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O PIOR DOS MALES

VASO CHINÊS
(Albeto de Oliveira)
(Albeto de Oliveira)
Baixando à Terra, o cofre em que guardados
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o. Vinham os Males, indiscreta abria
Casualmente, uma vez, de um perfumado Pandora. E eis deles desencadeados
Contador sobre o mármor luzidio, À luz, o negro bando aparecia.
Entre um leque e o começo de um bordado.
O Ódio, a Inveja, a Vingança, a Hipocrisia,
Fino artista chinês, enamorado, Todos os Vícios, todos os Pecados
Nele pusera o coração doentio Dali voaram. E desde aquele dia
Em rubras flores de um sutil lavrado, Os homens se fizeram desgraçados.
Na tinta ardente, de um calor sombrio.
Mas a Esperança, do maldito cofre
Mas, talvez por contraste à desventura, Deixara-se ficar presa no fundo,
Quem o sabe?... de um velho mandarim Que é última a ficar na angústia humana…
Também lá estava a singular figura; Por que não voou também? Para quem sofre
Ela é o pior dos males que há no mundo,
Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Pois dentre os males é o que mais engana.
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.

MAL SECRETO

(Raimundo Correia)

Se a cólera que espuma, a dor que mora


N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,


Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo


Guarda um atroz, recôndito inimigo
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,


Cuja aventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
A LEOA
(Raimundo Correia)

Não há quem a emoção não dobre e vença,


lendo o episódio da leoa brava,
que, sedenta e famélica, bramava
vagando pelas ruas de Florença.

Foge a população espavorida


e, na cidade deplorável e erma,
topa a leoa só, quase sem vida,
uma infeliz mulher débil - e enferma.

Em frente à fera, no estupor do assombro,


não só por si tremia, ela, a mesquinha,
porém, porque era mãe e o peso tinha,
sempre caro pras mães, de um filho ao ombro.

Cegava-a o pranto, enrouquecia-a o choro,


desvairava-a o pavor!...e entanto, o lindo,
tenro infante, pequenino e louro,
plácido estava nos seus braços rindo.

E o olhar, desfeito em pérolas celestes,


crava a mãe no animal, que para e hesita
àquele olhar de súplica infinita,
que é só próprio das mães em transes destes.

Mas a leoa, como se entendesse


o amor da mãe, incólume deixou-a...
- É que esse amor até nas feras vê-se!
E é que era mãe, talvez, essa leoa!

ORA DIREIS OUVIR ESTRELAS


(Olavo Bilac)
Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.
A velhice
(OLAVO BILAC)
O neto:
Vovó, por que não tem dentes?
Por que anda rezando só.
E treme, como os doentes
Quando têm febre, vovó?
Por que é branco o seu cabelo?
Por que se apóia a um bordão?
Vovó, porque, como o gelo,
É tão fria a sua mão?
Por que é tão triste o seu rosto?
Tão trêmula a sua voz?
Vovó, qual é seu desgosto?
Por que não ri como nós?
A Avó:
Meu neto, que és meu encanto,
Tu acabas de nascer…
E eu, tenho vivido tanto
Que estou farta de viver!
Os anos, que vão passando,
Vão nos matando sem dó:
Só tu consegues, falando,
Dar-me alegria, tu só!
O teu sorriso, criança,
Cai sobre os martírios meus,
Como um clarão de esperança,
Como uma benção de Deus!

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