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PROFANA’S CAFÉ

(por Thiago Lessa)

INT. CAFETERIA – NOITE


A cafeteria é elegante. A luz é baixa e Jazz Lounge toca ao
fundo. O lugar não está cheio, mas há um número satisfatório de
pessoas numa quinta-feira à noite para justificar o empreendimento.
Duas mulheres, MIRIAM (cabelos soltos, blazer, brincos
elegantes) e DÉBORA (cabelo preso, roupas largas de inspiração indiana
e sem maquiagem), ambas na casa dos trinta e poucos, estão sentadas
conversando e bebendo café. Miriam toma um expresso duplo, Débora, um
capuchino com chantilly. Débora está chocada e encara Miriam, que
parece estar à espera de uma reação.

DÉBORA
Amiga. ‘Cê tá brincando, né?

Miriam apenas ri, toma um gole de café e torna a encarar a


amiga.

DÉBORA
Né?!?

MIRIAM
Não. Eu não ‘to brincando. Eu ‘to com
cara de quem ‘tá brincando?

DÉBORA
Pra falar a verdade, ‘tá sim. Pelo
pouco que eu te conheço, ‘cê só pode estar
brincando – ou talvez eu não te conheça
tão bem assim.

MIRIAM
Alternativa B, querida. Você não me
conhece tão bem assim.

Débora continua olhando para Miriam uns segundos até que solta
um riso tímido.

DÉBORA
Não, não, não, não, não... Sem chance.

MIRIAM
Eu sabia. Você me chama de distraída,
mas ao contrário de você, EU te conheço
muito bem. Você devia entrar pra igreja,
sabia? Aposto que você é mais santa do que
a maioria das crentes da Assembléia de
Deus.--

DÉBORA
--É muito arriscado!

MIRIAM
Então quer dizer que você não é
certinha. É medrosa. Sinceramente, não sei
o que é pior.

DÉBORA
‘To chocada com a sua falta de
sensibilidade.

MIRIAM
(irônica)
Ai, ai, ai... assim você me ofende,
mona...

Débora toma um gole de café.

DÉBORA
Olha. Se fosse alguém da sua turma, eu
não ‘to dizendo que eu topava, mas seria
diferente. Mas a gente se conhece do
departamento! Quinta passada quem ‘tava
tomando café comigo na sala dos
professores era ele.

MIRIAM
Tanto melhor, baby. (pausa) Lembra
daquele novinho? O Peteleco?

DÉBORA
Acho que sim. O magrinho?

MIRIAM
Esse mesmo. Trabalha comigo lá na
firma. Estagiário nosso. Uma delícia.
Terça sim, terça não eu dou umas aulinhas
pra ele no Parque Laje.

DÉBORA
(...) Ele deve ter uns dezoito anos!

MIRIAM
Dezenove. Eu sou uma boa professora. E
ele aprende rápido.

Miriam faz um ‘V’ com os dedos e finge uma chupada.


Débora olha ao redor, reprimindo a amiga e prendendo o riso.

DÉBORA
Amiga! – Parque Laje?

MIRIAM
Te explico. Trilha da direita, depois
da placa da fauna local, sobe uns cinco
minutos e é lá que agente escolhe nosso
ninho de amor. Mais eu não te falo, mas o
que não falta opção. Fica a dica.

DÉBORA
E o Marcus?
MIRIAM
Outra coisa que eu aprendi nesses
últimos meses. Diferente de você, eu tenho
o dom da mentira.

DÉBORA
Pera, pera... quando foi que eu menti
pra você?

MIRIAM
Ah, Déb, por favor.

DÉBORA
Vai, fala!

MIRIAM
Olha na minha cara e diz que você
gosta da minha pasta de atum.

Débora encara Miriam e se concentra.

DÉBORA
Eu adoro a sua pasta de atum.

O silêncio dura dez segundos. Vemos uma, depois a outra, vai e


volta.

DÉBORA
Tá bom... não suporto atum.

MIRIAM
Eu sabia!

DÉBORA
Isso foi um blefe?

MIRIAM
Só um pouquinho. Olha só, na minha
opinião, o gostosão aí da reunião de
departamento se qualifica perfeitamente -
pra você. Homem que usa pochete não faz o
meu tipo.
(termina seu expresso duplo)
De qualquer forma, vamos encarar os
fatos. Você ‘tá precisando de uma
sacanagem, amiga. Pronto, falei. Garçom!
Mais um por favor.

Débora ensaia uma resposta, mas nada sai de sua boca. O GARÇOM
(25, nordestino, baixinho, de uniforme preto) chega.

GARÇOM
Outro expresso duplo. E pra
senhorita, mais um?

DÉBORA
Não obrigada.

O Garçom vai buscar mais café. Débora observa enquanto ele


caminha até a cozinha; sua expressão facial, congelada - como se os
pensamentos fossem dar uma volta pelo quarteirão e só voltariam quando
sua saliva pingasse na mesa. Ela volta a si com um estalar de dedos de
Miriam.

MIRIAM
Psiu! Acorda.

DÉBORA
Ok. Eu preciso de uma sacanagem. Mas
não com o Abraão. Tu devia saber. Onde
ganha o pão, não se come a carne.

MIRIAM
Olha, sinceramente. Você consegue ser
mais careta que a minha avó Albertina. Ela
dizia (imitando sotaque português) “onde
se trabalha, não se caralha”.

Débora ri.

DÉBORA
Sua vó deve ser uma figura.

MIRIAM
É, devia. Ela morreu. Agora. Vamos ter
que pensar em outro gato do baile pra
você. Não vai ser difícil. Deixa eu ver,
Marquinhos, Dimitri, Maicon...

DÉBORA
Não! Ninguém do baile. É muito
arriscado.

MIRIAM
Meu deus do céu, mulé! Como é que o
Marcelo vai ter contato com alguém do
baile?

Débora olha sua aliança. Tira ela do dedo e o roda feito peão na
mesa enquanto a observar.

DÉBORA
Eu respeito, muito o Marcelo, ‘tá?
Agente só não tem se dado muito bem
ultimamente. Eu NUNCA fui de fazer--

É interrompida pela mão de Miriam, que dá um tapa no anel


rodopiante, pressionando-o sobre a mesa.

MIRIAM
Eu já sei o que você ‘tá passando, ok?
Não ‘to aqui pra ser seu senso moral, nem
cartomante.
Agora, não foge do assunto. Não vai me
dizer que você realmente acha que ele vai
conhecer alguém desses forró de furdunço
que eu ‘to te levando.

DÉBORA
O Rio de Janeiro é uma bolha.

MIRIAM
O forró é outra.

DÉBORA
Para! Você sabe que não... (nota
algo) o que é isso?

Miriam tem uma mancha roxa no braço.

MIRIAM
Foi o Peteleco. Garoteou. Eu gosto
da pegada forte. Agora eu não sabia que eu
ficava roxa desse jeito...

DÉBORA
(...) Sua--

MIRIAM
--Vagabunda? Pode apostar. Onde é
que eu assino?

DÉBORA
O Marcus já viu isso?

MIRIAM
Não. Ele só volta domingo. Oh,
sorte.

DÉBORA
E se isso não sarar até lá?

MIRIAM
Não sei. Vou ter que improvisar.

DÉBORA
(rindo)
Nossa. Eu ‘to passada.

MIRIAM
E você acha que eu não ‘to? A minha
vida tá de cabeça pra baixo. Só que antes
‘tava também. A diferença é que a agora eu
‘to adorando.
Agora, quanto a você. Não vou
insistir mais.

Débora pensa um pouco antes de iniciar seu raciocínio.

DÉBORA
Eu tive uma amiga que teve um lance
com um gringo. Kostas. Grego. Morava em
Nova York e tocava sax. Essa seu deu bem!
Foi só acabar o festival de Rio das Ostras
que o cara se mandou e ela seguiu a vida
dela tranquila. Uma semana de purgatório
pra ela. Paraíso sei lá. O casamento
então... só faltou refazer a lua de mel.
Acho que o sujeito ativou uns chácaras
bloqueados nela e o maridão bem que
deveria ter agradecido de joelhos pro jazz
man.

MIRIAM
Ele ficou sabendo?

DÉBORA
Claro que não, sua boba. Justamente
pelo motivo que eu ‘tava te falando. Fora
da bolha.

MIRIAM
‘Tá... Vamos atrás de um gringo pra
você então?

DÉBORA
Não. Só dei esse exemplo pra você
entender o que eu quero dizer com não
correr riscos. Fora da bolha. Eu não quero
acabar com meu relacionamento. Eu quero,
talvez, melhorar, sei lá – vai que.

MIRIAM
A lapa ‘tá pegando fogo hoje.

DÉBORA
Esquece. Último italiano que eu
peguei tinha um piercing, na cabeça do--

MIRIAM
--Não... e aí?

DÉBORA
Pra você ver. Achei que ia ser bom.
Mas fiquei andando encurvada dois dias
seguidos depois daquilo. Parecia que tinha
um gancho dentro de mim.

MIRIAM
‘Cê tá tomando a parte pelo todo.

DÉBORA
Esquece. Gringo não é a minha.

MIRIAM
Então vai ser o que? Vai ser amante
do vibrador?
DÉBORA
‘Tá louca, amiga. Não ‘to aqui a
passeio não.

MIRIAM
Então o que?

DÉBORA
Fora da caixinha.

MIRIAM
Explica.

DÉBORA
Pensa em alguém discreto, e que eu
não vou esbarrar na entrada do Arteplex no
domingo ou no Céu na Terra no sábado de
carnaval.

MIRIAM
Pra mim isso é meio mundo. Mas a tua
cabeça eu não entendo. Fala logo. ‘Ta de
olho em alguém?

Débora se inclina para frente.

DÉBORA
O Adriano.

MIRIAM
(pausa) Não conheço.

DÉBORA
Serviu capuchino pra você agora
mesmo não faz nem dez minutos.

MIRIAM
Oi?

DÉBORA
(alto)
A conta por favor!

MIRIAM
‘Ta falando sério? O meio metro?

DÉBORA
O que que tem? Além de total fora da
bolha, ele tem traquejo. Recebeu pelo
menos duas gorjetas desde que eu sentei.
Uma da vovózinha perua e outra do
executivo bonachão ali da frente. Quem dá
gorjeta nessa cidade? Aposto uma pasta de
atum com você que ele tem lábia de artista
de cinema.

MIRIAM
Sem graça...

DÉBORA
É alongado, o que é sempre um a
mais. Pegou a caneta do chão sem precisar
dobrar o joelho e já me lançou dois
olhares na medida desde que trouxe o seu
expresso.

Débora arranca um guardanapo e começa a anotar o seu número de


telefone.
Miriam olha para traz discretamente.

MIRIAM
Tem certeza que não prefere o
executivo?

DÉBORA
Oi? Pode ficar, amiga.

Adriano chega à mesa. Débora termina de escrever seu recado.

ADRIANO
E aí moças, gostaram da casa?

DÉBORA
Ah, adoramos, né Miriam?

MIRIAM
(sem graça) Aham.

DÉBORA
Café bom e atendimento maravilhoso!
(para Miriam) É por minha conta hoje.

ADRIANO
Eu... caprichei.

MIRIAM
Obrigada. Acho que eu vou no
banheiro...

DÉBORA
Não, amiga. Relaxa. Bobinha... Olha,
Adriano. Você deixou cair isso daqui.

Débora entrega o papel com seu telefone para Adriano que guarda
no bolso, sorrindo. Em seguida pega a nota de R$20,00.

DÉBORA
Pode ficar com o troco. É...
gorjeta.

ADRIANO
(sorri)
Até.
DÉBORA
Até logo mais.

Adriano pisca o olho pra ela. Vai para a cozinha. Miriam encara
Débora, incrédula.

DÉBORA
Foi o meu horóscopo. Sagitário. ‘Um
bom dia pra se aventurar. Fazer novas
amizades.’. Coisa assim. Vamos?

FIM
Elenco:
Miriam – Dedéh Mello ?
Débora - ???

Adriano – Marco Guian ?

Figurante 1 – Segurança da vez (terno)


Fig. 2 – Eu
Fig 3 – Fabio Cardoso?
Fig 4 – Jonas Ronai
Fig 5 – Mulher
Fig 6 – Mulher

Paloma Ronai, Elsebeth, Sérgio Schagel, Camacho, Monica Cardoso, Luiz Felipe
Fuks, Gustavo Tavares...

Orçamento:
Diárias - 1

Atriz 1 – 100,00
Atriz 2 – 100,00
Ator 1 – 50,00
Transporte – 100,00

Comida – 50,00

Locação – Casarão Ameno Resedá – 0,00

Luz – 50,00 com bocal de LED (comprar aonde?)


0,00 com lâmpadas.

Câmera (aluguel) - 50,00 + 30,00 (transporte)

Objetos de cena – Chanchilly (10,00)

Total – 540,00
Decupagem técnica :
(check list)

- Câmera Canon 6D
- Gravador Zoom H4
- Lapela Boya
- Baterias (2)
- Pilha gravador (2)
- Cartão de memória (2)
- Pen drive (64gb)
- Pen drive (32gb)
- tripé
- holofotes de luz
- Holofotes de luz
- Refletor
-
-
-
-
-
-
-

Figurino a acessórios -

Miriam – Camisa social, blazer, calça social, brincos,


maquiagem leve, tinta de unha.
Bolsa de trabalho.

Débora - Blusa branca simples, calça hippie, sandália de


couro, elástico pra prender o cabelo, caneta
bic.
Mochila cheia de provas dos alunos.

Adriano - Calça preta, camisa social preta, gravata


preta.

Objetos de cena – Guardanapo, xícaras de café, chanchilly,


canela, café, bandeja, carteira feminina, nota de 20 reais.
Descrição dos personagens –

Miriam – Psicóloga patricinha da ZS, trabalha no RH de uma


empresa de grande porte no centro da cidade. Mora no JB num
apartamento de 100m² com o namorado Marcus, com quem mantém um
relacionamento, sem filhos, há quatro anos, dois dos quais, a
temperatura raramente passa do morno. Nessa mesma época ela começou a
aprender o samba de gafieira numa escola no centro. Desestressar.
Na primeira juventude, solteira, sempre teve um sex apeal
aguçado e na hora de pegar uma cerveja na geladeira na social dos
amigos, era raro não ter dois ou três zangões em cima, cortejando-a.
Ela tinha esse poder, e apesar de não usá-lo a seu favor, tão pouco
fazia esforço para ocultá-lo.
Gostava de chamar atenção, mas a cima de tudo, era namoradeira.
Dificilmente passava mais do que três meses solteira, assim como
dificilmente passava mais do que dois anos namorando o mesmo tipo. De
toda forma ela sempre, sempre fora fiel na mesma proporção em que era
ciumenta.
Não fuma baseado e só cheirou uma vez para experimentar; gostou,
mas não repetiu a dose por que precisa estar no controle. Nada mais
broxante do que uma pessoa viciada e ela não iria cair nesse buraco.
Já a cerveja, era todo final de semana sem falta, quase sempre na
companha de Marcus, mas há um ano e meio ele passou a trabalhar em
Campinas semana sim semana não.
Foi esse distanciamento que a colocou em contato com uma libido
que ela não sabia que tinha. Num dia de fraqueza depois de uma hora de
samba no pé, o novinho Peteleco lhe chamou pra tomar uma breja, e ela,
que nunca gostara de garoto, sem saber por, aceitou.
Da cerveja, ela não podia conter o desejo e apesar dos mais de
dez anos de diferença, o garoto audaz tascou um beijo quando ela
baixou a guarda e daí não tinha volta. Os dois passaram a se ver no
parque Laje (caminho de casa dos dois) e praticar lá as mais lindas
atrocidades com os corpos uns do outro. Entre uma transa e outra, ela
falava do relacionamento, e ele ouvia - atento. Fez ela pensar se o
terceiro elemento não poderia acabar sendo, de um jeito torto, bom
para o seu relacionamento. Mas uma coisa é certa. Ela estava outra
mulher. Vivendo uma vida dupla, estranhamente respeitosa, mas sem
dúvida, mais feliz.

DÉBORA

Nascida e criada em Ramos, Débora é professora de português das


terceiras e quarta série de colégios da Zona Sul. Mora no Catete num
apartamento pequeno com o namorado.
Na faculdade (UERJ)
Tímida, Débora tem uma mente ativa, mas guarda a maioria dos
seus pensamentos irônicos de humor ácido para si. Não é festeira e
gosta de manter seu círculo de amigos reduzidos.
Lê muita literatura, dos clássicos aos best sellers,

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