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Gabriela Pimenta
Capítulo 01
Assim que ponho os pés para fora do bar, descubro que estou mais
bêbada do que imaginava. Que beeleeezaaa...!
Engraçado como nunca se percebe o quão embriagado se está antes de
levantar e dar alguns passos incertos para a rua. Sempre assim. A empolgação
vem e quando menos se espera, você já está vomitando debruçado em alguma
privada. Por sorte, ainda tenho consciência o suficiente para chegar em casa e,
claro, não ser idiota para dirigir.
Matsuzaki e Yukio riem feito loucos, não muito diferente do habitual, e
vão cambaleando comigo até uma esquina. Como acho que sou a mais "sóbria"
nesse grupo, tenho que enfiar esses dois num táxi e mandá-los para suas casas.
Reparo que algumas pessoas nos olham e cochicham, irritadas com a
nossa atitude. Foda-se! Não somos os primeiros e nem os últimos andando
bêbados por essas ruas, e se reclamar, faremos pior!
– Tem certeza que não quer nossa companhia? – Matsuzaki pergunta,
apoiando-se no meu ombro.
– Sim, eu tenho. Moro há poucos quarteirões daqui, então, sem
problemas.
– E o seu carro? – Yukio, no meu outro ombro, indaga.
– Bom, espero que ele esteja no estacionamento até amanhã de manhã,
por que não estou em condições de levá-lo agora. À não ser que vocês queiram a
amizade de uma pessoa presa.
– Pare de dizer bobagens. Credo! – minha assistente exclama.
– Melhor eu ir a pé, então. Não acham?!
Sorrio e dou sinal para o táxi que se aproxima. Logo o carro estaciona ao
nosso lado e pela expressão que o motorista faz, é perceptível que acaba de
voltar de uma corrida onde bêbados foram seus passageiros. Bem, é sábado à
noite, ele deveria estar acostumado.
Abro a porta e mando Yukio primeiro, depois Matsuzaki. Devidamente
sentados, cito as instruções ao taxista e após uma despedida breve, estou sozinha
na rua. A movimentação é grande, afinal, existem muitos bares por essa região e
por esse motivo, decido ir caminhando para casa.
Coloco os fones de ouvido e 'Pelvis Pusher' do Vintage Trouble começa
a tocar. Adoro essa música! Se eu estivesse em condições de dançar, dançaria
aqui no meio da calçada mesmo. Mas, um passo em falso que eu der, e minha cara
vai encontrar o chão com certeza.
Duas semanas se passaram desde que Noah voltou para Seul na Coréia
do Sul, onde mora e trabalha com a sua banda. E, aparentemente, minha amiga e
ele ainda não estão se falando. É, a briga foi feia mesmo.
Okay, não é muito incomum vê-los nesses desentendimentos, afinal,
ambos são vaidosos e não dão o braço a torcer facilmente. Mas, é a primeira vez
desde que me lembro que ficam tanto tempo brigados.
Afinal, o que pode ter acontecido?
Assim como o namorado, Didie também não quis contar o que realmente
provocou a tal discussão na festa. Percebo que sente falta dele e que anda
cabisbaixa, porém, o que posso fazer? Se nenhum dos dois quis entrar em
detalhes, principalmente ela, só posso presumir que o motivo não é nada
agradável.
E quando é? Além disso, não devo me intrometer. Eles são um casal e
devem resolver seus problemas sozinhos. Certo, admito que durante esses dias, a
curiosidade me pegou algumas vezes, mas eu não posso simplesmente torturá-los
para que me digam a verdade. Até porquê, não é problema meu. Então, continuo
ignorando o máximo que posso e sigo minha vida.
Ou quase isso...
Mesmo sabendo que trocamos números de celular por obrigação do
momento, não fui capaz apagar o número do Noah da agenda. Será que mantê-lo é
uma boa ideia? Bom, eu não deveria esperar que virássemos melhores amigos
por conta disso, muito menos esperar por mensagens suas. Mas, sabe-se lá por
qual razão, algo dentro de mim diz que eventualmente eu possa voltar a contatá-
lo. Para quê? Ainda é um mistério.
Como meu trabalho terminou junto com a semana de moda, aproveito
para colocar os desenhos da minha coleção em dia. Pouco a pouco, estou
conseguindo organizar o que preciso para lançar minha própria marca.
O dinheiro ainda não é suficiente para tirar o projeto do papel, já que
estou pagando tudo desde que meus pais voltaram para a França, mas é como
dizem por aí: "um passo de cada vez". É o que estou tentando fazer.
Compenetrada, continuo desenhando enquanto Audrie ouve música
jogada na minha cama. Há dias que não volta para o próprio apartamento e
imagino o motivo. Sei que está chateada com a briga e ficar em casa, no lugar
onde constantemente divide com Mitch, só lhe deixará mais desanimada.
Ai, ai... Por que não dá a droga do braço a torcer logo? É sempre ele que
volta atrás, o que custa abrir mão do orgulho ao menos uma vez?
– Didie, por que não liga para ele? – pergunto, sem tirar os olhos do
desenho.
– Porque o Noah começou tudo.
– Certo. Indiferente quem tenha começado, você deveria relevar. Afinal,
relacionamentos não são assim? Na base da relevância?
– Emy, você nunca esteve num relacionamento duradouro desde que te
conheço. Como pode saber? - retruca.
– Ora essa. O fato de eu nunca ter namorado firme, não significa que não
entenda essas coisas.
– A questão é que ele sempre começa, então, por que eu deveria ligar?
– Didie... – giro a cadeira e nos encaramos – Você sabe que isso não é
verdade. Nem sempre o Noah começa as brigas.
– Mesmo assim...
– Didie.
– Não vou ligar e ponto final. – bufa e coloca os fones outra vez.
Respiro fundo. Audrie é uma ótima amiga e eu a adoro. Mas,
sinceramente, se eu fosse um homem, não iria querê-la como namorada; decido
largar mão e voltar aos desenhos, minha insistência não vai dar em nada, de
qualquer forma.
Dou os últimos retoques nos traços e finalizo a jaqueta na qual trabalhei
a horas. Nem acredito que ficou exatamente como eu queria. Assim que dou o
acabamento, Didie me surpreende com um abraço e praticamente enfia o celular
no meu rosto. Sem entender, olho para a tela e vejo o nome de um amigo nosso.
Seung Ho, um estilista sul-coreano que trabalha na mesma agência do
Excellent Souls.
– O que foi? – pergunto.
– O Seung vai dar uma festa hoje, aqui em Tóquio.
– O Seung Ho?!
– Isso!
– Se ele vai dar uma festa, significa...
– Que o Noah também vai estar.
Estranhamente, meu coração acelera. Não, não! Eu não deveria estar
sentindo alegria por saber que o namorado da minha amiga está de volta ao Japão.
Nem pensar!
– É a oportunidade perfeita para resolver a situação, não acha? –
pergunto, afastando os sentimentos indevidos para longe.
– Eu também acho.
- Acredito que o Noah deva estar com o mesmo pensamento.
– Acha mesmo?
– Claro. Se ele concordou em vir, sabendo que provavelmente você
estará lá, só pode significar que deseja se reconciliar.
Minha amiga sorri, esperançosa, e me dá mais certeza de que não devo
me envolver demais com o seu namorado. Por que isso está acontecendo comigo?
Por que esse cara está impregnado na minha cabeça? Que inferno!
– Você vai comigo, não é, Emy?! – diz, tirando-me dos devaneios.
– Quem? Eu? – retruco.
– Sim, quem mais?
– Mas...
– Por favor, Emy. Preciso que esteja comigo. Além do que, vai ser
divertido.
– Didie...
– Sem essa de "Didie". Estamos há dias enfurnadas no seu apartamento,
precisamos sair.
Se fosse em outra ocasião, eu adoraria a ideia. Amo sair pela noite e
curtir com os amigos. Mas a presença de Noah Mitchell ultimamente tem me
inquietado muito e estar na mesma festa que ele, ainda mais quando veio para
fazer as pazes com a namorada, não me parece algo que eu queria para esta noite.
– Eu tenho muito a fazer ainda. – tento dar uma desculpa.
– Sem mais, senhorita Kojima. Nós vamos à festa e você vai gostar
disso, entendeu?!
Sem muita opção, acabo concordando. Já prevejo que vai ser uma merda,
porém, a insistência da minha amiga vai continuar, indiferente ao que eu diga. Só
me resta aceitar.
Animada, Audrie faz algumas ligações e em menos de vinte minutos, a
campainha do meu apartamento toca. E assim que abro, me deparo com meia
dúzia de sacolas e algumas caixas.
– O que é tudo isso? – analiso rapidamente, enquanto ela coloca o que
pediu para dentro.
– Roupas e sapatos, ué. Vamos a uma festa, temos que nos arrumar.
– Mas, não é uma festa entre amigos?
– Sim, o que não nos impede de nada.
– Ai, ai... - suspiro e acabo sorrindo – Didie, você está mesmo ansiosa
para revê-lo, não é?!
– Claro que estou! – exclama – Muito!
Sorrio, mas meu sorriso logo se desfaz ao ver como minha amiga está
contente em ter a chance de resolver os problemas com o namorado.
Eu também estou ansiosa para revê-lo, não deveria, mas estou. Meu sinal
de alerta não para de piscar. Definitivamente, estou pressentindo que algo não vai
acabar bem e, como é de se esperar, a pessoa que vai se ferrar sou eu.
[...]
Ficamos prontas pouco antes do empresário dela ligar. Ele irá nos levar
até o local da festa, aqui em Tóquio, sem levantar qualquer suspeita e ficará
responsável por nos trazer de volta. Bem, ele sempre faz isso, não me admira que
fará hoje também.
Didie, incrível com seu top cropped e saia de cintura alta, ajeita os
cabelos uma última vez na frente do espelho e dá o toque final com o batom
vermelho. Como sempre, uma verdadeira modelo.
– Emy, passe um pouco de batom. – fala.
– Mas, eu já passei.
– Vermelho, Emy. Vermelho!
– Meus lábios são muito grandes para usar o vermelho.
– Os meus também, é isso o que dá charme.
– Você consegue ser chata quando quer, não é, Didie?! – eu bufo – Está
bem, pode passar.
Feliz por ter me convencido, limpa o batom nude que passei e aplica o
vermelho com cuidado. Pede para que eu tire o excesso e diz:
– Olhe no espelho.
Faço o que pede e surpreendo-me. É não que ficou bom.
– Eu sabia que ficaria linda! – fala, animada – Esse bocão merecia um
batom vermelho.
– Pare de dizer besteiras! – eu sorrio.
– Bem, é melhor irmos.
Consinto, e pegando nossas bolsas, descemos.
No caminho, meu coração volta a bater depressa. Seung Ho confirmou
que o seu amigo estará na festa e, inevitavelmente, vamos nos esbarrar. E não há
nada que eu possa fazer contra isso. Meu plano é dispersar entre os amigos e me
divertir, talvez assim, eu consiga "esquecer" que ele está lá.
Sério, eu preciso tirar esse cara da minha cabeça e o mais rápido
possível...!
Assim que chegamos, somos recepcionados pelo anfitrião. Há muito que
não nos encontrávamos e acabamos nos abraçando, ignorando totalmente aquela
porcaria de regra de 'não demonstrar afeto em público'. Somos amigos, qual o
problema? Ao meu ver, nem um.
– Não acredito que a Audrie conseguiu te arrastar para cá. – ele diz –
Nem lembro qual foi a última vez que veio a uma festa aqui em casa.
– Sou uma pessoa ocupada. – brinco.
– Ei! Nunca se é ocupado demais para ver os amigos de vem em quando.
– Certo, certo. Prometo que tentarei vir mais vezes.
– Ótimo! – sorri – Agora, vamos entrar porquê todos já chegaram.
Ao ouvir isso, uma ansiedade imprudente cresce dentro do meu peito. Se
todos já chegaram, quer dizer que o Mitch é uma dessas pessoas. Aaaahhh... Que
droga! Estou ficando nervosa.
De braços dados com a minha amiga, sou arrastada festa à dentro e não
demoramos a encontrar Noah junto de alguns cohecidos. Eles conversam e bebem
num canto da sala, e quando nos aproximamos, suas atenções se voltam para nós.
Nos cumprimentamos, como de praxe, e no instante em que estou diante
ele, reparo que seus olhos vão direto a minha boca marcada de vermelho. Sinto-
me um pouco constrangida. Não sou acostumada a esse tipo de coisa e ter seu
olhar atento aos meus lábios só piora tudo. Será que devo tirar?
– Olá, Emy. – ele diz – Pensei que não viria.
– Bem, a Didie me arrastou, então... Não tive muita escolha.
– Vai ser divertido, acredite.
– Eu sei que sim. – sorrio.
Eu e o grupinho onde estou, com olhares cumplices, entendemos que é
hora de sair de cena. Trocamos algumas palavras e damos uma desculpa qualquer
para deixá-los à sós; eu, ainda com o coração acelerado, procuro por uma cerveja
e encontro na mão de Seung Ho, que me oferece com um sorriso no rosto. Aceito,
e juntos, vamos nos divertir com os demais.
Danço, canto, bebo uma cerveja trás da outra. A festa está bombando e
pelo desaparecimento da minha amiga e seu namorado, posso presumir que as
coisas já se acertaram ou estão se acertando em algum dos quartos da casa.
Pensar nisso, de novo, me incomoda. Mas, foda-se! Estou ciente de que
não devo me intrometer, muito menos alimentar qualquer sensação estranha pelo
namorado da minha melhor amiga, e prefiro mil vezes esquecer e me divertir, do
que ficar remoendo o que não tem sentido.
Cansada de tanto requebrar, sento de costas para o balcão e continuo
bebendo meu 'cosmopolitan'. Observo o pessoal dançando e conversando, até a
figura do dono da festa surgir de repente. Nos olhamos, e com um sorriso, ele
para diante mim.
– O que faz aqui? Não está se divertindo?
– Sim, só estou um pouco cansada de tanto dançar.
– Realmente fiquei feliz por que veio.
– Me desculpe por não aparecer muito.
– Ainda está trabalhando na sua marca?
– Estou, mas com a semana de moda, não tive muito tempo para isso.
– Hum...
Nós nos conhecemos faz anos. Na verdade, desde que Audrie e Noah
começaram a namorar, cinco anos atrás. Temos coisas em comum e nos damos
muito bem, porém, sei que seus olhares e gestos expressam mais do que a amizade
que temos. Vez ou outra, acabamos flertando. Não sei se é involuntário ou o calor
da bebida, mas, nesse momento, acho que estamos fazendo isso.
– Esse batom vermelho ficou muito bem em você.
– Obrigada...!
Bebo um gole da cerveja e percebo que se aproxima. Centímetro a
centímetro, ele se põe entre as minhas pernas e debruça levemente contra mim.
– Se importa se eu tirá-lo? – murmura.
Encaro seus lábios, cada vez mais próximos. Seu hálito cheira a álcool,
não muito diferente do meu. Seung Ho ajeita uma mecha do meu cabelo curto atrás
da orelha e acaricia minha bochecha até chegar ao meu queixo, que segura
delicadamente e guia de encontro a sua boca.
– Bro! – subitamente, uma voz nos interrompe.
Viramos e nos defrontamos com Noah.
– Oh, e aí! O que foi?
– A Audrie está chamando pela Emy.
– Tem que ser agora? – pergunta, ainda entre minhas pernas.
Ele nos observa atentamente. Por sua expressão, me arrisco a dizer que
não está gostando do que vê. Inevitavelmente, meu rosto começa a corar.
– Sim, precisa ser agora. – ele fala, num tom ríspido.
– Okay...
Ele bufa e se afasta.
Me levanto e caminho até Noah, que segura firme meu pulso e me puxa
para longe. Sem entender, o acompanho, mas quando chegamos ao corredor perto
da piscina e percebo que minha amiga não está, desvencilho-me e o encaro.
– Pensei que a Didie estivesse me chamando. – digo, irônica.
Não responde, apenas me observa. Não consigo entender. Será que está
bêbado ou algo do tipo? Essa é a única explicação para ter me "sequestrado" e
trazido até aqui, não sou capaz de pensar em outra coisa.
– Mitchell?!
– Não se meta com o Seung Ho.
Surpreendida, lhe observo.
– E posso saber o porquê? – indago, cruzando os braços.
– Ele não é homem para você.
– Há?! Como assim não é homem para mim?
– Apenas não se envolva com ele, Emy.
Desacreditada com o tamanho da sua cara de pau, até então
desconhecida, respiro fundo e conto mentalmente até dez. Noah Mitchell é mais
folgado do que eu poderia imaginar. Folgado e atrevido.
– Você está de brincadeira, não é?!
– Não! – responde, firme – Não estou brincando.
– E quem é você para dizer com quem devo ou não me envolver? –
rebato.
– Quem sou eu?
– Sim, quem é você? Meu pai, por acaso? – debocho – Que eu saiba, sou
a única pessoa que decide com quem devo ou não ficar, e à não ser que tenha um
bom motivo para isso, vou ignorar completamente o que acaba de dizer.
Dou as costas, decidida a esquecer o que aconteceu e, quem sabe,
continuar o que fazia a minutos atrás. Nem que seja por pura birra. No entanto,
assim como da vez na rua, a sua mão envolve o meu pulso e me impede de
prosseguir, fazendo com que eu o olhe outra vez.
Nos encaramos. Mas, Mitchell o faz tão intensamente, que sinto como se
seus olhos me perfurassem. Inquieta, tento desviar do jeito que posso, mas seu
olhar castanho me segue sem descanso, repleto de um sentimento que não sei
distinguir.
– Quem sou eu, você pergunta? – dá um passo em minha direção e,
instintivamente, recuo – Quer mesmo saber, Emy?
Incerta, meneio a cabeça, concordando.
– Eu...
– Você...?
– Eu... – sua outra mão segura meu queixo, erguendo-o, e nossos olhos se
encontram – Eu sou o cara que está louco para tirar esse batom vermelho com a
boca.
Capítulo 05
Arregalo os olhos. Eu ouvi direito? Ele acaba de dizer que está louco
para me beijar? Estou alucinando, só pode ser. Estou alucinando por causa da
bebida e esse esse homem, parado à minha frente e segurando delicadamente meu
queixo, na verdade é outra pessoa. Por favor, universo, por favor... Que seja outra
pessoa.
– Emy?! – murmura.
Droga! É ele mesmo. Esse Mitchell é, realmente, O Mitchell.
Meu coração bate desenfreado. O que eu faço? Quero me afastar, mas
não consigo mover um músculo sequer, meu corpo não obedece. Estou estática,
sentindo o calor de seus dedos, mais uma vez, queimando minha pele.
Ainda firmando meu queixo, Noah observa minha boca. Inevitavelmente,
meus olhos vão para os seus lábios, lindos e tentadores, e a vontade de atacá-lo
cresce mais do que sou capaz de aguentar. Quero beijá-lo. Quero muito! E sua
proximidade não está ajudando nem um pouco para que essa vontade vá embora.
Ai, ai ai... Estou à ponto de fazer o que não devo.
– Você não pode... – balbucio nervosa, tomando a última consciência que
me resta – Não pode fazer isso.
– Emy...
– Por favor, Noah.
– Mas, Emy, tenho que tirá-lo da sua boca. Está todo borrado.
– O quê? – indago, confusa – Borrado?!
– Sim. Acho que foi por causa das latas de cerveja que tomou.
Sem entender, vejo-o tirar um lenço do bolso com a mão que antes
segurava meu pulso, e com cuidado, limpa os meus lábios. O faz por uns
segundos, até ter certeza de que saiu, e eu continuo parada.
– Pronto. – diz, afastando-se.
Desorientada, encaro-o enquanto dobra o lenço e devolve ao bolso.
Afinal, o que está acontecendo aqui? Como a situação mudou de figura tão
rápido?
– Espera!
– Algum problema? – pergunta.
– Você não acabou de dizer que estava louco para tirar o meu batom com
a boca?!
– Do que está falando? – franze o cenho, desentendido – Eu disse que
precisava tirar o batom da SUA boca, Emy. Que história é essa de louco?
Arqueio a sobrancelha. Será que ouvi errado? Mas, ele segurou meu
queixo e ficamos naquele clima todo estranho. Não é possível que eu tenha
confundido as coisas; procuro algum sinal de verdade, de que eu não esteja mais
bêbada do que imagino, mas por sua expressão confusa, só posso entender que
ouvido tudo errado. Ai, droga! Não estou acreditando que fantasiei com isso.
– E o Seung Ho? Por que disse que eu deveria ficar longe? Por que me
tirou de lá?
– Ah! Porque ele tem... Sei lá... Umas três ou quatro "namoradas". Não
acho que seja uma boa ideia você entrar como mais uma desta lista.
– Só por isso?
– Sim. E pelo o que mais seria?
Chocada, volto a encará-lo. Definitivamente, eu fantasiei com tudo isso.
Como pude pensar que ele, o namorado da minha melhor amiga, estaria
interessado em mim? Mitch é naturalmente gentil com quem conhece, assim como
está sendo agora, além disso, aquele episódio de duas semanas atrás não passou
de algo isolado. Assim como a nossa troca de números.
Eu sou uma estúpida!
Minha cabeça gira. Mesmo que suas palavras tenham soado tão
verdadeiras naquele momento, sinto que o efeito do álcool talvez tenha
"transformado" um pouco as coisas, e acabou me iludindo. Ou será que não? Se
sim ou não, vou fingir que estou errada e tirar essa esperança ridícula do meu
peito. Afinal de contas, mais do que um desejo imprudente, Noah é inalcançável.
– O que foi? – indaga.
– Nada. – digo, desconsertada – Esqueça!
Ficamos em silêncio. Ele, sem entender, e eu - provavelmente - com cara
de idiota.
– Acho que você bebeu demais, Emy.
– Também acho.
– Não é melhor ir para casa?
– É, talvez eu deva.
– Você quer que eu peça ao empresário da Audrie para te levar?
– Não se preocupe. Vou pegar um táxi.
– Tem certeza?
– Sim, sim. – eu consinto – Melhor eu ir.
– Desculpe por não a acompanhar, mas... A Audrie está me esperando,
se é que me entende. – sorri.
– Eu entendo.
– Vá em segurança. Se precisar, pode me ligar.
Assinto, com um sorriso fraco no rosto.
Um pouco cambaleante, giro nos calcanhares e tomo o meu rumo,
largando-o para trás. Mais do que constrangida, passo pelo dono da festa e me
despeço rapidamente. Ele tenta me convencer a ficar, mas invento uma desculpa
qualquer e sou obrigada a prometer que aparecerei mais vezes. Não que eu vá
cumprir, só concordei para que me deixasse ir embora.
Aceno para o primeiro táxi que surge na rua e entro. Bêbada e
decepcionada com tanta imaginação, encosto a cabeça na janela e fico
observando a paisagem correr. Ainda não consigo acreditar que a possibilidade
de o Noah estar atraído por mim, por um instante, me passou pela cabeça. Só
podia ser efeito do álcool mesmo.
– Você é uma idiota, Emily! – digo a mim mesma.
De repente, o celular vibra dentro da bolsa e ao pegá-lo, lembro que não
avisei minha amiga de que estava indo para casa. E como avisaria? Fiquei tão
envergonhada que nem levei isso em consideração.
"Como você vai embora e não diz nada? Está muito encrencada
comigo, senhorita Kojima!", é o que diz sua mensagem. Sorrio ao ler. Às vezes,
Didie age como se fosse minha irmã mais velha ou até mesmo como a minha mãe.
Sempre cuidamos uma da outra, desde que éramos pequenas, nos bons e
maus momentos. Por essa razão, sinto que sou uma cretina por "cobiçar" seu
namorado. Eu sei o quanto sofreram e lutaram para manter o relacionamento por
tantos anos e seria horrível da minha parte acabar com isso. Além do que, eu não
quero perder uma amizade tão forte por causa de algo que nem sei distinguir como
momentâneo ou não.
No fundo, acho que todo o interesse repentino por esse homem, continua
sendo pelo o que eu vi a semanas atrás.
Envio uma resposta rápida, só para dizer que está tudo bem e volto a
olhar para fora da janela. Minha cabeça continua girando e o sono aos poucos
vem chegando. Pisco algumas vezes, meus olhos estão mais pesados, e o balanço
do carro não está cooperando. Quer dizer, está cooperando mais do que o
necessário.
– Senhorita?!
– Sim?! – levanto num sobressalto.
– Este é o endereço?
Olho para fora. É o meu condomínio.
– Sim, é este mesmo. – tiro algumas notas da bolsa e dou a ele – Muito
obrigada!
Feliz por estar em casa, subo às pressas e me jogo no sofá assim que
entro. O sono, magicamente, desapareceu e deu lugar à uma fome destruidora.
Sempre assim. Penso no que posso devorar, mas a preguiça de levantar e
caminhar até a geladeira me impossibilita de fazê-lo.
– Força, Emy! – encorajo-me.
Com um impulso, levanto e decido tomar uma ducha para resgatar as
forças e poder preparar algo antes de cair na cama e apagar de vez.
Mais devagar que um zumbi, vou me arrastando para o banheiro e
observo a privada antes de começar a tirar a roupa. Não me parece tão
convidativa como das outras vezes, o que significa que estou relativamente bem;
pego o celular e ponho 'I'm not okay' do My Chemical Romance.
Essa música tem o incrível dom de deixar qualquer pessoa na fossa com
uma melodia animada. E visto que a cena patética com aquele homem ainda ronda
meus pensamentos, da mesma forma que a sensação horrível que tive ao perceber
que não passou de um devaneio meu, posso dizer sem medo que essa é a música
certa para a ocasião.
Peça por peça, vou largando tudo no chão enquanto cantarolo junto com
Gerard Way e praticamente grito o refrão ao abrir o registro. Me enfio debaixo
d'água e faço meu show para o nada.
Perplexa, leio e releio a mensagem e minha ficha parece não cair. Aquela
sensação invade o meu corpo e é impossível conter a ansiedade. Noah, o próprio
Noah Mitchell, está na frente do meu condomínio?! Mas, por que raios ele está
aqui? E outra, por que trouxe vinho? Não faz sentido.
Desligo o fogão e corro para o quarto, visto a primeira roupa que surge
na minha frente e, depois de calçar os chinelos, disparo para o elevador. Olho
novamente para a mensagem no celular e continua não fazendo sentido. Será que
trouxe a Didie até aqui? Não, levando em consideração que acertaram seus
problemas na festa, essa possibilidade é nula. Então, o que trouxe esse cara ao
meu prédio?
Caminho para o hall de entrada, sem muita fé de que esteja mesmo
dizendo a verdade, afinal de contas, já tive minha cota de constrangimento por
hoje. Saio para a calçada e o breu da rua é o que encontro. Olho para um lado,
olho para o outro, e nem sinal do vocalista da Excellent Souls.
– Sério que você me fez descer para nada?
– Quem disse?
Como um fantasma, surge ao meu lado, assustando-me.
– Que susto!
– Desculpe.
Nos observamos por uns segundos. Sua aparência parece, além de
bêbada, cansada. A sacola em sua mão balança para frente e para trás, assim
como ele mesmo.
– O que está fazendo aqui? – pergunto, firmando-o pelo ombro – Melhor,
como sabia onde eu morava?
– Achou mesmo que eu deixaria você vir sozinha aquele dia?! – sorri –
Eu pedi para o taxista te seguir.
– O que?
– Vamos beber? – interrompe, erguendo a mão e mostrando a sacola.
– Noah...
– Vamos lá, Emy. – fala, com a voz visivelmente embriagada – O vinho é
muito bom.
– Não duvido, mas...
– Vamos comemorar...! – de novo, me corta.
– Comemorar o quê?
– Minha solteirice.
– Sua solteirice? – ele consente e eu o encaro – Você e a Didie...
– Nós terminamos.
Capítulo 06
Deus, acho mesmo que vou ter um treco. Meu coração bate tão rápido,
que não duvido "cair" durinha aqui e agora, ou pior, não duvido que o Noah já
tenha percebido que estou é muito bem acordada.
Será que notou? Bem, ele continua acariciando os meus cabelos sem
qualquer atitude diferente, então, acho que posso acreditar que ainda não fui
descoberta.
Tento acalmar a respiração e a confusão de pensamentos. Por mais
errado que seja, suas palavras encheram o meu peito de felicidade e
desordenaram meus sentimentos outra vez. Droga! Por que ele precisa se
comportar assim?
Numa hora age como sempre agiu, e em outra, solta esse tipo de frase
que me deixa com a imaginação funcionando à mil. Afe... Até parece que sente
prazer em brincar com a minha cara de idiota, não é possível.
Sinceramente, está para nascer uma pessoa que muda tanto de humor
quanto esse homem.
Deitada sobre o seu peito, prossigo com a minha encenação de Bela
Adormecida e, de quebra, aproveito um pouco mais do seu afago. Eu sou uma
cretina, admito. O certo seria levantar e acabar de vez com isso, pedir desculpas
e dizer que fui inconveniente ao abraçá-lo sem querer. Mas, meu corpo tem vida
própria e se nega a levantar. Por mais esforço que eu faça, por mais que eu
repasse mentalmente que estou errada, não adianta.
A atração que sinto por ele é mais forte do que tudo isso.
– Até que horas vamos ficar nisso, Emy? – ouço sua voz e sinto um
arrepio correr.
Fico calada. Aaahhh... Merda! Ele sabe que estou acordada. Desde
quando?
– Está mesmo dormindo ou o meu carinho está gostoso? – insiste.
– Cale a boca! – retruco.
Ele ri baixinho e eu suspiro. Acabo de me entregar. Como sou estúpida!
Sem muito o que fazer, tento em levantar para pedir desculpa, mas seu
braço não permite e isso me surpreende. Tento mais uma vez e de novo sou
impedida, então, apenas fico parada. Seus dedos seguram meus cabelos com
delicadeza e erguem meu rosto.
Mesmo receosa, permito que faça e, embora ainda esteja com os olhos
fechados, sei exatamente para onde está me guiando. Um frio na barriga surge no
instante em que para e, devagar, vou abrindo os olhos, sentindo sua respiração
serena contra a minha pele e temendo o que sou capaz de fazer tendo seu rosto tão
perto.
– Oi! – ele diz e sorri, cravando seus espetaculares olhos nos meus.
Engulo seco. Instintivamente, encaro seus lábios.
– Noah...
– Você ouviu tudo o que eu disse, não é?!
– Hã?!
– Sobre querer te beijar na festa.
Não respondo. Posso dar uma de desentendida e deixá-lo pensar que eu
estava dormindo. Porém, ao encontrar seus olhos de novo, sei que mentir é uma
péssima ideia. Mais do que isso. A realidade é que eu não quero mentir.
– Sim, eu ouvi. – respondo, num sussurro.
Deitados um ao lado do outro, nós nos observamos. Seus dedos voltam a
remexer os fios do meu cabelo curto e seus lábios, mais próximos do que antes,
me tentam mais do que deveriam.
– Seu batom não estava borrado, foi só uma desculpa.
– Eu imaginei... – sorrio fraco.
– Te deixei muito nervosa ao dizer aquilo?
– Você sempre me deixa muito nervosa. – confesso.
Ele sorri e se arrasta na minha direção. Estamos à centímetros de
distância, tanto que posso sentir o calor do seu corpo fluir para o meu.
– Quer dizer que estou te deixando nervosa agora?
– Sim!
Espontaneamente, sou eu quem vou ao seu encontro e acabo segurando o
tecido da sua camisa. Novamente, nos encaramos e, vez ou outra, reparo que seus
olhos se atentam a minha boca.
Talvez, com a mesma ansiedade que estou; sua mão livre pousa sobre a
minha bochecha, num carinho sutil, levando-me para si. As pontas dos nossos
narizes roçam e, inevitavelmente, fecho os olhos e espero por aquilo que tanto
desejei.
– Você quer?
– Sim, eu quero. – murmuro – Me beija.
Sua mão desliza para a minha nuca e meu coração, meu tolo coração,
bate feito louco. A ponta do seu nariz roça no meu, procurando o encaixe perfeito,
e então nossos lábios se encontram num selar tímido.
A pressão rude da sua boca contra a minha é indescritível. Deliciosa,
saborosa. E no segundo que nossas línguas se esbarram, suavemente, consigo
sentir gosto do vinho caro misturado ao seu próprio sabor e minha mente se
apaga, sendo tomada pelo homem que me beija com tanta estima.
Ai, ai, ai... Definitivamente, eu vou ter um troço!
Sua mão sutilmente me domina. Sua língua explora a minha boca e acabo
por soltar um gemido sobre seus lábios, e minha resposta é imediata, ele também
suspira.
Nossas respirações aceleram e o beijo que antes parecia tão inocente,
está se tornando mais do que sou capaz de aguentar, mas, deixo-me levar. Fugaz,
ardente, excitante. Como um homem pode beijar dessa maneira tão sedutora e
irresistível?
– Emy... – ele murmura o meu nome, afastando-se.
Vejo o desejo em seus olhos e todos os pelos do meu corpo eriçam. Ele
me quer, eu sei que quer, e estou a ponto de entregar-me à esse desejo. Entretanto,
a tentação é bruscamente interrompida pelo toque do meu celular. E para a minha
infelicidade e remorso, eu conheço muito bem esse toque.
– Noah.
– Não atenda.
Fico tentada a acatar o que pede, mas o aparelho volta a tocar e tocar,
assim como o ressentimento dentro de mim. Eu preciso atender.
– Me desculpe! – digo e levanto, ouvindo seu suspiro.
Ignoro e corro para pegar o celular largado na estante e como presumi, é
minha amiga. Olho para ele, sentado no tapete, e respiro fundo. A culpa me
assombra.
– Alô?! – atendo, no último toque.
"Emily Kojima, posso saber por que não me atendeu antes?" –
resmunga.
– Me desculpe, Didie, estava dormindo.
"Como sempre, muito preguiçosa"
Ela ri, mas reparo que há tristeza em sua voz, e o sentimento de culpa
piora.
– Por que ligou tão cedo? – pergunto, mudando de assunto.
"Para avisar que estou chegando"
– O quê? – arregalo os olhos – Chegando? Chegando onde?
"No seu prédio, ora. Onde mais seria?"
– E aonde você está agora? – nervosa, questiono.
"Acabei de entrar, então, trate de levantar porquê estou subindo.
Beijos"
A linha cai e eu vou junto com ela. Puta que pariu! Vai acontecer uma
tragédia!
Trêmula, viro para Noah e seu cenho franzido denota que estranha a
minha atitude.
– Era a Audrie, não era?! – indaga.
– Sim...
Engulo em seco. Devo estar com a maior cara de assustada, pois ele
levanta num pulo e se aproxima, me encarando.
– O que foi, Emy? – questiona e meu silêncio responde – Não me diga
que...
– A Audrie está aqui.
– Como?
– Você precisa se esconder!
– Não é melhor eu ir...
– Não dá tempo! Ela está no elevador e a única saída é a da sala. Se
você for, com certeza vão se encontrar.
– Porra! – exclama, passando os dedos no cabelo, preocupado – Mas,
onde posso me esconder?
Desesperados, corremos pelo apartamento em busca de um bom
esconderijo e acabo por enfiá-lo no armário de produtos de limpeza. Não é muito
grande, mas vai ter que servir.
Corro para "desaparecer" com seus pertences espalhados pela sala e
jogo tudo em seus braços no instante em que a campainha toca. Analiso
rapidamente, à procura de qualquer coisa que possa nos denunciar e me
recomponho, para não levantar suspeitas. Por fim, abro a porta.
– Que demora! – Didie bufa, mas logo me abraça.
– Me desculpe. – sorrio de maneira forçada – Entre, entre.
Passa por mim e comenta:
– Você está fedendo a álcool, Emy.
– Bem, leve em consideração que eu acabei de acordar. – eu rio – E
você não me deu tempo nem para um banho.
Caminhamos para a sala e, rapidamente, olho de relance para a porta do
armário onde o "meu convidado" está escondido, torcendo para que não morra
sufocado.
– Ora... Por acaso teve visita ontem à noite, senhorita Emy? – Didie diz e
quase caio para trás ao perceber que não tirei as taças e a garrafa do chão.
– E-eu...
– Huum... Vinho caro?! – me olha de cima à baixo e sorri – E eu achando
que estava fraca no quesito homens.
– E o que te faz pensar que é um homem? – retruco, tentando esconder.
– Duas coisas: seu nervosismo e o fato de eu saber que não é lésbica.
– Didie...
– Posso saber quem era? – indaga, curiosa – Não duvido que tenha sido
aquele vizinho do andar de cima.
Aaahh... Minha amiga. Infelizmente, era o seu ex-namorado. Eu passei a
noite e acabei de beijar o seu ex, que agora está trancado no armário,
provavelmente ouvindo tudo o que dizemos.
– Ah, você sabe... – sorrio, fingida – Eu também tenho minhas
necessidades.
– Cretina! – ri e senta no sofá.
Incrível como essa palavra me define muito bem nesse momento.
Eu sou uma grande cretina.
– Ainda bem que eu trouxe bolo. – ela diz – O doce vai te ajudar com a
ressaca.
– Vai sim.
– Pegue os pratos e uma faca.
Levanto, com o peso da culpa nas costas, e me arrasto para a cozinha.
Passo pelo armário e, sem que a minha amiga perceba, dou uma batidinha e
pergunto se Noah está bem. "Sim, eu estou. Mas aqui é quente como o inferno!",
reclama e eu acabo rindo. Quem em sã consciência ri num momento como esse?
– Venha logo, Emy, estou com fome!
– Já vou.
Pego tudo o que precisamos e volto para a sala. Sento e espero Didie
servir os pedaços grandes de bolo de chocolate, o meu preferido, como ela sabe.
– Espero que goste. – fala.
Dou uma garfada e o bolo quase não desce. Há quem estou querendo
enganar agindo "normalmente" desse jeito? Esse beijo me tirou dos eixos e agora
mal consigo encarar a minha amiga, tamanho o remorso que sinto. Ainda mais
porquê ele ainda está aqui, escondido tão próximo de nós.
– Eu terminei com o Noah. – minha amiga solta e por pouco não engasgo.
– Terminou? – pigarreio – De novo?
Tristonha, meneia a cabeça e suspira.
– Por quê? – pergunto – Eu pensei que tinham se resolvido na festa.
– E resolvemos, mas... Depois que transamos, ele saiu do quarto para
pegar mais bebida e demorou muito para voltar, então, resolvi ir atrás dele.
Minha respiração acelera. Será que nos viu? Será que ouviu?
Por favor, universo, por favor... Que não tenha visto.
– E aconteceu que eu... – apreensiva, continua.
– Você...?
– Eu acabei beijando outro cara.
– QUE? – grito – Você o quê?
– Eu juro que não foi minha intenção, Emy. Eu estava muito bêbada e...
Ok, admito, eu fumei também.
– Fumou outra vez?
– Foi só um e dos pequenos.
Bufo, indignada.
– Você sabe que essa merda não faz bem, por isso concordamos em
parar.
– Ah, Emy... – queixa-se – Fazia meses que não fumava.
– E olha no que deu. O Noah e você terminaram.
– Eu sei. – respira fundo e vejo seus olhos encherem-se d'água – Eu
realmente não queria...
Ela começa a chorar e meu peito se aperta. Por mais errada que esteja,
ainda é minha melhor amiga e, no fundo, sei que não fez por mal.
Passo o braço em volta de seus ombros esbeltos e apoio sua cabeça no
meu. Ela chora feito uma criança e complica ainda mais tudo o que sinto.
– Sei que sou inconsequente as vezes, faço o que tenho vontade e não
meço o que pode causar, mas... Entre todas as coisas, o que eu menos quero é
magoá-lo.
– Didie...
– Eu o amo, Emy. Amo demais! Sei que para ele deve ser difícil aguentar
uma pessoa como eu, aguentar os escândalos, mas isso nunca o fez desistir do
nosso relacionamento. E você, melhor do que ninguém, sabe disso.
– Sim, eu sei. – respiro fundo, engolindo minha frustração – Mas, às
vezes acho que...
– Que sou egoísta?
– De certa forma.
– Do que se trata do Noah, eu admito que sou. – funga o nariz – Egoísta e
imprudente. Mas, não muda o fato de que faço tudo por amor.
Audrie chora e chora. Fecho os olhos por um segundo e também sinto
vontade de chorar, mas não posso, não por Noah Mitchell e nosso beijo
imprudente. Por mais que eu tenha gostado, por mais que meu coração tenha
ficado repleto de alegria, esse beijo não passou de um erro. Um grande erro.
Minha amiga continua chorando e contando como tudo aconteceu, e agora
entendo o motivo pelo qual Mitch não quis tocar no assunto. Acho que, para ele,
contar que flagrou sua namorada beijando outro homem deve ser vergonhoso e,
infelizmente, a ideia de que tenha me beijado só por vingança também paira a
minha cabeça.
Depois de algum tempo, Didie acaba dormindo de tanto chorar. Vê-la
nesse estado é horrível. Sustentar o peso de que beijei seu ex-namorado que tanto
ama, é pior ainda. Como pude fazer isso? Sim, eu queria e deixei acontecer.
Deveria ter tomado vergonha na cara e esquivado, mas não, eu
simplesmente me entreguei aos meus anseios. A minha vontade de ter, por um
segundo que fosse, Noah Mitchell e agora estou pagando pelo meu pecado.
Devagar, levanto e ando até o armário. Olho fixamente para a porta e
abro, encontrando-o sentado, abraçando as pernas, numa posição visivelmente
desconfortável.
– É melhor ser rápido e não fazer barulho. Ela está dormindo no sofá.
– Está bem.
Ele recolhe suas coisas e me segue de fininho até a porta. Tomando
cuidado para não despertá-la, giro a maçaneta e mando-o sair primeiro, para
também sair, e finalmente estamos sozinhos no corredor.
– Me desculpe tê-lo trancado.
– Tudo bem.
Ficamos calados por um instante. Percebo que há remorso em seu
semblante e nem preciso pensar muito para entender o porquê.
– Você ouviu toda a conversa? – indago e ele consente – Então, já pode
entender que... Aquele beijo...
– Sim, eu entendo. – suspira – Vamos apenas esquecer, ok?!
– Okay...
De novo calados, nos encaramos. Sinto-me triste pela realidade bater,
mas é melhor assim.
– Obrigado pela noite e... Me desculpe. – diz.
– Vá em segurança.
– Valeu...!
Observo Noah caminhar para o elevador, mas entro antes mesmo de vê-
lo desaparecer.
Escorada na porta fechada, outra vez a vontade de chorar me acerta, mas
engulo minhas emoções e respiro fundo. E penso que, mesmo por um breve
instante, Noah Mitchell foi meu amante escondido.
Capítulo 08
Leio e releio o bilhete uma dúzia de vezes e ainda não consigo acreditar.
Noah Mitchell, além dos presentes, está me dando uma oportunidade de trabalho
em Seul? Mas, qual é a desse cara?
- O que você quer comigo? - indago ao céu, querendo que chegue até ele.
Devolvo o bilhete e os figures para caixa e fecho. Respiro fundo.
Respiro muuuuuuiiitoooo fundo. A minha vontade é devolver tudo e mandá-lo ir
pastar com a sua "proposta" de emprego, mas tratando-se dele, sei que não vai
dar em nada.
Penso... Penso... Penso...
Admito, a ideia de trabalhar com uma estilista e conhecer a cena da
moda de Seul não é de todo ruim, a questão maior é estar mais envolvida com ele
do que antes. Se não sou capaz de aguentar o que sinto quando estou longe,
imagina perto.
Certeza que não daria boa coisa.
Solto o ar frustrada e me jogo no sofá. Ligo a tv e zapeio em busca de
algo que possa prender minha atenção, mas o som da campainha interrompe todas
as minhas tentativas. Sem qualquer vontade, me arrasto para a porta e abro num
movimento. Abro e meu coração dispara.
Nos encaramos. Eu, sem sobra de dúvida pálida como um fantasma, e ele
com um sorriso no rosto e o braço apoiado na soleira da porta.
– Você...
– Vim saber se vai aceitar a oferta de emprego. – Noah responde,
sorrindo.
– Você está de brincadeira comigo? – indago, elevando a voz – Sério que
você veio até aqui só para perguntar se vou aceitar esse negócio?
– Na verdade, não.
– Ah, ótimo! – desdenho, revirando os olhos – E posso saber o que faz
plantado na entrada do meu apartamento, então?!
– Eu vim dar o restante do presente.
– O quê?
Sem me dar qualquer chance de recuar ou negar, ele me beija.
Capítulo 10
Com uma mão entre os meus cabelos e a outra em minha cintura, Noah
consome os meus lábios de tal maneira que sinto as pernas bambearem, tanto que
sou obrigada a abraçar seu pescoço ou certeza que vou ao chão.
Diferente daquele beijo, é o gosto do tabaco misturado a menta que
embriaga e revira os meus sentidos, queima cada poro do meu corpo.
O cheiro da sua colônia, provavelmente Chanel, tem um aroma suave e
que lhe cai muito bem, como se tivesse sido feita especialmente para ele, como se
fosse o seu cheiro natural. O cheiro mais gostoso e inebriante que já senti na
minha vida.
Aos poucos, absorvida pelo momento e uma imprudente ambição, vou
aceitando e saboreando sua língua contra a minha, e se antes Mitch comandava,
agora sou eu quem toma o controle.
Segurando firme o tecido da sua camiseta, trago-o para mim e um risinho
abafado em minha boca demonstra que gostou da atitude. Mais do que isso. Teve
nesse gesto o aval que tanto queria.
Sinto seu corpo levar o meu para trás e ouço o bater da porta logo em
seguida. Mostrando seu lado dominador outra vez, morde o meu lábio inferior,
tomando fôlego, e me empurra em direção a madeira da porta.
Ofegante, observo-o e seus deslumbrantes olhos castanhos, perversos e
luxurioso, me devoram tanto quanto seus lábios devoraram os meus à instantes
atrás. Minha cabeça berra que devo afastá-lo, o quão errado tudo isto é, mas o
meu desejo e sua respiração irregular perto do meu rosto, levam para longe
qualquer fio de sensatez que eu possa ter.
Não dá! Definitivamente, não dá para aguentar!
– Noah... – murmuro, meu peito sobe e desce depressa.
– Me desculpe, Emy. – fala, apertando sua coxa entre as minhas pernas –
Eu queria te dar tudo, mas hoje não tenho muito tempo.
Sem entender e com o coração à mil, continuo observando. Sua boca vem
até mim, e roçando seus lábios aos meus, sussurra:
– Seu presente é ter o melhor orgasmo da sua vida!
Seus dedos encontram o zíper da saia e o desfaz numa fração de
segundos, deixando a peça deslizar pelo comprimento das minhas pernas até ir ao
chão. Apenas de calcinha e camisa, sob seu olhar perigoso, estremeço com o
toque quente da sua mão na minha barriga, deslizando suavemente para o limite da
lingerie.
Engulo em seco e fecho os olhos, lutando contra todas as sensações que
me causa, lutando para conseguir empurrá-lo e acabar de vez com toda essa
loucura. Mas, é impossível. Nesse momento, eu sou incapaz de fazer qualquer
coisa que não seja aceitar que sua luxuria já me conquistou por completo.
Com a cabeça apoiada na porta, deixo um gemido escapar quando ele
aperta suavemente o meu púbis e seu grunhido másculo, cheio de tesão, por muito
pouco não me faz gozar. Vou ficar louca!
– Noah...
– Não imagina o quanto eu queria tocá-la desse jeito – sussurra, num tom
provocante – Você é tão gostosa depiladinha desse jeito, Emy!
Puxo o ar com força para os pulmões. Suas palavras me deixaram sem
fôlego.
– Eu queria muito chupar você todinha, pena que não posso... Não
agora...
Habilmente, as pontas dos seus dedos acariciam meu clitóris excitado,
fazendo-me arquear e gemer como nunca pensei ser capaz. Agarro seus cabelos
escuros e permito que me toque. Seus lábios buscam os meus e, entre mordidas e
chupadas, sua língua imita os movimentos de seus dedos, brincando e estimulando
o centro do meu prazer.
Eu vou MESMO ficar louca!
– Por que está tão molhada, huh?! – pergunta.
– Porque... – respiro fundo outra vez, reunindo todo o ar que posso –
Porque você me deixa assim.
– Além de nervosa, eu te deixo excitada também?! – ri baixinho,
vangloriando-se.
– Uhum!
– Então, abra um pouco as pernas. – lambe o meu pescoço até chegar
perto da orelha e cochicha – Para que eu possa deixá-la mais excitada ainda.
Como um robô, acato seu pedido. Afasto as pernas e seus dedos ágeis
escorregam entre as minhas carnes, e de baixo à cima me incendeiam.
Minha mente fica em branco.
Só o que faço é contorcer e gemer com a sua mão movendo-se tão
habilidosa para cima e para baixo, ao mesmo tempo em que sua boca explora a
pele do meu pescoço e sua respiração forte mostra o quão excitado está. Excitado
e esforçando-se para não ultrapassar a linha que ele mesmo estabeleceu.
Se bem que... Eu não me importaria se o fizesse, não agora.
Suspiro, apertando os olhos: – Continua assim... Hum?! Continua...
– Caralho, Emy! Desse jeito, quem vai acabar gozando sou eu.
Impaciente, puxa os botões da minha camisa e abaixa o sutiã com tanta
força, que me surpreende não tê-lo rasgado. Dobrando-se com certo custo e
apoiando a mão livre em minhas costas, leva a boca ao meu mamilo e o chupa
com vontade, desfruta como se fosse a melhor das iguarias, enquanto seus dedos
entram e saem de mim diversas e diversas vezes.
Nas pontas dos pés, arqueio para que enfie mais e mais seus dedos. Seus
cabelos negros são tudo o que vejo, pois, sua boca prossegue nos meus seios,
lambendo, chupando e mordiscando da forma mais delirante que já experimentei
na vida.
Mexo os quadris, rebolando em sua mão, e por mais extasiada que eu
esteja, percebo que meus gemidos aumentam e sinto os músculos retraindo,
espasmos correndo por todo o meu corpo. Eu vou gozar. Estou prestes a gozar. E
como ele mesmo disse, vai ser o melhor orgasmo que já tive.
– Mais rápido... Mais... – praticamente grito.
Seu olhar se ergue para mim e de novo traz sua boca para a minha, mas
não me beija, somente roça nossos lábios e compartilha sua respiração ofegante,
ao passo que sua mão acelera os toques e me leva ao céu.
Dentro, fora... Dentro, fora...
Uma... Duas... Tantas e tantas vezes...
Seus dedos me fazem sua e os espasmos por fim explodem e eu sufoco
com o meu próprio grito de prazer, sentindo minhas paredes apertando-o e seu
grunhido viril inundar meus ouvidos.
Sem dúvida, foi o melhor orgasmo que tive na vida!
Trêmula, me agarro aos ombros de Noah e tento recobrar a respiração.
Com um sorriso vitorioso, leva a mão direto a boca e chupa até a última gota da
minha satisfação, provando do meu gosto. Talvez eu devesse ter vergonha de uma
cena como essa, mas estranhamente, isso me agrada, inflando a minha tola
vaidade.
– Gostou do presente? – pergunta e eu apenas consinto.
Mitch se afasta e gentilmente acaricia o meu rosto, antes de começar a
abotoar o que sobrou da minha camisa. Calada, eu o observo. A gostosa sensação
do orgasmo que me "presenteou" vai passando e tudo o que sobra é o peso na
consciência de tê-lo deixado fazer o que fez.
Eu sou uma maldita bipolar!
Sei que o que está feito, está feito e não há nada que possa remediar isso.
E também que eu não deveria me arrepender ou sentir esse remorso que sinto, já
que não vai adiantar ou mudar nada. Porém, ele ainda é o 'sei lá o quê' da minha
melhor amiga e é impossível não ficar nesse clima pesado e acho que ele também
reparou.
Ambos temos ciência de que chegamos onde não deveríamos.
– Eu... Posso te fazer uma pergunta? – murmuro.
– Claro. Se bem que, eu já presumo o que vá perguntar.
– Noah. – respiro fundo – Afinal, o que você quer comigo?
Nos encaramos. Ele parece surpreso com a pergunta.
– Ok, eu não esperava por isso – diz, coçando a nuca – O que quer
dizer?
– Aquele beijo, os presentes e agora... Isso. O que devo pensar? Hã? –
outra vez, respiro fundo – Você é o namorado da minha melhor amiga!
– Não sou namorado dela. – rebate.
– Ah, não?! Okay, você é alguma coisa dela, mas isso não muda o fato de
que a Didie te ama e que eu não posso...
– Não pode ficar comigo?
– Exatamente.
– Mas, eu não estou te pedindo em casamento ou coisa do tipo, Emy.
– Como é? – franzo o cenho.
– Você está agindo como se estivéssemos cometendo o maior dos
pecados.
– E não estamos?!
– Claro que não.
– Você está de brincadeira, não é?! – rio, desacreditada.
– Eu sou descompromissado, você também é. Qual o problema?
– Você não é descom...
– Sim, eu sou – me corta – Já disse que não estou namorando com ela.
– Ela, Noah, é a minha melhor amiga. Consegue entender isso ou é
difícil?
– E daí? – dá de ombros.
– E daí queridinho, que ser masturbada pelo cara que sua amiga gosta
não é lá o que se faça, não é?!
– Você fez, ou melhor, você deixou. E não adianta mentir, por que eu sei
que gostou e muito.
– Você é um grandessíssimo filho da puta, sabia?!
– Sendo um "grandessíssimo filho da puta" ou não, sei que te atraio Emy,
porquê também sou atraído por você. – avança um passo e me confronta – Como
eu disse, não estou propondo casamento, só quero curtir com você.
– Curtir comigo? – mordo o lábio, querendo engolir tudo o que posso, e
repito – Curtir comigo?
– Isso. – responde simplista, e meus esforços vêm abaixo.
– Escuta aqui... – aponto para o seu peito – Vá se foder!
– Senti falta dessa arrogância, sabia?! Gosto desse seu jeito.
Ele sorri, sem dar a mínima.
Conto mentalmente até dez. Conto mentalmente até trezentos.
Mas, para a infelicidade do famossísimo vocalista do Excellent Souls,
ele conseguiu despertar meu lado ruim. E eu grito descontrolada.
– Você é um canalha, Noah Mitchell. Um grande canalha! Eu não vou cair
nesse papinho de "vamos curtir", muito menos vou deixar que me use como
quiser, entendeu bem?!
Ele bufa, totalmente desinteressado, e me encara. Seu silêncio é irritante!
– Agora, pegue essas drogas de presentes e dê o fora daqui!
– Os presentes são seus, faça o que quiser com eles.
– Já disse para...
– Se não quer, jogue no lixo – interrompe, dando de ombros – Não vou
levá-los.
– E sobre aquela oferta de emprego, eu...
– Não seja tola, Emily! Aquilo não tem nada a ver comigo e sim com
você. É uma grande chance, não desperdice.
– Não quero nada que venha de você.
– Não veio de mim, veio da minha irmã. Ela quer fala contigo e não eu.
– Mesmo assim, eu...
– Você sabe muito bem que seu estilo é totalmente diferente do estilo de
Tóquio, Emy. Abrir sua própria marca aqui é pedir para fracassar.
Fico calada. Ele tem razão. Meus desenhos são muito contrários ao senso
de moda que os japoneses têm e por esse motivo eu queria tentar outro país.
– E-eu...
– Se não quis olhar mais na minha cara ou fingir que não me conhece, por
mim, ok?! – ele diz – Mas, não perca essa oportunidade, Emy. Já disse que você
tem muito talento, não tome uma decisão errada e se arrependa.
– Eu já estou arrependida. – retruco, querendo esconder meu nervosismo
– Arrependida por ter aberto essa porta!
Ele sorri, cínico como nunca imaginei que poderia ser, e à passos lentos
aproxima-se de mim. Outra vez presa entre a parede e ele, encaro-o e seus olhos
percorrem de cima à baixo, fazendo-me lembrar que estou apenas de calcinha.
Sinto as bochechas esquentarem, não só de vergonha, mas de raiva também.
– Arrependida você estaria se não tivesse aberto essa porta. – morde o
lábio e sorri – Arrependida você estaria se não tivesse provado do melhor
orgasmo da sua vida.
– Você é mesmo muito convencido. – sorrio, indignada com tanta
autoconfiança.
– Sou bom no que faço, é diferente. – pisca e eu reviro os olhos – Ou
estou mentindo?
– Saia daqui!
– Pense antes de tomar uma decisão equivocada, ok?! – distancia-se,
leva a mão até a maçaneta e abre a porta – E mesmo que não queria mais olhar na
minha cara, lembre-se do presente que eu te dei. Com certeza, eu vou lembrar e
muito essa noite.
– Ridículo...
– Até mais, Emy.
– Até nunca, Noah Mitchell.
Ele sorri e bagunça meus cabelos. Sem dizer qualquer outra coisa, sai do
apartamento e eu nem me dou o trabalho de vê-lo caminhar para o elevador,
apenas fecho a porta com toda a força que tenho e me escorro, deslizando até o
chão.
O cheiro da sua colônia ainda é forte, assim como os batimentos do meu
coração. No fundo, eu sabia que ele era um completo palerma, como também
sabia que aquele beijo me levaria a aceitar o seu "presente" e de muito bom
agrado.
A verdade é que ele me atrai. E tenho que admitir que uma pontada de
felicidade surgiu no meu peito quando disse que também se sentia atraído por
mim. Sei que sou uma idiota e tão palerma quanto, mas não consigo reprimir esse
desejo imprudente que cresce e cresce descontroladamente a cada dia que passa.
Sentada, ainda posso sentir o calor dos seus lábios e suas mãos por todo
o meu corpo. Cada lambida, beijo e toque. Cada palavra e cada gemido que
compartilhamos; instintivamente, levo a mão entre as minhas pernas e afasto a
calcinha para o lado. Ainda estou tão molhada e tão quente que, inevitavelmente,
acabo lembrando do presente que ganhei antes mesmo do que esperava.
Capítulo 11
Durante esse último mês, além de não voltar a falar ou ver aquele
cretino, pensei seriamente se seria uma boa ideia aceitar a tal proposta de
emprego e, por muito, pouco não toquei o foda-se e recusei tudo. Mas depois que
Danny, a irmã dele, fez a gentileza de vir até Tóquio apenas para conversar
comigo e ver um pouco do meu trabalho, eu não pude simplesmente negar.
Além disso, mesmo não querendo concordar com o que Mitch disse, eu
sei que é uma oportunidade incrível e que posso alcançar mais do que o posto de
assistente se for para Seul.
No final, não só aceitei, como vendi meu pobre carrinho para custear
meu novo apartamento. E tudo o que mais espero é que não me arrependa disso.
Por favor universo, que eu não me arrependa...
Observo a fachada da agência de modelos por um instante e um sorriso
nostálgico me escapa. Essa é a minha última vez nesse prédio como funcionária e
sinto-me um pouco triste. Impossível não ficar. Cumprimento as meninas no
balcão e penduro o crachá que logo mais irei devolver no pescoço.
Analiso o grande hall antes de entrar no elevador e seguir para o quinto
andar, onde entregarei minha carta de demissão, e outro sorriso nostálgico surge.
Certo que não passei mais que dois anos trabalhando aqui, como personal stylist
da minha amiga, mas foram tantos os projetos e desfiles que fizemos, as pessoas
incríveis que conheci, que de alguma forma entristece-me deixar tudo para trás.
Daichi Hashimoto, o encarregado do meu departamento, entre seus trinta
e trinta e cinco anos, quase cai para trás quando coloco a carta de demissão sobre
sua mesa. Me olha por uns segundos e depois olha para o envelope branco bem a
sua frente. Calado, levanta e rodeia a mesa, parando diante mim.
– Sério, Kojima? – indaga.
– Sim, senhor.
– Sem chance de reconsiderar?
– Infelizmente, não.
Visivelmente contrariado, observa-me outra vez, em completo silêncio.
Seus dedos tocam sutilmente o meu rosto e deslizam até os meus lábios. Nos
encaramos.
– E... Como ficamos? – questiona.
– Você sabe que nunca rolou nada além de beijos, não é?!
– E você sabe que me contento apenas com eles, Emy.
Daichi inclina-se e busca minha boca, porém, o detenho. Além do fato de
estarmos na agência, eu sinceramente não quero beijá-lo.
– Daichi, por favor...
– Ok. – suspira, afastando-se – Para onde você vai?
– Vou para a Coréia.
– Vai sair do país?! – arregala os olhos, surpreso, e assinto – Agência de
modelos?
– Não, serei assistente de uma estilista.
– Wow! – sorri – Tudo o que mais queria, não é?!
– A curto prazo, sim.
– Agora entendo por que não quer reconsiderar. – ri fraco e volta ao seu
lugar – Quando vai?
– Amanhã de manhã.
– Hum...
Outra vez, ficamos calados e apenas nos observamos. Mas, sua voz não
demora a ressurgir:
– O que acha de uma despedida?
Eu o encaro, ciente do verdadeiro significado por trás dessa pergunta.
Ninguém jamais soube do meu "caso" com Daichi, à não ser a Didie. Nos víamos
sem muita frequência, trocávamos beijos, às vezes algumas mãos bobas e
chupadas, mas nunca evoluímos para o sexo. E, nesse momento, é isso o que ele
quer.
– Passo. – digo.
Daichi sorri torto e respira fundo.
– Tem razão, é melhor passarmos. Se fossemos para cama, acho que eu
não deixaria você ir embora.
Inevitavelmente, solto uma gargalhada.
– Idiota!
– Bem, admito que sou um pouco.
Sem nos deixarmos abater pelo clima da rejeição, continuamos
conversando por mais alguns minutos, como bons colegas de trabalho, mas
quando vejo que são quase 16hs e lembro que ainda preciso me despedir da
minha agora antiga equipe, simplesmente levanto e digo:
– Tenho que ir.
– Sei bem para onde vai e já aviso que eles estão no estúdio dois.
– Obrigada, Daichi! – sorrio.
– Espero que tenha sucesso.
– O mesmo para você.
Curvo-me rapidamente e saio, deixando-o para trás, sem dar chance para
"despedidas" e encerrando de vez nossa aventura casual.
Por mais que Daichi seja um cara legal e eu tenha tomado a iniciativa de
me aproximar na época, na minha cabeça sempre esteve muito claro que entre nós
não poderia rolar nada além do que fizemos, até mesmo em relação a sexo.
Tivemos muitas oportunidades de ficarmos juntos, mas, acho que tanto
quanto eu, Daichi sabia que essa era a linha da qual nunca passaríamos. E bem,
aconteceu dessa forma.
O que será que Noah pensaria se soubesse que além do amigo, outro
homem também beijava a minha boca? Será que ficaria todo emburrado como
costumava ficar? Sinceramente, eu gostaria muito de ver sua expressão ao
descobrir isso.
– O que você pensaria, senhor Mitchell?
Sorrindo, entro no elevador e vou para o andar dos estúdios. Minha
imaginação ferve com as milhões de suposições do que ele poderia ou não
poderia fazer, mas a única coisa que tenho certeza é que não deixaria barato. Nem
um pouco.
Ao chegar próximo a porta do estúdio dois, ouço o falatório alto e o som
dos click's incessantes de duas máquinas fotográficas diferentes. Sem causar
alarde, entro, mas assim que sou percebida, meus antigos colegas de equipe dão
um sobressalto e correm na minha direção, atrapalhando um dos fotógrafos.
– Emy! – Yukio, com seu cabelo recém pintado de roxo, me abraça –
Veio se despedir?
– Sim.
– Por que você precisa nos abandonar? – Matsuzaki faz um bico
contrariado e cruza os braços.
– Porque não suporto vocês. – respondo, apertando sua bochecha
gordinha.
- Senpaaaiii~~
– Quando vai? – Yukio pergunta, puxando uma cadeira para que eu sente.
– Vou amanhã.
– Está tudo pronto?
– Aparentemente sim. Já paguei o depósito do meu novo apartamento e
com o dinheiro do carro, vou comprar os móveis. O problema é que, além de eu
precisar abrir uma conta por lá, ainda precisarei esperar quase uma semana para
converterem e depositarem o dinheiro.
– Nossa! Mas, isso não causará problemas? – Matsuzaki indaga.
– Posso comprar um colchão e comer fora, será uma semana apenas,
acho que posso aguentar.
– E já decidiu se vai ou não abrir sua loja por lá?
– Ainda estou em dúvida. Como inicialmente ficarei apenas por um ano,
decidi que vou deixar o dinheiro na poupança daqui e depois verei o que faço.
– Acho que é a ideia mais sensata. – Yukio concorda – Melhor
experimentar a cena por lá antes de gastar seu dinheiro.
– Sim, sim.
– A propósito... A Audrie já sabe que você vai embora?
– Só pude avisar por mensagem, já que ela está na Europa, mas admito
que ouvi bastante antes de receber parabéns.
Todos rimos, porém, o peso do ressentimento logo me consome.
Eu contei a Didie que iria trabalhar em Seul, mas não disse para quem.
Ok, uma coisa não tem nada a ver com a outra, e o fato de trabalhar com a irmã do
seu 'sei lá o quê' não implica em nada.
Entretanto, fiquei receosa em dizer toda a verdade e imaginei que o
senhor bipolaridade me faria esse favor, mas levando em consideração que Didie
não me ligou ou mandou mensagem abordando o assunto, posso presumir que ele
também preferiu omitir esse detalhe. Agora, com qual objetivo, não faço a mínima
ideia.
O que estará aprontando, Noah Mitchell?
– Emy?! – a voz de Matsuzaki me desperta.
– Oi...
– Perdida em pensamentos, é?! – ela ri – Já está com saudades?
– Claro que não.
Por mais alguns minutos, atrapalhamos o ensaio fotográfico com nossas
risadas, mas assim como ocorreu com Daichi, o tempo se responsabiliza por
acabar com a nossa conversa; abraço Matsuzaki, abraço Yukio, e cumprimento
todos que estão no estúdio. É hora de dizer tchau.
– Você vai nos ligar e mandar muitas fotos, não é?! – Yukio se pronuncia,
quase ordenando.
– Óbvio que vou, seu bobo. E assim que as coisas estiverem
estabilizadas, espero a visita de vocês.
– Sentiremos sua falta. – Matsuzaki, com os olhos cheios d'agua, diz –
Desejo toda a sorte do mundo.
– Para você também, minha kouhai atrapalhada.
Novamente, despeço-me de todos e com o coração apertado, saio do
estúdio.
[...]
No saguão de desembarque do aeroporto de Incheon, observo ao redor
por um instante, mas não demoro a tomar meu caminho. Como já estive aqui
outras vezes, o tamanho do prédio de alguma maneira não me surpreende tanto, ao
contrário da multidão de gente circula.
Sem pressa, ando rumo a saída para conseguir um táxi que me leve até o
meu novo endereço e um alvoroço não muito longe chama-me a atenção. Curiosa,
tento enxergar o que acontece, mas tudo o que posso ver são meninas e mais
meninas rodeando um cordão feito por alguns homens, como se protegessem
alguém. Devem ser seguranças.
Percebo que o restante das pessoas também se alarma, mas, diferente de
mim, parecem entender o que ocorre.
– Eu hein...
Ajeito minha mochila nas costas e vou arrastando a mala maior,
ignorando a tal agitação. Contudo, a muvuca me segue e as meninas começam a
correr atrás do que os homens protegiam ou protegem.
Apresso o passo, fugindo da onda gigante que o povo formou e vendo os
seguranças fazendo o mesmo que eu, e a onda de pessoas me alcança. Pior, um
ombro alheio bate com tanta força, que por muito pouco não vou ao chão.
– EI! – grito.
A tal pessoa vira, alarmada, e me encara. Para a minha surpresa, é um
homem.
– Me desculpe! – ele diz, com a voz abafada pela máscara que usa.
Observo-o e, estranhamente, seu rosto me parece familiar. Cabelos
loiros, olhos castanhos, sobrancelhas grossas. Realmente, eu acho que conheço
esse homem.
– Está tudo bem? – pergunta.
– Sim, está tudo bem.
– Sinceramente, me desculpe.
Faço um gesto com a mão, e antes que ele diga mais alguma coisa, é
puxado pelos seguranças para fora do prédio e seguido pelas garotas.
Intrigada, permaneço parada e observando a cena tão inusitada, e acima
de tudo, tentando lembrar onde vi esse cara antes. Sério, onde eu o vi?
– Estranho...
Continuo olhando, mas o pigarro de uma mulher me faz acordar e notar
que minha mala tranca a passagem. Pego minhas bagagens e finalmente estou do
lado de fora. A van onde o rapaz entrou, sai em disparado pela rua, deixando a
orla de "fãs" a ver navios e eu com o meu questionamento.
No entanto, jogo as dúvidas para longe e vou a procura de um taxi, afinal
de contas, mesmo que eu quisesse muito saber quem é aquele cara, não é aqui
plantada que vou descobrir.
Devidamente sentada no táxi e com os meus fones de ouvido, entrego o
endereço para o motorista e partimos. Mais uma vez, a paisagem não me
surpreende, então curto a brisa que entra através da janela enquanto cantarolo
'Devil' do Super Junior. Fico pensando em tudo o que me espera nesse um ano
aqui na Coreia e o quanto eu queria que ela estivesse aqui para ver onde cheguei.
Tenho certeza que ficaria orgulhosa.
No entanto, meus lindos planos de uma vida melhor e regada a
ostentação são bruscamente quebrados pelo toque do celular. Olho para o visor,
mas desconheço o número. O código não é do Japão e muito menos da França.
Será que é a Didie? Mas, não é o número dela.
– Alô?! – por via das dúvidas, atendo em inglês.
"Alô?!" – um sotaque coreano chega aos meus ouvidos.
– Alô?!
"É a senhorita Emily Kojima falando?"
– Sim, sou eu. Aaahh... Quem é?
"Eu sou Tae Young, da imobiliária"
– Ah! Olá, Tae Young-ssi. No que posso ajudá-lo?
"Por acaso, a senhorita já chegou a Coreia?"
– Sim, e acredito que estou chegando no novo apartamento. Por quê?
O silêncio toma conta da ligação. Desconfiada, pergunto:
– Algum problema?
“Na verdade, sim. O que acontece é que o depósito do apartamento
não foi aprovado."
– Como é? – pasma, eu indago – Não foi aprovado?! Mas..., Mas eu fiz o
pagamento há quase duas semanas.
O bendito da imobiliária começa a explicar a grande merda que
aconteceu no banco, algo relacionado a conversão de moeda, e que por essa razão
o depósito não foi realizado.
Ele fala, fala e fala, como se ficar explicando fosse resolver alguma
droga de coisa. E pior, nessa falação toda, o táxi estaciona em frente ao que
deveria ser minha nova casa.
– E então... – impaciente, interrompo – O que vai acontecer agora?
"Infelizmente, a senhorita não poderá ficar no apartamento até que o
problema seja resolvido"
– Como é que é?? – praticamente grito – E onde o senhor pensa que irei
ficar?
"Me desculpe, mas é o procedimento"
No auge da minha raiva, eu grito e grito com o idiota da imobiliária,
mesmo sabendo que não dará em porra nenhuma. E no fim, desligo e jogo o
celular no banco.
Aaahh... MERDA! Meu primeiro dia aqui e já me acontece uma coisa
dessas?
– Senhorita? – o taxista me olha pelo espelho – Estamos no lugar certo?
– Me desculpe... – respiro fundo – Poderia me dar um segundo?!
Pego o aparelho e ligo para Danny, na esperança de que possa me ajudar,
nem que seja para encontrar um hotel vagabundo e bem barato.
– Danny?!
"Olá, Emy. Já chegou a Coreia?"
– Sim e, para falar a verdade, preciso de ajuda.
Explico a bela situação na qual me encontro e, como se não pudesse ficar
pior, Danny diz que está fora da capital e só retornará amanhã. ÓTIMO!
"Me desculpe, Emy". – ela diz.
– Tudo bem.
"Infelizmente, não posso ajudá-la pessoalmente, mas passarei o
endereço de alguém que pode"
– Sério?
"Sim" – ouço sua risada – "Vou enviar por mensagem, ok?!"
Cheia de esperança e muito agradecida, despeço-me e sua mensagem
chega nem cinco segundos depois. Como não faço ideia de onde possa ser, mostro
ao taxista e novamente caímos na avenida.
Ai... Que ódio!
Que ódio! Que ódio! Que ódio!
Porra! Menos de duas horas em solo coreano e já tenho que lidar com
tudo isso? Sério, eu não sou obrigada. Não mesmo! Paguei adiantado para não ter
qualquer problema e no que deu?
– Só pode ser brincadeira... – esbravejo em japonês.
Tento me acalmar ouvindo música, mas é inútil. Estou tão irritada que
torço para que a Lei de Murphy não aconteça ou certeza que vou surtar; alguns
minutos se passam e eu continuo no táxi.
Os prédios, a cada quarteirão, ficam maiores e mais suntuosos. Outdoors
para todos os lados e fachadas de grifes brotando de não sei onde. Esse deve ser
um dos bairros mais caros e chiques da cidade.
– Chegamos senhorita. – o taxista diz.
Olho para o prédio através da janela e quase quebro o pescoço. Que
alto!
– Muito obrigada e me desculpe. – digo.
Depois de pagá-lo e ter ajuda com as malas. Encaro os portões bem
trabalhados e, respirando fundo, entro. Como em alguns prédios no Japão, não há
porteiro, o que me obriga a desbravar o prédio em busca do tal apartamento.
No elevador, uma senhora toda produzida me faz companhia e reparo no
seu olhar torto para as minhas roupas. Ué? Será que ninguém nesse lugar usa jeans
e camiseta?
– Com licença. – digo, ao chegar no andar.
Para a minha surpresa, há uma única porta em todo o andar. Bom, não é
de se admirar que os apartamentos seriam grandes num prédio tão luxuoso quanto
esse, mas agora, um por andar? Daí, já é demais.
– E lá vamos nós...! – encorajo-me e respiro fundo.
Toco a campainha e espero. Não ouço barulhos vindos de dentro por uns
minutos e acabo apertando a campainha outra vez.
Espero... Espero... Espero...
E quando penso em dar meia volta, a porta se abre e ambos arregalamos
os olhos, perplexos.
– Mas... Mas... – gaguejo.
– Como você chegou até aqui? – ele indaga.
– Não me diga... Não me diga que você mora aqui...
– E quem mais moraria? – retruca – Agora é sério Emy, como você
chegou até aqui?
Encaro Noah plantado do lado de dentro, esperando a minha resposta, e
tudo o que consigo pensar é que o maldito Murphy tinha toda a razão.
Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior
maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível.
Capítulo 12
Com as mãos nos meus ombros e sua típica expressão atrevida, Noah
continua me encarando, à espera de uma resposta. Pode ser apenas impressão ou
coisa da minha cabeça louca, mas sinto que seus olhos - muito sutilmente -
incentivam-me a ficar, nem que seja por essa noite.
Será?
Bom, tratando-se do popular vocalista do Excellent Souls, até posso
esperar que esse "incentivo" tenha outras intenções. Principalmente, depois da
bela cena que protagonizamos no meu apartamento.
No entanto, lá no fundo, eu ainda acredito que ele esteja fazendo isso por
simples boa vontade. Afinal, querendo ou não, acho que podemos ser
considerados amigos ou talvez colegas. Bem, é o que eu acho.
– Você deve estar se divertindo muito as minhas custas, não é?! –
debocho, soltando o ar com força.
– Por que acha isso? – pergunta, rindo.
– Porque esse sorrisinho não me engana.
De novo, seu sorriso de moleque travesso me amolece dos pés à cabeça.
Como consegue? É só um sorriso, droga, não deveria causar tanto "estrago"
assim.
E o pior de tudo é que vê-lo com esse semblante tão tranquilo e contente,
com esse sorriso, me faz relembrar e reviver o que passei o último mês evitando:
as sensações estranhas que provoca.
– Não estou me divertido, acredite. Mas essa sua cara cheia de dúvidas é
muito engraçada.
– Cara cheia de dúvidas?
– Sim. – ele consente – Você tem umas expressões muito engraçadas.
– Babaca!
Calada, eu o observo. Pela primeira vez, diferente da sua aura cretina,
seu bom-humor me contagia e traz à tona mostra mais um dos lados misteriosos do
senhor Mitchell: esse jeitão todo despojado e simples de ser.
Um lado dele que até então eu nunca tinha conhecido e que, mais do que
chamar minha atenção, me leva a tomar uma decisão - no mínimo - muito idiota.
– Só por hoje, ouviu?! – digo e ele ergue a sobrancelha – Só por hoje eu
vou aceitar a sua oferta, querido "primo".
– Chega desse papo de primo. – revira os olhos, fazendo-me rir.
Visivelmente alegre com a minha escolha, Noah pegas as malas antes
encostadas ao lado do sofá branco, e fala:
– Venha comigo.
Tomando a iniciativa, ele caminha em direção ao corredor da discórdia e
eu o sigo, observando os quadros postos simetricamente nas paredes. Passamos
uma, duas, três, quatro portas e paramos diante a quinta. Curiosa, observo a
madeira branca por uns segundos e depois olho para ele.
– Já que você é minha hóspede por hoje... – leva a mão a maçaneta e
sorri de lado – Vou te mostrar onde iremos dormir.
– Espera aí! – detenho-o e enrugou as sobrancelhas – Que história é esse
de "iremos dormir"?
– Por que o espanto? É óbvio que você vai dormir no meu quarto.
– No seu quarto?! Esse aí é o seu quarto?
Sem um pingo de vergonha, assente e de novo tenta girar a maçaneta. E
eu volto a detê-lo.
– Mas nem em sonho! – exclamo.
Noah gargalha e bagunça os meus cabelos. Qual a graça?
– Você achou mesmo que dormiríamos juntos?
Abre a porta do quarto e entra com as malas. Eu, com as bochechas
vermelhas e cara de besta, continuo parada no corredor, pensando o quão idiota
sou por imaginar que ficaríamos na mesma cama.
– Ei, não vai entrar?
Soltando fogo pelas orelhas e querendo esganá-lo, entro no aposento,
mas a minha raiva vai embora ao ver a beleza do lugar. Espaçoso e muito bem
decorado, como provavelmente o restante do apartamento, é um quarto realmente
fabuloso.
– Minha irmã usa este quando vem para cá. – Mitch comenta – Espero
que fique bem aqui.
– Muito obrigada!
– Como a Danny não vem muito para cá, vou pegar algumas coisas que
talvez você vá precisa. Fique à vontade, ok?!
Concordo e vejo-o sumir porta a fora.
Sozinha, analiso ao redor e sorrio ao ver algumas fotos presas num
pequeno mural, onde os irmãos Mitchell divertem-se com os amigos e, acredito
eu, com os pais; sem demora, alcanço minha mala e tirou uma muda de roupas.
Estou suada, cansada e tudo o que mais quero agora é de um bom banho.
Por sorte, o banheiro fica dentro do quarto e eu não precisa dar mais do que dez
passos para chegar nele, o que poupa as minhas energias.
Assim como o quarto, o banheiro também é imenso e totalmente
decorado. A banheira de mármore escuro se destaca no canto do cômodo e só
imaginar essa belezinha cheia de água e espuma me dá vontade de chorar.
- Você vai ser minha companheira nos próximos quarenta minuuuutoooos.
Largo meus pertences na bancada e, mais do que saltitante, me aproximo
da borda e giro o registro. Giro, giro e giro. Cadê água?
- Ué?!
Tento mais uma vez e nada de água. Viro para um lado, viro para o outro,
e nada. Sinto uma ponta de frustração cresce no meu peito. Poxa, eu queria tanto
entrar nessa banheira.
- Não faça isso comigo, querida banheirinha.
Disposta a uma última tentativa, giro o registro com tudo e um jato d'água
jorra com força para cima, e só então percebo que quebrei a torneira.
- Não, não, não, não... ISSO NÃO ESTÁ ACONTECENDO!
Desesperada, tento conter a água, mas a pressão é tanta que só o que
consigo é ficar completamente ensopada. Olho para a água jorrando, a torneira na
minha mão, o piso cada vez mais molhado, e minha mente fica em branco.
Merda! Merda! Merda!
O que eu faço? Se o Noah entrar aqui e ver essa bagunça, tenho certeza
que não vai pensar duas vezes antes de me expulsar. Ai, ai, ai... O QUE EU
FAÇO???
- Já sei!
À passos escorregadios, corro até a bancada e agarro a toalha que deixei
ali, e por muita sorte não vou ao chão. Enrolo a toalha na torneira, mas inteligente
como sou, só me dou conta de que os esguichos d'água escapam por entre os
furinhos do tecido e tentar conter o vazamento com a toalha não vai dar em nada.
- Meeeeeerdaaaaaa! - esbravejo.
Fico na briga por mais uns segundos e, de repente, sua voz surge no
quarto. Congelo.
- Emy, eu esqueci de dizer que a torneira da banheira está...
Quando ele aparece na porta do banheiro e vê a destruição, o susto é
tanto que ele arregala os olhos e solta os lençóis que segurava. Totalmente
constrangida, afasto-me da torneira e seguro a barra da camiseta molhada,
procurando um buraco para enfiar a cabeça. O silêncio entre nós toma o ambiente
e o único som que se escuta é o maldito esguicho d'água atrás de mim. Poxa, que
mancada acabo de dar!
- No... Noah, eu... Eu não queria...
Subitamente, sua gargalhada interrompe meu pedido de desculpas e fico
confusa. Não era para ele estar bravo?!
– Por que está rindo? – pergunto.
Sem fôlego, faz um gesto qualquer com a mão e desata a rir novamente.
Observo-o escorar no batente da porta e se contorcer de tanto gargalhar.
Sério, qual o problema desse homem? Eu aqui, morrendo de vergonha, e
ele rindo como se não houvesse amanhã?! Filho da mãe!
– Isso não é engraçado! – esperneio.
– Emy... Emy...
– Pare de rir!
– Não dá!
- Francamente...
Ignorando sua felicidade as minha custas, volto para a banheira e tento
reter a água.
– Ao invés de ficar rindo que nem um imbecil, venha me ajudar a parar
isso.
– Só se você disser: Tasukete kudasai, senpai.
Encaro-o, desacredita.
Sorrio de lado e entro na banheira: – Vou te mostrar uma coisa...
Com a ajuda da toalha, mando o jato d'água direto para Noah e o acerto
em cheio. Agora surpreso, olha para as roupas molhadas e depois me fuzila, e
quem começa a gargalhar sou eu.
– Achou bom?
– Você vai ver só...
Tomando cuidado para não escorregar, ele corre na minha direção e
entra na banheira. Toma a toalha da minha mão e nossa guerra d'água tem início.
– Para, Mitchell!
– Você começou, agora aguenta.
Debaixo do jato, nos molhamos, jogamos água um no outro, e rimos
como crianças. Minha roupa está toda úmida e pegajosa, mas a dele não está
muito diferente, à não ser pelo fato da camiseta branca marcar perfeitamente o seu
peito e evidenciar suas tatuagens. Ele é verdadeiramente lindo. Lindo e atraente.
E por um instante, inevitavelmente, minha atenção é tomada por essa visão.
– Emy?
– Hã?
– O que você está olhando? – abaixa o olhar para o próprio peito e volta
a me encarar.
Alarmada, levanto a cabeça com tudo e acabo pisando em falso. Meu pé
escorrega no piso da banheira e sinto o corpo indo para trás, no entanto, a mão
dele agarra meu pulso e impulsionando o próprio corpo, Noah gira e bate com as
costas na parede, fazendo-me esbarrar com o seu peito.
– Você está bem? – pergunta, preocupado.
Ergo o olhar e deparo-me com uma visão mais bonita do que seu peitoral
marcado na camiseta. Os fios úmidos do seu cabelo escuros caem sobre os seus
olhos e colam sensualmente na pele da sua testa.
– Emy?
– Sim, estou bem.
– Tem certeza?
– S-sim...
Sem nos distanciarmos, continuamos nos observando, a água molhando
ainda mais nossos corpos grudados. Subitamente, sinto sua mão deslizando pela
curvatura das minhas costas, deixando um rastro quente sobre a minha pele úmida.
'
"Tum tum, tum tum'.
Meu coração bate forte. Nossos rostos estão cada vez mais próximos e
seus lábios tornam-se muito tentadores. Engulo em seco.
– Emy...
Delicadamente, seus dedos enredam-se entre os meus cabelos e levam-
me para si. Da mesma forma que aconteceu no meu apartamento, roça seu nariz ao
meu, procurando o encaixe perfeito, e cobiça meus lábios.
Porém, por mais imersa que eu esteja no desejo de beijá-lo e deixar que
me domine, eu o detenho, colocando os dedos em sua boca.
– Você acha mesmo que eu vou te beijar? – indago, surpreendendo-o –
Não se sei lembra, mas... À minutos atrás, se não engano, você provavelmente
estava beijando uma garota estranha. Ou estou errada?
Um pouco surpreso com as minhas palavras, ele sorri e beija os nós dos
meus dedos. Então diz:
– Ela não significa nada para mim.
– Do mesmo jeito que eu não significo? – rebato.
Sua expressão fica séria. Calados, nos confrontamos, e por um instante
arrependo-me de ter aberto a boca.
– Você significa, Emy.
Perplexa com o que acaba de dizer, observo-o por uns segundos e com o
coração batendo à mil, pergunto:
– O que eu significo para você, Noah?
Percebo seu olhar vagar e não entendo. O silêncio nos envolve e a mão
que antes acariciava minhas costas, justa-se a outra e deslizam por meus cabelos;
com um sorriso tristonho, beija a minha testa e suspira. Toma espaço e diz:
– Pode me ajudar a enxugar o banheiro?
Confusa, assinto e logo estamos separados. Vejo-o fechar o registro ao
lado da pia e segundos depois entrega-me um pano e um balde. E sem demora,
começamos a limpeza e esquecemos a conversa.
[...]
Acordo com o toque estridente e irritante do meu celular. Acordo entre
aspas, porquê depois daquela cena no banheiro, eu mal consegui fechar os olhos,
tentando imaginar por qual razão o idiota do Noah disse aquelas palavras: "Você
significa, Emy". Significo? Significo o quê?
Quer dizer, eu deveria ser apenas a melhor amiga da sua 'sei lá o quê' e
não passar disso, não é?! Mas, da maneira que falou ontem e o jeito como me
olhou, só me faz ter mais certeza de que há algo por trás disso. E mais uma vez, eu
tenho medo de descobrir o que é.
Quero manter o nível que estamos, mas como faço isso com o coração
disparando sempre que me toca ou simplesmente sorri? É quase impossível!
– Se acalma, Emily Kojima! – bato nas bochechas, tentando tomar
vergonha na cara – Se acalma e vá resolver seus verdadeiros problemas.
Num impulso, levanto e vou direto para a mala pegar algumas roupas,
preciso me arrumar para ir até a imobiliária e tentar solucionar o grande
inconveniente que me causaram. Agarro o que acho primeiro e saio do quarto em
direção ao de Noah.
Infelizmente, eu tenho que usá-lo já que a banheira da suíte da Danny está
quebrada e os outros banheiros do apartamento são apenas para "enfeite". Uma
bela droga, diga-se de passagem.
Devagar, abro a porta do quarto e o vislumbro esparramado sobre a
cama. Não querendo fazer qualquer barulho que possa acordá-lo, caminho para o
banheiro pé ante pé, porém, minha jornada é interrompida com a visão do seu
rosto completamente adormecido. Molhado, ele é lindo, mas dormindo consegue
ser ainda mais. Tanto que por uns minutos, eu o fico observando em seu sono.
– Segue seu rumo, Emily! – digo a mim mesma, tomando consciência do
quão idiota estou agindo.
Me apresso, entro no banheiro e tranco a porta. Respiro fundo. De
problemas, definitivamente, já bastam os que eu preciso resolver com aquele
corretor tapado.
Como uma maratonista, termino de me arrumar, roubo uma fruta da
cozinha do dono da casa e disparo para a rua. Checo o endereço da tal
imobiliária mais uma vez, antes de entrar no táxi e só então entrego ao motorista.
Durante o trajeto, tento de todas as maneiras distrair meus pensamentos
com outras coisas que não sejam Noah Mitchell e por breves minutos até consigo,
mas quando avisto um outdoor com seu rosto estampado, todas as lembranças da
noite passada ressurgem e me acertam como um soco no estômago.
Nossa brincadeira debaixo d'água, nossas risadas, nosso quase beijo...
Tudo isso me causa tantas sensações indevidas que fica difícil não sucumbir à
todas elas.
Eu tenho que ser forte!
Tenho que ser forte, não só pela Didie, mas por mim mesma. Por que eu
sei, com absoluta certeza, que abrir meu coração para esse homem vai destruir a
minha vida.
– Como a caixa de Pandora... – solto um sorriso fraco e volto a olhar
através da janela – Minha caixa de Pandora.
Trinta minutos se passam e finalmente estou diante a imobiliária, e só de
olhar para a entrada desse lugar, já me sobe o sangue.
Respiro fundo, uma e outra vez, e entro. A recepcionista me olha de cima
à baixo e dá um sorriso gentil. Pega meus documentos e depois de lhe explicar
toda a situação, pede que eu aguarde na sala ao lado.
O causador de toda a desgraça aparece após alguns minutos e todo
constrangido, pede-me mil desculpas e começa a justificar o que houve com o
depósito do meu novo apartamento e todas as malditas burocracias monetárias
que precisam ser feitas.
Mais uma par de incontáveis minutos se passam e tudo o que eu quero é
gritar e espernear feito uma descontrolada. Assim como aconteceu por telefone, o
velho fala e fala e fala, mas no final, deixa praticamente explicito que não pode
fazer nada até que o banco libere o pagamento.
Tentando esconder a minha raiva, ajeito a bolsa e despeço-me do idiota
do outro lado da mesa. Saio da imobiliária soltando fumaça pelas orelhas e
martelando a cabeça atrás de uma saída para essa situação, mesmo que a mais
óbvia esteja praticamente estampada na minha testa.
Será que Noah aceita um hóspede por mais alguns dias?
Capítulo 14
– EMILY!!!
Ouço seu grito ecoar do corredor, seguido por seus passos rápidos no
assoalho de madeira, e em questão de segundos Noah está diante mim. Com uma
expressão irritada, ergue a mão e mostra a minha calcinha roxa pendurada no seu
dedo indicador. OH OH! Fiz de novo.
– Você quer me ferrar, é isso?! – esbraveja – Porque é a única
explicação.
Olho para a peça, olho para o seu rosto, e volto ao que estou fazendo.
– Eu sei que disse "sinta-se em casa", mas isso já é demais, né?! –
continua reclamando – É a segunda vez, Emy, a segunda vez.
– Me desculpe, ok?! Morei sozinha por muito tempo e tenho esse hábito.
É difícil mudar da noite para o dia.
– Quem raios tem hábito de deixar roupa íntima pendurada no banheiro?
– Todo mundo, ué. – dou de ombros – Você que é certinho demais.
– Certinho nada. E outra, eu não te dei um cesto justamente para que
colocasse sua roupa suja?!
– Sim... – reviro os olhos.
– Custa usar?
– Desculpa.
Ergo o olhar e a expressão irritadiça continua ali. Noh suspira, uma e
outra vez, massageando a têmpora com a mão livre. Vê-lo rabugento desse jeito
me dá vontade de rir, mas, além de deixá-lo mais bravo, sei que não estou em
posição para gracinhas. Então prefiro ficar calada.
Ignoro a bronca e volto a cortar os legumes para o café da manhã, no
entanto, logo percebo que se esgueirar perto do fogão para tentar ver o que
preparo e seu estresse matinal dá lugar a curiosidade. Como um garoto
bisbilhoteiro, ele chega mais perto e pergunta:
– O que está fazendo aí?
– Omelete.
– Tem para mim?
– Claro!
– Hum... – observa-me de relance, com ar pidão – Pode botar um pouco
de queijo e ervas?
– Sem problemas.
– Valeu!
Magicamente, seu aborrecimento desaparece e eu até poderia dizer que o
episódio de minutos atrás nunca aconteceu, tamanha é sua felicidade por saber
que vai ganhar uma omelete com queijo e ervas.
Bem, o que mais eu poderia esperar do senhor bipolar?
– Já volto para fazer o café, está bem?! – ele diz, rodeando o balcão.
– Certo.
– Vou me livrar disso primeiro – ergue novamente minha calcinha e
revira os olhos – Já volto.
Mitch caminha para o corredor, coçando os cabelos desgrenhados e
soltando o ar com força, e assim que desaparece por ele, eu grito:
– Obrigada!
– Obrigado o cacete! – retruca.
Rio da sua resposta marrenta e dou atenção ao nosso café da manhã.
Faz exatos cinco dias que estou dividindo o mesmo espaço com Noah
Mitchell e em cinco dias eu aprendi que "morar" com ele é mais divertido e
complicado do que parece, principalmente, por que essa criatura abala minhas
estruturas sem fazer o mínimo esforço.
Depois do nosso quase beijo no banheiro, não houve mais qualquer tipo
de aproximação e eu também não procurei mais saber ou entender o motivo pelo
qual disse que eu significava algo para ele, mesmo que vez ou outra, me pegue
pensando nisso.
Tal como o primeiro beijo e o "presente" de formatura, eu trato de fingir
que esses momentos mais íntimos não passaram de pura casualidade. E bom, acho
que de alguma maneira eu não estou errada em pensar assim, pois fora esses
momentos não houve mais do que flertes e olhares provocativos ou sua completa
indiferença, o que muitas vezes me deixa confusa em relação ao que ele
verdadeiramente quer comigo.
Em um instante me deseja e em outro me repele. Mesmo que eu quisesse,
é impossível compreender uma grama que seja da cabeça desse homem. Por essa
razão, a melhor saída é continuarmos como estamos, amigos e nada mais. Apenas
amigos.
– Admito que ter uma "colega de quarto" é mais vantajoso do que eu
imaginava. – ele diz, cortando um pedaço da omelete – Principalmente quando ela
sabe cozinhar tão bem.
– Se você não estivesse certo sobre eu ser uma ótima cozinheira, eu iria
te mostrar a verdadeira vantagem de ter uma "colega de quarto" – rio.
Noah enfia um pedaço do que preparei na boca, e mais outro e mais
outro, e quase não consegue mastigar de tão cheia que está.
– Por que não come devagar? – indago, servindo café.
– Fupue... – mastiga e mastiga, e engole – Porque isso está realmente
gostoso!
Seu elogio me envergonha. Por mais que ele tenha dito isso nesse dois
dias, ter alguém elogia a minha comida fora a Didie, deixa-me contente.
– Obrigada!
– Quem tem que agradecer sou eu. Como sabe, eu não como muito em
casa à não ser quando minha irmã vem e me prepara alguma coisa. Geralmente eu
como na agência ou em restaurantes.
– Bom, pelo menos nas próximas duas semanas você terá o que comer.
– Isso é ótimo. – novamente sorri.
Cessando a conversa, ele trata de dar atenção para o café da manhã e
mais uma vez impressiona-me o quanto pode comer. Esse aí é magro de ruim.
Terminamos de comer e como venho fazendo, tiro as louças da mesa e
ponho dentro da pia. Mitch não impôs nem uma regra para que eu possa ficar
aqui, mas sinto-me na obrigação de ajudar como posso.
Seja fazendo comida ou arrumando suas tralhas, quero pagar por sua
hospitalidade e mostrar que estou grata por tudo o que está fazendo. Mesmo
depois de ter explicado os meus motivos, reparo que ele não gosta muito de me
ver limpando, mas não impede e apenas dá uma mão quando pode.
– Já que minha irmã te deu esses dias para resolver o caso do
apartamento, por que não tira um tempo para trabalhar na sua coleção?! –
questiona, guardando o que restou da comida.
– Talvez eu faça isso.
– Quando você começa a trabalhar com ela, falando nisso?
– No início da semana que vem.
– Ah... – assente – A propósito, acho que volto tarde da agência hoje.
– Por que está me avisando isso? – franzo o cenho – Eu hein...
– Ué?! Somos amigos de casa agora, esqueceu?!
– Disse bem. Amigos e não casados. Eu não tenho nada a ver com os
seus horários.
– Credo! – solta uma risada – Estava demorando para a verdadeira Emy
dar as caras.
– Se você não me deve explicações, eu não te devo explicações.
Entendeu?!
– Aaaahhh... Então quer dizer que você está bancando a liberal só para
não me dar justificativas?!
– Ora essa... Mesmo que não fosse, eu não te devo nada.
– Ah, é?! – semicerra os olhos e põe as mãos na cintura – Só porque
disse isso, amanhã de manhã vai ter uma lista na parede da sala com coisas que
você pode ou não pode fazer enquanto estiver aqui.
– Como é? Você não se atreveria...
– Ei, a casa é minha. Incomodados que se mudem.
Desacreditada, eu o encaro e seguro toda a vontade de dar-lhe um belo
safanão na cabeça.
– Filho da puta!
– Olha essa boca, mocinha...! – me repreende, aos risos – Isso é jeito de
falar com o seu senhorio?
Fula da vida, aperto as mãos em punho e dou alguns passos em sua
direção.
– Eu vou matar você!
– Eu sei e é por isso que estou dando o fora. – pisca e sorri.
Num movimento rápido, Noah pula por cima do balcão e corre em
direção ao corredor. Posso ouvir suas risadas ecoando e o bater da porta do seu
quarto.
Essa é a parte divertida de morar com ele. Vivemos provocando um ao
outro como duas crianças e rimos a maior parte do tempo, nos damos realmente
bem. Às vezes, bem até demais. E é aí que entra a parte complicada de estar no
mesmo espaço que ele. Se tudo o que eu sentisse por esse homem fosse
"camaradagem", seria muito mais simples lidar com essa situação e levar suas
brincadeiras, mas não é assim e está longe de ser. Como sempre...
Finalmente sozinha no imenso palacete do vocalista da Excellent Souls,
resolvo colocar em prática o que ele recomendou. Pego os meus materiais
guardados no fundo da mala de viagens e a pasta de esboços, enfio tudo debaixo
do braço e volto para a grande sala de estar.
Como não há mesa de centro ou outro apoio e o dia está realmente
bonito, opto por usar a mesa da varanda. Além de sentir o Sol e o ar "fresco",
ainda posso observar a paisagem incrível que o vigésimo quinto andar
proporciona.
– Ao trabalho, Emy!
Com uma dose de ânimo próprio e 'Here It Goes Again' do Ok Go,
começo a desenhar. Nesse últimos dias tive tantas ideias que não me admiraria ter
duas ou três coleções daqui a algumas horas.
Segurando meu rosto entre as mãos, Noah guia o movimento dos nossos
lábios, reivindicando-me para si. Seu beijo não é feroz. É envolvente, ardente, e
como sempre me faz perder a cabeça em questão de segundos.
Sua língua escorrega sobre a minha, quente e macia, compartilhando o
sabor do mel e conhaque que antes experimentara e agora torna o nosso beijo
muito mais sensual e excitante.
Mais uma vez, minha consciência grita que é errado, mas quem eu quero
enganar? Esperei tanto por esse beijo, tanto, que se eu pudesse jamais
abandonaria seus lábios. Meu Deus, quem eu quero enganar? Esse homem já virou
meu vício, minha ganância. Mesmo que eu queira ser forte ou o que seja, mesmo
que eu queria fingir, no final, eu acabo traindo minha própria convicção.
Desejo-o tanto quanto me deseja...
Desejo-o tanto quanto me é permitido...
Desejo-o tanto quanto me parece certo...
Eu desejo Noah Mitchell com todas as minhas forças e não há nada que
eu possa fazer contra isso.
Devagar, sinto suas mãos deslizando pela curvatura da minha coluna,
deixando aquele rastro fervente por onde passam e aprisionarem minha cintura,
me levando para ele. Arfante, me observa por uns segundos, mas nosso beijo logo
recomeça e, tanto seus dedos como os meus, procuram abrigo por debaixo das
camisetas. E se eu achava que seu toque era quente, agora sinto que queima minha
pele nua.
Um aperto mais firme me faz suspirar e então percebo sua dureza
roçando no meu estômago, e acabo suspirando outra vez. Corro com as unhas por
suas costas e sinto que estremece. As pontas dos seus dedos pressionam minha
pele, retribuindo a carícia, e ambos gememos.
Afasto-me, querendo tomar fôlego e o vejo de olhos fechados. Sua
respiração ofegante denuncia que está tão excitado quanto eu, e no segundo em
que nossos olhares se encontram, sei que não posso e nem quero mais como fugir.
– Quero você! – diz, surpreendendo-me.
– Noah...
– Aqui, agora. – traz sua boca até a minha e sussurra – Eu quero você,
Emy.
E lá se vai, o resto de bom senso que havia em mim. Não adianta. Apesar
de eu saber que o certo é tomar distância e dizer que não, meu corpo se nega a
aceitar isso. Eu sei que vou me arrepender. Ah, como sei! Mas cada poro do meu
corpo clama por ele.
Estou perdida.
– Eu também... – por fim, respondo – Também te quero.
Muito facilmente, me pega no colo e sem pensar duas vezes, beija-me
com verdadeira paixão. À passos cegos, caminha rumo a qualquer dos quartos,
mas é na sala que acabamos por ficar e o sofá de couro branco é o escolhido para
abrigar a nossa luxuria.
Sobre mim, Noah livra-se da camiseta e suas lindas tatuagens ficam à
mostra. Não me contenho em arranhar e acariciar seu abdômen enquanto ele,
apoiado nos braços, acompanha o que faço. Porém, não demora muito e sua mão
começa a percorrer minha coxa, nos encaixando ainda mais.
Sua boca volta a minha e nos deliciamos com mais um beijo. Seu peso
me pressiona contra o sofá, une nossos corpos, e sinto sua ereção friccionar entre
minhas pernas. Inquieta, me remexo à procura do seu contato e um gemido rouco
faz meus pelos eriçarem.
Nossas línguas continuam dançando, mas logo seus lábios abandonam os
meus e descem, trilhando beijos pelo queixo até a base do pescoço, onde posso
sentir que deixa um chupão daqueles bem molhados e maliciosos.
– Está sem sutiã, não é?! – murmura, observando meus mamilos rígidos
pelo tecido.
– Sim.
Aquele sorriso travesso surge em seu rosto e, num piscar de olhos, ergue
minha camiseta, retira, e meus seios pulam em sua direção. Noah se dobra até
eles e passa a língua em um e depois no outro. Com as mãos, une ambos e enfia os
biquinhos na boca, para então chupá-los e mordê-los como fez da vez no meu
apartamento.
Como louca, eu ofego e gemo com seus toques, aproveitando todas as
sensações que sua boca me desperta. Cada vez mais molhada e ofegante, puxo o
cordão da sua calça de moletom e meto a mão por dentro, envolvendo seu pênis
entre os meus dedos, fazendo-o novamente estremecer e soltar um gemido.
– Emy...
Sinceramente, acho que posso gozar só com sua voz me chamando desse
jeito ou apenas com a forma que seu pau, tão suave e duro, pulsa enquanto o toco.
De novo apoiado nos braços, impulsiona o quadril para frente e volta,
como se estivesse me penetrando, e mais um gemido lhe escapa. Aperto mais a
mão ao seu redor e tenho prazer de vê-lo fechar os olhos e respirar com força,
enquanto repete o mesmo movimento mais algumas vezes.
– Emy... – respira fundo – Vou acabar gozando desse jeito...
– Eu quero que você goze.
– Quer, é?! – assinto, e tirando minha mão de dentro da calça, fala: – Que
tal se eu fizer isso em outro lugar, huh?!
Suas palavras me deixam sem fôlego, assim como seus dedos entrando
pela barra do meu short de dormir. As lembranças do meu presente de formatura
vêm à cabeça e, quando afasta a minha calcinha para o lado, sei que estou prestes
a sentir um prazer que só ele consegue me dar.
– Lembra? – sussurra – Do seu presente?
– Claro que lembro.
– Eu também. E como lembro...
Centímetro a centímetro, seu dedo me penetra, obrigando-me a buscar ar.
Lentamente, entra e sai de mim, e um segundo prontamente lhe faz companhia.
Agarro os seus cabelos escuros e arqueio, querendo enfiá-los mais
fundo, mas esse homem é ardiloso e os afasta assim que percebe o que desejo.
– Sabe o que mais eu lembro? – diz, lambendo os próprios dedos.
No auge da minha loucura, só consigo mover a cabeça em negação.
– Ah, eu sei que lembra... – ri baixinho – Vamos lá, Emy, o que eu disse?
Tenho vontade de matá-lo por brincar assim, mas acima disso, eu quero
dentro de mim. Respiro fundo, reunindo todo o ar que posso, e cochicho:
– Eu... Você...
– Vou te ajudar a lembrar.
Enganchando os dedos no elástico do meu short, começa a baixá-lo e
leva também a minha calcinha. Percorre as peças pelo comprimento das minhas
pernas, bem devagar, e descarta no chão. Completamente exposta ao seu apetite,
ofego e ofego, esperando que me tome como sua.
– Noah...
– Ainda não lembrou?
– Eu...
Beija a minha barriga, desce para o meu púbis e coloca-se entre as
minhas pernas. Sinto seu hálito quente bater contra o meu sexo úmido e por
reflexo seguro seus cabelos.
– Eu sei que já disse, mas... Você é tão gostosa depiladinha desse jeito!
Tento chamar o seu nome, mas tudo o que sai é um profundo gemido.
– Fala para mim, Emy... Fala... – seus hipnotizantes olhos castanhos
encaram-me debaixo e, vez ou outra, apreciam minha entrada.
– Você... Você disse que queria me chupar todinha...
– E ainda quero muito. – morde o lábio e roça o dedo no clitóris – Você
quer também?
– Sim, sim... Eu... Eu quero!
Noah ri do meu desespero, como o bom filho da mãe que é, mas sua
língua escorrega em minhas carnes com tanta vontade que me arranca um grito.
Aperto suas madeixas e o fricciono no centro do meu prazer, exigindo que me
devore e seu grunhido demonstra que gostou da minha atitude.
De baixo à cima, explora meu sexo, me leva as alturas. Brinca com o
meu clitóris inchado e molhado, chupando-o e dando pequenas mordidinhas, e só
o que sei fazer é gemer e rebolar na sua boca. As ondas de prazer correm por
todos os músculos do meu corpo, causando-me espasmos quase dolorosos de tão
bons.
– Aaaahhh, eu... Eu...
– Quero beber seu prazer, Emy. – praticamente urra – Me dê tudo!
Sua língua me faz amor, várias e várias vezes, e com uma lambida que
consome toda minha força, me provoca um orgasmo devastador. Que orgasmo!
Ofegante, vejo-o levantar com pressa. Corre até a estante, abre uma
gaveta e em fração de segundos está a minha frente. Sua calça de moletom
desaparece juntamente com o resto, evidenciando seu membro maravilhosamente
ereto. Com os dentes, rasga o pacotinho laminado que fora buscar e tenho a
satisfação de presenciá-lo deslizando a camisinha até o fim.
– Abra as pernas, Emy. – ele diz, os olhos queimando de tesão.
Eu o faço, mas no instante em que está sobre mim e sinto que se encaixa,
fico tensa. Respiro fundo. Eu quero e quero muito, além disso, já chegamos longe
demais para parar agora. Então, relaxo e o beijo.
Lentamente, sinto que começa a empurrar. Vai e volta algumas vezes.
Com alguma dificuldade, me abre, me conquista, e num empurrão mais forte,
funde-se a mim. Ambos gememos.
Fecho os olhos, acostumando-me com todo o seu tamanho dentro de mim
e permito que me invada. Devagar, pressiona o quadril ao meu, chegando cada
vez mais fundo, deixando-me cada vez mais louca.
Noah procura a minha boca e sua língua imita os movimentos que faz.
Assim como eu, sinto que seu corpo também treme e sua respiração está mais
rápida. Assim como eu, ele também está lutando para não se perder. Mas, para ser
sincera e com o último resquício de mente que me sobra sem ter esse homem, eu
sei que já fomos totalmente absorvidos por nosso desejo.
– Porra, Emy! – rosna e morde o lábio – Você é apertada demais, não
vou aguentar por muito tempo...!
Segurando firme o braço do sofá, acelera suas estocadas e toca o mais
íntimo do meu corpo. Como uma flor, me abro para recebê-lo. Mais forte, mais
rápido, mais intenso. Nossos corpos se unem e nossos gemidos aumentam. Finco
as unhas em sua pele macia e mais uma vez sinto os espasmos do orgasmo
dominando meus músculos e revirando os meus sentidos.
– Noah-ah...Aaaahh...
– Vem para mim, Emy... Goza bem gostoso só para mim...
Com os olhos cravados aos meus, pega-me forte pela cintura e me
possui. Vejo como sua expressão retrai numa agonia prazerosa e com mais
algumas estocadas, nos deixamos levar pelo prazer. Seu gemido rouco e profundo
junta-se ao meu e seu corpo cai sobre mim, exausto.
Eu o abraço e cheiro seus cabelos repletos de suor. Meu coração bate
rápido, muito rápido. Porém, reparo que o seu também está acelerado. Por que
será?
– Deixe-me levantar. – ele diz, dando um beijo na minha bochecha.
Consinto e, por fim, nossos corpos se desconectam. Ainda respiro com
certa dificuldade, mas a felicidade de tê-lo tão perto leva qualquer cansaço para
bem longe. Sinceramente, eu nunca pensei que poderia me sentir assim, tão feliz e
plena.
– Eu vou jogar isso fora e...
Para de falar quando olha para algo no sofá. De início, não dou atenção,
mas assim que vejo seu semblante preocupado, levanto.
– O que foi? – pergunto.
Ele não responde e aponta. Arregalo os olhos ao vislumbrar a pequena
mancha de sangue no estofado branco e minhas bochechas queimam de imediato.
– Eu machuquei você? – indaga, preocupado.
Totalmente constrangida, nego. Seu olhar continua sobre mim.
– É sério, Emy. Se eu tiver, por favor, me diga.
Noto que realmente está aflito com a possibilidade. Deus, como vou
dizer isso a ele?
– Emy?
– Não é isso. É que...
– É que?
– Noah, eu... – respiro fundo – Eu era virgem.
Os olhos dele se abrem de tal forma que, por um segundo, pensam que
vão saltar para fora. Nos encaramos e sinto minhas bochechas ficando mais
quentes. Eu devo estar parecendo um pimentão.
– Sério?
– Sim.
– Emy...
Envergonhada e infinitamente sem graça, abaixo a cabeça. Noah fica
calado ao meu lado e um clima estranho surge entre nós. Acho que eu não deveria
ter dito, ou melhor, deveria ter contado antes de fazermos.
– Eu deveria ter falado antes e...
Sua mão no meu queixo interrompe a explicação. Lentamente, ergue meu
rosto de encontro ao seu e por um instante apenas nos observamos. Tento desviar,
mas não permite.
– Me desculpe...
– Obrigado, Emy! – interrompe.
– O que?
Sem entender absolutamente nada, fico calada, enquanto ele se inclina e
beija a minha boca. Um sorriso gentil enfeita seus lábios logo em seguida.
– Obrigado por ter deixado eu ser o primeiro!
Capítulo 16
Estou travando uma batalha com a gata da minha futura chefe. Uma
batalha que eu estou perdendo e feio. Mesmo com o antialérgico que Noah
comprou, eu não paro de espirrar pelos cantos. Maldita alergia!
Tem pêlos por todos os lugares e por mais que eu passe e passe o
aspirador, parece que essa gata tem mais uns 10kg de pelo para soltar. Por isso
que eu não gosto de gatos. Não gosto de gatos!
– Sai bichinho... – digo ao vê-la – Me dá uma trégua, por favor.
A cada patinha que a gata se aproxima, mais eu vou para trás. Essa gata
me odeia, não é possível. Parece que sabe que não a quero por perto e se diverte
me vendo desesperada desse jeito. Gatinha descarada.
– Sai, sai... – tento afastá-la balançando o pé – Saaaaaaiiii...
Continuo balançando o pé para que vá embora, mas, de repente, ela
dispara na minha direção e eu só tenho tempo de pular no sofá antes que sua
aproximação cause um desastre nasal.
Vejo-a correr para o outro lado da sala e só então percebo o motivo para
ter quase me matado. Rindo como nunca da minha cara, Mitch pega o projeto de
bomba com pêlos no colo e se aproxima.
– Não! – detenho – Não chegue perto!
– Sério que você está fugindo de uma gatinha, Emy?!
– Claro que estou! – desço e tomo distância, sinto meu nariz coçando –
Você viu o que ela provocou nesses dois dias?
– Mas, e o antialérgico?
– Eu não sei qual o poder dessa gata, Noah, mas nem o remédio está
dando conta. – novamente ele ri e tenho vontade de jogá-lo pela janela junto com
a bomba felina – Não tem graça!
– Você fica muito fofa com o nariz vermelhinho, sabia?!
Bufo e ergo a mão em punho. – Deveria deixar o seu vermelho também?
Ele gargalha e acabo rindo também. Colocando a gata no chão, observo-
o tira a camiseta e joga na poltrona. Meus olhos, como sempre, ficam vibrados no
seu peito e nas elevações do seu abdômen, suas belas tatuagens, e aqueles
benditos pensamentos impuros surgem na minha cabeça.
O conhecido efeito "Mitchell" ataca novamente.
– Você é um poço de gentileza, hein?! – ele diz e reparo que está bem
perto de mim. Suas mãos deslizam pelos meus cabelos, colocando-os detrás das
orelhas.
– Por que tirou a camiseta?
– Porque eu estou louco para te beijar e não quero que sua alergia
estragasse o momento. – morde o lábio.
– Você é um idiota! – sorrio.
Fecho os olhos e sutilmente nossos lábios se encontram. Toda vez que
nos beijamos, mais viciada fico no seu sabor e mais eu o quero só para mim.
Estou me tornando uma egoísta, muito egoísta, e a razão de todo o meu egoísmo é
ele.
– Por que está vestida assim? – questiona, afastando-se – Vai sair?
– Uhum.
– Aonde vai?
– Departamento de trânsito.
- Departamento de trânsito? – ergue a sobrancelha.
– Sim. Quero tentar tirar uma carteira.
– Oh... – senta de qualquer jeito no sofá e me observa – E também
pretende comprar um carro?
– Não. Andei pesquisando e vi que posso alugar um por mais de um mês.
É o que vou fazer.
– Por que alugar um carro?
– Porque eu acho que será mais fácil quando eu precisar voltar para o
Japão.
– Voltar... Para o Japão?
Repentinamente, ficamos em silêncio. Saiu tão naturalmente que só agora
eu percebo o quão sério é esse assunto. Claro que eu tenho consciência de que
vim para a Coreia apenas por um ano, mas, com tudo o que está acontecendo, será
que terei coragem de voltar?
– Você pretende voltar? – ele indaga.
– B-bem... – pigarreio – Não faz nem um mês que cheguei aqui, Noah,
então acho que esse assunto...
– Tem razão. – me corta e respira fundo – Acho que não é o momento
para falarmos sobre isso, não é?!
Sem pensar muito, apenas consinto. Realmente, não é hora para falarmos
sobre isso. Até porquê, muitas coisas acontecem em um ano e eu não quero tomar
decisões precipitadas.
– Melhor eu ir. – digo, pegando minha bolsa.
– Lembre-se que o pessoal virá para cá hoje, se puder voltar antes...
– Ok, senhor. – sorrio – Vamos manter tudo como combinamos?
– Sim, eu acho melhor.
– Tudo bem.
Ele concorda e eu sorrio. Ajeito minha bolsa, e antes de sair, inclino-me
e o surpreendo com um beijo.
– Até mais tarde. – sussurro.
– Se você fizer isso, eu...
– Bye!
– Ei!
Deixo-o falando sozinho e corro para a porta, aos risos. Ele vive
dizendo que as minhas expressões são engraçadas, mas deveria se olhar no
espelho de vez em quando. As suas são mais cômicas que as minhas, com certeza.
Hoje Noah trará alguns amigos para o apartamento, pelo o que eu pude
entender, são os membros do Excellent Souls e um ou outro que não conheço.
Concordamos em agir como "primos" na frente dos demais. Conversamos e
achamos melhor não revelar que estamos numa relação. Um tipo de relação que
eu mesma ainda não sei como denominar. Se isso pode ser chamado de relação.
Além disso, explicar que uma mulher está vivendo no seu apartamento
sem ter qualquer vínculo que não seja o sexual, poderia trazer algum incomodo,
tanto para ele quanto para mim, e por esse motivo preferimos abafar a situação,
pelo menos por enquanto. Melhor prevenir do que remediar, não é?!
– Até nisso somos complicamos... – rio sozinha.
Uma vez na rua, entro no primeiro taxi que aparece. Eu deveria tomar
vergonha na cara e tentar aprender a andar de ônibus, afinal, estou gastando mais
do que posso bancando a turista por aqui. No entanto, como Mitch pediu que eu
voltasse cedo por causa dos amigos, acho que mais um passeio de táxi é possível.
Como de praxe, dou o endereço para o motorista, coloco os fones de
ouvido e fico imersa nos meus pensamentos. Aquela história do "faça de conta",
bem, eu ainda não sei se devo realmente concordar. Estou seguindo o fluxo desses
dias e não voltei a tocar no assunto e ele tão pouco.
Contudo, acho que não tem um minuto que isso não esteja rodando e
rodando na minha cabeça. Eu não recebi mais mensagens da Didie, o que me dá
certo alivio, pois acho que não seria capaz de ficar sossegada e refletir sobre a
situação. Porém, algo dentro de mim, insiste que isso não vai dar certo.
Por mais que eu queira dar uma chance a ele, ainda sinto que estou sendo
uma grande cretina com a Audrie. Certo, certo, eu sei que eles não estão mais
juntos e já cansei de ouvir o senhor Mitchell falar isso. Mas, será que eu devo
apenas me fingir de cega e seguir com isso? Será?
Resumindo: eu não sei o que fazer.
– Faça de conta, Emy. É tão difícil assim? – suspiro – Apenas faça de
conta...
Depois de uma hora conversando no Departamento de Trânsito e tirando
todas as dúvidas de como posso conseguir minha carteira internacional, decido
passear um pouco pelos arredores. Pelo o que me lembro, o pessoal só chegará
por volta das sete da noite, o que me dá tempo suficiente para explorar o quanto
quiser.
Compro um copo grande de chão gelado e começo minha jornada.
Despreocupadamente, caminho pela multidão apressada, olho as grandes lojas
espalhadas por todos os cantos e cobiço as barraquinhas cheias de comidas
deliciosas e cheirosas. Até penso em parar e provar algo, mas graças ao jantar, eu
prefiro deixar para outro dia. Seria muita falta de educação.
Ando, ando e ando. Se fosse outra pessoa, com certeza já teria se
perdido.
– Acho que está na hora de voltar. – digo a mim mesma, olhando o
relógio.
Termino de comer o meu sorvete e levanto para conseguir um táxi que me
leve de volta para o apartamento do "meu primo". No entanto, caminhando para o
ponto de táxi mais próximo, me deparo com a perfeição em forma de roupa em
uma vitrine e quase derrubo uma pobre senhora para ver mais de perto.
Olho, olho e olho. Que vestido mais bonitinho! Bem, eu não uso muito
vestido e, para falar a verdade, eu tenho certa aversão desde aquela época. Mas,
este está tão lindo, que não tem como não gostar.
– Devo pelo menos provar?
Observo a vitrine mais uns segundos e tomo coragem de entrar.
A funcionária me recebe muito bem e eu indico que quero provar o
vestido da vitrine, o floral. Ela abre um sorriso e, acredito eu que por gentileza,
diz que tenho muito bom gosto.
– Pode entrar, senhora. – indica o provador.
– Obrigada!
Jogo a bolsa sobre o banquinho, livro-me do jeans e da camiseta, e sem
muitos problemas visto o vestido.
– WOW!
Viro para um lado, viro para o outro. E não é que ficou bom? Viro de
novo, e de novo, e de novo. Não consigo acreditar que ficou mesmo tão bonito.
– Será que devo tirar uma prova? – pergunto para o meu reflexo. Outra
vez tomando coragem, coloco a cabeça para fora e a funcionária vem até mim.
– Está tudo bem, senhora?
– O que acha?
Saio do provador e vejo que abre um sorriso. Algumas pessoas me
olham e sinto que estou, ou muito bonita ou horrível.
– O-o que acha? – pergunto.
– Está linda, senhora!
– Mesmo?
– Sim. Parece que foi feito para você.
Seu comentário me deixa contente. Está explicado como vendedoras
conseguem ser tão persuasivas. Elas mexem com egos.
– Vai levar?
Pego a etiqueta e engulo seco ao ver o preço. Tão caro!
– Aaahh...
Titubeio por um instante. Eu quero tanto levá-lo, mas é tão caro. Não
tenho nem dinheiro para comer direito, como vou ter para comprá-lo?
– M-me desculpe... – digo – Eu acho que...
– A senhora pode parcelar, se for do seu interesse.
– Posso?
Usando o meu lindo vestido floral comprado em 3 vezes, tento não
morrer esmagada dentro do metrô e só o que consigo pensar é que estou bem
atrasada.
São quase nove da noite e, se não fosse a bateria do meu celular ter
acabado, certeza que teria recebido milhares de mensagens do Noah. Quer dizer,
eu devo ter recebido, só não pude ler.
Com toda a minha habilidade circense até então desconhecida, consigo
descer na estação, um pouco ofegante e descabelada, mas consigo. Apressada,
procuro a saída do metrô, a qual encontro sem muito esforço, e corro porta à fora.
Ainda bem que estou de tênis e são apenas quatro quarteirões até o condomínio de
luxo no qual estou hospedada, caso contrário, eu não chegaria para essa reunião
nem ferrando.
Mais ofegante e descabelada do que antes, entro no hall e tomo vergonha
o suficiente para tirar a pequena escova que levo na bolsa e parar diante o
espelho para ajeitar o visual. Só deve ter celebridade lá em cima, aparecer que
nem um boneco de posto está fora de cogitação.
– Ainda bem que o vestido não amassou muito. – dou uma última
analisada e, pela primeira vez, tenho confiança para passar o batom vermelho –
Está ótimo.
Me enfio dentro do elevador enquanto guardo minhas tralhas e antes
mesmo que eu perceba, estou no andar dele. Encaro a porta e fico em dúvida.
Será que entro direto ou aperto a campainha? Bem, à essa altura, ele já deve ter
dito que estou "morando" aqui por um tempo, mas não seria muito estranho ou
indelicado eu entrar direto, como se a casa fosse minha?
– Melhor tocar.
Aperto a campainha e espero. Começo a ficar nervosa. Dá para ouvir o
barulho vindo de dentro e parece que há mais do que sete ou oito pessoas. Eu
deveria ter presumido que o senhor da ostentação entraria em ação.
Segundos correm e ouço passos no corredor. Do jeito que eu demorei,
tenho quase certeza de que vou ouvir poucas e boas do Noah assim que essa porta
for aberta, então, melhor me preparar.
– Me desculpe por ter demorado tanto, é que... – paro de falar assim que
percebo que não é ele.
Nos encaramos por um instante e, sabe-se lá porquê, esses cabelos
louros e sobrancelhas grossas me parecem muito familiares. Observo, observo e
observo.
– Te conheço?! – pergunto.
– Ah, não sei. – diz, erguendo a sobrancelha.
– Você é o... David Lee, certo?! O baixista da Excellent Souls?!
– Sim, sou eu. – sorri – Na verdade, meu nome artístico é David. Mas a
maioria me chama assim, então tudo bem. E você deve ser a prima do Noah?
– S-sim, sou eu.
Reparo que seu olhar mede de cima à baixo e um sorrisinho estranho se
forma no canto dos seus lábios. Qual é?
– Por favor... – dá um passo para o lado – Entre.
Faço o que diz. largo os tênis no armário e caminhamos para a sala, ao
encontro dos demais.
– Onde está o... O meu primo? – indago.
– Acho que está no quarto.
– Certo.
Reconheço os outros membros da Excellent Soul e fico alheia aos outros.
Deve ter quase vinte pessoas aqui e isso porquê aquele idiota disse que seria uma
"reunião" simples. É né, simples para quem?
– Venha. – David diz – Sente-se, por favor.
– Obrigada, estou bem.
– Quer uma bebida?
– Pode ser.
O homem de cabelos loiros sai e ressurge magicamente com uma lata de
cerveja, e me entrega.
– Obrigada.
Ele bate sua lata na minha, como se brindasse, e sorri gentil. Bebemos.
Por alguma razão, por mais que eu saiba quem é, tenho a sensação de que já nos
encontramos antes. Mas, aonde foi? Eu nunca o encontrei em qualquer das festas
no Japão, então, onde já vi esse cara?
– Sabe... – diz, cortando o silêncio – Tenho a sensação que te conheço de
algum lugar?
– Sério? – me surpreendo – Eu tenho essa mesma impressão de você,
mas não consigo lembrar.
– Eu também não. Só tenho essa sensação.
Analiso-o por um instante, forçando a mente para tentar lembrar e súbito
tenho um estalo; cubro seus lábios e nariz com a mão e, por fim, consigo lembrar.
– Já sei de onde te conheço!
Vejo-o ficar corado de repente e só então percebo que o toquei sem
permissão. Afasto-me.
– Desculpe...
– Tudo bem. – sorri – Mas, diga-me, de onde nos conhecemos?
– Do aeroporto.
– Aeroporto? – franze o cenho, mas logo relaxa e estala os dedos – Sim!
Você é a garota na qual esbarrei no aeroporto.
– Sim, sim.
– Nossa! Que coincidência.
– Digo o mesmo.
– Quem diria que a linda garota na qual esbarrei é justamente a prima do
meu vocalista.
Seu comentário me deixa um pouco sem graça e acabo sorrindo.
Entretanto, meu sorriso logo se desfaz quando o olhar nada amistoso de Noah me
alcança do outro lado da sala.
Capítulo 18
Petrificada com sua reação hostil e frieza de partir os ossos, observo seu
rosto raivoso enquanto tento entender o que realmente está acontecendo aqui e em
como devo responder à essa atitude tão egoísta e mesquinha depois de tudo o que
me fez passar.
Sua raiva me desconserta, assim como o misto de sentimentos que revira
meu interior, e tudo o que passa na minha cabeça são as prováveis reações que eu
possa ter para essa agressão barata.
Opção A: jogo esse idiota com cadeira e tudo varanda à baixo;
Opção B: caio de joelhos e choro feito uma criança;
Opção C: ponho as garras para fora e ataco no melhor estilo Emy.
Definitivamente, eu escolho a opção C. Por mais que meu coração esteja
partido com o que fez e agora com suas palavras tão duras, por mais que eu
realmente queira cair de joelhos e chorar feito uma criança, não vou lhe dar esse
gostinho.
Mas nem ferrando!
Noah Mitchell procurou pelo o meu lado ruim e é isso o que terá. Quem
está errado aqui é ele e não eu, ou seja, não faz o mínimo sentido estar furioso
dessa maneira. A "vítima" dessa palhaçada toda sou eu!
– Você não quer olhar na minha cara? – ironizo, cruzando os braços.
– Exatamente! Eu não quero, Emily, então saia daqui e me deixe em paz.
– Você é um cretino!
– Tem certeza que o cretino aqui sou eu? – retruca – Tem certeza?
– Absoluta!
Percebo que minha resposta o irrita. Eu sei que detesta quando bato de
frente e sou atrevida, mas sou assim e não vou mudar, muito menos agora.
Ele respira com força e coça os cabelos. Inquieto, acende outro cigarro e
dá um trago longo, soltando a fumaça lentamente pelo nariz.
– Apenas saia daqui, Emily. – pede, tentando manter a calma – Eu
realmente não quero falar com você.
– Quem deveria dizer isso sou eu, não acha?!
Como se tivesse escutado a maior barbaridade da vida, apaga o cigarro
quase inteiro no cinzeiro e me encara com seu olhar enfurecido.
– Você está de brincadeira comigo?! – esbraveja – Só pode ser Emily,
porquê seria muita cara de pau dizer isso de verdade.
– Nunca falei tão sério.
Noah morde o lábio com força e joga um palavrão para o alto logo em
seguida, anda de um lado para o outro, coça a nuca com certa brutalidade e mais
um palavrão lhe escapa, transformando sua impaciência em algo quase palpável.
Eu não consigo entender. Como pode estar tão bravo, sendo que ele
cometeu o erro? Mesmo sabendo que é um completo bipolar, isso já está
passando dos limites.
– Você não tem vergonha de agir assim? – eu digo – Por que não para
logo com todo esse fingimento?
– Que fingimento, Emily?
– Emily, Emily... Pare de me chamar assim!
– Esse é o seu nome, não é?! – retruca e fico calada – Então pronto.
Noah 1 x 0 Emily
Odeio quando me chama pelo nome inteiro. Isso nos torna tão estranhos e
faz meu coração ficar apertado. No entanto, não posso sucumbir. Se ele quer meu
lado ruim, ele terá.
O ar está tão pesado que sinto meus ombros sendo esmagados. Nos
enfrentamos, nos provocamos. Eu tenho vontade de socá-lo até que seus lindo
dentes caiam no chão e seu rostinho sonso fique irreconhecível. Quero esganá-lo!
Como pode continuar dando uma de desentendido e irritado?
– Eu sei o que você fez, Mitchell, não adianta ficar mentindo. – jogo as
cartas na mesa.
– E daí?
– Como assim 'e daí'? – indago, furiosa – Você faz a merda e eu que
tenho que pagar?
– Ah, por favor... – ri com désdem – Se aquilo é fazer merda, por favor,
me diga porque preciso rever meus conceitos.
Desacreditada com o tamanho da sua falta de vergonha, me aproximo um
passo e meto o dedo com força em seu peito, fazendo-o soltar um gemido.
– Por acaso está querendo dizer que não acha nem um pouco errado o
que fez?
– Mas é lógico que não! E outra, eu fiz pensando em você. O que há de
errado nisso?
– Vai se ferrar! – grito.
– Como é? – arregala os olhos – Quem você...
– Diz que não é errado o que fez e me julga por dançar com o David?
– Você não dançou apenas com o ele, Emily. – me afasta – Você sorriu
para ele, você olhou para ele, você o tocou e... E...
– E você? O que você fez foi mil vezes pior!
– Mil vezes pior?
– Foi!
– Por favor, Emily, como você quer comparar as duas coisas?
Fora de mim e num surto repentino, começo a esmurrar seu peito nu,
colocando toda a força que a decepção me permite. Como pode? Como?
– Eu odeio você!
– Para com isso! – agarra meus pulsos com firmeza e nos encaramos –
Por que me odeia, Emy?
– Você ainda pergunta o por quê?
– Pelo amor de Deus, Emy, o que há de tão errado no que eu fiz? Eu só
tirei a droga da gata da minha irmã do quarto!
Quando ouço, congelo. O que?
– Que? – pisco feito uma idiota – O que acabou de dizer?
Tomando distância, Noh volta para a cadeira de antes e senta. Sem
conseguir mover um músculo, espero por sua resposta.
– Isso mesmo o que ouviu. Fui tirar a gata da minha irmã do estúdio.
Atordoada, eu observo sua expressão irritadiça e a ficha parece não
querer cair.
– Mas... Você sumiu e...
– Sumi porque um amigo disse que ouviu a gata arranhando a porta e que
parecia desesperada. – suspira profundamente – Foi então que eu decidi ir vê-la e
tirá-la do estúdio, pois ela detesta ficar em lugares que não tem o nosso cheiro. E
como estávamos dividindo o meu quarto e eu não queria que sua alergia atacasse,
levei a gata para o quarto da Danny.
De repente, as imagens da noite anterior vêm à tona e então percebo que
aquele vulto maligno surgindo da porta nada mais era do que a gata descarada
aproveitando para fugir. O que também explica o motivo por eu ter acordado
quase morrendo de tanto espirrar.
Meu Deus, se tudo isso que ele disse é verdade, quer dizer que cometi
um engano? Não pode ser...
– Mas, eu te vi sair do corredor tentando arrumar as próprias roupas e...
– Eu estava tirando os pelos de gato da roupa. – bufa – Não tinham
muitos, por isso não vi a necessidade de trocar.
– E a garota?
– Que garota?
– A que eu vi saindo do corredor pouco antes de você e que depois ficou
toda chegada e...
– Aquela era uma das garotas que assinou com a agência recentemente, e
praticamente uma criança se comparada comigo.
– Então quer dizer que... Você e ela não...
– Você pensou que nós transamos, Emy? – questiona, visivelmente
surpreso.
Constrangida, consinto e ouço sua respiração forte.
– E por isso correu para o baixista da minha banda?
– Eu não corri para ele!
– Você passou quase a noite inteira com ele, Emy. Dançando e rindo
como se eu nem existisse. Sendo que a única coisa que eu fiz foi pensar em você,
levando a gata para um lugar afastado.
– Noah...
– E depois. – passa a mão no rosto e respira fundo – Depois ele ainda te
levou para o quarto. Para o quarto, Emy! E demorou um tempão para sair de lá,
porque eu fiquei sabendo.
– Ele só me ajudou.
– Te ajudou a quê? Hum?
– Não é o que está pensando.
– E o que eu devo pensar?
Fico calada. Não posso acreditar que tudo não passou de um mal-
entendido. Droga! Agora entendo perfeitamente a razão pela qual está irritado
desse jeito e não é para menos. Tirei conclusões precipitadas, me deixei levar
pela raiva e acabei magoando-o sem qualquer motivo, ainda por cima, usando seu
amigo.
Você é uma idiota, Emily Kojima! Uma grande idiota!
– Noah, eu...
– Por favor, Emy. – solta um suspiro longo e cansado – Me deixe
sozinho.
Vejo seu olhar perder-se no céu escuro de Seul e meu coração dói. Eu
não queria tê-lo magoado, não mesmo, mas fiquei tão cega com o ódio de pensar
que estivesse com outra mulher na mesma cama que compartilhamos na noite
anterior que nem me veio à cabeça de que poderia ser um equívoco e dos feios.
O que eu faço?
Não quero ficar nesse clima, não quero vê-lo chateado dessa maneira e,
acima de tudo, não quero que pense que estou interessada em outro homem. Ele é
tudo o que eu quero e preciso. Ele é o meu faz de conta proibido, minha culpa,
meu desejo. Noah é, por mais que eu não deva e nem queira admitir, o homem que
tomou posse de mim.
Devagar, me aproximo da cadeira e paro bem a sua frente. Reparo que
me observa de canto, mas logo dá atenção ao céu, ignorando-me. No entanto,
assim que pego em suas mãos e tento erguê-las, rapidamente vira o rosto e me
encara sério, para então soltá-las num puxão brusco. Contudo, sou persistente e
agarro suas mãos com mais firmeza, ele reluta, mas consigo trazê-las para perto.
– O que você está...
Sua bonita voz some quando guio suas mãos para debaixo da barra do
vestido e coloco sobre o elástico da calcinha, e sinto que pressiona minha pele.
Engole em seco. Nossos olhos se encontram e, mais do que surpresa, noto que há
ambição em seus espetaculares olhos castanhos.
– Tira. – digo.
– Emy...
– Por favor.
Hesitante, Noah me observa. Tenho receio de que me rejeite, afinal, seria
o mais óbvio depois do que fiz. Mas ao invés disso, sinto enroscar os dedos no
elástico e espalmar as mãos no meu bumbum. Apoiada em seus ombros, fecho os
olhos ao senti-lo deslizar a peça pelo comprimento das minhas pernas, bem
devagar, deixando seu conhecido rastro pelo o meu corpo.
Uma vez em meus pés, chuto a calcinha para o lado e permito que seu
olhar intenso invada a minha alma, assim como suas mãos grandes debaixo do
meu vestido, e o sentimento indevido no meu coração. Suspiro, tomando coragem
e sussurro:
– Fiquei com ciúmes.
Acariciando minhas coxas e sem desgrudar os olhos dos meus, Mitch me
coloca entre suas pernas. Aliso seus cabelos escuros e sedosos, num gesto
possessivo, e reparo o volume se formando em sua samba-canção. Minha
respiração acelera.
Sinto um arrepio correr na espinha quando toca a parte interna das
minhas coxas e cria círculos invisíveis com os polegares, bem perto da virilha.
– Eu não gosto dele. – murmuro – Eu gosto de você!
Seus olhos queimam de excitação e o volume que antes era sutil, agora se
faz mais do que evidente, pulsando sob o tecido de seda.
Naturalmente, mordo o lábio ao vê-lo tão atraído por mim. Me afasto um
pouco, o suficiente para conseguir me mexer, e subo vagarosamente a barra do
vestido até a altura da cintura e exponho-me totalmente para ele.
Noah admira o meu púbis à mostra e me aperta com mais malicia. Seu
toque arde em minha pele. Repentinamente, sua língua macia passeia pelo meu
monte vênus e quase engasgo com um gemido vindo do fundo da garganta,
apertando suas madeixas com força.
Chamo o seu nome baixinho, como se fazê-lo fosse diminuir o tesão que
eu sinto. Ele não responde, apenas me observa e sinto que está relutante com
alguma coisa, mas, tal como, prefiro o silêncio. Nossos toques e olhares dizem
mais do que todas as palavras do mundo.
A verdade é que estamos ardendo de ciúmes. Queimando, gritando. Tanto
quanto eu, ele também está se tornando muito egoísta.
Com a sensualidade que me tira dos eixos, chupa os dedos, molha-os
com sua saliva, e enfia-os entre minhas pernas. Para frente e para trás, desfruta do
meu sexo com destreza, enquanto sua outra mão trata de agradar seu pênis liberto
da cueca.
Molhada, excitada, e ofegante, sinto as pernas bambas a cada toque que
as pontas dos seus dedos dão no meu clitóris inchado.
– Senta em mim. – finalmente diz, me colocando sobre o colo.
Com uma perna de cada lado da cadeira, abro-me com os dedos e
abaixo, tendo de imediato a sensação da cabecinha roçando e forçando minha
entrada úmida.
Igual a um imã, meus olhos vão direto aos seus e, lentamente, vou
encaixando nossos corpos. Mais... Mais... Mais...
Centímetro a centímetro, meu interior conquista sua rigidez e num
impulso de suas mãos em meus quadris, estamos completamente unidos.
Noah me abraça forte pela cintura e não nos movemos. A sensação do
seu membro deliciosamente duro e pulsante dentro de mim é indescritível e,
sinceramente, acho que eu poderia ter o melhor orgasmo apenas com isso.
Apenas.
– Eu também fiquei com ciúmes. – confessa num sussurro – Não sabe o
quão difícil foi vê-la perto dele.
Subitamente, suas mãos aprisionam minha bunda, movendo para frente e
para trás, me fazendo ofegar com todo o seu tamanho.
– Tão linda... Nesse vestido... Tão tentadora... Com a boca marcada de
vermelho... – respira fundo e umedece os lábios – Quase enlouqueci... Pensando
que outro homem... Tocaria a minha pequena Emy...
Sua voz, suas palavras, sua respiração forte no meu pescoço e a forma
como me chamou de pequena. Movida por todas essas sensações, rebolo mais
depressa. Para a frente e para trás, ondulo os quadris comandada por suas mãos
possessivas e os sons que nossos corpos produzem ao se encontrar cada vez mais
rápido e mais intenso.
Beijo a sua boca e o gosto do cigarro de cravo me embriaga. Bebemos
nossos gemidos, compartilhamos nossos egoísmos. E tudo o que eu consigo
pensar, enquanto sinto seu pau invadir o mais profundo do meu ser, é que ele me
tem por completo.
Me segurando firme pela cintura e prendendo a barra do vestido, Noah
curva meu corpo para trás e tomo sustento em seus joelhos. Nas pontas dos pés,
continuo ondulando os quadris, sentindo que entra e sai de mim quase por inteiro,
e meu baixo ventre treme de prazer. Meu orgasmo se aproxima como um animal
voraz, prestes a me devorar, e a expressão dele demonstra que também está no
limite.
– Quero gozar dentro de você, pequena... Ah, quero... Como quero...
Fecho os olhos com força, lutando para que seu pedido não me
corrompa.
– Noah...
– Eu sei, pequena, eu sei...
Num impulso de consciência, tira-se de mim e começa a se masturbar
rápido, esfregando a cabeça no meu clitóris, e seu líquido escorre sobre o meu
púbis juntamente com o meu orgasmo que escorre para o seu colo.
Ofegante, sinto a leve brisa arrepiar o meu corpo e só então me dou
conta de que transamos na varanda do apartamento. Sorte que é madrugada e
estamos bem no alto, ou poderíamos ter problemas graves.
Com certo esforço, Noah consegue alcançar minha calcinha no chão
usando os pés e limpa seu gozo com ela, largando sobre a mesa logo depois.
Devidamente "vestidos" e recuperados, nos observamos por uns segundos e
partilhamos o silêncio da mesma forma que partilhamos os gemidos.
As pontas de seus dedos deslizam na minha bochecha e meu coração
acelera. Lembro da forma como me chamou de 'pequena' e um sorriso bobo me
escapa, tomando sua atenção.
– O que foi? – pergunta.
– Nada.
– Vamos, diga.
– Eu... Achei engraçado você me chamar de pequena.
– Achou?
– Uhum.
– E por quê? – ajeita uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
– Sinceramente, eu não sei.
Ele me analisa por um instante e logo sorri.
– Você é minha pequena, Emy. – envolve minha cintura num abraço e
apoia o queixo no meu ombro – Minha pequena obsessão.
Capítulo 20
"Isto é o que somos, nada mais do que bonecas nas mãos deles"
"Eu não quero mais. Não quero mais!"
"Nós vamos fugir..."
Leio e releio a mensagem pela quinta vez e suspiro. Eu não pensei que
resolveriam esse problema tão rápido, mas, bem, calhou de a imobiliária ser mais
eficiente do que eu imaginava e solucionar tudo antes da segunda semana
terminar.
Que ótimo...!
E agora? Com o meu apartamento finalmente liberado, o que devo fazer?
Noah saiu mais cedo do que o normal por causa das gravações das novas
músicas do Excellent Souls e aconteceu de a mensagem chegar logo depois disso.
Ainda bem, porquê com certeza teríamos uma longa conversa sobre isso e, se eu
não faço a mínima ideia do que pensar, quem dirá decidir alguma coisa.
Dou uma mordida no lanche, um gole no suco e pego a laranja na qual
desenhei um rostinho há minutos atrás só pelo simples tédio. Eu e essa mania de
rabiscar frutas.
– O que você acha Laran-chan? – pergunto – Eu vou ou fico?
Encaro o sorrisinho feliz do Laran-chan e o devolvo para o lado das
outras companheiras laranjas.
Eu quero ficar, quero muito, mas será que é certo continuar vivendo aqui
sendo que tenho meu próprio espaço? Uma semana pode até ser aceitável, duas
talvez, mas passar mais do que isso e ainda sob a mentira de que somos primos,
pode trazer problemas e nada pequenos. Afinal de contas, indiferente ao fator
"família", é possível que comecem a desconfiar caso eu fique por mais tempo do
que já estou.
Ai, ai, ai... O que fazer?
Como se já não bastasse aquele maldito pesadelo e o tal encontro com o
David essa noite, eu ainda tenho que me preocupar com mais isso? E falando em
encontro, por que raios eu concordei com essa doideira mesmo? Ah, claro,
porque eu sou uma estúpida e porque esse cara não sabe entender um não.
O que o assemelha muito à certa pessoa que divido a cama atualmente e
dá brecha para que eu tenho receio disso. Aquele "Para mim, já é mais do que
suficiente" está rondando a minha cabeça desde ontem e acendeu o alerta
vermelho.
Esse cara... Eu preciso é ficar de olhos bem abertos perto dele.
Engulo o último pedaço do lanche com o último gole do suco, pego a
bolsa sobre a cadeira ao lado e enfio os fones de ouvido, no meu mais novo ritual
matinal.
– Estou indo trabalhar Laran-chan. Até mais tarde.
Imóvel, a pequena laranja me dá "tchau" e eu saio porta à fora.
Pela primeira vez e com muito orgulho, pego um bendito ônibus coreano.
Conforme Mitch, a loja da sua irmã fica à alguns quarteirões do seu condomínio e
não tem erro. O único problema - se posso chamar assim - é que o ônibus para em
todos os pontos, ou seja, se um dia eu sair atrasada, vou chegar atrasada e pronto.
Mesmo sendo apenas o meu segundo dia como assistente da Danny, sinto
que já tive grandes evoluções. A atmosfera de trabalhar com uma designer é
totalmente diferente daquela que eu experimentara sendo personal stylist. Fazer
consultoria de moda, trabalhar em grandes desfiles e com celebridades é legal,
mas, para mim, nada é mais recompensador do que ver sua própria coleção
finalizada. E é isso o que eu espero que aconteça depois desse ano aqui na
Coreia.
– Bom dia, Emy! – minha chefe cumprimenta, assim que chego.
– Bom dia!
– Pronta para o segundo dia de trabalho?
– Claro! – sorrio.
– Ótimo, pois hoje temos muito o que fazer.
Concordo e sem demora vamos para o ateliê.
Como ontem, passamos a manhã analisando e discutindo sobre suas
criações e separando quais modelos serão inclusos para a próxima coleção de
outono. Na minha opinião, todos os desenhos são incríveis, mas Danny tem
discernimento para saber o que vai ou não agradar os clientes e usa muito bem a
seu favor.
As horas correm sem que eu perceba. Almoçamos todos juntos, tomamos
café, e durante a tarde fico encarregada de organizar as araras e os manequins; um
por um, vou ajeitando as bijuterias e as roupas, e minha mente, como não poderia
deixar de ser, volta ao assunto do apartamento.
Como será que ele vai agir quando eu contar? Eu devo contar? Quero
tanto ficar com ele, mas, ao mesmo tempo não quero dar mais trabalho do que já
estou dando ou causar problemas. No entanto, só de pensar que não adormecerei
mais em seus braços ou acordarei com seu rosto enterrado nos meus cabelos, faz
meu coração vacilar.
Suspiro e suspiro, tentando encontrar uma saída, mas o toque repentino
do celular interrompe minha frustração. Pego o aparelho e ao ver o número no
visor, respiro fundo. É uma mensagem do David.
Suspiro, uma e outra vez, relendo sua mensagem tão bonitinha e como um
soco o remorso me acerta. Que merda!
Agora, vendo o quanto se importa comigo, sinto que estou tremendamente
errada por ter concordado em encontrar o seu amigo abusadinho sem que saiba.
Droga! Droga! Droga!
'Tô pressentindo que isso não vai prestar.
[...]
Quinze minutos atrasada, chego a entrada principal do JW Marriott
Dongdaemun Square e paro perto da porta. Olho de uma lado para o outro à sua
procura, mas nem sinal. Vejo no celular que não há chamadas ou mensagens
perdidas, então deduzo que ele ainda não chegou e continuo esperando.
É isso. Tudo o que eu preciso fazer é tomar uma xícara de café com esse
cara e dar o fora. Infelizmente, eu "concordei" e agora terei que cumprir. Além
disso, querendo ou não, acho que posso tomar nosso encontro como um tipo
agradecimento ao que fez na festa aquele dia.
Por mais que tenha me causado alguns problemas depois, ele foi muito
atencioso ao tentar me distrair e animar enquanto eu queria esganar o vocalista da
sua banda achando que ele tinha ido para a cama com aquela pobre garota.
Bem, levando por esse lado, acho que encontrá-lo para um café não é
tãããoo ruim assim. Eu acho.
– Com licença. – um homem de cabelos escuros chama a minha atenção.
– Sim?
– A senhorita é Eun Ji?
– S-sim. Por quê?
– O senhor David está a sua espera.
– David?
– Exato.
– Onde...?
– Por favor, me acompanhe.
Mesmo receosa, acabo acompanhando o tal homem para dentro do
prédio. Caminhamos um pouco, no térreo mesmo, e paramos diante a uma loja
chamada 'The Lounge'. Um lugar muito bonito, por sinal.
– Por favor, ele está lá dentro. – indica.
– Muito obrigada.
Ao entrar, sinto-me mal por estar apenas de jeans e camiseta. O lugar é
realmente charmoso e exala requinte, tanto na decoração quanto nas pessoas que
estão espalhadas pelas mesas. E sinto como se fosse um peixe fora d'água.
– Eun Ji! – ouço uma voz, e ao olhar para o lado, vejo David.
– Ah, olá.
Numa demonstração estranha de cavalheirismo, ele levanta e afasta a
cadeira para que eu sente.
– Obrigada.
– Imagina... – sorri e volta a cadeira a minha frente – Como está?
– Estou bem.
– Me desculpe por não ter ido encontrá-la pessoalmente, mas, sabe como
é, não posso aparecer diante as pessoas ou acabaria causando confusão.
– Tudo bem, eu entendo. Esse é o lado ruim de ser uma celebridade,
não?!
– Um pouco. – sorri, tirando os cabelos louros dos olhos – Mas faz parte
do meu trabalho.
David sorri vaidoso e me limito a revirar os olhos. Deus, eles são todos
convencidos assim? Sério mesmo?
– Está com fome? Quer jantar? – ele pergunta.
– Pensei que tivemos combinado um café?! – rebato, fazendo-o sorrir.
– Um café, um jantar... Qual a diferença?
– A diferença é que eu só aceitei o café.
Surpreso com a resposta, me observa por uns segundos, como se
pensassem em como rebater, mas acaba soltando um sorriso.
– Está certo. – diz – Combinamos um café, então, tomaremos o café.
– Muito obri...
– Depois que terminarmos o jantar que eu pedi antes de você chegar. –
interrompe e sorri vitorioso.
Desacreditada, sou eu quem o encara, e aquele sorrisinho maldito no
canto de seus lábios começa a fazer meu sangue ferver; sem saída, respiro fundo e
entro no jogo. Como ele mesmo disse: um café, um jantar... Qual a diferença?
– Pois bem... – rio anasalado – Acho que me pegou.
– Ainda não.
– Como é?
– Nada. – balança a mão, negando – Estou pensando alto. Me desculpe.
Ele sorri e remexe os fios louros, exibindo a mesma expressão confiante
da festa de dias atrás, e deixando-me mais alerta do que nunca.
Sem demora, um garçom serve os pratos na mesa e também uma garrafa
de vinho, a qual reconheço ser a mesma que Noah levou para o meu apartamento
no Japão, e a culpa por tê-lo deixado sozinho com a desculpa de que iria ajudar
uma das garotas da loja me atinge como uma flecha. Eu não deveria ter mentido.
– Como não sabia exatamente o que poderia agradá-la, acabei pedindo o
mesmo que o meu. – fala, tirando-me dos pensamentos – Espero que goste.
– Ah... Muito obrigada.
Vejo-o erguer a taça com vinho e por reflexo faço o mesmo. Nos
observamos. E como na festa, ele bate a taça na minha, brindando.
– Pelo nosso café que virou jantar. – ele diz e acabo sorrindo. É muito
cara de pau!
– Pelo nosso café que virou jantar.
Enquanto comemos e partilhamos a garrafa de vinho, David conta sobre
suas experiências com o Excellent Souls e suas viagens ao redor do mundo. Conta
também as gafes que cometeu quando era apenas um amador e também durante os
shows, como escorregar no próprio suor ou tropeçar nos pés. E só o que faço é
rir.
Falamos, falamos e falamos. Falamos tanto que nem dou conta de quanto
tempo passou desde que chegamos ao restaurante, só que já estamos no café.
– E eu acabei pegando gosto e não parei mais. – ele fala, referindo-se ao
"emprego" de DJ.
– Deve ser bem legal animar festas.
– Sim, principalmente para mim, que adoro uma.
– Eu imagino... – sorrio.
Ele beberica seu café e percebo que me olha de relance.
– Mas, e quanto a você?
– Eu?
– Sim. O que a linda Eun Ji gosta de fazer?
– Linda Eun Ji? – indago, erguendo a sobrancelha.
– Ora... Nunca disseram que você é linda?
Subitamente, as imagens da noite anterior surgem na minha cabeça, assim
como a voz de Noah sussurrando 'linda' enquanto transávamos. Meu peito fica
apertado, muito apertado, e outra vez a culpa me assombra.
– Eun Ji?!
– Me desculpe – sorrio fraco – Eu fico um pouco sem graça quando me
elogiam...
– Pois não deveria, por que você é realmente linda!
Sinto as bochechas esquentando. Incrível como esse cara sabe mesmo
como constranger alguém e parece nem se importar com isso.
Tentando desviar da situação, pego o celular dentro da bolsa e quase
caio da cadeira ao ver que é quase meia noite e também as ligações perdidas do
meu "primo".
– Meu Deus...
– O que foi?
– E-eu preciso ir. – levanto – Eu preciso mesmo ir.
– Ei, acalme-se! – também levanta – Eu te levo para o apartamento do
Mitch.
– Não precisa!
– Por quê?
– Porque... Porque... Eu preciso ir.
Sem esperar por resposta, agarro a bolsa e disparo porta à fora. Caminho
apressada para a saída, mas sou segurada pelo ombro e forçada a virar. Observo
David com um boné e uma máscara preta cobrindo o rosto, da mesma maneira de
quando nos encontramos no aeroporto.
– Eu te levo. Não vou deixá-la pegar um táxi à essa hora.
– Eu já disse que não...
– Vamos logo.
Apoiando a mão em minhas costas, me empurra em direção ao
estacionamento, e em segundos estamos diante um Jaguar preto. Sem dizer
qualquer palavra, abre a porta do carro e faz sinal para que eu entre. Reluto, mas
faço. E sem demora ele toma o assento do motorista.
– Te levo para o apartamento do Mitch? – pergunta.
– Sim, por favor.
Engatando a primeira, David sai do estacionamento e caímos na avenida.
O percurso é curto, apenas alguns quarteirões, mas inquieta como estou,
parece que levaremos anos para chegar. Ele não fala, mas de soslaio, reparo que
me observa, provavelmente tentando entender o motivo de tanto nervosismo.
Será que estou sendo muito óbvia?
– Me desculpe. – eu digo, querendo afastar o clima estranho que se
instaurou entre nós – Amanhã entro cedo no trabalho e...
– Está tudo bem, Eun Ji. Acabamos perdendo a noção da hora, não se
preocupe. – ele sorri de maneira amável.
– O jantar foi muito agradável, e o café também.
– Digo o mesmo. Há tempo que não me divertia assim. Obrigado!
– Imagina...
De repente, vejo que já estamos em frente ao condomínio de Noah. Com
habilidade, David estaciona o carro do outro lado da rua, e diz:
– Está entregue!
– Obrigada.
– Quem deve agradecer sou eu. – sorri – Como disse, há tempo que não
me divertia.
– Eu também gostei muito.
– Devemos repetir?
Sua pergunta me pega de surpresa, tanto que nem sei o que dizer. Abro e
fecho a boca várias vezes, procurando o que responder, mas as palavras
simplesmente não saem, deixando-me constrangida.
– Quem sabe um dia, não é?! – ele fala, revertendo a atmosfera estranha.
– É...
Ouço sua risada fraca e suspiro. Solto o cinto de segurança, agarro a
bolsa e abro a porta, tudo muito rapidamente, querendo escapar do climão que eu
mesma criei. No entanto, antes de colocar o pé para fora, sinto a mão grande de
David deslizando em minha nuca até segurar firme meus cabelos.
Congelo. Escuto o 'click' do cinto de segurança e logo sua respiração
está contra a minha pele. Engulo em seco. Sinto seu nariz roçando no meu
pescoço, devagar, se aproximando da minha orelha.
– Sinceramente, eu espero que sim. – ele sussurra, movendo os dedos
entre os meus cabelos – Espero ter mais noites como essa com você.
Sem pensar duas vezes, dou um impulso para frente, desvencilhando do
seu toque. Espantado, me observa como se eu tivesse acabado de cometer o maior
crime do mundo, enquanto eu tento regularizar minha respiração.
– Você... – aponto – É muito abusado!
– O que?
– Passar bem, David Lee.
Furiosa, saio do carro e bato a porta com toda a força que tenho. Ando
apressada em direção ao condomínio, sem olhar para trás, e como um raio enfio-
me no elevador. Quase desesperada, olho os números mudando no visorzinho e
quase tenho um treco assim que estou no andar do Noah. Não posso demonstrar
que estou nervosa ou com certeza ele desconfiará que não estive com uma amiga.
De um lado para o outro, ando em frente a porta, respirando fundo tanto
quanto posso, e assim que percebo estar mais calma, entro. Caminho pelo
corredor mal iluminado e ao chegar na sala, encontro o dono adormecido no sofá.
Observo-o por uns segundos e decido me aproximar. Devagar, cruzo a
sala e vejo-o profundamente adormecido, segurando o celular em uma das mãos.
Será que estava me esperado?
Sem fazer barulho e com o coração cheio de remorso, agacho para
acariciar seu cabelos, mas sua mão subitamente agarra meu pulso, assustando-me.
Lentamente, Noah abre os olhos e nos encaramos. Noto que seu olhar está
diferente, e não é um diferente bom.
– Onde estava? – pergunta.
– Eu estava com a...
– Mentira. – corta.
– Noah.
Num movimento brusco, ele puxa meu braço para frente e caio sobre seu
corpo. Prendendo com força pela cintura, me observa atentamente cada pedaço do
meu rosto, como se lesse minha expressão, e diz:
– Seu hálito está cheirando vinho.
– I-isso...
Súbito, vira meu rosto com certa rudeza e afunda o nariz no meu pescoço.
Sinto que o aperto em minha cintura fica mais forte e uma respiração irritada bate
contra a minha pele sensível, fazendo-me estremecer.
– No...
– Eu reconheceria esse perfume em qualquer lugar. – interrompe e eu
engulo seco – Afinal, eu dei esse perfume a ele.
Segurando firme meu queixo, Mitch ergue meu rosto e ficamos olhos nos
olhos. O ciúme está estampado em seu rosto, assim como a decepção e a raiva.
– O que você estava fazendo com o David? – pergunta, o ódio nítido na
voz.
Eu o encaro e sinto o estômago revirar. Eu não deveria ter ido. Não
deveria.
Capítulo 22
[...]
Quase uma semana e eu não contei sobre o meu apartamento. No fundo,
eu acho que ele sabe de alguma coisa e, assim como eu, prefere deixar como está.
Depois da nossa confissão, não posso simplesmente fazer as malas e partir, até
por que eu nem conseguiria. A verdade é que estou presa à essa paixão e não
tenho como abandoná-lo sem arrancar uma parte de mim. Então, por enquanto,
mesmo que seja errado, eu vou continuar aqui e vivendo nosso 'faz de conta'.
– Você não vai para o estúdio hoje? – pergunto, terminando de arrumar
os cabelos.
– Hoje tenho algumas coisas para resolver aqui.
– Hum...
Visto a jaqueta, pego a bolsa e os fones de ouvido.
– Você poderia ficar e me fazer companhia, né?!
– Eu?
– Vou me sentir muito sozinho sem você aqui. – faz um bico e acabo
rindo.
– Não posso faltar, Noah.
– Só um dia.
– Nem um dia.
– E eu vou ficar sozinho?
Pego o Laran-chan da fruteira e dou a ele.
– Agora você tem companhia. – sorrio.
– Uma laranja com rostinho?
– É o Laran-chan.
– O máximo que posso fazer com o "Laran-chan" é um suco.
– Ei! Não mate o Laran-chan.
– Está bom... – revira os olhos e devolve a fruteira – Ele está salvo.
– Obrigada.
Checo se não esqueci nada, mas sou interrompida por um abraço.
Envolvendo minha cintura com força, Noah me arrasta para a sala, ignorando meu
protesto, e caímos sobre o sofá.
– Fica comigo. – ele diz, cravando seus espetaculares olhos castanhos
nos meus.
– Noah...
– Por favor?!
– Aaaahh... – dou risada – Você é muito carente, sabia?!
– Sou carente de você.
– Idiota!
Nos beijamos carinhosamente e, por um segundo, fico suscetível à não ir.
Porém, a responsabilidade fala mais alto.
– Preciso ir.
– Não pode reconsiderar?
– Não.
– E se eu... Te der um bom motivo para ficar?
Enfia a mão por debaixo da minha camiseta e novamente eu rio.
– Tire sua mão daí!
– Você não gosta quando te toco?
Engulo seco. Claro que eu gosto. Adoro! Mas não posso cair nas suas
provocações, tenho que trabalhar. Procuro uma forma de escapar do efeito
"Mitchell" e assim que ele afrouxa o toque, rolo sofá à baixo e corro para a porta.
– Não. Não gosto.
– Mentirosa! Volte aqui.
Aos risos, disparo para a porta querendo me afastar, mas ele vem atrás
de mim e me pega sem problemas.
– Repita e eu não te toco nunca mais.
– Você sabe que eu adoro, seu bobo.
– Bom mesmo. – beija o meu pescoço e eu reviro os olhos.
– Tenho que ir.
– Mais tarde, você não terá para onde fugir, viu?!
Concordo. Claro, como se eu quisesse muito fugir dos seus braços.
– Tenha um bom dia, pequena.
– Você também.
Nos beijamos mais uma vez, e toda sorriso, me ajeito para sair. Porém,
ao abrir a porta, meu sorriso desaparece, assim com o chão dos meus pés.
– Emy?!
Minhas mãos começam a tremer e sou obrigada a engolir seco a vontade
de chorar. Nos observamos. Observamos por infinitos segundos. E tudo o que
consigo fazer é balbuciar seu nome que por dias tentei esquecer.
– Didie...
Capítulo 23
"Oi pequena, como você está? Quando eu chegar em casa, vamos conversar, ok?!
Envio. Por uns minutos, espero por uma resposta e nada vem, como
presumi.
Respiro fundo, bagunçando os cabelos, e dou-me por vencido. Eu sei que
viu a mensagem, eu sei, então o que resta é esperar até estarmos frente a frente em
casa.
Um pouco mais tranquilo, deixo-me levar pela música. Mexo em alguns
arranjos junto com Teddy, gravo minhas partes nas novas canções e também as
partes de Dae e Youngbae. E de tão compenetrado, surpreendo-me ao ver que são
quase oito da noite. Quando foi que o tempo passou e eu não percebi?
– Eu preciso ir. – digo.
– Não quer terminar essa última passagem? – Teddy pergunta.
– Podemos deixar para amanhã?
– Você que sabe.
– Então prefiro deixarmos para amanhã. Estou cansado.
– Beleza.
– Vocês dois. – olho para os meus companheiros de banda – Terminem
aquela música.
– Nada folgado você, não é?! – Youngbae revira os olhos.
– Pode ficar sossegado, Mitch. – Dae sorri – Daremos conta.
– Valeu!
Cumprimento-os e não espero um segundo à mais para descer até o
estacionamento e pegar o Lamborghini.
Feito um raio, corto a rua e caio na avenida. Meu coração começa a
bater mais e mais rápido à cada quarteirão que avanço para chegar em casa. Olho
no celular e continuo sem notícias. Assim como eu, talvez Emy queira resolver
tudo cara a cara, por isso não ligou ou mandou mensagens. Bem, pelo menos, é o
que eu acho.
O caminho me leva alguns minutos, mas sinto certo alivio ao entrar com
o carro no estacionamento do condomínio. À passos rápidos, vou para o elevador
e aperto o botão do meu andar com ansiedade, como se isso fosse agilizar alguma
merda.
– Acalme-se, Noah Mitchell, acalme-se! – suspiro – Vai dar tudo certo.
Encorajo meu reflexo no espelho e novamente suspiro.
As portas do elevador se abrem e eu quase dou um salto para o painel da
minha porta. Digito o código depressa e forço a maçaneta, dando de cara com o
breu do corredor.
– Ué, ela ainda não chegou?
Busco por algum indicio seu. Largo os tênis no canto e caminho até a
sala, também escura. Chamo outra vez, sem resposta.
Olho para o relógio e são quase nove. Ela já deveria ter chego. Será que
precisou ficar depois do horário de novo? Com a nova coleção da minha irmã
prestes a ser lançada, não duvido que vá pedir a sua assistente para fazer hora
extra.
– Bom, terei que esperar. – falo para as paredes.
Morto de fome, decido comer qualquer coisa antes de tomar um bom e
relaxante banho; deixo a bolsa no balcão da cozinha e pego uma banana para
saciar enganar o estômago. Porém, ao abrir a lata de lixo para jogar a casca,
encontro o Laran-chan jogado ali. Arregalo os olhos. Me agacho para pegá-lo e
aquele aperto no peito vem com tudo. Observo a laranja sorridente com a casca
suja e minha ficha cai.
Como num estalo, largo tudo e corro para o quarto, abrindo a porta de
vez. Olho ao redor e as malas não estão aonde deveriam estar, assim como os
vidros de xampoo e seus tênis largados no canto do armário.
Ela não fez... Ela não pode ter feito...
– Não pode ser...
Esperançoso de que seja tudo um engano, vou até o quarto de Danny e o
encontro da mesma maneira. Olho no estúdio e nada. Olho no quarto dos meus
pais e nada. Olho cada canto do apartamento e não há mais qualquer sinal seu.
Ela se foi?! Ela, minha pequena Emy, realmente se foi?!
Volto para a sala e ligo para o seu celular. Chama, chama e chama. Cai
na caixa postal. Com o coração à mil, tento de novo, e de novo, e de novo.
– Pequena, me atende. – tento uma última vez, e como presumi, nada.
Encaro o aparelho em minha mão, sentindo um nó estranho entalar na
garganta e os olhos arderem. Engulo seco.
Ela se foi. Ela, minha pequena Emy, realmente se foi.
Desolado, desacreditado e segurando minhas emoções, observo as luzes
dos prédios que entram através da janela e iluminam a minha sala de estar
exageradamente grande e mobiliada.
Meu apartamento nunca me pareceu tão vazio quanto nesse momento.
Capítulo 25
O celular não parou de tocar, tanto que fui obrigada a desligá-lo ou teria
reclamações no meu primeiro dia como inquilina.
Quantas ligações e mensagem devo ter recebido em menos de 24 horas?
Vinte? Trinta? Cem? Não faço ideia, já perdi as contas. Tudo o que sei com
certeza é que são muitas e todas da mesma pessoa: Noah Mitchell.
Admito que fiquei suscetível a atender ou mesmo ler as mensagens, só
para senti-lo um pouco mais próximo e, de alguma maneira, manter a esperança
de que nosso laço não foi completamente desfeito, que ainda havia um jeito para
'nós', mas a imagem da minha amiga toda feliz ao reencontrá-lo e como o beijou
tão apaixonadamente, me fazem perceber que continuar acreditando que podemos
ficar juntos é uma grande besteira.
Eu tenho que esquecê-lo!
Por mais que meu coração fique em mil pedaços, por mais que eu sofra
até o último feio de cabelo, eu tenho que esquecê-lo.
Por que eu sei que é o melhor para todos nós.
Deitada na cama improvisada com lençóis comprados de última hora em
uma loja de conveniência, encaro o teto e sinto as costas latejando graças ao
desconforto do chão duro, afinal, sai com tanta pressa que esqueci que não havia
mais do que uns poucos móveis aqui no apartamento e, infelizmente, não incluía
nem uma cama e muito menos um colchão.
Bem, a verdade é que pouco importa. Fosse numa cama super macia ou
no chão, eu estaria desconfortável de qualquer forma, pois o que realmente
incomoda agora é o peso de tê-lo deixado para trás junto com a culpa de trair
minha melhor amiga.
Que merda!
Por que tudo isso tinha que acontecer? Por que eu tinha que me apaixonar
por ele? Justo por ele? O amor da minha amiga e quem eu deveria manter o mais
longe possível do meu coração?!
Merda! Merda! Merda!
De todas as pessoas da Terra e de todos os homens, tinha que ser logo
Noah Mitchell?! O universo deve me odiar muito mesmo.
– Chega Emily! – o restante das lágrimas e respiro fundo – O "faz de
conta" acabou, mas sua vida não. Bola para a frente!
Num impulso de coragem, levanto de supetão, decidida a tomar um
banho e deixar que a água leve esses sentimentos. Me arrasto para o banheiro,
desviando de todas as latas de cerveja espalhadas, e assim como o resto do
apartamento, não me deparo com mais do que a pia e o armário vazio com
espelho.
Olho uns segundos para o meu reflexo e as marcas vermelhas debaixo
dos meus olhos são tão evidentes e grandes que nem a melhor maquiagem será
capaz de esconder isso. O que mais eu poderia esperar de uma madrugada inteira
acordada e chorando?
A realidade é que eu sou patética.
Fiz do 'nosso mundo' uma verdade, fechei os olhos e me entreguei de
corpo e alma para essa paixão, fui contra todos os meus princípios e, pior, passei
por cima da minha amizade de anos. Tudo, absolutamente tudo, para fingir por um
mísero instante que Noah era meu e de ninguém mais.
Eu sou muito patética.
Quero ser forte, quero abandonar as memórias dos últimos dias juntos e
voltar a ser a mesma Emily de sempre, mas é impossível, pois ele já dominou
meu tolo coração por completo. Sem qualquer esforço, sem qualquer resistência,
ele apenas me dominou.
– Você precisa renascer como uma fênix, Emily. – aponto para o meu
reflexo e exclamo – Como uma fênix!
Continuo me encarando, mas um suspiro logo escapa. Renascer como
uma fênix?! Uma ova! Se fosse tão fácil, eu não teria virado a noite bebendo
cerveja e nem chorando feito uma cachoeira, numa cena mais deprimente que cena
de drama.
Sacudo a cabeça em negação, espantando os pensamentos
desnecessários, e enfio-me debaixo d'água. Tomo um banho rápido, apenas para
tirar o cheiro de álcool do corpo e dar um jeito no cabelo desgrenhado, e volto
para o quarto à fim de colocar uma roupa confortável para desbravar Seul atrás
dos móveis da minha casa.
Danny foi muito gentil ao ceder o dia de folga. Claro, com o preço de
que estaria pontualmente às 6hs da manhã no aeroporto de Gimpo para a nossa à
Jeju, para acompanharmos os desfiles de algumas marcas novas. Apenas aceitei
sem contestar.
Afinal, mais do que resolver problemas "domésticos", eu pedi com medo
de que Noah pudesse ir até a loja para me procurar, pois, o ruim de trabalhar na
loja da irmã dele é justamente isso: eu trabalho na loja da irmã dele.
Ou seja, o primeiro lugar que ele provavelmente vá me procurar, se for, é
a loja da Danny. E, sinceramente, pelo menos por hoje eu não quero vê-lo.
Preciso colocar minha cabeça no lugar.
Munida com meu jeans escuro, camiseta do Arctic Monkeys e botas, saio
de casa querendo respirar um pouco de ar puro e esquecer, mesmo que
momentaneamente, os meus sentimentos imprudentes pelo 'sei lá o quê' da minha
amiga.
Com o mapa da cidade no celular, vou para aa estação de metrô mais
próxima e pego um trem em direção a Daehangno, um bairro universitário onde vi
que vende móveis bem baratos para os estudantes intercambistas. O lugar perfeito
para mim e meu orçamento apertado. Não demoro a chegar e a quantidade de
pessoas com a qual me deparo na saída do metrô é um pouco assustadora e
lembra-me muito Tóquio.
Alguns passos são o suficiente para me deixar completamente
deslumbrada com o lugar. Cafeterias, lojinhas, grafites, artistas de rua,
barraquinhas de comidas e muito, muitos estudantes. É um bairro realmente
incrível!
Já estou prevendo que vou me divertir muito aqui. Muito mesmo.
Serelepe, começo minha jornada por Daehangno, e minha primeira
parada é uma lojinha de utilidades. Olho, fuço e mexo em tudo o que posso. E
entre copos e panos, saio com cinco sacolas. Melhor controlar a compulsão ou
precisarei de um trator para levar tudo para casa.
Disposta a conter minha veia de compras, parto para outra loja. Eu não
preciso de muitas coisas além dos móveis e utensílios básicos, então comprar
demais é uma idiotice, principalmente coisas que eu mal vou usar já que não
tenho tanto tempo em casa.
O básico. Eu só preciso do básico.
Ando, ando e ando. Segurando as sacolas e comendo sorvete, continuo as
andanças por Daehangno e seus estudantes, observando os vários desenhos nas
paredes e as barraquinhas com bugigangas nas calçadas.
De loja em loja, eu entro e me aventuro, olho tudo o que parece
interessante e útil. E, como não poderia deixar de ser, depois de tanto andar, o
básico virou mais de vinte sacolas em duas horas de caminhada pelo bairro.
– Pois é... – olho para o amontoado de sacolas e suspiro.
Eu não deveria ter comprado tanto e muito menos ter parcelado a cama e
o armário em cinco vezes. Ou seja, mais dívidas que eu não precisava.
Cansada, procuro abrigo debaixo de uma árvore e largo as sacolas ao
redor dos pés. O calor está insuportável e começo a me arrepender por ter
escolhido as botas ao invés de uma sandália ou tênis, assim como deveria ter
escolhido uma camiseta mais clara e não a preta.
Praticamente largada no banco com o meu mundo de sacolas, aprecio o
segundo sorvete e observo a movimentação. Meus pensamentos vão longe. Tão
longe que acabam caindo naquele homem outra vez e só pioram quando um ônibus
surge com o logo enorme do Excellent Souls estampado na lataria, num anuncio
de bebida.
Eu queria tanto que estivesse aqui. Eu queria tanto que nada tivesse
acontecido e nosso 'faz de conta' ainda fosse real. Sei que sou muito egoísta por
pensar dessa maneira e desejar isso, mas, pela primeira vez, eu estou realmente
apaixonada por alguém.
– Aaahhh... Meu primeiro amor tinha mesmo que ser você?! – suspiro
para o céu, comendo mais sorvete – De tantos, logo você?!
Ainda olhando para o além e pensando em quem não devo, termino de
comer o sorvete e resolvo andar mais um pouco. Preciso tirá-lo da minha cabeça
ou certeza que meu egoísmo vai acabar falando mais alto do que o bom senso, e
eu não posso deixar que aconteça outra vez. Esse sofrimento de agora já basta
para mim. Eu não preciso e nem quero sentir mais dessa angústia.
Eu tenho que tirá-lo do meu coração!
[...]
Exausta, suada e provavelmente descabelada, observo a fachada da
cafeteria por uns segundos, muito bonita por sinal, assim como o "And Here" que
enfeita o muro de blocos cinzas, e o qual presumo ser o nome do lugar.
Com certo custo, subo as escadinhas carregando as quase trinta sacolas e
por muito pouco não dou de cara com o chão ao tentar abrir a porta de vidro.
Algumas sacolas escapam e caem na entrada, espalhando o que comprei.
Constrangida, agacho para recolher o mais rápido que posso e duas mãos surgem
como mágica para ajudar a devolver as coisas para as sacolas.
– Obrigada! – digo.
– Tenha cuidado. – a pessoa diz e eu congelo. Eu conheço essa voz.
Ergo o rosto e quase caio sentada ao ver David bem à minha frente.
Ele olha de relance para o meu rosto e não esconde a surpresa ao
arregalar os olhos, mas logo sua surpresa dá espaço para um sorriso
envergonhado. Muito gentilmente, me ajuda com as sacolas e nos levantamos. Por
uns segundos, nada falamos, afinal, o nosso encontro anterior não terminou da
melhor forma.
– Eun Ji. – ele diz – Há quanto tempo!
– Sim.
– O que faz aqui?
– Vim comprar algumas coisas e... Acabei me empolgando.
Mostro as sacolas para ele, que sorri.
– Acontece com todo mundo.
Ficamos em silêncio. Realmente, o clima daquele encontro continua
estranho.
Sei que o comportamento dele no carro foi errado e acabei mentindo e
entrando numa discussão por conta daquele "jantar", mas tirando essa sua falta de
senso natural e minha atitude idiota, David foi muito atencioso e simpático
quando nos encontramos. E, de alguma forma, eu fui bastante rude com ele só para
que não tentasse jogar seu chame para cima de mim.
No entanto, agora que Noah e eu não temos mais nada, acho que não
seria problema tentar consertar nossa "coleguice". Bem, pelo menos, é o que eu
acho.
– Aaahh... – pigarreio e indago – V-veio tomar um café?
– Sim e não. Na verdade, essa cafeteria é da minha mãe.
– Sua mãe? - sou incapaz de conter a surpresa.
– Sim. Eu montei esse negócio para ela depois que estreei com a banda.
– Wow! Que legal da sua parte.
– Venha, eu vou te mostrar o lugar.
Ainda segurando as sacolas que pegou, me guia para dentro e suas fotos
unidas as fotos do Excellent Souls comprovam a ligação do café com a banda.
– Sente-se aqui. – diz, mostrando um sofá de couro.
– Obrigada!
– Você prefere que eu pegue o menu ou posso sugerir algo?
– Ah, pode sugerir.
– Vou trazer o que geralmente peço quando venho aqui, os waffles
cobertos com calda de chocolate e frapuccino de café. Ok?! – assinto e ele sorri –
Fique à vontade.
Rapidamente, David dá meia volta e caminha para o balcão. Um sorriso
brota nos meus lábios ao vê-lo tão prestativo e engajado. Será que está fazendo
tudo por educação ou quer se redimir pelo o que aconteceu antes?
Ajeito as sacolas num cantinho e coloco a bolsa e o celular sobre a
mesa. Aproveito enquanto ele não volta para dar uma olhada ao redor. Tudo é
muito bonito e bem decorado, parece um pouco com ele. Pois bem, é o
idealizador, então não me surpreende. Prossigo com a minha análise e súbito
defronto com uma foto do Excellent Souls presa na parede ao lado do sofá e meu
coração dispara.
Tem algum lugar desse país que não tenha uma foto dele?
– Aqui está. – coloca a bandeja sobre a mesa – Waffles cobertos com
calda de chocolate e frapuccino de café.
– Huumm... Parece delicioso. – observo e sinto água na boca.
– São deliciosos e não digo isso porquê minha mãe fez.
– Eu sei que não.
Pego o waffle e dou uma mordida. Mastigo e o sabor do chocolate e a
massa leve e crocante do waffle me faz ver estrelas.
– Delicioso! – digo, de boca cheia, e dou mais uma mordida.
– Estou feliz que tenha gostado.
Sacudo a cabeça e continuo comendo. Que waffle maravilhoso!
Por uns minutos, nada mais faço do que comer e beber compulsivamente,
enquanto David limita-se a observar com um sorriso no rosto. Eu devo estar
parecendo uma morta de fome e o pior é que estou mesmo. Depois de horas
andando e de não ter comido mais do que meio copo de lamen ontem à noite, eu
poderia comer um cavalo agora e ainda pediria mais.
– Está mesmo com fome, hein?! – comenta, rindo.
Mastigo, mastigo e engulo o último pedaço com ajuda do frapuccino.
– Muita fome. – respondo – Desde que cheguei aqui, não comi nada.
– Quer que eu peça mais alguma coisa?
– Não, muito obrigada. Digamos que eu... Já estourei meu orçamento de
hoje. – sorrio sem graça.
– E quem disse que você vai pagar? É por conta da casa.
– Não! Por favor, eu não...
– Ei! – interrompe – É por conta da casa, não insista.
– David...
– Sem essa de "David". Já disse que não precisa de formalidades.
Sorrio. Ele é realmente um cara muito legal e interessante.
– Obrigada!
– Você só sabe agradecer?
– Estou sendo educada, oras.
Ele gargalha e mexe no cabelo agora mais escuro. Castanho chocolate
com algumas mechas. Contudo, seu sorriso desaparece e nos observamos com
certa seriedade. Estranho, mas prefiro ficar calda e beber mais do meu café.
– Me desculpe! – ouço dizer e o encaro – Me desculpe por aquele dia.
Fico em silêncio e ele prossegue:
– Eu agi mal com você. Não deveria ter feito ou dito aquilo, foi muita
falta de educação com a prima do meu amigo.
Abaixo a cabeça e consinto. Droga! David ainda acredita que eu sou
prima do Noah. E como não iria acreditar se nem um de nós disse a verdade?
Ai, ai, ai... É impressão minha ou os problemas só aumentam?
– Está tudo bem. – digo – Já passou.
– Fui rude contigo, Eun Ji, e desde aquele dia tenho pensado muito sobre
isso. Fiquei receoso de ligar e pedir outro encontro, imaginando que tipo de
reação poderia ter, e por essa razão preferi tomar um tempo.
– Sério, eu...
– Me desculpe por ter agido como um canalha. Não foi minha intenção.
Outra vez, fico calada. Ele parece estar mesmo arrependido e sendo
sincero sobre suas desculpas. Como disse, tirando sua falta de senso natural e o
complexo de rei da sedução, David é um cara muito legal.
– Não tenho pelo o que te desculpar, para mim está no passado. Mas, já
que insiste, eu perdoo você.
Ele abre um sorriso de orelha a orelha e concorda. Acabo rindo também.
– Obrigado, Eun Ji!
De repente, um funcionário surge com mais um copo de frapuccino e
alguns bolinhos de parmesão, e eu apenas observo me perguntando de onde
apareceu isso.
– Tecnologia móvel. - balança o celular e sorri - Mandei mensagem
fazendo outro pedido.
– Você...
– Por favor, coma à vontade.
Desde quando esse homem é tão cavalheiro e gentil? Ou será que ele
sempre foi e eu apenas não enxerguei isso? Assim como Noah, o baixista do
Excellent Souls está mostrando um lado que eu jamais imaginaria que poderia ter.
Ainda faminta, volto a comer e aquele silêncio de antes nos ronda. Os
bolinhos são tão gostosos quanto os waffles e eu não paro de comê-lo e beber o
frapuccino.
– Eun Ji... – sua voz quebra a mudez e eu olho para ele – Posso fazer uma
pergunta?
– Sim.
– Por acaso, o Mitch e você brigaram?
O bolinho entala na garganta e eu quase sufoco. Dou um gole grande na
bebida e tento me recompor. Como ele sabe?
– Por que...?
– Ele me mandou uma mensagem ontem, perguntando se você estava
comigo.
– Mandou, é?!
– Sim. E mesmo não vendo, eu podia sentir que estava bem nervoso.
– Hum...
Desvio para a foto da banda ao meu lado e suspiro. Não imaginei que
chegaria ao ponto de perguntar ao seu suposto "rival".
– Você saiu da casa dele? – pergunta.
– Sim.
– Posso saber o porquê?
– É complicado. – respiro fundo, relembrando tudo o que aconteceu.
Ambos ficamos calados. Mesmo não olhando diretamente, sinto o seu
olhar em mim, enquanto remexo o canudo dentro do copo. Eu não quero
relembrar, não quero falar sobre isso e muito menos permitir que meus
sentimentos venham à tona. Mas, nesse momento e sabendo que me procura, essa
tarefa não é tão fácil.
– Sei que não é da minha conta, mas... Vocês são parentes, não deveriam
ficar brigados. Além disso, o Mitch está realmente preocupado, não acha que
seria melhor... Sei lá... Pelo menos conversar para resolver as coisas.
– Eu não acho que conversar adiantará alguma coisa.
– Foi tão grave assim?
– Digamos que sim.
– Eun Ji... - ele suspira – O Mitch às vezes é chato, age todo mandão e
demonstra não se importar com nada, mas a verdade é que, entre todos nós, ele é
o mais sensível. Se ele foi grosso ou agiu de uma forma que não gostou, tente
entender. Ele não sabe interagir bem, é tímido e demora para se abrir com medo
de ser machucado, mas no fundo... Bem lá no fundo... Ele é aquele tipo de pessoa
que só precisa saber que há alguém para apoiá-lo.
Suas palavras me acertam em cheio. Noah é assim, totalmente assim. Um
idiota que aparenta ser arrogante quando na verdade é um doce de pessoa.
– Preocupado e perfeccionista de dar medo... Esse é o Noah. Lidar com
ele, às vezes, é complicado e eu admito isso. – sorri.
– David...
– Só tenha paciência, ok?! Não sei quanto tempo esteve fora do país e
nem mesmo o nível de intimidade entre vocês, mas dê tempo ao tempo. Vai ver
como o seu primo é uma pessoa incrível.
Prestes a chorar com todas as lembranças do doce e ciumento Noah que
invadem minha cabeça e meu coração, peço licença e corro para o banheiro, onde
me tranco na primeira cabine vaga que vejo.
Respiro... Respiro... Respiro...
Perfeccionista, ciumento, preocupado e a pessoa mais doce e amorosa
que já conheci. Esse é o Noah Mitchell. Esse é o homem com o qual convivi por
algumas semanas e do qual agora sinto tanta falta.
Meu Deus, como posso ser forte e esquecê-lo dessa forma? Como?
Respiro... Respiro... Respiro...
Engulo todas as minhas emoções e saio da cabine. Jogo um pouco de
água fria no rosto e na nuca para refrescar e levar qualquer sinal de choro ou
coisa parecida. Tenho que ser forte. Pela Didie. Eu tenho que ser forte.
Volto para a mesa depois de alguns minutos, sentindo-me um pouco
melhor encontro David encarando o sofá onde estava sentada e volto a sentar.
Nossos olhares se encontram e ele solta um sorriso, mas, sabe-se lá por que, seu
sorriso parece diferente dos anteriores. Será que aconteceu alguma coisa?
– Desculpe. Demorei muito?
– Não. – balança a cabeça em negação e me encara.
– Sério?! Às vezes eu demoro muito, sabe?!
– Não demorou, Eun Ji. – nos encaramos e sinto um arrepio correr na
espinha – Ou melhor, não demorou Emily. É assim que devo chamá-la?!
Capítulo 26
[...]
Desesperada, jogo tudo o que acho útil na mochila e saio em disparado
para o banheiro escovar os dentes. O táxi que me levará para o aeroporto chega
em dez minutos e eu mal terminei de organizar minhas coisas. Deveria ter feito a
mala assim que cheguei ontem à noite, mas fiquei tão cansada da jornada em
Daehangno que praticamente desmaiei depois do banho.
Com a boca cheia de espuma e pasta de dente, volto para o quarto e
analiso as peças largadas na cama, escolhendo qual devo levar. Olho, olho, pego
algumas e assim que me deparo com o vestido floral, meu coração se aperta. Fico
na dúvida se devo levá-lo ou não, mas acabo por colocá-lo com o restante das
roupas que levarei. Afinal, não fiz uma dívida à toa.
Termino de ajeitar minha aparência, visto os meus jeans, amarro os tênis
e ponho a mochila nas costas, bem no instante em que meu celular toca
anunciando que o táxi chegou. Agarro uma maçã e desço como um raio para a
entrada.
São 5:10hs da manhã, o Sol nem raiou ainda, e eu aqui indo encontrar a
minha chefe para uma viagem à Jeju. Entretanto, por mais cedo e sono que eu
esteja, também estou ansiosa já que será a minha primeira viagem para lá e ainda
mais para acompanhar desfiles como uma verdadeira designer de moda.
Estou empolgada!
Durante mais de trinta minutos, tudo o que vejo são prédios e mais
prédios correndo do lado de fora, porém, um prédio enorme surge no horizonte e
eu logo identifico ser o aeroporto.
– Muito obrigada! – agradeço e pago o taxista.
Arrumo a mochila nas costas e caminho para a entrada, onde Danny e eu
combinamos de nos encontrar. O relógio gigante marca 5:45hs, milagrosamente,
cheguei antes do horário.
– Emy!
Vejo minha chefe balançar o braço e corro em sua direção.
– Bom dia! Me desculpe, esperou muito?
– Não, cheguei faz uns dez minutos.
– Ainda bem. – sorrio.
– Vamos entrar e fazer o check-in, por que o vôo sai daqui a pouco.
Concordo e entramos.
Mesmo para o horário, a movimentação é relativamente grande e Danny
explica que a maioria dos vôos nacionais e para países próximos saem daqui, por
essa razão é agitado em qualquer hora do dia.
Colocamos as bagagens no carrinho e me ofereço para empurrá-lo. Sem
preocupações, caminhamos entre as pessoas para chegar no balcão de check-in,
mas, ao longe, uma movimentação estranha chama a minha atenção e causa-me
uma sensação nada boa. Nada boa mesmo.
– Esqueci de dizer. – ela se pronuncia – Teremos companhia na viagem.
– Companhia?!
Olho novamente para a aglomeração e uma cabeleira escura sobressai,
assim como o braço tatuado acenando para nós. E a minha vontade é de correr
para o mais longe possível.
– Olá, irmãzinha querida. – sua voz me causa um arrepio, assim como
seu olhar agora cravado em mim – Olá, Emily.
– Meu irmão irá conosco para Jeju, Emy, espero que não se incomode.
Me incomodar? Ha... Por que eu iria?
Capítulo 27
Assim que termino de ler, reparo que foi enviada a uns vinte minutos
atrás.
Caramba! Há quanto tempo estamos nesse escritório?
– Desculpe, mas preciso fechar a loja. – digo, guardando o celular.
– Já são oito horas?
– Na verdade, são mais de oito. E as meninas provavelmente querem me
esganar.
– Seria uma pena se você fosse linchada, não é?! – rimos – Vamos
guardar essa papelada.
Começamos a guardar as pastas e organizar o que decidimos e em menos
de quinze minutos, consigo liberar todos e fechar a loja.
Pouco antes de entrarmos no elevador, decido responder à mensagem,
dizendo que estou indo para a entrada. No entanto, esquecida do jeito que sou, só
percebo que estou levando Seung Ho comigo e, se não fizer algo, logo, esses dois
irão se encontrar e eu terei que dar MUITAS explicações. Ou pior, corro o risco
de ele comentar com Noah e, aí sim, eu estarei com a corda no pescoço.
Ai, ai, ai... Por que tudo tem que vir logo de uma vez?
As portas se abrem e Seung Ho entra, porém, permaneço imóvel do lado
de fora.
– Não vai entrar, Emy?
– Ah, e-eu...
Pensa, Emily, peensaaaaa...
– O que foi?
– Eu preciso ir ao banheiro.
– Ah, tudo bem. – dá um passo para frente – Eu espe...
– Não precisa! – empurro-o de volta para dentro do elevador – Talvez eu
demore um pouco e...
– Sério, Emy, eu posso esperar.
– Estou com dor de barriga! – solto a primeira besteira que se passa na
minha cabeça e me arrependo amargamente por isso – E, você sabe... É um
pouco...
Ele ri e consente, e minhas bochechas devem estar mais vermelhas que o
esmalte das minhas unhas. Cacete! Tanta desculpa para dar, solto logo isso?
– Um pouco constrangedor?
– Isso. – rio, sem graça.
– Bom, estou indo então. Depois nos falamos, ok?!
Concordo e corro para o primeiro banheiro que vejo pela frente.
Essa foi por pouco. Muito pouco. Sei que não deveria estar agindo assim
e que, principalmente, não deveria me importar com a possibilidade desses dois
se encontrarem e - possivelmente - Noah ficar sabendo. Mas, só de imaginar que
teremos mais uma discussão por conta de ciúmes, eu fico muito receosa, mesmo
que adiar esse tipo de situação só vá piorar o que poderá vir.
A realidade? Estou me metendo em mais e mais confusões há cada dia
que passa.
Desço para o hall e busco o carro de David ao redor, encontrando-o à
alguns metros da entrada. Apresso o passo e olho para os lados, agindo,
literalmente, como uma fora da lei.
– Você demorou, hein. – diz, assim que entro no seu carro.
– Me desculpe, tivemos bastante trabalho hoje. – minto.
– Eu imagino. Bom, não se preocupe, vou levá-la para tomar um bom
café e relaxar, ok?!
Sua atenciosidade me deixa um pouco envergonhada e só o que faço é
sorrir. David e seus "galanteios" subliminares.
– Tem algum lugar que queira ir? – pergunta, atento ao trânsito.
– Para ser sincera, não faço ideia.
– Então, vou levá-la à cafeteira que eu costumo ir com a banda. O que
acha?
Fico pensativa. Um lugar que os outros também frequentam?
– É um lugar bonito e aconchegante. Além disso, o café é maravilhoso.
– Tudo bem, vamos até lá.
Ele sorri e continua o caminho.
A viagem para a tal cafeteria misteriosa dita por David é embalada pelo
ritmo alegre de Justin Timberlake (o que acho um pouco estranho, visto que estou
no carro de um rockstar), a qual eu acompanho baixinho enquanto observo a
paisagem através da janela.
No entanto, vez ou outra, eu o observo de canto de olho e reparo que seu
olhar também recai sobre mim, mas não demora a desviar. Trocamos uma e outra
palavra, mas o que realmente quebra o silêncio é a música que está tocando e tudo
o que penso é no porque, logo este homem, está tão calado.
– Aqui, chegamos.
Descemos e a primeira coisa que vejo é o nome "Aa Museum" iluminado
no muro de ladrilhos cinzas. Realmente, parece um lugar bonito e aconchegante.
– O que acha? – pergunta.
– Se eu for julgar apenas pela fachada, já posso dizer que adorei.
– Pois vai adorar ainda mais quando estivermos lá dentro. Vamos?!
Consinto, e nem meio segundo depois, subimos as escadinhas da entrada.
E como ele disse, somente por pisar porta a dentro, eu arregalo os olhos. O lugar
é incrível!
– Ali. – aponta – É um canto bem agradável onde podemos nos sentar
sem incômodos.
Sigo seus passos e nos sentamos aonde diz. Uma garota surge um minuto
depois e nos entrega os menus. Ambos pedimos um espresso e alguns biscoito
amanteigados.
– Trarei os pedidos daqui a pouco.
Assim que somos deixados sozinhos, aquele silêncio do carro volta nos
rondar. Sério, por que elel está agindo tão estranho? Cadê o homem todo alegre e
risonho de antes? Será que está acontecendo alguma coisa?
– David...
– Aqui está. – a mesma moça ressurge e coloca os nossos pedidos na
mesa.
– Obrigado! – ele diz, com um sorriso amável, e olha para mim – Por
favor, sirva-se.
– Obrigada.
Começamos a comer e minha curiosidade sobre seu silêncio é levada
para longe com a conversa que subitamente aparece e traz de volta seu típico
humor e sorriso arteiro. Bem, acho que posso ficar despreocupada, não?! Talvez
ele estivesse pensando ou preocupado com algo relacionamento ao trabalho,
afinal, Noah comentou que a gravação para o novo álbum está meio parada por
conta de vários fatores.
É, acho que era por isso.
– E irei gravar também em Hong Kong. – fala, bebendo do seu café.
– Hong Kong?! Wow!
– Eu gosto muito da China.
– Deve ser um país muito legal.
– Sim, é mesmo. Quando tiver a oportunidade, nós podemos ir... Ah...
Quer dizer...
– Eu entendi. – sorrio fraco.
David sorri constrangido e volta a beber do seu café. Eu faço o mesmo e
encho minha boca com biscoito. Essa situação está realmente me deixando
envergonhada. Acho que está na hora de ir embora.
– Bom, eu agradeço pela noite, mas preciso ir embora.
– Agora?
– Sim.
– Vamos ficar mais um pouco e eu te levo para casa.
– Me desculpe, mas eu...
Subitamente, sua mão agarra a minha sobre a mesa, e fico imóvel. Olho
para os seus dedos apertando delicadamente os meus e depois seu rosto
apreensivo.
– Só mais um pouco. – murmura – Deixei-me ficar contigo só mais um
pouco.
– David.
– Eu gosto de você, Emy-chan. – solta do nada, me fazendo arregalar os
olhos – Eu gosto muito de você.
Perplexa, eu o observo. Gosta de mim? Ele acaba de dizer que gosta de
mim?
– Não consigo parar de pensar em você. No seu sorriso, nos seus olhos
e, principalmente, no seu rosto feliz. Eu... Há muito tempo eu não sentia isso por
alguém e... Sério, Emy-chan, você não sai da minha cabeça.
O aperto da sua mão aumenta, assim como a vermelhidão em suas
bochechas, e eu simplesmente não sei o que pensar e muito menos o que dizer.
Abro e fecho a boca várias vezes, querendo falar o que seja, mas, ao invés da
minha voz, é a sua que chega aos nossos ouvidos e faz meu coração parar.
– Emy?!
Por quê? Por que tudo tem que vir logo de uma vez?
Capítulo 30 - (Por Noah Mitchell)
– Você não vai parar de olhar para isso? – Mark pergunta, pela milésima
vez.
– São bonitas, eu gosto de olhar.
– Pois é, mas estou começando a suspeitar que essas pulseiras têm mais
significado do que simples acessórios.
Ergo a cabeça e vejo-o se ajeitar na poltrona, cruzando as pernas, na sua
típica postura de nobre europeu. Nos observamos por alguns segundos, mas acabo
sorrindo e devolvendo minha atenção para as pequenas pulseiras de contas
coloridas em minha mão.
Como sempre, Mark e sua incrível capacidade de ler as pessoas.
– E que significado teria? – me faço de desentendido.
– Não sei.
– Ora, então por que estão presumindo coisas? – sorrio.
– Não estou presumindo, é instinto.
– Instinto, é?!
– Talvez seja um presente.
– Presente? Para quem?
– Eu diria que é para ela, mas, em nem um dos dias em que estivemos no
Japão, você cogitou a hipótese de ir encontrá-la. Ou seja, está descartada.
– Eu já disse que não temos mais nada. – rebato, irritado – Não entendo
a razão de ainda associar tudo o que faço ou digo a ela. Que saco!
– Porque será, não é?! – ironiza e eu reviro os olhos – Pois bem, então, é
para alguém em especial?
– E desde quando eu tenho alguém especial?
– Tem muitas amantes, já é um começo.
– Não tenho muitas amantes.
– Como não? Se eu for listar, passaremos a viagem inteira falando sobre
isso.
- Cara, eu não tenho muitas amantes.
– Você não me engana, Noah. Se não são muitas, pelo menos uma, e isso
eu tenho certeza.
– Talvez sim, talvez não. Há várias possibilidades, sabia?!
– Só estou esperando o momento que a sua boca barata vai te trair.
– Pode esperar sentado.
Rimos e aproveito a oportunidade para olhar pela janela e ficar calado,
pois, realmente, faltava pouco para eu falar o que não devia e revelar minha atual
relação com a Emy. O que, com certeza, me levaria a um interrogatório sem
precedentes.
Eu e essa mania de falar demais.
Dou alguma atenção para as nuvens, mas nem meio segundo se passa e já
estou olhando para as pulseiras em minha mão, pensando no que posso fazer para
entregar a minha pequena. Será que vai gostar? Não é cravada com diamantes,
mas é colorida e muito bonita, e foi inevitável não lembrar dela assim que a vi.
Lembra sua personalidade sempre alegre e, de alguma forma, fofa.
Sinceramente, eu espero que goste do presente, tanto quanto do meu
pedido.
Observo as pulseiras pela última vez, antes de guardá-las no bolso e
recostar na poltrona, querendo algum descanso. Ainda falta uma hora de viagem e
quero aproveitar para colocar um pouco que seja do meu sono acumulado em dia.
Contudo, ao fechar os olhos, a vontade de vê-la enche o meu peito de ansiedade.
Uma ansiedade estranhamente feliz.
Afinal, o que acontece comigo?
Há tanto tempo não me sinto assim, ansioso para ver uma pessoa, que
agora eu simplesmente não sei como reagir a esse sentimento dentro de mim.
Quero vê-la, quero abraçá-la, beijá-la, quero ouvir sua risada sempre contagiante
e sua voz doce gemendo no meu ouvido enquanto fazemos amor, chamando o meu
nome.
Quero tantas coisas que não sei como lidar com todo esse desejo.
– O que você está fazendo comigo, Emy? – murmuro para mim mesmo –
O que foi você fez comigo?
Enfio a mão no bolso e toco as pulseiras. Involuntariamente, sorrio. Eu
devo estar com um grande problema, porquê, por mais que eu queira, realmente
não consigo parar de pensar que, pela primeira vez em muito tempo, irei agir
como um adolescente inseguro de novo. Mas por ela, eu serei o que for. E foi por
ela que eu tomei de vez a minha decisão. Sim, foi por ela.
– Aperte o cinto, vamos aterrissar. – a voz grossa e imponente do meu
amigo me "acorda" de repente.
– O que? Mas, já?!
– Ficou tão perdido em pensamento que não notou o tempo passar?! –
sorri de lado, debochado – Agora eu tenho certeza que há mulher no meio.
Sorrio, não há muito o que fazer além disto. Ele sempre descobre.
Sempre.
O pouso é tranquilo, muito diferente da saída do aeroporto. Mesmo com
todos os nossos seguranças, é quase impossível conter todas as fãs que se
aglomeram ao nosso redor para tirar fotos e entregar presentes.
É um pouco caótico e muitas vezes algumas perdem o controle e acabam
passando do ponto, vez ou outra nos tirando do sério. Afinal de contas, somos
humanos como qualquer outra pessoa. Mas, admito que eu gosto, pois é o
reconhecimento pelo o nosso trabalho árduo ao longo de dez anos.
– Te levo direto para o apartamento? – o manager pergunta.
– Sim, por favor.
Sozinho no banco de trás e extremamente cansado, encosto a cabeça no
vidro e fecho os olhos para curtir a música, já que a viagem até Seul
provavelmente demore uns quarenta ou cinquenta minutos.
Observo o visor do celular por uns segundos, pensando se devo ou não
mandar uma mensagem, mas esse horário ela deve estar ocupada ajudando a
fechar a loja da minha irmã. Então, mesmo querendo muito, contenho à vontade e
me viro para olhar o céu quase escuro. Eu quero vê-la!
'Sonday Morning', do Marron 5, embala o trajeto e assim com tem
acontecido desde que desembarquei, ou melhor, desde que sai de casa, me pego
pensando nela.
"Fingers trace your every outline
Paint a picture with my hands
And back and forth we sway
Like branches in a storm
Change of weather
Still together when it ends"
Cantarolando pela terceira vez a música que deixei para repetir, mal olho
para fora e reparo que já entramos em Seul. É, talvez Mark tenha razão. Estou tão
perdido nos meus devaneios apaixonados que não estou prestando atenção em
mais nada. O que, analisando friamente, pode ser bom ou ruim.
– Aqui estamos.
Estacionamos em frente ao meu condomínio. Sem esperar por ajuda,
salto para fora e pego as malas. Dispenso sua ajuda, me despeço e subo direto
para o apartamento. O qual, como imaginei, me recepciona com seu conhecido
silêncio assim que ponho os pés para dentro.
Caminho pelo corredor escuro e observo a sala de estar por um instante,
tão silenciosa que dá medo. Suspiro. Depois que Emy veio "morar" aqui e
passamos aquele tempo juntos, tudo parece muito sem graça.
Tê-la aqui, enchendo o meu apartamento de alegria, deu outro significado
para os meus dias, que até então eu vivia completamente sozinho aqui. E agora,
vendo tudo solitário, sem suas risadas ou seu "ah, você chegou!" quando eu abria
a porta, é muito estranho e incomodo.
Sua caneca azul, a caixa do seu chá favorito que eu comprei, até mesmo a
minha camiseta que usava para dormir, estão à espera da sua volta, assim como
eu. Sei que ao menos estabelecemos que tipo de relação temos, porém, da mesma
forma que pedi que fosse egoísta, agora eu quero ser ao trazê-la de volta para cá.
De volta para os meus braços e nossa vida de antes.
É oficial: eu estou mesmo louco pela Emy.
– Aaaahhh... Preciso de um banho. – digo para as paredes, me
despreguiçando.
Arrasto as malas para o quarto e largo num canto qualquer, assim como
as peças de roupas que vou tirando ao ir em direção ao banheiro. Ligo as
torneiras da banheira e observo a água cair escorado na borda. Minha cabeça se
enche com lembranças e logo as pulseiras que comprei também surgem, me
lembrando do pedido que estou ansioso para fazer.
Me enfio dentro da banheira e relaxo com o toque quente da água no
corpo. Fecho os olhos. E curto a sensação gostosa de finalmente estar em casa
depois de dias trabalhando.
[...]
Termino de secar os cabelos e visto qualquer roupa que julgo
confortável: camiseta e moletom. Meu estômago se contrai, soltando um ronco
quase ensurdecedor, e só então cai a ficha de que não comi absolutamente nada
desde que sai do hotel, a horas atrás.
Me arrasto para a cozinha, atrás de alguma coisa para tampar o buraco
na minha barriga, mas óbvio que não encontro nada.
Olho ao redor. Será que devo pedir para que entreguem comida ou devo
ir à algum lugar? Se eu pedir, vou ter que lavar a louça depois e isso é o que eu
menos quero. Só tenho vontade de ficar deitado e descansar até nosso empresário
decidir acabar com os poucos momentos de relaxamento que eu tenho.
Convicto que minha roupa não é das piores, pego a carteira e o celular, e
desço para o estacionamento. Entro no Bentley e disparo pela rua, em direção ao
'Aa Museum', a cafeteria que frequento com os outros caras da banda e que o
proprietário é meu amigo. A comida de lá é incrível e não fica há mais de vinte
minutos da minha casa, ou seja, o lugar perfeito.
Do carro, tento ligar para Emy, mas toca e cai na caixa postal. Tento de
novo e o mesmo. Será que está muito ocupada? Mas, à essa hora, já deveria ter
saído da loja. Se bem que, do jeito que minha irmã é carrasca perto de
lançamento de coleção, deve estar prendendo minha pequena com mais horas
extras. Bom, fazer o que? Só o que me resta é esperar.
– Bem, vou comer e passo lá.
Cheio de fome, piso no acelerador e sigo o meu caminho. Muito
rapidamente, viro na esquina da cafeteria, e ao parar na entrada, me surpreendo
ao deparar com o carro de David estacionado não muito longe.
– Ué?! O que ele está fazendo aqui?! – observo o carro por uns segundos.
Sem dar muita importância, subo as escadas e, como não poderia deixar
de ser, os poucos olhares aqui presentes voltam-se para mim. Ajeito os óculos
escuros e vou até o balcão, no entanto, a figura do meu amigo no canto onde
geralmente sentamos é o que me chama a atenção.
Vou até ele e vislumbro uma segunda caneca de frente para ele. Está
acompanhado?
– E aí?! – digo, ao me aproximar.
– Mitch?! – levanta, surpreso – Que surpresa! Quando voltou?
– A algumas horas.
– Por favor, sente-se.
Nos sentamos. Olho de relance para a caneca vazia e vejo a marca de
batom deixada por alguém.
– Está acompanhado? – pergunto.
– Na verdade, eu estava, mas ela foi levada embora. – sorri.
– Levada embora? Como assim?
– Eu estava com a sua "prima".
Fico estático. Minha prima? Isso quer dizer que...
– Minha prima? A Eun...
– Emy. – ele solta e eu arregalo os olhos – Estava com a Emy.
– Como você...
– Ela me contou. – desvia, chamando a garçonete, e eu continuo imóvel –
Sei que não é sua prima de verdade.
– Quando?
– Primeiro, faça seu pedido e daí conversamos, ok?!
Mesmo contrariado, eu concordo. Para ser sincero, a minha fome acaba
de ir para o espaço e duvido que eu vá conseguir comer alguma coisa agora que
sei a dona desse batom vermelho na caneca.
Peço o de sempre para a garçonete e ela não demora a trazer para a
mesa. Dou um gole breve no cappuccino e quase não sinto o sabor de tão irritado
que estou com essa história.
– E então? Como descobriu que ela não é minha prima?
– Encontrei a Emy-chan em...
– Emy-chan? – interrompo. Como tem coragem de chamar minha pequena
assim?
– Sim, Emy-chan. Foi o apelido que dei a ela.
Engulo minha raiva com mais um gole da bebida.
– Então, eu encontrei a Emy-chan faz uns dias, na cafeteria da minha mãe,
e passamos a tarde conversando e tomando café juntos.
– Como é? – franzo as sobrancelhas.
– Eu sei que depois daquele jantar, você disse para eu não me aproximar
mais da sua "prima", mas foi uma coincidência e eu só queria ser educado.
– Sabemos onde essa educação chega, David. – retruco.
– Ora, mas eu não fiz nada.
– 'Tá, 'tá. – respiro fundo – Como você descobriu, afinal?
– Na verdade, foi em parte culpa sua.
– Hein?!
– Teve um momento em que a Emy-chan foi ao banheiro e esqueceu o
celular na mesa. Daí você ligou. No entanto, ao invés de dizer 'Eun Ji', você disse
'Emy' e eu acabei desligando.
Que brecha! Mas, como eu ia saber que ele atenderia o celular?
– Quando ela voltou, eu perguntei e acabou que a verdade veio à tona.
Desde não ser sua prima e sim a melhor amiga da Audrie, e também que estava
ficando na sua casa por conta de alguns problemas.
– Só isso? – questiono, quase que inconsciente.
– Como assim "só isso"? Aconteceu mais alguma coisa? – ergue a
sobrancelha, intrigado.
– Não, claro que não.
– Enfim... Depois disso, eu a levei para casa e pedi para tomarmos café
de novo, mas como amigos, já que não tivemos um começo muito bom.
Com muito custo, me ajeito na cadeira e seguro a vontade de jogar todo o
cappuccino em cima do meu amigo.
Algo dentro de mim grita para que eu detenha a minha boca, porém, a
curiosidade é maior do que o bom-senso e eu acabo perguntando:
– Por que não tiveram um começo muito bom?
– Bem, digamos que... Naquela noite em que fomos jantar, eu... Tenha
dado em cima dela avançado mais do que devia.
– Você fez o que? – praticamente grito.
– Calma! Eu não fiz nada. Além disso, ela foi muito ríspida comigo e
simplesmente saiu do carro. Não deu chance nem para que eu pedisse desculpas.
Saber disso me deixa um pouco aliviado, mas não muda o fato de que ele
realmente foi para cima da minha pequena na maior cara de pau.
Eu quero esganá-lo!
– A Emy-chan é mais durona do que imaginei.
– E daí?
– E daí o que?
– O que aconteceu depois de tudo isso?
– Bom, para ser sincero, nada demais. Só conversamos por mensagens e
viemos tomar café.
– E onde ela está agora?
– A Audrie apareceu aqui não faz nem meia hora e a levou embora.
– A Audrie?
– Pois é.
Um silêncio estranho surge entre nós. A Audrie está em Seul? Se bem
que ela disse que teria trabalhos por aqui, então, não é tão estranho assim.
– Mitch?!
– O que foi?
– Posso te perguntar uma coisa?
– Fala.
– Por acaso, você saberia me dizer se a Emy-chan tem namorado?
Paro o movimento da caneca na metade e o encaro. Encaro com toda a
minha fúria. Bato a porcelana na mesa, sem o mínimo de cuidado, e respiro fundo
para não cometer uma loucura.
– E por que está querendo saber?
David fica quieto. No fundo, eu deveria ter calado a minha boca, porquê
sei que boa coisa não vou ouvir.
– E então? – insisto.
– Eu estou apaixonado pela Emy-chan.
Foi automático. Antes que eu percebesse, já segurava o colarinho dele
com força por cima da mesa. Olhos nos olhos, nos enfrentamos.
– O que disse? – sibilo.
– Qual o seu problema?
– Repita o que disse!
– Eu estou apaixonado pela Emy-chan. O que isso...
– Fique longe dela, entendeu bem?!
– Noah...
– Fique bem longe da Emily, você entendeu?!
– Por acaso, você...
– Ela é minha, David.
– Você está apaixonado pela melhor amiga da sua ex? É isso?!
– Eu estou com ela. A Emy e eu temos um relacionamento.
– O que? Como, quando?
– Você só precisa entender uma coisa, David: fique longe dela!
Solto sua blusa, empurrando-o para trás. Agarro a carteira, jogo as notas
sobre a mesa e dou as costas sem dizer uma palavra sequer.
Entro no carro, fulo da vida e a primeira coisa que faço é esmurrar o
volante de raiva. Eu sabia! Sabia que não desistiria até pegá-la para ele. Mas, se
esse idiota está achando que vai conquistar a Emy, está muito enganado.
Nem que seja o último homem da Terra!
Capítulo 31
[...]
As horas passam e finalmente o nosso trabalho termina. Ele não
perguntou o porquê da atitude de ter me pendurado no seu braço e, sinceramente,
eu o agradeço por isso. E espero que não tenha dado brecha para futuras
presunções, tanto em relação ao Noah quanto ao nosso envolvimento passado.
Acabamos de separar os looks escolhidos em pastas e de guardar o
restante nas outras. Com sua ajuda, coloco o que posso dentro da bolsa e pego o
restante do material.
– Tem certeza que não quer aceitar meu convite para jantar? – pergunta.
– Me desculpe, mas eu ainda tenho muito o que fazer.
– Mas passamos muito tempo trabalhando, você deve estar com fome.
– Eu estou bem, acredite. – sorrio.
– Quer que eu te leve?
– Não se preocupe, vou pegar um táxi e chego rapidinho.
– Certeza?
– Absoluta.
Ele me acompanha até a porta e abre. Nos despedimos e sigo pelo
corredor depois que ele fecha a porta.
Despreocupada, ajeito as pastas no braço e continuo caminhando. No
entanto, sinto um puxão forte e repentino, e quando dou por mim, percebo que
estou em uma das salas de ensaio, parcialmente escura, e com aquele idiota me
prendendo contra a parede e me observando com sua expressão contrariada.
Suspiro.
– O que você...
– Fale baixo.
Mesmo contrariada, bufo, e sigo o que diz.
– O que você quer? – sussurro.
– Saindo agora?
– Você é cego, por acaso?! Óbvio que estou.
Noah me observa por uns segundos e murmura:
– Precisamos conversar.
– É mesmo?! – retruco – Acho que você está atrasado dois dias.
– Pois é, mas aqui estamos.
– Você quer conversar aqui?
– Aqui e agora.
Solto o ar com força e aperto as pastas com as mãos. Ele e essa mania de
querer tudo à sua vontade.
– Você não tem nada para me dizer? – solta repentinamente.
– Como é? Eu não tenho nada para te dizer.
– Não mesmo?!
– Claro que não.
– Nem os seus encontrinhos com o David?!
Mesmo com a pouca luz, posso ver seus olhos faiscando de raiva e a
minha ficha cai. Por isso está agindo tão friamente, não veio me procurar e
ignorou minhas mensagens e ligações. É tudo por causa do David, por causa do
seu ciúme.
Nos encaramos e reparo que espera a minha resposta. Entretanto, ele
também me deve explicações e talvez mais do que eu "devo", afinal, eu não fiz
mais do que tomar um café com o baixista da sua banda, enquanto ele está
envolvido num rumor que saiu em todos os meios de comunicação.
– E você? – rebato – Não tem nada para me falar?!
– Eu?!
– Não se faça de desentendido. Estou me referindo sobre o rumor. –
cuspo as palavras e ele apenas me observa – Seu tarado por ninfetas!
– O que? – arregala os olhos – T-tarado por ninfetas?!
– Você ficou com a Nana Yamada?
– Claro que não.
– Não mesmo?
– Como você mesma disse, é só um rumor. Não rolou nada.
– Não acredito em você.
– Digamos que você não está na melhor posição para dizer isso, não é,
Emily?! E o David, o que rolou ou está rolando entre vocês?
– Não está rolando nada!
– Não acredito em você. – me imita.
Nos enfrentamos por uns segundos, no completo silêncio. Eu não
acredito que estamos discutindo aos sussurros. Eu sei que está morrendo de
ciúmes, mas eu também estou, e isso só comprova o quão egoístas somos.
Na penumbra da sala de ensaios, continuamos nosso confronto, mas seu
perfume tão gostoso e a saudade de dias está se fazendo tão presente, que aos
poucos vai desarmando as minhas barreiras e meu tolo coração começa a bater
rápido graças à nossa aproximação.
Mas eu não vou cair em suas garras, não sem saber a verdade.
– Ela é minha amiga. – cochicha.
– Ele é meu amigo.
– Mas ele gosta de você, Emy. – observo-o, procurando saber como
descobriu e como se lesse meu pensamentos, continua: – O próprio me disse.
– E o que me garante que a Nana não gosta de você? E o que me garante
que não dormiu com ela?
– E o que me garante que você não fez o mesmo? – rebate.
– Por que eu gosto de você e apenas de você, seu idiota!
– O mesmo comigo.
– Você está brincando com os meus sentimentos, Noah.
– E o que você está fazendo? Huh?! Além de brincar com os meus
sentimentos, está me deixando louco de ciúmes!
Minha respiração pesa. Suas mãos grandes tocam suavemente o meu
rosto e acabo fechando os olhos, tamanha é a falta que senti por conta de todos
esses dias.
– Eu só jantei com ela e uns amigos, pequena, não fizemos nada além
disso.
– E eu apenas tomei um café com ele. – sussurro num fio de voz, ao
sentir seus polegares acariciando minhas bochechas.
A forma como murmura 'pequena' abala todos os meus sentidos.
Sinto sua respiração quente contra o meu rosto e por reflexo aperto mais
as pastas em minhas mãos. Malditas pastas! Se não fosse pelo barulho, eu já teria
largado tudo no chão só para conseguir tocá-lo.
– Eu não dormi com a Nana. Acredite em mim.
– E eu não fiz nada com o David.
– Eu sei que não.
– Então por que está tão bravo?
– Porque eu tenho medo que ele te leve para longe de mim.
Abro os olhos e nos encaramos. Noah Mitchell inseguro? Isso é
novidade.
– Eu não vou para longe, nem que você mande.
Ele sorri, encolhendo os olhos, e meu coração palpita.
Curvando-se para mais perto, ele passa a ponta do nariz no meu pescoço,
inala meu perfume profundamente e deixa um beijo que me faz estremecer.
– Pequena...
– Hum?
– Largue essas pastas para que eu possa te beijar.
Não penso duas vezes, largo as pastas e abraço seu pescoço, permitindo
que sua língua invada a minha boca. Depois de dias, nos deliciamos com os
lábios um do outro, e nossos corpos parecem reagir num segundo.
Sinto seus dedos escorregando timidamente nas curvas da minha cintura,
subindo pela curvatura das costas e alcançando meus cabelos. Aprofunda nosso
beijo e minha pernas bambeiam no mesmo instante. Ainda bem que estou
sustentada em seu pescoço ou certeza desabaria no chão de tão mole que seus
toques me deixam.
Nas pontas dos pés, aproveito os seus lábios e minha dúvidas dissipam
no ar. Mesmo sem comprovação, eu acredito em suas palavras, acredito na forma
como me beija tão sinceramente e, principalmente, eu acredito nos nossos
sentimentos.
Aos selares, vamos nos separando e ainda segurando meu rosto entre as
mãos, Noah beija a minha testa e subitamente aperta as minhas bochechas com
certa força.
– O que estcha fazenu? – tento dizer.
– Não pense que esqueci.
– O quche?
– Que história é aquela de se agarrar ao braço do Seung Ho?!
Rio, toda boba, e ele solta as minhas bochechas.
– Ora, não é assim que as meninas fazem com os rapazes?! - dou de
ombros e sorrio – Só estou tentando me interar.
– Pequena, pequena... Não me provoque.
Dou de ombros outra vez e ele, travesso, belisca meu bumbum.
Com um sorriso idiota estampado no rosto, observo Noah tomar um
espaço e enfiar a mão no bolso frontal do moletom. Ah, se ele soubesse o quão
gostoso fica quando veste um moletom. Só de vê-lo com os cabelos escuros
escondidos pela touca e o corpo esguio por atrás do grosso tecido, sinto meu
baixo-ventre temer de tesão.
– Estenda o braço.
– Por...
– Só estenda e continue olhando para o meu rosto.
Sem entender, eu o faço, Observo seu olhar atento ao que faz com o meu
braço e repentinamente sinto algo ser preso no meu pulso.
– Pode olhar agora.
Levanto a mão e vejo as lindas pulseiras de contas colorida que colocou
em mim. Por um segundo, admiro seu presente e outro sorriso me escapa,
comprovando que eu sou um boba.
– O que é isso? – pergunto, olhando-o.
– Presente de namoro.
Arregalo os olhos e fico imóvel. O que acaba de dizer?
– Que tal?! – seu carinho nos meus cabelos me desperta e nos encaramos
– Você aceita ser a minha namorada, Emy?
Ele nem precisa perguntar.
Capítulo 33
Oi, minha pequena, como você está? Está gostando do seu "dia de menina"?
Estou mandando mensagem para dizer que sairei mais cedo do estúdio, terminamos por hoje. Eu
estou louco para te ver, mas fiquei o quanto quiser com a Soo Jin, sem problemas. Vou passar em casa de
qualquer forma para tomar um banho e trocar de roupa (se bem que um banho com você seria bem melhor
rsrs). Qualquer coisa, me avise, ok?!
Se divirta!
Me remexo, tentando fugir dos raios de Sol que entram pela janela, mas o
peso de algo sobre a minha cintura faz da minha tentativa de fuga um fracasso.
Abro os olhos, me acostumando com a bendita claridade e sorrio ao lembrar
quem está sobre mim.
Me viro com certo custo e deparo com o rosto adormecido de Noah ao
meu lado, e não me contenho em observá-lo por uns segundos com seus lindos
fios platinados caindo sobre os olhos e a barba rala quase por fazer.
Muito diferente da expressão selvagem de ontem à noite e a respiração
ofegante que compartilhou comigo enquanto fazíamos amor, agora sua respiração
é tranquila e sua expressão tão serena quanto a de uma criança.
Um lado completamente distinto do outro. E vendo-o assim, quase
parecendo outra pessoa, penso que o apelido de 'Senhor Bipolar' realmente lhe
caiu muito bem.
Contando essa noite, já é a segunda semana seguida que dorme aqui. De
manhã, ele sai para ir ao estúdio e volta à noite para ficar comigo. Sua escova de
dentes faz par com a minha no banheiro, assim como sua caneca de porcelana
preta e os chinelos na entrada do apartamento. Sem contar algumas de suas roupas
já tomam espaço no meu armário. Até parece que se mudou para cá.
Conforme ele, tudo isso é "para facilitar as coisas", e de alguma
maneira faz sentido. Eu não reclamo. Na verdade, gosto de ver seus pertences
espalhados pela minha casa porquê sinto-o por perto.
Se bem que, nesses últimos dias, é exatamente o que ele está. Muito por
perto. E por mais que eu goste da sua companhia e tudo mais, sei que no fundo
está fazendo isso por causa da minha viagem com a sua irmã para Paris, ou pior,
por que me neguei a voltar para o seu apartamento.
Resumindo: Mitchell está carente.
Olho para o relógio pendurado na parede. São 7:40hs da manhã. Ainda
tenho alguns minutos para enrolar antes de levantar e começar a me arrumar para
trabalhar. No entanto, do jeito que ele dorme feito uma pedra e demora anos para
levantar, ou acordo-o agora ou será uma batalha depois.
Acaricio suavemente seus cabelos, tirando-os de seus olhos e chamo:
– Noah... Noah...
Manhoso, resmunga e me puxa mais para si. Sorrio. Toda manhã é a
mesma coisa. Sempre assim.
– Precisamos levantar.
– Só mais cinco minutos...
– Sem essa de cinco minutos. Se eu deixar, você vai fazer o mesmo e
ficaremos aqui até a hora do almoço.
– Poooor favoooooor.
– Não.
Ele bufa e enfia o rosto no traveseiro. Rio da sua manha e continuo
acariciando seus cabelos.
– Vai para a loja hoje? – pergunta, com o rosto afundado entre as fronhas.
– Não, vou para a sua agência.
– Sério?
– Uhum.
– Vai ajudar o Seung Ho?
– Sim.
– Não gostei.
Dou um tapinha na sua cabeça e rio.
– Idiota! – digo e vejo-o dar de ombros.
Ainda com o rosto afundado no traveseiro e os braços agarrando
possessivamente minha cintura, Noah resmunga como uma criança contrariada e
suspira. É obvio que está me enrolando, como faz todos os dias quando precisa
levantar. Típico dele.
– O senhor não vai me enrolar, entendeu?! Então, trate de tomar coragem
e levantar antes que eu te jogue para fora da cama.
– Aaaahh...
Levanta de supetão e me encara. Seu rosto sonolento e o cabelo
bagunçado unem-se no conjunto mais fofo que já vi na vida.
– Chata!
– Eu não sou chata.
– Você. É. Muito. Chata. – diz, espalhando beijos estalados no meu rosto
e fazendo-me rir – Muito, muito chata.
– Sou?!
– Sim, você é. Minha chatinha!
Testa, olhos, nariz, boca, queixo. Continua espalhando beijinhos por todo
o meu rosto, mas assim que nossos olhares se encontram e aquele sorriso travesso
e cheio de malícia surge em seus lábios, sei que esses beijos estão prestes a se
tornar mais quentes do que são.
Devagar, sua boca traça um caminho excitante até o meu pescoço,
deixando pequenas mordidas e chupadas que fazem meu corpo vibrar de prazer. O
toque de sua mão provoca um arrepio gostoso na espinha, assim como os beijos
molhados que distribui na minha pele.
De novo, desenhando um caminho deliciosamente torturante, desce seus
lábios para o vale entre os meus seios, o que deixa meus mamilos ainda mais
duros e sua língua molhada circula um biquinho para logo mordê-lo de leve e me
levar à loucura.
Aperto seus cabelos entre os dedos e ofego. Com força, suga meu seio
para dentro da boca, esbanja-se com ele, enquanto seus dedos acariciam o outro
sem qualquer delicadeza e fazem a excitação gotejar entre as minhas pernas.
Tomada pelo tesão, aperto mais suas madeixas e arqueio contra a sua
boca, e sua risada baixa e extremamente erótica tira-me dos eixos. Outra vez, seus
lábios voltam a passear pelo o meu corpo.
Beijos molhados atingem a minha barriga e cada vez mais vejo sua
cabeça descendo para onde quero que esteja e acabo retraindo em ansiedade.
Safado, morde meu púbis e ergue o olhar. Nos encaramos. E o brilho excitante de
suas orbes castanhas leva o restante de sanidade que insistia em ficar.
Estou totalmente entregue.
Sem que peça ou faça alguma coisa, flexiono os joelhos e afasto bem as
pernas, convidando-o para que se perca entre elas. Noah observa o centro do meu
desejo por uns segundos, como se observasse a mais bela das obras de arte, e um
gemido rouco escapa de seus lábios assim como um gemido sôfrego escapa dos
meus quando seu dedo toca o meu clitóris inchado e necessitado de atenção.
– Você é tão linda...! – sussurra.
Me apoio nos cotovelos e vejo-o deitar confortável no colchão, para
então posicionar minhas pernas sobre seus ombros. Novamente, esfrega meu
clitóris molhado e minha cabeça naturalmente pende para trás, tamanho o prazer
que sinto.
Umedeço os lábios e volto a olhar para ele, que observa minha entrada
implorando por sua boca faminta. Seu dedo sobe e desce, brinca com todos os
meus sentidos, e a cada segundo parece que o orgasmo está mais perto.
– Gosta do que vê? – pergunto.
Noah levanta a cabeça e me encara, e só então percebo o que acabo de
fazer. A pergunta saiu sem querer e eu não faço a mínima ideia de onde saiu tanto
descaramento para tal. Ele sorri e aperta meu botão entre os dedos e eu grito.
– Adoro! Me deixa louco!
Sinto seu hálito quente contra a minha umidade e me contorço, querendo
que acabe com essa maldita ansiedade.
– Já que você está tão pervertida hoje... – murmura, mexendo o polegar
em círculos – Quero que peça de um jeito diferente.
– Jeito diferente? – retruco com todo o ar que me sobra.
– De um jeito vulgar. Peça de um jeito vulgar e eu faço o que quiser.
Encaro-o e logo sinto as bochechas corando. Vulgar? Mas, eu não sou
acostumada a usar esses tipos de palavras. Me excita quando sussurra enquanto
transamos, excita muito, mas jamais pensei que poderia dizê-las também.
Será que devo tentar?
– Vamos, pequena, peça e eu faço.
Sem desviar os seus olhos dos meus, continua brincando com o meu
clitóris, só esperando para devorar meu sexo. Fecho os olhos e respiro fundo,
finalmente, sussurro:
– Quero que chupe a minha boceta e me foda com a sua língua.
Seus olhos brilham e eu mal tenho tempo para ficar mais envergonhada,
pois sua língua maravilhosamente habilidosa suga o meu botão com vontade e
minha cabeça inebria de tanto prazer.
Ofego... Ofego... Ofego...
Noah me segura firme pelas coxas, abrindo espaço, e consome o meu
sexo como um animal faminto, provando do melhor mel. Mete sua língua no meu
interior e move frenética, para cima e para baixo, para dentro e para fora,
enquanto sua respiração forte e descompassada denuncia que o prazer, nesse
momento, é de ambos.
Ofego... Ofego... Ofego...
Com os dentes, dá leves raspadinhas e mordidinhas no meu clitóris,
chupa e acaricia com a ponta da língua, enquanto aperto seus cabelos com toda a
força que tenho, friccionando-o contra a minha entrada para que faça tudo o que
quiser. Para que, literalmente, me foda com a língua.
Afundo os calcanhares no colchão e rebolo, gemendo tão alto que não
duvido estarem ouvindo da rua, roçando meu ponto de prazer, mais do que
sensível, na sua boca. Suas unhas curtas cravam em minha carne e seu ataque se
aprofunda.
Mete sua língua o mais fundo que consegue e acaricia o meu clitóris com
o polegar, na união mais delirante que sou capaz de aguentar. Meu corpo inteiro
enrijece, anunciando orgasmo avassalador que está prestes a vir, mas antes que eu
possa aliviar, seu pênis incrivelmente duro que toma espaço dentro de mim.
– Gostosa! – ele sussurra entre dentes.
Me pega firme pela cintura, ergue meus quadris e estoca com força e
rápido, fazendo o som dos nossos corpos e gemidos espalhar-se por todo o
apartamento. Busco ar, tentando não me perder em frenesi, mas é impossível.
Vejo meu louco amor morder o lábio e espremer os olhos enquanto me
invade com potência e delicia-se com o meu interior. Nossos corpos se movem
com sincronia, quase como se tivessem vida própria e soubessem exatamente
como agradar um ao outro, e nosso jogo erótico perdura.
Cinco, seis...
Vinte, trinta...
Cem, mil...
Noah estoca intensamente e, ao soltar um grunhido profundo e seguido do
meu gemido agudo, explodimos em satisfação. E, pela primeira vez, sinto seu
líquido quente jorrar forte no meu interior com força e misturar-se ao meu.
Nesse instante e para todo o sempre, eu sou completamente dele.
Suados e ofegante, ficamos abraçados por uns segundos, mas não demora
para o seu peso sair de mim e ele cair ao meu lado no colchão. Como sempre, sua
mão procura a minha e entrelaçamos os dedos.
O silêncio confortável pós-sexo invade o quarto e tudo o que escuto é o
som das nossas respiração tranquilizando. Isso até sua voz surgir num sussurro,
um pouco aflita:
– Eu gozei dentro, pequena.
Ele pende a cabeça para o lado e nos observamos, e por muito pouco não
consigo segurar a vontade de rir de suas bochechas vermelhas.
– Me desculpe!
– Está tudo bem. – sorrio – Eu estou tomando pílula.
A expressão em seu rosto suaviza e eu rio.
– Achou mesmo que eu não iria me prevenir? Depois daquelas vezes,
tinha que tomar cuidado. Além disso...
– Além disso?
– Eu... Eu queria fazer isso com você.
Abaixo o olhar e o constrangimento agora é meu. Ouço-o rir baixinho e
súbito sou colocada em seu peito. Seu abraço sempre aconchegante e possessivo
envolve meus ombros e assim ficamos.
– Por que você é tão fofa?
– Não sou fofa.
– É sim. Muito fofinha.
– Para com isso!
Noah sorri e deixa um beijo nos meus cabelos. Aperto meu corpo contra
o seu e curto seu calor tão gostoso e único. Contudo, ao olhar de relance para o
relógio na parede, quase tenho um treco ao ver que estou quase quarenta minutos
atrasada.
– Ai, meu Deus! – praticamente grito.
Dou um pulo da cama, corro para o armário e pego a primeira muda de
roupas que acho usável.
– Por culpa sua, vou atrasar. – esbravejo ao ouvi-lo rir.
– Foi por uma boa causa, não?!
Olho para trás e o fuzilo. Se não fosse verdade, eu iria matá-lo.
Sem querer dar trela para o rockstar preguiçoso na minha cama, disparo
para o banheiro e pulo dentro do box. Tomo um banho rápido e saio vestida do
banheiro. O cheiro do café começa a crescer no corredor e eu logo sou atraída
por ele.
Mesmo sem tempo, sento para o café da manhã, o qual devoro num
piscar de olhos e só então pego a bolsa e jogo tudo o que preciso dentro. Noah me
acompanha até a porta, e depois de ganhar mais um de seus beijos apaixonados,
desço direto para o estacionamento do prédio.
Encaro o Hyundai HB20 vermelho que peguei na semana passada e feliz
da vida tomo o lugar do motorista. Saio para a rua com alguma pressa e pego a
via principal para conseguir chegar mais rápido na agência e, quem sabe, com
sorte chegar apenas dez minutos atrasada.
Essas transas, literalmente, me faz perder o senso das coisas.
[...]
Estaciono o carro numa vaga disponível da agência e suspiro aliviada.
Consegui chegar no horário. Pego a bolsa e as pastas, como de praxe, e saio em
direção a entrada do prédio. Mais uma consultoria com o Seung Ho, mais um dia
visitando o prédio da agência do Excellent Souls.
Graças à essa ajuda que estou oferecendo a mando da Danny, o
presidente e também o responsável por ter feito do seu irmão um artista de
sucesso, liberou minha entrada e até pediu que me entregasse um crachá
provisório para que eu possa entrar e sair sem toda aquela burocracia
desnecessária.
Bendito presidente!
Cumprimento as meninas da recepção e vou direto para o elevador.
Diferente das vezes anteriores, Seung Ho pediu que eu fosse para o estúdio de um
tal produtor chamado Teddy, pois a sala que geralmente usamos para trabalhar
estará ocupada durante a manhã. Não me opus, já que esse produtor também está
ajudando na estréia do grupo das garotas e dessa forma não iremos atrapalhá-lo
com a nossa falação.
Ando pelo corredor e paro diante a porta do único estúdio do terceiro
andar. Olho através do vidro, querendo fazer um reconhecimento de campo, e
vejo um homem de boné e moletom sentado de frente para o Mac e a mesa de
som.
Será o tal Teddy?
Entro sorrateira e paro ao lado da porta. O som está tão alto que o cara
nem reparou na minha presença e duvido que vá reparar; me aproximo e toco seu
ombro de leve, mas é o suficiente para que dê um salto da cadeira e me olhe
assustado.
– Me desculpe. – digo.
– Quem é você?
– Eu sou Emily Kojima. Assistente da Danny Mitchell, a irmã do Mitch,
e estou ajudando o Seung Ho com o visual do novo grupo.
– Ah, então é você?! – levanta, ajeita o boné e estende a mão – Muito
prazer, eu sou Teddy, o produtor.
– O prazer é meu.
Nos cumprimenta brevemente e ele diz:
– O Seung Ho vai demorar uns minutos para chegar, então, pode ficar à
vontade.
– Ah, ok.
– Pode sentar ali no sofá e, se quiser beber alguma coisa, tem água e
refrigerante ali no frigobar.
– Muito obrigada.
Deixo que Teddy volte ao trabalho e sento no sofá de couro preto.
Observo o lugar por uns segundos e o que mais chama a minha atenção, além dos
vários bonequinhos espalhados, é o pôster do Michael Jackson pendurado na
parede.
Minutos se passam e nada do Seung Ho aparecer. Troco uma ou outra
palavra com Teddy, mas ele parece tão ocupado que prefiro não o incomodar.
Mando mensagem, perguntando onde está, e só o que recebo é um "estou
chegando". Pelo jeito, todos nessa agência hoje estão bastante ocupados.
– Se importa de ficar sozinha por um momento?
– Oi?
– Se importa de ficar sozinha por um momento? Eu preciso ir ao outro
estúdio acertar algumas coisas.
– Por favor, fique à vontade.
Teddy meneia levemente a cabeça e sai.
Sozinha no estúdio, tento me distrair com o joguinho idiota do celular e
por uns minutos até consigo, mas assim que a porta do estúdio é aberta, minha
atenção é tomada pelo homem que entra por ela.
– David?!
– Emy-chan?
Nos encaramos por um instante e, estranhamente, um clima pesado paira
sobre nós. E me arrisco a pensar que seja por causa do nosso último encontro,
onde se confessou para mim. Bom, acho que qualquer um ficaria um pouco
encabulado depois disso, não é?!
O silêncio perdura e eu não sei o que fazer. Penso em falar algo, a coisa
mais idiota que seja, mas o seu semblante não está ajudando muito para que eu
tome a iniciativa e por essa razão prefiro continuar calada. Entretanto, talvez
ciente de que o ambiente não é dos melhores, solta um pigarro e acaba sentando
ao meu lado.
– Você... Veio ajudar o Seung Ho? – pergunta, quebrando a mudez.
– Sim.
– Hum, legal.
De novo, o silêncio.
Nossa, eu nunca pensei que estaria numa situação tão constrangedora
como essa, ainda mais com ele, o homem mais "alegre" que conheço.
Quer dizer, poxa, se é apenas a questão de eu ter rejeitado a sua
confissão, acho que não é para tanto. Afinal, mesmo concordando com os nossos
encontros, eu jamais dei brecha de que poderia acontecer algo à mais entre nós.
Será que for por essa razão que não me procurou mais? Não ligou ou
mandou mensagem? Um sinal de fumaça que fosse? Eu pensei que éramos amigos
e não que sua única intenção comigo era "me levar para a cama".
Incomodada com todo o seu silêncio e essa postura, no mínimo,
desnecessária, respiro fundo para começar uma conversa franca com o baixista do
Excellent Souls sentado ao meu lado. Porém, antes que eu possa abrir a boca para
dizer um 'a', ele se adianta e solta:
– Sei que não é o melhor momento e nem o melhor lugar para
conversarmos sobre isso, mas... – nos encaramos e então continua – Estou
remoendo isso há dias e preciso falar.
Sem entender essa explosão repentina, concordo.
– E o que seria? – indago.
– Por que você está com o Mitch?
A pergunta me pega de surpresa e eu não sei o que responder. O que ele
quer dizer com "você está com o Mitch"?
– David, o que...
– Por favor, não se faça de desentendida. Foi isso mesmo o que eu
perguntei.
– E como você sabe?
– O próprio me contou.
– O que? – arregalo os olhos – Ele contou? Como? Quando?
– Isso não vem ao caso agora, Emy-chan.
Respiro fundo. Estou entre ficar brava com o jeito que David fala e o
fato do Noah ter aberto a bocona para contar o que não devia.
– Desde quando estão juntos?
Penso. Será que devo continuar essa conversa? Eu não tenho que dar
explicações do que faço ou deixo de fazer e isso o inclui também. Contudo, visto
que ele já sabe do "mais grave", eventualmente esse assunto acabe voltando e eu
terei que falar de qualquer maneira.
– Sei lá, acho que alguns meses. – respondo.
– Meses?
– Pois é.
David se recosta no sofá de couro e suspira. Parece realmente
incomodado, porém, eu não estou com os melhores ânimos também. Novamente,
permanecemos quietos. Ele, muito provavelmente, tentando digerir a informação.
– Você sabe que é errado, não é?! O que está fazendo?
– Como assim?
– Sua relação com o Mitch é totalmente errada, Emy-chan.
Desacreditada, eu o encaro. Sem alterar a expressão contrariada,
sustenta o gesto e por segundos nos enfrentamos.
– É tão errado assim?! – rebato – Amar alguém lhe parece tão errado
assim?!
– Quando esse amor te fará sofrer, sim, ele é errado.
– O que quer dizer? Como assim me fará sofrer?
– Pense bem, Emy-chan, ele é o namorado da sua melhor amiga e, se
estão juntos sem problemas, só posso deduzir que a Audrie não sabe de nada.
Mas, e quando ela souber, o que vai acontecer?
Coloca as mãos nos meus ombros e, de tão pasma com o rumo que
estamos tomando, nem tenho forças para afastá-lo.
– A verdade é que essa relação está fadada ao fracasso, Emy-chan. E
você, melhor do que ninguém, sabe muito bem disso. Por isso, como amigo, te
aconselho a dar um fim nisso e seguir a sua vida bem longe dele. Antes que acabe
sofrendo, termine esse relacionamento sem sentido que começou com ele.
Só por que Noah foi o namorado da minha melhor amiga, é tão errado
assim amá-lo?!
Capítulo 36