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O

ESPELHO
Roteiro de Coelho De Moraes

TRATAMENTO 2020

Com base na obra de Manuel Mujica Lainez - Simon del Rey (judeu,
português que finge ser espanhol, rosário na munheca, sotaque
errado, persignações constantes, sem motivo, agiota, (tem ciúmes
da mulher), Visitante, Dona Gracia (Mulher bonita, fidalguia
discutível, seu dinheiro em dote aumentou as riquezas do marido,
mais jovem, sensual), Emissário (meio galã), Juan de Silva
(amigo do Simon), Soldados (representantes do governador, Juiz
(autoritário)
1.

CENA 1
INT. ESCRITÓRIO RESIDENCIAL. MEIO RURAL. DIA
SIMON observa a mulher, DONA GRACIA, em seus afazeres. SIMON
Conversa com um visitante ou cliente que, de vez em quando,
olha a mulher de SIMON, também, e recebe um olhar desconfiado
de SIMON.

SIMON
Não gosto de falar sobre minha linhagem
real...
daí vem meu nome...
d’el Rey, mas...
para não cair em pecado de...
vaidades...

SIMON continua a escrever em cadernos ensebados. Usa luvas


de meio dedo.

Dos judeus...
só me interessa o pano.

VISITANTE
O que?

SIMON
O pano...
os tecidos que trazem para vender.

Simon olha desconfiado para os lados como se esquece de algo


e se persigna intensamente, três vezes.

Boas roupas, alfaias e mantos.


Roupas espetaculares de Europa.

CENA 2
INT. QUARTO DE SIMON. NOITE.
É uma residência rural com ares de pouco luxo. Só o essencial
e antigo. Escapulários e santos. GRACIA dorme. O quarto
parece um altar, com velas. SIMON, com o terço na mão, tenta
escutar o que GRACIA fala enquanto dorme. GRACIA diz nomes...
SIMON a acorda.

SIMON
Quem é Diego? Quem é esse Gonçalo?

SIMON beija o terço.

GRACIA
Do que é que você está falando, marido?
2.

GRACIA ajusta o travesseiro.

Estou tentando dormir.

SIMON
Quem são essas pessoas?
Diego e Gonçalo...

GRACIA
Por que quer saber isso agora?

GRACIA se vira para outro lado.

SIMON
Quem são esses homens?

GRACIA
Eu tenho um primo...
que se chama Diego.
Vivia em nossa casa.
Não sei o que aconteceu com ele.
Um dia sumiu na guerra.
Nunca mais o vi.

SIMON
E o outro?

GRACIA
Que outro?

SIMON
Gonçalo e não sei mais quê?

GRACIA
Sorri com a lembrança.

Gonçalo era meu tio... pai de Diego.


Certamente eu sonhava com eles,
não lhe parece?

GRACIA volta a dormir. SIMON se levanta.


Vai ao escritório contar moedas e pensar.

CENA 3
EXT.VARANDA DA CASA. RUA DE TERRA. DIA

Um EMISÁRIO se aproxima. Apeia do cavalo para falar e


cumprimentar SIMON que está na varanda.

EMISSÁRIO
3.

Trago boas notícias,


Sr. Simon d’el Rey.

SIMON
Abre a boca e desembucha.
O que ocorre pelo Chile?

EMISSÁRIO
Seus negócios estão caminhando muito
bem...
do outro lado da Cordilheira dos Andes.
Trago um presente...
do seu sócio chileno...

SIMON
O velho Leon...

EMISSÁRIO
Sim, o velho Leon...
ele manda esse presente.
Um regalo de alto valor...

O EMISSÁRIO descobre o presente que envolto em pano.


Entrega o presente ao SIMON, dentro da casa, um grande
espelho que brilha.

SIMON
Um espelho!

EMISSÁRIO
Um espelho... veneziano!

SIMON
Belo espelho!

SIMON o observa atentamente.

Viajou em lombos de mula...


passou por desfiladeiros traidores...
sem sofrer dano algum?

EMISSÁRIO
Tivemos todo o cuidado...
uma ordem do Sr. Leon.

SIMON
Grita para dentro.

Dona Gracia! Venha ver.

EMISSÁRIO
4.

Sr. Leon dizia que o metal do espelho


tem viajado por metade do mundo!

SIMON
Dona Gracia, venha ver.
Um presente...

EMISSÁRIO
Diz ele que o primeiro metal do espelho
foi trazido por nada mais nada menos
que Marco Polo...

SIMON
Provavelmente...
Em uma de suas viagens à Índia ou
China...

Grita.

Dona Gracia! Se faz o favor?

GRACIA já se aproxima, limpa a as mãos em uma toalha de pano,


faz reverência com a cabeça ao EMISSÁRIO e fica deslumbrada
com o espelho. GRACIA olha o espelho e olha o EMISSÁRIO. Há
uma troca de olhares e sorrisos e cumprimentos entre os dois.
GRACIA se vê no espelho. Arruma os cabelos. Passa a língua
nos lábios. No reflexo ela está mais sensual, arrumada, bem
vestida do que na realidade imediata. O marido e o EMISSÁRIO
aparecem também por detrás dela. Há névoa e fumaça. Um certo
embaço. Somente Gracia está no foco.

GRACIA
Não estou vendo bem.

Mira-se e se move, fingindo e gostando.

EMISSÁRIO
É um espelho antigo... está claro...
mas previno ao meu amo...
que é nisto que reside o seu maior
mérito.

SIMON
Sim.. sim... claro...
muito formoso e... muito antigo...

Fala como se fosse conhecedor de coisas antigas.

Tem muitos méritos...


Talvez seja bem valioso.
5.

EMISSÁRIO
E... quanto mais antigo...
mais requisitado, mais valioso...
isso mesmo, Sr. Simon.

O EMISSÁRIO dá uma olhada em GRACIA.

Eu... se fosse o senhor...


Já o guardava.

SIMON concorda.

SIMON
GRACIA,
sirva o emissário de alguma coisa.

SIMON sai, carregando o pesado espelho.

SIMON
Muito mais valioso...

CENA 4
INT. QUARTO DE SIMON. DIA
O quarto. Luz coada pela janela ou veneziana. Luz atravessa
a cortina. O espelho. Travelings curtos pelo quarto. SIMON
entra no quarto. SIMON coloca o espelho em frente à sua cama,
entre pinturas de santos e estátuas de Jesus. Curioso. SIMON
se coloca frente ao espelho e se assombra, se persigna e sai
correndo do quarto. Repetem-se os travelings, como de retorno
à porta.

CENA 5
INT. QUARTO. NOITE
SIMON dorme ao lado da mulher GRACIA. Repentinamente acorda.
O espelho. Imagens alternadas entre ele e o espelho,
travelings curtos. Câmera se aproxima lentamente do espelho
a cada tomada. Há movimentos de vórtices no vidro do espelho.

SIMON
(Voz off)
Que demônio se passa com esse espelho?
Leva um tempo para mostrar a imagem.
Isso não pode ser...
é uma coisa fantástica.

SIMON se levanta lentamente preocupado em não acordar


GRACIA.
6.

Tenho a impressão de que a imagem que


ele copia não é a do meu quarto.
Parece outro aposento.
Outro lugar.

SIMON mais se aproxima do espelho.

Parece que...
outras pessoas habitam as imagens.

SIMON olha para o espelho e vê que atrás de si outras pessoas


passam pela imagem, vê que sua mulher limpa os objetos da
sala, mas, há mais gente ali. De vez em quando SIMON se volta
e vê o quarto, como é, na noite, silêncio de sono; olha
novamente para o espelho e as conversas do dia a dia estrão
lá. SIMON se volta assustado, e, só vê a mulher deitada.
Retorna a olhar para o espelho, mas, tudo está normalizado.
SIMONS se vê olhando o espelho com imagem normal.

CENA 5
INT. ESCRITÓRIO DE SIMON.
Simon no escritório assina papeis, conta moedas.
Aparece DONA GRACIA.

GRACIA
Simon...
acho que esse espelho está embruxado.
Parece enfeitiçado.

SIMON
Rude.

E por que?

GRACIA
Porque hoje eu vi nele uma coisa...
que não é de hoje.
Mas era de ontem!

SIMON
Já disse para você não me atrapalhar
durante o meu trabalho.
Não quero que contrarie minhas ordens.
Não posso perder meu tempo com
assuntos... sem importância.

SIMON está meio em dúvida, na verdade.

Você está ficando boba, mulher?


7.

SIMON fixa sua visão em algum ponto da sala, meio que


perdido, segurando firme contra o peito os livros de
contábeis. Resolve ir ao quarto, no corredor, sob observação
de GRACIA, anda na ponta dos pés e meio temeroso enfrenta o
espelho que lhe devolve sua imagem normal. SIMON bufa, dá de
ombros. Se volta para GRACIA.

Tenho problemas maiores.


Ah!
Terei que sair de casa...
por uns dez dias.

GRACIA
Mas, por que?

SIMON
Tenho que viajar...
para receber a fazenda que me coube por
pagamento de uma certa dívida.

GRACIA
Mais terras.

SIMON
Mais...
O CASAL se olha.

Mais terras para nossa riqueza.

Fixam seus olhares. SIMON tenta descobrir algo no olhar de


Gracia e vice-versa.

Tenho que fazer os inventários,


assinar papeis.
Coisas que somente eu posso fazer.
Você não tem cabeça para isso.
E é necessário fazer tudo agora pois
para nós, portugueses, os ventos estão
soprando na direção de uma tempestade.

GRACIA
Explique-se.

SIMON
Apesar de achar que já me consideram
castelhano velho e dependendo do que
acontecer na política local,
o importante é estar bem com todos.
8.

Lembra dos pilotos que mataram e dos


portugueses que trouxeram a notícia da
rebelião no Reino de Portugal?

GRACIA
E... quando é que o senhor parte?
Se me faz o favor...

SIMON
Hoje mesmo. Sem demora.

CENA 6
EXT. DIA.
Em frente à casa de SIMON. Estrada de terra. Carroças,
bolsas e sacolas. Jegues e cavalos, serviçais. O casal
está no quarto, fechando últimas malas.

SIMON
Me dói deixar a senhora DONA GRACIA
mas... deixo, também, as minhas
recomendações.
Não saia de casa a pretexto algum, a
não ser,
se quiser, para assistir às missas.
Faço questão de que vá às missas.
Quero que a senhora fique enclausurada
como corresponde a uma mulher de sua
posição e importância.
Como uma monja! Uma madrecita!

SIMON se persigna, vai dar uma última olhada no espelho.

E sobre este...

SIMON aponta para o espelho.

... é bom nem comentar.


Se os representantes da Santa
Inquisição ouvem uma conversa dessas...
de espelhos com imagens atrasadas ou
adiantadas,
é certo que me botam na fogueira.

GRACIA
Deve ser um defeito na engrenagem.

SIMON
Que raio de engrenagem, mulher.

GRACIA
9.

Ah! Sei lá. Na engrenagem dos reflexos.

SIMON
E o que é que a senhora entende de
engrenagem de reflexos?

GRACIA
Aprende-se, ora essa.
Ou pensa que minha cabeça não tem
ideias?

SIMON
Shhh!
É bom nem se falar nisso.
Mulher com ideias...
Há tanto feiticeiro em Veneza que até
pode ser que um deles colocou algum
tipo de bruxaria nesses metais.

GRACIA
Quem sabe se com o tempo essa água do
espelho se adormece e o espelho
melhore,
não é Simon?

SIMON
Água do espelho?

SIMON dá uma tapa na própria testa.

Água do espelho...
Mais ideias?

O casal se olha. Se estudam.

A senhora andou aprendendo a ler,


por acaso?

GRACIA
Eu não, senhor!

Persigna-se.

Deus me livre e guarde.

SIMON
Toma cuidado, mulher.
Essa coisa de mulher saber ler...
é coisa do capeta.

Simon observa o espelho.


10.

Acredito que o procedimento mais certo,


por enquanto, é não olhar muito para
este espelho...
sobretudo,
não deixar que isso se torne uma
obsessão.
E não exagerar...
não exagerar jamais, pois o Diabo
deseja que sempre exageremos nas
coisas.
Seja lá no que for.
Até mesmo na fé.

CENA 7
Imagens e cenas que mostram a passagem dos dias. Simon e a
viagem. Animais nos desfiladeiros. Chuvas no comboio.
Viajantes nas tendas. Noites de fogueira.

CENA 8
EXT. ESTRADA. DIA
A bagagem de SIMON vai ao chão aos seus pés. Imagens
seguintes, todas, ao rés do chão. Altura das canelas. Vozes
off.

SIMON
Dona Gracia! Cheguei!
Onde está a senhora?

GRACIA se aproxima. Fica bem próxima de SIMON. Caminham


para dentro da casa. Varanda de madeira.

GRACIA
Como foi de viagem?

SIMON
Bem. O que está a fazer?

GRACIA ajuda em tirar a malotagem dele que vemos cair ao


chão.

GRACIA
Tira esse peso. Conta mais.
Fale da fazenda.

SIMON
Temos a maior das fazendas.
Terras que não acabam mais.
Como você está bonita, Todo poderoso!
11.

Bonita como um navio dourado do Infante


Dom Henrique,
com sua bandeiras vibrantes na brisa do
mar.

GRACIA
Ai...
não são bandeiras, senhor Simon,
são meus peitos...

SIMON
Peitos feiticeiros...

GARCIA começa a tirar a roupa, tira meia e sapato, ficando


de pés no chão. Ela sai, adentrando os aposentos.
CLOSE de SIMON, que aspira o ar como se procurasse algo.
Sai pela casa com o mesmo intento. Chega ao quarto. Velas.
GRACIA está nua sob as cobertas. SIMON olha para a mulher.
SIMON olha para o espelho, e faz movimentos para ele como se
pedisse contas. Da nuvem das imagens aparece GRACIA trepando
com o EMISSÁRIO. Rosto desesperado do SIMON a olhar o
espelho.

GRACIA
Vem, Simão!

SIMON ouve, mas tenta olhar para trás somente com o rabo de
olho. Mas, sem olhar, vai de cabeça baixa para a cama. SIMON
se enrosca ao lado de GRACIA e finge que dorme. GRACIA
frustrada tenta alguma coisa para envolver SIMON, mas acaba
desistindo e se vira para o outro lado. SIMION não dorme.
Está desesperado. Nervoso. Morde as mãos. Relembra as cenas
do espelho. De soslaio observa o espelho, temeroso. As cenas
do espelho se desenvolvem, agora, ao seu lado, quase em cima
dele na cama e GRACIA está com o Emissário. Clímax.

CENA 8
INT. QUARTO. MANHÃ
Luz atravessa o cortinado. SIMON está a dormir. GRACIA se
levanta. SIMON abre os olhos. Ouve os sons da cozinha,
preparação do café. SIMON vai ao banheiro. Lava o rosto.

SIMON
(VOZ OFF)
Não! Agora não! Podem ouvir.
Devo levá-la para um lugar bem longe e
acabar com ela.
Esse governador pode se aproveitar de
mim e se vingar...
não! Pensar melhor!
12.

Há um mundo de parentes orgulhosos.


Esse governador me odeia como um
cavalheiro odeia a um judeu...
meus bens ficarão para esses familiares
que nunca fizeram nada...
Diegos... Gonçalos...
e ainda eu tenho que dar palmadinhas em
seus ombros...
tratar com eles... fazer negócios...
não!
Talvez lá na Cordilheira.
Na nova fazenda!
Como se fôssemos viajar para conhecer
as novas terras!

SIMON volta-se para o espelho do quarto.


O espelho lhe mostra que soldados entram no quarto e o
prendem. Ainda voz off e desespero.

Grita.
Não! Não me meterão a ferros!
Eu é que sairei perdendo.
Me prenderão por assassino da mulher!
Esses mesmos vaidosos castelhanos que
matariam suas mulheres por menos que
isso, não permitirão que um português
judeu faça o mesmo com uma mulher
castelhana,
mesmo que ela tenha pecado.
Acalme-se!
Haverá ocasião para a separação.
Agora é acalmar-me e ficar quieto.
Nada de mortes! Nada de mortes!

CENA 9
INT. ESCRITÓRIO DE JUAN. DIA.
JUAN DE SILVA espera por SIMON que vem entrando.
GRACIA ficou sentada na ante sala. Cumprimentos.

JUAN DE SILVA
Grandes novidades! Crise política
total! Enquanto o senhor esteve fora...
o governador determinou que os
moradores de origem portuguesa se
inscrevam em uma espécie de...
cadastro especial e que...
entreguem suas armas.

SIMON
13.

Como assim, Juan?

JUAN DE SILVA
Até agora mais de trezentos e setenta,
Simon. Mais do que a quarta parte da
população é de origem portuguesa...
e já se inscreveram por ordem do
governador.

SIMON
E... todos aceitaram sem reagir?

JUAN DE SILVA
Todos...
desde o mestre de campo até as tropas
abaixo. Todos, com arcabuzes, espadas,
adagas e lanças.
Desarmamento total!

SIMON golpeia a mesa com furor. JUAN DE SILVA assusta-se.


Toca uma sineta.

SIMON
Não irei! Não sou português!
Nunca fui português.
Sou um real vassalo del Rey Felipe.

GRACIA entra, assustada.

GRACIA
Acalme-se, SIMON.

SIMON
Não me fale para me acalmar...
Cadela imprestável!
Olho para você e me lembro do
espelho...
Não me faça lembrar dele.
Sua puta.

CENA 10
INT. QUARTO DE SIMON. DIA.
Simon está frente ao espelho. Observa atentamente. Procura
mil detalhes. Mas o espelho está normal. Límpido. Claro.
SIMON ainda passa panos para limpá-lo ainda mais.

SIMON
Não tocarei nela.
Não irei ao presídio por causa dessa
cadela cristã...
14.

SIMON ouve ruídos que vêm de fora do quarto. Soldados


adentram sua casa, corredor, quarto. GRACIA os segue
atônita.

SOLDADO
Simon d’el Rey?
Trago ordem de conduzi-lo até o
governador por não haver cumprido...
até agora...
as ordens sobre o desarme de
portugueses.

SIMON
Tenho coisas mais importantes a pensar!
O que quer o governador, afinal?
Deixar-me louco?

SOLDADOS
Senhor, por quem sois...
apenas fazemos nosso trabalho.

SIMON
Por que não me deixam tranquilo...
com a minha intranquilidade?

GRACIA
Por favor SIMON,
acompanhe os soldados...

SIMON se aproxima de GRACIA e dá-lhe uma bofetada.


GRACIA vai ao chão, amparada por soldados.

Cala essa boca, matraca.


Vai lamber o cu do EMISSÁRIO.
Como é que vou esquecer os meus
problemas se vocês me torturam com essa
estupidez?

SOLDADO
Estamos apenas pedindo que o senhor...

SIMON
Grita.

Eu não sou português!


Eu não sou português!

SOLDADO
O senhor tem que me acompanhar!
15.

SIMON
Eu não sou... não sou português.

Os soldados o agarram. Alvoroço. SIMON esperneia.

SOLDADO
O senhor virá comigo ao cárcere,
Simon d’el Rey.
Por se rebelar contra a autoridade.
Há que prestar informações.

SIMON
Rindo enlouquecido.

Era só isso?
Não me conduzirão ao forte para me
justiçar? Apenas para uma simples
declaração?
Só isso?
Eu digo a vocês quem é o verdadeiro
culpado disso tudo. É ele!

Aponta para o espelho.

Ele é o culpado... o maldito...


... o que me desgraçou a vida.

SIMON toma de uma estátua de metal de Jesus, olha para ela


em seus detalhes, furioso. Quebra o espelho com a estátua.
Um fragmento do espelho se solta e gruda no rosto do soldado
que percebe o sangue que escorre.

SOLDADO
Você me feriu!
E agora vai ter que pagar por isso,
seu canalha!

Carregam SIMON, com força por que SIMON não para de gritar,
espernear e tentar se soltar. Dona Gracia se recupera um
tanto e surge, repentinamente, o EMISSÁRIO, aturdido com o
acontecimento, sem saber o que fazer. Observa a luta. SIMONS
já está manietado, e se volta para ver a mulher e o Emissário.
Encara-os.
Numa tomada pelas costas do EMISSÁRIO e GRAÇA, que se
encontram lado a lado observando a prisão de Simão, carregado
para fora pelos soldados, através do corredor, vemos a mão
de EMISSÁRIO apertar a bunda de DONA GRACIA. O EMISSÁRIO
acaricia longamente a bunda enquanto o barulho se dissolve.
No silêncio, tendo SIMON já sido levado, EMISSÁRIO e GRACIA,
muito juntos, em apertões e intimidades e beijos de deitam.
16.

CENA 11
INT. TRIBUNAL. DIA
Juiz a meio-corpo sentado à sua mesa. Ajeita os óculos.
Relê a matéria. Agrupa papeis.

JUIZ
Simon d’el Rey...
foi condenado por este júri,
perdendo todas as suas fazendas...
e bens... e riquezas,
por tentativa de assassinato de um
representante de Sua Majestade...
por ocultar armas a favor do inimigo
português ... por ser um judeu herético
que não vacilou em lançar um Cristo
contra a parede, quebrando um espelho
em milhares de pedaços, depois de jurar
que esse Cristo – ao qual ele chamou
maldito – era o culpado de suas
desgraças.

JUIZ bate o martelo.

CENA 12
INT. PRISÃO. TARDE
O envelhecido SIMON, com seu rosário, ora.

SIMON
Enquanto se vai em fade out.

Eu a matarei...
Ave Maria, gratia plena,
ora pro nobis...
com minhas mãos em sua garganta...
Pater noster qui est in coelis...
eu levarei a puta para a fazenda e a
matarei... Salve Regina,
mater misericordiae...
longe de seus familiares...
Diegos... Gonçalos...
Credo in unun Deo...
17.

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