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Diogo Silva
Bocage
I
Diana, é este o nome da mulher que me contou a história que irei narrar.
Conheci-a numa viagem rotineira Faro-Porto, num comboio pendular desgastado do
tempo, oxidado, e de tamanho considerável, tanto no seu comprimento como, também,
na intriga e riqueza de peripécias que absorvi daquela traineira. Diana, era uma mulher
feita, baixa, fina; tinha um cabelo liso, tratado, não em demasia, apenas o aceitável, a
pele branca, macia como seda autêntica; os olhos, azuis cor do céu aberto, do mar, da
aventura; o semblante era terno, doce, intrigante, misterioso quanto baste, mas de um
magnetismo inebriante. Não me interessei pelos detalhes do acessório, ou seja, a triste
paisagem verdejante emoldurada na janela do comboio como, também, pela abundância
de monumentos e historicidade deste país, mas sim pelo enredo.
Estávamos na Primavera. O calor e a verdura despontavam. Uma viagem de
comboio naquela altura era um dos passeios da moda, contudo, é nisto que consiste o
princípio do fim da nossa beleza natural. A degeneração que as novas tecnologias
provocam no “environment” português é imensa em comparação com o benefício que
proporcionam. Se fosse programada numa forma mais racional seria valiosa para a
comunidade. No plano intelectual, ela bloqueia a mente humana. Assim sendo, num
futuro longínquo, pode ir ao extremo de transformar os indivíduos, transformando-os
em seres latentes. Serão privados do senso da rectidão, lealdade e justiça. A natureza é
vítima destes excessos do homem, mas que terão reflexão nele próprio e nos seus.
Diana estava ansiosa por contar a sua história, eu pronto para escutá-la com
atenção devota. Ela tinha em sua posse uns manuscritos de um antepassado seu, Luís
era o seu nome, sendo uma espécie de uma autobiografia deste, juntamente com alguns
rascunhos da sua arte, escrever. Estes tinham passado de geração em geração até às
mãos de Diana. E ela queira partilhar esse seu orgulho com alguém. O acaso decidiu
escolher-me a mim, ou melhor, como dizia Eça de Queirós: “O que não contas à tua
mulher, o que não contas ao teu amigo, vais contar a um estranho numa estalagem”.
**
Na casa de Luís, em Lisboa, faltava algo. Inexistia a necessidade, a ausência de
alguma coisa importante. Tudo sobrava. A sua família era abastada, rica, importante.
Tudo isso não era ganho, conquistado, pelo contrário, era oferecido. Havia um ar pesado
naquela residência. As paredes tinham cores carentes ostentando retratos das gerações
até aí habitantes da mansão. Todas as divisões, que não eram poucas, mostravam as
marcas do tempo. Salas, biblioteca, quartos, suites, banheiros marmorizados, uma
imensidão. Vinte e nove divisões repletas de móveis finos, de empregados trabalhando,
de silêncio comedido. Moravam ali, da família, seis pessoas. Aos pedaços, bem
verdade. Três filhos do primeiro casamento de Pedro, o pai de Luís, um filho só da
primeira mulher, um bebé do segundo casamento. E a esposa actual, da idade dos mais
velhos. Pedro, casara, portanto, duas vezes. A primeira mulher falecera. De desgosto,
diziam, ele não prestava.
Como ele não prestaria com a fortuna que tem? A perfeita felicidade, terá de ser
despida, inteiramente, de todas as paixões; e, nada mais difícil, ou melhor, fácil,
depende. Ao avistarmos uma mulher bonita podemos dizer: aquelas faces murcharão um
dia; vermelhos e lacrimosos se tornarão aqueles olhos; flácidos, cairão aqueles seios, e
aquela cabeça tornar-se-à calva. Isto é, bastar-nos-à imaginar o que será ela no futuro, e
certamente nenhum rosto bonito nos dará a volta à cabeça. Mas não é assim, a
moderação não está ligada ao fenómeno humano. Em vão nos deveriam tentar seduzir
com um bom petisco, ou os encantos da sociedade. Seria suficiente que nos figurasse as
consequências do excesso, mas isso vem com o tempo, com a idade, com a astúcia, não
com o instinto humano. É tudo tão difícil que mérito nenhum há-de consegui-lo. É de
prever.
O que será esta ferida profunda? O ser adulto tem de conservar os seus hábitos
de criança, para não tolher a espontaneidade de se admirar como é; porque o mal só se
apodera do homem quando ele perde a aptidão de portar-se como um menino. Se sente
prazer em pensar, que escreva para estimular o seu espírito crítico e abrir os horizontes
infinitos do pensamento, pois pensar é participar da Literatura Divina. Se almejar a
evolução espiritual, o primeiro passo nessa direcção, é refrear a gula; assim, aliviará as
suas pernas do peso que têm se suportar e deixará seu ser um total menos material e
mais psíquico. E simultaneamente, ficará convencido de que, cada indivíduo tem a
prerrogativa de achar no seu âmago, tudo aquilo de que necessita, evitando assim pedir
ajuda àqueles que são iguais a ele, logrando êxito sozinho. A excepcional prova de amor
que aqueles que se amam podem dar um ao outro, são os laços da ternura. E sem
meandros lhe será ensinado que um acto heróico resultante em morte, é menos ecoador
do que o heroísmo festejado em vida. Portanto, ninguém se deve preocupar em agradar
ao mundo, consciente de que está desagradando a Deus.
Depois deste desgosto amoroso, um entre inúmeros, Luís cada vez se interessava
mais pelo abstracto, pelo invisível, pelo sentido, não tocado, pelo espiritual, sentimental.
Interessava-se, sobretudo, pelo amor. As ideias petrarquistas tocaram-lhe
particularmente. A oposição entre o amor platónico e o amor carnal serviu de inspiração
para muitos versos na tentativa de explicar o inexplicável.
Luís tinha um modo muito especial de encarar o ser das coisas, tal como o
filósofo Platão. Para ele, as coisas não têm ser, já que o verdadeiro existir está nas ideias
e elas não estão acessíveis ao conhecimento directo, não estão no mundo. Contudo,
podemos de algum modo ter uma aproximação a essas imagens pois elas estão dentro de
nós através da alma. A existência humana resulta, pois, da queda de uma alma de
procedência divina que já tivesse contemplado essas ideias. O homem parte dos factos,
não para quedar-se neles, mas sim para que lhe provoquem uma recordação ou
reminiscência das ideologias contempladas noutro mundo. Conhecer não é ver o que
está por fora, mas o contrário: recordar aquilo que está dentro de nós. As coisas são um
estímulo para que nos afastemos delas e nos elevemos até às ideias. Os factos são
sombras das reminiscências. Sombras, essas, que são sinais das coisas, sinais que nos
tornam possível a sua presença. Luís distingue duas grandes regiões do real: o mundo
sensível (o das coisas) e o mundo inteligível (das ideias ou arquétipos), ou seja, existe
um dualismo cosmológico que simboliza o pensamento platónico. Estas duas regiões do
real podem-se unificar numa só em virtude da intervenção humana com a sua alma. A
alma é o único elemento capaz de contemplar os dois mundos e estabelecer a relação
entre eles. Outra característica do pensamento platónico é a crença na vida eterna da
alma, isto é, que ela não morria com o corpo. Ela encarnava no homem para, com muito
esforço e sofrimento, adquirir maior virtude e conhecimento. Isto para que a alma tenha
maior capacidade para contemplar o mundo inteligível. Este processo é crescente até ao
objectivo final que é ficar para sempre no mundo das ideias.
Luís comungava do amor platónico mas não excluía o seu oposto, o amor carnal
de Aristóteles. Ele entendia que o problema do desejo associado ao amor se resolveria
pela identificação da amada pela imaginação. Contudo, o desejo persiste dado que o
“amor ideal” é apenas um acidente, ou seja, não é consubstancial e está presente apenas
no pensamento. Para Luís, estas ideias ajudavam-lhe a perceber melhor o amor pois,
para ele, o “amor espiritual” não pode descansar em si, ou seja, tem de buscar uma
forma de se realizar, a satisfação do desejo, através da “carne”.
E foi por esta eterna dúvida que Luís partiu do seu “mundo sensível” para ir para
um outro mundo, o “inteligível”. Depois do desgosto amoroso provocado por Ana, ele
decidiu fazer uma evasão e alistou-se na armada portuguesa que ia de partida para uma
nova terra descoberta, rica de promessas e oportunidades. Não as deixou escapar, e
partiu em busca de um futuro diferente. Os pais, a família, ninguém foi avisado, nem ele
queria que fossem. Afinal, não faziam tão parte da sua vida para além da partilha do
mesmo sangue. Queria morrer por uns tempos. E assim foi.
Diz-se que é preciso pensar um pouco no dinheiro pois é indispensável para
conseguir conforto e tranquilidade perante as dificuldades da vida. Luís não pensava
assim. Os seus desejos eram moderados, a sua riqueza foi esquecida por uma aventura.
Tinha que viver independente e essa era a maior das bênçãos. Nunca se encontrou na
cruel necessidade de bajular a corte. Todavia, isto não era fácil de conseguir. Tinha
alguns amigos e conservou-os, pois faziam-lhe diferença; não levava a mal o que eles
diziam ou faziam, e da mesma forma se comportavam eles consigo. Comoveu-se por
esta despedida. Era forte a sua deliberação de não se deixar levar por tais emoções. O
desgosto que no rosto dele se estampava assim o dizia. No entanto, tinha o consolo do
dever que estava a ser cumprido, e o seu caminho aberto. E então, a adorável criatura
partiu com ar de grande simplicidade, e de maneira afectuosa, da manha com que a
despojara ele de seus bens imaginários, e das violências que fingiu sofrer.
**
Luís caminhava só, quando avistou a costa ao longe, a desaparecer. Ficou a
contemplá-la por um longo tempo. Perguntava o que fazia ali, porque desafiava assim o
destino. Implorava às ninfas para não o impedirem de continuar o caminho. Este era
apenas dele, e a sua evolução em nada as prejudicava. Como resposta, apenas um
silêncio. Frio, seco. Pensou então que tudo bem, elas faziam mesmo parte da estrada, e
iria continuar, não era o caso de renunciar. Animou-se com a ideia de que estradas sem
pedras não levam a lugar nenhum, e elas iriam aparecer, quando o Luís menos contar.
Enquanto retomava o seu caminhar e a brisa marítima de fim de tarde atingia as suas
narinas, sentiu o seu coração, porque agora sentia-se temeroso. Seus passos eram mais
lentos, evitando levantar a cabeça do chão mas nem sempre conseguindo. Temia o
inesperado indefinido. Atrás dele, apenas marcas no caminho que desaparecia. Não
poderia nunca mais ignorar o que o cercava. Não conseguiu, e seguiu assim, perdido,
indo sempre, indo por ir, sem saber nem para onde, sem entender muito bem porque
precisava passar por tudo aquilo, só sabendo que precisava passar, precisava chegar,
num lugar onde talvez se encontrasse a si mesmo.
Luís estava bem, estava só, o olhar perdido no vazio de si mesmo, sentado no
alto da proa, os pés desaforando o chamamento que vinha do mar. Sentindo o toque
suave do vento a acariciar seus cabelos ondulados, tentando afugentar pensamentos
maus. Dali julgava ver quase todo o mundo, e pensava em como toda a imensidão tem
um fim, assim como a vida, como a graça das coisas, como o livre arbítrio. Fazia versos
sobre tudo isto. Uma epopeia marítima, heróica. Assim se entretinha. Estava cansado. A
viagem estava a mostrar-se longa, cheia de mistérios e emboscadas. Tempestades,
doenças, frio, rotina. A erosão do tempo começava a ter efeito, querendo, por algum
motivo, barrar o seu avanço. Não entendia. Nunca quisera mal ao fado das ninfas,
jamais o tinha considerado como inimigo. Mas elas não adoptavam outra postura,
pareciam não ter outro objectivo. Julgou que alguém o chamava. Mas não via um vulto
sequer além da própria sombra escondida num lado oculto ao seu redor. Quis dizer,
então, que não precisava de ninguém, que estava bem assim, daquele jeito, quieto para
não se trair, inerte para não mais se expor ao que lhe parecia sem sentido. Não precisava
de nenhuma mão para levantar e seguir, não queria nada de ninguém. Evita as soluções
e as conclusões, os problemas e as explicações. E tudo se tornaria passageiro, como a
tempestade que lhe surpreendera no caminho, dando ares de tão eterna quanto intensa,
apavorando o seu íntimo até passar. Depois do agora chegará sempre o depois, e jamais
serão iguais.
Parecia não haver outra forma de conhecimento. Tudo vinha através da dor. Mas
não precisava ser assim. Novamente o chamamento, agora bem mais nítido. Veio com a
brisa e tocou a sua face. Um lamento distante, um gemido. Então, Luís pensou que tinha
sido egoísta, um ser sofria ao alcance do seu coração. Alguém precisava de ajuda. É
estranho como neste mundo se coloca a própria dor sempre à frente das outras, como se
fosse mais importante. Não poderia ficar parado. E quando o canto ficou mais forte,
teve a certeza de que havia algo a ser feito, agradava-lhe ver um par de olhos que brilhe
com a sua chegada e chore felicidades pela sua vitória. Que precise de nós na alegria e
dificuldade. Um motivo para viver. Então Luís saltou ao mar, que se eriçava
prometendo engolir tudo. Chovia desalmadamente, o vento destemido, levava tudo
consigo. Mas, ainda possuía o livre arbítrio, sim, na verdade talvez todos o possuíssem.
Deus dava os caminhos, as almas escolhiam o que seguir. A água gelada e o medo da
queda. Procurou o náufrago. Uma busca interior incessante, infinita, mas o canto que
ouvira era o da sua alma gémea, sabia disso. Poderia morrer ou matar por isso. Poderia
desistir ou lutar. Bastava ser ele mesmo. Continuou a perseguir a voz que ele julgava vir
de dentro do seu próprio peito.
**
Luís é um pensador. O seu raciocínio intelectual transpira arte, cultura, simetria.
Este seu pensamento coordena as suas diversas actividades e não se contenta em crer em
valores com que está comprometido e que o orientam, mas sem poder compreendê-los.
Ajuda-o a perceber os valores em que está inserido e evita o caminhar sem saber para
onde se vai e o quanto se ganhará com isso. Este é um atributo bastante característico de
Luís, mas que é transformado por ele em arte pura, nomeadamente na forma como o
coloca no papel escrevendo.
Luís é um inconformado. As suas questões acerca da nossa origem, da nossa
essência, a formação do mundo, o sentido da vida…são perguntas que a maioria não
coloca devido à sua complexidade, mas que ele continua a pôr sem temer os obstáculos
inerentes.
Luís é um artista. Ele é um “peregrino em busca da verdade”. Tem uma incrível
capacidade para se surpreender, tornando a realidade incompreensível, enigmática e
misteriosa. Vai ao último porquê das coisas. Indaga a sua natureza íntima e a sua razão
de ser. Assume uma atitude livre. Livre para pensar, livre para agir de acordo com
aquilo que pensa. É sensível a tudo o que o rodeia, não agindo com indiferença e
alheamento, que se manifesta na sua admiração e interrogação acerca dos problemas do
Homem e da sua história.
É um nacionalista por excelência. Não cai num individualismo exacerbado. Se
assim fosse, viveria suspenso na falsidade de um real utópico, completamente alheado
das coordenadas existenciais em que decorre a vida do homem concreto. Isto pode
acontecer por vezes na sua personalidade, contudo, é apenas, um sonhar mais alto, uma
evasão. Luís é um ser histórico, um ser enraizado, um ser em situação, ou seja, um ser
que vive numa circunstância definida por um ‘aqui’ e um ‘agora’ que lhe sugerem os
parâmetros dentro dos quais se move o seu pensamento e se desenrola a sua acção. E
esses parâmetros são a prosperidade portuguesa vivida durante os séculos XV e XVI e
está-lhe intrinsecamente ligada pois irá ser um dos participantes activos num desses
processos. Identifica-se, portanto, com os ideais da sua nação e eleva-os ao sublime, ao
supremo.
Luís é um ser no tempo, integrando o passado de que emerge e projectando-se
no futuro para que caminha.
**
Agarrou Jorge, era este o nome do socorrido, pela mão, impedindo que este
fosse ao fundo e evitando o pior. Salvou-o e trouxe-o para a embarcação onde passou a
ser mais um tripulante. Tornou-se num grande amigo de Luís. A melhor amizade que
alguma vez tinha tido. Deu um novo alento à sua vida. Sentia ter feito a coisa mais
importante da sua vida. Estava terrivelmente enganado.
Luís era de todos, o que mais havia de sofrer. Nele julgava residir as almas de
todos aqueles homens, que deram todo seu tempo, treino e vida, para o bem da
humanidade e foram levados no meio de um turbilhão dos deuses, e que sem explicação
partiram, vivendo apenas na história. Se pudéssemos pesar, ou medir, os actos dos seres
humanos, como se analisássemo-nos num espelho, será que gostaríamos do que
veríamos? Será que todas as mudanças, todas as mortes valem a pena, ou será que se
perderam em meio de nada? Será que chegará um momento que não haverá sombras em
nossos reflexos?
Foi aí que Luís conheceu as outras pedras que a estrada escondia. Afogado em
suas próprias lágrimas, náufrago em seu próprio oceano de dúvidas, desespero e solidão,
quis voltar. Quis ser anjo novamente, quis ser moço outra vez, sentia-se desprotegido.
Ainda tinha uma última chance. A derradeira. Não podia falhar. E o mundo jamais seria
tão simples como no início.
As ondas do mar levaram-no a terra, heroicamente. Luís nadou apenas com um
braço, levando no outro a sua grande epopeia ainda incompleta. Susto destes pode ser
comparado a um outro que tinha sofrido em Ceuta, anos antes, e que lhe subtraiu um
olho. Com um olho e um braço fez-se campeão de todos os portugueses, para sempre.
A deusa Vénus tinha ouvido as suas preces. Baco tinha sido desfeiteado. Era a
vitória de Portugal, da Pátria, de Vasco da Gama, de Os Lusíadas. Dedicou a obra a
todos os portugueses, esse povo brioso e nobre, mas especialmente a D. Sebastião, o
então Rei. Este ficou deleitado com a genialidade da epopeia comparável, ou até
superior às de Homero e Virgílio. A essa obra juntou numerosos vilancetes e poemas
que o eternizaram. Tornou-se no grande poeta português, unanimemente reconhecido.
Voltou a Portugal. Encontrou uma terra próspera e abastada, mas triste. Imensas
famílias tinham-se desfeito. A ambição pela riqueza fácil, o dinheiro, havia corrompido
a sociedade. A família de Luís, não tinha paradeiro. Estava sozinho, afinal o caminho
para que sempre tendem os génios, incompreendidos. Uma face em constante
movimento e em desenhos entrelaçados, foi isso que imaginava encontrar depois de
todo esse tempo. E de certo modo até era dessa maneira, mas à sua maneira. O vento
soprava. Não tinha onde dormir. A corte tinha ficado com todos os lucros das suas
obras. Vagabundeava. Olhava para o chão para não tropeçar na calçada quebrada,
pegava num papel para escrever uns rascunhos do que lhe ia na alma, era isso que o
mantinha vivo. Andava e observava, tinha desgosto, tinha raiva. Não comunicava.
Alimentava-se das recordações, e quão belas elas eram. Lindos pensamentos sugestivos,
prontos para serem apreciados. Queria fechar-se e ficar para sempre naquele outro
hemisfério, era o ideal. A estrada agora era outra, e o caminho também.
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O nome real de Luís é: Luís Vaz de Camões. O maior poeta e escritor português
de todos os tempos. A sua obra-prima foram Os Lusíadas, uma epopeia marítima
dedicada aos Descobrimentos portugueses de que fez parte activamente e, também, à
heroicidade da pátria portuguesa. Era também, um filósofo e um pensador actualizado
sobre todo o real. Isso serviu-lhe de inspiração para numerosos poemas, demonstrando
todas as inegáveis e ímpares qualidades e capacidades. Fascinava-o um sentimento
particular, o amor. Esse sentimento contraditório que comanda a vida. Não invejava
ninguém, logo todos o invejavam. Desapareceu do mundo levando com ele desgostos,
desilusões, mas também um enorme orgulho, o de ser português.
Fim
“Que fazendo que, mais que a de Medusa,
A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante,
De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aquiles ter inveja”
Luís de Camões