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Dmitri Shostakovich
(1906–1975)
Sinfonia n.13 em si bemol menor, op.113 (1962)
"Babi Yar"
Poemas de Yevgeny Yevtushenko
(1933–2017)
I. Babi Yar
(um barranco localizado em Kiev, capital da Ucrânia)
Não há monumentos em Babi Yar;
apenas um declive íngreme, como tosca lápide.
Sinto medo. Hoje, estou tão velho
quanto toda a raça judia.
Parece-me que agora sou judeu.
Eis que estou vagueando pelo antigo Egito.
E aqui, sobre a cruz, estou morrendo, torturado
e ainda carrego as marcas dos pregos.
Parece-me que Dreifus sou eu mesmo.
O filistinismo é meu informante e juiz.
Estou atrás das grades. Cercado e imobilizado;
envenenado, cuspido, caluniado.
E as damas com seus babados de Bruxelas,
gritando, espetam guarda-chuvas em meu rosto.
Eu me vejo como um menino
em Bielostok.
O sangue se derrama escorrendo no chão,
os chefes de botequins furiosamente desimpedidos.
E cheirando a vodca
e cebola partida ao meio.
Eu, repelido por uma bota, impotente estou;
em vão imploro à turba do pogrom,
Zombarias de ‘Morte aos Judeus e salvem a nossa
Rússia!’ Minha mãe é golpeada por um balconista.
Oh! Meu povo russo, eu sei que
Tu és internacional, por essência.
Mas muitas vezes aqueles, cujas mãos são sujas,
abusaram de seu puro nome.
Conheço a bondade da tua terra.
Quão vis, sem estremecer uma veia,
Os antissemitas se autodenominavam pomposamente
“União do Povo Russo!".
Parece-me que sou Anne Frank,
transparente, como o mais fino galho em abril.
E estou apaixonado e não preciso de frases,
mas somente que contemplemos um ao outro.
Como se pode ver pequeno e até mesmo sentir!
Folhas são proibidas, assim é o céu,
Mas muito é permitido – isto é gentil
Nos quartos escuros, abraçar um ao outro.
– ‘Estão vindo pra cá!’
– Não se assuste – são só sons da própria primavera.
Ela está chegando. Venha até mim.
Dê-me depressa os lábios seus!
– ‘Estão derrubando a porta!’
– ‘Não, é o gelo do rio quebrando…’.
O capim selvagem farfalha sobre Babi Yar;
as árvores olham com severidade, como se julgassem.
Aqui, em silêncio, tudo grita e, tirando o chapéu,
sinto que lentamente me torno grisalho.
E eu, como um longo grito sem som
sobre os milhares de milhares de sepultados,
Sou cada ancião aqui executado,
e sou cada criança aqui assassinada.
Nada dentro de mim
esquecerá isto.
Que a ‘Internacional’ troveje e ressoe
Quando, de uma vez por todas, for enterrado
o último dos antissemitas desta terra.
Não há sangue judeu
em meu sangue.
Mas, odiado com paixão corrosiva,
sou para os antissemitas como um judeu.
E é por isso que sou
um verdadeiro russo!
II. Humor
Czares, reis, imperadores,
governantes de todo o mundo...
...comandaram desfiles,
mas não conseguiam comandar o humor.
Nos palácios dos grandes, passando
os dias reclinados elegantemente,
Esopo, o vagabundo, apareceu
e todos pareceriam mendigos.
Nas casas onde um hipócrita havia deixado
as suas miseráveis ​pequenas pegadas,
As piadas de Mullah Nasredin demoliriam trivialidades
como peças de um tabuleiro de xadrez!
Queria comprar humor,
mas ele não pode ser comprado!
Eles queriam matar o humor,
mas o humor mostrou-lhes o dedo.
Lutar como ele é uma tarefa difícil.
Eles nunca pararam de executá-lo.
Sua cabeça decepada estava presa
na lança de um soldado.
Mas assim que a flauta do palhaço
começou a tocar...
Ele gritou:"Estou aqui!“
e pôs-se em uma dança alegre.
Vestindo um sobretudo surrado, abatido e
aparentemente arrependido,
Pego como prisioneiro político,
ele foi para sua execução.
Tudo nele demonstrava submissão,
resignação com a vida sobrenatural,
Quando de repente ele tirou a mão
do casaco acenando e – tchau!
Eles esconderam o humor nas masmorras,
mas não tinham a menor esperança.
Ele passou através de grades
e paredes de pedra.
Limpando a garganta de um resfriado
como um soldado russo.
Caminhava sob uma canção popular
marchando com um rifle até o Palácio de Inverno.
Ele está bastante acostumado
como olhares sombrios,
eles não o preocupam nem um pouco, e de vez em
quando o humor olha para si mesmo com humor.
Ele é eterno. Eterno!
Ele é astuto. Astuto!
E rápido... E rápido!
Ele passa por tudo e por todos.
Então, três vivas pelo humor!
Ele é um sujeito corajoso!
III. Na loja
Algumas com xales, outras com lenços,
tanto para uma façanha, quanto para trabalhar,
entrando na loja, uma por uma,
as mulheres vêm silenciosamente.
Oh, o barulho de suas latas,
o barulho de garrafas e panelas!
Há cheiro de cebola, pepino,
cheiro de molho Kabul.
Estou tremendo, esperando na fila do caixa,
mas, à medida que me movo até ela,
Da respiração de tantas mulheres,
um calor se espalha pela loja.
Eles esperam em silêncio,
os deuses bondosos de suas famílias,
E em suas mãos apertam
o seu dinheiro suado.
Estas são as mulheres da Rússia.
Elas são nossa honra e julgamento.
E elas misturaram concreto
e araram e ceifaram…
Elas suportaram tudo.
Elas suportarão tudo.
Tudo no mundo está ao seu alcance
- quanta força elas receberem!
É vergonhoso enganá-las!
É pecado diminui-las!
E, pondo bolinhos no bolso, observo silenciosamente
suas mãos piedosas cansadas ​de carregar suas sacolas.
IV. Medos
Os medos estão morrendo na Rússia,
como os fantasmas de anos passados;
...só nas varandas das igrejas, como as velhas,
aqui e ali eles ainda imploram por pão.
Lembro-me de quando eles eram poderosos e
poderosos na corte da mentira triunfante.
Os medos deslizavam por toda parte,
como sombras, penetrando em todos os andares.
Eles subjugaram furtivamente as pessoas
e deixaram sua marca em todos:
quando deveríamos ter ficado calados, nos ensinaram a
gritar, e a calar-se quando deveríamos ter gritado.
Tudo isso parece remoto hoje.
É até estranho lembrar agora.
O medo secreto de uma denúncia anônima,
o medo secreto de uma batida na porta.
Sim, e o medo de falar com estrangeiros?
Estrangeiros?... até para sua própria esposa!
Sim, e aquele medo inexplicável de ficar,
depois de uma marcha, sozinho com o silêncio?
Não tínhamos medo de obras durante nevascas,
ou de entrar em batalha sob fogo de artilharia,
mas às vezes tínhamos um medo mortal
de falar consigo mesmo.
Não fomos destruídos
nem corrompidos,
e não é à toa que agora a Rússia, vitoriosa sobre os
seus medos, inspira maior medo nos seus inimigos.
Vejo novos medos surgindo:
o medo de ser infiel ao seu país,
o medo de degradar ideias desonestamente,
que são verdades evidentes;
o medo de se vangloriar até o estupor,
o medo de repetir as palavras de outra pessoa,
o medo de humilhar os outros com desconfiança
e de confiar demais em si mesmo.
Os medos estão morrendo na Rússia.
E enquanto escrevo estas linhas,
às vezes com pressa involuntária,
Escrevo assombrado pelo único medo
de não escrever com todas as minhas forças.
V. Carreira
Os sacerdotes continuavam dizendo que Galileu era
perigoso e tolo. (Aquele Galileu foi tolo...)
Mas, como o tempo mostrou,
o tolo era muito mais sábio!
Um certo cientista, contemporâneo de Galileu,
não era mais estúpido que Galileu.
Ele sabia que a terra girava,
mas tinha uma família.
E sentando-se em uma carruagem com sua esposa
depois de realizar sua traição,
ele achava que estava progredindo em sua carreira,
mas na verdade a havia destruído.
Por sua descoberta sobre nosso planeta Galileu
enfrentou o risco sozinho,
e tornou-se um grande homem.
Agora é isso que entendo por carreirista.
Então, três vivas para uma carreira,
quando se trata de uma carreira, como a de
Shakespeare ou Pasteur, Newton e... Tolstoi
...e Tolstoi.
- Lev? - Lev!
Por que eles atiraram lama neles?
Talento é talento, seja qual for o nome que você dê.
Foram esquecidos aqueles que lançaram maldições,
mas são lembrados os que foram amaldiçoados.
Todos aqueles que lutaram pela estratosfera, os
médicos que morreram de cólera,
eles estavam seguindo carreiras!
Tomo a carreira deles como exemplo!
Acredito na crença sagrada deles,
e a crença deles é a minha coragem.
Faço a minha própria carreira
de uma forma que não a faço!
Tradução: Antonina Minenkova @russodescomplica
Revisão: Irina Kazak e Otávio Simões
FIM

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