha trinta anos
antes de sair do armário e sai com muitas mulheres antes disso, devo dizer. Ser
gay não era aceito antes como agora, sobre tudo nos Estados Unidos. Houve um
tempo em que um homem podia ser preso por dançar com outro homem em
público e vivi através disso. Vivia na cidade quando a polícia invadiu Stonewall16
e provocou distúrbios. Cresci em uma época antes do orgulho gay, o ativismo e a
tolerância, quando o FBI mantinha registros abertamente de homossexuais e os
Correios marcavam os endereços com etiquetas “homossexual”. Servi na Marinha
por oito anos e todos os dias era encurralado por alguém que descobria que era
gay e não me considerava apto para servir meu país.

Ember olhou para os cabelos escuros de Asher, a pele suave e sem rugas ao
redor dos olhos, as mãos suaves como de bebê e muitos músculos. — Ash, sei
que não devo perguntar, mas exatamente quantos anos tem? Pensei que fosse uns
quinze anos mais velho que eu?

Disse sorridente. — Oh querida, que doce! Eu digo que se cuidar da pele, irá
parecer jovem para sempre. O protetor solar é seu amigo. E... precisa usar um
creme aqui e ali.

Quando ela levantou as sobrancelhas, Asher disse na defensiva. — Se o teto


de sua casa cair e não conseguir sair dali, dirão que envelheceu com graça, verdade?
Não, precisa arrumar o teto! Além disso, lembre destas duas palavras muito
importantes? Bo. Tox.

16 Rebelião de Stonewall foi uma série de violentas manifestações espontâneas de membros da comunidade
LGBT contra uma invasão da polícia de Nova Iorque que aconteceu nas primeiras horas da manhã de 28 de junho
de 1969, no bar Stonewall Inn, localizado no bairro Greenwich Village, em Manhattan, em Nova Iorque.
Ele fez um gesto com a mão, indicando que a conversa terminou. — De
qualquer forma, depois de trinta anos vivendo uma mentira, sabe quem foi a
primeira pessoa a quem disse a verdade?

Ember balançou a cabeça.

—Minha mãe. Deus a abençoe, ela atuou como se eu tivesse dito algo simples.
Ela disse: Finalmente! Me deu um abraço e isso foi tudo. Logo liguei para todas
as garotas com quem sai na Universidade e contei também. Todas e cada uma
delas, exceto Mary Campbell, me parabenizaram e ficaram felizes por mim. Houve
algumas lágrimas, uns murmúrios de “pensei que fosse estranho”, mas no geral
foram incríveis. Assim tenho experiência em ambos os lados dos corredores, mas
as mulheres sempre foram minhas melhores amigas. Como os homens
homossexuais, que entendem o que se sente ao ser marginalizados. Eles sabem o
que se sente ao ter que manter a boca fechada e a cabeça baixa e seus verdadeiros
corações fechados. Sabem o que se sente ao sorrir com tanta força que suas
bochechas doem como se estivessem morrendo.

Fechou os olhos e deixou escapar um longo e profundo suspiro. —Ou talvez


seja apenas porque se vestem melhores que a maioria dos homens. — Olhou a
calça e a camiseta de Ember e sorriu afetuosamente. —Continuo melhorando,
claro.

Ember sentiu uma repentina ternura por ele, este homem que sabia tudo sobre
a dor, vergonha e perda. Perfurava seu coração com uma lança e teve que brincar
a fim de aliviar o estado de ânimo e conter as lágrimas. — Não sei Ash, esta roupa
sua não irá ganhar nenhum prêmio de moda.

Fingiu ultraje. — É um quimono Gaultier, querida!


Ela sorriu. — Deveria ter imaginado.

—Não pense que me esqueci de sua promessa de filme e tapas, menina. Mãos
à obra. — Ele a tirou do sofá e se deitou com os pés descalços com um braço em
uma ponta enquanto Ember ia para a cozinha e procurava em uma gaveta o
cardápio para pedir.

Justo quando estava a ponto de digitar o número do restaurante, o telefone


tocou em sua mão. Ela o olhou, viu quem estava ligando e o cardápio de papel
dobrado deslizou entre seus dedos e ficou desapercebido no chão.
—Olá?

Sua voz era baixa e um pouco ofegante, como se houvesse corrido pela sala
para atender o telefone.

—Recebeu as flores? — Disse Christian, sorrindo. Queria um jarro maior, mas


a loja de flores apenas tinha um vaso grande o suficiente para conter centenas de
lindas flores lavanda e pensou que enviar outro vaso com cem rosas poderia ser
um exagero. Sobre tudo porque ela parecia decidida a mantê-lo longe. Queria que
continuasse assim também, mas algumas flores não poderiam machucar.

—Sim. — Ember limpou a garganta. — São lindas, obrigada. Não era


necessário.

Ela soava sem emoção sobre as flores, um pouco séria e isto fez seu sorriso
sumir e franzir o cenho. Pensava que tinha algum motivo oculto para enviá-las,
talvez para conseguir um preço melhor pela cópia do Cassino Royal? Este era um
pensamento perturbador e não podia estar mais longe da verdade. Ele
simplesmente esteve andando por Ramblas, quando viu a pequena floricultura e
cedeu ao forte impulso de comprar-lhe algo que poderia colocar aquele espetacular
sorriso no rosto.

—Não tive a oportunidade de descobrir qual sua rosa favorita, então enviei a
minha.
Houve uma pausa carregada. — Oh. Rosas lavanda são suas favoritas.

Agora soava decepcionada por alguma razão. Seu cenho se franziu mais.

—Na verdade, adoro todas as cores de rosas. Minha mãe era uma jardineira
incrível, tínhamos o que parecia acres de rosas que cobriam os terrenos nossa
propriedade enquanto crescia.

Houve outra pausa, desta vez por mais tempo. Christian a imaginou pensando
do outro lado da linha, mordendo o lábio inferior quando estava preocupada.
Desejava poder ver seu rosto, estar perto dela para que pudesse julgar suas ações.
Desejou poder pressionar os dedos em sua garganta outra vez e sentir o pulso
feroz, quente contra sua pele.

—Pela forma como diz, imagino que não esteja falando de uma pequena casa
de campo.

Sua voz ficou de decepcionada a irônica, levemente ácida. Nunca pensou que
poderia irritar tanto alguém com frases tão curtas. — Desculpe, está conversa não
parece estar indo na direção que esperava. Disse algo para lhe ofender?

Ela exalou, um som muito feminino que estava carregado de emoção sem
nome. — Não, claro que não. Ignore-me. Não deveria ser autorizada a conversar
com pessoas normais, meus maus modos são praticamente contagiantes. As rosas
são lindas. Na verdade, obrigada novamente.

A voz de Christian ficou mais baixa. — Acha que sou normal? Permita-me lhe
assegurar, September, que não poderia estar mais longe da verdade.

—Bom, sua aparência bonita é uma distração...


—Aparência bonita? —Christian se sentou levemente insultado. Ela estava
querendo dizer que ele parecia afeminado? Jesus, está conversa estava saindo
totalmente do controle.

Ela nem sequer teve a decência de seu desculpar. —É o homem mais bonito
que já vi e esta é a crua realidade, Sr. Calça Elegante. Deve ser consciente de sua
aparência, está vivendo com este rosto por...

—Trinta e um anos. — Disse entre dentes. — E quanto tempo tem cultivado


este devastador encanto seu, Senhorita Jones?

Ela riu. — Vinte e quatro anos. Bem aperfeiçoado, não?

—Com certeza.

Ela riu novamente e logo suspirou. — Certo, uma trégua. Prometo não falar
nada disso mais se não enviar mais flores.

—Não gosta de flores? É alérgica?

—Sim e não. Adoro flores, especialmente rosas. Minha mãe era uma jardineira
incrível, também. —Seu tom ficou suspeitosamente brusco. — Ela me ensinou
todos os significados das diferentes flores. Os significados de suas cores também.

Um lento sorriso tocou o rosto de Christian. Agora estamos chegando no


fundo do assunto, pensou. — Isso é muito interessante. Parece que temos muito
em comum, Ember. Minha mãe me ensinou o mesmo.

O silencio do outro lado da linha queimava. Teve que morder a língua para
não rir.

—Assim é isto: trata-se de um telefone de negócios ou a que devo o prazer de


sua ligação?
Ouvindo-a, soava em parte iguais horrorizada, surpresa e confusa. Deus, era
adorável. Ele sabia que seu rosto ardia neste momento e queria chegar pelo
telefone e acariciar suas bochechas vermelhas. —Negócios e prazer, acho.
Gostaria de convidá-la para jantar, para que possamos finalizar o acordo sobre o
Cassino Royal.

—Não... não precisamos de um jantar para isto. Posso falar o preço pelo
telefone e mandar entregar...

—Mas então não a verei. — Disse bruscamente, sua voz muito baixa. Moveu-
se adiante e para trás sobre ela uma centena de vezes e não foi capaz de falar a si
mesmo sobre voltar a vê-la. Apenas uma última vez e então, poderia acabar com
este absurdo para sempre.

Ele deveria deixar isto por ali no momento, dar-lhe espaço, dar-lhe a
oportunidade de dizer que não, ainda que era tudo o que poderia fazer para não
encontrar alguma forma de obrigá-la a dizer sim. Ignorando o fraco som de alarme
no fundo de sua mente que sussurrava o estupido e perigoso que era, esperou.

Finalmente, depois de um longo e tenso silêncio, Ember disse. —Certo, então.


Quando?

—Está noite. — Disse rápido. — Posso buscá-la em uma hora...

—Não, não posso está noite. Estou ocupada. Tenho um encontro.

Isso o fez parar em seco. — Um encontro. — Repetiu, surpreso com o quanto


isto o irritou.

—Com Asher. — Disse inocentemente e ouviu seu sorriso através da linha.

Oh, pequena descarada.


—Então amanhã. É meu dia livre.

—As sete? — Christian sentiu o começo da antecipação se elevar dentro dele,


escura e elétrica como o precursor de uma tempestade.

—As sete. — Ember concordou com suavidade. Antes que pudesse dizer
outra palavra, desligou o telefone.

Ember ficou olhando o telefone em silencio durante uns momentos, sua mente
um emaranhado de perguntas sem respostas, seu corpo uma explosão de emoções.
Ela levantou o olhar para Asher na sala de estar. Quando percebeu que ela estava
conversando com alguém, ele sentou-se mais reto e ouviu sem folego cada palavra
que dizia.

—E? — Sua voz era baixa, os olhos bem abertos. A máscara verde estava
secando em sua pele e começava a se soltar ao redor do nariz.

—Então... parece que vou precisar comprar um vestido, depois de tudo. Meu
príncipe azul vem me buscar amanhã à noite, as sete em ponto. Para jantar.

Depois de um suspiro, Asher sussurrou. — Tem um encontro com ele, Ember.


Um encontro. Com. Ele! — Reforçou cada palavra, suas mãos segurando a beira
do sofá, como se tivesse medo de que pudesse cair.

Ocorreu-lhe que esta poderia ser a pior ideia que já teve em muito tempo.

—Não se assuste. — Advertiu Asher, lendo sua expressão de terror, porque


congelou de repente. —É apenas um jantar, Ember. Mesmo você pode passar por
um jantar.

—Não é o jantar que me preocupa, Ash. É... tudo o mais.


Asher ficou de pé, aproximou-se dela em uma nuvem ondulante de seda azul,
segurou os ombros dela e a sacudiu de leve. —Repita comigo: Um dia de cada
vez.

—Um dia de cada vez. Certo. E como funciona exatamente o lema dos
Alcoólicos Anônimos nesta situação?

—Oh meu Deus, um lema do AA? Porra, como vou saber isso? Acha que é
um sinal? — Olhou irritado por um segundo, logo encolheu os ombros. Asher era
muito bom em encolher pensamentos inoportunos, um talento do qual Ember
gostava, pois era cheia de pensamentos não apenas inconvenientes, mas
agonizantes e com frequência paralisante. — De qualquer forma, é universal,
querida. A vida acontece um dia de cada vez. Apenas vamos aplicar isto em sua
relação com Christian.

Seus olhos se abriram. — Relação?

Asher rodou os olhos ao ver sua expressão de horror. —Bom. Amizade,


amizade, associação empresarial, o que for. Apenas vamos viver um dia de cada
vez, um jantar de cada vez. Não vamos nos preocupar com o futuro, apenas vamos
desfrutar do passeio. Mesmo você pode fazer isto. Certo?

Ember deixou escapar um suspiro. Não se preocupava com o futuro. Era


desfrutar do passeio ao problema.

Mas Asher estava olhando-a com tanta... esperança. Realmente era o único no
mundo, que não ligava para ela. Provavelmente poderia lidar bem com um jantar.

—Sim. —Ela cedeu. Logo, quando viu as sobrancelhas levantadas e os lábios


franzidos, viu que não ficou muito satisfeito com a resposta e disse. — Sim, está
bem! Sim! Posso fazer isso!
Sorriu e um pouco de sua máscara verde seca caiu de suas bochechas. —Bom.
Um jantar de cada vez, a partir de amanhã à noite. E depois de alguns jantares e
de conhecer plenamente o macho alfa em toda sua glória, irá me responder a uma
pergunta.

—Qual?

O sorriso de Asher sumiu lentamente. Ele observou seu rosto e mesmo através
da grossa capa da máscara de redução de poros viu o preocupado que estava com
ela. O quanto se preocupava.

—A pergunta é a seguinte: o quanto quer viver? — Sua voz era suave e terna.
— Porque, querida, está quase sem respirar.

Quase sem respirar. Isto soava certo. Para compensar a repentina onda de
emoção que sentia, a dor, o cansaço e o desejo que apertava seu coração, ela disse.
— Você é uma verdadeira dor na bunda, sabe?

Inclinou-se e deu-lhe um abraço rápido, forte. — E é exatamente por isso que


me ama. — Sussurrou em seu ouvido.

Quando se afastou, o suave Asher desapareceu e estava em modo completo


dominante Asher, com o queixo levantado, comportamento duro e uma mão
desdenhosa como se fosse a Rainha da Inglaterra. —Comida em primeiro lugar,
depois vamos conversar sobre onde iremos amanhã de manhã.

—E o filme?

—Esqueça o filme irmã, temos planos para fazer! Meu filho Quentin pode
esperar.
Ember passou o domingo pela manhã e parte da tarde, sendo arrastada por
lojas de luxo, com um excesso de cafeína e um quase maníaco Asher, quem insistiu
que tinham que encontrar a coisa perfeita para esta ocasião transcendental.
Sabendo que ela se converteu em um projeto, Ember permitiu ser maltratada e
tocada por uma série de atendentes vagamente descontentes que a olhavam como
se fosse um animal de laboratório experimentando desodorantes vaginais.

Não entendia como as outras mulheres amavam fazer compras. Era cansativo.
E mais que um pouco deprimente, a roupa sempre ficava melhor nos manequins
do que nela.

No momento em que experimentou três, teve o suficiente.

—Chega! — Disse a Asher justo quando estava a ponto de colocar um


cachecol de seda Hermes ao redor de seu pescoço. Era da cor do Mediterrâneo,
um azul celeste esmaltado e flutuava como uma nuvem em suas mãos. Ela viu a
etiqueta com o preço e quase engasgou.

—Nem sequer comece comigo, garota, que irá usar este lenço, goste ou não.
É preciso algo para combinar com esta pele pálida sua. — Olhou sua pele e estalou
a língua em sinal de desaprovação. — Quando se é tão pálida, precisa de algo mais
escuro e brilhante que seu tom de pele para complementar. Esta é, sem dúvida, a
sua cor. —Segurou-o até seu rosto e observou a si mesmo no espelho de corpo
inteiro, sorriu para seu reflexo e lhe enviou um beijo. — E minha.

—Asher sabe que não posso gastar isso.

—Sh. Tranquila! Nem uma palavra mais, ingrata. — Disse que este é para mim!
Já tinha comprado o vestido, os sapatos e uma bolsa combinando, conseguiu
algo de roupa intima também enquanto ela não estava olhando, um sutiã e calcinha
combinando que pareciam decadente o suficiente para comer. Ela não costumava
usar isso. Se usasse, seria consciente toda a noite. Saberia que estavam ali, sob sua
roupa, toda luxuosa e feminina, exigindo que aparecesse.

Muito perigoso. Sem roupa interior elaborada. Nem sequer tinha certeza de
que iria depilar as pernas.

No momento que voltaram ao apartamento, Ember estava tão cansada que se


esqueceu de entrar em silêncio. Quatro passos dentro e a porta de Dante se abriu.

—Americana. — Ele abriu os braços, sorrindo para ela como se fosse um


parente perdido há muito tempo. Sua peruca negra estava torcida sobre sua cabeça
calva, como sempre, mas ao menos estava vestido: calça e uma blusa azul escura
um pouco desfiada nas pontas. —Que bom vê-la! Como foi o final de semana em
Terrassa com seu amor?

Asher e Ember olharam um para o outro. Asher fez um leve movimento da


cabeça apontando Dante: entre no jogo!

—Um... foi um pouco... curto.

Aí. Isto não foi exatamente uma mentira. Foi tão curto que na verdade não
aconteceu nada.

—Ah! O amor jovem! Assim que... — Disse a si mesmo em espanhol, em


busca da palavra correta, então quando a encontrou, se iluminou. — Doce!
Amor? O rosto de Ember ruborizou. Com um olhar duro para Asher, disse
sarcasticamente. — Realmente, verdade? O amor é como o oxigênio. O amor é
uma coisa esplendorosa. O amor nos leva aonde pertence.

—Dante, seu inglês está muito bom. — Asher interrompeu, ignorando-a. —


As lições de Ember estão funcionando!

—Obrigado! — Dante fez uma profunda reverência, como um rei orgulhoso


e quando se levantou, tinha alguém de pé na porta atrás dele. Uma menina de uns
dez anos, pálida e esbelta, com o cabelo escuro e olhos da cor do céu de verão em
Taos, um azul profundo e sem fundo.

—Olá! Sou Clare. Qual seu nome? — A garota saltou adiante para ficar perto
de Ember. Ela a olhava com curiosidade aberta, muito direta para uma pessoa tão
jovem. Na sua idade, Ember evitava os adultos como uma peste.

—Minha neta. — Explicou Dante, virando-se para a garota com uma


expressão de orgulho e ternura que Ember teve que afastar o olhar.

—Sou Ember.

Clare levantou a mão e Ember, desconcertada a segurou. Deram-se as mãos


como se selando um acordo muito importante e Clare começou a falar em perfeito
inglês.

—Um bonito nome. O que significa? Colocaram meu nome como o de minha
avó que morreu. Você é branca como eu. Roberto diz que preciso sair mais ao sol,
mas gosto de ler, ver televisão e brincar com Bieber e não gosto muito de sair.
Gosta de videogame?
Clare a olhava com expectativa. Algum tipo de resposta era, obviamente, a
ordem, mas não tinha certeza por onde começar depois da introdução vertiginosa.

—Quem é Roberto? E Bieber?

—Roberto é meu filho, seu pai. — Disse Dante, bagunçando o cabelo de Clare
com afeto. — E este pequeno macaco sabe que não deve chamar seu pai por seu
nome, mas isto nunca impediu nada, verdade Clare?

Clare riu. — Não. — Virou-se para Ember. — Bieber é meu cachorro. É um


Yorkie. Coloquei esse nome por causa de meu cantor favorito. Gosta de Justin
Bieber? Roberto diz que cães pequenos são para homossexuais, mas eu o amo. —
Agora voltou o olhar para Asher e sorriu. Depois olhou-o de cima abaixo,
considerando seu físico perfeito, jeans justo, óculos na moda e meias cor fúcsia
que aparecia sobre o cachecol Prada e disse com inocente curiosidade. — Você
tem um cachorro pequeno?

Asher respondeu com grande sinceridade. — Não. Mas de acordo com


Roberto, definitivamente deveria.

—Legal! — Clare sorriu novamente, contente com a resolução.

—Volte para dentro, gordita, está muito frio aqui para você e não está usando
um casaco. — Dante disse suavemente.

Ainda que estivesse um pouco frio, o sol brilhava e nem Asher ou Ember se
incomodaram em usar um agasalho. Perguntou se Clara sentia facilmente o frio,
se este era o motivo da pele pálida e o escuro sob seus olhos. E estava tão magra.
Talvez se recuperando de uma gripe?
Olhando para ele, Clare sorriu ao avô e deu uma palmada em seu braço com
carinho, como se ela fosse o adulto e Dante a criança. — Não se preocupa tanto,
abuelito. É ruim para o coração de um velho.

—Velho! Ah terei que lhe dar uns tapas, pequeno macaco!

Dante estava brincando, obviamente, tentando reprimir um sorriso e


fracassou. Isto parecia uma antiga ameaça entre eles, um jogo, porque quando
Dante fez um movimento ameaçador para ela. Clare gritou de alegria e saltou
longe. Ela entrou no apartamento, rápida como uma lebre e logo colocou a cabeça
na porta um segundo depois.

—Adeus Ember! Amigo de Ember!

Ember e Asher se despediram e Clare desapareceu para sempre.

—Que idade tem? — Perguntou Ember e o sorriso de Dante começou


lentamente a desaparecer.

—Dez. —Dez. — Apenas por fora. Aqui. — Apontou o peito, indicando o


coração. — É mais velha que as montanhas. — Ele levantou o olhar para as
montanhas na cidade e fechou os olhos brevemente.

Ao sentir que isto era mais que uma simples metáfora, Ember perguntou. —
Ela está bem?

Dante com um rápido olhar para dentro, para se assegurar que Clare não
estivesse perto da porta do apartamento, fechou-a lentamente. Suspirou e colocou
as mãos no bolso da calça. —Por agora sim. Está fora do hospital há três meses,
o qual, é bom. Geralmente, os bons tempos não duram tanto.

Asher disse. — O que ela tem?


—Fibrose cística. — Dante disse as palavras como se a língua queimasse. —
Maldição de Deus sobre crianças inocentes. Seus pulmões se enchem de muco,
seus corpos não crescem, não podem digerir a comida ou dormir sem dor e
respirar. —Levou uma mão à teste e Ember percebeu que estava tremendo
levemente.

Ember não sabia nada sobre fibrose cística, exceto que era ruim. Exatamente
o quanto, não sabia. — Há uma cura? Podem fazer uma cirurgia? Quer dizer, não
tem medicamentos agora?

Dante a olhou, os olhos de repente cheios de lágrimas contidas. — Não há


nada que fazer. Quando está mal, a levam ao hospital e podem deixá-la um pouco
mais cômoda. Tem algumas coisas para ajudar, alguns medicamentos para reduzir
a infecção, oxigênio para ajudar a respirar. No entanto, não existe cura. As crianças
com esta doença geralmente não chegam à idade adulta.

Sua voz ficou mais amarga com a dor. — Em seu caso, os médicos acham que
não irá por muito anos.

Horrorizados, Ember e Asher ficaram em fôlego.

—Isto é horrível, Dante! Deve ser difícil para você e seus pais!

As palavras de Asher se encontraram com uma reação surpreendente. À


menção da palavra pais, Dante praticamente grunhiu. — Ah, meu filho não serve
para nada e a deixa aqui quando ele não pode lidar com a pressão de cuidar de sua
própria filha. E esta mulher que é sua mãe. — Disse uma maldição em espanhol,
uma palavra terrível para qualquer mulher ser chamada. — Espero que apodreça
no inferno! Ela é uma viciada em drogas e um desperdício inútil da vida humana.
Abandonou sua filha e meu filho, deixou-os quando Clare era apenas um bebê.
Minha pobre gordita, Deus a coloca a prova todos os dias.

Lágrimas ameaçaram cair e Ember cobriu a boca com a mão. —Oh Dante.
Sinto muito.

De repente parecia mais velho. Sua peruca caída, sua pele escura, a luz que
normalmente brilhava em seus alegres olhos escuros sumiu. Moveu lentamente a
cabeça para trás e para frente. Quando voltou a falar, sua voz perdeu toda a ira
quando falou dos pais da menina e agora havia apenas tristeza e uma espécie de
tranquilidade.

—Clare enfrenta a morte todos os dias desde que era um bebê. Nada a assusta,
não as pessoas, não a morte. Ela é amável, feliz e aberta, está totalmente presente
a cada momento, cada hora para ela é grande e redonda. A morte é apenas outra
porta que logo se abrirá para ela. Porque é assim como vê: o começo de uma nova
aventura. Com arco-íris e unicórnios, o gato que tinha com cinco anos que foi
atropelado por um carro. — Sua voz foi diminuindo. —Já briguei com Deus pela
injustiça, orei e amaldiçoei, gritei. Mas agora... agora acho que há uma razão por
trás do sofrimento. Ela está me ensinando e todos os que entram em contato com
ela, ganham algo que não tem preço, acho. Algo sagrado.

—O que? — Perguntou Asher em um sussurro quando Dante hesitou.

Ele levantou o olhar direto para Ember. — Ela os ensina a viver.

Os três ficaram em silêncio por um momento, um silêncio que parecia quase


reverente em sua profundidade. Ember sentiu-se um pouco emocionada, um
pouco instável sobre seus pés. Com nova apreciação, lembrou-se do que Asher
disse umas horas antes.
O quanto quer viver?

Dante, recuperando seu sorriso e olhando como se lhe custasse a endireitar e


levantar seus ombros, disse. — Chega desta triste conversa! Não vou ter outra!
Desfrute do resto de seu dia! — Deu a volta e estava a ponto de fechar a porta
quando Ember, agora abrumada pela culpa de estar se escondendo de suas
obrigações, o parou.

—Dante, sobre o aluguel.

—Não se preocupe, bonita! Conversaremos sobre isto em outro momento.


Continue e aproveite o resto de seu domingo.

Assim desapareceu em seu apartamento e fechou a porta, deixando Ember e


Asher olhando ao outro na escada.

—Isto acabou de acontecer, verdade?

Asher olhou dela para a porta de Dante, logo de volta outra vez. —Acho que
sim. Comemos algum alucinógeno no almoço? Ou talvez Dante foi tomado por
um ladrão de cadáveres. Devido a que ele não se preocupar com o aluguel é
muito...

—Estranho. —Ember terminou por ele. Claro que tinha a ver com Clare, o
pobre não queria perder tempo com Ember discutindo o pagamento com sua neta
doente em casa. Outra onda de culpa a golpeou e Ember não lembrava de ter
sentido tanta vergonha em muito, muito tempo.

Asher disse. — Bom, cavalo dado não se olha os dentes, como diz minha mãe.
Se ele não está preocupado com isso, pelo menos você está fora do gancho até
que possa arrumar o dinheiro. E olhe o lado bom, não precisa entrar escondida
em seu próprio apartamento. Vamos, vou ajudá-la a se preparar para a noite.
Apenas tenho algumas horas para trabalhar em você e vou precisar de cada
minuto. —Deu a volta e começou a subir os quatro andares de escada.

Ember o seguiu em silêncio, pensando no amor e na perda, pensando na


coragem e no sofrimento, pensando em uma menina com seu espirito livre e olhos
como o céu do deserto.

Pensando em outros olhos, verdes e infinitos, os olhos que encontraria em


menos de quatro horas.
No momento que bateram em sua porta as sete em ponto, Ember estava
caminhando pela sala, pensando em fazer caminhos invisíveis no chão.

Havia sido maquiada por um Asher quase mortal que nem sequer a deixou
falar durante o processo, tal sua concentração. E quando tudo terminou e se foi,
ela ficou olhando sua obra no espelho de corpo inteiro em seu quarto e teve que
admitir que fez um trabalho incrível.

Usava um vestido cor pêssego, sandálias de salto alto com tiras grossas, um
agasalho de cachemira ao redor dos ombros, seu cabelo preso e uma maquiagem
nos olhos e boca muito bonita.

Em outras palavras, ela parecia outra pessoa.

O som da batida a congelou, olhou para a porta e tirou o polegar da boca.


Asher pintou suas unhas de um rosa delicado e ficaria horrorizado se visse que
mordeu uma das unhas.

—Estou indo. —Murmurou para si mesma, sem deixar de olhar a porta. —


Estou indo, fique tranquila.

O golpe veio novamente, um pouco mais forte e fez Ember sair de seu estado
de animação suspensa. Com as palmas suadas e o coração acelerado enquanto
cruzava a sala, girou a maçaneta da porta e a abriu. Olhou para cima com
antecipação...

Viu o rosto severo, sem sorrir do empregado de Christian.

—Boa noite, senhorita. —Ele tirou o chapéu com a mão enluvada. — O


Senhor McLoughlin teve um imprevisto, mas deseja que me acompanhe ao
restaurante onde espera sua chegada.

Por uma fração de segundo ficou confusa —Sr. McLoughlin? Mas então a
antecipação encheu Ember e a deixou irada. Ele enviou seu motorista! Ele não se
incomodou em buscá-la! Desperdiçou todo seu dia ficando bonita e ele não
aparece! Na verdade, esperava que ela se sentasse sozinha em um restaurante e
esperasse sozinha por ele como uma heroína idiota da Disney, suspirando por seu
herói aparecesse para que assim sua vida começasse?

Não, não vai acontecer. Maldito, Sr. Calça Elegante!

Ember mudou Christian da categoria de Alfa, onde Asher erroneamente o


colocou, diretamente para outra categoria, a categoria que começava com a letra
I.

—Não, não irei acompanhá-lo e não vou esperar em nenhum lugar sua
chegada! Se está muito ocupado para vir ele mesmo, era tudo o que precisava dizer!

Devido a estar furiosa, foi dito com mais rispidez do que Ember previu. O
rosto do motorista ficou pálido. Seus olhos verdes vivos como os de Christian, o
que não percebeu antes, pareceu o mais estranho agora.

—Vamos! Por favor, não entende! Se não a levar ao restaurante, estarei em


sérios problemas! Precisa vir comigo, eu suplico!
Ficou obviamente surpresa com sua reação e ainda mais, obviamente
aterrorizada com o que aconteceria se o rejeitasse, assim pensou um momento.
Ela cruzou os braços sobre o peito e o olhou fixamente, sem piscar, o calor no
rosto combinando com a ira em seu coração.

—O que está fazendo de tão importante que precisa enviar outra pessoa em
seu encontro?

O rosto dele ficou pálido novamente. Sua voz tremia quando falou e sabia que
deixou cair uma oitava, soando suspeitosamente perto do medo. —Trabalho,
senhorita.

—Trabalho. — Ember repetiu friamente. — Ele está trabalhando.

Quando o motorista não ofereceu nada mais, Ember disse. — Tudo bem, vou
morder a isca. Que tipo de trabalho tem?

Agora o motorista começou a suar. Gotas de suor explodiram em sua testa e


lábio inferior, tirou o chapéu e começou a apertá-lo entre as mãos. — Desculpe,
senhorita, não acho que posso revelar isto.

Ela apertou os lábios. O homem realmente parecia com medo. A curiosidade


foi maior e perguntou. — E o que exatamente fará contigo se não for?

O motorista engoliu, o pomo de adão subiu e desceu por sua garganta.


Incrivelmente, seu rosto ficou branco. Mas nenhuma resposta chegou.

—Oh, esqueça! — Ember lançou suas mãos no ar. —Ouça, sinto muito por
trabalhar para um idiota, de verdade, mas não vou ficar sentada em algum
restaurante esperando um homem grosseiro, arrogante e desconsiderado. Pode
dizer a Christian que prefiro comer centenas de lulas fritas que colocar os olhos
nele novamente!

Sua testa se franziu. Ele a olhou, completamente confuso, o chapéu agora


preso entre os dedos com tanta força, que enrugou no centro.

—Lulas fritas.

Seu olhar em branco lhe disse que não fazia nenhum progresso.

—São repugnantes. Eu odeio. Entendeu? Oh, não importa. — Quando não


mostrou nenhum sinal de compreensão, Ember começou a fechar a porta e o
motorista começou a implorar.

—Por favor, senhorita! Por favor, não entende, deve vir...

Mas então viu a cópia do Cassino Royal na mesa da sala e teve uma ideia. Ela
abriu a porta novamente.

—Pensando bem, vou fazer um acordo... —Ia dizer seu nome, mas percebeu
que não sabia. — Desculpe, qual seu nome?

—Corbin, senhorita.

—Bom, Corbin, realmente preciso vender este livro. Alguns de nós não pode
se permitir motoristas. Também há algumas coisas que gostaria de dizer ao seu
empregador. E ao que parece precisa me levar a algum lugar ou estará em
problemas. Assim farei um acordo com você. Irei contigo...

Seu rosto se iluminou ao instante. Quando terminou a frase, no entanto, caiu


novamente.
—Se me levar onde Christian está neste momento, assim posso dizer o que
quero em sua cara.

Corbin olhava para ela com a boca aberta como de um peixe. — Isso não será
possível, senhorita! Se desobedecer uma ordem direta do Sr. McLoughlin...

—Aceite ou deixe, Corbin. E se serve de ajuda, pode dizer que foi obrigado.

Houve um momento de silencio, quando Corbin, apertando o chapéu nas


mãos e mordeu o interior da bochecha, debatendo consigo mesmo. Por último,
murmurou. — Muito bem, senhorita. Depois de você. — Afastou-se da porta e
levantou a mão enluvada.

Sentindo-se satisfeita, imaginando cada coisa vil que diria a Christian, depois
de negociar o preço daquele livro estupido, Ember pegou-o fechando o
apartamento e seguiu Corbin pela escada até o carro que os esperava.

Quinze minutos mais tarde, Ember esqueceu sua irritação porque estava muito
impressionada pela vista.

—Nunca estive aqui. — Disse a Corbin do assento traseiro do Audi, olhando


pela janela quando as primeiras colinas deram passo as estradas mais
pronunciadas, os bosques mais densos da serra de Collserola. A lua cheia brilhava
branco fogo no céu, coroando as árvores com um brilho perolado e as estrelas
claramente estavam visíveis sem todas as luzes da cidade para amortecê-las.
Cintilavam no azul safira profundo do céu como moedas no fundo de um poço
dos desejos. O sinuoso caminho serpenteava diante do carro, desaparecendo além
do alcance dos faróis e das árvores cheias enquanto passavam, denso, escuro e se
elevava com suas raízes contorcidas e envoltas por uma nevoa fantasmagórica.

—Sim, é lindo.

Corbin com sua resposta pouco entusiasta fez Ember perguntar. — O que
Christian disse quando falou que vinha?

Foi uma conversa telefônica discreta quando ele ligou. Corbin ligou para
informar Christian da mudança de planos, logo, respondeu monossílabas ao que
Christian dizia do outro lado da linha. Ela daria qualquer coisa para saber os
detalhes da conversa, mas infelizmente não foi capaz de ouvir nada além de um
Corbin tenso dizendo: Sim, senhor e não, senhor e entendo, senhor.

—Depois de sua inicial surpresa, ele riu... senhorita.

Riu? Filho da...

—Porque riu? O que é tão engraçado nesta situação? —Perguntou ela, irritada
novamente. Este homem a deixava nervosa!

—Se conhecesse melhor o Sr. McLoughlin senhorita, saberia que não é


comum ele rir. — Corbin a olhou pelo retrovisor. —Acho que é um verdadeiro
elogio.

Um elogio. Que ele risse dela. Os ingleses eram muito estranhos.

—Assim não está em problemas, então?

O fantasma de um sorriso se desenhou no rosto de Corbin. — Ele, ah, não


pareceu pensar que a senhorita saiu de seu normal comigo. A palavra que usou foi
“foguete”.
Foguete. Odiou ter ficado contente com isso. A palavra a encheu de satisfação
e sentia-se como um gato que acabou de tomar seu creme.

—Aqui estamos. — Disse Corbin. Ember olhou pelo para-brisas quando


pararam de frente a portões de ferro. Corbin desceu o vidro da janela e apertou
um código em uma caixa em um pedestal e os portões lentamente começaram a
se abrir.

Foi então quando começou a verdadeira aventura.

Ember esperava uma casa —isto definitivamente não tinha o aspecto de uma
casa na cidade — mas o que viu em seu lugar ao longo foi uma mansão, enorme
em uma colina rodeada por um bosque denso. O lugar estava escuro e
melancólico, com um teto elaborado francês com ferro em arcos e as janelas sem
luz, refletindo apenas a luz da lua, fila atrás de fila como olhos sem vida. Parecia
mais uma fortaleza que uma casa de campo. Ember sentiu que a metáfora de uma
fortaleza era ainda mais apta quando viu a ponte de pedra baixa que tinham que
cruzar para chegar à casa.

Havia uma ponte porque havia um foço.

Era lindo de uma forma ameaçadora e por alguma razão, Ember sentiu uma
estranha classe de reconhecimento, quase deja vu, como se antes estivesse ali ou de
alguma forma conhecesse o lugar.

—Parece muito seguro...

A única resposta de Corbin foi um ruído evasivo de acordo.

Uma vez sobre a ponte e estacionando no caminho circular forrado, Corbin a


ajudou a descer do carro e a acompanhou em silêncio até as portas dianteiras
massivas que se abriram em silêncio. Ele a fez passar e pediu que esperasse em
uma sala justo ao lado da sala principal, um cômodo como um lareira crepitante e
alegre, uma enorme mesa de caoba com duas cadeiras de couro vermelho de
encosto alto de frente a ela e três paredes forradas de livros até o teto.

Depois de um arco em direção a ela, Corbin se retirou e Ember ficou sozinha


na biblioteca.

E era uma biblioteca. Havia mais primeiras edições de clássicos antigos que
nunca poderia adivinhar o valor. Henry James, Virginia Woolf e Samuel Johnson,
uma seção de obras por trás de vidros que incluíam um pergaminho da época
isabelina. Era um manuscrito original escrito a mão por Christopher Marlowe, que
por si só, valia uma fortuna.

Devido à que não havia sobreviventes originais de Christopher Marlowe.

Ember se aproximou da caixa, hipnotizada, olhando com assombro e a boca


aberta os papeis. Olhando as manchas de tinta e as bordas irregulares, a mancha
marrom irregular em um canto que imaginava ser uma gota de vinho derramada
ali há séculos.

—Magnifico, verdade? — Uma voz baixa atrás dela. Com um grito de surpresa,
Ember saltou e virou-se para Christian não a dois metros de distância, olhando-a
com os olhos estreitos e um leve sorriso nos lábios.

Seu primeiro instinto foi simplesmente olhar para ele, porque em sua própria
casa, rodeado de toda aquela gala, de alguma forma tinha melhor aspecto que
nunca. Estava vestido com um terno, como na primeira vez que o viu, um
profundo azul noite com um lenço no bolso e uma camisa estanho, aberta no
pescoço. Sem gravata. A pele, o rosto, o cabelo: perfeitos. A mandíbula quadrada,
lábios grossos, nariz reto: perfeitos.

Lindo. Porque tinha que ser tão bonito?

O leve sorriso aumentou quando se aproximou e sua boca ficou seca.

—Acho que foi grosseiro. — Pronunciou ela, tentando ignorar o calor em seu
sangue.

—Assim me disseram. —Respondeu, segurando seu olhar. — Acho que a


palavra “idiota” foi mencionada?

Ah, Corbin traidor!

—Ei se o sapato encaixa... — Ember encolheu os ombros e cruzou os braços


sobre o peito, uma espécie de medida de segurança, porque de repente parecia
estar muito perto.

Ignorou isso. Seu olhar viajou por seu cabelo, o vestido, as sandálias delicadas
e os dedos dos pés pintados. Quando voltou a olhar em seus olhos havia algo no
seus que queimavam escuros e lhe deu vontade dar um passo atrás. Ela não o fez.

—Parece comestível. —Murmurou, olhando diretamente em seus olhos.

Se não estivesse tão irritada com ele, teria ficado realmente irritada agora.

—Vim aqui para lhe dizer na cara que acho você um egoísta, esnobe, mal-
educado, sem consideração, imbecil...

—Não esqueça idiota. — Interrompeu ele, com os olhos brilhando com uma
risada.

—Aff! — Terminou ela, lutando contra a necessidade de chutá-lo.


Suas sobrancelhas se levantaram. —Imbecil? Hum, isto é grave. Não me
importo ser chamados de todos estes nomes, mas um imbecil, realmente dói.

—Está rindo de mim. — Disse assombrada. — Novamente! Depois de me


deixar esperando.

Seu rosto ficou sombrio. — Não a deixei esperando, September. Simplesmente


tive um problema para atender e não pude ir a tempo...

—Sim, assim me disseram! E vai me dizer exatamente que problema era este?
Porque na minha opinião, a menos que fosse de vida ou morte, me deixou
esperando.

Seu rosto adquiriu uma expressão estranha, uma mistura de tristeza e nem
sequer uma onda de raiva, tudo foi rapidamente sufocado. Em voz baixa disse. —
E se dissesse que era de vida ou morte, acreditaria?

Olharam um para o outro em silencio enquanto o fogo crepitava na lareira,


enviando chispas laranjas para cima, enchendo a sala com um brilho encantador e
cheiro de pinho.

—Não sei. Provavelmente não. Mas realmente era?

Um músculo pulsou em sua mandíbula. Ele não afastou o olhar de seu rosto
quando disse. — Sim.

Ela tentou entender sua expressão, mas era ilegível. Havia algo em seus olhos,
no entanto, uma certa urgência, que lhe dizia que era verdade.

O que na terra poderia estar fazendo as sete da noite de um domingo em casa


que era de vida ou morte?
Ela suspirou, derrotada. — Bom, na verdade não importa, de qualquer forma.
Trouxe uma cópia do Cassino Royal. Vou deixar com você e...

—Não. — Sua voz era contundente. Deu um passo mais perto.

—Não? O que quer dizer com não? Não o quer?

Deu um passo mais perto. Se viu obrigada a retroceder até que suas costas
estavam contra a estante e não pode ir mais longe. Inclinou-se muito perto,
colocou a boca perto de seu ouvido e disse. —Sabe o que quero September e não
é o maldito livro.

Seu sangue deixou de circular. Por isso seu coração congelou dentro do peito.
Logo colocou as duas mãos na cabeça e respirou contra seu pescoço, inalou
lentamente e sua suave respiração sentia-se como se estivesse cheirando-a. A
ponta e seu nariz roçou seu pescoço. Sentiu-se flutuar, uma onda de eletricidade
quando os lábios tocaram a pele e seu coração começou um galope assustador.

Ember ouviu falar disso antes, os joelhos fracos, a boca seca, a eletricidade que
poderia passar entre duas pessoas, mas nunca experimentou. Ele teve namorados,
claro, relações de curta duração com diferentes graus de intensidade, mas seu
corpo nunca respondeu desta forma, cada nervo gritando simplesmente porque
um homem cheirou sua garganta.

—Christian. —Ela respirou cuidadosamente e de forma lenta. — Por favor.

Ela não sabia o que estava pedindo. Pare? Continue? Mas ele respondeu
segurando seu pulso e levando a mão ao seu peito. Ele se afastou um pouco e
colocou a mão sobre seu coração. Manteve ali, apertou contra seu peito, com sua
própria mão sobre a dela e disse. —Feche os olhos.
Suas pálpebras se fecharam sozinhas. Manteve-se imóvel e sem fôlego, seus
nervos afiados em um milhão de pontos de exclamação insuportáveis.

Ele disse. — Você sente?

Ela sentia. Sob sua palma, seu coração pulsava tão forte como o dela. Ela
assentiu.

—E o que isso te diz?

Sua voz caiu um pouco. Sentia-se presa, sentia o cheiro de sua pele, de seu
cabelo e seu fôlego, era tudo embriagante. Suave e doce, no entanto, almíscar e
escuro, cheirava a ar livre, como a noite no coração mais profundo do bosque,
como algo natural, primitivo e indefinido, a luz da lua, magia e neve recém caída.

Cheirava... selvagem.

—Diz que... é real. Porque sinto. — Sussurrou, sabendo exatamente o que


queria.

—Sim. — Disse e com a outra mão tocou seu rosto.

Incapaz de olhá-lo, manteve os olhos fechados. Manteve a mandíbula em sua


palma como se fosse algo frágil. Seu polegar estava justo sob a orelha esquerda.
Logo deslizou a mão para frente e os outros dedos se fecharam ao redor da nuca.
Começou a acariciar com o polegar suavemente este ponto sensível atrás do lóbulo
da orelha, o que deixou sua pele em erupção e arrepiada.

—Não sou seu tipo. — Sussurrou ela, toda sua ira contra ele desapareceu.
Percebeu que na verdade, era apenas uma decepção aguda, tanto por ele como por
si mesma por ter esperança, mas nem assim era mais fácil de olhar. Finalmente
reuniu coragem para abrir os olhos e o encontrou olhando-a fixamente, com os
olhos sombrios e intensos.

Em resposta a suas palavras, levantou a sobrancelha. Então os olhos verdes


dele, sempre penetrantes, passaram de tempestade para escuridão. — Não. Você
não é.

Isso doeu. Até que ele continuou. — É mais inteligente que meu tipo habitual.

Ela quase derreteu. Os arrepios desceram por suas pernas.

—Mais afiada.

Outro golpe. O coração acelerou.

—Mais interessante.

Seu sorriso aumentou quando disse isso. Seu coração começou a bater de
repente violentamente no peito como se houvesse injetado adrenalina, um bater
tão selvagem e violento que pensou desmaiar. — Acredite em mim, sou tão
interessante como um pudim de baunilha. — Disse hesitando.

Como podia alguém afetar seu ritmo cardíaco com um simples toque? Ela
pensou que se alguma vez a beijasse, poderia com certeza desmaiar no ato. Então
a ideia de beijá-lo fez seu coração ir a cem, um carro de corrida gritando na reta
final.

De alguma forma, o sentiu. Seu nariz inalou, seu olhar caiu ao pulso forte na
garganta. Deixou seu olhar viajar lentamente pelo pescoço e seu rosto e quando
seus olhos se encontraram novamente, sentiu-se quente.
—A baunilha é meu sabor favorito. E o pudim... — Inclinou-se e inalou
novamente, contra sua pele. Sussurrou. — Pudim é uma delícia. A forma como
derrete na língua.

Sua boca e cérebro mal funcionavam, mas ela disse. — Teria pensado que
chocolate fosse mais seu gosto.

Christian se afastou, apenas o suficiente para olhar, mas ainda estava


perigosamente perto. Se quisesse, poderia ter se inclinado para frente uns
centímetros e apertado os lábios nos dele.

E se fosse sincera consigo mesma, era o que queria. Queria muito.

—As pessoas pensam que o chocolate é decante, mas... — Seu olhar desviou
para sua boca. — O chocolate vem de uma árvore. Pode conseguir em qualquer
lugar, mesmo em uma loja. É comum. Baunilha, ao contrário, vem das orquídeas.
É uma das especiarias mais caras do mundo, apenas superada pelo açafrão. É puro,
picante e delicado e sua essência é usada nos melhores perfumes. A baunilha é
rara. — Seu olhar se levantou ao dela. — E quanto mais raro é algo, mais valor
tem.

Outro golpe do polegar atrás da orelha, acompanhado de um olhar tão


primitivo e faminto que Ember pensou que poderia apoiar-se nela e a comer.

—Está diferente. Esta noite, parece... diferente. — Sussurrou. — O que


aconteceu?

Sua mão ficou imóvel em seu rosto. Suas sobrancelhas se juntaram e se


olharam, com um olhar tão penetrante que se sentia nu. Murmurou. —
Definitivamente mais inteligente que meu tipo habitual.
—Isto não é uma resposta.

Ele sorriu torto, muito fraco e ainda mais fraco disse. — A vida é tão curta,
garota misteriosa. E as pessoas de quem gosta estão distantes. Talvez em outra
vida...

Por trás deles veio um som de uma garganta. Corbin disse. — Perdão senhor,
mas há uma ligação do Conde de Sommerley. Disse que não queria ser
incomodado, mas disse que era urgente.

—Conde de Sommerley?

Christian exalou um suspiro e fechou os olhos. — Meu irmão. — Abriu os


olhos, olhou seus lábios e lentamente deslizou o polegar por sua boca. Exalou
novamente e se afastou.

—Desculpe. Tenho que atender. Isto não levará mais que um momento.

Deu a volta para sair, logo parou e a imobilizou com o olhar. —Não fuja. —
Ordenou e ela quis rir.

Como se pudesse fugir quando suas pernas estavam como borrachas.

Mas ela apenas assentiu em silêncio e observou enquanto ele saía rapidamente
da sala.
—Dez mais estão faltando na colônia de Manaus. — Disse Leander
bruscamente.

Christian disse. — O que? — Quando atendeu foi igualmente brusco. Ele e


seu irmão mais velho nunca foram de conversar muito.

—Não entendo, porque merda estão saindo? Pensei que toda a colônia
estivesse sob proteção.

—Estão. Mas alguém está ajudando-os a sair, abrindo caminho, organizando


toda a maldita coisa. Provavelmente alguém de dentro. Não sabemos ainda, mas
uma coisa temos certeza: precisamos estancar a hemorragia.

—Se o fizerem em Barcelona...

—Não sei, Christian. Quando. Os seis que abandonaram a colônia em


Bhakthapur já estão aí.

—Como sabemos?

—Um deles fez uma ligação para sua mãe. Disse que chegou bem. Disse que
deveriam ir também. Era melhor ali. Tinham muito mais liberdade.

—Merda. — Murmurou Christian.

Ao que Leander respondeu ironicamente. — Precisamente.


—Pudemos rastrear a ligação?

—Era de um celular pré-pago, descartável. Sem rastro.

O que significava que os desertores estavam tomando precauções. O que


significava que foram treinados.

O que significava que seu líder diabólico e louco não era tão tolo depois de
tudo.

—Estamos mais perto de encontrá-lo?

—Barcelona é uma cidade muito grande, Leander. — Christian disse


firmemente. — Sabíamos que iria levar tempo.

—Infelizmente, tempo é o único que não temos, irmão. Posso enviar os


Caçadores...

—Conversamos sobre isto um milhão de vezes. — Interrompeu Christian. —


Os Caçadores estão muito ocupados contendo as situações das colônias. Sem eles,
a hemorragia seria exponencialmente pior. Não podemos nos dar ao luxo de
desviar a atenção agora. Além disso, se tivermos uma grande presença aqui, irão
nos perceber antes de encontrá-lo e irão se mover novamente. E desta vez não
teremos nem ideia de onde iriam. — Sua voz abaixou. — E sou o único que não
tem família. Precisa ser eu.

Houve um longo silêncio, logo um pesado suspiro de Leander. — Eu sei.


Ainda não pode lidar com tudo isso. Sei que está fazendo tudo o que pode. Estou
preocupado com você. Toda essa situação... nunca imaginei que chegaria a isto.
Tem razão. Sei que tem razão. Mas isto não significa que tenho que gostar.
Christian sabia. Para seu irmão mais velho pronunciar as palavras era um
pouco mais que um milagre. Isto significava que não estava bem.

Sua voz cuidadosamente neutra, Leander disse. — Jenna está preocupada com
você também.

Oh, um campo de minas. As defesas de Christian subiram, a resposta


automática a qualquer menção da mulher de seu irmão.

—Como ela está?

—Maníaca. Esta gravidez... não tinha ideia de que seria tão ruim. Não apenas
seus dons sumiram, mas ela não pode se transformar por causa do bebê e na
maioria dos dias está tão doente que mal pode se levantar da cama. A parteira disse
que está tudo perfeitamente normal, mas não gosto de vê-la doente e não poder
fazer nada por ela. Faz-me sentir tão indefeso...

Indefeso. Sim, era exatamente como Jenna fazia Christian se sentir, também.

A mulher de seu irmão era dolorosamente linda e houve um tempo, antes de


se casar com Leander, que Christian imaginou estar apaixonado por ela. Bom,
talvez um pouco. Ela era americana, com aquela franqueza americana e
independência que rompeu o equilíbrio de seu mundo cuidadosamente controlado
de um milhão de formas diferentes.

Jenna era mais poderosa que todos de sua espécie, o qual era tanto mais
surpreendente porque era metade humana.

Humana... como September Jones.

Fechou os olhos ante a ideia da garota frágil, lutadora que lhe esperava em sua
biblioteca, o desastre a ponto de acontecer sem poder fazer algo para evitar e
lembrou do cheiro delicioso dela. Suave, doce cheiro de baunilha e flores do
campo.

Ember não o fazia se sentir impotente. Ember o fazia se sentir eletrocutado.


Em chamas. Vivo.

Controlando sua voz, disse para seu irmão. — Envie minhas saudações. E
diga... diga que não se preocupe. Diga que há um anjo olhando por mim.

Isto foi recebido com mais silêncio. Christian sabia que Leander imaginava um
tipo diferente de significado para suas palavras, um significado que fazia alusão a
sua missão e resultado. Mas na verdade, estava pensando em outro anjo, um anjo
com mau gênio e olhos como chocolate e um sorriso como amanhecer, que podia
olhar para um homem e fazer com que se sentisse o centro de todo o universo ou
a criatura mais irritante que jamais viu.

—Ligarei assim que tiver algo, certo?

Leander murmurou seu assentimento e desligou.

Olhando fixo para o telefone, Christian passou a mão pelo cabelo. Tinha
certeza de ter capturado o cheiro deste traidor que estava procurando mais cedo
durante o dia, quando estava nos bosques. Estava na rede desde que chegou a
Barcelona há quatro semanas, um esforço concentrado que geralmente levava a
noite toda e o deixava exausto e dormindo até o dia seguinte. Duvidava que seu
objetivo estivesse na cidade, sua espécie preferia as áreas remotas ou inacessíveis,
longe dos olhares indiscretos da humanidade. Até agora, sua busca não deu em
nada, mas hoje conseguiu seguir um rastro no vento. Era um fraco rumor de
especiarias exóticas e umidade, a assinatura de um predador adulto em seu melhor
momento, faminto por pele e sangue. Seguiu mais longe que pode, mas o caminho
ficou frio sobre o topo da colina com vista diretamente ao mar e se viu obrigado
a abandonar a busca.

Mas não a tempo de ir em seu encontro com Ember.

Sorriu, pensando em sua ira, em seu rosto quando ela o chamou de grosseiro.
Não tinha certeza se alguma vez alguém falou assim com ele em sua vida.

Perguntou se gostava.

Christian voltou rapidamente a biblioteca, meio esperando outra chamada de


atenção. E esperando que tivesse a oportunidade de terminar o que começou e
ver se os lábios de September eram tão suaves e aveludados como pareciam.

O trajeto até o restaurante se completou quase em silêncio e depois da


intensidade na biblioteca, Ember se sentia incomoda sentada junto a Christian na
parte de trás do carro enquanto Corbin os levava a cidade.

Ela o olhou e perguntou. — Alguma vez dirige você mesmo para algum lugar?

Olhando pela janela, sorriu. Virou-se para olhar para ela e disse. —Bom, não
gosto de romper a lei.

Em seu olhar interrogativo, explicou. —Não tenho licença para dirigir.

Ela pensou imediatamente no pior dos casos. Foi cassado? Esteve envolvido
em acidentes? Corridas de carros? Era um ladrão de bancos? Um criminoso? Um
ladrão de joias?

Isto explicaria muito.


—Que tipo de pessoa não tem licença para dirigir?

Ele sorriu de forma preguiçosa. — O mesmo tipo de pessoa que não tem
televisão.

—Bom. Touché. Mas ainda não é a mesma coisa.

Seu sorriso sumiu levemente. — Onde eu cresci, não havia carros. Nunca
aprendi a dirigir.

Isto lhe intrigou. Girou o corpo no assento e enfrentou-o. —Não havia carros?
Na Inglaterra? É Amish ou algo assim?

Ele riu. — Amish? Aí é onde vai primeiro?

—Tem que admitir que é estranho.

Agora ele a observava, todo o humor desapareceu. —Há uma grande


quantidade de coisas sobre minha educação que tenho certeza consideraria raro.

Ela esperou mais, mas quando não disse nada, levantou uma sobrancelha. —
Não pode começar e depois não terminar, isto é totalmente falso.

—Falso? — Repetiu lentamente, o sorriso voltando a seus olhos.

—Sim. Falso. Injusto. Tolo. Além do correto.

Balançou a cabeça. — Não tinha ideia que seu vocabulário era tão extenso.

Ember bateu na testa. —Li muito, garoto grande. Meu vocabulário é múltiplo.

Christian se inclinou para frente para seus rostos ficassem perto e murmurou.
— Acabou de me chamar de garoto grande?

Ember engoliu, seu estômago subitamente cheio de mariposas que se negavam


a morrer, que se multiplicaram por mil desde que se conheceram, se reproduziam
como coelhos frenéticos com cada toque, com cada olhar e sorriso compartilhado.
Estava envolta em seu novo aroma, masculino, exótico, uma especiaria de noite,
fumaça e segredos. A forma como a olhava a deixava arrepiada da cabeça aos pés.

—Um. Sim?

Observou-a por um momento em silêncio, com o olhar errante por seu rosto
quente, sua boca, seus olhos. Finalmente, levantou uma mão e roçou os nós dos
dedos sobre seu rosto com a pressão mais leve, seguindo a curva da mandíbula.
Sussurrou. — Adoro isto.

Como um elevador em queda livre, seu estômago caiu. Ela conseguiu reunir
coragem o suficiente para responder. — O que?

—Quando ruboriza para mim. É o melhor elogio que pode me dar.

Ember abafou um gemido. — É vergonhoso.

Ele estendeu a mão sobre seu rosto, segurou-o na palma. — É bonito.

Seus olhos escureceram e o crepitar estava ali entre eles novamente, elétrico
no ar. Ember disse, muito baixo. — Acho que precisa fazer um exame de vista.
Nada em mim é bonito.

Isto levou o olhar ao seu rosto e ali havia ira, se não houvesse sido pela
suavidade em seus olhos. Disse com veemência tranquila. — É o que sei.

Devido a que não podia suportar este olhar, esta suavidade e intensidade, o
desejo nu, ela fechou os olhos. Apertou os lábios e retirou a mão, acomodando-
se em seu assento, uma distância muito mais segura. —Isto é muito favorecedor,
sobre tudo vindo de você...
—Uma distração muito idiota? —Brincou em voz baixa e levantou a mão
esquerda.

Ela a segurou, deixando acariciar as cicatrizes em seu pulso com o polegar,


indo pelas cicatrizes no braço, os dedos suaves e levemente um interrogatório.
Precisou de tudo o que tinha para ficar quieta e deixar que fizesse isso, quando
todos seus nervos gritavam para que ela se afastasse. Como um álbum de fotos
em carne viva, estas cicatrizes estavam cheias de lembranças coloridas. A faziam
se sentir feia, pequena e em alguns momentos amaldiçoada. Odiava estas cicatrizes
com cada célula de seu corpo.

Ninguém as tocou, exceto ela, o médico que tirou os pontos... e agora ele.

Ainda sem olhá-lo, disse. — Você não sabe. Eu disse antes, você não me
conhece. Apenas terá que confiar em mim quando digo que está errado.

Houve um silencio, que se sentiu quente e incomodo. Então Christian disse.


— O que te aconteceu, para se odiar tanto? — E sentiu como um soco no
estômago.

A dor era uma coisa divertida. O tempo poderia temperá-lo, suavizar as bordas
ásperas que arranhavam e a tiraram da primeira sequela da perda, mas como
Lázaro podia ser ressuscitado, uma e outra vez, às vezes com a menor das
provocações. Ember sabia tudo sobre o demônio chamado dor. Ela sabia da
pouca profundidade da sanidade e de como as pessoas não cuidavam da fria
realidade quando a vida terminava.

E sabia que falar sobre a dor não fazia nada para curá-la. Falar somente lhe
dava mais espaço para respirar.
Ela tirou a mão do alcance de Christian e cobriu o rosto. — Nada. Por favor.
Nada.

Sua voz era suave. — Gostaria que me contasse.

O calor em suas bochechas se estendeu aos seus ouvidos. Ainda se escondendo


atrás das mãos, sussurrou. — Estou quebrada, certo? Isto é o que quer ouvir?
Estou quebrada e não tem como consertar. Não tem como encaixar todas as peças
do quebra cabeça feio novamente. Por favor, deixe que vá.

Houve um momento de silêncio e logo Christian se aproximou e puxou-a para


seu colo.

Antes que pudesse ofegar em choque ele tinha seu rosto entre as mãos.

—Não vou perguntar novamente. — Disse com urgência, os olhos


procurando os dela. — Mas apenas porque não quer que o faça, não porque não
quero saber ou porque acha que está quebrada. Não acho que esteja quebrada e
estas são duas coisas muito diferentes.

Ela o olhou fixamente, sem falar, muito consciente do calor e a dureza de seu
corpo e Corbin no assento da frente e o fato de que seu vestido subiu pelas pernas
até as coxas nuas.

Ele continuou, ainda com esta urgência. — Não temos que compartilhar
nossas histórias tristes. Disse antes, segredos estão bem. E não estou seguro de
quanto tempo ficarei por perto, mas sei com certeza que quero passar tanto tempo
com você quanto puder. Quero fazê-la feliz. Quero ver seu sorriso. Não posso
explicar de uma forma que entenda e é provável que seja uma loucura e
definitivamente não é um de nossos melhores interesse, mas...
Ele hesitou. Sua respiração ficou irregular e assim a dela. A forma como a
olhava agora, fez seu coração subir pela garganta, ameaçando sufocá-la.

—Mas eu a quero September Jones. Quebrada ou não, como estiver, eu a


quero. E sei que também me deseja.

A cidade passou pelas janelas em um borrão de cores, luz e escuridão,


completamente desapercebido para os dois. Suas mãos em seu rosto estavam
quentes, tão quentes que irradiava calor. Junto com seu cheiro, seu calor se
apoderou dela em ondas e pela primeira vez em muito tempo, Ember se agarrou
a deliciosa dor do desejo.

—Tenho certeza que sabe fazer discursos bonitos, Sr. Calça Elegante. — Ela
disse.

Exalou e percebeu que estava segurando o folego, esperando sua reação.


Moveu as mãos de seu rosto para os ombros e logo a apertou contra o peito e a
manteve ali com força, com os braços rodeando-a, com a bochecha apoiada em
sua cabeça, os lábios em seu cabelo. Através da camisa sentia as batidas de seu
coração contra o rosto e ela fechou os olhos, ouvindo a cadência, amando o som.

Sentindo como se seu coração pudesse estrangulá-la, assim disse. — Não


posso acreditar que este discurso não termina com um beijo.

Ela sentiu a risada em sua bochecha também. Reverberou através de seu peito,
lançou-se abaixo e profundo como um tambor. Segurou seu queixo e inclinou o
rosto para ele.

—Não haverá beijos, pequeno foguete, se não pedir primeiro.

Em resposta a seu olhar mortificado, acrescentou. — Sim.


—Quer que peça para me beijar. — Disse.

Ele assentiu com a cabeça, um sorriso em seu rosto. — Será fácil, é apenas três
palavras. Por favor, beije-me. O que é tão difícil?

—Que tal: por favor, diga que é uma piada, em seu lugar?

Seu sorriso ficou perigoso. — Nunca brinco sobre beijos, Ember. —Soltou
seu queixo, estendeu a mão e tocou levemente a perna nua sobre o tornozelo. Ela
segurou o folego surpresa e congelou, ridiculamente grata por ter decidido depilar
as pernas, depois de tudo.

Ele disse. — Há várias coisas que, de fato, nunca brinco e todas elas têm a ver
com o prazer de uma mulher.

Segurando seu olhar, deslizou os dedos lentamente pela perna e Ember se


sentia como se deixasse um rastro de fogo em sua pele. Tinha certeza que se
olhasse haveria marcas de queimaduras. Um leve arrepio a percorreu.

—Peça. — Sussurrou acariciando sua perna. — Três pequenas palavras e a


farei tremer mais que isso.

—Lembro-me antes que disse que era egoísta e o que mais? —Sussurrou
novamente para ele, os dedos segurando o terno, suas costas rígidas, seus olhos
fixos. Ele assentiu com a cabeça, os dedos movendo-se lentamente acima da
rótula, por sua coxa. A medida que passava a mão aberta sobre sua pele, a voz
ficava mais baixa. —Tinha razão sobre a parte egoísta.

Ele abaixou a cabeça, justo o suficiente para seus lábios tocarem os dela.
Contra sua boca ele sussurrou. —Peça. — As palavras roçaram seus lábios, leve
como uma pluma e fugaz.
Em lugar de falar “não” em voz alta, ela negou com a cabeça, roçando os lábios
contra os dele de forma lenta e cuidadosa. Ele fez um som baixo, masculino. Sua
mão ficou tensa na perna e a eletricidade os percorreu novamente, magnética e
como um animal selvagem a ponto de ser liberado.

Então o carro parou e Corbin anunciou. —Chegamos, senhor.

Ember sufocou um gemido. —Ele tem um tempo incrível.

Christian fechou os olhos. — Sim. — Disse entre dentes. — Com certeza tem.

Inalou, apertou sua coxa e a soltou, colocando-a de volta no assento.


Assegurou que o vestido estivesse novamente sobre os joelhos e tentou não pensar
em seu corpo, os lábios, o aroma e olhar, como se sentiu ao ter seus braços ao
redor dela. Porque se concentrasse em qualquer uma dessas coisas, não
conseguiria passar pelo jantar.

Ela pensou que pediria para levá-la para a casa e para sua cama, neste
momento.

E precisava de mais tempo para resolver tudo isto, tudo estava acontecendo
muito rápido. Não era essa garota, a que tinha sexo no primeiro encontro ou se
lançava sobre os homens, esperando atenção. Não importava o magnifico que
fosse, não fazia isto.

Christian a ajudou a descer do carro e manteve a mão na dela enquanto


entravam no restaurante e iam para a mesa. A medida que seu cérebro começou a
voltar à ativa e processar, seus pensamentos clarearam e Ember foi golpeada por
algo que perdeu na emoção do momento nos braços de Christian, o ardor de sua
intensidade confundindo sua mente. Era algo que disse, algo que parecia muito
mais sinistro agora que repetia.
Não tenho certeza de quanto tempo ficarei por aqui.

Perguntou-se novamente sobre a situação de vida ou morte que o fez se atrasar


esta noite. E porque pensava que tinham pouco tempo juntos.

O que exatamente estava escondendo?


O jantar foi extravagante e tranquilo.

Havia caviar e ostras, foie gras17 e filé mignon, um Bordeaux — que ela
declinou educadamente — tão escuro e decadente que mais parecia uma
sobremesa. O menu era francês, como o garçom com nariz reto e cabelo penteado
para trás, que se inclinou e atendeu prontamente Christian quando fez o pedido.

Em francês.

Foi uma experiência incomoda para Ember, em parte devido a que a tensão
elétrica no carro não se dissipou e em parte porque lhe lembrava demais os
primeiros dias do casamento de seu pai com Marguerite. Os três juntos, com as
Tweedle, frequentavam restaurantes caros como este e Ember e seu pai sofria
através de intermináveis comentários sobre tudo, desde a qualidade da comida ao
guarda-roupa de Ember. Ambos os quais sempre eram o assunto. Além disso,
odiava ostras e foie gras, mas não queria parecer grosseira ou ingrata quando
Christian pediu, sobre tudo porque ela já havia rejeitado o vinho.

Ansiava um hambúrguer. E uma via de escape rápida.

Ou talvez uma bala na cabeça.

17 Uma iguaria francesa com textura incrível, significa “fígado gordo” é nada menos do que fígado de pato.
No momento que o jantar terminou, seus nervos estavam desgastados. Ela e
Christian trocaram algumas poucas palavras.

—Bom. — Disse Christian enquanto se encostava novamente na cadeira


coberta de seda. Brincando com a colher da sobremesa, enviando-lhe um olhar
penetrante sob os cílios. — Esta foi uma das experiências gastronômicas mais
memoráveis que já tive. Apesar do fato de não ter gostado muito.

Seus lábios se torceram. Ela exalou uma respiração lenta e desigual, tentou
sorrir. —Você vive bem. — Disse em voz baixa, olhando para baixo à sobremesa
no prato sem tocar, um merengue de avelã com açúcar por cima que o garçom
chamou de “Dacquoise”. Ao parecer um causador de diabetes.

—Obrigada. — Murmurou Ember e o olhou, ele estava olhando para ela com
uma intensidade sem piscar. Terrivelmente, porque claro que iria acontecer, ela
ruborizou.

—Bom. Que tal se saltarmos a sobremesa e irmos dar um passeio? — Sugeriu


Christian. Ember o olhou e lhe sorriu irônica. — Poderia precisar de um pouco
de ar fresco. E você?

—Sim. — Ela concordou, profundamente grata. Caminhando junto a ele e


sem olhar diretamente, seria muito mais fácil que sentada em uma mesa de frente
a ele, tentando ignorar toda tensão sexual no ar ou voltar para o carro e... o que?
Christian chamou o garçom e pagou a conta. Nunca se sentiu tão aliviada por
saltar uma sobremesa em toda sua vida.

Mais ou menos em conflito sobre isto.

Uma vez na calçada, Christian informou à Corbin que iriam caminhar e


começaram uma marcha a um ritmo sinuoso pelo boulevard. Corbin seguiu
lentamente atrás com o Audi. Ela apertou o xale de cachemira nos ombros para
se proteger do frio do ar da noite. Christian ao ver, perguntou. — Está com frio?
Quer meu casaco?

—Não, obrigada pela oferta. — Ela envolveu os braços sobre o peito porque
era consciente de que poderia aceitar e não tinha certeza se queria ou não. — É
seu guarda-costas ou algo? — Ember perguntou com curiosidade enquanto olhava
sobre o ombro e via o rosto preocupado de Corbin através do para-brisas. Tinha
um aperto de morte no volante e estava olhando os dois como se pensasse que
algo terrível iria acontecer.

A pergunta fez Christian rir. — Isto seria um não. — Depois de uma breve
pausa, disse. — Porque, acha que não posso cuidar de mim mesmo?

Ela riu alto. —Isto também seria um não. Mas parece muito... protetor com
relação a você.

O silencio de Christian parecia tenso. Depois de um momento disse. — Corbin


é um bom homem. Me conhece há muito tempo, desde criança, na verdade.
Trabalhou para meu pai.

Cortou-se abruptamente e Ember se virou para ele, lembrando com uma


pontada a história de Christian sobre a morte de seus pais. — Oh não. Não era o
motorista de seus pais, verdade?

Christian negou com a cabeça. —Mordomo do meu pai. Logo do meu irmão,
depois que meu irmão se casou, meu.

—Todos na família, verdade?


Christian olhou sua expressão sem revelar nada. — Precisamente. Quando me
mudei para cá, ele insistiu em vir. Tenho a sensação, mesmo que tivesse dito que
não, ele teria aparecido em minha porta em menos de uma semana. — Sua voz
ficou sombria. — Este tipo de lealdade é tudo para mim. Especialmente agora.

Estava em Gracia, uma parte colorida e artística da cidade, conhecida por sua
vida noturna, restaurantes exóticos e bares da moda. Apesar do frio no ar e as
nuvens de tempestade se aproximando, as ruas estavam cheias de pedestres.
Artistas com cavaletes se agrupando sob toldos em um lado da avenida de
palmeiras, fazendo retratos a óleo e carvão dos turistas. Eles estavam rodeados
por comida, frutas, camisetas e interrompidos constantemente por cafés e lojas de
roupas de luxo. Do seu lado na rua, havia pessoas como estátuas pintadas que se
moviam milimetricamente se recebessem dinheiro nas latas aos seus pés e os
músicos na rua faziam o mesmo.

Com o ambiente do Carnaval no ar, parecia contagiar a todos, as ruas


continham um murmúrio de excitação que esquentava o ar frio. Era uma
cacofonia de ruídos, cores e movimentos e Ember se alegrou pela distração do
homem que caminhava em silêncio ao seu lado.

Estava a ponto de perguntar a Christian o que ele queria dizer com


“Especialmente agora” quando viu a mulher com o violoncelo.

Sentada em uma cadeira de frente a uma loja de noivas, a mulher tinha os olhos
fechados, os dedos sobre as cordas. Antes de Ember poder se afastar ou gritar
“não!” de forma automática, náuseas começaram a subir quando a mulher
começou a tocar.
A medida que a primeira nota se elevava no ar da noite, Ember reconheceu a
peça que costumava tocar perfeitamente — Sonata de Kodaly para um Solo, a
peça com a qual ganhou sua bolsa em Juilliard — sentiu uma sensação de
claustrofobia, junto com uma angustia feroz e quente, abraçando-a de forma
incandescente, como se estivesse de pé na superfície do sol.

Um violoncelista tinha que ter a combinação correta de paixão e aço para


satisfazer as demandas extremas da obra mestre de Kodaly. Ao vivo, quando bem,
o ouvido era enganado pelo pensamento de vários jogadores e os instrumentos
faziam o trabalho. Havia um timbre orquestral da vibração da parada dubla e um
pizzicato18, uma obsessiva e brilhante czardas19.

Quando tocada bem, era como ouvir a voz de Deus.

A violoncelista de frente à loja estava tocando bem.

Com um soluço sufocado, Ember se virou e correu para longe, empurrando


através da multidão, com a mão esquerda tremendo tanto que se sentia paralisada.
Ouviu Christian atrás dela, chamando-a pelo nome, mas ela não olhou para trás
porque não queria ver seu rosto. Não queria que visse o que sabia que estava
aparecendo em seus olhos, a coisa como um animal encantoado que lhe devolvia
o olhar. Viu-o durante muitos anos em seu próprio rosto no espelho, sabia como
era infeliz e feio.

Ela entrou em uma rua lateral e logo em um beco, com a esperança de tê-lo
perdido entre a multidão e se deixou cair contra a parede de trás de um restaurante,

18 É o modo de tocar os instrumentos de corda (geralmente arco) pinçando as cordas com os dedos. É muito
usado no jazz, explorando a característica rítmica conferida ao instrumento nesse estilo.
19 É uma dança tradicional húngara, viva e alegre, normalmente acompanhada por um conjunto de violinos.
Também pode designar apenas a música.
tremendo e puxando ar. Mas ele esteve com ela em um instante, sua voz tão
preocupada como seus olhos.

—O que foi? O que aconteceu? Está bem?

Não estou bem, quero morrer, morrer, morrer. Tremores, a sensação de pânico e dor
envolta ao redor dela com a finalidade úmida e sombria de uma mortalha, Ember
fechou os olhos e abriu a boca em busca de ar.

Pegou-a nos braços e a sacudiu suavemente para trás e para frente,


murmurando ao ouvido. — Está tudo bem. Seja o que for, está tudo bem. Apenas
respire, Ember. Apenas respire.

Apertou as mãos em seu casaco e afundou o rosto em sua camisa. Inalando


profundamente, ela lutou contra o pânico, desejando que as batidas de seu coração
reduzissem de velocidade e seu corpo deixasse de tremer, puxando seu cheiro para
o nariz, selvagem e especiarias tão único de Christian.

—Calma, pequeno foguete. — Sussurrou, deslizando uma mão em sua nuca.


—Estou aqui. Não permitirei que caia.

Muito tarde. Pensou com as lágrimas deslizando sob as pálpebras fechadas.

Ainda com um forte braço ao redor dela, Christian segurou sua nuca e inclinou
o rosto para ele com os dedos sob o queixo. —Ei. — Disse em voz baixa quando
viu as lágrimas em suas bochechas. — Sei que não gosta de foie gras, mas não
precisa chorar por isso. Meus sentimentos não foram feridos.

Seu tom suave de brincadeira levou um sorriso fraco a seu rosto. — Poderia
dizer isso, verdade? — Sussurrou.
Secou suas bochechas úmidas com o polegar e logo passou os dedos pelo
cabelo. — Não tem exatamente o que chamaria de cara de pôquer, senhorita
Jones. —Ele abaixou a testa na dela. — Por exemplo: a mulher com o violoncelo.

Mordeu o lábio inferior e fechou os olhos novamente.

—Quis dizer o que disse antes. Não temos que falar se não quiser. Mas estou
aqui se mudar de ideia. Certo?

Ela assentiu em silêncio e colocou o rosto em seu peito novamente. Segurou-


a assim durante um tempo, a música noturna da cidade brilhante no ar ao seu
redor. Uma gargalhada fraca, a disputa de buzinas dos carros nas ruas, um bando
de pombos chiando igual crianças, de alegria. O cheiro do homem em seu nariz,
o doce e picante de cebola da cozinha do restaurante, o ar frio que acalmou sua
pele ruborizada como bálsamo.

Em seu coração, Ember estava tremendo. Ela era muito boa em sufocar
sentimentos, até mesmo manter algo parecido como a felicidade a distância,
porque não a merecia. Dia após dia, mês após mês, ano após ano, optou por
manter sua vida quando sabia que deveria se matar, cortar os pulsos ou tomar um
vidro dos remédios de Asher.

Era uma abominação que não deveria se manter viva depois do que aconteceu,
depois de toda a carnificina que deixou para trás.

O único que a impediu, uma e outra vez, foi sua crença de que continuar
vivendo era um castigo muito pior que a morte, o que teria aliviado a culpa
incessante corroendo sua alma como ácido. A vida se converteu em uma obra de
dor, silenciosa e não reconhecida por ninguém além dela, a dor que diminuía a
cada vez que pensava em Christian. Diminuía ainda mais enquanto a segurava
emocionalmente nua em seus braços.

Ninguém o fez em anos.

O quanto quer viver?

Depois de todo este tempo, sobretudo depois de conhecer a neta de Dante,


Clare. Tão valente, tão sem medo a nada — Ember percebeu que tinha muita
vontade de viver, ainda que não merecesse. Ela queria sentir algo diferente de
culpa e dor, ainda que apenas por um momento.

Na camisa de Christian sussurrou. —Christian?

—Hum? —Acariciou seu cabelo.

—Posso fazer uma pergunta?

—Claro.

Ela inclinou a cabeça para trás e olhou para ele. Sua voz tremia quando disse.

—Pode me beijar?

Mesmo no beco escuro o viu, a forma como seus olhos se acenderam, a forma
como sua expressão mudou de suave a ardente, mais rápido do que pode piscar.
O terno e suave Christian desapareceu, substituído em um instante pelo desejo, o
Christian perigoso, o com olhos assassinos que viu pela primeira vez quando
entrou na livraria e em sua vida.

Ela pensou que iria devorá-la, por seu voraz olhar, mas ele simplesmente
segurou seu rosto nas mãos, apertou seu corpo contra o dela e apertou os dois
contra a parede.
Ela pensou nele, com o coração batendo rápido, seu sangue correndo como
pólvora através de suas veias. Lentamente abaixou o rosto ao dela, os lábios se
separaram, suas pálpebras desceram na metade do caminho, os olhos brilhando
de calor.

Quando sua boca tocou a dela, ofegou um pouco, surpresa pela corrente
estática que passou por seus lábios, de forma suave, quente e exigente sua língua
deslizou contra a dela. Ela se arqueou contra ele, puxando sua cabeça para baixo
com as mãos ao redor de seu pescoço e ele fez um som profundo de sua garganta,
um gemido silencioso de necessidade ou prazer.

Foi incrível, o calor, a força, a virilidade, a forma como tomou tempo


explorando sua boca, enquanto cada nervo e célula de seu corpo gritava por ele.
Por mais. Seu corpo estava pressionado tão perto dela que não pode deixar de
notar a dureza que surgiu entre suas pernas enquanto se beijavam, contorceu-se
contra seu ventre quando ela passou os dedos por seu cabelo e esfregou os seios
contra seu peito, de repente mais faminta do que já esteve em sua vida.

Deixou cair uma mão no rosto e segurou sua nuca, apertando e puxando-a
contra ele com mais força. Um leve som animal escapou e se contorceu contra ele,
ansiosa, perdendo rapidamente o controle. E oh Deus, parecia um vício. Com o
sol, o ar limpo e a água fria, havia um sabor de terra, elemental em sua boca, ao
mesmo tempo doce e salgado, completamente delicioso e sentia-se drogada.
Como se alguém houvesse injetado uma substância química para nublar sua mente
diretamente em suas veias, deixando seu corpo em chamas e esmagou a leve voz
em sua cabeça que deveria gritar: mais devagar!
Ela não queria ir mais devagar. Queria se afogar nele. Queria esquecer o
passado e todas as terríveis lembranças. Com seus lábios sobre os dela e seu corpo
contra o dela, seu delicioso sabor em sua língua, ela estava esquecendo. Se ele
perguntasse neste momento se poderia tomá-la contra a parede, ela com certeza
diria que sim.

Sob sua calcinha de renda estava molhada.

Continuou beijando-o de forma elétrica e febril até que Christian se afastou e


ofegou. — Porra.

Ember gemeu pela perda de sua boca. Sentia-se quente, tão quente e
estranhamente desinibida que tinha a ideia selvagem de arrancar sua roupa. Ela
não sabia o que estava acontecendo e honestamente, não se importava.

—Não pare, Christian. Por favor, não pare. —Sussurrou ela, sua própria
respiração tão irregular como a dele. As mãos em seu pescoço tremeram.

—Quer mais de mim? — Sussurrou a sua vez, os dedos apertando seu cabelo.

—Sim. Por favor. Mais. — Saiu em três respirações ofegantes enquanto se


apertava contra ele, levantando nas pontas dos pés quando não conseguiu alcançar
seus lábios.

—Quanto mais, September? Diga-me exatamente o quanto deseja.

Manteve-a longe com a mão em seu cabelo, ainda apertada contra ele com a
outra mão em sua cintura, o ardor de seu olhar quase feroz. Estremeceu, acesa de
desejo e com uma necessidade ardente e escura.
—Quero tudo de você. — Sussurrou olhando diretamente em seus olhos. Suas
pálpebras fechadas por um momento, inalou uma respiração ofegante e logo abriu
os olhos e abaixou a cabeça até a dela.

Quando sua boca estava a ponto de tocar a dela, ficou rígido e deixou escapar
um silvo agudo, sobrenatural. Um grunhido animal profundo retumbou de seu
peito e arrepiou seus braços e pescoço. Virou a cabeça e ficou olhando o beco.

Atordoada pela nevoa da luxuria e pelo som pouco natural, Ember seguiu seu
olhar.

Três homens estavam do outro lado do beco. Seus corpos estavam virados,
mas as cabeças estavam na direção de Ember e Christian, congelados a meio
caminho, como se estivessem caminhando pela rua além e foram impedidos pela
vista ou o som de algo. Os três eram altos e de cabelos escuros, vagamente
familiares, bonitos de uma forma predadora, tantos os olhos como o desejo. Os
pedestres não passavam por ali, já que os homens olhavam com expressão hostil
e assassina.

Um aterrador e sinistro grunhido se levantou do peito de Christian novamente,


mas desta vez mais forte, mais perto de um grunhido animal. Seus lábios se
abriram sobre os dentes. Seu corpo ficou completamente rígido.

—Christian? — Ember disse com voz muito baixa, agora congelada de medo.

—Vá para o carro, September. — Respondeu sem afastar os olhos dos


homens. — Busque Corbin e diga para lhe enviar diretamente para casa. Agora.

Muito lentamente se afastou, empurrando-a por trás dele com um braço entre
ela e os homens no final do beco. Quando Ember olhou sobre o ombro de
Christian, os homens se viraram, juntos para fazer-lhes frente. Deram um passo
no beco, muito lentamente e logo outro, as mãos de Christian se fecharam em
punhos.

Ember sussurrou. — Christian, quem são estes...

—Vá para o carro! Agora!

Girou a cabeça e grunhiu antes que pudesse terminar a pergunta. Mas não foi
seu rosto que a fez retroceder de terror. Não foi porque sua voz ficou diferente,
mais profunda e rouca. Nem sequer pelo aspecto da violência fria, monstruosa em
seu rosto.

Foram seus olhos. Mudaram. Algo na íris.

Percebeu a mudança quando Christian deu a volta e a empurrou para trás,


grunhindo outra advertência para ir buscar Corbin. Ela retrocedeu um passo, logo
dois, finalmente deu a volta e fugiu do beco correndo. Ember nem sequer se
incomodou em olhar para trás quando os grunhidos espantosos aumentaram, com
pura raiva animal, ecoando pelas paredes de pedra, no silêncio.

Não podia olhar para trás, porque a única coisa que via enquanto corria eram
os brilhantes olhos verdes de Christian, a íris uma linha escura no centro, bem
estreita.
Os três homens no outro extremo do beco, que não eram realmente homens
em tudo, começaram a avançar lentamente, como predadores experientes atrás de
sua presa.

Christian se manteve firme enquanto se aproximavam, o grunhindo pelo medo


por Ember ainda retumbando em seu peito, a carga elétrica que reuniu justo antes
da mudança crescente até picar sua pele.

Ficou agachado em posição defensiva, pronto para saltar. Um dos homens


levantou a mão e os outros dois pararam o movimento. Pararam, olhando
Christian em silêncio, até que o com a mão levantada disse aos outros dois algo
em um idioma que soava americano.

Christian sabia que estavam tentando determinar se era amigo ou inimigo.


Decidiu dar-lhes um toque inconfundível.

A carga elétrica subiu, rompendo o pico e Christian mudou para pantera.

Era o mesmo sempre, o poder selvagem inundando-o, a dor da liberação


repentina. Havia dor fugaz quando seus músculos, tendões e ossos se
transformavam, mas o terrível som de seu terno sob medida rasgando em pedaços
irregulares era pequeno em comparação com o som de seus ossos rangendo para
formas mais fortes, a pele e os músculos aumentando. O processo levou apenas
alguns segundos e quando terminou, estava de pé sobre quatro patas massivas em
lugar de dois pés, o focinho se curvou para trás sobre os caninos afiados, sua longa
e poderosa cauda serpenteando para trás e para frente como um chicote, suas
roupas espalhadas pelo chão como confete.

Ao julgar pela expressão de assombro nos rostos dos homens, Christian ficou
satisfeito por esperarem tudo, menos isso.

Sabia que era enorme em sua forma animal, muito maior que os grandes felinos
que se via nos programas de vida silvestre, mesmo maior que muitos de seus
parentes. Todo negro e musculoso, chegava a altura dos ombros de um humano.
Se levantasse em suas patas traseiras, se elevava sobre qualquer ser humano,
grande como um urso. Todos seus sentidos, nítidos em forma humana, eram
exponencialmente mais fortes, podia cheirar, ouvir e mesmo provar o mundo que
lhe rodeava em toda sua riqueza e vida.

Isto era quem era na verdade. Esta era sua herança e seu dom. Seu disfarce
humano era apenas isso, um disfarce, mas em sua forma natural, Christian tinha
tantas vantagens com respeito ao um ser humano que era praticamente uma piada.

Por exemplo... velocidade.

Em um movimento veloz, saltou adiante pelo beco escuro, um rugido de raiva


pura saindo de sua garganta. Matar, matar, matar! Era o único que podia pensar,
sentir, a sede de sangue brilhante como a luz do sol surgindo através de suas veias.

Os três homens —não-homens — reagiram de forma instantânea. Um deles


se virou e fugiu, o outro se transformou em pantera e o terceiro infelizmente,
sacou uma arma.

O primeiro disparo não lhe atingiu, batendo na parede de pedras atrás de sua
cabeça com um som vibrante e estridente. Atrás do homem que disparou a
multidão de pessoas que passeava pela calçada começou a gritar e correr em todas
as direções como uma manada de cervos assustados. Ao mesmo tempo, a pantera
saltou adiante com as garras estendidas e a mandíbula aberta, grunhindo
brutalmente como Christian. Então tudo aconteceu ao mesmo tempo.

Ele e o animal chocaram em pleno salto, seus corpos batendo com tal força,
que soou como uma explosão. Houve gritos, silvos e a torção dos corpos enormes,
o forte ataque de garras através dos focinhos. Aterrissaram no chão e começaram
a lutar a sério, dando voltas e voltas, batendo contra o lado de uma lata de lixo,
ambos com um objetivo e um golpe mortal na garganta. Os dentes de Christian
se prenderam ao redor do pescoço de seu oponente antes que pudesse fugir e
ouviu um grito agudo quando os dentes se afundaram profundamente na carótida.

Mordeu com força e girou a cabeça para os lados, arrancando um enorme


pedaço de carne coberto de pelos. O sangue brotou, úmido, quente e picante
como cobre e caiu por toda sua cara e boca.

Logo outro disparo soou no beco e Christian percebeu que foi atingido quando
a agonia explodiu em sua coluna vertebral. A pata traseira direita cedeu sob ele.

Seu primeiro pensamento foi completamente irracional. Foi apenas um nome.

September.

Forçou-se o suficiente para virar-se para o homem armado e mover-se adiante


em sua pata boa. Golpeou o alvo com as duas patas abertas no peito e a arma saiu
voando de suas mãos. Oito pontos de sangue floresceram sob a camisa branca do
homem, onde as garras de Christian atravessaram a pele. Logo, mais sangue
brotou, fazendo um arco quando Christian se inclinou, esmagou o osso com a
mandíbula e arrancou o coração do homem, ainda batendo em seu peito.
Ele grunhiu e se contorceu, agarrando o peito como se pudesse encher o
buraco com as mãos. Logo caiu de joelhos, de lado e em silêncio no chão. Sua
cabeça golpeou o chão com um golpe plano. Ele se sacudiu uma vez, logo caiu
completamente. O sangue começou a se acumular com rapidez, um círculo
irregular ao redor do corpo.

Christian levantou os olhos justo a tempo de ver três carros de polícia, azul e
branco fazendo uma parada no final da rua, as luzes intermitentes. Lançou-se
sobre o coração e mordeu triturando-o com sua mandíbula, voltou-se e afastou-
se mancando.

Seguindo as instruções, Ember correu diretamente para encontrar Corbin,


abrindo passo entre a multidão que a princípio andava casualmente, logo, quando
dois disparos ecoaram na noite, gritando e fugindo em pânico.

Ela fugia presa pelo pânico, também.

Não pode ser, não pode ser, não poder ser! Uma e outra vez sua mente repetia como
um disco furado.

Havia imagens intermitentes atrás de seus olhos, vozes gritando em sua cabeça,
coisas que viu nos noticiários e ouviu no rádio — as poucas vezes que se permitiu
ouvir rádio, o que era raro, já que era muito doloroso ouvir a música — e um
quadro terrível se uniu a sua mente. Um quadro de caos.

Um quadro de carnificina.
Concentrou-se em empurrá-lo para trás, no momento, porque se permitisse se
soltar, se inundaria de terror, todos os detalhes estavam espreitando ali, atrás dos
olhos abertos, não tinha certeza se poderia colocar um pé diante do outro, nem
sequer correr por sua vida.

Se dissesse que era uma questão de vida ou morte, acreditaria?

Era?

Sim.

A luz do que acabou de ver, a estranha transformação de Christian, seus olhos,


sua voz, a postura, os animais ferozes, os grunhidos ecoando no peito, a conversa
tomou um significado completamente novo.

Encontrou o Audi algumas quadras de distância, Corbin com o rosto branco


e tenso através do para-brisas enquanto observava as pessoas inundando as ruas,
correndo, tropeçando e gritando. Ela bateu na lateral do carro, arranhou a porta
do motorista. Abriu-a.

—Christian! — Ember ofegou, se inclinou, olhando um Corbin horrorizado.


— Ele... três homens no beco atrás.

Ela apontou, logo congelou com horror. Logo se virou e escapou, o mais
rápido e longe que pode.

Porque com suas palavras, os olhos de Corbin começaram a ficar como os de


Christian.
Cesar Cardinalis era um homem acostumado a fazer o que queria.

O filho de um rei, agora o próprio rei, seu brilhante e tortuoso pai que foi
morto por um de seus guardas pessoal há mais de três anos. Cesar com frequência
fantasiou em matar seu pai — parricídio apareceu em sua linhagem em mais de
uma ocasião — mas lhe faltou a coragem necessária para completar a tarefa, sem
entender enquanto o velho bastardo estava vivo que ele estava de fato, se
arriscando por nada.

Devido a que Cesar estava dotado com algo que os Ikati nunca viram, em toda
sua gloriosa história: a imortalidade.

Oh, não tinha o dom de se transformar de humano a pantera, de pantera a


vapor, alguns podiam até mesmo atravessar paredes sólidas e tinham outros dons
também, dons poderosos e particulares em cada um, como sugestão e
invisibilidade, previsão. A natureza tinha sentido de humor, Cesar não tinha
nenhum destes dons, comum em seu povo. Nem sequer podia se transformar em
pantera, sua forma mais elemental e assim considerado pela maioria — bem, por
todos seus parentes — um Dedecus.

Uma desgraça.

Ele costumava ser considerado uma desgraça por isso. Não foi até que foi
traído por um de seus conselheiros mais próximos, como seu pai foi, até que o
mataram e ressuscitou ao instante, percebendo a verdade do que tinha. Logo, sua
estrela se levantou como um sinal do Leste.

Para aqueles que não tinham medo da morte, a vida se convertia em um


banquete extraordinário.

Dado que ele e seu pequeno grupo de associados de confiança chegaram a


Barcelona há meses, Cesar usou a bela cidade da forma que uma criança usa um
parque de diversões. Nada estava fora dos limites, não ficou nada sem provar,
especialmente as dançarinas voluptuosas, de olhos negros de flamenco que tanto
amava.

Gritavam com tanto encanto.

Estava desfrutando dos estridentes gritos de asfixia, de uma das preciosas


dançarinas nua, presa à parede, com sangue, hematomas e fabuloso... quando Nico
o interrompeu.

—Senhor! Estamos sob ataque! Eles sabem que estamos aqui! Você está
gravemente em perigo!

Cesar deu as costas à garota e olhou para um Nico suado e ofegante. Abaixou
o chicote de nove pontas a seu lado e suspirou. O homem sempre era tão
dramático.

—Meu querido Nico. — Disse arrastando as palavras. — Estou muito


ocupado neste momento, como com certeza pode ver. — Fez um gesto para a
garota, agora gemendo e pedindo em espanhol que deus a salvasse. A voluptuosa
morena com peitos grandes, se contorcia contra a parede. Os ferros ao redor de
seus pulsos soaram tão forte que o concerto de Bach tocando suavemente no
fundo foi momentaneamente abafado. — O que seja este perigo, tenho certeza,
que pode esperar até que tenha terminado.

Porque na verdade, não havia nenhum perigo para ele. Do que deveria ter
medo? Uma bala? Uma faca? Um exército de mil guerreiros gritando? Não, nada
disso teria feito diferença em absoluto. Cesar duraria para sempre do mesmo
modo que agora, tiro ou facada, ataque ou desquarterização.

Provou a si mesmo. Realmente não podia morrer. Ou se podia, falhou em


encontrar o caminho.

—Mas... mas senhor, fomos atacados na rua, havia um estranho... que se


transformou...

—Transformou?

Isto chamou a atenção de Cesar. A inteligência alimentada a ele, por seus


espiões, indicou que as estritas leis arcaicas das cinco colônias Ikati, escondidas
pelo mundo, ainda estavam vigentes. Especialmente agora. Apesar da Rainha que
os conduzir lhes permitir mais liberdades — incluindo que as mulheres
participassem em suas assembleias, anteriormente exclusivamente masculina e
escolhessem seus próprios companheiros — ainda se mantinham escondidos da
humanidade como durante milhares de anos, de forma férrea e indefinida.

Para o resto deles, quer dizer. Não por este grupo rebelde de Cesar. E não pelo
cansado desertores das outras colônias que apareciam a cada dia mais.

—Diga-me o que aconteceu. — Ordenou, virando-se para Nico, abandonando


por um momento a garota presa na parede.
Nico — alto e bem formado, como todos os Ikati, com os olhos negros como
todos os Ikati da colônia romana — passou uma mão pelo cabelo escuro,
despenteado. Ele deixou escapar um longo e baixo suspiro. — Gian, Armond e
eu estávamos em Gracia — perto de bordel que gosta tanto — quando o sentimos
ali mesmo na rua. Ele é incrivelmente poderoso. Acho que não senti um homem
tão poderoso como seu pai...

Nico se apagou a perceber seu erro quando viu os lábios apertados de Cesar,
com os olhos estreitos. Não tinha muito bom senso. —Perdoe-me senhor, não
quis faltar ao respeito.

—Claro que não. — Cesar ronronou em um tom ameaçador. —Nunca seria


tão estupido, seria Nico?

Nico ficou mais pálido que antes. —Não, senhor. — Sussurrou, ainda
congelado.

Momentaneamente aplacado pela amostra de deferência e medo, Cesar fez um


gesto com a mão, o que indicava que Nico deveria continuar com sua história.

Nico tomou ar e continuou instável. — Soubemos que não era um desertor de


outras colônias de imediato porque ficou imediatamente agressivo. Moveu-se e
atacou antes que pudéssemos reagir e nos derrubou. —Gian se transformou
também e Armond puxou a arma. Depois disso... — Parou novamente, uma
expressão de vergonha arrastando-se por seu rosto.

—O que? — Cesar perguntou, dando um passo mais perto. — Depois disso,


o que aconteceu?

O olhar de Nico caiu ao chão. — Depois disso não sei o que aconteceu, porque
eu... escapei.
Cesar inclinou a cabeça para trás e riu alto. Ecoou pelas paredes de pedra fria
com um eco misterioso, sinistro. Ao ouvir, a garota presa começou a soluçar.

—Fugiu? — Repetiu com incredulidade, ainda que com ira. Cesar entendia o
instinto de autopreservação muito bem, esteve fugindo de coisas toda sua vida.
Bom, antes que soubesse que era imortal, claro.

Nico assentiu, infeliz, sem deixar de olhar o chão. Cesar deu-lhe uma palmada
no ombro, surpreendendo Nico, que o olhou com terror absoluto nos olhos. —
Não há com o que se preocupar garoto, nem todos podemos ser heróis.

A expressão de alivio profundo que cruzou o rosto de Nico não teve preço e
fez Cesar sorrir. Como gostava que as pessoas o temessem! A sensação de poder
que experimentava quando alguém sentia medo era quase tão forte como a
sensação de poder que tinha quando tirava sangue de uma garota.

O terror e a violência eram deliciosamente afrodisíacos.

O calor se precipitou em seu ventre e ele lançou um olhar para a garota na


parede, precisando voltar aos negócios sem terminar com ela. —Temos que
assumir que isto não é uma coincidência, ainda que este shifter não estivesse
sozinho, não posso entender porque o Conselho de Alfas enviaria um contingente
se soubessem que estamos aqui...

—Não estava sozinho, senhor. — Disse Nico. — Estava com uma garota.
Uma garota humana.

Parando ao ouvir esta nova informação, Cesar se virou para Nico. Ele sabia
que as outras colônias não permitiam que os shifter se misturassem com os seres
humanos, sob pena de morte. Sobretudo depois do que aconteceu no Natal. A
matança massiva que orquestrou no Vaticano acabando com a vida do Papa e
muitos outros, garantiu que o mundo nunca se esquecesse exatamente com quem
estavam lidando. Em resposta a seu ato de terrorismo, começaram a caçar os Ikati,
que nem sequer estavam mais seguros em suas colônias fortificadas. Tudo era
parte de seu plano final, claro, mas para um shifter estar em Barcelona, sozinho e
hostil, claramente não querendo ser parte de sua crescente colônia como tantos
outros — o que poderia significar?

Talvez fosse uma espécie de pária? Um lobo solitário? Ou talvez... um


assassino, enviado sozinho com a finalidade de atrair a atenção?

Mas se fosse um assassino, ainda estaria obrigado pela lei da colônia. Porque
iria estar com um ser humano na rua? Cesar perguntou. — O que estava fazendo
com a garota humana?

Nico fez um movimento com os ombros, o mal elemental dos encolhimentos


de ombros. — Beijando-a, senhor. Os dois estavam se beijando no beco quando
passamos pela rua. Ele a empurrou assim que nos viu e correu, mas antes disso...
estavam apenas se beijando.

Abertamente beijando um humano. Um shifter hostil. Disposto a mudar a


vista de quem quisesse olhar. Refletindo sobre os fatos, a mente de Cesar começou
lentamente a funcionar.

—Nico. — Disse pensativo. — Reconheceria a garota se a visse novamente?

Nico assentiu, um sim definitivo. Claro que sua visão era o suficiente para ver
a longas distâncias e em condições de pouca luz, os Ikati podiam ver na escuridão
total.

—Seria capaz de descrevê-la para Marcell?


Marcell era o segundo no comando, ferozmente inteligente, com um dom para
o desenho. Cesar viu seus desenhos uma vez — um Michelangelo feito de
memória. Era perfeito.

Nico assentiu novamente.

—Bom. — Disse Cesar, um sorriso estendendo-se lentamente em seu rosto.


— Isto é muito bom. Consiga que o faça. — Despedindo Nico com uma
ondulação de mão, virou-se novamente para a garota. Uma onda violenta de
luxuria se elevou nele, quente como fogo e seus dedos se fecharam no cabo de
couro do chicote.

Quando o ruído seco ecoou, junto com um grito de dor da garota, Nico
sussurrou. — Sim, senhor. — E rapidamente saiu do quarto.

Os próximos sete dias foram os mais longos da vida de Ember.

Não tinha nenhuma lembrança de como chegou em sua casa no domingo


depois de correr com medo de Corbin. Não tinha nenhuma lembrança do que
aconteceu com o restante das horas, longas e negras antes dos primeiros raios do
amanhecer iluminar o céu, arrastando-se sigilosamente sobre os picos negros
irregulares das montanhas até finalmente Barcelona ser banhada por um brilhante
rosa luminoso, perfeitamente inadequado para seu estado de ânimo. A primeira
coisa que se lembrou foi da sensação de frio gelado, porque estava sentada no
terraço de seu apartamento com seu vestido cor pêssego, sem nenhuma outra
barreira para se proteger do frio da manhã de fevereiro.
Ela estava tremendo violentamente, sentada em uma cadeira com os braços ao
redor das pernas para cima, olhando o mar. Seu cabelo estava úmido. Havia bolhas
nas plantas dos seus pés descalços. Mesmo uma semana depois, não pode
encontrar as sandálias que usou naquela noite. Imaginava que de alguma forma as
perdeu no caminho.

Da mesma forma que perdeu algumas outras coisas nestes dias, desde então.

A ignorância, por exemplo. Usando a internet fez uma busca e foi


surpreendentemente fácil encontrar o que procurava. Artigos de imprensa,
programas de entrevistas, foros de discussão em linha e vídeos de testemunhas,
gravações horríveis da matança no Natal, junto ao manifesto gravado do louco
que idealizou tudo. Durante os três últimos anos, ficou isolada em seu pequeno
mundo livre da televisão. Envolta como estava em um casulo dormente de sua
própria dor, seu estado mental tão frágil como aquele antigo manuscrito na
biblioteca de Christian, acostumou-se a ignorar tudo. Não era uma desculpa para
sua ignorância, mas era uma razão, uma razão pelo qual desapareceu.

Agora não podia evitar a verdade.

Christian não era humano.

Era, como sua mãe diria, parte do mundo invisível aos humanos, elfos e fadas,
demônios e monstros, vampiros, duendes e fantasmas. Sua mãe tinha uma palavra
para este tipo de seres sobrenaturais, uma palavra que Ember ouviu mil vezes
quando criança e descartou como um produto da imaginação fértil de sua mãe.

Algo Diferente.

Christian era Algo Diferente e Ember tinha sentimentos por ele.


Sim.

A conversa que tiveram na livraria voltou a ela com nitidez não desejada. O que
anda sobre dois pés é um inimigo. Tudo o que anda sobre quatro pés ou tem asas, é um amigo.

Seus olhos, rosto e voz a perseguiam também e ela não sabia o que fazer com
isso e muito menos o que fazer com a situação. Devido a que havia uma situação,
uma muito ruim, uma situação perigosa, na qual infelizmente estava presa no meio,
gostasse ou não.

As autoridades estavam a caça de um animal grande, negro que escapou na


noite do tiroteio em Gracia. Encontraram uma enorme pantera morta, sua
garganta rasgada e um homem sem identificar, cujo coração foi arrancado de seu
peito. Curiosamente, o homem não tinha digitais. As quais, um apresentador do
jornal local explicou, era porque não era na verdade um homem.

Algo Diferente. Ao parecer, estavam por todas as partes nestes dias.

Ouviu que os chamavam de Ikati, uma antiga palavra zulu que significava: gato
guerreiro. Tão exótico como as criaturas que descrevia, a palavra também
levantava uma voz sinistra quando falada em voz alta. Soava sobrenatural porque
era, soava perigoso porque era assim.

Eram assassinos. Eram assassinos. Eram animais.

Todos os animais são iguais...

Perguntou se seu pai tinha algum pressentimento estranho ao ler a amada


Revolução dos Animais para ela quando criança. Perguntou se de alguma forma
soubesse que um dia iria se encontrar cara a cara com uma criatura que parecia
para todos os efeitos, o mesmo tipo de animal que era o ser humano, mas na
verdade não era.

Perguntou o que seu pai faria em seus sapatos, sabendo exatamente onde vivia
este animal. Sabendo que havia uma grande recompensa por sua captura ou a
captura de qualquer um de sua espécie.

Um milhão de euros poderia tentar alguém mais ambicioso, mas para Ember
o dinheiro apenas significava uma coisa: Christian tinha um grande, muito grande
alvo nas costas.

E ele não entrou em contato com ela desde aquela noite.

Fingindo estar doente, Ember tirou a semana de folga, o que obrigou


Marguerite a trabalhar atrás do balcão de Livros Antigos, uma empresa que odiava
e que, sem dúvida, esperava se vingar de Ember de uma forma ou outra.
Escondeu-se em seu apartamento com a porta trancada e as persianas fechadas,
com medo de Christian aparecer. Sentiu-se muito decepcionada quando não o fez,
atormentada pelo desejo por ele e o desejo de correr para as colinas e vê-lo.

O irônico, a única pessoa que a fez se sentir viva em anos era a única pessoa
que era mais perigosa para ela que qualquer outra na Terra e que nem sequer uma
pessoa era, mas que a fez desejar pela primeira vez na vida beber.

E falando em beber, nem sequer estava vendo Asher, o que era preocupante.

—Ember. — Disse com firmeza em sua caixa postal esta manhã, seu tom
irritado. —Não pode continuar me evitando desta forma. O que aconteceu? Está
doente? Está morta? Na verdade, sei que não está morta, porque fui até a livraria
e sua madrasta com hemorroida disse que estava gripada. Não que acreditei, ela
provavelmente a envenenou. Se não me ligar de volta, vou até aí. Não me faça
usar minha chave.

Ela lhe enviou uma mensagem, apenas nove palavras.

Não estou morta. Não se preocupe. Está tudo bem.

Mesmo escrita, parecia uma mentira.

Mas ela não estava pronta para vê-lo ainda. Não estava preparada para ver
ninguém, para dizer a verdade. Porque, como poderia fingir que era tudo normal
e a vida era como antes, quando tudo ficou ao revés?

Quanto tudo em que acreditou sobre o mundo “real” resultou ser uma farsa?

Nem sequer foi ao refúgio de animais onde era voluntária como fazia
habitualmente aos domingos. Quando ligou, o homem que dirige o lugar, um
grisalho temperamental como um urso chamado Parker — disse para perder-se,
já que estavam cheios.

As pessoas estavam abandonando seus gatos — queridos mascotes que agora


eram suspeitos de centenas de assassinatos.

Especialmente os negros.

Era a pior das notícias, os gatos estavam sendo queimados, torturados,


lançados de edifícios. Dado que no Natal, quando um Ikati matou o cabeça da
igreja católica, junto com dezenas de pessoas inocentes, zoológicos de todo o
mundo fecharam devido ao medo de entrarem atrás dos gatos ali. O pânico foi
generalizado e não mostrava sinais de diminuir.

Não apenas as panteras negras, mas os gatos de todo o tipo estavam no topo
da lista de inimigos públicos número um.

E como encaixava Christian em tudo isso? Era um assassino também?

A primeira pista para uma resposta final chegou uma noite na forma de uma
nota debaixo de sua porta. A escrita cadenciosa de Christian, perfeita.

Porque não compartilhou meu segredo com o mundo? O que está esperando?

Você. Decidiu, agarrou a nota com tanta força entre os dedos que começou a
rasgar de lado. Estive te esperando.

Queimou a nota, jogou as cinzas na pia da cozinha, tomou banho e se vestiu


pela primeira vez em vários dias. Enquanto fechava a porta do apartamento atrás
de si e se dirigia pela escada abaixo, ela agarrou os anéis de ouro em sua corrente
com uma mão.

Com a outra mão, escondida dentro do bolso de seu casaco, ela agarrou o cabo
de metal de uma navalha.
—Dê-me quinze minutos. Se não voltar então, pode ir.

O taxista a olhou com receio e logo olhou pelo para-brisas. Estava muito
escuro, nublado, uma noite sem estrelas, ameaçando chover e a temperatura estava
caindo rapidamente.

—Tem certeza? — Perguntou. Não queria deixá-la sozinha no bosque no meio


da noite, isso estava claro.

Ela respondeu em espanhol. — Sim, tenho certeza. Quinze minutos, certo?

Encolheu os ombros e Ember o pagou e saiu do carro.

O portão da casa de Christian estava em uma curva na estrada, enquanto


começava a caminhar, o céu sobre sua cabeça se abriu e começou a chover.

Ela começou a correr.

No momento em que chegou nos portões de ferro, estava encharcada, os


sapatos rangendo, sua calça ensopada, o cabelo grudado nas bochechas.
Ofegando pela corrida, tremendo de frio e a adrenalina sem piedade a
percorrendo, Ember levantou uma mão até o interfone junto ao portão.

Antes que pudesse empurrar o botão, os portões se abriram com um chiado


metálico. Ember viu a pequena câmera negra no alto da coluna de pedra junto ao
portão e ficou olhando o olho vermelho durante um longo momento, logo se
virou e caminhou para a mansão. Silenciosa e sem luz, parecia como uma gigante
adormecida entre as árvores, as janelas tocadas pela chuva como olhos ocos.

Perguntou se o foço que a rodeava estava cheio de crocodilos.

Seu “olá” foi apenas um sussurro, enquanto abria a porta da entrada que já
estava levemente aberta.

O silêncio a respondeu.

Não havia Corbin para recebê-la, não havia luzes no vestíbulo. A maior parte
da casa estava na escuridão pelo que podia ver. Mas desde o corredor viu o
hesitante resplendor laranja de um fogo que refletia no chão polido e ouviu o
ranger da lenha.

Alguém estava na biblioteca.

Seu coração era um animal selvagem no peito e Ember fechou a porta e se


dirigiu pelo corredor até a biblioteca. Parou junto a porta, olhando para dentro.

De pé com os braços apoiados na lareira de pedra enorme, olhando para as


chamas, Christian não reconheceu sua presença ou girou para olhá-la quando
entrou lentamente.

Ainda que a luz da sala fosse baixa, a única iluminação era o resplendor do
fogo e as velas cônicas em um candelabro de prata sobre a mesa, tudo parecia
muito brilhante e nítido, tanto que feria seus olhos. O impulso de girar e fugir era
grande e assim era o impulso de caminhar até Christian e tocá-lo. Usava uma roupa
leve, uma calça de linho marfim e uma camisa fora da calça com as mangas
enroladas até o cotovelo. Contra o chão brilhantes, seus pés estavam descalços.

Agora que estava ali, a ambivalência era uma corda ao redor de seu pescoço,
um laço se apertando a cada segundo que Christian ficava em silêncio.

O que poderia dizer? O que poderia fazer? Porque, de fato, estava ali?

Por último, disse baixinho em um tom carente de emoção. — Está aqui para
me matar?

O que a surpreendeu. Um pouco sem folego, perguntou. — Que tipo de


pergunta é essa?

Sem se afastar do fogo, levantou a cabeça e se virou levemente para que o visse
de perfil: a mandíbula apertada e a boca uma linha, o nariz perfeito e as
sobrancelhas negras. —Uma lógica. A menos que esteja pensando em jogar dardos
com a faca no bolso.

Seus dedos apertaram ao redor da navalha. O coração saltou na garganta. —


Como sabe isso?

Agora ele se virou, lentamente, endireitando-se e abaixando os braços dos


lados. Com a luz do fogo atrás dele, era como uma aureola ao redor de sua cabeça,
suas feições fundidas nas sombras. Seus olhos, no entanto, estes olhos verdes
sobrenaturais, brilhavam como prata contra a luz, como um gato.

—Posso sentir o cheiro. — Disse em voz muito baixa, o olhar fixo nela. —
Como posso cheirar o metal no seu pulso, o medo que sente de mim agora, sua
ambivalência e sua confusão. Pude senti-la assim que entrou na propriedade
Ember, por certo todo o caminho até a montanha. —Deu um passo adiante pouco
a pouco, sem fazer ruído, com o olhar ainda nela. — Porque está molhada?

—Fique onde está. — Insistiu. O cabelo frio e úmido, sua roupa estava
começando a ter seu caminho com ela e estava tremendo incontrolavelmente. A
mão levantada era em vão, ela sabia, para que deixasse de avançar.

Parou em seu lugar quando viu sua mão estendida, mas esta pequena concessão
não acalmou sua repentina ansiedade. Que tola foi por ir ali para enfrentá-lo.
Sozinha. Sozinha em uma casa com uma criatura sobrenatural que tinha predileção
para mastigar coisas. E nenhuma alma na terra sabia onde estava agora.

Porra, pensou, endireitando os ombros. Não serei intimidada por um... por...

—E quando está irritada ou irada. — Christian disse suavemente. — Se sente


como se unhas raspassem sobre minha pele.

—Deixe de fazer isso. — Ember disse entre dentes, uma onda de calor
cobrindo seu rosto.

Observou sua expressão, com o rosto aceso, as costas rígidas e a mão


levantada, exalou uma respiração lenta e controlada. Observando seu rosto
cuidadosamente, disse. — Pensei que não fosse possível que aparecesse
novamente.

Os dentes de Ember começaram a bater. Ela precisou apertar a mandíbula para


evitar que o crânio pulasse. — Sei... sei o que é.

Sua sobrancelha esquerda se levantou, mas foi tudo.


—Você não é humano? — Ela queria dizer como uma declaração, mas não
conseguiu com ele tão perto, parecendo quase normal, que saiu como uma
pergunta.

Um sorriso sombrio apareceu em seu rosto. — Assumo que já sabe a resposta


para isso ou não teria trago uma faca. Não que ajudará. — Deu um passo para ela.

Ela soltou. —Você é perigoso... para mim.

—Já sabe a resposta a isso também. Se a primeira parte, não a segunda. E não
vou responder mais perguntas a menos que responda algumas das minhas em
troca. Quid pro quo, September.

Seus olhos eram ferozes e intencionados, ardendo com uma emoção


desconhecida que raspava seus nervos. O termo “quid pro quo” sempre a
lembrava de Hannibal Lecter e a agente Starling ao compartilhar informações em
Silêncio dos Inocentes, algo que realmente não queria pensar nesse momento.
Logo estaria falando algo sobre comer o fígado de alguém frito com alguns
legumes e um Chianti.

A histeria começou a se apoderar de seu corpo, afundando os dentes afiados


em seu coração acelerado.

—Matou aqueles homens? No beco?

Ele assentiu com a cabeça e lhe tirou o fôlego. Viu as imagens na internet, leu
sobre os corpos destroçados, mas ainda era impressionante. Este lindo homem
era um assassino.

Um assassino. Que comeu o coração de alguém.

Ela disse com horror. — Porque? —Mas negou com a cabeça.


—Minha vez. O que são os anéis? — Seu olhar caiu na corrente ao redor de
seu pescoço e os dois anéis de ouro pendurados.

Ela sussurrou. — As alianças de meus pais. Porque matou aqueles homens...


pessoas... criaturas?

Levantou o olhar ao dela. Muito composto disse. — Porque se não o houvesse


feito, teriam matados nós dois.

Ember abriu a boca, mas não saiu nenhum som. Teria matados os dois.

Christian perguntou. — Porque veio para a Espanha? — E deu outro passo


para ela.

Percebeu vagamente que estava pingando da chuva e formando uma piscina


cada vez maior ao redor de seus pés. —Para esquecer. — Sussurrou, sentindo suas
pernas como cimento enquanto ele se aproximava mais, com muito cuidado,
observando-a, procurando qualquer sinal de fuga.

—Esquecer o que? — Insistiu, mas Ember balançou a cabeça, sua vez.

—Isto é o que faz para viver? Matar aquelas coisas? Este é seu trabalho? —
Sua voz era fraca, cheia de incredulidade e horror, até que teve outra realização e
sua voz tremeu. — Isto é o que estava fazendo naquela noite quando se atrasou
para nosso encontro?

—Isto são quatro perguntas. E a resposta a todas elas é não. Agora, me


responda e responderei todas as outras perguntas, tantas como quiser. Porque veio
para a Espanha. E não diga “esquecer”. Quero uma resposta real, Ember. Diga a
verdade.
Ele estava perto, a pouca distância, mas parou a um braço e não fez mais
nenhum movimento para se aproximar. O corpo inteiro de Ember estava
tremendo agora, com os joelhos e as mãos, até mesmo o lábio inferior tremendo.
A coragem que sentiu momentos antes evaporou deixando apenas o resíduo frio,
frio do medo. A água pingava em seus olhos, mas estava muito congelada para
limpar.

—Vim para a Espanha para esquecer... esquecer... — Parou bruscamente


quando ele se aproximou mais.

—Não vou machucá-la. — Christian disse suavemente. — Você deve saber a


esta altura. Feri-la apenas iria me ferir, September.

Ouvi-lo dizer seu nome completo lhe lembrou algo. Engoliu o nó na garganta
e lhe perguntou. — Como sabia meu nome no primeiro dia que nos conhecemos?

—Eu vi. — Quando ela franziu o cenho em confusão, explicou. — Havia um


artigo de jornal na parede atrás do balcão, com uma foto de seu pai e você. “Artista
americano abre livraria rara no bairro Gótico”. Seus nomes estavam embaixo.

Por alguma razão, este era um pequeno fato que finalmente entrou em sua
consciência como uma prova irrefutável de sua não-humanidade. A parede atrás
do balcão estava a três metros de distância, o artigo de jornal impresso era
minúsculo. Seu pai se queixou quando mal pode ler, mesmo com óculos o papel
precisou ficar perto de seu nariz.

A velocidade sobrenatural, a imensa força e os sentido intensificados,


combinados com a capacidade de converter-se em outra forma, uma forma
animal... algo diferente.
Mas deus, este algo diferente era lindo. Era outro de seus dons? Simetria das
feições, perfeito para atordoar sua presa à submissão, como hipnotizar uma cobra?
Era tão dolorosamente bonito que era quase impossível acreditar que este homem
de pé diante dela causou o tipo de caos que viu nas fotos da cena do crime na
internet, o tipo de coisas que apenas um monstro faria. Tanto sangue.

E como poderia acreditar que ele não faria o mesmo com ela, mesmo por
acidente? Talvez sua sede de sangue se visse afetada pela maré ou o clima, mesmo
a lua cheia.

Em um rápido movimento, Christian rasgou sua camisa, deixando ao


descoberto o peito nu, musculoso. Botões saltaram e saíram voando, batendo
contra o chão. De repente imponente, grande e irritado, diminuiu o último espaço
entre eles e grunhiu. —Faça então! Se realmente acha que vou machucá-la, siga
em frente e me mate! Não vou impedi-la.

A histeria se elevou a seu pico, queimando brilhante, com grande nitidez. Ela
segurou o fôlego, cada nervo e músculo a ponto de...

Então ele estendeu a mão e agarrou o braço de Ember. Ela se afastou com um
grito agudo que soou como um rato quando vê o gato em um ataque repentino.

Mas ele era muito rápido e muito forte, ela era muito humana. Ela não era rival
para ele.

Seus braços a rodearam como uma banda de ferro. Lutou contra ele,
absolutamente em vão, se contorceu, balançou e tentou se soltar, mas ele apenas
apertou mais, silencioso e paciente, até que ela se soltou, com as pernas cedendo
sob ela. Christian deslizou por trás dela e continuou segurando-a enquanto ela
respirava forte, seu corpo sacudido por tremores, a respiração ofegante fazendo
eco em toda a sala tranquila.

—Respire para mim, pequeno foguete. Apenas respire. — Sussurrou perto de


seu ouvido.

E ela o fez. Agitada e hiperventilando em seus braços, o fez.

Depois de uns minutos, Christian afrouxou os braços. Ao ver que não iria fazer
nenhum movimento, não podia, seus músculos estavam congelados e rígidos,
tirou o agasalho molhado de suas costas e jogou-o em uma cadeira perto. De
joelhos deslizou na frente dela e afastou o cabelo molhado de seu rosto.

—Olhe para mim. — Disse quando ela não levantou o olhar para ele.
Infantilmente, ela fechou os olhos com força. — Olhe para mim ou vou beijá-la.
— Advertiu.

Suas pálpebras se abriram e ela o olhou, com os olhos abertos e tremendo pela
impressão.

—Disse que queria tudo de mim. — Murmurou, acariciando sua bochecha. —


Diga que isso não mudou.

Ela gemeu, cobriu o rosto com as mãos. Ele apertou suas mãos e a obrigou a
olhá-lo. — Vamos deixar que vá por um momento. Mas diga-me: porque não
chamou a polícia? Porque não recebeu a grande recompensa e colocou fim a todos
seus problemas de dinheiro? Sabe onde moro, poderia ter trazido eles diretamente
a mim. Mas não o fez. Porque?

Seus olhos procuraram os dela, abrasadores, encantados. Não podia mentir,


mesmo se quisesse. —O dinheiro? — Sussurrou com a voz rouca, movendo a
cabeça. —Christian, como pode pensar que o dinheiro significa algo para mim? É
você. Mas nem sequer me ligou! Durante toda esta semana não tinha ideia do que
aconteceu com você...

—Queria ligar, queria vê-la, não tem ideia, mas não posso me transformar de
volta quando estou ferido. — Explicou em voz baixa, ainda traçando sua
bochecha com um dedo. — Fiquei preso em minha forma animal até hoje.
Geralmente posso me curar muito rapidamente, mas a desagradável ferida de
bala...

—Uma ferida de bala! — Ember se sentou rigidamente, seus olhos procurando


uma lesão. — Aqueles filhos da puta que matou?

Sentimentos piscavam em seu rosto. — Sim, fui atingido na perna. Um deles


fugiu, o outro tentou me comer e outro me disparou. Isso faz com que se sinta
melhor a respeito?

Por matá-los, estava perguntando. Contra toda lógica, sim e ela assentiu com
a cabeça para fazê-lo saber, seus dentes afundados no lábio inferior.

Pareceu aliviado com sua resposta. Seus olhos se fecharam brevemente e


quando se abriram novamente, disse em voz baixa. — O que veio esquecer na
Espanha?

Foi um longo tempo antes que ela respondesse e seus olhos nunca se afastaram
de seu rosto. — Tudo. — Ela disse com sinceridade. Então percebeu com
repentino horror, rapidamente que os dois eram mais parecidos do que imaginava.

Ambos eram assassinos.

A ideia contorceu seu estômago.


Cambaleou sobre seus pés, uma mão sobre a boca, náusea subindo pela
garganta. Isto era demais, tudo era demais e não podia pensar com ele tão perto,
com seu cheiro e seu escuro olhar — precisava fugir.

—Ember, espere, pare.

Agora.

Cambaleou até a porta, sem ver nada, porque seus olhos estavam cheios de
lágrimas. Todas aquelas lembranças horríveis, que esteve cuidadosamente
reprimindo chegaram de uma vez e se misturou com as imagens da internet no
Natal no Vaticano e os cadáveres na rua na semana anterior, todos mutilados e
cobertos de sangue.

Seus passos ecoaram como fogo de canhão em seus ouvidos enquanto corria
às cegas para a porta principal, um soluço preso na garganta. Quando ela levantou
a mão para alcançar a enorme maçaneta de bronze para abrir a porta e conseguir
sua liberdade, algo a parou em seco e ficou em estado do choque.

Sinuoso como fumaça, uma nevoa cinza deslizou diante dela, enrolando-se e
agitando o ar. Reuniu-se e brilhou por um momento, suspenso, uma nuvem
estranha bloqueando a porta, logo se reuniu, tomando forma rapidamente, uma
que conhecia bem. Os pés e as pernas, os braços e o peito, o corpo escultural e o
rosto impressionante, completo com um par de olhos verdes tão vivos que
brilhavam.

Christian. Materializou-se diante de seus olhos como nada mais que uma
nuvem fina de nevoa.

Estava nu.
O grito que arranhou a saída de sua garganta era igual de horror e
incredulidade.

—Espere. — Disse com uma mão estendida. —Ember, simplesmente espere...

—Deixe-me Christian! — Soluçou. — Se preocupa comigo, simplesmente me


deixe ir!

Sem esperar resposta, correu junto a ele, abriu a porta e correu para a noite
chuvosa.
Os golpes na porta do apartamento eram fortes e implacáveis. Assim como o
grito.

—September! Abra a porta agora mesmo, querida! September! Que merda!

Era Asher, acordou mais provavelmente de um sono induzido por Xanax pelos
ruídos dos passos na escada, a porta de seu apartamento sendo esmurrada e seu
choro histérico, o último dos quais cessou desde que entrou no taxi esperando
fora da casa da Christian.

A viagem para casa foi interminável. Ela ficou esperando uma nuvem de
fumaça se filtrar através das saídas de ar e se sentar do lado do passageiro na forma
nua de Christian, aterrorizando o motorista por diferentes razões e acabariam em
um acidente.

Ember não acreditava em destino, concederia a sorte sobreviver ou não a um


acidente.

Ainda com sua roupa e sapatos molhados, ela se deixou cair boca abaixo sobre
a cama assim que chegou em casa, seu rosto enterrado no travesseiro e cobriu com
as mantas a cabeça. Logo tentou não pensar da forma de nuvem sobrenatural e
etérea, que não encontraria obstáculo nas pequenas coisas tolas humanas como
portas e fechaduras.
—Jesus cristo, querida, o que está acontecendo? Está ferida? Nunca a ouvi
gritar! E nunca a ouvi chorar assim. Soa como se alguém estivesse tirando a pele
de um gato! Diga-me o que está acontecendo, estou a ponto de ter um ataque!

Um histérico homem homossexual entrou em sua casa no meio da noite depois


que ela descobriu que seu quase namorado era algo saído de um livro de Stephen
King, agora o mundo tinha terminado oficialmente.

Debaixo das cobertas, Ember gemeu. —Não aconteceu nada, Ash. Deixe-me
sozinha.

Ela ouviu sua incredulidade. — Puh! Justo antes de sentir o movimento da


cama sob seu peso enquanto se sentava na beirada do colchão. Uma mão
esfregando lento, relaxantes círculos em suas costas pelo edredom. Lembrava algo
que sua mãe fazia quando estava doente quando era uma criança e trouxe novas
ondas de lágrimas.

—Por favor, precisa me dizer que está bem. Negou-se a me ver toda semana
e fiquei preocupado, agora chega em casa assim. Não falou comigo desde antes de
domingo passado, que merda está acontecendo?

Ela balbuciou. —É... Christian. Ele... — Fez uma pausa e logo lamentou. —
Oh Deus!

—Aquele filho da puta! — Asher gritou a plenos pulmões, assustando-a. —


Ele a tocou? Machucou? Juro por Deus, Em, apenas diga uma palavra e sairei com
minha arma e buscarei este bastardo e voarei...

—Não! — Ela gemeu, interrompendo-o. —Não é assim! Não me machucou...


— Interrompeu, percebendo que deu muita ênfase na última palavra, que se Asher
estivesse prestando atenção, teria percebido.
Felizmente, Asher estava muito ocupado com sua própria crise para perceber.

Saltou da cama e começou a andar ao redor do quarto, pontuando cada palavra.


— Deveria saber que muito bom para ser verdade! Aquele rosto! Aquele corpo!
As roupas! O sotaque! Com certeza é tudo um engano, verdade? Na verdade, nem
sequer tem dinheiro. É uma espécie de estelionatário, verdade? É um
estelionatário! Ele atrai as mulheres jovens e inocentes em sua armadilha e logo
tem seu caminho com elas ou suas contas bancárias!

Ember considerou prudente não falar que ela não era inocente e nem tinha
uma conta bancária atraente.

Logo, Asher parou em seco e ofegante disse. — Aposto que nem sequer é
inglês... ele provavelmente é de um lugar horrível... em algum lugar em Utah!

Ember lançou as cobertas sobre a cabeça e gritou. — Asher, por favor! Apenas
está me fazendo sentir pior!

—Oh querida, sinto muito. — Torceu as mãos, desgostosa. O pijama fúcsia


com um padrão dourado e petúnias vermelhas, um par de sapatilhas cor malva
com um cordão, precipitou-se ao lado da cama, se sentou novamente e segurou
sua mão. —Mas precisa me dizer o que aconteceu ou minha imaginação terá o
melhor de mim! O que ele fez? Ou o que não fez? Conte-me!

Olhar seus preocupados e suplicantes olhos, a fez chorar. Ela cobriu o rosto
novamente e soltou um soluço. — Não é a pessoa que esperava que fosse.

Sua voz interior ficou irônica: Ele não é uma pessoa em absoluto.

Devido à que a vida tem um sentido cruel e caprichoso sentido de humor, seu
celular tocou exatamente neste momento. Antes que pudesse impedir, Asher
moveu-se pelo quarto, recuperando-o de onde deixou sobre a cômoda, pegou-o e
gritou. — Alô? — Ouviu durante aproximadamente dois segundos, logo gritou.
— Que porra fez com ela, bastardo?

Ember gemeu contra o travesseiro e colocou as mãos nas orelhas.

—Não, absolutamente não! Não sei o que fez, mas nunca a vi assim e que
Deus me ajude se vier aqui, eu... — Ele cortou abruptamente, ouviu por um
momento e logo com um xingamento entre dentes que incluiu as palavras “bolas
assadas” desligou o telefone.

Ember se sentou na cama. — O que? O que ele disse?

Furioso Asher olhou seu rosto vermelho. — Disse que virá aqui.

—O que? Agora? — Olhou violentamente pelo quarto como se estivesse atrás


das cortinas ou ao lado da estante. — Ele está aqui?

Em resposta, houve um golpe violento na porta do apartamento.

Ao ver a expressão de puro pânico em seu rosto, Asher pronunciou com


veneno. — Cuidarei deste bastardo. — E saiu do quarto.

Ele fechou a porta do quarto atrás de si para que não pudesse ver o que
acontecia na sala de estar, mas dentro de dois segundos ouviu um ruído surdo de
gritos, outra porta se fechou de golpe, mais gritos, desta vez mais forte, logo um
golpe indefinido e golpes que a fizeram se encolher na cama com terror,
imaginando o pior. Logo abriu a porta, quase tendo uma apoplexia ao ver Asher,
que segurava uma faca e um Christian grunhindo, vestindo apenas uma calça de
linho, a qual estava usando quando estava de pé diante da lareira.

Ember gritou. — Asher! Abaixe a faca!


Começou então a gritar mais forte, como Ember nunca ouviu antes. Asher
gritou algo, Christian gritou algo em troca, os dois começaram a soltar ameaças e
insultos, ignorando Ember, que esgotada e irritada pensando que sua cabeça iria
explodir, gritou. —Parem!

Congelaram. As cabeças se viraram em sua direção.

Asher — atlético e musculoso, mas facilmente subjugado por Christian — que


estava em modo idiota. Viu isto em algumas outras ocasiões, onde teve a
oportunidade de desprender-se de algumas intolerantes ideias errôneas de que os
homossexuais não eram mais que afeminados promíscuos. Abusados na infância
ou que tivesse alguma síndrome sexual de Estocolmo mediante a qual a vítima
sempre “escolhia” sentir-se atraído por outros homens em um esforço de curar
seu passado doloroso.

Apesar do pijama bonito e o sapato suave e esponjoso, Asher dava medo para
caramba. O rosto estava vermelho, duro como granito, seu peito subia e descia
em ondas cortantes. A mão dura segurando a faca tremia. Os dedos estavam
fechados com tanta força ao redor do cabo da faca que os nós dos dedos estavam
brancos. Era italiano, com uma paixão mediterrânea e volatilidade, se notava.

Pelo contrário, Christian parecia relativamente composto. Até que o olhou nos
olhos.

O que viu ali lhe fez secar a boca.

Estava furioso também, mas frio e selvagem, totalmente mortal, primitivo,


inclusive quando ela se virou para ele, uma violência tão espessa e profunda que
na verdade tinha peso. Não era nada quente e ultrajante como Asher, ainda que
segurasse uma faca, Ember sentia o estremecimento de medo através dela, até os
ossos.

Seu amigo poderia acabar como o melhor dos melhores.... Seres humanos.

Agora, ele estava em perigo de morte.

Ela sussurrou. — Ash. Coloque a faca para baixo. Por favor.

—Não vou fazer nada até que me dê uma muito boa razão pela qual não
deveria acertar uma parte muito importante dele. —Olhava irritado, bem entre as
pernas de Christian.

—Por favor. — Reiterou, mantendo a voz tão tranquila como pode. —


Christian não fez nada para me machucar fisicamente... — Ela engoliu e começou
novamente, esperando que sua voz não se rompesse. —Ou emocionalmente.
Apenas discutimos. Não é nada grave, não precisa de nenhuma amputação.

Depois de um longo olhar assassino na direção de Christian, finalmente


concordou. Logo cruzou os braços sobre o peito vestido de seda, sacudiu a cabeça
e disse. — Esta provavelmente foi a pior mentira que já disse, querida. E tenho
certeza que já me contou muitas. — Ele bufou uma respiração pelo nariz e
disparou outro olhar para Christian. — Tem sorte que sou controlado ou estaria
perdendo seu bebê-marcador, Romeu.

Christian lhe sorriu e Ember xingou baixinho, nunca viu nada tão assustador
em sua vida.

Em voz baixa e infinitamente sombria, seu olhar nunca deixando Asher,


Christian disse. —Ninguém nunca me ameaçou dessa forma e viveu para contar,
mas considerando que está atuando como um cão de guarda em nome de outra
pessoa com quem se importa, vou deixar passar. Um conselho, no entanto, não
faça novamente. Ou você sentirá muito mais falta que seu bebê-marcador, amigo.
Agora saia. Ember e eu precisamos conversar.

Com o músculo na mandíbula pulsando, Asher soltou outra rodada de


ameaças, mas Ember interrompeu. —Por favor, Asher. Por favor, está tudo bem.

Asher olhou entre ela e Christian, seu olhar claro de incredulidade, a raiva ainda
evidente em seu rosto. Finalmente disse. — Já que ninguém me dirá exatamente
o que está acontecendo aqui, isto é o que vou fazer. — Apontou para a porta. —
Vou me sentar no sofá da sala de estar durante dez minutos, o que é tempo
suficiente para que você diga o que quer que precise para minha garota ouvir.
Durante este tempo, se ouvir qualquer ruído ou indicação alguma de que ela está
com medo, irritada ou mesmo incômoda. Se souber que algo está fora de lugar,
vou chamar a polícia e logo estarei de volta a este cômodo com todas as facas de
cozinha, goste ou não. Capisce, Pacino?

Um dos cantos dos lábios de Christian se torceu. Ficou olhando para Asher
por um tempo incomodo e logo disse. — Capisce, Pacino.

Asher olhou para Ember, logo, olhou a faca no balcão, onde a deixou. Pegou-
a novamente, disse adeus aos dois com um sorriso falso. Ele disse. — Vocês
crianças, não precisarão disso. — Virou-se e saiu da cozinha.

Christian fechou a porta atrás dele. Fechou-a com o que parecia um baque
mortal da madeira do quarto.

Não podia olhá-lo. Olhou para seus pés em troca, ainda com seus sapatos
molhados.
—Bem. Esta foi a primeira vez. Nunca fui ameaçado com lesões corporais por
uma drag queen antes.

Ele não se moveu da porta. Sua voz era menos terrível que quando ele
conversou com Asher, mas ainda assim havia um tom duro, ainda que ela sentisse
como se estivesse tentando se controlar.

—Não é uma drag queen, é gay. — Disse ela, sentindo-se miserável, confusa
e esgotada. — Ele serviu na Marinha. Gay na Marinha são as pessoas mais difíceis
na terra.

—Usa sapatilhas suaves, September. E pijamas femininos.

Fraca, Ember protestou. — São Gaultier.

Ignorando isso, Cristian disse. — Ainda está molhada. — Parecia louco por
ela.

Depois de sua tática, ignorou o comentário. — Diga o que precisa, Christian.


Então vá embora. Por favor. Não posso digerir tudo isto em uma noite.
Especialmente com você aqui.

Ela fez um gesto vago com a mão para indicar a falta de uma camisa, que até
agora estava conseguindo não olhar. Ele flutuava sedutoramente em sua visão
periférica, o peito e a pele dourada, os músculos esculpidos, ela levou os olhos
para a parede oposta, deixando que caíssem na pintura a óleo em um quadro
horrível que seu pai comprou para ela em um capricho no brechó onde comprou
o divã. Mostrava uma camada de gatinhos junto a uma manta em uma cesta, que
no momento parecia incrivelmente sinistro para dormir.

—Oh? A visão do meu corpo a esta distraindo?


Sua voz a deixou arrepiada. Mudou de perigoso para suave, uma sensualidade
como mel liquido e quente deslizando sobre sua pele. Ela fechou os olhos e disse.
— Apenas diga o que veio dizer.

Houve silêncio, então um suspiro. Sem aviso colocou os braços ao redor dela.

—Dez minutos. — Sussurrou quando tentou afastá-lo. — Dez minutos mais


e logo, se ainda quiser, vou passar por aquela porta e nunca mais me verá
novamente.

Ele estava de joelhos junto a cama e ela aconchegada em seu peito, o rosto
entre as mãos, tremendo. Ela tentou ignorar todo o aperto na garganta, mas não
pode e ficou sem fôlego.

—Não posso... não posso.

Ele empurrou os fracos protestos de lado, levantou-a nos braços e foi para a
cama. Apertou-a contra seu corpo e afundou o rosto em seu pescoço. — Dez
minutos. September. Apenas dez minutos.

Sua voz era mal audível, mas não perdeu o tom suplicante. Era vertiginoso, sua
mudança de predador mortal para doce pretendente, exasperante, também.

Como deveria fazer frente a isso? A ele?

—Não se irrite. — Advertiu. O qual naturalmente, a deixou louca.

—Não posso deixar de ficar irritada! Coloque-se no meu lugar por um


segundo!

Seus braços se apertaram ao redor dela. — Apenas estou dizendo que não
quero ser cortado em rodelas por uma drag queen com uma faca na mão. —
Quando ela ficou rígida, se corrigiu rapidamente. — Um ex-marine gay. Se a deixar
louca, serei castrado, lembra?

Ember apertou os lábios para abafar a risada histérica que ameaçava sair de sua
garganta. A ideia de Asher cair sobre Christian era incrivelmente divertida. Pensou
que poderia se transformar em uma nuvem para evitar o ataque de Asher.

Devido a que não estava em um estado mental racional, Ember cedeu. —Bem.
— Sussurrou. — Dez minutos.

Deu-lhe um beijo fugaz na garganta, quente e suave, antes que pudesse


protestar se sentou, com ela junto a ele. —Boa resposta. Agora, vamos sair dessas
roupas molhadas. Onde guarda suas camisolas?

Ember enrugou o nariz. — O que eu tenho, noventa anos? Não tenho


camisolas.

—Certo, então. O que usa para dormir?

Ela apertou os lábios, mas ele já adivinhou. Seus lábios se curvaram em um


sorriso.

—De verdade? É uma aficionada? Um pensamento tentador. — Seu sorriso


aumentou com seu rosto ruborizado.

—Não podemos deixar isso mais fácil para mim? Por favor? — Levantou-se e
se dirigiu para seu armário, puxou um pijama de algodão que Asher lhe comprou
no Natal há dois anos, cruzou o quarto até o banheiro e fechou a porta. Christian
observava cada movimento, como se esperasse que ela fosse surtar a qualquer
momento.
Segura atrás da porta do banheiro, Ember se apoiou na pia. Olhou no espelho
— úmida e desalinhada — seus olhos selvagens como o de um animal encurralado
e passou as mãos pelo rosto.

Todos os animais são iguais, pensou. Lembrando como os olhos de Christian


mudaram de forma. Sim, mas alguns são mais parecidos que outros.

Uma vez seca e vestida, com o cabelo penteado, o rosto lavado, os dentes
escovados, ela saiu novamente e ficou olhando-o. Apesar de estar vestida, sentia-
se nua, quase insuportavelmente tímida. E, no entanto, não podia afastar o olhar
dele.

Estava encostado nos travesseiros da cama, com uma perna estendida e a outra
dobrada, descalço e com o peito nu tenso e tão bonito que desejou ter o talento
do desenho. Ele levantou uma mão e a estendeu como um convite silencioso e
porque seu corpo era um traidor, seus pés se moveram automaticamente até ele
como se convocada por um feitiço.

Ele não lhe deu uma indicação de onde iriam, empurrou-a suavemente para
baixo sobre a cama com ele, colocando um braço ao redor de seu peito, deslizou
um debaixo de sua cabeça e logo se encontrou de lado com as pernas juntas atrás
dela e a cabeça descansando no travesseiro compartilhado.

—Seu sentido de humor é questionável, pequeno foguete. — Christian


murmurou em seu cabelo.

O pijama que Asher lhe deu estava decorado com pequenas imagens de gatos
perseguindo cães. Na frente da camisa havia um grande chihuahua congelado
enquanto um gato negro de aspecto agradável com olhos estreitos se levantava
atrás dele. A legenda dizia: Está atrás de mim.... Verdade?
Ela fechou os olhos e murmurou. — Pareceu adequado.

Ficaram em silêncio vários minutos, até que a tensão de seu corpo relaxou e
começou a sentir-se um pouco mais natural ter ele ali. Tão perto que cheirava a
almíscar, sua pele exótica, sentia o calor de seu corpo passar para o dela.
Naturalmente, percebeu que sua tensão se aliviou e um suspiro, que poderia ser
de alivio escapou de seus lábios.

—Não gosto que tenha medo de mim. — Sussurrou.

—Não tenho... agora. Mas tem que admitir Christian, é muito para processar.

—Eu sei. Acredite, eu sei. — Parou, pensando, logo disse. — Obrigada por
me permitir estar aqui.

Isto lhe pareceu incrivelmente doce. — De nada.

—Está bem. — Disse. — Dez minutos. — Logo houve outra pausa, como se
estivesse organizando seus pensamentos. Finalmente disse. — Conhece a história
das Esfinges?

—Quer dizer a estátua do Egito?

—Sim.

—Bom... na verdade, não.

—É uma das maiores estátuas e mais antigas do mundo, cujas origens se


perderam nas brumas do tempo. A teoria popular diz que a Esfinge foi construída
aproximadamente em 2500 AC pelo Faraó Kefrén como parte de um complexo
funerário das grandes pirâmides de Giza. O nome usado comumente “Sphinx”
lhe foi dado na antiguidade, muito depois que foi construído em referência a fera
mitológica grega com corpo de leão, cabeça de mulher e asas de águia. Seu nome
real nunca foi descoberto, já que foi construída há muito tempo, mas o moderno
nome egípcio árabe para a estátua é um aterrorizante Um.

Apesar de não saber porque, Ember sentiu algo importante: o aterrorizante.


Um leve arrepio percorreu suas costas.

A medida que Christian continuava, sua voz se converteu em um murmúrio


candente. — Mas esta estátua não foi construída por Kafra em 2500 AC. E apesar
de ser nomeada como Esfinge, não tem o corpo de um leão.

O ar pareceu repentinamente ranger com estática. — Não? — Sussurrou


Ember.

—Não. Foi construída mil anos antes, pelo fieis da Rainha dos seres humanos
no momento considerada uma divindade que vivia entre eles. E como a divindade
que adoravam, a estátua era parte humana e parte... pantera.

O folego abandonou o corpo de Ember de uma vez, sem som. Continuou e


todos os diminutos pelos de seu corpo começaram um por um a se levantar.

—Minha espécie está aqui desde o início de tudo. Nativa do coração mais
escuro da selva africana, somos predadores que destacaram no que a maioria
chamaria de técnicas de sobrevivência dos animais: camuflagem. Podemos mudar
de forma para se adaptar a qualquer entorno ou imitar qualquer presa, inclusive
podemos nos dissolver em nevoa, que é constante na selva tropical. Vivemos em
perfeita harmonia e em paz por milhares e milhares de anos, coexistindo com
todas as outras criaturas da terra.

Sua voz escureceu. — Até que um dia um tipo diferente de criatura apareceu.
Arrastou-se do barro, respirando ar nos pulmões anfíbios. Este pequeno anfíbio
mudaria nosso destino para sempre.
Ember teve um momento de confusão, logo, em um brilho de clareza percebeu
que estava falando de pessoas. — Peixe? —Repetiu, desgostosa. — Está dizendo
que descendo de um peixe?

—Seria melhor um macaco? — Perguntou com voz seca. — E se te faz sentir


melhor, não descende de peixe.

Nenhuma dessas respostas parecia satisfatória, assim Ember se manteve em


silêncio. O braço de Christian se apertou ao redor dela e começou a falar
novamente.

—Os recém-chegados se desenvolveram rapidamente. Uma vez que


avançaram até o ponto onde tinham fogo, ferramentas de pedra e a primeira
compreensão da linguagem crua, nos mostramos a eles. O que resultou ser um
erro colossal.

Ember sussurrou. — Porque?

—Pense. Mesmo agora o mundo humano é um lugar difícil para viver se você
é diferente. Pense em seu amigo, Asher. Como acha que é a vida dele?

Difícil. Sua vida até que aprendeu a aceitar a si mesmo e encontrou sua alma
gêmea em Sebastian — foi tudo muito difícil. E logo depois da morte de Sebastian
— foi mais difícil. Ember sabia que era parte da razão pela qual os dois se davam
tão bem, sofreram durante anos.

A miséria ama companhia.

—Assim fomos caçados. Porque os seres humanos se procriaram como


coelhos, havia muitos, muitos deles que não eram como nós e fomos levados
quase a extinção. Foi então quando descobrimos nosso disfarce era mais
inteligente de todos.

Ember girou a cabeça e olhou sobre o ombro. Christian sorriu, deslumbrante


em toda sua perfeição. Levou um dedo ao nariz. —Aprendemos a nos parecer
com vocês.

Sua boca se abriu.

—Construímos casas humanas, plantamos cultivos humanos, caçamos com


lanças humanas e nos mantemos de forma tranquila. Finalmente, depois de
tempos escondidos, fingindo, houve uma trégua. E tempos de vida depois disso,
fomos novamente viver à intempérie com os seres humanos. Com tanto êxito que
parecia como se na verdade pudéssemos ser capazes de viver assim para sempre.
— Sua voz ficou mais seca. — Até Cleópatra, claro.

Ember piscou, confusa. —Cleópatra?

—Sim. Ela era uma de nós, uma das Rainhas mais poderosas que nossa espécie
já viu. Astuta também. E infelizmente ambiciosa.

Suspirou e Ember esperou sem fôlego.

—Bom, é provável que conheça a história. Quando Cleópatra seduziu Marco


Antônio, conseguiu finalmente ficar contra Cesar Augusto, o governante de
Roma, que era neste momento o epicentro do mundo civilizado. Ela queria
governar todo o planeta. Queria que os Ikati voltassem ao topo da cadeia
alimentar, por assim dizer. No entanto, o golpe fracassou. A Rainha e seu amante
morreram. E seus parentes Ikati, que neste momento estavam sendo pura e
simplesmente adorados em todo o Egito como deuses — foram caçados uma vez
mais. Fomos declarados feiticeiros, inimigos de Cesar e inimigos do Estado. Nos
levaram de nossa terra, quase todos foram assassinados.

—Os poucos que ficaram, formaram colônias pequenas, escondidas em


bosques por todo o mundo, lugares rodeados de silêncio e segredo. Retiramo-nos
às velhas maneiras de fingir e mentir, de manter a nós mesmos. E isto se manteve.
— Sua voz ficou mais amarga. — Até que um de nós decidiu que era hora de
voltar a ser adorado pelos seres humanos, em lugar de se esconder deles.

Com isso, Ember lembrou-se com detalhes surpreendentes do vídeo que viu,
o homem com os olhos negros — não-homem — matando todas aquelas pessoas
no Vaticano. Que matou o próprio Papa.

—Cesar. — Murmurou.

—Irônico, verdade, que seja chamado assim?

—Irônico. — Ember fez eco em voz baixa. Ela ficou muito quieta em seus
braços. Christian provavelmente detectou o tumulto em seu interior, ficou imóvel
e em silencio também. Esperando.

Ela refletiu sobre isso, imaginando que a histeria tomaria conta novamente a
qualquer momento. Mas uma vez ou outra, apesar da parte lógica de seu cérebro
insistir que deveria se concentrar no que fez no beco — voltava a pensar no
incrível que era. Odiava quando as pessoas usavam a palavra “mágica” para
descrever as coisas que não podiam entender, mas nestas circunstâncias parecia
exatamente a palavra correta.

Ele e o resto de sua espécie, não eram nada menos que mágico. Lindo, mágico
e sem dúvida, mortal.
Foi então quando descobrimos nosso disfarce mais inteligente...

A curiosidade tirou o melhor de sua ansiedade e ambivalência, Ember


perguntou hesitante. —Assim, pode se transformar no que quiser?

—Não. Não podemos, já não. Não sabemos exatamente porque, mas poderia
ser porque passamos muitas gerações pretendendo ser humano, vivendo na forma
humana. Todos nós podemos mudar para nossa forma animal, mas agora apenas
alguns de nós pode mudar para vapor, como me viu fazer. Ainda que... —Riu. —
Você foi a única pessoa que me viu fazer isto. Mesmo minha família não sabe que
tenho este dom em particular.

—Porque não?

Ele suspirou. — É complicado. Nossas leis, bom, vamos dizer que a energia
tem que ser provada. E como sou o irmão mais novo do líder, se a colônia souber
que sou vapor, como é, seu domínio poderia ser colocado à prova.

—Teriam que se enfrentar. — Imaginou Ember.

Ela acertou porque a voz de Christian ficou mais sombria e disse. — Leander
já teve que fazer coisas horríveis para manter o controle. E o mataria se tivesse
que lutar comigo, me machucar para manter sua posição. Assim que mantenho
meu segredo para mim mesmo e todos ficam bem.

—Pergunto-me quantos outros estão fazendo isso também.

Murmurou. — Não posso dizer com que frequência me pergunto exatamente


o mesmo.
Ficaram em silencio durante um tempo e logo Ember perguntou. — Você
pode mudar para animal ou nevoa, tem uma velocidade surpreendente e sentidos
agudos, é forte e se recupera rápido... algo mais?

—Há tantos dons diferentes, como grãos de areia em uma praia, alguns tão
únicos como o desenho de um copo de neve. Há sugestão, controle mental,
invisibilidade, telepática, proteção.

Ember ficou em silêncio. — Invisibilidade!

—E de vez enquanto um Skinwalker...

—Skinwalker? Isso soa repugnante. — Ember interrompeu novamente, agora


fazendo uma careta.

Atrás dela, ele riu baixo, movendo-se na cama. Uma vez sob controle, disse.
— É apenas um termo que pegamos emprestado do Navajo. Um Skinwalker tem
todas as capacidades de transformação dos Ikati originais. Pode se transformar no
que quiser: vento, fogo, um dragão, um falcão. Apenas há um de nós que pode
fazer isso agora.

Assombrada, Ember sussurrou. — Um dragão?

Em uma voz suave, estranhamente melancólica, Christian disse. —Sim.


Reluzente branco e sinuoso, com asas prateadas, um ferrão na ponta de sua
poderosa cauda e um colar de seda como a crina de um cavalo ao longo do
pescoço. — Sua voz ficou ainda mais suave e sussurrou. — Ela é uma das coisas
mais belas que já vi.

Afiado como tesouras atravessando seu coração, o ciúme acendeu-se em seu


interior.
Quem era esta criatura tão linda por quem soava tão apaixonado? E porque
doía tanto?

Da sala de estar, Asher gritou. — Cinco minutos!

Ember deixou escapar um suspiro profundo. Murmurou. — Provavelmente


deveria fazer algo a respeito.

Christian se apoiou no cotovelo e a olhou, seu olhar verde penetrante. — Isso


significa que fico?

Ela tentou sair de seus braços para se levantar, mas ele a manteve ali, muito
forte para se incomodar em lutar e segurou seu queixo. — Sim? — Murmurou.

Em uma voz quase inaudível, perguntou. — Quer ficar?

Suas sobrancelhas se juntaram e por um momento pareceu irritado. — Porque


me pergunta isso se já sabe a resposta, pequeno foguete?

Presa em seu intenso olhar, Ember mordeu o lábio inferior e ficou em silêncio.

Ele negou com a cabeça lentamente, para frente e para trás, com os olhos
quentes nela. — Diga que quer.

—Quero... quero... — Ela engoliu, tentando ganhar tempo. Em última


instância, se acovardou por completo e afundou o rosto no travesseiro,
escondendo-se dele. — Não sei o que quero.

Ele abaixou a cabeça junto a dela, roçou os lábios na pele exposta de sua
garganta. Sussurrou em seu ouvido. — Vou lhe dar um conselho, Ember. Nunca,
nunca minta para você mesma. É o mais autodestrutivo que pode fazer. Ser
brutalmente honesto sobre o que é e o que quer, mesmo se nunca o revela a outra
alma. Se não for, se quiser que as coisas sejam diferentes do que são, se tentar
varrer seus verdadeiros sentimentos para baixo do tapete, será miserável e nem
sequer saberá o porquê. Ficará impotente. Mentirá a todos os demais, se for
necessário, faça o que precisar para se proteger de todos estes filhos da puta que
lhe dirão o que fazer, como ser, o que deve pensar ou sentir. Mas seja dona da
verdade. Pertença a si mesma. E nunca se envergonhe.

Agarrou seu queixo firmemente com a mão e virou seu rosto. Olhando
fixamente em seus olhos, disse. — Quer que eu fique?

Hesitando, ela disse. — Sim. E não. E essa é a verdade. É muito para lidar
em... preciso pensar e não posso quando está perto... — Ela ficou em silêncio
porque seu olhar se moveu para sua boca e seus olhos começaram a arder.

—Não pense, então. — Disse. Em um rápido movimento, se entregou,


estavam grudados um no outro, coxas com coxas, seus corpos apertados. Segurou
sua mão, colocou-a sobre o peito nu e sussurrou. — Simplesmente sinta.

Sob sua palma, seu coração estava tão rápido e irregular como o dela. Como o
fazia cada vez que olhava como ele estava olhando agora, o calor percorrendo seu
corpo.

Olhando diretamente em seus olhos, murmurou. — Eu digo a você o que


quero?

Sua cabeça fez um leve movimento de cima abaixo.

Inclinou a cabeça, abaixou os lábios aos dela e lhe deu o mais suave dos beijos,
fazendo-a se arrepiar nos braços e nas pernas. —Não posso dizer tudo porque
não estamos ali ainda e vai se assustar, mas neste momento... —Sua língua traçou
o lábio inferior, a pressão ficando mais fraca e ela fez um leve som involuntário
de prazer. —Neste momento quero sua boca. Quero está linda boca por todo o
corpo. Quero seu lindo corpo nu sob o meu e quero abrir suas pernas e me
enterrar dentro de você e ouvi-la gritar o meu nome.

O coração de Ember acelerou mais, porque não terminou. Uma suave mão em
seu cabelo e os dois ficaram contra o colchão, uma de suas pernas sobre as dela,
assim podia sentir sua ereção, dura como aço, em seu quadril. Sua voz ficou mais
escura, mais brusca.

—Quero que aprenda o que gosto e quero aprender o que você gosta e quero
vê-la gozar para mim, uma e outra vez. Quero tudo isso e tanto que está tomando
tudo o que tenho para não rasgar toda esta roupa neste momento porque sei que
quer tudo isso também, tanto como eu, apenas tem medo, o que me mata, porque
prefiro arrancar meu próprio coração que a machucar.

Ele abaixou os lábios aos dela e a beijou novamente, desta vez mais tempo,
mais forte, mais exigente que antes. Ember gemeu em sua boca, já se abrindo ao
sabor dele.

Tremendo, as mãos flutuaram pelas costas, roçando sua pele quente,


explorando os músculos esculpidos, duros. Sentiu o leve tremor passando por ele
quando arranhou suas costas com as unhas. Ela separou as pernas e ele acomodou
o peso entre elas com um grunhido em sua garganta, pressionando sua pélvis em
seu centro.

Ela sentiu-se tonta. Estava caindo. Sentia-se como se a gravidade a houvesse


deixado e estava voando pelo espaço a mil milhas por hora, sem oxigênio e nada
no que se agarrar, apenas ele.

Ele terminou o beijo e desceu a boca para sua garganta. Ela gemeu ao sentir a
quente umidade de sua boca contra a pele, os dentes pressionando para baixo forte
o suficiente para picar. Chupou tão forte que tinha certeza que deixaria uma marca,
mas não se importou porque não se importava com nada além da sensação de seu
corpo contra ele. Ela rodeou seus ombros com os braços, entrelaçou os dedos em
seu cabelo grosso e era ainda mais suave do que parecia e se arqueou contra ele,
seu nome uma suplica sussurrada nos lábios.

A mão deslizou por baixo da parte de cima do pijama. Os dedos roçaram a


parte inferior dos seios e Ember não pode evitar. Ela apertou a pélvis contra ele e
gemeu. — Sim, por favor.

Ele segurou o seio na mão, beliscou o mamilo duro e começou a rir quando
ela estremeceu e sussurrou novamente.

—Meu pequeno foguete é sensível, hum? — Ele acariciou o mamilo, sua risada
morrendo quando ela cravou os dedos em seu couro cabeludo e empurrou-se para
cima em sua mão, gemendo.

Sussurrou. — É muito sensível, Ember. Deus, é muito quente.

Logo empurrou a parte de cima e abaixou sua boca ao mamilo e ela ficou sem
fôlego ao se aproximar mais dele com o toque de seus dentes. A dor pulsante foi
aliviada quase instantaneamente quando ele passou a língua sobre o mamilo,
dando voltas e voltas, a dor quente e úmida, maravilhosa aumentando com cada
puxão feroz, sua outra mão beliscando o outro mamilo.

Ela se contorceu contra ele, balançando-se em um precipício.

Além da porta chegou um grito. — Nove minutos!

Se separaram, ofegantes e olharam um para o outro. Com os dentes apertados,


Christian murmurou. — Vou matá-lo.
—Não... é... é... — Ember não pode fazer sua boca cooperar com seu cérebro.
Ao perceber que estava a ponto de fazer algo que seu corpo queria muito, seu
cérebro não cooperou, então ela respirou fundo, colocou as mãos contra os duros
músculos do peito de Christian e lhe deu um empurrão.

Ele a olhou com um olhar que dizia: Por favor, diga que não está dizendo o que acho.

Ela assentiu e deu outro empurrão.

Seus olhos se fecharam brevemente. Respirou de forma instável, então abriu


os olhos e disse. — Certo. Mas ainda tenho um minuto. E há algo que quero fazer.

Incapaz de responder, Ember simplesmente piscou.

Mantendo seu olhar nela, afastou-se e equilibrou seu peso em um cotovelo e


logo correu lentamente a mão por seu peito, sobre o ventre e sob a cintura elástica
de seu pijama de algodão. Quando seus dedos deslizaram por baixo de sua
calcinha, ficou sem fôlego, mas ele disse em voz baixa, ordenando. — Fique
quieta. E em silêncio.

Com o coração golpeando contra o peito, ela apertou os lábios e assentiu.

Quando os dedos acariciaram a pequena protuberância inchada entre suas


pernas, ela se alegrou de ter dito para se calar, porque o gemido que se levantou
em sua garganta teria sido o suficiente para despertar os vizinhos e levar Asher de
volta ao quarto. Ela estremeceu contra sua mão.

—Shh. — Sussurrou, quando seu fôlego ficou preso na garganta e um gemido


escapou enquanto os dedos deslizavam mais para baixo e logo a penetrou
lentamente. Seus olhos se fecharam, suas costas se arquearam e precisou morder
o lábio para ficar em silêncio.
—Você está molhada, bebê. — Sussurrou em seu ouvido, o fôlego quente e
sua respiração irregular, os dedos profundamente dentro dela e o polegar fazendo
círculos lentos em seu clitóris. — Está tão molhada para mim.

Ela sussurrou seu nome, movendo-se contra sua mão, o prazer se reunindo
em um pico brilhante, delicioso dentro de seu corpo. Nunca soube que poderia
sentir algo assim, tão rápido, forte e completo, uma sensação assustadora. Cada
nervo e células tensas, concentrado em uma área tão pequena, maravilhosa. Seu
rosto e peito se elevaram com calor, sua respiração era irregular, os dedos
apertavam seu cabelo e o único que podia pensar era em mais, por favor, sim,
muito mais.

—Quero ver você gozar. — Sussurrou, sua voz rouca como fogo em seu
ouvido, uma mistura musical, como blues e seda. Sua língua saiu e acariciou o
lóbulo da orelha e estremeceu, arqueando-se mais contra ele, os seios esmagados
contra o peito. Ele abaixou a cabeça e chupou um mamilo e ela ficou sem fôlego
quando os dedos sondaram mais fundo.

Continuou acariciando e chupando, seu corpo quente e duro contra o dela, seu
fôlego tão desigual como o seu, com os dedos e a língua exigente e implacável, até
que ela gemeu quando o primeiro estremecimento a percorreu. Logo a beijou,
chupando forte sua língua, abafando seus gemidos com a boca enquanto cada
parte dela tremia e vibrava. Relâmpagos rangeram através de seu sangue e sentia
como se estivesse se afogando nele, em seu cheiro, seu gosto, no mais doce e
escuro prazer, no mais poderoso e jamais conhecido.

Finalmente ela gozou e se deixou cair no colchão, ofegante, delirante.


Seus olhos se abriram. Christian estava olhando para ela com uma intensidade
feroz. — Linda. — Sussurrou, pressionando o mais suave dos beijos em seus
lábios. — Você é linda, Ember.

Ele afastou a mão de entre suas pernas, levou-a ao rosto, colocou os dedos na
boca e os chupou, lambendo sua excitação.

Ele o fez lentamente, com o olhar fixo nela e foi a coisa mais atraente, mais
carnal que já viu.

Logo com os mesmo dois dedos, apertou-os contra seus lábios. Ela abriu a
boca, provando a si mesma, o sal e a umidade penetrante, chupando-o da mesma
forma que ele fez, seus olhos ainda juntos. Havia calor e paixão animal em seus
olhos, uma luz perigosa. Quando puxou os dedos os substituiu por sua língua e o
beijo que compartilharam foi selvagem, faminto e desesperado, uma promessa do
que viria.

Separaram-se mais uma vez. Incorporou-se e puxou-a sobre as pernas


trêmulas, deu-lhe um leve empurrão para a porta.

—Vamos. — Disse com a voz rouca. — Vamos falar com seu amigo antes
que perca o controle completamente.

Atordoada e sem fôlego, Ember assentiu, passou a mão pelo cabelo, inalou e
exalou com cuidado e foi para a porta. Sem olhar para trás, para Christian girou a
maçaneta e passou pela porta, fechando-a atrás de si com firmeza. Ainda
tremendo, se apoiou nela.

No sofá da sala de estar, Asher estava sentado com os braços cruzados sobre
o peito. Quando viu seu rosto, rodou os olhos e arrastou as palavras. —Bom,
suponho que ganhou a luta.
Mas Ember, com o coração acelerado, o corpo em chamas, tinha a sensação
de que a verdadeira luta estava para começar.

Gostasse ou não, ela estava se apaixonando por este homem que não era
homem e tinha que decidir o que fazer a respeito.
Christian se sentou na beirada da cama olhando suas mãos, surpreso ao vê-las
tremendo.

Sua resposta foi totalmente inesperada, natural e abandonada, uma reação


sensual que fez o animal dentro dele rugir de prazer. Precisou de toda sua força
de vontade para mantê-lo longe, mas o fez porque sabia que ela não estava pronta
ainda.

Tinha seu corpo, mas a mente era outra coisa.

Perguntou-se onde seu coração pesava sobre tudo isso.

Deixou escapar um suspiro e ficou rígido, ignorando o som da conversa entre


Ember e Asher atrás da porta fechada do quarto. Praticou durante anos o domínio
da capacidade de bloquear as coisas a sua vontade, uma habilidade necessária sem
a qual seus sentidos agudos sobrecarregariam sua mente. Seu cérebro já estava
sobrecarregado o suficiente, obrigado e suspeitava que precisava apenas de um
pouco de persuasão para levá-lo direto à loucura.

Por exemplo, se ela voltasse ao quarto e o beijasse novamente.

Sua boca era tão doce, seu cheiro e os leves e inquietos gemidos ainda mais
doce, a forma como o olhava... o seu gosto. Cristo, seu gosto. Sonhou por semanas
com isso e a realidade era muito melhor que até mesmo suas melhores fantasias.
Colocou a cabeça entre as mãos, pensou por um momento e logo fez a única
coisa que poderia: foi embora.

Logo, em silêncio se transformou em vapor.

Sua calça de linho deslizou ao chão e ficou ali em uma pilha marfim, ele se
moveu no ar, enquanto se estendia e passava pela fresta da janela até a noite.

Asher não parecia de todo convencido com a explicação de Ember sobre o


que estava acontecendo com ela e Christian.

Precisou deixar de lado as partes mais importantes da última semana, claro,


porque não poderia revelar a outra pessoa o que exatamente era Christian. Mesmo
se em última instância decidisse que não poderia ficar com ele, seu segredo estava
a salvo com ela.

—Segredo? — Disse Asher bruscamente.

Ember percebeu que deixou-se levar a seu próprio mundo por um momento
e murmurou algumas palavras. Sua voz a puxou de volta a realidade com um golpe
desagradável.

—O que? Oh, desculpe... não é nada... meu cérebro... está muito cansado.

Com os lábios apertados e a sobrancelha levantada, Asher indicou o que


pensava desta pobre desculpa. Mas foi evasivo. —Hum. Mmmm.

Ela deixou escapar um suspiro trêmulo e balançou a cabeça. — Sabe Asher,


eu te amo por se preocupar assim comigo, mas isto é algo pelo qual tenho que
passar sozinha.
O olhar de Asher caiu na porta atrás dela. Seu olhar ficou mais firme.

—Não fará nada para me machucar. — Ember percebeu que dizia isto para
convencer Asher a não lançar a faca, que ainda tinha na mão, na porta do quarto.
O que foi uma revelação tanto surpreendente como um enorme alivio.

Asher a observava em silêncio. Logo se levantou do sofá, aproximou-se da


cozinha e colocou a faca no balcão. Olhando para baixo com malicia, disse
baixinho. — Há um milhão de formas de alguém machucar uma pessoa, Ember,
muitas delas não intencional. — Ele levantou o olhar para ela. — Mas algo me diz
que este homem conhece muitas formas desagradáveis de ferir alguém, todas elas
intencionais.

—Asher...

—É lindo, concordo. Poderia até mesmo ser o homem mais bonito que já vi
na vida, querida, o que diz algo. Mas é perigoso também. Tudo o que precisei fazer
foi olhar em seus olhos quando ele estava de pé em seu quarto e pude ver. Pude
sentir. Estava disposto a arrancar-me membro a membro. De nada vale a beleza
quando está lidando com alguém perigoso. De fato, isto o deixa ainda mais
perigoso, porque se fica muito ocupado comendo-o com os olhos e não nota o
veneno que está deslizando em sua bebida.

—Asher...

—É uma garota crescida e não sou seu pai, mas sou seu amigo e me preocupo
com você. Eu a deixarei em paz porque sei que me ama, mas lembre-se Ember,
este homem tem segredos. Segredos tem um preço, não são de graça. E tudo o
que fizer, não deixe que te dê nenhuma merda apenas porque parece um
supermodelo. Parafraseando a grande Violet Weingarten20, a vida é muito curta
para recebermos merda ou cuidar dela. Assim seja inteligente. Mantenha seus
olhos abertos. Mantenha os olhos bem abertos, certo? E se precisar de mim, já
sabe onde me encontrar. — Ele apontou o queixo para a porta principal. — Estou
a apenas uma ligação telefônica de distância.

Logo se virou, caminhou em silêncio para a porta e desapareceu através dela,


deixando-a sozinha na sala de estar, se perguntando exatamente quando tudo ficou
tão louco.

Oh sim, na noite que Christian saiu da chuva e entrou em minha vida.

Ela suspirou e afastou o cabelo do rosto quente, mantendo as mãos na cabeça


por um momento enquanto se preparava para entrar novamente no quarto.

Mas quando o fez, Christian não estava mais lá. Apenas sua calça bege sob a
janela um pouco aberta, sem mais pista de que esteve ali.

Isto e a nota que deixou em seu travesseiro. A nota dizia: Esperarei todo o tempo
que precisar. Mas tempo vale ouro. E você também. Por favor, se apresse.

Tempo valia ouro. Uma vez mais, se referia ao tempo correndo.

Quando Ember ligou o computador e começou a fazer mais pesquisas sobre


o tal Cesar, ela conseguiu os primeiros indícios do que poderia significar.

20 Uma escritora famosa.


Cesar ficou completamente impressionado com o desenho que Marcel lhe
entregou.

Não foi pela qualidade do trabalho, mas pelo próprio sujeito. Cabelos
castanhos até os ombros, olhos castanhos, rosto em forma de coração, traços
simétricos, mediana, a mulher que o olhava do desenho poderia ser uma entre mil
mulheres diferentes, todas elas comuns. Um papel em branco tinha coisas mais
interessantes a lhe oferecer.

—É ela? — Perguntou muito decepcionado. — Parece muito comum. —Ele


teria pensado que um macho de sua espécie teria um gosto melhor por mulheres
humanas, sobretudo considerando que estavam fora dos limites, sob pena de
morte. Porque se arriscar por isso?

Ele desviou o olhar para Nico, que estava de pé junto a Marcel, humildemente
com os olhos para baixo, as mãos cruzadas nas costas. — Ela tem seios grandes,
pelo menos?

—Não, senhor. — Respondeu Nico.

Cesar suspirou exasperado. —Uma bunda grande, pernas longas, um corpo


escultural como uma modelo?

—Não... apenas normal, senhor. Cerca de um metro e sessenta, comum.


Comum. Que deprimente. Quem era este pícaro que matou dois de seus
homens e tinha um gosto por mulheres comuns?

Entregou o desenho a Marcel. —Bem. Uma razão mais para matar o filho da
puta. — Ele moveu as mãos como se o papel estivesse sujo e deu instruções. —
Passe cópias para todos. Quero saber quem é esta garota. Quero encontrá-la,
preciso encontrá-la. Com ela, sem dúvida, será muito mais fácil encontrar nosso
amigo sem escrúpulos. — Sorriu. —E poderia deixá-lo um pouco mais inclinado
a aceitar nossas demandas.

Inclinou-se em sua cadeira, na realidade, era mais como um trono, de encosto


alto e talhado de forma elaborada, acolchoado em veludo vermelho e olhou ao
redor com satisfação. Apesar do problema com o macho, tudo estava bem.

A escolha do lugar no qual se instalou depois de sair de Roma foi um puro


golpe de gênio, disse a si mesmo. Com uma vista panorâmica da cidade em
expansão e da montanha atrás, os bunkers abandonados, restos da Guerra Civil
espanhola, se encontravam acima de uma pilha de rochas sobressaindo-se. As
estruturas de concreto armado estavam cheias de pichações, feitas por vândalos,
mas proporcionava um excelente ponto de entrada e saída, facilmente defendidos.

Mas as partes altas dos arcos não eram os aspectos mais valiosos de sua nova
colônia. Os aspectos mais valiosos estavam abaixo.

Um labirinto de tuneis cavados a mão, conectava a grandes espaços abertos,


que serviam de quarteis, instalações de treinamento e armazenamento de comida,
armas, água e outras coisas. E claro, sua sala de jogos. Também, a uma temperatura
constante de cinquenta e cinco graus negativo, as cavernas tinham a temperatura
certa para armazenar seu bem mais precioso: o soro.
A única coisa que Cesar admirava em seu pai morto, era o que em última
instância lhe permitiria governar o mundo. Um brilhante cientista e biólogo
evoluído, seu pai inventou um soro que permitia o sangue humano e Ikati serem
compatíveis. Mestiços poderiam viver durante um tempo, mas finalmente
enfrentavam a Transição, um evento de vida ou morte que acontecia aos vinte e
cinco anos de idade, desde o momento do nascimento.

Menos de um por centro dos mestiços sobreviviam a Transição, um problema


que tinha a solução desafiada por toda sua história registrada. Ninguém sabia
porque, mas como um relógio de contagem regressiva, havia uma data de validade
definitiva para os de sangue mestiço.

Apenas agora, devido a invenção do soro, não havia mais. O soro permitiria
que um descendente de um shifter com um humano sobrevivesse sem problemas.
Melhor ainda, iria usar a fertilidade prolifica da humanidade contra eles. Se tudo
acontecesse segundo o previsto, os humanos teriam apenas umas poucas gerações
mais no planeta.

Depois disso, adeus, adeus, insetos!

Enquanto isso, o terror e a anarquia, duas de suas coisas favoritas — reinaria,


de forma suprema.

Precisava encontrar um laboratório confiável para reproduzir as quantidades


que precisava, porque não tinha as instalações médicas ou a mente cientifica que
seu pai tinha, mas o abastecimento que armazenou bastaria para colocar seu plano
em marcha. Como questão de fato, a primeira parte do plano já estava em marcha,
já havia engravidado dezenas de mulheres. Logo, centenas mais estariam em
situação similar.
O harém e o berçário eram outra maravilhosa adição as covas subterrâneas
estéreis.

Mas precisavam de mais descendência, o suficiente para construir um exército


e precisava de muito tempo para isto. Considerando que era imortal, o tempo
realmente não tinha importância em absoluto. Ele seria capaz de ver a conclusão
de tudo.

Virou-se para seu segundo no comando, um homem corpulento com uma


beleza fria e sem alma e olhos escuros, como o de todos ali. — Qual a contagem
atual, Marcel?

Marcel inclinou a cabeça com respeito, como sempre fazia quando Cesar
falava, o que adorava e disse. — Duzentos e seis, senhor.

Cesar estava contente. Conseguiu chegar a Espanha com apenas alguns, mas
agora os membros descontentes das outras colônias, insatisfeitos com as leis
draconiana, estavam chegando em massa. Parecia haver muitos que acreditavam,
como ele, que os Ikati já não deveriam se esconder nas sombras.

Ficaram milhares de anos assim. Tempo para florescer à luz.

Além disso, era tempo de cavar mais tuneis.

Cesar se sentou em seu trono e juntou os dedos sob o queixo. Com calma
deliberada, deu instruções a Marcel. —Vamos finalizar o plano para encontrar o
homem que Nico viu. E logo vamos finalizar os planos para O Martelo. Quero
todos em seus lugares e prontos em meados de março, a Páscoa este ano cai no
dia trinta e um.
Marcel se inclinou para ele e Nico retrocedeu rapidamente e Cesar ficou
sozinho com seus pensamentos, com um sorriso profundamente satisfeito em seu
rosto.

Como no Natal passado, a Páscoa deste ano seria uma que os seres humanos
nunca se esqueceriam.

O estridente som do telefone junto ao ouvido acordou Ember com uma


sacudida na manhã seguinte.

Olhou com confusão ao redor do quarto, perguntando-se porque não estava


na cama, quando se lembrou que passou horas até quase amanhecer fazendo
pesquisas e deve ter dormido no escritório.

Esticou o pescoço, que respondeu com uma série de estalos sinistros,


aproximou-se e pegou o telefone. Nele murmurou algo parecido a uma saudação.

—September! — Gritou sua madrasta. Com uma careta de dor, Ember o


afastou do ouvido. Ela olhou o relógio, era antes das oito. Porque na terra estava
ligando a esta hora? A mulher nunca se levantava antes das dez.

Logo o pânico a golpeou, frio como o gelo no rosto. Imaginando que a livraria
se reduziu a cinzas, sentou-se de uma vez na cadeira. — O que aconteceu
Marguerite? O que aconteceu?

—Tive uma notícia maravilhosa! — Ela cantou a resposta. Ember franziu o


cenho confusa, sua madrasta nunca estava feliz e ela nunca, definitivamente nunca
ligava quando estava feliz.
—Não entendo, está tudo bem?

—No café, querida, no café da manhã. Nos encontraremos no Ovando as dez!

Ovando era o restaurante favorito de Marguerite, um lugar elegante, cheio de


celebridades, alta sociedade e proeminentes homens de negócios, um lugar
perfeito para encontrar seu próximo ex-marido. Ainda que Ember a conhecesse o
suficiente para achá-la repulsiva, não podia negar que a mulher tinha uma certa
maneira com os homens. Ela há muito tempo se aperfeiçoou na arte de descobrir
os desejos mais escuros dos homens mais exigentes com algumas oportunas
perguntas e uma percepção de um tubarão — perfumado de debilidade feminina.
Descobria algo que eles precisavam e dava a eles. Logo, quando estavam
emocionalmente dependentes dela, dava a volta e os deixavam implorando por
mais.

Era um gênio, a sua maneira, mas também pervertido, no verdadeiro sentido


da palavra, era tão distorcida, com o coração corrompido pelo desejo de dinheiro
e poder, que talvez nunca pudesse amar de verdade.

Teria sido divertido, se não fosse triste.

Ao julgar pela forma como Marguerite disse “nós”, Ember sabia que suas
meias irmãs apareceriam logo. As Tweeds nunca perdiam a oportunidade de
comer.

—Marguerite é segunda-feira. Tenho que trabalhar...

Uma gargalhada verdadeiramente espantosa veio pela linha. —Trabalho! Oh


querida, isto é rico. Isto é muito, muito rico!
Ember tirou o telefone da orelha e ficou olhando como se houvesse brotado
chifres. Muito rico! Porque falava dessa forma? E o que havia com esta malvada
mulher que era sua madrasta?

—As dez September, não chegue tarde. E tente se mostrar apresentável, sim
querida?

Marguerite desligou, o tom marcado continuou na mente de Ember, tentando


descobrir o que estava acontecendo. Desde quando ela era querida?

Ao final decidiu que não havia como descobrir.

No momento que chegou ao restaurante exatamente duas horas mais tarde,


Marguerite e as Tweeds já haviam começado a comer.

—Pensei ter dito as dez. — Murmurou para Ember, que estava descontente
como sempre ficava quando via suas meias irmãs. Sentadas lado a lado na cabine
de couro luxuoso, com vestidos parecidos de lavanda, apesar de terem mais de
vinte anos e não ser mais tão lindo ou aceitável, Analia e Allegra a ignoraram
tomando seu café da manhã. Mesmo a comida delas era igual, ovos com bacon,
crepes, bolinhos belga com creme, salsichas e café preto.

Devido a que não precisavam prescindir de calorias em alguma parte.

—Qualquer pessoa com dois dedos de bom senso sabe que precisa chegar
cedo para conseguir os melhores lugares em Ovando. — Analia cheirou seus ovos.
Allegra concordou com um movimento de cabeça, dizendo. — E qualquer um
sabe com um dedo de bom de senso que deve chegar dez minutos antes disso.

Ember sentiu um violento impulso de colocar uma salsicha na boca de cada


uma.
—Sente-se, September. — Disse Marguerite, com um gesto da mão, sem
levantar os olhos. Ela tinha alguns papeis na mesa ao lado de seu prato e estava
tocando-os com uma reverência quase religiosa. As sobrancelhas de Ember se
juntaram, o que quer que fosse, não era bom.

Ela se sentou na frente das Tweeds e pediu um café ao garçom que apareceu
e desapareceu, silencioso como uma múmia.

—Realmente deveria comer mais. — Observou Marguerite, olhando sobre o


ombro de Ember. Ela lançou um olhar de orgulho para Analia e Allegra, roliças
como bezerros na engorda. —Parecem mulheres elegantes que saíram dos anos
oitenta, querida.

De novo havia o: querida. A palavra se arrastou sobre ela como tarântulas.

—O que está acontecendo, Marguerite? O que são estes papeis?

As Tweeds olharam uma para outra. — Rude. — Disse Analia.

—Americana. — Disse Allegra e as duas explodiram em um ataque de risos


bufando.

As gêmeas não gostaram dela à primeira vez que foram apresentadas.


Desagrado deu lugar ao ódio quando descobriu que seu pai um famoso artista,
com o qual Marguerite se casou alguns meses depois imaginando ser um artista
rico, não seria capaz de pagar suas dívidas ou as dele próprio. O consenso geral
era de que o pai natural de Tweeds fez alguns negócios ruins com a máfia e muito
provavelmente foi assassinado, deixando sua esposa e filhas gêmeas com várias
dívidas.

Mas isto não era culpa de Ember. No que se referia a ela, era problema delas.
Olhando para elas agora, disse. — Podem rir até que morram. Uma vez que
sua mamãe querida morrer, os dois abutres ficarão sozinhas para sempre. Quem
acha que irá comer a outra primeira?

Allegra cuspiu um pedaço de pão, Analia engasgou com os ovos e Ember


desfrutou de um momento profundo de satisfação, até que Marguerite arruinou
tudo quando falou.

—Livros Antigos foi vendida.

A cabeça de Ember girou bruscamente. Ficou olhando para Marguerite que


sorria friamente, seu cérebro não podia processar o que acabou de dizer. —
Vendida? Quando? Para quem?

—Na semana passada. Não quis dizer nada porque os documentos não
estavam prontos, mas agora já está tudo em ordem, tudo o que preciso que faça é
passar suas ações para novo comprador e tudo está terminado.

Marguerite deslizou os papeis sobre o forro branco imaculado para Ember,


que os olhava como se de repente pudessem explodir em chamas. —Mas... que...
porque alguém iria querer comprá-la? Você mesma disse, está falindo, tem
dívidas...

—Tudo foi organizado pelo senhor Alvarez. — Marguerite respondeu com


desdém, encostada contra o couro. Ela passou uma mão pelo cabelo, penteado
para trás do rosto como sempre em um coque severo e tomou um gole de café.
—Foi um comprador anônimo, algum rico colecionador de livros que
aparentemente estava interessado na livraria há algum tempo. Concordou em
pagar em efetivo, acredita! Ele pagará por tudo, incluindo os livros de culinária
do século passado que seu pai insistiu em ter e que nunca vendia. De qualquer
forma, trata-se de um golpe de sorte incrível. E a oferta foi ridícula! — Ela
começou a rir, o que fez com que Ember se encolhesse de horror, era tão
grotesco. —Vamos ficar ricas, querida! As duas!

Ember ficou olhando Marguerite com incredulidade. Seus problemas de


dinheiro iriam acabar?

Quanto seria?

—Exatamente de quanto estamos falando aqui?

Marguerite inclinou e apontou uma linha na parte inferior de uma página


nos documentos. Ember estreitou os olhos nela, segura de que não estava
lendo bem. Ela se inclinou mais perto, olhando com a boca meio aberta, até
que os números ficaram borrados e mesmo de cabeça para baixo tinham
sentido.

Com um humph audível, Ember caiu contra sua cadeira.

—Isso não pode ser verdade. — Disse hesitante, incrédula. — Isto é dez
vezes mais do que vale! Vinte! E como a economia está... quem em seu são
juízo...

Interrompeu-se, seu cérebro repentinamente em branco.

—Bom, querida. — Marguerite disse alegremente. — Como sempre digo,


cavalo dado não se olha os dentes!

Como se sufocada por uma gigante mão invisível ao redor de se peito, todo
o ar deixou os pulmões de Ember.

Cavalo dado não se olha os dentes. Asher disse exatamente estas palavras a ela,
quando Dante disse que não deveria se preocupar com o aluguel.
Marguerite tirou uma caneta da bolsa e lhe ofereceu. — Apenas assine,
September e vamos nos dar bem. Você e eu sabemos que foi um erro seu pai
abrir esta livraria, era um homem de negócios como sou um canguru. Nós duas
teremos partes iguais e já assinei, assim tudo o que precisa fazer é...

Ember empurrou para trás sua cadeira bruscamente que caiu,


surpreendendo o garçom que estava comprovando se queriam algo mais e as
Tweeds, que voltaram a ignorá-la, mais uma vez engasgaram com a comida.

—Não.

O rosto de Marguerite ficou em branco. Como uma tartaruga, seu pescoço


se esticou para frente como se não pudesse acreditar no que estava ouvindo.
Ela repetiu em voz baixa. —Não?

Havia uma linha falha correndo sob a vida de Ember, uma fresta quase
invisível aumentando ao longo dos anos com a pressão. A fricção aumentou
recentemente a um nível perigosamente alto. Uma coisa pequena poderia
desencadear um evento sísmico que derrubaria o mundo e pela primeira vez,
percebeu a corda bamba na qual estava caminhando — o perto que estava a
ponto de perder a única coisa que lhe restava — e estava quase perdendo o
controle em um abrir e piscar de olhos.

Cavalo dado não se olha os dentes.

Ember sabia com clareza cristalina quem lhe deu seu cavalo.

Deu a volta e saiu correndo do restaurante, deixando Marguerite e as


Tweeds para trás.
—Dante? — Ember chamou enquanto batia na porta de seu apartamento.
—Está em casa?

Ele estava, o som de pés se arrastando a alertou primeiro e logo apareceu


vestido com uma túnica xadrez, meias pretas e um sorriso. — Ah. La hermosa
Americana! Buenos dias, como estas?

—Bien, gracias. Mas em inglês, lembra-se?

—Oh! — Sua mão voou para cobrir a boca. — Si. Quer dizer sim! —
Arrumou a peruca, adotou uma estranha pose com as mãos nos quadris e uma
perna inclinada como se estivesse quebrada, então na mais terrível imitação de
John Wayne que já ouviu. —Como está hagin, peregrino?

Isto a surpreendeu e deixou em silencio por um momento. Quando se


recuperou o suficiente para falar, ela lhe perguntou. — Dante, porque você
não cobrou o aluguel ainda?

Seu sorriso morreu rapidamente. — Er eu, ah... disse... para não se


preocupar com isto...

—Não me preocupar por já foi pago, quer dizer?

Apertou os lábios entre os dentes como se estivesse chupando limão.

—Dante. — Advertiu. — Não minta para mim.


Seu nariz se enrugou. Ele deixou escapar um suspiro pelos lábios e logo
encolheu os ombros, que pareceu se traduzir por: me pegou.

E sabendo já a resposta, Ember perguntou. — Quem pagou o aluguel,


Dante?

Olhou para a esquerda. Olhou para a direita. Olhou novamente para ela e
disse. —Não posso dizer, linda. Faz parte do acordo.

Ember passou uma mão pelo rosto. Assim, era verdade. — Estamos
mudando o acordo Dante. Pagarei este mês e irá devolver tudo o que ele te
pagou.

A Christian, claro.

Mas Dante já estava balançando a cabeça. — Desculpe, mas... isto não será
possível.

Poderia dizer pelo olhar no rosto de Dante que era muito grave. Não iria
aceitar seu dinheiro este mês. Pois bem, iria pagar diretamente a Christian,
depois dizer em termos muito claro que não podia cuidar de seus problemas
financeiros.

—Certo Dante, esqueça. Mas não faça nada mais como isto. O aluguel é
minha obrigação, certo? Não pegue novamente dinheiro de ninguém mais
além de mim para pagar o aluguel.

Começou a olhar preocupado. Hesitante e disse. — Ah... sim...

Ember cruzou os braços sobre o peito. —Fale.

Havia certa inquietação, ele mordia os lábios, ajustou a peruca levemente,


logo disse com pesar. — Isto poderia ser um pequeño problema.
A sobrancelha esquerda de Ember se ergueu. — E porque pagar meu
próprio aluguel seria um problema?

Debateu-se em silêncio por um momento, olhando-a com uma expressão


hesitante, como se estivesse indeciso sobre dizer algo ou não. Com um último
suspiro, disse. — Devido a que tecnicamente, é a palavra correta, si?
Tecnicamente você não tem mais aluguel.

Oh não. Não, não, não, não, não.

Não.

Ember disse com cuidado. — Dante, por favor, diga-me que não está
dizendo que o aluguel foi pago por um ano?

Imediatamente se animou. — Não! Seu aluguel não foi pago por um ano!

Ela deixou escapar um suspiro de alivio. —Oh graças a Deus. Você me


passou muito medo por um minuto...

—Seu aluguel foi pago para sempre!

Estava sorrindo brilhante enquanto dizia isto e lançou os braços abertos!


Ember se limitou a olhá-lo, sem compreender.

—O que isto significa exatamente? — Disse, com os lábios apertados.

Seu sorriso sumiu. Seus braços caíram dos lados. — Não a mais aluguel
para você, hermosa. Enquanto viver neste prédio, nunca pagará aluguel
novamente. Isto é muito bom, verdade?
O rosto de Ember ficou tão vermelho, que sentiu o calor se estendendo
pelo rosto e as orelhas. — Não Dante, isto não é bom! Como pode aceitar
dinheiro de outra pessoa quando o contrato de aluguel é entre nós dois?

Ele a olhou como se estivesse louca. — Isto não muda seu contrato e não
há nada nele que diz que não posso aceitar dinheiro de outra pessoa para pagar
o aluguel.

—Precisa devolver todo o dinheiro, Dante.

Riu disso, muito, a barriga chegou a balançar e o calor se estendeu por suas
bochechas até as raízes dos cabelos. —Ha-ha! Adoro este sentido de humor
dos americanos! Muy divertido!

—Dante! Não estou brincando! No es broma! Precisa devolver todo o


dinheiro, não aceito isto!

Levou um tempo para Dante deixar de rir, mas quando finalmente o fez,
disse. — Ah, hermosa. Tão orgulhosa. Disse que era muito orgulhosa para isso.

—E quem disse? — Perguntou Ember, sabendo exatamente quem era, mas


querendo que Dante confirmasse em voz alta.

Encolheu os ombros outra vez. —Não posso dizer. Mas não acho que
romperia meu contrato com ele dizer que ele te conhece bem.

Ember resmungou. — Seu contrato? Com ele?

Ele a olhou. — Foi uma quantidade substancial de dinheiro, hermosa. Achou


que não houvesse um contrato com tanto dinheiro? — Começou a morder as
pontas dos dedos. — Cobre no caso de se mudar, se o prédio se incendiar, se
for comprado por outra pessoa, se morrer.
Ember ficou sem folego. — Se eu morrer! Jesus Cristo, Dante!

Dante não se moveu por seu arrebato. —Não é uma maldição — apenas
assinei o contrato e peguei o dinheiro. Este amigo seu é um bom homem de
negócios, hermosa. Perguntou o que queria fazer no caso de você se mudar,
porque o aluguel foi pago por muito tempo. Mais do que poderia gastar,
hermosa. E eu disse: irá para uma instituição que trata de fibrose cística. Para
ajudar outras meninas como minha Clara. Assim, você pode morar aqui pelo
tempo que quiser, a vida toda se quiser se acontecer algo enquanto isto, o
dinheiro terá um bom uso. — Franziu o venho. — Isto é o correto, certo?

Ember se sentou na escada na porta de Dante, colocou a cabeça entre as


mãos e gemeu. De entre seus dedos, viu os pés cobertos com meia de Dante
perto dela. Disse em espanhol. — Deixe-me dizer algo.

Ela descobriu o rosto e o olhou. Disse severamente. —Cavalo dado não se


olha os dentes.

Ember gemeu novamente. Em troca, colocou a cabeça entre as mãos e


suspirou.

Dante continuou. — Isto não é algo que tem volta. Não é um par de
brincos, Ember. É um presente enorme, algo pelo qual a maioria das pessoas
chorariam de alegria. Você... — Ela sentiu seu olhar de desaprovação. — Atua
como se alguém tivesse morrido. É um pensamento errado. Sei que é uma
garota inteligente e sei que seu pai era um bom homem que lhe ensinou o
correto. Deus abençoe sua alma. Assim o que deve fazer é dizer a este homem
e não lhe disse quem é, entendido? Diga a este homem que está muito feliz e
agradeça, veja se há algo que possa fazer para deixá-lo feliz também.
Ember levantou a cabeça e o olhou com os olhos estreitos. Ele lhe sorriu,
movendo as sobrancelhas. Voltou ao inglês e pronunciou. — Ele é rico,
inteligente, generoso e educado. Não sou Asher, mas tenho que admitir que
este amigo seu é muito bonito, uma mulher deveria ficar feliz por ter um
homem como este.

Logo cruzou os braços sobre o peito e com satisfação assentiu, como


terminasse um discurso de formatura. Ember queria gritar: Sim, é incrível, exceto
por uma pequena coisa: ele não é humano.

Em troca, colocou a cabeça nas mãos.

—Ember.

Ela levantou os olhos ao som da voz de Clara, para encontrá-la de pé na


porta do apartamento de Dante, pálida e cansada com um vestido florido. Um
tubo de plástico estava preso a suas orelhas e sob o nariz para levar oxigênio
desde um tanque de metal pequeno em rodas que arrastava atrás dela. Em um
dos braços havia um urso de pelúcia que Ember nunca viu, era quase tão
grande como ela.

—Olá, querida. — Ember disse suavemente. Sabia instintivamente que


Clara piorou desde que se conheceram. Olhou para Dante e um olhar se passou
entre eles: atuar com normalidade. — É bom vê-la, Clara.

Clara sorriu, um sorriso verdadeiro, amplo, feliz e Ember sentiu um aperto


no peito.

—Tenho que voltar ao hospital amanhã. — Disse Clara, de forma casual.


— Meus exames estão cada vez mais ruins.
O aperto se intensificou. Referia-se a infecção nos pulmões. Ember e
Dante trocaram outro olhar.

—Sinto muito, querida.

—Não sinta. — Disse Clara, apoiando a cabeça no grande urso. — Verei


todos meus amigos novamente. A enfermeira Montoya é muito agradável e
meu médico também. É uma mulher, se chegar a ser uma adulta, quero ser
médica também. Ela ajuda muita gente. Isto seria genial.

Se chegar a ser adulta. Traduzindo: se viver tempo o suficiente para crescer.

Oh Deus.

Engolindo o horror, Ember perguntou. —Pode levar o urso ao hospital


com você?

Clara se iluminou. — Sim! Não sabe? Seu nome é Peter Parker!

—Ela gosta do Homem-Aranha. —Disse Dante, acariciando seu cabelo.


Ela o olhou e sorriu mais amplo e Ember teve que olhar para o outro lado por
um momento, já que achava que poderia começar a chorar.

Porque a vida era tão cruel e injusta? Porque Deus faria algo como isto com
esta linda menina, tão pequena e inocente?

Devido a que não existe Deus, Ember. Apenas há caos e sofrimento. Você mais que
ninguém deveria saber.

Ember empurrou este terrível pensamento de lado e sorriu para Clara e


Peter Parker. — Ele é lindo. Nunca vi um urso de pelúcia tão grande como
este.
—Christian me deu. — Anunciou Clara e Dante ficou rígido. A mão sobre
a cabeça dela. Ele lançou um olhar carregado para Ember, mas ela o ignorou,
concentrando-se no que Clara disse.

—Christian? — Repetiu lentamente.

Clara assentiu. — Ele é o novo amigo do vovozinho. Ele é meu amigo


também. Disse que as meninas sempre devem ter um melhor amigo a quem
pode dizer todos seus segredos e já que passo tanto tempo no hospital
realmente não tenho muitos amigos. Assim deu-me Peter Parker para que
pudesse conversar com ele se alguma vez me sentir sozinha. —Ela inclinou a
cabeça e olhou para Ember, sua expressão muito séria agora. — Não me sinto
sozinha, no entanto. Tenho Roberto, meu vovozinho e meu cão Bieber. E
Deus. Posso falar com ele também.

O peito de Ember se apertou novamente, a garganta se fechando e fazendo


seu estômago se contorcer. Atrás dos olhos, sentiu as lágrimas quentes
picando, mas apertou os dentes e se obrigou a sorrir.

—Conversa com Deus?

Clara disse. — Todo o tempo.

—E o que ele diz?

Clara sorriu, então cheia de beleza e inocência literalmente roubou o fôlego


de Ember. Ela disse. — Diz que não devo sentir medo. Assim não sinto,
porque Deus não pode mentir.
Não podia olhar para Dante. Se o fizesse, Ember sabia que iria explodir em
lágrimas. Ela simplesmente sussurrou. — Isto é bom, querida. Alegro-me que
não tenha medo.

Em uma voz suave e quebrada pela emoção, Dante disse para Clara. —Vá
para dentro agora, gordita, volte para a cama. Deve descansar.

—Certo. — Respondeu Clara, dando a volta. Logo virou-se novamente,


lentamente aproximou-se de Ember e a abraçou. Em seu ouvido Clara
sussurrou suavemente. — Você também não deveria sentir medo. Pedi a Deus
para olhar por você, porque parece muito triste e ele disse que o faria.

Com isso foi o suficiente. As lágrimas encheram os olhos de Ember e ela


os apertou e fechou, abraçou Clara mais forte, os braços ao redor de seu
pequeno corpo frágil. — Obrigada Clara.

Clara lhe deu um tapinha maternal no ombro e logo se separou, voltou a


entrar no apartamento, com Peter Parker fortemente ao seu lado.

Sentindo-se com mil anos de idade, Ember ficou de pé e olhou para Dante.
Uma solitária lágrima deslizou por sua bochecha, que não se incomodou em
limpar. Olharam um para o outro em silêncio até que, finalmente Dante
colocou uma mão em seu ombro.

—A vida está cheia de dor, mas também nos dá muitos presentes, hermosa.
Aceitamos a dor porque não temos outra opção. — Seu olhar penetrante nela.
—Ou talvez porque sentimos que merecemos, mas temos que saber aceitar os
presentes também. Este seu amigo lhe deu um grande presente: aceite. Mas
também há outro presente, um maior ainda, que está ignorando.
Parou, olhando-a fixamente, com os olhos cheios de dor. Ember balançou
a cabeça. Ele disse. — O tempo. Não o desperdice. Nunca se sabe quando vai
acabar.

Logo se virou e entrou no apartamento e pouco a pouco fechou a porta.


Ember não sabia quanto tempo esteve caminhando.

Ela não sabia quantos quilômetros passaram desapercebidos ou a primeira


vez que decidiu sobre seu destino, seus pés estavam no automático, apenas
indo a frente. Não sentia o sol no rosto ou a brisa fria que veio depois, quando
as nuvens sumiram, bloqueando o céu brilhante da manhã. Ela apenas perceber
quando se viu de pé tremendo e molhada na frente da casa de Christian, a
chuva caindo como uma vingança pessoal, fria e dura.

Ainda estava com o vestido que usou no café da manhã com sua madrasta
esta manhã. Seus sapatos fizeram bolhas nas solas dos pés.

Apertou o botão do interfone negro. Houve um ranger de estática, logo,


uma voz apareceu na linha. —Srta. Jones.

Era Corbin. Parecia surpreso e preocupado.

—Co-Corbin. — Gaguejou ela, tremendo de frio. — Estou aqui... estou


aqui...

Não sabia porque estava ali. Se cérebro não funcionava corretamente. Mal
podia falar.

Mas não importava, porque o enorme portão de ferro se abriu com um


gemido metálico e Ember tropeçou para dentro.
Ao longe, a porta principal da casa se abriu e Christian apareceu nela. Ele
olhou-a e começou a correr.

Apenas vê-lo causou uma tempestade em seu interior, soltando-se com


tanta força como o céu aberto sobre ela. Deixou-se cair de joelhos no meio do
caminho gramado e começou a tremer incontrolavelmente. As lágrimas
nublavam sua visão e escorriam pelo rosto. Ele estava ao seu lado no instante,
sua velocidade levando-o ali como um raio contra o cinza da chuva, sua roupa
e o cabelo estavam molhados quando se inclinou e levantou-a nos braços.

Ela envolveu seus braços ao redor de seu pescoço, afundou o rosto em seu
peito e sussurrou. — Não quero perder mais tempo. Não quero perder mais
tempo, Christian.

Não se incomodou em lhe perguntar o que aconteceu. Não se incomodou


com as palavras. Ele simplesmente se virou e correu de volta em direção a casa,
segurando-a com firmeza contra o peito, seus pés rápidos e silenciosos sobre
o chão.

Seu quarto era maior que o grande vestíbulo do hotel que ela e seus pais
ficaram quando viajaram a Nova Iorque, para um teste em Juilliard.

Desenhado em luxo, com cores masculinas em tons terra, acentuado pelo


toque vermelho de algumas almofadas no sofá de couro, uma pintura a óleo
abstrata sobre a lareira, um vaso de Murano esculpido em uma mesa de lado,
a lareira estava quente devido ao fogo crepitante, o lugar todo escuro. Pesadas
cortinas de veludo estavam nas janelas e as sombras dançavam ao longo do
teto e das paredes. A luz do fogo e a sombras conspiravam para criar uma
atmosfera de intimidade que combinava com a perfeição da febre golpeando
suas veias.

Lá fora, a chuva batia contra as janelas em uma melodia que subia e descia,
inquietante e triste.

Christian a deixou sobre a cama, tirou seus sapatos e o vestido molhado


pela cabeça. Ela se sentou estremecendo violentamente no edredom de seda
cor bronze apenas de sutiã e calcinha, olhando-o com os olhos muito abertos,
cheios de uma necessidade sem nome e a compreensão de que o homem de
pé diante dela agora, o homem que não era homem, tinha a capacidade de fazer
com que se esquecesse de tudo. Ao menos por um tempo.

Outro presente. Estava decidida a ficar com a maior parte daquele.

Ela jogou os braços em seu pescoço e o beijou.

Foi pego com a guarda baixa, hesitou por um momento fugaz e um gemido
subiu por sua garganta, mas logo ele a beijou, deitando-a para trás enquanto
segurava seu rosto com ambas as mãos, a intenção feroz e com o corpo quente
de alguma forma, contra ela. Apertou-se contra ele, sentindo a febre em seu
sangue queimar ainda mais enquanto suas mãos se moviam de seu rosto a seu
corpo e começavam a acariciar sua pele.

—Está gelada. — Disse irritado, parando por um momento quando a


sentiu se arrepiar.

Ela protestou pela perda de sua boca com um leve gemido e tentou beijá-
lo novamente, mas de repente a levantou em seus braços e a levou para o outro
lado do quarto, perto do fogo. Em um segundo ela estava de costas sobre o
tapete suave, com Christian sobre ela, com as mãos e a boca esquentando seu
corpo.

—Não me queixo, mas precisa parar de vir até aqui sob a chuva. — Disse
entre beijos frenéticos, alcançando suas costas para soltar o sutiã. Desesperado
para se desfazer dele, ela se contorceu e o lançou longe, então o beijou
novamente.

—Sem mais conversa. — Respirou ela, olhando seus olhos enquanto


procurava o botão de sua calça jeans. Encontrou o caminho, puxando todos
os botões com um forte puxão e logo o encontrou duro e quente com a mão,
já completamente ereto. Ela acariciou da base até a ponta e de volta e ele
estremeceu. Ela sussurrou. — Nenhuma palavra.

Seus lábios se abriram e seus olhos se estreitaram, o verde se fundindo em


uma luz brilhante de fogo. Sua expressão mudou para uma voraz e um ruído
surdo atravessou seu peito. Grande e masculino sobre ela, ele era imponente,
mas em lugar de sentir medo, sentia uma espécie selvagem de liberdade, escura
e quase tão perigosa como ele.

O que havia do outro lado neste momento, Ember não sabia.

Não lhe importava.

Com uma mão, deslizou a calcinha pelas pernas. Ela levantou os quadris e
a tirou, olhando seu rosto. Seus lábios se inclinaram nos cantos de forma
maliciosa, um leve sorriso que a deixou excitada. Umedeceu os lábios e
continuou observando-a enquanto passava os dedos pelo interior de uma coxa,
seu sorriso cada vez mais malvado quando ele apertou a palma da mão entre
suas pernas e a manteve ali enquanto ela lutava para manter sua respiração
normal.

Continuou olhando-a enquanto esperava. Ela sabia o que queria, abriu as


pernas e foi recompensada com um sorriso escuro novamente quando seu
dedo deslizou dentro dela e um leve suspiro escapou de seus lábios. Ela
arqueou as costas e seus olhos se fecharam, um segundo suspiro lhe escapou
quando acrescentou outro dedo ao primeiro e começou a acariciá-la com a
ponta do polegar sobre o clitóris.

Sentiu sua boca sobre um mamilo. Ela gemeu quando ele a mordeu. Suas
mãos encontraram seu cabelo, ele moveu os dedos encontrando o ritmo
perfeito. Quando começou a tremer e se contorcer contra ele, afastou os
dedos, deslizou rapidamente por seu corpo e os substituiu pela boca.

Ember gemeu novamente e desta vez foi um gemido ofegante.

Tudo se converteu em uma mancha confusa se sensações: os lábios, a


língua e a boca, seus dedos cravando na parte inferior, o roce áspero das
bochechas sem se barbear contra suas coxas, o som do fogo crepitando e o
murmúrio da chuva, as batidas fortes de seu coração como um trovão em seus
ouvidos. Era vagamente consciente dos ruídos que estava fazendo, mas era
incapaz de impedi-los e não se importava, em todo caso, a única coisa que
importava, era ele.

Christian. Lindo. Christian inumano.

Quando ele conseguiu fazer o que queria e tão facilmente, deveria tê-la
assustado, mas a excitou no lugar, fazendo-a sentir prazer.
Quando este prazer se converteu em uma dor quase insuportável, forte e
quente sob sua pele, a boca de repente se foi e moveu-se sobre ela, com os
braços aos lados de sua cabeça, seu estômago se pressionando contra o dela.

Sem palavras, seu olhar escuro e feroz, empurrou-se dentro dela.

Era pouco profundo e lento, mas sua estocada seguinte foi profunda e dura,
enterrou-se até a base. A cabeça se inclinou para trás contra o tapete e Ember
gritou e estremeceu. Ela sentiu sua boca na garganta, no músculo do pescoço,
no ombro, a língua os dentes com beijos selvagens. Entrou novamente e a
mordeu ao mesmo tempo, quando ela soluçou seu nome fez um ruído como
o de um animal selvagem.

Suas mãos deslizaram sobre o cabelo e ele agarrou um punhado,


empurrando forte agora, seu fôlego quente e desigual em seu ouvido. Ela
envolveu seus braços ao redor de suas costas e se entregou a ele, abandonando
qualquer timidez ou hesitação restante, seus beijos agora tão selvagens como
ele.

Masculino, enorme, tão profundamente dentro dela, tão terno quanto


selvagem. Ele lhe disse em voz baixa o bem que se sentia, o quanto a desejava,
desde o início, quão linda que era.

Continuou dizendo. — Bela... você é linda. — E se moveu mais fundo


dentro dela. Ele a fazia se sentir querida e valorizada... e amada.

Pela primeira vez em muito anos, se sentia amada. Se sentia digna. E era
graças a ele, por causa de suas palavras, sua necessidade e o brilhante ardor
escuro em seus olhos.

Era tudo graças a ele.


Em um movimento rápido, rodou sobre suas costas e a levou com ele.
Colocou-a sentada sobre ele, tomando-o profundamente enquanto flexionava
os quadris e se esticava para tocar seus seios. Ela começou a se mover, leves
giros circulares que o fizeram gemer e grunhir, os dedos ansiosos contra sua
pele, seu cabelo caindo pelas costas. Ela o montou até que ambos ficaram sem
fôlego e sem sentido, os corpos banhados em suor e pela luz do fogo. Quando
se inclinou para lhe dar um beijo, chupou sua língua e envolveu as mãos em
seus quadris, incentivando-a a se mover mais rápido, mais forte, a tomá-lo mais
fundo.

Ela gemeu, sentindo seu orgasmo se aproximando. Estava quase lá.

Ele a virou sobre suas costas uma vez mais, se inclinou sobre ela e colocou
as mãos de ambos os lados de seu rosto. Seus olhos estavam grandes e escuros,
o olhar fixo nela, procurando, seu olhar ardente quase angustiado.

Todo o êxtase chegou com uma clareza brilhante. Justo antes de se


desintegrar em seus braços, Christian sussurrou. — Ember... Ember... Deus...

Seus olhos se fecharam, arqueou-se para trás e todo seu corpo estremeceu.

Ela o sentiu pulsar profundamente dentro dela e empurrou-se ao limite


com ele. Violento, magnifico, emanando de seu núcleo e saindo em ondas
agitadas, contraindo-se, roubando seu fôlego junto com sua última resistência.
Tudo no quarto, todo o mobiliário, o fogo e o próprio ar, deixou de existir.
Apenas havia os dois, fundidos, sua necessidade e ansiedade, o prazer delicioso
e primitivo, que girava uma e outra vez, abraçando aos dois.

Deixou cair a cabeça e gemeu em seu pescoço, baixo e rouco. O som


percorreu todo seu corpo.
Ainda ofegante e dentro dela, caiu contra o tapete. Christian a abraçou forte
e ficaram ali na frente do fogo pelo que pareceu uma eternidade, sem
conversarem, as batidas do coração e a respiração se acalmando gradualmente
até sentir o suor esfriando sobre sua pele.

Finalmente exalou, uma lenta e profunda respiração, ele a ajustou do seu


lado, com o braço em seu pescoço e as pernas sobre as dela. Sentia-se saciado
e satisfeito, completamente relaxado, completamente pacifico. Começou
lentamente a acariciar seus braços, o estômago, o peito, o pescoço, seu rosto,
seu tato reverente e suave. Ela fechou os olhos, acariciou seu rosto e a
mandíbula, encontrava-se no lugar mais cômodo do mundo.

Justo quando estava a ponto de dormir, Christian sussurrou. — Será que


meu coração amou até agora? Pois nunca vi beleza tão pura até esta noite...

Shakespeare. Ele estava citando Romeu e Julieta.

Ela abriu os olhos, ouviu com seus ouvidos e todos os demais órgãos. Justo
a altura de seus olhos, a garganta se moveu. Estava olhando o fogo,
observando as chamas com uma expressão de assombro. Seus braços se
apertaram possessivamente ao redor dela. Deu-lhe um beijo suave no cabelo.

—Esperei tanto tempo por você. Estive esperando toda minha vida. Não
posso acreditar que por fim a encontrei. Não posso acreditar que algo tão
perfeito seja real.

Sua voz era suave, tão impressionante, tão grata, que rompeu algo dentro
dela.

Ember neste momento entendeu o que as pessoas chamavam de “cair de


amor”. A sensação era a mesma de saltar de um precipício ou cair do topo de
uma montanha russa. Feroz e magnifico, imediato, era como nada que já
experimentou. Cada célula de seu corpo se inundava com uma espécie de
euforia louca, do tipo que imaginava que apenas os amantes, paraquedistas e
os loucos poderia entender.

Amor. Assim isto era o que todas as canções diziam, toda a arte, obra de
teatros e filmes.

Jesus. Era incrível.

Ela não tinha palavras para o que estava sentindo e não havia palavras
adequadas, de qualquer forma. Assim simplesmente o beijou e colocou ali tudo
o que sentia, esperando que ele entendesse.

Ember acordou em algum momento na semiescuridão com a cabeça no


peito de Christian, seus braços ao redor dele. Os dois ainda estavam deitados
no tapete diante da lareira, mas agora havia um travesseiro sob sua cabeça e
algo grosso e suave que cobria os dois, uma manta de cachemira. Ela estava
dormindo quando ele a colocou sobre eles.

O fogo se consumiu até o brilho laranja das brasas e cinzas. Lá fora o dia
sombrio e úmido se converteu em um crepúsculo ainda mais sombrio. O vento
estava forte e batia contra as árvores.

—Está acordada. — Sussurrou. Ela inclinou a cabeça para trás e para cima,
olhando-o. Ele sorriu — seu lindo cabelo preto bagunçado, os olhos verdes
brilhantes — e afastou uma mecha de seu rosto com suavidade.
—Quanto tempo dormi? — Sussurrou ela, não querendo romper o feitiço.

Seu sorriso aumentou. — Algumas horas.

—Tanto assim?

—Não queria te incomodar. Parecia tão tranquila. — Seus lábios se


apertaram. — Apesar de ficar com medo de que todo seu barulho assustasse
Corbin.

Bocejando ela franziu o cenho. — Barulho? Que barulho?

Disse inocente. — Seu ronco. Forte como uma serra, bem alto...

Ember lhe deu um empurrão no peito horrorizada. — Eu não ronco!

—Isto é o que pensa. Soava como um trator...

—Christian!

Sua risada sacudiu ambos. Envolveu os braços mais apertados ao redor dela
e a beijou na testa. —Encontrei um ponto fraco, verdade? Isto foi muito fácil.

De repente sentiu uma pontada de pesar. Foi muito fácil?

—O que? — Perguntou quando ficou tensa.

Ela suspirou. —Sempre será capaz de ler minha mente desta forma? É
muito incomodo.

Seu corpo relaxou. — Gostaria de poder ler sua mente. — Murmurou


pensativo. — Resolveria muitos problemas. — Ele deslizou os dedos sobre
seu ombro e o cotovelo. — Não leio, no entanto. É seu corpo. Seu corpo é
um livro aberto para mim.

—Sim. — Ela disse com amargura. — Entre outras coisas.


Riu, mas o som sumiu quando arrastou os dedos além de seu cotovelo e
passou pela veia em seu braço. Pouco a pouco os dedos chegaram mais longe
e começaram a traçar o contorno de suas cicatrizes. Uma por uma, em silêncio
e com uma reverência quase religiosa, descobrindo a longitude e a largura delas,
onde se enrugavam e puxavam, onde eram suaves e quase imperceptíveis, toda
a trilha desde o cotovelo até o pulso. Ela lhe permitiu porque sabia que ele
queria fazê-lo.

E porque tinha certeza que não iria lhe perguntar sobre elas novamente,
mas sentiu de repente um impulso de lhe contar. Ela começou de forma
hesitante a falar.

—Tinha dezoito anos. — Sussurrou.

Seus dedos pararam no braço. Olhou seu rosto, mas ela abaixou o olhar
para seu peito, escondendo-se e soltou uma respiração trêmula antes de
continuar.

—Foi o dia que me formei no ensino médio. Meu pai comprou um carro
novo como meu presente de formatura, quando na verdade era para minha
mãe porque eu iria para uma nova escola em Nova Iorque no outono. Tinha
conseguido uma bolsa em Juilliard para a primavera e iria passar o verão na
Escola de Música de Taos.

—O violoncelo. — Sussurrou, seu corpo imóvel.

Ember assentiu. — Eu era boa. Era muito boa. Melhor que isso, na
verdade, meus professores, todos pensavam que seria o próximo Yo-Yo Ma21.

21 Músico norte-americano nascido na França, de origem chinesa, considerado um dos melhores violoncelistas
da história.
Mas... já sabe. —Sua voz hesitou. Voltou a respirar e disse. — A vida passa
quando está ocupado fazendo outros planos.

Christian esperou, apenas observando-a, atento e silencioso. Um pedaço de


madeira caiu na lareira e enviou uma pluma cor laranja de cinza quente
flutuando.

—Era um Honda vermelho, nada caro, mas achei a coisa mais linda do
mundo. — Ela fechou os olhos e se lembrou com grande detalhe de sua
emoção quando seu pai dirigiu até o caminho de entrada e tocou a buzina para
que todos saíssem para vê-lo. A pintura brilhante, o cheiro de carro novo, sua
franja negra com pequenos números de plástico dourado com o ano, estava
pendurado no retrovisor.

—Comecei a andar com todos meus amigos para mostrar, logo peguei
minha mãe e meu irmão mais novo Auggie. Meus pais tinham planejado um
jantar especial para mim em meu restaurante favorito.

O nome do restaurante era A Festa. Ember se lembraria deste nome pelo


resto da vida.

—Meu pai iria se encontrar conosco ali. Ele apenas queria terminar um
quadro que foi encomendado para o dia seguinte. Assim nós três fomos na
frente. —Ela fez uma pausa, engolindo a sensação de um antigo peso familiar
começando a pressionar seu peito. Mais tranquila que antes, disse. — Não
costumava ter muitas tempestades elétricas durante o verão, mas chegavam
sem muito aviso. Assim estava chovendo quando aconteceu... justo depois do
entardecer... como agora.

Christian sussurrou. — Bebê.


A pressão no peito aumentou. Umedeceu os lábios, ignorando as lágrimas
nos olhos fechados. —O carro patinou. Não havia barreiras de proteção na
estrada principal, então o tráfego também vinha no sentido contrário. Assim
quando perdi o controle do carro, giramos direto para o outro lado e logo
caímos em um barranco.

Os dedos de Christian estavam em seu braço. Ele deixou de respirar.

—Colocaram proteção depois. —Sussurrou. — Para não acontecer


novamente.

Foi o segundo pior acidente da história do Novo México. Houve onze


veículos implicados e treze vítimas mortais.

Treze mortos.

Ember foi a única que sobreviveu.

Ao bater no primeiro carro, um Chevy que esmagou todo o lado direito de


seu Honda, girou de forma instantânea e violenta que a fez voar e rodar várias
vezes, quebrando as janelas. Ela não se lembrava de nada disso, mas dos gritos
que pareciam ir e vir de todas as direções. Havia uma sensação de movimento
e gravidade puxando na direção errada, logo um som horrível como uma
bomba detonando, então escuridão.

Quando ela abriu os olhos, estava de cabeça para baixo, ainda presa no
assento do motorista e sua mãe morta no assento do passageiro ao seu lado.

No assento de trás, seu irmão mais novo estava gritando.

Havia muita fumaça e água, junto o cheiro acre do cabo elétrico e borracha
queimada. O braço esquerdo de Ember foi esmagado entre o assento e a porta,
que era agora um pedaço de metal retorcido. Ela não podia girar a cabeça para
olhar para Auggie porque tinha algo errado com seu pescoço, mas ela podia
ver seu rosto pelo retrovisor. Ela o viu deitado, com o rosto cheio de dor, com
as pernas destroçadas. Não estava de cinto de segurança.

Descobriu mais tarde, que demorou vinte minutos para que chegassem os
paramédicos e a polícia, que ninguém sobreviveu, apenas ela. A antena de
celular mais próxima caiu com a tempestade, assim os carros que chegaram no
lugar imediatamente depois não tinham sinal de telefone. Alguém precisou
dirigir todo caminho de volta à cidade para informar.

Ember ficou de cabeça para baixo no carro entre a fumaça e a chuva


durante vinte minutos, com sua mãe morta ao lado, enquanto seu irmão mais
novo sangrava lentamente até a morte no assento de trás.

E todo o tempo chorou. Através da agonia e choque, fez todo o possível


para consolá-lo, dizendo que ficaria bem, que alguém iria chegar. Mas uma e
outra vez ele continuou chorando e implorando. — O Broken Man22 vem por
mim, Ember. Não deixe que me leve. Não deixe que me leve. — Até que
finalmente seus gritos se transformaram em silencio e o único som era a chuva.

O Broken Man.

Estas três palavras sempre a perseguiram depois, como uma trindade de


demônios enviados das entranhas mais profundas do próprio inferno.

Ela sussurrou. — Meu pai não suportou ficar no Novo México depois
disso. Nos mudamos para a Flórida, mas não era longe o suficiente, assim

22 Traduzido por “homem quebrado”


alguns meses depois nos mudamos para a Espanha. Pensava que era a única
forma de poder começar novamente, em um país novo, mas não adiantou.

Desapercebida e sem restrições, as lágrimas corriam por suas bochechas.


—Nunca terminou uma pintura novamente. Começava uma e abandonava
outra. Eu nunca toquei um violoncelo novamente, mesmo depois das cirurgias,
meus dedos não funcionavam bem. Houve muitos danos nos nervos.

Ela respirou fundo, estremecendo. —Nenhum de nós alguma vez se


moveu além deste dia. Apenas passamos pela vida, mas era tudo vazio. Nada
tinha significado. Era como se ambos tivéssemos morrido, éramos mortos
vivos. O dia da minha formatura no ensino médio foi realmente o último dia
da minha vida.

Os braços de Christian estavam ao meu redor, me esmagando. Contra meu


rosto, seu coração batia com fúria, combinando com o ritmo do meu. Ele
sussurrou meu nome e tive que apertar os lábios para não chorar porque sua
voz estava cheia de compaixão.

Não merecia sua compaixão. Merecia apenas seu desgosto.

Devido a outro pequeno detalhe que deixei de lado. Um detalhe


importante.

Christian segurou o rosto dela nas mãos. —Sei que se sente culpada porque
estava dirigindo, Ember. — Disse com urgência, olhando-a com as
sobrancelhas altas e os olhos brilhando de simpatia. — Mas não deve. Foi um
acidente. Estava chovendo, poderia ter acontecido com qualquer um.

Ember sussurrou. — Não me culpo por estar dirigindo, Christian. Eu me


culpo por ter bebido antes de dirigir.
De repente foi como se todo o ar fosse sugado para fora do quarto.
Christian soltou um som quase de horror, um som que se refletiu em seu olhar,
o olhar que substituiu a compaixão de segundos antes. Todo o calor
desapareceu de seu rosto.

Tão rápido e rígido ele retrocedeu e se sentou.


—Precisa ir embora. — Disse com a voz rouca de costas a ela. Ember se
sentia como se tivesse recebido um disparo de escopeta no estômago.

Agitada, sussurrou. — Christian.

Ficou de pé bruscamente, ignorando sua nudez, deixando cair a manta e se


afastou. Desapareceu em uma porta aberta do outro lado do quarto e voltou
uns segundos mais tarde, vestido com uma calça jeans, carregando algumas
roupas. Sem olhá-la, deixou cair uma calça jeans e uma blusa a seus pés, passou
uma camiseta branca sobre sua própria cabeça e disse. — Vista-se. Ficarão
grandes. Terá que dobrá-los.

Sua voz ainda era plana e vazia, sua cabeça estava virada, como se não
suportasse olhá-la. Ember se sentou e puxou a manta com força ao redor do
corpo. O tremor estava piorando e sua garganta não estava funcionando bem,
não conseguia dizer nenhuma palavra com o nó do tamanho de um punho que
havia ali.

Christian foi para a porta do quarto, parando justo antes de passar por ela.
Sobre o ombro disse. — Corbin a levará para casa. —Então ele se foi.

Nem sequer a olhou nos olhos.


Sentia um choque frio, vestiu-se rapidamente, enrolando as pernas da calça
até os tornozelos, as mangas muito longas da blusa até os pulsos. Ficou de pé
hesitante, olhando ao redor do quarto, nas na verdade não podia ver nada,
porque havia muitas lágrimas em seus olhos, fazendo sua visão borrar.

Ela o merecia, mas não estava esperando isto. Era o que realmente doía. A
vergonha que manteve em segredo durante seis anos e por uma boa razão,
provava isso. Ninguém em seu são juízo poderia perdoar alguém que fez algo
tão atroz. Ninguém deveria.

E sobretudo, ninguém tão ruim como ela merecia encontrar a felicidade ou


o amor.

Outra lição aprendida da forma mais difícil de todas.

Com os braços ao redor de sua cintura, fazendo uma careta e encurvando-


se sobre si mesma, como se esperasse um golpe, Ember fugiu do quarto de
Christian. Quando tropeçou pela porta principal, descalça e chorando, Corbin
já estava esperando no carro. Estava de pé junto a ele, mantendo a porta aberta
e com o chapéu na mão.

Ela entrou no carro, ficando como uma bola no assento traseiro e começou
a soluçar em silêncio em suas mãos.

Dirigiram por um tempo assim, Corbin em silêncio, Ember em um choro


abafado pela chuva batendo no teto e o som rítmico do para-brisas. Quando
se aproximaram de seu prédio, Corbin falou. —Não é meu lugar dizer isto,
senhorita, mas ele sempre foi um exaltado. E está acostumado a sair-se com a
sua. Tenho certeza que não quis dizer qualquer coisa que disse que a deixou
tão incomoda. Mas tão rápido como se irrita, fica bem. Vai ligar e pedir
desculpa amanhã, já verá.

Seu coração doía tanto por ele pensar que isto era culpa de Christian.

—Não é ele, Corbin. — Sussurrou ela secando os olhos e fungando. —


Ele não fez nada errado, apenas viu o meu eu verdadeiro e isto é tudo. E... —
Soluçou. —Não gostou. Não o culpo. Não o culpo em absoluto.

Ela viu seu cenho franzido pelo retrovisor. — Acho difícil acreditar que
poderia haver algo em você que não goste, senhorita. Ou que alguém não
gostaria, no caso. Nunca o vi tão feliz. Sei que devo agradecer a você por isso.

O carro parou junto a calçada na rua onde a deixou na primeira noite que
a levou ali, com sua fantasia de gato e Christian foi ao seu apartamento. Um
pensamento lhe ocorreu, algo que Christian disse esta noite em sua cozinha e
Ember se endireitou, limpou o nariz e o rosto.

Em um sussurro rouco, lhe perguntou. — Corbin, posso lhe fazer uma


pergunta? Uma pergunta pessoal... sobre Christian?

Virou-se no assento e a olhou, assentindo.

—É simplesmente algo que que Christian me contou sobre... onde foi


criado.

As sobrancelhas de Corbin se ergueram. Ele a olhou em silêncio,


esperando.

—Disse que não havia carros.

Corbin assentiu, ainda esperando.


—Bom, me disse que seus pais morreram em um acidente de carro e me
perguntava... me perguntava...

—Estavam fora em uma viagem. — Disse em voz baixa e Ember detectou


pelo tom de suas palavras e a expressão em seu rosto que era muito mais que
isso. Não pediu detalhes.

—Oh. Imagino... imagino que não importa. Perguntava-me o que


aconteceu. Devido a que minha... — Ela engoliu e sua garganta se apertou
novamente. — Devido a que minha mãe e meu irmão morreram em um
acidente de carro também.

Uma fugaz expressão de simpatia cruzou seu rosto. — Sinto muito, Srta.
Jones. — Ele a olhou pensativo por um momento. —É terrível ter algo
doloroso em comum, mas talvez de uma maneira que poderia ser uma benção
também.

Viu seu olhar de choque.

—Perdoe-me. Pode ser que seja pouco delicado dizer isso e pode ser
totalmente errado. Mas me parece que apenas alguém que perdeu um ser
querido de uma forma tão violenta pode relacionar-se com a dor de outro nas
mesmas circunstâncias. São almas gêmeas, por assim dizer.

Almas gêmeas. Era evidente que ele não sabia as circunstâncias. O que
levou a sua seguinte pergunta.

—Foi uma tempestade ou algo? O que aconteceu com seus pais?


Corbin deu a volta no assento. Com as mãos segurando o volante, olhando
diretamente para a noite chuvosa, disse sombrio. — Não, não foi uma
tempestade, senhorita. Foi mais trágico. Foi um assassinato.

Seus olhos se encontraram no retrovisor e Ember soube com repentina


sensação gelada o que iria dizer antes que falasse.

Porque, claro que seria isto. Claro que sim.

—Foi um motorista bêbado. Os pais de Christian morreram na hora. —


Ele fez um som de desgosto. —O homem sobreviveu ao acidente, no entanto,
o bastardo.

Morrendo por dentro novamente Ember sussurrou. — Sempre o fazem,


verdade?

Antes que Corbin pudesse concordar com ela, Ember abriu a porta, pulou
do carro como se estivesse em chamas e escapou na chuva torrencial.
As semanas seguintes não foram nem boas e nem fáceis, uma realidade que
Ember se resignou a agradecer. Nada deveria ser fácil ou bom para ela, um
fato que esqueceu em seu estado de loucura temporário provocado pelo amor.

Amor. Sua mente se encolheu com a palavra como um cão maltratado,


esperando um chute.

As coisas voltaram a “normalidade”. Ela voltou a trabalhar na livraria e


como voluntária no abrigo de animais aos domingos e três noites na semana,
já que estavam cheios de gatos domésticos não desejados que estavam sendo
sacrificados a centenas. Não era tão insensível a ponto de não entender o
horror de tudo o que estava acontecendo.

Marguerite estava furiosa com ela por não assinar os documentos de venda
da livraria, ameaçou não mais falar com ela se continuasse se negando. Isto
Ember aceitaria muito bem. Não sabia porque Christian não retirou a oferta,
mas não o fez. O que se apresentou como uma prova mais de seu caráter, que
era muito melhor que o dela, que se sentia como um inseto em comparação,
como algo que deveria ser esmagado sob os pés.

Mas não iria vender. Conhecia as razões por trás da oferta e Marguerite
estava motivada pelo dinheiro. E mesmo se fosse muito cavalheiro para retirar
a oferta da forma como retirou seu afeto, ela não se aproveitaria dele.
Agora se pudesse encontrar uma forma de devolver todo o dinheiro do
aluguel.

Veio uma solução uma noite enquanto estava limpando uma gaiola no
refúgio de animais. Estava limpando uma caixa de areia com uma mão
enluvada e uma colher na outra, quando congelou.

Tinha que sair de seu apartamento.

Era tão simples que se surpreendeu de não ter pensado nisso antes. Se
mudasse, todo o dinheiro iria para uma fundação de fibrose cística, como
Dante disse sobre seu contrato com Christian. Ela poderia ajudar outras
crianças como Clare. Seria, de alguma forma, um pagamento para uma dívida
impagável.

Não seria uma recompensa, mas seria algo.

Neste mesmo dia, Ember encontrou um apartamento do outro lado da


cidade, perto do cais, um prédio de paredes finas, uma tubulação ruim e
fechaduras questionáveis. Enquanto assinava os documentos com sua nova
locatária, uma mulher de idade avançava, rosto duro com uma boca como uva
passa e um olhar fulminante, se perguntou brevemente se o grupo de homens
jovens e toscos descansando na entrada eram hostis, se iriam matá-la enquanto
dormia ou simplesmente bateriam nela até deixá-la inconsciente antes que
roubassem seu dinheiro por causa das drogas.

De qualquer forma, não importava.

Asher, no entanto, não era tão liberal sobre a situação.


—Está brincando. — Disse enquanto entrava na cozinha no dia que me
mudava, olhando ao redor do novo apartamento com as mãos nos quadris e
seu rosto pálido em desacordo.

A palavra “cozinha” era um pouco demais, porque era apenas um fogão de


aço da marca Gouged, uma geladeira pequena verde que sacudia e fazia barulho
e um balcão com uma crosta que parecia restos deixados por um esquilo. Ou
talvez fosse algo negro que crescia no tubo de calefação.

—Lar, doce lar. — Ember respondeu ao grito de horror de Asher enquanto


levantava com cuidado o canto de um antigo forro da mesa de madeira da sala
de jantar com riscos e uma barata de brinde. Asher a jogou no chão e esmagou
com seus Prada.

—Ember, não tem como viver aqui! — Disse. Moveu o braço ao redor em
um movimento irritado, desigual. —Olhe este lugar! Vai pegar uma doença de
ratos se sentar neste sofá. — Apontou com o queixo a flacidez do móvel, no
móvel da “sala de estar” — ao julgar pelos buracos nas almofadas e os
pequenos pontos negros que pareciam excrementos no chão ao redor dele, que
efetivamente parecia ser a moradia de alguns roedores. — Pode cair por aquele
buraco perto da janela e terminar no andar de baixo. O que provavelmente
está ocupado por um grupo de pessoas em liberdade condicional ou drogados,
se o grupo que vi na entrada deste lugar é uma indicação da qualidade dos
inquilinos!

Para ser justo, o buraco no chão perto da “janela” não era grande o
suficiente para que passasse por ele. Um gato grande, talvez. Talvez um
pequeno cão.
—É perfeito, Ash. — A voz de Ember estava tão oca como seu coração.

Asher lhe lançou um olhar penetrante, seus olhos estreitos atrás dos óculos.
Cruzou os braços sobre o peito e inclinou a cabeça. —Porque não diz do que
isto se trata realmente?

Ember revirou seu olhar penetrante e moveu-se a uma pequena peça suja
de vidro que se passava por uma janela. Dava para um estreito beco escuro. O
prédio abandonado do outro lado estava rodeado por correntes e arames
farpados. Havia pequenos tufos de grama crescendo no teto, que em alguns
lugares estava quebrado, as vigas de madeira parecendo ossos.

—Nada. — Mentiu.

—Certo, eu acho isso uma merda.

Virou-se novamente para encontrar Asher olhando-a, a expressão em seu


rosto de pura incredulidade e um pouco de raiva.

—Não podia me permitir o luxo de viver no prédio de Dante por mais


tempo, isso é tudo. Isto é o que posso pagar. — Olhou ao seu redor, a sala suja
e deprimente e acrescentou. — Acredite, é perfeito.

O “para mim” não foi dito.

Houve um longo silêncio, apenas rompido pelo som de um cão latindo


furiosamente um quarteirão ou dois mais, o som metálico de uma lata vazia de
um homem sem casa envolto em trapos andando pelo beco abaixo.

Então Asher abaixou os braços dos lados e disse com voz acusatória e
emoção. —Está fugindo dele.

—O que? Quem? — Respondeu ela, uma vã tentativa de evitar a resposta.


—O supermodelo idiota, quem? —Disparou as suas costas. Em três passos
estava em seu rosto. Seu próprio rosto vermelho. — Que merda fez desta vez?

Suspirou, fechou os olhos e apertou a ponte do nariz entre os dedos. —


Oh Ash. Ele não fez nada. Isto não é sobre ele. Simplesmente não podia mais
pagar pelo antigo apartamento mais. Eu juro. — Deixou cair a mão e olhou-a
nos olhos, tentando com todas suas consideráveis habilidades de atuação
manter seu rosto totalmente desprovido de emoção. Ela praticou este ato
durante anos e aperfeiçoou nas intermináveis visitas aos terapeutas que seu pai
insistiu que visse, antes que todos renunciassem a ela para sempre.

Observou seu rosto com cuidado e logo disse em voz baixa. — Sim, direi
que isto é uma merda também, querida.

Ember abaixou a testa até seu peito, ele envolveu os braços ao redor dela e
apoiou o queixo em sua cabeça. Em um momento disse com cansaço. — Sei
que não vai acreditar em mim, mas Christian não fez nada errado. Foi o melhor
que me aconteceu em muito tempo, Ash e eu errei e não ele. Se soubesse o
generoso que realmente é, como é considerado...

Quanta razão tem para me odiar.

Estremeceu e saiu de seus braços. Voltou para a janela, abraçou a si mesma


e ficou olhando um corvo brilhante dando voltas preguiçosamente no céu
cinza. Asher estava onde o deixou e ainda que não estivesse olhando, sentia os
olhos deles quentes cravados em suas costas.

—Isto não é sobre ele. Assim deixe de lado, certo? Não vamos mais falar
sobre ele. Vamos fingir que tudo isto nunca aconteceu.
Ela não lhe contou o que aconteceu entre eles, mal mencionou o nome de
Christian nas últimas semanas e apenas quando Asher pedia notícias. A última
notícia que lhe deu foi: Não estamos mais juntos.

Fim da história.

—Não gosto disso, Ember. Não gosto disso nenhum pouco. Está
escondendo algo de mim sobre as razões para viver neste lixo. E se me permite
dizer, seu rosto está como milhas e milhas de uma estrada em mal estado.

Os lábios de Ember se apertaram de forma irônica, mas ela não tinha


energia realmente para se sentir ofendida. — Bem, obrigada.

—Agradeça-me quando terminar. — Disparou em suas costas. — Precisa


deixar de perder peso, isto está fora de moda, há estes olhos fantasmagóricos
e estas bolsas que está incubando sob eles, dos quais parecem que irá sair algo
ruim. Assim, por favor, seja sincera, que merda está acontecendo com você?

Sua voz ficou mais suave e sem dúvida mais preocupada. —Está doente?

Doente de amor. Com o coração partido. Quebrada. Doente de dor e pesar,


um oceano de ódio por si mesma, frio, negro e infinito. Sim, estava muito,
muito doente, de fato.

Ela era todas essas coisas e muito mais, mas em voz alta apenas lhe ofereceu
uma fraca desculpa. —Não, não estou doente, Ash. E não há nada errado.
Apenas estou... apenas precisava de um novo apartamento, isso é tudo. Tudo
está bem.

Houve um longo silêncio. De repente, o som dos passos de Asher foi


ouvido em direção a porta o que a fez se virar com surpresa. Abriu a porta e
parou ali, olhando-a com uma expressão que oscilava entre a raiva e a
decepção.

—Sabe uma coisa Ember? Sempre soube que havia coisas sobre as quais
não queria falar e concordei com isso — aceitei você como me aceitou —
Tudo ou Nada — sem fazer perguntas. Mas nunca pensei que fosse uma
covarde. Até agora.

Sua boca se abriu quando a dor atravessou diretamente seu peito. Com a
mão cobriu a boca, sussurrando um abafado. — Ash!

—Você não quer me dizer algo, esta é sua prerrogativa. Mas somos amigos
— bons amigos — há anos e teve a coragem de mentir na minha cara várias
vezes, quando quero ajudá-la. O que em minha opinião é um grande foda-se
Asher. Assim captei a indireta, não quer minha ajuda. Sinto muito, não ficarei
ao redor para vê-la se consumir e revolver nesta depressão como um porco na
merda, sem nenhum tipo de indicio de que porra está acontecendo ou sem que
me permita ajudar de alguma forma. Tem ideia de como... como impotente
isto me faz sentir? O frustrante que é para mim? Ou você está muito ocupada
sentindo pena de si mesma que não pode ver além de se próprio nariz?

Ficou em estado de choque com a boca aberta, o calor queimando suas


bochechas.

Mas não tinha acabado.

Ele disse. — Estou muito cansado das pessoas que sentem pena de si
mesmos. Sinto muito por seus pais de merda, sinto muito por seus amigos de
merda e seus postos de trabalho de merda e toda as coisas de merda que
acontecem todos os dias na vida de todos, mas de alguma forma todo mundo
parece pensar que sua marca particular de merda é a mesma de todos. Mas sabe
o que? Sempre há alguém que está mil vezes mais na merda que você. Assim
que aguente e saia de sua zona de conforto e tente se concentrar em outra
pessoa. Poderia fazer com que seus problemas parecessem um pouco menores
em comparação. Ou se não, ao menos lhe fará menos idiota!

Fôlego abandonou seus pulmões como se houvesse recebido um soco no


peito. Seus olhos se encheram de lágrimas. Ela começou a balbuciar uma
desculpa, mas Asher levou as mãos ao ouvido e disse. — O que foi isso? Sinto
muito, não pude ouvir sobre seu trágico passado!

Ember gritou. — Que porra, Asher?

Ele a olhou por um momento. Por trás de seus óculos, seus olhos escuros
ardiam. —Você não inventou o sofrimento Ember, não importa o que
aconteceu. E apenas porque está sofrendo, isso não lhe dá o direito de mentir
aos seus amigos e fazê-los se sentir inúteis ou não desejados. As pessoas que
preocupam entre si ajudam uns aos outros quando estão sofrendo, não se
fecham. Isto é o que as pessoas que não se importam uma merda fazem. Como
você me fez sentir. Parabéns pela perda de seu único amigo.

Virou-se para sair pela porta e ela se derrubou.

Soluçando seu nome, correu pela sala e lançou-se sobre ele, pegando-o de
surpresa e fazendo com que tropeçasse contra a parede. Com os braços ao
redor de seu pescoço, ela se deixou cair contra ele e chorou como uma criança
em sua camisa, pedindo desculpas e contando, de forma incoerente o que
aconteceu entre ela e Christian, intercalando os o que aconteceu naquele
fatídico dia no Novo México.
Ao final, ele também estava chorando e algum idiota gritou do final do
corredor que ficassem calados e entrassem.

Entraram.

Ele a abraçou com força, apoiou-se na porta fechada, até que seu choro
parou e ficou inerte em seus braços.

—Sinto muito. — Disse com a voz trêmula. — Não sabia que tinha... não
tinha ideia.

—Por favor, não se desculpe, apenas me fará sentir pior. — Sussurrou. —


Não mereço nenhuma simpatia. Deveria ser presa pelo que fiz. Deveriam ter
me prendido e jogado a chave fora.

Ou pior.

—A polícia... porque não o fez a polícia?

Hesitou e ela levantou a cabeça, olhando através dos olhos inchados. Não
podia dizer, mas sabia o que queria dizer: porque não a prenderam?

—Tecnicamente não puderam. Não havia o suficiente... meu nível de álcool


no sangue... algo saiu errado com o teste e deu negativo. Eu contei assim que
chegaram ali e tiraram meu sangue, mas não funcionou.

Tiraram sangue no hospital também, mas o mesmo resultado: nada.

Ninguém a ouviu quando tentou lhes contar o que fez. Todos a olhavam
como se algo estivesse errado dentro de sua cabeça. Todos os terapeutas
depois a olharam da mesma forma, assim que finalmente aprendeu a deixar seu
rosto uma máscara sem emoções e dizia o que queriam ouvir, que o acidente
que aconteceu não foi culpa sua.
Era quase pior que o acidente em si, a simpatia que mostrava a polícia, os
trabalhadores sociais e terapeutas. Seus amigos e os pais de seus amigos.
Mesmo seu pai, que deveria tê-la odiado ainda mais, mas nunca o fez.

Ela queria que gritassem. Que a matassem. Mas o que recebeu foi tão
insuportável como ter sua pele arrancada e tinha vontade morrer: pena.

Para ser justa, negar a culpa sobre algo horrível que fez, ninguém a ouvir
ou acreditar ou mesmo pensar que não tem razão para se sentir culpada,
matava sua alma. Para avançar, para se curar, primeiro deveriam permitir que
falasse o que sentia. Deveriam permitir que expressasse seu pesar. O que não
queria era que seu pesar fosse confundido com algo similar, a arrogância ou a
merda de doenças mentais, assim não podia avançar.

Estava presa dentro de seu corpo como uma mosca em líquido âmbar,
morta e enterrada, mas perfeitamente conservada por fora, assim qualquer um
que olhasse não veria nada além de uma tumba.

Por isso deixou de conversar com os terapeutas. Ela deixou de falar com
seus amigos, deixou de falar com todos. E quando ela e seu pai se mudaram
para a Flórida e logo a Espanha, viu que perdeu a capacidade de se abrir com
as pessoas, como um músculo atrofiado por falta de uso.

O que funcionou perfeitamente. Até Christian. Até agora.

—E disse a Christian tudo isso... e ele a mandou embora. — A voz de


Asher era mais dura que antes.

—Não, você não entende As. Não contei o pior ainda.

Suas sobrancelhas se ergueram: o que pode ser pior do que já disse?


Ember sussurrou. — Seus pais morreram em um acidente de carro. Por
um motorista bêbado.

Asher fechou os olhos. — Oh querida. Jesus. Merda.

Sim. Exatamente.

—Assim agora... agora já sabe... porque não podemos ficar juntos. E por
isso estou um desastre. — Ela apoiou o rosto contra seu peito e o abraçou
com mais força.

Ele lhe devolveu o abraço. Sua cabeça se levantou e inalou fundo e soltou
lentamente. Enrolou uma mecha de cabelo nos dedos e puxou suavemente, ela
o olhou através dos cílios molhados.

—Certo. — Disse em voz baixa. — Qual é o plano?

—Plano? Bom... limparei este lugar um pouco, então farei algo para
comer... irei pedir.

—Não. — Interrompeu com um sorriso. — Qual nosso plano para trazê-


lo de volta?

Ember afastou o olhar e engoliu. Lá fora, uma nuvem cobriu o sol e a sala
ficou mais escura e de repente mais deprimente que antes. — Ele não voltará,
Ash. Não pense em algo assim. Isto é algo que não fará e com razão.

Voltou a respirar, logo a afastou dele com as mãos ao redor de seus ombros.
— Querida, o homem estava disposto a me matar se não o deixasse falar com
você, lembra-se? Me. Matar. Independente do tipo de choque que foi, você lhe
contar — sabe o que — ainda tem sentimentos por você. Não há homem na
Terra que possa desligar o interruptor uma vez aceso, entendeu?
—Asher...

—Assim se passou algumas semanas, provavelmente teve tempo para


pensar nisso e agora estará mais calmo.

—Asher...

—É provável que esteja sofrendo como você, querida.

—Não o quero de volta, Ash!

Asher ficou olhando-a, observando seu rosto. — Porque não?

Ember respirou e disse em voz baixa. — Porque não o mereço. — Olhou


ao redor do apartamento. — Isto é o que mereço, por isso estou aqui. E isto
não é sentir pena de mim mesmo, não deixar de ser... é mais como... — Ela
forçou por um momento e logo encontrou a palavra perfeita, sussurrando. —
Penitência.

Um músculo se contraiu na mandíbula de Asher. Ele estava irritado


novamente. — Não acredita que já fez isso o suficiente nos últimos seis anos?
— Antes que pudesse abrir a boca e responder, ele acrescentou. — Quem está
ajudando ao viver assim? Acha que honra a memória de todas aquelas pessoas?
Acha que machucar a si mesma faz alguma porra de diferença no final?

Seus olhos se encheram de lágrimas. — Não. Mas é justo que sofra tanto
for possível, depois de tudo o que tirei de tanta gente. É a única forma que
pude pensar como fazer as pazes.

Sua cabeça caiu. Ele não a soltou dos braços e ficou ali segurando-a por
um momento e a olhou novamente. — Você de verdade está fodida, sabe
disso?
Isto sabia, era uma pergunta retórica. Ela mordeu o lábio interior e não
respondeu.

—Certo. — Estava pensando, olhando-a com a rodas em sua cabeça


girando atrás dos olhos castanhos penetrantes. —Isto é o faremos. Vamos
limpar esta pocilga e conseguir fechaduras melhores de modo que não seja
morta enquanto dorme. Logo, vamos procurar na lista telefônica um bom
terapeuta, já que realmente precisa para ter sua cabeça no lugar novamente,
querida.

—Já fui a dezenas de terapeutas Ash. Não ajudou...

Ele lhe deu uma sacudida forte que apertou a mandíbula. — Então
simplesmente não encontrou o certo ainda, querida. Um terapeuta não é
negociável Em, se quiser manter meu lindo traseiro em sua vida.

Ela o olhou com horror. — Está me chantageando!

Encolheu os ombros, imperturbável. — Pegue ou deixe. E quando digo


isto, quero realmente dizer.

Ela abaixou a cabeça e ficou olhando os pés, de cara contra o chão de


madeira da cozinha de linóleo arranhado. Algo escorregou por entre suas
pernas por sua visão periférica e ela suspirou de alivio, invejando como seria
simples ter uma vida livre de erros. Com um nó na garganta, sussurrou. —
Está bem.

Asher a puxou para o peito com um forte abraço. —Boa menina.

Em seu peito, depois de um momento de silêncio, ela acusou. — Chamou-


me de idiota.
Riu entre dentes. — Eu sei. Mas você é um osso duro de roer, querida,
assim que tive que jogar minhas cartas. Deveria ter feito isto há anos. Todos
os pintinhos odeiam isto.

—Idiota. — Sussurrou e o abraçou tão forte como pode, como se estivesse


se afogando e ele fosse o único a mantê-la na superfície.

Porque ele era. Neste momento era de verdade.


—Está ouvindo alguma coisa?

A pergunta de Leander tirou Christian das lembranças do rosto de Ember.


A profundidade da angústia que viu em seus olhos quando ele se afastou estava
gravado como fogo em seu rosto e a lembrança era insuportável, as cicatrizes
permaneciam ao vermelho vivo. Mantinha-se em sua visão periférica como um
espectro malicioso, um poltergeist sempre pronto para torturá-lo quanto
menos esperasse.

—Sim. — Respondeu no telefone. — Estou ouvindo.

Uma mentira enorme. Não podia se concentrar tempo suficiente para isso,
invadia seus pensamentos de vigília e inclusive nos sonhos. Nunca teve
pesadelos antes, inclusive depois que seus pais morreram, mas agora era uma
ocorrência noturna. As chamas, gritos, gemidos e o golpe dos pneus na chuva
e sempre seu rosto, seus olhos, seu olhar atormentado. Então tudo ficava
negro e acordava de uma vez na cama, suando e ofegando como se estivesse
em uma maratona. Foi assim cada momento nas últimas duas semanas.

Nunca, nunca experimentou tal inferno implacável.

Houve um silêncio longo e pesado. Então Leander disse. — Porque não


me diz o que está em sua mente para que possamos voltar ao trabalho?
Maldição. Seu irmão o conhecia muito bem. Evitar era inútil, Leander era
um pitbull quando se tratava de conseguir respostas. Christian passou uma
mão pelo rosto e suspirou. — Alguma vez tentou conciliar dois pontos de vista
totalmente opostos sobre algo?

Ele usou a palavra pontos de vista em lugar de sentimentos. Ele e seu irmão
não falavam sobre sentimentos.

—Quer dizer, por um lado, sei que há um megalomaníaco genocida que


precisa ser derrubado ou milhares de pessoas irão morrer e meu irmão é o
melhor homem para o trabalho e por outro lado, faria qualquer coisa para
assegurar que meu irmão não se machuque, mas como poderá garantir que o
trabalho seja feito?

Os lábios de Christian se torceram em um sorriso irônico. — Entenderei


como um sim.

—Com certeza é um sim.

Houve outro longo silêncio e Christian sentiu a frustração e a preocupação


de Leander pesar, mesmo a milhas de distância. Sempre foram muito unidos,
de alguma forma ficaram ainda mais nos últimos meses, talvez porque
soubessem que tinham pouco tempo.

—Então, como concilia isto?

—Não o faço. Não posso. Mas estar em conflito sobre algo não significa
que deve colocar a lógica de lado. Precisa pesar os prós e contras e tomar uma
decisão. No meu caso, esta decisão precisa ser o melhor para a maioria, o que
significa, ainda que prefira cortar meu próprio braço que você irá... — Não
disse o restante, mas seu silêncio encheu os espaços em branco. — Em seu
caso, esta decisão precisa ser o que sua consciência pode aceitar sem a culpa o
consumir.

Culpa. Acertou o alvo. Porque apesar da lógica dizer a Christian sobre ele
e Ember era provavelmente, a pior coincidência da história e ainda que parte
estivesse horrorizado com sua admissão e ainda mais pela forma como o
destino poderia ser cruel, uma cenoura pendurada como uma tentadora
felicidade na frente dele, apenas para afastar-se com algumas frases
sussurradas, mesmo por tê-la colocado em seu caminho agora, de todos os
malditos momentos em sua vida, ainda sentia um enorme sentimento de culpa
por se afastar dela.

Como se isto pudesse ser o pior que poderia fazer.

Como a mandou ir embora quando mais precisava dele.

Sua mente e seu coração estavam em total conflito sobre o que fazer, o que
fez e o que deveria fazer agora, tudo fazia com que fosse muito difícil se
concentrar em qualquer outra coisa. As noites sem dormir estavam cobrando
seu preço, estava quase como um zumbi, todo o dia, todos os dias.

—Outra coisa também que ajuda a tomar uma decisão difícil. — Disse
Leander.

—O que?

—Informação. Se tem que escolher entre o menor dos problemas, precisa


de muita informação para poder tomar a decisão. Pode que não seja menos
conflitiva, mas pelo menos conseguirá um pouco de consolo ao saber que fez
tudo o que pode para se informar antes.
Christian levantou os olhos de sua mesa e olhou através da biblioteca para
as janelas, viu o dia ensolarado e luminoso. — Obrigado irmão. — Murmurou,
olhando uma pequena borboleta branca voando sobre um arbusto florido,
logo voar para longe.

—Por nada. Podemos continuar a conversa agora?

Christian sorriu. Leander odiava discutir sobre coisas que não tinha
controle. — Sim, sim capitão.

—Bom. Estou enviando um e-mail com toda informação que tenho sobre
este personagem Jahad, que agora está à frente da Expurgari.

—Como conseguiu? — Perguntou Christian surpreso. O Expurgari — um


grupo de fanáticos religiosos da Igreja Católica desde a época da Inquisição,
que fez de sua missão eliminar os Ikati da terra — eram particularmente
reservados, suas filas impenetráveis. Se o Conselho de Alfas, do qual Leander
era líder, conseguiu alguma informação sobre seu inimigo, com certeza
implicava uma grande quantidade de perigo ou derramamento de sangue ou
ambos. Isto foi confirmado com as seguintes palavras sombrias de Leander.

—Da forma antiga.

Christian compreendeu em um instante: interrogatório. Tortura.

—Você pegou um deles.

Leander fez um som de assentimento. — Perto da colônia de Quebec.


Pensamos que estava fazendo reconhecimento.

—Porque?
—Não sabemos. Infelizmente morreu antes que pudéssemos descobrir.
Xander é muito bom em seu trabalho.

—Xander? — Isto também era uma surpresa para Christian. Xander era o
assassino mais temido da tribo da colônia brasileira, que se retirou a alguns
anos.

—Assim como o restante do sindicato. — Disse Leander, o respeito


evidente em sua voz. Então seu tom ficou mais leve, cheio de diversão. — E
Morgan. Ao parecer, a jubilação não lhe caiu bem.

Morgan Montgomery. A menção de seu nome, Christian teve que sorrir.

A esposa de Xander, a primeira mulher em servir em uma Assembleia, a


primeira pessoa para lembrar que preferia um chute no traseiro que dizer olá,
era uma força da natureza e alguém para ser descrito com a letra F. Crescerem
juntos e de repente sentiu uma pontada de nostalgia ao pensar nela e todos os
problemas nos quais entraram quando eram jovens.

Então sentiu uma segunda pontada — sombria, mais forte enquanto


pensava em outra mulher que poderia ser descrita assim: seu pequeno foguete.

Uma dor percorreu seu peito como uma serpente.

Caiu rápido e forte, completamente, apesar das tentativas de manter


distância, de manter sua cabeça. E agora que ela não estava, se sentia como
uma dessas pessoas que tiveram uma extremidade cortada, mas ainda sentia o
membro, pulsando em uma dor fantasma que não sumia, sem importar em
como tentasse se distanciar. Não importava o quanto desejasse.
Havia algo sobre ela. Algo que ficou ali. Percebeu que entrou sob sua pele
de uma forma que nunca esperou... e não podia apreciar plenamente até que já
não estivesse ali.

Olhou para o celular durante tantas horas durante as últimas semanas, a


imagem estava provavelmente gravada em suas retinas.

Sintonizou-se novamente na conversa de Leander enquanto dizia. —...


percebemos, no entanto, que ainda não sabem sobre a colônia no Brasil. O
que é muita sorte, já que a maioria das outras colônias foram para lá. É apenas
uma questão de tempo, no entanto. Se começarem a desertar, irão encontrar
um deles antes de nós. Então teremos um problema.

O que significava que era ainda mais importante que Cesar fosse
encontrado — imediatamente.

—Estão mantendo um perfil muito baixo, onde quer que estejam. —


Christian. — Estão sendo cuidadosos. Passo por Gracia todos os dias desde...

Não disse assassinatos, porque isso seria muito óbvio e já recebeu uma
tempestade de merdas e críticas, não queria ouvir novamente. Se fosse
qualquer outra pessoa, em qualquer outro momento, este tipo de exibição em
público teria firmado e selado sua sentença de morte. Os Ikati poderiam ficar
entre os humanos, desde quando e sempre tivessem algo em mente: o segredo.
Ainda que não importasse mais.

—Não são nada. São fantasmas.

—Bom. Mesmo os fantasmas podem ser rastreados. Apenas permaneça


com os olhos e os ouvidos abertos. Conseguirá pegar alguma coisa.
Christian esperou, sua atenção agora capturada pelo tom de Leander, um
novo tom de advertência.

—Xander tem muita informação útil, mas a peça mais interessante da


informação é que Jahad abre seu próprio caminho.

Christian soube ao instante que isto significava duas coisas. Um, o incidente
em Gracia colocou o líder dos Expurgari em evidência — com o ataque
público na Espanha — e dois, esta era uma oportunidade perfeita para matar
dois pássaros de uma só vez. Por assim dizer.

Leander sabia exatamente o que estava pensando. — É muito perigoso.


Cesar é o objetivo principal, podemos lidar com os Expurgari mais tarde...

—Este Jahad não está sozinho, deve ter ao menos meia dúzia de seus
principais homens com ele, talvez mais. Não podia ser mais perfeito se
houvéssemos orquestrado isso. Podemos cortar a cabeça da serpente.

—Seria um grande golpe, admito, mas se Cesar descobrir que Jahad


está perto, poderia se esconder. E desde que Jenna não poderá ver onde ele se
foi até depois da gravidez, não podemos correr o risco de perdê-lo

—A menos que possa conseguir que Cesar e Jahad estejam juntos no


mesmo lugar. — Christian disse bruscamente.

—E como exatamente fará isso? Enviará convites?

Christian sabia que se pudesse ver seu próprio rosto em um espelho, estaria
feio e sombrio. Algo violento, vicioso e selvagem. Ele disse. — Pensarei em
algo, irmão. Se houver uma maneira, descobrirei.
Desligou antes que Leander pudesse fazer mais perguntas, abriu seu
computador portátil e olhou seu e-mail até que encontrou a mensagem de
Leander e começou a ler.

Sua família era desconhecida, como a exata data de nascimento e seu nome
real. Era conhecido apenas como Jahad, uma versão inglesa de Jihad, uma
palavra que em árabe significava luta, combater a imperfeição da perfeição,
estabelecer a verdade sobre as más ações, para se elevar aos reinos dos céus,
enquanto era tentado por inumeráveis prazeres e o pecado na Terra.

Nasceu com um defeito, o albinismo, foi encontrado envolto em mantas


nas portas de um orfanato em Roma, abandonado apenas com poucas semanas
de vida. Pouco se sabe de sua vida nesta época, exceto que foi intimidado e
atormentado sem descanso pelas outras crianças no orfanato, zombavam de
sua pele como mármore e cinza e seus olhos que eram tão claros que eram
quase sem cor. Enquanto não fez nada contra a intimidação, esta se tornou
mais violenta. Uma noite de Natal quando tinha aproximadamente quatorze
anos, o menino albino pegou fogo e começou a se contorcer e gritar de dor
em um sótão do orfanato enquanto os outros observavam e riam.

Foi apenas a intervenção de um sacerdote visitante que salvou sua vida. O


padre chegou a tempo de jogar um balde de água extraído do poço, mas então
quase toda a pele do lado direito de seu corpo foi devorada pelas chamas.
Negou-se a nomear os responsáveis. Levou quase um ano de terapia física
insuportável para recuperar o uso da mão direita e a perna. Para celebrar o rito,
queimou o orfanato até o chão, com todos os garotos dentro.

Foi neste momento que foi recrutado pela Expurgari.

Sem conexões terrenais, uma sede patológica de vingança contra aqueles


que o maltrataram e uma psique com cicatrizes, como seu corpo, Jahad era
completamente perfeito para a causa. Possuindo um QI quase de um gênio, o
novo recruta demonstrou uma capacidade excepcional de elaborar estratégias
e dirigir os outros. Rapidamente se levantou através das filas, fazendo um
nome por si só e com a aplicação firme da violência à medida que avançava na
guerra santa contra o mal.

Expurgari significava purificadores em latim e Jahad, um homem que foi


transformado pela dor, uma dor que acreditava ser o caminho verdadeiro para
a purificação.

Todos os dias, exceto aos domingos, usava um cilicio23 de metal com


arames na pele da coxa, na qual fazia perfurações que sangravam, criavam
crostas e sangravam novamente. Ele se flagelava com um chicote de couro
enquanto ficava nu de joelhos até que suas costas estivessem em carne viva.
Praticava o celibato, o jejum e negação de si mesmo em muitas formas, mas
ainda não estava satisfeito com tudo o que fazia para comprovar a necessidade
da carne. Um dia, em um mês, permitia que todos os desejos da natureza

23 Cinto ou cordão eriçado de cerdas de ferro, cheio de pontas, com o qual os penitentes cingem o corpo
diretamente sobre a pele. Ou uma faixa ou pano grosseiro e áspero.
reinassem e visitava um dos estabelecimentos especializados na cidade que
atendiam aos homens com seus gostos muito particulares.

Depois estrangulava o animal enquanto recitava uma oração do Senhor e


lançava o corpo no rio Tiber.

—Jesus Cristo. —Christian murmurou enquanto lia este pequeno detalhe


no relatório que Leander enviou. Ao que seu inconsciente respondeu
ironicamente, nem sequer de perto.

Fez um clique em outro arquivo que continha quatro imagens de Jahad, de


diferentes ângulos. Dois deles estavam muito borrados para ser de muita
utilidade, mas mostravam a maior parte de sua substancial figura caminhando
longe da câmera, com o rosto de perfil, as feições endurecidas nas sombras
projetadas pela aba do chapéu. Uma terceira imagem era clara, tirada de frente
com Jahad olhando diretamente, novamente com um chapéu, desta vez óculos
de sol espelhado refletindo para a câmera.

Mas a quarta imagem estava limpa. Estava de frente e parecia perto, a


resolução da câmera muito boa e era de um Jahad sem camisa na sacada de um
hotel olhando diretamente para a câmera. Sem o chapéu desta vez, nada para
cobrir ou esconder seu rosto. Christian sentiu um estranho e fascinante
desgosto, como quando se passa por uma cena de acidente fatal, repelido pela
carnificina, mas incapaz de afastar o olhar.

Seus olhos, quase um prata pálido na foto, parecia realmente o olhar terrível
de um assassino. Sua cabeça era branca como a neve e completamente lisa,
sem cabelos, sem nenhum indicio de que raspava a cabeça e ficou evidente
quando Christian observou na foto que Jahad não tinha sobrancelhas ou cílios.
Era, de fato, completamente desprovido de pelos. O lado direito de seu corpo,
da mandíbula até a cintura estava coberto por cicatrizes horríveis, enrugadas e
brilhantes e sua mão direita era um pouco mais que uma garra que estava
pendurada em um ângulo estranho nos quadris.

Mas sob a pele em ruinas estava a impressionante musculatura, bem


desenvolvida de um atleta dedicado.

Christian comprovou a medidas de Jahad, sessenta quilos e 1,88m.

Grande. Quase tão grande quanto ele.

Uma anotação capturou sua atenção — alopecia areata universalis. Uma


doença autoimune que causava a perda de todo pelo corporal.

Maravilhoso. Um albino fisiculturista, fanático religioso, calvo, com um QI


de gênio e uma predileção pelo sadomasoquismo, piromania e bestialidade.
Sentiu uma pontada de nostalgia pelo antigo líder da Expurgari, que gostava
de uma variedade de jardins e tinha um complexo de Deus.

Fechou os arquivos e saiu de seu e-mail, logo ficou olhando a tela do


computador, tentando se concentrar no trabalho à mão e tudo o que precisava
fazer. Mas sua conversa com Leander sobre decidir entre os menores dos
problemas se manteve dando voltas em sua cabeça, uma palavra grudou mais
forte.

Informação.

Assim era Leander: controlado, calculado, sem paixão. Era o preço da


liderança, este foco lógico e cuidadoso ao tomar decisões. Não podia se
permitir o luxo de cometer erros porque muitas vidas estavam em risco. Havia
muitas pessoas que contavam com ele.

Christian, ao contrário, era o segundo filho. Aliviado da carga de ser um


herdeiro Alfa, sempre foi o mais selvagem dos dois, relaxado e indiferente
enquanto Leander era disciplinado e reservado. Sua veia selvagem o deixou em
muitos problemas em várias ocasiões, mas provavelmente não em tantos
incômodos como agora.

September Jones, gostasse ou não, o deixou de joelhos.

Com sua doçura e seu sorriso, com seu orgulho e paixão, seu gênio agudo
e mordaz. Sua vulnerabilidade era incrivelmente sedutora, como sua força.
Assim como todas as sombras em seus olhos, o que o atraia como uma
mariposa pela luz. Uma mariposa que sabia que se queimaria, mas não se
importava.

Ocorreu-lhe que era como dia se rompendo —lentamente e depois de uma


vez.

Não lhe importava.

Não lhe importava seu passado. Não se preocupava com seu próprio
passado. Ele não se preocupava com o que deveria estar pensando, sentindo,
fazendo ou todas as formas como os dois estavam quebrados, nas tragédias
que os quebraram ou na colossal estupidez de tentar fazer com que algo
funcionasse entre duas pessoas tão diferentes.

Ele se preocupava com ela.

Desejava a ela e a afastou.


E maldição, sabia, mesmo enquanto estava contando a história, que ela
mesma se castigou a cada segundo do dia durante os últimos seis anos pelo
que fez, não era apenas arrependimento, mas sim aversão e ainda a afastou.

—É um bastardo frio, sabia disso, McLoughlin? — Murmurou, passando


uma mão pelo cabelo. De repente, levantou-se da mesa, puxou o celular da
camisa e começou a apertar, fazendo o possível para ignorar o tremor nas
mãos.

Quando ouviu a mensagem do correio de voz informando que o número


já não estava ativo, um tremor o percorreu e deixou tudo pior.
—Diga-me outra vez porque concordei com isso?

—Porque gosta de mim, por isso.

Ember enviou a Asher um olhar duro de lado e murmurou. — Discutível.

Ficaram olhando a modesta fachada de ladrilhos cor de canela em uma rua


tranquila e arborizada no bairro de Clot, um bairro principalmente residencial
que rodeava a Sagrada Família. Havia um pitoresco café ao lado com um cão
manchado tomando sol na porta em arco e dois velhos jogando xadrez sob um
guarda-sol listrado. Era tranquilo e idílico, mas Ember pensava ser a entrada
do inferno.

Asher levou vinte e quatro horas para encontrar um psiquiatra, um que


segundo ele era o melhor da cidade. Na verdade, não estava brincando.

De pé junto a ela agora, sob os galhos de uma acácia florida na rua, deu-lhe
uma cotovelada amistosa. —Vamos, pintinho. Venho buscá-la depois e
podemos comprar suspiros de freira.

Suspiros de freira, literalmente chamado assim, eram um doce dourado cheio


de um creme famoso feito pelas freiras dos conventos catalães. Eram também
um potente incentivo para Ember, já que era seu doce favorito.
—Se não tiver cortado as veias ainda. — Lançou sobre o ombro enquanto
descia a calçada e atravessava a rua. Ouviu a risada baixa de Asher atrás dela e
continuou caminhando.

A sala de espera era de bom gosto e muito mais familiar que outras que
frequentou. Não havia revistas manuseadas em uma mesa de café suja, cadeiras
baratas todas juntas, não havia cores pasteis horríveis nas paredes. E não tinha
nenhum aquário, graças a Deus. Aquários sempre a faziam sentir claustrofobia,
ela não podia evitar se imaginar como um peixe, freneticamente presa sob
dardos brilhantes ou presa dentro de um.

Um artigo único de todo terapeuta, visto em qualquer parte do mundo,


estava ali, no entanto: o botão redondo na parede. Ela o empurrou e se
iluminou, alertando todos que se escondiam por trás das paredes da sala de
espera de sua presença.

Antes que pudesse deitar-se na cadeira de aspecto cômodo, uma porta do


lado oposto se abriu e apareceu uma mulher. De cabelo escuro, olhos escuros,
chique e elegante em um terno azul marinho e sapatos de salto, ela estava entre
trinta e cinquenta anos. Tinha um duplo cordão de perolas em seu pescoço e
Ember sabia que eram verdadeiras pelo brilho luxuoso.

Assim como os brincos brilhantes nas orelhas e a grande safira e o anel de


diamantes em sua mão bem cuidada.

Marguerite estaria comendo seu coração neste momento.

—Senhorita Jones?

Ember assentiu e a mulher deu um passo adiante com a mão estendia e se


apresentou.
—Sou Katharine Flores. É um prazer conhecê-la.

—O prazer é meu. — Disse Ember enquanto segurava sua mão, surpresa


por não ter se apresentado como Doutora Flores. Em sua experiência, qualquer
pessoa levaria está insígnia com honra. Ou uma ferida de guerra.

—Você é americana? — Disse Katharine em inglês, soando igual de


surpresa.

Ember sorriu. — E eu que pensava que meu espanhol fosse muito bom.

—É. — Respondeu Katharine, ainda em inglês. Ela falava sem sotaque. —


Excelente, de fato. Onde aprendeu?

—Na escola, a maior parte, mas meus pais também falavam espanhol.
Tínhamos uma grande população hispânica onde cresci.

Katherine lançou um breve olhar para suas mãos ainda unidas. Ela
encontrou o olhar de Ember outra vez e seus olhos castanhos brilharam com
diversão. —Ninguém aperta as mãos como um americano. Sempre se sente
como se está selando um pacto de sangue.

—Isto é bom ou ruim?

Katherine sorriu. — Tem que ser um ou outro?

Ember soltou a mão e encolheu os ombros. — Tudo é.

Katherine inclinou a cabeça e fez um som profissional — Hmm — e


Ember percebeu que a sessão começou.

—Certo doutora, é hora de reduzir o tamanho da minha cabeça. Tem


certeza que está pronta para isso? É muito feio aqui.
Com um sorriso de Monalisa e uma mão apontando para a porta de onde
acabou de sair, Katharine disse. — Depois de você, September.

Sentindo que iria enfrentar um pelotão de fuzilamento, Ember passou pela


porta.

Uma hora mais tarde, depois que sua nova e interessante paciente foi
escoltada para fora e ela estava sentada atrás de sua polida mesa de madeira, o
bloco amarelo de notas com a sessão rabiscado nela e um arquivo da paciente
aberto em seu computador ao lado, a boa doutora apertou o botão
rebobinando o pequeno gravador que usava para suas conversas.

A maioria dos novos pacientes tinham aversão extrema em serem gravados


no primeiro dia, com o tempo aprendiam a ignorar o gravador quando sua
confiança no processo e na terapeuta aumentavam, mas Ember nem sequer
estremeceu quando Katharine lhe pediu permissão para usá-lo. Isto, em si
mesmo, dizia algo. Ela admitiu ter visto alguns poucos psiquiatras nos Estados
Unidos, mas a julgar pela forma como respondia suas perguntas, Katharine
suspeitava que o número era provavelmente de dígitos.

Era evidente que tinha uma ampla experiência contando os profissionais


com quem teve contato.

Surpreendentemente franca, especialmente para uma primeira sessão,


September Jones falou abertamente sobre o acidente que matou sua mãe e seu
irmão mais novo. Ela foi muito franca, quase clínica e havia um aspecto um
pouco afastado em seus olhos enquanto falava, como se estivesse contando
uma história triste para alguém.

Katharine viu isto antes. Um paciente bem preparado com fortes barreiras
mentais poderia facilmente dissociar-se emocionalmente quando se falava de
um trauma que sofreu, sobretudo quando estava anos no passado. Se não
houvessem os gatilhos emocionais imediatos, poderia compartilhar com
segurança, a uma distância confortável.

Mas o que era importante, eram os detalhes. E depois de quase vinte anos
de prática, Katherine sabia com precisão cirúrgica, onde os esqueletos
realmente estavam.

Analisando uma anotação em seu bloco amarelo e rebobinou a gravação


até o número que escreveu. Apertou novamente o gravador e a voz firme de
Ember encheu a sala tranquila.

—... e depois disso fui para casa e peguei minha mãe e irmão, nos dirigimos para o
restaurante. Katharine ouviu sua própria pergunta a seguir. — Lembra-se do quanto
bebeu antes de entrar no carro?

Ali estava uma pausa preocupante. Não demorou muito, mas tinha uma
sensação de peso, como se algo muito importante dependesse do que diria a
continuação.

—Muito. Demais. Provavelmente... — Outra pausa embaraçosa e ela


pensou em suas seguintes palavras. — Hum, uma garrafa inteira de uísque...
uma grande. A maior.

Katherine parou a gravação.


Havia várias coisas que a preocupavam sobre isto. A maioria das pessoas
que sobreviviam a acidentes de carros relacionados com o álcool tinham
poucas lembranças do acidente real ou das horas antes dos mesmos,
especialmente se ingeriram a quantidade de álcool que September descreveu.
Depois de consumir uma garrafa grande de uísque forte, por sua altura e peso,
teria ficado, como se costumava dizer, bêbada, no entanto, sabia exatamente o
que aconteceu antes, durante e depois do acidente.

Além disso, sua mãe sem dúvida teria percebido que sua filha estava bêbada
— pela dificuldade de fala e as habilidades motoras afetadas, o cheiro do uísque
na respiração que era muito distintivo — teria protestado e não a deixaria
dirigir, sobretudo estando ela dentro do carro. De fato, Ember muito
provavelmente seria incapaz de dirigir um carro, especialmente vinte minutos
fora da cidade até o destino como disse mais tarde.

E havia as pausas. A intuição de Katharine era algo afiado, algo que com
frequência se referia a um sexto sentido e estas pausas se sentiam erradas. Não
se sentiam como hesitações culpadas ou vergonha, os espaços recolhidos de
coragem ante uma confissão.

Sentiam-se calculados.

Como se September estivesse dizendo algo.

Ou escondendo algo.

Ou esquecendo.

Katharine folheou os formulários de consentimento e a informação que


recebeu de September antes de sair e anotou o nome de seu último psiquiatra,
o Dr. Kensington, no Novo México.
Logo se conectou com a internet para ver se podia encontrar um número
de telefone.

Christian ficou do lado de fora do prédio de Ember, olhando a janela do


quinto andar. Não havia luzes dentro, o que significava que não estava em casa,
considerando que não esteve em casa todo o dia anterior e isto o deixava
preocupado.

Da mesma forma que ficou preocupado com seu telefone desligado.

Levou dois minutos depois de ouvir a mensagem, para gritar a Corbin que
buscasse o carro. Foi ali em primeiro lugar e não encontrou ninguém em casa
e logo foi até a livraria e viu uma morena mais velha, atraente, um tipo de
mulher fatal de pé atrás do balcão. Imaginou por suas conversas anteriores
com o Sr. Alvarez que esta era sua madrasta, Marguerite.

Ficou olhando pela janela do outro lado da rua, mas Ember não apareceu.
Corbin o levou novamente para o prédio dela, mas ela também não apareceu
ali.

Ele foi para casa. Andou. Passou a noite com um sono intranquilo e com
pesadelos.

Agora, com as mãos vazias mais de vinte e quatro horas mais tarde, estava
decidido a descobrir o que estava acontecendo, mesmo se isto significasse
entrar em seu apartamento para fazê-lo.
Subiu a escada de três em três degraus. Assim que atingiu o quarto andar,
parou em seco.

Algo o percorreu como uma descarga elétrica de um raio. Primeiro foi uma
onda de potência, palpável apesar de ter se passado algum tempo. Logo sentiu
o cheiro, um aroma de terra, almíscar masculino e especiarias, um grunhido
involuntário deixou o fundo de sua garganta.

Ikati. Macho. Mais de um. Estiveram ali e recentemente.

Arrepiado, com os ouvidos atentos a qualquer indicação de perigo, foi em


silêncio para outro lance de escada. Na parte superior parou, ouvindo, sentindo
o ar, mas apenas sentia aquela leve pulsação de potência e o cheiro do predador
sangue quente no ar desmentia sua presença no lugar.

Quem quer que fosse, esteve ali depois da última vez que ele próprio esteve.
E poderia, neste momento, estar em seu caminho de volta.

Olhou para a porta do apartamento de Ember e um flash de pura raiva


passou por ele.

O que queriam com ela? Como a encontraram? E onde, porra, estava?

Um ruído dentro de um apartamento o fez girar a cabeça. Seus olhos se


estreitaram e os músculos ficaram tensos, mas se afastou uma fração quando
ouviu um silvo, logo um ruído surdo e uma maldição baixa quando alguém
atrás da porta tropeçou em algo. Uma cadeira, ao julgar pela forma como caiu
no chão. Então a voz de um homem, xingando a si mesmo por sua falta de
atenção se ouviu.
—Bom trabalho, cabeça oca, indo topar direto com a cadeira da cozinha!
Precisava mais de copos?

Asher. Claro, vivia do outro lado do corredor.

Christian não perdeu tempo e bateu com os nós dos dedos na porta de
Asher.

—Jesus Cristo, qual a emergência? O prédio está em chamas? — Disse a


voz de Asher irritada enquanto se aproximava.

Ao parecer bateu mais forte do que pensava.

Ouviu o som de uma corrente se soltando e uma fechadura dando a volta.


Então a porta se abriu e Asher disse. — É melhor que seja algo bom Dante,
estou no meio de...

Congelou quando viu Christian. Sua boca se fechou, seus olhos se


estreitaram e sua mandíbula se apertou.

—Não é Dante.

Asher lhe observou lentamente, considerando seu rosto lívido, a tensão nos
músculos, sua postura, que sem dúvida, mostrava que estava disposto a romper
algo.

—É evidente. — Disse. Sua expressão estava em algum lugar entre a


cautela e a irritação. — Parece estar em um ótimo estado de ânimo. O salão de
beleza ficou sem seu condicionador favorito?

Christian grunhiu. — Onde está?

Asher cruzou os braços sobre o peito e arrastou as palavras. — Quem?


Exalou uma respiração lenta através dos dentes, percebendo que não seria
fácil. Esqueceu o brutal cão de guarda de Ember. — Sabe de quem estou
falando. Onde. Ela. Está?

Olharam um para o outro por um momento fugaz, mas gelado, até que
Asher disse. — Ela se mudou! E não se incomode em perguntar para onde,
porque tenho certeza que ela não quer vê-lo.

Mudou-se. Certo, estava a salvo. Por agora. Algo afrouxou no peito de


Christian, mas ficou tenso novamente quando absorveu a última frase. Ficou
um pouco mais difícil de respirar.

—Você tem certeza de que não quer me ver ou acha?

Asher franziu os lábios. — Ela não disse com estas palavras exatas, mas
estava implícito.

Houve outra pausa gelada quando os dois olharam um para o outro em um


ponto morto, as mandíbulas apertadas. Então Christian bufou com força,
passou a mão pelo cabelo e olhou o chão. Ele fechou brevemente os olhos,
tentando buscar um pouco de paciência e aplacar sua ira, o que foi um esforço
surpreendentemente difícil e logo voltou a olhar para Asher, cara a cara.
Quando falou, sua voz estava muito baixa.

—É seu amigo, respeito isto. Respeito sua lealdade. Mas tenho que vê-la.
Preciso. Você pode me ajudar ou não, mas vou descobrir onde está de uma
forma ou outra. Acredite quando digo que é melhor para ela se a encontrar
mais rápido.

Asher continuava com o rosto como pedra. Christian percebeu que isto
poderia durar a noite toda, assim tentou outra tática.
—E... tenho que me desculpar com ela.

Lentamente, milímetro a milímetro, as sobrancelhas de Asher se ergueram.

Christian mordeu o interior da bochecha forte para conter o gemido que


queria sair de sua garganta. Não estava acostumado a explicar nada a ninguém.
E não gostava.

—Ouça. Não vou dizer novamente.

Asher inclinou a cabeça e estreitou os olhos nele. Observou seu rosto por
alguns momentos em silêncio e logo disse. — Certo. Na verdade, acredito em
você, milagre dos milagres. Assim é o que farei, ligarei para ela e perguntarei
se ela quer vê-lo. Mas se não quiser, pode esquecer.

O sangue se espalhou pelo rosto de Christian. — Tem seu novo número?

Asher teve a audácia de sorrir. — Oh, ela não disse a você? Ai. — Logo
disse bruscamente. — Fique aqui e fechou a porta no rosto de Christian.

Christian exalou, esticou os punhos e colocou os braços contra ambos os


lados da porta. Ele inclinou a cabeça, fechou os olhos, abriu os ouvidos e
deixou que o mundo e sua cacofonia caísse sobre ele.

Tráfego, muito longe. Cães latindo. Vozes. O vento deslizando pelas folhas.
Pássaros, o sussurro dos galhos das árvores e o zumbido dos insetos e de
outros tão diferentes. O zumbido elétrico das luzes. Respiração. Batidas de
coração. O lento pulsar da Terra.

E logo, os tons musicais de um telefone dentro do apartamento de Asher.


Christian se concentrou nisso e deixou todos os demais sons sumirem no
fundo.
—Em, Christian esteve em minha porta procurando por você.

Houve uma pausa silenciosa. Sua voz estava mais baixa que a de Asher,
mas ainda clara. —O que ele quer?

—Vai te dar uma chance. — Disse Asher com sarcasmo.

—O que disse?

—Disse que não queria vê-lo.

Outra pausa longa e Christian deixou sua audição mais aguda, o que o fez
pensar que algo iria explodir dentro de sua cabeça. Seu coração começou a
martelar no peito.

Sua voz era tão suave e cheia de dor, que quase partiu seu peito em dois,
quando Ember perguntou baixinho. —Como está? Ele está bem? Fiquei
preocupada com ele.

Ele deixou escapar um gemido suave, de incredulidade. Estava preocupada


com ele. Expulsou-a de sua cama e de sua casa depois que ela confessou a pior
coisa que poderia imaginar e ela estava preocupada com ele.

Suas mãos se fecharam ao redor do umbral da porta de madeira com tanta


força que começou a rachar.

—Está como sempre, bonito e irritado. O que quer que lhe diga?

Com todo seu fôlego nos pulmões, Christian gritou através da porta. —
Preciso vê-la Ember!

—Oh meu Deus. —Disse Ember pelo telefone. — É ele? Está aí agora?
—Bom, não é o maldito coelho da páscoa, coração. Diga o que quer que
fale para ele antes que quebre minha porta.

—Apenas diga... diga que todos os que tem quatro sempre serão amigos.
— Sua voz se rompeu quando disse amigo. — E que deve deixar as coisas assim.

—Certo. — Asher arrastou as palavras. — E o que digo quando ele pedir


uma tradução?

—Ele saberá o que significa. Apenas fale.

Christian gritou seu nome através da porta novamente, tão forte e durante
tanto tempo que os tendões de seu pescoço se destacaram e as luzes dos
apartamentos de todos no prédio se acenderam.

Asher disse entre dentes. — Sim, tenho está estranha sensação de que não
irá renunciar tão facilmente, Em.

—Não importa. Não poderá descobrir meu novo endereço. Ninguém


nunca vem a este extremo de Raval, apenas os drogados.

A resposta de Asher foi cheia de reprovação. — Não se esqueça dos ratos,


amam o cais quase tanto como os drogados. Mas ele poderia apenas ir ao seu
trabalho...

Christian se virou e voou pela escada, sem se incomodar em ouvir o resto


da conversa.

Tinha tudo o que precisava para seguir adiante. Agora apenas precisava
confiar em seu olfato.
—Bom, bate em seu traseiro e chama um taxi. Ele desistiu tão facilmente.
Foi embora, doçura.

—O que quer dizer com que foi embora? — Ember estava caminhando
pelo chão de apartamento enquanto conversava com Asher, mastigando o
polegar e hiperventilando, mas agora estava congelada no lugar.

—Estou dizendo, apenas fui até a porta para dizer aquela merda e ele não
estava ali. Imagino que na verdade não era tão determinado como parecia.

Mas sabia com certeza repentina, com um frio percorrendo seu corpo, que
não foi o que aconteceu. Ela repetiu os últimos momentos de sua conversa
com Asher na cabeça e logo caiu contra o balcão da cozinha e murmurou. —
Merda.

—Sinto muito, querida.

Ela também. Mas não era a razão pela qual Asher estava pensando. —
Tenho que ir.

—Certo, mas nos vemos na quarta? As três em ponto?

Ia buscá-la para sua próxima sessão com a Dra. Flores e não havia como
ele a deixar perder o encontro, assim insistiu em ir com ela até o consultório
da terapeuta como uma mãe com a filha. Ember murmurou seu assentimento
e desligou.

Logo foi até a janela e ficou na sombra.

Apagou todas as luzes do apartamento, trancou a fechadura que Asher


instalou na porta principal e logo ficou em um canto mais escuro da sala.

Esperando.

Vinte e três minutos mais tarde, como ela temia e esperava ao mesmo
tempo, o golpe veio. Duas batidas curtas, logo a voz de Christian através da
madeira, infinitamente sombria e suave como seda.

—September. Sei que está aí, pequeno foguete. Posso sentir seu cheiro.
Abra a porta.

Sabendo que ouviria com facilidade sem que gritasse, ela sussurrou. —Vá
embora.

—Podemos fazer isto na forma mais difícil ou a mais fácil. Você decide.
Abra. A. Porta.

Além do caos uivando dentro de sua cabeça, se perguntou brevemente o


que seria a forma mais difícil. Tentando ignorar o tremor nas mãos e nos joelhos,
disse. — Não temos nada para conversar Christian. Por favor, vá embora.

De fato, ela sentiu a intensidade em seu tom de voz. Houve uma breve
pausa e seu coração pulsou ensurdecedor em seus ouvidos, então um som
sinistro passou pela porta: um lento arranhar de unhas na madeira.

—Acha que não posso atravessar a porta? Acha que pode se esconder de
mim?
Sua resposta foi uma risada baixa e ameaçadora.

Uma lua crescente brilhava sobre sua cabeça, derramando uma luz
fantasmagórica pelas cortinas da janela, assim não foi difícil ver a nevoa
entrando sob a porta.

A brecha entre o chão e a parte inferior da porta era fina, mas foi o
suficiente.

Ele apareceu na forma elegante de uma nuvem cinza e levantou-se


rapidamente do chão para se transformar em uma nuvem resplandecente,
flutuando em silêncio para dentro do apartamento. O vapor brilhava, mil
pontos de luz, então fundiu-se na forma de um homem. Pés primeiro, logo as
pernas, depois o torso, braços e peito, fortes e musculosos, logo veio o rosto
e os olhos, estes olhos verdes vivos, como esmeraldas na sombra.

Estava nu.

—Você mudou o número do celular. Mudou-se de apartamento. —Disse


em um tom indignado apesar da suavidade. Seu olhar a percorreu e ele piscou
surpreso. Sua expressão escureceu e grunhiu. — Perdeu peso, Ember. Cristo,
não está comendo?

Mantendo o olhar cuidadosamente acima de sua cintura, respondeu. — Oh


olá, é bom vê-lo também, Christian! Como passou as últimas duas semanas?
Bem? Eu também! Tudo maravilhosamente, de fato! Fico feliz por ter deixado
de lado... o que quer que estivesse fazendo para que viesse me ver, mas agora
me desculpe, tenho que voltar a viver minha vida. Que não inclui você!

Ember não tinha certeza exatamente do porque estava sendo uma cadela,
mas provavelmente tinha muito a ver com o fato de que se ela não gritasse iria
se dissolver em lágrimas pelo tanto que doía tê-lo ali de pé nu em sua sala de
estar tão lindo e tão longe de seu alcance. Devido a que era um cavalheiro em
seu interior, se chorasse, ele poderia tentar consolá-la, o que poderia levar a ela
fazer algo patético e desesperado como tentar beijá-lo. O que, obviamente
levaria a uma tragédia e angústia maiores.

Assim ser uma cadela era perfeitamente lógico. Satisfeita com isso, cruzou
os braços sobre o peito e olhou-o com lâminas nos olhos.

—Divertido. — Disse arrastando as palavras. —Não parece muito feliz em


me ver.

—Ah, a ironia. — Ela respondeu no mesmo tom levemente sarcástico. —


Estou ficando muito familiarizada com o conceito. Por exemplo, a trágica
ironia de me apaixonar pela única pessoa no mundo que não é capaz de me
amar.

No instante que as palavras saíram de sua boca, se arrependeu. Esmagou


os lábios juntos em horror e bateu a mão sobre a boca.

Ele ficou tenso. Seus olhos brilharam. Logo, muito, muito baixinho, disse.
— Acabou de dizer que está apaixonada por mim?

Ember entendeu neste momento a verdadeira definição da palavra


mortificada. Seu rosto ardia vermelho e ainda que a sala estivesse cheia de
sombras, sabia que a via.

Ela moveu a cabeça para os lados levemente —não — porque estava muito
humilhada para falar e seus lábios ainda estavam apertados.

Ele assentiu lentamente, seu olhar ardente no ar entre eles. — Sim o fez.
—Quero que vá embora agora. — Sua voz já não estava estável.

—Não acho que queira. E de qualquer forma, não vou a nenhum lugar.

Deu um passo adiante. Ela deu um passo para trás.

Ainda em tom suave e mortal, perguntou. — Deixe-me fazer uma pergunta,


Ember. Porque acha que fiz a oferta de comprar a livraria?

Ah! Sabia! Mas Ember respondeu. — Porque é um fanático por controle e


gosta de se intrometer nos assuntos de outras pessoas?

Balançou a cabeça. —Errado. Tente outra vez.

—Porque tem mais dinheiro que sentido?

Um canto dos lábios se ergueu, um som cheio de perigo fez o coração


martelar no peito. —Novamente errado. Seguinte pergunta: Porque acha que
paguei o aluguel?

—Então admite que fez isso também!

Ele encolheu os ombros, sem arrependimento. — Sabia que descobriria


com o tempo. E apesar do que estava escrito no contrato, Dante não me
pareceu ser uma pessoa de guardar segredos.

—Bom, mantenho minhas respostas anteriores.

—Uma vez mais, erradas. É pela mesma razão pela qual estou aqui. Porque
quero cuidar de você...

—Pare. Apenas pare. Não posso ouvir isso.


Porque porra, estava mesmo ali parada? Deixou seus sentimentos
perfeitamente claros, os dois sabiam que era um desastre, não tentou entrar em
contato com ela em todos...

—Fiquei em pânico. — Disse bruscamente, a leitura em seu rosto tão clara


como era óbvio o que lia em sua linguagem corporal. —Não sabia o que fazer
e assim fiz exatamente o que não deveria. Sinto muito. Não posso ficar sem
você. Não sabia o que realmente sentia até que fui estupido o suficiente para
me afastar de você. As duas últimas semanas foram um inferno.

Ela suspirou e logo estava respirando curto e rápido, tentando recuperar o


equilíbrio. Suas palavras acenderam um fogo que se estendia como liquido por
suas extremidades, mas que pensaria nisto mais tarde, podia saborear este
momento mais tarde, agora tinha que tirá-lo de seu apartamento antes que
fizesse algo, algo muito estupido.

—Não. Tinha razão em se afastar. Nós dois sabemos que foi um erro.

Avançou outro passo calculado e lento, o ardor em seus olhos, a mandíbula


dura. — De verdade?

—Corbin me disse, Christian. Sei sobre seus pais, o que aconteceu com
eles. Assim que sim, de verdade. Pessoas como nós, óleo e água, não se
misturam.

Chegou um passo mais, mas Ember se manteve firme. Não iria fugir mais,
não em seu próprio apartamento, não a qualquer lugar. Ainda assim, se sentia
como se houvesse um colibri irritado tentando escapar de dentro de seu peito.
Com uma intensidade feroz, perguntou. — Foi assim como se sentiu esta
noite, antes que fosse um idiota? Foi assim que se sentiu quando esteve em
meus braços? Quando estava dentro de você? Que não nos misturamos?

Quando eu estava dentro de você. Uma onda de desejo a percorreu, mas ela a
afastou, concentrando-se no importante: conseguir que ele fosse embora antes
que sua força de vontade desmoronasse, junto com seu orgulho.

—Você acha que haverá algum final feliz, Christian? Acha que pode ir em
qualquer direção, menos para baixo? Porque acho que está mentindo para você
mesmo se acredita.

—Como você está mentindo a si mesma ao querer me fazer ir embora?

Não estou mentindo a mim mesma, eu estou mentindo. Em silêncio o corrigiu. Ela
sabia que queria que ficasse, por isso precisamente não deveria. Ela deixou cair
a cabeça entre as mãos e apertou os nós dos dedos contra os olhos, bloqueando
a visão dele. Suavemente implorou. —Por favor, por favor, Christian não faça
com que seja ainda mais difícil para mim...

Mas não conseguiu terminar a frase, porque de repente ele estava justo na
frente dela. Antes que pudesse fugir, com os braços ao redor dela, uma das
mãos em punho em seu cabelo. Ele a imobilizou contra ele. Seu calor e
resistência a queimaram, diretamente através de sua roupa.

Ele inclinou a cabeça para trás e disse em ouvido. — Acha que isto é fácil
para mim? Nada disso é fácil, mas não significa que seja ruim. Você e eu temos
algo que nunca tive com ninguém antes e apesar de não poder mudar o
passado, não a deixarei ir. Vamos trabalhar está merda, aqui e agora.
—E não tenho nada a dizer em tudo isso? — Gritou tentando afastá-lo.
Era como tentar mover uma montanha e igualmente forte. — Você apenas
decide o que vai acontecer e o que quero não importa?

—Se acha por segundo que vou acreditar que não me deseja, pode
esquecer. Pode lutar o quanto quiser, mas seu corpo não mente. — Ele inalou
profundamente em seu pescoço. Quando voltou a falar, sua voz abaixou uma
oitava. — E goste ou não, já admitiu como se sente. Está apaixonada por mim,
pequeno foguete. E como o bastardo egoísta que sou, não a deixarei ir. É
minha. É minha. Assim deixe de lutar contra isso.

De repente furiosa, com vontade de golpear algo, Ember ficou sem fôlego.
— Você seu arrogante, presunçoso, vaidoso, exagerado, um...

—Pau? — Perguntou levantando a cabeça para olhá-la. Não sorria, mas


havia humor em seus olhos, o que a deixou ainda mais irritada.

—Sim! Um pau! Obrigada!

—De nada.

Disse entre dentes. —Não quero ficar com você, entendeu? Meu corpo
pode ser que deseja, mas eu não quero e não quero seu dinheiro, sua caridade
ou sua ajuda...

Ficou rígido. O sorriso morreu em seus olhos. — Caridade? Quer merda...

—Sim, caridade é o que se chama quando se doa dinheiro aos necessitados


e inválidos! Pode que não seja a melhor empresária do mundo, mas aquela
livraria é minha e a única coisa que tenho do meu pai e nunca irei vendê-la,
entendeu?
Ele a olhou por um momento com um olhar irônico no rosto enquanto ela
bufava e lhe devolvia o olhar. Suas mãos estavam pressionadas contra seu peito
nu e ela sentia as batidas de seu coração, rápido e forte sob suas palmas.

—Ember, não iria tirar a livraria de você. Ofereci dinheiro por ela sim, mas
iria devolver a loja a você assim que assinasse o contrato de compra. Não quero
uma livraria, apenas queria que não tivesse que se preocupar com dinheiro
mais. Aquela livraria sempre será sua, não importa o que.

Oh. Uau. As bordas afiadas de sua fúria diminuíram. — Bom... ainda pagaria
o aluguel, sempre. Não sou uma criança Christian. E não estou a venda.

Ele arqueou uma sobrancelha. — Por isso se mudou?

Ela afastou o olhar e mordeu o lábio.

Suspirou e o punho se soltou de seu cabelo. Ele segurou seu rosto na mão
e virou-o para ele. Com o polegar, tocou suavemente o lábio inferior entre os
dentes. — Vou cuidar de você porque quero, preciso e posso, não porque acho
que é um caso de caridade, uma criança ou uma mulher que pode ser
comprada...

—Não preciso ser cuidada...

—Não terminei. — Disse mais forte e sua boca se fechou. Ele inalou e
exalou lentamente, logo começou novamente em um tom que contrastava com
o quanto estava tentando manter sua paciência. —Esta coisa entre nós é real.
Uma bagunça sim, mas real. Irei cometer erros e com certeza cometerei. —
Sua boca se abriu para protestar, mas ele a fez se calar. — E pode ficar feio às
vezes, mas valerá a pena. Cada sujo, feio e incrível minuto valerá a pena porque
coisas como estas não acontecem todos os dias. As pessoas vivem toda sua
vida esperando para sentir algo assim. — Apertou forte e rápido seu rosto com
esta última palavra. — E a maioria nunca o encontra, Ember.

—Cometi o erro de me afastar de você como fiz. O que aconteceu no seu


passado e no meu, são duas coisas completamente diferentes. Você somente é
responsável pelo final do seu, não do meu. E sei que já castigou a si mesma,
eu vejo isto. Mas ninguém deve ser definido pelo ponto mais baixo em sua
vida.

Sua voz ficou mais baixa e murmurou. — Por favor, dê-me uma segunda
oportunidade. Por favor, deixe que lhe mostre o quanto preciso de você. Por
favor Ember. Por favor seja minha.

Deus como queria chorar. Mas ela já tinha chorado o suficiente e não queria
fazê-lo mais de qualquer forma, assim que engoliu saliva e tentou fazer o
possível para manter a respiração sob controle. Os cílios desceram e sussurrou.
— Sabia que o dinheiro iria para fundação de fibrose cística. Esta foi a
verdadeira razão pela qual me mudei.

Fez um som baixo e masculino, segurou ambos seus pulsos e os levou aos
ombros. Segurou seu rosto entre as mãos. Olhando fixamente em seus olhos,
disse. — Diga outra vez, o que disse antes.

Suas sobrancelhas se uniram em confusão.

Ele abaixou a cabeça e roçou os lábios nos dela, deixando-a arrepiada.


Sussurrou. — Que está apaixonada por mim.

—Eu não... realmente... disse... isso. — Ela estava com dificuldade para se
concentrar no que disse nos últimos cinco minutos.
Sua língua roçou sua boca. Os dentes roçaram seu lábio inferior. —Diga.

Trêmula, o chão se movendo sob seus pés, como se estivesse na beirada de


um desfiladeiro muito alto e pouco a pouco, centímetro a centímetro, o chão
estivesse ruindo sob ela.

Respirou seu nome. As mãos ao redor de seu pescoço tremeram e sentiu


seu sorriso contra sua boca, uma suave curva de seus lábios que queria traçar
com os dedos. Com a língua.

—Certo. Vou deixá-la escapar por agora. Mas precisa arrumar suas coisas.
Pegue o essencial, se precisar de mais roupas ou qualquer outra coisa, consigo
para você amanhã.

Piscando surpresa, Ember perguntou. — O que?

Christian levantou a cabeça e sorriu de forma deslumbrante. — Oh, não


disse? Irá morar comigo.

Quando sua boca se abriu em estado de choque, acrescentou com firmeza.


—A partir dessa noite.
Cesar decidiu que, além dos sons de um chicote, uma mulher gritando, um
homem forte sussurrando em deferência sim, senhor, o belo som no mundo era
o ranger úmido de um dedo sendo quebrado por um martelo de ferro.

Bem, o grito de dor que acompanhava também era muito bom.

—Oh, não seja um chorão Nico, sabe que irá se curar em uns poucos dias!
— Disse alegremente ao homem se contorcendo de dor na cadeira de frente a
ele. Estava preso com seu braço esticado em uma mesa de madeira rodeado
por outros quatro homens de confiança, que demonstrava um apetite para dor
quase igual ao seu. Um quinto estava usando energicamente o martelo nos
dedos de Nico, um a um.

Ainda estavam em sua mão esquerda. Cesar queria prolongar este pequeno
espetáculo o maior tempo possível.

Levantou uma faca, passou o dedo pela lâmina serrilhada e viu todo o
sangue abandonar o rosto de Nico. —As feridas desta lamina, no entanto,
poderiam demorar um pouco mais para se curar.

Ficariam cicatrizes, no entanto. Preciosas cicatrizes.

Nico implorou. — Senhor, a garota se foi. Não havia nada que pudesse
fazer. Mudou-se.
—Nada que poderia fazer? —Repetiu Cesar com as sobrancelhas altas. —
Bom, se não há nada para ser feito, porque na Terra estou te poupando? —
Sorriu para Nico e observou com satisfação alegre como ele se encolhia de
terror. Os outros quatro homens riram. O homem que segurava o martelo
ficou em silencio, olhando com olhos ávidos para Cesar sem piscar, esperando
um sinal para continuar.

Cesar deu uma leve inclinação com a cabeça e ele levantou o martelo.

—Seu senhorio! — Gritou Nico ao ver o movimento sinistro. —Posso


descobrir onde está por seu senhorio!

Cesar levantou a mão. O martelo parou.

—Porque não fez isto antes, Nico? Poderíamos ter evitado tudo isso se
tivesse feito seu trabalho corretamente.

Não que Cesar desejasse que tivesse. Isto era muito divertido.

Cesar gostava de ver as pessoas sangrarem. De fato, gostar era uma palavra
muito suave, muito fraca para descrever a onda de desejo e excitação quente
que se apoderava dele quando via sangue. Qualquer sangue, inclusive o seu.
Entrou em muitas lutas quando mais jovem, simplesmente para ver a si mesmo
sangrar. Não importava que inevitavelmente perdesse. Apenas a visão deste
exuberante liquido vermelho, pingando pelo rosto lhe dava uma furiosa ereção
que explodiria quando se tocasse.

Esta sede de sangue era de família. Seu pai a tinha, seu avô e se os rumores
que ouviu toda sua vida fossem certos, seu bisavô também.
Mas pelo que sabia, nenhum deles compartilhava sua atração particular por
coisas mortas.

Sua particular atração sexual por coisas mortas. As fêmeas que prendia e
chicoteava até morrerem era de muita utilidade para ele depois que esfriavam.

Bom, não importava. Aqueles homens estavam a sete palmos da terra e ele
não compartilhar isto com seus antepassados não era de importância. O que
importava era a busca pela morena sem graça que levaria ao homem que matou
dois dos seus e muito provavelmente queria matá-lo também. Quase a tiveram,
um de seus homens encontrou um artigo no jornal com uma foto dela com
aqueles olhos grandes, em uma livraria há uns anos. Uma vez que descobriram
seu nome, foi muito simples descobrir onde vivia.

Mas então o idiota do Nico o frustrou.

Cesar fez um movimento indicando que Nico deveria ser solto. Deixou-se
cair em sua cadeira, segurando a mão mutilada contra o peito, suando, pálido
e sangrando de uma pequena ferida no olho, onde Marcel lhe socou para evitar
que se movesse para evitar o chicote. Se a pele se rompia, era impossível se
transformar, assim Marcel surpreendeu Nico ao dar-lhe um soco tão forte que
abriu sua pele sob o olho e o arrastou até enfrentar seu rei.

Seu furioso e pervertido rei.

—Nico. — O rei agora disse, apontando com a faca a palma de sua mão.
— Quero que entenda algo. —Olhou para cima para encontrar Nico olhando-
o através de uma bruma de agonia. Sua voz se converteu em um murmúrio,
ameaçador. — Não tolero fracasso. O fracasso é para perdedores, tolos e os
fracos. E somos alguma dessas coisas? Somos?
—N-não senhor. — Sussurrou Nico, tentando falar as palavras.

—Eu cuido dos meus amigos, Nico. Você sabe. Também sabe o que faço
com os inimigos.

Cesar esperou que ele entendesse. A resposta chegou em um movimento


da cabeça.

—Então. Meu conselho é este: não falhe novamente.

E logo Cesar recebeu um lamentável sussurro. — Sim, senhor. — O que


tanto amava ouvir. Sorriu para Nico e disse que se fosse, observando com
satisfação enquanto tropeçava fora da sala, segurando a mão em ruinas no
peito.

Precisamente neste mesmo momento, um homem pálido, musculoso e alto


desceu de um avião particular, que acabava de aterrissar no aeroporto de El
Prat em Barcelona.

Seguido por uma fila silenciosa de homens vestidos com terno preto
simples e fúnebres que andavam atrás dele sobre o asfalto em um V como um
bando de gansos à medida que passava pelas portas de correr de vidro,
movendo-se rapidamente e com um propósito. Não parou para falar com o
homem que parecia se inclinar do outro lado da porta para pegar suas malas,
nem olhar em qualquer direção enquanto abria caminho pelo terminal cheio
para o SUV preto que estava esperando na calçada.
Jahad estava em uma missão sagrada. Não tinha tempo para pensar,
procurar ou conversar.

Os SUV’s os levariam a um hotel econômico perto da Sagrada Família.


Jahad nunca esteve em Barcelona antes e nunca viu a catedral fabulosa de
Gaudí, a qual tinha torres altas e era inundada por várias luzes coloridas,
dominando o horizonte. Contemplar as extraordinárias torres o fazia sentir
uma fervorosa conexão com o arquiteto morto, um homem profundamente
religioso, cujo estilo de vida ascético e devoção a Deus se refletia na sua
própria.

Ele levantou o olhar para o céu. Em latim, recitou um verso dos Salmos.

—Sejam como a palha ao léu do vento e o anjo do Senhor os persiga.

Uma oração contra o inimigo, uma das muitas que sabia de memória. De
fato, ele sabia ambos os Testamentos, o Antigo e o Novo de memória. Teve
muitos anos para estudar, muitos anos para contemplar, muitos anos para
pensar no momento em que todo seu estudo e contemplação teriam um bom
uso e seguraria o coração do inimigo, arrancado de seu peito, vivo e pulsando
em sua mão.

Jahad sorriu para o céu escuro. Sim, o anjo do senhor lhes perseguiria. E
ele os encontraria. E ele o feriria na Terra, um por um, até que sua abominação
não fosse mais que uma lembrança longínqua, para não se levantar novamente.

Seguido por um grupo de homens, vigilantes e silenciosos, se virou e entrou


no hotel.
Uma vez nos confins das sombras de seu quarto, tirou lentamente toda sua
roupa. Dobrou-a em uma pequena pilha ordenada na cama, tirou o chicote
trançado de couro da mala e ficou de joelhos no piso de madeira.

A primeira chicotada deixou uma mancha vermelha em suas costas, mas


não rompeu a pele.

Ele bateu com mais força.

Depois de cem chicotadas, suas costas estavam destroçadas como deveria.


Rios de sangue corriam por suas nádegas e coxas nuas, se agrupando nos
círculos sob os joelhos. Ainda que sua respiração estivesse irregular e suas
pupilas dilatadas, suas mãos não tremiam. Ele não se permitia soltar nenhum
gemido.

Vestiu-se, sem se incomodar em limpar o sangue ou cuidar de suas feridas


e chamou seu segundo no comando. O homem respondeu com deferência. —
Em que posso servi-lo, electus24? Jahad respondeu com apenas quatro palavras.

—Encontre-me uma cabra.

Logo desligou o telefone, sentou-se em uma cadeira incomoda no canto do


quarto e se dispôs a esperar.

24 Eleito em latim.
—Desculpe, o que acabou de dizer?

Ember congelou nos braços de Christian. Olhando para ele, com os braços
ainda ao redor de seus ombros, os olhos fixos bem abertos que viu os brancos
por toda sua íris escura.

—Irá ficar comigo esta noite. — Repetiu. Sua voz baixa, mas o tom
indicava que não havia espaço para discussão, o que claro deixou Ember com
raiva. A mulher odiava que lhe dissessem o que fazer.

Era um inconveniente.

—Não apenas não é sua decisão, como é totalmente louco. — Ela


respondeu de forma mordaz. Tentou soltar-se de seu abraço, mas ele a segurou
contra seu corpo, segurando os braços de lado quando tentou se soltar.

Ignorou seus gritos de protesto.

—Não estou preguntando Ember, estou afirmando. Irá viver comigo e a


partir desta noite.

—Sim? Não vamos conversar sobre o que aconteceu? Não vai nem mesmo
me perguntar se quero?

—Apenas vamos, arrume suas coisas. —Parou um momento. — E a


desafio a me dizer que não quer, mantendo o rosto sério.
Sua boca se abriu, ultraje ou alarme, não podia dizer, mas sabia que a ideia
de ir com ele a excitava. O sangue começou a pulsar com força em suas veias
e um calor doce começou a se levantar em sua pele, misturado com o cheiro
delicioso de sua excitação.

Deus, o que seu cheiro fazia com ele. Seu corpo reagia a nível molecular e
uma ereção se levantou entre suas pernas.

Ao ver que estava nu e pressionado firmemente contra ela, ela não se


afastou. Seu rosto ruborizou em um tom mais escuro de vermelho. Mordeu os
lábios e olhou para ele, a expressão em seu rosto alterando entre fúria e algo
mais. Algo um pouco mais ambivalente.

—Porque? — Sussurrou. — Porque agora?

Lutando contra o impulso de beijá-la, arrancar sua roupa ou de outra forma


mantê-la em uma situação comprometedora, hesitou, decidindo se dizia a
verdade. Mas não, precisava dizer a ela. Ela merecia saber o que estava
acontecendo.

Observando seu rosto cuidadosamente disse. — Aqueles homens no beco,


naquela noite em Gracia.

Sua respiração quase parou. Ela o olhou fixamente, em silêncio e com


apreensão, esperando que continuasse.

—Seu grupo sabe onde vive. Ou ao menos sabiam, estiveram em seu


apartamento hoje. É apenas questão de tempo antes de a encontrarem aqui.

Ao julgar por sua reação, poderia ter sido mais prudente que não dissesse
a verdade.
A todo pulmão ela gritou. — O que? — Então começou a gritar
violentamente em seus braços, procurando desesperadamente pelo
apartamento como se estivesse esperando que saltassem de trás dos móveis.
Seus olhos se abriram ainda mais que antes, seu rosto ficou branco. — Quer
dizer mataria a nós dois?

Sentia-se um pouco incomodo de pé nu no meio de sua sala de estar,


excitado, mas se limitou a dizer. — Sim.

—Oh meu Deus! Oh meu Deus! O que vamos fazer?

—Eu já disse. Irá ficar comigo.

—Não posso, não posso... isto é uma loucura! O que devo fazer, me
esconder o resto da minha vida?

—Não. — Disse com muita calma. — Apenas até que os mate.

Ela ficou olhando-o. Vários segundos se passaram lentamente e logo o


reconhecimento transformou o rosto de pânico em compreensão.

—Por isso está aqui. Por isso está na Espanha. É um... um... —
Interrompeu-se e logo engoliu. — Assassino. — Terminou com horror.

—Não. — Protestou ao instante, logo parou ao pensar nisso. — Bem sim,


mas não realmente. Isto não é o que faço normalmente, trata-se de
circunstâncias emergenciais, de verdade, não posso explicar exatamente.

Ainda estava olhando-o com a boca aberta. Lá fora, o som de carros se


chocando em um acidente de tráfego na rua a poucos quarteirões aumentou a
loucura da situação com um trovão explosivo e metálico.

—Sabia. — Sussurrou. — Soube na primeira vez que o vi.


Suas sobrancelhas se ergueram. — Isto é muito interessante. Pode me
contar tudo sobre isso no carro. — Ele estava ao seu lado em dois passos e a
puxou para ele. Olhando fixamente em seus olhos, disse. —Não fique com
medo. Não deixarei ninguém te machucar, tem minha palavra. Estará
perfeitamente segura em minha casa...

Ela riu horrorizada. — Na casa de um assassino?

—Eu já te disse, não sou realmente um assassino...

—Não ser realmente um assassino é estar mais ou menos morto ou mais


ou menos grávida! Ou é ou não é!

Seu rosto endureceu. — Ember, este não é o momento para hister...

—Não. —Declarou firme e sua voz o parou em seco.

Ele franziu o cenho, mas ela se limitou a balançar a cabeça e cruzou os


braços sobre o peito.

—Não Christian. De nenhuma forma. Absolutamente não. Não vou com


você. E tenho certeza que não quero me mudar com você, especialmente
nestas circunstancias, quando temos tanta bagagem. Teremos que encontrar
outra forma.

Sentia a raiva começar a tomar uma rota queimando suas terminações


nervosas. Em voz baixa, fazendo todo o possível para manter sua ira e
frustração sob controle, disse. — Irão matá-la Ember. Se a encontrarem, irão
matá-la. Mas não antes de terem um pouco de diversão com você, se me
entende.

Seu nariz se abriu. Um músculo sob o olho pulsou.


Ele disse. — Use sua imaginação. Pense no pior que um louco genocida
sádico poderia fazer com você e logo multiplique por cem. Talvez mil. Então
pense em como me sentiria, sabendo que a coloquei em perigo, sabendo que
falhei em mantê-la a salvo. Como acha que ficaria?

Sua voz, o tom escuro e ameaçador, a forma ponderada que surgia entre os
dentes apertados, a fez duvidar. De fato, ela parecia pensar. Então disse
ofegante. — Você... você ficaria...

—Devastado. — Terminou, diminuindo a pouca distância que ainda havia


entre eles. Ela deixou cair os braços dos lados, mas não se afastou e ficou na
altura de seu rosto e olhou para ela, deixando que sentisse a verdade em suas
palavras. Fazendo-a ver a emoção em seus olhos.

—Mataria-me Ember. Seria o fim para mim. Se acontecer algo... — Parou


porque sua voz ficou instável, seu tom trêmulo. Respirou fundo e começou
novamente. — Não seria capaz de viver com isso. Entende o que estou
dizendo?

Ela o olhou em silêncio, os olhos castanhos queimando-o. Seu olhar para


a boca, depois de volta aos olhos e logo um leve sorriso se levantou nos cantos
de sua boca. — Acho que está dizendo que está apaixonado por mim.

Exalou, fechou os olhos e alcançou-a. Ela lhe permitiu ir para seus braços.

—O que é justo. — Continuou com o rosto apertado contra seu peito nu.
— Já que eu meio que disse a mesma coisa.

Uma sensação abriu caminho em seu peito e murmurou em seu cabelo. —


Meio?
—Este não é o momento de empurrar as coisas. — Disse lançando de volta
as palavras anteriores dele. — Mas sim, meio que sim. Não é oficial ainda
porque não dissemos as palavras realmente, mas... — Ela o olhou e algo em
sua expressão a fez sorrir, malicia.

—Irá fazê-lo agora.

Christian exalou lentamente, movendo a cabeça. — Por favor, pode ir e


apenas arrumar suas malditas coisas? — Disse em voz baixa e rouca. — E
deixe de tentar me dar um golpe?

Ela franziu os lábios, considerando. — Quero meu próprio quarto. —


Pronunciou e ele soltou um som de incredulidade e um grunhido de frustração.

—Não vou saltar em sua cama e montar um acampamento ali. Temos


muita merda para lidar, Christian. Muito disso. Vamos, na verdade, ter muito
o que conversar.

Ele levantou o olhar para o teto e contou lentamente até dez.

Em voz baixa disse. — Talvez eu monte acampamento em sua cama.

Ele olhou para ela.

Seu sorriso foi ao mesmo tempo tímido e lindo. — Talvez.

—Tem cinco minutos antes que a jogue no ombro e a tire a força deste
apartamento. — Disse bruscamente, sentindo não ira, mas quase uma espécie
feroz de alegria por tê-la em sua casa, perto dele, por ser capaz de tocá-la, beijá-
la cada vez que quisesse. Ele fez todo o possível para não mostrar como estava
feliz, já que a situação continuava grave e perigosa, mas Deus sabia que poderia
cantar de felicidade.
Às vezes as situações terríveis tinham um revestimento mais precioso que
a prata de uma libra. Apenas precisava olhar de forma correta.

Ele deu a volta, deu um tapa em seu traseiro, o que provocou um grito de
surpresa, então lhe deu um empurrão para o quarto. — Cinco minutos. —
Repetiu com firmeza. — Apenas o básico. Depressa.

Quando ela levantou um olhar azedo sobre o ombro e desapareceu no


quarto, ele se aproximou da porta e a abriu.

A roupa que deixou no chão no corredor quando se transformou em vapor


desapareceu. Com uma maldição entre dentes, fechou a porta e assustou
Ember quando entrou no quarto.

—Um de seus vizinhos muito finos roubou minha roupa. Tem algo que
possa usar?

Fingiu pensar. — Um, tenho um dos pijamas de gatinho que Asher me


deu...

Christian disse seu nome em um grunhido e ela teve a audácia de sorrir.

—Na verdade, tenho algo que pode usar.

Ela foi até uma pequena porta no canto do quarto e a abriu. De dentro
puxou uma calça jeans e uma blusa daquele fatídico dia há duas semanas,
quando a expulsou de sua casa. Ela as lavou e guardou entre suas coisas, a ideia
de ter feito isto, fez seu coração dar uma volta dentro do peito. Ela as entregou
a ele com um olhar significativo, logo se virou para cômoda e começou a
encher uma pequena sacola com roupas.
Estava pronta em menos de cinco minutos. Apressou-se pela escada para
o Audi e Corbin, que os esperava na rua. Ela e Corbin trocaram saudações e
entrou no carro silenciosamente.

—Isto é temporário. —Disse em voz baixa, olhando pela janela, absorta


em seus pensamentos. — Não posso me esconder para sempre. É apenas
temporário, até que... até que...

Preso pelo repentino conhecimento terrível do que poderia significar este


tempo, que poderia levar um dia, uma semana ou um mês, dependendo de
quanto tempo levasse para encontrar Cesar e sua colônia, Christian murmurou
seu assentimento. Inclinou-se sobre o assento e segurou sua mão. Ele apertou
e ela o olhou. Todo rastro de humor, ira e confiança se foram, agora o olhava
com profunda e única preocupação, misturada com um pouco de medo.

—E o trabalho?

Christian balançou a cabeça lentamente.

Ela levantou as sobrancelhas. —Ser voluntaria no refúgio de animais?

Outro movimento da cabeça e sua voz subiu uma oitava. — Asher?

—Não até que os encontre. Não pode ir a qualquer lugar que vai
geralmente. Sua rotina normal está fora de limites, é muito perigoso. De fato...
acho que é melhor não sair de casa em absoluto.

Ela puxou a mão da dele e deixou cair a cabeça nelas. — Isto é incrível. —
Sussurrou ela e Christian sentiu a sensação de que ela estava começando a
lamentar ter se envolvido com ele.
Ao virar a esquina na rua principal, viu através da janela, um trio de jovens
magros, descuidados, lutando sob o brilho fluorescente de um poste sobre um
pequeno monte de roupas. Um terno, calça, uma camisa e um par lustroso de
sapatos. Quando reconheceu os artigos como seus, sua pele se arrepiou com a
lembrança repentina de uma leitura feita por um arcebispo no funeral do Papa
apenas uns meses antes. Foi um evento internacional, televisionado em todo o
mundo, cheio de pompa e insígnias sombrias, mas a leitura ficou gravada além
da pompa. A medida que falava sobre o Papa ter morrido como mártir, citou
o evangelho de Mateus, onde o mártir mais famoso de todos eles morreu.

—E depois que foi crucificado, repartiram entre si suas vestes, lançando sortes.

Devido a que Christian acreditava que cada palavra tivesse um significado,


todos os detalhes aparentemente sem importância e coincidências da vida eram
ao contrário, a visão daqueles jovens brigando por suas roupas dobradas na
rua fez um arrepio de premonição frio, negro e liso deslizar até os cantos mais
escuros de sua alma.

—Tudo ficará bem. — Murmurou para Ember. — Não se preocupe. Tudo


ficará bem.

Mas mesmo aos seus próprios ouvidos, soou como uma mentira.
O Dr. Maximilian Reiniger - também conhecido como Agente Doe ou
simplesmente Treze, era um homem com um plano.

Um ex-soldado das forças especiais alemã que perdeu sua mãe em um


ataque de um animal horrível quando era pequeno, desenvolveu um ódio pelos
gatos que chegava a ser patológico. Foi um gato, depois de tudo, que levou sua
amada Mutther, um tigre Bengala que decidiu repentinamente, durante um ato
de saltar através dos aros em um circo ambulante, que era hora do lanche.

Sob a lona amarela e branca, Maximilian e sua mãe estavam sentados na


primeira fila. Viu de perto os longos e afiados dentes fechando-se com força
na carne humana vulnerável.

No momento que o tigre saciou sua fome, não havia nada reconhecível de
sua pobre mãe, apenas as tiras ensanguentadas do vestido florido e um pé de
sapato.

Depois de presenciar a cena horrível em idade tão jovem, impressionável,


a mente pequena de Maximilian se deformou como a madeira exposta à água
e ficou obsessivo com apenas duas coisas:

Matar gatos. E salvar pessoas.


Assim que, depois que terminou o ensino médio, ingressou na escola de
medicina, onde se destacou. Não satisfeito com apenas a prática particular ou
trabalhar em um dos hospitais públicos onde passaria sua vida cuidando dos
doentes, mas sem fazer nada para proteger as pessoas da multidão de ameaças
que enfrentavam os humanos, o recém-formado médico decidiu completar sua
educação médica com um passo ao exército. Ali aprendeu a disparar, voar
coisas, operar com uma mente clara, enquanto sob coação física extrema e
obedecer ordens de seus superiores sem hesitar.

Este último provou ser seu ativo mais valioso de todos.

Levantou-se através das filas e foi recrutado pelo Comando das Forças
Especiais. Apenas quarenta por cento dos novos recrutas eram capazes de
passar pelo regime de treinamento psicológico de três semanas de duração
inicial e apenas oito por cento passavam na fase de resistência física
subsequente. Reiniger passou com êxito e foi enviado para El Paso no Texas,
para seu ciclo de instrução especial de três anos no deserto e na selva. Com
vinte cursos no deserto, na área urbana e luta contra o terrorismo em dezessete
escolas em todo o mundo, foi pura coincidência ser enviado para conhecer o
homem que finalmente mudaria sua vida.

Ele ainda não sabia o verdadeiro nome dele. Ninguém sabia. Era conhecido
apenas como o Presidente ou Um.

Para Reiniger — mais tarde nomeado como Treze quando foi recrutado
pela organização do Presidente — avançou para perto do Presidente tendo seu
maior contato por telefone. Não havia reuniões cara a cara, não havia
videoconferências, não havia mensagens por e-mail ou mesmo um endereço
físico que poderia ser rastreado até ele ou a qualquer das milhares de pessoas
que trabalhavam sob o guarda-chuva das empresas multinacionais, a maioria
delas na indústria de bioengenharia. O Presidente era uma figura sombria que
segundo a lenda, descobriu em sua viagem à África, de um velho local sobre
os Ikati, criaturas com poderes sobre humanos que podiam manipular sua
forma.

Que podiam se converter, entre todas as coisas, em gatos.

Panteras, para ser especifico. Panteras negras, enormes.

O Presidente, cuja esposa, morreu de uma doença neurológica rara,


herdada por sua filha, fez de sua missão encontrar uma cura. Acreditava que a
resposta estivesse parcialmente na medicina e na ciência... por outra parte
estava na capacidade das formas de vida não humanas que de todo coração,
acreditava que viviam juntos aos homens escondidos de todos.

Como os Ikati. Criaturas que não eram apenas conhecidas como parte da
lenda local, mas eram reais.

Encontrou provas o suficiente nos últimos anos para convencê-lo de sua


existência.

Assim canalizou os consideráveis recursos disponíveis para ele em seu


objetivo final de captura de um destes seres sobrenaturais e descobrir
exatamente o que os fazia funcionar. Ele tinha uma razão muito pessoal para
atingir seu objetivo, claro, mas o Presidente também era um homem de
negócios, assim naturalmente, havia outra razão: dinheiro.

Os benefícios que poderiam conseguir a partir dos avanços médicos e


científicos colhidos do estudo de tais criaturas seriam, sem dúvida, enormes.
No entanto, O Presidente precisava de certo tipo de caçador para conseguir
tal façanha. Um caçador que não apenas fosse inteligente, decidido, formado
em medicina, que não se incomodasse em realizar experimentos em seres vivos
e sensíveis, mas o mais importante... leal.

O dinheiro podia comprar uma grande quantidade de lealdade, mas não


podia comprar o melhor tipo. O tipo mais forte de lealdade que se encontrava
somente nos que se dedicavam de corpo e alma por uma causa.

Uma causa como matar os gatos. E salvar as pessoas.

Assim, Maximilian Reiniger era um recruta ideal para o Presidente e o


homem que conheceu em um bar sujo em El Paso em uma noite quente de
verão não duvidou em dizer a ele. Que ouviu uma história de um Reiniger meio
bêbado dizendo ao seu amigo a história de como entrou na escola de medicina
e depois no exército.

A história de sua mãe, mutilada até a morte por um tigre sob a lona, diante
de seus próprios olhos.

—Una-se a nós. — Disse o homem, que chamava Doe. — E consiga sua


vingança.

Reiniger nunca ouviu seis palavras mais belas em sua vida.

Assim, deixou o Comando das Forças Especiais e se uniu a organização do


Presidente como chefe da Seção Trinta, a cargo de investigar o fenômeno
sobrenatural na Europa Ocidental. Ele e cada um dos líderes das outras vinte
e nove seções em todo o mundo, se chamavam Doe, como alguém
desconhecido — e eram fanáticos pela causa e sua lealdade inquestionável —
mas apenas ele conseguiu colocar as mãos em uma das criaturas que esteve
buscando.

Fez experimentos com ela também.

O que lhe surpreendeu um pouco foi a criatura ser uma mulher. Também
parecia muito... humana. Provavelmente porque ele tinha tantas lembranças de
sua mãe, que imaginou que estas criaturas fossem apenas machos ou mesmo
sem sexo, como uma espécie de forma de vida extraterrestre que procriou
através de osmose ou uma fusão da mente. De qualquer forma, ele estava
ridiculamente errado. Para todos os efeitos, quando estas criaturas estavam em
sua forma humana, eram humanos.

Isto era provavelmente o que mais o irritava. Imitadores imundos.

A criatura que capturou conseguiu escapar, mas não antes de Reiniger


sofrer algumas lesões no processo. Perdeu seu olho esquerdo e agora usava
um parche. A perna esquerda não funcionava bem, devido a uma explosão e
infelizmente não saiu ileso.

Sua devoção estava ilesa, no entanto. Assim que, quando chegou a notícia
de que estas criaturas foram vistas novamente, desta vez em Barcelona, foi
chamado para ir.

Contava com a colaboração da polícia local, já que o Presidente tinha


muitas conexões. Infelizmente, o Presidente não perdia dinheiro em
alojamentos luxuosos, assim ficou instalado em um hotel econômico não
muito longe da Sagrada Família. Era tarde no momento de sua chegada, assim
não se incomodou em começar algo nesta primeira noite. Esperaria o dia
seguinte, depois de ter uma boa noite de sono.
E logo Reiniger — alias Treze, Agente Doe e médico — começaria a
procura uma vez mais.

Ele sabia por onde começar.


O quarto que Ember escolheu na mansão de Christian no bosque estava
no segundo andar, com uma vista para uma trilha e um descuidado jardim de
rosas na parte de trás da propriedade que levava a uma linha grossa e escura
de árvores.

As árvores eram altas e antigas, o bosque muito denso. Quando voltou a


olhar pela janela em uma noite como esta, acordou com algum ruído estranho
que não pode identificar, ainda que a lua estivesse pendurada como uma grande
pérola brilhando no céu negro, sem luz o suficiente para penetrar no grosso
dossel de galhos. Tudo o que podia ver era uma linha escura de árvores...
opacas como obsidiana.

Podia ver, no entanto, a figura nua caminhando lentamente pelo jardim de


rosas.

—Christian.

Ela sussurrou seu nome. Sua mão se levantou para descansar contra o vidro
frio.

Durante os últimos três dias desde que chegou, foi cuidadoso e amável,
quase solicito, perguntando-lhe como dormiu — mal, ainda que não admitisse
— o que queria comer — nada, mas ele insistia — e o que poderia fazer para
deixá-la mais cômoda. Ela não estava incomoda exatamente, mas ainda não
entendia a situação.

Ela estava ali — na casa de Christian — porque alguém queria matá-la.

Ou a ele. Ou melhor, com toda probabilidade, os dois.

Rodearam este horrível fato, durante longas conversas que tiveram durante
o que estava se convertendo em um habitual passeio pela manhã. Ember se
levantava cedo, quase sempre as seis. Christian, devido as excursões noturnas
que levava horas e horas, às vezes mais que isso, acordava muito mais tarde,
aturdido e lindo com uma sombra de barba em sua mandíbula e um aspecto
cansado, sem brilho nos olhos.

Seu olhar se transformava cada vez que a via.

Estava começando a se acostumar com ele, a forma como olhava e o brilho


luminoso dos olhos quando caiam nela. Pensou mais de uma vez que a ternura
e o calor em seus olhos seriam suficientes para mantê-la na escuridão que
poderia vir do futuro.

Ela não passava muito tempo pensando no futuro, no entanto. Estava


vivendo todo este desastre, um dia de cada vez.

Em seus passeios, falavam sobre livros, música, família, comida que


odiavam e filmes que amavam. Ele lhe falou sobre seu irmão, Leander, sua
irmã Daria e o lugar onde cresceu na Inglaterra, um lugar que dizia não ser tão
diferente a este pedacinho do céu no bosque. Ela lhe contou sobre o povoado
no meio de Taos, que foi construído há mais de mil anos e o cavalo Palomino
que teve quando tinha dez anos e como ela e seus pais iam para o teto do Hotel
Fonda para ver as tempestades elétricas ao longe nas colinas enquanto comiam
almôndegas, sopa e tortilhas25 caseiras com guacamole26. Como a cor do céu
era o azul mais azul que já viu.

E o muito que perderam.

Também contou sobre a Dra. Flores e seus olhos suaves brilharam.


Alegrou-se por ela estar conversando com alguém, feliz por Asher tê-la
obrigado a ir.

Apenas havia duas coisas que nunca falavam. Os acidentes e o que


aconteceria depois que encontrasse o que procurava pelo bosque.

E de alguma forma, ainda que conversassem sobre quase tudo, eram


fisicamente tímidos um com o outro. Era quase como estar tão perto, mas
havia uma parede invisível que foi erguida entre eles e que tentavam ignorar.
Ou talvez não uma parede exatamente, mas uma cerca elétrica. Devido a que
tudo crepitava, a energia perigosa ainda estava ali, a tensão e a percepção do
calor, a intensidade e o fácil que seria simplesmente cair em sua cama no meio
da noite ou ele na dela.

Mas também não faziam isto. Mal se tocavam. Ele lhe dava um beijo casto
na testa antes de passar pela porta de seu quarto e ir para o seu, do outro lado
da mansão.

Perguntava se nas poucas horas que tinha para dormir, olhava o teto da
mesma forma que ela, frustrado pelo desejo.

25 É uma espécie de omelete, feita com ovos e batatas fritas. É comum levar cebolas, dependendo da região onde
é feita.
26 É uma iguaria típica da culinária do México, servida com uma grande variedade de pratos e geralmente
acompanhada com abacate e nata azeda.
Na verdade, era pior que o mero desejo. Era uma dor vasta, uma vazio
palpitante, um buraco que ficava maior e mais fundo a cada dia que passava,
tão perto e ao mesmo tempo tão longe.

A medida que o observava avançar pelo jardim de rosas, nu e


impressionante à luz da lua, a dor aumentou muito mais. Ele fundiu-se às
árvores, desaparecendo tão rapidamente como uma pedra caindo na água
escura e Ember suspirou, sem perceber que estava segurando o fôlego.

Provavelmente ficaria ali até a manhã seguinte. Seu estômago grunhiu,


decidiu descer para a cozinha, para comer algo.

Corbin tinha seu próprio quarto no andar de baixo, como a governanta, o


jardineiro e a cozinheira, mas estavam longe, em outra ala e era uma e meia da
manhã, então duvidava que encontraria alguém. Corbin lançou a Christian um
olhar estranho quando foi informado que Ember ficaria com eles, os outros
não pareceram ter qualquer opinião.

Eram humanos, Christian explicou. Ajudavam quando tinha alguém


naquela casa.

Era alugada, mas a coleção assombrosa de livros na biblioteca era dele.


Disse que fez com que enviassem a maioria quando chegou, apenas por
capricho, quando a ideia de se sentar sozinho na casa sem nada para ler chegou
a ser tão deprimente que não pode suportar.

Antes de a conhecer, porque agora se esqueceu completamente dos livros.

Isto levou um sorriso a seu rosto, lembrando-se da forma como disse. A


forma como a olhou quando disse, de lado, um olhar penetrante sob os cílios
escuros enquanto caminhava ao seu lado no jardim, com as mãos entrelaçadas
nas costas. Mordeu o lábio, afastou os olhos e mudou de assunto.

Ember desceu a escada em forma de caracol do segundo andar e chegou


ao vestíbulo. Passou pelo salão a direita, encontrou-se com a preciosa
biblioteca e parou na entrada, olhando ao redor.

Era realmente magnifica. Não apenas o vidro com fileira atrás de fileira de
livros encadernados em couro, mas a lareira de mármore, os enormes vasos com
palmeiras e o piano de cauda. Tudo estava tranquilo e limpo, os contornos da sala
esboçados pela luz pálida da lua.

Ficou quieta por um momento, olhando o enorme Steinway. Ela não sabia
tocar piano: suas lições sempre foram apenas com o violoncelo, mas passou-se
tanto tempo desde que mesmo tocou um instrumento musical que apenas olhá-lo
tocava uma fibra sensível de anseio em algum lugar profundo dentro dela.

Ela cruzou a sala, sentou-se no banco preto brilhante, abriu a tampa e


levemente colocou as mãos sobre as teclas. Angustia inesperada se levantou em
sua garganta e ela afastou as mãos e as fechou em punho no colo.

Ela fechou a tampa e se inclinou, apoiando a cabeça em seus braços na madeira


escura. De repente estava cansada, tão cansada que fechou os olhos por um
momento, as batidas de seu coração reduzindo a velocidade e sua respiração se
acalmando. Deixou-se levar pelo sono.

E quando abriu os olhos novamente em algum momento mais tarde, não


estava sozinha.
Ela o sentiu pela primeira vez. Era uma presença escura atrás dela, uma
tangível, um calor ardente. Sentou-se ofegando e deu a volta, com a mão na
garganta.

Christian se aproximou dela, o olhar fixo em seu rosto com olhos


incandescentes como estrelas.

—O que está fazendo? — Sua voz era baixa e gutural, um grunhido rouco
profundo, como se houvesse engolido pedras.

—Estou... eu... não conseguia dormir... estava com fome...

—Está bem? — Seu olhar pousou nela, faminto, quente e percebeu que estava
respirando profundamente, seu nariz aberto, as mãos trêmulas levemente dos
lados. Ele parecia quase sem controle.

Usava uma camisa branca de algodão com botões, as mangas enroladas até o
cotovelo e uma calça jeans desbotada. Seus pés estavam descalços. O cabelo
bagunçado. Havia uma veia pulsando na base de sua garganta.

Além de sua surpresa ante sua repentina aparição, seu cérebro registrou o
perigo. Sua boca ficou seca.

Ela engoliu saliva e disse. — Sim. E você?

Levou uns minutos para responder, sua garganta se moveu e flexionou um


músculo, uma e outra vez em sua mandíbula. Seu quente olhar nunca deixou o
dela.

—Leva um tempo depois de se transformar de volta... não estou... não


esperava vê-la.
Suas sobrancelhas se ergueram. Ela esperou, o sangue bombeando forte em
suas veias.

—O animal. — Sussurrou com os dentes apertados. — Não é...


completamente... — Seu olhar desviou do dela, parando em sua boca, os seios sob
a camiseta que usava para dormir. Os olhos dele se dilataram, ficaram mais quente.

—Oh. — Ela respirou, compreendendo em uma batida de coração. — Ah


deveria... — Olhou para a porta.

—Não. — Disse de imediato, um pouco forte e logo fechou os olhos e


umedeceu os lábios. Depois de umas poucas inalações profundas, disse. — Sim.
Provavelmente. Não é muito seguro... a forma como seu cheiro... argh! Merda!

Interrompeu-se e afastou-se dela em um giro rápido, suas mãos apertadas no


cabelo e ficou com a cabeça inclinada, em silêncio, todo seu corpo tenso.

A adrenalina que percorria seu corpo era eletrizante. Ela sabia o que estava
acontecendo, seu corpo sabia o que estava acontecendo e estava respondendo em
todos os sentidos que podia.

Ele a desejava. E ele não a queria suavemente, entre rosas, poesia e violinos.
Ele a queria de forma violenta, animal, faminto. De uma forma possessiva.

Como uma propriedade.

Ao instante, ela o quis desta forma também.

Como se sentisse, deixou escapar um suave gemido de agonia. — Volte para


seu quarto. —Sussurrou. Seus ombros largos rodaram para frente de uma forma
que acentuava sua amplitude, enquanto observava fascinado, preso no lugar,
quando um tremor passou por eles. Disse seu nome em um grunhido quando ela
ficou onde estava e quando ela não se moveu, ele deu a volta, avançando e muito
mais alto que ela, franzindo o cenho.

—Volte a seu maldito quarto!

Sua voz ficou mais baixa sendo quase mal registrada e Ember ouviu o limite
da moderação tão claro como se alguém houvesse golpeado uma campainha. Mas
não a assustou. Isto a excitou. A virou ao revés.

Pouco a pouco, com as mãos trêmulas, mantendo o olhar fixo nele, estendeu
a mão e o tocou, colocando-a plana sobre o peito. Ao mesmo tempo sussurrou.
— Não.

Ficou rígido e fez um som que era parte grunhido, silvo e absolutamente
primitivo. Seu nariz se abriu novamente e seus olhos ficaram perigosos.

Pouco a pouco, lentamente Ember deslizou as mãos por seu peito, sobre seu
abdômen, a cintura da calça jeans, sentindo os músculos se contraírem e
flexionarem sob seus dedos. Tão suavemente como pode, disse. — Não irá me
machucar. Sei que não irá me machucar. — Logo deslizou a mãos para cima e sob
a camisa.

Sua pele estava em chamas.

No momento em que suas mãos tocaram a pele exposta do estômago, seus


olhos se acenderam com tanta luxuria pura, primitiva que sentia como se
houvessem injetado cocaína diretamente em sua corrente sanguínea. Ele a agarrou
pela cintura, a levantou sobre o piano, jogou o banco de lado com tanta força que
saiu correndo e bateu em uma urna de pedra com tanta força que o banco se partiu
com um rangido. Ele a puxou contra seu corpo.
—Não posso ser suave! — Grunhiu, seus lábios abertos atrás dos dentes. —
Não posso ir devagar! Ainda estou muito forte... eu irei machucá-la!

Ele estava tentando lhe advertir. Mas ela não queria suas advertências. Ela o
desejava.

Assim que ela o beijou.

Como antes, a febre que sempre sentia a fogo lento entre eles se acendeu e os
envolveu em chamas.

Sua boca estava devorando-a, as mãos vorazes, o som em sua garganta


puramente animal. Os dedos se afundaram na suave pele dos quadris e ele a
inclinou para trás, beijando-a tão selvagem que a deixou sem folego. Puxou seu
lábio inferior entre os dentes e o mordeu. De repente, provou seu sangue
acobreado e doce, isso aumentou sua luxuria a um nível pagão.

A fome e a necessidade vibrava através dela. Apertou-se contra seu peito,


passou os dedos por seu cabelo e puxou-o. Forte. Perto.

Ofegante se separou e se apoderou da gola da camiseta de algodão com as duas


mãos. Rasgou-a no meio com um forte puxão. Ela abriu a boca, surpresa com a
violência dele, mas ele apenas a empurrou contra a fria superfície dura do piano
com uma mão sobre o peito e os olhos fixos nela, a outra mão na calça de seu
pijama e puxou-a também com um puxão rápido, deixando-a ali totalmente
exposta, apenas de calcinha.

Ela foi arrancada a seguir. Seu brilhante e feroz olhar não se afastou dela.

Ele tirou sua calça jeans, se inclinou e segurou ambos os pulsos em uma de
suas mãos, apertou os braços sobre sua cabeça contra o piano, passou outro braço
debaixo e ao redor de sua cintura e sem preliminares ou uma só palavra, empurrou
profundamente em seu interior.

Ela se arqueou e gritou. Era duro e quente em seu interior, muito quente.

Grunhiu algo incoerente em seu ouvido, uma maldição ou uma declaração


confusa. Quase soava como: minha.

Ele empurrou nela uma e outra vez. Seu rosto pressionado contra seu pescoço,
seu fôlego roçando quente sua pele, seu corpo queimando com o calor natural
dele. Encheu-a, abriu-a, prendeu-a no lugar contra ele com seu braço como ferro
ao redor de sua cintura. Ela gemeu seu nome e ele ficou imóvel por um momento,
a respiração ofegante, tentando ao parecer, frear a si mesmo ou conter-se, mas ela
não queria isso e flexionou os quadris e o levou mais fundo.

—Não pare. — Implorou. — Não diminua a velocidade. Por favor Christian,


não pare.

Ele soltou seus pulsos e envolveu as mãos ao redor de sua cintura. Ele inclinou
a cabeça para trás e puxou-a para a beirada do piano para que suas pernas ficassem
penduradas.

—Diga outra vez. — Exigiu, sua voz ainda este estranho e rouco sussurro. —
Diga meu nome.

Deslizou uma de suas pernas e segurou seu tornozelo sobre o ombro e ao


mesmo tempo pressionou para frente, mais profundo dentro dela, tão profundo
que a fez estremecer. Seus olhos se fecharam.

—Christian!
Deslizou quase todo o caminho, logo, voltou de golpe dentro dela. Uma onda
de choque de prazer a atravessou, ela estremeceu e gemeu.

—Novamente.

Agora tinha as mãos sobre seus seios, beliscou os mamilos, enviando ondas de
prazer entre suas pernas. Sua boca seguiu rapidamente os dedos e sentiu sua língua,
quente e úmida chupando, incrivelmente maravilhosa, então a dor quando os
dentes se apertaram ao redor do mamilo sensível. Ela gritou e ele suavizou um
pouco, chupando novamente, ainda ambicioso e faminto.

—Diga outra vez, Ember!

Suas palavras foram uma ordem áspera, amortecida contra seu peito. Ela
cravou os dedos em seu cabelo, gemendo. Quando sentiu seus dentes novamente,
ficou sem folego e disse seu nome, ele grunhiu em aprovação.

—Porra, adoro... adoro meu nome em seus lábios.

Suas mãos sobre a pele eram fortes e seguras, vagando por todas partes
enquanto bombeava dentro dela. Sentia-se como se estivesse sendo consumida,
possuída pelo desejo.

Ela abriu os olhos e o viu ali sobre ela, banhado pela luz da lua, com os olhos
brilhantes de cor verde clara e lucida além das sombras em seu rosto. Sua camisa
estava ainda ali e queria que se fosse, queria vê-lo todo.

—Tire-a. — Ofegou, puxando o tecido. Ele obedeceu com precisa rapidez,


brutal, rasgando-a exatamente como fez com a camiseta dela. Botões voaram
enquanto a puxava e jogava no chão, precisou de um momento para admirá-lo,
duro, musculoso e lindo antes que se inclinasse e tomasse sua boca. Beijou-a com
uma intensidade feroz, empurrando a língua ao mesmo tempo que seus quadris, o
calor de seus corpos queimando do peito ao estomago.

Então sua boca se foi, ele saiu dela e a virou tão rapidamente que ficou sem
fôlego pelo choque. Seu ventre e os seios pressionados contra a superfície plana,
fria e escorregadia do piano.

—Fique na ponta dos pés. — Disse entre dentes e segurou seu cabelo em um
punho. Ele puxou seu quadril para trás com a outra mão para suas costas se
arqueassem e sua parte inferior se levantasse. Ela o fez sem pensar, ansiosa para
tê-lo dentro dela outra vez e foi recompensada ao instante enquanto deslizava
entre suas pernas e se enterrava tão profundamente como podia.

Ember gemeu, uma parte em gemido e outra parte: obrigada, jesus!

Suas estocadas eram fortes, rápidas. Chegou ao seu redor e deslizou seus dedos
entre suas pernas. Quando tocou o feixe de nervos inchado ela se sacudiu e gritou.
Prazer deslizou por suas extremidades, fazendo seus joelhos tremerem, seu fôlego
vacilar e seu coração quase parar no peito.

Estava perto, muito perto. Seus mamilos estavam duros e doloridos,


esfregando-se contra o piano com cada estocada, enviando mais ondas de prazer
através dela enquanto seu corpo subia mais e mais alto com ele dentro dela e os
dedos exigentes acariciando entre suas pernas.

—Christian... por favor... juntos! — Ofegou, o que ele respondeu em um tom


urgente e áspero, quase incoerente.

—Está ovulando... não posso... quero em sua boca.


Como sabia que estava ovulando era uma pergunta que faria mais tarde, mas
o que ela conseguiu destas palavras incoerentes era que queria gozar em sua boca
para que não ficasse grávida. Ela levantou a cabeça e o olhou sobre o ombro. —
Não... está tudo bem...o acidente... não pode me deixar grávida.

Congelou por um milissegundo. Seus olhos ficaram inquietos, com um


misterioso resplendor, um verde intenso nas sombras, como se estivessem
iluminados por trás.

Logo desceu os dois para o tapete sob seus pés.

Saiu dela e a virou mais uma vez, então ela ficou deitada de costas e ele entre
suas pernas, as mãos de cada lado de seu rosto, o rosto dele contraído em algo
parecido a agonia.

Ela moveu a mão entre seus corpos e segurou-o, acariciou da base até a ponta
enquanto ele gemia e estremecia. Beijou-a selvagem enquanto ela o guiava a seu
interior.

Sentia-se como fogo e dor, era difícil respirar, o coração golpeando contra o
peito. Passou a mão por suas costas, amando a flexão dos músculos e a suavidade
do calor de sua pele, segurou firme seu traseiro, puxando-o para ela e mais em seu
interior enquanto ele empurrava. Ele cravou os dedos em seu cabelo e manteve
sua cabeça no lugar, olhando para ela enquanto sua respiração ficava mais forte e
gemidos desiguais deixavam sua garganta.

O mundo se reduziu a poucos centímetros entre seus rostos. Christian


sussurrou seu nome.

A forma como disse a empurrou ao céu. Ele, com um movimento desesperado


e urgente, ao mesmo tempo, terno e firme, a deixou selvagem e delirante. Em
combinação com a expressão de assombro em seu rosto de êxtase, além do culto
primitivo de prazer a fazia se sentir bonita.

Fazia com que se sentisse amada.

O orgasmo que a atravessou foi tão forte que nem sequer pode fazer um ruído.
Ela se arqueou contra ele, com a boca aberta em um grito silencioso, com os olhos
bem fechados, seu núcleo pulsando de forma gloriosa, segurando-o sem dizer
nada enquanto ele continuava bombeando em seu interior. Ele abaixou a cabeça
e colocou um mamilo na boca, chupando e ela se sacudiu contra ele, sua garganta
finalmente se abrindo para deixar escapar um soluço.

—Sim, bebê. — Seus dentes e a boca quente, úmida levou a outro grito
enquanto a chupava. —Grite para mim. Quero ouvi-la gozar.

Ela gemeu, forte e sem sentido, arranhando suas costas.

Estremeceu, todo seu corpo ficou tenso. —Oh Deus. — Disse em um


sussurro sem fôlego.

—Ember... vou gozar... também... anjo...

Ela abriu os olhos, fixou o olhar nele e ofegou. — Sim Christian... agora...
goze. Dê tudo para mim!

Suas palavras o deixaram selvagem. Duro e sem controle, chocou contra ela,
golpeando profundo, gemendo, todos seus músculos ondulando. Ela apertou as
coxas ao redor dele com mais força, cravando os dedos em suas costas, gemendo
mais forte com cada estocada furiosa de seus quadris.

Logo, com um gemido sufocado, hesitou. Bombeou fundo. Uma vez, duas
vezes. Ficou sem folego e disse seu nome e gozou dentro dela. Ela o sentiu pulsar,
os espasmos, um calor se estendeu e logo caiu sobre ela com uma exalação e a
apertou contra seu peito.

Ficaram assim por um minuto, silenciosos, deixando que as batidas de seus


corações lentamente voltassem ao normal, tentando respirar, ambos sacudidos de
vez enquando por um espasmo, saciados e ofegantes.

Christian inalou lentamente contra sua garganta. Logo se moveu e acariciou


seu pescoço, esfregando o rosto em sua pele, o espaço entre o pescoço e o ombro.

Sem sair de seu corpo, ele se moveu levemente para baixo para esfregar o rosto
contra seus seios.

Fez isto lentamente, quase em reverência, arrastando seu rosto de um lado e


ao outro sobre os seios, por baixo das costelas, as costa até o pescoço e os ombros,
acariciando-a com os lábios e as mãos, a leve barba fazendo cócegas em sua pele
muito sensível. Durante isto toda sua tensão selvagem e o perigo pareciam ter
desaparecido, substituída por uma doce e possessiva ternura.

—O que está fazendo? — Sussurrou, acariciando seu cabelo enquanto


levantava um de seus braços e esfregava o rosto contra seu bíceps, enterrando seu
nariz na axila.

—Marcando-a. —Ela pensou por um momento que ouviu errado, mas ele
levantou a cabeça e a olhou, com os olhos estreitos e quentes. — Com meu cheiro.

Seus lábios se separaram, mas não parecia encontrar uma resposta correta a
esta.

—Porque é minha. — Explicou em voz baixa, ao ver seu descontentamento.


— E sou seu. O animal dentro de mim é seu. Aconteça o que acontecer a partir
de agora Ember, isto nunca mudará... quero que se lembre disso. — Seus olhos
estavam suaves e quase pareciam encantados. — Aconteça o que acontecer.

Por um segundo, sem fôlego, foi consumida pelo pânico. — Porque soa como
um adeus? —Sussurrou, procurando em seu rosto.

Sorriu, um encantador capricho tocando seus lábios. —Acabo de dizer que


estou unido a você e vê como um adeus?

Seu sorriso diminuiu o nó no peito e respirou um pouco mais fácil. Ela


levantou a mão para acariciar seu rosto. — Certeza?

Ainda enterrado dentro dela, seu grande e maravilhoso peso sobre ela, ele
deixou sua mão acariciar seu rosto e disse. — É a forma de minha espécie. Como
as andorinhas e os cisnes, que se acasalam para toda vida. Para nós, o amor cria
uma marca. Uma digital, mas na alma. Algo muda dentro de nós. A conexão entre
dois companheiros é sagrada, mesmo a tentativa de interferir é um crime castigado
com a morte. Não há divórcio, não há conversas, nada em absoluto que pode
separar um Ikati unido com sua companheira. Nem sequer a morte.

O nó em seu peito voltou a aparecer. Outro se formou em seu estômago. Seus


olhos se encheram de lágrimas e sussurrou seu nome.

Sua voz era suave e firme ao mesmo tempo. — Cuidarei de você o resto de
nossas vidas, quero que saiba disso. Você é o bem mais precioso que conheci. E
deu-me um presente incrível, um que sempre guardarei.

Ela o olhou, seu coração apertado no peito, a mão trêmula em seu rosto.

Com o solhos brilhantes, murmurou. — Você me faz sentir livre.


Desta vez nem sequer pode murmurar seu nome, a emoção era imensa. Tão
assustadora.

—Toda minha vida fui limitado, restringido, obrigado a seguir regras nas quais
não acreditava ou queria obedecer. Mas o fiz. Não tive escolha. Até que a conheci
e me fez perceber que tinha uma escolha. Sempre há uma escolha. Nunca tive
nada de valor, o suficiente para arriscar meu pescoço por ele. E porque você me
deu tudo o que tem, garantirei que nunca mais tenha que se preocupar com
dinheiro, com o futuro, com nada em absoluto.

Quando viu a expressão em seu rosto, sua voz endureceu. — Está não é uma
discussão. Estou informando os fatos. Irá assinar aquele documento para compra
da livraria e irá deixar que sua malvada madrasta tenha a parte dela e a deixe em
paz e logo voltará a trabalhar ali de imediato se quiser. Mas irá assinar o
documento.

Sua declaração era uma loucura e ainda estava presa ao prazer, assim decidiu
pensar na livraria mais tarde. —Minha malvada madrasta?

Um sorriso irônico cruzou seu rosto. —O Sr. Alvares tinha algumas coisas a
dizer sobre nossa amiga Marguerite. Algumas coisas muito pouco favorecedoras.
—Inclinou-se e beijou seu ombro. — Está tremendo. — Disse, passando a mão
por seu braço.

—Sua culpa, senhor Deus do sexo. Provavelmente não serei capaz de


caminhar por dias.

Ele ficou tenso. — Eu a machuquei? — Sussurrou, seus dedos acariciando seu


braço.
Com dor no coração e lágrimas queimando os olhos, Ember envolveu seus
braços ao redor dele e enterrou o rosto em seu pescoço. —Nunca. — Sussurrou.
— Estou tremendo de felicidade. Faz-me feliz Christian. Obrigada.

Exalou um suspiro de alivio e riu, tirando o cabelo de seu rosto. —Gosto deste
seu lado, pequeno foguete. Mas, espero que seja sempre sensível e terna cada vez
que fazemos amor.

—Apenas há uma forma de descobrir.

Riu novamente. Logo se incorporou com rapidez, pegou-a nos braços e se


levantou. — Sim, vamos descobrir. Apenas acho que gostaria de estar em uma
cama desta vez, queimadura de tapete não é para mim.

Dirigiu-se rapidamente através da casa escura e subiu a escada, levou-a a seu


quarto. Fizeram amor novamente em sua enorme cama, suave e desta vez foi
terno, lento e ainda mais bonito. Depois, Christian dormiu ao redor dela, uma
perna pesada lançada sobre as dela, com a respiração profunda e constante em seu
ouvido.

Mas Ember não pode dormir. Mesmo quando o amanhecer chegou levemente
rosa e dourado no horizonte, estava ainda olhando para o teto, tentando colocar
o dedo na sensação de medo que a superou com as palavras de Christian, suas
promessas de que cuidaria dela.

Irei garantir que nunca mais tenha que se preocupar com dinheiro, o futuro, com nada em
absoluto.

Ela não podia evitar a sensação de que três palavras faltavam nesta frase. Três
palavras que definiam igualmente o princípio e o fim.
Depois. Que for. embora.
Dante tinha uma má sensação sobre o homem que bateu em sua porta, que o
acordou de seu sono a meia-noite.

Não foi o olhar sombrio do homem, seus olhos escuros, um olhar tão selvagem
que era quase transtornado ou seu tamanho, que era substancial ou a venda que
tinha torcida em uma mão, a forma como exigiu saber onde a garota estava
morando agora.

Foi a arma apontada para o rosto de Dante.

Pouco a pouco, com suas mãos levantadas em submissão, a turbulência do ar


da noite ao redor de suas panturrilhas nuas sob a túnica, Dante repetiu com voz
trêmula o que acabou de dizer, uma mentira que esperava não fazer com que o
matassem.

—Ela se mudou. Não sei para onde.

Disse em inglês desta vez, porque o homem com a arma claramente não falava
espanhol. Dante teve um pensamento fugaz, transtornado de que talvez o homem
falasse a língua de Marte. Tinha um olhar desconcertante de estrangeiro nele, todo
olhos, dentes e apetite.

Mantendo seu olhar selvagem negro treinado nos seus, o homem deu um passo
em silêncio no umbral do apartamento de Dante. Chutou a porta que se fechou
atrás dele e Dante retrocedeu, com medo, mas fazendo uma oração silenciosa de
agradecimento por Clara estar no hospital e não em sua cama no quarto.

O homem abaixou a arma para o meio das pernas de Dante. — Vou lhe dar
três segundos. E logo começarei a disparar estas coisas. Coisas que não irão lhe
matar de imediato, mas machucarão. Muito. — Parou quando Dante o olhou com
horror e logo disse. —Um.

—Eu já disse! Ela se mudou! Não tenho um registro de inquilinos, não sei para
onde vão quando saem. Ela não me disse para onde se mudou...

—Dois. — O homem deu um sorriso feio, um espécie de malicioso que


mostrou os dentes em uma tela verdadeiramente horrível, animal.

Dante estava suando. Seu coração acelerou, as mãos tremiam, as entranhas


ameaçavam jogar seu conteúdo no chão. — Juro! —Gritou retrocedendo. —Não
sei!

—Três.

O dedo do homem se moveu no gatilho e cada pensamento, exceto sobreviver


passou pela mente de Dante. — O cais! O cais em Raval! O prédio se chama La
Brisa Marina! —Gritou a pleno pulmão, então puxou o ar de volta em um sopro
de consternação, percebendo ao instante o que fez.

Ember receberia a visita deste louco.

Antes que tivesse tempo para pensar nisso, o homem sorriu com um sorriso
selvagem, lançou-se adiante em dois passos curtos e explodiu a culatra da arma na
testa de Dante.
Fogos de artificio explodiram atrás de seus olhos. Cambaleou e o chão se
aproximou.

Então havia apenas escuridão e o som da risada satisfeita, desaparecendo


rapidamente quando o silêncio engoliu Dante.

O som do telefone tocando tirou Ember de um sono agitado que por fim caiu
justo depois do amanhecer.

Ela levantou a cabeça, piscando contra a luz brilhante do sol que se filtrava
pelas janelas altas ao longo da parede leste e bocejou, olhando ao redor. Estava na
imensa cama de Christian, suntuosa e ele não estava em nenhum lugar.

O telefone tocava, tocava e tocava. Finalmente ela se virou, um modelo preto


de disco fora de moda em uma mesa no quarto. Chamou por Christian e esperou,
mas ouviu apenas o som do telefone em resposta.

Estava nua — seu pijama foi rasgado e provavelmente ainda estava no chão
da biblioteca —quando ela tirou o lençol da cama e envolveu ao seu redor
enquanto cruzava o quarto. Sentindo uma combinação de ansiedade, temor e
ambivalência ela colocou a mão no receptor e ficou ali se debatendo consigo
mesma enquanto o telefone tocava.

Deveria atender? Deveria voltar para a cama? No caso deveria ser uma dama
e atender?

Sua mente se concentrou nesta ideia e a curiosidade foi maior. Ela decidiu pelo
sim, que seria uma dama e anotaria a mensagem para o que estava na linha.
Ela pegou o telefone. Justo quando estava a ponto de dizer olá, a voz cortante
de Christian chegou do outro extremo.

—Sim.

Atendeu de algum outro lugar da casa. Atenderam ao mesmo tempo. Estava a


ponto de desligar quando ouviu a voz masculina com sotaque, muito parecida com
a de Christian, mas mais sombria, muito mais tensa.

—Uma maldita secretária eletrônica seria pedir demais?

—Estava fora no jardim. Vendo o amanhecer. Levei um minuto para entrar.

A voz de Christian estava calma e sem remorso, por alguma razão estranha,
Ember sentiu orgulho dele, de pé até que a pessoa arrogante que ligou desistisse.

A pessoa arrogante que ligou fez um som descontente que também conseguiu
soar cheio de ternura. — Vendo o amanhecer? Que terrivelmente romântico. Está
ficando suave com a idade, irmão?

Assim que este era o irmão mais velho de Christian, Leander. Os dedos de
Ember apertaram ao redor do telefone. Ela pressionou o botão de mudo, para que
não a ouvissem do outro lado. Não havia como desligar agora.

—Não tem nem ideia. — Respondeu Christian.

Houve uma pausa enquanto Leander absorvia isto. Logo disse. —Recebi sua
mensagem. Encontrou o filho da puta.

Christian suavemente exalou e fez um ruído de acordo.

—Conte-me tudo.
Havia um tom de comando na voz de Leander, suave, mas firme, com uma
nota de obediência assumida. Claramente, este era um homem acostumado a ser
obedecido.

—Senti o cheiro puramente por acidente. Estive perto do lugar antes, mas o
vento estava do outro lado ontem à noite e tive sorte. Estão em um bunker
abandonado nas colinas da cidade.

—Bunker? — Leander parecia surpreso.

—Um remanescente da Guerra Civil Espanhola. — A voz de Christian era de


admiração apesar da má vontade. — É perfeito, na verdade. Uma boa visibilidade
de dentro, bem escondida desde o exterior, fácil de proteger. Provavelmente há
saídas escondidas por todo o lugar, também. E pelo que fui capaz de reunir pela
internet, a rede de tuneis e câmaras por baixo destes bunkers são extensas. Há
muito espaço para crescerem.

—Mas como se mantém fora da vista? Um lugar como este estaria cheio de
turista que gostam de história.

—O governo fechou toda a área há décadas atrás com arame farpado. Ao


parecer há minas terrestres sem explodir em todo o lugar, que sobraram da guerra.
Eles não possuem dinheiro o suficiente para fazer a limpeza necessária, assim
apenas bloquearam para o público.

—Jesus. — Disse Leander. — Quanto tempo pode permanecer uma mina


terrestre ativa?

—Não tenho certeza. O plano do governo é apenas sair da área sem tocar até
que todas as minas desapareçam, mas...
—É um esconderijo perfeito para um ninho de ratos. — Leander terminou,
sua voz dura.

—Exatamente. E pelo que pude sentir, não tem munições onde estão e evitam
algumas práticas, não há perigo para sua colônia, mas qualquer outra pessoa que
se aventurar ali kaboom!

Seguiu um longo e tenso silêncio. Ember conteve a respiração, esperando que


nenhum deles pudesse sentir as batidas de seu coração trovejando pela linha
telefônica.

—Tomará... cuidado esta noite, verdade?

Leander soava brusco, mas sob um tom sério, Ember ouviu a angustia pura.
Tomar cuidado... ela imagina que isto se referia a matar Cesar. As mãos de Ember
tremiam tanto que era difícil segurar o telefone no ouvido.

Christian soltou outra exalação suave. — Não, amanhã à noite. Tudo está
pronto, mas não posso... preciso de um último dia.

A respiração de Leander era forte o suficiente para ser ouvida como se


houvesse pronunciado algo. Sua voz estava baixa. — Entendo.

—Não, na verdade não o faz.

—Christian...

—Conheci alguém.

Estas duas palavras se soltaram: seu coração ameaçou explodir e pegou tanto
Ember como Leander de surpresa. Houve um silêncio longo e cavernoso.

—Uma mulher. — Christian começou a explicar, mas Leander o cortou.


—Meu doce Deus, está louco?

Era evidente que estava horrorizado, horrorizado e furioso. Gritou as palavras,


ecoando pelo linha.

Mas Christian apenas recebeu a ira de seu irmão. Então se rompeu. — Sim,
estou louco! Devido ao que as pessoas sãs não se oferecem como voluntários para
missões suicidas com frequência!

E com isso, o mundo de Ember desmoronou.

Deixou-se cair de joelhos em silêncio com o telefone apertado no punho,


congelada, cega, surda a tudo exceto a estas palavras, que se repetiam uma e outra
vez em sua mente.

Missão suicida.

Missão suicida.

Com as peças do quebra-cabeças sombrio, torcido, tudo se encaixava no lugar.


Todas as pequenas coisas que disse, os detalhes de seus planos e propósito, a
investigação que fez pela internet, a expressão de seu rosto, o olhar em seus olhos
quando ele disse que seria cuidada pelo resto de sua vida. Agora tudo tinha perfeito
e horrível sentido.

Estava ali para matar o homem que matou o Papa, com certeza. Mas, segundo
o relato de testemunhas da Guarda Suíça, que enfrentaram Cesar, disseram que
não podia morrer. Recebeu dezenas de disparos e se restabeleceu em questão de
segundos com um sorriso.
Então, como matar um homem que não podia morrer? Incinerá-lo em um
super incêndio? Derretê-lo no aço fundido? Cortá-lo em pedaços em uma
explosão?

Ela não sabia. Mas se uma arma não funcionava, teria que ser algo mais
violento, algo que poderia destruir todo rastro de sua forma para que não pudesse
se regenerar.

—Qualquer coisa que se possa fazer será feito, trata-se de uma lei natural. Infelizmente, às
vezes a natureza precisa de uma mão... e alguém disposto a sujar as mãos com isto.

Christian lhe deu esta explicação quando abordou o tema em um de seus


passeios. Por seu tom sombrio e seu cenho franzido mais sombrio ainda que
entendeu como o final da conversa, mas então suspirou e olhou para o horizonte.
Segurou a mão dela e uma expressão tranquila de melancolia substituiu o cenho
franzido. Logo, em voz baixa, inquieta acrescentou. — Às vezes os sacrifícios precisam
ser realizados por um bem maior.

—Sacrifícios? Como quais? — Perguntou bruscamente, ao ouvir ser tom de voz.


Ele a olhou e sorriu, balançando a cabeça como se quisesse dissipar um
pensamento desagradável.

—Como ficar longe de você quando a única coisa que quero é passar cada minuto ao seu
lado.

Então a beijou, suavemente tocando seus lábios até que ele se afastou, mas foi
o suficiente para distraí-la. E suas palavras foram suficientes para fazê-la deixar o
tema.

Mas agora sabia sobre qual sacrifício Christian estava falando... era ele.
O que ele planejava para Cesar, qualquer que fosse o mecanismo que decidiu
usar para matar o homem impossível de matar, também levaria sua própria vida
no processo.

E seria no dia seguinte.

Amanhã.

Uma onda de pânico quente caiu sobre ela. Tremendo incontrolavelmente, em


estado de choque, ela se apoiou na mesa, incapaz de suportar seu próprio peso.

Leander explodiu. —Jesus, Christian! Você se envolveu com uma mulher


humana? De todas as coisas estupidas para se fazer! O quanto ela sabe...

—Ela é digna de confiança! — Christian gritou. — Ela nunca faria nada que
me colocasse em perigo...

—Não apenas você... mas o resto de nós também! Como sabe que não é uma
espiã tentando conseguir informações sobre o restante das colônias?

—Pelo amor de Deus, Leander! Dê-me um pouco de crédito!

—Há uma grande recompensa por nossas cabeças Christian! Acha que alguma
humana irá deixar passar a oportunidade de tirar proveito dis...

—Está falando da mulher que eu amo!

Foi primordial quando Christian gritou estas palavras e o corpo de Ember


reagiu a elas a nível puramente primitivo. Ela congelou logo ficou quente. O suor
explodiu sobre todo seu corpo. O coração martelava contra o peito e a opressão
era tão forte que precisou lutar para respirar. Foi apenas quando sentiu pingar
sobre sua perna nua que percebeu que estava chorando.
Leander e Christian estavam respirando com dificuldade, em silêncio, a tensão
entre eles densa e afiada como faca. Finalmente a voz de Leander, mortal e suave,
cortou o silêncio.

—E esta mulher que ama, sabe o que irá fazer? Sabe que há uma bomba sobre
sua cabeça?

Christian não respondeu.

—Certo. Então, o que acontecerá uma vez que você se for? — Sua voz ficou
instável. —Vamos assumir idiota, por um momento que tem razão, ela é digna de
confiança. Não dirá nada a ninguém, todos nossos segredos estarão a salvo com
ela. Pensou no que sua morte fará a ela?

Com voz trêmula, Christian disse. — Ela será cuidada. Fiz todos os arranjos.
Está casa será dela, minha herança irá para ela...

—Assim que é uma caça-fortunas, então? O único que importa é o dinheiro?

Leander estava sendo um idiota, mas Ember sentia o ponto que tentava fazer.
E o mesmo percebia Christian, o que foi demonstrado pela angustia em sua voz,
quando gritou a resposta.

—Sei que é errado, certo? Sei que fodi tudo e ela irá se machucar e sou o maior,
maior imbecil e mais egoísta do mundo, mas não queria que acontecesse! Que
porra quer que diga, Leander? Não queria que acontecesse, mas me apaixonei por
ela! Ela me faz sentir vivo! Ela me faz sentir que minha vida não foi uma perda
total! Ela me faz feliz, pode entender isto, verdade? Ela me faz feliz como Jenna
o faz feliz. Alguma vez houve outra opção para você quando se apaixonou por
ela? Teve algum controle sobre isto? Disse ao seu coração: não, não vá por aí, é
estupido e perigoso? Porque acredite, eu tentei! E não consegui fazer o maldito
ouvir!

Depois da explosão de Christian, o silêncio de Leander se sentia mortal.


Perguntou em voz baixa. — E ela sente o mesmo por você?

Houve uma pausa cheia do som da respiração difícil de Christian. Ele


sussurrou. — Sim.

—Então sinto muito por ela.

O tom de Leander mudou por completo. Desapareceu o sarcasmo, a ira, a


indignação e em seu lugar ficou o cansaço e uma espécie amarga de decepção. —
Porque prefiro cortar meu próprio braço que fazer algo para ferir minha mulher.
Mas deixou que se apaixonasse por você, sabendo que não havia futuro para os
dois, sabendo que ficar com você iria colocá-la em perigo, sabendo que não
haveria nada para ela, a não ser dor. Você irmão, é um bastardo.

—Eu sei. — Interrompeu a voz de Christian. Parecia perto das lágrimas. — E


odeio a mim mesmo, acredite. Mas simplesmente não podia ficar longe. Não
posso... não posso respirar sem ela, Leander. Tentei, tentei muito forte deixá-la ir.
Mas não pude. Meu coração não me deu uma escolha.

Ouviu-se uma maldição entre dentes, um suspiro longo e depois mais silêncio.
Por último, soando como uma renúncia, Leander perguntou. — Como posso
ajudar?

Christian respirava irregular e Ember o imaginou ali de pé, com a mandíbula


apertada e seu lindo rosto vermelho enquanto passava a mão pelo cabelo. Disse
com voz rouca. —Depois, quando for... ela precisará de apoio. Ela não tem
família... precisará de alguém.
—Estaremos ali. — Foi a resposta imediata de seu irmão.

—Deus... obrigado Leander. — O alivio na voz de Christian era palpável, mas


Ember mal ouviu sobre a tormenta de gelo uivando dentro de sua cabeça.

Christian iria morrer.

Amanhã.

Impossível! Gritou sua mente, retrocedendo ante o horror disso. E então,


enquanto Christian e Leander continuavam conversando, ficando as vozes cada
vez mais longe, Ember sentiu uma repentina e feroz convicção de que Christian
não iria morrer.

Porque iria salvá-lo.

Olho por olho. Dente por dente. Sua própria vida em troca da dele. Então, talvez
por fim, sua alma seria livre.

Ela iria descobrir qual o plano e colocar em prática ela mesma.

Ember esperou até que Christian e Leander desligassem, logo com mãos
trêmulas, pouco a pouco devolveu o telefone a seu lugar. Sabia que se ele a
encontrasse assim, imediatamente seria capaz de dizer que algo estava errado,
assim obrigou a si mesma a se levantar, arrastou-se pela mesa com os braços ainda
trêmulos se apoiando nela e foi com passo inseguro até o banheiro. Deixou o
lençol no chão, abriu o chuveiro e colocou-se debaixo dele, sem saber se estava
frio ou quente, se estava ardendo ou congelando, já que todos seus membros
estavam estranhamente insensíveis ante o peso de sua nova decisão.

Salvá-lo.

Sim, isto era exatamente o que faria.


A decepção não era algo com que Treze estava acostumado, mas enquanto
ficava parado na inclinação, rodeado pela luz da nave central da inacabada Sagrada
Família, olhava para as colunas altas, desenhadas para parecerem um bosque de
árvores levantando-se do chão até o grande teto abobadado, achou tudo feio e
não ficou feliz.

Neste dia nada estava dando certo.

Primeiro foi atrasado no hotel por um grupo de homens estranhos que


caminhavam ao redor do vestíbulo como tubarões inquietos. Mal conseguiu passar
pelo grupo sinistro, quando um homem vestido de preto chegou a rua onde ele
esperava pegar um taxi, quando todos saíram do hotel em massa e passaram a
frente dele em um desfile de carros negros com vidros escuros e paravam na
calçada. A fila de carros bloqueou os demais por mais de alguns minutos e até
mesmo o tráfego na rua estreita, até que outro homem apareceu através das porta
de vidro giratórias do hotel.

Treze estreitou os olhos no recém-chegado. Grande, calvo e branco como a


neve na luz do sol, com cicatrizes de queimaduras de um lado de seu rosto
sombrio, caminhando com passo decidido, rígido, como se sentisse dor, mas
tentando não demonstrar.
Intrigado, Treze viu quando o grande albino entrou no primeiro SUV e se
afastou com os demais atrás dele como patinhos atrás da pata mãe, todos em fila.
Entrou novamente no hotel e discretamente perguntou a recepção quem eram os
homens que acabavam de sair.

—Sacerdotes. —Foi a resposta da recepcionista. — Do Vaticano.

Se aqueles homens fossem sacerdotes do Vaticano, ele era o Mickey Mouse.

Mas decidiu investigar isto mais adiante e finalmente pediu um taxi para levá-
lo a primeira parada do dia: as catacumbas debaixo da Igreja Sant Just, uma das
igrejas cristãs mais antiga da cidade, que datava do século IV. Muito menor que as
sob Paris, onde as criaturas que caçava uma vez viveram, estas catacumbas eram
mais escuras e mais estreitas.

Era apenas sua primeira parada. Havia muitas outras, muitos esconderijos
subterrâneos em sua lista.

Nos últimos dias explorou as partes do metrô que caiu em um poço e estava
abandonado. Explorou o sistema de esgoto, as pedreiras e as escavações
arqueológicas da antiga cidade subterrânea. Procurou em outras três igrejas, duas
catedrais e um castelo, todos com rumores de terem catacumbas ou grandes
fortificações subterrâneas, mas não encontrou nada.

E justo agora antes do entardecer, com as mãos vazias no meio da construção


da Sagrada Família com vários turistas conversando em uma dezena de idiomas
diferentes, não estava feliz.

Suspirou e colocou a mão no bolso do casaco. Dele puxou uma lista


datilografada, enviada pelo Presidente. Havia meia dezena de lugares além dos que
visitou até agora e o último na lista parecia interessante. Bunkers da Guerra Civil
Espanhola, com as coordenadas do mapa ao lado do nome. Decidiu visitá-lo na
primeira hora do dia seguinte.

Quando chegou ao hotel, se surpreendeu ao encontrar a recepcionista com


quem conversou antes, atender tranquilamente agentes uniformizados da polícia
municipal. Passando por outro hospede que parou perto da porta para olhar o par
de policiais, Treze perguntou. — O que está acontecendo?

O hospede respondeu com desgosto, o canto do lábio superior se erguendo.


— Alguém estrangulou um animal e o jogou na piscina de trás. Ao parecer, ficou
flutuando ali por dias antes do jardineiro o encontrar, inchado como o inferno. —
Treze sabia que a piscina ficava fechada no inverno, o pequeno cartaz na recepção
garantia isto. O hospede, um homem de uns cinquenta anos, com o cabelo curto
e grisalho, todo pastoso, se parecia com alguém que gostava de comida e fazia
muito pouco exercício. — Pode acreditar?

De fato, Treze não tinha nenhum problema em acreditar nele. As pessoas


faziam todo tipo de coisas estranhas. Sua curiosidade aumentou e perguntou. —
Que tipo de animal?

Com um olhar irônico em sua direção, o homem respondeu. —Uma cabra.

Logo se afastou, enquanto Treze refletia sobre o tipo de pessoa que


estrangularia uma cabra e a jogaria em uma piscina pública. Uma pessoa doente,
sem dúvida, mas uma cabra parecia uma escolha estranha. Porque não um gato ou
um cão, algo um pouco mais fácil de encontrar no meio da cidade e sem dúvida
um animal mais discreto que um de fazenda e intratável?

Observou o pessoal de controle de animais em roupas caqui transportar um


volume coberto por um lençol branco pelo vestíbulo em uma maca. O brilho
escuro da pata se projetava por baixo do lençol e lhe ocorreu que uma cabra era
muito mais simbólica que uma mascote. Os cães não eram usados historicamente
como oferendas pelo pecado, enquanto as cabras... bom, havia uma razão por trás
do termo bode expiatório.

Uma razão bíblica.

Dois e dois somaram em sua mente como uma lâmpada se acendendo e Treze
sorriu para si mesmo, perguntando-se quando os sacerdotes chegariam ao hotel.

Ele adoraria ter uma conversa agradável com o albino.

Um sobrevivente do campo de extermínio de Majdanek na Polônia durante a


Segunda Guerra Mundial, Úrsula Admowicz era uma mulher que há muito tempo
foi despojada do medo.

A idade de dez anos, viu seus pais serem assassinados ante seus olhos,
sobreviveu ao estupro, os golpes, a fome e a tortura, foi obrigada a ver como
milhares de compatriotas eram eliminados sistematicamente por meio tanto de
pelotões de fuzilamento como queimados vivos. Uma vez que o campo foi
fechado em 1944, foi viver com um parente longínquo na Espanha, mas eram
pobres e a vida era dura. A vida nunca foi qualquer coisa menos que difícil para
Úrsula e não esperava que não fosse.

Assim que o homem de pé diante dela com uma arma apontada para seu rosto
não era uma grande surpresa. Ou uma ameaça, no caso.
—Que apartamento? — O homem de cabelo escuro grunhiu, segurando um
desenho de uma mulher jovem.

Úrsula observou o desenho. Muito bom, pensou. O artista tinha talento.

—Duzentos e quatro. — Ela respondeu com calma, apontando o final do


corredor. — Mas ela não está em casa, não está já alguns dias.

O homem deu um passo adiante de forma ameaçadora, tenso e com os olhos


desorbitados, mas Úrsula se limitou a levantar as sobrancelhas para ele, negando-
se a dar um passo atrás e entrar em seu apartamento. Era evidente que não
esperava isto e piscou confuso.

—Não sei qual seu negócio com ela e não me importa. — Disse sem rodeios,
olhando para o cano da arma de prata. — Mas me importa se manchar de sangue
o tapete. Manchas de sangue não saem. —Úrsula sabia de primeira mão e por
experiência de que tecidos e materiais manchas de sangue poderiam ser removidas.
— Assim que nada de sangue no tapete, certo?

O homem piscou novamente e Úrsula fechou a porta em sua cara.

Logo, com uma ideia melhor, voltou a abrir a porta. — Ela trabalha na pequena
livraria na Baixada Viladecols — Antiquário ou algo pelo estilo. Seis dias na
semana. Irá encontrá-la ali.

Logo fechou a porta novamente em seu rosto.

Esperou uns minutos, até que o som de passos se afastaram na noite e logo
pegou o telefone e marcou um número que escreveu há um mês e pregou na
geladeira com um imã. O número foi amplamente anunciado na televisão, rádio e
jornais de nível internacional e local, mesmo nos jornais de fofoca que Úrsula
costumava ler. Era uma linha telefônica de recompensa por qualquer informação
que levasse a captura do notório terrorista que matou o Papa, o homem conhecido
apenas pelo nome de Cesar.

Úrsula sabia que o homem em sua porta não era Cesar. Mas aqueles olhos
negros de meia-noite, o cabelo escuro, os pômulos altos e brilhantes, dentes
afiados, com certeza parecia muito similar. Era uma daquelas criaturas, com
certeza.

E sabia onde se dirigia. Este tipo de informação poder ser muito, muito
lucrativo com certeza.

—Tenho que sair por um momento.

Obviamente surpresa, Ember olhou para Christian da cadeira no pátio traseiro


e cobriu os olhos para fazer sombra por causa da luz do sol poente. Encontrou-a
ali, olhando além do jardim de rosas para a linha escura no bosque a frente, com
as pernas levantadas sob o queixo, pensativa e silenciosa.

—Oh. Certo. Nos vemos mais tarde.

Christian franziu o cenho a esta resposta. Não: aonde vai? Não: posso ir com
você? Não parecia com ela.

Por outra parte, estava atuando estranha todo o dia. Foi ao seu quarto depois
da ligação de Leander de manhã para a encontrar de banho tomado, vestida e de
pé na janela, com os braços dos lados, respirando profundamente e olhando o
vazio. Como estava fazendo agora. De acordo com seus instintos algo estava
errado, abriu seu nariz tentando sentir o sabor agridoce da tristeza, a acidez amarga
do medo e o calor que delatava a ira.

Sentiu apenas o perfume de sua pele, baunilha e flor de laranjeira. Ele suspirou
de alivio, aproximou-se dela e lhe deu um beijo na cabeça.

—Está com fome? Posso pedir comida...

Ela o surpreendeu olhando em seus olhos e disse em voz baixa. — Apenas


tenho fome de você, Christian. Sempre você.

Ela se aproximou, segurou seu rosto e puxou-o para dar-lhe um beijo febril e
exigente. Ele se separou com um gemido quando sentiu o desejo tão familiar entre
as pernas e riu com os dentes apertados, puxando-a fora da cadeira e envolvendo
seus braços ao redor dela. Esfregou o rosto em seu pescoço, inalando o aroma
limpo de madeira em seu cabelo.

—Gosto de ouvir isto. Mas nunca farei nada se continuar me beijando assim.
— Disse sorrindo.

—Quanto tempo ficará fora? — Perguntou em sua camisa, sua voz ainda
baixa.

Acariciou seu cabelo e suas costas, do nariz até a garganta, onde uma veia
pulsava. — Uma ou duas horas.

Agendou uma reunião com o gerente de seu banco local, iria finalizar os
documentos para transferir todos seus ativos e dinheiro para Ember. Era como
disse, estaria bem cuidada pelo resto de sua vida. Esta era a única coisa que estava
determinado a se assegurar.
Ela inclinou a cabeça para trás e o olhou, com os olhos ensombrecidos e
intensos, com o olhar em seu rosto como se tentasse memorizar suas feições. A
inclinação da luz solar presa em seus cílios deixava as pontas douradas como pó
de fadas.

Em algum lugar no jardim, um pássaro começou a cantar, notas que subiam e


desciam, inquietantes e doces.

—Estarei esperando por você. — Sussurrou, olhando profundamente em seus


olhos. —Não demore muito.

Christian franziu o cenho, seguro de que algo estava fora de lugar, um


significado oculto sob estas palavras em seu tom de voz e o canto dos pássaros
que insinuavam algo, mas logo sorriu para ele e seu coração se derreteu como
manteiga sobre uma torrada quente.

Ela o beijou outra vez e logo o empurrou, sem deixar de sorrir. —Vá. Faça seu
trabalho. E quando voltar... — Levantou uma sobrancelha sedutora. — Teremos
o jantar na cama.

—Oh que tentadora. — Disse sorrindo com amor. — Não imaginava isto.

Ela lhe lançou um beijo, ele se virou e saiu, ansioso pelo que lhe esperava, para
voltar aos seus braços.

Com vontade de fazer valer cada segundo que tinha.

Ember o viu se afastar e sentiu toda sua calma e falsa valentia, que levou todo
o dia para aperfeiçoar, desmoronar.
Um soluço subiu pela garganta, sufocou-o no dorso da mão. Não podia chorar
agora, não quando ele ainda estava por perto, não quando ela ainda tinha muito
para fazer.

Teria tempo suficiente para chorar depois.

Sabendo que era capaz de sentir seu estado de ânimo, teve absoluta certeza de
sufocar qualquer emoção com exercícios de respiração e visualização que
aprendeu há muitos anos na primeira vez que fez terapia. Calma era um estado
relativamente fácil de conseguir se soubesse como... mas extraordinariamente
difícil de manter durante horas, com a adrenalina inundando o sistema nervoso.
Ela o fez com muita força de vontade que nem sequer percebeu, porque precisava
enganar Christian para poder salvá-lo.

Foi para a sala e observou o Audi de Christian lentamente se afastar da calçada


circular e desaparecer pela estada de grama. Logo se virou e correu para a escada
em caracol, seu coração pulsava como um tambor cada nervo como fogo.

Comprovou o quarto principal primeiro. Armários, escritórios, sob a cama, o


banheiro. Nada. Ela revirou as gavetas na biblioteca, virou as caixas para encontrar
apenas arquivos, olhou os armários e os escuros nichos empoeirados no ático.

Nada.

Quarto por quarto, percorreu a mansão, procurando qualquer coisa mortal,


qualquer veneno, bombas ou dispositivos de aspecto estranho, qualquer coisa que
gritasse: matar!

Mas não encontrou nada. Até mesmo procurou no quarto de Corbin, já que
saiu com Christian, no quarto da governanta porque saiu para fazer comprar e no
quarto do jardineiro, que estava fora do lado leste da propriedade, cortando a
grama. Não havia uma só coisa em toda a mansão que insinuasse perigo, ao menos
nada que foi capaz de encontrar.

A frenética busca demorou mais de duas horas. O sol havia descido no


horizonte. A qualquer momento, Christian voltaria e sua janela de oportunidade
desapareceria.

Presa pelo pânico, agitada com a tensão a ponto de explodir em um choro


histérico, correu para a porta traseira e olhou selvagem ao redor do elegante pátio,
o jardim com um labirinto, a fonte borbulhando rodeada por um círculo de pedras
irregulares.

Foi então que viu o depósito de madeira.

Triste e decrepito, estava a sua esquerda, parcialmente escurecida por um


emaranhado de galhos. No momento que viu, soube que era onde tinha que ir.

As dobradiças fizeram um gemido assustador quando abriu a porta. Estava


escuro e empoeirado, cheio de teias de aranha e cheirava a madeira úmida e
fumaça. Não havia luz, assim que ficou quieta por um momento, permitindo que
seus olhos se acostumassem e apenas olhou ao redor.

Havia um cordão de madeira, balançando ao longo da parede. O chão de terra,


uma pequena estante com serras e ferramentas, uma grande caixa de plástico perto
da parte traseira.

Na frente havia um grande cadeado, brilhante e evidentemente novo.


Diferente de todo lugar, não estava coberto por uma capa grossa de poeira.

O coração de Ember começou a bater mais forte.


Grande o suficiente para caber um corpo, pensou com temor enquanto passava a
mão pela tampa lisa de plástico. A compreensão de que Christian poderia guardar
a chave em algum lugar na casa ou mesmo com ele a todo momento, não a
impediu de procurar. Olhou nas bordas da tampa, ao redor da parte de baixo,
forçou a vista para qualquer canto pequeno ou uma fresta nas paredes onde se
poderia esconder uma chave. Olhou por todas as partes, até que o chão de terra
finalmente revelou uma pista.

Na terra havia dois pares de pegadas. A sua e uma muito maior. Se cruzavam
em alguns lugares, mas havia um lugar onde as suas não estavam, na estante de
ferramentas na parede oposta.

Ember parou na frente dela e a olhou, cada célula de seu corpo gritando para
que se apressasse. Na parte de trás da estante inferior, além da serra de mão, o
martelo oxidado e a furadeira, havia uma pedra. Uma pedra sem pó que levava a
um fundo perfeitamente plano.

Um fundo que se abriu quando torceu, revelando uma pequena chave de prata.

Ember pegou-a do esconderijo e foi para a caixa de plástico no chão,


colocando a chave no cadeado. Abriu a tampa, olhou seu conteúdo e sentiu todo
o sangue sumir de seu rosto. Sua boca se secou e seu coração quase parou em um
ponto morto dentro de seu peito.

Ela encontrou o que procurava.


Em retrospectiva, o plano de Ember não era muito de um plano. De fato,
poderia ser chamado com muita precisão de um exemplo clássico de pensamento
delirante.

Não era estupida, percebeu como seu plano era pobre, mas era a única opção
disponível. Quando o taxi deslizou na porta principal da mansão, ela desejou ser
religiosa. Dadas as circunstâncias do momento, uma oração viria bem.

O celular no bolso da jaqueta tocou e ficou sem fôlego, surpresa com os nervos
aflorados. Atendeu com mãos trêmulas, engolindo o choro histérico que ameaçava
explodir em sua garganta.

—Olá?

—Ember! Oh Deus meu, ouviu sobre Dante?

Era Asher, gritando com ela do outro lado da linha. Inclinou-se para frente no
assento, os músculos tão rígidos como o couro velho. — O que foi? O que
aconteceu?

—Foi atacado por um psicopata com uma arma que estava procurando você!

No momento exato o fôlego abandonou seus pulmões e Ember viu o Audi


negro de Christian voando do lado oposto da estrada na montanha certa de
metade de uma milha de distância. Ela se deixou cair no assento traseiro, apertou-
se contra ele e sussurrou no telefone. — Oh Deus, não! Ele está bem? Conte-me
o que aconteceu, está ferido? Onde ele está? Onde está Clara?

Terror escuro a abraçou, se apoderou dela. Agarrou o telefone com tanta força
que pensou que quebraria em sua mão.

—Os dois estão no hospital. Clara não estava em casa neste momento, graças
a Deus! Começou seu tratamento para fibrose cística. Dante ficará bem, mas jesus
cristo Ember, um homem armado está procurando você!

Ember engoliu, lutando contra o pânico que queria abrir caminho fora de seu
peito. — Eu sei.

Asher ficou sem folego. —O que? Como sabe se não sabia sobre Dante?
Esqueça, onde está? Irei buscá-la e vamos até a polícia...

—Não. Sem polícia. Vou cuidar disso eu mesma.

Sua voz, ainda que trêmula, era firme o suficiente para dar a Asher uma pausa.
— Que porra está falando? — Exigiu. — Isto tem a ver com Christian?

Ela não lhe disse que estava com Christian, porque neste momento pensou
que fosse temporário e voltaria ao seu apartamento antes. Não lhe contou que era
um alvo de um assassino em série, que Christian estava em uma missão suicida ou
que ela decidiu cuidar deste último sozinha. Neste momento, sabendo que tinha
apenas poucas horas, pensava que realmente havia apenas uma coisa importante
que Asher deveria saber.

—Eu te amo, Ash. — Ela disse e agora sua voz estava agitada e se rompeu.
Lágrimas começaram a se reunir, quente em seus olhos. —Você foi o melhor que
qualquer pessoa poderia ter e agradeço tê-lo conhecido.
Ela sentiu sua surpresa, seu crescente horror ao perceber que algo estava
errado, muito errado. — Ember. O que for, podemos lidar com isto juntos...

—Quero que saiba que não importa o que aconteça, tudo ficará bem para mim.
Eu te conheço, não se culpe. É incrível, eu te amo e... e...

Ela precisou parar porque sua garganta se fechou. As lágrimas começaram a


rodar por suas bochechas e as secou com o dorso da mão. — Eu te amo, isso é
tudo, certo?

—Ember! Maldição! Que porra está acontecendo? Onde está...

—Adeus. — Sussurrou Ember e desligou o celular.

O único som no carro durante uns momentos foi o flamenco tocando no


rádio. Ember imaginava que o motorista não falasse inglês ou estava acostumado
com mulheres histéricas no assento traseiro de seu taxi, despedindo-se chorosas
de seus melhores amigos.

O telefone voltou a tocar. Imaginando ser Asher, quando olhou a tela se


surpreendeu ao ver que era sua madrasta, Marguerite.

Lembrou-se de um documentário que viu na televisão sobre os métodos de


tortura antigos. O que lhe pareceu pior de alguma forma foi o apedrejamento, não
do tipo que as pessoas jogavam pedra no outro até a morte, mas do tipo que ficava
deitado no chão e uma grande pedra era colocada sobre seu peito, logo o peso
quebrava seu peito e esmagava os órgãos.

Quando olhou para o telefone, sentiu exatamente isso.

Atendeu murmurando. —Olá.


—Bem, olá September. — Veio uma voz masculina desconhecida, sedosa e
ronronando, sombria. — Fico feliz por ter atendido ao telefone. E sua madrasta
se alegra também.

No fundo, Ember ouviu um trêmulo e longo gemido de dor e todo seu corpo
se arrepiou.

—O que quer?

A pessoa estalou a língua. — Vou dar-lhe três chances pequenas. Mas


aconselho que seja rápida, não tenho certeza do quanto nossa Marguerite aqui
possa aguentar. Tivemos um pouco de diversão, mas a velha égua cinza está
desmoronando rapidamente.

—Cesar. — Respirou ela, sufocada pelo terror.

—Bingo! — Foi a resposta encantada.

—Filho da puta!

Gritou Ember quando percebeu que Cesar neste momento, estava torturando
sua madrasta. Apesar de odiar a mulher com frequência desejar algo ruim a ela,
cair nas mãos de Cesar não era algo que desejasse a ninguém. O taxista lhe lançou
um olhar desinteressado pelo retrovisor e logo voltou sua atenção para a estrada,
mais outra rotina.

Do outro lado da linha, Cesar riu de alegria. —Oh querida! Alguém soa um
pouco irritada. Bom, sei o quanto é horrível quando as coisas não saem bem. Mas
sem dúvida precisa saber que não tenho interesse em — perdão — em você, não
é tão interessante assim. Sabe o que quero. — Sua voz endureceu, perdendo toda
leveza lúdica e como uma serpente, disse com dentes apertados. — Dê a mim e
sua madrasta viverá.

A mente de Ember era um emaranhado repentino de penas de ganso. Isto não


era o que esperava. Teria que conseguir que Cesar deixasse Marguerite ir antes que
fizesse algo, mas como?

—E-eu preciso de uma prova que ela está bem. Precisa me deixar vê-la
primeiro.

—Simplória e estupida, hum? Ela não irá a nenhum lugar até que eu tenha o
que quero.

Ember engoliu, estremecendo forte. — Não sei onde está neste momento. —
Disse ela, tentando ganhar tempo para pensar.

—Que eu me preocupe com os detalhes, September. Assumo que tem uma


forma de entrar em contato com ele?

Ela sussurrou. — Sim.

Cesar fez um ruído de aprovação. — Apenas precisa vir a mim e cuidarei do


restante. Uma vez que tiver o que quero, você e sua madrasta podem ir. Como
disse, não tenho nenhum interesse em você. É apenas o meio para um fim. Dê-
me o que quero e nenhuma das duas irão se machucar. Ou...

Houve uma pausa e logo um grito veio da linha, era agonizante e horripilante.

—... irei fazer com que ambas sofram tanto que implorará pela morte e não a
darei. — Sua voz se reduziu a um sussurro e a pele de Ember se arrepiou com
horror.

O que estava fazendo com Marguerite, estava gostando.


—Onde... para onde devo ir?

—Sua livraria. —Houve uma leve pausa, outro grito de Marguerite, logo
acrescentou sombriamente. — Melhor se apressar. — Desligou.

O celular no bolso de Christian tocou e ele respondeu sem olhar a tela.

Sua atenção estava totalmente voltada para o pensamento de Ember, voltar a


ela e tê-la em seus braços. Ele e Corbin estavam quase em casa e não faltava muito.
E nas duas horas que a deixou, Christian teve uma revelação.

Não podia fazê-lo.

Não podia deixá-la sozinha.

Ficou sentado ali no banco, assinando os documentos de transferência,


olhando fixamente a caneta na mão, quando um pensamento lhe roubou o fôlego.

Ember lhe importava mais que qualquer outra coisa. Sua família, seu futuro,
mesmo sua honra.

Como poderia abandoná-la? Como poderia morrer voluntariamente, agora que


tinha algo tão precioso para viver?

Em poucas palavras, não podia. A ideia de deixá-la queimava como ácido na


garganta.

Assim Christian rasgou os papeis e saiu correndo do banco, pensando


simplesmente que teria que fazer planos alternativos para matar este bastardo do
Cesar. Agora que conhecia seu paradeiro, precisa descobrir alguma outra maneira
de eliminá-lo da Terra e não incluía morrer no processo.

Ember. Isto era em tudo que podia pensar agora. Seu coração batia com força
de antecipação.

Estava tão ansioso para vê-la que até mesmo imaginou sentir seu cheiro. Um
toque de flor de laranjeira brincou em seu nariz e fechou os olhos, respirou fundo
e relaxou no assento de couro luxuoso. Ele deveria ter seu cheiro na camisa desde
o momento que disseram adeus antes, era tão delicioso que sentiu um aperto entre
as pernas. Quase gemeu de desejo por ela.

No telefone disse. — Sim.

—Boa noite, Sr. McLoughlin. Sou a Dra. Katharine Flores. — Disse uma
mulher em resposta. Christian franziu o cenho, sem reconhecer o nome.

—Dra. Flores? Desculpe, nos conhecemos?

—Sou psiquiatra de September. É um bom momento para conversarmos?

A atenção de Christian voltou ao presente e focou no tom da mulher. —Como


conseguiu meu número? —Perguntou ao instante, com violência.

—September deixou seu número como contado de emergência em seu


tratamento.

Christian percebeu várias coisas ao mesmo tempo. Um: Ember o deixou como
contato de emergência durante as duas semanas que não conversaram e na
primeira vez que se consultou, o que significava que pensava que não iria querer
saber nada dela e desligaria. Isto fez seu coração doer, como se alguém houvesse
o martelado. Dois: esta ligação não o deixaria feliz.
Grunhiu. — O que aconteceu?

Ela começou hesitante, sua voz cheia de preocupação profissional. —Bom,


está é uma situação delicada, mas September assinou uma renúncia de sigilo, então
isto me permite comunicar detalhes de seu histórico médico com outros
profissionais da saúde ou da família se fosse necessário para o êxito do tratamento.

—Continue. — Insistiu, sentando-se mais reto no assento. Estava ficando um


pouco difícil respirar.

—E devo admitir, depois de conversar com alguns de seus antigos médicos,


fiquei preocupada com ela. Com sua segurança.

Christian se sentia como houvesse sido injetado com adrenalina. Um suor frio
percorreu seu corpo e seu coração pulsava dolorosamente. Ele disse. — Antigos
médicos?

A Dra. Flores parou um momento que se sentiu como anos. Logo perguntou
em tom suave e compassivo. — Posso perguntar se é consciente do histórico de
Ember de doença mental?

—Doença mental? — Repetiu em um sussurro horrorizado. Tudo além do


som da voz da Dra. Flores sumiu.

—Imagino por seu tom que não. — Ela suspirou. — É muito comum, muitos
pacientes são resistentes a compartilhar este tipo de informação com as pessoas
que lhes importa, temem que irão se afastar.

—Eu... o acidente que matou sua família. Sei que ela estava... estava dirigindo...

—Em termos clínicos chama-se culpa do sobrevivente. É um sintoma de


transtorno de estresse pós-traumático e no caso de Ember é muito grave. As
vítimas se culpam pela morte de outros, apesar de não terem podido fazer nada
para evitar. Encontra-se comumente entre os sobreviventes de combate ou
desastres naturais, mesmo entre amigos e familiares de suicidas. É extremamente
debilitante e em minha experiência clínica, os pacientes com esta síndrome
particular, são propensos a comportamentos autodestrutivos. Inclusive ao ponto
de tirar suas próprias vidas.

Da garganta de Christian saiu um ruído sufocado, incoerente.

—Ember acredita que é responsável pelo acidente de carro que matou sua mãe
e irmão...

—Ela estava bêbada, ela me contou! — Christian disse sufocado. Sua garganta
estava tão apertada que sua voz saia pouco natural. Corbin o olhou pelo retrovisor,
as sobrancelhas altas.

—Esta é a leitura que sua mente adotou para fazer frente a culpa de
sobrevivente. É uma reação adaptativa do estresse suportável. Veja Sr.
McLoughlin, a verdade é que Ember não bebeu, apenas uma cerveja com os
amigos antes de dirigir para casa para buscar sua mãe e irmão naquela noite para
jantar. Ela tinha um nível de álcool no sangue exatamente de zero quando chegou
ao hospital e várias testemunhas declararam que bebeu apenas uma cerveja antes
de entrar no carro. Houve uma investigação exaustiva, como pode imaginar, mas
Ember assumiu toda culpa. O carro simplesmente patinou sob a chuva.

—Mas para Ember, o acidente é sua culpa. Sua mente criou uma versão
alternativa do quanto bebeu naquela noite. Dito de outra forma, o caminho que
sua mente criou para fazer frente a terrível realidade de ser a única sobrevivente
de um acidente que matou sua mãe e irmão mais novo e outras onze pessoas foi
simplesmente... um improviso. O cérebro humano é um monstro bonito, Sr.
McLoughlin. Quando funciona perfeitamente, é um milagre da engenharia. Mas
também possui a capacidade de recuperar as peças aproveitáveis até que não sobre
nada do que você e eu poderíamos chamar de verdade.

—Oh Deus. — Christian sussurrou, lembrando-se com absoluto detalhe o


rosto de Ember quando a expulsou de sua casa naquela noite. O absoluto desprezo
e o desespero sombrio.

Era uma mentira. Ela não matou ninguém. A única culpa era ser uma
sobrevivente quando os demais morreram.

—A razão pela qual digo isto, Sr. McLoughlin, é que gostaria que você se
envolvesse no tratamento, se possível. Quanto mais apoio tiver, melhores a
possibilidade de recuperação. Não sei se ainda corta a si mesma...

—Corta? — Christian disse entre os dentes, doente fisicamente ante a ideia de


Ember se machucar.

—Sim, ao parecer, era um problema quando vivia nos Estados Unidos. Seu
último médico receitou lítio para administrar sua depressão, ainda que duvido que
ela ainda estava tomando... se alguma vez o fez. O medicamento aliviaria a dor.
Dor que acha que merece sentir.

Christian conteve o impulso de gritar. Romper algo com seus punhos. Tirar
algo de sangue.

—Gostaria que você pudesse observar com muito cuidado nos próximos
meses para detectar qualquer sinal de que ela possa se machucar fisicamente e
quero saber. Também... por favor, mantenha esta ligação entre nós dois. Neste
momento de seu tratamento, irá causar mais danos do que bem, se sentir
encurralada. Começarei a sugerir algumas coisas na próxima sessão e talvez depois
de um mês possamos contar a ela. O que acha?

Christian ficou sem fala. Sentia-se como se alguém houvesse cortado suas
pernas pelos joelhos.

—Sei que é muito para processar. Por favor me ligue se tiver alguma pergunta,
uma vez que tiver a oportunidade de absorver tudo isto, talvez possamos
conversar mais.

Como se desde um poço profundo e negro Christian ouviu sua voz


agradecendo e se despedindo.

Quando chegou em casa, sentiu a ausência de Ember como uma frieza sólida
dentro do peito assim que cruzou a porta principal. Passou pelo quarto chamando
seu nome, ligou em seu celular uma e outra vez, mas não atendeu.

Logo encontrou a carta.

Sobre o Steinway, onde fizeram amor, estava dobrada em três parte e em um


envelope junto com a corrente que usava sempre, a corrente fina com as alianças
de seus pais.

A carta partiu seu coração e quase o arrancou do peito, deixando-o


ensanguentado no chão.

Então, quando viu a porta aberta do depósito de lenha, a caixa de plástico


dentro vazia, a dor se converteu em pânico e depois em horror, deixando suas
extremidades frias e adormecidas.

Porque sabia exatamente o que Ember faria.


Querido Christian,

Enquanto escrevo estas palavras, estou sorrindo. As pessoas usam a palavra “querido” todo
o tempo sem pensar no que significa, por isso é exatamente o que é para mim: querido. Amado.
Nunca imaginei que iria sentir por alguém, muito menos alguém tão incrível como você. Disse
que o faço se sentir livre, mas você me deu algo melhor, algo que nunca serei capaz de expressar,
ao menos não da forma adequada, não com palavras.

Você me mostrou o caminho que leva ao diabo.

Por isso, te amarei para sempre.

Quero que saiba que percebi que isto não será fácil para você. Sei o quanto isto o machucará,
como irá se culpar, como vai desejar algo diferente. Sinto muito. Sei que não acredita quando
digo que, porque é verdade. Mas você é forte e estou muito fraca para sobreviver a isto. Por favor,
me perdoe. Por favor, viva sua vida e encontre outra pessoa que o mereça, alguém amável, linda
e inteira. Não deixe que a lembrança o arruíne nenhum dia.

Devido a que está é a única coisa que posso fazer que compensará todo o mal que veio antes.
Agora sei. E devido a que me ama, não tenho medo.

Deixa-me sem medo. Tem alguma ideia de que é um presente?

Está além de um presente. É uma benção.


Encontrou-me na escuridão, brilhou sua luz sobre mim e me fez sentir linda, pela primeira
vez na minha vida. Quero agradecer por isto. Quero dizer a você e logo beijá-lo, mas preciso fazê-
lo por esta carta. Sei que se pudesse, agora mesmo estaria beijando-o, porque esta é uma das
melhores coisas que conheci.

Os seres humanos podem se unir como companheiros também, não tenho certeza se você sabia.
Suponho que não acontece com frequência, mas pode. Sou a prova disso. Não há nada nesta vida
ou em qualquer outra que não faria por você. Eu te amo e mesmo com todas as coisas quebradas
dentro de mim eu te amo, também. Sinto agora que não disse em voz alta, que não disse uma e
outra vez. Você é o sonho que não merecia, mas agradeço.

Eu te amo Christian, eu te amo.

Está é a única coisa a que tenho direito. Amá-lo fez todo o resto, os anos de escuridão e o
inferno valer a pena.

Inclusive se apenas tivéssemos apenas um dia juntos, ainda teria valido a pena.

Se acreditasse no céu, diria que espero vê-lo ali um dia. Mas sei que não há anjos nas nuvens,
não há querubins ou coros de canto me esperando. Não sei o que irá acontecer uma vez que
deixar para trás esta vida, mas em meu coração espero que... paz. Tranquilidade. O fim de toda
dor e loucura.

Apenas uma coisa não terá fim: meu amor por você. Não importa onde vá depois da minha
morte, estará comigo. Será a chama em minha alma que nunca se queima.

Sempre. Para sempre. Até o final dos tempos.

Ember.
Sentado em frente a ele em uma pequena mesa de madeira no pátio tranquilo,
sombreado na parte de trás do hotel, o albino era descomunal e silencioso,
olhando Treze com um olhar estreito que continha toda a genialidade de um
dragão a ponto de vomitar fogo sobre um grupo de aldeões.

Chamou a atenção do albino com umas poucas palavras bem escolhidas.


Caminhou até ele no vestíbulo quando ele e seus homens vestidos de negro
chegaram há uns momentos, olhou o rosto cheio de cicatrizes, pálido como um
fantasma e disse com voz plácida. — Vejo que é um sacerdote. Gostaria de me
confessar. Minha participação na morte da cabra.

Então Treze sorriu para o albino, uma curva leve nos lábios que não era
ameaçadora nem sincera, mas que transmitiu que sabia que ambos sabiam
exatamente o que realmente a confissão que implicava cabras mortas seria e talvez
deveriam conversar sobre isto.

O albino não disse nada a ele ou a seus subordinados. Simplesmente o olhou


por um momento, olhou para ele como se tentasse deslizar dentro de seu corpo
usando apenas seus olhos incolores, então fez um gesto com o queixo para seus
homens saírem. Eles saíram imediatamente e em silêncio. Logo, o albino moveu
o queixo para o lado oposto do vestíbulo nas portas de vidro que levavam ao pátio
traseiro, onde agora estavam sentados um de frente ao outro na penumbra sob os
galhos de uma figueira adornada com fio pequenos de luzes brancas.

Devido a que o albino não parecia do tipo falante, Treze decidiu romper o gelo
indo diretamente ao ponto. — Sou chamado Doe. Sou um caçador. Como você.

Se o albino tivesse sobrancelhas, teriam se erguido ao ouvir estas palavras, mas


já que parecia totalmente sem pelos, não tinha até mesmo cílios — Treze apenas
soube que o albino se surpreendeu porque três rugas apareceram em sua testa
branca.

Treze encolheu os ombros. —Posso dizer olhando para as pessoas. É uma das
duas coisas: um comedor de carne ou a carne.

O albino absorvia tudo em silêncio.

—Recebi uma ligação telefônica há uns minutos, justo antes de chegar de fato,
que as criaturas... que estou caçando foram encontradas. Pelo menos, sei
exatamente onde um está agora ou estará em breve,

Esta era uma isca cuidadosamente elaborada e a verdade sem adornos, Treze
foi informado pelo Presidente que a linha que configurou para receber
informações sobre aquelas criaturas, uma mulher chamada Úrsula Admowicz. Um
provável Ikati estava atrás de uma garota que trabalhava em uma livraria na
Baixada Viladecols. A livraria estava fechada a esta hora, assim esperava encontrar
a criatura dentro ou mantendo vigilância em algum lugar perto. De qualquer
forma, a informação era a mais interessante da que teve em meses.

Mais interessante ainda foi a forma como o albino reagiu ao que disse.
Ele moveu-se adiante em sua cadeira. Uma mão grande e branca se levantou,
a velocidade de um raio e ele segurou a frente da camisa de Treze. O albino puxou-
a para frente, assim ficaram frente a frente sobre a mesa e grunhiu. — Diga-me
onde estão ou corto sua língua!

Assim as suspeitas de Doe se confirmaram. Este assassino de cabras estava


procurando por eles também. Considerando que a cidade estava repleta de
mercenários desejosos de colocar suas mãos no dinheiro da recompensa, o que
não era grande surpresa.

—Conheço uma dezena de maneiras de matar um homem com as mãos nuas,


amigo. —Respondeu Treze em voz baixa, olhando sem piscar para o albino. — E
centenas mais de matar com uma faca escondida na manga. Assim vou dar-lhe um
segundo para decidir se prefere falar em cortar minha língua ou ter uma faca em
seu cérebro ou ainda, se quer ouvir o que proponho.

O olhar do albino piscou para a mão de Treze, que estava plana sobre a mesa.
Um músculo na mandíbula pulsou rapidamente e calculou suas opções. Logo
abriu a mão e lentamente relaxou em sua cadeira, a cor do sangue aumentando em
suas pálidas bochechas, a única indicação de sua raiva. Seu brilhante olhar pousou
no rosto de Treze e ele inclinou a cabeça.

Treze ajustou a gola da camisa. —Uma boa escolha. —Disse imperturbável.


— Quando estava a ponto de dizer antes de ser interrompido tão grosseiramente,
se encontrarmos uma das criaturas, podemos encontrar todas...

—Como?

Ele sorriu. — Alicates. Uma serra. Uma furadeira. Escolha.


Pela primeira vez o albino sorriu. Era um sorriso carnívoro, os dentes tortos e
afiados como o de um tubarão.

Treze continuou como se não houvesse sido interrompido pela pergunta


ingênua. — A organização para qual trabalho tem uma relação muito estreita com
a polícia, assim poderia usá-los e a seus recursos, mas em minha experiência irá
causar mais dano que bem.

Resistiu à tentação de ajustar o parche no olho, lembrando-se exatamente de


como sua última experiência com a polícia resultou.

—Minha própria equipe e os equipamentos estarão prontos em quinze horas.


Doze no mais tardar. Esta situação particular requer uma resposta muito mais
rápida ou provavelmente perderemos o objetivo, assim temos que trabalhar rápido
e sozinhos, nenhuma das opções são ótimas para a probabilidade de êxito. —
Ficou mais suave, sorrindo. — A menos que possa temporariamente se associar
com alguém que já esteja aqui.

Observou o albino. Seu sorriso de tubarão sumiu e os músculos de sua


mandíbula começaram a pulsar novamente, fazia sua pele queimada se franzir
mais. — Não gosto de sócios. — Declarou e voz baixa.

—Certo. Mas também não gosto de deixar escapar nenhuma oportunidade de


ouro por meus dedos. Estou disposto a sacrificar minhas preferências pessoais
para conseguir o que quero. — Parou dramaticamente. — E pode ficar com todo
o dinheiro da recompensa. Não me importo com isso.

Tecnicamente, nem sequer era elegível para receber o dinheiro da recompensa,


já que era o Presidente que a estava oferecendo, mas o albino não precisava saber.
O albino respondeu bruscamente. — Nem eu! —Foi a vez de Treze levantar as
sobrancelhas.

Ao julgar pelo rancor da resposta, o ofendeu. Não pensou que fosse possível
ofender um homem que brincava com animais, mas por outra parte, a hipocrisia
de alguém que se fazia passar por sacerdote do Vaticano enquanto participava de
tal situação não podia ser subestimado.

Treze arrastou as palavras. — Um companheiro purista, verdade?

—Algumas coisas são mais sagradas que o dinheiro. — O enorme albino


sussurrou com um brilho louco nos olhos e Treze não pode evitar a risada que lhe
escapou.

—Vê isso? Estamos de acordo novamente. Isto é um aspecto muito positivo.

O albino o contemplou em silêncio durante muito, muito tempo, enquanto as


vozes pela noite na cidade murmuravam no ar fresco ao redor deles.

—É uma equação muito simples. — Disse Treze razoavelmente, sentindo a


animosidade do outro homem como um iceberg entre eles, congelado e duro, a
imensa parte invisível, mas muito maior e mais perigosa do que o que estava à
vista. —Tenho algo que precisa e você tem algo que eu preciso. E... — Estendeu
as mãos abertas, como se apresentando provas. — Sabe que pode confiar em mim.

—Como sei? — Foi a instantânea e feroz resposta.

Treze inclinou-se para trás em sua cadeira e cruzou as mãos sobre o estômago.
— Se não pudesse, seria a polícia sentada aqui conversando com você neste
momento, a respeito da situação da cabra estrangulada.

O albino respondeu. — Não sei nada sobre uma cabra!


Treze sorriu com indulgência. — Claro que não. E acredite, não o julgo. Mas
a polícia tem a mente menos aberta que eu, sei disso porque tenho muitos amigos
na aplicação da lei. Eles podem querer procurar em seu quarto, oh não sei, por
sangue ou pelos de animais, apenas para o caso.

Silêncio de morte. O cenho se franziu sombrio. Então finalmente, a boca do


albino se contorceu em uma careta estranha de respeito e assentiu.

O sorriso de Treze ficou mais amplo. Logo se inclinou para frente e começou
a elaborar seu plano.

Quando a lâmina cortou seu antebraço esquerdo, Ember abandonou toda


coragem que conseguiu reunir no trajeto de taxi para a livraria e gritou.

—Bom. — Disse Cesar, seus gritos se elevaram a um nível ensurdecedor


enquanto ele mudava de tática. — Ela não é muito para se ver, mas tem pulmões
para rivalizar com Pavarotti, verdade rapazes?

As risadas dos outros quatro com ele se ouviu, dois dos quais se mantinham
imóveis contra a velha mesa cheia de cicatrizes de seu pai na livraria, enquanto
Cesar cortava seu braço com a ponta afiada e serrilhada de sua faca.

Ele cheirou o metal assim que ela entrou pela porta e desesperada para oferecer
uma explicação sobre não poder dar-lhe a localização do que estava escondido sob
seu suéter e casaco, empurrou a manga do suéter para revelar as cicatrizes e o
metal no braço.
Ela sabia que precisava induzi-lo a este jogo da operação, pois poderia tentar
outra coisa.

Agonia pulsava por cada célula de seu corpo. A sala balançava, a cor, o som e
o cheiro se multiplicaram por mil, como um alucinógeno.

—Bem feito, Nico. Você está oficialmente fora da minha lista negra. — Disse
Cesar a um de seus homens, de cabelo negro e alto de pé ao seu lado, observando
a cena com orgulho petulante. Segurava uma mão vendada contra o peito, mas
quando ouviu estas palavras, deixou cair a mão ao seu lado, se iluminou com um
grande sorriso, exultante e se ergueu.

—Por favor. — Soluçou Marguerite. Presa a uma cadeira a vários metros de


distância com tiras de plástico em seus pulsos e tornozelos, mal capaz de manter
a cabeça erguida.

Ember quase gritou de horror na primeira vez que viu sua madrasta. O sangue
manchava o corpinho negro de seu vestido rasgado, pingava em uma piscina
vermelha brilhante horrivelmente sob a cadeira, em um ritmo intermitente e
sinistro. Através do tecido rasgado, seus seios e abdômen apareciam pálidos contra
o brilho do vermelho. As feridas irregulares eram testemunhas do terrível que
aconteceu dentro deste lugar antes de Ember chegar.

—Por favor. — Marguerite ofegou novamente, suas pálpebras se moviam


enquanto se esforçava para mantê-las abertas. Seu cabelo escuro estava solto de
seu coque e pendurado sobre os ombros de forma selvagem, todo grisalho. — Por
favor, solte-me. Por favor, deixe-me ir.

—Oh absolutamente! Tudo o que tinha que fazer era dizer a palavra mágica!
Os outros riram, enquanto Cesar, parecendo energizado pela agonia, por todo
o sangue, se afastou de Ember para olhar com afeto divertido Marguerite
semiconsciente salpicada de sangue.

De repente ficou rígido e cheirou o ar como um cão cheirando um lobo. Logo


deu a volta e ficou olhando Ember com os olhos negros bem abertos.

Bonito como o diabo alto, bem construído e obviamente louco, inclinou a


cabeça e deixou que seu olhar a percorresse de cima abaixo, enquanto ela ficava
sentada ali em uma nevoa de agonia, o sangue brotando de suas feridas abertas
nos braços. Seus lábios se abriram e uma expressão de fervor erótico, exultante
brilhou em seus olhos. Sussurrou. — Oh. Que surpresa inesperada, meu pequeno
coelho. Você não apenas tem bons pulmões, verdade? Não, é muito mais valiosa
que isto.

Logo umedeceu os lábios e Ember tentou retroceder em terror absoluto,


fracassou devido as braçadeiras de ferro que eram as mãos de seus homens ao
redor de seu bíceps, nos pulsos e pescoço. Cesar se aproximou de seu braço
mutilado e inalou, lentamente e profundamente.

Depois de um momento de silêncio, endireitou-se, inclinou a cabeça para trás


e riu.

Riu, riu e riu, gargalhou com total abandono, enquanto seus homens se
olhavam. Marguerite soluçou e o coração de Ember se reduziu ao tamanho de um
amendoim dentro do peito.

—Santo Hórus. — Ofegou entre gritos. — Juro que sou o mais sortudo!

—Eh, senhor? — Um dos outros homens lhe perguntou com incerteza.


Cesar, com lágrimas de felicidade nos olhos, agitou uma mão, indicando que
ainda não podia responder porque estava muito atormentado pelas risadas.
Quando ele deu um giro lento ao redor da sala agarrando seu estômago, a risada
maníaca finalmente sumiu e deu lugar a uma série de suspiros longos e felizes,
pontuados por risadas incrédulas. Arrastou outra cadeira ao outro lado da sala e a
colocou justo do lado de Marguerite, sentou-se nela e começou a brincar com seu
cabelo enquanto a olhava, sorrindo para Ember.

Disse algo para seus homens em um idioma que Ember não reconheceu, ainda
que poderia ser latim. Fosse o que fosse, seus homens ficaram sem fôlego e
compartilharam olhares significativos entre si. Eles olharam para ela com algo
novo em seus olhos. Então os homens que a seguravam contra a cadeira a
soltaram.

Ember se queixou de dor e segurou a mão direita sobre a ferida pulsando em


seu antebraço esquerdo, tentando fazer pressão sobre ele para impedir a
hemorragia.

No entanto, o sangramento era ruim. O sangue brotava entre seus dedos em


uma corrente pulsante. Parecia como se uma artéria fosse cortada.

—Tem alguma caixa de primeiros socorros, pequeno coelho? — Cesar disse


repente, com um vinco entre as sobrancelhas, a risada sumindo enquanto olhava
seu braço.

—Foda-se. —Ember disse entre dentes, quase incapaz de responder através


da dor.

—Entenderei como um não. Mas não podemos deixá-la sangrar até morrer,
ainda não.
Ele franziu os lábios, girando uma mecha de cabelo de Marguerite entre os
dedos enquanto ela se inclinava para tão longe dele como poderia, caída de lado
da cadeira, chorando em silêncio.

Então Cesar se iluminou, ficou de pé e se aproximou de Ember com um brilho


malicioso em seus olhos. — Sabe, há algo que tinha a intenção de fazer. E você,
pequeno coelho, deu-me a oportunidade perfeita!

As mãos de Ember se moveram sem controle. O cheiro de sangue era ruim e


forte no ar. Seu estômago se contorceu e sentiu o amargo da bílis no fundo da
garganta. Olhou para Cesar avançando, assim como Christian, tinha uma graça
natural e beleza, sua pele perfeita, dentes e cabelo, lutou desesperadamente para
manter uma aparência de controle. Ela precisava manter sua sanidade, porque
assim que pudesse afastá-lo de Marguerite ele seria um pão tostado.

Tentando se levantar, ela se lançou adiante na cadeira, mas mãos seguraram


seu ombro e a empurraram para trás. Ela abriu a boca quando um raio de agonia
queimou seu caminho pelo braço esquerdo e desceu pelas costas. A sala se reduziu
a um pequeno círculo de luz retrocedendo, como se estivesse vendo o final de um
longo túnel.

Então Cesar bateu em seu rosto.

Sua cabeça inclinou-se para trás, todos os ossos do corpo estalando. Com
surpresa ela gritou e se ergueu em estado de choque.

—Assim é melhor. — Disse Cesar enquanto se endireitava. Parecia satisfeito.


Inclinou-se, colocou as mãos sobre as coxas e sorriu. Logo balançou um dedo em
seu rosto, chamando sua atenção como uma mãe faz com uma criança travessa.
—Não desmaie. Preciso de você lucida. Nem sequer chegamos a parte boa ainda.
Endireitou-se e fez um gesto a seus homens e de repente estava sobre a mesa
novamente, o peito e a bochecha pressionados contra a madeira. Algo duro
segurava sua cabeça imóvel e enquanto lutava para soltar seus braços, algo similar
a cobriu. Cesar pegou uma faca no canto da mesa e passou o dedo na lâmina e
disse. — Deixe de lutar ou sua madrasta perderá uma orelha.

Ofegante pelo pânico, Ember ficou quieta. Ela lançou um olhar para
Marguerite, que parecia estar rezando. Seus olhos estavam apertados e seus lábios
se moviam rapidamente com palavras silenciosas.

Cesar parou sobre Ember. Girou suavemente sua palma esquerda, revelando
a bagunça mutilada na parte interior de seu antebraço. Colocou a faca entre dentes,
lentamente enrolhou a manga da camisa branca para revelar um antebraço
bronzeado e musculoso, colocou-o diretamente sobre o próprio braço de Ember.
Logo tirou a faca dos dentes e em um movimento forte, cortou profundamente a
pele, diretamente sobre a veia.

Sangue espirrou da ferida. Horror fez sua boca se secar.

Ninguém mais na sala parecia particularmente surpreso por este giro dos
acontecimentos, no entanto, os homens de Cesar a seguravam enquanto com
calma ele estendia o braço sobre ela e deixava o sangue cair sobre suas feridas.

—Oh. — Disse, sua voz trêmula de emoção. —Olhe todo este sangue.

Com a cabeça sobre a mesa, Ember estava ao nível do ventre de Cesar. Sob
sua calça manchada de sangue, viu que estava ficando duro. Ela fechou os olhos
com desagrado.

Mas então... sentiu queimar.


Picar, como se mil formigas estivessem picando sua pele. Uma onda de calor
envolveu seu corpo e ficou suada repentinamente. Ficou difícil respirar, a náusea
de antes voltou como uma vingança. Pensou que fosse vomitar.

—Olé! — Exclamou Cesar satisfeito. — Tinha a sensação de que iria


funcionar!

Ember olhou seu braço e soube que seus olhos não funcionavam
corretamente. Estava alucinando com a dor.

Porque, enquanto observava, as feridas abertas pela faca serrilhada estava se


fechando rapidamente.

O homem que segurava sua cabeça murmurou um impressionado. — Uau.

Congelada com assombro horrorizado, incapaz de pensar, se mover ou


respirar, Ember olhou para Cesar. Levantou o braço e não havia nada ali, salvo
uma mancha de sangue. O corte que ele mesmo fez se curou completamente no
espaço de poucos segundos.

Quando voltou a olhar seu rosto, ele piscou.

Então ele estendeu a mão e acariciou suavemente seu braço com um dedo de
cima abaixo, o sangue escorrendo por todas as feridas cicatrizadas em sua pele,
indo para cada linha, até o músculo ao lado do osso onde estavam as placas final
de metal. Observou seu progresso com olhos incrédulos, viu a pele ficar lisa se
recompor.

Doía, mas não estava mais picando e ardendo, Ember não podia afastar os
olhos.
Cesar se inclinou perto de seu ouvido. — É religiosa, September? Eu mesmo,
costumava pensar que era tudo história esta coisa de Jabberwocky27, mas tenho que
admitir que meus pensamentos estão agora um pouco... em processo de mudança
sobre o assunto. Quer dizer, a imortalidade realmente mudou minha percepção
sobre a vida neste planeta.

Finalmente afastou o olhar de seu braço para olhar fixamente em seus olhos.
Negros e selvagens, queimando como fogo.

Ele disse. — Imagine um mundo sem sofrimento. Um mundo sem doenças,


pobreza ou guerras. Um mundo sem morte. É possível, sabe. Farei com que seja
possível.

—Matando inocentes? — Sua voz estava rouca, tremendo de fúria. — Como


as pessoas no Vaticano?

—Aquilo foi para chamar a atenção. — Zombou, endireitando-se enquanto


olhava de forma imperiosa. —Infelizmente os seres humanos não respondem a
outra coisa que uma amostra de poder, assim... dei-lhes uma. — Ele sorriu, um
sorriso arrepiante, raivoso que a fez se arrepiar. — Temo que mais amostras de
poder serão necessárias antes que sua espécie se renda.

Fez um gesto a seu braço. Ember seguiu a direção de sua mão e ficou sem
fôlego ao ver todas suas feridas curadas. O único que ficou foi rastros de sangue,
brilhante e vermelho na luz fluorescente do teto.

Seu braço interior. Intacto. Perfeito.

27 É um poema sem sentido escrito por Lewis Carroll sobre a morte de uma criatura chamada Jabberwock.
Foi incluído em seu conto de 1871, através do espelho e o que Alice encontrou lá, em Alice no País das Maravilhas.
Hesitante flexionou a mão aberta, não havia dor, nem sequer a antiga rigidez.
Ficou olhando com incredulidade total.

—De nada. — Disse Cesar e todos seus homens riram. Indicou-lhes que a
soltasse e se deixou cair novamente na cadeira, aturdida.

Cesar parou sobre ela outra vez e agora toda leveza e brincadeiras se foram, a
alegria sumiu. Estava completamente sério, a luz azul brilhante de seu cabelo
negro, o rosto sem emoção. Mesmo seus olhos negros estavam frios, parecia mais
sinistro que qualquer de outros estados de ânimo.

—Foi um prazer conhecer você, coelhinho. — Disse friamente. — Mas temo


que o tempo de brincar acabou. Diga-me como entrar em contato com seu
namorado ou cortarei a cabeça de sua madrasta. E tenho certeza que não é algo
que se possa curar com algumas gotas de sangue.

Atrás dele, Marguerite deixou escapar um gemido angustiado. Ember hesitou


e Cesar acrescentou. — Ainda que queira provar se funciona ou não.

—Não. — Sussurrou Ember. Ela engoliu saliva e endireitou-se na cadeira, com


um forte zumbido nos ouvidos. —Por favor, ouça. Simplesmente deixe que vá
embora e direi o que quer saber. Prometo que irei cooperar. Mas, por favor, deixe-
a ir. Ela não tem nada a ver com isto.

Um dos cantos dos lábios de Cesar se ergueu em um leve sorriso. — Au


contraire28, pequeno coelho. Ela tem muito a ver com isto. Ela é o que gosto de
chamar de motivação.

28
Ao contrário
Sem afastar o olhar dela, retrocedeu lentamente até que ficou junto a cadeira
de Marguerite. Durante todo o tempo segurava a faca e agora levava ao rosto dela.
Ela ficou rígida com horror e deixou escapar um soluço sufocado.

—Seu olho esquerdo primeiro. — Disse suavemente, saboreando as palavras.


— Então o direito. Logo suas orelhas. Depois, seus preciosos lábios. E logo, se
ainda estiver viva depois de tudo isto, a cabeça. Depois o couro cabeludo.

Ember sentiu a sala começar a girar. Não era assim como deveria ser. Precisava
que se afastasse de Marguerite... precisava que...

Ela implorou. — Por favor, por favor Cesar.

—Sem negociação! —Ele pressionou a ponta da faca contra a bochecha de


Marguerite e ela ficou imóvel, um gemido de terror escapou de seus lábios. Cesar
moveu a faca um milímetro sob seu olho e sua pergunta era mortal e tranquila.

—Como entro em contato com ele, September?

Tremendo de raiva, Ember olhou em seus olhos e disse. — Tudo bem. Vou
dizer, mas precisa saber algo antes.

As sobrancelhas de Cesar se ergueram e Ember gritou. — Ele irá deixá-lo em


pedaços!

Ele estreitou os olhos e então suspirou. Com um olhar a um dos seus homens
Cesar disse. —Revistou-a por um celular, verdade? Isto está ficando tedioso.

O coração de Ember acelerou. Sua mente gritava. Não!

Precisou de quatro segundos para seu casaco ser tirado dela e jogado de lado.
Então se viu rodeada e uma vez mais teve os braços presos para trás enquanto sua
blusa era levantada até a cintura.
—Aqui vamos. — Disse com voz satisfeita quando seu celular foi tirado de
seu bolso traseiro da calça jeans. O homem jogou-o para Cesar, que pegou com
facilidade na mão.

Por um momento sem fôlego, Ember pensou que estivesse a salvo. Mas logo
lançou um olhar para Cesar e soube que não.

Seus olhos brilhantes como o de um lobo, se concentrando em sua blusa ao


redor da cintura. Seus lábios se separaram, deu um passo lento para ela, com uma
expressão de incredulidade.

Logo, mais rápido que seus olhos pudessem seguir, ele estava ao seu lado.
Puxou a blusa, revelando o que havia por baixo. Então a olhou com tanta violência
em seus olhos que pensou que poderia matá-la apenas com o olhar.

Em sua voz sombria e ameaçadora que nunca ouviu, Cesar sussurrou. — Oh


tola, tola coelhinha. Estes truques são para crianças.

Ele a empurrou de costas, fechou uma mão ao redor de sua garganta e tirou a
blusa com a outra mão, rasgando-a com facilidade pela metade.

E o ar do lugar ficou elétrico.

Não o toque! — Cesar gritou quando um de seus homens alcançou o jaleco de


nylon preto preso ao redor do corpo de Ember. Na parte da frente e atrás, o jaleco
tinha os bolsos cheios de quadrados alaranjados ligados a finos explosivos de
plástico.

Ember moveu forte ambas as pernas, mas os grandes machos de cabelo escuro
a segurou antes que pudesse fazer outro movimento e seus braços ficaram presos.
Tremendo de medo, ira e desespero, ela se esticou sobre a mesa, totalmente
impotente.

Do outro lado da sala, Marguerite a olhou branca, com horror e a boca aberta.

—Semtex. — Disse um dos homens de Cesar, olhando para o jaleco de nylon


com uma expressão de admiração. — Isto é uma merda séria, chefe.

—Uma merda de fato e o suficiente para explodir todos até o outro mundo.
— Disse Cesar. Inclinou-se sobre Ember, olhando-a fixamente com ódio e uma
espécie de fúria enlouquecida, os dentes atrás dos lábios. —Onde está o
detonador?

Ember cuspiu em seu rosto.

Ele grunhiu e apertou a mão mais forte em sua garganta, cortando o ar.

As luzes começaram a se apagar. Seu coração batia com tanta força contra o
peito que sentia que iria explodir. Havia um rugido em seus ouvidos e vários golpes
dentro de sua cabeça. Imagens passou diante de seus olhos, a cor e a luz, o
movimento, mas em tudo que podia era em uma palavra.

Christian.

Não terminou ainda. Ainda podia encontrar uma forma.

Cesar afastou-se e logo lhe deu um soco no rosto.

Ouviu o ranger dos ossos como se viesse de muito longe, sentiu o calor úmido
cair sobre o rosto e o pescoço. Ainda não havia ar e seus pulmões queimavam
com o esforço de respirar. Cesar gritou sua pergunta em seu rosto outra vez, mas
a sala estava começando a ficar negra e tudo borrada.
—Isto não pode ter sido ideia sua, seu namorado planejou, assumo que sabe
onde estamos! — Cesar estava furioso, gritando a seus homens e apertando mais
a mão em sua garganta a cada palavra. — Ligue para Marcel, diga para usar o
protocolo de evacuação do bunker! E porra, assegurem-se de pegar o soro!

De repente, a mão se foi e Ember foi arrastada para fora da mesa, caindo com
um golpe seco, batendo os joelhos no chão. Tossiu engolindo ar e sangue. Tinha
os braços levantados sobre sua cabeça, enquanto Cesar passava as mãos com
cuidado sobre o jaleco e ao redor de sua cintura, pernas e ombros, procurando o
detonador.

Encontrou o cilindro de metal curto, fino como um lápis em seu antebraço


direito.

Tirou-o com cuidado, abriu o jaleco e puxou-o de seu corpo, deixando-o de


lado na mesa.

—Ficaremos com isto Nico, podemos precisar mais tarde, mas tome cuidado!
— Gritou.

O homem com a mão vendada adiantou-se e pegou o jaleco, enquanto outro


recolhia o detonador, olhando-o por um segundo e logo saindo lentamente da
sala, segurando-o com a mão estendida.

Os dois homens que a seguravam a soltaram às ordens de Cesar e Ember caiu


no chão, lutando para ficar consciente. A dor a percorria como fogos de artifícios,
em todas suas terminações nervosas, estava tudo desarticulado como imagens de
um espelho de circo. Cesar a olhava, seu peito subindo e descendo rapidamente,
os olhos negros brilhantes como moedas no fundo de um poço dos desejos.
—Que sorte ter algo que quero. Se não fosse isto, seria destripada como um
peixe.

Inclinou-se, pegou um punhado de seus cabelos e a levantou. Segurou-a


enquanto balançava e esforçou-se para concentrar seus olhos nele, respirar pelo
nariz quebrado. Ele puxou-a e disse em seu rosto. — Como devemos nomeá-lo?

Ele viu a confusão em seus olhos vidrados e sorriu maligno. — Oh Deus, isto
está ficando cada vez melhor. Não sabe, verdade?

O momento congelou e logo seguiu, a mente de Ember se esforçou para


absorver o que estava dizendo e ao mesmo tempo reconhecer o som dos carros
no estacionamento atrás da livraria, parando de uma vez. Cesar ouviu também,
como seus homens. Todos eles ficaram rígidos, em alerta ao instante.

—Verifiquem! —Ordenou. Em um rápido movimento levantou Ember a seus


pés e a dirigiu-se para a porta.

—O que fazemos com isto, senhor? — Perguntou um dos homens de Cesar,


o que estava de pé diante de uma petrificada Marguerite.

Sem nem sequer olhar para trás, Cesar gritou. — Quebre o pescoço desta
cadela.

Pendurada de cabeça para baixo com o sangue pingando de seu nariz, Ember
viu dois homens se aproximarem de Marguerite. Ela se encolheu em sua cadeira,
soluçando quando a rodearam.

Mesmo sobre os sons de seus próprios gritos, Ember ouviu o som dos ossos,
logo um silêncio espantoso, então nada em absoluto já que a mão de Cesar apertou
sua garganta, cortando o ar e levando-a à escuridão.
—Eu disse que não deveria chegar tão afoito! — Gritou Treze para Jahad
enquanto corriam para alcançar os dois carros esportivos negros em alta
velocidade saindo da livraria e cortando as ruas sinuosas de Barcelona.

—Cale-se ou arrancarei seu intestino pela garganta! — Gritou o albino.

Treze o ignorou e gritou. — Podem ouvir tudo, podem ouvir um alfinete cair
a uma milha de distância! Acha que não seriam capazes de nos ouvir parar no
estacionamento como morcegos saindo do inferno? Acabou de soprar o elemento
surpresa, seu estupido copo de neve!

Jahad lhe lançou um olhar assassino e logo continuou dirigindo em silêncio,


enquanto Treze batia os punhos no carro, com o rosto vermelho de fúria e
frustração.

Não foi assim que imaginou este momento.

Ainda que Treze suspeitasse que sua garganta seria cortada assim que saísse do
carro ou virasse as costas, o albino concordou trabalhar com ele. Estava claro que
o outro homem não gostava de ser ameaçado, ainda mais claro que odiava ter que
depender de alguém que não era de seu pequeno culto, mas chamou seus homens,
recolheu suas armas e deixou Treze segurar a escopeta enquanto se dirigiam para
a pequena livraria, onde o Ikati poderia estar.
Ao final resultou que estava coberto de razão.

Mas em lugar de chegarem furtivamente e encobertos, o albino chegou com


armas de fogo e perderam tudo. Agora estavam envolvidos em uma perseguição
de carros em alta velocidade pelas ruas estreitas de uma cidade com uma excelente
força policial armada com Walther P99 e eram conhecidos por disparar primeiro
e perguntar depois.

Muito brilhante.

—Estão se separando! — Treze viu com consternação como um dos carros


girava a direita a toda velocidade, em uma rua escura, enquanto o outro ia reto
pela estrada que saia da cidade para as colinas.

—Qual caminho? — Perguntou o albino e a mente de Treze, acostumada a


pensar sob pressão, ofereceu uma pequena joia: a lista do Presidente.

Os bunkers da Guerra Civil Espanhola.

—Siga-o! — Gritou Treze, apontando para o carro na frente deles. Jahad o


olhou e o carro deu um salto adiante. No espelho lateral, Treze viu a fila de carros
utilitários cheios dos homens de Jahad seguindo-os. Passaram pela rua que o outro
desceu e enquanto observava, luzes vermelhas desapareceram na esquina.

Com a esperança de ter tomado a decisão correta, Treze apertou os dentes e


inclinou-se para trás.
O ar presente na atmosfera fria e fina era muito mais fácil de lidar do que o ar
quente, mais denso da cidade, o que era uma das razões pela qual Christian decidiu
se acercar aos bunkers do outro lado do bosque.

A terra se curvava suavemente sob seus pés no horizonte. Sobre as pontas


escuras de um mar de pinheiros, viu seu destino, magnificado por sua intensa
concentração como a lente cristalina de um binóculo. Ao longe, as luzes de
Barcelona como árvores de Natal brilhantes até uma tira escura do Mediterrâneo,
mais além havia apenas pequenas pontas de estrelas.

Agradeceu por não poder sentir emoções em forma de vapor. Agradeceu a


raiva e a angustia que sentiu ao ler a carta de Ember que o fez desaparecer quando
perdeu a forma humana, como uma serpente mudando de pele. O curto tempo
que levou para viajar através do céu noturno de sua casa no bosque para os
bunkers acima da cidade lhe ofereceu um descanso: sem toda aquela emoção no
cérebro, era muito mais fácil pensar.

Usando um estreito canal de ar, movimentou-se rápido, desceu em silêncio a


parte posterior de uma estrutura de cimento periférica no composto, rápido como
a fumaça, esticou-se o quanto possível para evitar ser detectado por olhos curiosos
que poderiam olhar para cima.

Contou seis sentinelas na entrada do complexo. Armados com rifles, rondando


pelas paredes exteriores e valas de arame farpado, silenciosos e vigilantes.

Não eram vigilantes o suficiente, no entanto. Christian se materializou justo


atrás de um homem musculoso afastado dos demais e quebrou seu pescoço antes
que pudesse girar ou mesmo fazer um som de surpresa.
Arrastou o corpo para as sombras sob um pinheiro e tirou sua roupa, armas e
um pequeno telefone por satélite.

Ficou olhando o telefone durante um momento, surpreso. Dependendo da


arquitetura do sistema, a cobertura do telefone poderia incluir toda a Terra e
também as coordenadas GPS de outros telefones. Não tinha tempo para pensar
mais sobre isto, porque seus ouvidos capturaram o som dos carros serpenteando
pela estada até o bunker.

Havia talvez uma dezena, um adiante do restante e se moviam rapidamente.

Vestiu-se com as roupas do morto, colocou a arma nas costas, guardou o


telefone no bolso da calça, cobriu o corpo com galhos caídos e arbustos, saiu para
a estrada em silêncio até um enorme buraco no chão a uns trezentos passos da
entrada principal do bunker que viu em sua descida, evitando quatro minas
enterradas no caminho. Suspeitava que o buraco fosse uma das saídas escondidas
para os tuneis subterrâneos do labirinto e quando passou com cuidado pela
abertura negra, suas suspeitas se confirmaram.

Cheirava centenas de machos e fêmeas Ikati, divididos em vários lugares, umas


poucas dezenas de fêmeas humanas em estreita proximidade entre si e com isto
imaginava que estavam presas, o aroma amargo de metal dizia que havia um
grande depósito de armamento ao norte, comida e água a oeste, os cheiros
orgânicos de terra úmida, adubo e vegetação ao seu redor, tudo com um cheiro
químico que não reconhecia.

Manteve-se imóvel durante um momento, usando seus sentidos, o olfato e a


audição para investigar mais profundo os tuneis, permitindo que o ar da noite
flutuasse sobre seu corpo e com ele toda a evidencia que não podia ver.
Então começou a sentir pânico.

Sem baunilha. Sem flor de laranjeira.

Ember não estava ali.

O telefone por satélite de Cesar tocou justo quando entrou na cabine de couro
luxuosa do iate que mantinha atracado no porto de Port Vell.

Posto que matou o capitão que pilotou para ele quando navegaram para o sul
quando fugiram da França, Cesar aprendeu a operar a embarcação de luxo de trinta
metros e passou um tempo passeando pelas águas cristalinas da costa dourada de
Barcelona, sonhando acordado, imaginando com grande detalhe o resultado da
operação que acertadamente apelidou de O Martelo.

Dependendo de quão grave esta pequena corrida na estrada resultasse, poderia


interferir seriamente em seus planos.

E ele simplesmente não permitiria que isto acontecesse. Trabalhou muito.


Esperou tempo demais. Arrumou tudo e agora o único que estava esperando era
o domingo de Páscoa, quando poderia apertar o gatilho e ver toda uma implosão.
Não iria deixar nada para ser perseguido pelas formas de vida inferiores que
queriam impedi-lo.

Assim quando olhou para o celular tocando em sua mão e viu que era Armond,
um dos guardas que patrulhavam o bunker, experimentou um breve
estremecimento de terror.

Isto não era nada bom.


—Armond! — Gritou no telefone. — O que está acontecendo?

Não houve resposta. Apenas um breve ruído estático rangendo através da


linha, então desligou.

Na área enorme, uma vida de luxo que se estendia de forma oval atrás da ponte,
Nico soltou a garota inconsciente que esteve no porta malas do carro no sofá e
prendeu seus pulsos com lacres de plástico. Estava sangrando profusamente pelo
nariz e gemeu quando Nico colocou um lenço em sua boca.

Ao ver, Cesar gritou. — Se ela sufocar, corto suas mãos!

Nico retirou o lenço. Cesar voltou-se novamente para a ponte e colocou em


marcha os motores.

Tremendo de fúria, sentindo-se como se fosse explodir quando Cesar atendeu


ao telefone, Christian moveu-se pelas chamadas realizadas, selecionando o
número armazenado que chamou, enquanto usava o GPS para localizá-lo.

Mapas do Google apareceram em uma janela do navegador, logo um ponto


vermelho se seguiu, junto com as coordenadas.

Port Vell.

Olhou para cima quando uma dezena de carros utilitários que perseguiam o
sedan esportivo solitário viraram rapidamente sobre a colina para os bunker em
máxima velocidade.

Logo o caos explodiu.


Treze soube no instante que ouviu o leve clique ao pisar no pequeno monte,
de aparência inócua de terra. Teve justamente o tempo para olhar para baixo a
seus pés com horror antes que o mundo explodisse em uma enorme bola de fogo
laranja de gases quentes e fogo.

Aquele maldito albino. Era tudo culpa dele.

Inclusive o soldado mais tolo sabia que não se assaltava diretamente o inimigo
altamente motivado em um acampamento fortificado com nada de informações
sobre seus números ou armamento, em estratégia ofensiva, ataques diretos não
funcionavam. A guerra de guerrilhas, funcionava, especialmente quando se tratava
de seres humanos muito mais fortes e mais rápidos do que eles e estavam
acostumados a viver na clandestinidade, fugindo a qualquer momento que fossem
descobertos.

Mas Jahad era como o Rambo Santo, estava em uma missão sagrada para
matar. Ao parecer, não tinha tempo para pequenas coisas incomodas como
planejamento.

Assim que voou sua cobertura na livraria e voou sua cobertura no bunker ao
entrar pelo caminho de terra com uma fila dos maiores idiotas do planeta Terra.
Então Jahad e todos seus homens saltaram dos SUV, gritando quando o sedan
parou com uma derrapada na colina.

Logo veio o tiroteio.

Os dois homens que saíram do sedan começaram a disparar primeiro, um deles


cobrindo o outro, que correu por uma extensão de terra entre o carro e uma vala
metálica cheia de arame farpado em menos tempo do que Treze piscou. Os
homens de Jahad responderam com fogo, mas não antes do homem na vala se
converter em um enorme animal grunhindo e saltando sobre o arame de uma só
vez, então correram para o prédio principal de concreto do outro lado, um buraco
negro quase imperceptível contra a noite.

Desapareceu dentro do prédio, enquanto o outro continuava trocando tiros


com os homens de Jahad.

Treze tinha uma arma, a pistola semiautomática H&KP8 que mantinha desde
seu tempo no exército, mas não se incomodou em participar da estupidez e em
seu lugar se arrastou para trás da fila de SUV’s, na parte de cima do bunker, onde
a vala de arame farpado desaparecia entre as árvores.

Ali cortou uma abertura de um metro e meio com um alicate e deu um passo
atrás.

De seu ponto de vista, atrás do prédio principal, viu alguma atividade que
estava escondida na parte frontal. Ao sair de um buraco do chão por trás de uma
grande rocha que servia de acesso, claramente escondido nos bunkers, formas
escuras carregando pequenas caixas de plástico e colocando na parte de trás de
uma caminhonete. Havia outro caminho de terra estreito que conduzia fora e
através das árvores, quando a parte traseira da caminhonete foi totalmente
carregada com as caixas, começou a andar, o som do motor escondido em sua
totalidade pelos fortes disparos dos homens de Jahad.

A caminhonete foi seguida por uma fila de figuras em silêncio, movendo-se


rápido, tão rápido que se fundia na noite.

Merda. Estavam longe. Tinha que capturar pelo menos um deles.


Puxou a arma da cintura da calça. Agachou, observando a escuridão adiante
dele, grato por estar contra o vento do buraco e dos bunkers.

Logo veio um leve e horrível clique. Depois, uma bola de fogo laranja de dor.

Então não viu mais nada.


A sensação de que sua cabeça foi usada como prática de boxe, fez Ember voltar
lentamente à consciência.

Apertando os dentes para suportar a dor em sua cabeça, ela abriu os olhos e
se encontrou deitada de cabeça para baixo em um sofá em uma sala desconhecida,
com as mãos presas às costas. Sem levantar a cabeça, olhou ao redor e rapidamente
percebeu que estava em um barco, um iate, melhor dizendo, em algum porto.
Através das janelas viu o céu noturno, mastros de barcos balançando ao vento,
arcos iluminados na ponte que ligava a cidade ao porto comercial de
Maremagnum. Perto dali vozes murmuravam e o zumbido vibratório de grandes
motores estremeciam as paredes.

Ela estava sozinha. O jaleco de Semtex estava casualmente sobre a mesa sob a
janela do quarto, como se tivesse sido colocado ali depressa e foi esquecido.

Com cuidado, segurando a respiração, ela passou as pernas pela beira do sofá,
sentou-se e moveu os pulsos.

Apertado. Irrompível. Merda.

Ela engoliu, sentiu sabor de sangue e logo cuspiu sobre o tapete marfim, cheio
de satisfação sombria quando viu que manchou o tapete.
De três coisas tinha certeza. Um: seu nariz estava quebrado. Dois: Cesar estava
neste iate em alguma parte e outras partes de corpo iriam se quebrar se não atuasse
rapidamente. E três: matar se converteu em algo mais que uma missão.

Converteu-se em sua religião.

Sentia um profundo horror e raiva pelo que fez com Marguerite. Sentia-se
responsável também, porque quando tudo foi ao inferno, sabia que em algum
nível matou Marguerite, sem importar quem o fez. Este era apenas o modus
operandi de Cesar.

Mas também havia um sentido profundo de libertar o mundo deste bastardo


assassino e louco, não apenas por Marguerite e Christian, mas por todos os demais
no planeta.

Era um cão raivoso que deveria ser sacrificado.

E ela era quem o faria.

Ficou de pé e logo congelou quando uma onda de náuseas a golpeou e sua


cabeça começou a dar voltas. Ficou quieta por um momento, tirou os sapatos e se
aproximou da mesa, com cuidado para manter os pés tão silenciosos como
possível contra o piso. Não foi muito difícil, o grosso e grande tapete branco
amortecia o som. Arrastou-se até a mesa, em uma frenética exploração na
superfície de madeira brilhante e no próprio jaleco, procurando o detonador.

Não estava ali. Sem o detonador, o jaleco era inútil.

Deu a volta, curvou-se para baixo e olhou sobre o ombro, abriu a gaveta
superior da mesa com uma das mãos presas. Não estava ali também. Assim que
procurou por qualquer outra coisa que poderia ser usada como uma arma. Não
era tão bom como o jaleco, mas sabia várias coisas podiam ser usadas, se acertasse
com força o suficiente o tronco cerebral, poderia matar alguém.

Algo como uma faca. Seu coração parou, um abridor de cartas. Seu olhar caiu
no abridor de cartas prata com cabo drapeado e a lâmina longa, fina e Ember
quase riu alto.

Pânico. Histeria. Não tinha certeza de qual.

Agarrou o abridor de cartas na mão e fechou a gaveta com o quadril, logo se


lançou novamente no sofá quando o som de vozes ficou mais forte.

... acerte-o. Se tivermos o soro, é o que importa.

Cesar entrou na sala vindo do convés, falando em um celular com antena


grossa. Viu-a sentada no sofá e suas sobrancelhas se ergueram enquanto a olhava.
Apoiou-se na parede e lhe enviou um sorriso preguiçoso e sombrio.

—Deixe-os. Não são importantes. Sabe onde me encontrar, conversarei com


você quando estiver perto. — Respondeu a uma pergunta formulada do outro
lado da linha. Logo desligou e ficou olhando-a, com um sorriso sinistro e uma
intensidade que enchia o lugar.

—O nariz quebrado melhorou. — Disse arrastando as palavras, olhando o


rosto ensanguentado. — Ao menos terá um pouco de caráter com o nariz assim.

Nem sequer estremeceu. Fingindo medo, perguntando-se como iria apunhalá-


lo com as mãos presas nas costas, Ember abaixou os olhos para o chão.

—Ah, feri seus sentimentos, pequeno coelho? — Aproximou-se dela com um


passo pausado e ela ficou rígida quando parou na sua frente e lhe tocou a parte
superior da cabeça. Acariciou seu cabelo e estremeceu, não querendo sentir
qualquer tipo de contato íntimo com este monstro.

Cesar confundiu seu estremecimento com terror. — Isto é o que ele gosta em
você? Sua sensibilidade? Seu pequeno animal estremecer? Porque sinceramente,
coelho, é tão mediana, tive muito tempo para pesquisar.

Ficou de joelho na frente dela. Ember olhou para ele.

Era incrível para ela que uma criatura tão puramente maldosa pudesse ser tão
bonito. Com exceção de seus olhos negros e brilhantes que continham uma
antipatia e sem bondade, o rosto e corpo eram tão lindos como o de um anjo.

Uma lembrança aleatória: ela e seu pai assistindo um antigo episódio de Jacques
Cousteau sobre os tubarões brancos e Cousteau explicou em seu sotaque francês
como o tubarão alegremente destroçava suas presas com pedaços. São as criaturas
mais lindas e mais perigosas.

Tinha razão.

Engolindo todo impulso de cuspir no rosto de Cesar, Ember sussurrou. —


Bom, não se pode julgar um livro pela capa. Nós dois somos a prova disso.

Isto lhe fez sorrir, mostrando uma covinha em sua bochecha bronzeada. —
Hum. Talvez seja o sentido de humor que gosta. Ainda que sempre pensei que as
mulheres inteligentes estivessem supervalorizadas. —Ele levantou sua mão e
arrastou a ponta de um dedo sobre a crosta de sangue no lábio inferior.

Ela se manteve imóvel porque percebeu que enquanto ela cooperasse, não
seria afetada. Além disso, precisava manter-se consciente e perto, para poder matá-
lo.
Ainda traçando seus lábios com o dedo e olhando-a com os olhos estreitos,
Cesar murmurou. —Iremos nos divertir muito, eu e você. Vou gostar de rompê-
la. Inclinou-se mais perto e inalou seu pescoço enquanto ela apertava os dentes e
tentava não vomitar. — Você cheira bem para comer, tenho que admitir. E já sei
que também pode gritar.

Ember deixou de respirar quando uma mão grande e quente se abriu na sua
coxa. O único dedo nos lábios se moveu e a mão toda segurou sua nuca, quando
ele deslizou a outra em seu pescoço. Sua voz em seu ouvido estava rouca. — Quão
alto irá gritar quando a foder?

Cheia de repulsão, Ember apertou os dedos ao redor do abridor de cartas e


decidiu rasgar a orelha deste porco com os dentes e se preocupar com o restante
mais tarde.

Então o telefone tocou no bolso da frente de sua camisa.

Com um suspiro de frustração, Cesar se afastou, ficou de pé e caminhou até


as janelas. — Armond, fale comigo. — Grunhiu no telefone. — O que está
acontecendo por aí?

O que disse do outro lado da linha fez Cesar girar ao redor e olhar para ela
repentinamente, sua fúria pulsando. Este olhar fez o coração de Ember acelerar
em terror. Sua boca secou.

—Bem, olá amigo! Estive esperando para que pudéssemos conversar. — Disse
Cesar com os dentes apertados. Um feio sorriso se estendeu por seu lindo rosto.

Ember percebeu quem estava do outro lado da linha e foi então quando seu
coração quase parou de bater completamente.
Christian fechou o SUV por um erro em lugar de dar marcha ré, gritou uma
maldição e desejou, pela primeira vez em sua vida e fervorosamente ter aprendido
a dirigir.

O potente motor levou o carro a frente com uma sacudida e chocou contra a
caminhonete estacionada na frente dele.

Foi capaz de sair de seu esconderijo atrás dos pinheiros e entrar no carro sem
ser detectado, enquanto ainda havia um tiroteio do lado de fora do bunker. Ainda
que os atiradores liderados por Jahad — reconheceu o grande albino — não
tivessem um tiro claro em direção ao homem que estava na entrada principal e
com a determinação de um kamikaze desapareceu dentro, mataram o Ikati atrás
do sedan que estiveram perseguindo, dezenas entraram nos buracos escondidos
no chão ao redor da área como ratos em navio afundando.

Ratos irritados e armados.

Convenientemente os homens de Jahad deixaram a chave no carro. Por sorte,


porque Christian não tinha certeza de que conseguiria encontrá-la, ligou o motor
e olhou para descobrir em que direção virar o câmbio para mover o carro para
frente e para trás.

Antes deste momento, pensava que dirigir um carro fosse algo simples.
Pena que não testou sua teoria em melhores circunstâncias.

Virou o câmbio em outra direção e pisou no acelerador. O carro foi para trás
com uma força surpreendente, lançando-o contra o volante e acertando o para-
choque de outro SUV. Endireitando-se rapidamente, Christian aliviou o pé do
pedal, segurou o volante e deu um giro de 180 graus que milagrosamente o virou
na direção correta da colina. O para-choque de metal demolido saiu voando na
escuridão além dos faróis.

Desta vez, quando apertou o acelerador, sabia o que esperar.

Não olhou para trás para ver se alguém o seguia. Não precisou olhar para ter
uma melhor visão do que pareceu uma pequena explosão, provavelmente uma das
minas terrestre enterradas. Ele estava justo atrás da colina, um rápido olhar no
retrovisor antes de dar a volta na estrada principal, quando uma explosão muito
maior sacudiu a noite, a iluminação ficando laranja, vermelha e azul como um pôr
do sol tropical.

Corpos voaram em câmera lenta. Uma bola de fogo gigante de chamas e


escombro. Uma espetacular visão no céu, então tudo ficou escuro e silencioso,
com exceção de alguns escombros, chamas e o som dos alarmes dos carros entre
as árvores.

—Jesus. — Murmurou Christian, inundado pelo alivio de Ember não estar no


bunker, Cesar aparentemente tinha tudo organizado. Com a quantidade de
explosivos que usou para este espetáculo de luz, duvidava que algo identificável
sobraria.

Logo sorriu com satisfação sombria. Muito bem, Jahad. Aposto que as cabras no
inferno têm dentes muitos maiores do que aquelas que morreram, bastardo miserável.
Tirou o telefone por satélite do bolso com zíper da calça e colocou-o no
assento junto a ele, fez todo o possível para permanecer do lado direito da linha
amarela, enquanto voava pela estrada para fora da cidade.

Levou muito tempo. Seu coração se sentia como se estivesse saindo do peito.
O ar estava muito denso para respirar.

Passando muito perto do tráfego no sentido contrário, cruzou três semáforos


antes de finalmente parar em uma interseção perto do porto. Segundos se
passavam como horas enquanto esperava a luz ficar verde e assim que o fez, voou
como um louco sobre a estrada mais uma vez.

Ember estava com Cesar. Sabia. Sentia em seus ossos.

Como sabia que romperia este filho da puta e arrancaria sua cabeça do corpo.

Abandonou o carro perto do aquário que tinha ali, no estacionamento do porto


e saiu com o rifle em suas costas e o telefone na mão, seguindo a direção do
pequeno ponto vermelho. O cais estava no extremo oposto do estacionamento,
onde as embarcações menores ficavam juntas e os iates maiores além da madeira
flutuante. Barcelona tinha muitos iates com seus ricos proprietários, assim a
marina estava cheia deles, brilhantes, mas não tinham telefone, portanto sabia em
que direção ir.

Quando por fim chegou do outro lado do cais, haviam oito barcos e um deles
ironicamente se chamava Deus da vingança e Christian soube sem olhar o telefone
que Ember estava ali dentro.

Ele sentiu seu cheiro. Estava tão em sintonia com ela que poderia encontrá-la
de olhos vendados no meio da multidão.
Esperou sentir o cheiro de medo, mas estava estranhamente irritada. Com raiva
e sentindo repulsa, Christian não sabia o que Cesar poderia estar fazendo a ela,
para que se sentisse desta forma.

Marcou o número no telefone. Cesar atendeu no segundo toque.

—Armond, fale comigo. O que está acontecendo por aí?

—Você tem algo meu. — Disse Christian, sua voz mortal. Uma sombra se
moveu em uma das janelas dentro do Deus da vingança e o olhar de Christian
acompanhou o movimento.

O convés superior. Certo.

—Bem, olá amigo! Estive esperando que pudéssemos conversar. —Foi a


resposta entre dentes. —De fato, sua namorada e eu estávamos falando de você!

Christian curvou a mão com tanta força ao redor do telefone que a capa de
plástico rachou. — Se estiver ferida, você irá desejar não ter nascido!

—Oh ela está bem, não é verdade, pequeno coelho? Um pouco de sangue, uns
ossos quebrados, mas o pior é o cansaço.

Christian sentiu a raiva aumentar pelo tom intimo da voz de Cesar e esperava
que a sugestão fosse apenas para provocar, quando dizia que Ember estava
sangrando e com ossos quebrados. O mundo ficou negro por um momento
enquanto a fúria o cegava, mas ele inalou lentamente e profundamente,
acalmando-se, deixando sua ira para se concentrar.

Cesar não sabia que estava perto e longe dos bunkers, então tinha o elemento
surpresa, assim Christian disse. —Sei que quer a mim. Vamos fazer um trato.
Diga-me onde está e vou encontrá-lo.
Cesar riu. —Sem tratos. Neste momento não poderia me importar menos. O
gato está fora da bolsa. Minha colônia está comprometida, assim não preciso matá-
lo para impedir que passe minha localização a seu pequeno café de fofoqueiros.

Referia-se ao Conselho de Alfas. Eles iriam adorar serem chamados de


fofoqueiros.

—E agora que tenho September... bom, apenas podemos dizer que você
matou dois dos meus homens, tenho dois seus. Olho por olho, por assim dizer!

Começou a rir, um som maníaco autocomplacente que fez algo desagradável


percorrer a coluna de Christian.

Olho por olho? Que merda estava falando?

Logo, os motores do iate rugiram com a mudança da engrenagem e começou


a se afastar do cais.

Christian tinha duas opções. Aproximar-se em sua forma humana e entrar na


brecha entre o cais e o barco quando se distanciasse, mas iriam sentir sua presença
e seu cheiro. Transformar-se em vapor, não apenas teria que organizar um ataque
surpresa totalmente nu, o que era menos atraente, mas perderia as armas que
carregava, uma faca do guarda, uma pistola e um rifle. Nenhuma das duas
derrubaria Cesar de forma permanente, mas sem dúvida cuidaria de qualquer outro
que estivesse com ele e ao menos Christian teria a oportunidade de resgatar Ember
e sair do iate antes que Cesar pudesse se curar da munição que descarregaria em
seu cérebro.

Mas até então, na verdade havia outra opção: nadar até eles.
Como toda sua espécie, odiava se molhar em sua forma animal e evitava a todo
custo. Mas como homem, Christian era um forte e rápido nadador. E a água
acrescentava a vantagem de amortecer seu cheiro. Se fosse rápido e tivesse sorte,
poderia nadar até a popa e subir a bordo desapercebido, tudo enquanto mantinha
suas armas.

Decisão tomada.

Christian grunhiu no telefone. — Nunca terá o que quer, pedaço de merda. E


eu o verei no inferno antes que permita a você tê-la!

Então, sem se incomodar em sequer desligar o telefone, mergulhou na água


fria da marina com um toque limpo, sem ruídos.

Cesar sorriu ao ver a expressão de Ember enquanto abaixava o telefone ao seu


lado.

— No caso de ter uma ideia errada, seu namorado não virá resgatá-la. Ele está
procurando no lugar errado. Enquanto conversamos, provavelmente está
andando através de cadáveres e se encontra muito, muito longe. Mas ele nunca a
encontrará, coelho. Você e eu teremos muito tempo para nos conhecer
adequadamente.

Isto foi dito em um tom de alegria enquanto se movia diante dela. A metade
do caminho parou, franziu o cenho e olhou o telefone na mão. — Bem, posso
usar o localizador para averiguar onde...
Cortou abruptamente. Apertou algo no telefone, parou por um instante
enquanto olhava fixamente a tela, logo gritava. —Não!

Nico se lançou pela porta. — Senhor? O que foi?

—Ele está aqui!

No instante que pronunciou estas palavras, Ember viu o flash de um


movimento em sua visão periférica. Com um grunhido animal, um Christian
úmido e pingando água se deixou cair sobre Nico com uma faca antes que pudesse
girar. Nico caiu no chão aos seus pés, Christian agarrou o rifle que estava no
ombro e Cesar se virou e começou a correr.

Christian disparou rodada que perfuraram os ouvidos de Ember. Uma onda


de balas perfurou as paredes e quebrou duas janelas antes da arma travar e Cesar
desaparecer por um corredor. O sangue manchando a esquina da porta por onde
desapareceu.

—Merda. Água salgada. — Murmurou Christian, disse para si mesmo. Então,


como se acabasse de percebê-la no sofá encolhida, girou e a olhou.

Deixou cair o rifle. Em uma batida de coração estava ao seu lado, vibrando de
raiva, perigoso, grande e musculoso cm olhos verdes fervendo enquanto se
ajoelhava e a segurava pelos braços, sua expressão de horror, terna e furiosa ao
mesmo tempo.

—Está... Jesus, seu rosto. Bebê, o que ele fez com você?

—Estou bem! É pior do que parece, solte minhas mãos.


Viu seus pulsos presos, puxou a faca do bolso de sua calça e em um movimento
rápido cortou o plástico. Ela gemeu enquanto suas mãos deslizavam adiante e o
sangue começava a circular novamente.

Tocou seu rosto e grunhiu. — Saia do barco! Salte no mar e vá embora... depois
conversaremos sobre este plano estúpido...

—Foi seu plano estúpido em primeiro lugar! E não sei nadar!

Diante de seu olhar incrédulo, Ember disse. — Cresci em Taos, pelo amor de
Deus. Está a dois mil metros do nível do mar! Ninguém nem mesmo tem uma
piscina!

Mas ele não respondeu a isso. Congelou e ficou olhando com o que parecia
horror para seu rosto. Havia manchas de sangue por todos seu nariz quebrado, a
boca e o queixo.

—Eu disse, não é tão ruim como parece...

Puxou a mão que Ember levou ao nariz, colocou seu rosto mais perto e inalou.
Logo inclinou-se para trás como se ela o houvesse apunhalado. Ele ficou pálido.
Seus olhos ardiam com uma emoção impossível de identificar.

Sem dizer uma palavra, ele a levantou nos braços e atravessou a sala, indo em
direção ao convés da embarcação.

Quando passaram pelas portas de vidro que se abria na parte de trás e saíram
ao convés para o ar fresco da noite, foram alcançados por algo duro por trás e
caíram.

Christian saltou sobre ela, mas imediatamente saiu e começou a lutar com
Nico, que saltou sobre suas costas. Rodaram uma e outra vez sobre o convés,
entre silvos selvagens e socos, até que chegaram a uma parede baixa e Christian
ganhou vantagem. Em um movimento cego, ficou sobre Nico, golpeando seu
rosto com os punhos.

Do outro lado do convés, uma fina forma prateada rodou até Ember e parou
apenas alguns centímetros de distância.

Sua boca se abriu. Seus pulmões deixaram de funcionar. O coração deu um


salto em sua garganta.

O detonador. Nico estava com ele.

—Pule Ember! Estarei justo atrás de você! —Gritou Christian, derrubando


Nico que apenas colocava as mãos diante do rosto para se proteger dos golpes.

Mas então Cesar apareceu na porta. Ember pegou o detonador e o escondeu


atrás das costas.

Em sua mão Cesar tinha uma arma. Apontava diretamente para Christian.

—Pare! — Gritou.

Christian ficou imóvel, olhando para ele e seus lábios se abriram para mostrar
os dentes. — Uma dezena de balas não irão me derrubar. — Grunhiu, o
assassinato em seus olhos. Nico estava imóvel e sangrando sob ele.

—Certo. — Cesar disse suavemente. — Mas irá derrubar ela. — Logo se virou
para Ember com a arma e sorriu.

Tudo parou. As batidas do coração, seus pensamentos, o próprio tempo.

O rosto de Christian ficou lívido pelo ódio. — Filho da...


— Acabou sendo um homem muito inteligente. — Interrompeu Cesar. Pouco
a pouco se aproximou de Ember, ao mesmo tempo mantendo a arma apontada
para a cabeça dela. —Nunca percebi quando estava vivo, mas meu pai era
realmente um gênio. Prevenido de uma forma que agora posso respeitar. —Seu
sorriso ficou irônico. — Diferente de você.

Chegou do lado de Ember. Sem afastar o olhar de Christian disse. — Fique de


pé, coelho. — Balançou a arma.

Tremendo incontrolavelmente Ember se levantou. Cesar estendeu a mão e a


puxou para ele com a mão em seu cabelo. Ela gritou, mas ele a silenciou
empurrando a arma contra sua bochecha e grunhindo em seu ouvido. — Outro
grito e sua cabeça voará. Mas detonarei a cabeça dele primeiro para que possa ver.

Agora estavam a cinco quilômetros da marina. Barcelona estava brilhante


contra as escuras colinas que se elevavam desde o mar. Vento agitava o cabelo de
Ember, levando-o ao seu rosto e a nevoa ardia seus olhos. A arma estava fria e
dura contra seu rosto.

—De pé. —Cesar disse para Christian. Com um olhar sombrio em seu rosto,
Christian obedeceu.

Ember o olhou e viu o que deveria fazer.

—Espere. — Sussurrou ela, girando a cabeça para olhar para Cesar. —Tenho
uma proposta para você.

Cesar bufou. — Como se tivesse algo para negociar. Já disse, coelho, sem
acordos. — Tirou a arma de seu rosto e apontou para o peito de Christian e cada
célula do corpo de Ember saltou gritando.
—Posso suportar muita dor. — Sussurrou, olhando fixamente com uma
intensidade similar ao laser no perfil de Cesar. — Já viu a placa de metal no meu
braço. Já suportei muita dor para uma pessoa normal. O médico que colocou estas
placas em meu braço, disse que tinha uma alta tolerância a dor, mais que qualquer
paciente que já teve.

Hesitou apenas tempo o suficiente para fazê-la saber que ouvia. Lembrando a
forma como se excitou com a visão de seu sangue e o dele próprio, lembrando a
emoção sombria em sua voz quando torturou Marguerite e a chama de luxuria em
seus olhos quando ele quebrou seu nariz, Ember disse. — Porque gosto.

Cesar deslizou seu olhar para ela e ela assentiu lentamente, olhando
profundamente em seus olhos.

—Preciso da dor, preciso sentir dor. Costumava me cortar apenas para poder
senti-la, assim podia me observar sangrando. Somos iguais, você e eu somos os
lados opostos da mesma moeda.

A respiração de Cesar ficou desigual. Suas pupilas se dilataram. Umedeceu os


lábios.

Estava funcionando. Na verdade, isto poderia funcionar!

Em voz gutural lhe perguntou. — Alguma vez alguma mulher lhe implorou
para que batesse mais forte?

—Pare com isto, Ember. —Gritou Christian, mas foi ignorado pelos dois. Os
olhos de Cesar estavam fixos nela.

Apoiou-se nele, roçando os seios em seu peito. — Já aconteceu... Senhor?


Ele a olhou, congelado, suas bochechas vermelhas, então se aproveitou de sua
vantagem.

—Se deixar que ele vá, prometo que nunca tentarei fugir de você. Nunca o
desobedecerei. Eu o servirei da forma que quiser pelo tempo que quiser. —Ela
sussurrou ao seu ouvido. — Sangrarei por você, gritarei por você e irei adorá-lo.

Manteve-se imóvel por um momento. Ember sentiu que seu coração estava
acelerado no peito. Sussurrou. — Está mentindo.

Ela inclinou a cabeça para trás, deixando ao descoberto sua garganta. — Sei
que pode sentir a diferença entre uma mentira e a verdade. Adiante. Você decide.

Logo fechou os olhos e cruzou os dedos para que todas as coisas quebradas
em seu interior se rompessem o suficiente para convencê-lo de que não era apenas
uma estratégia para deixar Christian em segurança... e apenas ele.

Por trás agarrou o detonador com a mão trêmula, era um peso leve e frio.

Inclinou-se mais perto. Ela sentiu o roce dos lábios no pulso da garganta.
Ouviu-o inalar contra sua pele e logo exalou, suas seguintes palavras foram
pronunciadas em um sussurro tenso, rouco.

—Bom, bom... o meu pequeno coelho não tem medo depois de tudo.

Afastou-se e a olhou com os olhos estreitos, a mandíbula apertada. O pulso


no pescoço rápido.

Logo se virou para Christian e disparou balas sobre sua cabeça.

Ember saltou, mas Christian não se moveu em absoluto. Ele simplesmente a


olhava, imóvel, tenso como uma corda de arco quando se ajoelhou sobre o
inconsciente Nico.
—Ao mar. — Disse Cesar e Ember sentiu uma onda de alivio tão profundo
que quase caiu de joelhos. A mão de Cesar ainda um punho em seu cabelo a
ajudando a se manter de pé.

Quando Christian não se moveu, Cesar disse. — Faça-me dizer novamente e


ainda cairá no mar, mas com uma bala na cabeça.

Suave e silenciosamente Christian passou sobre a forma inconsciente de Nico.


Olhou entre ela e Cesar, logo disse. —Apenas se mantenha viva. Eu a encontrarei.

Cesar nivelou a arma no rosto de Christian. —Uma palavra mais amigo, apenas
uma e tudo termina.

Com o peito agitado, o nariz aberto e a fúria ardendo em seus olhos, Christian
retrocedeu lentamente contra a parede baixa do convés. Ele se apoiou nela,
calculando, procurando qualquer oportunidade, seu corpo tenso para o mergulho.

Ember sabia que estava ganhando tempo. Não iria saltar, esta era a calma antes
de uma tempestade se romper.

—Se não ouvir o mergulho e vê-lo flutuando diante de nós, todas as apostas
estão fora. —Disse Cesar.

Christian levantou as mãos e o ar se deformou e brilhou. Sua raiva era uma


coisa palpável, caindo sobre ela em ondas e levando um sorriso ao rosto Cesar.

—Foda-se. — Zombou.

Então os olhos de Nico se abriram piscando. Olhou para Christian de pé sobre


ele, deixou escapar um grito, ficou de pé com um movimento rápido e se lançou
sobre ele. Golpeou Christian no peito com sua força total.

E ambos caíram sobre o muro do convés e desapareceram abaixo.


Ember gritou. Houve um golpe plano na água e logo nada. Vários segundos
depois duas cabeças apareceram na espuma branca se formando atrás da
embarcação. Houve uma luta rápida, logo apenas uma cabeça ficou flutuando na
água escura.

Christian. Gritou algo, mas o ventou o levou e Ember observava a medida que
ficava cada vez menor à medida que o barco navegava pela noite.

Eu o amarei para sempre.

As lágrimas se agruparam em seus olhos, logo deslizaram pelas bochechas


enquanto Christian desaparecia por completo, engolido pela escuridão.

—Agora. — Cesar disse, girando ao redor dela com ambas as mãos em seus
braços, puxando-a com força contra o peito. Ele sorriu triunfante para ela. —
Veremos exatamente a quantidade de dor que consegue suportar.

Ember sussurrou. — Exatamente muita.

Logo fechou os olhos e apertou o dedo no detonador.

No momento infinitesimal antes da explosão cair aos seus pés e o mundo ficar
negro, seu último pensamento foi: aconteça o que acontecer.
Muitos viram a enorme explosão nas águas escuras de Port Vell esta noite,
muitos viram a outra grande explosão nas colinas da cidade, muitos deles viram as
duas. Mas havia apenas uma pessoa próxima o suficiente das duas viu os corpos
voando.

Christian.

Estava flutuando na água fria quando o iate foi despedaçado em uma erupção
trovejante que enviou uma onda de choque de calor crepitante sobre ele e uma
bola laranja de fogo e fumaça se elevando ao céu, sem deixar de gritar como esteve
fazendo desde que caiu na água, as palavras que o vento roubou de seus lábios. As
palavras que Ember nunca ouviria.

Está grávida.

A água salgada o afogava. Estava cego pelas lágrimas. Nem sequer se


incomodou em esperar até que a enorme bola fogo se contraiu e os escombros
deixou de chover sobre as ondas.

Então ele começou a nadar. Freneticamente, tão rápido como pode, nadou.
A morte não era tão tranquila e silenciosa como Ember esperou que fosse.

Por um lado, não havia muito o que falar. Claro, as vozes não eram ruidosas,
mas a forma como se queixavam constantemente, as cadências de subida e depois
baixo enquanto se mantinham indistintas, era muito irritante. Queria gritar com
elas para se calarem, porque estava tentando se concentrar em sua morte, mas sua
garganta não funcionava corretamente. Sua língua grossa, sentia como se tivesse
um animal morto dentro da boca.

Logo havia o incessante toque. Imaginou que poderia ser algum tipo de artigo
mecânico desenhado para receber as almas no inferno, algo que poderia
transportá-la, talvez cheia de espíritos sem corpos de mortos recentemente em seu
caminho para serem ordenados. Ou talvez fosse uma sala de espera como no filme
Os Fantasmas se Divertem, cheia de mortos recentes e o som do relógio da
eternidade, que anunciava sempre a mesma hora, que não se movia.

Também, havia um inferno de muita dor. Sempre pensou que morte não traria
dor, sobretudo porque já não tinha um corpo, mas de alguma forma a agonia a
percorria, como um ninho de serpentes irritadas. Como era possível se não tinha
nervos?

O pior, no entanto, era o choro.


Era suave, sufocado e angustiado, seu tom de completa miséria, pior que tudo
combinado. Ela captou algumas palavras sussurradas que a lembrava de algo, mas
não podia se lembrar totalmente.

—Não me deixe, pequeno foguete. Por favor, por favor, não me deixe.

Isto foi seguido por um soluço baixo, sufocado, logo outro.

Ember odiou ouvir isto. A dor daqueles soluços era... era...

Horrível. A incomodava. Muito.

Ember queria confortar esta pessoa. Queria tanto que conseguiu abrir os olhos,
ainda que pareciam fora de foco quando tentou olhar ao redor procurando a fonte.

E isto aumentou sua confusão, porque a outra vida parecia muito a... um
quarto de hospital. As paredes brancas, cortinas penduradas no teto, um forte
cheiro de antisséptico no ar.

Que decepcionante. Porque alguém iria decorar a outra vida como um quarto
de hospital? Honestamente, algumas pessoas não tinham imaginação. Ou talvez
fosse o doente sentido de humor de Deus?

Ou talvez do diabo?

Em todo caso, quem quer que fosse, estava segurando seu braço esquerdo.

Uma cabeça de cabelos negros brilhantes, ombros largos se sacudindo, duas


grandes mãos inclinadas em uma cadeira junto a cama. E lágrimas, quente e
úmidas, deslizando sobre sua pele.
Com uma voz que soava como se emanasse do fundo de poço, Ember
sussurrou. — Ei. Estou tentando permanecer morta aqui. Poderia por favor,
cortar isso?

Logo, o homem levantou a cabeça e a olhou em estado de choque e ao mesmo


tempo alegria com os olhos vermelhos. Ember se sentiu eletrocutada quando sua
memória voltou de uma vez.

Christian. O homem era Christian. E parecia muito vivo.

O que significava que não estava morta depois de tudo.

Levantou-se da cadeira e começou a plantar beijos frenéticos em todo seu


rosto, falando seu nome em um sussurro reverente como se estivesse fazendo uma
oração.

—Ember, Ember, oh Deus, Ember...

O murmúrio no quarto parou abruptamente e então ela se viu rodeada de


pessoas e todos falando ao mesmo tempo.

—Está acordada!

—Jesus, que susto nos deu!

—Afastem-se, deixem que respire!

—Meu Deus, chame o médico! Chame o médico!

—Eu disse que Ele cuidaria de você.

Este último foi pronunciado com uma tranquila satisfação por Clara, que
estava do lado direito da cama de Ember junto a um sorridente Dante com um
curativo do lado da cabeça. Clara usava um pijama rosa, segurando Peter Parker e
tinha um tudo de oxigênio de plástico, unido a um tanque portátil, sob seu nariz.
Pálida e magra, com olheiras escuras sob os olhos, olhava Ember com a serenidade
de uma Madona medieval.

—Deus. — Explicou Clara, ao ver a confusão de Ember. — Lembra-se? Eu


disse que pedi a ele para cuidar de você e ele disse que o faria. Assim o fez.

Ela encolheu os ombros, como se fosse absurdo qualquer um deles duvidar e


os olhos de Ember se encheram de lágrimas.

Quem quer que fosse, alguém sem dúvida, cuidou dela, deveria estar morta.
Talvez fosse o momento de devolver o favor e começar a agradecer pela vida em
vez de desejar outra alternativa.

Virou a cabeça, movendo-a lentamente pelo quarto, antes de ficar um pouco


mais lúcida e do outro lado da cama, uma mão, de Asher, mordendo o lábio
inferior e segurando as lágrimas, também um Rafael assustado. Atrás deles
Christian, ainda sobre ela, parecendo como se estivesse a ponto de ter um ataque
de nervos.

Ao pé da cama Allegra e Analia, pálidas e vestidas de negro de forma idêntica.

—Marguerite. — Ember sussurrou, sentindo uma imensa culpa quando as


lembranças voltaram também como facas afiadas.

—Não foi sua culpa. — Disse Allegra, seu rosto redondo franzido. —
Sabemos... — Engoliu e umedeceu os lábios. — Sabemos que foi um monstro
que o fez. Aquele homem. Sabemos que foi ele que... o Papa...

Ela estava tendo problemas para pronunciar as palavras e Anália colocou uma
mão nas costas de sua irmã. Ela parecia tranquila com isso e se endireitou. —Mas
você o matou. Ele está morto, isto é o que importa agora. Ele não pode machucar
ninguém mais.

Você o matou. Ember olhou para Christian em estado de choque, procurando


seu rosto. Ele assentiu, com o rosto cheio de olheiras e sem se barbear. Nunca
pareceu tão... humano. Tão vulnerável. Grande e lindo, capaz de matar em alguns
momentos e parecer uma criança perdida em outros.

Era doloroso conversar, mas conseguiu. — Mas como... se...

— Acho que ele lhe protegeu da explosão. Estava de pé na sua frente,


bloqueando-a. Ele deve ter recebido a maior parte do impacto porque não
sobrou... nada dele. Procuraram nos escombros, foram até o fundo do oceano,
procurando na costa onde qualquer pessoa poderia ter ancorado na correnteza.
Havia muitos escombros do iate, mas...

Calou-se, olhando-a com olhos atormentados e logo disse em um sussurro


sufocado. — Pensei tê-la visto morrer.

Seu belo rosto enrugado. Deixou-se cair de joelhos junto a cama e colocou o
rosto em sua barriga, agarrando com tanta força que sacudiu.

Ember foi superada pela emoção. Ela levantou a mão para acariciar seu cabelo
e piscou quando viu que estava envolta em gaze. Como estava todo seu braço
direito.

—Você se queimou. — Explicou Asher suavemente. — Queimaduras de


primeiro e segundo grau, sobretudo na mão direita, no braço e as pernas. Houve
um sangramento e inflamação nos pulmões pela pressão da onda de choque e seus
intestinos bom, não irão funcionar direito por um tempo. Os médicos disseram
que teve sorte por não estar em um espaço fechado e estar na água lhe ajudou a
protegê-la dos escombros. O pior foi a inflamação do cérebro, ainda...

Engoliu e Rafael o olhou e apertou sua mão. Asher sussurrou. — Tiveram que
fazer uma cirurgia para aliviar a pressão. Pensamos... não sabíamos... os médicos
não tinham certeza se iria se lembrar... se ficaria... que...

Tocou a mão na cabeça e sentiu a pele, estava sem cabelos onde rasparam, uma
fila irregular de pontos de sutura. Cristo. Com o nariz quebrado, a cabeça raspada
e queimadura, provavelmente se parecia com a noiva do Frankenstein.

Christian levantou a cabeça e a olhou fixamente nos olhos. Seus olhos eram
selvagens e abrasadores. — E você? — Perguntou com voz rouca. —Lembra-se?

Ela lhe sorriu e observou seus olhos se encherem de esperança. —Como se


pudesse esquecer um só momento com você. —Sussurrou.

E ali estava novamente, este aspecto que começou a conhecer tão bem. Seu
olhar era tão intenso e ardente, tão cheio de amor, pensava que poderia iluminar
os dois com o fogo nele. Sentiu uma onda de calor na atmosfera e se inclinou
sobre a cama e a beijou, com paixão, a boca pressionando duro e quente contra a
sua.

Doeu.

Ela fez uma careta e protestou. — Ai. — Christian se afastou em um instante


com uma desculpa sussurrada e houve risadas de Dante e Asher e uma um pouco
nervosa de Rafael.
—Devemos deixá-la descansar. — Disse Dante, envolvendo seu braço ao
redor dos ombros de Clara e aproximando-a. Neste preciso instante, uma onda de
fadiga a percorreu e sentiu o corpo muito pesado.

—Não preciso descansar, quero falar com todos. — Disse ela, mas saiu
ilegível. Suas pálpebras se fecharam.

Asher estendeu a mão e apertou a mão esquerda dela, disse em voz baixa. —
Até logo, cabeça oca. Eu te amo. — Levou Rafael até a porta. Anália e Allegra se
despediram também, logo Dante e Clara que deu um beijo em sua bochecha e
acrescentou o de Peter Parker.

Então ela ficou sozinha com Christian.

Ele abaixou a barra de metal do lado esquerdo da cama e deitou-se junto a ela,
movendo os tubos transparentes em seu braço e pescoço com cuidado fora do
caminho, colocando um braço sob seu pescoço e suavemente segurando-a.
Começou a acariciar seu rosto e cabelo, levemente colocando-o para trás. Parecia
prudente, sóbrio e vigilante, como se a qualquer momento pudesse desaparecer
em uma nuvem de fumaça.

—Quanto tempo estou aqui? —Perguntou Ember, aliviada por suas atenções.
Suas pálpebras se fecharam e ela suspirou, cheia de alegria e tranquila.

Estava viva. Christian estava vivo. Cesar estava morto.

Tudo ficaria bem.

—Muito tempo. — Sussurrou roçando um beijo leve como uma pluma em sua
testa. — Cinco dias que pareceram como cinco mil. — Riu. — E os médicos estão
cheios da minha presença. Tenho certeza que ficarão felizes ao ver que acordou e
poderão nos enviar para casa.

Ela arqueou uma sobrancelha para ele e disse. — Não fui exatamente paciente
com eles. As palavras dominante e louco foram usadas em mais de uma ocasião.

E porque isto não a surpreendia?

Seu estômago rugiu alto e Ember reclamou. —Quando foi a última vez que
comeu? — Mal saiu bagunçado.

—Não sei. Não importa. O único que importa é que está nos meus braços
neste momento. — Abaixou a voz. — E se você alguma vez fizer algo tão
estupido, eu mesmo te mato. Não posso viver sem você pequeno foguete.

—Aff.

Ele lhe acariciou um pouco mais até que murmurou. — A Dra. Flores ligou.

Os olhos de Ember se abriram mais. Ela o olhou e ele a olhava com adoração.

—Vamos trabalhar em seus problemas juntos, sabe disso, não é?

Era inútil discutir, ela sabia. Assim que se limitou a assentir e colocou a cabeça
sob seu queixo, entre o pescoço e o ombro. Ela inalou, sentindo o cheiro
maravilhoso de especiarias e pele, pensou em casa.

Deve ter dito em voz alta, porque ele riu novamente e sussurrou. — Onde
quer que estejamos juntos, é nosso lar, anjo. No entanto, se estiver aberta a isto,
gostaria de voltar a Sommerley para que nós três possamos ter um verdadeiro lar.
Leander e Jenna realmente querem conhecer você e quero que os conheça. Todos.
É uma espécie de lenda entre a minha espécie agora, o ser humano que arriscou
sua vida para salvar todos...
—Não por eles. — Ela suspirou em seu pescoço. —Por você. Eu o fiz por
você. A Inglaterra soa bem. Talvez possa te ensinar a dirigir.

Ela sentiu seu peito subir e descer com a profunda exalação. Ele apertou seus
braços ao redor dela e deu-lhe um beijo na testa.

Ainda que sua mente estivesse confusa, pensou em algo e franziu o cenho. Ela
levantou a cabeça e concentrou-se no rosto de Christian. —Nós três? Quer que
Asher venha também?

Seu sorriso era lindo. Engoliu saliva e seus olhos brilharam com lágrimas. —
Não anjo. Sem Asher. Alguém mais. Alguém que você irá adorar muito mais.

Ele moveu a mão de onde estava acariciando seu braço e a estendeu sua grande
palma suavemente sobre seu ventre.

Ember piscou. O inchaço no cérebro seria um problema depois de tudo,


porque não ouviu direito ou processou incorretamente o que estava dizendo. Ela
se limitou a mover a cabeça confusa.

—Nosso pequeno milagre. — Sussurrou, os olhos brilhando de devoção. —


Acho que é ainda mais teimoso que nós, ele conseguiu contra todas probabilidades
sobreviver. É um lutador... como sua mãe.

Algo enorme apertou o peito de Ember. Algo exageradamente enorme,


brilhante e impossível, que não tinha nome, mas levava consigo toda esperança,
sonho e final feliz no universo, de toda história. Nem sequer se atreveu a respirar
com medo de ser mentira.

Seus olhos estavam muito abertos, tanto que não podiam se abrir mais.
—Não. — Sussurrou enquanto olhava nos olhos de Christian. —Não é
possível. O acidente... os médicos disseram...

—Ao parecer estavam errados. — Disse com um sorriso nos olhos.

A pressão no peito a esmagava. De repente não podia respirar. Seus olhos


estavam úmidos. Suas mãos começaram a tremer.

—Está me dizendo... o que está dizendo é que...

—É um menino. — Disse suavemente quando ela não pode continuar. — Os


médicos não sabem ainda, porque é muito cedo, mas eu sim. — Tocou se nariz
sorrindo.

Ember começou a achar que o relógio da eternidade começou a acelerar,


soando violentamente no silêncio do quarto. Era o monitor de ritmo cardíaco e
Christian se incorporou e o olhou, vibrando de repente com tensão e preocupação.

—Está bem? Está sentindo algo? Diga o que fazer, o que precisa.

—Você. — Ember soluçou, curvando a mão ao redor da frente de sua camisa


e puxando-o para seu lado. —Tudo o que preciso é você.

Relaxou junto a ela, esticou-se como um leão descansando e segurou seu rosto
entre as mãos. Ela o olhou através das lágrimas e disse. — Então nós dois estamos
presos junto, porque nada irá me separar de você. Nada.

Ele apertou os lábios contra os dela e murmurou. — Aconteça o que


acontecer.
Nas primeiras horas da manhã de 31 de março fizeram três ligações telefônicas
muito importantes, para três homens muito diferentes. As três ligações que
mudariam o curso do futuro.

Cada um destes homens era um líder entre suas espécies. Cada um era
ambicioso e cada um era frio e sem coração.

E cada um deles ficou gravemente ferido.

Dois deles sofreram lesões graves que os incapacitaram para sempre. Um deles
perdeu uma perna, uma mão e boa parte de sua sanidade ao pisar em uma mina
terrestre. Outro ficou preso na queda de rochas quando um túnel sob o bunker
caiu, mas foi salvo da morte por algumas vigas se aço que se dobraram, mas não
romperam. Sofreu feridas por estilhaço da explosão que provocou o colapso de
um pulmão e danos causado pela inalação de fumaça. Também desenvolveu uma
claustrofobia paralisante por ficar preso na escuridão sob a terra durante horas
antes do resgate finalmente encontrá-lo.

O terceiro homem não era realmente um homem em absoluto, estava


destroçado e mutilado de forma irreconhecível, mesmo para os curiosos peixes
que nadavam até ele para investigar, flutuando boca abaixo no mar, não era outra
coisa que pedaços na água.

Os dois primeiros levariam meses para se curar de suas feridas, para seguir
adiante com suas vidas como antes, mas levou ao terceiro homem apenas alguns
minutos para se curar e levantar a cabeça, com uma furiosa tosse pela água do mar,
cuspindo como uma chuva.

O primeiro homem fez sua ligação telefônica enquanto era transportado para
o hospital local na parte de trás da ambulância. Ainda que em estado de choque e
sofrendo uma severa perda de sangue, conseguiu convencer os paramédicos a
emprestar um telefone celular e marcou o número que sabia de memória. Não
havia uma pessoa vida no extremo desta ligação, mas uma máquina que recebeu
sua mensagem e que voltaria a se reproduzir mais tarde porque ele tinha a intenção
e os meios para girar as rodas.

Sua mensagem era simplesmente um número de matrícula, memorizado


apenas momentos antes de pisar na mina.

O segundo homem ligou para o Vaticano, uma linha particular que apenas
algumas pessoas no mundo sabiam. Quando atenderam o telefone, recitou um
versículo em latim do Evangelho de Pedro. — Seja vigilante, seu adversário o diabo,
ronda como um leão rugindo, procurando a quem devorar.

Ao que uma voz do outro lado da linha respondeu. — Mas nós o derrubaremos
primeiro.

Feita de um telefone público no porto Port Vell, a ligação do terceiro homem


foi a cobrar, já que estava nu e não tinha dinheiro. Foi tão breve como as outras
ligações e consistiu em apenas três palavras, pronunciadas em tom alto, sobre os
gritos da sirene da polícia que se aproximava.

—Deixe cair O Martelo.


Era domingo de Páscoa em Barcelona e o mundo nunca seria o mesmo outra
vez.

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