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Domingo de Páscoa
Olá, humano,
Sei que seu tipo é dos que normalmente se aborda como Presidente ou Primeiro
Ministro, Canciller ou Ministro de Assuntos Exteriores, inclusive com o título mais
divertido —Líder Supremo — sim, sendo humano, jamais poderia ser supremo sobre
nós, mas não tenho nenhum uso para os títulos idiotas. São tão sem sentido para mim,
como seus nomes, quase tão desagradáveis como sua própria existência. Para mim é
uma coisa e apenas uma coisa: ser humano.
Inimigo.
Reconheço que há entre nós aqueles que não concordam com esta etiqueta — amo
— já que são suas debilidades e farsas, tolamente tolerantes com suas pequenas e
insignificantes vidas. Imagino que acha encantador e adorável como gatinhos recém-
nascidos: torpes sobre pernas trêmulas, cegos, fracos e indefesos. Vocês são todas estas
coisas, com certeza, mas tenho que admitir que seu encanto me escapa, da mesma
forma que o encanto de um vírus me escapa. De fato, de todos os seres vivos deste
planeta, se assemelham a um vírus, quando olhado mais de perto. Vocês se proliferam
com uma velocidade sem sentido de uma bactéria. Toma, toma e toma, até que tudo o
que sobra é doença e ruinas, logo seguem adiante e começam o processo novamente.
Vocês destroem este planeta a muito tempo. Vou cuidar disso agora.
A partir de hoje.
Somos vapor, predadores rápidos, deslizando entre a morte, relíquias de uma época
em que a natureza e a beleza abundava e a magia ainda vivia e respirava. Nascemos
na África equatorial, onde toda a vida se originou, somos os filhos primogênitos da
Mãe Terra e sua mais esplêndida criação.
Estamos a ponto de fazer história, verá. Sem dúvida acha que já fez, com sua
riqueza, seu título e seu poder, mas tudo isso não é nada em comparação com a fama
eterna que vou derramar sobre você.
O tipo de fama que apenas pode conseguir com uma espetacular morte, inesquecível.
Assim seja rápido agora e olhe para cima, a partir destas palavras, viu a criatura
esbelta que se aproxima com passos silenciosos? Não importa como passou além de
seus guardas de segurança e seus patéticos sistemas — vê seu sorriso astuto, a sede de
sangue em seus olhos? Seu pulso se acelera com o conhecimento de que este será seu
último suspiro e a quem verá?
A mim. Estou contigo inclusive agora, em seus momentos finais, que todos os que
vivem em minha imaginação do mesmo modo que está vivendo na carne. Esperei toda
a vida para isto e estou disposto a admitir que devo lhe agradecer em parte.
Devido a que, com sua morte e a morte de todos os outros líderes humanos como
você, estão neste mesmo momento também lendo uma cópia desta carta, assim irão me
ajudar a governar o mundo.
Ciao2, meu inimigo.
Cesar Cardinalis
2 Olá em italiano.
A primeira vez que Ember colocou os olhos no homem que destruiria sua vida,
soube com uma certeza aguda de gelar o sangue, como uma faca entre suas
costelas, que poderia descrevê-lo em uma palavra — perigoso.
Não seria muito depois que descobriria o perigoso que era na verdade, mas
nesta noite em particular, no meio do frio de uma tempestade de fevereiro, de pé
onde ficava seis dias da semana, desde as dez da manhã até as seis da tarde, atrás
do balcão de madeira polida de Livros Antigos, a pequena livraria cômoda do
antigo bairro gótico da cidade. Era perto da hora de fechar, através das altas janelas
que estavam ao lado da porta via a chuva caindo como lâminas na escuridão, do
lado inclinado, batendo fora alto o suficiente pelo concreto desigual da estreita rua
para indicar que não pararia logo.
Era um mal dia em um mês ainda pior por anos e estava cansada até os ossos.
Com apenas vinte e quatro anos, sentia-se décadas mais velha, já que sobreviveu
a coisas que poderiam ter enviado outras pessoas menos obstinadas diretamente
para a tumba. Nunca se permitiu o luxo da autocompaixão, mas não podia escapar
da fadiga profunda nos ossos ao se arrastar para cima dela em uma noite como
esta.
Não chovia em suas más lembranças. O mesmo nesta hora melancólica, justo
depois do entardecer quando os últimos raios da luz dos dias felizes eram
devorados pela fome, a difusão da escuridão na noite. No momento em que a
porta da loja se abriu e a pequena campainha de prata de boas-vindas cantou seu
tilintar alegre, o único que queria fazer era ir para casa, tomar um banho quente e
ficar na cama.
Olhou para cima para ver quem entrou e foi como se uma mão invisível se
estendesse e agarrasse seu coração.
Não foi sua roupa, um terno cinza sob medida, nem seus sapatos negros
Ferragamo3 polido, um relógio platino com diamantes Patek Phillipe4 que sabia
custar mais do que ganharia em uma década ou sua tranquila confiança ou a forma
como deslizava sem fazer ruídos enquanto se afastava da porta, os sapatos
reluzentes silenciosos contra o piso como se não o tocassem, que lhe indicou.
Assim como o resto de seu corpo e ela não era a única que pensava assim. O
enorme grupo de mulheres que abriu caminho enquanto ele lentamente passava
pelas mesas baixas e os livros na vitrine era uma evidência disso.
Devido a Ember ser o tipo de garota que desprezava este tipo de homem, que
reduzia mulheres inteligentes a uma poça de gelatina, uma substancia pegajosa, o
odiou à primeira vista.
Porque deveria ser mais bonito que a mulher mais bonita no lugar? E
provavelmente do mundo? Na verdade, era indecente. A menos que ganhasse a
vida como modelo ou acompanhante, nenhum homem deveria prestar tanta
atenção a seu guarda-roupa. Ou a sua aparência. Seu cabelo negro e brilhante,
curto dos lados e na parte de trás um pouco maior, era tão perfeito como o
restante.
Ou talvez fosse homossexual? Era tão difícil dizer, estes homens espanhóis
eram muito sofisticados e melhores preparados que os rapazes que conheceu em
casa, nos Estados Unidos. Ember desejava que seu amigo Asher estivesse ali para
resolver a questão. Seu amigo gay era muito melhor avaliando estas coisas.
Cassino Royal? O livro que lançou James Bond como um ícone pop? A
coincidência pelo fato dela tê-lo imaginado quase assim, em si mesmo, era incrível.
Perguntou a si mesma se os olhos verdes podiam ler a mente. Além de ser a rainha
da beleza.
Claro que queria algo perfeito. Desde seu aspecto, perfeito em tudo, parecia
como se estivesse acostumado a isto, durante toda sua vida.
Isto a surpreendeu. Ember tinha certeza que não apertou os lábios, riu
dissimuladamente ou deu outra prova física do que estava pensando. Apesar de
não ser do tipo supersticiosa, a vaga ideia de que talvez isto fosse muito estranho,
apesar do cuidado excessivo, ele ler sua mente se aprofundou a algo perto da
certeza.
—Mmmm não. Claro que não. — Limpou a garganta e tentou usar seu melhor
rosto de profissional interessada. Ainda era um cliente depois de tudo e tinha que
ser educada. A livraria e os livros raros de seu pai começaram a entrar em queda
desde que ele morreu há três anos. Bom, tecnicamente desde que abriu há cinco
anos. Seu falecido pai, um artista e sonhador, tinha um fetiche por recolher livros,
não era um bom homem de negócios. E se ela fosse honesta, não estava realmente
a altura também. Herdou tanto sua capacidade artística como sua falta de visão
para os negócios. A música sempre foi a sua.
Assim, se o Sr. Olhos Assassinos queria gastar seu dinheiro, deveria ser mais
amável com ele. Ela pensou que deveria lhe advertir, no entanto, apenas para ser
justa. —É uma inversão substancial, no entanto. Uma primeira edição em perfeitas
condições é provável que custe...
Nem sequer esperou que dissesse o preço. Não parecia no mínimo interessado
no preço. Ember não sabia se estava sendo arrogante ou se na realidade era uma
dessas pessoas que nunca perguntavam os preços das coisas. Fascinada a seu pesar,
se perguntou se seria isto. Impressionante, sem dúvida. Totalmente
impressionante.
Sua aversão deu um brusco giro para a inveja. Então ficou irritada consigo por
ser tão mesquinha e ainda mais irritada com ele por tê-la feito se irritar consigo
mesma.
Antes que pudesse abrir a boca para responder, seus olhos se estreitaram
novamente. Mas ele não parecia irritado, apenas desconcertado. —Seja o que for
que estou fazendo para incomodá-la, me desculpo sinceramente. Não foi a
intenção.
Esticou uma mão para ela, mas logo pareceu pensar melhor quando de repente
levantou a cabeça e passou a mão pelo cabelo, entre as mechas escuras bem
cortadas. Suspirou, deixou cair a mão novamente de lado. —Vou deixar meu
contato, certo? —Sem esperar resposta, pegou a caneta no balcão junto a caixa
registradora. No caderno branco junto a coleção de canetas, escreveu algo em
traços rápidos e precisos. —Ligue quando chegar. Estou deixando o número do
meu cartão de crédito, assim pode cobrar o preço que lhe parece justo.
—Você deve ver o que está pagando. —Explicou, levantando a mão delicada
até a corrente que sempre usava ao redor do pescoço.
Era um hábito inconsciente, algo que ela fazia quando estava preocupada ou
irritada e os olhos agudos dele não perdeu isto. Ele a viu girar os dois anéis de
ouro na corrente entre seus dedos e seu rosto suavizou. Ele assentiu com a cabeça,
como se houvesse tomado uma decisão sobre algo.
—Não sou o tipo de homem que precisa ver as coisas para acreditar nelas. —
Disse, ainda observando-a torcer a corrente.
Isto ia contra a opinião que formou sobre ele nos poucos momentos desde
que se aproximou do balcão. Parecia um homem que não acreditava em tudo o
que não estava escrito em um contrato, visível a simples vista ou de outra forma
demonstrável, sem sombra de dúvida.
Pareceu tomar isto como uma espécie de desafio, porque seus olhos brilharam,
logo um lento sorriso tocou seu rosto. — Estenda a mão e feche os olhos.
Isto fez suas bochechas ficarem ruborizadas. Estava paquerando com ela?
Não, homens como ele não paqueravam garotas como ela. Mulheres simples.
Mulheres em ruínas. Mulheres com uma boa mão e dois pés esquerdos e uma vida
que a asfixiava tanto que queria gritar.
Disse estas últimas três palavras como se fosse um desafio e a olhava desta
forma também.
No entanto, devido a ter uma conta bancária sem fundo e precisar da venda,
Ember ofereceu em silencio sua mão direita com a palma para cima.
Foi sua vez de estreitar os olhos nele. Olhou ao redor da loja. Havia uma
dezena de pessoas dentro, uma mulher do clube de leitura as quartas estava
sentada em uma mesa na parte de trás da loja, seis deles estavam em outras mesas
e outros clientes andavam pelos corredores. Ela estava provavelmente segura.
Quando seu olhar caiu sobre Christian, seus lábios se apertaram, mas seus
olhos estavam brilhantes e divertidos, como se estivesse tentando segurar a risada.
Deixe que ria. Sabia por experiência que nunca estava segura, mesmo nos
lugares mais familiares. A vida tinha uma maneira de golpear e cuspir no rosto
quando menos esperava, logo, cortava as pernas nos joelhos quando tentava dar
um passo atrás.
Pense na venda, Ember. Pense em seu aluguel. Satisfaça-o e ganhe o prêmio ou o irrite e seja
despejada.
Realmente não sabia o que esperar, mas o que definitivamente não esperava
era um golpe lento, o dedo deslizando, leve como uma pluma, de seu pulso pelo
centro da palma.
Em uma voz escura e suave, Olhos Verdes, disse. — Não pode me ver
tocando-a, verdade?
Sem folego, Ember assentiu.
Porque sinto em todos os lugares do meu corpo que nem sabia que tinha.
—Assim é como se sabe algo real. Não importa se pode ver. Seus olhos podem
e vão enganá-la. Mas se puder sentir, é real.
Havia uma lição ali, mas Ember não tinha certeza se era de alguma forma
relacionado com o que acabou de dizer. Parecia mais provável que seu corpo
tentasse dizer algo, o mesmo que seus olhos disseram na primeira vez que o viu.
Aproximar-se e afastar-se.
Riu quase incrédula, sem saber se estava brincando com ela ou sendo sério. De
qualquer forma, provavelmente não importava. Iria dar-lhe seu livro e nunca o
veria novamente.
E em boa hora. Não precisava de um Rei da beleza como ele ao redor de sua
livraria. Não com tudo que estava acontecendo, ninguém iria comprar um maldito
livro novamente.
Pelo canto do olho, Ember viu Sofia se aproximar. Uma das mulheres do clube
do livro, que tinha uns sessenta anos e era muito maternal, com um corpo robusto
e alarmante penteado grisalho. Não precisava ter uma figura juvenil para se colocar
no caminho e conseguir uma introdução. Ela passou adiante como uma leoa
olhando uma presa fácil, com os olhos em Christian como se estivesse decidindo
em qual parte afundar os dentes em primeiro lugar.
Ember virou de costas para ele, se dirigiu até o final do balcão e chegou a Sofia
antes que pudesse fazer algo embaraçoso. Era viúva a mais de dez anos e nunca
perdeu a oportunidade de cair sobre um homem jovem e de bom aspecto. Ember
viu isto terminar mal muitas outras vezes e decidiu poupá-la de outra humilhação.
Ember tentou se comunicar com Sofia com os olhos, pedindo que voltasse a
sua mesa. Mas, como não tinha sorte, Sofia deu um passo em falso e torceu o
tornozelo na tábua desigual que Ember tinha a intenção de consertar assim que
conseguisse dinheiro. Com os olhos muito abertos, Sofia se inclinou adiante com
um leve grito, surpresa. Aconteceu tão rápido que Ember não teve tempo para
reagir.
De alguma forma, a partir de todo o caminho ao final do balcão, ele estava ali
a tempo de segurar Sofia antes que caísse. Com uma mão sob o braço, ele a
segurou e levantou-a novamente a seus pés com um murmúrio. —Cuidado com
o passo, senhora. Estas velhas tábuas podem ser traiçoeiras.
Sofia, com os olhos abertos, a mão ao redor do pescoço como uma grande
pomba, pálida procurando um lugar para aterrissar, respirou fundo. — Oh sim,
claro. Que descuido da minha parte. Obrigada senhor...?
—Até amanhã.
Virou-se e com uma dezena de pares de olhos nele, dirigiu-se para a porta. Ele
pegou o guarda-chuva e saiu, fazendo uma pausa por um momento na calçada
para abri-lo. Logo deu uns passos adiante e fundiu-se como um fantasma na noite
chuvosa.
Ao seu lado, Sofia exalou seu folego de uma só vez. Abanando-se com uma
mão, ela disse em espanhol. — Deus meu, amor! Quem era esse?
Sofia assentiu, ainda distraída. Olhou novamente para a porta onde Christian
desapareceu. —Então, como sabe que é James Bond?
—Não sei. Ele estava apenas procurando um livro. Não o conhecia antes desta
noite.
Sofia se virou para Ember. Seus olhos castanhos estavam cheios de perguntas.
Ela apontou com o dedo a pequena placa de identificação de ouro no suéter de
Ember e disse. — Então, como sabia seu nome completo?
Ember — lia-se em negrito. Claro que sim, porque Ember nunca foi seu nome.
Mas Christian, o belo desconhecido, de alguma forma descobriu.
Como?
Ela levantou os olhos para a porta da loja, olhou pelas janelas dos lados
atingidas pela chuva e pensou que esta era uma pergunta muito, muito boa.
Ember acordou na manhã seguinte sem premonições ou pressentimentos
sobre o dia. A chuva diminuiu gradualmente durante a noite, graças a Deus e
através das janelas de seu apartamento, o céu surgia em um azul perfeito e sem
nuvens. Ao longe, os mosaicos redondos que superavam as torres da Catedral da
Sagrada Família de Gaudi, brilhavam em vermelho, amarelo e verde sob o sol da
manhã como enormes jarros de frutas e todas as ruas como labirintos de
Barcelona, igrejas medievais, praças e palmeiras, assim como a grande franja azul
do mar Mediterrâneo, se apresentava como um suntuoso banquete.
Novamente.
—Certo, Sr. Moneybags. — Ela disse com amargura, o olhar fixo nela. — É hora
de colocar-se ou calar-se.
6 Uma estampa de tecido em padrões de gotas rendadas, com motivo vegetal persa, similar a metade do
símbolo de Ying e Yang ou uma folha de árvore bodhi da Índia ou de uma mangueira ou até a forma de
sanguessugas usadas na medicina.
Bom, a maioria não estava à venda. Levantou-se cedo para que pudesse chegar
ao depósito e recuperar um certo livro caro para um determinado e estranho
cliente de outro mundo, com um excesso de confiança. Mas isto não contava.
Fez uma careta e arrastou as palavras. — Bom, se vai me comparar com doces,
prefiro ser um pirulito, se sabe o que quero dizer.
Ele rodou os olhos. —Por isso que não tomo vinho, querida. Não seja uma
desmancha prazeres. Sei que não gosta de beber, mas um leve gole aqui e ali não
a matará.
Tocou em uma ferida antiga que nunca cicatrizava, que ainda estava crua e
sangrenta sob a superfície, aberta. A primeira onda de pânico a deixou sem folego
a medida que se apertava ao redor do peito como um torno. Sentia-a quente e logo
Asher deixou a bebida no balcão e a olhava com olhos muito abertos, sua
expressão intrigada. Queria dizer que era algo que nunca acontecera novamente,
mas em seu lugar forçou um sorriso trêmulo e assentiu.
—Não, está tudo bem. —Ember abriu a porta de vidro. — Obrigada por me
salvar. Eu o verei mais tarde.
Ela fechou a porta atrás de si e voltou-se para a escada, mas não antes de ver
o rosto de surpresa de Asher.
E a dor.
Ele não entenderia, no entanto. Não podia. Não era como se lhe contasse o
que aconteceu, porque não falava sobre isto com ninguém. Depois de uma dezena
de diferentes terapeutas ao longo dos anos, descobriu a muito tempo que ventilar
sua história triste não ajudava a se curar. Nada ajudava. Havia coisas que
simplesmente não podiam ser ditas.
Ember desceu os degraus de três em três e se afastou pelo beco até a rua.
A ligação aconteceu as dez em ponto, quando Christian iria pegar o telefone.
Pegou o celular no bolso do terno e ficou olhando-o um momento, olhando o
número na tela.
Não era nada, era menos que nada, mas Christian firmemente não acreditava
em coincidências, assim ficou olhando o telefone durante uns minutos mais antes
de finalmente atender. Ele levantou o telefone até a orelha, escutando.
—Hum... olá?
Sua voz do outro lado da linha era hesitante. Estava, sem dúvida, perguntando-
se porque não disse o mesmo.
Todas as criaturas do bosque fugiam dele com terror, claro, inclusive os javalis
enormes e ferozes, mas o lugar lhe lembrava seu verdadeiro lar. A natureza dos
bosques antigos de Sommerley, que conhecia tão intimamente como seu próprio
rosto no espelho e se perdeu de forma tão trágica que era uma dor no peito que
sentia em carne viva.
—Tenho seu livro. — Disse Ember em seu sotaque americano simples e
Christian sorriu. O sotaque era tão encantador que dava a cada vogal um vigor
contundente, nada em absoluto como seu próprio sotaque Downton Abbey8,
fazendo soar mais como um idiota em comparação.
Mas não foi seu sotaque que o fez pensar em voltar a vê-la uma e outra vez na
noite anterior, depois que deixou a livraria.
Ela não era a mulher mais bonita que Christian já viu, de fato, parecia decidida
a passar desapercebida. Sua modesta forma de se vestir, seu cabelo sem estilo e
sua falta de maquiagem ou joias, gritavam: sou invisível! Mas havia algo diferente
nela, algo indefinido, que capturou e manteve sua atenção. Algo em seus olhos,
talvez em todo aquele castanho inteligente ou talvez na forma de suas
sobrancelhas escuras, que operavam de forma independente e pareciam capazes
de indicar incredulidade, diversão ou como fizeram com frequência, enquanto o
olhava, desprezo profundo, tudo em apenas um arquear.
8 Downton Abbey foi uma série de televisão britânica produzida pela companhia Carnival Films para o canal
ITV.
—Originalmente? Do ventre da minha mãe. — Respondeu um pouco rude e
seu sorriso aumentou. Achava sua aversão inexplicável, interessante. Irradiava dela
como ondas desde o dia anterior na livraria, pequenas ondas de irritação que se
sentiam como urtiga contra sua pele. Normalmente não tinha este efeito em
particular nas mulheres e o surpreendeu. Sentia vontade de mudar sua opinião.
Ele inclinou a cabeça para trás e riu. Cruzando através do estúdio, seu
mordomo Corbin fez uma pausa na metade do caminho, piscou surpreso e logo
continuou o caminho.
Christian era conhecido por muitas coisas, mas rir não era uma delas.
Especialmente nos últimos anos.
Ela fez uma pausa antes de responder. Christian sentiu sua irritação através da
linha e voltou a se perguntar porque ela não gostava dele. E porque não gostava
de responder perguntas pessoais.
Ele esperou, mas quando não deu mais detalhes, disse. — Lindo país, pelo que
sei. Tem ali uma grande escola de arte.
—Tenho duas cópias do Cassino Royal para você olhar. — Disse ela sua voz
lacônica e triste. — Estamos abertos até as seis.
Logo, o telefone ficou mudo. Christian ficou olhando para ele, se perguntando
se havia algo mais que sua aversão por ele. Algo a ver com evitar perguntas
pessoais.
Com uma maldição entre dentes que fez o senhor mais velho olhando os
mapas antigos dar a volta para olhá-la com desaprovação, Ember colocou o
telefone no suporte da parede.
Ember passou a mão esquerda sobre seu rosto, notando que estava tremendo.
Merda.
Flexionou a mão aberta e puxou-a da forma que o terapeuta físico lhe ensinou
há anos, dolorosamente puxando os tendões mais curtos em seu pulso e tangendo
enquanto deslizavam pelos passadores de metal que prendiam seus ossos juntos.
Havia vinte e um pinos em sua mão esquerda e três placas de metal nos ossos do
braço, todos permanentes. O dano nos nervos e as cicatrizes eram permanentes
também, como a raiva que se instalou entre os caminhos em ruinas de sua carne
cicatrizada, entrando em seu corpo como matéria escura, uma anomalia invisível
e indetectável que apenas conhecia em momentos como estes.
Ela lutava contra o desespero desde que fez dezoito anos de idade. Sabendo
que o pior passaria em algum momento, Ember fechou os olhos e deixou a dor
passar por ela como faca afiada. Respirou através dela, tentando bloquear as
imagens que suas palavras evocaram. Toda a dor.
Tem ali uma grande escola de arte. Há uma famosa escola de música se não me engano...
Outro velho inimigo familiar: sua madrasta, Marguerite. Apenas ouvir sua voz
gelada deixava Ember arrepiada.
Virou-se e olhou nos olhos cinza e frios de Marguerite e manteve a voz leve
quando disse. — Oh bom dia, Marguerite. Não sabia que sua espécie podia sair
durante o dia.
Tinham muito menos oportunidades desde que Ember mudou de casa a três
anos, depois que seu pai morreu, mas isto não as impediu de tentar.
9 Tweedledee e Tweedledum são personagens fictícios do livro de Lewis Carrol Through the Looking Glass.
Apareceram em Alice no País das Maravilhas. Nunca se contradizem, se completam nas palavras.
Antes de responder, Marguerite apertou os lábios com tanta força que não
ficou nada neles, mas uma franja vermelha. Inclinou-se adiante e sussurrou. —
Por sua total falta de sentidos pelos negócios, Livros Antigos está quebrando! —
Agora envolta pela nuvem de perfume emanando de Marguerite, como um
monstro em um filme de terror, Ember deu um passo atrás. —Se não fizer algo
imediatamente, ficaremos apenas devendo todos. Seu pai ficaria horrorizado com
tal situação.
—E o que fez com seu trabalho! Tenho certeza que usar a porta giratória de
noivos não era o que tinha em mente!
Marguerite ficou sem fôlego. Seu rosto, muito vermelho e não era de um brilho
saudável, empalideceu com manchas pouco naturais. Ela disse. — Porque você
pouco...
—Oh meu Deus. — Disse Asher com um estremecimento assim que ela
desapareceu. — Está mulher é espantosa!
—Apenas precisa esperar até que veja sua cabeça girar por completo ao redor.
— Murmurou Ember. — Tem sorte que não sabe que é meu amigo ou ela poderia
voltar e tentar alimentar sua descendência com seu corpo.
Ember viu a mãe de Asher duas vezes quando ela foi visitar Boston. Valéria
era acolhedora, atenciosa e abraçava todos. Carregava um rosário de pérolas que
era engolido por seu generoso decote, regularmente fazia o sinal da cruz sobre o
peito e cozinhava como alguém do norte da Itália, de tão delicioso que era, o que
sempre fazia Ember pensar que morreu e foi para o céu. Asher era seu filho mais
novo, seu bebê favorito, dos seis filhos que tinha. Ele reclamava que para ela todos
eram os favoritos e todos também reclamavam, mas sem nada substancial e com
certeza era amado.
Assim eram como as pessoas sabiam que eram amados. Tinham o luxo de
sentir amor. No entanto, para os desafortunados, que viviam dia após dia, sem
ninguém se importando, sabiam exatamente o que estavam perdendo. E diferente
dos desafortunados, a dor do amor era um vazio tão grande por dentro e queimava
como uma necessidade enorme e sem fundo.
—Bom, pelo menos ela vive a três milhas de distância. Se tivesse que vê-la
todos os dias, me mataria.
Sorriu com simpatia por ela. — Aposto que não sabe porque estou aqui.
Com um giro de arrependimento dos lábios, Ember disse. —Pensei que iria
comprar um livro muito caro e impedir a livraria de se arruinar.
Ele riu e lhe apertou. — Não fique histérica comigo, querida. Apenas sei como
lidar com crianças rebeldes. — Inclinou-se para trás, ainda a segurando pela
cintura e lhe sorriu, com os olhos castanhos suaves. — Vocês criaturas com
ovários realmente me aterrorizam. É tão imprevisível. As criaturas com pênis são
muito mais simples.
Encolheu os ombros. —Para você simples é uma palavra, para mim simples
é...
Ela lhe devolveu o sorriso, seu primeiro sorriso verdadeiro em um dia e lhe
deu um beijo no rosto.
Tão elegante, real, bom, magnifico, como na primeira vez que o viu, olhava
entre ela e Asher com uma interrogação nas sobrancelhas altas. Bom, parecia mal-
humorado. Estava pensando que Asher fosse seu namorado. Apesar dele olhar
para Christian como se quisesse lamber cada parte de seu corpo.
—Olá, lindo. — Ronronou Asher. Ember lhe deu uma cotovelada. Se foi a
cobertura de namorado.
—Isto foi rápido. Veio voando até aqui? — Disse a Christian, não
particularmente calorosa.
Não que ele iria querê-la ali de qualquer forma. Parecia sair apenas com
modelos de lingerie e estrelas de cinema. As mulheres com corpos e cabelos
perfeitos, unhas longas e bem cuidadas que deixavam arranhões em suas costas
enquanto se arqueavam sob ele em êxtase.
—Vou buscar os livros! — Isto saiu muito mais forte que o necessário, o
suficiente para assustar Asher que estava a alguns centímetros de distância. Deu
um salto e levou a mão na garganta.
—É agradável ouvir alguém que não seja eu e minha garota aqui que fale inglês.
— Sua voz ficou rouca e piscou os olhos. Na realidade os bateu. — Ainda que,
claro, sempre pensei que um sotaque britânico soasse muito mais refinado.
Ela nunca viu ninguém parecer tão à vontade em sua própria pele. Não cruzava
os braços ou apertava o chaveiro do carro ou fazia qualquer coisa que as pessoas
que conversavam ali de pé faziam. Ele simplesmente ficava ali, com as pernas
levemente separadas e os braços dos lados, ocupando mais espaço do que deveria
com sua simples presença. Havia um estranho magnetismo sobre ele, algo que
sentia vontade alcançar e tocar, algo que o rodeava como um campo de energia,
contundente e elétrico.
Logo ficou rígida, horrorizada. Oh não. Não gosto dele. Não mesmo!
Incrivelmente, horrivelmente, os olhos de Christian se iluminaram e se
estreitaram. Seu nariz se abriu com uma leve inalação e o sorriso hesitou,
substituído por uma expressão de... que?
Desejo?
Não, deve ser ira ou algo mais, ela não sabia o que, mas com certeza não iria
perguntar. Este homem estava sendo muito perturbador para sua comodidade.
Tinha a sensação de que podia lê-la como um livro.
Pareceu tomar como uma ofensa pessoal a sua condição de homem, porque
colocou as mãos nos quadris e murmurou com um olhar ofendido. — Grosseiro.
—Logo se virou para Christian com a mão estendida e se apresentou. Apertaram
as mãos — Asher resplandecente, Christian desconcertado, enquanto Ember
andava ao redor do balcão. Em silencio torcia para que Asher não fizesse nada
muito embaraçoso, como beijar Christian nos lábios ou tentar passar com a
saudação habitual de Boston quando iam para outro país.
—Agora brilha o sol! — Asher insistiu com veemência. — Por quem os sinos
dobram! Adeus às armas!
Maravilhoso.
—Não se pode pensar de verdade que Ian Fleming é melhor escritor que
Ernest Hemingway. — Ember cortou, ficando do lado de Asher, que com ar de
suficiência apontou o dedo como se fosse dizer: Viu? É uma prova!
Christian voltou sua atenção a ela e sentiu-se quente, como se um raio de sol
passasse pelas nuvens e se concentrasse nela. Ele inclinou a cabeça e lhe enviou
um leve sorriso, que conseguiu ruborizar suas bochechas e perturbá-la de uma
forma que não gostava. Deus, estava começando a entrar sob sua pele.
A forma como a olhava, além de quente era também íntimo e com severidade
se lembrou que este homem era provavelmente muito, muito experiente em olhar
assim para as mulheres.
Lembrou-se de como a olhou na primeira vez que chegou na livraria no dia
anterior, com seu olhar agudo que viajou por suas roupas, seu cabelo despenteado
e decidiu que era muito mais seguro olhar daquela forma, do que como agora,
fazendo mariposas voarem.
Em um tom irônico, Ember disse. — Não gosto de dizer, mas são três
números. —Ela cruzou os braços sobre o peito e o olhou de cima abaixo. — Tão
bonito e sem cérebro, verdade? Bom, não é exatamente uma surpresa. Com este
rosto, provavelmente não precisa pensar muito.
Ele sabia seu sobrenome. Ele sabia seu nome real. O que mais sabia sobre ela?
Intrigada, apesar da voz gritando em sua cabeça que era uma idiota, respondeu
um pouco rápido demais. — De fato, acabei de chamá-lo de idiota.
Quando voltou a olhar para ela, era como se uma porta tivesse se fechado de
golpe. Havia uma frieza ali, uma nova, dura e plana, que começava nos olhos e
iam para todas as partes de uma vez. Estava até mesmo em sua voz quando falou
novamente.
—Posso vê-los? —Seu olhar pétreo se reduziu aos dois livros envoltos em
papel em seus braços.
A voz em sua cabeça estava satisfeita com esta nova frieza. Infelizmente as
mariposas não eram estúpidas e começaram a ficar deprimidas, indo para o fundo
de seu ventre, ficando pesadas e em silencio, olhando-a de forma acusadora.
Certo, Ember, controle-se! Precisa ser agradável para não perder a venda mais importante
da livraria em anos!
—Por favor, siga-me. — Disse ela com mais firmeza, adotando uma atitude
toda profissional. Aproximou-se da mesa redonda na qual geralmente usava para
reunião do clube de leitura de Sofia. Christian a seguiu em silencio. Indicou que
deveria se sentar, o que o fez, depois de esperar para que sentasse primeiro e logo
abriu com cuidado as edições de Cassino Royal de seu papel negro.
Ela os virou para ele sem dizer uma palavra e inclinou-se para trás em sua
cadeira.
Demorou um tempo para se mover. Ficou olhando para baixo, para eles,
olhando primeiro um e logo o outro, considerando a condição das capas, olhando
as bordas inferiores da edição mais barata. Descartou-o e abriu a capa da edição
original, a que valia o dobro do valor.
Sem levantar os olhos, respondeu em voz baixa. — Este era o livro favorito
de meu pai. Era dono de uma primeira edição como esta, assinada pelo autor.
Usava para ler para mim todas as noites antes de dormir, quando era criança.
Tenho certeza que poderia citar páginas inteiras dele. Não estive na Espanha a
muito tempo e pensei... talvez se pudesse encontrar uma cópia igual à que meu pai
tinha... poderia me sentir mais perto de casa...
Ele se perdeu no silêncio enquanto Ember ficava sentada ali, sentindo-se como
uma idiota de primeira classe por zombar dele antes. Nunca imaginou que alguém
como ele poderia ser tão sentimental. Ou nostálgico. Em um impulso, disse. —
Meu pai costumava ler Animal Farm10.
—Tudo o que anda sobre quatro patas ou tenha asas, é um amigo. — Ember
respondeu sem folego. Não sabia porque falava em voz baixa, mas algo em sua
forma a provocava, seu olhar ameaçador e urgente fazia com que quisesse falar de
segredos e mistérios. De perigo.
Ele disse. — Nenhum animal deve usar roupas. Nenhum animal deve dormir
em uma cama. Nenhum animal deve beber álcool. Nenhum animal deve matar
outro animal...
—Todos os animais são iguais. — Ember terminou, sua voz mal audível. Ela
e Christian ficaram olhando um ao outro em um silêncio tenso. Arrepios
explodiram por todo seu corpo.
Sua pergunta foi feita com tanta seriedade que Ember sentiu a repentina
urgência irracional de revelar algo de si mesma, algo que nunca sentiu com
ninguém. — Meu pai sempre dizia que o homem e os animais eram
interdependentes. Os que fazemos com eles, fazemos conosco. E acredito nisso.
Acho que... não somos melhores que os animais. Os seres humanos são animais.
Apenas um tipo diferente.
Sentou-se lentamente para trás em sua cadeira, seu olhar nunca deixando o
dela. —Mais inteligentes, no entanto, que todos os demais. Tem que admitir que
os seres humanos dão uma clara vantagem. Não acha que isto é o suficiente para
que os seres humanos sejam “melhores” que os outros animais? Não acha que isto
lhe dá o direito de governar sobre todos os outros animais como melhor quiser?
—Claro que não. — Disse ela ao instante. — Sou “melhor” que uma criança
de cinco anos de idade, porque sou mais inteligente? Não. Sou “melhor” que
alguém que está mentalmente incapacitado porque sou mais inteligente? Não. Os
homens são “melhores” que as mulheres porque são — geralmente — fisicamente
mais fortes? Não. As diferenças devem ser respeitadas, não os graus de
superioridade.
Ela não sabia porque falava tão apaixonadamente, apenas saiu desta forma.
Estava sentada em sua cadeira, segurando a borda da mesa forte o suficiente para
deixar os nós dos dedos brancos, olhando-o intensamente sem piscar.
Ela soltou a mesa e sentou-se reta na cadeira. O calor cobriu suas bochechas,
indo até as orelhas e nuca.
—Está é outra coisa que meu pai sempre disse. — Murmurou. — Sou muito
obstinada para meu próprio bem. Desculpe. — Ela olhou para a mesa,
envergonhada por sua inadequada explosão. O homem deveria pensar que era
louca. Ou pelo menos dominante.
Mas, porque se importava com o que pensava? Ela apenas queria a venda...
verdade?
—Nunca se desculpe por ser você mesma. —Sua voz era urgente, seu olhar
queimava. — Este tipo de confiança em si mesmo, especialmente para alguém tão
jovem, é incrível.
Sua mão estava quente e era grande, queria olhar para ele, vê-lo tocando-a, mas
se manteve firma no lugar, olhando-o. Era tão... feroz. Porque?
—Não. Não conheço. — Abaixou a voz. O aperto em sua mão ficou mais
forte. — Mas gostaria, no entanto.
Ninguém nunca a olhou da forma como ele a olhava agora. Ele, perfeito,
misterioso, o belo desconhecido.
Ela não podia se mover. Não podia falar. Sentou-se ali bombardeada por
sensações desconhecidas, leveza, calor e uma estupida e maravilhosa vertigem. Era
estranho que alguém como ele poderia na verdade dizer palavras assim a alguém
como ela.
O que estava do outro lado pronunciou algumas frases curtas e toda a atitude
de Christian passou de intensa e apaixonada para tensão rígida, a mandíbula
apertada. De repente, irradiava violência.
Logo, sem dizer uma palavra ou um olhar em direção a ela, deu a volta, correu
para a porta, logo partiu para a rua.
Ember se sentou na mesa incrédula, com os olhos fixos nas janelas dianteiras,
olhando a rua além, os carros, o tráfego, até que Asher se lançou para cima, sem
soltar a Arte de dominar a cozinha francesa.
—Que porra fez com Christian? Saiu daqui como se estivesse sendo
perseguido!
Ele suspirou. — Bom, aí vai sua grande venda. Parece que vou precisar
escondê-la de Dante pelo resto do mês.
Ela abaixou os olhos para as cópias do Cassino Royal na mesa, olhando como
ele as deixou e pensando nisto repentinamente, incomodada por não pensar na
venda em absoluto.
Apesar de odiar admitir, o que lhe importava ao vê-lo sair correndo pela porta,
era que provavelmente sairia de sua vida para sempre.
—Mais rápido, Corbin. — Christian gritou do assento traseiro do Audi. A sua
ordem, Corbin pressionou o pé no acelerador e o carro lançou adiante. O potente
motor os levou pelas ruas sinuosas e de pedras de Barcelona, tão rápido que a
paisagem se convertia em uma mancha pintada de cor que brilhava através das
janelas.
Todos os animais são iguais. As pessoas são levadas facilmente. O consenso geral não é igual
a verdade incontroversa.
Pensou que era falso, mas agora percebeu seu erro. Era como o oceano antes
do amanhecer, antes do sol iluminar a superfície escura da água, com toda sua cor,
movimento e beleza da luz refletida nas ondas. Quando sorria era como ver a luz
do sol sobre a água. Todo seu rosto se iluminava. Transformava-se.
Tirava o folego.
E ainda...
Se alguma vez houve uma oportunidade para sua espécie, de ter um futuro
para eles, dependeria de pessoas como ela. Como a modesta e encantadora
September Jones, com seus penetrantes olhos escuros e convicções apaixonadas,
os olhares cautelosos e espetaculares sorrisos. A mão esquerda e o braço
levemente trêmulo e cheio de metal que tentava dissimular com mangas longas.
Qual é seu mistério, garota humana? Christian refletiu, olhando a expansão do caos
da cidade dando passo a extensão verde das colinas ao passar velozes, mais perto
de casa. E porque se importava?
Ele não tinha resposta para qualquer das perguntas. Quando por um momento
o carro parou nos portões de ferro que marcavam o início da propriedade,
Christian conseguiu se convencer que não importava. Ele não a veria novamente.
A busca de uma cópia original do Cassino Royal foi sentimental, uma totalmente
ridícula. Tinha que ter consciência da crua realidade pela qual foi à Espanha em
primeiro lugar e a ligação telefônica que recebeu, apenas reforçou isto.
A medida que os portões se abriam lentamente, seu celular soou com uma
mensagem de texto. Levantou-o do bolso da camisa, olhando-o e sentiu o coração
girar no peito.
Espero que tudo esteja bem. Se não o ver novamente... foi interessante... conhecê-lo.
Comeu a refeição que Asher levou para ela, de pé atrás do balcão, apoiada na
parede. Ela não podia se concentrar e não podia tirar Christian e sua estranha visita
da cabeça, também. Guardou as duas cópias de Cassino Royal no fino papel negro,
ajustou cuidadosamente a caixa de transporte e os colocou na estante do depósito.
Ela lhe enviou uma mensagem, mas seu próprio telefone permaneceu em silencio,
sem resposta.
Não tentou enganar a si mesma, dizendo que suas razões para saber dele eram
totalmente financeiras.
Uma quadra mais na rua principal Rambla, o desfile de Carnaval que marcava
o apogeu da festa na semana já estava acontecendo. Música e canto enchia o ar,
tambores, fogos de artifícios azul e vermelho tocavam o céu escuro e logo
começava uma lenta e agonizante dança de volta à terra, separado pela brisa
carregada do sal do Mediterrâneo. Havia carroças e dançarinos mascarados, todos
fantasiados e ainda que não pudesse ver, podia imaginar assim, como os que
assistia todos os anos desde que se mudou com dezoito anos.
Quando chegou ao seu apartamento, Asher estava saindo. Vestido com botas
militares negras e uma mini saia cor de rosa com babados laranja, com duas
bandeiras falsas sobre o peito nu, tinha um rifle de plástico preso nas costas e uma
variedade de facas falsas e outras armas em um cinto ao redor da cintura. No alto
de sua cabeça se elevava um chapéu de penas de cores imponentes e frutas. Parecia
como se houvesse passado óleo no corpo, os braços musculosos, peito e pernas
brilhavam nas luzes do corredor.
Tinha a pele bronzeada e sem pelos. Ela resistiu ao impulso de perguntar se
tirou todos os pelos do corpo, mas isto seria informação demais e também
provavelmente não iria responder.
Ele lhe enviou um sorriso malicioso e fez o sinal de Spock ao mostrar sua
roupa.
—O que acha?
—Uh!? Está com ciúmes, porque eu tenho ideias criativas para todas as minhas
fantasias. Não é genial?
Ember piscou. —Tem razão. É um gênio. — Olhando outra vez, ela disse. —
Onde esconde sua carteira com esta roupa?
Piscou com recato, mas o sorriso malicioso ficou mais amplo. — Não quer
saber.
—Não. Tem razão. Na verdade, não. — Ela sorriu e lhe deu um beijo estalado
e logo abriu a porta de seu apartamento e virou-se para ele. — Mantenha-se seguro
esta noite. Eu o vejo amanhã.
Parecia abatido. — Não vai sair? É uma tradição! E queria que conhecesse
Rafael!
Em quantas vezes o coração pode se partir antes que se quebre para sempre, Ember?
Disse isto na primeira semana que o conheceu. E sabia por experiência pessoal,
que era verdade.
Asher brincou passando o braço pela pistola de plástico e fez uma dança feliz
no corredor, que incluiu um giro perigoso que levantou sua mini saia. Ela
rapidamente desviou o olhar —era infame Asher estar duro.
—Sabor do mês, se eu jogar bem minhas cartas querida. Por favor, venha. Por
favor? Muito por favor?
Cada suplica aumentava progressivamente... e em última instância resultava
desastrosa. De baixo chegou um grito. — September! Está aí?
Ember entre dentes xingou, Asher ficou sem fôlego e ambos entraram no
apartamento todos embaralhados quando passos começaram a ser ouvidos na
escada.
Seu olhar parou-o antes que pudesse dizer: quantas bebidas quiser. Era um
hábito, todos seus amigos bebiam muito, incluindo Asher, mas Ember não tomava
uma gota. Assim ele mudou para: — lulas fritas conseguir comer.
—Querida, são tão boas. Não pode discriminá-las pela forma como se
parecem...
—Parecem com placenta frita. Não vou colocar placenta frita na boca.
—Bruto duas vezes! Deixe de falar antes que vomite sobre suas brilhantes
botas de combate.
—É uma mentira, cabeça oca! Quer que te compre um final de semana para
poder juntar dinheiro para o aluguel ou não?
Quando se virou e saiu nas pontas do pés para seu quarto, Asher riu baixo. —
A gatinha não gosta que puxe seu rabo, verdade?
Seis horas, quatro bares, duas discotecas e uma viagem de taxi infernal que
rivalizava com o Sr. Sapo Wild Fire, Ember estava pronta para cair.
—Vou ligar qualquer noite, Ash! — Ela gritou sobre a música. Ainda que o
ouvido de Asher estivesse a centímetros de distância, ele apenas encolheu os
ombros e foi direto para o bonito Rafael, que estava vestido como Cisne Negro,
com tutu e lentes de contato vermelhas.
Ember fez movimentos com a mão até a saída. Asher lhe mostrou o polegar,
o que interpretou como, escolha você mesmo, não tem como ir embora, irmã. Ela lhe enviou
um beijo no ar, onde ele fazia piruetas com Rafael e abriu caminho lentamente
entre a multidão girando na pista de dança até que finalmente ficou de pé na
calçada, aspirando o ar fresco da noite.
Não estava com frio, porque sua fantasia era totalmente em látex. Estava
vestida da cabeça aos pés com uma capa grossa, brilhante e negra. Teria que lutar
consigo mesma mais tarde para sair dela, mas no momento estava fazendo um
bom trabalho protegendo-a do frio de fevereiro.
Uma mulher quase nua, com todo seu corpo pintado de ouro, empurrou além
dela com uma risada, com penas vermelhas caindo de seu elaborado penteado.
Um homem com um terno amarelo libélula a seguiu, bêbado, suas asas verdes
apontando perigosamente para o lado, perto de deslizar de suas costas. Os cheiros
de perfume, vinho, fumaça e fogos de artifícios eram pesados no ar, mesmo à meia
noite a multidão não diminuiu. As ruas estavam ruidosas, coloridas e
movimentadas, Ember sentia-se grata pela invisibilidade no caos, era capaz de se
mover através de todos. As ruas laterais menores estavam fechadas, mas o tráfego
abria caminho entre a multidão até uma das ruas principais, que continuava aberta
aos carros. Ela esperava pegar um taxi para levá-la de volta a casa, seus pés com
salto de dez centímetros estavam matando-a.
Ela virou a esquina da Rambla com a Cataluña e viu um ponto de taxi ao lado
de um pequeno restaurante francês. Começou a caminhar até ele com um suspiro,
ansiosa para descansar os pés, mas quando desceu da calçada para a rua, fez uma
parada brusca.
—Bom deus do céu. É uma piada? — Sussurrou Corbin tão atordoado como
Christian.
Mas não era uma piada. O destino decidiu mais uma vez colocar September
Jones diretamente no caminho de Christian. Apenas que desta vez, o destino tinha
um truque sob a manga.
Usava um diadema com orelhas de gato e uma cauda longa que curvava atrás
dela, com uma mecha no final. O traje era justo e negro, totalmente revelador e se
não fosse pela natureza da própria fantasia, que realçava suas curvas, nunca teria
imaginado isto com suas roupas habituais — calça jeans e suéter largo.
Ela se recuperou primeiro. Deu uns passos hesitantes adiante, logo um pouco
mais, com mais confiança. No momento que chegou ao seu lado na rua e ficou
olhando para ele — ela inclusive desenhou bigodes de prata nas bochechas e fez
um ponto negro na ponta do nariz, jesus cristo — Christian quase não se
controlou, mas conseguiu saudá-la com uma aparência de civilidade.
Seu olhar castanho piscou sobre ele, incomodamente agudo e esperava que ela
passasse por alto o pulso agitado em sua testa. Queria pressionar os dedos contra
ele, mas se conteve.
—Jantando?
Depois de uma pausa, disse olhando sua roupa. — Assim que... esteve pela
cidade eu vejo.
Ela levantou o olhar para ele, o viu sorrindo e tentou sorrir de volta. —É uma
coisa minha. Gatos. Sou voluntária no refúgio em meus dias livres. Asher sempre
me diz que vou terminar como uma dessas velhas loucas cheias de gatos em seu
apartamento e sem amigos, quando morrer vai levar semanas antes que alguém
descubra meu cadáver e então os gatos terão comido a metade do lixo.
Deu a volta, mas parou quando ele disse. — Precisa de uma carona para casa?
Corbin olhou sobre sua cabeça com as sobrancelhas levantadas. Sim, sabia que
não era uma boa ideia por um milhão de razões diferentes, mas não gostava da
ideia dela andando pela escuridão sozinha. Era apenas isso.
—Um... bom... com certeza. Acho que sim. — Em dúvida, Ember olhou para
o carro. — É seu?
Ele inclinou a cabeça e não olhou para Corbin, cuja boca estava em uma linha
apertada. Não iria se atrever a contradizer Christian, mas sua expressão era prova
o suficiente do que pensava deste plano.
—Seria bom. Se não estiver fora do seu caminho. Vivo na praça Sant Jaume.
—Conheço o lugar. Não está muito longe. —Fez um gesto para a porta aberta.
— Depois de você.
Ele a seguiu e se sentou, mas logo levantou-se quando percebeu que se sentou
em sua cauda.
—O frio está incomodando, Corbin? —Sua voz era severa, seu olhar cheio de
advertência. Seus olhos se encontraram no retrovisor e Corbin confirmou a
advertência com uma leve inclinação de cabeça.
—Então... sempre come tão tarde? É mais de meia noite. — Disse Ember
suavemente do seu lado, tirando-o dos pensamentos. Virou-se para olhá-la,
admirando a forma como a luz dos postes teciam fios brilhantes em seu cabelo
escuro, dourados e bronze que sumiram quando o carro acelerou. Estavam
sentados muito perto, mas não tanto, o sedan era grande por dentro e no assento
traseiro cabia facilmente três adultos. Percebeu que escolher se sentar tão perto da
porta como possível, enquanto ele sentou-se quase no meio. Não o fez consciente,
mas enquanto a olhava, ficou feliz por tê-lo feito.
Cheirava a limpeza, o xampu cítrico que usou antes para lavar o cabelo, látex,
o lápis que usou para desenhar os bigodes e a pintura para a ponta do nariz. Não
usava mais maquiagem, sem batom ou rímel e ficou contente por ela não ter feito
isto. Parecia mais real para ele.
Mais... nua.
—De verdade? Sou uma pessoa da manhã. Quando cheguei aqui, não podia
acreditar no quanto era diferente de casa. O café da manhã as dez, o almoço as
três da tarde, uma sesta as duas horas e logo voltar para trabalhar até as oito, jantar
praticamente no meio da noite. — Ela balançou a cabeça. — Ainda não posso
dormir depois das seis.
Ela abaixou o olhar para a cauda ainda em sua mão e seus dedos se apertaram
ao redor dela. Ela engoliu e disse em voz baixa. — A vida. — Ela se sentou em
silêncio um momento, logo levantou o olhar para ele. — E você? É da Inglaterra,
verdade? —Ele inclinou a cabeça. — Então, o que te trouxe para a Espanha?
Seu rosto ficou sombrio, apareceu uma leve linha entre as sobrancelhas. Ela
mordeu o lábio inferior e virou para olhar pela janela, como se não pudesse olhar
em seus olhos. Sua mão se levantou para tocar os anéis de ouro que estavam na
delicada corrente ao redor de seu pescoço e ela os rodou entre os dedos, dando
voltas e voltas. Olhando para a noite, disse em voz baixa. — A vida é cruel da
mesma forma que as pessoas. Por causalidade. Ao azar. Indiferentemente. Ás
vezes me pergunto como alguém sobrevive em absoluto.
—Em última instância, não o fazemos.
Ela se virou para olhá-lo justo quando o carro passou por um buraco na rua,
um buraco que não foi visto ou previsto, fazendo Corbin xingar e desviar-se para
corrigir a direção. Eles foram sacudidos, pularam de seus assentos, um segundo
no ar e logo se sentaram novamente, mas ambos colocaram as mãos sobre o
assento para se equilibrarem e perceberam exatamente o momento em que se
tocaram. Da ponta do dedo até o pulso, suas mãos se encontraram contra o couro
e não se afastaram.
Fome. A fome surgiu dentro dele, escura, selvagem e egoísta. E tudo por
apenas um contato de sua mão.
Merda. Este era um desastre épico escrito por todas partes em letras neon
piscando.
A voz de Ember soou um pouco sem fôlego. Ele tentou bloquear o som de
seu sangue correndo nas veias, seu coração pulsando no peito. Sua respiração ficou
mais rápida e todos os pequenos sinais de sua reação fez o animal dentro dele
silvar de prazer. Fechou os olhos e tentou se acalmar, respirar de forma constante
pelo nariz.
Sua reação foi instantânea. Irreflexiva. Ele estendeu a mão, a agarrou e puxou
para o assento. Aterrissou na metade de seu corpo, prendendo-a, uma perna
apoiada contra a parte posterior do assento do motorista e uma sobre ela, as mãos
agarrando seus ombros, o rosto a centímetros do dela.
Foi horrível. Foi incrível. Terrivelmente íntimo, tolo e inadequado, seus corpos
prensados com força um contra o outro, as pernas juntas, mas ficaram assim, por
um momento sem fôlego, até que a fila de carros atrás deles começou a buzinar,
os motoristas colocando a cabeça para fora da janela e xingando em espanhol.
—Sim. — Sussurrou, olhando nos olhos de Ember, sua voz rouca. Respondeu
uma vez mais e por alguma razão não se sentia como se estivesse respondendo a
Corbin neste momento. Sentia-se mais como um convite. A resposta a uma
pergunta que seu corpo gritava.
Sim, diga que sim, por favor, diga sim para mim.
O carro começou a se mover e Christian saiu de seus pensamentos. De repente
consciente da falta de decoro de sua posição e do que ela poderia estar pensando
por lançar-se sobre ela de forma primitiva e tola, sentou-se rapidamente, soltou
seus braços e foi para seu lado do carro.
Ela deixou escapar o fôlego suavemente, levantou a mão trêmula a seu peito.
—Ali. — Disse Ember, com voz trêmula. Com a mão direita indicou a parte
de trás de um prédio meio quarteirão acima. Deixou a outra enroscada em um
punho no colo e Christian impulsivamente se aproximou e colocou a sua mão
sobre a dela. Sob seus dedos, a mão estava gelada. Sentia-a muito frágil e pequena.
Virou-se, surpresa ante o contato e o olhou. A luz da lua que entrava pela janela
se refletia na pele pálida. Estava assustada, muito assustada e sentia que sua reação
era muito mais do que aconteceu. Sentiu um impulso inesperado, quase assustador
de segurá-la nos braços e consolá-la.
—Está tudo bem. — Assegurou em voz baixa, segurando seu olhar. — Está
segura.
Era um sussurro, quase inaudível e Christian não teve certeza se era uma
pergunta ou uma afirmação. De qualquer forma, era um campo de mina, um que
não queria explorar.
Ela nunca poderia ficar a salvo com ele. Realmente não. Temporariamente
talvez e em casos como este, onde poderia salvá-la de pequenos acidentes, evitar
que se machucasse de um milhão de forma como um ser humano poderia ficar
em sua vida cotidiana.
Mas de grandes formas, formas que realmente importavam, ela nunca estaria a
salvo com ele. Todo o contrário, de fato.
Infelizmente, seu corpo não se importava. Seu coração não se importava. Não
se importava, apesar de todas as razões pelas quais deveria.
Não, não estava. E ele não aceitaria um não como resposta. — Vou
acompanhá-la. — Ele abriu a porta antes que Corbin pudesse sair do carro e tinha
a porta aberta antes que pudesse protestar. Estendeu a mão e ela olhou para ele,
parecendo muito pequena e frágil no assento traseiro do carro, as orelhas de seu
pequeno gato erguidas adiante como se estivesse ouvindo algo.
—Realmente Christian, estou bem.
—Assim você diz. Agora saia do carro ou irei jogá-la sobre o ombro e a levarei
para cima.
Seu rosto ficou mais pálido e teve que sorrir. — Foi uma piada. Uma ruim.
Desculpe. Prometo me comportar.
Assentiu a Corbin, quem os olhava pelo para-brisas e deu a volta antes que o
rosto preocupado de Corbin pudesse distraí-lo.
Ela cruzou os braços sobre o peito e enviou um olhar nervoso para as janelas
escuras do segundo andar. — Ele sempre sabe que sou eu, tem sentidos de aranha.
E... estou um pouco atrasada com o aluguel. Asher me cobriu e disse que estava
fora da cidade para que pudesse ter mais alguns dias. O movimento na livraria está
lento estes dias e eu apenas... — Limpou a garganta. — Preciso de um pouco mais
de tempo para juntar o dinheiro.
Ela parecia aflita enquanto falava as palavras, passando a ponta da bota contra
o chão e olhando para baixo, era obvio que a irritava admitir que estava atrasada
com o aluguel. Especialmente a alguém como ele, percebeu com um nó no
estômago, um homem que comia nos melhores restaurantes da cidade, dono de
um carro de seis cifras e com motorista. Nunca pensou muito em sua própria
riqueza, porque sempre foi assim, como seu pai e o pai dele antes. Como filho de
um conde, Christian nunca precisou de nada.
Nada material, claro. Quis muitas coisas na vida que não tinha nada a ver com
o dinheiro. Coisas como — liberdade, autonomia, escolha de onde viver — eram
muito mais importantes que toda sua riqueza e privilégios combinados. Ember
tinha estas coisas e ainda que provavelmente não acreditasse se dissesse, trocaria
de lugar com ela em um minuto.
Às vezes pensava que as pessoas não tinham ideia do que realmente tinham.
Pareciam sempre se concentrar em coisas ruins, pequenos inconvenientes ou
descontentamentos, quando na verdade a maioria das pessoas tinham coisas mais
valiosas que ele. Tinha dons, como todos de sua espécie, mas a maioria dos seres
humanos tinha o maior dom de todos: a escolha.
Ele sacudiu todos estes pensamentos e disse para Ember. — Então entraremos
escondidos. — Ele sorriu. — Interessante.
Sua voz era fria, uma sobrancelha arqueada, em uma clara expressão de desdém
e olhava como se ele fosse um inseto que gostaria de esmagar com sua bota.
Incrivelmente, foi esmagado. Ela não queria que subisse. Ela queria deixá-lo...
Ela se iluminou com um sorriso, amplo e sem cuidado, ele sentiu um soco no
estômago como na primeira vez que ela sorriu. Seu sorriso era muito
impressionante.
Ela rodou os olhos e disse. — Certo, mas precisa ficar em silêncio. Bem
silencioso. Dante pode ouvir ratos subindo a escada e moro no último andar.
Não havia sequer o som de seus sapatos batendo nas pedras da praça ou nos
degraus de madeira da escada. Apenas sentia o rápido movimento, o vento fresco
no rosto, a praça e a escada passando como um borrão. E quando chegaram na
parte de cima do quinto andar em menos tempo que o necessário para contar de
um a dez, Christian a olhava fixamente, sorrindo do que deveria ser seu rosto de
puro choque, sentiu o estômago rodar e não tinha nada a ver com a velocidade
com a qual subiram.
—O que? Como...
Não pode continuar. Ela estava sem folego, aturdida, rígida como uma tabua
em seus braços. Os braços dela apertados ao redor do pescoço dele e seus dedos
apertando os músculos duros, agrupados de seus ombros. Era uma boa coisa não
ter unhas grandes, porque com certeza iria tirar sangue.
Seu sorriso aumentou. Aqueles olhos verdes brilhando sedutores, disse. — O
senhorio não é o único com sentidos de aranha.
Ember fez um ruído que não era nem uma palavra, nem um grito, mas algo no
meio, um leve som que era descrição perfeita para tudo o que sentia.
Encolheu os ombros, colocou as mãos nos bolsos, sorriu e não disse nada.
—Certo... segredos. Estupendo. Posso lidar com segredos. — Ela tinha os seus
há anos.
Antes que pudesse responder se virou para a porta, escondendo o rosto de seu
olhar aceso, querendo entrar e evitar qualquer corrida mais repentina em seus
braços.
Ela não acendeu nenhuma luz, porque não deveria estar ali. Mas isto seria um
problema. Os dois não podiam andar pela escuridão... e como iria fazer o maldito
chá se não pudesse ver o fogão?
Seu corpo dizia uma coisa, seu bom senso outra. Ficou indecisa durante uns
instantes e logo murmurou. —Oh merda. — Tirou as botas, entrou na cozinha e
acendeu a pequena luz sobre o fogão, que iluminou o suficiente para trabalhar,
mas deixou o resto da casa quase na escuridão.
—Fique cômodo. — Ela agitou uma mão para a sala de estar e se dedicou a
pegar uma xícara no armário da cozinha, colocando a água para ferver. Perguntou-
se qual chá poderia servir, olhando para a coleção de caixas pequenas e coloridas.
Chá do Ceilão11? Oolong12? Camomila?
Ember puxou sua veia artística não só de seu pai, mas de sua mãe, uma mulher
que ordenhava suas próprias vacas, fazia sua própria roupa e conhecia todas as
plantas por seus nomes, árvores, flores silvestres e de quem herdou um talento
prático para fazer as coisas com as mãos. E um amor pelo mundo natural e todas
as coisas nele.
—Não tem televisão. — Parecia surpreso e não era estranho, que tipo de bicho
raro não tinha televisão?
—Não gosto de televisão. A única coisa mais deprimente que um reality show
são as notícias. E além disso, se tivesse uma televisão, isto deixaria menos espaço
para meus livros. Tenho uma certa obsessão, como pode ver.
13 Chá inglês, o nome é dado a qualquer tipo de chá aromatizado com óleo essencial de bergamota. O mais
comum é o chá preto.
—Você quem diz. — Não havia ironia em sua voz. Imaginou seu
deslumbrante sorriso, os lábios esculpidos curvando-se para cima e teve que sorrir
também.
—Há esta tecnologia de última moda que poderia lhe ajudar com seu fetiche
por livros. Talvez já ouviu falar dele... kindle?
Estive ali, de fato. Não funcionou. Ela encolheu os ombros e começou a caminhar
lentamente pela cozinha, seus passos quase inaudíveis.
Houve uma pausa, mas não pressionou e a tensão em seus ombros se aliviou.
Ember engoliu a agonia que subiu em sua garganta. Ainda ferida, depois de
todos aqueles anos, estas quatro palavras simples a faziam se sentir assim.
—Seus pais deram a você e seu irmão os nomes dos meses do ano? — Ele
parecia interessado, não crítico ou irônico da forma como as crianças na escola
eram.
Isto era subestimar as coisas. Sua mãe tinha ideias estranhas sobre tudo.
Gostava de astrologia, numerologia e tarô, com frequência dizia que estava
esperando o momento oportuno na Terra para que a nave mãe viesse e os levasse
para casa. Aquariana, de pensamento livre, um bicho raro, idealista que seguia o
zodíaco, Keely Carter era uma força natural em si mesma. Era uma pessoa
apaixonada, desafiadora, pouco convencional e Ember sentia falta dela,
diariamente.
Sua mãe devorava a vida. Inalava-a. Nos dias atuais, Ember não conhecia outra
pessoa sem medo.
Houve uma pausa embaraçosa, então ele ficou atrás dela. Ainda estava de certa
forma escondido, seus passos silenciosos sobre o chão. Ela sabia que estava ali
porque estava em sintonia com seu movimento, sua presença, seu calor, seu
fôlego, assim podia determinar a posição exata na cozinha. Inclinou os quadris no
balcão ao lado do fogão e a observou colocar a água fervendo na xicara.
Ela precisou lutar para respirar e pouco a pouco, com muito cuidado, colocou
a chaleira novamente no fogão.
—Ficaram casados trinta e cinco anos. Em todos estes anos, nunca ficaram
uma noite separados. Ainda andavam de mãos dadas. Sentia vergonha quando era
jovem, ver como olhavam um para o outro. Pensava que era tão embaraçoso. Mas
agora percebo a sorte que tinha. A sorte que meu irmão, minha irmã e eu tínhamos
em tê-los como pais.
Ember sentiu o lábio inferior tremer e mordeu-o forte, para impedir. Seu olhar
caiu sobre sua boca e logo voltou aos olhos. Ele esperou, em silencio, que ela
falasse.
—Meu pai morreu há três anos. Apenas um ano depois que nos mudamos para
cá. — Sussurrou.
Tomou ar, tentou limpar a umidade. Não funcionou. — Estava com seu
cavalete de pintura. Fui até seu estúdio para levar o almoço e ver se estava tudo
bem. Logo, depois de comer, voltou a trabalhar e eu estava ali sentada lendo um
livro, ouvi um ruído estranho.
Ember fechou os olhos e viu tudo novamente, tão claro como se houvesse
acontecido no dia anterior. O calor do verão implacável, o cheiro de pintura a óleo
e acetona, seu pai no cavalete, tão bonito. Beethoven tocava nos altos falantes
escondidos nas paredes.
—Na parede havia janelas, precisava de luz e tinha aquela expressão em seu
rosto, como se... como se tivesse visto algo. Ou alguém. Mas não havia ninguém
ali, apenas árvores, nuvens e a luz do sol. E ele disse: Oh. Apenas isso. “Oh”.
Então caiu do banco no chão. Não sofreu, morreu naquele momento. Quando a
ambulância chegou para levá-lo, o médico disse que nunca viu ninguém parecer
tão pacifico.
Mas isso não foi o que o médico disse realmente. O médico disse feliz. Nunca
viu uma pessoa morta parecer tão feliz. Ember sabia que tinha razão. Seu pai
morreu tecnicamente de um ataque do coração, mas foi provocado por um
coração partido e estava feliz por deixar finalmente a vida.
Na pior das noites depois, quando não podia dormir, ela olhava o teto escuro,
enquanto as lembranças pairavam sobre ela como fantasmas. A medida que a dor
se arrastava sobre seu corpo como milhares de serpentes contorcendo-se, ela se
perguntava o que seu pai viu pela janela. Ela perguntava o que o sobressaltou, o
que o fez conhecer seu criador com um olhar feliz no rosto.
Ou quem.
—E sua mãe?
A mão esquerda de Ember tremeu, o que odiava com cada fibra de seu ser e
fechou-a em punho. Com a mão direita pegou a xícara de chá e entregou a ele sem
olhar.
Pegou sua xícara com as duas mãos e olhou para ele. Christian tomou ar e
exalou. —Desculpe. Estou sendo grosseiro. Não é assunto meu.
Em uma voz muito baixa, Ember disse. —Obrigada por dizer isto. Não está
sendo grosseiro, no entanto. É apenas... apenas não posso falar sobre isso. Apenas
deixa tudo pior.
Ele assentiu com a cabeça, sem deixar de olhar a xícara. —Sei exatamente a
que se refere. Considere o assunto encerrado. — Tomou o chá de uma vez e
colocou a xícara novamente no balcão. — Então. — Disse bruscamente, saindo
do balcão e olhando-a com um sorriso agradável. — Ainda estou interessado na
cópia do Cassino Royal. Não me disse o preço.
—Sim tem, mas uma livraria de livros usados não é um membro. — Brincou.
— No meu caso, não há o que possa fazer a respeito. Estou praticamente
quebrando. — No momento que as palavras saíram de sua boca, se arrependeu,
mas era muito tarde — Christian já estava sobre ela como um cão sobre um osso.
—Oh por favor. — Disse ela, tentando rir disso. —Esqueça. Apenas estou
brincando. — Evitando seu olhar intenso, ela passou para a sala de estar. Olhou
ao redor da sala escura, sem saber se ficava de pé ou se sentava... o que exatamente
estava fazendo ali?
Mas Christian decidiu por ela quando disse. —Uma brincadeira. Claro.
Entendo.
Ela se virou e o viu caminhar mais perto, procurando sua expressão com
receio, em busca de qualquer indicio de emoção para indicar o que estava
pensando. Mas seu rosto estava suave e composto, totalmente ilegível.
Merda. Ela não queria que ele pensasse que estava desesperada por dinheiro.
As duas coisas mais atraentes para os homens, eram mulheres que: uma, estavam
desesperadas por dinheiro, dois: estavam desesperadas por amor. Ela não era nem
uma, nem outra. Ou definitivamente, não queria parecer estar. Por dinheiro, quer
dizer. O amor era a última coisa que seu coração destroçado alguma vez seria
capaz de sentir.
Ela apertou os dentes. Não estou desesperada. Não estou desesperada. E, lembrou a si
mesma, o odeio. É muito bonito para seu próprio bem.
—O que é este olhar que está me dando? Por acaso está planejando minha
morte? — Perguntou Christian desconcertado. Suas bochechas ruborizando
novamente.
—Realmente tenho que sair desta fantasia. — Disse ela, tentando manter o
rosto em branco. Ela cruzou a pequena sala com rapidez, colocou a mão na
maçaneta. — Acho que estou sufocando a pele, o látex não a deixa respirar
exatamente. Além disso, estou cansada.
Girou a maçaneta e abriu a porta, um sinal claro de que concordava com ele,
já era hora dele ir embora.
Ele a olhou com aqueles olhos sobrenaturais, olhando seus pés descalços, a
fantasia de gato, a cauda atrás dela como um desafio. A expressão dela, tão
cuidadosamente neutra. Uma elevação leve curvou seus lábios como se achasse
algo divertido. Sem pressa, com as mãos nos bolsos e sem afastar os olhos dela,
ele se aproximou da porta e ficou olhando-a, a poucos centímetros de distância.
Soava como uma ameaça. Olhou para ele, os lábios franzidos, odiando a forma
como sua proximidade fazia seu sangue ferver. Seu coração batia forte no peito,
se perguntou se poderia ouvir. — Certo. — Ela encolheu os ombros, fingindo
indiferença. — Como quiser.
Seu sorriso aumentou. — Na verdade não importa de qualquer forma, né?
Logo fez algo assombroso, algo que lhe converteu em pedra e roubou todo o
ar dos pulmões.
Ele estendeu a mão, tocou seu pulso acelerado no pescoço e manteve os dedos
ali com a pressão suave, sutilmente dominante. Ela voltou a olhar seu rosto, em
silencio e ele a olhava como se soubesse tudo sobre ela, como se pudesse ler cada
pensamento que cruzava sua mente.
—Admita.
Mordeu a língua. Inclinou-se um pouco para frente quando falou e ela sentou
hálito no rosto. — September. Admita.
Havia fogo em seus olhos, fogo em seu sangue, fogo no ar ao seu redor. Ela
inalou fogo em seus pulmões com cada respiração e cada vez sentia queimar em
seu corpo, consumindo. Perigoso.
Ela sussurrou. — Não estou buscando complicações em minha vida, Christian.
E isto não é uma mentira. Levei muito tempo para chegar a este ponto, onde
estou... —Ela hesitou, porque ele estava observando seus lábios enquanto falava,
olhando a boca com total concentração. E de alguma forma se moveu mais perto.
— Onde estou segura.
Não disse que entendia. Disse que tinha razão. A diferença parecia importante,
mas não podia determinar porquê.
Deu um passo atrás, passou pela porta e lhe deu um leve sorriso de desculpa
sobre o ombro. — Terei que pedir que me perdoe novamente. Parece que sempre
fico fora de equilíbrio ao seu redor. —Exalou mais uma vez, passou uma mão
pelo cabelo negro. Logo, disse tranquilo. — Boa noite, Ember. — Ele deslizou
pela porta aberta e sem silencio, com rapidez desapareceu pela escada.
Ember fechou a porta e ficou na escuridão por alguns minutos, sem ver, o
sangue fervendo, os nervos tremendo, os pensamentos frenéticos, com as mãos
trêmulas dos lados.
Bom, isso sem dúvida, fazia dois deles. E apesar de sentir muito claramente
que, de alguma forma era perigoso, apesar de sua determinação de não gostar dele
e manter tudo em negócios, tinha certeza de que havia algo entre eles. Algo que
seu corpo reconhecia e ao qual respondia. Algo que sua mente sempre tão
cuidadosa, sempre tão calculadora não conseguia funcionar.
Ember chegou para trabalhar com êxito evitando Dante e passou o dia em um
estado e animo suspenso, tanto esperando ele entrar pela porta como temendo.
O que era exatamente que estava acontecendo? Na clara luz do dia, determinou
não ser nada, apenas o que se mostrava que era. Estava brincando com ela, ele era
uma espécie de macho alfa, o cavaleiro de armadura brilhante para uma garota
pobre antes de ir em seu cavalo para o castelo para pedir a mão da princesa em
casamento. Ela era uma distração, isto era tudo. Algo diferente e momentâneo em
seu radar.
Pelo menos, convenceu a si mesma disso até que justamente cinquenta e cinco
minutos depois, a porta da livraria se abriu e entrou um homem com um enorme
buquê de rosas como nunca viu em sua vida.
Ember nem sequer podia ver seu corpo atrás das folhas e flores que se
derramavam voluptuosamente do vaso. O vaso de vidro era de menos também.
O homem deu meia dúzia de passos cuidadosos na livraria antes de parar e
anunciar alto e em espanhol. — Entrega de flores!
Claro que não foi contratado por sua compreensão aguda do óbvio.
—Sim, por aqui! — Ember chamou, saudando de trás do balcão caso não
pudesse vê-la. Depois de algumas tentativas falidas para determinar sua localização
olhando sobre as rosas volumosas, finalmente ficou de lado e se dirigiu a ela, com
o rosto tenso pelo esforço de equilibrar o enorme vaso nos braços.
—Sou eu.
Abriu caminho até a mesa, passando de lado como um caranguejo, até que por
fim colocou a carga na mesa de madeira com um suspiro de alivio. Virou-se para
olhá-la, um sorriso malicioso no rosto. — Alguém está apaixonado, sim?
Ember ruborizou até a raiz dos cabelos. — Não! Não é nada disso. Elas são
do, er, meu, hum...
Não havia cartão, nenhuma nota dizendo: Olá ou Estou pensando em você, assim
Ember ficou olhando o vaso grande e lembrou-se de algo que fez seu coração
pular uma batida, logo duas, logo parar por completo.
Bem versada na linguagem das flores, sua mãe recitava com frequência todos
os significados das diferentes cores das rosas que cresciam em seu jardim em casa.
Tinha que cuidar muito delas, claro, o calor e a altitude de Taos eram implacáveis
no cultivo de rosas, mas sob a paciência de sua mãe, a atenção intuitiva, floresciam.
Seu pátio dianteiro era cheio de cores e de todo o tipo de plantas, mas as rosas
que se alinhavam na passarela de pedra da porta principal eram peças de
resistências.
Vermelho significava amor, branco significava pureza, rosa era graça e apreço,
amarelo era amizade. Laranja era desejo. Pêssego era sinceridade.
E rosas lavanda, raras e reais, eram as mais belas de todas elas, significavam
amor à primeira vista.
Ela esteve de volta em seu apartamento apenas tempo o suficiente para trocar
a calça jeans e a camiseta antes que tocasse o celular. Fingiu não estar decepcionada
quando viu o número, mas quando começou a gritar, Ember não pode conter a
raiva e gritar de volta.
—Eu disse que estava indo embora! Você não queria ir!
Isso levou o vento de suas velas. —Oh. — Disse ela, muito mais tranquila. —
Desculpe. Pensei que estivesse sendo clara que iria embora.
Asher bufou indignado. — Não, desculpe! Seus sinais vagos de mão eram
qualquer coisa menos claros, um grito seria mais óbvio! Pensei que teria um ataque
do coração quando não voltou! Passei uma hora tentando te encontrar no clube
até que finalmente desisti e voltei para casa. E então, ali estava! Dormindo como
Cachinhos Dourados...
Uh oh. Ela sabia que Asher ficaria irritado com isso. Este era precursor de
Asher frio como o ártico, que poderia durar um período indefinido de tempo, em
cujo caso ela apenas teria Dante, sua madrasta e os cliente da livraria para
conversar. Manter-se realmente tinha seus inconvenientes às vezes.
Mais silencio. Ainda não tinha mordido o anzol. Ember sabia que teria aceitar
o risco de uma birra até o próximo mês. — E... vou te contar tudo o que aconteceu
com Christian a noite, depois que te deixei no clube.
Houve uma inalação profunda e alta do outro lado do telefone que soou muito
parecido ao ruído de um aspirador quando ligado. Ela pensou que seu cérebro foi
aspirado pelo ouvido e desapareceu através da linha.
Não pode ter passado quinze segundos antes de bater na porta principal.
Ember abriu a porta para encontrá-lo com um quimono azul e pés descalços, com
o rosto untado com uma capa grossa de creme verde claro.
14 Filme de Quentin Tarantino onde um criminoso reúne seis bandidos para um grande roubo de diamantes.
Algo sai errado e um deles é ferido durante o roubo e os bandidos precisam descobrir quem foi que os traiu, o que
gera uma enorme tensão no grupo e enfraquece todos.
15 Expressão inglesa usada para designar um relacionamento íntimo, geralmente não-sexual, entre dois
homens, de uma forma de intimidade homossocial.
Ele cheirava a pepinos e lavanda. —Máscara redutora de poros. É maravilhosa
para a pele. Deveria experimentar.
—Esta é sua forma de dizer que tenho problemas com meus poros?
—Hum. —Olhou o teto, pensando no que dizer. — Que tal terça depois do
nunca?
—Não é divertida. De verdade, o que é uma boa fada madrinha se não pode
comprar um vestido de baile?
—Baile? Não haverá bailes, obrigada. A única coisa pior que um vestido é ouvir
os gritos e as risadas da minha versão de dança, que se assemelha misteriosamente
a um cadáver reanimado durante um ataque epilético. Assim não vai acontecer.
—Por isso nunca dança quando saímos! Não teve o professor adequado,
querida! Posso ensiná-la a dançar! Aqui, siga-me.
Antes que Ember pudesse protestar, Asher a pegou pelos braços e começou a
dançar. — Poderia ter dançado a noite toda. — Cantarolando My Fair Lady,
moveu-se ao redor. Não durou muito porque Ember pisou seus pés descalços
tantas vezes que finalmente a soltou e ficou mancando.
—Cristo, não estava brincando! — Foi mancando até o sofá e se lançou sobre
ele, com um suspiro teatral esfregando os dedos machucados. — Estes seus pés
foram doados por um depósito de cadáveres?
—Tentei avisar. — Ember se deixou cair no sofá junto a ele. — Deveria ter
visto quando minha mãe tentou me colocar no balé quando tinha quatorze anos.
Pobres rapazes, pobres, pobres.
Asher suspirou. — Rapazes no balé. Em malhas. Deus foi bom quando pensou
nisso. — Virou-se para ela com os olhos brilhando. — E falando em rapazes no
balé... derrame irmã. Derrame tudo. E não deixe um detalhe sujo de fora. Precisa
compensar os danos nos meus pés.
Ember deixou escapar um suspiro, tentando decidir por onde começar e logo
começou pela primeira vez que viu Christian na livraria e terminou com a entrega
das rosas.
Quando terminou, Asher estava sentado com os ombros encurvados perto das
orelhas, agarrando a gola de seu quimono de seda azul e sorrindo através de sua
máscara redutora de poros.
—Oh. Meu. Deus. Sabia que ele era quente, mas rosas lavanda? Quer me ver
tanto quanto eu quero vê-la? — Ele se abanou. — Abrasador, querida. De
verdade, abrasador. Tenho que tomar um banho de água fria com meu George
Clooney de explodir o pulso.
Encolheu os ombros. — Claro que sou. Todas as melhores pessoas são. Quer
passar o tempo com pessoas normais? — Ele estremeceu e puxou o quimono
mais forte ao redor do pescoço.
—Não, acho que não. As pessoas normais não são tão interessantes como
você.
Compartilharam um sorriso. — Então, o que vai fazer?
Ele a olhou com cuidado, as sobrancelhas juntas, a boca cheia de creme verde
se curvando. — Colocar-se para baixo.
—Olhe para mim, Ash. Sou a garota mediana. Não há nada em mim para tentar
um homem como ele.
—Claro que há. Você. É muito mais linda do que acredita, mesmo se
escondendo por trás de toda esta roupa folgada e sobrancelhas sem fazer e cenho
franzido. É inteligente e graciosa, não é magra como uma modelo de lingerie.
Acredite em mim, conheci algumas. Além disso, tem um corpo pequeno e seios
bonitos. — Acrescentou, olhando sua camiseta. — Se tivesse este tipo de coisas,
tenho certeza que ele olharia para mim.
—Claro, sua atitude é uma pouco grosseira, mas se for capaz de ver além disso,
ele poderia gostar.
—Uh, não vamos adiante aqui, Ash. Eu o conheço apenas alguns dias. Ele
poderia ser um assassino em série, pelo que sei. Ou pior, um contador.
Sua mãe lhe disse para nunca se casar com um contador, porque mesmo
enquanto fizesse amor com ela, estaria contando as formas como poderia
economizar dinheiro. Poderia ser injusto, mas era uma imagem pouco atraente
que ficou.
Asher bufou e rodou os olhos. — Se este homem for um contador, sou o rei
da Espanha. De verdade, querida, Christian é uma coisa e apenas uma coisa.
O nariz de Ember enrugou. — Faz soar como um lobo ou algo quente. Macho
alfa?
—Certo, vamos começar com a parte inferior. Idiotas, isso fala por si mesmo.
Complicado, no entanto, é que pode chegar a convencer às vezes de que pode
casar com eles, que não são realmente idiotas. São geralmente encantadores,
inteligentes, magnéticos e fácil de confundir que maturidade e masculinidade
autentica. São divertidos, dinâmicos, emocionantes. Mas sua verdadeira natureza
finalmente se revela. Estes são os tipos de caminham diante de você, apenas um
pouco mais rápido para que não fiquem atrás. Sempre se esquecem de como toma
seu café, paqueram outras mulheres na sua frente, dirigem como loucos e não irão
gostar quando disser que não quer morrer no assento do passageiro.
Ember riu. — Anotado. Sem idiotas. E a versão Beta? Não parece um peixe?
Riu, assentindo. —Perto. Betas são muito mais sensíveis e parecem material
para o marido ideal em comparação com o idiota. Uma vez mais, no início. Não
vão se desviar, geralmente são sólidos como uma rocha. E duas vezes mais sem
graça. São garotos da mamãe, fracos, conformistas que não tem espinha dorsal
para valer por si mesmos, sem falar de qualquer outra pessoa. Em última instância,
tiram o pior de uma mulher por causa de sua incapacidade de cuidar da relação,
como um homem seguro de si mesmo e o que tem a oferecer. Betas lhe permitem
ter seu caminho em tudo e chega a se sentir cheia de trabalho e pouco apreciada.
Tem medo de tomar decisões por si mesmo. Usam as palavras “sim, querida! Há
muitas mulheres que tiveram o suficiente de Idiotas e estabeleceram-se com um
Beta estável passivo, apenas para lamentar o resto de suas vidas.
Bom, isso era muito para tomar de um homem com o rosto coberto por creme
de beleza verde.
—E os Alfas?
—A outra cara da moeda é que ele não tem medo da confrontação, também.
Poderá desmascarar a mentira. Irá se manter firme quando lutar, mas perdoará
assim que a luta terminar. Diz o que significa, quer dizer o que diz e é alguém para
se apoiar em tempos difíceis. É assertivo, autodeterminado e tudo o que um
homem de verdade deve ser. Pode ser que nem sempre concorde com ele, mas
sempre poderia lhe admirar e ser acariciada por ele. Assim é como sabe que está
lidando com um macho alfa.
Ember olhou para os cabelos escuros de Asher, a pele suave e sem rugas ao
redor dos olhos, as mãos suaves como de bebê e muitos músculos. — Ash, sei
que não devo perguntar, mas exatamente quantos anos tem? Pensei que fosse uns
quinze anos mais velho que eu?
Disse sorridente. — Oh querida, que doce! Eu digo que se cuidar da pele, irá
parecer jovem para sempre. O protetor solar é seu amigo. E... precisa usar um
creme aqui e ali.
16 Rebelião de Stonewall foi uma série de violentas manifestações espontâneas de membros da comunidade
LGBT contra uma invasão da polícia de Nova Iorque que aconteceu nas primeiras horas da manhã de 28 de junho
de 1969, no bar Stonewall Inn, localizado no bairro Greenwich Village, em Manhattan, em Nova Iorque.
Ele fez um gesto com a mão, indicando que a conversa terminou. — De
qualquer forma, depois de trinta anos vivendo uma mentira, sabe quem foi a
primeira pessoa a quem disse a verdade?
—Minha mãe. Deus a abençoe, ela atuou como se eu tivesse dito algo simples.
Ela disse: Finalmente! Me deu um abraço e isso foi tudo. Logo liguei para todas
as garotas com quem sai na Universidade e contei também. Todas e cada uma
delas, exceto Mary Campbell, me parabenizaram e ficaram felizes por mim. Houve
algumas lágrimas, uns murmúrios de “pensei que fosse estranho”, mas no geral
foram incríveis. Assim tenho experiência em ambos os lados dos corredores, mas
as mulheres sempre foram minhas melhores amigas. Como os homens
homossexuais, que entendem o que se sente ao ser marginalizados. Eles sabem o
que se sente ao ter que manter a boca fechada e a cabeça baixa e seus verdadeiros
corações fechados. Sabem o que se sente ao sorrir com tanta força que suas
bochechas doem como se estivessem morrendo.
Ember sentiu uma repentina ternura por ele, este homem que sabia tudo sobre
a dor, vergonha e perda. Perfurava seu coração com uma lança e teve que brincar
a fim de aliviar o estado de ânimo e conter as lágrimas. — Não sei Ash, esta roupa
sua não irá ganhar nenhum prêmio de moda.
—Não pense que me esqueci de sua promessa de filme e tapas, menina. Mãos
à obra. — Ele a tirou do sofá e se deitou com os pés descalços com um braço em
uma ponta enquanto Ember ia para a cozinha e procurava em uma gaveta o
cardápio para pedir.
Sua voz era baixa e um pouco ofegante, como se houvesse corrido pela sala
para atender o telefone.
Ela soava sem emoção sobre as flores, um pouco séria e isto fez seu sorriso
sumir e franzir o cenho. Pensava que tinha algum motivo oculto para enviá-las,
talvez para conseguir um preço melhor pela cópia do Cassino Royal? Este era um
pensamento perturbador e não podia estar mais longe da verdade. Ele
simplesmente esteve andando por Ramblas, quando viu a pequena floricultura e
cedeu ao forte impulso de comprar-lhe algo que poderia colocar aquele espetacular
sorriso no rosto.
—Não tive a oportunidade de descobrir qual sua rosa favorita, então enviei a
minha.
Houve uma pausa carregada. — Oh. Rosas lavanda são suas favoritas.
Agora soava decepcionada por alguma razão. Seu cenho se franziu mais.
—Na verdade, adoro todas as cores de rosas. Minha mãe era uma jardineira
incrível, tínhamos o que parecia acres de rosas que cobriam os terrenos nossa
propriedade enquanto crescia.
Houve outra pausa, desta vez por mais tempo. Christian a imaginou pensando
do outro lado da linha, mordendo o lábio inferior quando estava preocupada.
Desejava poder ver seu rosto, estar perto dela para que pudesse julgar suas ações.
Desejou poder pressionar os dedos em sua garganta outra vez e sentir o pulso
feroz, quente contra sua pele.
—Pela forma como diz, imagino que não esteja falando de uma pequena casa
de campo.
Sua voz ficou de decepcionada a irônica, levemente ácida. Nunca pensou que
poderia irritar tanto alguém com frases tão curtas. — Desculpe, está conversa não
parece estar indo na direção que esperava. Disse algo para lhe ofender?
Ela exalou, um som muito feminino que estava carregado de emoção sem
nome. — Não, claro que não. Ignore-me. Não deveria ser autorizada a conversar
com pessoas normais, meus maus modos são praticamente contagiantes. As rosas
são lindas. Na verdade, obrigada novamente.
A voz de Christian ficou mais baixa. — Acha que sou normal? Permita-me lhe
assegurar, September, que não poderia estar mais longe da verdade.
Ela nem sequer teve a decência de seu desculpar. —É o homem mais bonito
que já vi e esta é a crua realidade, Sr. Calça Elegante. Deve ser consciente de sua
aparência, está vivendo com este rosto por...
—Com certeza.
Ela riu novamente e logo suspirou. — Certo, uma trégua. Prometo não falar
nada disso mais se não enviar mais flores.
—Sim e não. Adoro flores, especialmente rosas. Minha mãe era uma jardineira
incrível, também. —Seu tom ficou suspeitosamente brusco. — Ela me ensinou
todos os significados das diferentes flores. Os significados de suas cores também.
O silencio do outro lado da linha queimava. Teve que morder a língua para
não rir.
—Não... não precisamos de um jantar para isto. Posso falar o preço pelo
telefone e mandar entregar...
—Mas então não a verei. — Disse bruscamente, sua voz muito baixa. Moveu-
se adiante e para trás sobre ela uma centena de vezes e não foi capaz de falar a si
mesmo sobre voltar a vê-la. Apenas uma última vez e então, poderia acabar com
este absurdo para sempre.
Ele deveria deixar isto por ali no momento, dar-lhe espaço, dar-lhe a
oportunidade de dizer que não, ainda que era tudo o que poderia fazer para não
encontrar alguma forma de obrigá-la a dizer sim. Ignorando o fraco som de alarme
no fundo de sua mente que sussurrava o estupido e perigoso que era, esperou.
—As sete. — Ember concordou com suavidade. Antes que pudesse dizer
outra palavra, desligou o telefone.
Ember ficou olhando o telefone em silencio durante uns momentos, sua mente
um emaranhado de perguntas sem respostas, seu corpo uma explosão de emoções.
Ela levantou o olhar para Asher na sala de estar. Quando percebeu que ela estava
conversando com alguém, ele sentou-se mais reto e ouviu sem folego cada palavra
que dizia.
—E? — Sua voz era baixa, os olhos bem abertos. A máscara verde estava
secando em sua pele e começava a se soltar ao redor do nariz.
—Então... parece que vou precisar comprar um vestido, depois de tudo. Meu
príncipe azul vem me buscar amanhã à noite, as sete em ponto. Para jantar.
Ocorreu-lhe que esta poderia ser a pior ideia que já teve em muito tempo.
—Um dia de cada vez. Certo. E como funciona exatamente o lema dos
Alcoólicos Anônimos nesta situação?
—Oh meu Deus, um lema do AA? Porra, como vou saber isso? Acha que é
um sinal? — Olhou irritado por um segundo, logo encolheu os ombros. Asher era
muito bom em encolher pensamentos inoportunos, um talento do qual Ember
gostava, pois era cheia de pensamentos não apenas inconvenientes, mas
agonizantes e com frequência paralisante. — De qualquer forma, é universal,
querida. A vida acontece um dia de cada vez. Apenas vamos aplicar isto em sua
relação com Christian.
Mas Asher estava olhando-a com tanta... esperança. Realmente era o único no
mundo, que não ligava para ela. Provavelmente poderia lidar bem com um jantar.
—Qual?
O sorriso de Asher sumiu lentamente. Ele observou seu rosto e mesmo através
da grossa capa da máscara de redução de poros viu o preocupado que estava com
ela. O quanto se preocupava.
—A pergunta é a seguinte: o quanto quer viver? — Sua voz era suave e terna.
— Porque, querida, está quase sem respirar.
Quase sem respirar. Isto soava certo. Para compensar a repentina onda de
emoção que sentia, a dor, o cansaço e o desejo que apertava seu coração, ela disse.
— Você é uma verdadeira dor na bunda, sabe?
—E o filme?
—Esqueça o filme irmã, temos planos para fazer! Meu filho Quentin pode
esperar.
Ember passou o domingo pela manhã e parte da tarde, sendo arrastada por
lojas de luxo, com um excesso de cafeína e um quase maníaco Asher, quem insistiu
que tinham que encontrar a coisa perfeita para esta ocasião transcendental.
Sabendo que ela se converteu em um projeto, Ember permitiu ser maltratada e
tocada por uma série de atendentes vagamente descontentes que a olhavam como
se fosse um animal de laboratório experimentando desodorantes vaginais.
Não entendia como as outras mulheres amavam fazer compras. Era cansativo.
E mais que um pouco deprimente, a roupa sempre ficava melhor nos manequins
do que nela.
—Nem sequer comece comigo, garota, que irá usar este lenço, goste ou não.
É preciso algo para combinar com esta pele pálida sua. — Olhou sua pele e estalou
a língua em sinal de desaprovação. — Quando se é tão pálida, precisa de algo mais
escuro e brilhante que seu tom de pele para complementar. Esta é, sem dúvida, a
sua cor. —Segurou-o até seu rosto e observou a si mesmo no espelho de corpo
inteiro, sorriu para seu reflexo e lhe enviou um beijo. — E minha.
—Sh. Tranquila! Nem uma palavra mais, ingrata. — Disse que este é para mim!
Já tinha comprado o vestido, os sapatos e uma bolsa combinando, conseguiu
algo de roupa intima também enquanto ela não estava olhando, um sutiã e calcinha
combinando que pareciam decadente o suficiente para comer. Ela não costumava
usar isso. Se usasse, seria consciente toda a noite. Saberia que estavam ali, sob sua
roupa, toda luxuosa e feminina, exigindo que aparecesse.
Muito perigoso. Sem roupa interior elaborada. Nem sequer tinha certeza de
que iria depilar as pernas.
Aí. Isto não foi exatamente uma mentira. Foi tão curto que na verdade não
aconteceu nada.
—Olá! Sou Clare. Qual seu nome? — A garota saltou adiante para ficar perto
de Ember. Ela a olhava com curiosidade aberta, muito direta para uma pessoa tão
jovem. Na sua idade, Ember evitava os adultos como uma peste.
—Sou Ember.
—Um bonito nome. O que significa? Colocaram meu nome como o de minha
avó que morreu. Você é branca como eu. Roberto diz que preciso sair mais ao sol,
mas gosto de ler, ver televisão e brincar com Bieber e não gosto muito de sair.
Gosta de videogame?
Clare a olhava com expectativa. Algum tipo de resposta era, obviamente, a
ordem, mas não tinha certeza por onde começar depois da introdução vertiginosa.
—Roberto é meu filho, seu pai. — Disse Dante, bagunçando o cabelo de Clare
com afeto. — E este pequeno macaco sabe que não deve chamar seu pai por seu
nome, mas isto nunca impediu nada, verdade Clare?
—Volte para dentro, gordita, está muito frio aqui para você e não está usando
um casaco. — Dante disse suavemente.
Ainda que estivesse um pouco frio, o sol brilhava e nem Asher ou Ember se
incomodaram em usar um agasalho. Perguntou se Clara sentia facilmente o frio,
se este era o motivo da pele pálida e o escuro sob seus olhos. E estava tão magra.
Talvez se recuperando de uma gripe?
Olhando para ele, Clare sorriu ao avô e deu uma palmada em seu braço com
carinho, como se ela fosse o adulto e Dante a criança. — Não se preocupa tanto,
abuelito. É ruim para o coração de um velho.
Ao sentir que isto era mais que uma simples metáfora, Ember perguntou. —
Ela está bem?
Dante com um rápido olhar para dentro, para se assegurar que Clare não
estivesse perto da porta do apartamento, fechou-a lentamente. Suspirou e colocou
as mãos no bolso da calça. —Por agora sim. Está fora do hospital há três meses,
o qual, é bom. Geralmente, os bons tempos não duram tanto.
Ember não sabia nada sobre fibrose cística, exceto que era ruim. Exatamente
o quanto, não sabia. — Há uma cura? Podem fazer uma cirurgia? Quer dizer, não
tem medicamentos agora?
Sua voz ficou mais amarga com a dor. — Em seu caso, os médicos acham que
não irá por muito anos.
—Isto é horrível, Dante! Deve ser difícil para você e seus pais!
Lágrimas ameaçaram cair e Ember cobriu a boca com a mão. —Oh Dante.
Sinto muito.
De repente parecia mais velho. Sua peruca caída, sua pele escura, a luz que
normalmente brilhava em seus alegres olhos escuros sumiu. Moveu lentamente a
cabeça para trás e para frente. Quando voltou a falar, sua voz perdeu toda a ira
quando falou dos pais da menina e agora havia apenas tristeza e uma espécie de
tranquilidade.
—Clare enfrenta a morte todos os dias desde que era um bebê. Nada a assusta,
não as pessoas, não a morte. Ela é amável, feliz e aberta, está totalmente presente
a cada momento, cada hora para ela é grande e redonda. A morte é apenas outra
porta que logo se abrirá para ela. Porque é assim como vê: o começo de uma nova
aventura. Com arco-íris e unicórnios, o gato que tinha com cinco anos que foi
atropelado por um carro. — Sua voz foi diminuindo. —Já briguei com Deus pela
injustiça, orei e amaldiçoei, gritei. Mas agora... agora acho que há uma razão por
trás do sofrimento. Ela está me ensinando e todos os que entram em contato com
ela, ganham algo que não tem preço, acho. Algo sagrado.
Asher olhou dela para a porta de Dante, logo de volta outra vez. —Acho que
sim. Comemos algum alucinógeno no almoço? Ou talvez Dante foi tomado por
um ladrão de cadáveres. Devido a que ele não se preocupar com o aluguel é
muito...
—Estranho. —Ember terminou por ele. Claro que tinha a ver com Clare, o
pobre não queria perder tempo com Ember discutindo o pagamento com sua neta
doente em casa. Outra onda de culpa a golpeou e Ember não lembrava de ter
sentido tanta vergonha em muito, muito tempo.
Asher disse. — Bom, cavalo dado não se olha os dentes, como diz minha mãe.
Se ele não está preocupado com isso, pelo menos você está fora do gancho até
que possa arrumar o dinheiro. E olhe o lado bom, não precisa entrar escondida
em seu próprio apartamento. Vamos, vou ajudá-la a se preparar para a noite.
Apenas tenho algumas horas para trabalhar em você e vou precisar de cada
minuto. —Deu a volta e começou a subir os quatro andares de escada.
Havia sido maquiada por um Asher quase mortal que nem sequer a deixou
falar durante o processo, tal sua concentração. E quando tudo terminou e se foi,
ela ficou olhando sua obra no espelho de corpo inteiro em seu quarto e teve que
admitir que fez um trabalho incrível.
Usava um vestido cor pêssego, sandálias de salto alto com tiras grossas, um
agasalho de cachemira ao redor dos ombros, seu cabelo preso e uma maquiagem
nos olhos e boca muito bonita.
O golpe veio novamente, um pouco mais forte e fez Ember sair de seu estado
de animação suspensa. Com as palmas suadas e o coração acelerado enquanto
cruzava a sala, girou a maçaneta da porta e a abriu. Olhou para cima com
antecipação...
Por uma fração de segundo ficou confusa —Sr. McLoughlin? Mas então a
antecipação encheu Ember e a deixou irada. Ele enviou seu motorista! Ele não se
incomodou em buscá-la! Desperdiçou todo seu dia ficando bonita e ele não
aparece! Na verdade, esperava que ela se sentasse sozinha em um restaurante e
esperasse sozinha por ele como uma heroína idiota da Disney, suspirando por seu
herói aparecesse para que assim sua vida começasse?
—Não, não irei acompanhá-lo e não vou esperar em nenhum lugar sua
chegada! Se está muito ocupado para vir ele mesmo, era tudo o que precisava dizer!
Devido a estar furiosa, foi dito com mais rispidez do que Ember previu. O
rosto do motorista ficou pálido. Seus olhos verdes vivos como os de Christian, o
que não percebeu antes, pareceu o mais estranho agora.
—O que está fazendo de tão importante que precisa enviar outra pessoa em
seu encontro?
O rosto dele ficou pálido novamente. Sua voz tremia quando falou e sabia que
deixou cair uma oitava, soando suspeitosamente perto do medo. —Trabalho,
senhorita.
Quando o motorista não ofereceu nada mais, Ember disse. — Tudo bem, vou
morder a isca. Que tipo de trabalho tem?
—Oh, esqueça! — Ember lançou suas mãos no ar. —Ouça, sinto muito por
trabalhar para um idiota, de verdade, mas não vou ficar sentada em algum
restaurante esperando um homem grosseiro, arrogante e desconsiderado. Pode
dizer a Christian que prefiro comer centenas de lulas fritas que colocar os olhos
nele novamente!
—Lulas fritas.
Seu olhar em branco lhe disse que não fazia nenhum progresso.
Mas então viu a cópia do Cassino Royal na mesa da sala e teve uma ideia. Ela
abriu a porta novamente.
—Pensando bem, vou fazer um acordo... —Ia dizer seu nome, mas percebeu
que não sabia. — Desculpe, qual seu nome?
—Corbin, senhorita.
—Bom, Corbin, realmente preciso vender este livro. Alguns de nós não pode
se permitir motoristas. Também há algumas coisas que gostaria de dizer ao seu
empregador. E ao que parece precisa me levar a algum lugar ou estará em
problemas. Assim farei um acordo com você. Irei contigo...
Corbin olhava para ela com a boca aberta como de um peixe. — Isso não será
possível, senhorita! Se desobedecer uma ordem direta do Sr. McLoughlin...
—Aceite ou deixe, Corbin. E se serve de ajuda, pode dizer que foi obrigado.
Sentindo-se satisfeita, imaginando cada coisa vil que diria a Christian, depois
de negociar o preço daquele livro estupido, Ember pegou-o fechando o
apartamento e seguiu Corbin pela escada até o carro que os esperava.
Quinze minutos mais tarde, Ember esqueceu sua irritação porque estava muito
impressionada pela vista.
—Sim, é lindo.
Corbin com sua resposta pouco entusiasta fez Ember perguntar. — O que
Christian disse quando falou que vinha?
Foi uma conversa telefônica discreta quando ele ligou. Corbin ligou para
informar Christian da mudança de planos, logo, respondeu monossílabas ao que
Christian dizia do outro lado da linha. Ela daria qualquer coisa para saber os
detalhes da conversa, mas infelizmente não foi capaz de ouvir nada além de um
Corbin tenso dizendo: Sim, senhor e não, senhor e entendo, senhor.
—Porque riu? O que é tão engraçado nesta situação? —Perguntou ela, irritada
novamente. Este homem a deixava nervosa!
Ember esperava uma casa —isto definitivamente não tinha o aspecto de uma
casa na cidade — mas o que viu em seu lugar ao longo foi uma mansão, enorme
em uma colina rodeada por um bosque denso. O lugar estava escuro e
melancólico, com um teto elaborado francês com ferro em arcos e as janelas sem
luz, refletindo apenas a luz da lua, fila atrás de fila como olhos sem vida. Parecia
mais uma fortaleza que uma casa de campo. Ember sentiu que a metáfora de uma
fortaleza era ainda mais apta quando viu a ponte de pedra baixa que tinham que
cruzar para chegar à casa.
Era lindo de uma forma ameaçadora e por alguma razão, Ember sentiu uma
estranha classe de reconhecimento, quase deja vu, como se antes estivesse ali ou de
alguma forma conhecesse o lugar.
E era uma biblioteca. Havia mais primeiras edições de clássicos antigos que
nunca poderia adivinhar o valor. Henry James, Virginia Woolf e Samuel Johnson,
uma seção de obras por trás de vidros que incluíam um pergaminho da época
isabelina. Era um manuscrito original escrito a mão por Christopher Marlowe, que
por si só, valia uma fortuna.
—Magnifico, verdade? — Uma voz baixa atrás dela. Com um grito de surpresa,
Ember saltou e virou-se para Christian não a dois metros de distância, olhando-a
com os olhos estreitos e um leve sorriso nos lábios.
Seu primeiro instinto foi simplesmente olhar para ele, porque em sua própria
casa, rodeado de toda aquela gala, de alguma forma tinha melhor aspecto que
nunca. Estava vestido com um terno, como na primeira vez que o viu, um
profundo azul noite com um lenço no bolso e uma camisa estanho, aberta no
pescoço. Sem gravata. A pele, o rosto, o cabelo: perfeitos. A mandíbula quadrada,
lábios grossos, nariz reto: perfeitos.
—Acho que foi grosseiro. — Pronunciou ela, tentando ignorar o calor em seu
sangue.
Ignorou isso. Seu olhar viajou por seu cabelo, o vestido, as sandálias delicadas
e os dedos dos pés pintados. Quando voltou a olhar em seus olhos havia algo no
seus que queimavam escuros e lhe deu vontade dar um passo atrás. Ela não o fez.
Se não estivesse tão irritada com ele, teria ficado realmente irritada agora.
—Vim aqui para lhe dizer na cara que acho você um egoísta, esnobe, mal-
educado, sem consideração, imbecil...
—Não esqueça idiota. — Interrompeu ele, com os olhos brilhando com uma
risada.
—Sim, assim me disseram! E vai me dizer exatamente que problema era este?
Porque na minha opinião, a menos que fosse de vida ou morte, me deixou
esperando.
Seu rosto adquiriu uma expressão estranha, uma mistura de tristeza e nem
sequer uma onda de raiva, tudo foi rapidamente sufocado. Em voz baixa disse. —
E se dissesse que era de vida ou morte, acreditaria?
Um músculo pulsou em sua mandíbula. Ele não afastou o olhar de seu rosto
quando disse. — Sim.
Ela tentou entender sua expressão, mas era ilegível. Havia algo em seus olhos,
no entanto, uma certa urgência, que lhe dizia que era verdade.
Deu um passo mais perto. Se viu obrigada a retroceder até que suas costas
estavam contra a estante e não pode ir mais longe. Inclinou-se muito perto,
colocou a boca perto de seu ouvido e disse. —Sabe o que quero September e não
é o maldito livro.
Seu sangue deixou de circular. Por isso seu coração congelou dentro do peito.
Logo colocou as duas mãos na cabeça e respirou contra seu pescoço, inalou
lentamente e sua suave respiração sentia-se como se estivesse cheirando-a. A
ponta e seu nariz roçou seu pescoço. Sentiu-se flutuar, uma onda de eletricidade
quando os lábios tocaram a pele e seu coração começou um galope assustador.
Ember ouviu falar disso antes, os joelhos fracos, a boca seca, a eletricidade que
poderia passar entre duas pessoas, mas nunca experimentou. Ele teve namorados,
claro, relações de curta duração com diferentes graus de intensidade, mas seu
corpo nunca respondeu desta forma, cada nervo gritando simplesmente porque
um homem cheirou sua garganta.
Ela não sabia o que estava pedindo. Pare? Continue? Mas ele respondeu
segurando seu pulso e levando a mão ao seu peito. Ele se afastou um pouco e
colocou a mão sobre seu coração. Manteve ali, apertou contra seu peito, com sua
própria mão sobre a dela e disse. —Feche os olhos.
Suas pálpebras se fecharam sozinhas. Manteve-se imóvel e sem fôlego, seus
nervos afiados em um milhão de pontos de exclamação insuportáveis.
Ela sentia. Sob sua palma, seu coração pulsava tão forte como o dela. Ela
assentiu.
Sua voz caiu um pouco. Sentia-se presa, sentia o cheiro de sua pele, de seu
cabelo e seu fôlego, era tudo embriagante. Suave e doce, no entanto, almíscar e
escuro, cheirava a ar livre, como a noite no coração mais profundo do bosque,
como algo natural, primitivo e indefinido, a luz da lua, magia e neve recém caída.
Cheirava... selvagem.
—Não sou seu tipo. — Sussurrou ela, toda sua ira contra ele desapareceu.
Percebeu que na verdade, era apenas uma decepção aguda, tanto por ele como por
si mesma por ter esperança, mas nem assim era mais fácil de olhar. Finalmente
reuniu coragem para abrir os olhos e o encontrou olhando-a fixamente, com os
olhos sombrios e intensos.
Isso doeu. Até que ele continuou. — É mais inteligente que meu tipo habitual.
—Mais afiada.
—Mais interessante.
Seu sorriso aumentou quando disse isso. Seu coração começou a bater de
repente violentamente no peito como se houvesse injetado adrenalina, um bater
tão selvagem e violento que pensou desmaiar. — Acredite em mim, sou tão
interessante como um pudim de baunilha. — Disse hesitando.
Como podia alguém afetar seu ritmo cardíaco com um simples toque? Ela
pensou que se alguma vez a beijasse, poderia com certeza desmaiar no ato. Então
a ideia de beijá-lo fez seu coração ir a cem, um carro de corrida gritando na reta
final.
De alguma forma, o sentiu. Seu nariz inalou, seu olhar caiu ao pulso forte na
garganta. Deixou seu olhar viajar lentamente pelo pescoço e seu rosto e quando
seus olhos se encontraram novamente, sentiu-se quente.
—A baunilha é meu sabor favorito. E o pudim... — Inclinou-se e inalou
novamente, contra sua pele. Sussurrou. — Pudim é uma delícia. A forma como
derrete na língua.
Sua boca e cérebro mal funcionavam, mas ela disse. — Teria pensado que
chocolate fosse mais seu gosto.
—As pessoas pensam que o chocolate é decante, mas... — Seu olhar desviou
para sua boca. — O chocolate vem de uma árvore. Pode conseguir em qualquer
lugar, mesmo em uma loja. É comum. Baunilha, ao contrário, vem das orquídeas.
É uma das especiarias mais caras do mundo, apenas superada pelo açafrão. É puro,
picante e delicado e sua essência é usada nos melhores perfumes. A baunilha é
rara. — Seu olhar se levantou ao dela. — E quanto mais raro é algo, mais valor
tem.
Ele sorriu torto, muito fraco e ainda mais fraco disse. — A vida é tão curta,
garota misteriosa. E as pessoas de quem gosta estão distantes. Talvez em outra
vida...
Por trás deles veio um som de uma garganta. Corbin disse. — Perdão senhor,
mas há uma ligação do Conde de Sommerley. Disse que não queria ser
incomodado, mas disse que era urgente.
—Conde de Sommerley?
—Desculpe. Tenho que atender. Isto não levará mais que um momento.
Deu a volta para sair, logo parou e a imobilizou com o olhar. —Não fuja. —
Ordenou e ela quis rir.
Mas ela apenas assentiu em silêncio e observou enquanto ele saía rapidamente
da sala.
—Dez mais estão faltando na colônia de Manaus. — Disse Leander
bruscamente.
—Não entendo, porque merda estão saindo? Pensei que toda a colônia
estivesse sob proteção.
—Como sabemos?
—Um deles fez uma ligação para sua mãe. Disse que chegou bem. Disse que
deveriam ir também. Era melhor ali. Tinham muito mais liberdade.
O que significava que seu líder diabólico e louco não era tão tolo depois de
tudo.
Sua voz cuidadosamente neutra, Leander disse. — Jenna está preocupada com
você também.
—Maníaca. Esta gravidez... não tinha ideia de que seria tão ruim. Não apenas
seus dons sumiram, mas ela não pode se transformar por causa do bebê e na
maioria dos dias está tão doente que mal pode se levantar da cama. A parteira disse
que está tudo perfeitamente normal, mas não gosto de vê-la doente e não poder
fazer nada por ela. Faz-me sentir tão indefeso...
Indefeso. Sim, era exatamente como Jenna fazia Christian se sentir, também.
Jenna era mais poderosa que todos de sua espécie, o qual era tanto mais
surpreendente porque era metade humana.
Fechou os olhos ante a ideia da garota frágil, lutadora que lhe esperava em sua
biblioteca, o desastre a ponto de acontecer sem poder fazer algo para evitar e
lembrou do cheiro delicioso dela. Suave, doce cheiro de baunilha e flores do
campo.
Controlando sua voz, disse para seu irmão. — Envie minhas saudações. E
diga... diga que não se preocupe. Diga que há um anjo olhando por mim.
Isto foi recebido com mais silêncio. Christian sabia que Leander imaginava um
tipo diferente de significado para suas palavras, um significado que fazia alusão a
sua missão e resultado. Mas na verdade, estava pensando em outro anjo, um anjo
com mau gênio e olhos como chocolate e um sorriso como amanhecer, que podia
olhar para um homem e fazer com que se sentisse o centro de todo o universo ou
a criatura mais irritante que jamais viu.
Olhando fixo para o telefone, Christian passou a mão pelo cabelo. Tinha
certeza de ter capturado o cheiro deste traidor que estava procurando mais cedo
durante o dia, quando estava nos bosques. Estava na rede desde que chegou a
Barcelona há quatro semanas, um esforço concentrado que geralmente levava a
noite toda e o deixava exausto e dormindo até o dia seguinte. Duvidava que seu
objetivo estivesse na cidade, sua espécie preferia as áreas remotas ou inacessíveis,
longe dos olhares indiscretos da humanidade. Até agora, sua busca não deu em
nada, mas hoje conseguiu seguir um rastro no vento. Era um fraco rumor de
especiarias exóticas e umidade, a assinatura de um predador adulto em seu melhor
momento, faminto por pele e sangue. Seguiu mais longe que pode, mas o caminho
ficou frio sobre o topo da colina com vista diretamente ao mar e se viu obrigado
a abandonar a busca.
Sorriu, pensando em sua ira, em seu rosto quando ela o chamou de grosseiro.
Não tinha certeza se alguma vez alguém falou assim com ele em sua vida.
Perguntou se gostava.
Ela o olhou e perguntou. — Alguma vez dirige você mesmo para algum lugar?
Olhando pela janela, sorriu. Virou-se para olhar para ela e disse. —Bom, não
gosto de romper a lei.
Ela pensou imediatamente no pior dos casos. Foi cassado? Esteve envolvido
em acidentes? Corridas de carros? Era um ladrão de bancos? Um criminoso? Um
ladrão de joias?
Ele sorriu de forma preguiçosa. — O mesmo tipo de pessoa que não tem
televisão.
Seu sorriso sumiu levemente. — Onde eu cresci, não havia carros. Nunca
aprendi a dirigir.
Isto lhe intrigou. Girou o corpo no assento e enfrentou-o. —Não havia carros?
Na Inglaterra? É Amish ou algo assim?
Ela esperou mais, mas quando não disse nada, levantou uma sobrancelha. —
Não pode começar e depois não terminar, isto é totalmente falso.
Balançou a cabeça. — Não tinha ideia que seu vocabulário era tão extenso.
Ember bateu na testa. —Li muito, garoto grande. Meu vocabulário é múltiplo.
Christian se inclinou para frente para seus rostos ficassem perto e murmurou.
— Acabou de me chamar de garoto grande?
—Um. Sim?
Observou-a por um momento em silêncio, com o olhar errante por seu rosto
quente, sua boca, seus olhos. Finalmente, levantou uma mão e roçou os nós dos
dedos sobre seu rosto com a pressão mais leve, seguindo a curva da mandíbula.
Sussurrou. — Adoro isto.
Como um elevador em queda livre, seu estômago caiu. Ela conseguiu reunir
coragem o suficiente para responder. — O que?
Seus olhos escureceram e o crepitar estava ali entre eles novamente, elétrico
no ar. Ember disse, muito baixo. — Acho que precisa fazer um exame de vista.
Nada em mim é bonito.
Isto levou o olhar ao seu rosto e ali havia ira, se não houvesse sido pela
suavidade em seus olhos. Disse com veemência tranquila. — É o que sei.
Devido a que não podia suportar este olhar, esta suavidade e intensidade, o
desejo nu, ela fechou os olhos. Apertou os lábios e retirou a mão, acomodando-
se em seu assento, uma distância muito mais segura. —Isto é muito favorecedor,
sobre tudo vindo de você...
—Uma distração muito idiota? —Brincou em voz baixa e levantou a mão
esquerda.
Ninguém as tocou, exceto ela, o médico que tirou os pontos... e agora ele.
Ainda sem olhá-lo, disse. — Você não sabe. Eu disse antes, você não me
conhece. Apenas terá que confiar em mim quando digo que está errado.
A dor era uma coisa divertida. O tempo poderia temperá-lo, suavizar as bordas
ásperas que arranhavam e a tiraram da primeira sequela da perda, mas como
Lázaro podia ser ressuscitado, uma e outra vez, às vezes com a menor das
provocações. Ember sabia tudo sobre o demônio chamado dor. Ela sabia da
pouca profundidade da sanidade e de como as pessoas não cuidavam da fria
realidade quando a vida terminava.
E sabia que falar sobre a dor não fazia nada para curá-la. Falar somente lhe
dava mais espaço para respirar.
Ela tirou a mão do alcance de Christian e cobriu o rosto. — Nada. Por favor.
Nada.
Antes que pudesse ofegar em choque ele tinha seu rosto entre as mãos.
Ela o olhou fixamente, sem falar, muito consciente do calor e a dureza de seu
corpo e Corbin no assento da frente e o fato de que seu vestido subiu pelas pernas
até as coxas nuas.
Ele continuou, ainda com esta urgência. — Não temos que compartilhar
nossas histórias tristes. Disse antes, segredos estão bem. E não estou seguro de
quanto tempo ficarei por perto, mas sei com certeza que quero passar tanto tempo
com você quanto puder. Quero fazê-la feliz. Quero ver seu sorriso. Não posso
explicar de uma forma que entenda e é provável que seja uma loucura e
definitivamente não é um de nossos melhores interesse, mas...
Ele hesitou. Sua respiração ficou irregular e assim a dela. A forma como a
olhava agora, fez seu coração subir pela garganta, ameaçando sufocá-la.
—Tenho certeza que sabe fazer discursos bonitos, Sr. Calça Elegante. — Ela
disse.
Ela sentiu a risada em sua bochecha também. Reverberou através de seu peito,
lançou-se abaixo e profundo como um tambor. Segurou seu queixo e inclinou o
rosto para ele.
Ele assentiu com a cabeça, um sorriso em seu rosto. — Será fácil, é apenas três
palavras. Por favor, beije-me. O que é tão difícil?
—Que tal: por favor, diga que é uma piada, em seu lugar?
Seu sorriso ficou perigoso. — Nunca brinco sobre beijos, Ember. —Soltou
seu queixo, estendeu a mão e tocou levemente a perna nua sobre o tornozelo. Ela
segurou o folego surpresa e congelou, ridiculamente grata por ter decidido depilar
as pernas, depois de tudo.
Ele disse. — Há várias coisas que, de fato, nunca brinco e todas elas têm a ver
com o prazer de uma mulher.
—Lembro-me antes que disse que era egoísta e o que mais? —Sussurrou
novamente para ele, os dedos segurando o terno, suas costas rígidas, seus olhos
fixos. Ele assentiu com a cabeça, os dedos movendo-se lentamente acima da
rótula, por sua coxa. A medida que passava a mão aberta sobre sua pele, a voz
ficava mais baixa. —Tinha razão sobre a parte egoísta.
Ele abaixou a cabeça, justo o suficiente para seus lábios tocarem os dela.
Contra sua boca ele sussurrou. —Peça. — As palavras roçaram seus lábios, leve
como uma pluma e fugaz.
Em lugar de falar “não” em voz alta, ela negou com a cabeça, roçando os lábios
contra os dele de forma lenta e cuidadosa. Ele fez um som baixo, masculino. Sua
mão ficou tensa na perna e a eletricidade os percorreu novamente, magnética e
como um animal selvagem a ponto de ser liberado.
Christian fechou os olhos. — Sim. — Disse entre dentes. — Com certeza tem.
Ela pensou que pediria para levá-la para a casa e para sua cama, neste
momento.
E precisava de mais tempo para resolver tudo isto, tudo estava acontecendo
muito rápido. Não era essa garota, a que tinha sexo no primeiro encontro ou se
lançava sobre os homens, esperando atenção. Não importava o magnifico que
fosse, não fazia isto.
Havia caviar e ostras, foie gras17 e filé mignon, um Bordeaux — que ela
declinou educadamente — tão escuro e decadente que mais parecia uma
sobremesa. O menu era francês, como o garçom com nariz reto e cabelo penteado
para trás, que se inclinou e atendeu prontamente Christian quando fez o pedido.
Em francês.
Foi uma experiência incomoda para Ember, em parte devido a que a tensão
elétrica no carro não se dissipou e em parte porque lhe lembrava demais os
primeiros dias do casamento de seu pai com Marguerite. Os três juntos, com as
Tweedle, frequentavam restaurantes caros como este e Ember e seu pai sofria
através de intermináveis comentários sobre tudo, desde a qualidade da comida ao
guarda-roupa de Ember. Ambos os quais sempre eram o assunto. Além disso,
odiava ostras e foie gras, mas não queria parecer grosseira ou ingrata quando
Christian pediu, sobre tudo porque ela já havia rejeitado o vinho.
17 Uma iguaria francesa com textura incrível, significa “fígado gordo” é nada menos do que fígado de pato.
No momento que o jantar terminou, seus nervos estavam desgastados. Ela e
Christian trocaram algumas poucas palavras.
Seus lábios se torceram. Ela exalou uma respiração lenta e desigual, tentou
sorrir. —Você vive bem. — Disse em voz baixa, olhando para baixo à sobremesa
no prato sem tocar, um merengue de avelã com açúcar por cima que o garçom
chamou de “Dacquoise”. Ao parecer um causador de diabetes.
—Obrigada. — Murmurou Ember e o olhou, ele estava olhando para ela com
uma intensidade sem piscar. Terrivelmente, porque claro que iria acontecer, ela
ruborizou.
—Não, obrigada pela oferta. — Ela envolveu os braços sobre o peito porque
era consciente de que poderia aceitar e não tinha certeza se queria ou não. — É
seu guarda-costas ou algo? — Ember perguntou com curiosidade enquanto olhava
sobre o ombro e via o rosto preocupado de Corbin através do para-brisas. Tinha
um aperto de morte no volante e estava olhando os dois como se pensasse que
algo terrível iria acontecer.
A pergunta fez Christian rir. — Isto seria um não. — Depois de uma breve
pausa, disse. — Porque, acha que não posso cuidar de mim mesmo?
Ela riu alto. —Isto também seria um não. Mas parece muito... protetor com
relação a você.
Christian negou com a cabeça. —Mordomo do meu pai. Logo do meu irmão,
depois que meu irmão se casou, meu.
Estava em Gracia, uma parte colorida e artística da cidade, conhecida por sua
vida noturna, restaurantes exóticos e bares da moda. Apesar do frio no ar e as
nuvens de tempestade se aproximando, as ruas estavam cheias de pedestres.
Artistas com cavaletes se agrupando sob toldos em um lado da avenida de
palmeiras, fazendo retratos a óleo e carvão dos turistas. Eles estavam rodeados
por comida, frutas, camisetas e interrompidos constantemente por cafés e lojas de
roupas de luxo. Do seu lado na rua, havia pessoas como estátuas pintadas que se
moviam milimetricamente se recebessem dinheiro nas latas aos seus pés e os
músicos na rua faziam o mesmo.
Sentada em uma cadeira de frente a uma loja de noivas, a mulher tinha os olhos
fechados, os dedos sobre as cordas. Antes de Ember poder se afastar ou gritar
“não!” de forma automática, náuseas começaram a subir quando a mulher
começou a tocar.
A medida que a primeira nota se elevava no ar da noite, Ember reconheceu a
peça que costumava tocar perfeitamente — Sonata de Kodaly para um Solo, a
peça com a qual ganhou sua bolsa em Juilliard — sentiu uma sensação de
claustrofobia, junto com uma angustia feroz e quente, abraçando-a de forma
incandescente, como se estivesse de pé na superfície do sol.
Ela entrou em uma rua lateral e logo em um beco, com a esperança de tê-lo
perdido entre a multidão e se deixou cair contra a parede de trás de um restaurante,
18 É o modo de tocar os instrumentos de corda (geralmente arco) pinçando as cordas com os dedos. É muito
usado no jazz, explorando a característica rítmica conferida ao instrumento nesse estilo.
19 É uma dança tradicional húngara, viva e alegre, normalmente acompanhada por um conjunto de violinos.
Também pode designar apenas a música.
tremendo e puxando ar. Mas ele esteve com ela em um instante, sua voz tão
preocupada como seus olhos.
Não estou bem, quero morrer, morrer, morrer. Tremores, a sensação de pânico e dor
envolta ao redor dela com a finalidade úmida e sombria de uma mortalha, Ember
fechou os olhos e abriu a boca em busca de ar.
Ainda com um forte braço ao redor dela, Christian segurou sua nuca e inclinou
o rosto para ele com os dedos sob o queixo. —Ei. — Disse em voz baixa quando
viu as lágrimas em suas bochechas. — Sei que não gosta de foie gras, mas não
precisa chorar por isso. Meus sentimentos não foram feridos.
Seu tom suave de brincadeira levou um sorriso fraco a seu rosto. — Poderia
dizer isso, verdade? — Sussurrou.
Secou suas bochechas úmidas com o polegar e logo passou os dedos pelo
cabelo. — Não tem exatamente o que chamaria de cara de pôquer, senhorita
Jones. —Ele abaixou a testa na dela. — Por exemplo: a mulher com o violoncelo.
—Quis dizer o que disse antes. Não temos que falar se não quiser. Mas estou
aqui se mudar de ideia. Certo?
Em seu coração, Ember estava tremendo. Ela era muito boa em sufocar
sentimentos, até mesmo manter algo parecido como a felicidade a distância,
porque não a merecia. Dia após dia, mês após mês, ano após ano, optou por
manter sua vida quando sabia que deveria se matar, cortar os pulsos ou tomar um
vidro dos remédios de Asher.
Era uma abominação que não deveria se manter viva depois do que aconteceu,
depois de toda a carnificina que deixou para trás.
O único que a impediu, uma e outra vez, foi sua crença de que continuar
vivendo era um castigo muito pior que a morte, o que teria aliviado a culpa
incessante corroendo sua alma como ácido. A vida se converteu em uma obra de
dor, silenciosa e não reconhecida por ninguém além dela, a dor que diminuía a
cada vez que pensava em Christian. Diminuía ainda mais enquanto a segurava
emocionalmente nua em seus braços.
—Claro.
Ela inclinou a cabeça para trás e olhou para ele. Sua voz tremia quando disse.
—Pode me beijar?
Mesmo no beco escuro o viu, a forma como seus olhos se acenderam, a forma
como sua expressão mudou de suave a ardente, mais rápido do que pode piscar.
O terno e suave Christian desapareceu, substituído em um instante pelo desejo, o
Christian perigoso, o com olhos assassinos que viu pela primeira vez quando
entrou na livraria e em sua vida.
Ela pensou que iria devorá-la, por seu voraz olhar, mas ele simplesmente
segurou seu rosto nas mãos, apertou seu corpo contra o dela e apertou os dois
contra a parede.
Ela pensou nele, com o coração batendo rápido, seu sangue correndo como
pólvora através de suas veias. Lentamente abaixou o rosto ao dela, os lábios se
separaram, suas pálpebras desceram na metade do caminho, os olhos brilhando
de calor.
Quando sua boca tocou a dela, ofegou um pouco, surpresa pela corrente
estática que passou por seus lábios, de forma suave, quente e exigente sua língua
deslizou contra a dela. Ela se arqueou contra ele, puxando sua cabeça para baixo
com as mãos ao redor de seu pescoço e ele fez um som profundo de sua garganta,
um gemido silencioso de necessidade ou prazer.
Deixou cair uma mão no rosto e segurou sua nuca, apertando e puxando-a
contra ele com mais força. Um leve som animal escapou e se contorceu contra ele,
ansiosa, perdendo rapidamente o controle. E oh Deus, parecia um vício. Com o
sol, o ar limpo e a água fria, havia um sabor de terra, elemental em sua boca, ao
mesmo tempo doce e salgado, completamente delicioso e sentia-se drogada.
Como se alguém houvesse injetado uma substância química para nublar sua mente
diretamente em suas veias, deixando seu corpo em chamas e esmagou a leve voz
em sua cabeça que deveria gritar: mais devagar!
Ela não queria ir mais devagar. Queria se afogar nele. Queria esquecer o
passado e todas as terríveis lembranças. Com seus lábios sobre os dela e seu corpo
contra o dela, seu delicioso sabor em sua língua, ela estava esquecendo. Se ele
perguntasse neste momento se poderia tomá-la contra a parede, ela com certeza
diria que sim.
Ember gemeu pela perda de sua boca. Sentia-se quente, tão quente e
estranhamente desinibida que tinha a ideia selvagem de arrancar sua roupa. Ela
não sabia o que estava acontecendo e honestamente, não se importava.
—Não pare, Christian. Por favor, não pare. —Sussurrou ela, sua própria
respiração tão irregular como a dele. As mãos em seu pescoço tremeram.
—Quer mais de mim? — Sussurrou a sua vez, os dedos apertando seu cabelo.
Manteve-a longe com a mão em seu cabelo, ainda apertada contra ele com a
outra mão em sua cintura, o ardor de seu olhar quase feroz. Estremeceu, acesa de
desejo e com uma necessidade ardente e escura.
—Quero tudo de você. — Sussurrou olhando diretamente em seus olhos. Suas
pálpebras fechadas por um momento, inalou uma respiração ofegante e logo abriu
os olhos e abaixou a cabeça até a dela.
Quando sua boca estava a ponto de tocar a dela, ficou rígido e deixou escapar
um silvo agudo, sobrenatural. Um grunhido animal profundo retumbou de seu
peito e arrepiou seus braços e pescoço. Virou a cabeça e ficou olhando o beco.
Atordoada pela nevoa da luxuria e pelo som pouco natural, Ember seguiu seu
olhar.
Três homens estavam do outro lado do beco. Seus corpos estavam virados,
mas as cabeças estavam na direção de Ember e Christian, congelados a meio
caminho, como se estivessem caminhando pela rua além e foram impedidos pela
vista ou o som de algo. Os três eram altos e de cabelos escuros, vagamente
familiares, bonitos de uma forma predadora, tantos os olhos como o desejo. Os
pedestres não passavam por ali, já que os homens olhavam com expressão hostil
e assassina.
—Christian? — Ember disse com voz muito baixa, agora congelada de medo.
Muito lentamente se afastou, empurrando-a por trás dele com um braço entre
ela e os homens no final do beco. Quando Ember olhou sobre o ombro de
Christian, os homens se viraram, juntos para fazer-lhes frente. Deram um passo
no beco, muito lentamente e logo outro, as mãos de Christian se fecharam em
punhos.
Girou a cabeça e grunhiu antes que pudesse terminar a pergunta. Mas não foi
seu rosto que a fez retroceder de terror. Não foi porque sua voz ficou diferente,
mais profunda e rouca. Nem sequer pelo aspecto da violência fria, monstruosa em
seu rosto.
Não podia olhar para trás, porque a única coisa que via enquanto corria eram
os brilhantes olhos verdes de Christian, a íris uma linha escura no centro, bem
estreita.
Os três homens no outro extremo do beco, que não eram realmente homens
em tudo, começaram a avançar lentamente, como predadores experientes atrás de
sua presa.
Ao julgar pela expressão de assombro nos rostos dos homens, Christian ficou
satisfeito por esperarem tudo, menos isso.
Sabia que era enorme em sua forma animal, muito maior que os grandes felinos
que se via nos programas de vida silvestre, mesmo maior que muitos de seus
parentes. Todo negro e musculoso, chegava a altura dos ombros de um humano.
Se levantasse em suas patas traseiras, se elevava sobre qualquer ser humano,
grande como um urso. Todos seus sentidos, nítidos em forma humana, eram
exponencialmente mais fortes, podia cheirar, ouvir e mesmo provar o mundo que
lhe rodeava em toda sua riqueza e vida.
Isto era quem era na verdade. Esta era sua herança e seu dom. Seu disfarce
humano era apenas isso, um disfarce, mas em sua forma natural, Christian tinha
tantas vantagens com respeito ao um ser humano que era praticamente uma piada.
O primeiro disparo não lhe atingiu, batendo na parede de pedras atrás de sua
cabeça com um som vibrante e estridente. Atrás do homem que disparou a
multidão de pessoas que passeava pela calçada começou a gritar e correr em todas
as direções como uma manada de cervos assustados. Ao mesmo tempo, a pantera
saltou adiante com as garras estendidas e a mandíbula aberta, grunhindo
brutalmente como Christian. Então tudo aconteceu ao mesmo tempo.
Ele e o animal chocaram em pleno salto, seus corpos batendo com tal força,
que soou como uma explosão. Houve gritos, silvos e a torção dos corpos enormes,
o forte ataque de garras através dos focinhos. Aterrissaram no chão e começaram
a lutar a sério, dando voltas e voltas, batendo contra o lado de uma lata de lixo,
ambos com um objetivo e um golpe mortal na garganta. Os dentes de Christian
se prenderam ao redor do pescoço de seu oponente antes que pudesse fugir e
ouviu um grito agudo quando os dentes se afundaram profundamente na carótida.
Logo outro disparo soou no beco e Christian percebeu que foi atingido quando
a agonia explodiu em sua coluna vertebral. A pata traseira direita cedeu sob ele.
September.
Christian levantou os olhos justo a tempo de ver três carros de polícia, azul e
branco fazendo uma parada no final da rua, as luzes intermitentes. Lançou-se
sobre o coração e mordeu triturando-o com sua mandíbula, voltou-se e afastou-
se mancando.
Não pode ser, não pode ser, não poder ser! Uma e outra vez sua mente repetia como
um disco furado.
Havia imagens intermitentes atrás de seus olhos, vozes gritando em sua cabeça,
coisas que viu nos noticiários e ouviu no rádio — as poucas vezes que se permitiu
ouvir rádio, o que era raro, já que era muito doloroso ouvir a música — e um
quadro terrível se uniu a sua mente. Um quadro de caos.
Um quadro de carnificina.
Concentrou-se em empurrá-lo para trás, no momento, porque se permitisse se
soltar, se inundaria de terror, todos os detalhes estavam espreitando ali, atrás dos
olhos abertos, não tinha certeza se poderia colocar um pé diante do outro, nem
sequer correr por sua vida.
Era?
Sim.
Ela apontou, logo congelou com horror. Logo se virou e escapou, o mais
rápido e longe que pode.
O filho de um rei, agora o próprio rei, seu brilhante e tortuoso pai que foi
morto por um de seus guardas pessoal há mais de três anos. Cesar com frequência
fantasiou em matar seu pai — parricídio apareceu em sua linhagem em mais de
uma ocasião — mas lhe faltou a coragem necessária para completar a tarefa, sem
entender enquanto o velho bastardo estava vivo que ele estava de fato, se
arriscando por nada.
Devido a que Cesar estava dotado com algo que os Ikati nunca viram, em toda
sua gloriosa história: a imortalidade.
Uma desgraça.
Ele costumava ser considerado uma desgraça por isso. Não foi até que foi
traído por um de seus conselheiros mais próximos, como seu pai foi, até que o
mataram e ressuscitou ao instante, percebendo a verdade do que tinha. Logo, sua
estrela se levantou como um sinal do Leste.
—Senhor! Estamos sob ataque! Eles sabem que estamos aqui! Você está
gravemente em perigo!
Cesar deu as costas à garota e olhou para um Nico suado e ofegante. Abaixou
o chicote de nove pontas a seu lado e suspirou. O homem sempre era tão
dramático.
Porque na verdade, não havia nenhum perigo para ele. Do que deveria ter
medo? Uma bala? Uma faca? Um exército de mil guerreiros gritando? Não, nada
disso teria feito diferença em absoluto. Cesar duraria para sempre do mesmo
modo que agora, tiro ou facada, ataque ou desquarterização.
—Transformou?
Para o resto deles, quer dizer. Não por este grupo rebelde de Cesar. E não pelo
cansado desertores das outras colônias que apareciam a cada dia mais.
Nico se apagou a perceber seu erro quando viu os lábios apertados de Cesar,
com os olhos estreitos. Não tinha muito bom senso. —Perdoe-me senhor, não
quis faltar ao respeito.
Nico ficou mais pálido que antes. —Não, senhor. — Sussurrou, ainda
congelado.
O olhar de Nico caiu ao chão. — Depois disso não sei o que aconteceu, porque
eu... escapei.
Cesar inclinou a cabeça para trás e riu alto. Ecoou pelas paredes de pedra fria
com um eco misterioso, sinistro. Ao ouvir, a garota presa começou a soluçar.
—Fugiu? — Repetiu com incredulidade, ainda que com ira. Cesar entendia o
instinto de autopreservação muito bem, esteve fugindo de coisas toda sua vida.
Bom, antes que soubesse que era imortal, claro.
Nico assentiu, infeliz, sem deixar de olhar o chão. Cesar deu-lhe uma palmada
no ombro, surpreendendo Nico, que o olhou com terror absoluto nos olhos. —
Não há com o que se preocupar garoto, nem todos podemos ser heróis.
A expressão de alivio profundo que cruzou o rosto de Nico não teve preço e
fez Cesar sorrir. Como gostava que as pessoas o temessem! A sensação de poder
que experimentava quando alguém sentia medo era quase tão forte como a
sensação de poder que tinha quando tirava sangue de uma garota.
—Não estava sozinho, senhor. — Disse Nico. — Estava com uma garota.
Uma garota humana.
Parando ao ouvir esta nova informação, Cesar se virou para Nico. Ele sabia
que as outras colônias não permitiam que os shifter se misturassem com os seres
humanos, sob pena de morte. Sobretudo depois do que aconteceu no Natal. A
matança massiva que orquestrou no Vaticano acabando com a vida do Papa e
muitos outros, garantiu que o mundo nunca se esquecesse exatamente com quem
estavam lidando. Em resposta a seu ato de terrorismo, começaram a caçar os Ikati,
que nem sequer estavam mais seguros em suas colônias fortificadas. Tudo era
parte de seu plano final, claro, mas para um shifter estar em Barcelona, sozinho e
hostil, claramente não querendo ser parte de sua crescente colônia como tantos
outros — o que poderia significar?
Mas se fosse um assassino, ainda estaria obrigado pela lei da colônia. Porque
iria estar com um ser humano na rua? Cesar perguntou. — O que estava fazendo
com a garota humana?
Nico assentiu, um sim definitivo. Claro que sua visão era o suficiente para ver
a longas distâncias e em condições de pouca luz, os Ikati podiam ver na escuridão
total.
Quando o ruído seco ecoou, junto com um grito de dor da garota, Nico
sussurrou. — Sim, senhor. — E rapidamente saiu do quarto.
Da mesma forma que perdeu algumas outras coisas nestes dias, desde então.
Era, como sua mãe diria, parte do mundo invisível aos humanos, elfos e fadas,
demônios e monstros, vampiros, duendes e fantasmas. Sua mãe tinha uma palavra
para este tipo de seres sobrenaturais, uma palavra que Ember ouviu mil vezes
quando criança e descartou como um produto da imaginação fértil de sua mãe.
Algo Diferente.
A conversa que tiveram na livraria voltou a ela com nitidez não desejada. O que
anda sobre dois pés é um inimigo. Tudo o que anda sobre quatro pés ou tem asas, é um amigo.
Seus olhos, rosto e voz a perseguiam também e ela não sabia o que fazer com
isso e muito menos o que fazer com a situação. Devido a que havia uma situação,
uma muito ruim, uma situação perigosa, na qual infelizmente estava presa no meio,
gostasse ou não.
Ouviu que os chamavam de Ikati, uma antiga palavra zulu que significava: gato
guerreiro. Tão exótico como as criaturas que descrevia, a palavra também
levantava uma voz sinistra quando falada em voz alta. Soava sobrenatural porque
era, soava perigoso porque era assim.
Perguntou o que seu pai faria em seus sapatos, sabendo exatamente onde vivia
este animal. Sabendo que havia uma grande recompensa por sua captura ou a
captura de qualquer um de sua espécie.
Um milhão de euros poderia tentar alguém mais ambicioso, mas para Ember
o dinheiro apenas significava uma coisa: Christian tinha um grande, muito grande
alvo nas costas.
O irônico, a única pessoa que a fez se sentir viva em anos era a única pessoa
que era mais perigosa para ela que qualquer outra na Terra e que nem sequer uma
pessoa era, mas que a fez desejar pela primeira vez na vida beber.
E falando em beber, nem sequer estava vendo Asher, o que era preocupante.
—Ember. — Disse com firmeza em sua caixa postal esta manhã, seu tom
irritado. —Não pode continuar me evitando desta forma. O que aconteceu? Está
doente? Está morta? Na verdade, sei que não está morta, porque fui até a livraria
e sua madrasta com hemorroida disse que estava gripada. Não que acreditei, ela
provavelmente a envenenou. Se não me ligar de volta, vou até aí. Não me faça
usar minha chave.
Mas ela não estava pronta para vê-lo ainda. Não estava preparada para ver
ninguém, para dizer a verdade. Porque, como poderia fingir que era tudo normal
e a vida era como antes, quando tudo ficou ao revés?
Quanto tudo em que acreditou sobre o mundo “real” resultou ser uma farsa?
Nem sequer foi ao refúgio de animais onde era voluntária como fazia
habitualmente aos domingos. Quando ligou, o homem que dirige o lugar, um
grisalho temperamental como um urso chamado Parker — disse para perder-se,
já que estavam cheios.
Especialmente os negros.
Não apenas as panteras negras, mas os gatos de todo o tipo estavam no topo
da lista de inimigos públicos número um.
A primeira pista para uma resposta final chegou uma noite na forma de uma
nota debaixo de sua porta. A escrita cadenciosa de Christian, perfeita.
Porque não compartilhou meu segredo com o mundo? O que está esperando?
Você. Decidiu, agarrou a nota com tanta força entre os dedos que começou a
rasgar de lado. Estive te esperando.
Com a outra mão, escondida dentro do bolso de seu casaco, ela agarrou o cabo
de metal de uma navalha.
—Dê-me quinze minutos. Se não voltar então, pode ir.
O taxista a olhou com receio e logo olhou pelo para-brisas. Estava muito
escuro, nublado, uma noite sem estrelas, ameaçando chover e a temperatura estava
caindo rapidamente.
Seu “olá” foi apenas um sussurro, enquanto abria a porta da entrada que já
estava levemente aberta.
O silêncio a respondeu.
Não havia Corbin para recebê-la, não havia luzes no vestíbulo. A maior parte
da casa estava na escuridão pelo que podia ver. Mas desde o corredor viu o
hesitante resplendor laranja de um fogo que refletia no chão polido e ouviu o
ranger da lenha.
Ainda que a luz da sala fosse baixa, a única iluminação era o resplendor do
fogo e as velas cônicas em um candelabro de prata sobre a mesa, tudo parecia
muito brilhante e nítido, tanto que feria seus olhos. O impulso de girar e fugir era
grande e assim era o impulso de caminhar até Christian e tocá-lo. Usava uma roupa
leve, uma calça de linho marfim e uma camisa fora da calça com as mangas
enroladas até o cotovelo. Contra o chão brilhantes, seus pés estavam descalços.
Agora que estava ali, a ambivalência era uma corda ao redor de seu pescoço,
um laço se apertando a cada segundo que Christian ficava em silêncio.
O que poderia dizer? O que poderia fazer? Porque, de fato, estava ali?
Por último, disse baixinho em um tom carente de emoção. — Está aqui para
me matar?
Sem se afastar do fogo, levantou a cabeça e se virou levemente para que o visse
de perfil: a mandíbula apertada e a boca uma linha, o nariz perfeito e as
sobrancelhas negras. —Uma lógica. A menos que esteja pensando em jogar dardos
com a faca no bolso.
—Posso sentir o cheiro. — Disse em voz muito baixa, o olhar fixo nela. —
Como posso cheirar o metal no seu pulso, o medo que sente de mim agora, sua
ambivalência e sua confusão. Pude senti-la assim que entrou na propriedade
Ember, por certo todo o caminho até a montanha. —Deu um passo adiante pouco
a pouco, sem fazer ruído, com o olhar ainda nela. — Porque está molhada?
—Fique onde está. — Insistiu. O cabelo frio e úmido, sua roupa estava
começando a ter seu caminho com ela e estava tremendo incontrolavelmente. A
mão levantada era em vão, ela sabia, para que deixasse de avançar.
Parou em seu lugar quando viu sua mão estendida, mas esta pequena concessão
não acalmou sua repentina ansiedade. Que tola foi por ir ali para enfrentá-lo.
Sozinha. Sozinha em uma casa com uma criatura sobrenatural que tinha predileção
para mastigar coisas. E nenhuma alma na terra sabia onde estava agora.
Porra, pensou, endireitando os ombros. Não serei intimidada por um... por...
—Deixe de fazer isso. — Ember disse entre dentes, uma onda de calor
cobrindo seu rosto.
—Já sabe a resposta a isso também. Se a primeira parte, não a segunda. E não
vou responder mais perguntas a menos que responda algumas das minhas em
troca. Quid pro quo, September.
Ele assentiu com a cabeça e lhe tirou o fôlego. Viu as imagens na internet, leu
sobre os corpos destroçados, mas ainda era impressionante. Este lindo homem
era um assassino.
Ember abriu a boca, mas não saiu nenhum som. Teria matados os dois.
—Isto é o que faz para viver? Matar aquelas coisas? Este é seu trabalho? —
Sua voz era fraca, cheia de incredulidade e horror, até que teve outra realização e
sua voz tremeu. — Isto é o que estava fazendo naquela noite quando se atrasou
para nosso encontro?
Ouvi-lo dizer seu nome completo lhe lembrou algo. Engoliu o nó na garganta
e lhe perguntou. — Como sabia meu nome no primeiro dia que nos conhecemos?
Por alguma razão, este era um pequeno fato que finalmente entrou em sua
consciência como uma prova irrefutável de sua não-humanidade. A parede atrás
do balcão estava a três metros de distância, o artigo de jornal impresso era
minúsculo. Seu pai se queixou quando mal pode ler, mesmo com óculos o papel
precisou ficar perto de seu nariz.
E como poderia acreditar que ele não faria o mesmo com ela, mesmo por
acidente? Talvez sua sede de sangue se visse afetada pela maré ou o clima, mesmo
a lua cheia.
A histeria se elevou a seu pico, queimando brilhante, com grande nitidez. Ela
segurou o fôlego, cada nervo e músculo a ponto de...
Então ele estendeu a mão e agarrou o braço de Ember. Ela se afastou com um
grito agudo que soou como um rato quando vê o gato em um ataque repentino.
Mas ele era muito rápido e muito forte, ela era muito humana. Ela não era rival
para ele.
Seus braços a rodearam como uma banda de ferro. Lutou contra ele,
absolutamente em vão, se contorceu, balançou e tentou se soltar, mas ele apenas
apertou mais, silencioso e paciente, até que ela se soltou, com as pernas cedendo
sob ela. Christian deslizou por trás dela e continuou segurando-a enquanto ela
respirava forte, seu corpo sacudido por tremores, a respiração ofegante fazendo
eco em toda a sala tranquila.
Depois de uns minutos, Christian afrouxou os braços. Ao ver que não iria fazer
nenhum movimento, não podia, seus músculos estavam congelados e rígidos,
tirou o agasalho molhado de suas costas e jogou-o em uma cadeira perto. De
joelhos deslizou na frente dela e afastou o cabelo molhado de seu rosto.
—Olhe para mim. — Disse quando ela não levantou o olhar para ele.
Infantilmente, ela fechou os olhos com força. — Olhe para mim ou vou beijá-la.
— Advertiu.
Suas pálpebras se abriram e ela o olhou, com os olhos abertos e tremendo pela
impressão.
Ela gemeu, cobriu o rosto com as mãos. Ele apertou suas mãos e a obrigou a
olhá-lo. — Vamos deixar que vá por um momento. Mas diga-me: porque não
chamou a polícia? Porque não recebeu a grande recompensa e colocou fim a todos
seus problemas de dinheiro? Sabe onde moro, poderia ter trazido eles diretamente
a mim. Mas não o fez. Porque?
—Queria ligar, queria vê-la, não tem ideia, mas não posso me transformar de
volta quando estou ferido. — Explicou em voz baixa, ainda traçando sua
bochecha com um dedo. — Fiquei preso em minha forma animal até hoje.
Geralmente posso me curar muito rapidamente, mas a desagradável ferida de
bala...
Por matá-los, estava perguntando. Contra toda lógica, sim e ela assentiu com
a cabeça para fazê-lo saber, seus dentes afundados no lábio inferior.
Foi um longo tempo antes que ela respondesse e seus olhos nunca se afastaram
de seu rosto. — Tudo. — Ela disse com sinceridade. Então percebeu com
repentino horror, rapidamente que os dois eram mais parecidos do que imaginava.
Agora.
Cambaleou até a porta, sem ver nada, porque seus olhos estavam cheios de
lágrimas. Todas aquelas lembranças horríveis, que esteve cuidadosamente
reprimindo chegaram de uma vez e se misturou com as imagens da internet no
Natal no Vaticano e os cadáveres na rua na semana anterior, todos mutilados e
cobertos de sangue.
Seus passos ecoaram como fogo de canhão em seus ouvidos enquanto corria
às cegas para a porta principal, um soluço preso na garganta. Quando ela levantou
a mão para alcançar a enorme maçaneta de bronze para abrir a porta e conseguir
sua liberdade, algo a parou em seco e ficou em estado do choque.
Sinuoso como fumaça, uma nevoa cinza deslizou diante dela, enrolando-se e
agitando o ar. Reuniu-se e brilhou por um momento, suspenso, uma nuvem
estranha bloqueando a porta, logo se reuniu, tomando forma rapidamente, uma
que conhecia bem. Os pés e as pernas, os braços e o peito, o corpo escultural e o
rosto impressionante, completo com um par de olhos verdes tão vivos que
brilhavam.
Christian. Materializou-se diante de seus olhos como nada mais que uma
nuvem fina de nevoa.
Estava nu.
O grito que arranhou a saída de sua garganta era igual de horror e
incredulidade.
Sem esperar resposta, correu junto a ele, abriu a porta e correu para a noite
chuvosa.
Os golpes na porta do apartamento eram fortes e implacáveis. Assim como o
grito.
Era Asher, acordou mais provavelmente de um sono induzido por Xanax pelos
ruídos dos passos na escada, a porta de seu apartamento sendo esmurrada e seu
choro histérico, o último dos quais cessou desde que entrou no taxi esperando
fora da casa da Christian.
A viagem para casa foi interminável. Ela ficou esperando uma nuvem de
fumaça se filtrar através das saídas de ar e se sentar do lado do passageiro na forma
nua de Christian, aterrorizando o motorista por diferentes razões e acabariam em
um acidente.
Ainda com sua roupa e sapatos molhados, ela se deixou cair boca abaixo sobre
a cama assim que chegou em casa, seu rosto enterrado no travesseiro e cobriu com
as mantas a cabeça. Logo tentou não pensar da forma de nuvem sobrenatural e
etérea, que não encontraria obstáculo nas pequenas coisas tolas humanas como
portas e fechaduras.
—Jesus cristo, querida, o que está acontecendo? Está ferida? Nunca a ouvi
gritar! E nunca a ouvi chorar assim. Soa como se alguém estivesse tirando a pele
de um gato! Diga-me o que está acontecendo, estou a ponto de ter um ataque!
Debaixo das cobertas, Ember gemeu. —Não aconteceu nada, Ash. Deixe-me
sozinha.
—Por favor, precisa me dizer que está bem. Negou-se a me ver toda semana
e fiquei preocupado, agora chega em casa assim. Não falou comigo desde antes de
domingo passado, que merda está acontecendo?
Ela balbuciou. —É... Christian. Ele... — Fez uma pausa e logo lamentou. —
Oh Deus!
Ember considerou prudente não falar que ela não era inocente e nem tinha
uma conta bancária atraente.
Logo, Asher parou em seco e ofegante disse. — Aposto que nem sequer é
inglês... ele provavelmente é de um lugar horrível... em algum lugar em Utah!
Ember lançou as cobertas sobre a cabeça e gritou. — Asher, por favor! Apenas
está me fazendo sentir pior!
Olhar seus preocupados e suplicantes olhos, a fez chorar. Ela cobriu o rosto
novamente e soltou um soluço. — Não é a pessoa que esperava que fosse.
Sua voz interior ficou irônica: Ele não é uma pessoa em absoluto.
Devido à que a vida tem um sentido cruel e caprichoso sentido de humor, seu
celular tocou exatamente neste momento. Antes que pudesse impedir, Asher
moveu-se pelo quarto, recuperando-o de onde deixou sobre a cômoda, pegou-o e
gritou. — Alô? — Ouviu durante aproximadamente dois segundos, logo gritou.
— Que porra fez com ela, bastardo?
—Não, absolutamente não! Não sei o que fez, mas nunca a vi assim e que
Deus me ajude se vier aqui, eu... — Ele cortou abruptamente, ouviu por um
momento e logo com um xingamento entre dentes que incluiu as palavras “bolas
assadas” desligou o telefone.
Furioso Asher olhou seu rosto vermelho. — Disse que virá aqui.
Ele fechou a porta do quarto atrás de si para que não pudesse ver o que
acontecia na sala de estar, mas dentro de dois segundos ouviu um ruído surdo de
gritos, outra porta se fechou de golpe, mais gritos, desta vez mais forte, logo um
golpe indefinido e golpes que a fizeram se encolher na cama com terror,
imaginando o pior. Logo abriu a porta, quase tendo uma apoplexia ao ver Asher,
que segurava uma faca e um Christian grunhindo, vestindo apenas uma calça de
linho, a qual estava usando quando estava de pé diante da lareira.
Apesar do pijama bonito e o sapato suave e esponjoso, Asher dava medo para
caramba. O rosto estava vermelho, duro como granito, seu peito subia e descia
em ondas cortantes. A mão dura segurando a faca tremia. Os dedos estavam
fechados com tanta força ao redor do cabo da faca que os nós dos dedos estavam
brancos. Era italiano, com uma paixão mediterrânea e volatilidade, se notava.
Pelo contrário, Christian parecia relativamente composto. Até que o olhou nos
olhos.
Seu amigo poderia acabar como o melhor dos melhores.... Seres humanos.
—Não vou fazer nada até que me dê uma muito boa razão pela qual não
deveria acertar uma parte muito importante dele. —Olhava irritado, bem entre as
pernas de Christian.
Christian lhe sorriu e Ember xingou baixinho, nunca viu nada tão assustador
em sua vida.
Asher olhou entre ela e Christian, seu olhar claro de incredulidade, a raiva ainda
evidente em seu rosto. Finalmente disse. — Já que ninguém me dirá exatamente
o que está acontecendo aqui, isto é o que vou fazer. — Apontou para a porta. —
Vou me sentar no sofá da sala de estar durante dez minutos, o que é tempo
suficiente para que você diga o que quer que precise para minha garota ouvir.
Durante este tempo, se ouvir qualquer ruído ou indicação alguma de que ela está
com medo, irritada ou mesmo incômoda. Se souber que algo está fora de lugar,
vou chamar a polícia e logo estarei de volta a este cômodo com todas as facas de
cozinha, goste ou não. Capisce, Pacino?
Um dos cantos dos lábios de Christian se torceu. Ficou olhando para Asher
por um tempo incomodo e logo disse. — Capisce, Pacino.
Asher olhou para Ember, logo, olhou a faca no balcão, onde a deixou. Pegou-
a novamente, disse adeus aos dois com um sorriso falso. Ele disse. — Vocês
crianças, não precisarão disso. — Virou-se e saiu da cozinha.
Christian fechou a porta atrás dele. Fechou-a com o que parecia um baque
mortal da madeira do quarto.
Não podia olhá-lo. Olhou para seus pés em troca, ainda com seus sapatos
molhados.
—Bem. Esta foi a primeira vez. Nunca fui ameaçado com lesões corporais por
uma drag queen antes.
Ele não se moveu da porta. Sua voz era menos terrível que quando ele
conversou com Asher, mas ainda assim havia um tom duro, ainda que ela sentisse
como se estivesse tentando se controlar.
—Não é uma drag queen, é gay. — Disse ela, sentindo-se miserável, confusa
e esgotada. — Ele serviu na Marinha. Gay na Marinha são as pessoas mais difíceis
na terra.
Ignorando isso, Cristian disse. — Ainda está molhada. — Parecia louco por
ela.
Ela fez um gesto vago com a mão para indicar a falta de uma camisa, que até
agora estava conseguindo não olhar. Ele flutuava sedutoramente em sua visão
periférica, o peito e a pele dourada, os músculos esculpidos, ela levou os olhos
para a parede oposta, deixando que caíssem na pintura a óleo em um quadro
horrível que seu pai comprou para ela em um capricho no brechó onde comprou
o divã. Mostrava uma camada de gatinhos junto a uma manta em uma cesta, que
no momento parecia incrivelmente sinistro para dormir.
Houve silêncio, então um suspiro. Sem aviso colocou os braços ao redor dela.
Ele estava de joelhos junto a cama e ela aconchegada em seu peito, o rosto
entre as mãos, tremendo. Ela tentou ignorar todo o aperto na garganta, mas não
pode e ficou sem fôlego.
Ele empurrou os fracos protestos de lado, levantou-a nos braços e foi para a
cama. Apertou-a contra seu corpo e afundou o rosto em seu pescoço. — Dez
minutos. September. Apenas dez minutos.
Sua voz era mal audível, mas não perdeu o tom suplicante. Era vertiginoso, sua
mudança de predador mortal para doce pretendente, exasperante, também.
Seus braços se apertaram ao redor dela. — Apenas estou dizendo que não
quero ser cortado em rodelas por uma drag queen com uma faca na mão. —
Quando ela ficou rígida, se corrigiu rapidamente. — Um ex-marine gay. Se a deixar
louca, serei castrado, lembra?
Ember apertou os lábios para abafar a risada histérica que ameaçava sair de sua
garganta. A ideia de Asher cair sobre Christian era incrivelmente divertida. Pensou
que poderia se transformar em uma nuvem para evitar o ataque de Asher.
Devido a que não estava em um estado mental racional, Ember cedeu. —Bem.
— Sussurrou. — Dez minutos.
—Não podemos deixar isso mais fácil para mim? Por favor? — Levantou-se e
se dirigiu para seu armário, puxou um pijama de algodão que Asher lhe comprou
no Natal há dois anos, cruzou o quarto até o banheiro e fechou a porta. Christian
observava cada movimento, como se esperasse que ela fosse surtar a qualquer
momento.
Segura atrás da porta do banheiro, Ember se apoiou na pia. Olhou no espelho
— úmida e desalinhada — seus olhos selvagens como o de um animal encurralado
e passou as mãos pelo rosto.
Uma vez seca e vestida, com o cabelo penteado, o rosto lavado, os dentes
escovados, ela saiu novamente e ficou olhando-o. Apesar de estar vestida, sentia-
se nua, quase insuportavelmente tímida. E, no entanto, não podia afastar o olhar
dele.
Estava encostado nos travesseiros da cama, com uma perna estendida e a outra
dobrada, descalço e com o peito nu tenso e tão bonito que desejou ter o talento
do desenho. Ele levantou uma mão e a estendeu como um convite silencioso e
porque seu corpo era um traidor, seus pés se moveram automaticamente até ele
como se convocada por um feitiço.
Ele não lhe deu uma indicação de onde iriam, empurrou-a suavemente para
baixo sobre a cama com ele, colocando um braço ao redor de seu peito, deslizou
um debaixo de sua cabeça e logo se encontrou de lado com as pernas juntas atrás
dela e a cabeça descansando no travesseiro compartilhado.
O pijama que Asher lhe deu estava decorado com pequenas imagens de gatos
perseguindo cães. Na frente da camisa havia um grande chihuahua congelado
enquanto um gato negro de aspecto agradável com olhos estreitos se levantava
atrás dele. A legenda dizia: Está atrás de mim.... Verdade?
Ela fechou os olhos e murmurou. — Pareceu adequado.
Ficaram em silêncio vários minutos, até que a tensão de seu corpo relaxou e
começou a sentir-se um pouco mais natural ter ele ali. Tão perto que cheirava a
almíscar, sua pele exótica, sentia o calor de seu corpo passar para o dela.
Naturalmente, percebeu que sua tensão se aliviou e um suspiro, que poderia ser
de alivio escapou de seus lábios.
—Não tenho... agora. Mas tem que admitir Christian, é muito para processar.
—Eu sei. Acredite, eu sei. — Parou, pensando, logo disse. — Obrigada por
me permitir estar aqui.
—Está bem. — Disse. — Dez minutos. — Logo houve outra pausa, como se
estivesse organizando seus pensamentos. Finalmente disse. — Conhece a história
das Esfinges?
—Sim.
—Não. Foi construída mil anos antes, pelo fieis da Rainha dos seres humanos
no momento considerada uma divindade que vivia entre eles. E como a divindade
que adoravam, a estátua era parte humana e parte... pantera.
—Minha espécie está aqui desde o início de tudo. Nativa do coração mais
escuro da selva africana, somos predadores que destacaram no que a maioria
chamaria de técnicas de sobrevivência dos animais: camuflagem. Podemos mudar
de forma para se adaptar a qualquer entorno ou imitar qualquer presa, inclusive
podemos nos dissolver em nevoa, que é constante na selva tropical. Vivemos em
perfeita harmonia e em paz por milhares e milhares de anos, coexistindo com
todas as outras criaturas da terra.
Sua voz escureceu. — Até que um dia um tipo diferente de criatura apareceu.
Arrastou-se do barro, respirando ar nos pulmões anfíbios. Este pequeno anfíbio
mudaria nosso destino para sempre.
Ember teve um momento de confusão, logo, em um brilho de clareza percebeu
que estava falando de pessoas. — Peixe? —Repetiu, desgostosa. — Está dizendo
que descendo de um peixe?
—Pense. Mesmo agora o mundo humano é um lugar difícil para viver se você
é diferente. Pense em seu amigo, Asher. Como acha que é a vida dele?
Difícil. Sua vida até que aprendeu a aceitar a si mesmo e encontrou sua alma
gêmea em Sebastian — foi tudo muito difícil. E logo depois da morte de Sebastian
— foi mais difícil. Ember sabia que era parte da razão pela qual os dois se davam
tão bem, sofreram durante anos.
—Sim. Ela era uma de nós, uma das Rainhas mais poderosas que nossa espécie
já viu. Astuta também. E infelizmente ambiciosa.
Com isso, Ember lembrou-se com detalhes surpreendentes do vídeo que viu,
o homem com os olhos negros — não-homem — matando todas aquelas pessoas
no Vaticano. Que matou o próprio Papa.
—Cesar. — Murmurou.
—Irônico. — Ember fez eco em voz baixa. Ela ficou muito quieta em seus
braços. Christian provavelmente detectou o tumulto em seu interior, ficou imóvel
e em silencio também. Esperando.
Ela refletiu sobre isso, imaginando que a histeria tomaria conta novamente a
qualquer momento. Mas uma vez ou outra, apesar da parte lógica de seu cérebro
insistir que deveria se concentrar no que fez no beco — voltava a pensar no
incrível que era. Odiava quando as pessoas usavam a palavra “mágica” para
descrever as coisas que não podiam entender, mas nestas circunstâncias parecia
exatamente a palavra correta.
Ele e o resto de sua espécie, não eram nada menos que mágico. Lindo, mágico
e sem dúvida, mortal.
Foi então quando descobrimos nosso disfarce mais inteligente...
—Não. Não podemos, já não. Não sabemos exatamente porque, mas poderia
ser porque passamos muitas gerações pretendendo ser humano, vivendo na forma
humana. Todos nós podemos mudar para nossa forma animal, mas agora apenas
alguns de nós pode mudar para vapor, como me viu fazer. Ainda que... —Riu. —
Você foi a única pessoa que me viu fazer isto. Mesmo minha família não sabe que
tenho este dom em particular.
—Porque não?
Ele suspirou. — É complicado. Nossas leis, bom, vamos dizer que a energia
tem que ser provada. E como sou o irmão mais novo do líder, se a colônia souber
que sou vapor, como é, seu domínio poderia ser colocado à prova.
Ela acertou porque a voz de Christian ficou mais sombria e disse. — Leander
já teve que fazer coisas horríveis para manter o controle. E o mataria se tivesse
que lutar comigo, me machucar para manter sua posição. Assim que mantenho
meu segredo para mim mesmo e todos ficam bem.
—Há tantos dons diferentes, como grãos de areia em uma praia, alguns tão
únicos como o desenho de um copo de neve. Há sugestão, controle mental,
invisibilidade, telepática, proteção.
Atrás dela, ele riu baixo, movendo-se na cama. Uma vez sob controle, disse.
— É apenas um termo que pegamos emprestado do Navajo. Um Skinwalker tem
todas as capacidades de transformação dos Ikati originais. Pode se transformar no
que quiser: vento, fogo, um dragão, um falcão. Apenas há um de nós que pode
fazer isso agora.
Ela tentou sair de seus braços para se levantar, mas ele a manteve ali, muito
forte para se incomodar em lutar e segurou seu queixo. — Sim? — Murmurou.
Presa em seu intenso olhar, Ember mordeu o lábio inferior e ficou em silêncio.
Ele negou com a cabeça lentamente, para frente e para trás, com os olhos
quentes nela. — Diga que quer.
Ele abaixou a cabeça junto a dela, roçou os lábios na pele exposta de sua
garganta. Sussurrou em seu ouvido. — Vou lhe dar um conselho, Ember. Nunca,
nunca minta para você mesma. É o mais autodestrutivo que pode fazer. Ser
brutalmente honesto sobre o que é e o que quer, mesmo se nunca o revela a outra
alma. Se não for, se quiser que as coisas sejam diferentes do que são, se tentar
varrer seus verdadeiros sentimentos para baixo do tapete, será miserável e nem
sequer saberá o porquê. Ficará impotente. Mentirá a todos os demais, se for
necessário, faça o que precisar para se proteger de todos estes filhos da puta que
lhe dirão o que fazer, como ser, o que deve pensar ou sentir. Mas seja dona da
verdade. Pertença a si mesma. E nunca se envergonhe.
Agarrou seu queixo firmemente com a mão e virou seu rosto. Olhando
fixamente em seus olhos, disse. — Quer que eu fique?
Hesitando, ela disse. — Sim. E não. E essa é a verdade. É muito para lidar
em... preciso pensar e não posso quando está perto... — Ela ficou em silêncio
porque seu olhar se moveu para sua boca e seus olhos começaram a arder.
Sob sua palma, seu coração estava tão rápido e irregular como o dela. Como o
fazia cada vez que olhava como ele estava olhando agora, o calor percorrendo seu
corpo.
Inclinou a cabeça, abaixou os lábios aos dela e lhe deu o mais suave dos beijos,
fazendo-a se arrepiar nos braços e nas pernas. —Não posso dizer tudo porque
não estamos ali ainda e vai se assustar, mas neste momento... —Sua língua traçou
o lábio inferior, a pressão ficando mais fraca e ela fez um leve som involuntário
de prazer. —Neste momento quero sua boca. Quero está linda boca por todo o
corpo. Quero seu lindo corpo nu sob o meu e quero abrir suas pernas e me
enterrar dentro de você e ouvi-la gritar o meu nome.
O coração de Ember acelerou mais, porque não terminou. Uma suave mão em
seu cabelo e os dois ficaram contra o colchão, uma de suas pernas sobre as dela,
assim podia sentir sua ereção, dura como aço, em seu quadril. Sua voz ficou mais
escura, mais brusca.
—Quero que aprenda o que gosto e quero aprender o que você gosta e quero
vê-la gozar para mim, uma e outra vez. Quero tudo isso e tanto que está tomando
tudo o que tenho para não rasgar toda esta roupa neste momento porque sei que
quer tudo isso também, tanto como eu, apenas tem medo, o que me mata, porque
prefiro arrancar meu próprio coração que a machucar.
Ele abaixou os lábios aos dela e a beijou novamente, desta vez mais tempo,
mais forte, mais exigente que antes. Ember gemeu em sua boca, já se abrindo ao
sabor dele.
Ele terminou o beijo e desceu a boca para sua garganta. Ela gemeu ao sentir a
quente umidade de sua boca contra a pele, os dentes pressionando para baixo forte
o suficiente para picar. Chupou tão forte que tinha certeza que deixaria uma marca,
mas não se importou porque não se importava com nada além da sensação de seu
corpo contra ele. Ela rodeou seus ombros com os braços, entrelaçou os dedos em
seu cabelo grosso e era ainda mais suave do que parecia e se arqueou contra ele,
seu nome uma suplica sussurrada nos lábios.
Ele segurou o seio na mão, beliscou o mamilo duro e começou a rir quando
ela estremeceu e sussurrou novamente.
—Meu pequeno foguete é sensível, hum? — Ele acariciou o mamilo, sua risada
morrendo quando ela cravou os dedos em seu couro cabeludo e empurrou-se para
cima em sua mão, gemendo.
Logo empurrou a parte de cima e abaixou sua boca ao mamilo e ela ficou sem
fôlego ao se aproximar mais dele com o toque de seus dentes. A dor pulsante foi
aliviada quase instantaneamente quando ele passou a língua sobre o mamilo,
dando voltas e voltas, a dor quente e úmida, maravilhosa aumentando com cada
puxão feroz, sua outra mão beliscando o outro mamilo.
Ele a olhou com um olhar que dizia: Por favor, diga que não está dizendo o que acho.
Ela sussurrou seu nome, movendo-se contra sua mão, o prazer se reunindo
em um pico brilhante, delicioso dentro de seu corpo. Nunca soube que poderia
sentir algo assim, tão rápido, forte e completo, uma sensação assustadora. Cada
nervo e células tensas, concentrado em uma área tão pequena, maravilhosa. Seu
rosto e peito se elevaram com calor, sua respiração era irregular, os dedos
apertavam seu cabelo e o único que podia pensar era em mais, por favor, sim,
muito mais.
—Quero ver você gozar. — Sussurrou, sua voz rouca como fogo em seu
ouvido, uma mistura musical, como blues e seda. Sua língua saiu e acariciou o
lóbulo da orelha e estremeceu, arqueando-se mais contra ele, os seios esmagados
contra o peito. Ele abaixou a cabeça e chupou um mamilo e ela ficou sem fôlego
quando os dedos sondaram mais fundo.
Continuou acariciando e chupando, seu corpo quente e duro contra o dela, seu
fôlego tão desigual como o seu, com os dedos e a língua exigente e implacável, até
que ela gemeu quando o primeiro estremecimento a percorreu. Logo a beijou,
chupando forte sua língua, abafando seus gemidos com a boca enquanto cada
parte dela tremia e vibrava. Relâmpagos rangeram através de seu sangue e sentia
como se estivesse se afogando nele, em seu cheiro, seu gosto, no mais doce e
escuro prazer, no mais poderoso e jamais conhecido.
Ele afastou a mão de entre suas pernas, levou-a ao rosto, colocou os dedos na
boca e os chupou, lambendo sua excitação.
Ele o fez lentamente, com o olhar fixo nela e foi a coisa mais atraente, mais
carnal que já viu.
Logo com os mesmo dois dedos, apertou-os contra seus lábios. Ela abriu a
boca, provando a si mesma, o sal e a umidade penetrante, chupando-o da mesma
forma que ele fez, seus olhos ainda juntos. Havia calor e paixão animal em seus
olhos, uma luz perigosa. Quando puxou os dedos os substituiu por sua língua e o
beijo que compartilharam foi selvagem, faminto e desesperado, uma promessa do
que viria.
—Vamos. — Disse com a voz rouca. — Vamos falar com seu amigo antes
que perca o controle completamente.
Atordoada e sem fôlego, Ember assentiu, passou a mão pelo cabelo, inalou e
exalou com cuidado e foi para a porta. Sem olhar para trás, para Christian girou a
maçaneta e passou pela porta, fechando-a atrás de si com firmeza. Ainda
tremendo, se apoiou nela.
No sofá da sala de estar, Asher estava sentado com os braços cruzados sobre
o peito. Quando viu seu rosto, rodou os olhos e arrastou as palavras. —Bom,
suponho que ganhou a luta.
Mas Ember, com o coração acelerado, o corpo em chamas, tinha a sensação
de que a verdadeira luta estava para começar.
Gostasse ou não, ela estava se apaixonando por este homem que não era
homem e tinha que decidir o que fazer a respeito.
Christian se sentou na beirada da cama olhando suas mãos, surpreso ao vê-las
tremendo.
Sua boca era tão doce, seu cheiro e os leves e inquietos gemidos ainda mais
doce, a forma como o olhava... o seu gosto. Cristo, seu gosto. Sonhou por semanas
com isso e a realidade era muito melhor que até mesmo suas melhores fantasias.
Colocou a cabeça entre as mãos, pensou por um momento e logo fez a única
coisa que poderia: foi embora.
Sua calça de linho deslizou ao chão e ficou ali em uma pilha marfim, ele se
moveu no ar, enquanto se estendia e passava pela fresta da janela até a noite.
Ember percebeu que deixou-se levar a seu próprio mundo por um momento
e murmurou algumas palavras. Sua voz a puxou de volta a realidade com um golpe
desagradável.
—O que? Oh, desculpe... não é nada... meu cérebro... está muito cansado.
—Não fará nada para me machucar. — Ember percebeu que dizia isto para
convencer Asher a não lançar a faca, que ainda tinha na mão, na porta do quarto.
O que foi uma revelação tanto surpreendente como um enorme alivio.
—Asher...
—É lindo, concordo. Poderia até mesmo ser o homem mais bonito que já vi
na vida, querida, o que diz algo. Mas é perigoso também. Tudo o que precisei fazer
foi olhar em seus olhos quando ele estava de pé em seu quarto e pude ver. Pude
sentir. Estava disposto a arrancar-me membro a membro. De nada vale a beleza
quando está lidando com alguém perigoso. De fato, isto o deixa ainda mais
perigoso, porque se fica muito ocupado comendo-o com os olhos e não nota o
veneno que está deslizando em sua bebida.
—Asher...
—É uma garota crescida e não sou seu pai, mas sou seu amigo e me preocupo
com você. Eu a deixarei em paz porque sei que me ama, mas lembre-se Ember,
este homem tem segredos. Segredos tem um preço, não são de graça. E tudo o
que fizer, não deixe que te dê nenhuma merda apenas porque parece um
supermodelo. Parafraseando a grande Violet Weingarten20, a vida é muito curta
para recebermos merda ou cuidar dela. Assim seja inteligente. Mantenha seus
olhos abertos. Mantenha os olhos bem abertos, certo? E se precisar de mim, já
sabe onde me encontrar. — Ele apontou o queixo para a porta principal. — Estou
a apenas uma ligação telefônica de distância.
Mas quando o fez, Christian não estava mais lá. Apenas sua calça bege sob a
janela um pouco aberta, sem mais pista de que esteve ali.
Isto e a nota que deixou em seu travesseiro. A nota dizia: Esperarei todo o tempo
que precisar. Mas tempo vale ouro. E você também. Por favor, se apresse.
Não foi pela qualidade do trabalho, mas pelo próprio sujeito. Cabelos
castanhos até os ombros, olhos castanhos, rosto em forma de coração, traços
simétricos, mediana, a mulher que o olhava do desenho poderia ser uma entre mil
mulheres diferentes, todas elas comuns. Um papel em branco tinha coisas mais
interessantes a lhe oferecer.
Ele desviou o olhar para Nico, que estava de pé junto a Marcel, humildemente
com os olhos para baixo, as mãos cruzadas nas costas. — Ela tem seios grandes,
pelo menos?
Entregou o desenho a Marcel. —Bem. Uma razão mais para matar o filho da
puta. — Ele moveu as mãos como se o papel estivesse sujo e deu instruções. —
Passe cópias para todos. Quero saber quem é esta garota. Quero encontrá-la,
preciso encontrá-la. Com ela, sem dúvida, será muito mais fácil encontrar nosso
amigo sem escrúpulos. — Sorriu. —E poderia deixá-lo um pouco mais inclinado
a aceitar nossas demandas.
Mas as partes altas dos arcos não eram os aspectos mais valiosos de sua nova
colônia. Os aspectos mais valiosos estavam abaixo.
Apenas agora, devido a invenção do soro, não havia mais. O soro permitiria
que um descendente de um shifter com um humano sobrevivesse sem problemas.
Melhor ainda, iria usar a fertilidade prolifica da humanidade contra eles. Se tudo
acontecesse segundo o previsto, os humanos teriam apenas umas poucas gerações
mais no planeta.
Marcel inclinou a cabeça com respeito, como sempre fazia quando Cesar
falava, o que adorava e disse. — Duzentos e seis, senhor.
Cesar estava contente. Conseguiu chegar a Espanha com apenas alguns, mas
agora os membros descontentes das outras colônias, insatisfeitos com as leis
draconiana, estavam chegando em massa. Parecia haver muitos que acreditavam,
como ele, que os Ikati já não deveriam se esconder nas sombras.
Cesar se sentou em seu trono e juntou os dedos sob o queixo. Com calma
deliberada, deu instruções a Marcel. —Vamos finalizar o plano para encontrar o
homem que Nico viu. E logo vamos finalizar os planos para O Martelo. Quero
todos em seus lugares e prontos em meados de março, a Páscoa este ano cai no
dia trinta e um.
Marcel se inclinou para ele e Nico retrocedeu rapidamente e Cesar ficou
sozinho com seus pensamentos, com um sorriso profundamente satisfeito em seu
rosto.
Como no Natal passado, a Páscoa deste ano seria uma que os seres humanos
nunca se esqueceriam.
Logo o pânico a golpeou, frio como o gelo no rosto. Imaginando que a livraria
se reduziu a cinzas, sentou-se de uma vez na cadeira. — O que aconteceu
Marguerite? O que aconteceu?
Ao julgar pela forma como Marguerite disse “nós”, Ember sabia que suas
meias irmãs apareceriam logo. As Tweeds nunca perdiam a oportunidade de
comer.
—As dez September, não chegue tarde. E tente se mostrar apresentável, sim
querida?
—Pensei ter dito as dez. — Murmurou para Ember, que estava descontente
como sempre ficava quando via suas meias irmãs. Sentadas lado a lado na cabine
de couro luxuoso, com vestidos parecidos de lavanda, apesar de terem mais de
vinte anos e não ser mais tão lindo ou aceitável, Analia e Allegra a ignoraram
tomando seu café da manhã. Mesmo a comida delas era igual, ovos com bacon,
crepes, bolinhos belga com creme, salsichas e café preto.
—Qualquer pessoa com dois dedos de bom senso sabe que precisa chegar
cedo para conseguir os melhores lugares em Ovando. — Analia cheirou seus ovos.
Allegra concordou com um movimento de cabeça, dizendo. — E qualquer um
sabe com um dedo de bom de senso que deve chegar dez minutos antes disso.
Ela se sentou na frente das Tweeds e pediu um café ao garçom que apareceu
e desapareceu, silencioso como uma múmia.
Mas isto não era culpa de Ember. No que se referia a ela, era problema delas.
Olhando para elas agora, disse. — Podem rir até que morram. Uma vez que
sua mamãe querida morrer, os dois abutres ficarão sozinhas para sempre. Quem
acha que irá comer a outra primeira?
—Na semana passada. Não quis dizer nada porque os documentos não
estavam prontos, mas agora já está tudo em ordem, tudo o que preciso que faça é
passar suas ações para novo comprador e tudo está terminado.
Quanto seria?
—Isso não pode ser verdade. — Disse hesitante, incrédula. — Isto é dez
vezes mais do que vale! Vinte! E como a economia está... quem em seu são
juízo...
Como se sufocada por uma gigante mão invisível ao redor de se peito, todo
o ar deixou os pulmões de Ember.
Cavalo dado não se olha os dentes. Asher disse exatamente estas palavras a ela,
quando Dante disse que não deveria se preocupar com o aluguel.
Marguerite tirou uma caneta da bolsa e lhe ofereceu. — Apenas assine,
September e vamos nos dar bem. Você e eu sabemos que foi um erro seu pai
abrir esta livraria, era um homem de negócios como sou um canguru. Nós duas
teremos partes iguais e já assinei, assim tudo o que precisa fazer é...
—Não.
Havia uma linha falha correndo sob a vida de Ember, uma fresta quase
invisível aumentando ao longo dos anos com a pressão. A fricção aumentou
recentemente a um nível perigosamente alto. Uma coisa pequena poderia
desencadear um evento sísmico que derrubaria o mundo e pela primeira vez,
percebeu a corda bamba na qual estava caminhando — o perto que estava a
ponto de perder a única coisa que lhe restava — e estava quase perdendo o
controle em um abrir e piscar de olhos.
Ember sabia com clareza cristalina quem lhe deu seu cavalo.
—Oh! — Sua mão voou para cobrir a boca. — Si. Quer dizer sim! —
Arrumou a peruca, adotou uma estranha pose com as mãos nos quadris e uma
perna inclinada como se estivesse quebrada, então na mais terrível imitação de
John Wayne que já ouviu. —Como está hagin, peregrino?
Olhou para a esquerda. Olhou para a direita. Olhou novamente para ela e
disse. —Não posso dizer, linda. Faz parte do acordo.
Ember passou uma mão pelo rosto. Assim, era verdade. — Estamos
mudando o acordo Dante. Pagarei este mês e irá devolver tudo o que ele te
pagou.
A Christian, claro.
Mas Dante já estava balançando a cabeça. — Desculpe, mas... isto não será
possível.
Poderia dizer pelo olhar no rosto de Dante que era muito grave. Não iria
aceitar seu dinheiro este mês. Pois bem, iria pagar diretamente a Christian,
depois dizer em termos muito claro que não podia cuidar de seus problemas
financeiros.
—Certo Dante, esqueça. Mas não faça nada mais como isto. O aluguel é
minha obrigação, certo? Não pegue novamente dinheiro de ninguém mais
além de mim para pagar o aluguel.
Não.
Ember disse com cuidado. — Dante, por favor, diga-me que não está
dizendo que o aluguel foi pago por um ano?
Imediatamente se animou. — Não! Seu aluguel não foi pago por um ano!
Seu sorriso sumiu. Seus braços caíram dos lados. — Não a mais aluguel
para você, hermosa. Enquanto viver neste prédio, nunca pagará aluguel
novamente. Isto é muito bom, verdade?
O rosto de Ember ficou tão vermelho, que sentiu o calor se estendendo
pelo rosto e as orelhas. — Não Dante, isto não é bom! Como pode aceitar
dinheiro de outra pessoa quando o contrato de aluguel é entre nós dois?
Ele a olhou como se estivesse louca. — Isto não muda seu contrato e não
há nada nele que diz que não posso aceitar dinheiro de outra pessoa para pagar
o aluguel.
Riu disso, muito, a barriga chegou a balançar e o calor se estendeu por suas
bochechas até as raízes dos cabelos. —Ha-ha! Adoro este sentido de humor
dos americanos! Muy divertido!
Levou um tempo para Dante deixar de rir, mas quando finalmente o fez,
disse. — Ah, hermosa. Tão orgulhosa. Disse que era muito orgulhosa para isso.
Encolheu os ombros outra vez. —Não posso dizer. Mas não acho que
romperia meu contrato com ele dizer que ele te conhece bem.
Dante não se moveu por seu arrebato. —Não é uma maldição — apenas
assinei o contrato e peguei o dinheiro. Este amigo seu é um bom homem de
negócios, hermosa. Perguntou o que queria fazer no caso de você se mudar,
porque o aluguel foi pago por muito tempo. Mais do que poderia gastar,
hermosa. E eu disse: irá para uma instituição que trata de fibrose cística. Para
ajudar outras meninas como minha Clara. Assim, você pode morar aqui pelo
tempo que quiser, a vida toda se quiser se acontecer algo enquanto isto, o
dinheiro terá um bom uso. — Franziu o venho. — Isto é o correto, certo?
Dante continuou. — Isto não é algo que tem volta. Não é um par de
brincos, Ember. É um presente enorme, algo pelo qual a maioria das pessoas
chorariam de alegria. Você... — Ela sentiu seu olhar de desaprovação. — Atua
como se alguém tivesse morrido. É um pensamento errado. Sei que é uma
garota inteligente e sei que seu pai era um bom homem que lhe ensinou o
correto. Deus abençoe sua alma. Assim o que deve fazer é dizer a este homem
e não lhe disse quem é, entendido? Diga a este homem que está muito feliz e
agradeça, veja se há algo que possa fazer para deixá-lo feliz também.
Ember levantou a cabeça e o olhou com os olhos estreitos. Ele lhe sorriu,
movendo as sobrancelhas. Voltou ao inglês e pronunciou. — Ele é rico,
inteligente, generoso e educado. Não sou Asher, mas tenho que admitir que
este amigo seu é muito bonito, uma mulher deveria ficar feliz por ter um
homem como este.
—Ember.
Oh Deus.
Porque a vida era tão cruel e injusta? Porque Deus faria algo como isto com
esta linda menina, tão pequena e inocente?
Devido a que não existe Deus, Ember. Apenas há caos e sofrimento. Você mais que
ninguém deveria saber.
Em uma voz suave e quebrada pela emoção, Dante disse para Clara. —Vá
para dentro agora, gordita, volte para a cama. Deve descansar.
Sentindo-se com mil anos de idade, Ember ficou de pé e olhou para Dante.
Uma solitária lágrima deslizou por sua bochecha, que não se incomodou em
limpar. Olharam um para o outro em silêncio até que, finalmente Dante
colocou uma mão em seu ombro.
—A vida está cheia de dor, mas também nos dá muitos presentes, hermosa.
Aceitamos a dor porque não temos outra opção. — Seu olhar penetrante nela.
—Ou talvez porque sentimos que merecemos, mas temos que saber aceitar os
presentes também. Este seu amigo lhe deu um grande presente: aceite. Mas
também há outro presente, um maior ainda, que está ignorando.
Parou, olhando-a fixamente, com os olhos cheios de dor. Ember balançou
a cabeça. Ele disse. — O tempo. Não o desperdice. Nunca se sabe quando vai
acabar.
Ainda estava com o vestido que usou no café da manhã com sua madrasta
esta manhã. Seus sapatos fizeram bolhas nas solas dos pés.
Não sabia porque estava ali. Se cérebro não funcionava corretamente. Mal
podia falar.
Ela envolveu seus braços ao redor de seu pescoço, afundou o rosto em seu
peito e sussurrou. — Não quero perder mais tempo. Não quero perder mais
tempo, Christian.
Seu quarto era maior que o grande vestíbulo do hotel que ela e seus pais
ficaram quando viajaram a Nova Iorque, para um teste em Juilliard.
Lá fora, a chuva batia contra as janelas em uma melodia que subia e descia,
inquietante e triste.
Foi pego com a guarda baixa, hesitou por um momento fugaz e um gemido
subiu por sua garganta, mas logo ele a beijou, deitando-a para trás enquanto
segurava seu rosto com ambas as mãos, a intenção feroz e com o corpo quente
de alguma forma, contra ela. Apertou-se contra ele, sentindo a febre em seu
sangue queimar ainda mais enquanto suas mãos se moviam de seu rosto a seu
corpo e começavam a acariciar sua pele.
Ela protestou pela perda de sua boca com um leve gemido e tentou beijá-
lo novamente, mas de repente a levantou em seus braços e a levou para o outro
lado do quarto, perto do fogo. Em um segundo ela estava de costas sobre o
tapete suave, com Christian sobre ela, com as mãos e a boca esquentando seu
corpo.
—Não me queixo, mas precisa parar de vir até aqui sob a chuva. — Disse
entre beijos frenéticos, alcançando suas costas para soltar o sutiã. Desesperado
para se desfazer dele, ela se contorceu e o lançou longe, então o beijou
novamente.
Com uma mão, deslizou a calcinha pelas pernas. Ela levantou os quadris e
a tirou, olhando seu rosto. Seus lábios se inclinaram nos cantos de forma
maliciosa, um leve sorriso que a deixou excitada. Umedeceu os lábios e
continuou observando-a enquanto passava os dedos pelo interior de uma coxa,
seu sorriso cada vez mais malvado quando ele apertou a palma da mão entre
suas pernas e a manteve ali enquanto ela lutava para manter sua respiração
normal.
Sentiu sua boca sobre um mamilo. Ela gemeu quando ele a mordeu. Suas
mãos encontraram seu cabelo, ele moveu os dedos encontrando o ritmo
perfeito. Quando começou a tremer e se contorcer contra ele, afastou os
dedos, deslizou rapidamente por seu corpo e os substituiu pela boca.
Quando ele conseguiu fazer o que queria e tão facilmente, deveria tê-la
assustado, mas a excitou no lugar, fazendo-a sentir prazer.
Quando este prazer se converteu em uma dor quase insuportável, forte e
quente sob sua pele, a boca de repente se foi e moveu-se sobre ela, com os
braços aos lados de sua cabeça, seu estômago se pressionando contra o dela.
Era pouco profundo e lento, mas sua estocada seguinte foi profunda e dura,
enterrou-se até a base. A cabeça se inclinou para trás contra o tapete e Ember
gritou e estremeceu. Ela sentiu sua boca na garganta, no músculo do pescoço,
no ombro, a língua os dentes com beijos selvagens. Entrou novamente e a
mordeu ao mesmo tempo, quando ela soluçou seu nome fez um ruído como
o de um animal selvagem.
Pela primeira vez em muito anos, se sentia amada. Se sentia digna. E era
graças a ele, por causa de suas palavras, sua necessidade e o brilhante ardor
escuro em seus olhos.
Ele a virou sobre suas costas uma vez mais, se inclinou sobre ela e colocou
as mãos de ambos os lados de seu rosto. Seus olhos estavam grandes e escuros,
o olhar fixo nela, procurando, seu olhar ardente quase angustiado.
Seus olhos se fecharam, arqueou-se para trás e todo seu corpo estremeceu.
Ela abriu os olhos, ouviu com seus ouvidos e todos os demais órgãos. Justo
a altura de seus olhos, a garganta se moveu. Estava olhando o fogo,
observando as chamas com uma expressão de assombro. Seus braços se
apertaram possessivamente ao redor dela. Deu-lhe um beijo suave no cabelo.
—Esperei tanto tempo por você. Estive esperando toda minha vida. Não
posso acreditar que por fim a encontrei. Não posso acreditar que algo tão
perfeito seja real.
Sua voz era suave, tão impressionante, tão grata, que rompeu algo dentro
dela.
Amor. Assim isto era o que todas as canções diziam, toda a arte, obra de
teatros e filmes.
Ela não tinha palavras para o que estava sentindo e não havia palavras
adequadas, de qualquer forma. Assim simplesmente o beijou e colocou ali tudo
o que sentia, esperando que ele entendesse.
O fogo se consumiu até o brilho laranja das brasas e cinzas. Lá fora o dia
sombrio e úmido se converteu em um crepúsculo ainda mais sombrio. O vento
estava forte e batia contra as árvores.
—Está acordada. — Sussurrou. Ela inclinou a cabeça para trás e para cima,
olhando-o. Ele sorriu — seu lindo cabelo preto bagunçado, os olhos verdes
brilhantes — e afastou uma mecha de seu rosto com suavidade.
—Quanto tempo dormi? — Sussurrou ela, não querendo romper o feitiço.
—Tanto assim?
Disse inocente. — Seu ronco. Forte como uma serra, bem alto...
—Christian!
Sua risada sacudiu ambos. Envolveu os braços mais apertados ao redor dela
e a beijou na testa. —Encontrei um ponto fraco, verdade? Isto foi muito fácil.
Ela suspirou. —Sempre será capaz de ler minha mente desta forma? É
muito incomodo.
E porque tinha certeza que não iria lhe perguntar sobre elas novamente,
mas sentiu de repente um impulso de lhe contar. Ela começou de forma
hesitante a falar.
Seus dedos pararam no braço. Olhou seu rosto, mas ela abaixou o olhar
para seu peito, escondendo-se e soltou uma respiração trêmula antes de
continuar.
—Foi o dia que me formei no ensino médio. Meu pai comprou um carro
novo como meu presente de formatura, quando na verdade era para minha
mãe porque eu iria para uma nova escola em Nova Iorque no outono. Tinha
conseguido uma bolsa em Juilliard para a primavera e iria passar o verão na
Escola de Música de Taos.
Ember assentiu. — Eu era boa. Era muito boa. Melhor que isso, na
verdade, meus professores, todos pensavam que seria o próximo Yo-Yo Ma21.
21 Músico norte-americano nascido na França, de origem chinesa, considerado um dos melhores violoncelistas
da história.
Mas... já sabe. —Sua voz hesitou. Voltou a respirar e disse. — A vida passa
quando está ocupado fazendo outros planos.
—Era um Honda vermelho, nada caro, mas achei a coisa mais linda do
mundo. — Ela fechou os olhos e se lembrou com grande detalhe de sua
emoção quando seu pai dirigiu até o caminho de entrada e tocou a buzina para
que todos saíssem para vê-lo. A pintura brilhante, o cheiro de carro novo, sua
franja negra com pequenos números de plástico dourado com o ano, estava
pendurado no retrovisor.
—Comecei a andar com todos meus amigos para mostrar, logo peguei
minha mãe e meu irmão mais novo Auggie. Meus pais tinham planejado um
jantar especial para mim em meu restaurante favorito.
—Meu pai iria se encontrar conosco ali. Ele apenas queria terminar um
quadro que foi encomendado para o dia seguinte. Assim nós três fomos na
frente. —Ela fez uma pausa, engolindo a sensação de um antigo peso familiar
começando a pressionar seu peito. Mais tranquila que antes, disse. — Não
costumava ter muitas tempestades elétricas durante o verão, mas chegavam
sem muito aviso. Assim estava chovendo quando aconteceu... justo depois do
entardecer... como agora.
Treze mortos.
Quando ela abriu os olhos, estava de cabeça para baixo, ainda presa no
assento do motorista e sua mãe morta no assento do passageiro ao seu lado.
Havia muita fumaça e água, junto o cheiro acre do cabo elétrico e borracha
queimada. O braço esquerdo de Ember foi esmagado entre o assento e a porta,
que era agora um pedaço de metal retorcido. Ela não podia girar a cabeça para
olhar para Auggie porque tinha algo errado com seu pescoço, mas ela podia
ver seu rosto pelo retrovisor. Ela o viu deitado, com o rosto cheio de dor, com
as pernas destroçadas. Não estava de cinto de segurança.
Descobriu mais tarde, que demorou vinte minutos para que chegassem os
paramédicos e a polícia, que ninguém sobreviveu, apenas ela. A antena de
celular mais próxima caiu com a tempestade, assim os carros que chegaram no
lugar imediatamente depois não tinham sinal de telefone. Alguém precisou
dirigir todo caminho de volta à cidade para informar.
O Broken Man.
Ela sussurrou. — Meu pai não suportou ficar no Novo México depois
disso. Nos mudamos para a Flórida, mas não era longe o suficiente, assim
Christian segurou o rosto dela nas mãos. —Sei que se sente culpada porque
estava dirigindo, Ember. — Disse com urgência, olhando-a com as
sobrancelhas altas e os olhos brilhando de simpatia. — Mas não deve. Foi um
acidente. Estava chovendo, poderia ter acontecido com qualquer um.
Sua voz ainda era plana e vazia, sua cabeça estava virada, como se não
suportasse olhá-la. Ember se sentou e puxou a manta com força ao redor do
corpo. O tremor estava piorando e sua garganta não estava funcionando bem,
não conseguia dizer nenhuma palavra com o nó do tamanho de um punho que
havia ali.
Christian foi para a porta do quarto, parando justo antes de passar por ela.
Sobre o ombro disse. — Corbin a levará para casa. —Então ele se foi.
Ela o merecia, mas não estava esperando isto. Era o que realmente doía. A
vergonha que manteve em segredo durante seis anos e por uma boa razão,
provava isso. Ninguém em seu são juízo poderia perdoar alguém que fez algo
tão atroz. Ninguém deveria.
Ela entrou no carro, ficando como uma bola no assento traseiro e começou
a soluçar em silêncio em suas mãos.
Seu coração doía tanto por ele pensar que isto era culpa de Christian.
Ela viu seu cenho franzido pelo retrovisor. — Acho difícil acreditar que
poderia haver algo em você que não goste, senhorita. Ou que alguém não
gostaria, no caso. Nunca o vi tão feliz. Sei que devo agradecer a você por isso.
O carro parou junto a calçada na rua onde a deixou na primeira noite que
a levou ali, com sua fantasia de gato e Christian foi ao seu apartamento. Um
pensamento lhe ocorreu, algo que Christian disse esta noite em sua cozinha e
Ember se endireitou, limpou o nariz e o rosto.
Uma fugaz expressão de simpatia cruzou seu rosto. — Sinto muito, Srta.
Jones. — Ele a olhou pensativo por um momento. —É terrível ter algo
doloroso em comum, mas talvez de uma maneira que poderia ser uma benção
também.
—Perdoe-me. Pode ser que seja pouco delicado dizer isso e pode ser
totalmente errado. Mas me parece que apenas alguém que perdeu um ser
querido de uma forma tão violenta pode relacionar-se com a dor de outro nas
mesmas circunstâncias. São almas gêmeas, por assim dizer.
Almas gêmeas. Era evidente que ele não sabia as circunstâncias. O que
levou a sua seguinte pergunta.
Antes que Corbin pudesse concordar com ela, Ember abriu a porta, pulou
do carro como se estivesse em chamas e escapou na chuva torrencial.
As semanas seguintes não foram nem boas e nem fáceis, uma realidade que
Ember se resignou a agradecer. Nada deveria ser fácil ou bom para ela, um
fato que esqueceu em seu estado de loucura temporário provocado pelo amor.
Marguerite estava furiosa com ela por não assinar os documentos de venda
da livraria, ameaçou não mais falar com ela se continuasse se negando. Isto
Ember aceitaria muito bem. Não sabia porque Christian não retirou a oferta,
mas não o fez. O que se apresentou como uma prova mais de seu caráter, que
era muito melhor que o dela, que se sentia como um inseto em comparação,
como algo que deveria ser esmagado sob os pés.
Mas não iria vender. Conhecia as razões por trás da oferta e Marguerite
estava motivada pelo dinheiro. E mesmo se fosse muito cavalheiro para retirar
a oferta da forma como retirou seu afeto, ela não se aproveitaria dele.
Agora se pudesse encontrar uma forma de devolver todo o dinheiro do
aluguel.
Veio uma solução uma noite enquanto estava limpando uma gaiola no
refúgio de animais. Estava limpando uma caixa de areia com uma mão
enluvada e uma colher na outra, quando congelou.
Era tão simples que se surpreendeu de não ter pensado nisso antes. Se
mudasse, todo o dinheiro iria para uma fundação de fibrose cística, como
Dante disse sobre seu contrato com Christian. Ela poderia ajudar outras
crianças como Clare. Seria, de alguma forma, um pagamento para uma dívida
impagável.
—Ember, não tem como viver aqui! — Disse. Moveu o braço ao redor em
um movimento irritado, desigual. —Olhe este lugar! Vai pegar uma doença de
ratos se sentar neste sofá. — Apontou com o queixo a flacidez do móvel, no
móvel da “sala de estar” — ao julgar pelos buracos nas almofadas e os
pequenos pontos negros que pareciam excrementos no chão ao redor dele, que
efetivamente parecia ser a moradia de alguns roedores. — Pode cair por aquele
buraco perto da janela e terminar no andar de baixo. O que provavelmente
está ocupado por um grupo de pessoas em liberdade condicional ou drogados,
se o grupo que vi na entrada deste lugar é uma indicação da qualidade dos
inquilinos!
Para ser justo, o buraco no chão perto da “janela” não era grande o
suficiente para que passasse por ele. Um gato grande, talvez. Talvez um
pequeno cão.
—É perfeito, Ash. — A voz de Ember estava tão oca como seu coração.
Asher lhe lançou um olhar penetrante, seus olhos estreitos atrás dos óculos.
Cruzou os braços sobre o peito e inclinou a cabeça. —Porque não diz do que
isto se trata realmente?
Ember revirou seu olhar penetrante e moveu-se a uma pequena peça suja
de vidro que se passava por uma janela. Dava para um estreito beco escuro. O
prédio abandonado do outro lado estava rodeado por correntes e arames
farpados. Havia pequenos tufos de grama crescendo no teto, que em alguns
lugares estava quebrado, as vigas de madeira parecendo ossos.
—Nada. — Mentiu.
Então Asher abaixou os braços dos lados e disse com voz acusatória e
emoção. —Está fugindo dele.
Observou seu rosto com cuidado e logo disse em voz baixa. — Sim, direi
que isto é uma merda também, querida.
Ember abaixou a testa até seu peito, ele envolveu os braços ao redor dela e
apoiou o queixo em sua cabeça. Em um momento disse com cansaço. — Sei
que não vai acreditar em mim, mas Christian não fez nada errado. Foi o melhor
que me aconteceu em muito tempo, Ash e eu errei e não ele. Se soubesse o
generoso que realmente é, como é considerado...
—Isto não é sobre ele. Assim deixe de lado, certo? Não vamos mais falar
sobre ele. Vamos fingir que tudo isto nunca aconteceu.
Ela não lhe contou o que aconteceu entre eles, mal mencionou o nome de
Christian nas últimas semanas e apenas quando Asher pedia notícias. A última
notícia que lhe deu foi: Não estamos mais juntos.
Fim da história.
—Não gosto disso, Ember. Não gosto disso nenhum pouco. Está
escondendo algo de mim sobre as razões para viver neste lixo. E se me permite
dizer, seu rosto está como milhas e milhas de uma estrada em mal estado.
Sua voz ficou mais suave e sem dúvida mais preocupada. —Está doente?
Ela era todas essas coisas e muito mais, mas em voz alta apenas lhe ofereceu
uma fraca desculpa. —Não, não estou doente, Ash. E não há nada errado.
Apenas estou... apenas precisava de um novo apartamento, isso é tudo. Tudo
está bem.
—Sabe uma coisa Ember? Sempre soube que havia coisas sobre as quais
não queria falar e concordei com isso — aceitei você como me aceitou —
Tudo ou Nada — sem fazer perguntas. Mas nunca pensei que fosse uma
covarde. Até agora.
Sua boca se abriu quando a dor atravessou diretamente seu peito. Com a
mão cobriu a boca, sussurrando um abafado. — Ash!
—Você não quer me dizer algo, esta é sua prerrogativa. Mas somos amigos
— bons amigos — há anos e teve a coragem de mentir na minha cara várias
vezes, quando quero ajudá-la. O que em minha opinião é um grande foda-se
Asher. Assim captei a indireta, não quer minha ajuda. Sinto muito, não ficarei
ao redor para vê-la se consumir e revolver nesta depressão como um porco na
merda, sem nenhum tipo de indicio de que porra está acontecendo ou sem que
me permita ajudar de alguma forma. Tem ideia de como... como impotente
isto me faz sentir? O frustrante que é para mim? Ou você está muito ocupada
sentindo pena de si mesma que não pode ver além de se próprio nariz?
Ele disse. — Estou muito cansado das pessoas que sentem pena de si
mesmos. Sinto muito por seus pais de merda, sinto muito por seus amigos de
merda e seus postos de trabalho de merda e toda as coisas de merda que
acontecem todos os dias na vida de todos, mas de alguma forma todo mundo
parece pensar que sua marca particular de merda é a mesma de todos. Mas sabe
o que? Sempre há alguém que está mil vezes mais na merda que você. Assim
que aguente e saia de sua zona de conforto e tente se concentrar em outra
pessoa. Poderia fazer com que seus problemas parecessem um pouco menores
em comparação. Ou se não, ao menos lhe fará menos idiota!
Ele a olhou por um momento. Por trás de seus óculos, seus olhos escuros
ardiam. —Você não inventou o sofrimento Ember, não importa o que
aconteceu. E apenas porque está sofrendo, isso não lhe dá o direito de mentir
aos seus amigos e fazê-los se sentir inúteis ou não desejados. As pessoas que
preocupam entre si ajudam uns aos outros quando estão sofrendo, não se
fecham. Isto é o que as pessoas que não se importam uma merda fazem. Como
você me fez sentir. Parabéns pela perda de seu único amigo.
Soluçando seu nome, correu pela sala e lançou-se sobre ele, pegando-o de
surpresa e fazendo com que tropeçasse contra a parede. Com os braços ao
redor de seu pescoço, ela se deixou cair contra ele e chorou como uma criança
em sua camisa, pedindo desculpas e contando, de forma incoerente o que
aconteceu entre ela e Christian, intercalando os o que aconteceu naquele
fatídico dia no Novo México.
Ao final, ele também estava chorando e algum idiota gritou do final do
corredor que ficassem calados e entrassem.
Entraram.
Ele a abraçou com força, apoiou-se na porta fechada, até que seu choro
parou e ficou inerte em seus braços.
—Sinto muito. — Disse com a voz trêmula. — Não sabia que tinha... não
tinha ideia.
Ou pior.
Hesitou e ela levantou a cabeça, olhando através dos olhos inchados. Não
podia dizer, mas sabia o que queria dizer: porque não a prenderam?
Ninguém a ouviu quando tentou lhes contar o que fez. Todos a olhavam
como se algo estivesse errado dentro de sua cabeça. Todos os terapeutas
depois a olharam da mesma forma, assim que finalmente aprendeu a deixar seu
rosto uma máscara sem emoções e dizia o que queriam ouvir, que o acidente
que aconteceu não foi culpa sua.
Era quase pior que o acidente em si, a simpatia que mostrava a polícia, os
trabalhadores sociais e terapeutas. Seus amigos e os pais de seus amigos.
Mesmo seu pai, que deveria tê-la odiado ainda mais, mas nunca o fez.
Ela queria que gritassem. Que a matassem. Mas o que recebeu foi tão
insuportável como ter sua pele arrancada e tinha vontade morrer: pena.
Para ser justa, negar a culpa sobre algo horrível que fez, ninguém a ouvir
ou acreditar ou mesmo pensar que não tem razão para se sentir culpada,
matava sua alma. Para avançar, para se curar, primeiro deveriam permitir que
falasse o que sentia. Deveriam permitir que expressasse seu pesar. O que não
queria era que seu pesar fosse confundido com algo similar, a arrogância ou a
merda de doenças mentais, assim não podia avançar.
Estava presa dentro de seu corpo como uma mosca em líquido âmbar,
morta e enterrada, mas perfeitamente conservada por fora, assim qualquer um
que olhasse não veria nada além de uma tumba.
Por isso deixou de conversar com os terapeutas. Ela deixou de falar com
seus amigos, deixou de falar com todos. E quando ela e seu pai se mudaram
para a Flórida e logo a Espanha, viu que perdeu a capacidade de se abrir com
as pessoas, como um músculo atrofiado por falta de uso.
Sim. Exatamente.
—Assim agora... agora já sabe... porque não podemos ficar juntos. E por
isso estou um desastre. — Ela apoiou o rosto contra seu peito e o abraçou
com mais força.
Ele lhe devolveu o abraço. Sua cabeça se levantou e inalou fundo e soltou
lentamente. Enrolou uma mecha de cabelo nos dedos e puxou suavemente, ela
o olhou através dos cílios molhados.
—Plano? Bom... limparei este lugar um pouco, então farei algo para
comer... irei pedir.
Ember afastou o olhar e engoliu. Lá fora, uma nuvem cobriu o sol e a sala
ficou mais escura e de repente mais deprimente que antes. — Ele não voltará,
Ash. Não pense em algo assim. Isto é algo que não fará e com razão.
Voltou a respirar, logo a afastou dele com as mãos ao redor de seus ombros.
— Querida, o homem estava disposto a me matar se não o deixasse falar com
você, lembra-se? Me. Matar. Independente do tipo de choque que foi, você lhe
contar — sabe o que — ainda tem sentimentos por você. Não há homem na
Terra que possa desligar o interruptor uma vez aceso, entendeu?
—Asher...
—Asher...
Seus olhos se encheram de lágrimas. — Não. Mas é justo que sofra tanto
for possível, depois de tudo o que tirei de tanta gente. É a única forma que
pude pensar como fazer as pazes.
Sua cabeça caiu. Ele não a soltou dos braços e ficou ali segurando-a por
um momento e a olhou novamente. — Você de verdade está fodida, sabe
disso?
Isto sabia, era uma pergunta retórica. Ela mordeu o lábio interior e não
respondeu.
Ele lhe deu uma sacudida forte que apertou a mandíbula. — Então
simplesmente não encontrou o certo ainda, querida. Um terapeuta não é
negociável Em, se quiser manter meu lindo traseiro em sua vida.
Uma mentira enorme. Não podia se concentrar tempo suficiente para isso,
invadia seus pensamentos de vigília e inclusive nos sonhos. Nunca teve
pesadelos antes, inclusive depois que seus pais morreram, mas agora era uma
ocorrência noturna. As chamas, gritos, gemidos e o golpe dos pneus na chuva
e sempre seu rosto, seus olhos, seu olhar atormentado. Então tudo ficava
negro e acordava de uma vez na cama, suando e ofegando como se estivesse
em uma maratona. Foi assim cada momento nas últimas duas semanas.
Ele usou a palavra pontos de vista em lugar de sentimentos. Ele e seu irmão
não falavam sobre sentimentos.
—Não o faço. Não posso. Mas estar em conflito sobre algo não significa
que deve colocar a lógica de lado. Precisa pesar os prós e contras e tomar uma
decisão. No meu caso, esta decisão precisa ser o melhor para a maioria, o que
significa, ainda que prefira cortar meu próprio braço que você irá... — Não
disse o restante, mas seu silêncio encheu os espaços em branco. — Em seu
caso, esta decisão precisa ser o que sua consciência pode aceitar sem a culpa o
consumir.
Culpa. Acertou o alvo. Porque apesar da lógica dizer a Christian sobre ele
e Ember era provavelmente, a pior coincidência da história e ainda que parte
estivesse horrorizado com sua admissão e ainda mais pela forma como o
destino poderia ser cruel, uma cenoura pendurada como uma tentadora
felicidade na frente dele, apenas para afastar-se com algumas frases
sussurradas, mesmo por tê-la colocado em seu caminho agora, de todos os
malditos momentos em sua vida, ainda sentia um enorme sentimento de culpa
por se afastar dela.
Sua mente e seu coração estavam em total conflito sobre o que fazer, o que
fez e o que deveria fazer agora, tudo fazia com que fosse muito difícil se
concentrar em qualquer outra coisa. As noites sem dormir estavam cobrando
seu preço, estava quase como um zumbi, todo o dia, todos os dias.
—Outra coisa também que ajuda a tomar uma decisão difícil. — Disse
Leander.
—O que?
Christian sorriu. Leander odiava discutir sobre coisas que não tinha
controle. — Sim, sim capitão.
—Bom. Estou enviando um e-mail com toda informação que tenho sobre
este personagem Jahad, que agora está à frente da Expurgari.
—Porque?
—Não sabemos. Infelizmente morreu antes que pudéssemos descobrir.
Xander é muito bom em seu trabalho.
—Xander? — Isto também era uma surpresa para Christian. Xander era o
assassino mais temido da tribo da colônia brasileira, que se retirou a alguns
anos.
O que significava que era ainda mais importante que Cesar fosse
encontrado — imediatamente.
Não disse assassinatos, porque isso seria muito óbvio e já recebeu uma
tempestade de merdas e críticas, não queria ouvir novamente. Se fosse
qualquer outra pessoa, em qualquer outro momento, este tipo de exibição em
público teria firmado e selado sua sentença de morte. Os Ikati poderiam ficar
entre os humanos, desde quando e sempre tivessem algo em mente: o segredo.
Ainda que não importasse mais.
Christian soube ao instante que isto significava duas coisas. Um, o incidente
em Gracia colocou o líder dos Expurgari em evidência — com o ataque
público na Espanha — e dois, esta era uma oportunidade perfeita para matar
dois pássaros de uma só vez. Por assim dizer.
—Este Jahad não está sozinho, deve ter ao menos meia dúzia de seus
principais homens com ele, talvez mais. Não podia ser mais perfeito se
houvéssemos orquestrado isso. Podemos cortar a cabeça da serpente.
Christian sabia que se pudesse ver seu próprio rosto em um espelho, estaria
feio e sombrio. Algo violento, vicioso e selvagem. Ele disse. — Pensarei em
algo, irmão. Se houver uma maneira, descobrirei.
Desligou antes que Leander pudesse fazer mais perguntas, abriu seu
computador portátil e olhou seu e-mail até que encontrou a mensagem de
Leander e começou a ler.
Sua família era desconhecida, como a exata data de nascimento e seu nome
real. Era conhecido apenas como Jahad, uma versão inglesa de Jihad, uma
palavra que em árabe significava luta, combater a imperfeição da perfeição,
estabelecer a verdade sobre as más ações, para se elevar aos reinos dos céus,
enquanto era tentado por inumeráveis prazeres e o pecado na Terra.
23 Cinto ou cordão eriçado de cerdas de ferro, cheio de pontas, com o qual os penitentes cingem o corpo
diretamente sobre a pele. Ou uma faixa ou pano grosseiro e áspero.
reinassem e visitava um dos estabelecimentos especializados na cidade que
atendiam aos homens com seus gostos muito particulares.
Seus olhos, quase um prata pálido na foto, parecia realmente o olhar terrível
de um assassino. Sua cabeça era branca como a neve e completamente lisa,
sem cabelos, sem nenhum indicio de que raspava a cabeça e ficou evidente
quando Christian observou na foto que Jahad não tinha sobrancelhas ou cílios.
Era, de fato, completamente desprovido de pelos. O lado direito de seu corpo,
da mandíbula até a cintura estava coberto por cicatrizes horríveis, enrugadas e
brilhantes e sua mão direita era um pouco mais que uma garra que estava
pendurada em um ângulo estranho nos quadris.
Informação.
Com sua doçura e seu sorriso, com seu orgulho e paixão, seu gênio agudo
e mordaz. Sua vulnerabilidade era incrivelmente sedutora, como sua força.
Assim como todas as sombras em seus olhos, o que o atraia como uma
mariposa pela luz. Uma mariposa que sabia que se queimaria, mas não se
importava.
Não lhe importava seu passado. Não se preocupava com seu próprio
passado. Ele não se preocupava com o que deveria estar pensando, sentindo,
fazendo ou todas as formas como os dois estavam quebrados, nas tragédias
que os quebraram ou na colossal estupidez de tentar fazer com que algo
funcionasse entre duas pessoas tão diferentes.
De pé junto a ela agora, sob os galhos de uma acácia florida na rua, deu-lhe
uma cotovelada amistosa. —Vamos, pintinho. Venho buscá-la depois e
podemos comprar suspiros de freira.
A sala de espera era de bom gosto e muito mais familiar que outras que
frequentou. Não havia revistas manuseadas em uma mesa de café suja, cadeiras
baratas todas juntas, não havia cores pasteis horríveis nas paredes. E não tinha
nenhum aquário, graças a Deus. Aquários sempre a faziam sentir claustrofobia,
ela não podia evitar se imaginar como um peixe, freneticamente presa sob
dardos brilhantes ou presa dentro de um.
—Senhorita Jones?
Ember sorriu. — E eu que pensava que meu espanhol fosse muito bom.
—Na escola, a maior parte, mas meus pais também falavam espanhol.
Tínhamos uma grande população hispânica onde cresci.
Katherine lançou um breve olhar para suas mãos ainda unidas. Ela
encontrou o olhar de Ember outra vez e seus olhos castanhos brilharam com
diversão. —Ninguém aperta as mãos como um americano. Sempre se sente
como se está selando um pacto de sangue.
Uma hora mais tarde, depois que sua nova e interessante paciente foi
escoltada para fora e ela estava sentada atrás de sua polida mesa de madeira, o
bloco amarelo de notas com a sessão rabiscado nela e um arquivo da paciente
aberto em seu computador ao lado, a boa doutora apertou o botão
rebobinando o pequeno gravador que usava para suas conversas.
Katharine viu isto antes. Um paciente bem preparado com fortes barreiras
mentais poderia facilmente dissociar-se emocionalmente quando se falava de
um trauma que sofreu, sobretudo quando estava anos no passado. Se não
houvessem os gatilhos emocionais imediatos, poderia compartilhar com
segurança, a uma distância confortável.
Mas o que era importante, eram os detalhes. E depois de quase vinte anos
de prática, Katherine sabia com precisão cirúrgica, onde os esqueletos
realmente estavam.
—... e depois disso fui para casa e peguei minha mãe e irmão, nos dirigimos para o
restaurante. Katharine ouviu sua própria pergunta a seguir. — Lembra-se do quanto
bebeu antes de entrar no carro?
Ali estava uma pausa preocupante. Não demorou muito, mas tinha uma
sensação de peso, como se algo muito importante dependesse do que diria a
continuação.
Além disso, sua mãe sem dúvida teria percebido que sua filha estava bêbada
— pela dificuldade de fala e as habilidades motoras afetadas, o cheiro do uísque
na respiração que era muito distintivo — teria protestado e não a deixaria
dirigir, sobretudo estando ela dentro do carro. De fato, Ember muito
provavelmente seria incapaz de dirigir um carro, especialmente vinte minutos
fora da cidade até o destino como disse mais tarde.
E havia as pausas. A intuição de Katharine era algo afiado, algo que com
frequência se referia a um sexto sentido e estas pausas se sentiam erradas. Não
se sentiam como hesitações culpadas ou vergonha, os espaços recolhidos de
coragem ante uma confissão.
Sentiam-se calculados.
Ou escondendo algo.
Ou esquecendo.
Levou dois minutos depois de ouvir a mensagem, para gritar a Corbin que
buscasse o carro. Foi ali em primeiro lugar e não encontrou ninguém em casa
e logo foi até a livraria e viu uma morena mais velha, atraente, um tipo de
mulher fatal de pé atrás do balcão. Imaginou por suas conversas anteriores
com o Sr. Alvarez que esta era sua madrasta, Marguerite.
Ficou olhando pela janela do outro lado da rua, mas Ember não apareceu.
Corbin o levou novamente para o prédio dela, mas ela também não apareceu
ali.
Ele foi para casa. Andou. Passou a noite com um sono intranquilo e com
pesadelos.
Agora, com as mãos vazias mais de vinte e quatro horas mais tarde, estava
decidido a descobrir o que estava acontecendo, mesmo se isto significasse
entrar em seu apartamento para fazê-lo.
Subiu a escada de três em três degraus. Assim que atingiu o quarto andar,
parou em seco.
Algo o percorreu como uma descarga elétrica de um raio. Primeiro foi uma
onda de potência, palpável apesar de ter se passado algum tempo. Logo sentiu
o cheiro, um aroma de terra, almíscar masculino e especiarias, um grunhido
involuntário deixou o fundo de sua garganta.
Quem quer que fosse, esteve ali depois da última vez que ele próprio esteve.
E poderia, neste momento, estar em seu caminho de volta.
Christian não perdeu tempo e bateu com os nós dos dedos na porta de
Asher.
—Não é Dante.
Asher lhe observou lentamente, considerando seu rosto lívido, a tensão nos
músculos, sua postura, que sem dúvida, mostrava que estava disposto a romper
algo.
Olharam um para o outro por um momento fugaz, mas gelado, até que
Asher disse. — Ela se mudou! E não se incomode em perguntar para onde,
porque tenho certeza que ela não quer vê-lo.
Asher franziu os lábios. — Ela não disse com estas palavras exatas, mas
estava implícito.
—É seu amigo, respeito isto. Respeito sua lealdade. Mas tenho que vê-la.
Preciso. Você pode me ajudar ou não, mas vou descobrir onde está de uma
forma ou outra. Acredite quando digo que é melhor para ela se a encontrar
mais rápido.
Asher continuava com o rosto como pedra. Christian percebeu que isto
poderia durar a noite toda, assim tentou outra tática.
—E... tenho que me desculpar com ela.
Asher inclinou a cabeça e estreitou os olhos nele. Observou seu rosto por
alguns momentos em silêncio e logo disse. — Certo. Na verdade, acredito em
você, milagre dos milagres. Assim é o que farei, ligarei para ela e perguntarei
se ela quer vê-lo. Mas se não quiser, pode esquecer.
Asher teve a audácia de sorrir. — Oh, ela não disse a você? Ai. — Logo
disse bruscamente. — Fique aqui e fechou a porta no rosto de Christian.
Tráfego, muito longe. Cães latindo. Vozes. O vento deslizando pelas folhas.
Pássaros, o sussurro dos galhos das árvores e o zumbido dos insetos e de
outros tão diferentes. O zumbido elétrico das luzes. Respiração. Batidas de
coração. O lento pulsar da Terra.
Houve uma pausa silenciosa. Sua voz estava mais baixa que a de Asher,
mas ainda clara. —O que ele quer?
—O que disse?
Outra pausa longa e Christian deixou sua audição mais aguda, o que o fez
pensar que algo iria explodir dentro de sua cabeça. Seu coração começou a
martelar no peito.
Sua voz era tão suave e cheia de dor, que quase partiu seu peito em dois,
quando Ember perguntou baixinho. —Como está? Ele está bem? Fiquei
preocupada com ele.
—Está como sempre, bonito e irritado. O que quer que lhe diga?
Com todo seu fôlego nos pulmões, Christian gritou através da porta. —
Preciso vê-la Ember!
—Oh meu Deus. —Disse Ember pelo telefone. — É ele? Está aí agora?
—Bom, não é o maldito coelho da páscoa, coração. Diga o que quer que
fale para ele antes que quebre minha porta.
—Apenas diga... diga que todos os que tem quatro sempre serão amigos.
— Sua voz se rompeu quando disse amigo. — E que deve deixar as coisas assim.
Christian gritou seu nome através da porta novamente, tão forte e durante
tanto tempo que os tendões de seu pescoço se destacaram e as luzes dos
apartamentos de todos no prédio se acenderam.
Asher disse entre dentes. — Sim, tenho está estranha sensação de que não
irá renunciar tão facilmente, Em.
Tinha tudo o que precisava para seguir adiante. Agora apenas precisava
confiar em seu olfato.
—Bom, bate em seu traseiro e chama um taxi. Ele desistiu tão facilmente.
Foi embora, doçura.
—O que quer dizer com que foi embora? — Ember estava caminhando
pelo chão de apartamento enquanto conversava com Asher, mastigando o
polegar e hiperventilando, mas agora estava congelada no lugar.
—Estou dizendo, apenas fui até a porta para dizer aquela merda e ele não
estava ali. Imagino que na verdade não era tão determinado como parecia.
Mas sabia com certeza repentina, com um frio percorrendo seu corpo, que
não foi o que aconteceu. Ela repetiu os últimos momentos de sua conversa
com Asher na cabeça e logo caiu contra o balcão da cozinha e murmurou. —
Merda.
Ela também. Mas não era a razão pela qual Asher estava pensando. —
Tenho que ir.
Ia buscá-la para sua próxima sessão com a Dra. Flores e não havia como
ele a deixar perder o encontro, assim insistiu em ir com ela até o consultório
da terapeuta como uma mãe com a filha. Ember murmurou seu assentimento
e desligou.
Esperando.
Vinte e três minutos mais tarde, como ela temia e esperava ao mesmo
tempo, o golpe veio. Duas batidas curtas, logo a voz de Christian através da
madeira, infinitamente sombria e suave como seda.
—September. Sei que está aí, pequeno foguete. Posso sentir seu cheiro.
Abra a porta.
Sabendo que ouviria com facilidade sem que gritasse, ela sussurrou. —Vá
embora.
—Podemos fazer isto na forma mais difícil ou a mais fácil. Você decide.
Abra. A. Porta.
De fato, ela sentiu a intensidade em seu tom de voz. Houve uma breve
pausa e seu coração pulsou ensurdecedor em seus ouvidos, então um som
sinistro passou pela porta: um lento arranhar de unhas na madeira.
—Acha que não posso atravessar a porta? Acha que pode se esconder de
mim?
Sua resposta foi uma risada baixa e ameaçadora.
Uma lua crescente brilhava sobre sua cabeça, derramando uma luz
fantasmagórica pelas cortinas da janela, assim não foi difícil ver a nevoa
entrando sob a porta.
A brecha entre o chão e a parte inferior da porta era fina, mas foi o
suficiente.
Estava nu.
Ember não tinha certeza exatamente do porque estava sendo uma cadela,
mas provavelmente tinha muito a ver com o fato de que se ela não gritasse iria
se dissolver em lágrimas pelo tanto que doía tê-lo ali de pé nu em sua sala de
estar tão lindo e tão longe de seu alcance. Devido a que era um cavalheiro em
seu interior, se chorasse, ele poderia tentar consolá-la, o que poderia levar a ela
fazer algo patético e desesperado como tentar beijá-lo. O que, obviamente
levaria a uma tragédia e angústia maiores.
Assim ser uma cadela era perfeitamente lógico. Satisfeita com isso, cruzou
os braços sobre o peito e olhou-o com lâminas nos olhos.
Ele ficou tenso. Seus olhos brilharam. Logo, muito, muito baixinho, disse.
— Acabou de dizer que está apaixonada por mim?
Ela moveu a cabeça para os lados levemente —não — porque estava muito
humilhada para falar e seus lábios ainda estavam apertados.
Ele assentiu lentamente, seu olhar ardente no ar entre eles. — Sim o fez.
—Quero que vá embora agora. — Sua voz já não estava estável.
—Não acho que queira. E de qualquer forma, não vou a nenhum lugar.
—Uma vez mais, erradas. É pela mesma razão pela qual estou aqui. Porque
quero cuidar de você...
—Não. Tinha razão em se afastar. Nós dois sabemos que foi um erro.
—Corbin me disse, Christian. Sei sobre seus pais, o que aconteceu com
eles. Assim que sim, de verdade. Pessoas como nós, óleo e água, não se
misturam.
Chegou um passo mais, mas Ember se manteve firme. Não iria fugir mais,
não em seu próprio apartamento, não a qualquer lugar. Ainda assim, se sentia
como se houvesse um colibri irritado tentando escapar de dentro de seu peito.
Com uma intensidade feroz, perguntou. — Foi assim como se sentiu esta
noite, antes que fosse um idiota? Foi assim que se sentiu quando esteve em
meus braços? Quando estava dentro de você? Que não nos misturamos?
Quando eu estava dentro de você. Uma onda de desejo a percorreu, mas ela a
afastou, concentrando-se no importante: conseguir que ele fosse embora antes
que sua força de vontade desmoronasse, junto com seu orgulho.
—Você acha que haverá algum final feliz, Christian? Acha que pode ir em
qualquer direção, menos para baixo? Porque acho que está mentindo para você
mesmo se acredita.
Não estou mentindo a mim mesma, eu estou mentindo. Em silêncio o corrigiu. Ela
sabia que queria que ficasse, por isso precisamente não deveria. Ela deixou cair
a cabeça entre as mãos e apertou os nós dos dedos contra os olhos, bloqueando
a visão dele. Suavemente implorou. —Por favor, por favor, Christian não faça
com que seja ainda mais difícil para mim...
Mas não conseguiu terminar a frase, porque de repente ele estava justo na
frente dela. Antes que pudesse fugir, com os braços ao redor dela, uma das
mãos em punho em seu cabelo. Ele a imobilizou contra ele. Seu calor e
resistência a queimaram, diretamente através de sua roupa.
Ele inclinou a cabeça para trás e disse em ouvido. — Acha que isto é fácil
para mim? Nada disso é fácil, mas não significa que seja ruim. Você e eu temos
algo que nunca tive com ninguém antes e apesar de não poder mudar o
passado, não a deixarei ir. Vamos trabalhar está merda, aqui e agora.
—E não tenho nada a dizer em tudo isso? — Gritou tentando afastá-lo.
Era como tentar mover uma montanha e igualmente forte. — Você apenas
decide o que vai acontecer e o que quero não importa?
—Se acha por segundo que vou acreditar que não me deseja, pode
esquecer. Pode lutar o quanto quiser, mas seu corpo não mente. — Ele inalou
profundamente em seu pescoço. Quando voltou a falar, sua voz abaixou uma
oitava. — E goste ou não, já admitiu como se sente. Está apaixonada por mim,
pequeno foguete. E como o bastardo egoísta que sou, não a deixarei ir. É
minha. É minha. Assim deixe de lutar contra isso.
De repente furiosa, com vontade de golpear algo, Ember ficou sem fôlego.
— Você seu arrogante, presunçoso, vaidoso, exagerado, um...
—De nada.
Disse entre dentes. —Não quero ficar com você, entendeu? Meu corpo
pode ser que deseja, mas eu não quero e não quero seu dinheiro, sua caridade
ou sua ajuda...
—Ember, não iria tirar a livraria de você. Ofereci dinheiro por ela sim, mas
iria devolver a loja a você assim que assinasse o contrato de compra. Não quero
uma livraria, apenas queria que não tivesse que se preocupar com dinheiro
mais. Aquela livraria sempre será sua, não importa o que.
Oh. Uau. As bordas afiadas de sua fúria diminuíram. — Bom... ainda pagaria
o aluguel, sempre. Não sou uma criança Christian. E não estou a venda.
Suspirou e o punho se soltou de seu cabelo. Ele segurou seu rosto na mão
e virou-o para ele. Com o polegar, tocou suavemente o lábio inferior entre os
dentes. — Vou cuidar de você porque quero, preciso e posso, não porque acho
que é um caso de caridade, uma criança ou uma mulher que pode ser
comprada...
—Não terminei. — Disse mais forte e sua boca se fechou. Ele inalou e
exalou lentamente, logo começou novamente em um tom que contrastava com
o quanto estava tentando manter sua paciência. —Esta coisa entre nós é real.
Uma bagunça sim, mas real. Irei cometer erros e com certeza cometerei. —
Sua boca se abriu para protestar, mas ele a fez se calar. — E pode ficar feio às
vezes, mas valerá a pena. Cada sujo, feio e incrível minuto valerá a pena porque
coisas como estas não acontecem todos os dias. As pessoas vivem toda sua
vida esperando para sentir algo assim. — Apertou forte e rápido seu rosto com
esta última palavra. — E a maioria nunca o encontra, Ember.
Sua voz ficou mais baixa e murmurou. — Por favor, dê-me uma segunda
oportunidade. Por favor, deixe que lhe mostre o quanto preciso de você. Por
favor Ember. Por favor seja minha.
Deus como queria chorar. Mas ela já tinha chorado o suficiente e não queria
fazê-lo mais de qualquer forma, assim que engoliu saliva e tentou fazer o
possível para manter a respiração sob controle. Os cílios desceram e sussurrou.
— Sabia que o dinheiro iria para fundação de fibrose cística. Esta foi a
verdadeira razão pela qual me mudei.
Fez um som baixo e masculino, segurou ambos seus pulsos e os levou aos
ombros. Segurou seu rosto entre as mãos. Olhando fixamente em seus olhos,
disse. — Diga outra vez, o que disse antes.
—Eu não... realmente... disse... isso. — Ela estava com dificuldade para se
concentrar no que disse nos últimos cinco minutos.
Sua língua roçou sua boca. Os dentes roçaram seu lábio inferior. —Diga.
—Certo. Vou deixá-la escapar por agora. Mas precisa arrumar suas coisas.
Pegue o essencial, se precisar de mais roupas ou qualquer outra coisa, consigo
para você amanhã.
—Oh, não seja um chorão Nico, sabe que irá se curar em uns poucos dias!
— Disse alegremente ao homem se contorcendo de dor na cadeira de frente a
ele. Estava preso com seu braço esticado em uma mesa de madeira rodeado
por outros quatro homens de confiança, que demonstrava um apetite para dor
quase igual ao seu. Um quinto estava usando energicamente o martelo nos
dedos de Nico, um a um.
Ainda estavam em sua mão esquerda. Cesar queria prolongar este pequeno
espetáculo o maior tempo possível.
Levantou uma faca, passou o dedo pela lâmina serrilhada e viu todo o
sangue abandonar o rosto de Nico. —As feridas desta lamina, no entanto,
poderiam demorar um pouco mais para se curar.
Nico implorou. — Senhor, a garota se foi. Não havia nada que pudesse
fazer. Mudou-se.
—Nada que poderia fazer? —Repetiu Cesar com as sobrancelhas altas. —
Bom, se não há nada para ser feito, porque na Terra estou te poupando? —
Sorriu para Nico e observou com satisfação alegre como ele se encolhia de
terror. Os outros quatro homens riram. O homem que segurava o martelo
ficou em silencio, olhando com olhos ávidos para Cesar sem piscar, esperando
um sinal para continuar.
Cesar deu uma leve inclinação com a cabeça e ele levantou o martelo.
—Porque não fez isto antes, Nico? Poderíamos ter evitado tudo isso se
tivesse feito seu trabalho corretamente.
Não que Cesar desejasse que tivesse. Isto era muito divertido.
Cesar gostava de ver as pessoas sangrarem. De fato, gostar era uma palavra
muito suave, muito fraca para descrever a onda de desejo e excitação quente
que se apoderava dele quando via sangue. Qualquer sangue, inclusive o seu.
Entrou em muitas lutas quando mais jovem, simplesmente para ver a si mesmo
sangrar. Não importava que inevitavelmente perdesse. Apenas a visão deste
exuberante liquido vermelho, pingando pelo rosto lhe dava uma furiosa ereção
que explodiria quando se tocasse.
Esta sede de sangue era de família. Seu pai a tinha, seu avô e se os rumores
que ouviu toda sua vida fossem certos, seu bisavô também.
Mas pelo que sabia, nenhum deles compartilhava sua atração particular por
coisas mortas.
Sua particular atração sexual por coisas mortas. As fêmeas que prendia e
chicoteava até morrerem era de muita utilidade para ele depois que esfriavam.
Bom, não importava. Aqueles homens estavam a sete palmos da terra e ele
não compartilhar isto com seus antepassados não era de importância. O que
importava era a busca pela morena sem graça que levaria ao homem que matou
dois dos seus e muito provavelmente queria matá-lo também. Quase a tiveram,
um de seus homens encontrou um artigo no jornal com uma foto dela com
aqueles olhos grandes, em uma livraria há uns anos. Uma vez que descobriram
seu nome, foi muito simples descobrir onde vivia.
Cesar fez um movimento indicando que Nico deveria ser solto. Deixou-se
cair em sua cadeira, segurando a mão mutilada contra o peito, suando, pálido
e sangrando de uma pequena ferida no olho, onde Marcel lhe socou para evitar
que se movesse para evitar o chicote. Se a pele se rompia, era impossível se
transformar, assim Marcel surpreendeu Nico ao dar-lhe um soco tão forte que
abriu sua pele sob o olho e o arrastou até enfrentar seu rei.
—Nico. — O rei agora disse, apontando com a faca a palma de sua mão.
— Quero que entenda algo. —Olhou para cima para encontrar Nico olhando-
o através de uma bruma de agonia. Sua voz se converteu em um murmúrio,
ameaçador. — Não tolero fracasso. O fracasso é para perdedores, tolos e os
fracos. E somos alguma dessas coisas? Somos?
—N-não senhor. — Sussurrou Nico, tentando falar as palavras.
—Eu cuido dos meus amigos, Nico. Você sabe. Também sabe o que faço
com os inimigos.
Seguido por uma fila silenciosa de homens vestidos com terno preto
simples e fúnebres que andavam atrás dele sobre o asfalto em um V como um
bando de gansos à medida que passava pelas portas de correr de vidro,
movendo-se rapidamente e com um propósito. Não parou para falar com o
homem que parecia se inclinar do outro lado da porta para pegar suas malas,
nem olhar em qualquer direção enquanto abria caminho pelo terminal cheio
para o SUV preto que estava esperando na calçada.
Jahad estava em uma missão sagrada. Não tinha tempo para pensar,
procurar ou conversar.
Ele levantou o olhar para o céu. Em latim, recitou um verso dos Salmos.
Uma oração contra o inimigo, uma das muitas que sabia de memória. De
fato, ele sabia ambos os Testamentos, o Antigo e o Novo de memória. Teve
muitos anos para estudar, muitos anos para contemplar, muitos anos para
pensar no momento em que todo seu estudo e contemplação teriam um bom
uso e seguraria o coração do inimigo, arrancado de seu peito, vivo e pulsando
em sua mão.
Jahad sorriu para o céu escuro. Sim, o anjo do senhor lhes perseguiria. E
ele os encontraria. E ele o feriria na Terra, um por um, até que sua abominação
não fosse mais que uma lembrança longínqua, para não se levantar novamente.
24 Eleito em latim.
—Desculpe, o que acabou de dizer?
Ember congelou nos braços de Christian. Olhando para ele, com os braços
ainda ao redor de seus ombros, os olhos fixos bem abertos que viu os brancos
por toda sua íris escura.
—Irá ficar comigo esta noite. — Repetiu. Sua voz baixa, mas o tom
indicava que não havia espaço para discussão, o que claro deixou Ember com
raiva. A mulher odiava que lhe dissessem o que fazer.
Era um inconveniente.
—Sim? Não vamos conversar sobre o que aconteceu? Não vai nem mesmo
me perguntar se quero?
Deus, o que seu cheiro fazia com ele. Seu corpo reagia a nível molecular e
uma ereção se levantou entre suas pernas.
Ao julgar por sua reação, poderia ter sido mais prudente que não dissesse
a verdade.
A todo pulmão ela gritou. — O que? — Então começou a gritar
violentamente em seus braços, procurando desesperadamente pelo
apartamento como se estivesse esperando que saltassem de trás dos móveis.
Seus olhos se abriram ainda mais que antes, seu rosto ficou branco. — Quer
dizer mataria a nós dois?
—Não posso, não posso... isto é uma loucura! O que devo fazer, me
esconder o resto da minha vida?
—Por isso está aqui. Por isso está na Espanha. É um... um... —
Interrompeu-se e logo engoliu. — Assassino. — Terminou com horror.
Sua voz, o tom escuro e ameaçador, a forma ponderada que surgia entre os
dentes apertados, a fez duvidar. De fato, ela parecia pensar. Então disse
ofegante. — Você... você ficaria...
Exalou, fechou os olhos e alcançou-a. Ela lhe permitiu ir para seus braços.
—O que é justo. — Continuou com o rosto apertado contra seu peito nu.
— Já que eu meio que disse a mesma coisa.
—Tem cinco minutos antes que a jogue no ombro e a tire a força deste
apartamento. — Disse bruscamente, sentindo não ira, mas quase uma espécie
feroz de alegria por tê-la em sua casa, perto dele, por ser capaz de tocá-la, beijá-
la cada vez que quisesse. Ele fez todo o possível para não mostrar como estava
feliz, já que a situação continuava grave e perigosa, mas Deus sabia que poderia
cantar de felicidade.
Às vezes as situações terríveis tinham um revestimento mais precioso que
a prata de uma libra. Apenas precisava olhar de forma correta.
Ele deu a volta, deu um tapa em seu traseiro, o que provocou um grito de
surpresa, então lhe deu um empurrão para o quarto. — Cinco minutos. —
Repetiu com firmeza. — Apenas o básico. Depressa.
—Um de seus vizinhos muito finos roubou minha roupa. Tem algo que
possa usar?
Ela foi até uma pequena porta no canto do quarto e a abriu. De dentro
puxou uma calça jeans e uma blusa daquele fatídico dia há duas semanas,
quando a expulsou de sua casa. Ela as lavou e guardou entre suas coisas, a ideia
de ter feito isto, fez seu coração dar uma volta dentro do peito. Ela as entregou
a ele com um olhar significativo, logo se virou para cômoda e começou a
encher uma pequena sacola com roupas.
Estava pronta em menos de cinco minutos. Apressou-se pela escada para
o Audi e Corbin, que os esperava na rua. Ela e Corbin trocaram saudações e
entrou no carro silenciosamente.
—E o trabalho?
—Não até que os encontre. Não pode ir a qualquer lugar que vai
geralmente. Sua rotina normal está fora de limites, é muito perigoso. De fato...
acho que é melhor não sair de casa em absoluto.
Ela puxou a mão da dele e deixou cair a cabeça nelas. — Isto é incrível. —
Sussurrou ela e Christian sentiu a sensação de que ela estava começando a
lamentar ter se envolvido com ele.
Ao virar a esquina na rua principal, viu através da janela, um trio de jovens
magros, descuidados, lutando sob o brilho fluorescente de um poste sobre um
pequeno monte de roupas. Um terno, calça, uma camisa e um par lustroso de
sapatos. Quando reconheceu os artigos como seus, sua pele se arrepiou com a
lembrança repentina de uma leitura feita por um arcebispo no funeral do Papa
apenas uns meses antes. Foi um evento internacional, televisionado em todo o
mundo, cheio de pompa e insígnias sombrias, mas a leitura ficou gravada além
da pompa. A medida que falava sobre o Papa ter morrido como mártir, citou
o evangelho de Mateus, onde o mártir mais famoso de todos eles morreu.
—E depois que foi crucificado, repartiram entre si suas vestes, lançando sortes.
Mas mesmo aos seus próprios ouvidos, soou como uma mentira.
O Dr. Maximilian Reiniger - também conhecido como Agente Doe ou
simplesmente Treze, era um homem com um plano.
No momento que o tigre saciou sua fome, não havia nada reconhecível de
sua pobre mãe, apenas as tiras ensanguentadas do vestido florido e um pé de
sapato.
Levantou-se através das filas e foi recrutado pelo Comando das Forças
Especiais. Apenas quarenta por cento dos novos recrutas eram capazes de
passar pelo regime de treinamento psicológico de três semanas de duração
inicial e apenas oito por cento passavam na fase de resistência física
subsequente. Reiniger passou com êxito e foi enviado para El Paso no Texas,
para seu ciclo de instrução especial de três anos no deserto e na selva. Com
vinte cursos no deserto, na área urbana e luta contra o terrorismo em dezessete
escolas em todo o mundo, foi pura coincidência ser enviado para conhecer o
homem que finalmente mudaria sua vida.
Ele ainda não sabia o verdadeiro nome dele. Ninguém sabia. Era conhecido
apenas como o Presidente ou Um.
Para Reiniger — mais tarde nomeado como Treze quando foi recrutado
pela organização do Presidente — avançou para perto do Presidente tendo seu
maior contato por telefone. Não havia reuniões cara a cara, não havia
videoconferências, não havia mensagens por e-mail ou mesmo um endereço
físico que poderia ser rastreado até ele ou a qualquer das milhares de pessoas
que trabalhavam sob o guarda-chuva das empresas multinacionais, a maioria
delas na indústria de bioengenharia. O Presidente era uma figura sombria que
segundo a lenda, descobriu em sua viagem à África, de um velho local sobre
os Ikati, criaturas com poderes sobre humanos que podiam manipular sua
forma.
Como os Ikati. Criaturas que não eram apenas conhecidas como parte da
lenda local, mas eram reais.
A história de sua mãe, mutilada até a morte por um tigre sob a lona, diante
de seus próprios olhos.
O que lhe surpreendeu um pouco foi a criatura ser uma mulher. Também
parecia muito... humana. Provavelmente porque ele tinha tantas lembranças de
sua mãe, que imaginou que estas criaturas fossem apenas machos ou mesmo
sem sexo, como uma espécie de forma de vida extraterrestre que procriou
através de osmose ou uma fusão da mente. De qualquer forma, ele estava
ridiculamente errado. Para todos os efeitos, quando estas criaturas estavam em
sua forma humana, eram humanos.
Sua devoção estava ilesa, no entanto. Assim que, quando chegou a notícia
de que estas criaturas foram vistas novamente, desta vez em Barcelona, foi
chamado para ir.
—Christian.
Ela sussurrou seu nome. Sua mão se levantou para descansar contra o vidro
frio.
Durante os últimos três dias desde que chegou, foi cuidadoso e amável,
quase solicito, perguntando-lhe como dormiu — mal, ainda que não admitisse
— o que queria comer — nada, mas ele insistia — e o que poderia fazer para
deixá-la mais cômoda. Ela não estava incomoda exatamente, mas ainda não
entendia a situação.
Rodearam este horrível fato, durante longas conversas que tiveram durante
o que estava se convertendo em um habitual passeio pela manhã. Ember se
levantava cedo, quase sempre as seis. Christian, devido as excursões noturnas
que levava horas e horas, às vezes mais que isso, acordava muito mais tarde,
aturdido e lindo com uma sombra de barba em sua mandíbula e um aspecto
cansado, sem brilho nos olhos.
Mas também não faziam isto. Mal se tocavam. Ele lhe dava um beijo casto
na testa antes de passar pela porta de seu quarto e ir para o seu, do outro lado
da mansão.
Perguntava se nas poucas horas que tinha para dormir, olhava o teto da
mesma forma que ela, frustrado pelo desejo.
25 É uma espécie de omelete, feita com ovos e batatas fritas. É comum levar cebolas, dependendo da região onde
é feita.
26 É uma iguaria típica da culinária do México, servida com uma grande variedade de pratos e geralmente
acompanhada com abacate e nata azeda.
Na verdade, era pior que o mero desejo. Era uma dor vasta, uma vazio
palpitante, um buraco que ficava maior e mais fundo a cada dia que passava,
tão perto e ao mesmo tempo tão longe.
Era realmente magnifica. Não apenas o vidro com fileira atrás de fileira de
livros encadernados em couro, mas a lareira de mármore, os enormes vasos com
palmeiras e o piano de cauda. Tudo estava tranquilo e limpo, os contornos da sala
esboçados pela luz pálida da lua.
Ficou quieta por um momento, olhando o enorme Steinway. Ela não sabia
tocar piano: suas lições sempre foram apenas com o violoncelo, mas passou-se
tanto tempo desde que mesmo tocou um instrumento musical que apenas olhá-lo
tocava uma fibra sensível de anseio em algum lugar profundo dentro dela.
—O que está fazendo? — Sua voz era baixa e gutural, um grunhido rouco
profundo, como se houvesse engolido pedras.
—Está bem? — Seu olhar pousou nela, faminto, quente e percebeu que estava
respirando profundamente, seu nariz aberto, as mãos trêmulas levemente dos
lados. Ele parecia quase sem controle.
Usava uma camisa branca de algodão com botões, as mangas enroladas até o
cotovelo e uma calça jeans desbotada. Seus pés estavam descalços. O cabelo
bagunçado. Havia uma veia pulsando na base de sua garganta.
Além de sua surpresa ante sua repentina aparição, seu cérebro registrou o
perigo. Sua boca ficou seca.
A adrenalina que percorria seu corpo era eletrizante. Ela sabia o que estava
acontecendo, seu corpo sabia o que estava acontecendo e estava respondendo em
todos os sentidos que podia.
Ele a desejava. E ele não a queria suavemente, entre rosas, poesia e violinos.
Ele a queria de forma violenta, animal, faminto. De uma forma possessiva.
Sua voz ficou mais baixa sendo quase mal registrada e Ember ouviu o limite
da moderação tão claro como se alguém houvesse golpeado uma campainha. Mas
não a assustou. Isto a excitou. A virou ao revés.
Pouco a pouco, com as mãos trêmulas, mantendo o olhar fixo nele, estendeu
a mão e o tocou, colocando-a plana sobre o peito. Ao mesmo tempo sussurrou.
— Não.
Ficou rígido e fez um som que era parte grunhido, silvo e absolutamente
primitivo. Seu nariz se abriu novamente e seus olhos ficaram perigosos.
Pouco a pouco, lentamente Ember deslizou as mãos por seu peito, sobre seu
abdômen, a cintura da calça jeans, sentindo os músculos se contraírem e
flexionarem sob seus dedos. Tão suavemente como pode, disse. — Não irá me
machucar. Sei que não irá me machucar. — Logo deslizou a mãos para cima e sob
a camisa.
Ele estava tentando lhe advertir. Mas ela não queria suas advertências. Ela o
desejava.
Como antes, a febre que sempre sentia a fogo lento entre eles se acendeu e os
envolveu em chamas.
Ela foi arrancada a seguir. Seu brilhante e feroz olhar não se afastou dela.
Ele tirou sua calça jeans, se inclinou e segurou ambos os pulsos em uma de
suas mãos, apertou os braços sobre sua cabeça contra o piano, passou outro braço
debaixo e ao redor de sua cintura e sem preliminares ou uma só palavra, empurrou
profundamente em seu interior.
Ela se arqueou e gritou. Era duro e quente em seu interior, muito quente.
Ele empurrou nela uma e outra vez. Seu rosto pressionado contra seu pescoço,
seu fôlego roçando quente sua pele, seu corpo queimando com o calor natural
dele. Encheu-a, abriu-a, prendeu-a no lugar contra ele com seu braço como ferro
ao redor de sua cintura. Ela gemeu seu nome e ele ficou imóvel por um momento,
a respiração ofegante, tentando ao parecer, frear a si mesmo ou conter-se, mas ela
não queria isso e flexionou os quadris e o levou mais fundo.
Ele soltou seus pulsos e envolveu as mãos ao redor de sua cintura. Ele inclinou
a cabeça para trás e puxou-a para a beirada do piano para que suas pernas ficassem
penduradas.
—Diga outra vez. — Exigiu, sua voz ainda este estranho e rouco sussurro. —
Diga meu nome.
—Christian!
Deslizou quase todo o caminho, logo, voltou de golpe dentro dela. Uma onda
de choque de prazer a atravessou, ela estremeceu e gemeu.
—Novamente.
Agora tinha as mãos sobre seus seios, beliscou os mamilos, enviando ondas de
prazer entre suas pernas. Sua boca seguiu rapidamente os dedos e sentiu sua língua,
quente e úmida chupando, incrivelmente maravilhosa, então a dor quando os
dentes se apertaram ao redor do mamilo sensível. Ela gritou e ele suavizou um
pouco, chupando novamente, ainda ambicioso e faminto.
Suas palavras foram uma ordem áspera, amortecida contra seu peito. Ela
cravou os dedos em seu cabelo, gemendo. Quando sentiu seus dentes novamente,
ficou sem folego e disse seu nome, ele grunhiu em aprovação.
Suas mãos sobre a pele eram fortes e seguras, vagando por todas partes
enquanto bombeava dentro dela. Sentia-se como se estivesse sendo consumida,
possuída pelo desejo.
Ela abriu os olhos e o viu ali sobre ela, banhado pela luz da lua, com os olhos
brilhantes de cor verde clara e lucida além das sombras em seu rosto. Sua camisa
estava ainda ali e queria que se fosse, queria vê-lo todo.
Então sua boca se foi, ele saiu dela e a virou tão rapidamente que ficou sem
fôlego pelo choque. Seu ventre e os seios pressionados contra a superfície plana,
fria e escorregadia do piano.
—Fique na ponta dos pés. — Disse entre dentes e segurou seu cabelo em um
punho. Ele puxou seu quadril para trás com a outra mão para suas costas se
arqueassem e sua parte inferior se levantasse. Ela o fez sem pensar, ansiosa para
tê-lo dentro dela outra vez e foi recompensada ao instante enquanto deslizava
entre suas pernas e se enterrava tão profundamente como podia.
Suas estocadas eram fortes, rápidas. Chegou ao seu redor e deslizou seus dedos
entre suas pernas. Quando tocou o feixe de nervos inchado ela se sacudiu e gritou.
Prazer deslizou por suas extremidades, fazendo seus joelhos tremerem, seu fôlego
vacilar e seu coração quase parar no peito.
Saiu dela e a virou mais uma vez, então ela ficou deitada de costas e ele entre
suas pernas, as mãos de cada lado de seu rosto, o rosto dele contraído em algo
parecido a agonia.
Ela moveu a mão entre seus corpos e segurou-o, acariciou da base até a ponta
enquanto ele gemia e estremecia. Beijou-a selvagem enquanto ela o guiava a seu
interior.
Sentia-se como fogo e dor, era difícil respirar, o coração golpeando contra o
peito. Passou a mão por suas costas, amando a flexão dos músculos e a suavidade
do calor de sua pele, segurou firme seu traseiro, puxando-o para ela e mais em seu
interior enquanto ele empurrava. Ele cravou os dedos em seu cabelo e manteve
sua cabeça no lugar, olhando para ela enquanto sua respiração ficava mais forte e
gemidos desiguais deixavam sua garganta.
O orgasmo que a atravessou foi tão forte que nem sequer pode fazer um ruído.
Ela se arqueou contra ele, com a boca aberta em um grito silencioso, com os olhos
bem fechados, seu núcleo pulsando de forma gloriosa, segurando-o sem dizer
nada enquanto ele continuava bombeando em seu interior. Ele abaixou a cabeça
e colocou um mamilo na boca, chupando e ela se sacudiu contra ele, sua garganta
finalmente se abrindo para deixar escapar um soluço.
—Sim, bebê. — Seus dentes e a boca quente, úmida levou a outro grito
enquanto a chupava. —Grite para mim. Quero ouvi-la gozar.
Ela abriu os olhos, fixou o olhar nele e ofegou. — Sim Christian... agora...
goze. Dê tudo para mim!
Suas palavras o deixaram selvagem. Duro e sem controle, chocou contra ela,
golpeando profundo, gemendo, todos seus músculos ondulando. Ela apertou as
coxas ao redor dele com mais força, cravando os dedos em suas costas, gemendo
mais forte com cada estocada furiosa de seus quadris.
Logo, com um gemido sufocado, hesitou. Bombeou fundo. Uma vez, duas
vezes. Ficou sem folego e disse seu nome e gozou dentro dela. Ela o sentiu pulsar,
os espasmos, um calor se estendeu e logo caiu sobre ela com uma exalação e a
apertou contra seu peito.
Sem sair de seu corpo, ele se moveu levemente para baixo para esfregar o rosto
contra seus seios.
—Marcando-a. —Ela pensou por um momento que ouviu errado, mas ele
levantou a cabeça e a olhou, com os olhos estreitos e quentes. — Com meu cheiro.
Seus lábios se separaram, mas não parecia encontrar uma resposta correta a
esta.
Por um segundo, sem fôlego, foi consumida pelo pânico. — Porque soa como
um adeus? —Sussurrou, procurando em seu rosto.
Ainda enterrado dentro dela, seu grande e maravilhoso peso sobre ela, ele
deixou sua mão acariciar seu rosto e disse. — É a forma de minha espécie. Como
as andorinhas e os cisnes, que se acasalam para toda vida. Para nós, o amor cria
uma marca. Uma digital, mas na alma. Algo muda dentro de nós. A conexão entre
dois companheiros é sagrada, mesmo a tentativa de interferir é um crime castigado
com a morte. Não há divórcio, não há conversas, nada em absoluto que pode
separar um Ikati unido com sua companheira. Nem sequer a morte.
Sua voz era suave e firme ao mesmo tempo. — Cuidarei de você o resto de
nossas vidas, quero que saiba disso. Você é o bem mais precioso que conheci. E
deu-me um presente incrível, um que sempre guardarei.
Ela o olhou, seu coração apertado no peito, a mão trêmula em seu rosto.
—Toda minha vida fui limitado, restringido, obrigado a seguir regras nas quais
não acreditava ou queria obedecer. Mas o fiz. Não tive escolha. Até que a conheci
e me fez perceber que tinha uma escolha. Sempre há uma escolha. Nunca tive
nada de valor, o suficiente para arriscar meu pescoço por ele. E porque você me
deu tudo o que tem, garantirei que nunca mais tenha que se preocupar com
dinheiro, com o futuro, com nada em absoluto.
Quando viu a expressão em seu rosto, sua voz endureceu. — Está não é uma
discussão. Estou informando os fatos. Irá assinar aquele documento para compra
da livraria e irá deixar que sua malvada madrasta tenha a parte dela e a deixe em
paz e logo voltará a trabalhar ali de imediato se quiser. Mas irá assinar o
documento.
Sua declaração era uma loucura e ainda estava presa ao prazer, assim decidiu
pensar na livraria mais tarde. —Minha malvada madrasta?
Um sorriso irônico cruzou seu rosto. —O Sr. Alvares tinha algumas coisas a
dizer sobre nossa amiga Marguerite. Algumas coisas muito pouco favorecedoras.
—Inclinou-se e beijou seu ombro. — Está tremendo. — Disse, passando a mão
por seu braço.
Exalou um suspiro de alivio e riu, tirando o cabelo de seu rosto. —Gosto deste
seu lado, pequeno foguete. Mas, espero que seja sempre sensível e terna cada vez
que fazemos amor.
Mas Ember não pode dormir. Mesmo quando o amanhecer chegou levemente
rosa e dourado no horizonte, estava ainda olhando para o teto, tentando colocar
o dedo na sensação de medo que a superou com as palavras de Christian, suas
promessas de que cuidaria dela.
Irei garantir que nunca mais tenha que se preocupar com dinheiro, o futuro, com nada em
absoluto.
Ela não podia evitar a sensação de que três palavras faltavam nesta frase. Três
palavras que definiam igualmente o princípio e o fim.
Depois. Que for. embora.
Dante tinha uma má sensação sobre o homem que bateu em sua porta, que o
acordou de seu sono a meia-noite.
Não foi o olhar sombrio do homem, seus olhos escuros, um olhar tão selvagem
que era quase transtornado ou seu tamanho, que era substancial ou a venda que
tinha torcida em uma mão, a forma como exigiu saber onde a garota estava
morando agora.
Disse em inglês desta vez, porque o homem com a arma claramente não falava
espanhol. Dante teve um pensamento fugaz, transtornado de que talvez o homem
falasse a língua de Marte. Tinha um olhar desconcertante de estrangeiro nele, todo
olhos, dentes e apetite.
Mantendo seu olhar selvagem negro treinado nos seus, o homem deu um passo
em silêncio no umbral do apartamento de Dante. Chutou a porta que se fechou
atrás dele e Dante retrocedeu, com medo, mas fazendo uma oração silenciosa de
agradecimento por Clara estar no hospital e não em sua cama no quarto.
O homem abaixou a arma para o meio das pernas de Dante. — Vou lhe dar
três segundos. E logo começarei a disparar estas coisas. Coisas que não irão lhe
matar de imediato, mas machucarão. Muito. — Parou quando Dante o olhou com
horror e logo disse. —Um.
—Eu já disse! Ela se mudou! Não tenho um registro de inquilinos, não sei para
onde vão quando saem. Ela não me disse para onde se mudou...
—Três.
Antes que tivesse tempo para pensar nisso, o homem sorriu com um sorriso
selvagem, lançou-se adiante em dois passos curtos e explodiu a culatra da arma na
testa de Dante.
Fogos de artificio explodiram atrás de seus olhos. Cambaleou e o chão se
aproximou.
O som do telefone tocando tirou Ember de um sono agitado que por fim caiu
justo depois do amanhecer.
Ela levantou a cabeça, piscando contra a luz brilhante do sol que se filtrava
pelas janelas altas ao longo da parede leste e bocejou, olhando ao redor. Estava na
imensa cama de Christian, suntuosa e ele não estava em nenhum lugar.
Estava nua — seu pijama foi rasgado e provavelmente ainda estava no chão
da biblioteca —quando ela tirou o lençol da cama e envolveu ao seu redor
enquanto cruzava o quarto. Sentindo uma combinação de ansiedade, temor e
ambivalência ela colocou a mão no receptor e ficou ali se debatendo consigo
mesma enquanto o telefone tocava.
Deveria atender? Deveria voltar para a cama? No caso deveria ser uma dama
e atender?
Sua mente se concentrou nesta ideia e a curiosidade foi maior. Ela decidiu pelo
sim, que seria uma dama e anotaria a mensagem para o que estava na linha.
Ela pegou o telefone. Justo quando estava a ponto de dizer olá, a voz cortante
de Christian chegou do outro extremo.
—Sim.
A voz de Christian estava calma e sem remorso, por alguma razão estranha,
Ember sentiu orgulho dele, de pé até que a pessoa arrogante que ligou desistisse.
A pessoa arrogante que ligou fez um som descontente que também conseguiu
soar cheio de ternura. — Vendo o amanhecer? Que terrivelmente romântico. Está
ficando suave com a idade, irmão?
Assim que este era o irmão mais velho de Christian, Leander. Os dedos de
Ember apertaram ao redor do telefone. Ela pressionou o botão de mudo, para que
não a ouvissem do outro lado. Não havia como desligar agora.
Houve uma pausa enquanto Leander absorvia isto. Logo disse. —Recebi sua
mensagem. Encontrou o filho da puta.
—Conte-me tudo.
Havia um tom de comando na voz de Leander, suave, mas firme, com uma
nota de obediência assumida. Claramente, este era um homem acostumado a ser
obedecido.
—Senti o cheiro puramente por acidente. Estive perto do lugar antes, mas o
vento estava do outro lado ontem à noite e tive sorte. Estão em um bunker
abandonado nas colinas da cidade.
—Mas como se mantém fora da vista? Um lugar como este estaria cheio de
turista que gostam de história.
—Não tenho certeza. O plano do governo é apenas sair da área sem tocar até
que todas as minas desapareçam, mas...
—É um esconderijo perfeito para um ninho de ratos. — Leander terminou,
sua voz dura.
—Exatamente. E pelo que pude sentir, não tem munições onde estão e evitam
algumas práticas, não há perigo para sua colônia, mas qualquer outra pessoa que
se aventurar ali kaboom!
Leander soava brusco, mas sob um tom sério, Ember ouviu a angustia pura.
Tomar cuidado... ela imagina que isto se referia a matar Cesar. As mãos de Ember
tremiam tanto que era difícil segurar o telefone no ouvido.
Christian soltou outra exalação suave. — Não, amanhã à noite. Tudo está
pronto, mas não posso... preciso de um último dia.
—Christian...
—Conheci alguém.
Estas duas palavras se soltaram: seu coração ameaçou explodir e pegou tanto
Ember como Leander de surpresa. Houve um silêncio longo e cavernoso.
Mas Christian apenas recebeu a ira de seu irmão. Então se rompeu. — Sim,
estou louco! Devido ao que as pessoas sãs não se oferecem como voluntários para
missões suicidas com frequência!
Missão suicida.
Missão suicida.
Estava ali para matar o homem que matou o Papa, com certeza. Mas, segundo
o relato de testemunhas da Guarda Suíça, que enfrentaram Cesar, disseram que
não podia morrer. Recebeu dezenas de disparos e se restabeleceu em questão de
segundos com um sorriso.
Então, como matar um homem que não podia morrer? Incinerá-lo em um
super incêndio? Derretê-lo no aço fundido? Cortá-lo em pedaços em uma
explosão?
Ela não sabia. Mas se uma arma não funcionava, teria que ser algo mais
violento, algo que poderia destruir todo rastro de sua forma para que não pudesse
se regenerar.
—Qualquer coisa que se possa fazer será feito, trata-se de uma lei natural. Infelizmente, às
vezes a natureza precisa de uma mão... e alguém disposto a sujar as mãos com isto.
—Como ficar longe de você quando a única coisa que quero é passar cada minuto ao seu
lado.
Então a beijou, suavemente tocando seus lábios até que ele se afastou, mas foi
o suficiente para distraí-la. E suas palavras foram suficientes para fazê-la deixar o
tema.
Mas agora sabia sobre qual sacrifício Christian estava falando... era ele.
O que ele planejava para Cesar, qualquer que fosse o mecanismo que decidiu
usar para matar o homem impossível de matar, também levaria sua própria vida
no processo.
Amanhã.
—Ela é digna de confiança! — Christian gritou. — Ela nunca faria nada que
me colocasse em perigo...
—Não apenas você... mas o resto de nós também! Como sabe que não é uma
espiã tentando conseguir informações sobre o restante das colônias?
—Há uma grande recompensa por nossas cabeças Christian! Acha que alguma
humana irá deixar passar a oportunidade de tirar proveito dis...
—E esta mulher que ama, sabe o que irá fazer? Sabe que há uma bomba sobre
sua cabeça?
—Certo. Então, o que acontecerá uma vez que você se for? — Sua voz ficou
instável. —Vamos assumir idiota, por um momento que tem razão, ela é digna de
confiança. Não dirá nada a ninguém, todos nossos segredos estarão a salvo com
ela. Pensou no que sua morte fará a ela?
Com voz trêmula, Christian disse. — Ela será cuidada. Fiz todos os arranjos.
Está casa será dela, minha herança irá para ela...
Leander estava sendo um idiota, mas Ember sentia o ponto que tentava fazer.
E o mesmo percebia Christian, o que foi demonstrado pela angustia em sua voz,
quando gritou a resposta.
—Sei que é errado, certo? Sei que fodi tudo e ela irá se machucar e sou o maior,
maior imbecil e mais egoísta do mundo, mas não queria que acontecesse! Que
porra quer que diga, Leander? Não queria que acontecesse, mas me apaixonei por
ela! Ela me faz sentir vivo! Ela me faz sentir que minha vida não foi uma perda
total! Ela me faz feliz, pode entender isto, verdade? Ela me faz feliz como Jenna
o faz feliz. Alguma vez houve outra opção para você quando se apaixonou por
ela? Teve algum controle sobre isto? Disse ao seu coração: não, não vá por aí, é
estupido e perigoso? Porque acredite, eu tentei! E não consegui fazer o maldito
ouvir!
Ouviu-se uma maldição entre dentes, um suspiro longo e depois mais silêncio.
Por último, soando como uma renúncia, Leander perguntou. — Como posso
ajudar?
Amanhã.
Olho por olho. Dente por dente. Sua própria vida em troca da dele. Então, talvez
por fim, sua alma seria livre.
Ember esperou até que Christian e Leander desligassem, logo com mãos
trêmulas, pouco a pouco devolveu o telefone a seu lugar. Sabia que se ele a
encontrasse assim, imediatamente seria capaz de dizer que algo estava errado,
assim obrigou a si mesma a se levantar, arrastou-se pela mesa com os braços ainda
trêmulos se apoiando nela e foi com passo inseguro até o banheiro. Deixou o
lençol no chão, abriu o chuveiro e colocou-se debaixo dele, sem saber se estava
frio ou quente, se estava ardendo ou congelando, já que todos seus membros
estavam estranhamente insensíveis ante o peso de sua nova decisão.
Salvá-lo.
Mas decidiu investigar isto mais adiante e finalmente pediu um taxi para levá-
lo a primeira parada do dia: as catacumbas debaixo da Igreja Sant Just, uma das
igrejas cristãs mais antiga da cidade, que datava do século IV. Muito menor que as
sob Paris, onde as criaturas que caçava uma vez viveram, estas catacumbas eram
mais escuras e mais estreitas.
Era apenas sua primeira parada. Havia muitas outras, muitos esconderijos
subterrâneos em sua lista.
Nos últimos dias explorou as partes do metrô que caiu em um poço e estava
abandonado. Explorou o sistema de esgoto, as pedreiras e as escavações
arqueológicas da antiga cidade subterrânea. Procurou em outras três igrejas, duas
catedrais e um castelo, todos com rumores de terem catacumbas ou grandes
fortificações subterrâneas, mas não encontrou nada.
Dois e dois somaram em sua mente como uma lâmpada se acendendo e Treze
sorriu para si mesmo, perguntando-se quando os sacerdotes chegariam ao hotel.
A idade de dez anos, viu seus pais serem assassinados ante seus olhos,
sobreviveu ao estupro, os golpes, a fome e a tortura, foi obrigada a ver como
milhares de compatriotas eram eliminados sistematicamente por meio tanto de
pelotões de fuzilamento como queimados vivos. Uma vez que o campo foi
fechado em 1944, foi viver com um parente longínquo na Espanha, mas eram
pobres e a vida era dura. A vida nunca foi qualquer coisa menos que difícil para
Úrsula e não esperava que não fosse.
Assim que o homem de pé diante dela com uma arma apontada para seu rosto
não era uma grande surpresa. Ou uma ameaça, no caso.
—Que apartamento? — O homem de cabelo escuro grunhiu, segurando um
desenho de uma mulher jovem.
—Não sei qual seu negócio com ela e não me importa. — Disse sem rodeios,
olhando para o cano da arma de prata. — Mas me importa se manchar de sangue
o tapete. Manchas de sangue não saem. —Úrsula sabia de primeira mão e por
experiência de que tecidos e materiais manchas de sangue poderiam ser removidas.
— Assim que nada de sangue no tapete, certo?
Logo, com uma ideia melhor, voltou a abrir a porta. — Ela trabalha na pequena
livraria na Baixada Viladecols — Antiquário ou algo pelo estilo. Seis dias na
semana. Irá encontrá-la ali.
Esperou uns minutos, até que o som de passos se afastaram na noite e logo
pegou o telefone e marcou um número que escreveu há um mês e pregou na
geladeira com um imã. O número foi amplamente anunciado na televisão, rádio e
jornais de nível internacional e local, mesmo nos jornais de fofoca que Úrsula
costumava ler. Era uma linha telefônica de recompensa por qualquer informação
que levasse a captura do notório terrorista que matou o Papa, o homem conhecido
apenas pelo nome de Cesar.
Úrsula sabia que o homem em sua porta não era Cesar. Mas aqueles olhos
negros de meia-noite, o cabelo escuro, os pômulos altos e brilhantes, dentes
afiados, com certeza parecia muito similar. Era uma daquelas criaturas, com
certeza.
E sabia onde se dirigia. Este tipo de informação poder ser muito, muito
lucrativo com certeza.
Christian franziu o cenho a esta resposta. Não: aonde vai? Não: posso ir com
você? Não parecia com ela.
Por outra parte, estava atuando estranha todo o dia. Foi ao seu quarto depois
da ligação de Leander de manhã para a encontrar de banho tomado, vestida e de
pé na janela, com os braços dos lados, respirando profundamente e olhando o
vazio. Como estava fazendo agora. De acordo com seus instintos algo estava
errado, abriu seu nariz tentando sentir o sabor agridoce da tristeza, a acidez amarga
do medo e o calor que delatava a ira.
Sentiu apenas o perfume de sua pele, baunilha e flor de laranjeira. Ele suspirou
de alivio, aproximou-se dela e lhe deu um beijo na cabeça.
Ela se aproximou, segurou seu rosto e puxou-o para dar-lhe um beijo febril e
exigente. Ele se separou com um gemido quando sentiu o desejo tão familiar entre
as pernas e riu com os dentes apertados, puxando-a fora da cadeira e envolvendo
seus braços ao redor dela. Esfregou o rosto em seu pescoço, inalando o aroma
limpo de madeira em seu cabelo.
—Gosto de ouvir isto. Mas nunca farei nada se continuar me beijando assim.
— Disse sorrindo.
—Quanto tempo ficará fora? — Perguntou em sua camisa, sua voz ainda
baixa.
Acariciou seu cabelo e suas costas, do nariz até a garganta, onde uma veia
pulsava. — Uma ou duas horas.
Agendou uma reunião com o gerente de seu banco local, iria finalizar os
documentos para transferir todos seus ativos e dinheiro para Ember. Era como
disse, estaria bem cuidada pelo resto de sua vida. Esta era a única coisa que estava
determinado a se assegurar.
Ela inclinou a cabeça para trás e o olhou, com os olhos ensombrecidos e
intensos, com o olhar em seu rosto como se tentasse memorizar suas feições. A
inclinação da luz solar presa em seus cílios deixava as pontas douradas como pó
de fadas.
Ela o beijou outra vez e logo o empurrou, sem deixar de sorrir. —Vá. Faça seu
trabalho. E quando voltar... — Levantou uma sobrancelha sedutora. — Teremos
o jantar na cama.
—Oh que tentadora. — Disse sorrindo com amor. — Não imaginava isto.
Ela lhe lançou um beijo, ele se virou e saiu, ansioso pelo que lhe esperava, para
voltar aos seus braços.
Ember o viu se afastar e sentiu toda sua calma e falsa valentia, que levou todo
o dia para aperfeiçoar, desmoronar.
Um soluço subiu pela garganta, sufocou-o no dorso da mão. Não podia chorar
agora, não quando ele ainda estava por perto, não quando ela ainda tinha muito
para fazer.
Sabendo que era capaz de sentir seu estado de ânimo, teve absoluta certeza de
sufocar qualquer emoção com exercícios de respiração e visualização que
aprendeu há muitos anos na primeira vez que fez terapia. Calma era um estado
relativamente fácil de conseguir se soubesse como... mas extraordinariamente
difícil de manter durante horas, com a adrenalina inundando o sistema nervoso.
Ela o fez com muita força de vontade que nem sequer percebeu, porque precisava
enganar Christian para poder salvá-lo.
Nada.
Mas não encontrou nada. Até mesmo procurou no quarto de Corbin, já que
saiu com Christian, no quarto da governanta porque saiu para fazer comprar e no
quarto do jardineiro, que estava fora do lado leste da propriedade, cortando a
grama. Não havia uma só coisa em toda a mansão que insinuasse perigo, ao menos
nada que foi capaz de encontrar.
Na terra havia dois pares de pegadas. A sua e uma muito maior. Se cruzavam
em alguns lugares, mas havia um lugar onde as suas não estavam, na estante de
ferramentas na parede oposta.
Ember parou na frente dela e a olhou, cada célula de seu corpo gritando para
que se apressasse. Na parte de trás da estante inferior, além da serra de mão, o
martelo oxidado e a furadeira, havia uma pedra. Uma pedra sem pó que levava a
um fundo perfeitamente plano.
Um fundo que se abriu quando torceu, revelando uma pequena chave de prata.
Não era estupida, percebeu como seu plano era pobre, mas era a única opção
disponível. Quando o taxi deslizou na porta principal da mansão, ela desejou ser
religiosa. Dadas as circunstâncias do momento, uma oração viria bem.
O celular no bolso da jaqueta tocou e ficou sem fôlego, surpresa com os nervos
aflorados. Atendeu com mãos trêmulas, engolindo o choro histérico que ameaçava
explodir em sua garganta.
—Olá?
Era Asher, gritando com ela do outro lado da linha. Inclinou-se para frente no
assento, os músculos tão rígidos como o couro velho. — O que foi? O que
aconteceu?
—Foi atacado por um psicopata com uma arma que estava procurando você!
Terror escuro a abraçou, se apoderou dela. Agarrou o telefone com tanta força
que pensou que quebraria em sua mão.
—Os dois estão no hospital. Clara não estava em casa neste momento, graças
a Deus! Começou seu tratamento para fibrose cística. Dante ficará bem, mas jesus
cristo Ember, um homem armado está procurando você!
Ember engoliu, lutando contra o pânico que queria abrir caminho fora de seu
peito. — Eu sei.
Asher ficou sem folego. —O que? Como sabe se não sabia sobre Dante?
Esqueça, onde está? Irei buscá-la e vamos até a polícia...
Sua voz, ainda que trêmula, era firme o suficiente para dar a Asher uma pausa.
— Que porra está falando? — Exigiu. — Isto tem a ver com Christian?
Ela não lhe disse que estava com Christian, porque neste momento pensou
que fosse temporário e voltaria ao seu apartamento antes. Não lhe contou que era
um alvo de um assassino em série, que Christian estava em uma missão suicida ou
que ela decidiu cuidar deste último sozinha. Neste momento, sabendo que tinha
apenas poucas horas, pensava que realmente havia apenas uma coisa importante
que Asher deveria saber.
—Eu te amo, Ash. — Ela disse e agora sua voz estava agitada e se rompeu.
Lágrimas começaram a se reunir, quente em seus olhos. —Você foi o melhor que
qualquer pessoa poderia ter e agradeço tê-lo conhecido.
Ela sentiu sua surpresa, seu crescente horror ao perceber que algo estava
errado, muito errado. — Ember. O que for, podemos lidar com isto juntos...
—Quero que saiba que não importa o que aconteça, tudo ficará bem para mim.
Eu te conheço, não se culpe. É incrível, eu te amo e... e...
No fundo, Ember ouviu um trêmulo e longo gemido de dor e todo seu corpo
se arrepiou.
—O que quer?
—Filho da puta!
Gritou Ember quando percebeu que Cesar neste momento, estava torturando
sua madrasta. Apesar de odiar a mulher com frequência desejar algo ruim a ela,
cair nas mãos de Cesar não era algo que desejasse a ninguém. O taxista lhe lançou
um olhar desinteressado pelo retrovisor e logo voltou sua atenção para a estrada,
mais outra rotina.
Do outro lado da linha, Cesar riu de alegria. —Oh querida! Alguém soa um
pouco irritada. Bom, sei o quanto é horrível quando as coisas não saem bem. Mas
sem dúvida precisa saber que não tenho interesse em — perdão — em você, não
é tão interessante assim. Sabe o que quero. — Sua voz endureceu, perdendo toda
leveza lúdica e como uma serpente, disse com dentes apertados. — Dê a mim e
sua madrasta viverá.
—E-eu preciso de uma prova que ela está bem. Precisa me deixar vê-la
primeiro.
—Simplória e estupida, hum? Ela não irá a nenhum lugar até que eu tenha o
que quero.
Ember engoliu, estremecendo forte. — Não sei onde está neste momento. —
Disse ela, tentando ganhar tempo para pensar.
Houve uma pausa e logo um grito veio da linha, era agonizante e horripilante.
—... irei fazer com que ambas sofram tanto que implorará pela morte e não a
darei. — Sua voz se reduziu a um sussurro e a pele de Ember se arrepiou com
horror.
—Sua livraria. —Houve uma leve pausa, outro grito de Marguerite, logo
acrescentou sombriamente. — Melhor se apressar. — Desligou.
Ember lhe importava mais que qualquer outra coisa. Sua família, seu futuro,
mesmo sua honra.
Ember. Isto era em tudo que podia pensar agora. Seu coração batia com força
de antecipação.
Estava tão ansioso para vê-la que até mesmo imaginou sentir seu cheiro. Um
toque de flor de laranjeira brincou em seu nariz e fechou os olhos, respirou fundo
e relaxou no assento de couro luxuoso. Ele deveria ter seu cheiro na camisa desde
o momento que disseram adeus antes, era tão delicioso que sentiu um aperto entre
as pernas. Quase gemeu de desejo por ela.
—Boa noite, Sr. McLoughlin. Sou a Dra. Katharine Flores. — Disse uma
mulher em resposta. Christian franziu o cenho, sem reconhecer o nome.
Christian percebeu várias coisas ao mesmo tempo. Um: Ember o deixou como
contato de emergência durante as duas semanas que não conversaram e na
primeira vez que se consultou, o que significava que pensava que não iria querer
saber nada dela e desligaria. Isto fez seu coração doer, como se alguém houvesse
o martelado. Dois: esta ligação não o deixaria feliz.
Grunhiu. — O que aconteceu?
Christian se sentia como houvesse sido injetado com adrenalina. Um suor frio
percorreu seu corpo e seu coração pulsava dolorosamente. Ele disse. — Antigos
médicos?
A Dra. Flores parou um momento que se sentiu como anos. Logo perguntou
em tom suave e compassivo. — Posso perguntar se é consciente do histórico de
Ember de doença mental?
—Imagino por seu tom que não. — Ela suspirou. — É muito comum, muitos
pacientes são resistentes a compartilhar este tipo de informação com as pessoas
que lhes importa, temem que irão se afastar.
—Eu... o acidente que matou sua família. Sei que ela estava... estava dirigindo...
—Ember acredita que é responsável pelo acidente de carro que matou sua mãe
e irmão...
—Ela estava bêbada, ela me contou! — Christian disse sufocado. Sua garganta
estava tão apertada que sua voz saia pouco natural. Corbin o olhou pelo retrovisor,
as sobrancelhas altas.
—Esta é a leitura que sua mente adotou para fazer frente a culpa de
sobrevivente. É uma reação adaptativa do estresse suportável. Veja Sr.
McLoughlin, a verdade é que Ember não bebeu, apenas uma cerveja com os
amigos antes de dirigir para casa para buscar sua mãe e irmão naquela noite para
jantar. Ela tinha um nível de álcool no sangue exatamente de zero quando chegou
ao hospital e várias testemunhas declararam que bebeu apenas uma cerveja antes
de entrar no carro. Houve uma investigação exaustiva, como pode imaginar, mas
Ember assumiu toda culpa. O carro simplesmente patinou sob a chuva.
—Mas para Ember, o acidente é sua culpa. Sua mente criou uma versão
alternativa do quanto bebeu naquela noite. Dito de outra forma, o caminho que
sua mente criou para fazer frente a terrível realidade de ser a única sobrevivente
de um acidente que matou sua mãe e irmão mais novo e outras onze pessoas foi
simplesmente... um improviso. O cérebro humano é um monstro bonito, Sr.
McLoughlin. Quando funciona perfeitamente, é um milagre da engenharia. Mas
também possui a capacidade de recuperar as peças aproveitáveis até que não sobre
nada do que você e eu poderíamos chamar de verdade.
Era uma mentira. Ela não matou ninguém. A única culpa era ser uma
sobrevivente quando os demais morreram.
—A razão pela qual digo isto, Sr. McLoughlin, é que gostaria que você se
envolvesse no tratamento, se possível. Quanto mais apoio tiver, melhores a
possibilidade de recuperação. Não sei se ainda corta a si mesma...
—Sim, ao parecer, era um problema quando vivia nos Estados Unidos. Seu
último médico receitou lítio para administrar sua depressão, ainda que duvido que
ela ainda estava tomando... se alguma vez o fez. O medicamento aliviaria a dor.
Dor que acha que merece sentir.
Christian conteve o impulso de gritar. Romper algo com seus punhos. Tirar
algo de sangue.
—Gostaria que você pudesse observar com muito cuidado nos próximos
meses para detectar qualquer sinal de que ela possa se machucar fisicamente e
quero saber. Também... por favor, mantenha esta ligação entre nós dois. Neste
momento de seu tratamento, irá causar mais danos do que bem, se sentir
encurralada. Começarei a sugerir algumas coisas na próxima sessão e talvez depois
de um mês possamos contar a ela. O que acha?
Christian ficou sem fala. Sentia-se como se alguém houvesse cortado suas
pernas pelos joelhos.
—Sei que é muito para processar. Por favor me ligue se tiver alguma pergunta,
uma vez que tiver a oportunidade de absorver tudo isto, talvez possamos
conversar mais.
Quando chegou em casa, sentiu a ausência de Ember como uma frieza sólida
dentro do peito assim que cruzou a porta principal. Passou pelo quarto chamando
seu nome, ligou em seu celular uma e outra vez, mas não atendeu.
Enquanto escrevo estas palavras, estou sorrindo. As pessoas usam a palavra “querido” todo
o tempo sem pensar no que significa, por isso é exatamente o que é para mim: querido. Amado.
Nunca imaginei que iria sentir por alguém, muito menos alguém tão incrível como você. Disse
que o faço se sentir livre, mas você me deu algo melhor, algo que nunca serei capaz de expressar,
ao menos não da forma adequada, não com palavras.
Quero que saiba que percebi que isto não será fácil para você. Sei o quanto isto o machucará,
como irá se culpar, como vai desejar algo diferente. Sinto muito. Sei que não acredita quando
digo que, porque é verdade. Mas você é forte e estou muito fraca para sobreviver a isto. Por favor,
me perdoe. Por favor, viva sua vida e encontre outra pessoa que o mereça, alguém amável, linda
e inteira. Não deixe que a lembrança o arruíne nenhum dia.
Devido a que está é a única coisa que posso fazer que compensará todo o mal que veio antes.
Agora sei. E devido a que me ama, não tenho medo.
Os seres humanos podem se unir como companheiros também, não tenho certeza se você sabia.
Suponho que não acontece com frequência, mas pode. Sou a prova disso. Não há nada nesta vida
ou em qualquer outra que não faria por você. Eu te amo e mesmo com todas as coisas quebradas
dentro de mim eu te amo, também. Sinto agora que não disse em voz alta, que não disse uma e
outra vez. Você é o sonho que não merecia, mas agradeço.
Está é a única coisa a que tenho direito. Amá-lo fez todo o resto, os anos de escuridão e o
inferno valer a pena.
Inclusive se apenas tivéssemos apenas um dia juntos, ainda teria valido a pena.
Se acreditasse no céu, diria que espero vê-lo ali um dia. Mas sei que não há anjos nas nuvens,
não há querubins ou coros de canto me esperando. Não sei o que irá acontecer uma vez que
deixar para trás esta vida, mas em meu coração espero que... paz. Tranquilidade. O fim de toda
dor e loucura.
Apenas uma coisa não terá fim: meu amor por você. Não importa onde vá depois da minha
morte, estará comigo. Será a chama em minha alma que nunca se queima.
Ember.
Sentado em frente a ele em uma pequena mesa de madeira no pátio tranquilo,
sombreado na parte de trás do hotel, o albino era descomunal e silencioso,
olhando Treze com um olhar estreito que continha toda a genialidade de um
dragão a ponto de vomitar fogo sobre um grupo de aldeões.
Então Treze sorriu para o albino, uma curva leve nos lábios que não era
ameaçadora nem sincera, mas que transmitiu que sabia que ambos sabiam
exatamente o que realmente a confissão que implicava cabras mortas seria e talvez
deveriam conversar sobre isto.
Devido a que o albino não parecia do tipo falante, Treze decidiu romper o gelo
indo diretamente ao ponto. — Sou chamado Doe. Sou um caçador. Como você.
Treze encolheu os ombros. —Posso dizer olhando para as pessoas. É uma das
duas coisas: um comedor de carne ou a carne.
—Recebi uma ligação telefônica há uns minutos, justo antes de chegar de fato,
que as criaturas... que estou caçando foram encontradas. Pelo menos, sei
exatamente onde um está agora ou estará em breve,
Esta era uma isca cuidadosamente elaborada e a verdade sem adornos, Treze
foi informado pelo Presidente que a linha que configurou para receber
informações sobre aquelas criaturas, uma mulher chamada Úrsula Admowicz. Um
provável Ikati estava atrás de uma garota que trabalhava em uma livraria na
Baixada Viladecols. A livraria estava fechada a esta hora, assim esperava encontrar
a criatura dentro ou mantendo vigilância em algum lugar perto. De qualquer
forma, a informação era a mais interessante da que teve em meses.
Mais interessante ainda foi a forma como o albino reagiu ao que disse.
Ele moveu-se adiante em sua cadeira. Uma mão grande e branca se levantou,
a velocidade de um raio e ele segurou a frente da camisa de Treze. O albino puxou-
a para frente, assim ficaram frente a frente sobre a mesa e grunhiu. — Diga-me
onde estão ou corto sua língua!
O olhar do albino piscou para a mão de Treze, que estava plana sobre a mesa.
Um músculo na mandíbula pulsou rapidamente e calculou suas opções. Logo
abriu a mão e lentamente relaxou em sua cadeira, a cor do sangue aumentando em
suas pálidas bochechas, a única indicação de sua raiva. Seu brilhante olhar pousou
no rosto de Treze e ele inclinou a cabeça.
—Como?
Ao julgar pelo rancor da resposta, o ofendeu. Não pensou que fosse possível
ofender um homem que brincava com animais, mas por outra parte, a hipocrisia
de alguém que se fazia passar por sacerdote do Vaticano enquanto participava de
tal situação não podia ser subestimado.
Treze inclinou-se para trás em sua cadeira e cruzou as mãos sobre o estômago.
— Se não pudesse, seria a polícia sentada aqui conversando com você neste
momento, a respeito da situação da cabra estrangulada.
O sorriso de Treze ficou mais amplo. Logo se inclinou para frente e começou
a elaborar seu plano.
As risadas dos outros quatro com ele se ouviu, dois dos quais se mantinham
imóveis contra a velha mesa cheia de cicatrizes de seu pai na livraria, enquanto
Cesar cortava seu braço com a ponta afiada e serrilhada de sua faca.
Ele cheirou o metal assim que ela entrou pela porta e desesperada para oferecer
uma explicação sobre não poder dar-lhe a localização do que estava escondido sob
seu suéter e casaco, empurrou a manga do suéter para revelar as cicatrizes e o
metal no braço.
Ela sabia que precisava induzi-lo a este jogo da operação, pois poderia tentar
outra coisa.
Agonia pulsava por cada célula de seu corpo. A sala balançava, a cor, o som e
o cheiro se multiplicaram por mil, como um alucinógeno.
—Bem feito, Nico. Você está oficialmente fora da minha lista negra. — Disse
Cesar a um de seus homens, de cabelo negro e alto de pé ao seu lado, observando
a cena com orgulho petulante. Segurava uma mão vendada contra o peito, mas
quando ouviu estas palavras, deixou cair a mão ao seu lado, se iluminou com um
grande sorriso, exultante e se ergueu.
Ember quase gritou de horror na primeira vez que viu sua madrasta. O sangue
manchava o corpinho negro de seu vestido rasgado, pingava em uma piscina
vermelha brilhante horrivelmente sob a cadeira, em um ritmo intermitente e
sinistro. Através do tecido rasgado, seus seios e abdômen apareciam pálidos contra
o brilho do vermelho. As feridas irregulares eram testemunhas do terrível que
aconteceu dentro deste lugar antes de Ember chegar.
—Oh absolutamente! Tudo o que tinha que fazer era dizer a palavra mágica!
Os outros riram, enquanto Cesar, parecendo energizado pela agonia, por todo
o sangue, se afastou de Ember para olhar com afeto divertido Marguerite
semiconsciente salpicada de sangue.
Riu, riu e riu, gargalhou com total abandono, enquanto seus homens se
olhavam. Marguerite soluçou e o coração de Ember se reduziu ao tamanho de um
amendoim dentro do peito.
—Santo Hórus. — Ofegou entre gritos. — Juro que sou o mais sortudo!
Disse algo para seus homens em um idioma que Ember não reconheceu, ainda
que poderia ser latim. Fosse o que fosse, seus homens ficaram sem fôlego e
compartilharam olhares significativos entre si. Eles olharam para ela com algo
novo em seus olhos. Então os homens que a seguravam contra a cadeira a
soltaram.
—Entenderei como um não. Mas não podemos deixá-la sangrar até morrer,
ainda não.
Ele franziu os lábios, girando uma mecha de cabelo de Marguerite entre os
dedos enquanto ela se inclinava para tão longe dele como poderia, caída de lado
da cadeira, chorando em silêncio.
Sua cabeça inclinou-se para trás, todos os ossos do corpo estalando. Com
surpresa ela gritou e se ergueu em estado de choque.
Ofegante pelo pânico, Ember ficou quieta. Ela lançou um olhar para
Marguerite, que parecia estar rezando. Seus olhos estavam apertados e seus lábios
se moviam rapidamente com palavras silenciosas.
Cesar parou sobre Ember. Girou suavemente sua palma esquerda, revelando
a bagunça mutilada na parte interior de seu antebraço. Colocou a faca entre dentes,
lentamente enrolhou a manga da camisa branca para revelar um antebraço
bronzeado e musculoso, colocou-o diretamente sobre o próprio braço de Ember.
Logo tirou a faca dos dentes e em um movimento forte, cortou profundamente a
pele, diretamente sobre a veia.
Ninguém mais na sala parecia particularmente surpreso por este giro dos
acontecimentos, no entanto, os homens de Cesar a seguravam enquanto com
calma ele estendia o braço sobre ela e deixava o sangue cair sobre suas feridas.
—Oh. — Disse, sua voz trêmula de emoção. —Olhe todo este sangue.
Com a cabeça sobre a mesa, Ember estava ao nível do ventre de Cesar. Sob
sua calça manchada de sangue, viu que estava ficando duro. Ela fechou os olhos
com desagrado.
Ember olhou seu braço e soube que seus olhos não funcionavam
corretamente. Estava alucinando com a dor.
Então ele estendeu a mão e acariciou suavemente seu braço com um dedo de
cima abaixo, o sangue escorrendo por todas as feridas cicatrizadas em sua pele,
indo para cada linha, até o músculo ao lado do osso onde estavam as placas final
de metal. Observou seu progresso com olhos incrédulos, viu a pele ficar lisa se
recompor.
Doía, mas não estava mais picando e ardendo, Ember não podia afastar os
olhos.
Cesar se inclinou perto de seu ouvido. — É religiosa, September? Eu mesmo,
costumava pensar que era tudo história esta coisa de Jabberwocky27, mas tenho que
admitir que meus pensamentos estão agora um pouco... em processo de mudança
sobre o assunto. Quer dizer, a imortalidade realmente mudou minha percepção
sobre a vida neste planeta.
Finalmente afastou o olhar de seu braço para olhar fixamente em seus olhos.
Negros e selvagens, queimando como fogo.
Fez um gesto a seu braço. Ember seguiu a direção de sua mão e ficou sem
fôlego ao ver todas suas feridas curadas. O único que ficou foi rastros de sangue,
brilhante e vermelho na luz fluorescente do teto.
27 É um poema sem sentido escrito por Lewis Carroll sobre a morte de uma criatura chamada Jabberwock.
Foi incluído em seu conto de 1871, através do espelho e o que Alice encontrou lá, em Alice no País das Maravilhas.
Hesitante flexionou a mão aberta, não havia dor, nem sequer a antiga rigidez.
Ficou olhando com incredulidade total.
—De nada. — Disse Cesar e todos seus homens riram. Indicou-lhes que a
soltasse e se deixou cair novamente na cadeira, aturdida.
Cesar parou sobre ela outra vez e agora toda leveza e brincadeiras se foram, a
alegria sumiu. Estava completamente sério, a luz azul brilhante de seu cabelo
negro, o rosto sem emoção. Mesmo seus olhos negros estavam frios, parecia mais
sinistro que qualquer de outros estados de ânimo.
28
Ao contrário
Sem afastar o olhar dela, retrocedeu lentamente até que ficou junto a cadeira
de Marguerite. Durante todo o tempo segurava a faca e agora levava ao rosto dela.
Ela ficou rígida com horror e deixou escapar um soluço sufocado.
Ember sentiu a sala começar a girar. Não era assim como deveria ser. Precisava
que se afastasse de Marguerite... precisava que...
Tremendo de raiva, Ember olhou em seus olhos e disse. — Tudo bem. Vou
dizer, mas precisa saber algo antes.
Ele estreitou os olhos e então suspirou. Com um olhar a um dos seus homens
Cesar disse. —Revistou-a por um celular, verdade? Isto está ficando tedioso.
Precisou de quatro segundos para seu casaco ser tirado dela e jogado de lado.
Então se viu rodeada e uma vez mais teve os braços presos para trás enquanto sua
blusa era levantada até a cintura.
—Aqui vamos. — Disse com voz satisfeita quando seu celular foi tirado de
seu bolso traseiro da calça jeans. O homem jogou-o para Cesar, que pegou com
facilidade na mão.
Por um momento sem fôlego, Ember pensou que estivesse a salvo. Mas logo
lançou um olhar para Cesar e soube que não.
Logo, mais rápido que seus olhos pudessem seguir, ele estava ao seu lado.
Puxou a blusa, revelando o que havia por baixo. Então a olhou com tanta violência
em seus olhos que pensou que poderia matá-la apenas com o olhar.
Ele a empurrou de costas, fechou uma mão ao redor de sua garganta e tirou a
blusa com a outra mão, rasgando-a com facilidade pela metade.
Ember moveu forte ambas as pernas, mas os grandes machos de cabelo escuro
a segurou antes que pudesse fazer outro movimento e seus braços ficaram presos.
Tremendo de medo, ira e desespero, ela se esticou sobre a mesa, totalmente
impotente.
Do outro lado da sala, Marguerite a olhou branca, com horror e a boca aberta.
—Uma merda de fato e o suficiente para explodir todos até o outro mundo.
— Disse Cesar. Inclinou-se sobre Ember, olhando-a fixamente com ódio e uma
espécie de fúria enlouquecida, os dentes atrás dos lábios. —Onde está o
detonador?
Ele grunhiu e apertou a mão mais forte em sua garganta, cortando o ar.
As luzes começaram a se apagar. Seu coração batia com tanta força contra o
peito que sentia que iria explodir. Havia um rugido em seus ouvidos e vários golpes
dentro de sua cabeça. Imagens passou diante de seus olhos, a cor e a luz, o
movimento, mas em tudo que podia era em uma palavra.
Christian.
Ouviu o ranger dos ossos como se viesse de muito longe, sentiu o calor úmido
cair sobre o rosto e o pescoço. Ainda não havia ar e seus pulmões queimavam
com o esforço de respirar. Cesar gritou sua pergunta em seu rosto outra vez, mas
a sala estava começando a ficar negra e tudo borrada.
—Isto não pode ter sido ideia sua, seu namorado planejou, assumo que sabe
onde estamos! — Cesar estava furioso, gritando a seus homens e apertando mais
a mão em sua garganta a cada palavra. — Ligue para Marcel, diga para usar o
protocolo de evacuação do bunker! E porra, assegurem-se de pegar o soro!
De repente, a mão se foi e Ember foi arrastada para fora da mesa, caindo com
um golpe seco, batendo os joelhos no chão. Tossiu engolindo ar e sangue. Tinha
os braços levantados sobre sua cabeça, enquanto Cesar passava as mãos com
cuidado sobre o jaleco e ao redor de sua cintura, pernas e ombros, procurando o
detonador.
—Ficaremos com isto Nico, podemos precisar mais tarde, mas tome cuidado!
— Gritou.
Ele viu a confusão em seus olhos vidrados e sorriu maligno. — Oh Deus, isto
está ficando cada vez melhor. Não sabe, verdade?
Sem nem sequer olhar para trás, Cesar gritou. — Quebre o pescoço desta
cadela.
Pendurada de cabeça para baixo com o sangue pingando de seu nariz, Ember
viu dois homens se aproximarem de Marguerite. Ela se encolheu em sua cadeira,
soluçando quando a rodearam.
Mesmo sobre os sons de seus próprios gritos, Ember ouviu o som dos ossos,
logo um silêncio espantoso, então nada em absoluto já que a mão de Cesar apertou
sua garganta, cortando o ar e levando-a à escuridão.
—Eu disse que não deveria chegar tão afoito! — Gritou Treze para Jahad
enquanto corriam para alcançar os dois carros esportivos negros em alta
velocidade saindo da livraria e cortando as ruas sinuosas de Barcelona.
Treze o ignorou e gritou. — Podem ouvir tudo, podem ouvir um alfinete cair
a uma milha de distância! Acha que não seriam capazes de nos ouvir parar no
estacionamento como morcegos saindo do inferno? Acabou de soprar o elemento
surpresa, seu estupido copo de neve!
Ainda que Treze suspeitasse que sua garganta seria cortada assim que saísse do
carro ou virasse as costas, o albino concordou trabalhar com ele. Estava claro que
o outro homem não gostava de ser ameaçado, ainda mais claro que odiava ter que
depender de alguém que não era de seu pequeno culto, mas chamou seus homens,
recolheu suas armas e deixou Treze segurar a escopeta enquanto se dirigiam para
a pequena livraria, onde o Ikati poderia estar.
Ao final resultou que estava coberto de razão.
Muito brilhante.
O telefone por satélite de Cesar tocou justo quando entrou na cabine de couro
luxuosa do iate que mantinha atracado no porto de Port Vell.
Posto que matou o capitão que pilotou para ele quando navegaram para o sul
quando fugiram da França, Cesar aprendeu a operar a embarcação de luxo de trinta
metros e passou um tempo passeando pelas águas cristalinas da costa dourada de
Barcelona, sonhando acordado, imaginando com grande detalhe o resultado da
operação que acertadamente apelidou de O Martelo.
Assim quando olhou para o celular tocando em sua mão e viu que era Armond,
um dos guardas que patrulhavam o bunker, experimentou um breve
estremecimento de terror.
Na área enorme, uma vida de luxo que se estendia de forma oval atrás da ponte,
Nico soltou a garota inconsciente que esteve no porta malas do carro no sofá e
prendeu seus pulsos com lacres de plástico. Estava sangrando profusamente pelo
nariz e gemeu quando Nico colocou um lenço em sua boca.
Port Vell.
Olhou para cima quando uma dezena de carros utilitários que perseguiam o
sedan esportivo solitário viraram rapidamente sobre a colina para os bunker em
máxima velocidade.
Inclusive o soldado mais tolo sabia que não se assaltava diretamente o inimigo
altamente motivado em um acampamento fortificado com nada de informações
sobre seus números ou armamento, em estratégia ofensiva, ataques diretos não
funcionavam. A guerra de guerrilhas, funcionava, especialmente quando se tratava
de seres humanos muito mais fortes e mais rápidos do que eles e estavam
acostumados a viver na clandestinidade, fugindo a qualquer momento que fossem
descobertos.
Mas Jahad era como o Rambo Santo, estava em uma missão sagrada para
matar. Ao parecer, não tinha tempo para pequenas coisas incomodas como
planejamento.
Assim que voou sua cobertura na livraria e voou sua cobertura no bunker ao
entrar pelo caminho de terra com uma fila dos maiores idiotas do planeta Terra.
Então Jahad e todos seus homens saltaram dos SUV, gritando quando o sedan
parou com uma derrapada na colina.
Treze tinha uma arma, a pistola semiautomática H&KP8 que mantinha desde
seu tempo no exército, mas não se incomodou em participar da estupidez e em
seu lugar se arrastou para trás da fila de SUV’s, na parte de cima do bunker, onde
a vala de arame farpado desaparecia entre as árvores.
Ali cortou uma abertura de um metro e meio com um alicate e deu um passo
atrás.
De seu ponto de vista, atrás do prédio principal, viu alguma atividade que
estava escondida na parte frontal. Ao sair de um buraco do chão por trás de uma
grande rocha que servia de acesso, claramente escondido nos bunkers, formas
escuras carregando pequenas caixas de plástico e colocando na parte de trás de
uma caminhonete. Havia outro caminho de terra estreito que conduzia fora e
através das árvores, quando a parte traseira da caminhonete foi totalmente
carregada com as caixas, começou a andar, o som do motor escondido em sua
totalidade pelos fortes disparos dos homens de Jahad.
Logo veio um leve e horrível clique. Depois, uma bola de fogo laranja de dor.
Apertando os dentes para suportar a dor em sua cabeça, ela abriu os olhos e
se encontrou deitada de cabeça para baixo em um sofá em uma sala desconhecida,
com as mãos presas às costas. Sem levantar a cabeça, olhou ao redor e rapidamente
percebeu que estava em um barco, um iate, melhor dizendo, em algum porto.
Através das janelas viu o céu noturno, mastros de barcos balançando ao vento,
arcos iluminados na ponte que ligava a cidade ao porto comercial de
Maremagnum. Perto dali vozes murmuravam e o zumbido vibratório de grandes
motores estremeciam as paredes.
Ela estava sozinha. O jaleco de Semtex estava casualmente sobre a mesa sob a
janela do quarto, como se tivesse sido colocado ali depressa e foi esquecido.
Com cuidado, segurando a respiração, ela passou as pernas pela beira do sofá,
sentou-se e moveu os pulsos.
Ela engoliu, sentiu sabor de sangue e logo cuspiu sobre o tapete marfim, cheio
de satisfação sombria quando viu que manchou o tapete.
De três coisas tinha certeza. Um: seu nariz estava quebrado. Dois: Cesar estava
neste iate em alguma parte e outras partes de corpo iriam se quebrar se não atuasse
rapidamente. E três: matar se converteu em algo mais que uma missão.
Sentia um profundo horror e raiva pelo que fez com Marguerite. Sentia-se
responsável também, porque quando tudo foi ao inferno, sabia que em algum
nível matou Marguerite, sem importar quem o fez. Este era apenas o modus
operandi de Cesar.
Deu a volta, curvou-se para baixo e olhou sobre o ombro, abriu a gaveta
superior da mesa com uma das mãos presas. Não estava ali também. Assim que
procurou por qualquer outra coisa que poderia ser usada como uma arma. Não
era tão bom como o jaleco, mas sabia várias coisas podiam ser usadas, se acertasse
com força o suficiente o tronco cerebral, poderia matar alguém.
Algo como uma faca. Seu coração parou, um abridor de cartas. Seu olhar caiu
no abridor de cartas prata com cabo drapeado e a lâmina longa, fina e Ember
quase riu alto.
Cesar confundiu seu estremecimento com terror. — Isto é o que ele gosta em
você? Sua sensibilidade? Seu pequeno animal estremecer? Porque sinceramente,
coelho, é tão mediana, tive muito tempo para pesquisar.
Era incrível para ela que uma criatura tão puramente maldosa pudesse ser tão
bonito. Com exceção de seus olhos negros e brilhantes que continham uma
antipatia e sem bondade, o rosto e corpo eram tão lindos como o de um anjo.
Uma lembrança aleatória: ela e seu pai assistindo um antigo episódio de Jacques
Cousteau sobre os tubarões brancos e Cousteau explicou em seu sotaque francês
como o tubarão alegremente destroçava suas presas com pedaços. São as criaturas
mais lindas e mais perigosas.
Tinha razão.
Isto lhe fez sorrir, mostrando uma covinha em sua bochecha bronzeada. —
Hum. Talvez seja o sentido de humor que gosta. Ainda que sempre pensei que as
mulheres inteligentes estivessem supervalorizadas. —Ele levantou sua mão e
arrastou a ponta de um dedo sobre a crosta de sangue no lábio inferior.
Ela se manteve imóvel porque percebeu que enquanto ela cooperasse, não
seria afetada. Além disso, precisava manter-se consciente e perto, para poder matá-
lo.
Ainda traçando seus lábios com o dedo e olhando-a com os olhos estreitos,
Cesar murmurou. —Iremos nos divertir muito, eu e você. Vou gostar de rompê-
la. Inclinou-se mais perto e inalou seu pescoço enquanto ela apertava os dentes e
tentava não vomitar. — Você cheira bem para comer, tenho que admitir. E já sei
que também pode gritar.
Ember deixou de respirar quando uma mão grande e quente se abriu na sua
coxa. O único dedo nos lábios se moveu e a mão toda segurou sua nuca, quando
ele deslizou a outra em seu pescoço. Sua voz em seu ouvido estava rouca. — Quão
alto irá gritar quando a foder?
O que disse do outro lado da linha fez Cesar girar ao redor e olhar para ela
repentinamente, sua fúria pulsando. Este olhar fez o coração de Ember acelerar
em terror. Sua boca secou.
—Bem, olá amigo! Estive esperando para que pudéssemos conversar. — Disse
Cesar com os dentes apertados. Um feio sorriso se estendeu por seu lindo rosto.
Ember percebeu quem estava do outro lado da linha e foi então quando seu
coração quase parou de bater completamente.
Christian fechou o SUV por um erro em lugar de dar marcha ré, gritou uma
maldição e desejou, pela primeira vez em sua vida e fervorosamente ter aprendido
a dirigir.
O potente motor levou o carro a frente com uma sacudida e chocou contra a
caminhonete estacionada na frente dele.
Foi capaz de sair de seu esconderijo atrás dos pinheiros e entrar no carro sem
ser detectado, enquanto ainda havia um tiroteio do lado de fora do bunker. Ainda
que os atiradores liderados por Jahad — reconheceu o grande albino — não
tivessem um tiro claro em direção ao homem que estava na entrada principal e
com a determinação de um kamikaze desapareceu dentro, mataram o Ikati atrás
do sedan que estiveram perseguindo, dezenas entraram nos buracos escondidos
no chão ao redor da área como ratos em navio afundando.
Antes deste momento, pensava que dirigir um carro fosse algo simples.
Pena que não testou sua teoria em melhores circunstâncias.
Virou o câmbio em outra direção e pisou no acelerador. O carro foi para trás
com uma força surpreendente, lançando-o contra o volante e acertando o para-
choque de outro SUV. Endireitando-se rapidamente, Christian aliviou o pé do
pedal, segurou o volante e deu um giro de 180 graus que milagrosamente o virou
na direção correta da colina. O para-choque de metal demolido saiu voando na
escuridão além dos faróis.
Não olhou para trás para ver se alguém o seguia. Não precisou olhar para ter
uma melhor visão do que pareceu uma pequena explosão, provavelmente uma das
minas terrestre enterradas. Ele estava justo atrás da colina, um rápido olhar no
retrovisor antes de dar a volta na estrada principal, quando uma explosão muito
maior sacudiu a noite, a iluminação ficando laranja, vermelha e azul como um pôr
do sol tropical.
Logo sorriu com satisfação sombria. Muito bem, Jahad. Aposto que as cabras no
inferno têm dentes muitos maiores do que aquelas que morreram, bastardo miserável.
Tirou o telefone por satélite do bolso com zíper da calça e colocou-o no
assento junto a ele, fez todo o possível para permanecer do lado direito da linha
amarela, enquanto voava pela estrada para fora da cidade.
Levou muito tempo. Seu coração se sentia como se estivesse saindo do peito.
O ar estava muito denso para respirar.
Como sabia que romperia este filho da puta e arrancaria sua cabeça do corpo.
Quando por fim chegou do outro lado do cais, haviam oito barcos e um deles
ironicamente se chamava Deus da vingança e Christian soube sem olhar o telefone
que Ember estava ali dentro.
Ele sentiu seu cheiro. Estava tão em sintonia com ela que poderia encontrá-la
de olhos vendados no meio da multidão.
Esperou sentir o cheiro de medo, mas estava estranhamente irritada. Com raiva
e sentindo repulsa, Christian não sabia o que Cesar poderia estar fazendo a ela,
para que se sentisse desta forma.
—Você tem algo meu. — Disse Christian, sua voz mortal. Uma sombra se
moveu em uma das janelas dentro do Deus da vingança e o olhar de Christian
acompanhou o movimento.
Christian curvou a mão com tanta força ao redor do telefone que a capa de
plástico rachou. — Se estiver ferida, você irá desejar não ter nascido!
—Oh ela está bem, não é verdade, pequeno coelho? Um pouco de sangue, uns
ossos quebrados, mas o pior é o cansaço.
Christian sentiu a raiva aumentar pelo tom intimo da voz de Cesar e esperava
que a sugestão fosse apenas para provocar, quando dizia que Ember estava
sangrando e com ossos quebrados. O mundo ficou negro por um momento
enquanto a fúria o cegava, mas ele inalou lentamente e profundamente,
acalmando-se, deixando sua ira para se concentrar.
Cesar não sabia que estava perto e longe dos bunkers, então tinha o elemento
surpresa, assim Christian disse. —Sei que quer a mim. Vamos fazer um trato.
Diga-me onde está e vou encontrá-lo.
Cesar riu. —Sem tratos. Neste momento não poderia me importar menos. O
gato está fora da bolsa. Minha colônia está comprometida, assim não preciso matá-
lo para impedir que passe minha localização a seu pequeno café de fofoqueiros.
—E agora que tenho September... bom, apenas podemos dizer que você
matou dois dos meus homens, tenho dois seus. Olho por olho, por assim dizer!
Mas até então, na verdade havia outra opção: nadar até eles.
Como toda sua espécie, odiava se molhar em sua forma animal e evitava a todo
custo. Mas como homem, Christian era um forte e rápido nadador. E a água
acrescentava a vantagem de amortecer seu cheiro. Se fosse rápido e tivesse sorte,
poderia nadar até a popa e subir a bordo desapercebido, tudo enquanto mantinha
suas armas.
Decisão tomada.
— No caso de ter uma ideia errada, seu namorado não virá resgatá-la. Ele está
procurando no lugar errado. Enquanto conversamos, provavelmente está
andando através de cadáveres e se encontra muito, muito longe. Mas ele nunca a
encontrará, coelho. Você e eu teremos muito tempo para nos conhecer
adequadamente.
Isto foi dito em um tom de alegria enquanto se movia diante dela. A metade
do caminho parou, franziu o cenho e olhou o telefone na mão. — Bem, posso
usar o localizador para averiguar onde...
Cortou abruptamente. Apertou algo no telefone, parou por um instante
enquanto olhava fixamente a tela, logo gritava. —Não!
Deixou cair o rifle. Em uma batida de coração estava ao seu lado, vibrando de
raiva, perigoso, grande e musculoso cm olhos verdes fervendo enquanto se
ajoelhava e a segurava pelos braços, sua expressão de horror, terna e furiosa ao
mesmo tempo.
—Está... Jesus, seu rosto. Bebê, o que ele fez com você?
Tocou seu rosto e grunhiu. — Saia do barco! Salte no mar e vá embora... depois
conversaremos sobre este plano estúpido...
Diante de seu olhar incrédulo, Ember disse. — Cresci em Taos, pelo amor de
Deus. Está a dois mil metros do nível do mar! Ninguém nem mesmo tem uma
piscina!
Mas ele não respondeu a isso. Congelou e ficou olhando com o que parecia
horror para seu rosto. Havia manchas de sangue por todos seu nariz quebrado, a
boca e o queixo.
Puxou a mão que Ember levou ao nariz, colocou seu rosto mais perto e inalou.
Logo inclinou-se para trás como se ela o houvesse apunhalado. Ele ficou pálido.
Seus olhos ardiam com uma emoção impossível de identificar.
Sem dizer uma palavra, ele a levantou nos braços e atravessou a sala, indo em
direção ao convés da embarcação.
Quando passaram pelas portas de vidro que se abria na parte de trás e saíram
ao convés para o ar fresco da noite, foram alcançados por algo duro por trás e
caíram.
Christian saltou sobre ela, mas imediatamente saiu e começou a lutar com
Nico, que saltou sobre suas costas. Rodaram uma e outra vez sobre o convés,
entre silvos selvagens e socos, até que chegaram a uma parede baixa e Christian
ganhou vantagem. Em um movimento cego, ficou sobre Nico, golpeando seu
rosto com os punhos.
Do outro lado do convés, uma fina forma prateada rodou até Ember e parou
apenas alguns centímetros de distância.
Em sua mão Cesar tinha uma arma. Apontava diretamente para Christian.
—Pare! — Gritou.
Christian ficou imóvel, olhando para ele e seus lábios se abriram para mostrar
os dentes. — Uma dezena de balas não irão me derrubar. — Grunhiu, o
assassinato em seus olhos. Nico estava imóvel e sangrando sob ele.
—Certo. — Cesar disse suavemente. — Mas irá derrubar ela. — Logo se virou
para Ember com a arma e sorriu.
—De pé. —Cesar disse para Christian. Com um olhar sombrio em seu rosto,
Christian obedeceu.
—Espere. — Sussurrou ela, girando a cabeça para olhar para Cesar. —Tenho
uma proposta para você.
Cesar bufou. — Como se tivesse algo para negociar. Já disse, coelho, sem
acordos. — Tirou a arma de seu rosto e apontou para o peito de Christian e cada
célula do corpo de Ember saltou gritando.
—Posso suportar muita dor. — Sussurrou, olhando fixamente com uma
intensidade similar ao laser no perfil de Cesar. — Já viu a placa de metal no meu
braço. Já suportei muita dor para uma pessoa normal. O médico que colocou estas
placas em meu braço, disse que tinha uma alta tolerância a dor, mais que qualquer
paciente que já teve.
Hesitou apenas tempo o suficiente para fazê-la saber que ouvia. Lembrando a
forma como se excitou com a visão de seu sangue e o dele próprio, lembrando a
emoção sombria em sua voz quando torturou Marguerite e a chama de luxuria em
seus olhos quando ele quebrou seu nariz, Ember disse. — Porque gosto.
Cesar deslizou seu olhar para ela e ela assentiu lentamente, olhando
profundamente em seus olhos.
—Preciso da dor, preciso sentir dor. Costumava me cortar apenas para poder
senti-la, assim podia me observar sangrando. Somos iguais, você e eu somos os
lados opostos da mesma moeda.
Em voz gutural lhe perguntou. — Alguma vez alguma mulher lhe implorou
para que batesse mais forte?
—Pare com isto, Ember. —Gritou Christian, mas foi ignorado pelos dois. Os
olhos de Cesar estavam fixos nela.
—Se deixar que ele vá, prometo que nunca tentarei fugir de você. Nunca o
desobedecerei. Eu o servirei da forma que quiser pelo tempo que quiser. —Ela
sussurrou ao seu ouvido. — Sangrarei por você, gritarei por você e irei adorá-lo.
Manteve-se imóvel por um momento. Ember sentiu que seu coração estava
acelerado no peito. Sussurrou. — Está mentindo.
Ela inclinou a cabeça para trás, deixando ao descoberto sua garganta. — Sei
que pode sentir a diferença entre uma mentira e a verdade. Adiante. Você decide.
Logo fechou os olhos e cruzou os dedos para que todas as coisas quebradas
em seu interior se rompessem o suficiente para convencê-lo de que não era apenas
uma estratégia para deixar Christian em segurança... e apenas ele.
Por trás agarrou o detonador com a mão trêmula, era um peso leve e frio.
Inclinou-se mais perto. Ela sentiu o roce dos lábios no pulso da garganta.
Ouviu-o inalar contra sua pele e logo exalou, suas seguintes palavras foram
pronunciadas em um sussurro tenso, rouco.
—Bom, bom... o meu pequeno coelho não tem medo depois de tudo.
Cesar nivelou a arma no rosto de Christian. —Uma palavra mais amigo, apenas
uma e tudo termina.
Com o peito agitado, o nariz aberto e a fúria ardendo em seus olhos, Christian
retrocedeu lentamente contra a parede baixa do convés. Ele se apoiou nela,
calculando, procurando qualquer oportunidade, seu corpo tenso para o mergulho.
Ember sabia que estava ganhando tempo. Não iria saltar, esta era a calma antes
de uma tempestade se romper.
—Se não ouvir o mergulho e vê-lo flutuando diante de nós, todas as apostas
estão fora. —Disse Cesar.
—Foda-se. — Zombou.
Christian. Gritou algo, mas o ventou o levou e Ember observava a medida que
ficava cada vez menor à medida que o barco navegava pela noite.
—Agora. — Cesar disse, girando ao redor dela com ambas as mãos em seus
braços, puxando-a com força contra o peito. Ele sorriu triunfante para ela. —
Veremos exatamente a quantidade de dor que consegue suportar.
No momento infinitesimal antes da explosão cair aos seus pés e o mundo ficar
negro, seu último pensamento foi: aconteça o que acontecer.
Muitos viram a enorme explosão nas águas escuras de Port Vell esta noite,
muitos viram a outra grande explosão nas colinas da cidade, muitos deles viram as
duas. Mas havia apenas uma pessoa próxima o suficiente das duas viu os corpos
voando.
Christian.
Estava flutuando na água fria quando o iate foi despedaçado em uma erupção
trovejante que enviou uma onda de choque de calor crepitante sobre ele e uma
bola laranja de fogo e fumaça se elevando ao céu, sem deixar de gritar como esteve
fazendo desde que caiu na água, as palavras que o vento roubou de seus lábios. As
palavras que Ember nunca ouviria.
Está grávida.
Então ele começou a nadar. Freneticamente, tão rápido como pode, nadou.
A morte não era tão tranquila e silenciosa como Ember esperou que fosse.
Por um lado, não havia muito o que falar. Claro, as vozes não eram ruidosas,
mas a forma como se queixavam constantemente, as cadências de subida e depois
baixo enquanto se mantinham indistintas, era muito irritante. Queria gritar com
elas para se calarem, porque estava tentando se concentrar em sua morte, mas sua
garganta não funcionava corretamente. Sua língua grossa, sentia como se tivesse
um animal morto dentro da boca.
Logo havia o incessante toque. Imaginou que poderia ser algum tipo de artigo
mecânico desenhado para receber as almas no inferno, algo que poderia
transportá-la, talvez cheia de espíritos sem corpos de mortos recentemente em seu
caminho para serem ordenados. Ou talvez fosse uma sala de espera como no filme
Os Fantasmas se Divertem, cheia de mortos recentes e o som do relógio da
eternidade, que anunciava sempre a mesma hora, que não se movia.
Também, havia um inferno de muita dor. Sempre pensou que morte não traria
dor, sobretudo porque já não tinha um corpo, mas de alguma forma a agonia a
percorria, como um ninho de serpentes irritadas. Como era possível se não tinha
nervos?
—Não me deixe, pequeno foguete. Por favor, por favor, não me deixe.
Ember queria confortar esta pessoa. Queria tanto que conseguiu abrir os olhos,
ainda que pareciam fora de foco quando tentou olhar ao redor procurando a fonte.
E isto aumentou sua confusão, porque a outra vida parecia muito a... um
quarto de hospital. As paredes brancas, cortinas penduradas no teto, um forte
cheiro de antisséptico no ar.
Que decepcionante. Porque alguém iria decorar a outra vida como um quarto
de hospital? Honestamente, algumas pessoas não tinham imaginação. Ou talvez
fosse o doente sentido de humor de Deus?
Ou talvez do diabo?
Em todo caso, quem quer que fosse, estava segurando seu braço esquerdo.
—Está acordada!
Este último foi pronunciado com uma tranquila satisfação por Clara, que
estava do lado direito da cama de Ember junto a um sorridente Dante com um
curativo do lado da cabeça. Clara usava um pijama rosa, segurando Peter Parker e
tinha um tudo de oxigênio de plástico, unido a um tanque portátil, sob seu nariz.
Pálida e magra, com olheiras escuras sob os olhos, olhava Ember com a serenidade
de uma Madona medieval.
Quem quer que fosse, alguém sem dúvida, cuidou dela, deveria estar morta.
Talvez fosse o momento de devolver o favor e começar a agradecer pela vida em
vez de desejar outra alternativa.
—Não foi sua culpa. — Disse Allegra, seu rosto redondo franzido. —
Sabemos... — Engoliu e umedeceu os lábios. — Sabemos que foi um monstro
que o fez. Aquele homem. Sabemos que foi ele que... o Papa...
Ela estava tendo problemas para pronunciar as palavras e Anália colocou uma
mão nas costas de sua irmã. Ela parecia tranquila com isso e se endireitou. —Mas
você o matou. Ele está morto, isto é o que importa agora. Ele não pode machucar
ninguém mais.
Seu belo rosto enrugado. Deixou-se cair de joelhos junto a cama e colocou o
rosto em sua barriga, agarrando com tanta força que sacudiu.
Ember foi superada pela emoção. Ela levantou a mão para acariciar seu cabelo
e piscou quando viu que estava envolta em gaze. Como estava todo seu braço
direito.
Engoliu e Rafael o olhou e apertou sua mão. Asher sussurrou. — Tiveram que
fazer uma cirurgia para aliviar a pressão. Pensamos... não sabíamos... os médicos
não tinham certeza se iria se lembrar... se ficaria... que...
Tocou a mão na cabeça e sentiu a pele, estava sem cabelos onde rasparam, uma
fila irregular de pontos de sutura. Cristo. Com o nariz quebrado, a cabeça raspada
e queimadura, provavelmente se parecia com a noiva do Frankenstein.
Christian levantou a cabeça e a olhou fixamente nos olhos. Seus olhos eram
selvagens e abrasadores. — E você? — Perguntou com voz rouca. —Lembra-se?
E ali estava novamente, este aspecto que começou a conhecer tão bem. Seu
olhar era tão intenso e ardente, tão cheio de amor, pensava que poderia iluminar
os dois com o fogo nele. Sentiu uma onda de calor na atmosfera e se inclinou
sobre a cama e a beijou, com paixão, a boca pressionando duro e quente contra a
sua.
Doeu.
—Não preciso descansar, quero falar com todos. — Disse ela, mas saiu
ilegível. Suas pálpebras se fecharam.
Asher estendeu a mão e apertou a mão esquerda dela, disse em voz baixa. —
Até logo, cabeça oca. Eu te amo. — Levou Rafael até a porta. Anália e Allegra se
despediram também, logo Dante e Clara que deu um beijo em sua bochecha e
acrescentou o de Peter Parker.
Ele abaixou a barra de metal do lado esquerdo da cama e deitou-se junto a ela,
movendo os tubos transparentes em seu braço e pescoço com cuidado fora do
caminho, colocando um braço sob seu pescoço e suavemente segurando-a.
Começou a acariciar seu rosto e cabelo, levemente colocando-o para trás. Parecia
prudente, sóbrio e vigilante, como se a qualquer momento pudesse desaparecer
em uma nuvem de fumaça.
—Quanto tempo estou aqui? —Perguntou Ember, aliviada por suas atenções.
Suas pálpebras se fecharam e ela suspirou, cheia de alegria e tranquila.
—Muito tempo. — Sussurrou roçando um beijo leve como uma pluma em sua
testa. — Cinco dias que pareceram como cinco mil. — Riu. — E os médicos estão
cheios da minha presença. Tenho certeza que ficarão felizes ao ver que acordou e
poderão nos enviar para casa.
Ela arqueou uma sobrancelha para ele e disse. — Não fui exatamente paciente
com eles. As palavras dominante e louco foram usadas em mais de uma ocasião.
Seu estômago rugiu alto e Ember reclamou. —Quando foi a última vez que
comeu? — Mal saiu bagunçado.
—Não sei. Não importa. O único que importa é que está nos meus braços
neste momento. — Abaixou a voz. — E se você alguma vez fizer algo tão
estupido, eu mesmo te mato. Não posso viver sem você pequeno foguete.
—Aff.
Ele lhe acariciou um pouco mais até que murmurou. — A Dra. Flores ligou.
Os olhos de Ember se abriram mais. Ela o olhou e ele a olhava com adoração.
Era inútil discutir, ela sabia. Assim que se limitou a assentir e colocou a cabeça
sob seu queixo, entre o pescoço e o ombro. Ela inalou, sentindo o cheiro
maravilhoso de especiarias e pele, pensou em casa.
Deve ter dito em voz alta, porque ele riu novamente e sussurrou. — Onde
quer que estejamos juntos, é nosso lar, anjo. No entanto, se estiver aberta a isto,
gostaria de voltar a Sommerley para que nós três possamos ter um verdadeiro lar.
Leander e Jenna realmente querem conhecer você e quero que os conheça. Todos.
É uma espécie de lenda entre a minha espécie agora, o ser humano que arriscou
sua vida para salvar todos...
—Não por eles. — Ela suspirou em seu pescoço. —Por você. Eu o fiz por
você. A Inglaterra soa bem. Talvez possa te ensinar a dirigir.
Ela sentiu seu peito subir e descer com a profunda exalação. Ele apertou seus
braços ao redor dela e deu-lhe um beijo na testa.
Ainda que sua mente estivesse confusa, pensou em algo e franziu o cenho. Ela
levantou a cabeça e concentrou-se no rosto de Christian. —Nós três? Quer que
Asher venha também?
Seu sorriso era lindo. Engoliu saliva e seus olhos brilharam com lágrimas. —
Não anjo. Sem Asher. Alguém mais. Alguém que você irá adorar muito mais.
Ele moveu a mão de onde estava acariciando seu braço e a estendeu sua grande
palma suavemente sobre seu ventre.
Seus olhos estavam muito abertos, tanto que não podiam se abrir mais.
—Não. — Sussurrou enquanto olhava nos olhos de Christian. —Não é
possível. O acidente... os médicos disseram...
—Está bem? Está sentindo algo? Diga o que fazer, o que precisa.
Relaxou junto a ela, esticou-se como um leão descansando e segurou seu rosto
entre as mãos. Ela o olhou através das lágrimas e disse. — Então nós dois estamos
presos junto, porque nada irá me separar de você. Nada.
Cada um destes homens era um líder entre suas espécies. Cada um era
ambicioso e cada um era frio e sem coração.
Dois deles sofreram lesões graves que os incapacitaram para sempre. Um deles
perdeu uma perna, uma mão e boa parte de sua sanidade ao pisar em uma mina
terrestre. Outro ficou preso na queda de rochas quando um túnel sob o bunker
caiu, mas foi salvo da morte por algumas vigas se aço que se dobraram, mas não
romperam. Sofreu feridas por estilhaço da explosão que provocou o colapso de
um pulmão e danos causado pela inalação de fumaça. Também desenvolveu uma
claustrofobia paralisante por ficar preso na escuridão sob a terra durante horas
antes do resgate finalmente encontrá-lo.
Os dois primeiros levariam meses para se curar de suas feridas, para seguir
adiante com suas vidas como antes, mas levou ao terceiro homem apenas alguns
minutos para se curar e levantar a cabeça, com uma furiosa tosse pela água do mar,
cuspindo como uma chuva.
O primeiro homem fez sua ligação telefônica enquanto era transportado para
o hospital local na parte de trás da ambulância. Ainda que em estado de choque e
sofrendo uma severa perda de sangue, conseguiu convencer os paramédicos a
emprestar um telefone celular e marcou o número que sabia de memória. Não
havia uma pessoa vida no extremo desta ligação, mas uma máquina que recebeu
sua mensagem e que voltaria a se reproduzir mais tarde porque ele tinha a intenção
e os meios para girar as rodas.
O segundo homem ligou para o Vaticano, uma linha particular que apenas
algumas pessoas no mundo sabiam. Quando atenderam o telefone, recitou um
versículo em latim do Evangelho de Pedro. — Seja vigilante, seu adversário o diabo,
ronda como um leão rugindo, procurando a quem devorar.
Ao que uma voz do outro lado da linha respondeu. — Mas nós o derrubaremos
primeiro.