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IMPERFEITO PARA VOCÊ

Copyright© 2020 – Fernanda Santana


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sem permissão escrita da autora.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e


acontecimentos reais é mera coincidência.

Design de capa: Michelle Mariani


Modelo de capa: Felipe Cézar
Fotografia: Marco Túlio Pinto
Diagramação: Yasmim Mahmud Kader
Revisão: Yasmim Mahmud Kader
Ilustração: PNG Tree
A vida nem sempre é fácil. Quando mais novo, Diogo precisou abandonar
o último ano da faculdade para conseguir um emprego.
O rapaz teve que assumir a responsabilidade da casa, da própria mãe e
das dívidas que seu pai havia deixado.
Quatros anos se passaram e ele continua tendo um objetivo e batalha
diariamente para alcançá-lo. Não tem tempo para relacionamentos, festas,
muito menos para se apaixonar.
Porém, a chegada inesperada de uma garota mimada e insuportável mexe
com todos os seus sentimentos, mudando a sua determinação inicial.
Ela não abaixa a cabeça.
Ele não a suporta.
Entre discussões e provocações, haverá uma chance para eles darem
certo?
Oito anos antes

— Diogo, acorda!
Acho que estou no meio de um sonho, pois minha mente está
oscilando entre a inconsciência e a consciência, não querendo simplesmente
acordar. A pessoa insiste e agora decide me chacoalhar.
— Anda, Diogo! Acorda logo!
Resmungo um pouco antes de abrir os olhos e ver o par de olhos
castanhos da minha mãe me encarando, cheios de expectativa.
— Mãe... Hoje é sábado. Por Deus, que horas são? — Minha voz é
sonolenta e eu cubro os olhos com o antebraço, protegendo-os da claridade.
— São sete horas, mas é seu aniversário, então isso não tem
importância.
Retiro o braço de cima dos meus olhos e arqueio uma sobrancelha
para ela.
— E não deveria ser o contrário?
— Não, porque tenho um presente para você e não dá para esperar
mais meio segundo para te entregar.
Eu me sento na cama num pulo e ela ri.
— Interesseiro! — Ela se senta ao meu lado e corre as mãos pelos
meus cabelos, que agora estão bem bagunçados. — Seus cabelos são tão
lindos. — Seu sorriso atinge seus olhos e é impossível não sorrir de volta.
Minha mãe é um doce, bem diferente da pessoa com quem se casou, que por
sinal adora criticar meus cabelos.
Há pouco tempo deixei que crescessem e hoje eles estão na altura
do ombro. Os fios são lisos na raiz e vão formando ondas do meio até as
pontas, o que deixa eles meio indefinidos, mas eu gosto assim. O tom dos fios
é de um castanho claro acobreado, o que dá destaque aos meus olhos azuis,
que são as únicas coisas boas que herdei do meu pai.
— Ainda bem que pelo menos a senhora gosta. — Sorrio para ela
de canto, que franze o cenho para mim.
— Não ligue para o seu pai, ele apenas tem inveja por não ser tão
lindo quanto você. — Ela me lança um sorrisinho cúmplice e eu não resisto e
a puxo para um abraço.
— Não sei o que seria de mim sem a senhora. — Dou um beijo em
seu ombro, antes de me afastar.
— Lógico que não. Afinal, não teria nem nascido. — Reviro os
olhos para ela, que ri. — Feliz aniversário, meu filho. Você é a melhor coisa
que aconteceu na minha vida. Agora vamos descer, pois seu presente te
espera lá em baixo. — ela me dá uma piscadinha e se levanta da cama.
— Só me dá um minuto para eu me trocar e já desço.
— Está certo, só não demore muito! Estarei te esperando na
cozinha.
— Pode deixar! — Pisco para ela e a vejo sair do meu quarto,
fechando a porta em seguida.
Corro a mão pelos cabelos e pego um elástico no meu criado-mudo
e faço um coque alto. Levanto e me espreguiço, pegando um par de roupas
para ir em direção ao banheiro.
Minutos depois, desço os degraus e encontro meus pais na cozinha.
— Bom dia, pai. — Eu o cumprimento, enquanto o vejo tomar sua
xícara de café, sem desgrudar os olhos do jornal.
— Bom dia, Diogo. — E é isso. Nem um feliz aniversário, nem
nada. Mas eu já devia ter me acostumado, afinal meu pai nunca deu muita
importância para o que acontece na minha vida, a menos que seja para me
criticar, pois nesse caso ele se importa até demais.
— Vamos lá fora, Di. Depois você toma seu café. — Minha mãe
gesticula para mim, me impedindo de sentar.
Ela me conduz para fora da cozinha enquanto vejo meu pai nos
acompanhar de canto de olho, com cara de poucos amigos.
— Qual é o problema dele? — Pergunto assim que chegamos ao
quintal.
— Não dê importância, filho. Ele só está com ciúmes por causa do
seu presente.
— E que presente misterioso é esse, dona Júlia? — Cruzo os braços
e enrugo as sobrancelhas para ela, que ri.
— Vai saber agora. — Fazemos o contorno da casa e assim que
chegamos próximo à garagem, ela cobre meus olhos com suas mãos.
— Anda devagar agora, Di. Tenho que ficar na ponta dos pés para
tampar seus olhos e não cair.
— Sim senhora! — Eu rio e abaixo um pouco meu corpo para que
ela consiga fazer seu trabalho sem dificuldade.
Andamos mais alguns passos e logo ela me para, soltando meu
rosto.
— Não é para abrir ainda!
Ela sai de trás de mim e pega a minha mão, colocando algo lá
dentro e, quando eu tateio, sinto uma chave. Nesse momento meu coração
começa a pular dentro do meu peito.
— Mãe...
— Feliz dezoito anos, Diogo. Você é a minha vida. Agora pode
abrir os olhos.
Eu abro e, então, a cena que se passa em minha frente parece ser
toda em câmera lenta.
Minha mãe sai do caminho e me dá passagem para mostrar uma
Honda Shadow 750 preta e eu fico sem palavras, pois ao vivo ela é ainda
mais linda.
Corro os dedos por toda a moto em silêncio, simplesmente
maravilhado, e só percebo que minha mãe tinha se afastado de mim quando
ela retorna com um capacete preto nas mãos e um enorme sorriso no rosto.
— Era essa mesmo que você queria, meu filho? Tive dúvidas se
estava comprando a moto certa.
— Mãe... Ela é perfeita! Obrigado! — Eu a puxo para os meus
braços e a ergo do chão, algo que não é muito difícil, devido à minha alta
estatura. Eu a coloco de volta e dou um beijo estalado em seu rosto. — Mas,
mãe, não precisava... Eu sei que as coisas têm sido mais difíceis nos últimos
dias. — Lanço a ela um olhar preocupado, pois sei como andamos apertados
financeiramente.
— Não se preocupe com isso, Di. — Ela chega perto do meu
ouvido e sussurra baixinho. — Eu guardei o dinheiro que recebi do seguro de
morte do seu avô e é por isso que seu pai está tão emburrado hoje. Ele morre
de ciúmes de você.
Envolvo meus braços em seu corpo e afundo meu rosto em seu
ombro, sentindo todo seu aroma, sentindo todo o amor da minha mãe. É ela
que me mantém forte todos os dias e por ela sou capaz de tudo.

Entro furioso dentro de casa e encontro meus pais sentados no sofá


vendo TV. Meu pai está com seu tradicional copo de uísque na mão e parece
rir de alguma coisa que está passando, enquanto minha mãe tem uma xícara
de chá nas mãos.
Ela se assusta com o barulho que eu faço e na mesma hora se põe
de pé, vindo em minha direção.
— O que foi, Diogo, o que aconteceu?
Respiro fundo e olho para ela, tentando desviar o olhar mortal que
lanço para o meu pai, que tem um sorriso cínico nos lábios.
Hoje, quatro meses depois do meu aniversário, minha permissão
para dirigir chegou. Eu estava louco para dar uma volta pela cidade pela
primeira vez na minha moto e quando chego à garagem, encontro os dois
pneus furados. Por que ele tem que ser tão miserável?
— Seu marido furou os dois pneus da minha moto. — Respondo
entre dentes e minha mãe arregala os olhos, virando-se para ele.
— Por que você fez isso, Paulo?
Ele simplesmente dá de ombros, sem tirar os olhos da TV.
— Eu vou matar ele. — Uma fúria sobe dentro de mim e eu avanço
para frente, sentindo minha mãe me bloquear. A minha vontade é quebrar o
pescoço dele agora.
— Diogo, olhe para mim. Diogo! — Ela toma meu rosto em suas
mãos e me faz olhar para ela, mesmo bufando de raiva.
Ela passa as mãos pelos meus cabelos e desce até o meu rosto, em
um gesto cheio de carinho. Todo o amor que vejo em seus olhos me quebra
ao meio.
— Você é melhor do que isso, Diogo. Você é melhor do que isso.
— Ela repete incontáveis vezes sem tirar os olhos de mim, sem deixar de
olhar no fundo dos meus olhos e é por ela, só por ela, que eu me viro e vou
em direção ao meu quarto, batendo a porta atrás de mim.
— E mais um telefone para a conta do Diogo! — Bruno bate no
meu ombro enquanto me vê guardando um pedaço de papel no bolso que
recebi de uma ruiva que acabou de deixar o balcão do bar. — Meu caro, se eu
estivesse no seu lugar, já teria levado metade de Belo Horizonte para a cama,
mas Deus não dá asas à cobra, não é?
— Não enche, cara! — Eu tento fechar a cara para meu amigo, mas
é impossível, então caio na risada.
Há cerca de dois anos comecei a trabalhar como barman em um
estabelecimento na Savassi por indicação do meu amigo de infância e tenho
feito muito sucesso por aqui com as mulheres. Acho que são meus cabelos
longos que chamam atenção, já que estão quase na altura dos cotovelos e a
minha barba que está cheia, bem diferente dos outros caras que trabalham por
aqui, mas eu sinceramente não me importo muito com isso.
— Você não vai ligar para ela, não é? — Ele me lança um ar de
reprovação e eu nem preciso responder, pois esse cara me conhece desde que
eu tinha seis anos de idade. — Cara, que desperdício! — Balança a cabeça
transtornado e eu só rio.
— Tome, ligue você. — Tiro o papel do bolso e entrego a ele.
— Ah, claro. Como seu fosse mesmo conseguir passar por você.
Precisaria de um implante dos seus cabelos e isso vai me custar o quê? Uns
dez mil reais?
— Deixa de ser idiota e vai trabalhar! — Eu rio ainda mais
enquanto aponto para uma garota que se aproxima do balcão e Bruno corre
para atendê-la.
Ele adora encher o meu saco e eu confesso que isso torna meu
trabalho muito mais divertido. Não é fácil trabalhar em dois lugares durante
toda a semana e se eu não levar tudo na esportiva, piro de vez.
Há quatro anos meu pai faleceu em um acidente que ele mesmo
provocou por estar embriagado. A sorte foi que não feriu mais ninguém. No
entanto, apesar de ter que lidar com a ausência dele, que era a principal renda
de casa, o cara ainda me fez o favor de nos deixar atolados em dívidas. Eu só
não o matei de novo dentro daquele caixão em respeito à minha mãe que,
apesar de tudo que ele fez, o amava demais.
E então aos vinte dois anos eu tive que trancar minha faculdade de
Direito e assumir o posto de homem da casa para conseguir pagar as dívidas e
não deixar nada faltar à minha mãe. Ela sempre trabalhou em casa como
costureira e, por mais que tenha época que consiga tirar uma boa grana, não é
um valor fixo, então não dá para contar sempre com isso.
Além do mais, eu não quero passar essa responsabilidade para ela,
que já fez tanto por mim. Então, consegui um emprego de técnico de
manutenção de computadores e redes e nessas horas eu me agradeço
mentalmente pelo curso que fiz durante o ensino médio.
Mas eu precisava retomar a minha faculdade já que faltava só um
ano para eu me formar. Então, peguei esse trabalho de barman para conseguir
pagar meu curso. O problema era que eu só consegui fazê-lo à distância,
devido ao valor da mensalidade e a minha falta de tempo para aulas
presenciais.
Com muita dedicação e estudos incansáveis aos fins de semana,
consegui me formar há um ano. Não foi do jeito que eu queria, mas pelo
menos tenho um diploma e um registro no órgão na mão. Agora é só
conseguir passar em um bom concurso, que é a minha próxima meta de vida.
Preciso dar uma vida confortável para minha mãe.
— Viajando aí, Diogo?
Ergo meus olhos e encontro Camila, nossa colega de trabalho e
garçonete aqui no bar, fiquei tão entretido nos meus pensamentos que nem a
vi se aproximar.
— Estava apenas pensando... — Respondo enquanto lavo alguns
copos e a vejo se inclinar sobre o balcão.
— Parecia sério, você estava com o semblante fechado. — Ela
franze o cenho para mim e dá um sorriso de canto.
Não é novidade que a Camila tem uma queda por mim. Já ficamos
algumas vezes e ela tem esperanças de ter um relacionamento mais sério
comigo. Eu deixei claro que isso para mim está fora de cogitação, porém ela
não para de investir.
Não vou ser hipócrita e dizer que sou um puritano, porque não sou.
Sempre fico com algumas mulheres, mas não passa disso. Não tenho tempo e
nem estrutura psicológica para lidar com relacionamentos agora e muitas
delas conseguem entender isso de boa e curtem o momento, mas outras,
como a Camila, acham que eu vou me apaixonar por elas e mudar meu foco.
Como se isso fosse mesmo possível.
— Eu sou sério. — Respondo simplesmente, o que não é mentira.
Mas eu tenho mesmo esse hábito de franzir o cenho quando estou pensativo e
quem não me conhece acha que eu quero bater em alguém.
— Até demais... — Ela se levanta e destaca o bloquinho que está
em suas mãos. — Duas Margaritas para a mesa cinco, por favor.
— Pode deixar. — Pego seu papel e começo a preparar as bebidas
enquanto a vejo sumir pelo bar. Hoje é quinta-feira e aqui está relativamente
cheio, o que nos rende muito trabalho e pouco tempo para conversa. Para
mim é ótimo, pois não vejo a hora de encerrar esse dia e ir embora para casa
dormir.

Já é cerca de uma e meia da manhã quando paro minha moto na


frente de casa e abro o portão da garagem. Desligo o motor, empurro-a para
dentro, para que o som do ronco do motor não acorde minha mãe, e a guardo
nos fundos.
Mas antes que eu possa soltá-la, Eddie pula em cima de mim
pedindo carinho e atenção. Quem olha meu Rottweiler do lado de fora, nem
imagina o quanto ele é carinhoso e brincalhão. Além de ser um ótimo cão, ele
é bastante imponente, o que assusta um pouco as pessoas que sequer pensam
na possibilidade de entrar aqui. Depois que eu comecei a trabalhar a noite é
que o trouxe para cá, assim fico mais tranquilo com a segurança da minha
mãe, além da cerca elétrica, é claro.
Exagerado? Posso ser.
Protetor demais? Talvez.
Mas ela é tudo o que eu tenho agora e a minha função é cuidar dela
e dar sempre o meu melhor.
Brinco mais um pouco com meu cachorro e logo entro em casa,
tirando os sapatos para não fazer nenhum ruído. Subo as escadas até o meu
quarto. Guardo meu calçado e pego um short de pijama e uma cueca, indo
devagar até o banheiro, onde tomo uma ducha rápida e caio na cama.
Olho para o celular: são quase duas horas da manhã. Respiro fundo
e fecho os olhos, tenho pouco mais de cinco horas de sono e isso já é mais
que o suficiente para mim.
— Fala, Diogo! — Marcão entra na sala de manutenção e me
cumprimenta, bebendo um gole de seu café.
— E aí, cara? Não pegou café para mim de novo, né? Você é muito
filho da puta, Marcão... Já estava lá na cozinha.
— Ei! Estou fazendo um favor para te tirar dessa sua seca do
Nordeste.
— Desde quando eu estou na seca? — Cruzo os braços para ele que
dá de ombros.
— Que seja! Mas é fato que você precisa de uma namorada para
acabar com esse mau humor seu.
— Eu não... — Meu amigo me fuzila com o olhar e eu nem
completo minha frase. É, às vezes sou um pouco mal-humorado mesmo. Mas
só um pouco... — Mas o que isso tem a ver com o fato de não ter me trazido
um café?
— Porque você precisa conhecer a vendedora nova e ela está lá na
cozinha, nesse exato momento, tomando café com a Rebecca.
— É sério isso? Está querendo dar uma de cupido para o meu lado?
— Ela é linda, cara! Se eu não fosse casado, puxaria uma conversa
com ela, mas você sabe... Se a Mônica me vir olhando para o lado, eu perco
minhas bolas.
Rio alto. Se as pessoas me acham alto com meus um metro e
noventa e dois, é porque não conheceram o Marcão que tem quase dois
metros e tem o ombro bem mais largo que o meu. O cara é um monstro, mas
borra de medo da esposa que é uma baixinha invocada.
— Ok, você me deixou curioso agora. Vou lá ver quem é essa nova
funcionária e buscar meu café. Mas não se encha de esperanças, porque bem
sabe como fujo de envolvimento com alguém do trabalho.
— Vai logo, Diogo!
Ele me empurra e eu sigo rindo pelo corredor até chegar à cozinha.
Ouço vozes femininas lá de dentro e entro no cômodo já cumprimentando as
meninas.
— Bom dia!
— Bom dia, Diogo! — Rebecca, do setor de faturamento, sorri para
mim e aponta para a nova garota, que me olha com um sorriso nos lábios. —
Essa é a Caroline, a nova funcionária aqui da loja.
— Muito prazer. — Estendo a mão para ela que aceita e ergue os
olhos para mim e, quando nossos olhares se cruzam, sinto alguma coisa
estranha dentro de mim.
Ela é linda mesmo, disso não tenho dúvidas. Magra e alta, embora
pareça bem pequena se comparada a mim, pele clara e olhos cor de
amêndoas, que são destacados pelas suas sobrancelhas grossas. Os cabelos
castanhos escuros são lisos e ondulados nas pontas, cortados na altura do
pescoço, deixando-a incrivelmente charmosa.
Ela tem um ar de inocência, mas a intensidade com que me olha me
diz que não é tão inocente assim e isso me intriga.
— O prazer é todo meu. — Ela me olha com firmeza e mexe nos
cabelos quando solta a minha mão.
— Não se deixe intimidar pelo Diogo, ele tem essa cara de mau,
mas por dentro é um amorzinho. — Mostro o dedo do meio para a Rebecca
que me dá um tapa no ombro enquanto ri. — Está vendo? Um amorzinho.
Ela faz cara de deboche e eu rio.
— Ah, mas eu não me intimido fácil. O tamanho dele não me
assusta. — A novata me lança um olhar desafiador e eu rio ainda mais. É
sério isso?
— Se eu fosse você não mexia comigo. — Dou um sorriso cínico e
me viro para pegar meu café e voltar para o meu trabalho.
— Sério, Marcão? A menina tem quinze anos e ainda é atrevida! —
Despejo no meu amigo assim que entro na sala e fecho a porta.
— Que quinze anos, Diogo? Ficou louco?
— Vai me dizer que ela não tem cara de pirralha? — Cruzo os
braços e o olho de forma impaciente.
— Parece ser novinha, cara. Mas nem tanto assim. Uns dezoito,
talvez? — Ele arqueia a sobrancelha e eu balanço a cabeça.
— Cara, só você mesmo para querer dar uma de cupido para cima
de mim com uma menina que é uns dez anos mais nova que eu.
— E você tem noventa e cinco anos, né? Ah, cara, desisto de você!
Estava querendo te ajudar.
— Agradeço, mas dispenso sua ajuda. Estou bem assim. — Dou
mais um gole no meu café enquanto sento na minha mesa e ligo o notebook
diante de mim. O dia hoje vai ser longo.

Ouço uma batida na porta e quando me viro para olhar, vejo a


novata colocando a cabeça para dentro da sala.
— Me desculpe te interromper, mas você poderia me ajudar?
Ah, agora que precisa de mim fica um doce?
— Claro, pode falar. — Cruzo os braços e giro minha cadeira de
frente para ela.
— O pessoal saiu para o almoço e eu estou sozinha lá na frente.
Chegou um rapaz querendo comprar memória RAM, você poderia me ajudar
a atendê-lo?
Ela está com um olhar perdido e eu bem sei como é horrível ser
novato em um trabalho, então não vou ser sacana e negar ajuda para uma
coisa tão fácil. Pelo menos não agora.
— Tudo bem.
Levanto-me e sigo-a pelo corredor até a parte da frente da loja,
onde encontro um rapaz esperando pacientemente para ser atendido. Não que
essa paciência tenha a ver com a beleza da vendedora, de forma alguma...
— Boa tarde!
Ele se assusta quando me vê, mas logo se recompõe.
— Boa tarde!
— Está precisando de memória RAM? De quantos gigabytes?
— Quero de oito.
— Ok... É para notebook ou computador?
— Notebook.
Assinto para ele e peço para aguardar um instante.
— Aqui, Caroline. — Chamo e ela logo surge atrás de mim,
curiosa.
— Pode me chamar de Carol, se quiser.
— Prefiro Caroline. Está vendo essa fileira aqui? Essas são as
memórias RAM. — Aponto para ela que me acompanha atentamente. —
Essas aqui são de notebook, separe todas as que têm escrito oito Gigabytes na
embalagem e leve para ele escolher. O preço está no verso.
— Pode deixar.
Observo-a separar os produtos e levar até o balcão para o rapaz que
rapidamente escolhe qual vai levar. Ela efetiva a venda e quando o cliente
deixa a loja, volta sua atenção para mim.
— Muito obrigada, Diogo. Ainda estou um pouco perdida por aqui.
Seu sorriso é doce, mas ela não me engana. Essa garota ainda me
intriga.
E como contratam alguém para uma loja de informática que não
sabe nem o que é memória RAM? Por Deus! Deve ter sido só o rostinho
bonito mesmo.
— Tranquilo. Aproveita seu tempo livre e estuda as embalagens
dos produtos e tire dúvidas no Google, vai te ajudar bastante.
— Farei isso, obrigada!
Assinto em silêncio e me viro para voltar para a minha sala, mas
não sem antes dar uma conferida rápida na sua mesa por trás do balcão.
Canetas coloridas de diversas formas e algumas com pompom na
ponta. É, pompom! Essa menina saiu de onde? Do jardim de infância?
Ao lado tem um porta-retratos com a foto de uma família que
parece ter saído de um comercial de margarina. E estreitando minha visão,
consigo ver que ela tem uma irmã gêmea e elas estão com um vestido igual.
Balanço a cabeça antes de entrar no corredor. Eu definitivamente
quero distância dela.
— Ei, Diogo! Preciso da sua ajuda! — Rebecca entra na sala e
caminha em minha direção, gesticulando para que Marcão se aproxime
também.
— Pode falar.
— Então, hoje é aniversário da Carol e vocês sabem que fazemos
uma festinha para todos os aniversariantes. Para nós que somos antigos nem é
surpresa mais, mas para ela vai ser, pois ainda é o primeiro.
Coço a cabeça. Lá vem!
Tem cerca de um mês que ela começou a trabalhar aqui e ela se deu
bem de cara com todo mundo, menos comigo. Eu não a trato mal, sou
educado e ajudo quando precisa de mim, mas mais do que isso não dá. Ela
simplesmente não me desce. É alegre demais, sorridente demais e isso me
irrita. Pareço um velho rabugento falando, mas é a verdade. Toda sua alegria
e espontaneidade me incomodam porque ela parece ser uma pessoa com a
vida perfeita, e a realidade dela é muito diferente da minha. Tenho certeza de
que ela não sabe o que é sofrer na vida, então fico incomodado com suas
demonstrações de euforia com coisas insignificantes.
— E por que você precisa da minha ajuda? — Pergunto a ela que
demonstra cautela com as palavras, o que só me preocupa.
— Precisamos de alguém que a despiste lá na frente enquanto
organizamos tudo na cozinha e ninguém melhor do que você.
— Por quê? — Arqueio a sobrancelha, bastante confuso.
— Por que está na cara que você não vai com a cara dela, então ela
nunca vai desconfiar que você esteja armando alguma coisa.
Coço a cabeça, confuso. Não queria fazer parte disso nem a pau,
mas a Rebecca está certa, ela não vai desconfiar de nada se for eu a despistá-
la. E fazer uma festa de aniversário é tradição aqui da empresa, deixar a
garota de fora é sacanagem demais.
— Ok, que horas eu devo ir lá para frente?
Rebecca bate palmas de empolgação e sorri enquanto eu reviro os
olhos.
— Daqui a pouco, eu te chamo aqui quando for o momento e te
mando uma mensagem no seu Whatsapp quando estiver tudo pronto. E você,
Marcão, vai ajudar a gente lá na cozinha enquanto o Diogo despista a Carol.
— Fechado! — Meu amigo responde por nós e logo Rebecca se
despede deixando a nossa sala. — Então você vai usar seu charme para
segurar a novinha lá na frente? — Ele ironiza e eu reviro os olhos.
— Não enche, cara.
— Não sei qual é o seu problema com a menina, ela não fez nada
para você.
— Ela é irritante, só isso. Empolgada demais, alegre demais e mal
saiu das fraldas.
— E você é rabugento demais, por Deus! Está perdendo a
oportunidade de conhecer alguém legal.
Faço sinal de “joia” com os dedos para o meu amigo, mas ele não
para.
— Sabe que ela é ideal para você, né? Para alegrar um pouco essa
sua vida séria e sem graça.
— Minha vida não é sem graça. — Repreendo-o com o olhar.
— Não, a minha que é.
Sinto meu sangue ferver. Ele não sabe o que eu passo todos os dias.
Ele não sabe tudo que eu tive que abrir mão para ter uma vida razoável hoje.
Eu odeio isso.
Odeio que as pessoas acham que me conhecem sendo que não
sabem metade do que eu já passei.
— Não fale o que você não sabe. — Resmungo e volto a minha
atenção para o computador na minha frente.
Ele parece entender que não quero conversa e volta para seu lugar
de trabalho em silêncio.
Respiro fundo e continuo meu trabalho, mas já perdi até a minha
concentração. Eu odeio quando me julgam assim. Que pensem que eu só sou
mal-humorado e pronto. Que sou sério por que eu quero. Que não vou a
muitas festas por que sou antissocial. Odeio que me julguem sem me
conhecer.
Mas a culpa disso tudo é minha mesmo, pois não costumo me abrir
com ninguém. Não quero as pessoas sabendo demais da minha vida para
sentirem pena de mim. Não mesmo. Prefiro ser rotulado como rabugento a
ser digno de dó.

— Diogo, pode ir! — Rebecca enfia a cabeça na abertura da porta e


eu só finalizo meu processo e já me levanto, respirando fundo. Espero que
não demorem demais lá dentro!
Caminho até o balcão e encontro-a sentada, fazendo algumas
anotações. Quando nota minha presença, ergue os olhos para mim e o que eu
vejo neles faz meu peito contrair.
Ela estava chorando.
— Ei, está tudo bem?
Ela apenas assente em silêncio enquanto coça o nariz. Eu fico
desconcertado, pois já esperava sua postura autoritária e atrevida de todos os
dias, que eu facilmente corto.
Mas não estava preparado para encontrá-la triste. Ver uma mulher
chorando quebra qualquer um ao meio, mesmo os corações de pedra como
eu.
Pego uma cadeira do outro lado e me sento, me arrastando devagar
até ficar próximo a ela, mas concedendo um certo espaço.
Ela continua de cabeça baixa anotando alguma coisa e eu fico sem
saber como reagir. Será que se eu ficar sentado aqui em silêncio olhando para
ela já serve?
— Está precisando de alguma coisa? — Ela ergue os olhos para
mim mais uma vez e eu sinto outra fisgada no peito. Por que ela está tão triste
no dia do seu aniversário? Não era para ser o contrário? Logo ela, a miss
alegria da empresa?
— Não... — Eu raspo a garganta e tento encontrar alguma desculpa
para puxar papo com ela. — Na verdade, eu vim saber se precisa de ajuda
para alguma coisa, tive uma folga lá dentro e quis te procurar.
Ela arqueia uma sobrancelha para mim claramente desconfiada e
então larga a caneta em cima da mesa, cruzando os braços em seguida.
— Obrigada, mas estou bem. O Google tem me ajudado muito. —
Seu tom é sarcástico e isso me incomoda.
— Ei, eu estava falando sério aquele dia. O Google nos ajuda
demais, ou você acha que conseguimos saber tudo sempre? Quem me dera!
Ela fica um tempo me analisando, procurando algum rastro de
ironia na minha voz, mas quando percebe que estou mesmo falando sério,
relaxa os ombros.
— Desculpe, não estou tendo um dia bom.
Assinto e ela desvia o olhar. Ela parece estar tão desconcertada
quanto eu. Será que a minha presença a incomoda tanto assim?
— Brigou com o namorado? — A pergunta é ridícula, eu sei. Mas
preciso manter uma conversa com ela.
Sei que há minutos atrás eu queria evitá-la a todo custo, mas vê-la
fragilizada assim me deixou realmente mal.
— Nem tudo se resume a isso, Diogo. — Áspera de novo.
Sorrio. Essa é a Caroline que eu conheço.
Por mais que seu sorriso seja cínico, em seus olhos eu só vejo dor.
E isso está me intrigando. Por que será que ela está assim?
— Posso fazer algo por você? — Minha voz é baixa e vejo que ela
me olha com um misto de surpresa, como se não esperasse um ato gentil de
mim. O quê, às vezes, nem eu espero, mas essa garota me confunde demais.
— Obrigada, mas infelizmente não há nada a ser feito.
E pronto. Ela volta sua atenção para sua agenda e pega uma de suas
canetas coloridas, ignorando a minha presença ali.
Giro a cadeira e olho para o teto, para o chão, para os lados, sem
saber o que fazer ou dizer. O tempo simplesmente não passa e a cada segundo
eu olho para a tela do meu celular, esperando pela mensagem da Rebecca.
— Está tudo bem, Diogo? — Ela me lança um olhar curioso e eu
fico sem palavras.
Merda! O que eu vou inventar agora? Cadê a Rebecca que não
termina isso logo?
— Eu... Estou bem sim. Sabe o que é? — Arrasto minha cadeira
para mais perto dela e posso sentir seu perfume cítrico chegar ao meu nariz.
Abaixo minha cabeça e meu tom de voz, fingindo que não quero que
ninguém me ouça.
Ela chega mais perto de mim e fica curiosa, esperando pelo que vou
dizer.
— O Marcão tem problemas com flatulências, sabe? E em algumas
situações ele simplesmente não consegue segurar. Então o fedor ficou
impregnado lá na sala por causa do ar condicionado e eu precisei vir para cá
até aliviar o cheiro.
E então ela dispara a rir. Ri até suas bochechas ficarem coradas e
saírem lágrimas dos seus olhos e eu sinto algo estranho dentro de mim por
vê-la bem, sorrindo. Como se meu coração estivesse mais tranquilo agora, o
que é a coisa mais absurda do mundo.
— Mentira, Diogo! — Ela ri ainda mais e eu não me contenho,
rindo junto com ela.
— Verdade! Só não conte nada para ele, senão vai me matar!
— Pode deixar.
Ela ri um pouco mais e se recompõe, me olhando com intensidade e
algo mais... com carinho. E sinto algo estranho dentro de mim mais uma vez.
Eu não deveria estar sentindo essas coisas.
Não mesmo.
— Obrigada por me fazer rir, eu estava mesmo precisando. — Seu
olhar ainda é de carinho e um sorriso involuntário surge em meus lábios.
— Não há de quê.
Talvez ela não seja tão ruim quanto eu pense. Talvez não seja tão
insuportável assim...
Cara, não viaja.
Antes que eu comece a pensar alguma besteira, meu telefone vibra
e eu vejo a mensagem da Rebecca na tela. Hora do show!
Levanto-me depressa e ela se assusta com o movimento, me
olhando em silêncio.
— Acho que um café vai te fazer bem agora, vamos lá?
— Agora? — Ela arqueia a sobrancelha, visivelmente confusa.
— É... Algum problema?
— Mas... Não sei se posso deixar a loja sozinha. — Ela me olha
sem jeito e eu balanço a mão, tranquilizando-a.
— Relaxa, se alguém chegar, vamos ouvir a campainha. E outra, lá
da cozinha conseguimos ver as câmeras também.
— Tem certeza? É que ainda sou nova aqui e...
— Fique tranquila, Caroline. Eu jamais faria algo para te
prejudicar.
Lanço a ela um olhar sério e logo assente, se levantando.
— Você nunca vai me chamar de Carol, né? — Ela me pergunta
quando já estamos passando pelo corredor e eu rio.
— Quem sabe um dia. — Pisco para ela enquanto abro a porta da
cozinha.
— SURPRESA! — Toda a equipe está lá dentro e eles começam a
cantar os parabéns para ela batendo palmas. Eu entro no coro logo atrás.
Ela me olha incrédula antes de correr os olhos por cada um de nós,
visivelmente emocionada. Vejo que conseguimos pegá-la de surpresa e um
sorriso enorme abre em seu rosto, enquanto algumas lágrimas rolam por ali.
Mas dessa vez são de alegria e isso me faz respirar relaxado.
E por que é que eu estou me sentindo desse jeito?
Terminamos de cantar e assobiar e ela assopra as velas do bolo que
a Rebecca comprou. Um bolo bem colorido, o que é a cara da aniversariante.
— Obrigada, gente! Juro que eu não esperava por isso. — Ela fala
com um enorme sorriso no rosto e se vira para mim. — E você me enganou
direitinho com aquela história do Marcão.
Eu rio e faço sinal para ela manter segredo, mas o cara é mais
esperto.
— Que história minha você inventou, Diogo?
— Eu...
— Ele disse que você soltou um pum bem fedorento na sala e por
isso teve que se refugiar na recepção. — Ela sorri divertida e eu dou uma
trombada de leve nela.
— Ah, sua dedo-duro! — Ela ri ainda mais, mas em seus olhos vejo
que nosso contato causou alguma reação nela, pois é a primeira vez que nos
tocamos assim, com um pouco mais de liberdade.
— Porra, Diogo! Tinha que sobrar para mim?
— Claro! Qual é a graça de brincar se eu não puder zoar com a sua
cara?
— Vá se ferrar, cara!
Todo mundo ri e antes que possamos atacar os salgadinhos, a
garota faz questão de abraçar um por um como forma de agradecimento e
quando chega a minha vez...
Caramba, o que está acontecendo comigo?
Eu a envolvo em meus braços e sinto aquele perfume cítrico
novamente. Ela aninha seu rosto em meu ombro e, por um breve momento,
eu sinto como se ela se encaixasse perfeitamente em mim, como se esse fosse
o seu lugar.
Afasto-a com delicadeza e pelo olhar desconcertado que ela me
lança, vejo que sentiu o mesmo que eu.
Que estranho... Por que eu estou me sentindo assim?
O fim do expediente chega e, quando estou me preparando para
sair, encontro Caroline com um semblante confuso na recepção.
— Está precisando de alguma coisa? — Pergunto ao me aproximar
dela, que ergue o rosto para mim.
— O que deu em você para estar tão solícito hoje? — Ela arqueia a
sobrancelha de forma inquisitiva. Ela não deixa passar uma.
— É seu aniversário. — Dou de ombros. — Amanhã eu volto a ser
o ogro que você conhece.
— Você não é um ogro. — Empina o queixo com ar desafiador e,
pela sua atitude, nem parece mais a garota triste de horas antes. — Só tem a
cara fechada vinte e quatro horas por dia. Você nunca ri?
— Você me viu rindo hoje. — Cruzo os braços e olho-a
intensamente, curioso para saber qual rumo essa conversa vai tomar.
— Ah, verdade. A primeira vez em um mês. — Ela revira os olhos
e eu apenas dou de ombros. — Acho que o problema está na sua barba, ela te
deixa sério demais. Já pensou em tirá-la?
Agora eu rio com vontade e ela não perde sua postura
questionadora.
— É sério isso? Eu uso barba desde os meus vinte anos e você acha
que vou tirar agora porque você quer?
— E quem falou que eu quero alguma coisa? Você está se achando
demais!
Solto o ar de forma impaciente. Como ela consegue ser tão
irritante?
— Bom, eu estava tentando ser legal com você e oferecer ajuda
porque estava estampado no seu rosto que estava perdida. Mas já vi que você
não precisa de mim, né? Até amanhã, Caroline.
Viro-me em direção a saída quando a escuto chamar meu nome.
— Diogo... Espera!
Paro por um segundo e respiro fundo antes de olhar em sua direção.
— Desculpa. — Ela me olha com um semblante mais relaxado,
quase suplicante. — É que ainda não sei como lidar com você.
— Como assim? — Coço a barba e a encaro dentro dos olhos,
aguardando por uma resposta.
Ela engole em seco.
— Eu não sei. Tem dias que você mal olha para mim e em outros
quer me ajudar. Eu juro que não sei lidar com isso, não consigo decifrar você.
Seu tom de voz demonstra que está mesmo perdida e, então, eu
abaixo a guarda. Talvez eu tenha sido um pouco injusto com ela.
— Me desculpe, eu tenho um jeito difícil, mas vou procurar
melhorar isso. Não sabia que incomodava você.
Mentira. Sabia sim, só não me importava com isso.
Até agora.
— Está... Tudo bem. Eu sei que também não sou fácil. — Um
sorriso de canto surge em seus lábios e esse é o movimento mais charmoso
que ela já fez até hoje.
— Então vamos voltar ao início. Você precisa de alguma coisa?
— Bem, sim... Mas não sei se poderia me ajudar. A Rebecca me
obrigou a levar o restante do bolo para casa e sobrou quase metade na
embalagem. Não sei se vou conseguir levar isso em um ônibus lotado logo
em horário de pico.
Ela morde o lábio e me olha de forma tímida e a minha vontade é
dizer: Não. Faça. Isso.
É sexy pra cacete.
— Onde você mora?
— No Caiçara.
Coço a barba mais uma vez enquanto penso em uma forma de
ajudá-la e, então, tenho um estalo.
— Acho que posso te ajudar. Eu moro aqui no Padre Eustáquio
mesmo, a uns dois quarteirões. Eu levo seu bolo para casa, vejo uma forma
de embalar e colocar na minha mochila e quando estiver indo para o meu
outro trabalho, passo na sua casa e deixo com você.
— Você tem outro emprego? — Seu olhar é um misto de
curiosidade e admiração.
— Sim, trabalho todas as noites em um bar na Savassi. Como seu
bairro é próximo daqui, eu passo lá antes de ir para o trabalho.
— Poxa, Diogo! Você faria mesmo isso? Não seria muito
incômodo?
— Claro que não, só não tenho tempo de entrar para tomar uma
xícara de café.
Eu digo sério e então ela solta uma gargalhada. E é linda. Como
essa garota é linda sorrindo.
— Você não existe! — Ela dá um tapa no meu ombro e esse gesto
inocente faz com que a minha pele queime.
Isso não é nada legal.
— Eu preciso ir, senão vou chegar atrasado. Estamos combinados
então?
— Sim! Nossa, muito obrigada mesmo! Você me salvou!
— Tranquilo. Me mande seu endereço pelo Whatsapp? E você
estará em casa?
— Vou sim, hoje não vou à aula. Qual seu telefone? É o único
daqui que eu não tenho...
— Nem imagino o porquê. — Zombo dela que ri enquanto me
estende seu celular para que eu grave o meu número.
— Te mandei um Oi para você salvar o meu. — Ela ergue os olhos
da tela do celular e sorri.
— Ok. Assim que eu estiver saindo de casa te dou um toque para
ficar ciente.
— Combinado! E mais uma vez, obrigada!
— De nada.
Sorrio para ela e saio da empresa, já pegando as ruas do bairro
carregando a embalagem de bolo. Não faço ideia de como vou levar isso na
minha mochila, mas tenho certeza de que dona Júlia dará um jeito.
— Mãe? — Abro a porta de seu ateliê e ela ergue os olhos da
máquina de costura, sorrindo para mim.
— Oi, Diogo! Como foi o trabalho hoje?
— Foi tranquilo. — Sorrio para ela. Todos os dias ela me pergunta
sobre o meu trabalho e eu amo o carinho que ela tem por mim. — A senhora
está muito ocupada? Estou precisando da sua ajuda.
— Já estou terminando aqui, pode falar. — Ela para seu movimento
e se levanta para me encontrar.
— Então... — Coço a nuca enquanto penso em uma forma de
explicar sem que ela crie teorias. — Hoje foi aniversário de uma colega de
trabalho e sobrou metade do bolo. Como ela vai para casa de ônibus, eu
trouxe para cá e vou levar para ela quando estiver indo para o bar. Só não sei
como levar o bolo na minha mochila sem que ele vire uma meleca.
— Hummmm... Uma colega de trabalho? — Ela arqueia a
sobrancelha e me lança um sorriso malicioso.
Ah, não...
— Mãe, não viaja. Eu só quis fazer uma gentileza.
— E desde quando você é gentil?
— Ei, essa doeu!
Ela ri enquanto me chama para a cozinha e começa a abrir as portas
dos armários, pensando de que maneira pode me ajudar.
— Eu ainda quero saber o que essa garota tem de tão especial para
você querer ajudá-la assim.
— Mãe, pelo amor de Deus...
— E você está mesmo precisando de uma namorada, nunca trouxe
uma garota aqui.
— Ué, mas a senhora não sabia que eu sou gay?
Lanço um olhar sério para ela, que engasga na mesma hora e
arregala os olhos de forma que parecem que vão saltar para fora.
— Mas... — Ela começa a gaguejar e eu não aguento, caio na
risada e levo um tapa bem forte no braço por isso. — Quer me matar do
coração, criatura?
— Eu tinha que ter filmado a sua cara, mãe. Parecia que tinha visto
um fantasma. — Enxugo meus olhos com o dedo, pois cheguei a chorar de
tanto rir e ela me fuzila com o olhar.
— Tão engraçadinho!
— Mas, mãe... A senhora me conhece há vinte e seis anos. Se eu
fosse gay, já saberia disso!
— Eu sei, mas você nunca trouxe ninguém e...
— E aí cogitou essa possibilidade?
— Vai saber...
— Fique tranquila, dona Júlia. De pau já basta o meu, não preciso
de mais um na minha vida.
E então levo outro tapa no braço.
— Diogo! Isso são modos? — Ela tenta me lançar um olhar duro,
mas percebo que está se segurando para não rir.
— Ah, mãe, fala sério... Eu sou homem. Queria que eu dissesse o
quê? Pênis?
E, então, sua tentativa de segurar o riso falha e ela dispara a rir.
— Ok, se prefere assim. Então, mãe, como eu ia dizendo, de pênis
já basta o meu, não quero outro para mim.
— Você é ridículo! — Ela ri ainda mais e começa a me empurrar
para fora da cozinha. — Vá tomar seu banho enquanto eu organizo isso aqui,
senão você vai chegar atrasado.
— Você é a melhor! — Pisco para ela e subo em direção ao meu
quarto enquanto a escuto resmungar da cozinha.
— Diz isso porque é a única que tem!
Sorrio quando entro no meu quarto e já separo um par de roupas
para vestir. Tomo um banho rápido, me troco e desço os degraus de casa, já
encontrando minha mãe na cozinha.
— E então, deu certo?
— Claro! Eu sou a melhor, se esqueceu?
— Disso não tenho dúvidas! — Dou um beijo nela e a vejo sorrir.
— Então, vamos lá. Eu dividi em algumas vasilhas menores para
não ficar balançando na sua mochila e chegar lá inteiro.
— Mas logo as suas Tupperware? — Coço a cabeça confuso, sei o
quanto ela tem apego por essas vasilhas de plástico que têm o preço do meu
rim.
— E o que tem de mais nisso?
— Não deveria pegar umas vasilhas mais simples? Eu não a
conheço tão bem assim...
— Claro que não! O que ela vai pensar de mim se eu mandar o bolo
em qualquer vasilha? Preciso causar boa impressão à minha futura nora.
E lá vamos nós...
— Mãe, sério?
— Minha intuição me diz que eu vou me tornar sogra daqui a
pouco tempo e você sabe que eu nunca erro!
Ela coloca as mãos na cintura e me lança um olhar fuzilante. Não
sou nem doido de discutir com ela agora, embora saiba que essa sua ideia é a
mais absurda do planeta.
— Ok, dona Júlia. Vou nessa! Valeu por ter me salvado!
Dou um beijo em seu rosto enquanto pego as vasilhas e coloco com
cuidado na minha mochila.
— Sabe que eu faço tudo por você, não é? Mande um abraço para
ela por mim!
Fecho a cara para ela, que me mostra a língua rindo. Se existe uma
mãe melhor que essa, eu desconheço.
Corto as ruas da cidade e alguns minutos depois eu estaciono minha
moto na porta do prédio da Caroline. Toco seu interfone. Assim que atende,
ela me pede para aguardar, pois já está descendo. Pouco tempo depois, ela
desce de short jeans e camiseta e ter a visão dela assim me faz engolir em
seco.
Ela tem as pernas lindas. E o pouco que eu vejo do seu decote me
diz que outra coisa também é linda no corpo dela. Mas calma aí, para onde os
meus pensamentos estão indo?
— Oi. — Ela diz um tanto tímida e coloca uma mecha de cabelo,
que havia se soltado com o vento, atrás da orelha.
— Oi. — Digo simplesmente e tiro a mochila dos meus ombros e
começo a abrir o zíper, tirando as vasilhas lá de dentro. — Minha mãe dividiu
em algumas vasilhas para que ele não virasse uma papinha no trajeto.
— Poxa, obrigada! Não precisava se incomodar tanto.
— Ah, minha mãe é teimosa, gosta de fazer as coisas bem-feitas.
— Eu agradeço muito.
Ela pega as vasilhas e me olha um tanto sem jeito e, então, o
silêncio se instala por aqui. Aquele silêncio constrangedor causado pelo fato
de que é a primeira vez que nos encontramos fora do ambiente de trabalho e
não sabemos bem como agir.
— Eu... Eu preciso ir. — Ela apenas assente enquanto eu fecho
minha mochila e volto a colocar nos meus ombros. — E feliz aniversário
mais uma vez.
Sorrio sem jeito e então ela se aproxima de mim e faz o que eu não
esperava.
Fica na ponta dos pés e dá um beijo no meu rosto. Eu juro que
nunca vi tanto carinho em um gesto simples como esse.
— Muito obrigada, Diogo. — Ela diz ainda próxima de mim e eu
engulo em seco.
Tem algo muito errado comigo e isso não é nada legal.
— Não há de quê. — Dou um sorriso curto, tiro o capacete do
retrovisor e o coloco, já me preparando para montar na moto.
— Bom trabalho! — Ela sorri um pouco mais e eu assinto
agradecendo enquanto dou partida na moto, colocando-a em movimento.
Pelo retrovisor consigo ver que ela fica parada no mesmo lugar e só
se move quando eu dobro a esquina.
Solto o ar dos pulmões de forma relaxada. Essa garota está
mexendo demais comigo e eu não estou gostando nenhum pouco disso.
Preciso me lembrar do meu foco e das minhas prioridades no momento e que
não há espaço para esse tipo de sentimento.
Preciso voltar à estaca zero e me manter distante dela, pois vai ser
mais seguro.
Peguei um serviço mais pesado hoje, que está fritando os meus
neurônios e, para ajudar, o Marcão está fazendo atendimento externo. Então,
além do serviço que está me consumindo, sempre aparece algum trabalho
avulso no decorrer do dia e sou interrompido. Isso está me matando!
Decido levantar e pegar um café para me manter desperto pelo
restante do dia, mas assim que abro a porta da cozinha, sinto um furacão se
chocar contra mim.
Caroline...
Quem mais seria?
— Di... Diogo! Desculpa! — Ela me lança um olhar assustado e,
quando eu sinto algo gelado escorrer pelo meu peito, eu fecho minhas mãos
em punhos.
Porra!
Olho para baixo e vejo minha camisa toda molhada pelo copo de
água que ela despejou em mim sem querer.
Isso é o quê? Uma pegadinha do Mallandro? Ou conspiração do
Universo? Por que toda vez essa garota tem que estar no meu caminho?
Ergo os braços e balanço a cabeça a ponto de cuspir marimbondos.
Passo por ela e vou até a janela, segurando a bancada de mármore tão forte
que sinto meus dedos doerem.
Eu já entendi que essa garota mexe demais comigo. Mas por que eu
tenho que sentir essas coisas por uma garota tão irritante? Eu juro que não
entendo isso!
Eu tento, todos os dias, me manter longe dela. Eu só quero
distância dessa criatura falante! Mas não... Como a empresa é pequena, eu
sempre acabo dando de cara com ela o tempo todo, mesmo sem querer.
Começo a fazer exercícios de respiração para tentar manter a calma
e não explodir com ela de vez. Eu já percebi que ela tenta se aproximar de
mim ou fazer amizade comigo, mas eu sempre me esquivo.
Eu não posso ser amigo dela.
Já pensou que merda seria eu me tornar amigo de alguém por quem
estou atraído?
É... Eu tentei negar de todos os jeitos, mas ela me atrai.
E isso é algo que não vou assumir nunca.
Puta que pariu.
Entenderam por que eu preciso me manter longe dela?
— Diogo... — Ouço sua voz suave e sinto sua mão delicada tocar o
meu ombro, fazendo minha pele queimar.
Exercício de respiração:
Inspira e solta.
Inspira e solta.
Inspira...
— Diogo?
Solto o ar com cuidado e viro-me para olhá-la, já me sentindo um
pouco mais calmo que antes.
— Sim?
— Desculpa, eu não te vi chegando, eu...
— Está tudo bem. — Respondo, desviando o meu olhar para o
chão, evitando contato com aqueles olhos cor de amêndoa.
Noto que ela pegou várias folhas de papel-toalha e se aproxima de
mim com cuidado, como se tivesse medo de tocar em mim.
E deveria ter mesmo...
Seus dedos tremem e noto sua respiração se tornar mais pesada
quando ela me toca, percorrendo o papel pela minha camisa com cuidado,
numa tentativa de secá-la.
A camisa está grudada em meu peito e percebo um leve rubor em
seu rosto quando ela tenta desviar o olhar de mim, mas é nítido o quanto está
me encarando.
Eu fico em silêncio, apenas a sentindo perto de mim, inspirando seu
perfume cítrico enquanto um bolo se forma em minha garganta.
Eu preciso ter distância dela, pelo bem da minha sanidade, então
recuo de seu contato, recebendo um olhar assustado em resposta.
— Está tudo bem, Caroline, obrigado.
— Mas eu te molhei e ainda não terminei...
— Eu termino de me secar sozinho.
Viro-me de costas e deixo-a sozinha na cozinha, retornando à
minha sala.
Nem mesmo me lembrei de pegar o meu café, mas eu nem preciso
mais disso, pois duvido que eu vá me concentrar no que estou fazendo agora.
Corro os dedos pelos meus cabelos e retiro o elástico, deixando-os
soltos e os prendendo novamente em seguida.
Isso não vai dar certo.
Estou me controlando para não explodir com ela, mas ao invés de
tê-la se afastando mais, a garota parece grudar em mim como um imã.
Eu também mexo com ela, qualquer um já deveria ter notado isso.
A questão é por quê?
Por que uma garota tão irritante mexe dessa forma comigo?
Ela é o oposto de mim em tudo.
Preciso parar de pensar nisso, ou as coisas só vão piorar.
E, definitivamente, eu preciso ter distância dela, nem que para isso
eu comece a ser grosso. Pois já vi que ser legal com ela não vai dar muito
certo.
Não vai mesmo.
Já se passaram mais de duas semanas desde o aniversário da
Caroline. No dia seguinte, ela me devolveu as vasilhas da minha mãe e pediu
que eu a agradecesse mais uma vez pela ajuda, o que a fez ganhar ainda mais
pontos com a dona Júlia.
Depois disso, eu decidi me manter afastado dela, não dando tanta
liberdade, pois percebi que ficar muito próximo dela desperta em mim coisas
que eu prefiro evitar, como naquele episódio na cozinha.
Mulher nenhuma mexeu comigo como ela mexe e isso me dá
medo. Eu sinto que também mexo com ela de alguma forma pelas reações
que tem perto de mim. Mas eu não posso permitir que ela crie expectativas
pelas quais não tenho condições de corresponder.
Nesses últimos dias notei que ela está tentando se aproximar de
mim, mas eu sempre dou um jeito de me esquivar sem ser grosso com ela. Só
espero vencê-la pelo cansaço e, assim, ela desiste de mim. Vai ser melhor por
agora. Já cheguei à conclusão de que não dá para sermos simples amigos,
então o melhor é não criar nenhum tipo de relação.
Nas últimas semanas, aconteceu de tudo por aqui. Ela já trombou
comigo algumas vezes, já me alfinetou em outras. Em alguns dias eu só quis
mandá-la sumir da minha frente, mas me contive para não perder a cabeça.
Ela sempre está no meu caminho, mesmo que não queira. Por onde eu ande
nessa empresa, eu me esbarro com ela.
Por que ela simplesmente não me deixa em paz?
Parece que quanto mais eu tento fazê-la se distanciar de mim, pior
fica. Já disse que essa empresa é do tamanho de um ovo?
Por Deus, estou ficando louco!
Afasto esse pensamento e me concentro na máquina que está na
minha frente, onde estou trabalhando na recuperação de arquivos perdidos. Já
estou na metade do processo e preciso finalizar isso hoje, pois o cliente vem
buscar daqui a algumas horas.
Ouço uma batida na porta e logo ela se abre para deixar passar uma
Caroline toda sorridente, o que não é nenhuma novidade. Hoje estou sozinho
na sala, pois o Marcão foi fazer um atendimento externo e eu não sei se vai
sair alguma coisa boa daqui.
— Trouxe café para você. — Ela sorri para mim enquanto se
aproxima, mas antes de chegar ao seu destino, ela tropeça e a tela do monitor
à minha frente se apaga.
Ah, não...
— Porra, Caroline! — Eu resmungo e esfrego as mãos no rosto sem
acreditar. Vou ter que começar tudo de novo. Meu Deus!
Ela arregala os olhos e seu rosto fica vermelho.
— Desculpa, Diogo! Foi sem querer. Eu fui à cozinha buscar o
café, lembrei que você gosta e...
— Está bem, está bem... — Gesticulo com as mãos, dispensando
seus argumentos. Estou me segurando muito para não explodir com ela.
De todas as vezes que ela esteve no meu caminho, essa,
definitivamente, foi a pior.
— Era muito sério?
— Era. Vou ter que começar tudo de novo e não sei se vai dar
tempo de terminar até o horário combinado com o cliente.
Bufo frustrado e resmungo um palavrão.
Por que ela sempre tem que estar no meu caminho? Suma de uma
vez!
— Eu... Eu vou ver o que consigo fazer para te ajudar.
— Não tem o que fazer, Caroline. Não tem como acelerar um
processo só por que você quer. Vou ouvir um esporro e entregar o serviço
amanhã. Paciência.
— Ei! Eu já disse que foi sem querer! Eu estava tentando ser legal
com você, não vi a tomada e tropecei. Me desculpe!
Quem disse que eu quero que você seja legal comigo? Não
entendeu que eu quero distância de você? Mas que merda!
A minha vontade é de gritar isso agora, mas me contenho e busco a
minha melhor voz fria.
— E por que você estava querendo ser legal comigo?
Cruzo os braços de forma impaciente e espero por sua resposta.
— Por que... — Ela para e daqui consigo ver suas bochechas
corando. — Ah, quer saber? Desisto! Por um momento eu achei que você
pudesse ser um cara legal, mas é complicado demais. Cansei.
— Só me deixa em paz, por favor.
Ela empina o queixo, pega a caneca de café que eu nem vi que
tinha colocado na minha mesa e sai, batendo a porta logo após.
Ótimo. Consegui que ela me deixasse em paz!
Não era isso que eu queria?
Então por que eu estou com aquela sensação estranha de novo?
Que inferno!

Olho para o relógio. Daqui a pouco o cliente chega e eu ainda estou


na metade do processo.
Esfrego as mãos no rosto e respiro fundo. Vou ter que ir conversar
com o Ricardo, não vai ter jeito.
O ramal da minha mesa toca e eu dou um pulo.
— Pronto.
— Diogo, venha até a minha sala, por favor.
— Ok, estou indo.
Desligo o telefone e suspiro. Parece que esse cara leu meus
pensamentos.
Levanto-me e vou em direção à sala do meu gerente, já preparando
meu espírito para o sermão que vou levar.
Bato na porta e assim que ele autoriza, eu entro.
— Está tudo bem, Diogo? — Ele me pergunta assim que eu me
sento de frente para ele.
— Mais ou menos, tive um probleminha e precisei reiniciar o
processo de recuperação dos arquivos do Ronaldo e não sei se vou conseguir
entregar a tempo.
Solto logo e abaixo a cabeça. Não vou dizer o real motivo do
atraso. Salvar minha pele à custa de entregar os outros nunca foi do meu
feitio e nem será agora. Mesmo que eu esteja com vontade de matá-la nesse
momento.
— Entendi. Eu já estou ciente disso e liguei para ele e expliquei
que tivemos um problema e que vamos entregar amanhã antes do almoço.
Tudo bem?
Arqueio a sobrancelha. Como ele sabia? Mas antes que eu
questione, ele continua.
— A Carol veio conversar comigo. Disse que tropeçou na tomada
sem querer e acabou interrompendo seu trabalho. Não digo que fiquei feliz,
pois odeio atrasar serviço, mas gostei da atitude dela. É louvável. E a sua
também, pois eu estava esperando que me dissesse que ela foi o motivo do
atraso, mas assumiu a responsabilidade sozinho. Vocês têm muita sorte de
terem um ao outro.
— Mas nós não...
— Agora pode ir e termine o que estava fazendo, pois não vou
conseguir adiar o prazo mais uma vez.
— Pode deixar, vou terminar a tempo.
Despeço-me e saio da sala um pouco perdido. Ela foi lá conversar
com meu gerente para salvar minha pele? Por que faria isso?
É... Pelo visto ela é melhor do que eu pensava. Eu julguei errado
demais e agora ela não quer me ver nem pintado de ouro na frente dela.
Claro, até eu ficaria assim se tivesse que lidar comigo.
Preciso encontrar uma forma de me redimir com ela, só não faço
ideia de como fazer isso.

O final do expediente chega e eu respiro fundo incontáveis vezes,


buscando coragem para ir conversar com a Caroline. Preciso pelo menos
pedir desculpas. Ela não tem culpa dos meus problemas para que eu tenha
que descontar nela sempre. Isso está errado.
Eu só não sei lidar com esse turbilhão de sensações que ela
desperta em mim. Isso está me deixando louco!
Respiro fundo mais uma vez e saio da minha sala, indo de encontro
a ela. Vejo que está organizando suas coisas e ainda não notou a minha
presença.
— Oi... — Digo de forma suave e ela ergue os olhos para mim e o
que eu vejo neles faz meu estômago contrair.
Indiferença.
Parabéns, Diogo! E o prêmio de idiota do ano vai para você!
— Oi. — Responde simplesmente e continua o que estava fazendo,
completamente alheia à minha presença.
Troco o peso do meu corpo de uma perna para outra e suspiro.
— A gente pode conversar?
Ela para o seu movimento e se ergue, cruzando os braços e me
lança um olhar decidido.
— Para quê? Para me dizer alguma grosseria?
Corro minha mão pelos meus cabelos. Não vai ser fácil mesmo.
— Me desculpe. Eu sei que não tenho sido muito legal com você
nos últimos tempos.
— Nos últimos tempos? Você nunca foi legal comigo, Diogo. Com
exceção do dia do meu aniversário.
Ignoro sua alfinetada e continuo.
— Eu tenho um jeito difícil mesmo e prometo que vou mudar isso
com você. Sei que já falei isso uma vez, mas agora é sério. Eu te dou a minha
palavra. Você não merece isso.
Procuro ser o mais sincero possível para que ela possa acreditar em
mim e não sei se funciona. Ela me analisa por um longo tempo em silêncio e
solta um suspiro.
— Tudo bem. — Não tem agressividade na sua voz, nem nada que
indique que ela está jogando comigo. Só consigo identificar um cansaço. Ela
está cansada das minhas atitudes e agora mais do que nunca eu sei que
preciso mudar isso.
— Podemos assinar um tratado de paz? — Abro um sorriso para
ela que fica visivelmente surpreendida.
— Acho que posso fazer isso.
Estendo minha mão e quando ela ergue a dela para apertá-la, eu
faço o impensável e a puxo em um abraço.
Embalo seu corpo em meus braços e ela parece relaxar com meu
toque, aninhando seu rosto em meu peito.
E juro que não quero sair daqui.
É assustador e ao mesmo tempo maravilhoso.
Ficamos por um tempo apenas abraçados em silêncio e quando nos
separamos, toco seu rosto.
— Me desculpe, Carol. Prometo não ser mais um ogro com você.
O seu rosto se ilumina por me ver a chamando assim pela primeira
vez e um sorriso enorme abre em seu rosto.
— Desculpas aceitas, mas só porque me chamou de Carol,
finalmente. — Ela me abre um sorriso malicioso e eu rio, concordando com a
cabeça.
— E obrigado por ter me ajudado com o Ricardo, não precisava ter
feito isso por mim, mas aprecio muito. Saiba que eu jamais te prejudicaria
por isso.
— Eu sei, ele me contou. — Ela pisca para mim e um sorriso
sincero surge em seus lábios.
Assinto e continuamos nos olhando em silêncio, um pouco sem
jeito.
— Bom, acho melhor eu ir... Não posso chegar atrasado ao bar.
— Está bem, Diogo. Até amanhã.
— Até.
Aceno e saio da loja, caminhando devagar pelas ruas até a minha
casa.
Uma paz absurda toma conta de mim só por ter me desculpado com
ela. Agora percebo que manter a distância só foi mais uma das burrices que
eu fiz na minha vida. Mas ainda bem que conseguimos nos acertar.
Ela não é tão insuportável, no fim das contas.
Na verdade, ela é boa até demais.
E isso me assusta.
Hoje o bar está cheio, é dia de música ao vivo e o entra e sai de
pessoas parece durar a noite inteira. Ainda bem que amanhã é domingo, pois
se tivesse que acordar cedo, estaria morto, já que não tenho nem hora de sair
daqui hoje.
A banda no palco toca clássicos do rock dos anos noventa e,
mesmo trabalhando, eu consigo curtir o som dos caras. Eu costumo gostar
mais de heavy e trash metal, mas um clássico é um clássico, certo? E o
pessoal está mandando bem demais.
Estou concentrado preparando alguns drinques quando ouço uma
voz familiar me chamando.
— Diogo? — Ergo meu olhar e dou de cara com uma Carol toda
sorridente do outro lado do balcão. Ela está na companhia de uma amiga, mas
minha atenção está toda voltada para ela, que está linda pra caramba.
Ela usa um colete jeans por cima do vestido preto curto e bota de
cano baixo, deixando à mostra suas pernas que são lindas demais.
— Ei, Carol. — Estendo minha mão a ela que dispensa e se inclina
para me beijar no rosto.
É a primeira vez que nos encontramos fora do trabalho desde o seu
aniversário e confesso que preferia que não fosse justo em meu outro horário
de trabalho.
— Essa é a Daniela, minha amiga.
Cumprimento-a e esta fica me olhando vidrada, mas eu nem presto
muita atenção nela, pois a garota diante de mim é muito mais interessante.
— Não sabia que você trabalhava aqui. — Ela eleva seu tom de voz
para que possa ser ouvida além do som que está tocando e se inclina sobre o
balcão.
— Pois é, acho que não cheguei a comentar com você o nome do
bar. Vocês querem beber alguma coisa?
Indico para ela e sua amiga, mas a garota está tão vidrada no
celular, que mal nos ouve.
— Amiga, o Felipe me mandou mensagem dizendo que acabou de
chegar, vou procurar por ele. Você vai ficar por aqui mesmo?
— Vou sim, daqui a pouco eu acho vocês.
Elas se despedem e logo ficamos sozinhos.
— E então... Você​quer beber alguma coisa?
— Vou querer uma caipivodca!
— Agora! — Pisco para ela, que sorri para mim.
Preparo seu drinque em silêncio e vejo que ela me observa
atentamente durante o processo. Quando termino, estendo a bebida para ela.
Caroline dá uma experimentada e solta um suspiro.
— Nossa, é maravilhoso! Você é bom mesmo, hein?
Eu rio e agradeço pelo elogio. Enquanto ela bebe mais um pouco
sua bebida, puxa uma banqueta para se sentar e tira o cartão de comanda da
bolsa, me estendendo.
— De jeito nenhum, Carol. Essa é por minha conta.
— Diogo... — Lança-me um olhar receoso e eu logo a tranquilizo.
— Relaxa, moça. Não posso te pagar uma bebida?
— Não precisava, mas obrigada. — Ela sorri e fica um tempo em
silêncio apenas me observando trabalhar. — Eu não te atrapalho se eu ficar
aqui? Porque já viu, né? A minha amiga já está com uns esquemas e eu não
quero empatar.
— Claro que não. Eu gosto da sua companhia.
— Ah, hoje você gosta, né? — Seu sorriso é malicioso e eu rio.
— Você não perde uma chance de me alfinetar, né?
— Lógico que não. Que graça teria?
— Você é terrível.
Ela ri e mexe nos cabelos, antes de se inclinar mais uma vez para
perto de mim. Daqui de pé eu tenho uma boa visão do seu decote e tenho que
me concentrar muito para não mudar o foco do meu olhar.
Se ela faz isso de propósito eu não sei dizer, mas naturalmente ela
já me provoca. E eu juro que não sei se isso é só da natureza dela ou se tem
um interesse real em mim.
— Você trabalha aqui todos os dias? — Sua voz interrompe meus
pensamentos e eu me recomponho.
— Nem todos. Folgo sempre aos domingos e segundas.
— Hummm... Então todos os sábados você está aqui?
— Infelizmente, sim.
— Não é muito pesado para você? — Ela franze o cenho como se
estivesse preocupada e eu acho isso um tanto fofo.
— Um pouco, mas eu preciso desse emprego. E aqui as horas
passam tão rápido que nem percebo.
Ela inclina a cabeça um pouco como se me analisasse por uma
fração de segundos e depois assente.
— Você é incrível, sabia?
E essa declaração me pega desprevenido. Eu fico sem fala.
Dificilmente sou elogiado assim, muitas das vezes sou rotulado como
qualquer coisa, menos incrível. Com exceção da minha mãe, mas ela não
conta, né?
— Isso já é efeito do álcool? Nem vou te servir nada mais hoje,
então. — Brinco com ela para ver se quebra um pouco o clima e disfarça a
forma como suas palavras me atingiram.
Ela ri. E a sua gargalhada é linda demais.
— Deixa de ser ridículo! Não está acostumado com elogios, é?
— Não muito. — Respondo de forma sincera e vejo uma ponta de
culpa em seu semblante.
— As pessoas não te conhecem, é por isso.
— E você me conhece? — Arqueio a sobrancelha curioso.
— Não tanto quanto gostaria. — Ela dá de ombros. — Mas sei que
por trás de toda essa barba, tem um cara legal.
Rio alto.
— Você quer me convencer mesmo a tirar a barba, não é?
— Até que não. Gosto dela em você, te deixa... — Ela pausa e
finge coçar o queixo. — Misterioso.
— Ah, mas você sabia que ela esconde meu maior charme?
Seus olhos brilham. Se ela está me provocando, eu que não vou
deixar passar.
— É mesmo? O quê?
— Você curte covinhas?
Tremo a sobrancelha para ela que cobre a boca com a mão para
esconder seu espanto.
— Mentira que você tem covinhas!
— E no queixo também! — Abro um sorriso de canto e seus olhos
brilham ainda mais.
— Ah, não, Diogo! Covardia isso! Vai ter que raspar a barba para
me mostrar essas covinhas.
Solto uma gargalhada. Ela parece mesmo inconformada com isso!
— De jeito nenhum! Prefiro te mostrar uma foto antiga.
— Promete que me mostra?
Rio um pouco mais enquanto tiro o celular do bolso e procuro por
uma pasta de fotos antigas. Encontro uma que minha mãe tirou de mim em
cima da minha moto e estendo a ela.
— Uau! É verdade mesmo! — Ela sorri e me olha de forma
incrédula, o que só me faz rir um pouco mais.
— Achou que eu ia inventar isso?
— Não sei... Vai que era uma forma de flertar comigo.
Rio alto. Sei que ela está me provocando e eu estou adorando entrar
no jogo dela.
— Eu não precisaria inventar isso...
Ela sorri um tanto tímida agora e olha mais um pouco para a foto
antes de me devolver o telefone.
— Bom, uma coisa eu devo concordar com você. Você realmente
fica mais gato de barba.
Coloco a mão no peito e finjo uma cara de espanto e ganho um tapa
no braço por isso, acompanhado daquela gargalhada gostosa.
— Você concordou em alguma coisa comigo? Acho que o mundo
vai acabar hoje ainda.
— Deixa de ser ridículo! — Ela ri mais um pouco e quando sua
risada morre, me olha intensamente, umedece os lábios e, nesse momento, me
bate uma vontade de louca de beijá-la.
Não que já não tivesse pensado nisso antes, mas suas expressões e
gestos só me deixam mais vidrado nessa garota.
— E obrigado pelo gato, você também não é de se jogar fora.
Agora é a vez dela de colocar a mão no peito, fingindo
constrangimento.
— Nossa, depois dessa eu vou embora.
Ela faz menção de se levantar da cadeira e, num impulso, eu seguro
sua mão.
— Fica.
Trocamos olhares por um tempo que parece uma eternidade e,
enquanto isso, a minha mão não solta a sua.
Pela forma que ela me olha, sei que está tão na minha quanto eu. E
eu juro que se não estivesse trabalhando agora, tinha roubado um beijo dela e
acabado com essa agonia.
Engulo em seco e puxo minha mão de volta. Ela percebe a tensão
que se formou em cima de nós e enrijece a postura.
— Acho melhor eu ir procurar a Dani.
— Tudo bem. — Assinto apenas, sem tirar os olhos dela.
— Nos vemos segunda, então?
Assinto mais uma vez e dou de ombros.
— Tem outro jeito?
Ela ri e pela sua postura, vejo-a relaxar.
— Foi um prazer te ver, Diogo. Vou passar aqui de novo para te
dar um tchau antes de ir para casa.
— Eu não vou sair daqui.
Pisco para ela e a vejo se inclinar no balcão para me dar mais um
beijo no rosto antes de sair. Depois, ela se mistura no meio das pessoas e eu a
perco de vista.
Suspiro relaxado. Ela mexe comigo bem mais do que eu gostaria.
— Mais um telefone, Diogão? — Nem tinha notado a presença do
Bruno ao meu lado até agora.
— Não, ela é uma colega de trabalho.
Ele arqueia a sobrancelha e cruza os braços.
— Só colega? Sei...
— Não viaja, Bruno.
— Vocês não estavam com cara de apenas amigos.
Não respondo e ele puxa uma cadeira para se sentar ao meu lado.
— Vai. Conta tudo.
— Você não tem serviço, não? — Eu o olho de forma impaciente.
— Tenho sim, mas por nada no mundo eu perco essa história.
Anda, fala logo!
Tento ignorá-lo, mas ele simplesmente não arreda o pé. O cara
consegue ser bem insistente quando quer.
— Está bem. — Me rendo, frustrado. — Nós tivemos umas
desavenças no início, mas agora estamos nos dando bem.
— E...?
— E nada, Bruno. É isso.
— Ah, cara. Qual é? Custo para encontrar uma garota que te deixe
com cara de bobo assim e você me conta só isso?
— Quem falou que eu estou com cara de bobo? — Fecho a cara
para ele, que ri alto.
— Cara, eu te conheço há vinte anos. Deixa de ser teimoso e
assume que essa garota mexeu com você.
Olho para ele e suspiro. Ele definitivamente não vai me deixar em
paz.
— Ela me intriga, cara. É isso. — Assumo de vez e ele gargalha
alto.
— Doeu admitir?
Fecho a cara de novo e ele só ri ainda mais.
— Não tem nada demais nisso, Diogo. Faz parte da vida, ué. Estava
demorando acontecer isso com você.
— Já acabou?
— Já. Ganhei meu dia com essa e agora posso voltar ao trabalho.
— Some de uma vez!
Ele ri mais e começa a se afastar de mim, mas antes de sair de vez,
ele se vira para me olhar.
— E cara... Não a deixe escapar, ela te olha de uma forma
diferente.
E se vira sem esperar uma resposta.
Balanço a cabeça e volto ao meu trabalho.
Era só o que me faltava.

— Posso ficar aqui até meu Uber chegar?


Estava entretido no trabalho que nem a vi se aproximar.
— Claro, fique à vontade. Quer beber mais alguma coisa?
— Não, obrigada. Estou bem.
— Cadê sua amiga?
— Ela acabou de ir... Você sabe...
Ela apoia os cotovelos no balcão e o queixo nas mãos.
— E te deixou sozinha? — Arqueio a sobrancelha, não gostando
nada disso.
— Eu não ia atrapalhar a noite dela. Além do mais, garanti que ia
ficar aqui com você até o Uber chegar.
Olho para o relógio. Faltam vinte minutos para encerrar meu
expediente.
— Você tem medo de moto?
— Eu? Não, por quê?
— Cancela seu Uber, eu te levo.
— Mas... Você não está trabalhando?
— Eu saio daqui a vinte minutos, pode me esperar?
— Posso, mas... Não vou incomodar?
— De jeito nenhum. Eu prefiro, inclusive. Assim não fico
preocupado de te ver sozinha por aí de madrugada.
— Tudo bem, vou aceitar.
Ela sorri para mim e eu retribuo.
— Se divertiu hoje? — Mudo um pouco de assunto enquanto
finalizo o trabalho.
— Bastante! Eu adoro essa banda, já fui a outros bares que eles
tocam e são muito bons.
— Não sabia que gostava de rock. — Arqueio a sobrancelha para
ela que me lança um olhar malicioso.
— Pensou que eu gostasse de quê? MPB?
— Hummm... Não. Pop, talvez. Pela sua idade, sei lá...
— Pela minha idade? — Ela cruza os braços e me olha divertida.
— Quantos anos você acha que eu tenho?
— Uns dezoito? — Arrisco um palpite. Minha vontade era falar
dezessete, mas algo me diz que ela não é menor de idade.
E então ela ri alto.
— Ah, agora está explicado porque você tinha birra de mim quando
me conheceu. Me deixa adivinhar, você achou que eu era uma pirralha
irritante?
Tento segurar o riso, mas não consigo e me junto a ela.
— Por Deus, Diogo! Achava que você pensava mais de mim. —
Ela tenta falar sério, mas seu olhar me diz que está se divertindo muito.
— Quantos anos você tem então, senhora adulta?
— Vinte e um.
Uou! Me pegou de surpresa agora. Não esperava mesmo.
— Mas obrigada pelo elogio, adoro saber que pensam que sou mais
nova. — Ela completa, sem esperar por uma resposta. — Já de você não
posso dizer o mesmo.
— Ah, é? Por quê? Acha que tenho quantos anos?
Cruzo os braços e a olho intensamente. Ela morde os lábios antes
de responder e eu tenho que me controlar para não a agarrar aqui mesmo.
Estou parecendo um primata, falando assim. Mas ela me
enlouquece!
— Uns trinta, talvez?
Seu sorriso é zombeteiro e eu sei que ela não está falando sério.
— Chutou na trave!
— Trinta e dois?
Eu a fuzilo com o olhar e ela solta uma gargalhada.
— Não é para tanto, né? Tenho vinte e seis.
— Hummm... Definitivamente é a barba então que te deixa com ar
mais velho. — Ela corre o dedo pelo lábio inferior e, cara, se isso não é uma
provocação, não sei mais o que é. — Mas devo admitir que te deixa mais
sexy.
Ela cora levemente com essa afirmação e eu sorrio.
— Você sabe mesmo elevar o ego de um homem, hein? Primeiro
diz que sou gato, agora sexy.
— Não disse nenhuma mentira. — Ela dá de ombros e olha para
baixo, visivelmente constrangida.
O silêncio paira sobre nós em seguida e eu decido não o quebrar
por enquanto. Esse assunto está perigoso demais.
O meu expediente enfim se encerra e eu vou até o depósito pegar
um capacete que estava esquecido lá. Depois, volto para encontrá-la.
— Vamos lá?
Ela assente e me acompanha até a saída. Quando chegamos à
minha moto, eu estendo meu capacete a ela e opto por usar o reserva. Um
vento frio balança nossos cabelos e eu a vejo estremecer. Na mesma hora me
lembro que estou de jaqueta e a retiro, estendendo a ela.
— Não precisa, Diogo. Pode ficar.
— Já andou de moto de madrugada? — Ela nega com a cabeça e eu
continuo. — Então, o vento é muito gelado. Eu já estou acostumado, pode
usar.
— Tem certeza? — Eu confirmo com a cabeça e ela enfim aceita.
— Tudo bem, obrigada.
Ela veste minha jaqueta e, quando fecha o zíper, nós rimos pelo
modo como ela ficou gigante em seu corpo, deixando-a parecida com um
pinguim.
Subo na moto e a indico para montar na garupa, que sobe um pouco
sem jeito e percebo que fica sem reação.
— Pode me abraçar, Carol.
Ela parece hesitar, mas logo circula seus braços pela minha cintura
e me aperta forte quando arranco a moto.
Corto as ruas da cidade devagar, tanto pelo cuidado de tê-la na
minha garupa, quanto para prolongar a sensação de ter seus braços ao redor
de mim. Não posso negar que isso me traga uma sensação absurdamente boa.
Cerca de vinte minutos depois, paro na porta do seu prédio e
desligo o motor. Ela desce um pouco sem jeito e eu a acompanho, ajudando-a
a retirar o capacete.
Ela me devolve a jaqueta e sorri, com um misto de timidez e
determinação.
— Obrigada pela jaqueta, Diogo. E pela carona também. Foi muito
gentil de sua parte.
— Eu sei que sou um verdadeiro cavalheiro. — Pisco para ela que
ri de forma relaxada.
— Não é para tanto.
— Ai, ofendeu.
Ganho um tapa no braço e um “bobo” pela brincadeira.
Aquele silêncio constrangedor paira sobre nós mais uma vez e eu
fico sem saber o que fazer. Parece que virei adolescente de novo, pois ao
mesmo tempo em que morro de vontade de beijá-la, tenho receio de estar
precipitando as coisas.
Mas ela me olha com tanta intensidade que parece despir a minha
alma.
— Diogo...
Ela chega mais perto.
— Hum?
Respondo simplesmente, sem tirar os olhos dela.
— Você não vai...
E para.
— O quê?
Ela morde o lábio e me analisa por um segundo.
— Ah, que seja!
Antes que eu possa questionar, ela se aproxima mais de mim e se
inclina para tentar ficar da minha altura. Então, me surpreende ao colar seus
lábios nos meus.
Eu demoro uma fração de segundos para entender o que está
acontecendo e, quando minha ficha finalmente cai, envolvo sua cintura com
meus braços e abro meus lábios, correndo minha língua pelos seus, pedindo
passagem.
E quando ela os abre, meu Deus, nossas línguas se tocam e
acontece uma explosão dentro de mim. Aperto-a mais contra o meu corpo e a
vejo subir os braços, se enroscando no meu pescoço. Nossos corpos se
fundem de um jeito que parecem um só.
Eu abandono seus lábios para fazer um trajeto de beijos até seu
pescoço e sinto ela me apertar com mais intensidade quando roço minha
língua pela sua orelha. Sorrio de canto e tomo sua boca novamente, em um
beijo que nos tira o ar.
E devo dizer que de todos os beijos que já tive na vida, nada se
compara a esse.
Ela tem os lábios macios e, ao mesmo tempo em que me beija de
forma suave, o ato se torna intenso demais e me faz perder o raciocínio.
Nos beijamos por horas ou minutos, nem sei. Só sei que não quero
nunca me afastar do contato dela, porque é perfeito demais. É como se ela
fosse o ar que eu precisava para respirar.
Quando nos afastamos, ela deita sua cabeça em meu ombro e me
abraça com tanto carinho, que me faz perceber o quanto eu estou ferrado.
Porque não a quero só pela metade, eu a quero por inteiro, a quero
como nunca quis ninguém.
E se isso é uma loucura, sou um louco feliz.
Viro a página do livro e grifo uma frase importante. Olho para o
relógio: são três horas da tarde. Daqui a duas horas eu encerro minha sessão
de estudos do domingo.
Todos os sábados à tarde e domingos durante o dia, eu reservo
algumas horas para estudo. Conseguir passar em um bom concurso não é
fácil e se não tiver dedicação, é pior ainda. Então, mantenho minha rotina
para conseguir conciliar. Gostaria de estudar mais durante a semana, mas
com os dois empregos que tenho, infelizmente não é possível.
Hoje acordei relativamente cedo, saí para correr, levantei alguns
pesos nos fundos de casa e subi para ter algumas horas de estudo antes do
almoço. Confesso que mesmo com essa minha agitação do dia, eu não
consegui tirar a Carol da minha cabeça, nem o beijo que tivemos.
Sei que foi muito mais do que um simples beijo e, pela forma como
ela me olhou depois, entendi que significou muito para ela também.
Ontem à noite, depois de ficarmos alguns minutos apenas
abraçados, eu me despedi dela e voltei para casa. Depois disso não nos
falamos mais. Nós não temos o costume de nos ligar e nem trocar mensagens
fora do trabalho, mas eu estou morrendo de vontade de conversar com ela
mais uma vez.
É bem louco isso, eu confesso. Mas ela mexe comigo de tantas
formas que eu nem sei dizer.
Meu celular vibra, me distraindo dos meus pensamentos e, quando
vejo seu nome surgir na minha tela, um sorriso bobo se forma em meus
lábios.
Carol: “Oi...”
Eu: “Oi, Carol. Tudo bem?”
Carol: “Estou ótima! O que está fazendo aí?”
Eu: “Estudando... Por quê?”
Ela para por alguns minutos antes de me responder, e eu imagino
que deve estar pensando no que dizer.
Carol: “Vai passar o resto do dia estudando?”
Eu: “Não... Geralmente eu paro daqui a duas horas. Por quê?”
Questiono mais uma vez, pois na pergunta anterior ela se esquivou.
Carol: “Queria te ver...”
Meu coração dá um salto.
É ridículo, eu sei. Estou parecendo adolescente, mas ela me
desperta tanta coisa nova que nem sei explicar. E devo dizer que estou
amando isso.
Eu: “Eu também. Quer sair para algum lugar?”
Carol: “Na verdade, não. Quer vir para cá?”
Esfrego o rosto com as mãos, pensando nas possibilidades. Não é
um pouco cedo ir para a casa dela e dar de cara com a família toda lá?
Acho que não vamos ficar só na amizade, mas ainda assim é um
passo grande demais.
Eu: “Será que é uma boa ideia? Eu prefiro ficar sozinho com
você.”
Carol: “Mas eu moro sozinha.”
Puta merda! Por essa eu não esperava. Ficar sozinho em casa com
ela é uma ideia bastante tentadora.
Carol: “Está com medo de mim?”
Eu rio alto. Essa garota ama me provocar.
Eu: “É mais fácil você ter de mim.”
Carol: “Quem disse que eu tenho medo de você?”
E antes que eu possa responder, ela prossegue.
Carol: “Vem.”
Como recusar?
Eu: “Vou sim. Pode ser às dezessete horas mesmo?”
Carol: “Está perfeito assim. ;)”
Eu: “Combinado. Quer que eu leve alguma coisa?”
Carol: “Não precisa. Estou te esperando, um beijo.”
Despeço-me dela e fico olhando para a tela do celular antes de
voltar aos meus estudos, já rezando para o tempo passar voando para que eu
possa encontrá-la mais uma vez.

— Vai sair, Diogo? — Minha mãe me pergunta assim que me vê


descendo as escadas, já arrumado.
— Vou sim, não sei que horas eu volto.
— Posso saber para onde vai todo animadinho assim? — Ela
arqueia a sobrancelha para mim e eu rio.
— Você é curiosa demais!
— Então não vai me contar? — Cruza os braços e me lança um
olhar desafiador.
— Vou encontrar uma garota.
— Aquela do bolo?
Eu demoro a responder e ela começa a rir.
— Eu sabia!
— Mãe...
— Deus ouviu as minhas preces! — Ergue as mãos ao céu e finge
estar orando.
— Menos, dona Júlia. Bem menos!
Ela ri e me enxota para fora de casa.
— Vai logo, Di! Amanhã quero saber de tudo.
Eu reviro os olhos para ela que ri ainda mais e me dá um beijo de
despedida. Caminho em direção à minha moto e sou interceptado pelo Eddie.
— Ei, garotão! — Brinco um pouco com ele e logo estou montando
na moto e ligando o motor.
Saio da garagem e corto as ruas da cidade já sentindo um frio na
barriga pelo que está por vir. Nunca fui inseguro com nenhuma mulher, mas
Caroline é diferente de todas que eu já vi e com ela tudo é imprevisível.
Minutos depois, paro minha moto em frente ao seu prédio e toco o
interfone, que na mesma hora autoriza minha subida.
No caminho comprei alguns chocolates para ela, pois não queria
chegar aqui sem nada e é algo que dificilmente uma mulher não gosta.
Subo as escadas até o segundo andar e, quando chego a sua porta,
respiro fundo antes de tocar a campainha. A porta se abre e uma Caroline
surge lá de dentro com um sorriso tímido no rosto.
E, meu Deus, ela está linda.
Usa uma jardineira jeans curta e uma regata branca por baixo,
deixando à mostra aquelas pernas que me fascinam.
Eu dou um passo para dentro quando ela me convida para entrar e
antes que possa fechar a porta, eu tomo seu rosto em minhas mãos e a beijo.
Não um beijo urgente, nem sedento.
Um beijo casto, suave, mas cheio de sentimentos.
E mais uma vez eu me dou conta de que estou mesmo ferrado.
E não é pouco.
— Oi. — Digo simplesmente quando afasto meus lábios dos seus e
faço um carinho em seu rosto com meus dedos.
— Oi. — Ela sorri de canto e cobre minha mão com a sua. — Senti
sua falta. É meio louco dizer isso?
Seu olhar é de cautela e isso me faz rir.
— Não, porque eu também senti a sua.
Seu sorriso se alarga e ela simplesmente concorda em silêncio.
— Vem. — Ela me puxa pela mão e me conduz até o sofá.
Olho tudo ao meu redor em silêncio antes de nos sentarmos. Aqui é
tudo muito pequeno, mas muito acolhedor.
— Então você mora sozinha? — Pergunto assim que nos sentamos.
Eu me acomodo e ela fica de frente para mim, me olhando de
forma intensa.
— Moro sim.
— E não tem medo?
— Não, já me acostumei. — Dá de ombros.
Sinto que tem mais algum motivo por trás disso, mas decido não
pressionar, pois ainda estamos nos conhecendo.
— Você disse que estava estudando, faz alguma faculdade?
Ela muda de assunto e eu percebo que realmente é melhor deixar
para perguntar em outro momento.
— Não, eu já me formei. Na verdade, estou estudando para
concurso.
— Sério? Que bacana! Algum específico?
— A área de Direito é muito ampla, mas o que me restringe é que
não tenho experiência na área jurídica. Quando eu estava no final da
faculdade, tentei para Técnico Judiciário para mais de um estado, mas por
mais que tenha ido bem nas provas, não consegui boa colocação dentro das
vagas cedidas. Abriu um edital recentemente para Analista Judiciário aqui em
Minas e quero tentar, por isso estou focando nele.
— Então você é advogado? — Ela arregala os olhos e faz uma
expressão um tanto fofa, como se não acreditasse.
— Sim, tenho até o registro na Ordem. Só não exerço a função
ainda.
— Nossa, que coincidência! Eu também estudo Direito, estou no
meu último ano de faculdade.
— Ah, então é a faculdade é que despertou esse seu gênio mandão?
— Eu não sou mandona. — Ela faz um bico e eu não resisto e
roubo um beijo seu, que acaba rindo ao final.
— Não, imagina...
Ela ri mais e eu ganho um tapa por isso.
— Eu posso te pedir uma coisa? — Ela me olha desconfiada e
morde o lábio.
— Não faça isso.
— O quê? — Ela estreita os olhos.
— Morder o lábio. Eu tenho vontade de te beijar toda vez que você
faz isso.
— Ah, bom saber...
Morde de novo e eu gargalho.
Então a puxo para mais um beijo, dessa vez um pouco mais urgente
que os anteriores.
— Eu te avisei. — Rio ao separar nossos lábios.
— E quem disse que eu acho ruim?
Rio mais um pouco e percebo como é tão natural estar com ela,
como se já nos conhecêssemos há anos e não apenas dois meses.
— Mas o que você queria me pedir e eu te interrompi?
— Ah, é... — Ela para um segundo e me olha tímida, me deixando
bastante curioso. — Você se importa de soltar seus cabelos? Eu só te vejo
com eles presos e sempre quis saber como devem ser soltos.
— É porque eu gosto de trabalhar com eles presos, por ser algo
mais formal e tal. E quando ando de moto também, para não embolar com o
vento. Mas seu desejo é uma ordem.
Pisco para ela e retiro o elástico dos cabelos, desfazendo meu
coque e corro os dedos por eles, ajeitando-os.
Seus olhos brilham enquanto acompanham os meus movimentos e
eu sorrio para ela.
— E aí, aprovado?
— Nossa, Diogo... São lindos! — Ela chega mais perto de mim e
estende sua mão até quase tocá-los. — Posso?
— São todos seus.
Ela corre os dedos pelos meus cabelos e vejo todo fascínio em seus
olhos. Ficamos um tempo em silêncio, apenas sentindo esse contato e devo
dizer que esse foi o gesto mais carinhoso que eu já recebi de alguma mulher.
— É a primeira vez que eu fico com um cara que tem os cabelos
mais longos que os meus. — Seu sorriso é travesso e eu rio disso. — Você
sempre teve os cabelos longos assim?
— Eu comecei a deixar crescer quando eu tinha dezesseis anos e
depois que chegou a esse tamanho, não cortei mais.
— É lindo! Combina com você.
— Obrigado. — Sorrio enquanto a vejo encostar a cabeça no sofá,
sem tirar os olhos de mim. — E você, sempre teve os cabelos mais curtos?
— Na verdade, não. Eu os cortei quando eu tinha dezesseis anos,
foi depois que...
E sua frase morre.
Noto em seu semblante que ela está em uma batalha interna para
saber se me conta ou não mais alguma coisa e eu decido não insistir. Prefiro
que seja quando se sentir mais à vontade comigo.
Seu olhar parece um pouco perdido e eu abro meus braços,
indicando que venha até mim. Ela aceita sem hesitar e repousa sua cabeça em
meu ombro, suspirando. Eu beijo seus cabelos como forma de carinho.
— Eu amo seu perfume. — Digo a ela como forma de quebrar o
clima.
— É mesmo? — Ela ergue a cabeça para me olhar.
— Sim. Eu o senti pela primeira vez no seu aniversário e desde
então não esqueci mais.
— E eu achando que você queria distância de mim.
— Eu queria mesmo, mas pelos motivos errados.
— Como assim?
— Você me intrigou desde a primeira vez que eu te vi e eu achei
que fosse só mais uma garota insuportável. Mas a verdade é que você me
atraiu desde aquela hora, só que eu não queria admitir.
Ela ri e eu sinto meu peito tremer pela sua proximidade a mim.
— Eu já queria me aproximar de você a todo custo e você nunca
me deu bola.
Agora é a minha vez de rir.
— Fazer o quê? Sou um cara difícil. — Dou de ombros e lhe abro
um sorriso.
— Bota difícil nisso. Mas agora que eu te fisguei, não pretendo te
soltar tão cedo.
— Me fisgou, é? — Arqueio a sobrancelha e sorrio divertido. —
Sou um peixe, por acaso?
— Um peixe bem marrento, mas é.
— Ei, a marrentinha aqui é você.
Ela ri e eu faço um carinho em seus cabelos.
— Me conte mais sobre esse lance de não me soltar mais, fiquei
curioso.
— Mal começamos e você já quer me dispensar, Diogo?
Ela me lança um olhar intenso e eu sorrio, pois tudo com ela é
intenso demais.
— Você é quem está colocando palavras na minha boca, eu não
disse nada disso.
— Pois é bom mesmo. — Ela se afasta dos meus braços e se senta
ao meu lado, ficando de frente para mim. — É meio louco dizer isso, eu sei.
Mas quero passar mais tempo com você, saber mais de você... Te conhecer
melhor. Se você me quiser, é claro.
Ela me olha de forma insegura e eu acho que é a primeira vez que a
vejo assim. Geralmente ela é tão dona de si, tão segura.
— Como eu não vou querer você, marrentinha?
Ela ri e me dá um tapa, mas logo está nos meus braços de novo.
— Você não é um ogro, no fim das contas.
— Eu disse que não seria mais, mas apenas por você.
— Que sorte a minha.
Ela sorri e se aninha mais uma vez aos meus braços, e eu a envolvo
como um casulo, beijando seus cabelos. Ela tem um cheiro tão bom.
Passamos o resto da noite conversando sobre amenidades e vejo
como estamos adorando descobrir mais sobre o outro. Ainda não tocamos no
assunto de família, nem na minha quanto na dela, mas sei que isso é questão
de tempo.
No momento certo esse assunto irá surgir, quando estivermos
prontos para compartilhar nossos problemas, um para o outro.
— Marrentinha, acho melhor eu ir. Já está ficando tarde e amanhã
acordamos cedo, né?
— Verdade. Amanhã é seu dia de folga, não é?
— É sim.
— Posso te ver de novo? — Ela morde o lábio e eu a beijo por isso.
— Já disse para não fazer isso.
— E você acha que não é de propósito? — Sua postura é
desafiadora e eu sorrio. Essa mulher me enlouquece! — Mas então, posso te
ver amanhã de novo?
— Mas você já me vê todos os dias. — Ela faz um biquinho fofo e
eu lhe dou um selinho. — Estou brincando, Carol. Você não tem aula
amanhã?
— Não, dia de segunda eu nunca tenho.
— Justo na minha folga?
— Coincidência, não? — Ela dá de ombros e sorri. — Na verdade,
eu mudei minha grade assim que descobri seus dias de trabalho. — Seu
sorriso é irônico o que só me faz rir.
— Nossa, estou valendo muito, então!
— Qualquer um real paga.
— Ridícula! — Bagunço o cabelo dela e tiro uma risada sua. —
Mas então, o que vamos fazer amanhã?
— Não sei... Vou pensar no decorrer do dia e te falo, tudo bem?
— Combinado!
Caminho em direção à porta e, antes que eu saia, ela me puxa para
mais um beijo. E devo dizer que estou começando a me viciar nisso, pois sua
boca é gostosa demais.
— E, Diogo...
— Sim?
— Não comenta nada sobre nós dois lá no trabalho, pode ser? Eu
ainda estou no período de experiência, sabe? Tenho receio...
— Claro, pode ficar tranquila. Não é nada difícil fingir que não
suporto você.
— Não suporta, mas não vive sem. Acertei?
— Menos, Caroline. Bem menos.
Ela ri e fica na ponta dos pés para me dar um último beijo.
— E venha de cabelos soltos de novo. Você fica lindo assim.
— Seu desejo é uma ordem. — Pisco para ela e mando um beijo.
— Boa noite, marrentinha. Até amanhã.
— Boa noite, Diogo. Obrigada por vir até aqui.
Aceno para ela e saio de seu apartamento, já indo em direção às
escadas.
Pouco depois, estou montado na minha moto já sentindo o vento
gelado contra o meu corpo.
Eu me pego pensando nela e sorrio durante todo o trajeto.
Como uma garota tão atrevida e marrenta é capaz de mexer tanto
comigo?
Ela é o oposto de tudo que já vi e é especial demais por isso.
Mulheres como ela são um achado e eu seria burro demais se a deixasse
escapar de mim.
— Bom dia, marrenta! — Cumprimento-a assim que chego à
empresa e a vejo sentada organizando algumas coisas.
— Diogo... — Repreende-me com o olhar e eu rio.
— Relaxa, Carol. As câmeras não têm áudio. — Aponto para a
parede e cruzo os braços.
— Eu sei, mas alguém pode chegar e...
— Estou só brincando com você, eu jamais te complicaria. Confia
em mim?
Eu a olho de forma intensa e a vejo relaxar o semblante enquanto
assente.
— Confio.
— Então pronto. E aí, já pensou na programação de hoje?
— Um cinema é muito clichê?
Ela faz uma careta e eu rio.
— Depende. Você quer ir?
Ela assente enquanto morde o lábio.
— É, Caroline... — Lanço lhe um olhar mortal e ela ri.
— Desculpa.
— Ah, claro. Foi sem querer, não foi?
— Bom...
Solto uma risada.
— Você gosta de brincar com fogo, né? — Eu a olho divertido e
ela ri baixinho. — Então, voltando ao assunto inicial, podemos ir ao cinema
sim.
— Perfeito então. Pode ser no Shopping Del Rey?
— Claro! Tem algum filme específico que queira ver?
— Na verdade, não. Têm vários em cartaz, chegando lá nós
decidimos.
— Você é quem manda. Que horas te pego?
— Hummm... Sete e meia está bom para você?
— Perfeito! Eu passo nesse horário.
— Bom trabalho, Diogo.
— Para você também. — Pisco para ela e sorrio antes de ir até a
minha sala. Quando abro a porta, cumprimento meu colega de trabalho.
— Bom dia, Marcão.
— Bom dia, Diogo. Acordou animado hoje?
Cara, ele não deixa passar uma.
— Acordei normal, ué.
— Sei... — Ele me olha por um momento, me analisando, e depois
não diz mais nada.
Decido deixá-lo quieto e volto a minha atenção para o meu trabalho
que eu sei que não vai ser nada fácil hoje.
O dia passa voando e, quando percebo, já são quase quatro horas da
tarde. Eu só distraio minha atenção do trabalho quando sinto meu celular
vibrar no meu bolso.
Carol: “Você tem cara de quem gosta de filmes de ação.”
Seguro uma risada. De onde essa menina tirou isso?
Eu: “Oi para você também.”
Carol: “Eu já te vi hoje, Diogo. Sem drama.”
Solto uma risada e Marcão me olha com uma cara desconfiada, e eu
finjo não perceber.
Eu: “Sou um cavalheiro, esqueceu?”
Decido alfinetá-la e recebo um emoticon revirando os olhos.
Carol: “Vou fingir que não li isso. Mas e então, gosta de ação?”
Eu: “Depende do tipo de ação que você está falando...”
Carol: “Diogo!!”
Rio alto. Não tem nada melhor na vida do que provocar essa garota.
— Está tudo bem aí, Diogo? — Marcão não resiste em me
perguntar e eu sei que ele está se remoendo de curiosidade, mas não vou dar a
ele esse gostinho.
— Tudo tranquilo! — Respondo apenas e deixo meu amigo um
tanto intrigado.
Eu: “Eu não podia perder essa, né?”
Carol: “Engraçadinho.”
Eu: “Eu sei que sou. Mas respondendo sua pergunta, não ligo
muito para ação. Prefiro terror e suspense.”
Carol: “Hummm... Suspense é bom. Terror eu tenho um pouco de
medo.”
Eu: “Não precisa ter medo, é só um filme, é ficção.”
Carol: “Nem todos são ficção. Os baseados em fatos reais são
bizarros.”
Eu: “Mas você não está lá vivendo aquilo, então é de boa.”
Carol: “Para você que não tem que dormir sozinho depois.”
Eu: “Ué, posso te fazer companhia.”
Silêncio.
Se eu estivesse naqueles programas humorísticos na TV,
certamente tocaria o som de grilos agora. Será que eu fiz merda?
Eu: “Desculpa. Não quis te intimidar, eu só estava brincando.”
Carol: “E desde quando você me intimida? Seu ego é grande
demais.”
Eu: “Marrenta!”
Carol: “Eu só te deixo me chamar assim, porque vindo de você é
fofo.”
Eu: “Ah, que gracinha... E então, marrentinha, vamos assistir
suspense? A propósito, acabei de mudar o nome do seu contato no meu
celular.”
Marrentinha: “Ah, que lindo! Você é tão amorzinho... Só que não!
Não sei se vamos ver suspense, nem olhei direito quais filmes estão em
cartaz.”
Eu: “Então para que você me perguntou isso?”
Marrentinha: “Por nada. Só para atrapalhar seu serviço mesmo.”
Eu: “É, Caroline...”
Marrentinha: “Nossa, voltamos ao Caroline? Fui!”
Eu: “Me atormenta e agora quer ir embora? Não, senhora, volte
aqui!”
Marrentinha: “Tchau, Diogo!”
E então ela fica off-line. Balanço a cabeça rindo, essa mulher ainda
vai me levar à loucura.

— Você está atrasado quinze minutos.


— Oi, meu anjo. Tudo bem? — Puxo-a pela cintura assim que sai
de seu prédio e se aproxima de mim.
— Argh! Isso não combina nem um pouco com você. É fofo
demais.
Faço cara de ofendido.
— Ué, não foi você que disse hoje que eu sou fofo?
— Eu disse que é fofo você me chamar de marrentinha, não que
você é fofo. São duas coisas completamente diferentes.
Rio e colo sua boca na minha, calando-a. Tem certas horas que ela
começa a falar e não para mais. Não tem forma melhor de calar alguém do
que com um beijo.
— Oi, minha marrenta. Tudo bem? — Brinco com ela assim que
nossos lábios se afastam.
— Bem melhor assim. — Ela me dá mais um beijo antes de pegar
seu capacete da minha mão e colocá-lo, subindo na moto logo em seguida.
Assim que ela se acomoda, eu arranco a moto e cortamos as ruas de
BH até chegar ao Shopping, que não é longe da sua casa.
Minutos depois estamos parados de frente para o cinema, tentando
escolher algum filme para assistir.
— Comédia romântica não, Carol. Sem chance!
— Ai, Diogo. Você é tão chato! Eu vi o trailer desse filme, parece
ser tão lindo!
Reviro os olhos para ela que me dá um tapinha no braço.
— Não podemos ver o de terror?
— Ah, não! Se fosse um assassino com motosserra eu pensaria no
caso, mas filme de possessão demoníaca eu não vejo nem morta.
— Ai, Deus. Tão medrosa!
— Eu já disse que sou eu quem vai dormir sozinha depois.
— E eu já disse que posso resolver o assunto.
Ela ri.
— Você é tão engraçadinho.
— Só um pouquinho. — Pisco para ela. — E então, o que vamos
ver? Filme de animação?
— Hummm... Não. Não tenho paciência.
— Me conte uma novidade.
— Ridículo! — Ela tromba em mim, rindo um pouco mais. —
Quer saber? Desisti do filme. Vamos ao boliche?
— Ô, Deus! O que eu faço com você, mulher?
Rio enquanto ela me puxa para fora do cinema. Andamos pelo
shopping até chegar ao boliche e pago pelas nossas entradas, embora eu
quase leve um tapa por isso.
— Você sabe jogar? — Pergunto enquanto lhe estendo a bola.
— Não, mas eu aprendo. É só enfiar os dedos nesses buraquinhos e
arremessar, certo?
Ela faz uma cara muito engraçada e eu rio.
— É sério que você me chamou para cá sendo que nem sabe jogar?
— Mas não deve ser difícil, eu sempre vejo nos filmes.
— Ah, sim. E isso te torna quase uma profissional, certo?
— Observe.
Ela pega a bola um tanto sem jeito e arremessa na pista, que corre e
derruba apenas um pino, me tirando uma boa risada.
— Pelo menos acertei um.
Ela empina o queixo e eu rio ainda mais, pois ela não abaixa a
cabeça mesmo.
— Agora aprenda com o mestre.
Faço uma reverência e ela me lança uma careta.
Pego a bola, faço uma pose dramática e arremesso na pista,
derrubando todos os pinos.
— Ah, não, Diogo. Quero ir embora.
— Não, senhora. Pagamos caro por essa brincadeira e vamos ficar
até o final. Vem, vou te ensinar.
— Eu não preciso que você me ensine, eu consigo fazer sozinha.
Ela faz um bico fofo e eu não resisto, puxo-a para um beijo.
— Deixe de ser teimosa, Carol. — Roço os meus lábios em sua
orelha e a sinto estremecer. — Me deixe te ensinar. — Desço para seu
pescoço e a sinto engolir em seco. — Eu amo seu cheiro, sabia?
— Sabia... — Sua voz sai entrecortada e eu sorrio.
Afasto-me dela e tomo seu rosto em minhas mãos, olhando-a
dentro dos olhos.
— Vai me deixar te ajudar?
— Vou, mas não é porque você quer.
Solto uma risada.
— Claro que não.
Passo as horas seguintes tentando lhe ensinar a jogar e juro que
nunca ri tanto na minha vida. Ela não leva o mínimo jeito para o jogo e não
se dá por vencida, sempre erguendo o rosto e tentando mais uma vez.
Aproveito esse tempo para admirá-la, não só pela sua beleza, que
não é pouca, mas sim pela sua personalidade. Ela é a pessoa mais decidida e
de pulso firme que já conheci, mas algo me diz que ela esconde uma
fragilidade por trás de tudo isso.
E eu espero não demorar a conhecer esse seu lado, pois quero saber
mais sobre ela, quero lhe ajudar. Sinto uma necessidade absurda de protegê-la
e fazer com que ela nunca deixe de sorrir.
Porque seu sorriso ilumina tudo.
É lindo.
Olho para ela que coloca as mãos na cintura e suspira.
— Acho que podemos parar agora, não?
— Agora que ficou bom?
Ela me fuzila com o olhar e eu rio.
— Estou brincando. Chega por hoje, né? — Estendo a mão para
ela, que vem até mim e eu a enlaço pela cintura. — Mas você se saiu bem em
sua primeira vez.
Ela estreita os olhos para mim.
— Não seja mentiroso!
Eu rio. Ela não é fácil mesmo.
— Você é linda, sabia?
Noto seu semblante relaxar e suas bochechas adquirem um leve
rubor.
— Fico linda brava, é isso?
— Não. Você é linda mesmo. Acho que nunca te disse isso porque
sempre fico parado te olhando.
Suas bochechas coram um pouco mais e ela me abre um sorriso.
— Até que você consegue ser fofo.
Rio disso.
— Estou me esforçando, está vendo?
Roço meus lábios nos seus e ela me dá vários selinhos antes de me
beijar daquele jeito. Só nos lembramos de que estamos em público quando
ouvimos um raspar de gargantas.
— Acho melhor a gente ir, Di. Antes que nos expulsem daqui.
Ela diz ainda com os braços envoltos em meu pescoço e eu abro um
sorriso de canto.
— Di?
Sinto suas bochechas corarem ainda mais enquanto ela me olha.
— Posso te chamar assim?
— Pode me chamar do que quiser, menos de marrento, pois esse
apelido já é seu.
Ela solta uma risada antes de se separar de mim e eu a puxo pela
mão em direção à saída do boliche.
— Quer comer alguma coisa? — Pergunto quando já estamos do
lado de fora e noto que ainda não soltei sua mão. E nem pretendo, seu toque é
gostoso demais e ela parece gostar disso tanto quanto eu.
— Quero sim. Pode ser pizza?
— O que você quiser.
Andamos até a praça de alimentação e fazemos nossos pedidos,
pouco depois nossa pizza fica pronta e comemos de forma tão despreocupada
e tranquila que só me faz ver o quanto tudo é tão natural entre nós.
Quem diria que em plena segunda-feira à noite eu estaria jogando
boliche e comendo pizza em um shopping com uma garota marrenta?
Pois é, a vida é surpreendente mesmo e quando você menos espera
uma pessoa dessas cai do céu.
Não vou dizer que é um anjo, pois nós dois estamos bem longe
disso, mas nos entendemos à nossa maneira e fazemos o outro rir.
E isso já é mais que suficiente para mim.
Chego à cozinha para tomar meu café e me deparo com minha mãe
com o semblante preocupado.
Isso não é nada bom.
— Mãe? Aconteceu alguma coisa?
Puxo uma cadeira ao seu lado e me sento.
— Mais ou menos, Di. Sabe aquela manutenção hidráulica que
precisamos dar mês passado aqui em casa?
— Sei sim... Apertou?
Ela esfrega o rosto com as mãos enquanto assente.
— É. Achei que esse mês ia conseguir segurar as pontas, mas
infelizmente ficamos no vermelho. E eu estou com poucas costuras e...
— Ei, mãe. Calma, eu tenho um pouco guardado na poupança. Não
é muito, mas pelo menos dá para cobrir o mês.
— Mas, Diogo... Não é justo com você, meu filho.
Ela franze o cenho e eu pego sua mão, apertando-a.
— Relaxa, mãe. É só dinheiro. Eu trabalho mais um pouco e
recupero. Está tranquilo. As reservas servem justamente para isso, cobrir
alguma emergência.
— Tem certeza?
— Não me conhece até hoje, dona Júlia? — Arqueio a sobrancelha
para ela, que solta uma risada sem graça.
Quando o assunto é finanças nunca tem graça mesmo.
— De toda forma, vamos economizar esse mês para conseguirmos
respirar nos próximos.
— Estou de acordo. E... Mãe?
— Hum? — Ela ergue o olhar para mim, visivelmente preocupado.
Vê-la assim só me deixa mal.
— Não vai ser assim para sempre, viu? Eu prometo.
Ela me abre um sorriso fraco e assente em silêncio. Chego mais
perto dela e a envolvo em meus braços, beijando seus cabelos, tentando lhe
transmitir um pouco de segurança. É nessas horas que eu vejo que preciso me
dedicar ainda mais aos estudos, pois preciso mesmo passar em um concurso.
Mais do que nunca, virou caso de necessidade. Eu preciso dar uma
vida melhor a ela.
— Mãe, eu preciso ir, senão chego atrasado.
— Tudo bem. Não vai tomar seu café?
— Eu tomo no trabalho.
— Está bem, então leve um pedaço de bolo que eu fiz ontem à
noite.
— Levo sim!
— Vou mandar um pedaço maior, para você dividir com a sua
“amiga”. — Ela faz aspas com os dedos e eu a lanço um olhar mortal.
— Mãe...
— Já parei de falar! — Ela ri e se levanta para partir meu pedaço de
bolo e logo depois me estende o pote cheio.
— É bolo para uma geração inteira, né?
— Não vou fazer feio com minha nora mandando uma mixaria de
bolo.
Reviro os olhos para ela, que me olha divertida. Nem vale a pena
discutir.
— Tchau, mãe.
— Tchau, Diogo. Bom trabalho!
— Obrigado!
Beijo sua bochecha e saio de casa, já pegando as ruas do bairro até
o trabalho. Ando cabisbaixo e pensativo, preocupado com essa situação. Sei
que quando a minha mãe chega ao ponto de estar preocupada e me procurar,
é porque a coisa está realmente feia.
Eu não estava mentindo quando disse que não me importo de abrir
mão da minha reserva, que nem é tão alta assim, mas minha preocupação é de
que ela não seja suficiente.
Nós andamos sempre com as contas muito certinhas todos os
meses, então quando ocorre uma eventualidade assim, sempre nos
desestabiliza. Principalmente quando é um mês que ela não tem muito
trabalho.
E pensar no quanto gastei com o meu passeio com a Carol na
segunda-feira...
Não que eu tenha me arrependido, longe disso. Dinheiro nenhum
no mundo paga os momentos que eu passo com ela. Mas o que me preocupa
é o que vem a seguir. Como posso iniciar um relacionamento com alguém se
não poderei nem mesmo levá-la para sair?
É frustrante demais. Sei que preciso economizar e agora não é o
momento para despesas extras. Que momento ruim para ela aparecer na
minha vida...
E a cada acontecimento desses, minha fúria sobre meu pai só
aumenta. Ele consegue continuar ferrando a minha vida mesmo depois de
morto. Se não fosse por ele e suas inúmeras dívidas, nós não estaríamos
passando por isso agora.
Demorei a encontrar uma pessoa que despertasse em mim algo
diferente e que me fizesse querer ter algo além de uma simples noite e
quando isso acontece, não posso ficar com ela...
Que inferno!
Não sei nem se eu quero chorar agora ou gritar de raiva.
Entro na loja distraído e não noto a presença de Carol até ouvi-la
me chamar.
— Diogo?
Ergo os olhos para ela e aquele sorriso lindo que sempre me recebe
todos os dias morre quando me vê.
Ela se levanta na mesma hora e vem até mim, tocando meu braço.
— Está tudo bem?
Nem adianta mentir dizendo que está, pois mesmo com pouco
tempo ela já me conhece bem.
— Mais ou menos. — Consigo dizer apenas.
— Eu posso fazer algo por você?
Nego com a cabeça e olho para baixo. O que ela poderia fazer?
Ela fica em silêncio por um tempo me analisando, pensando no que
fazer e então eu me lembro da vasilha com bolo que está na minha mão e
decido mudar de assunto.
— Quer tomar um café? Minha mãe mandou bolo para você.
Seu rosto se ilumina por um momento e eu me pego sorrindo.
Mesmo quando eu estou me sentindo na merda, ela me faz sorrir.
O que eu vou fazer, meu Deus?
— Vamos sim. E eu ainda preciso conversar com você, ok?
— Tudo bem.
Assinto enquanto andamos até a cozinha e, chegando lá, nos
servimos de café. Depois, sentamos para comer o bolo.
— Nossa, está uma delícia! Agradeça a sua mãe por mim! — Ela
diz quando termina de mastigar o primeiro pedaço de bolo e já corta mais um.
— Pode deixar. — Respondo apenas e meu semblante triste parece
incomodá-la.
— Converse comigo, Diogo. Deixa-me te ajudar. — Ela toca minha
mão por cima da mesa e eu a aperto em resposta.
— Eu não sei se você pode me ajudar, Carol... — Suspiro
derrotado, enquanto dou um gole no meu café.
— Mas me deixa pelo menos tentar. Sei que não podemos
conversar aqui, mas podemos nos encontrar depois?
E essa é a hora que eu deveria dizer que não dá, que não sei se
posso continuar saindo com ela e que estou me sentindo péssimo por isso.
— Eu... não sei.
Respondo apenas. É um ato de covardia, eu sei. Mas o que mais eu
posso fazer?
— Por favor, Di... Eu nunca te vi assim. Eu queria pelo menos te
abraçar um pouco agora, mas infelizmente aqui não dá.
Assinto apenas e não digo mais nada.
— Você pode ir lá para casa?
Ela toca meu braço e nossos olhares se cruzam. Tudo que eu vejo
nos seus olhos me faz estremecer. Não tem como simplesmente ignorar isso.
Nós já estamos envolvidos demais para deixar essa história de lado.
— Tudo bem... Dia de sábado eu sempre pego serviço mais cedo,
então preciso estar no bar às seis. Quando eu sair daqui, vou para casa
almoçar, me arrumo e desço para a sua, ok? E fico lá até ir trabalhar.
— Está ótimo assim. Perfeito!
Terminamos de tomar o café e logo saímos da cozinha. Quando
chego à porta da minha sala, eu a impeço de ir além.
— Carol?
— Sim?
— Obrigado.
Um sorriso de canto se abre em seus lábios e ela apenas assente
enquanto vai para frente. Eu respiro fundo entrando na minha sala para
encarar mais um dia de trabalho, mas pelo menos hoje é por poucas horas.

Toco a campainha do seu apartamento e pouco depois ela abre a


porta para mim, me convidando para entrar.
— Como você está? — Antes que eu possa responder, ela me puxa
para um abraço e eu aproveito esse momento e inspiro seu cheiro, enchendo
meus pulmões de toda energia boa que ela traz para mim.
Afasto-me de seus braços e acaricio seu rosto, dando um sorriso
contido.
— Estou bem.
Ela assente e me pega pela mão, me conduzindo até o sofá.
Acomodamo-nos de frente para o outro e eu já começo a me preparar para
contar a ela. Eu nunca me abri assim para ninguém, mas eu sinto que posso
confiar nela e mais do que tudo, que preciso contar a ela. Eu preciso que ela
saiba de tudo, até mesmo para sabermos como vão ser as coisas daqui para
frente.
— Antes que você comece, não está se esquecendo de nada? — Me
lança um olhar desafiador e eu fico intrigado.
Do que ela está falando?
Ela cruza os braços e assume uma postura autoritária. Então, me
vem um estalo.
Eu estou de cabelos presos.
Rio alto enquanto puxo o elástico e solto meus cabelos.
— Melhor assim, marrentinha?
— Muito melhor. Agora você pode começar. — Ela sorri enquanto
pega a minha mão, acariciando devagar.
— Eu nem sei por onde começar... — Suspiro relaxando os ombros
e seu olhar se torna um misto de carinho e preocupação.
— Comece me dizendo por que chegou triste no trabalho hoje.
— Tudo bem... — Viro de lado e encosto a cabeça no sofá,
fechando meus olhos. — Mas eu vou ter que fazer um resumo da minha vida
para você antes de chegar nessa parte.
Viro meu olhar para ela que sorri paciente.
— Estou aqui para te ouvir.
— Então, vamos lá... Eu nunca tive um relacionamento bom com
meu pai, infelizmente. Quando eu era criança, fazia de tudo para ele gostar de
mim, mas ele nunca me deu muita bola. Eu tentava me aproximar dele de
todas as formas, mas sempre foi em vão. Quando cheguei à adolescência,
entrei naquela fase rebelde e apertei a tecla do “foda-se”. Se ele não quer me
dar atenção, ótimo. Eu também não darei a ele. E foi aí que ele começou a
pegar no meu pé. — Respiro fundo para absorver um pouco de ar enquanto
me lembro de tanta coisa que aconteceu na minha vida. — Ele criticava tudo
que eu fazia. Absolutamente tudo. Sejam as roupas que eu vestia, as músicas
que ouvia, minhas amizades, meu desempenho na escola, nada estava bom
para ele. Encontrava defeitos em tudo. Ah, e eu nem preciso falar dos
cabelos, né? Ele dizia que eu parecia uma mulherzinha.
— Poxa, Di...
— Quando eu fiz dezoito anos, minha mãe me deu minha moto de
presente. Essa mesma que eu tenho até hoje. Ele ficou tão puto com isso que,
quando minha permissão chegou, ele furou os dois pneus dela, simplesmente
para eu não andar.
— Mentira... — Ela arregala os olhos e eu assinto.
— Quem me dera se fosse. Nesse dia eu fiquei tão puto com ele
que se não fosse pela minha mãe eu teria voado no pescoço dele. Mas só
recuei por causa dela, que dizia que eu era melhor do que isso.
— E você é. — Ela sobe nossas mãos entrelaçadas até a sua boca e
beija a minha com carinho.
— Depois disso, as coisas só foram ficando piores entre nós. Mas
eu me segurava sempre para não estourar com ele. Sempre por respeito à
minha mãe, sabe? Ela não merecia isso. E daí eu fui empurrando com a
barriga até que um dia meu pai sofreu um acidente de carro por estar
dirigindo embriagado e acabou morrendo na hora.
E então seu semblante muda. Sua postura fica rígida, ela engole em
seco e apenas sinaliza para eu continuar.
— Eu tinha vinte e dois anos quando isso aconteceu. Estava
faltando apenas um ano para eu concluir o curso de Direito e tive que trancar
a matrícula.
— Por quê? — Ela arqueia a sobrancelha, já relaxada.
— Porque depois que ele morreu é que ficamos sabendo que
estávamos afundados em dívidas.
— Meu Deus, Diogo!
— Ele era um viciado em jogos e conseguiu esconder isso de nós a
vida inteira. Só fomos descobrir que a gente estava ferrado quando as
cobranças dos bancos começaram a chegar. Enquanto ele estava vivo, ele
pagava tudo escondido, sem sabermos de nada. Depois que ele se foi, a
dívida ficou para nós. Ou melhor, para a minha mãe, já que ele fez tudo no
nome dela.
Ela cobre a sua boca com a mão e seu olhar é de espanto, mas eu
apenas continuo. A história é mesmo longa.
— Ele tinha procuração dela para resolver tudo nos bancos, afinal
ela nunca teve motivos para desconfiar dele. Ele só era mau pai, sabe? Mas
era um ótimo marido, fazia de tudo por ela. Disso eu não posso falar. Mas
tudo que ele fez por ela a vida inteira, ele ferrou depois que ele morreu.
Conclusão da história: ficamos com uma casa hipotecada e vários
empréstimos que ele fez. Para facilitar um pouco, conseguimos pegar um
empréstimo mais alto para cobrir todos os outros e ficar apenas com um e
contamos com a ajuda da mãe do Bruno, meu amigo de infância, que é
bancária. Ela nos ajudou pra caramba, porque nenhum banco costuma liberar
valor alto para quem não tem renda.
— Diogo de Deus...
— Pois é... E para acabar de ferrar, ele era representante comercial
e nunca se preocupou em pagar uma previdência. Então, ele não deixou nem
uma pensão para a minha mãe, nada. Tivemos que nos virar sozinhos. Eu
quis vender a minha moto, mas minha mãe não aceitou e, como foi um
presente dela, não tive coragem de fazer isso. Foi assim que consegui o
emprego na loja, pois na época eu não trabalhava e o meu curso técnico de
informática me salvou. Minha mãe é costureira e sempre trabalhou em casa,
mas a renda dela é incerta, sabe? Tem meses que ela tira uma boa grana e
alguns nem tanto... Depois de um tempo, eu quis voltar à faculdade. Porque
eu precisava formar, entende? Então, me matriculei em uma graduação à
distância que era a única que eu conseguia pagar e conciliar com meus dois
empregos. Foi quando eu decidi estudar que eu peguei o emprego no bar. Eu
aguentei o tranco até me formar e, te digo, não foi fácil. Eu passava o final de
semana inteiro enfiado nos livros, mas pelo menos consegui.
— Eu te disse que você é incrível. — Ela sorri enquanto toca o meu
rosto com carinho.
— Obrigado por isso. Você não sabe o quanto me faz bem ouvir
isso de você. — Beijo seus dedos quando estes chegam perto dos meus lábios
e sorrio. — Mas voltando à história... Então é por isso que eu tenho dois
empregos, pois um só não consegue pagar todas as contas. E eu prefiro
trabalhar mais a permitir que a minha mãe faça isso. E é por essa razão que
eu estudo muito para concurso, pois eu preciso de um emprego melhor com
um bom salário, sabe? Eu preciso respirar.
— Você vai conseguir, eu sei disso.
— Deus te ouça! E agora eu vou chegar à parte que eu estava triste
hoje cedo e ainda estou, pra ser sincero. No mês passado tivemos um
problema lá em casa e precisamos fazer uma manutenção hidráulica que não
ficou nem um pouco barata. Ela achou que ia conseguir segurar as pontas,
mas as contas atrasaram e esse mês estamos no vermelho. A sorte é que eu
tenho uma pequena reserva guardada e vai poder ajudar um pouco, mas ainda
não sei se será suficiente. A questão é que estou cansado disso, entende?
Toda vez que surge alguma emergência é assim, precisamos economizar e
nos desdobrar para conseguirmos pagar tudo. E agora tem você...
Olho dentro de seus olhos e noto seu semblante confuso.
— Eu? Como assim?
Respiro fundo e esfrego o rosto, pensando numa melhor forma de
dizer tudo isso.
— Eu nunca quis um relacionamento com ninguém, justamente por
eu não ter tempo. Se eu trabalho dia e noite e fim de semana e ainda estudo,
quando teria tempo para ficar com alguém? Então me fechei para isso e
nunca me importei de ficar sozinho. Até você aparecer...
Seus olhos brilham e a vejo se emocionar com minhas palavras.
— É meio louco dizer isso, não é? Porque nós não nos conhecemos
há muito tempo... Mas eu sinto como se te conhecesse desde sempre. Claro
que no início eu quis distância de você porque te achava insuportável...
— Ei! — Ela me dá uma trombada e eu rio.
— Mas a verdade é que você me intrigou desde o início e mexeu
comigo de uma forma que ninguém mais mexeu. Eu tentei relutar contra isso
durante muito tempo, mas depois que você me beijou, eu vi que não tinha
mais como ir contra. Eu já estava ferrado mesmo.
— Ainda bem que você se tocou disso. — Ela ri e se aproxima de
mim, tocando meus cabelos. — Imagina que triste seria sua vida sem mim.
Rio alto. É por isso que eu gosto tanto dela.
— E eu gosto tanto de você, Carol que isso me assusta. Sei que nos
encontramos poucas vezes, mas eu me diverti tanto com você e por um
momento me senti um cara normal, sem essa carga de problemas. Mas aí
como se meu pai lá de cima — ou lá de baixo, vai saber — risse da minha
cara e fizesse sempre questão de me mostrar que eu não sou digno de
ninguém.
— Diogo...
Minha voz embarga, mas eu continuo.
— Eu não posso deixar meu trabalho noturno jamais, Carol. E olhe
para você. Está aqui comigo num sábado à tarde com horas contadas, porque
eu não posso passar um sábado à noite com você, te levar para sair. Não
posso me encontrar com você durante a semana, e agora para piorar, não
posso nem te levar para tomar um sorvete. Tem noção do quanto isso é
frustrante?
— Diogo... Não fale assim. — Ela franze o cenho e eu tenho
vontade de beijá-la pela sua expressão fofa, mas nesse momento me sinto tão
indigno dela.
— Sei que ainda estamos começando, mas eu lembro que você me
disse que queria ficar comigo, passar mais tempo comigo, mas você merece
alguém melhor do que eu... Merece um cara que tenha tempo para ficar com
você e condições também. — Uma lágrima escorre do rosto dela e eu estou
me segurando ao máximo para não chorar também, pois o meu coração está
sendo despedaçado agora. — Você é tão linda, tão incrível... — Acaricio seu
rosto e seco sua lágrima. — E eu sou tão... imperfeito para você.
Engulo em seco e fecho os olhos. Não era isso que eu queria, de
jeito nenhum. Meu coração está sendo rasgado, porque estou tendo que abrir
mão de uma coisa que eu nem pude ter. Estou deixando escapar das minhas
mãos uma garota incrível que não vai poder ser minha.
E dói tanto.
Ficamos um minuto em silêncio e quando abro os olhos, a vejo me
olhando vidrada como se estivesse pensando no que fazer. Mas infelizmente
não há muito a ser feito.
— Espera aí, Diogo. Você não pode fazer isso. — Ela assume uma
postura rígida e eu a observo, espantado.
— Como assim?
— Você não pode dizer o que é melhor para mim.
— Mas...
— Mas nada! A vida é minha e quem deve saber o que é melhor
para mim sou eu! — Ela aponta o dedo na minha cara, sim, ela faz mesmo
isso. — E eu não vou aceitar que você venha na minha casa me dizer que não
é bom o suficiente para mim. Tem noção do quanto isso é ridículo?
Ela se põe de pé e coloca as mãos na cintura, visivelmente
inconformada. O que eu faço com essa mulher?
Levanto-me e toco seu ombro, tentando lhe explicar que essa é a
melhor decisão.
— Carol, olha para mim! Eu não tenho nada para te oferecer! Eu
sou um cara fodido com a vida fodida e todas as vezes que eu acho que as
coisas vão melhorar, a vida trata de me lembrar que eu não nasci para ser
feliz!
— Não diga isso!
— Mas é a verdade, minha linda. Eu não tenho nada!
— Tem sim! Claro que tem, Diogo! Você tem sua mãe e agora tem
a mim! Mas eu... — Ela engasga enquanto uma lágrima solitária rola pelo seu
rosto. — Eu não tenho ninguém, Diogo. Por favor, não te tire de mim!
E então eu me calo. Como assim ela não tem ninguém? E a sua
família?
— Por favor, ainda não estou pronta para te contar sobre isso, mas
um dia estarei. Só te peço um pouco de paciência.
E aquela fragilidade surge em meio a toda sua postura segura de
sempre. Então, eu chego perto dela e a abraço. Ela afunda seu rosto em meu
corpo e me agarra como se eu fosse seu tudo.
E será que eu sou mesmo?
— Eu não vou aceitar que você termine comigo. — Ela ergue a
cabeça para me olhar nos olhos. — Não venha com esse papo de que não é
bom para mim e que não tem dinheiro. Eu não ligo para nada disso, Diogo.
Você me faz sorrir, o que em muito tempo não acontecia comigo. Você é
perfeito para mim e o resto não importa.
— Eu...
— Estamos entendidos?
Encaro seus olhos e tudo que encontro é uma determinação do cão.
Como ela consegue ser tão perfeita assim?
— Eu ainda me sinto indigno de você...
— Nunca.
Um beijo.
— Mais.
Outro beijo.
— Diga.
Mais um beijo.
— Isso.
E agora o beijo é para valer. Daqueles sedentos, desesperadores.
Daqueles que mostram o quanto precisamos do outro, que nossas
imperfeições nos tornam perfeitos. Perfeitos um para o outro e é exatamente
isso que importa.
— Entendido, marrentinha. — Digo assim que afasto nossos lábios
e ganho um enorme sorriso por isso.
— Ótimo. É bom mesmo não me contrariar.
Rio alto e roubo mais um beijo seu.
— Você é a melhor, sabia?
— Claro que sabia! Sei também que você não vive sem mim.
Agora se sente aqui. — Ela me puxa pela mão e nos sentamos no sofá
novamente. — Vamos começar a procurar programas mais baratos, agora que
encontrei um namorado pobre.
Ela me lança um sorriso irônico e eu sinto um salto dentro do peito.
— Namorado?
Ela cruza os braços e me lança um olhar desafiador.
— Nem ouse me contradizer, Diogo!
Solto uma gargalhada. Essa mulher não existe!
— Eu não sou nem doido, namorada. — Envolvo sua cintura com
meus braços e colo minha boca na sua, selando esse compromisso.
Para quem chegou aqui achando que ia ficar sozinho e sai com uma
namorada... Quem diria, hein, Diogo?
Mas essa mulher definitivamente me enlouquece e eu amo essa
loucura.
Não planejei nada disso quando saí de casa para me encontrar com
ela, mas se tratando de Caroline Moraes, nada é previsível.
Absolutamente nada.
E isso só faz com que eu me apaixone ainda mais por ela.
Sim, estou mesmo apaixonado e não é pouco.
Mas quem no meu lugar não estaria?
— Até que não foi tão ruim... — Digo assim que os créditos
aparecem na TV, indicando o término do filme.
— É óbvio que não é ruim, esse filme é maravilhoso! — Ela sorri
para mim com o nariz vermelho de tanto chorar.
— E você chorou de novo? Quantas vezes você já assistiu a esse
filme?
— Umas vinte vezes, mas não importa! Vou chorar sempre em
todas elas. Diário de uma paixão é perfeito demais!
Rio disso e envolvo meus braços em sua cintura, puxando-a para
mais perto de mim. Aperto-a mais e afundo meu rosto em seu pescoço,
roçando minha língua ali e sentindo seu corpo estremecer.
— Eu amo seu cheiro. — Digo apenas e volto a fazer meu trabalho
em beijar seu pescoço, deslizando meus lábios e língua por toda sua extensão.
— Eu sei... — Sua voz é um sussurro e eu gosto disso. Sua
respiração está tão pesada quanto a minha.
Em um movimento, eu a coloco em cima do meu colo e a aperto
mais contra mim. Colo sua boca na minha e vejo como nossos beijos se
tornaram mais sedentos, mais urgentes, nos tirando o ar.
Paro apenas para descer minha língua até seu pescoço e subo de
novo passando pela sua orelha, e todo seu corpo se arrepia pelos meus toques.
Ela enterra seus dedos em meus cabelos e me aperta mais, me puxando para
mais perto dela. Eu agarro sua cintura com força.
Impossível disfarçar a ereção que se forma dentro da minha calça
jeans e ela não parece se importar com isso, pois fricciona seu corpo no meu
em uma dança lenta e sensual.
E eu juro que estou me segurando para não ir além, pois algo me
diz que ela ainda não está preparada para isso.
Nossos beijos se aprofundam e logo somos um emaranhado de
bocas, mãos e suspiros. Vez ou outra um gemido escapa de sua garganta e eu
aperto-a mais contra mim, sentindo todo seu corpo, todo seu calor, mesmo
estando cobertos por roupas.
E devo dizer que mesmo que não tenhamos chegado ao ato em si,
esse foi o momento mais íntimo que já dividi com uma mulher e isso me
deixa ainda mais excitado.
Desço meus lábios pelo seu pescoço e dessa vez sou mais ousado,
percorrendo seu ombro, abaixando a alça da sua blusa. Seu corpo estremece
ainda mais e ela me aperta mais contra si, com uma urgência absurda.
— Diogo... — Sua voz é rouca e fica sexy pra caramba.
Eu entendo como uma confirmação e subo de novo até sua boca,
tomando-a mais uma vez, me preparando para fazer o mesmo do outro lado,
até que ela solta meus cabelos e acaricia meu rosto, nos separando.
E o que eu vejo em seus olhos, me faz parar.
Timidez.
Ela ainda não está preparada para isso.
E eu juro que entendo, entendo mesmo.
Acaricio seu rosto e lhe abro um sorriso sincero de forma que ela
consiga entender que para mim está tudo bem, é tudo no seu tempo.
E então toda aquela tensão sexual se dissipa e eu relaxo meu corpo,
quando a sinto escorregar lentamente para fora do meu colo.
Pego meu celular na mesinha de centro e vejo que já são mais de
dezessete horas.
— Marrentinha, eu amo estar com você, mas infelizmente preciso
ir.
— Mas já? — Ela faz um bico tão fofo que me faz beijá-la mais
uma vez.
— Foi você que escolheu um namorado pobre que precisa trabalhar
sábado à noite. Infelizmente nossas horas aos sábados sempre serão contadas.
Franzo o cenho para ela, que chega mais perto de mim e acaricia
meu rosto.
— Mas eu prefiro passar horas contadas com você a não passar
hora nenhuma.
E me beija.
Não um beijo urgente como os anteriores, mas um beijo casto,
suave, cheio de carinho e sentimentos. Que me diz muito sobre nós.
Pois é isso que somos.
Somos como fogo e gelo. Tempestade e calmaria. Por um momento
estamos prestes a explodir e, então, não temos pressa alguma.
E é isso que nos torna perfeitos.
Perfeitos um para o outro.
— Você é incrível, sabia? — Afasto nossos lábios e sorrio para ela,
enquanto acaricio seu rosto.
— Eu sei que sou. — Pisca para mim e eu rio.
— Obrigado por não desistir de mim, mesmo achando que eu não
mereço alguém como você.
— Ei! — Coloca o dedo na minha boca e eu rio. — Já te falei para
não dizer isso mais!
— Tudo bem, já parei! — Rio um pouco mais e ela solta seu dedo.
— Ótimo. — Ela me lança um olhar determinado e então relaxa. —
Não precisa me agradecer, Di. Eu só precisava que você não desistisse de
mim...
Sua voz é doce e por mais que eu sinta um aperto toda vez que sua
vulnerabilidade surge, preciso confessar que ela fica ainda mais linda assim.
— Não vou. — Dou-lhe um selinho. — Mas agora eu preciso ir,
Carol.
— Eu sei. — Ela pega a minha mão e entrelaça nossos dedos
enquanto me conduz até a porta. — Te vejo amanhã?
— Só se você me quiser. — Dou uma piscadinha e ela ri.
— Não vou nem responder isso. — Revira os olhos, me
provocando. — Que horas você para seus estudos?
— Geralmente às dezessete horas, mas posso vir mais cedo para
ficar com você.
— De jeito nenhum, Di! Você precisa passar no concurso e eu não
quero que diminua sua carga de estudos por minha causa. — Ela franze o
cenho para mim e me lança um olhar determinado. Como não me apaixonar
por ela? — Esse horário está perfeito! Eu te espero aqui, pode ser?
— Claro! Você quer ir a algum lugar? — Pergunto, mesmo
sabendo que não posso gastar muito no momento. Mas como posso obrigá-la
a ficar apenas dentro de casa comigo?
— Não precisa, gosto de ficar aqui com você... Além do mais, acho
que vou preparar um jantar para nós dois.
— Você cozinha? — Levanto uma sobrancelha de forma incrédula
e levo um tapa.
— Ei, eu moro sozinha! Esqueceu? Não posso viver de delivery
sempre.
— Está certo. Mal posso esperar por isso. — Dou-lhe mais um
selinho e abro a porta para sair. — Boa noite, marrentinha. Até amanhã.
— Boa noite, Diogo. Bom trabalho!
— Obrigado!
Entro no corredor sorrindo, indo em direção à saída. Não posso
acreditar na sorte que eu tive de ter encontrado essa garota, pois ela é
diferente de tudo que eu já vi e agora que eu a tenho para mim, não quero
perdê-la. Não mais.
— Bom dia, mãe! — Eu entro na cozinha e a abraço por trás, dando
um beijo em seu ombro.
— Bom dia, meu filho! — Então ela se vira do balcão da cozinha e
levanta uma sobrancelha para mim. Nada passa despercebido por ela. —
Acordou animado hoje, é?
— Acordei sim. — Pisco para ela e me sento à mesa, sem dizer
mais nada. É claro que eu vou contar a ela sobre o meu namoro, mas não sem
antes provocá-la um pouco.
— Posso saber por quê? — Ela se senta de frente para mim,
visivelmente curiosa.
— Por nada. Só acordei feliz, ué. — Respondo apenas e pego a
garrafa de café, me servindo uma xícara e pegando um pão, mas ela não se
conforma.
— Não me venha com essa, Diogo. Ontem você estava chateado
por causa das contas e então sai logo depois do almoço sem me dizer para
onde e hoje acorda com um sorriso bobo no rosto. Anda! Desembucha logo!
Rio alto. Ela definitivamente não consegue aguentar.
— Eu não posso estar feliz sem nenhum motivo específico?
Ela cerra os olhos para mim me fazendo crer que a resposta
definitivamente é não.
— Vindo de você? O mau humor em pessoa?
— Ei! Nem é tanto assim!
— Não... Imagina. — Ela revira os olhos e ri. — Fala logo, Diogo!
Não é justo fazer isso com a sua mãe!
Eu rio e olho em seus olhos, decidindo acabar com sua tortura. Já
brinquei o suficiente com ela.
— Estou namorando.
Solto de uma vez, sem rodeios.
Ela estava levando a xícara de café aos lábios quando para e seus
olhos parecem saltar para fora. Sua boca se escancara e eu não aguento,
disparando a rir.
Enquanto rio, observo-a me olhar ainda em choque por um longo
momento, eu decido quebrar seu silêncio.
— Está viva aí, dona Júlia?
Ela parece se recompor e coloca a xícara na mesa que estava
erguida no ar esse tempo todo.
— Você só pode estar brincando...
Ela ainda parece incrédula e eu não a julgo, eu mesmo estou
custando a acreditar.
— Não estou, mãe. Seu sonho de ser sogra enfim foi realizado.
— É mesmo verdade, isso? Você não bateu a cabeça e está
delirando?
— Mãe!
E então ela ri, me fazendo relaxar.
— Ué, Diogo. Vai saber! Você me dizia a vida inteira que não tinha
tempo para isso e me solta essa bomba. Eu precisava de tempo para digerir. E
então, é a garota do trabalho?
— É sim...
— E qual o nome dela? Como ela é? Vamos, me conte tudo! Não
quero a informação pela metade.
Ela dispara a falar e eu solto uma risada. Minha mãe não existe!
— Ela se chama Caroline e é linda.
— Só isso? Ah, não, Diogo!
Rio alto enquanto pego o celular no bolso e mostro uma foto a ela
que tiramos ontem, pouco antes de começarmos a assistir o filme.
— Nossa, ela é linda mesmo! E vocês ficam tão lindos juntos! —
Ela me lança um olhar apaixonado eu sorrio por causa disso. — Ai, Diogo.
Estou tão feliz por você! Eu morria de medo de você não encontrar ninguém
e morrer solteiro e ...
— Mãe, calma! Eu só comecei a namorar agora, não marquei
casamento ainda, ok?
Ela assente e me lança um sorriso solidário.
— Tudo bem, me desculpe. É que eu estou eufórica demais!
— Nossa, é mesmo? Não tinha reparado isso!
Ela joga uma bolinha de guardanapo na minha cara e eu rio.
— Mas me conta, como ela é? Não digo fisicamente porque eu já vi
que ela é linda!
— Sim, é linda mesmo. Mas por dentro é mais ainda. Ela não é
fácil, mãe. Tem uma personalidade do cão e me desafia o tempo todo.
— Já quero conhecer essa garota logo!
— Você vai amar a Carol, tenho certeza. Ela é bem bruta quando
quer, mas também é um doce e eu estou amando descobrir esse lado
vulnerável dela.
— Ah, Diogo... Que lindo isso!
— Ela tem algum problema familiar, mãe. E eu ainda não sei o que
é, estou dando espaço para ela me contar quando se sentir à vontade. Mas
algo me diz que ela não tem família, porque ontem ela me disse que não tem
ninguém por ela, só eu...
— Poxa, Di! Que triste isso. Ainda bem que ela encontrou você. Eu
imagino como deve ser horrível não ter ninguém.
— Pois é... Eu quero muito descobrir o que é, até mesmo para saber
como ajudá-la, mas não vou pressioná-la agora.
—Você está certo, filho. É o melhor que pode fazer agora e estou
aqui na torcida por vocês. Quando vou conhecê-la?
Seus olhos brilham e é impossível não sorrir.
— Não sei, mãe. Acho que ainda está um pouco cedo para isso,
prefiro esperar o momento certo.
— Tudo bem, está certo. Só não demora demais ou vai me matar de
curiosidade!
— Pode deixar!
— E você vai vê-la hoje?
— Vou sim. Tenho que aproveitar minhas folgas, né? Assim que
acabar meu cronograma de estudos, vou para a casa dela.
Ela sorri concordando e logo terminamos nosso café, tendo uma
conversa bem mais despreocupada do que a do dia anterior. Ver a minha mãe
feliz por mim é algo que não tem preço e eu me pego pensando se ela não
merece um pouco disso também. Minha mãe só tem quarenta e cinco anos e
não acho legal que ela viva sozinha pelo resto da vida, ela merece alguém que
a faça feliz, mas ela se esquiva toda vez que eu toco nesse assunto e me diz
que está bem assim.
Acho que no fundo ela não consegue pensar em sair com outra
pessoa, pois ainda sente falta dele. Mesmo depois de tudo que passamos nos
últimos anos, ela não deixa de amá-lo e eu só queria que, de onde ele
estivesse agora, conseguisse ver a pessoa incrível que ele deixou para trás
nessas condições. Pois ela não merecia isso. Não mesmo.

O dia passa voando e quando olho para o relógio e vejo que faltam
quinze minutos para as cinco, já começo a encerrar meus estudos e fecho o
livro.
Levanto-me para tomar um banho e antes que eu saia do quarto,
sinto meu celular vibrar.
Bruno: “E aí, cara? Vai fazer o que hoje?”
A pergunta que vale um milhão de dólares. E aí, eu conto ou não?
Sei que ele não vai me dar sossego enquanto eu não abrir o jogo, mas prefiro
contar o status do meu relacionamento pessoalmente.
Eu: “Vou sair. Por quê?”
Bruno: “Hummmm... Está misterioso esse Diogão.”
Eu: “Não enche, cara.”
Bruno: “É a garota do bar?”
Eu não disse que ele não vai me dar sossego? Então...
Eu: “É.”
Respondo apenas e sei que ele não vai se contentar apenas com
isso.
Bruno: “Eu sabia!! Mas a coisa ficou mais séria? Como é? Conta
aí!”
Eu não disse?
Eu: “Terça-feira te dou mais detalhes. Mas o que você queria
comigo?”
Bruno: “Ah, cara... Você é foda. Sacanagem, hein? Mas ok, de
terça não passa. Ia te chamar pra sair pra beber. Mas já vi que eu perdi meu
parceiro, né?”
Eu: “Tchau, Bruno.”
Ele manda uma risada e eu deixo o celular de lado. Começo a me
arrumar para ver minha garota. No caminho, paro para comprar uma garrafa
de vinho e uma caixa de chocolates. Sei que ela preparou um jantar para nós,
então não posso ir de mãos vazias.
Minutos depois, paro a moto em frente ao seu prédio e logo estou
subindo as escadas, encontrando a porta de seu apartamento entreaberta.
— Carol?
— Pode entrar! — Ela responde lá de dentro eu entro, fechando a
porta atrás de mim.
Ando até a cozinha e a encontro trabalhando em um prato,
cantarolando baixinho.
— Beatles? — Abraço-a por trás e beijo seu pescoço.
— Oi, Di. — Ela para o que está fazendo e se vira para me olhar,
me beijando de leve enquanto puxa o elástico dos meus cabelos.
— Você nem me esperou chegar direito. — Eu rio quando separo
nossos lábios.
— Mas deveria ter feito isso antes de entrar aqui. — Seu olhar é
autoritário e me faz sorrir.
— Estou com as mãos cheias, olha! — Ergo as sacolas para ela e na
mesma hora vejo seus olhos brilharem.
— Vou te perdoar apenas dessa vez! O que você trouxe aí? — Ela
me solta, já olhando para as sacolas.
— Um vinho e alguns chocolates para a minha marrenta!
— Ah, que romântico, Di! Às vezes, você consegue ser bem fofo!
Rio disso e lhe sou um selinho.
— Onde devo colocar?
— Pode colocar o vinho no freezer, para dar tempo de gelar até o
jantar e os chocolates pode deixar na mesinha de centro, pois não vou esperar
até a sobremesa.
— Gulosa! — Faço o que ela pede e volto ao seu encontro, vendo-a
concentrada no preparo do jantar. — E o que a minha chefe de cozinha está
aprontando aí?
— Estou montando uma lasanha, você gosta?
— E existe algum ser humano que não goste de lasanha?
— Ah, vai saber... Tem doido para tudo nesse mundo.
— Inclusive para namorar uma marrenta como você, não é?
— Ei! — Ganho uma colherada no ombro. Sim, ela fez mesmo
isso. Mas o que eu não posso esperar da minha namorada?
Faço uma cara de ofendido e tiro uma risada dela.
— Você precisa de ajuda, Carol?
— Não... Já terminei. — Ela cobre a massa com orégano e coloca
dentro do forno. — Pronto, só colocar para assar mais tarde. Agora eu quero
namorar um pouquinho.
— Seu desejo é uma ordem. — Beijo-a enquanto envolvo sua
cintura.
— Diogo... — Ela se afasta de mim e eu franzo o cenho, confuso.
— Você me espera tomar um banho? Prometo ser rápida, só não quero ficar
com você assim toda fedorenta...
Fecho a cara para ela, que ri.
— Desde quando você fede, marrentinha?
— Não precisa ser fofo o tempo todo. Prometo não demorar!
— Leve o tempo que precisar, vou esperar aqui.
Beijo sua testa e me sento em seu sofá, vendo-a sumir para dentro
do pequeno apartamento.
Olho ao meu redor até ter meus olhos cravados em um porta-
retratos em seu rack. Me levanto em silêncio e vou até ele, pegando-o e vejo
que é parecido com o que ela tem em sua mesa de trabalho. Na foto parece
uma família completa e feliz. O que será que aconteceu com eles? O que ela
quis dizer quando disse que não tinha ninguém? Eu preciso muito saber mais
sobre ela, mas também preciso respeitar seu espaço.
Ouço o som de uma porta se abrindo e rapidamente coloco a foto
de volta ao seu lugar. Depois, me sento no sofá, aguardando-a. Minutos
depois ela aparece toda sorridente para mim e seu cheiro preenche todo o
ambiente.
Ela se senta ao meu lado e antes que eu possa dizer qualquer coisa,
ela se antecipa.
— Eu sei que você ama meu cheiro.
Eu rio. Ela definitivamente não existe.
— Mas eu quero te cheirar assim mesmo. — Me aproximo e
afundo meu rosto em seu pescoço, inspirando todo seu aroma e planto um
beijo ali, tirando-lhe um arrepio. — Agora sim.
Ela sorri e pega a caixa de chocolates em cima de mesinha,
escolhendo um para ela e colocando outro em minha boca. É clichê pra
caramba, eu sei disso. Mas esses pequenos gestos dela sempre me fazem
derreter por dentro.
— É uma delícia, Di! Obrigada!
— Eu sei que eu sou uma delícia, não precisa dizer isso.
Tremo as sobrancelhas e ganho uma trombada por isso, mas sinto
seu rosto corar levemente.
— Não é uma mentira, de toda forma. — Ela dá de ombros e eu
vejo suas bochechas corarem um pouco mais.
Sorrio disso e colo minha boca na sua, beijando-a com intensidade,
sentindo o gosto do chocolate em sua língua, o que deixa nosso beijo ainda
mais gostoso.
— Sempre me perguntei como seria beijar você. — Ela diz tímida
assim que nos separamos.
— Ah, é? E o que achou?
— Definitivamente bem melhor do que eu imaginei. Você é todo
bruto, sabe? Grande e forte, mas sabe ser delicado também.
— Os brutos também amam. — Brinco com ela, que ri relaxada.
— É sério, Di. Tudo que vem de você é perfeito... O jeito como
você me toca, me beija... Desperta coisas em mim que até então eu nem
conhecia.
— Fico lisonjeado com suas palavras, minha linda. Mas você nunca
foi beijada assim? Com carinho, quero dizer?
Ela nega em silêncio e morde o lábio, um tanto tímida. E eu a beijo
ainda mais por isso.
— Você ainda não viu nada... — Roço meus lábios em seu rosto
até chegar ao seu ouvido. — Você vai ser sempre beijada com todo carinho
que merece e em todo seu corpo... — Minha voz sai rouca e ela engole em
seco. — Não merece nada menos do que isso, Carol.
Ela engole em seco mais uma vez e morde o lábio.
— Caroline...
Eu a repreendo e ela solta uma gargalhada gostosa.
— Já está com fome? Demora um pouco para assar, pensei em já
ligar o forno.
— Do jeito que você quiser, estou por sua conta.
— Ótimo!
Ela se levanta, vai até a cozinha e volta pouco depois, se sentando
ao meu lado. Depois, coloca as pernas no meu colo e encosta a cabeça no
sofá enquanto conversamos e, durante todo esse tempo, faço carinho em suas
nelas.
Conversamos de forma tranquila até o jantar ficar pronto. Assim
que nos sentamos à mesa, eu abro a garrafa de vinho e sirvo nossas taças, já
agradecendo por ter um momento tão bom ao seu lado.
Durante todo o jantar, ela não para de falar um segundo, contando
toda a sua rotina na faculdade e alguns casos engraçados que envolvem sua
amiga. Ela não toca no assunto da sua família em momento algum e eu vejo
que este definitivamente deve ser um assunto bem delicado para ela.
Assim que terminamos, escolhemos um filme de suspense para
assistir, pois ela não aceitou de forma alguma que fosse de terror e, pouco
antes do término deste, vejo-a ressonar baixinho em meus braços.
Ela dorme com um semblante tranquilo e sua boca está entreaberta,
mostrando-se bastante relaxada em meu colo.
O filme termina e eu permaneço parado apenas olhando para ela e
toda a sua perfeição, pensando mais uma vez na sorte que tive de encontrar
alguém como ela.
Ela se remexe em meu colo e pouco depois abre os olhos para mim,
ainda sonolenta.
— Eu dormi muito? — Seu sorriso é tímido e eu acaricio seus
cabelos em resposta.
— Só um pouquinho.
— E você ficou aí parado me vendo dormir?
— Claro!
— Que coisa mais clichê, Diogo! — Ela balança a cabeça e se
levanta do meu colo, espreguiçando-se.
— Ah, um toque clichê ao nosso relacionamento de vez em quando
não faz mal. — Dou de ombros e ela ri.
— Eu sei, estou brincando com você. Que horas são?
Olho para o celular e respondo.
— Dez horas.
— Hummm... — Ela boceja e eu vejo que está na minha hora de ir.
— Acho melhor eu ir, Carol. Você está com sono e amanhã
acordamos cedo.
— Só vou te deixar ir embora, porque sei que amanhã te vejo de
novo. — Ela sorri e boceja mais uma vez.
— Está vendo? Está na hora da princesa dormir.
— Ai, Diogo! Pelo amor de Deus!
Solto uma gargalhada. Ela odeia mesmo essas doses de fofura e eu
amo irritá-la.
— Mas você não é uma princesa? — Faço um bico para ela que
solta uma risada.
— E você seria meu sapo?
— Ei! Não venha com essa, sou um verdadeiro príncipe!
— Ah, sim... Com toda certeza! — Seu sorriso é irônico e eu rio. É
tão fácil sorrir com ela.
— Preciso ir, marrentinha. Eu te vejo amanhã cedo, tudo bem?
— Não tenho outra escolha, né? A não ser ver a sua cara azeda
todos os dias.
Calo ela com um beijo suave e ela acaricia meu rosto assim que nos
separamos.
— Boa noite, Di. Obrigada por ter vindo.
— É um prazer para mim. — Dou-lhe um selinho e acaricio seus
cabelos. — Boa noite, minha linda. Tenha bons sonhos.
Ela assente em silêncio e eu saio de seu apartamento, indo em
direção a minha moto. Monto nela e ligo o motor, já sentindo o vento gelado
em meu corpo.
Eu não sabia como era namorar alguém até conhecer a Caroline,
não sabia o que era querer passar o tempo todo com alguém e querer sempre
mais dela, como se fosse tudo aquilo o necessário para viver.
E ela era tudo que me faltava. Tudo que eu sei que eu nunca tive.
Sou um cara com a vida fodida, mas se eu a tenho ao meu lado, tudo bem.
Sou um fodido de muita sorte.
Entro na loja e vejo que está vazia, então imagino que ela não tenha
chegado ainda.
Cheiro a rosa vermelha que está na minha mão e sorrio enquanto
coloco em cima de sua mesa, ao lado de suas canetas terrivelmente coloridas.
Destaco um post-it de seu bloquinho e escrevo algumas palavras
antes de colocá-lo ao lado da rosa.
“Bom dia, flor do dia.
Não, espera...
Bom dia, marrentinha.”
Rio baixo enquanto entro no corredor em direção à minha sala de
trabalho.
— Bom dia, Marcão.
— Bom dia, Diogo!
Fico esperando por alguma alfinetada ou uma pergunta indiscreta,
mas ele simplesmente me ignora, o que é uma grande novidade por aqui.
Não sei como ninguém no trabalho desconfia do meu
relacionamento com a Carol, pois hoje faz um mês que ela me desafiou a
terminar com ela. Todas as vezes que eu me lembro dessa cena, eu rio
sozinho, pois definitivamente ninguém é igual a ela.
Ligo a máquina à minha frente e antes que possa iniciar meu
trabalho, sinto meu celular vibrando em cima da mesa.
Marrentinha: “Ah, que amor... Você é sabe ser bem fofo quando
quer. Bom dia, Di!”
Eu: “Eu sei que sou foda, pode admitir.”
Marrentinha: “Não vou nem responder, porque depois dessa flor,
você não merece má resposta.”
Solto uma risada abafada e olho por cima do ombro, vendo que não
chamei a atenção do meu colega.
Eu: “E você é tão doce...”
Marrentinha: “Sou mesmo, não sou?”
Eu: “Completamente. Bom, preciso trabalhar, a flor foi só para te
presentear pelo dia de hoje.”
Marrentinha: “Dia de hoje?”
Eu: “Por acaso você é o homem da relação?”
Ela envia uma carinha ofendida e se eu pudesse daria um beijo nela
agora.
Marrentinha: “Desculpa, Di. Eu sou péssima com datas.”
Eu: “Sorte sua que eu também não ligo para isso, me lembrei
ontem por acaso. Então, há um mês você meio que me forçou a namorar
você.”
Marrentinha: “Ei! Eu não forcei coisa nenhuma, você aceitou
porque quis! Eu apenas te mostrei que estava perdendo uma ótima pessoa
por bobeira.”
Abafo uma risada mais uma vez. Ela nunca dá o braço a torcer.
Eu: “Ah, sim... E eu tive direito de escolha, né?”
Marrentinha: “Não, porque eu sou a melhor para você.”
Rio um pouco mais.
Eu: “Disso eu não tenho dúvidas. ;)”
Marrentinha: “Obrigada mesmo pela flor, Di. Esse pequeno gesto
significou muito para mim.”
Eu: “Imagina... Eu amo namorar você. É meio louco às vezes, mas
amo mesmo assim.”
Marrentinha: “Pelo menos não vamos cair na rotina...”
Eu: “Definitivamente não. Escuta... tenho um convite para te
fazer.”
Marrentinha: “Humm... Quando é formal assim, dá até medo.”
Eu: “Relaxa. Não é nada ruim.”
Marrentinha: “Quer parar de enrolar e me dizer logo?”
Rio por dentro. Ela definitivamente não existe.
Eu: “Calma, marrentinha... Então, queria saber se você quer
almoçar lá em casa amanhã. Minha mãe quer muito te conhecer, daí
aproveitamos e passamos o dia juntos.”
Silêncio.
Será que eu precipitei as coisas? Mas já estamos juntos há mais de
um mês, uma hora isso iria acabar acontecendo.
Marrentinha: “Tudo bem.”
Eu: “Só isso? Se não quiser ir, não precisa, Carol.”
Marrentinha: “Desculpa, eu quero ir sim. Só estou nervosa.”
Eu: “Você? A rainha da segurança?”
Marrentinha: “Não quando é para conhecer a sogra...”
Eu: “Ah, relaxa. Minha mãe é muito tranquila, você vai gostar
dela.”
Marrentinha: “Meu medo é ela não gostar de mim, mas prometo
me comportar como uma dama.”
Eu: “Não precisa se preocupar, ela vai te adorar como você é. Eu
já disse que você ama me desafiar e ela já virou sua fã.”
Marrentinha: “Amo mesmo. Então tudo bem! Mas e os seus
estudos? Não quero te atrapalhar.”
Eu: “Um dia só não vai me matar, Carol.”
Marrentinha: “Não, senhor! Começa assim mesmo, depois você
estará estudando uma vez ao mês e me culpará eternamente pela sua
pobreza. Sem chance!”
Dessa vez eu não aguento e rio alto, despertando a atenção do
Marcão, mas por um milagre ele não me pergunta nada.
Eu: “Eu tiro o atraso depois, não se preocupe.”
Marrentinha: “Eu não vou discutir isso com você, Diogo! O que
eu posso te propor é que você estude hoje no horário que iria para a minha
casa e amanhã passamos o dia juntos. Mas apenas assim.”
Deus, o que eu faço com essa mulher? Ainda vou perder a cabeça
um dia!
No bom sentido, é claro. Impossível ficar brigado com ela.
Eu: “Não precisava disso, amor. Mas se te deixar mais
confortável, tudo bem. Fazemos essa troca.”
Chamo-a de amor, que é algo bem raro para mim, só para amolecer.
Eu sempre faço isso como forma de mimá-la e, por mais que ela não admita
nem a pau, sei que a faz derreter.
Marrentinha: “Bem melhor assim. Que horas amanhã?”
Eu: “Eu te pego meio-dia, pode ser?”
Marrentinha: “Combinado! Agora me deixe trabalhar. Beijo, Di!”
Despeço-me dela e volto minha atenção ao trabalho, já pensando no
dia de amanhã. É fato que passar o dia com ela vai ser maravilhoso, até
mesmo para que ela conheça mais sobre mim. Mas eu queria também vê-la
hoje, porque cada minuto que eu passo com ela é gostoso pra caramba. É
impossível não rir o tempo todo ao lado dela e eu amo sentir seu cheiro, seu
corpo.
Ela é uma espécie de droga para mim e eu sou um baita viciado,
sem esperança alguma de cura.
— Nervosa? — Pergunto a ela assim que desço da moto e tiro meu
capacete.
— Um pouco... — Ela morde o lábio e eu a repreendo com o olhar,
lhe beijando logo em seguida.
— Vai dar tudo certo, você vai ver.
Antes que ela possa responder, Eddie se aproxima pulando em cima
de mim, pedindo carinho.
— Ei, garotão. — Faço um cafuné nele que não para de lamber
minha mão. — Tem alguém aqui que quer te conhecer.
Olho na direção da Carol que está visivelmente assustada.
— Ele não vai me morder?
— O Eddie? Não. Ele é tipo o dono dele, só tem a cara de mau, mas
é um amorzinho.
— Tem certeza, Di?
— E por acaso eu colocaria sua segurança em risco? Pode confiar,
amor.
Ela hesita um pouco, mas logo se aproxima de nós e ganha uma
lambida dele.
— Viu? Ele é bonzinho.
— Verdade... Mas ainda assim essa raça me assusta.
Agora ela está fazendo carinho nele e ganhando várias lambidas
por isso. Os dois já viraram amigos.
— Eu sei que assusta, é por isso que eu o escolhi. Com ele em casa,
as chances de alguém entrar aqui enquanto eu estou fora são mínimas, o que
me tranquiliza muito para trabalhar a noite.
Ela sorri e brinca mais um pouco com ele antes de nos dirigirmos à
entrada da casa.
— Eddie? Essa escolha de nome por acaso tem a ver com Iron
Maiden?
— Claro! Quem não curte aquele mascote?
— É um pouco bizarro, mas confesso que combinou com seu
cachorro.
Solto uma risada e logo estamos entrando em casa, encontrando
minha mãe na cozinha.
— Mãe... — Raspo a garganta e a vejo se virando em direção a nós,
com um enorme sorriso se formando em seu rosto.
— Caroline! — Ela chega perto da minha namorada e a abraça bem
apertado, fazendo-a relaxar. — É um prazer finalmente conhecê-la! Diogo me
fala muito de você!
— O prazer é meu, dona Júlia. Ele também me fala muito da
senhora, e pode me chamar de Carol, por favor. O único que me chama pelo
nome inteiro é o chato do seu filho quando quer pegar no meu pé.
Minha mãe sorri e olha dela para mim, com um orgulho estampado
no rosto. É impossível não notar o quanto ela está feliz por mim, o que me
faz amá-la ainda mais, se é possível.
— Ótimo, Carol. E pode dispensar o “dona” e o “senhora”, pois
nem sou tão velha assim. Embora meu filho pareça um velho de oitenta anos
às vezes, sou nova ainda.
— Ei! — Eu a repreendo, mal conseguindo segurar o riso.
— Eu quis fazer uma sobremesa para você, mas como fiquei com
medo de virar uma meleca no trajeto, fiz apenas uma palha italiana, que não
corria esse risco. — Carol estende a ela uma vasilha de plástico recheada de
doces.
— Ah, não precisava! Mas te agradeço muito, eu adoro palha
italiana! — Minha mãe sorri e lhe dá um beijo no rosto em agradecimento e
ver as minhas mulheres se dando bem é algo que me deixa feliz pra caramba.
— Que bom que eu acertei! Você precisa de ajuda?
— Não se preocupe, meu amor. Já está praticamente tudo pronto.
Diogo, mostre a casa para ela enquanto eu termino aqui.
— Pode deixar!
Conduzo-a pela casa, mostrando a sala de TV, a de jantar e o
banheiro e logo subimos as escadas para ela conhecer os quartos. Quando
chego ao meu, dou um sorriso de canto antes de abrir a porta.
— E esse é o meu quarto.
Ela entra atrás de mim e parece avaliar tudo. Desde a minha mesa
com uma pilha de livros de Direito e meu notebook, minha cama de solteiro,
meu violão encostado na parede, guarda-roupa, espelho.
— Uau... É bem... Masculino.
— Ah, claro. Você achou que ia entrar no meu quarto e encontrar
uma coleção de bonecas Barbie?
Ela ri e me dá uma trombada.
— Não é isso... É só que eu nunca entrei em um quarto de um
garoto antes.
— Nunca? — Arqueio a sobrancelha e chego perto dela,
abraçando-a por trás.
— Não... Você é meu primeiro namorado.
Beijo seu pescoço e acho um tanto fofa sua revelação.
— Mas isso não importa muito, pois você também é a minha
primeira namorada e eu já estive em quartos de garotas antes.
— Ai, Diogo... Muito romântico você me contar isso. — Ela me
belisca e eu solto uma risada.
— Ué, mas é verdade. Só quis dizer que uma coisa não tem a ver
com a outra.
— Mas para mim sim. — Ela suspira em meus braços e eu a beijo
mais uma vez, sentindo seu corpo estremecer.
— Eu amo seu cheiro. — Digo, para não perder o costume e a vejo
sorrir.
— Eu sei, o seu também é maravilhoso.
— Ah, é? — Pergunto, enquanto afundo meu rosto novamente em
seu pescoço.
— Sim... — Sua voz sai em um sussurro e eu sorrio por isso, amo
saber o efeito que eu causo nela. — Tem cheiro de homem, sabe?
E então eu rio.
— Ah, graças a Deus por isso. Imagina se eu tivesse cheiro de
mulher?
— Não é isso que eu quis dizer, engraçadinho. — Ela se afasta dos
meus braços para ficar de frente para mim. — É porque seu perfume é mais
forte, mais masculino. Entendeu?
— Eu entendi, marrentinha. Estava brincando com você.
Antes que ela possa retrucar, colo meus lábios nos seus e a beijo
com toda a intensidade do meu ser. Tomo-a em meus braços e a carrego até a
minha cama, deixando-a sentada em meu colo, sem soltar sua boca. Ela
afunda os dedos nos meus cabelos e puxa o elástico, deixando os fios soltos e
me agarrando ainda mais a ela. Eu aperto-a contra mim com mais
intensidade, aumentando o ritmo de nossos beijos. Eu só me dou conta de
onde estou quando ouço minha mãe me chamando no andar de baixo,
anunciando que o almoço está pronto.
Me separo dela e a vejo me olhar com intensidade, seus olhos
faíscam desejo e eu vou precisar disfarçar minha ereção para descer para o
almoço. Seus lábios estão inchados dos nossos beijos e eu me dou conta do
quanto ela me deixa louco, do quanto eu estou alucinado por ela e de como
eu a quero. Eu a quero por inteiro e está literalmente doendo ter que segurar
isso. Não sei se vou ser forte por muito mais tempo.
Ela coloca as duas mãos no meu peito e sem desviar o olhar do
meu, me dá um beijo casto nos lábios, bem diferente dos anteriores, um beijo
cheio de carinho.
— Vamos lá? — Ela me chama e eu apenas assinto enquanto a vejo
sair do meu colo, ajeitando seu vestido ao se levantar.
Sim, para piorar a minha desgraça, ela veio de vestido.
Essa mulher me deixa louco!
Chegamos à cozinha e um cheiro maravilhoso toma conta do
ambiente, me fazendo distrair a cabeça.
— O que está aprontando aí, dona Júlia? Que cheiro bom! —
Chego perto da minha mãe e beijo seu ombro, enquanto ela termina a mesa.
— Fiz seu cardápio favorito e espero que a Carol também goste.
— Tenho certeza de que vou amar!
Nos sentamos à mesa e logo começamos a nos servir. Minha mãe
fez filé à parmegiana com purê de batatas, arroz e salada. Confesso que eu
amo esse prato e como pra caramba. O tamanho do meu prato assusta minha
namorada.
— Meu Deus, Diogo. Como você aguenta comer tanto assim?
— Ué, olha o meu tamanho. Acha que eu vou comer como uma
mocinha? — Brinco com ela apontando para o seu prato que parece ter um
terço da quantidade de comida do meu.
— E então, Carol, fiquei sabendo que você desafiou o meu filho a
terminar com você. Eu queria ter visto essa cena!
Ela ri e, assim que termina de mastigar, conta para minha mãe
todos os detalhes da nossa pequena discussão que acabou em namoro.
— Ele teve o atrevimento de falar que não era bom para mim! Eu
virei uma onça, Júlia. Quem tem que saber disso é eu e não ele. Eu entendi
seus motivos, mas eram absurdos demais. Sem chance alguma de eu ter
aceitado uma coisa dessas.
Os olhos da minha mãe brilham e eu vejo como ela gostou da Carol
ao descobrir exatamente como ela é.
— Eu imagino a cara dele! — Minha mãe me olha divertida e eu
rio. Realmente a minha cara deve ter sido engraçada, pois fui pego de
surpresa.
— Ele ficou me olhando sem acreditar, mas eu não me dou por
vencida. Para completar, ainda o intimei a ser meu namorado para ele
entender que eu quero que ele fique comigo e com mais ninguém. Entendeu,
sr. Diogo?
— Eu só tenho olhos para você, marrentinha. Sabe disso. — Pisco
para ela e ganho um sorriso.
— É bom mesmo. Por enquanto suas bolas estão a salvo.
Minha mãe engasga com a garfada que estava dando no momento
que a Carol solta isso e não aguenta, disparando a rir.
— Meu filho, essa garota é um achado.
— Eu digo a ele, Júlia. Eu também sou o melhor para ele.
— E quando foi que eu discordei disso? — Arqueio uma
sobrancelha, entrando em sua brincadeira.
— Faz muito bem em não me contrariar.
— Bom, uma coisa eu posso dizer... — Minha mãe cruza os braços
em cima da mesa e olha de um para o outro. — Pode ser que não fiquem
juntos a vida toda, mas que foram feitos um para o outro, isso ninguém pode
negar.
E então o silêncio toma conta da mesa.
Olho de lado e vejo Carol ruborizando e eu apenas me mantenho
em silêncio. Eu concordo plenamente com o que minha mãe diz, mas não vou
pressionar a nada, principalmente com tão pouco tempo de namoro. Então,
pego sua mão debaixo da mesa e acaricio, que aperta em resposta.
Essa é a nossa forma de dizer que se estamos juntos, está tudo bem.

Estamos deitados na minha cama, abraçados, deixando algumas


músicas rolarem baixinho na caixa de som em cima do meu criado-mudo.
Minha mãe saiu para encontrar algumas amigas pouco depois de terminarmos
o almoço e, então, subimos para curtirmos um tempo juntos.
Sinto seu celular vibrar em cima da cama e ele está tão distraída
que nem percebe.
— Carol... O seu celular está tocando.
Ela pega e assim que vê a foto na tela, se levanta do meu colo na
mesma hora, me deixando assustado.
— O que foi?
— É meu tio... Aquele que mora no Canadá. Importa-se se eu
atender?
— Claro que não. Quer que eu saia do quarto para te dar mais
privacidade?
— Não precisa, Di. É bom que eu já te apresento a ele.
Dou de ombros assentindo. Ela já havia me contado que tem um tio
que mora fora do país com a esposa e que eles mantêm contato. Só nunca me
deu mais detalhes do que isso.
— Tio Will! — Ela atende animada quando um cara na faixa de
uns quarenta anos aparece na tela do celular, abrindo um enorme sorriso
quando a vê.
— Oi, Carolzinha! Tudo bem por aí?
— Tudo ótimo! E a tia Vanessa?
— Ela foi ao shopping com umas amigas e eu sobrei aqui. — Solta
uma risada e eu sorrio, mas logo vejo que ele notou minha presença. — Já
você não está sozinha aí, né? Ou estou enganado?
— Não, tio... Estou na casa do Diogo. É bom que vocês finalmente
podem se conhecer. — Ela vira o celular para mim e eu sorrio para a tela,
acenando, sem saber muito bem o que dizer.
— Ah, finalmente conheci o cara que dobrou a minha sobrinha.
Muito prazer, Diogo. Eu sou William, tio dessa topetuda aí.
— Ei, estou aqui! — Ela tenta o repreender, mas seu tom de voz sai
muito engraçado e caímos na risada.
— O prazer é meu, William. Ela não é fácil mesmo, mas meio que
me obrigou a namorar, então não tive muita escolha. — Dou um sorriso
inocente e ganho um tapa por isso, fazendo seu tio rir do outro lado da linha.
— É muito a cara dela fazer isso, por Deus! Você fez isso mesmo,
Carolzinha?
Ela morde o lábio e eu lanço um olhar mortal a ela, mas a terrível
só dá de ombros para mim.
— Ué, tio... Ele queria terminar comigo antes mesmo de
começarmos com um papo de que não era bom para mim e tal. Eu não podia
aceitar uma coisa dessas.
— E por que você achava que não é bom para ela? — Ele arqueia
a sobrancelha e eu sinto um frio na barriga. Na falta de um pai, eu passo pelo
interrogatório do tio.
— Por que... — Eu gaguejo, tentando encontrar uma melhor forma
de dizer isso. — Porque eu estou numa fase complicada da minha vida,
William. Eu trabalho o dia inteiro e a noite, inclusive finais de semana. Eu
não tenho muito tempo para ficar com ela e nem dinheiro sobrando para levá-
la a bons lugares, então pensei que ela merecia encontrar alguém que tivesse
mais tempo para ela.
— E evidentemente ela não aceitou isso.
— De jeito nenhum. Apontou o dedo na minha cara e disse que não
ia aceitar uma coisa dessas e cá estou eu, um mês depois, namorando essa
marrentinha.
Ele cai na risada e eu olho para a Carol, que sorri aliviada por ver
que nos demos bem, pelo menos é o que eu imagino.
— Adorei o apelido. É a sua cara, Carol. — Ela mostra a língua
para ele, que ri ainda mais. — Não vou atrapalhar vocês, eu só liguei para
saber como você está, princesa. E fico feliz por ter encontrado alguém legal,
você fica muito sozinha aí no Brasil. E, Diogo, cuida bem dela, essa mocinha
é como uma filha para mim e eu me preocupo demais com ela.
Depois de garantir que cuidaria dela e de conversar por mais alguns
minutos, encerramos a ligação e ela sorri relaxada para mim.
— Todos os dias conversamos, mas aos domingos ele sempre me
liga. Eu morava com ele enquanto ele estava no Brasil e há pouco mais de
seis meses ele se mudou para lá. Mesmo estando longe, ele sempre se faz
muito presente, sabe? Ele não mentiu quando disse que sou quase uma filha
dele, pois a esposa dele não pode ter filhos e eu sou a sua única sobrinha,
então pensa...
Ela sorri despreocupada e eu sinto um aperto no peito ao ouvir isso.
Se ela é a única sobrinha, então de fato sua irmã morreu... Poxa, nem imagino
como deve ser perder um irmão gêmeo. Será que seus pais também
morreram? Ou simplesmente foram embora? Estou curioso demais para saber
tudo isso, mas sei que tem que ser no tempo dela, pois é algo que ainda a
machuca.
— Onde estávamos mesmo? — Ela interrompe meus pensamentos
e eu sorrio.
— Humm... Deitados ouvindo música?
— Verdade. Dê-me seu celular, deixe-me ver o que tem no seu
Spotify.
Desbloqueio a tela do celular e abro o aplicativo, entregando a ela,
nos deitando na cama em seguida.
— Metallica... Iron Maiden... Pantera... Sepultura... Slayer... Credo,
Diogo. Você só ouve isso?
Eu rio e tomo o celular da sua mão.
— Basicamente sim, mas eles têm umas músicas mais leves
também.
— A-hã, sei...
— Verdade. Deixa eu colocar uma para você que duvido que não a
conheça.
Aperto o play em Nothing Else Matters e quando ela reconhece a
música, sorri ao chega perto de mim, se aninhando em meu peito e eu a
envolvo em meus braços.

“Tão perto, não importa quão longe


Não poderia ser muito mais vindo do coração
Sempre confiando em quem nós somos
E nada mais importa

Nunca me abri desse jeito


As vidas são nossas, nós vivemos do nosso jeito
Todas essas palavras eu não apenas digo
E nada mais importa

Ela suspira em meus braços e eu a aperto mais contra mim


enquanto beijo seus cabelos, mostrando como essa música, ainda que por
acaso, combina tanto com nós dois.

Confiança eu procuro e acho em você


Todos os dias para nós algo novo
Mente aberta para uma nova visão
E nada mais importa

Nunca me importei pelo o que eles fazem


Nunca me importei pelo o que eles sabem
Mas eu sei

Tão perto, não importa quão longe


Não poderia ser muito mais vindo do coração
Sempre confiando em quem nós somos
E nada mais importa

Nunca me importei pelo o que eles fazem


Nunca me importei pelo o que eles sabem
Mas eu sei

Nunca me abri desse jeito


As vidas são nossas, nós vivemos do nosso jeito
Todas essas palavras eu não apenas digo
E nada mais importa

Confiança eu procuro e acho em você


Todos os dias para nós algo novo
Mente aberta para uma nova visão
E nada mais importa

Nunca me importei pelo o que eles dizem


Nunca me importei pelos jogos que eles jogam
Eu nunca me importei pelo o que eles fazem
Eu nunca me importei pelo o que eles sabem
E eu sei... ! Yeah!

Tão perto, não importa quão longe


Não poderia ser muito mais vindo do coração
Sempre confiando em quem nós somos
E nada mais importa

O toque suave da música acaba e ela simplesmente se afasta de


mim para me olhar nos olhos. Ela toca meu rosto, cheio de carinho.
— Ainda nem acredito que eu fui me apaixonar logo por você... —
Sua voz é suave e eu sinto um salto dentro peito.
— Eu também não, marrentinha. Sou apaixonado por você e não é
pouco.
Ela sorri e, então, me envolve pelo pescoço, colando nossos lábios.
O beijo começa suave, despretensioso e logo se torna sedento, furioso. Ela
sobe no meu colo e eu aperto mais a sua cintura à medida que nosso beijo se
aprofunda. Ela sabe o efeito que causa em mim, pois sorri de canto quando
sente minha ereção roçando em sua virilha e eu estou impressionado com
meu autocontrole nesse momento. Sento-me na cama, sem tirá-la do meu
colo e intensifico nossos beijos, colando as costas na cabeceira.
Abandono seus lábios e desço até o seu pescoço, beijando e
lambendo por todo caminho até chegar ao seu ombro, onde desço uma alça
do seu vestido. A cada toque mais íntimo, ela aperta seus dedos em meus
cabelos, me levando à loucura.
Faço o mesmo caminho pelo outro lado e abaixo a outra alça de seu
vestido e, ainda com a respiração entrecortada, desço meus lábios pelo seu
colo, brincando com a abertura de seu decote. Ela aperta mais os meus
cabelos e eu sinto que é um pedido silencioso para continuar, então tiro
minhas mãos de sua cintura e subo até o decote, descendo seu vestido
lentamente e revelando pouco a pouco os seus seios.
É a primeira vez que chegamos a esse ponto e eu sinto meu corpo
inteiro pegar fogo enquanto tomo seus seios na minha boca, um a um,
mordiscando e lambendo enquanto ouço gemidos abafados brotarem em sua
garganta.
— Você é tão linda... — Digo enquanto mantenho a carícia sobre o
local, eles são pequenos e redondos e se encaixam perfeitamente em minhas
mãos. Sempre me perguntei como ela seria nua e ainda que esteja vendo
apenas um pedaço do seu corpo, percebo o quanto é maravilhoso e o quanto
eu anseio por mais.
Enquanto meus lábios brincam com seus seios, desço minhas mãos
até a sua coxa e lentamente vou correndo meus dedos por baixo de seu
vestido, subindo em direção ao seu quadril.
Os sons desconexos que ela emite e a forma como sua respiração
está pesada me leva a crer que ela quer isso tanto quanto eu. Quando subo
mais a minha mão e toco o elástico da sua calcinha, a sinto enrijecer o corpo.
— Diogo, espera...
Solto minhas mãos e ergo meu corpo para encará-la e vejo uma
sombra de insegurança passar em seu olhar.
— Eu fui muito rápido? Desculpa... — Minha voz é rouca,
resultado do efeito que ela causa em mim.
— Não... Você é maravilhoso. Eu só... Eu só preciso te contar uma
coisa.
Ela me lança um olhar tímido e sério e eu entendo que o clima foi
quebrado, então ajeito seu vestido e cubro seus seios, pousando as mãos na
cintura dela.
— Claro, pode falar...
Suas bochechas coram e ela desvia o olhar antes de voltá-lo para
mim.
— É que... Eu não... Eu nunca...
E para.
Demoro uns segundos para processar o que ela está tentando dizer e
então minha ficha cai.
— Você é virgem?
Ela assente e seu rosto fica ainda mais vermelho, visivelmente
envergonhada.
— Ei, amor... Não precisa ter vergonha. Está tudo bem.
— Desculpa ter te interrompido, mas eu precisava te contar isso
antes.
— Tudo bem, não se preocupe. Temos tempo ainda.
Ela me dá um sorriso de canto e me olha desconfiada.
— Você não está bravo comigo?
— Claro que não, Carol. Muito pelo contrário, fico até sem jeito,
pois você deve querer a sua primeira vez com alguém especial e...
— Eu quero você. — Ela morde o lábio e, dessa vez, eu resisto à
tentação de beijá-la.
— Você tem certeza? Porque eu te quero mais que tudo, mas posso
aguentar mais um pouco.
— Não, amor... Quero que seja com você. Só estou um pouco
nervosa.
— Tudo bem, não se preocupe com isso. Não tem pressa, tá? Vai
ser quando estiver pronta e prometo que será especial.
— Obrigada por me entender, você é o melhor namorado do
mundo.
Ela me dá um selinho e pousa a cabeça em meu peito, e eu embalo
seu corpo em meus braços.
— Eu sei que sou. — Beijo sua cabeça e a vejo rir baixinho em
meu colo.
Eu sabia que ela nunca tinha namorado ninguém, mas nunca passou
pela minha cabeça que ela fosse virgem e hoje eu entendo toda sua
insegurança quando nossos beijos ficam mais quentes.
Aperto-a mais contra mim e beijo seus cabelos novamente,
mostrando que está tudo bem, é tudo no tempo dela e eu vou dar a ela a
melhor noite que ela merece.
— Obrigado por confiar em mim.
Digo simplesmente e ela beija meu peito em resposta. Se ela
esperou tanto tempo por alguém especial, eu sou um cara de sorte por ter sido
o escolhido dela e vou fazer por merecer.
— Rebecca? — Entro na loja já estranhando não encontrar minha
namorada na recepção como todos os dias.
— Oi, Diogo. Bom dia!
— Bom dia! O que você está fazendo aqui?
— Ah, a Carol não vem trabalhar hoje e o Ricardo me pediu para
substitui-la.
Sinto uma fisgada no peito. Como assim ela não vem trabalhar? E
por que não me disse nada?
— Aconteceu alguma coisa com ela?
Tento parecer casual, mas a verdade é que estou me corroendo por
dentro.
— Acho que não, parece que ela só está se sentindo mal.
— Entendi... Tudo bem, eu espero que ela melhore. Bom trabalho!
— Obrigada, para você também.
Agradeço com um aceno de cabeça e ando até a minha sala, já
tirando o celular do bolso e mandando uma mensagem para ela.
Eu: “Bom dia, marrentinha. Está tudo bem por aí? Por que não
veio trabalhar?”
Dou um tempo para ela responder e ligo a minha máquina para
iniciar meu trabalho. Estou sozinho hoje, pois o Marcão foi fazer um trabalho
externo. Pelo menos três vezes por semana ele faz atendimento externo aos
clientes, enquanto eu fico sempre dentro da empresa.
Minutos se passam e eu não tenho resposta dela, pelo sinal de
envio, eu percebo que ela tampouco recebeu minha mensagem e isso me
deixa preocupado.
Eu: “Carol... Está tudo bem? Estou ficando preocupado. Só me
diga como você está.”
E mais uma vez, nada.
Aproveito que estou sozinho na sala e disco o número dela, quem
sabe assim ela me atende, mas a ligação chama até cair. E assim acontece
com a segunda, terceira, quarta vez...
Ela não me atende.
Ela sequer está lendo minhas mensagens e isso está me deixando
louco.
O que será que está acontecendo?
Como ontem foi domingo, eu passei a noite na casa dela e ela
estava bem, sem sinal algum de resfriado ou coisa do tipo. Então, eu não
consigo entender o que está acontecendo com ela.
Sinto um aperto no peito, pois sei que tem algo errado acontecendo.
Já se passaram duas semanas desde que ela esteve na minha casa e nosso
relacionamento só vem ficando mais forte a cada dia, por isso muito me
estranha essa sua atitude agora. E por que ela não me diz nada? Era para ela
me dizer, para me deixar cuidar dela. Por isso não estou entendendo.
A manhã passa arrastada e eu só não fiquei louco porque tinha
trabalho a fazer, o que ocupou um pouco a minha mente, embora meu
rendimento tenha sido péssimo.
Assim que chega meu horário de almoço, caminho apressado até a
minha casa e entro igual um furacão, já pegando as chaves da moto para sair.
— Diogo? O que houve? Não vai almoçar? — Minha mãe me
intercepta, me impedindo de sair.
— Aconteceu alguma coisa com a Carol, ela não foi trabalhar hoje
e simplesmente não me atende e nem me responde. Estou preocupado com
ela.
— Poxa vida, espero que não seja nada grave. Mas almoce um
pouco antes de sair. Eu te conheço, meu filho, sei que não vai comer mais
nada por hoje.
— Mãe, vai me atrasar... Eu preciso muito ver como ela está.
— Eu sei disso, Diogo. Mas você precisa comer pelo menos um
pouquinho, é coisa de cinco minutos. Não vou te deixar sair daqui sem comer
nada, aposto que nem tomou café hoje. — Ela cruza os braços e me olha
decidida e eu vejo que debater com ela só vai me atrasar ainda mais.
Assinto enquanto entro voando na cozinha e coloco um pouco de
comida no prato, que como na velocidade da luz. Subo as escadas depressa e
escovo os dentes e coloco um par de roupas na minha mochila, pois
dependendo de como ela estiver, eu nem volto para casa hoje.
Saio de casa apressado e monto na minha moto, minutos depois
estou parado na porta de seu prédio tocando o interfone sem parar e ela
simplesmente não me atende.
Meu Deus, o que eu vou fazer agora?
Tiro o celular do bolso e tento ligar para ela mais algumas vezes,
mas como eu já esperava, não tenho sucesso.
E como se os céus me ouvissem, a vizinha de frente da Carol
aparece e abre a porta para mim.
— Bom dia, rapaz. Tudo bem?
— Bom dia! Tudo bem e a senhora?
— Estou ótima. Veio ver a Caroline?
— Sim, acho que ela está passando mal, então vim saber como ela
está.
— Ah, claro. Espero que esteja tudo bem.
Ela me dá passagem e eu a agradeço, enquanto subo as escadas em
direção ao segundo andar.
Paro na frente de seu apartamento, toco a campainha e espero.
Nada.
Toco de novo.
Nada.
Toco mais uma vez.
Essa mulher está me deixando louco.
— Carol, eu sei que você está aí. Por favor, abre para mim. Estou
muito preocupado.
Nada.
Começo a sentir falta de ar e uma dor sufocante. O que será que
está acontecendo com ela?
Toco a campainha.
Nada.
Respiro fundo e colo meu rosto na porta de novo.
— Amor... Me deixa cuidar de você. Por favor.
Espero mais um pouco e, ainda assim, não tenho resposta. Deslizo
meu corpo pela parede até encontrar o chão e, quando começo a me preparar
para ligar para a emergência, ouço o barulho da porta se destrancando.
Levanto-me em um pulo e abro a porta, entrando e procurando por
ela. E quando eu a vejo, sinto meu corpo inteiro amolecer.
Ela está sentada no sofá com as pernas dobradas e veste uma única
camiseta que vai até pouco abaixo do joelho e seus cabelos parecem estar
ensopados de suor.
— Carol?
Chego perto dela e a envolvo em meus braços, que parece relaxar
um pouco, porém continua calada, como se estivesse em estado de choque.
Ficamos alguns minutos apenas abraçados e percebo a sua alta
temperatura. Me afasto dela devagar e tomo seu rosto em suas mãos.
— Amor, o que foi? — Ela só me olha com os olhos vermelhos e
inchados e isso me quebra ainda mais. — Você está pegando fogo, Carol.
Tem um termômetro aqui?
Ela nega com a cabeça e eu suspiro.
— Vou sair para comprar então, junto com alguns remédios. Você
comeu alguma coisa hoje? — Nega mais uma vez. — Tudo bem, vou ver o
que consigo comprar para você. Prometo não demorar, ok?
Apenas assente e essa falta de palavras está me matando.
— Onde está sua chave reserva? Vou levá-la para facilitar.
Ela indica com a mão para um pote em cima do rack e dou um
beijo em sua cabeça antes de pegar as chaves e sumir pelas escadas.
Cerca de meia hora depois, eu retorno com o termômetro, remédios
para febre, dores, resfriado, pois eu não faço ideia do que ela tem e algumas
frutas, iogurtes e ingredientes para montar um sanduíche.
Assim que passo pela porta, a encontro na mesma posição que a
deixei e isso me parte um pouco mais.
— Carol, o que está acontecendo com você? Por favor, fala
comigo.
Ela ergue os olhos para mim e se enche de lágrimas. Toda essa dor
estampada em seu rosto está acabando comigo.
Eu me levanto para pegar o termômetro e medir a sua febre, quando
algo na mesinha de centro me chama atenção. Eu me abaixo para pegar o
recorte de jornal e, quando a olho de canto, vejo que seu choro ficou mais
forte.
Me sento novamente no sofá enquanto leio a manchete, sentindo
um soco no estômago ao absorver essas palavras.
“Acidente fatal no Anel Rodoviário deixa três vítimas.”
Olho para a data da reportagem no canto esquerdo superior e sinto
minhas entranhas se revirarem.
“Vinte e dois de abril de dois mil e quatorze.”
Há exatos cinco anos.
Respiro fundo e continuo a ler, já com as mãos tremendo ao segurar
o papel.
“Na noite do dia vinte e dois, um veículo perdeu o controle e
acabou capotando no Anel Rodoviário. O condutor, Marcos Campos
Moraes, de trinta e oito anos, a esposa Patrícia de Melo Moraes, trinta e
seis, e a filha Cássia de Melo Moraes, dezesseis, morreram na hora do
acidente.”
Puta que pariu. Ela perdeu os três no mesmo dia, meu Deus! Ouço
seu soluço abafado ao meu lado e corro os olhos pela reportagem quando
vejo algo que faz o sangue do meu corpo inteiro se esvair.
“Assim que o resgate chegou ao local do acidente, já identificou o
óbito e encontrou uma garota ainda respirando no banco traseiro. Caroline
de Melo Moraes, dezesseis, foi levada ao hospital ainda com vida...”
E eu paro de ler. Porque eu simplesmente não consigo mais
absorver nenhuma palavra que saia desse papel.
Seco rapidamente uma lágrima que rola no meu rosto e me viro
para o lado, vendo a minha garota irromper em lágrimas e soluços. Eu a puxo
para perto de mim e acaricio seus cabelos, como forma de dizer que estou
aqui por ela, que vai ficar tudo bem, embora nem eu mesmo tenha certeza
disso.
E então tudo faz sentido. A minha marrentinha, a garota alegre e
desbocada que eu tenho o prazer de chamar de minha namorada, perdeu toda
a sua família em um único acidente; e o pior, ela estava presente e foi a única
sobrevivente.
Meu Deus! O que essa garota enfrentou sozinha por todo esse
tempo?
Só agora eu consigo entender o motivo de sua tristeza no dia de seu
aniversário. Era aniversário de sua irmã também e ela não está mais aqui...
Eu aperto ela mais contra mim e assim que seus soluços cessam,
me afasto para acariciar o seu rosto.
— Está tudo bem, amor... Eu estou aqui agora. Eu vou cuidar de
você, me deixa ver se está com febre?
Ela assente e eu me levanto para pegar o termômetro e medir sua
temperatura.
Quando vejo que sua temperatura está a trinta e oito graus, decido
levá-la a um banho e preparar algo para comer antes de tomar um
antitérmico.
— Você está com febre, precisa tomar um banho e comer alguma
coisa, tudo bem?
Ela assente mais uma vez e seu silêncio está me matando, mas eu
preciso manter o foco para cuidar dela.
Eu me levanto e a trago comigo, que caminha a passos trôpegos até
o banheiro. Ligo o chuveiro e, assim que a água atinge uma temperatura boa,
convido-a para entrar, mas essa permanece imóvel.
Ela parece estar fora de órbita e eu nunca vi nada igual na minha
vida.
— Amor, você precisa entrar. Acha que consegue tomar um banho
sozinha?
Seus olhos se enchem de lágrimas e ela começa a gaguejar e eu
logo a tranquilizo.
— Shh... Calma, está tudo bem. Eu vou te ajudar, ok?
Ela assente e eu indico para se sentar no vaso e beijo sua testa.
— Já volto, espera só um minuto.
Saio correndo do banheiro e vou em direção à minha mochila,
tirando minha roupa e colocando uma bermuda que eu trouxe. Sei que vou
me molhar, mas não acho o melhor momento para eu ficar de cueca perto
dela.
Volto ao banheiro e vejo que ela continua onde a deixei, olhando
para o nada. Eu me abaixo para ficar da sua altura e toco seu rosto, que na
mesma hora olha para mim.
— Eu vou te dar um banho, mas prometo não tocar em você, tá? Se
eu te deixar desconfortável é só me dizer.
Ela assente e eu respiro fundo enquanto puxo sua blusa e passo pela
sua cabeça, deixando-a apenas de calcinha. Em outras situações eu ficaria
louco de vê-la nua na minha frente, mas agora eu nem consigo pensar em
outra coisa que não seja seu bem-estar.
Pego sua mão e a coloco de pé junto comigo, enquanto desço a
calcinha pelas suas pernas e mantenho meu olhar longe para não a
constranger.
Conduzo-a para dentro do box e coloco a mão na água, conferindo
a temperatura antes de a deixar tocar seu corpo. Assim que ela entra no
chuveiro, sente um calafrio e eu a tranquilizo mais uma vez, dizendo que está
tudo bem, que estou aqui por ela.
Corro o sabonete pelo seu corpo, com bastante cuidado e ela
permanece o tempo todo olhando para baixo, com o semblante devastado. Eu
tenho vontade de chorar ao vê-la tão frágil diante de mim, mas preciso me
concentrar em ajudá-la, então me esforço ao máximo para cuidar dela.
Lavo seus cabelos com xampu e condicionador e, assim que
acabamos, puxo uma toalha e envolvo seu corpo, que relaxa sob o meu toque.
Conduzo-a devagar até o quarto e a sento em sua cama, me
levantando para procurar uma roupa confortável para ela. Abro algumas
gavetas e vejo uma porção de calcinhas e, nesse momento, eu estou me
sentindo um invasor de privacidade, mas ela precisa que eu a ajude.
Pego uma calcinha confortável e uma camisola e fecho as gavetas,
já voltando para a cama. Visto-a com cuidado, seco seus cabelos e os penteio.
Assim que termino, ela fica um tempo parada olhando nos meus
olhos e todo carinho e gratidão que vejo refletido nos seus faz meu peito se
aquecer. Eu sei que fiz a coisa certa. Eu estou aqui por ela e sempre vou estar.
— Obrigada. — É quase um mover de lábios, mas eu consigo ouvi-
la, o que faz um enorme sorriso abrir em meu rosto.
— Nada mais revigorante que um bom banho, né? Vamos para a
sala agora? Você precisa se alimentar.
Ela assente e um esboço de sorriso se forma em seus lábios quando
eu pego sua mão mais uma vez e a conduzo até o sofá, acomodando-a.
Depois, vou até a cozinha preparar algo para ela comer.
Olho para o relógio de parede e vejo que meu horário de almoço
está acabando e não há a mínima condição de deixá-la aqui sozinha nesse
estado. Tiro o celular do bolso e respiro fundo antes de discar o número do
meu gerente, já me preparando para o pior.
— Fala, Diogo.
— Ricardo, tudo bem? Estou precisando da sua ajuda.
— Claro, pode falar.
— Eu sei que o Marcão está fora da empresa hoje, mas eu
infelizmente não consigo voltar para o trabalho à tarde. Eu abro mão do meu
horário de almoço do restante da semana para compensar, mas eu preciso
dessa folga.
— Entendo... Aconteceu alguma coisa?
Respiro fundo e penso no que dizer. Poderia inventar alguma
história, mas mentiras sempre têm pernas curtas e eu não posso arriscar meu
emprego e nem o dela.
— É o seguinte... A Rebecca me disse que a Carol não foi trabalhar
hoje porque estava passando mal e eu tentei falar com ela a manhã toda e não
consegui, então decidi vir até a sua casa e ela não está nada bem. Ela é minha
namorada, Ricardo, desculpe não ter mencionado isso na empresa, mas ela
me pediu segredo e eu não tenho condições de deixá-la sozinha nesse estado.
— Ah, eu sabia! Sabia que tinha alguma coisa entre vocês. Mas
olha, fique frio. Você nunca falta ao trabalho e se está me pedindo essa
folga, eu entendo que é algo mesmo grave. Vou ver o que podemos fazer aqui
na sua ausência e pode ficar tranquilo, vá cuidar dela. Espero que ela
melhore.
Respiro aliviado e o agradeço antes de desligar o telefone. Espero
que ela me perdoe por ter contado, mas eu não tinha outra escolha no
momento.
Espremo algumas laranjas, faço um pouco de suco, monto um
sanduíche leve para ela e levo até o sofá.
— Você consegue comer um pouco, amor?
Ela faz uma cara indecisa e eu insisto.
— Por favor, marrentinha. Você precisa comer, pelo menos um
pouquinho.
Ela assente sem muita convicção e eu entrego a ela o comprimido e
o copo de suco, que dá uma boa golada antes de morder seu sanduíche.
Ela come devagar e, enquanto isso, eu fico ao seu lado
pacientemente fazendo carinho em sua perna, dando todo apoio de que
precisa.
Assim que termina de comer, eu levo o copo e o prato para a
cozinha e retorno ao sofá, me deitando e convidando-a a deitar em meu
abraço. Ela aninha seu corpo ao meu e, pelo seu calor, vejo que sua
temperatura está começando a baixar, o que me faz suspirar relaxado.
Ela encosta seu rosto em meu peito e fecha os olhos. Em questão de
minutos a vejo ressonar baixinho em meus braços e relaxo ainda mais quando
percebo que ela pegou no sono.
Pego o celular e mando uma mensagem para minha mãe avisando
que talvez eu não volte para casa hoje. Ainda bem que tenho folga no bar,
pois não sei se sou capaz de ir embora hoje dessa casa, não sem ter certeza de
que ela está bem.

Pela janela da sala eu vejo que o dia está começando a escurecer no


momento que a Carol desperta em meus braços. Ela esteve em sono profundo
durante esse tempo e eu tive apenas alguns cochilos, pois sempre conferia se
ela estava bem.
Pouso minha mão em sua testa e sorrio ao ver que não há mais
febre.
— Oi...
Ela diz simplesmente e vejo que esse sono fez muito bem a ela,
pois está com a aparência bem melhor.
— Oi, amor. Está se sentindo melhor?
Ela apenas assente e se levanta, ficando sentada no sofá e eu a
acompanho.
— Me desculpe, Diogo... — Ela começa a falar e olha para baixo,
como se estivesse constrangida. — Essa... Essa data desperta lembranças
muito fortes em mim, então eu perco o controle.
— Está tudo bem, Carol. Eu sinto muito mesmo, nem imagino
como deve ser difícil para você.
— Pois é... Todo ano essa data me atormenta, sabe? — Ela ergue o
olhar para mim enquanto seca uma lágrima. — Eu só queria apagar esse dia
do meu calendário... Só isso.
— Está tudo bem... — Passo meu braço em volta de seus ombros e
ela encosta a cabeça em mim. — Eu vou ficar aqui com você, está bem?
— Obrigada, Di. E me desculpe por preocupar você.
— Não se preocupe comigo, está tudo bem.
Ela assente e levanta a cabeça para me olhar, me avaliando, e acho
que só agora ela percebeu que eu estou sem camisa.
— Perdeu alguma coisa aqui? — Brinco com ela, para quebrar o
clima, e parece funcionar, pois ela ri.
— Eu não sabia que eu tinha um namorado tão gostoso assim. —
Ela abre um sorriso malicioso e eu rio por ter minha garota de volta.
— Você não viu nada. — Pisco para ela que apenas ri um pouco
mais. — Está com fome? Você comeu bem pouco hoje.
— Um pouco.
— Vou fazer um macarrão, pode ser? Não sei fazer quase nada na
cozinha e, por favor, finja que está uma delícia quando terminar de comer.
Ela solta uma risada e coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Eu posso te ajudar, Di.
— De jeito nenhum. Hoje é meu dia de cuidar de você e prometo
que não vai ficar tão ruim assim.
Ela se inclina para me dar um beijo breve e eu sorrio. Graças a
Deus ela está bem melhor e eu não vou tocar mais nesse assunto tão delicado
com ela hoje. Mas agora que eu sei o que aconteceu com a sua família fica
mais fácil conversar com ela. Espero que um dia ela possa me contar tudo e
se abrir comigo, assim como eu fiz com ela.
Preparo nosso jantar e, assim que comemos, ganho elogios quanto
ao sabor e embora eu finja não acreditar, sei que ela gostou e isso me deixa
feliz pra caramba.
Conversamos por mais algumas horas e quando eu vejo que está
ficando tarde, comento sobre precisar ir embora.
— Di... Pode ficar aqui comigo?
Ela franze o cenho daquele jeito que fica impossível negar a ela
qualquer coisa.
— Você quer que eu durma aqui?
— Se você não se importar... Eu não quero ficar sozinha hoje.
— Claro que não, eu fico com o maior prazer.
Ela beija meus lábios e me conduz até o seu quarto, me convidando
para deitar.
— Tem certeza, Carol? Eu posso dormir no sofá se quiser.
— O que é dormir comigo depois de você ter me dado banho hoje?
— Ela cruza os braços e me lança um sorriso desafiador, me deixando bem
tranquilo por ela estar levando a situação numa boa.
— Tem noção do quanto foi difícil te dar um banho sem olhar
diretamente para o seu corpo? — Eu digo assim que deito em sua cama,
sinalizando para que ela se aconchegue a mim.
— Você é mesmo um cavalheiro, não é?
— Eu sempre digo isso e você nunca me dá créditos. Quer prova
maior do que essa?
Ela ri e encaixa seu corpo ao meu, repousando a cabeça em meu
peito e eu a envolvo com meus braços.
— Eu não sei o que seria de mim sem você, Diogo. Obrigada por
ser o melhor.
Sorrio diante disso e beijo seus cabelos.
— Você é a melhor, marrentinha. Agora feche os olhos, você
precisa dormir.
Ela sorri e beija meu peito antes de fechar os olhos. Eu estico meu
braço para desligar o abajur e, quando a escuridão toma conta, ouço as
palavras que fazem meu coração se aquecer.
— Eu amo você, Diogo.
O ar dos meus pulmões some enquanto absorvo sua declaração. Ao
mesmo tempo em que fico feliz em ouvir isso, sinto medo, pois é um
sentimento forte demais.
Eu sei o que eu sinto por ela, mas nunca parei para mensurar ou até
mesmo para pensar se é amor.
Mas se jogar tudo para o alto como fiz hoje para cuidar dela não for
amor, eu não sei mais o que é.
É aquela necessidade absurda de estar por perto e só de pensar na
possibilidade de sequer perdê-la... como aconteceu hoje quando não tive
notícias suas, que faz com que eu perca o juízo. Se isso não é amor, eu
simplesmente não sei o que é.
— Eu também, marrentinha. Também amo você.
Eu a sinto sorrir sobre o meu peito e agora é a minha vez de fechar
os meus olhos. Nunca pensei que um dia fosse dizer isso para alguém ou que
até mesmo fosse sentir.
Mas Caroline desperta o meu melhor lado, aquele que cuida,
protege e quer sempre ser o melhor por ela. E isso sem dúvidas, é o
sentimento mais sublime de todos que me tornou assim.
Um cara fodidamente apaixonado.
E morto de amor.
— Bom dia, marrentinha! — Eu a acordo assim que ouço meu
celular despertar.
— Bom dia, Di! — Ela sorri e se senta na cama, espreguiçando.
— Dormiu bem? Como você está se sentindo?
— Como um anjo! Estou muito melhor, amor. Obrigada por cuidar
de mim. — Ela se inclina para me dar um selinho e eu toco seu rosto com
carinho.
— Não é para isso que servem os namorados? — Pisco para ela e
dou um pulo da cama. — Agora vamos levantar, pois o dever nos chama e
hoje vamos ter que enfrentar todos os curiosos sobre o nosso relacionamento.
— Ai... Nem me fale. — Ela solta um gemido e eu rio.
— Desculpa, Carol. Mas eu precisava contar para o Ricardo para
ele me deixar folgar ontem à tarde.
— Tudo bem, não faz mal... Mais cedo ou mais tarde eles iam
acabar descobrindo mesmo.
— Isso é verdade. Agora vamos, senão vamos nos atrasar.
Ela caminha em direção ao corredor de um jeito dramático e eu dou
um tapa na sua bunda como um pedido para que ela acelere, o que tira uma
boa gargalhada dela.
Não há nada melhor do que vê-la sorrir.
— Eu sabia! — Marcão dá um grito quando entro na sala.
— Porra, Marcão! Quer me matar? — Fecho a cara para ele que
está visivelmente animado. — Bom dia para você também.
— Sem cerimônias, Diogo. Vai, conta logo!
— Contar o quê? — Dou uma de desentendido e me sento na
minha mesa, já ligando o notebook. Marcão arrasta sua cadeira em minha
direção.
É, não vou mesmo ter sossego hoje.
— Nem vem com essa, Diogo. Quando foi que a Carol deixou de
ser a insuportável para se tornar sua namorada?
Reviro os olhos para ele, mas este não desiste.
— Há quanto tempo estão juntos?
— Quase dois meses.
— Porra, Diogo. Sério? E nem para me contar, né? Que malandro!
Escondeu durante todo esse tempo.
Cruzo os braços e me viro para encará-lo.
— Eu não contei porque ela me pediu, cara. Estava com medo de
perder o emprego por ainda estar no período de experiência.
— Hum... Entendi. Vou deixar passar só por isso. Mas agora está
explicado porque você anda todo alegrinho ultimamente.
— Eu não...
Ele me fuzila e eu só balanço a cabeça rindo.
— Está vendo? Eu disse que ela era ideal para você, mas não me
deu ouvidos... Eu sou bom mesmo para essas coisas, acho que eu vou ser
guru do amor.
— Vá trabalhar, Marcão!
Ele solta uma risada e eu rio enquanto volto minha atenção ao meu
trabalho, já me sentindo bem aliviado por não precisar mais esconder isso.
É como se eu pudesse gritar ao mundo que ela é minha e de mais
ninguém.
Sorrio por isso.
Que sorte a minha.
O dia passa voando e vez ou outra alguém da equipe vem me
importunar ou perguntar sobre meu relacionamento com a Carol e vejo como
eles estão felizes por isso. Pelo visto eu tinha mesmo uma fama bem negativa
aqui dentro. Mas não os culpo, ultimamente ando mais bem-humorado
mesmo.
O expediente termina. Eu encerro meus processos e vou ao
encontro da minha garota, que está cantando com fones de ouvido e parece
não notar minha presença.
Chego de mansinho e tiro um dos fones do seu ouvido e coloco no
meu, soltando uma gargalhada no mesmo momento.
— Ai, que susto, Diogo!
— Eu sabia! — Rio ainda mais e ela me lança um olhar bravo, mas
não consegue manter por muito tempo e acaba rindo junto comigo. — Katy
Perry? Você não é a tal que só ouve rock?
Ela cruza os braços e franze o cenho, tentando recompor sua
postura, mas está nítido o quanto está se divertindo.
— Ei, é só essa música!
— A-hã... Vou fingir que acredito. Admita, marrentinha! Você se
faz de durona, mas ouve Katy Perry, Adele...
— Eu... — Ela gagueja e eu vejo como minha teoria está certa, só
me fazendo rir ainda mais.
— Taylor Swift? Lady Gaga, talvez? E Demi Lovato?
— Não... Demi Lovato não.
Solto uma gargalhada ainda mais alta e recebo um tapa no braço
por isso.
— Então você mentiu para mim aquele dia no bar, Caroline? Que
coisa feia...
Ela morde o lábio enquanto segura o riso e dá de ombros.
— Não é mentira que eu gosto de clássicos do rock, mas também
ouço pop.
— E por que não disse no dia? — Eu a desafio com o olhar e ela só
dá de ombros mais uma vez.
— Eu queria impressionar você. — Solta simplesmente, como se
fosse uma coisa boba, mas que faz meu coração queimar dentro do peito.
— Você é linda, sabia?
— Claro que sabia, afinal como acha que eu consegui namorar um
deus grego?
Solto uma gargalhada e a puxo para um beijo, assim que saímos da
empresa.
— Deus grego, é? — Roço meus lábios nos seus e ela sorri em
resposta.
— Eu não disse isso para inflar seu ego, Diogo!
Solto mais uma gargalhada.
Minha namorada simplesmente não existe.
E é por isso que eu a amo tanto.
Algumas semanas depois

— Eu não vou entrar em um trem-fantasma, Diogo. Sem chance!


— Deixa de ser medrosa, marrentinha. Anda! Eu estarei com você.
— Ai, Diogo... Sério?
Cruzo os braços para ela e franzo o cenho.
— Você me fez subir em uma roda gigante, Carol. Quer coisa mais
clichê do que isso? Se não quer ir a um brinquedo de maior velocidade, que
seja pelo menos o trem-fantasma. Além do mais, esse brinquedo é mais de
comédia do que de terror, você vai ver.
— Argh! Eu odeio você! — Ela bufa e fecha a cara para mim,
marchando até a entrada do brinquedo.
— Odeia nada, você me ama que eu sei. — Beijo seu pescoço
assim que nos sentamos no carrinho do trem.
Ela mantém os olhos fechados durante o trajeto. Sempre que
aparece algum brinquedo que seria assustador aos seus olhos, eu a cutuco
para que veja e só levo tapas por isso, o que me faz chorar de tanto rir.
Assim que saímos, ouço vários xingamentos por causa da aventura
e, por mais que ela não admita nem ferrando, sei que se divertiu. Uma boa
adrenalina de vez em quando não faz mal a ninguém.
Assim que saímos do parque, ela vê um carrinho vendendo maçã
do amor e seus olhos vidram e eu nem preciso perguntar nada até ir lá
comprar uma para ela.
— Tome. Recompensa por ter sido uma boa menina.
— Se ir naquele brinquedo horroroso com você me fez ganhar
maçãs do amor, pode me levar todos os dias.
Eu rio e ela pega a maçã da minha mão, logo dando uma mordida, e
em seguida atravessamos a rua para sentarmos em um banco de frente para a
lagoa.
É domingo à noite e resolvemos fazer um programa diferente, pois
mesmo estando um pouco quebrado, não aguentava mais ficar apenas dentro
de casa com ela.
— Minha irmã adorava maçã do amor, eu aprendi a comer com
ela...
Ela dá uma mordida na maçã e olha para a lagoa com um olhar
perdido. É a primeira vez que ela fala da sua irmã desde que nos conhecemos.
— É mesmo? — Estico o assunto para deixá-la falar, pois acredito
que vá fazer bem a ela.
— Sim... De vez em quando ela dava a louca dentro de casa que
queria comer maçã e fazia nossos pais nos trazerem ao parque para comer. Se
você me acha topetuda, é porque não conheceu a Cássia.
— Sério? Ela era pior do que você?
— Muito pior! Na verdade, eu era mais bobinha quando era mais
nova, fiquei assim depois do acidente.
Um semblante de tristeza passa pelo seu rosto e eu trato de desviar
esse assunto.
— Me conte mais sobre ela.
— A Cássia era mais tagarela, mais alto astral, de bem com a vida.
Era uma alma livre, sabe? Eu sempre fui mais tímida e ela vivia me
alfinetando por causa disso, dizendo que eu era fechada demais. — Seus
olhos brilham ao falar da irmã e eu a incentivo a continuar. — Eu tinha os
cabelos longos, na altura da cintura e, aos quinze anos, ela cortou da altura do
pescoço. Vivia me dizendo para eu fazer o mesmo, pois era libertador. Eu
morria de medo de me arrepender e ela só me dizia: “É só cabelo, Cá. Se
você não gostar, cresce de novo.”
Ela engole em seco e vejo seus olhos brilharem, mas as lágrimas
não caem.
— E foi por isso que decidiu cortar os seus?
— Quando ela foi embora, eu fiquei perdida, sabe? Ela era minha
metade, minha conselheira, e eu fiquei sem saber o que fazer. Então decidi
ser pelo menos parecida com ela... para que sua memória não fosse
esquecida, para que sempre que eu fizesse alguma coisa, me lembrasse dela.
Então pouco depois do acidente, eu cortei meus cabelos e lembro que ri
sozinha quando saí do salão, pois era mesmo libertador. Passei a usar coisas
coloridas, porque era disso que ela gostava, e eu achei absurdo demais deixar
isso morrer. Eu me tornei essa pessoa mais alegre, de bem com a vida e
topetuda por causa dela, para deixá-la orgulhosa de mim. Não quero que ela
fique triste por minha causa.
— Isso é lindo, amor...
Ela sorri de canto e gira a maçã em suas mãos antes de dar mais
uma mordida.
— Ela não merecia ser esquecida, sabe? E muito menos que eu
ficasse aqui queimando sua imagem, pois qualquer um que olhasse para mim,
via a Cássia.
Ela termina de comer sua maçã e se levanta para jogar o palito no
lixo, antes de se sentar e encostar sua cabeça no meu ombro.
— Eu fui levada desacordada para o hospital... Até hoje não sei
bem o que aconteceu naquele dia, pois foi tudo rápido demais. Em um
momento, estávamos rindo dentro do carro e no outro estávamos capotando.
Eu permaneço calado e pego sua mão, entrelaçando nossos dedos.
Sei que ela precisa falar e vou deixá-la o mais confortável possível.
— Eu não sofri nada, Diogo... Só desmaiei e tive uns míseros
arranhões que nem cicatrizes deixaram. Como posso ter sobrevivido àquele
terrível acidente? Você viu o estado do carro?
— Vi sim, Carol. Eu vi a foto na reportagem.
— Pois é... Como eu pude sair com vida dali? Qual o propósito
para apenas eu ter sobrevivido?
Dou a volta em seu corpo com meu braço e acaricio seus cabelos.
— Você é a prova de que milagres existem, amor. — Beijo seus
cabelos. — Com certeza há um propósito para você ter ficado e eu sou o cara
mais sortudo desse mundo por ter encontrado você.
Ela sorri e aperta minha mão, antes de continuar.
— Depois que eu recebi alta do hospital, fui morar com meu tio.
Ele era meu único parente próximo na cidade e acabou conseguindo minha
guarda. Morei com ele até poucos meses atrás quando ele recebeu uma
proposta de emprego no Canadá e se mudou para lá. Ele insistiu muito para
que eu fosse com ele, mas eu simplesmente não podia, meus pais e minha
irmã estão aqui, eu não posso ficar longe deles.
— Eu entendo...
Ela fica um momento em silêncio e, pelo seu semblante, vejo como
está ficando mais leve ao se abrir comigo, por isso insisto um pouco mais.
— E como seus pais eram?
— Eles eram lindos. Você viu a foto, não é? — Assinto e ela
continua. — Os dois eram psicólogos e atendiam em uma clínica particular.
O foco deles era crianças e adolescentes, tanto que eram voluntários de uma
ONG que ajudava garotas que eram vítimas da sociedade. Adolescentes que
tinham pais drogados ou que não tinham uma boa estrutura familiar, entende?
Eles sempre acreditavam que poderiam ajudar as pessoas a terem uma vida
melhor.
Seus olhos brilham e seu sorriso se enche de orgulho, fazendo meu
peito se aquecer.
— Eles pareciam ser incríveis.
— E eram.
Seu olhar é sonhador e eu a deixo viajar pelos seus pensamentos e
por suas memórias, é algo que está lhe fazendo bem.
— Mas algo me incomoda desde o acidente.
— É mesmo? O quê?
— Não sei, Di... Algo me diz que não foi um acidente.
— Como assim? — Endireito minha postura e me viro para ficar de
frente para ela.
— Embora faça muito tempo e o acidente tenha sido muito rápido,
eu estava lá. O carro dos meus pais era novo demais para simplesmente ter
perdido os freios. Eu sempre tive a sensação de que alguém fez isso com
eles...
— Poxa, Carol. Isso é sério demais. — Tomo suas mãos e as
aperto, sem saber o que dizer. Uma suspeita dessas é muito séria e eu não sei
bem como reagir a isso. Espero muito que ela esteja enganada.
— Mas deixa isso pra lá... — Ela fica desconfortável e eu passo
meu braço ao redor de seu ombro, beijando seus cabelos.
— Sabe que eu estou aqui, certo? Para o que você precisar.
— Eu sei, Di. Obrigada por tudo, de verdade. Eu não sei o que seria
de mim sem você, antes de te conhecer eu me sentia tão sozinha...
— Você jamais ficará sozinha de novo, amor. Eu estou aqui e
sempre vou estar.
Ela se aconchega mais em meus braços e beija meu peito.
— Eu te amo, Diogo.
— Também te amo, Caroline.
Beijo seus cabelos e sorrio ao inspirar seu aroma.
Ela é a minha melhor parte e se depender de mim, nada vai tirá-la
de mim.
Nada mesmo.
— Oi, marrentinha. Já está com saudades? — Brinco com ela assim
que atendo sua ligação, pois faz pouco tempo que nos despedimos no
trabalho.
— Eu sempre tenho saudades, mas não é para você ficar se
achando! — Ela retruca e eu rio. Minha namorada é mesmo um doce.
— Pode assumir que não vive sem mim, eu não me importo.
— Vou fingir que não ouvi isso, Diogo! Mas enfim, quero te pedir
uma coisa.
— Ah, é? O quê?
— Posso ir ao bar hoje? Estou querendo sair um pouco e pensei
em chamar a Dani para ir comigo enquanto você trabalha. Eu fico lá até
você terminar e então você me traz em casa.
— Hum... E o que eu ganho com isso? — Finjo estar pensativo,
pois se tem uma coisa que amo nesse relacionamento é que nos provocamos o
tempo todo.
— Eu deixo você dormir comigo.
E então eu engasgo.
É sério isso? Tão direta assim?
— Dormir, Diogo! Dor-mir! Por Deus, você só pensa nisso?
Então eu solto uma gargalhada, já imaginando sua cara de brava do
outro lado da linha.
— Ué, vai que...
— Como eu ia dizendo... — Ela me interrompe e eu rio. — Você
pode ficar aqui e passar a noite comigo, daí você traz seu material de estudo e
aproveitamos o domingo para estudar, eu tenho uma prova semana que vem e
preciso mesmo tirar um tempinho.
— Tudo bem, marrentinha! Quer que eu te pegue aí?
— Não precisa, pois você vai muito cedo para lá. Eu desço de Uber
mais tarde, combinado?
— Sim, senhora! Eu te vejo mais tarde.
Me despeço dela e bloqueio a tela do celular, sorrindo.
Ultimamente é o que eu tenho mais feito na vida: sorrir.
E não é que é bom pra caralho?

— Quando é que nós vamos sair de novo, hein? — Eu reconheço a


voz melosa demais e já sinto um frio na espinha.
É sério que essa garota não vai sair do meu pé? Mesmo sabendo
que eu tenho namorada?
— Eu já te falei, Camila. Eu tenho namorada...
— Ah, para, Diogo. Você? Namorando? Eu só acredito vendo. Isso
para mim é caô para me dispensar.
— Eu não preciso inventar isso e você sabe.
— Então cadê ela que não está aqui? Deixa o namorado sempre
livre no sábado à noite? Meio estranho, não?
Respiro fundo para não perder a cabeça e, então, a visão da minha
garota chegando me faz relaxar.
— Está perguntando por mim? — Carol se põe ao lado dela no
balcão e a fuzila com o olhar. Eu juro que já vi minha namorada brava antes,
mas nunca desse jeito.
— Quem é você, garota? — Camila a olha com desdém e eu me
inclino para responder, mas Carol me lança um olhar mortal, deixando claro
que o assunto é com ela.
— Sou a namorada dele.
— Você? — A loira solta uma risada de escárnio e eu fecho minhas
mãos, me segurando para não ir além, pois não posso causar briga no
trabalho, mas ninguém fala assim com a minha garota.
— Camila... — Eu a repreendo, mas Carol me interrompe,
cruzando os braços.
— Eu sim, por quê? Algum problema?
— Não acho que ele namoraria alguém como você... — Camila
destila seu veneno e a Carol não deixa barato.
— Escuta aqui, sua piranha. — Ela aponta o dedo na cara da loira,
pegando-a de surpresa. — Você não me conhece e dou graças a Deus por
isso, pois não quero alguém como você perto de mim, então fica na sua. Me
desculpe se você não conseguiu fisgar o Diogo em uma foda, porque eu
roubei o coração dele em apenas um beijo.
Porra!
Eu arregalo os olhos junto com a Camila e essa gagueja, saindo de
perto bastante constrangida.
— Carol? — Eu sussurro enquanto a vejo fechar os olhos e respirar
fundo.
— Espera, Diogo! Estou fazendo um exercício mental para não ir
até lá e arrancar aqueles cabelos oxigenados agora mesmo.
Ela abre os olhos e está tão nervosa que eu tenho vontade de rir,
mas sei que se eu risse dela agora terminaria a noite sem as minhas bolas e eu
quero ter filhos um dia.
Mas ela é tão linda quando está brava...
— Pode tirar esse sorrisinho do rosto, Diogo. Não estou achando
graça nenhuma!
Merda! Eu sorri mesmo?
— Desculpa, amor. Mas você fica tão linda...
— Fico linda brava, Diogo? Sério? Não tem uma frase menos
clichê?
Eu solto uma risada relaxada e preparo uma bebida para ela, que
assim que pega o copo, dá um longo gole.
— Me desculpe pela Camila, eu já dispensei ela diversas vezes,
mas ela não sai do meu pé.
— Não se desculpe pelos outros, Di. Eu preciso me conformar que
tenho um namorado gostoso e que sempre vai ter alguém de olho nele. O foda
é saber que você já saiu com ela e ela fica correndo atrás de você e...
— Você tem um namorado gostoso então? — Arqueio a
sobrancelha para ela, que revira os olhos.
— É sério que você só escutou essa parte?
Eu rio e me inclino no balcão para lhe dar um beijo breve nos
lábios.
— Cadê a sua amiga? Ela sempre fica te deixando sozinha, hein?
— Deixa ela curtir, amor. Ela está solteira, tem que aproveitar
mesmo. Além do mais, não acho que vai querer sair daqui tão cedo hoje. —
Ela aponta o dedo para o outro lado do balcão e vejo meu amigo flertando
com ela.
— Esse Bruno não perde uma.
— Ah, tomara que dê certo, ele é um cara legal e ainda é gatinho.
— Gatinho? — Cruzo os braços e a olho de forma intensa, não
gostando nem um pouco disso.
— Sim, ele é gatinho, Di. E você vai ficar com ciúmes por quê?
Sabe bem que é um deus grego.
Ela morde o lábio, me lança um sorriso bem sexy e eu praguejo
baixinho, me amaldiçoando por estar no ambiente de trabalho.
— É, Caroline... Fica me provocando, vai. Você está ferrada
comigo quando sairmos daqui hoje.
— Mal posso esperar. — Pisca para mim e se levanta na mesma
hora indo em direção à sua amiga que acaba de chamá-la.
Essa garota ainda vai me deixar louco.
— Vou pegar água para mim, Di. Você quer alguma coisa? — Ela
pergunta assim que passamos pela porta de seu apartamento e eu a tranco
logo em seguida.
Como combinado, ela se divertiu a noite inteira com sua amiga e
me esperou para virmos juntos para sua casa. Ainda bem que a Camila não
nos importunou de novo, o que me deu certo alívio. É meio chata a situação,
principalmente pela Carol saber que já saí algumas vezes com ela, mas
sempre deixei claro que nunca houve nada além disso.
Esse assunto surgiu em um dia qualquer de conversa, quando
comentamos sobre relacionamentos e ela quis saber se algum dia já namorei e
com quantas garota já saí.
— Quero não, amor. Estou bem.
Acompanho-a até a cozinha e, assim que ela toma sua água, me
olha um tanto tímida, me deixando bem curioso em relação a isso.
— Di, eu vou tomar um banho, você me espera no quarto?
— Claro, fique à vontade.
Ela vai à minha frente e entra no banheiro. Enquanto isso, eu vou
ao seu quarto e tiro meus calçados, abrindo minha mochila e tirando um short
de dormir.
Eu prefiro dormir de cueca, mas ainda não chegamos a essa
intimidade, então preferi trazer uma roupa mais leve.
Eu me troco e sento na cama para esperá-la. Olho para o relógio do
celular e vejo que já são quase duas horas da manhã. Imagino que ela deve
estar bem cansada, então arrumo sua cama para dormirmos. Quando termino,
me viro para olhá-la ao ouvir o som da porta do banheiro se abrindo. Ela
entra no quarto e meu queixo cai.
Ela vem até mim com uma camisola de renda preta bem curta,
deixando suas pernas que eu tanto amo à mostra e me olha com um misto de
timidez e malícia.
Essa garota ainda vai me deixar louco.
— Carol... — Eu sussurro e ela pousa o dedo em cima dos meus
lábios, me calando. Então, sobe no meu colo, me beijando em seguida.
Aperto sua cintura enquanto ela agarra meus cabelos, puxando o
elástico para soltá-los.
Eu a aperto mais forte contra mim e intensifico nossos beijos,
sentindo seu corpo colado ao meu. Desço meus lábios até o seu pescoço e
roço minha língua até a sua orelha, fazendo-a soltar um gemido.
Eu continuo beijando sem parar e quando vejo que ela está sem
fôlego, me afasto para olhar em seus olhos. Percebo todo desejo que estou
sentindo refletido nos seus.
Tomo sua boca na minha mais uma vez e quando a vejo friccionar
o quadril na minha ereção, eu simplesmente perco o controle que venho
buscando há meses, pois estou mesmo desesperado por ela.
Me afasto de seus lábios abruptamente e ela me olha de forma
assustada, como se não entendesse minha reação. Então, eu toco a barra de
sua camisola e a puxo lentamente para cima, revelando seu corpo. Eu a deixo
apenas de calcinha em cima do meu colo e eu preciso de muito autocontrole
para não ir rápido demais.
Eu preciso muito estar dentro dela, mas ela não merece isso.
É a sua primeira vez. Tem que ser perfeito.
— Você é tão linda...
Tomo seus seios em minha boca. Na medida em que lambo e
mordisco seus mamilos rosados, sinto-a apertar meus cabelos enquanto
gemidos brotam em sua garganta.
— Diogo...
Ouvi-la gemer meu nome é demais para mim, mas eu preciso me
segurar.
Abraço seu corpo e nos viro na cama, deixando-a deitada e me
curvo sobre ela, beijando todo seu corpo, adorando cada detalhe seu.
Continuo nesse ritmo por um longo tempo e ver o quanto ela está
ofegante me faz sorrir. Eu a quero tanto que chega a doer.
Tomo seu seio na minha boca mais uma vez e desço minha mão
pelo seu corpo até encontrar a barra de sua calcinha, onde fico brincando por
um tempo antes de tocá-la ali dentro.
Assim que a toco, ela solta um gemido mais alto e sentir sua
umidade em meus dedos me faz quase perder o controle. Quase mesmo.
Eu a toco com carinho e deslizo um dedo dentro dela, sentindo-a
arfar em resposta. Abandono seus seios e tomo sua boca na minha enquanto
deslizo o segundo dedo dentro dela, sentindo-a se contrair um pouco mais
debaixo de mim.
Continuo brincando com ela e beijando-a sem pudor, pois eu quero
levá-la ao êxtase antes de seguirmos em frente, pois sei que será mais
confortável para ela.
Ela se remexe debaixo de mim e eu solto a sua boca, fazendo-a
olhar para mim. Eu sei que ela está quase lá e parece estar se segurando.
— Não se segure, amor. Deixa vir... — Eu sussurro em seu ouvido
e parece que era tudo o que ela precisava para se render. Então, a vejo se
contrair debaixo de mim, apertando-me dentro dela.
Retiro meus dedos com cuidado e fico apenas vendo ela se
recuperar. Assim que abre os olhos para mim, um sorriso discreto surge em
seus lábios.
— Gostou? — Acaricio seu rosto e ela acena com a cabeça.
— Muito... — Ela sussurra e eu sorrio, feliz demais por ter
proporcionado isso a ela.
— Você não viu nada...
Levanto-me da cama na mesma hora e pego uma camisinha na
minha mochila. Ela se apoia nos cotovelos para me ver tirar a minha roupa e
colocar o preservativo.
Volto para cima da cama e retiro sua calcinha com delicadeza,
deixando-a completamente nua.
Paro por um segundo apenas para olhar seu corpo perfeito e minha
respiração pesa em antecipação.
— Você é muito gostosa, Caroline.
Ela sorri um tanto tímida e eu deito meu corpo por cima dela, que
me olha um pouco insegura.
— Preparada?
Ela assente e morde o lábio, sem tirar os olhos de mim.
— Vai doer um pouco no início, mas eu prometo que vai passar, se
estiver desconfortável para você, é só me dizer que eu paro, ok?
Ela assente mais uma vez e, então, eu me posiciono para entrar.
— Abre um pouco mais as suas pernas, amor. — Sussurro em seu
ouvido e a vejo se arrepiar enquanto faz o que eu pedi.
Começo a entrar com cuidado, bem devagar, centímetro por
centímetro, sem tirar os olhos dela, me certificando de que está tudo bem.
Assim que chego ao fundo, ela fecha os olhos com força e eu
imagino que deve ter mesmo doído, me fazendo sentir uma pontada de culpa.
Acaricio seu rosto e ela abre os olhos devagar.
— Está tudo bem?
— Está... Sim. Pode continuar.
— Tem certeza, amor? Se eu te machucar, pode falar.
Ela assente com convicção e, então, eu começo a me mover dentro
dela devagar enquanto ouço gemidos brotando em sua garganta.
Nossos corpos se encaixam de uma forma perfeita e o ritmo que se
movem é algo que me deixa extasiado. Eu me seguro muito para não a
machucar, mas quando eu vejo que ela está relaxada e perto de atingir o
segundo orgasmo, eu acelero, sentindo seu corpo se contrair contra o meu e
me fazer ir à beira do abismo.
Nossas respirações enfim se normalizam e eu rolo meu corpo,
ficando de lado na cama. Ela faz o mesmo que eu, o que nos deixa de frente
um para o outro.
Coloco uma mecha de cabelo atrás de sua orelha e acaricio seu
rosto, vendo-a sorrir.
— E então, como me saí? Foi do jeito que você imaginava?
— Não... — Ela diz apenas e sinto meu estômago se contrair, será
que fiz algo de errado? — Foi melhor, muito melhor. — Ela completa,
mordendo o lábio, me fazendo relaxar. — Você foi incrível, Diogo. Obrigada
por ser tão perfeito.
— Você que é perfeita, amor. As próximas vezes serão melhores,
eu te prometo.
— Mal posso esperar. — Se inclina para me dar um beijo breve e
sorri assim que se afasta, bocejando. — Acho que já podemos dormir...
— Claro, o que você quiser.
Ela se vira para apagar a luz do quarto e, quando volta, eu a tomo
em meus braços, fechando os olhos em seguida.
— Eu amo você, Carol.
— Eu também te amo, Diogo.
Sorrio enquanto beijo seu pescoço e encaixo minha cabeça em seu
ombro, sentindo-a relaxar.
E é dessa forma, nu, nos braços da mulher que eu amo, que eu
embarco na melhor noite de sono da minha vida.
A claridade entra por uma fresta da cortina do quarto e eu abro os
olhos, bastante sonolento.
A primeira visão que eu tenho assim que acordo me faz sorrir.
Caroline dorme tranquila de costas para mim e meu braço está
envolto em sua cintura, sentindo o calor do seu corpo. Sua tatuagem nas
costas me chama a atenção e eu afasto seus cabelos curtos com cuidado para
ver melhor.
No dia que eu dei o banho nela, eu percebi que ela tinha uma
tatuagem próxima à nuca, mas estava tão atordoado que nem reparei
exatamente o que era. Então, aproveito esse momento para reparar.
Ela tem uma rosa cor-de-rosa bem delicada tatuada um pouco
abaixo da nuca e o caule da flor forma uma frase que desce até quase a
metade de suas costas.
Aproximo-me mais e corro os dedos por toda sua extensão,
sentindo um nó na garganta ao ler a frase gravada em sua pele:
“Que a vida é trem-bala, parceiro... E a gente é só passageiro
prestes a partir.”
— Essa era a flor favorita dela... — Carol sussurra enquanto eu
corro os dedos pelas suas costas, com carinho.
Chego mais perto dela e beijo seu pescoço, enquanto sinto-a
suspirar em meus braços.
— E a frase... Bom, a Cássia não chegou a conhecer a música da
Ana Vilela, mas sei que iria amar se tivesse tido essa chance.
Ela se vira para me olhar e eu sorrio, lhe dando um selinho.
— Tenho certeza de que sim. É uma linda homenagem, amor.
Ela apenas assente e corre os dedos pelos meus cabelos, se
inclinando para me beijar com carinho.
— Bom dia, amor.
— Bom dia, marrentinha. — Beijo sua mão assim que ela toca meu
rosto.
— Você é lindo quando acorda, parece um leãozinho.
Solto uma risada, mesmo sabendo que ela está sendo fofa é bem
engraçado.
— E isso deveria ser um elogio?
— Claro que sim. Você é o meu leãozinho!
Ela me lança um olhar tão apaixonado que eu não resisto e a puxo
em um beijo igualmente apaixonado.
— Como você está se sentindo, Carol? — Pergunto assim que
afasto nossos lábios e acaricio seu rosto.
— Maravilhosamente bem. — Ela me lança um olhar malicioso e
eu rio.
— Fico feliz em saber que foi bom também para você, pois sei que
a primeira vez não é fácil. Mas não está sentindo nenhum incômodo?
— Está ardendo um pouquinho, Di, mas não é nada demais.
— Das próximas vezes vai ficar melhor, você vai ver.
— Eu sei e mesmo que não fique, não me importo. Você foi tão
perfeito...
Ela sorri e eu me inclino para lhe beijar mais uma vez. Mesmo
sabendo que estamos nus debaixo da coberta, não avanço, pois sei que ela
ainda está se recuperando e precisa estar cem por cento para repetirmos a
dose. O que devo dizer que é um puta sacrifício, pois a noite de ontem foi
sem dúvidas a melhor da minha vida.
— Já disse que você que é perfeita, marrentinha? E então? O que
quer fazer? Tomar café na cama? Quer que eu vá à padaria? Estou por sua
conta, docinho.
Eu brinco com ela que joga a cabeça para trás, gargalhando.
É tão bom vê-la sorrir.
— Você sabe que esses apelidos fofos não combinam com você,
Diogo.
— Eu sei, mas ainda assim eu gosto de te provocar.
— Qual é a graça de namorarmos sem essa provocação constante,
não é mesmo?
— Exatamente. E então, o que vai querer? Pode pedir o que quiser.
Ela morde o lábio e mexe os braços, descendo a coberta
propositalmente, revelando um de seus seios.
— Caroline...
Ela ri e puxa meu rosto, me beijando mais uma vez.
— Eu te amo, sabia? — Diz ao se afastar de mim.
— Eu também te amo, marrentinha. E então? Nada mesmo?
— Posso só ficar a manhã toda aqui com você?
— Pode... Sou todo seu! — Pisco para ela sorrindo. — Mas você
não está fome?
— Um pouco... Mas eu preciso mesmo me levantar? — Ela faz um
biquinho cheio de charme e eu rio, lhe dando um selinho e me levantando da
cama.
— De jeito nenhum! Vou à padaria e já trago o nosso café.
Ela sorri enquanto me vê vestindo uma roupa e dou um beijo em
sua testa antes de ir ao banheiro para escovar os dentes e prender os cabelos.
Saio do apartamento e, cerca de vinte minutos depois, estou de
volta, com várias sacolas. Coloco tudo em uma bandeja, indo de encontro a
ela em seu quarto.
E não é que ela nem se mexeu desde que eu saí? O que me faz rir
assim que me sento ao seu lado.
— Você não se levantou mesmo, não é?
— Hoje é domingo, Di... — Ela faz uma voz manhosa e eu rio mais
um pouco, colocando a bandeja entre nós dois.
Ela se senta na cama e a coberta escorrega de seu corpo, parando na
sua cintura. A danada faz questão de me lançar um olhar provocativo.
— É, Caroline...
— O quê? — Ela se faz de desentendida enquanto pega um pão de
queijo e leva à boca.
Balanço a cabeça e rio.
Ela definitivamente vai me deixar louco.
Tomamos nosso café conversando despreocupadamente e vez ou
outra me pego engasgando de tanto rir. É tão fácil sorrir com ela.
Assim que terminamos, resolvemos tomar um banho e, por mais
que a Carol me provoque por todo o tempo, eu resisto à tentação, pois sei que
ela precisa esperar mais um pouco.
Nos sentamos para estudar até a hora do almoço quando ela prepara
um estrogonofe maravilhoso para nós dois.
Almoçamos tranquilamente e logo após nos deitamos no sofá para
assistir a um filme. Eu acaricio seus cabelos.
— Diogo? — Ela me chama, com o rosto colado ao meu peito.
— Hum... — Respondo apenas sem tirar a mão de seus cabelos.
— Obrigada. — Inclino meu rosto e vejo-a me admirando, com um
sorriso discreto.
— Por...?
— Por ser você. Por me provocar o tempo todo. Por me fazer feliz.
Por não desistir de mim. Por existir...
Um sorriso gigante se abre em meu rosto e eu me inclino ainda
mais para tomar seus lábios nos meus.
— Eu que tenho que agradecer, amor. Você não faz ideia do quanto
me faz feliz.
— Faço ideia sim... Você faz o mesmo por mim.
Beijo seus lábios mais uma vez e ela volta a deitar a cabeça em
meu peito, se aconchegando. Se existe sensação melhor do que ter essa
mulher nos meus braços, eu desconheço.

— Di?
— Hum... — Eu respondo meio sonolento.
Depois de assistirmos dois filmes seguidos, acabamos pegando
sono no sofá e despertei há pouco tempo, quando seu celular tocou e ela se
levantou para atender uma ligação de seu tio.
Pouco depois, ela voltou para os meus braços e está bastante
pensativa enquanto brinca com as pontas dos meus cabelos.
— Lembra aquele dia no parque que eu te contei sobre o acidente
dos meus pais?
— Lembro sim...
— Desde aquele dia, tem algo que não sai da minha cabeça. — Ela
continua brincando com meus cabelos, sem olhar diretamente para mim.
— E o que é?
— Não acho que tenha sido acidente, amor...
— Carol... Sabe o quanto isso é sério, não é? — Me remexo no sofá
e ela se ergue, se sentando ao meu lado e eu a acompanho.
— Eu sei, Di... Mas é tão ruim ficar na dúvida. Eu precisava
saber... — Seu semblante se torna triste e eu sinto meu coração se apertar
dentro do peito.
Odeio vê-la triste.
— E o que você está pensando em fazer? — Viro meu corpo para
ficar de frente para ela, que faz o mesmo.
— Não sei... Pensei em pesquisar mais a fundo, tentar descobrir
alguma pista, sei lá.
Coço a barba confuso, isso não está me cheirando nada bem.
— Carol, olha pra mim. — Ela faz o que eu digo e então eu
continuo. — Se você acha que alguém armou isso, com certeza é gente
perigosa, não acho certo você mexer nisso agora, já passou tanto tempo...
— Mas é a minha família, Diogo. A minha família inteira que foi
arrancada de mim. Eu sinto que tem algo a mais nessa história e eu preciso
descobrir. Eles merecem isso.
Corro as mãos pelo cabelo. Não tenho nem como argumentar com
isso. Mas ainda assim acho perigoso demais...
— Tudo bem, Carol. Eu ainda acho isso uma loucura, mas entendo
você. Só te peço para não fazer nada sozinha, me deixa acompanhar tudo de
perto, pois se algo te acontecer...
— Ei... — Ela cobre a minha boca com seus dedos e sorri para
mim. — Não vai me acontecer nada.
— Como pode ter tanta certeza? — Arqueio a sobrancelha, bastante
curioso.
— Porque eu tenho você.
E então eu desarmo.
Golpe baixo, bem baixo. Mas ela sabe que funciona.
Balanço a cabeça assentindo e ela abre um sorriso.
— Por onde pretende começar?
— Hum... Eu tenho uma caixa guardada com alguns documentos e
objetos dos meus pais. Vou analisar com calma e ver se descubro alguma
coisa.
— Tudo bem, se achar qualquer coisa me mostre, ok? Não tome
nenhuma decisão sozinha, por favor. Eu me preocupo demais com você.
— Eu sei, leãozinho. — Ela sorri e aperta minha mão com carinho.
— Pode ficar tranquilo. Se eu encontrar alguma coisa, vou te mostrar e então
podemos levar para o Rogério.
— Quem é Rogério? — Franzo o cenho para ela.
— Um antigo amigo dos meus pais que é delegado. Tenho certeza
de que ele poderá nos ajudar.
— Tudo bem, mas vou com você. Em tudo, ok? Não vou te deixar
enfrentar isso sozinha nem a pau.
Franzo o cenho para ela que me sorri toda admirada.
— Você fica lindo assim, sabia? Todo protetor e tal... É sexy.
Solto uma risada.
Eu preocupado com ela e a danada me provocando?
Eu mereço mesmo a namorada que eu tenho.
— Você ainda vai me enlouquecer, Caroline.
— Vou nada... — Pisca para mim e leva minha mão até os seus
lábios. — E obrigada mais uma vez, Diogo. Eu juro que não sei o que seria
de mim sem você.
— Ah, eu sei sim. Seria uma marrentinha insuportável.
Eu a provoco e ela ri, me empurrando no sofá e deitando por cima
de mim, me beijando de uma forma nada inocente.
E então todos os meus planos de me segurar mais um pouco com
ela vão para o espaço.
— Perdeu o caminho de casa, Diogo? — Ouço a voz da minha mãe
me chamando da sala, assim que eu entro em casa.
— Oi, mãe. — Chego perto dela e dou um beijo em sua testa, me
sentando ao seu lado em seguida.
— Que sorriso bobo é esse, hein?
— Que sorriso, dona Júlia? — Eu franzo o cenho para ela, fingindo
seriedade, mas é claro que não cola.
— Nem vem com essa, Diogo. Eu te conheço, meu filho. O fim de
semana foi bom, é? — Arqueia a sobrancelha maliciosa e eu não aguento e
cutuco ela com uma almofada. — Anda, fala logo!
Ela não consegue aguentar mesmo.
— Foi maravilhoso. — Encosto a cabeça no sofá e cruzo os braços,
ela sorri para mim.
— Quero detalhes!
— Mãe... A senhora não vai querer saber disso.
Ela finge uma expressão de espanto e logo em seguida cai na
risada.
— É, tem razão. Não quero mesmo. Mas foi... especial?
— Muito. — Me limito a dizer e a vejo sorrir mais uma vez.
— Que bom, meu filho. Fico muito feliz por te ver tão bem, só
lamento não ter você mais pertinho de mim o tempo todo. — Ela faz um
biquinho dramático e eu solto uma gargalhada, dando um beijo em sua
bochecha.
— Relaxa, mãe. O espaço que a senhora ocupa na minha vida é só
seu. — Pisco para ela, que sorri satisfeita.
— Acho bom! Mas não me importo em te dividir com a Carol, ela é
uma garota muito legal. E como ela está, meu filho? Não teve mais nenhuma
recaída?
— Graças a Deus não, mãe. Parece que é só no aniversário de
morte deles que ela tem essa crise. Mas hoje ela veio com um papo de que
desconfia que o acidente deles não foi tão acidente assim.
Ela se remexe no sofá e fica de frente para mim com o semblante
curioso.
— Sério, Diogo? Mas ela tem alguma prova disso?
— Por enquanto não, mas vai começar a procurar. É só uma
intuição dela. Sendo sincero com a senhora, eu não queria que ela mexesse
com isso, pois me parece sério demais. Se alguém de fato armou contra os
pais dela, deve ser alguém muito perigoso e algo me diz que isso não vai
terminar bem. Mas como posso impedi-la? Ela tem o direito de descobrir
isso, mas eu deixei bem claro que vou acompanhar tudo de perto, pois não sei
nem do que sou capaz de fazer se algo acontecer com ela.
— Realmente é complicado isso, Di. Mas como você mesmo disse,
é um direito dela e cabe a nós apenas apoiá-la. Pode ser que nem dê em nada,
mas pelo menos ela vai ter a consciência tranquila.
— Eu sei disso, só espero que sua segurança não corra nenhum
risco. Agora é esperar para ver o que ela vai descobrir para termos um ponto
de partida.
— Está certo, se eu puder ajudar em alguma coisa, é só me dizer.
— Obrigado.
Ela sorri e pega o controle remoto para ligar a TV, mas antes que
ligue, eu resolvo puxar um assunto que ela não aprecia muito.
— Mãe?
— Hum... — Ergue os olhos para mim e eu sorrio.
Ela é linda. Seus cabelos castanhos lisos são da altura do queixo e
seus olhos castanhos, sempre foram profundos demais, são capazes de tirar
qualquer um dos eixos.
Nem preciso dizer o quanto ela é linda por dentro e por isso me
entristeço tanto em vê-la sozinha.
— Por que a senhora não sai mais? Para se divertir? Encontrar
alguém e tal...
— Diogo...
— É sério, mãe. A senhora quase não se diverte, sei que precisa
sair mais. Já são mais de quatro anos.
— Eu sei, mas...
— Eu sei que vai me dizer que não quer se envolver em nada sério
de novo, não estou dizendo para se casar, mãe. Mas algo casual ou uma
simples diversão vai te fazer bem.
— Está querendo convencer a sua mãe a fazer sexo casual? — Ela
arqueia a sobrancelha e eu dou de ombros.
— Não vejo mal algum nisso. Se eu posso fazer isso, por que a
senhora não? Ou melhor, podia, né? Se a Carol me ouve falando isso, eu
perco as minhas bolas.
Ela solta uma risada e eu a acompanho.
— Essa é das minhas...
— Pensa com carinho, dona Júlia. Não gosto de te ver sozinha,
você merece ser feliz.
— Eu sou feliz, meu filho.
— Eu sei, mas eu não vou estar aqui para sempre, sabe disso.
Ela assente e fica um minuto pensativa. Eu acho que já falei mais
que o suficiente.
— Eu te amo demais. — Beijo sua bochecha e me levanto do sofá.
Eu me preparo para subir quando a ouço me chamar.
— Diogo? — Me viro para olhá-la e ela me abre um sorriso
discreto. — Obrigada por se preocupar comigo, também te amo muito.
Assinto sorrindo e piso no primeiro degrau da escada, mas antes de
subir, me viro para alfinetá-la.
— E procure ouvir meus conselhos, afinal, já deve estar criando
teias de aranha, hein?
— Diogo!
Ela arremessa uma almofada na minha direção e eu consigo me
abaixar a tempo de vê-la batendo na parede.
Solto uma gargalhada e termino de subir as escadas, indo em
direção ao meu quarto, já torcendo para que ela me escute. Eu realmente me
preocupo demais com a felicidade dela.
Tiro o celular do bolso e me jogo na cama, já abrindo a caixa de
mensagens da minha namorada.
Eu: “Cheguei, marrentinha. Boa noite! ;)”
Marrentinha: “Boa noite, leãozinho. Sonhe comigo, senão acabo
com a sua raça.”
Solto uma risada baixa.
Eu amo esse seu jeito durão e amo ainda mais saber a garota doce e
sensível que existe por trás de toda sua personalidade marcante.
Amo todas as suas formas e nuances.
Ela é simplesmente perfeita.
Perfeita para mim.
Eu: “Eu deveria ficar bravo por você me chamar de leãozinho
porque é um apelido nada másculo. Mas é impossível ficar com raiva de
você.”
Marrentinha: “Você é o meu leãozinho, ponto.”
Olho para a tela do celular e sorrio. Eu realmente me tornei esses
bobos apaixonados que tanto dizem por aí.
Eu: “Eu te amo, amor. Durma bem.”
Marrentinha: “Eu também te amo, Di. Até amanhã.”
Despeço-me dela e bloqueio a tela do celular, olhando para o teto
por um tempo, pensando no tamanho da minha sorte por ter encontrado uma
pessoa tão única quanto ela.
O meu celular vibra de novo e eu desbloqueio a tela todo
empolgado, mas me deparo com uma mensagem do Bruno.
Bruno: “Começou a namorar e esquece os amigos, né, seu filho da
puta?”
Eu: “Que drama é esse? Eu te vejo todos os dias.”
Bruno: “É, mas não sai para beber comigo mais.”
Eu: “Ah, claro. Então acha que vou deixar de passar a minha
folga com minha namorada para ficar com homem? Pirou?”
Bruno: “Nossa, Diogo. Você já foi mais humilde.”
Solto uma risada. Meu amigo sabe ser bem dramático quando quer.
Bruno: “Mas não foi para isso que te procurei. Sabe aquela amiga
gostosa da Carol?”
Eu: “Sei sim, Daniela, né?”
Bruno: “Isso! Veio com um papo de sairmos os quatro juntos, você
sabe que eu não curto muito essas paradas, mas estou bem interessado nela.
Acha que rola?”
Eu: “Hum... Vou dar uma de cupido agora? Que gracinha.”
Bruno: “Ei, não enche! Só fala se dá ou não.”
Eu: “Dá, ué. Vou falar com a Carol, vamos tentar programar na
nossa próxima folga.”
Bruno: “Beleza, cara. Valeu.”
Eu: “Cuidado para não se apaixonar, hein? É um caminho sem
volta.”
Bruno: “Ficou louco, Diogão? Só vamos sair, ninguém falou em
apaixonar aqui não.”
Eu: “A-hã... Já ouvi essa conversa antes.”
Ele solta uns palavrões e eu rio.
É, de fato eu já ouvi essa conversa antes e fui mesmo arrematado
pela minha marrentinha.
Se eu me arrependo? Nem um pouco.
Ela é foda demais.
— Bom dia, marrentinha.
Entro na empresa e já cumprimento minha namorada com um beijo
na testa. Ela está sentada em sua mesa.
Agora que todos sabem do nosso relacionamento, fica mais fácil
nos comportarmos aqui dentro. Ainda que sejamos discretos, alguns gestos
simples de carinho como esse encaixam bem, e eu sei o quanto ela fica feliz
por isso.
— Bom dia, Di!
Ela me abre um largo sorriso que me contagia.
— Acordou feliz hoje, é? — Brinco com ela que franze o cenho
para mim.
— E por acaso não posso sorrir?
— Claro que pode, amor. Mas sinto que tem alguma coisa aí...
Ela ri enquanto assente.
— Nada passa despercebido aos olhos do Sr. Diogo Vasques, é?
Cruzo os braços e sorrio.
— Não quando o assunto é você.
— Ah, você é tão fofinho, leãozinho.
— Caroline... — Eu a repreendo e ela solta uma gargalhada.
Ela adora me provocar me chamando assim em locais públicos e
nem adianta pedir para ela parar, pois a minha namorada não cede tão
facilmente. Meu medo é só alguém mais próximo ouvir isso, tipo o Marcão,
pois se isso acontecer, nunca mais terei sossego na minha vida.
— Tudo bem, é o seguinte. Estava vasculhando as coisas dos meus
pais essa semana e não estava encontrando nada. Só documentos pessoais,
fichas e formulários da ONG, nada diferente e já estava ficando frustrada.
Então, ontem à noite eu encontrei um pen drive perdido em uma das caixas e
aparentemente também não havia nada incriminador... até encontrar uma
pasta oculta com alguns relatórios da ONG e uma gravação.
— Gravação? De quê? — Isso me chama atenção, eu bem sei como
ela está à procura de alguma mínima pista, ainda sem sucesso, então tomara
que agora tenhamos um ponto de partida.
— Parece uma ligação do meu pai, pelo menos é a voz dele. Só que
não aparece o que a outra pessoa fala, mas é uma boa pista. Ele confronta a
pessoa sobre algo que não está certo...
— Sério, Carol?
Ela assente, mas não consegue me dar mais detalhes, pois na
mesma hora chega um cliente para ser atendido.
— Eu vou lá para dentro e assim que sairmos do trabalho, você me
conta isso direito, ok?
— Pode deixar, na verdade eu quero que você vá para a minha casa
para te mostrar.
— Combinado.
Pisco para ela e saio da frente da empresa, indo em direção à minha
sala.
Se tivemos uma pista, é um bom sinal.
Mas algo me diz que mexer com isso não vai ser nada bom, mas
como não posso impedi-la de continuar, vou acompanhar de perto cada passo
desse processo.
Porque se algo acontecer com ela, eu não sei do que sou capaz de
fazer.

— Tem algo muito errado nessa história, eu não sei...


[Ruídos]
— Não, eu não tenho provas ainda, mas estou trabalhando nisso. É
estranho demais.
[Ruídos]
— O comportamento delas está muito diferente, principalmente as
mais velhas. Às segundas-feiras elas sempre estão mais agitadas, já notei
essa constante.
[Ruídos]
— Pois é... O problema é que elas não falam. Já tentei de tudo,
mas o medo é maior. Eu sinto isso.
[Ruídos]
— Tem algo muito errado aí...

E então a gravação encerra.


Ergo os olhos para a Carol que está de pé na sala, roendo as unhas
enquanto estou sentado no sofá de frente para o notebook.
— Está vendo? Tem algo errado aí e eu acho que pode ter sido por
isso que armaram contra ele.
— Você disse que encontrou alguns relatórios na pasta? Onde
estão?
— Aqui. — Ela se inclina e abre uma pasta cheia de anotações no
Word.
Corro os olhos pela tela e vejo que são anotações de
comportamento de adolescentes, todas entre doze e dezessete anos, com seus
nomes representados por siglas.
Alguns dizeres são muito técnicos e muitas vezes preciso recorrer
ao Google para compreender o que está escrito, mas basicamente o pai da
Carol estava desconfiado de que as garotas sofriam abuso sexual.
Mas por quê? E de quem?
— Essas garotas... — Retiro o notebook do meu colo e me levanto,
pegando suas mãos e a impedindo de roer mais suas unhas. — Eram
acolhidas pela ONG?
— Não sei, Di... Acho que sim. Mas não tenho certeza.
— Você disse que tem alguns documentos da ONG na caixa, certo?
— Ela assente e eu continuo. — Será que não dá para relacionar nada com
essas anotações?
— Não sei, eu não vi nada que fizesse sentido.
— Entendo... E o que você pensa em fazer agora?
— Estou pensando em ligar para o Rogério e mostrar essa gravação
e os arquivos.
— Mas, amor... Acho que precisamos ter algo mais concreto para
apresentar a ele. Essa gravação realmente nos mostra que tem algo errado,
mas não diz nada.
— Humm... É verdade. — Seu semblante murcha e eu toco seu
rosto com carinho.
— Vamos procurar mais coisas que podemos juntar e, então, o
procuramos, tudo bem?
Ela assente sem muita convicção e eu a abraço.
— Vamos conseguir, marrentinha. — Beijo o topo da sua cabeça e
a sinto assentir de leve. — Acho que podemos começar a investigar essa
ONG, ver se essas adolescentes do relato do seu pai são as mesmas que ele
atendia lá.
— Está bem, só não sei se teremos sucesso, já que ele não citou
nomes ali.
— Mas citou as siglas e a idade, teremos mais trabalho, mas não é
impossível.
Ela assente pensativa e eu toco seu queixo, erguendo seu olhar para
mim.
— Vamos conseguir, amor. Confia em mim?
Um sorriso suave surge em seus lábios e eu a beijo com delicadeza.
— Confio sim.
— Ótimo. Agora preciso ir, Carol, meu turno começa daqui a
pouco. Eu volto para ficar com você e amanhã procuramos com calma, ok?
Eu vou te ajudar.
— Você deveria estudar aos domingos, Diogo. E não me ajudar...
— Ela faz um biquinho e eu a repreendo no mesmo instante.
— Ei... Pode ir parando. Não vamos passar o dia todo nisso
amanhã, dá para conciliar. O seu bem-estar é a minha prioridade, Carol. Para
estudar eu me viro nas madrugadas, não se preocupe.
— Mas isso não é justo...
— Shh... — Eu a calo com um beijo e sorrio assim que me afasto.
— Não se preocupe com isso, está bem? Eu já sei praticamente o Vade
Mecum decorado.
Ela ri e a vejo relaxar.
— Eu te amo, marrentinha.
— Também te amo, leãozinho.
Ela fica na ponta dos pés e me beija de forma bastante apaixonada e
nos despedimos para eu ir trabalhar.
Toda semana eu sinto um aperto no peito ao deixá-la sozinha em
casa aos sábados à noite. Nessas horas eu queria ter metade dos meus
problemas só para curtir mais tempo com a minha garota. Mas ela é tão
incrível que não se importa com isso e ainda me xinga se eu reclamar de
alguma coisa.
Ela é mesmo perfeita e eu me pego pensando se sou mesmo
merecedor de alguém como ela.
Às vezes acho que isso não se passa de uma pegadinha e amanhã a
vida vai me mostrar que a minha ilusão acabou.
Porque nunca fui tão feliz em tão pouco tempo e isso
definitivamente me assusta.
E não é pouco.
— Acho que encontrei alguma coisa. — Digo a ela que se levanta
na mesma hora e vem até mim.
Estamos sentados no sofá há algumas horas com uma pilha de
papéis espalhados por todos os lados, trabalhando arduamente na busca de
alguma pista. Devo dizer que não é fácil. É como encontrar agulha em um
palheiro.
— Aqui... — Ela senta no meu colo e eu aponto para o papel em
minhas mãos. — Letícia Barcelos Ribeiro, dezesseis anos. É a ficha de
acompanhamento dela.
— Mas tem ficha de diversas pacientes, Di...
— Eu sei, amor. Mas veja só.
Pego o notebook e coloco em cima de seu colo e abro o arquivo de
anotações do seu pai.
— L. B. R., dezesseis. — Aponto para a tela onde ele faz um breve
relato da paciente e vejo seus olhos brilhando. — É a primeira sigla que eu
consegui associar.
— Ai, Diogo! Que maravilha! E o que fala aí, você já leu?
— Bom, na ficha oficial da ONG fala que ela tem o comportamento
introvertido e é de poucas palavras, mas muito desconfiada. Nas anotações do
Word, seu pai fala que desconfia que ela sofria algum tipo de abuso, seja ele
físico ou mental, pois era evidente o medo que tinha de homens, tanto que ele
pediu para sua mãe acompanhá-la, pois ela não se abria mais com ele. E ele
percebeu isso com o passar do tempo, pois quando chegou à ONG, ela era
apenas tímida e depois se tornou bastante medrosa.
— Meu Deus...
— Pois é, e ela entra naquela situação de estar mais assustada às
segundas-feiras. Mas pelo que vi, sua mãe também não teve muito sucesso
com ela.
— Será que alguém da ONG abusava delas? — Ela se remexe em
meu colo, visivelmente desconfortável.
— Não sei, amor. De alguma forma, elas sofriam abuso. Só
precisamos saber que ligação isso tem com a ONG.
— E é uma merda que a ONG tenha fechado.
— A ONG fechou quando, você se lembra? Por qual motivo?
— Não sei a data certa, mas acho que tem uns quatro anos isso. Na
época lembro que alegavam falta de recursos financeiros.
— Hum... Vou pesquisar mais sobre isso então.
Abro a tela do navegador no notebook e busco matérias sobre o
encerramento da ONG e vejo que de fato fechou há alguns anos, como a
Carol disse e pelo motivo que ela mencionou.
— Engraçado... — Solto em voz alta e ela se vira para olhar para
mim.
— O quê?
— Ela fechou no mesmo mês que meu pai morreu... Fevereiro de
2015.
— Que coincidência maluca, hein?
— Nem me fale... — Coço a cabeça e afasto esses pensamentos.
Lembrar do meu pai não vai me ajudar em nada no momento. — Então vai
ficar ainda mais difícil encontrar alguma coisa da ONG, agora que fechou.
Teríamos que ter acesso a mais documentos, onde será que guardam isso? Se
é que guardam alguma coisa, né?
— Pois é... Também acho que essa parte vai ser difícil, a não ser
que o Rogério nos ajude. Será que agora com essa ficha já temos material o
bastante para procurá-lo?
— Vamos procurar se encontramos mais siglas que batem com as
fichas. Se levarmos pelo menos duas ou três, fica mais concreto. Uma só ele
pode alegar ser coincidência.
— Você tem razão... — Ela me olha pensativa e eu aperto sua
cintura com carinho.
— Não estou querendo te desanimar, amor. É só que, quanto mais
provas tivermos, fica mais fácil convencê-lo a mexer com isso, sabe?
Suposições não provam nada, você sabe disso.
— Sim, amor. Eu sei. Você está certo. É só um pouco frustrante,
pois achei que seria mais fácil. Mas pelo visto teremos muito trabalho pela
frente...
— Ah, então achou que seria igual a um episódio de CSI, onde um
fio de cabelo te leva ao assassino?
Eu cutuco sua cintura e ela ri.
— Bem por aí mesmo.
Solto uma gargalhada e acaricio seus cabelos, me inclinando para
beijar seu pescoço.
— Eu amo seu cheiro, sabia?
— Sabia sim, leãozinho.
Ela sorri e eu tiro o notebook do meu colo, girando-a para que fique
de frente para mim e tomo sua boca na minha, sem o mínimo de pudor.
— Você me deixa louco, Caroline. — Sussurro em seu ouvido e
sinto sua pele arrepiar.
Com menos de poucos minutos, já esquecemos de ONG, de papéis
e de acidente e nos perdemos nos braços do outro, nos amando com toda
intensidade que sentimos.
Como se o mundo ao redor não importasse mais, já que estamos
juntos.
E eu sei que não importa mesmo.
— Nervosa? — Aperto sua cintura e sussurro em seu ouvido assim
que chegamos à porta da delegacia.
— Um pouco... — Ela assente e eu pego a sua mão antes de
conduzi-la para dentro.
— Vai dar tudo certo, você vai ver.
Entramos no prédio de construção antiga e assim que nos
identificamos, somos guiados até a sala do delegado. Eu estou torcendo muito
para termos algum tipo de sucesso nessa reunião, pois a Carol precisa muito
disso.
— Diogo? — Ouço uma voz familiar me chamar antes de
entrarmos na sala do Rogério e quando me viro, me surpreendo ao ver um
antigo amigo da minha mãe.
Antigo amor, melhor dizendo.
— Ah... Oi, Jorge. — Estendo minha mão a ele que a aperta tão
desconcertado quanto eu.
Jorge namorou minha mãe quando ainda era novo e ele precisou se
mudar da cidade para acompanhar sua família. Logo, eles acabaram
terminando, mas pelo pouco que sei da história ele nunca a esqueceu. Ela
nunca assumiu, mas eu percebo que ela também sente alguma coisa por ele.
Quando ele retornou a Belo Horizonte, minha mãe já tinha se
casado com meu pai e ele acabou seguindo sua vida, se casando também.
Uma pena que agora ele não esteja mais disponível, pois minha mãe merece
alguém legal como ele.
Não o conheço muito bem, mas pelo pouco que minha mãe já me
falou dele, e as poucas vezes em que o vi, pude notar que aparenta ser uma
boa pessoa.
— Nossa, quanto tempo! Você está... enorme. — Ele me avalia e
eu rio. É normal as pessoas reagirem assim quando não me veem há muito
tempo.
— O tempo voa mesmo. Deixa eu te apresentar a minha namorada,
Caroline.
Ela estende a mão e ele a recebe com um sorriso sincero no rosto.
— Muito prazer, Caroline. Tem sorte de ter um cara como ele em
sua vida.
O sorriso da minha namorada fica gigante e seus olhos brilham.
— Eu sei que sim, ele é mesmo incrível. — Pisca para mim e eu
dou um aperto em sua mão, agradecendo.
— E sua mãe, Diogo? Como está? — Seus olhos brilham ao falar
dela e eu vejo que, de fato, o cara nunca esqueceu a dona Júlia.
— Ela está muito bem, mas quase não sai de casa. — Eu cutuco
para ver se consigo tirar alguma informação dele. Vai que o cara se separou
também...
— Eu pensei em fazer uma visita a ela várias vezes, mas tive receio
de que ela não quisesse a minha presença. Sei o que houve com seu pai e
sinto muito, de verdade. Também perdi minha esposa há dois anos e sei como
é difícil seguir em frente.
Hum... Interessante.
Mas desde quando eu me tornei cupido de alguma coisa?
Eu não vim aqui para ajudar a Carol?
— Tenho certeza de que ela ficará feliz com sua visita, vai fazer
bem a ela conversar com uma pessoa diferente. — Garanto a ele, que me sorri
de volta. — Agora se me der licença, nós temos um horário agendado com o
Rogério.
— Ah sim, claro! — Ele tira um cartão do bolso e estende a mim.
— Meu telefone, caso precisem de alguma coisa.
Olho para o cartão e sorrio. O cara é detetive aqui na delegacia, ou
seja, pelo jeito conseguiu mesmo se fixar por aqui. Acho que os dias de
solteirice da minha mãe estão chegando ao fim.
Eu o agradeço e conduzo minha namorada para dentro da sala.
— O que foi isso? — Ela me pergunta assim que passamos pela
porta.
— Um antigo amor da minha mãe que se depender de mim, será o
atual também. — Pisco para ela, que ri.
— Você não existe.
— Caroline! Há quanto tempo! — Assim que entramos, somos
saudados por um cara boa pinta na casa dos quarenta anos.
Ele vem até nós e abraça a minha namorada, apertando minha mão
logo após.
Ele nos convida a sentar. Assim que se aconchega em sua cadeira,
cruza os braços em cima da mesa.
— Confesso que a sua ligação me deixou um tanto curioso. Quando
foi que começou a desconfiar disso?
— Na verdade, eu penso nisso desde o acidente. Mas como eu era
nova e meu tio não me deixava tocar no assunto, nunca tive oportunidade de
investigar mais a fundo. Até que comentei isso com o Diogo há algumas
semanas e ele topou me ajudar a olhar isso.
— O que não fazemos pelas mulheres, hein? — Ele treme a
sobrancelha para mim e eu rio.
Eu me sinto aliviado ao conhecê-lo, pois achei que fosse encontrar
um cara grosso e ignorante, mas esse delegado parece ser bem tranquilo de
lidar.
— Nem me fale... — Eu retruco e ela me cutuca, me repreendendo.
— Então vamos lá. O que vocês encontraram?
Carol abre a pasta que trouxe com a cópia dos documentos que
encontrou, pois eu a instruí a jamais tirar as originais de sua casa, e fez
também uma cópia do pen drive que estendeu a ele.
Rogério analisa tudo com calma e ouve a gravação mais de uma
vez, parecendo pontuar algumas coisas.
— Bom, de fato tem alguma coisa nessa história. Mas ainda não
temos nada que ligue diretamente à ONG, precisamos de provas mais
concretas para reabrir esse caso.
— Entendo... — Minha namorada bufa um pouco derrotada e
Rogério trata de tranquilizá-la.
— Mas não desista, Caroline. Vamos continuar procurando pistas
de forma extraoficial e assim que tivermos provas mais concretas, entramos
com o processo para investigar isso. Pode contar com minha ajuda, devo isso
aos seus pais.
— Poxa, Rogério, muito obrigada. Não sabe o quanto isso significa
para mim. — O rosto dela se ilumina, me fazendo sorrir.
— Nem precisa agradecer, menina. Se eu soubesse disso há mais
tempo, teria ido além na investigação. Mas na época ficou comprovado que
era um acidente.
— Pois é, mas eu sempre desconfiei que não fosse. Meu pai tinha o
carro do ano, como iria perder os freios assim tão facilmente?
— Entendo...
— Nossa, me lembrei de uma coisa importante agora. — Ela
endireita sua postura na cadeira, chamando nossa atenção. — Alguns dias
antes do acidente, meu pai havia levado o carro para a revisão. Será que
conseguimos descobrir alguma coisa?
— Hum... — Ele corre os dedos pelo cabelo, ponderando. — Teria
que descobrir onde foi feita essa revisão, mas não sei se conseguimos muita
coisa. A essa altura, pedir acesso às gravações da câmera de segurança, seria
apenas com um mandato e só com o que temos aqui não consigo um.
— Tudo bem, vou continuar procurando e ver o que consigo
descobrir daqui para frente. Vou te passando tudo, pode ser?
— Claro! Assim que tivermos algo mais sólido, fica mais fácil para
trabalhar.
— Ótimo! — Ela se levanta, visivelmente aliviada. — Muito
obrigada pela sua disposição, Rogério. Sei que não é sua obrigação...
— Não se preocupe com isso. Ajudarei em tudo que estiver ao meu
alcance.
— Obrigada, mais uma vez!
Ele nos acompanha até a porta e, antes de sair, dá um abraço
fraterno na Carol.
— Mande um abraço para o William, faz tempos que não o vejo!
— Pode deixar!
Saímos da sala e no corredor esbarramos com Jorge mais uma vez
que se despede de mim com um sorriso esperançoso no rosto, me
encorajando ainda mais a cutucar minha mãe sobre essa história.
— E então? Como está se sentindo? — Pergunto a ela assim que
chegamos à minha moto. Eu estendo o capacete a ela.
— Mais aliviada, vim preparada para ele me chamar de louca por
estar mexendo com isso, ainda bem que não. Rogério foi amigo do meu pai
de escola e sei que deve sentir essa sensação de justiça assim como eu.
— Que bom, Carol. Fico feliz por isso. Vamos conseguir descobrir
o que aconteceu realmente.
— Tomara.
Ela sobe na moto e assim que me abraça, eu arranco e sigo as ruas
da cidade. Minutos depois, paro na porta da minha casa, abrindo o portão da
garagem e entrando logo após.
Hoje é sábado e por mais que não tenha expediente na delegacia,
Rogério disse que estaria de plantão e nos atendeu mesmo no período da
tarde. Assim, combinamos de voltar para minha casa e, quando eu for
trabalhar, deixo ela na sua.
Descemos da moto e Carol já brinca com meu cachorro como se ele
fosse um poodle, bem diferente do dia em que ela o conheceu.
Contornamos a casa e assim que entramos na cozinha, um cheiro de
bolo instaura no ar.
— Está cheirando, hein, dona Júlia? — Brinco com a minha mãe
assim que entramos e a vejo tirar um recipiente no forno.
— Vocês chegaram na hora certa! Acabei de fazer um bolo de
limão para tomarmos um café.
— Oi, Júlia. — Carol se aproxima da minha mãe e a abraça, e toda
vez que eu vejo o carinho das duas, fico sorrindo meio bobo.
— Oi, Carol. Deu tudo certo lá?
— Deu sim. Foi melhor do que eu esperava. Ainda não temos
provas suficientes para reabrir o caso, mas o Rogério vai nos ajudar a
continuar investigando para conseguir isso.
— Nossa, que ótimo! Fico muito feliz por você.
— Obrigada!
Minha mãe monta a mesa de café e assim que nos sentamos, me
lembro do encontro inusitado que tive hoje.
— Ah, mãe... Não sabe quem encontrei na delegacia hoje e
perguntou pela senhora.
— Quem? — Ela me olha curiosa, enquanto se serve de uma xícara
de café.
— O Jorge.
Minha mãe começa a levar a xícara até a boca e para.
— Quem?
— O Jorge, mãe. — Reviro os olhos para ela, que fica visivelmente
desconfortável.
— Ah, sim... — Ela diz apenas e eu resolvo cutucá-la.
— Ele disse que queria te fazer uma visita, mas tem receio de que a
senhora não queira recebê-lo. — Ela abaixa o olhar e permanece em silêncio,
então eu continuo. — Ele também ficou viúvo há alguns anos e...
— Diogo... — Ela ergue o olhar e me repreende, já sabendo o que
estou tramando.
Ergo as mãos para ela em rendição e sorrio.
— Ei, eu não fiz nada.
Ela apenas assente em silêncio e continua a tomar seu café. Carol
me olha um tanto intrigada e eu já sinalizo a ela que depois explico melhor.
— A propósito... — Tiro o cartão do bolso e coloco ao lado da sua
xícara na mesa. — Ele deixou o cartão dele comigo, caso precise. — Pisco
para ela, mas ela não me diz mais nada.
Bom, já plantei a semente. Agora é só regar todos os dias e ver se
sai alguma coisa daí, mas estou bem confiante de que vou conseguir.
Terminamos de lanchar e ajudamos minha mãe com a louça e logo
subimos para o meu quarto.
— Você está dando uma de cupido para cima da sua mãe? — Carol
me pergunta, assim que fecha a porta.
Dou de ombros.
— Ela é muito solitária, amor. Sempre achei que precisasse de um
namorado, mas ela quase não sai de casa, o que dificulta muito.
— E esse Jorge você disse que é um amor antigo dela? — Ela se
senta na minha cama e eu a chamo para deitar junto comigo, que se acomoda
em meu peito.
— É sim, eles namoraram quando novos e terminaram quando ele
precisou se mudar da cidade e ficou muitos anos fora. Quando retornou,
minha mãe já tinha se casado com meu pai. Mas eu sei que eles nunca se
esqueceram. Você viu como ele sorriu quando falou dela?
— Impossível não ter visto aquilo, né?
— Pois é... E eu sei que ele mexe com ela também, embora ela não
vá admitir. Só preciso fazer esses dois se encontrarem, nem que seja por
acaso.
— Não conhecia esse seu lado casamenteiro. — Ela brinca comigo
e eu rio.
— Eu faço qualquer coisa por ela, Carol. E definitivamente vê-la
tão sozinha me mata. Ela não se envolveu com mais ninguém desde que meu
pai morreu e isso já tem mais de quatro anos.
Carol ergue a cabeça para me olhar e um sorriso enorme se abre em
seu rosto.
— O que foi?
— Você é incrível, sabia? Sua mãe tem sorte demais de ter você.
Sorrio por isso e me inclino para beijar seus lábios de forma suave.
— Eu que tenho sorte de ter mulheres tão incríveis na minha vida.
— Sussurro assim que separo nossos lábios, tirando um sorriso seu.
— Di... Posso te pedir uma coisa? — Ela deita a cabeça em meu
peito mais uma vez, sem tirar os olhos de mim.
— Claro, pode falar.
— Posso ficar aqui hoje?
— Aqui em casa?
— Sim... Por mais que você durma lá em casa, eu ainda fico
sozinha enquanto está fora e aqui eu tenho sua mãe para conversar.
Ela franze o cenho e eu sinto um aperto no peito, pois imagino o
quanto deve ser difícil não ter ninguém para conversar.
— Tudo bem, amor. Minha casa é sua, mas a minha cama que é
pequena para nós dois.
— Bom que eu durmo coladinha em você. — Ela me lança um
sorriso malicioso e eu rio.
— Desse jeito vou trazer sua mudança para cá. — Brinco com seus
cabelos e ela sorri ainda mais.
— Não é bem uma má ideia.
— Quer que eu passe na sua casa e pegue suas roupas?
Desde o dia que ela passou mal, eu fico com uma cópia da chave de
sua casa por segurança. Passei muito aperto aquele dia e a própria Carol foi
quem propôs isso, me deixando bastante aliviado.
— Não vou te atrapalhar?
— Claro que não, eu já não ia passar lá para te deixar mesmo?
— Está bem, obrigada! Traga minha mochila da faculdade também,
por favor. Vou aproveitar seu tempo de estudo e estudar também. E pega meu
uniforme, daqui mesmo eu já vou trabalhar segunda-feira.
— Vai passar o fim de semana todo comigo, é? — Eu a puxo para
mais perto de mim, sem esconder o enorme sorriso no meu rosto.
— Não mandei você namorar comigo, agora tem que me aguentar.
— Ela me lança um olhar desafiador e eu rio.
— Não mandou? — Brinco com ela, que não perde sua pose.
— Não mandei nada, você aceitou porque quis.
— Ah, sim, e eu tive direito de escolha, certo?
Eu a provoco e ela não aguenta e ri junto comigo.
— Você fala de um jeito como se não quisesse namorar comigo. —
Ela faz um bico e eu roubo um beijo seu.
— Tão dramática essa minha marrentinha.
Ganho um tapa, me fazendo rir ainda mais.
Ela se aconchega novamente em meu peito e eu a envolvo com
meus braços, estreitando nosso contato.
— Eu te amo, Caroline. — Beijo sua cabeça e a vejo sorrir.
— Eu também te amo, Diogo. Obrigada por ser tão perfeito.
Eu a aperto mais contra mim e sorrio.
E eu que sempre me achei tão imperfeito para ela, me pego
pensando em como tenho sorte de tê-la na minha vida.
Em como minha vida mudou em tão pouco tempo por causa dessa
marrentinha que é dona de uma personalidade absurda de tão forte.
Ah, e dona de todo meu coração também.
Disso não tenho dúvidas.
Termino meu almoço e subo as escadas em direção ao meu quarto
para tirar um cochilo antes de voltar para o trabalho. Geralmente a Carol vem
almoçar comigo, um hábito que criamos desde que nosso relacionamento
ficou mais sério, mas hoje ela combinou de almoçar com a Daniela para
terminarem um trabalho de faculdade que estão fazendo juntas.
E é quando penso em faculdade, que tenho um estalo. Olho para
data no meu celular e me lembro de que hoje é o dia de divulgação da
colocação oficial de um concurso que prestei mês passado e que estava
bastante empenhado para conseguir. Ao conferir o gabarito no dia seguinte,
vi que tive uma ótima pontuação, mas aprendi a não criar expectativas altas,
principalmente quando se trata de uma vaga muito concorrida.
Então antes de me deitar, ligo o notebook em cima da minha mesa
e abro o site onde vou encontrar o resultado oficial.
Minha barriga já gela enquanto vou passando as páginas do
navegador até chegar à parte que eu quero, toda vez que abro um resultado é
assim. Não tem como não ficar nervoso.
Abro o arquivo em PDF com a classificação final e quando corro o
meu olho pela lista de classificados, sinto o meu corpo inteiro tremer.
Puta que pariu.
Isso não pode estar acontecendo.
Eu solto um grito.
Caralho!
Grito de novo.
Passo as mãos pelos cabelos várias vezes e volto ao mouse,
correndo a tela para ver se não tem nenhuma parte dizendo que é uma
pegadinha, mas não é.
Dentre as cinco vagas para Analista Judiciário, encontro meu nome
escrito em letras garrafais como segundo colocado.
Diogo Pereira Vasques.
Quem diria?
Porra!
Solto mais um grito e logo minha mãe abre a porta do meu quarto,
assustada.
— O que foi, Diogo? O que aconteceu?
Minhas mãos tremem e eu não consigo falar nada, apenas aponto a
tela para minha mãe que, assim que percebe o meu nome da lista, dá um grito
ainda mais alto que o meu.
Ela começa a pular e chorar. É impossível não me emocionar com a
sua felicidade estampada em seu rosto.
— Diogo, você conseguiu! — Ela diz assim que eu a abraço e
começa a dar soquinhos no meu peito, me fazendo rir. — Não me surpreende,
meu filho. Você se dedicou muito para isso, mas ainda assim... VOCÊ
CONSEGUIU! Posso xingar?
Solto uma risada e seco suas lágrimas com meu dedo, em um gesto
cheio de carinho.
— Pode fazer o que você quiser.
— CARALHO! — Ela grita e logo caímos na risada. Ela nunca
xinga, então realmente ela está feliz pra caramba. — Você não me ouviu
dizendo isso, ok?
Ela retoma sua postura e se desvencilha do meu abraço, me fazendo
rir ainda mais.
— Pode deixar, dona Júlia. A senhora nunca fez isso. — Pisco para
ela e recebo um sorriso doce.
— Parabéns, Diogo. Eu não tenho nem palavras para descrever o
que estou sentindo agora, sei o quanto batalhou por isso. Você é o melhor
filho que alguém pode ter e não imagina o tamanho do meu orgulho por ser
sua mãe. — Ela toca meu rosto e acaricia, antes de se inclinar e me dar um
beijo na bochecha.
Meus olhos marejam por tanto carinho e amor contido nesse gesto.
Só Deus sabe o quanto eu amo essa mulher.
— Fazer seu filho de vinte e seis anos chorar é palhaçada, hein? —
Brinco com ela enquanto seco uma lágrima que teimou em descer pelo meu
rosto.
— Eu te amo, meu filho, e estou muito orgulhosa de você. — Ela
me beija mais uma vez e eu sorrio.
— Também te amo, mãe. A senhora é a melhor do mundo. — Beijo
sua testa e acaricio seu rosto em seguida.
— Vai contar para a Carol?
— Vou sim, mas estou pensando de que forma posso surpreendê-la.
— Ela vai ficar doidinha quando ficar sabendo.
— Eu sei que vai, ela torce muito por mim e eu sou muito sortudo
por ter uma namorada como ela.
— Com certeza, Diogo. E ela também tem uma sorte absurda de ter
você.
Assinto e depois de conversarmos mais um pouco, minha mãe
deixa meu quarto e eu imprimo a lista de classificados, já pensando em como
surpreender a minha marrentinha.

— Oi, gatinha. — Chego de forma silenciosa por trás da Carol, que


está concentrada em uma anotação e dá um pulo da cadeira quando ouve a
minha voz.
— Ai, Diogo, que susto! — Recebo um tapa dela e rio.
— Ué, não posso chamar minha namorada de gatinha?
— Pode, mas não aparecer como um fantasma para me assustar.
Rio mais uma vez e olho para os dois lados antes de me abaixar e
lhe dar um selinho.
— Eu te amo, viu?
Seu rosto adquire um leve rubor e ela sorri, enquanto toca o meu
com carinho.
— Também te amo, Di.
— Tenho uma surpresa para você.
— Ah, é? E o que é?
Coloco na mesa em sua frente uma caixa de bombons finos e um
envelope por cima.
— Antes que você abra, eu preciso que aceite meu convite para
jantar comigo no domingo.
— Nossa, que romântico. Por acaso é nosso aniversário de namoro
e eu me esqueci de novo?
Ela franze o cenho e eu rio.
— Não, marrentinha. Dessa vez não é isso.
— Então o que é?
— Preciso que aceite o convite antes de te contar.
Faço suspense e ela revira os olhos.
— E desde quando eu vou recusar alguma coisa sua?
Ela cruza os braços e eu solto uma risada. Como sempre, ela é
muito doce com suas palavras e eu só a amo ainda mais por isso.
— Ótimo. Agora você pode descobrir o motivo, abre o envelope.
— Nossa, quanto suspense... Ainda bem que tenho esses
chocolates, porque se for notícia ruim eu já me enterro neles agora mesmo.
Eu rio e me levanto, cruzando os braços enquanto ela desdobra o
papel que encontra lá dentro.
Sinto meu coração se acelerar em expectativa enquanto ela corre o
olho pela lista de classificados e parece não entender bem até encontrar meu
nome.
Caroline solta o papel e cobre a boca com as duas mãos, abafando
um possível grito. Ela se levanta em seguida e começa a dar pulinhos de
alegria, semelhante aos da minha mãe.
— Agora seus dias de namoro com um cara pobre estão contados.
— Pisco para ela, quando vejo que ainda está sem reação.
— Diogo... — Sua voz treme e seus olhos se enchem de lágrimas,
que não demoram muito a cair. — Você conseguiu, amor! Ai. Meu. Deus. É
verdade isso?
Assinto para ela e um sorriso enorme se forma em seu rosto. Ela
chega mais perto de mim e me abraça, já xingando por estarmos em local de
trabalho e eu rio.
— Isso é covardia sua, Di. Me dar uma notícia dessas no trabalho,
nem posso pular em cima de você.
— Ué, queria que eu esperasse o fim de semana para te contar?
Acabei de descobrir.
— Ai meu Deus. Ai meu Deus. Ai meu Deus. — Ela repete sem
parar, balançando as mãos e é impossível não sorrir diante disso.
Se bem me lembro, há um tempo, eu jamais imaginava que me
envolveria com alguém dessa forma. Eu pensava que quando alguém
chegasse à minha vida, eu perderia meu foco e acabaria me prejudicando e
hoje vejo como estava enganado.
Caroline é uma das pessoas que mais me incentiva e torce por mim.
Se não fosse pelo seu apoio, eu jamais conseguiria.
— Marrentinha, preciso ir trabalhar. Estamos combinados então no
domingo?
Ela assente diversas vezes e me abraça bem apertado antes de me
deixar sair.
Pessoas como ela fazem a vida ficar mais leve e as vitórias muito
mais gostosas.
Disso eu tenho total certeza.
Como combinado, levei minha namorada para jantar em um
restaurante italiano. Ver o sorriso estampado em seu rosto por estarmos
dividindo um momento mais íntimo e ainda comemorando uma conquista tão
importante me deixou feliz pra caramba.
Eu nem sei se sou merecedor de tanto amor assim.
Assim que chegamos a seu apartamento, Carol abre a geladeira e
pega duas cervejas, já me encontrando sentado no sofá, sem camisa. Hoje vou
dormir aqui e amanhã vamos juntos ao trabalho.
Estamos fazendo isso todos os fins de semana, quando não durmo
aqui, ela dorme comigo e essa é a nossa forma de aproveitarmos cada
segundo do nosso momento de folga. Já devo dizer que nem imagino mais
meus finais de semana sem ela.
— Estou nas nuvens, Di... Ainda acho que não é verdade. — Ela
me entrega uma garrafa e se senta de frente para mim, colocando suas pernas
em meu colo.
— Nem me fale, amor. Mas é mesmo verdade. Agora é só esperar a
convocação, sei que demora, mas não estou me importando. O mais difícil já
passou.
— Com certeza, e vai passar rápido, você vai ver.
— Quando esse dia chegar, se prepare, pois vai ter que aceitar se
casar comigo.
Ela engasga com a bebida e arregala os olhos para mim, me
fazendo rir.
— Ué, Caroline, não é você que diz que quer ficar para sempre
comigo? — Eu a cutuco e ela começa a gaguejar. — Ou você não me quer?
Finjo uma expressão de ofendido e ela logo se recompõe.
— Claro que eu te quero, Diogo. É só que... Você me pegou de
surpresa, sabe? Eu não...
— Mas eu não te pedi em casamento ainda. — Brinco com ela que
me fuzila com o olhar. — Eu disse que um dia vou pedir, pode ser tanto
amanhã como daqui a dois anos.
— Tão engraçadinho... — Ela fica mais relaxada e eu rio.
Sei que poderia ficar sentido com a sua reação, mas não fico. Por
mais que tenhamos já comentado sobre ficarmos juntos por muito tempo, o
nosso relacionamento é recente e a minha marrentinha ainda é nova para
pensar nisso.
Mas o que eu não tenho dúvidas é de que quero passar todos os
meus dias com ela e com ninguém mais.
— E você conseguiu descobrir alguma coisa nos extratos? —
Decido mudar de assunto para quebrar o clima.
Depois daquela conversa com o delegado, nós continuamos na
busca incessante de provas. Conseguimos associar seis adolescentes das
fichas da ONG com os relatórios do Marcos. Então, acreditamos que temos
pelo menos seis vítimas de abuso.
Como única herdeira e inventariante dos pais, Carol conseguiu
acesso a extratos bancários antigos dos seus pais, como forma de descobrir
qual foi a oficina que eles levaram o carro para revisão dias antes do acidente.
— Na verdade não, Diogo. Essa semana de provas finais me
esgotou e eu dei uma passada rápida de olho, mas são tantas informações que
fiquei perdida.
— Quer que eu veja para você?
— Ah, amor. Mas está tão tarde...
— E desde quando eu durmo cedo? Se eu não conseguir encontrar
hoje, termino amanhã.
— Tudo bem. — Ela se levanta e vai até o quarto. Pouco depois
retorna com um envelope e me estende.
Eu me endireito no sofá e pego o pacote, já retirando os papéis lá
de dentro e me espanto com a quantidade de informações.
— Eu te falei que era muita coisa.
— Não faz mal. É bom que se precisarmos procurar outras pistas,
já temos esse material em mãos.
Ela assente e se senta ao meu lado mais uma vez. Corro os olhos
pelos extratos e quando chego ao mês do acidente, analiso linha por linha até
encontrar algo que me chama atenção.
Dezenove de abril de dois mil e quatorze.
Três dias antes do acidente.
— Acho que encontrei. — Aponto para ela que chega mais para
olhar. — Aqui. Teve um débito em conta para Oficina Multimarcas quatro
dias antes do acidente. Só pode ser o local que seu pai levou o carro.
— Diogo do céu! — Seus olhos brilham e um sorriso enorme surge
em seu rosto, como se eu tivesse feito a descoberta do ano.
— Não foi difícil, amor. Fui direito na semana do acidente, você
não viu porque estava com a cabeça cheia por causa das provas, isso
acontece.
— E agora? Será que conseguimos alguma coisa? Meu pai podia
ter guardado essa nota fiscal em algum lugar.
— Você tem todos os documentos dele guardados ainda?
— Tenho, eu não joguei nada fora, justamente por pensar que um
dia fosse precisar de alguma coisa.
Certa vez, Carol me contou que o apartamento que eles moravam
foi vendido e ela comprou uma quitinete quando seu tio se mudou, já que
moraria sozinha e guardou o restante do dinheiro. A pensão que recebia do
pai foi cortada assim que completou vinte e um anos, por isso ela conseguiu o
emprego lá na loja, pois por mais que seu tio a ajudasse financeiramente, ela
não queria ficar dependendo dele.
E quando se mudou para cá, trouxe consigo caixas de documentos e
pertences pessoais dos pais e da irmã, dos quais ela não conseguiu desfazer.
— Se seus pais faleceram pouco depois da revisão, devem ter
guardado a nota fiscal de serviço, podemos procurar por ela.
— Verdade, Diogo, mas é tanta coisa...
— Ei, relaxa... Eu vou te ajudar, está bem? Não estamos com
pressa. É bom analisarmos com calma, pois podemos encontrar outras
evidências por lá.
— Tudo bem, faremos isso.
— Ótimo, amanhã começamos então. — Coloco os extratos de
volta no envelope e deixo em cima da mesinha de centro. — Agora quero te
aproveitar um pouquinho.
Ela sorri de uma forma nada inocente e logo sobe no meu colo, me
circulando com suas pernas. Eu tomo sua boca na minha com uma
necessidade urgente.
Carol fricciona seu quadril em cima da minha ereção enquanto nos
beijamos e devo dizer que ela sabe bem me provocar, sabe como me deixar
louco. Ela aperta meus cabelos enquanto eu aprofundo ainda mais nossos
beijos, daqueles que tiram todo o ar dos pulmões.
Sei que estou quase no limite e quando desço minha boca até o seu
pescoço, ela me surpreende, se afastando de mim e pegando minha carteira
em cima da mesinha.
Ela sabe que sempre tem uma camisinha lá.
Meu peito sobe e desce em expectativa quando a vejo abrir o zíper
da minha calça e me libertar de lá, colocando o preservativo lentamente.
E porra, esse foi o gesto mais sexy que ela já fez para mim.
Ela continua em cima do meu colo e está de vestido, então ela
apenas afasta sua calcinha e monta em cima de mim, me preenchendo de uma
vez.
Um gemido escapa de nossos lábios quando eu chego ao fundo e
ela me empurra devagar até eu bater as costas no sofá, tomando o controle da
situação.
A cada dia que passa essa mulher me surpreende ainda mais. Vê-la
se movendo em cima de mim, buscando nosso prazer, me leva à loucura.
Assim que ela acelera o movimento e morde o lábio, eu não
aguento mais me segurar e me perco dentro dela. Pela forma como ela me
aperta contra si, sei que também chegou ao ápice.
Carol deita a cabeça em meu peito e eu a envolvo com meus
braços, demonstrando todo carinho e suavidade, bem diferente do que
acabamos de viver.
— Eu te amo tanto, Diogo...
Ela sussurra em meu abraço e eu sorrio, beijando seus cabelos.
— Eu também te amo, Caroline. Mais do que pensei que fosse
capaz de amar alguém um dia.
Eu a sinto sorrir em meu peito e a beijo mais uma vez, mostrando
todo meu carinho.
Mostrando que ela é tudo que me basta.
E sempre vai ser.
Já são quase nove horas da noite e eu e Carol estamos revirando as
caixas de documentos e pertences de seus pais. Quando ela disse que era
muita coisa, não estava mentindo.
Estou perdido no meio de documentos, receituários, contas pagas e
uma infinidade de coisas sem sentido. Até uma flor desidratada eu encontrei
aqui. Não sei como a Carol conseguiu guardar essas coisas por tanto tempo.
Alguns papéis já estão apagados e outros perderam o valor comercial, mas ela
mantém tudo do mesmo jeito, incapaz de desfazer de uma linha. Ah, e
acredite. Encontrei uma linha de costura por aqui também.
Nos dividimos por tarefas e, enquanto eu analiso item por item da
caixa de sua mãe, ela analisa a de seu pai. Isso porque ainda nem chegamos
aos pertences em comum.
Deus, acho que essas coisas nunca terão fim.
Mas por um lado sinto um aperto no peito por mexer nos pertences
deles, é como se eu estivesse invadindo a privacidade, pois toda a vida de um
casal está resumida nessas caixas diante de mim.
Pego uma agendinha azul no canto da caixa, que me chama
atenção, tiro o elástico que a prende e começo a folheá-la com cuidado. Nela
contém telefones e e-mails de algumas pessoas e, em alguns casos, até
endereço. Corro os olhos com cuidado para ver se encontro algo que possa
ajudar e assim que vejo ONG Acolher no início da página e nomes e telefones
abaixo, sinto minha mão tremer.
— Achei! — Digo em voz alta para Carol que na mesma hora para
o que está fazendo e vem até mim.
— O quê?
Aponto para a agenda em minhas mãos e seus olhos brilham ao ver
o nome da ONG.
— Encontrei essa agenda de telefones da sua mãe e essa página
parece ser de pessoas da ONG.
— Ai, Diogo! Que maravilha!
— Cristina secretária... — Começo a ler os nomes escritos e ela
me ouve atentamente. — Paulo... Lúcio tesoureiro... Marta... Francisco
zelador... Joel... E Janaína.
— Diogo! É isso! — Ela se levanta empolgada e começa a andar
em círculos diante de mim. — Temos o contato de sete pessoas envolvidas na
ONG, se conseguirmos falar com pelo menos uma delas, será maravilhoso!
— Verdade, talvez uma delas saiba onde estão os documentos da
ONG que sumiram.
— Sim! Podemos ligar?
— Agora? — Coço a barba confuso, será mesmo o melhor
momento?
— É claro!
— Não está meio tarde?
— Ninguém dorme nove horas da noite, Diogo! — Ela faz uma
pose brava e eu rio. Impossível impedi-la de fazer qualquer coisa agora.
— Tudo bem então. Coloque em viva voz, pois quero acompanhar.
Ela assente e pega seu celular, se sentando ao meu lado.
O primeiro número que ela tenta, é o da Cristina, mas esse chama
até cair a ligação.
— Vamos tentar esse Paulo então. — Ela passa para o próximo da
lista.
— O número que você ligou não recebe chamadas ou não existe.
— Droga! Vamos tentar o próximo.
Desligado ou fora de área.
E então passamos para o próximo, mas quem atende é uma pessoa
que nem nunca ouviu falar de Marta.
Tentamos todos os números, mas eles simplesmente deixaram de
existir ou passaram para outra pessoa.
Que estranho...
— Como é possível todos eles mudarem o telefone em cinco anos?
Nunca ouviram falar em portabilidade? — Carol resmunga, encostando-se no
sofá.
— Pois é... Muito estranho isso.
— Era nossa melhor pista. — Ela choraminga e eu pego sua mão,
acariciando.
— Calma, a Cristina só não atendeu, amanhã podemos tentar mais
uma vez.
Ela assente sem muita convicção e eu suspiro. Eu imaginava que
seria difícil, mas não tanto e ver a frustração nos olhos da minha namorada
acaba comigo.
Tinha que ter uma forma de encontrar mais alguma coisa...
E então eu volto a minha atenção para a caixa e retomo de onde
estava, procurando por alguma coisa que nem eu mesmo sei o que pode ser.
Passamos a próxima hora em silêncio e o único som que se ouve no
cômodo é o de páginas se passando.
Estou prestes a encerrar a minha busca quando um documento com
o título de Polícia Militar me chama atenção.
— Achei! — Carol dá um grito e eu solto o documento na mesma
hora, voltando minha atenção a ela. — A nota fiscal da oficina!
Ela se levanta e vem se sentar ao meu lado mais uma vez, com o
semblante iluminado, me fazendo relaxar.
— Está um pouco gasta, mas dá para ler perfeitamente. Só não
entendo patavinas do que essas peças querem dizer.
— Me deixa ver isso... — Pego a nota da sua mão e tento analisar,
mas sem muito sucesso. — Algumas letras estão apagadas e os códigos dos
produtos não são muito familiares para mim.
— Hum... — Ela responde apenas, visivelmente decepcionada.
— Mas olhe. — Aponto para o campo inferior da nota, onde consta
o nome do prestador do serviço. — Temos o nome do funcionário que mexeu
no carro do seu pai, talvez isso ajude.
Ela assente em silêncio e eu sorrio para ela.
— Vamos guardar tudo para levar ao Rogério, estamos chegando
perto, está vendo? É só procurar mais.
— Está bem. — Ela assente e retorna ao que estava fazendo. Em
seguida, me lembro daquele documento que chamou minha atenção.
Volto para caixa e assim que o vejo, chamo a Carol.
— Achou mais alguma coisa?
— Um boletim de ocorrência.
Sua boca se abre e ela chega mais perto de mim.
— Mas de quê?
— Não sei, deixa eu ler.
Corro os olhos pelo papel e sinto meu coração gelar, pois acho que
conseguimos encontrar a prova mais importante até agora.
— É isso! Acho que conseguimos!
— O quê? Fala logo!
— Isso é um B.O. da queixa que seu pai prestou sobre uma ameaça
de morte que estava recebendo.
— Mentira! — Puxa o papel da minha mão e se levanta mais uma
vez, visivelmente eufórica. — Diogo! Isso é melhor do que o esperado! Meu
pai realmente recebeu ameaças, então não é mais uma suposição.
— Pois é... Uma pena que não cita nomes nem nada relacionado à
ONG, né?
— É... Mas fala que ele recebia ligações anônimas, mensagens de
números desconhecidos e chegou a ter sua clínica particular invadida.
Ela passa algumas páginas e se senta ao meu lado mais uma vez,
me mostrando.
— Olha! Temos fotos da clínica toda revirada.
— O que é isso escrito na parede? — Eu aponto para uma pichação
atrás de sua mesa.
— “Fique longe disso.”
Sinto um gelo no estômago ao ler isso, pois pelo visto estamos
mexendo em coisa bastante perigosa.
— Qual é a data do boletim? — Pergunto a ela, pois ficamos tão
eufóricos que nos esquecemos desse detalhe.
— Dez de março de dois mil e quatorze.
— Pouco mais de um mês antes do acidente... — Concluo.
— E pelo visto meu pai não ficou longe disso. — Ela bufa frustrada
e eu vejo como é doloroso para ela revirar todos esses arquivos.
— Por acaso ele se parece com alguém que eu conheço? — Brinco
com ela, que ri sem humor. — Ei... — Abro meus braços a ela, que vem até
mim e eu a embalo com carinho. — Seu pai foi uma vítima, Carol. Ele
poderia realmente ter se afastado disso, mas quem garante que ele não o fez?
Gente perigosa não tem piedade, amor. E seu pai lutou para ajudar outras
pessoas, sua morte não foi em vão.
Ela suspira em meus braços e eu sinto uma lágrima solitária cair em
minha perna. Nesse momento me afasto dela só para acariciar seu rosto.
— Ele foi um herói, Caroline. Sua atitude foi louvável. Nós vamos
conseguir colocar o culpado na cadeia, você vai ver.
— Obrigada, Di. Você não sabe o quanto isso é importante para
mim.
— Não precisa agradecer, marrentinha. Estarei aqui sempre por
você, até não me querer mais. — Sorrio e beijo seus lábios com suavidade,
vendo-a relaxar.
— Como se fosse possível eu não querer mais você.
Sorrio por isso e a abraço mais uma vez.
Sinto um alívio por estarmos chegando perto de provar que seu
acidente foi intencional, mas ao mesmo tempo, fico com uma pulga atrás da
orelha. Pois mexer com esse tipo de gente é como cutucar onça com vara
curta.
E eu espero muito estar enganado...
— Interessante esse boletim... — Rogério analisa atentamente a
cópia de todos os documentos que levamos e parece gostar do que vê. — Não
sabia que seu pai estava sendo ameaçado na época.
— Pois é... Eu também não. — Carol aperta as mãos no colo e eu
acaricio seus ombros.
— E conseguiu também a nota fiscal da Oficina. — Ela assente e
ele continua. — Vocês não brincam em serviço, hein? Estou impressionado!
Ele sorri e ela fica mais relaxada.
— Acha que conseguimos o acesso às câmeras de segurança? —
Ela pergunta e ele cruza os braços em cima da mesa.
— Não é tão fácil assim, pois precisamos de um mandato para isso,
mas vou ver o que consigo fazer.
— Obrigada.
— Vocês disseram que não conseguiram contato com os telefones
da agenda? — Jorge pergunta de pé ao lado da mesa.
Nesse nosso segundo encontro com o Rogério, ele estava dentro da
sala quando chegamos e eu pedi a ele que ficasse, pois penso que mais uma
pessoa ao nosso lado será melhor.
Ele ouviu tudo atentamente e se dispôs a nos ajudar no que for
preciso.
— Nada. Todos desligados ou agora estão com outra pessoa que
não os conhecem. — Eu respondo, coçando a nuca.
— E os e-mails?
— Todos retornaram, parece que foram excluídos. — Carol
responde, em tom frustrado. — Tentamos procurar no Google, redes sociais,
mas sem sobrenome é como procurar agulha em palheiro. Como podem ter
simplesmente desaparecido? Essa ONG era reconhecida na época.
— É bastante suspeito isso mesmo. Vamos procurar nos registros
da ONG e ver se encontramos alguma informação. — Rogério responde e
apenas assentimos.
Discutimos por mais alguns minutos sobre o que mais poderíamos
encontrar e assim que ele nos garante que nos manterá informados, nos
despedimos para sair, mas antes que eu feche a porta, tenho uma ideia.
— Jorge, posso falar com você um minuto?
— Claro. — Ele nos acompanha até a saída da delegacia e eu
coloco as mãos no bolso, pensando no que falar.
— Você estará livre no próximo domingo? — Pergunto sem
rodeios e Carol ergue uma sobrancelha para mim, já segurando o riso.
— Hum... Acho que sim. Por quê?
— É meu aniversário e devo fazer um churrasco lá em casa, vai ser
um prazer ter você conosco.
Os olhos do cara brilham e um sorriso gigante toma o seu rosto, e
eu preciso me segurar muito para não rir.
— Claro, claro. — Ele dá uma gaguejada e eu sorrio. — Vocês
ainda moram no mesmo lugar?
— Sim, mesmo endereço. Ao meio dia está bom para você?
— Perfeito! Estarei lá.
— Combinado. — Dou um tapinha em suas costas e me viro para ir
em direção à minha moto, mas antes que eu chegue, ouço sua voz me chamar.
— Diogo?
— Sim?
— Obrigado. — Ele diz simplesmente e eu aceno, me despedindo.
— A sua mãe vai te matar. — Carol diz, assim que monta na minha
moto.
— Ela nem vai ficar sabendo.
— Você não vai contar para ela? — Ela me aperta pela cintura e eu
rio.
— Do churrasco, sim. Do Jorge, não.
Ela solta uma risada e eu dou partida na moto, já pensando no que
esse encontro pode causar.
Pode dar muito errado, eu sei.
Mas se der certo...
Vai dar muito certo.

— Oi, tio. — Carol atende à ligação de William assim que


chegamos a seu apartamento.
Hoje é sábado e assim que saímos da delegacia, viemos para sua
casa para namorarmos um pouco antes que meu expediente comece.
— Oi, Carolzinha. Tudo bem?
— Tudo ótimo! — Ela vira o celular em minha direção e eu aceno
para tela.
— Fala, Will. Tudo bem?
— Tranquilo, e por aí? Tendo muito trabalho com essa mocinha?
— Só um pouco... — Levo uma trombada dela e rio, me sentando
no sofá. Logo ela faz o mesmo e se aconchega a mim.
— Tio, acabamos de vir da delegacia e acho que estamos no
caminho certo.
— É mesmo?
Ela assente e começa a contar a ele sobre tudo que descobrimos e o
que o Rogério falou, visivelmente empolgada.
— Isso é ótimo, Carol. Mas tome cuidado, viu? Não estamos em
seriado americano e mexer com esse tipo de gente pode ser bem perigoso.
— Eu sei disso, não se preocupe. Diogo não me deixa fazer nada
sozinha e, além disso, temos um delegado e um detetive nos ajudando, então
eu fico mais tranquila.
— É bom saber disso.
— Nós vamos descobrir quem fez isso com meus pais, tio. Não vou
descansar até descobrir isso.
— Eu sei que vão, você é bem determinada quando quer.
Conversamos por mais alguns minutos e, antes de nos despedirmos,
garantimos que iremos tomar cuidado. Ver o carinho e preocupação que seu
tio tem com ela, me faz sorrir. Ela não está tão sozinha afinal, mesmo que ele
esteja longe, sempre se faz presente por ela.
— Quer tomar sorvete, amor? — Ela me pergunta já se levantando
do sofá.
— Precisamos sair para isso? — Eu resmungo e ela ri.
— Não, leãozinho. Eu tenho no freezer, vou pegar.
Pouco depois ela retorna com duas taças de sorvete de flocos e se
acomoda ao meu lado.
— Então você vai mesmo fazer uma festa de aniversário?
— Não é bem uma festa, Carol. Só um churrasco para algumas
pessoas. Devo chamar o Marcão e a Rebecca e o Bruno com a Daniela.
— Quem diria que aqueles dois fossem ficar juntos, hein?
— Pois é, isso porque ele riu de mim quando eu disse que estava
apaixonado.
— Homens... — Ela balança a cabeça e ri. — Mas eu gosto dos
dois juntos, aquela vez que saímos foi bem divertido.
— Foi sim. Conheço o Bruno desde criança e ele é gente fina,
merecia encontrar alguém legal e acho que os dois devem dar muito certo,
porque ele não cala a boca um minuto e ela fala bem pouco.
— Eu brinco com ela que ali os papéis são invertidos, pois ela é o
homem da relação.
— Verdade.
— E o Jorge? Será que vai mesmo?
— Você tem dúvidas?
Ela solta uma risada, enquanto eu coloco uma colher de sorvete na
boca.
— Será que isso vai dar certo?
— Não sei, mas preciso muito arriscar. E algo me diz que quando
dona Júlia bater os olhos nele, vai se derreter toda.
— Ele é bem bonitão, né? Alto e forte, cabelos lisos pretos, parece
um índio.
— Pois é... O cara tem seu charme. — Pisco para ela, que ri.
— E eu vivi para ver isso. O meu namorado ranzinza e mal-
humorado agora se tornou um cupido.
— Ei... Não sou mais ranzinza e você sabe disso. — Ela dá de
ombros e eu rio. — E por vocês duas eu faço tudo, inclusive dar uma de
cupido.
Ela sorri e coloca sua taça de sorvete na mesinha, tocando meu
rosto e meus cabelos com um olhar muito apaixonado.
É só ela me olhar assim que eu derreto todo.
Sempre.
— Você é tão lindo, leãozinho.
E me beija.
Um beijo daqueles que me leva às alturas.
E por ela eu vou às alturas mesmo, vou do céu ao inferno num
piscar de olhos.
Desligo a moto na frente de casa e a empurro pela garagem quando
abro o portão. Todos os dias faço esse ritual para não acordar a minha mãe ao
chegar do trabalho de madrugada.
Brinco com o Eddie baixinho, impedindo-o de latir e assim que ele
se dá por satisfeito, eu contorno a lateral da casa e tiro as chaves do bolso ao
chegar à porta da cozinha.
Giro a maçaneta devagar e assim que abro, vejo as luzes se
acendendo e um grito animado de Feliz aniversário ecoa o ambiente.
Coloco as mãos no peito e olho assustado para as duas mulheres da
minha vida que estão segurando um bolo cheio de velas com um enorme
sorriso no rosto.
— Querem me matar de susto? — Eu resmungo, mas sou ignorado
por elas, que vêm até mim cantando os parabéns, cheias de euforia.
O que eu faço com essas duas?
— Você não ia dormir na Daniela, Caroline? — Arqueio a
sobrancelha assim que recebo um beijo breve nos lábios da minha namorada.
— E perder a sua cara de pamonha quando viu a surpresa? Mas é
nunca!
Eu fecho a cara para ela que ri de mim e me beija mais uma vez,
puxando o elástico dos meus cabelos.
Eu já nem os solto mais quando estou com ela, pois ela adora
mexer neles.
— Feliz aniversário, meu filho. — Minha mãe vem até mim e me
abraça, cheia de amor, me fazendo sentir uma pontada de culpa pelo que eu
armei para ela amanhã, mas sei que ela vai me perdoar depois.
— Agora vamos comer o bolo! Não aguentava mais esperar! —
Carol sinaliza para nos sentarmos à mesa que já está arrumada e com os
pratos dispostos.
— Vocês armaram isso tudo nas minhas costas? Que coisa feia...
— Eu finjo seriedade quando me sento e recebo uma careta das duas.
— Coisa feia é deixarmos passar isso batido! — Carol responde, já
cortando pedaços de bolo e nos servindo.
— Vocês poderiam ter deixado para fazer isso amanhã cedo, não
precisavam ficar esperando por mim. — Franzo o cenho por isso. Realmente
não sei o que deu nessas duas loucas para ficarem acordadas até duas horas
da manhã me esperando.
As duas cruzam olhares cúmplices e riem.
— De onde ele puxou todo esse drama, Júlia? De você?
— Eu não costumo ser dramática assim, e nem o pai dele era. Então
não sei, talvez algum bisavô carrancudo...
— Ei! — Jogo uma bolinha de guardanapo nela, que me devolve,
morrendo de rir.
Terminamos de comer o bolo conversando e contando um ou outro
caso engraçado e, sim, minha mãe é daquelas que conta às namoradas os
podres da infância. Por mais que eu tenha vontade de matá-la por isso, acabo
me divertindo também.
Não enrolamos muito na conversa devido o horário e logo nos
despedimos da minha mãe, que vai para seu quarto, e Carol me acompanha
até o meu.
Assim que ela fecha a porta, tiro a camisa e a calça jeans, chutando
meus tênis para o canto.
— Se ter a visão de você de cueca for a recompensa por invadir sua
casa à noite, vou passar a vir todos os dias então. — Ela brinca e eu estendo a
mão para ela, que aceita e vem até mim.
Embalo seu corpo no meu e ficamos por um longo tempo assim,
apenas em silêncio, sentindo o calor do corpo um do outro e ouvindo o som
da nossa respiração.
— Eu te amo, marrentinha. — Digo assim que me afasto dela,
acariciando seu rosto. — Obrigado pela surpresa, não tem coisa melhor que
chegar em casa e encontrar você aqui.
Ela sorri tímida e se inclina para me dar um selinho.
— Feliz aniversário, leãozinho. Você está ficando velho, hein?
Acho que meu próximo presente para você já pode ser uma dentadura.
— Rá, rá. Tão engraçadinha.
Ela ri e se afasta de mim, indo em direção à sua mochila.
— Tenho um presente para você.
Eu me sento na cama e espero ela vir até mim com dois pacotes em
suas mãos.
— Dois presentes? — Arqueio a sobrancelha, curioso.
— Você merece muito mais do que isso, mas pode se contentar
com apenas dois.
Ela dá de ombros e eu inclino para lhe dar um beijo breve antes de
pegar um pacote de sua mão. Eu caio na risada quando abro e retiro um leão
de pelúcia lá de dentro.
— Para você nunca se esquecer de que é o meu leãozinho. Só meu.
— Ela me abre um sorriso provocador. Eu não resisto e a puxo para um beijo
apaixonado.
— Pode deixar, marrentinha. Sou só seu. — Pisco para ela e me
levanto, colocando o leão em cima do meu criado-mudo, já gargalhando por
ver o bichinho enfeitando ali.
— Sabe que ficou bem fofo, né?
— Ah, claro. Eu só não implico com você porque não preciso mais
provar minha masculinidade para ninguém. — Eu a provoco, que solta uma
gargalhada gostosa.
— Não precisa mesmo. — Ela pisca para mim e lança um sorriso
nada inocente.
Me sento ao seu lado e já vou em direção ao seu pescoço,
inspirando seu aroma.
— Eu amo seu cheiro...
Ela se arrepia toda e eu sorrio.
— Não me atrapalhe, Diogo. Preciso te dar o seu segundo presente!
— Mas o que foi que eu fiz?
Dou uma de desentendido e levo um tapa por isso.
Ela ri e se endireita na cama, me estendendo o segundo pacote.
Abro com cuidado e assim que vejo o que tem lá dentro, sorrio.
— Uau... Uma jaqueta de couro nova! — Desdobro a jaqueta e
visto rapidamente, vendo que ficou perfeita no corpo.
Me inclino para dar um beijo nela, que sorri satisfeita assim que se
afasta.
— Gostou? Eu sei que você já tem, mas fica tão sexy usando uma...
— Ela morde o lábio e eu rio.
— Sexy, é? — Colo minha boca na sua mais uma vez e roubo um
beijo bastante apaixonado. — Eu amei, amor. Jaqueta nunca é demais! E o
mais importante do que é isso é o carinho que você teve em querer me
agradar.
Ela sorri ainda mais e circula meu pescoço com suas mãos, me
beijando de uma forma nem um pouco inocente.
Minutos depois já deixamos os presentes de lado e estamos
perdidos nos braços do outro, fundindo nossos corpos com todo amor que
vem de nós.
E eu nem preciso dizer que essa é a melhor forma de se comemorar
um aniversário.

— Parabéns, Diogão! — Bruno me cumprimenta assim que chega


perto da churrasqueira, onde estou trabalhando há um tempo.
— Valeu, cara! — Me afasto e vejo que ele está de mãos dadas
com a amiga da Carol, o que me faz ter muita vontade de rir da cara dele, mas
não vou fazer isso na frente da menina.
— Parabéns, Diogo! — Daniela me cumprimenta um pouco sem
graça e eu a abraço, agradecendo.
— Podem ficar à vontade, a Carol daqui a pouco aparece por aqui.
— Aceno e eles se acomodam em uma mesa ao canto do nosso quintal.
Hoje o sol está modesto, o que ajuda bastante e organizamos a área
externa da casa, de uma forma bem aconchegante. Dona Júlia e Caroline
trabalharam com maestria para deixar tudo perfeitamente organizado,
enquanto eu fiquei com a parte mais pesada.
Tive que prender Eddie na coleira, pois por mais que meu cachorro
seja um doce, muita gente tem medo dele e ele não sabe ser educado e sempre
quer pular no colo do primeiro que aparece.
Aos poucos o pessoal do serviço vai chegando, havia pensado em
convidar apenas o Marcão e a Rebecca, mas acabei chamando todo mundo no
fim das contas. É melhor evitar a fadiga e não podia deixar o Ricardo de fora
depois de ter me ajudado tanto naquele dia em que mais precisei.
As pessoas vão se acomodando nas mesas e Carol faz um excelente
trabalho de anfitriã, recebendo a todos e servindo o que for preciso. Eu me
pego viajando aqui em como seria um dia dividir um lar com ela.
O interfone toca mais uma vez e pela rápida olhada que dou pelas
mesas, sei que é meu convidado especial.
— Mãe, a senhora podia abrir o portão, por favor? — Ela assente,
toda solícita, e eu solto uma risada quando Carol chega perto de mim.
— Essa eu quero ver. Cadê a pipoca?
Rio ainda mais e minutos depois vejo minha mãe vindo em nossa
direção, acompanhada de Jorge, branca feito um fantasma.
Ela me lança um olhar mortal e eu apenas dou de ombros, indo de
encontro a eles.
— Feliz aniversário, Diogo! — Ele me cumprimenta um tanto sem
graça e eu dou um jeito de fazer o cara relaxar.
— Obrigado, Jorge. Valeu mesmo por ter vindo! Pode se sentar
aqui. — Eu indico uma mesa vazia próxima à churrasqueira. — Minha mãe
lhe fará companhia.
Dona Júlia me fuzila com o olhar de novo e eu estou me esforçando
muito para segurar o riso.
— Eu também vou me sentar com vocês. — Carol procura
amenizar e dá uma piscada para a sogra antes de acomodá-los. — Quer beber
alguma coisa, Jorge? Uma cerveja?
— Aceito sim, Caroline. Obrigado.
Ela se levanta e deixa os dois sozinhos na mesa e minha mãe fica
visivelmente sem graça e me pego pensando se realmente foi uma boa ideia
ter feito isso. Mas que o cara balança suas estruturas, isso é fato.
Carol retorna pouco depois com as cervejas e se senta com eles, já
engrenando uma conversa despreocupada e, aos poucos, vejo minha mãe
relaxar, vez ou outra ri de algum comentário dele.
Eu me esqueço um pouco deles e volto minha atenção à
churrasqueira, que não para um minuto e Bruno logo se põe ao meu lado para
me ajudar e servir o pessoal.
— E esse cara com a sua mãe, quem é? — Ele me pergunta e assim
que viro em direção a eles, vejo que Carol já saiu e está na mesa com os
nossos colegas de trabalho.
Boa garota!
— É um antigo amor da minha mãe e eu meio que estou fazendo
eles se esbarrarem de novo.
— Porra, Diogo. Foi só se apaixonar que está querendo lançar a
flechinha em todo mundo agora?
Solto uma risada, pois esse cara não existe.
— Nem vem com essa, eu não tive nada com você. Procurou a
Daniela e se engraçou sozinho.
Ele sorri e coça o queixo, visivelmente apaixonado.
— Cara, ela é muito foda.
— É... Deu para perceber. Está todo abobado aí.
Ele fecha a cara para mim e eu rio ainda mais.
— Está vendo, né? Pimenta nos olhos dos outros é refresco.
— Está certo, está certo... — Ele balança a cabeça assentindo. Por
mais que eu esteja pegando no seu pé, é inevitável ficar feliz por esse cara.
Ele merecia muito uma pessoa legal.
— E como foi lá ontem? — O pergunto, pois sei que foi o dia de
conhecer os pais dela e ele estava se borrando comigo no dia anterior.
— Cara, foi muito tranquilo. A família dela é gente fina demais e
me recebeu mito bem.
— Eu te falei que ia dar certo. Estava se borrando à toa...
Ele assente e pega um bife na grelha para cortar, enquanto eu viajo
em pensamentos por um minuto.
Quem me dera ter a chance de conhecer os pais da minha
namorada. Não precisei ser apresentado a ninguém e muito menos ter
aprovação. Sinto uma pontada no peito por isso. Sei o quanto ela ficaria feliz
se pudesse ter a chance de me apresentar aos seus pais.
Bruno sai para servir alguns convidados e Carol se aproxima de
mim, com um sorriso cúmplice no rosto.
— Acho que está funcionando.
Olho de lado e vejo minha mãe rindo de algum comentário do
Jorge e toca o braço dele, de forma despreocupada, fazendo um sorriso
gigante abrir em meu rosto.
— Podia dar muito errado, amor. Mas eu precisava arriscar, né?
— Seus instintos estavam certos, leãozinho. — Ela sussurra em
meu ouvido e morde a minha orelha, antes de se afastar.
— É, Caroline... — Ouço sua risada já longe e balanço a cabeça
sorrindo.
A tarde passa voando e, depois que minha mãe insiste em trazer
mais um bolo e cantar os parabéns mais uma vez, aos poucos os convidados
vão se despedindo, já satisfeitos de tanto comer.
Foi uma tarde muito gostosa e digna de muitas risadas. Eu e o
Bruno nos revezamos na churrasqueira para que eu pudesse sentar um pouco
com meus convidados e foi ótimo esse momento de concentração.
Depois que todos foram embora, Bruno, Daniela e Jorge nos
ajudaram a organizar a bagunça e logo meu casal de amigos se despediu
também, restando apenas o Jorge. Pela maneira como ele e minha mãe se
olham, sei que fiz a coisa certa.
— Bom, acho melhor eu ir. Muito obrigado pelo convite, Diogo.
Foi ótimo passar esse tempo com vocês.
— Eu que agradeço pela visita, Jorge. Volte mais vezes.
Ele assente sorrindo e minha mãe fica um pouco desconcertada, até
tomar uma atitude que me deixa surpreendido.
— Eu te acompanho até o portão, Jorge. — O cara não consegue
disfarçar o sorriso e minha mãe caminha ao seu lado .
— Queria ser um mosquito uma hora dessas para ver o que aqueles
dois farão lá fora. — Carol comenta assim que os dois somem de vista.
— Deixa de ser bisbilhoteira, mulher. — Brinco com ela, que
apenas dá de ombros.
— Fala que você também não quer saber!
Eu rio e a conduzo para dentro de casa, onde esperamos no sofá.
Minutos depois minha mãe entra na sala com as bochechas
visivelmente coradas.
— Esteve boa a despedida, hein? — Brinco com ela, mas ela não ri,
apenas se senta no sofá ao lado, suspirando.
Suspirando...
Porra! Acho que consegui.
— Por que você fez isso, meu filho? — Ela se vira para me olhar
depois de ficar um longo momento em silêncio.
— O Jorge é um cara legal e está nos ajudando no caso da Carol,
quis ser educado. — Ela franze o cenho para mim, como se não acreditasse.
— Além do mais, ele fala tanto da senhora que achei que fosse bom para
vocês se encontrarem mais uma vez.
Ela apenas assente e não diz mais nada.
Pouco depois ela se levanta para nos deixar, mas antes eu preciso
perguntar.
— E como foi a conversa de vocês?
— Você quer saber se eu vou me encontrar com ele de novo, não é?
— Ela cruza os braços, indo direto ao ponto.
— Bom...
— Sexta-feira.
Eu arregalo os olhos, pois não esperava que fosse tão fácil assim.
— Como é?
— Vamos jantar na sexta-feira.
E sai, me deixando de boca aberta e com uma Carol muito eufórica
ao meu lado.
— Conseguimos, Di! — Ela dá pulinhos no sofá e eu quase nem
acredito no que acabei de ouvir.
— É sério isso? Eu não estou viajando?
— Não, amor. Ela vai mesmo sair com o Jorge. Ai meu Deus, nem
acredito que agora vou ter um sogro.
— Eu ouvi isso! — Minha mãe grita do outro cômodo e caímos na
risada.
Por essa eu realmente não esperava.
Definitivamente, esse é o melhor aniversário de todos os tempos.
Pego a minha namorada na porta de sua casa e assim que ela monta
na minha garupa, pegamos as ruas de Belo Horizonte, rumando ao endereço
onde funcionava a ONG em busca de respostas.
Durante as semanas seguintes, continuamos na busca incessante de
provas relacionadas à ONG, mas é como se esta tivesse evaporado ou nunca
existido, pois não há registro em lugar algum. Procuramos em todos os
cartórios da cidade e da região metropolitana e não chegamos a nada. O que
nos leva a crer que a pessoa que estava à frente devia mesmo ser alguém
importante, a ponto de conseguir eliminar os documentos com tanta
facilidade.
Além dos documentos não mais existirem, tem a questão dos
antigos voluntários, não conseguimos contato com nenhum deles, que
poderiam ser nossas testemunhas.
E as adolescentes que descobrimos os nomes, também
desapareceram. É estranho demais ter tantas pessoas envolvidas com isso e
simplesmente desapareceram. Então, penso que a situação é ainda mais feia
do que imaginávamos.
Depois de destrinchar a caixa de pertences dos seus pais e reunir
tudo que consideramos suspeito, chegamos à conclusão de que as garotas que
eram assistidas pela ONG e atendidas pelos pais da Carol de fato sofriam
abuso sexual. O que não sabemos é se era de alguém de dentro da ONG ou de
fora dela.
Mas para que seus pais fossem ameaçados daquela forma é porque
descobriram quem estava por trás de tudo isso. A pergunta que não quer calar
é: quem?
Tudo indica que seja o responsável pela ONG, presidente, ou
alguém da frente. Infelizmente não tivemos sucesso em descobrir isso devido
à falta de documentos. Os pais dela não escreveram o nome de alguém e não
citaram o responsável pela ONG, o que chega a ser frustrante.
Rogério está tentando conseguir o mandato para termos acesso às
câmeras de segurança da oficina, pois será a nossa melhor chance de
conseguirmos chegar perto do mandante, caso apareça alguma coisa nas
filmagens. Mas bem sabemos como é tudo lento nesse país. Então, ele está
tentando agilizar isso com a influência que tem e até o momento nos resta
aguardar.
Como não encontramos muitas informações da ONG, Carol se
lembrou do endereço da antiga sede por ter ido lá algumas vezes. Depois de
pilotar por um tempo, paramos na porta da casa que hoje funciona uma escola
de inglês.
— Era aqui? — Pergunto a ela, assim que descemos da moto.
— Era sim, mas está completamente diferente. — Seus olhos
vidram na fachada da escola, como se estivesse buscando semelhanças com a
antiga sede.
— E então, o que pensou em fazer? — Cruzo os braços e olho para
ela, que parece pensar por um instante.
— Vamos entrar? Quero ver se descubro alguma coisa.
— Não acho que darão informações a estranhos. — Arqueio a
sobrancelha para ela, mas ela não perde sua determinação.
— Observe. — Pisca para mim e caminha até a recepção com uma
postura confiante.
— Boa tarde. Em que posso ajudá-los?
— Boa tarde, tudo bem? — Carol coloca seu sorriso mais doce no
rosto e eu preciso me concentrar muito para me manter sério. — Estou
precisando de uma informação, não sei se pode me ajudar.
— Claro, pode falar.
— Nós vamos nos casar e estamos olhando um apartamento para
morar. — Ela me lança um olhar muito apaixonado e eu sorrio, segurando
muito para não rir. — Me disseram que quem alugou a casa para vocês tem
apartamentos incríveis com preço bom. Você teria algum cartão ou um
contato para me fornecer? Estamos mesmo precisando muito.
— Ah, claro! Eu te entendo, me casei há seis meses e sei
exatamente pelo que estão passando. — Ela sorri para a minha namorada e
vejo como essa Caroline é ardilosa.
— Pois é, já estou cansada de procurar e, infelizmente, os que
encontramos não cabem no nosso orçamento. Casar é sempre tão caro, não é?
Eu juro que estou ficando vermelho já de tanto segurar o riso e
estou louco para sairmos logo daqui, antes que eu coloque tudo a perder.
— Nossa, eu bem entendo. Tudo aqui em Belo Horizonte é muito
caro. Só um momento que vou procurar o telefone para vocês.
— Muito obrigada!
A recepcionista sai por um momento e nos deixa sozinhos ali. Eu
aproveito a brecha e solto uma risada.
— Já está me pedindo em casamento, marrentinha? — Eu a
provoco e ela me fuzila com o olhar.
— Shh! Fica quieto, Diogo! Deixe para rir depois. — Ela me
repreende e eu balanço a cabeça sorrindo.
Pouco depois a recepcionista volta, com um sorriso no rosto.
— Encontrei o cartão! O Sr. Joel é muito bacana, tenho certeza de
que poderá ajudá-los.
— Nossa, muito obrigada! Qual o seu nome mesmo?
— É Sara.
— Obrigada, Sara! Você nos ajudou demais! Tomara que tenhamos
sucesso dessa vez.
— Eu espero que sim! Boa sorte para vocês e felicidades pelo
casamento.
— Obrigada!
Nos despedimos dela e, assim que saímos, solto uma risada.
— Agora eu posso rir, né?
— Pode. — Ela se junta a mim na risada e eu beijo sua testa antes
de entregar a ela seu capacete. — Mas você precisa concordar que foi genial.
— Não tenho nem como discordar de você, marrentinha. No cartão
tem o endereço?
— Tem sim, pelo que eu estou vendo ele é corretor de imóveis, só
não sei se a casa é propriedade dele ou de terceiros, mas vamos ver o que
descobrimos. Podemos ir até lá?
— O que temos a perder? — Dou de ombros e subo na moto.
Assim que ela se acomoda atrás de mim e me abraça, dou partida, sendo
guiado por ela que acompanha o GPS pelo seu celular.
O local não é muito longe da escola e, cerca de quinze minutos
depois, paramos em frente a uma casa de dois andares com uma placa
pequena semelhante ao cartão que a Carol recebeu.
— Será que ele mora aqui? — Pergunto quando que descemos. Ela
me olha um tanto pensativa.
— Não sei. Parece que o escritório está fechado. — Aponta para a
porta de vidro, coberta por persianas. — Mas tem um interfone.
Pondero se devemos ou não tocar, mas é claro que Caroline é mais
rápida e, antes mesmo que eu diga qualquer coisa, já está tocando o interfone.
Como se eu fosse mesmo impedi-la de fazer alguma coisa.
— Boa tarde! Gostaria de ver o Sr. Joel, ele está? — Ela pergunta
assim que é atendida, ouve alguma resposta e vem até mim.
— E aí?
— Disseram que ele já vai descer. — Ela balança os braços de
forma ansiosa e eu sorrio.
— Qual será a mentira dessa vez?
— Não sei. Vou deixar para pensar na hora. — Solta uma risadinha
e eu reviro os olhos.
Essa mulher definitivamente não existe.
— Pois não? — Um senhor na faixa dos sessenta anos vem até nós,
com o semblante sereno e Carol abre um sorriso doce, daqueles que fazem
qualquer um derreter.
— Sr. Joel? Muito prazer, meu nome é Caroline e esse é meu
noivo, Diogo.
É, pelo visto fui mesmo promovido a noivo por um dia.
Apertamos a mão dele, que tem um sorriso amável no rosto. Acho
que a minha marrentinha vai conseguir essa de novo.
— O prazer é meu. Em que posso ajudá-los?
— Vamos nos casar e me disseram que o senhor tem ótimos
apartamentos para alugar, se pudesse nos apresentar alguns, ficaria muito
agradecida. Sei que o escritório está fechado, mas nós dois trabalhamos aos
sábados e esse é o único horário que temos para olhar isso.
Já viram aquele olhar do gato de botas do desenho? Pois é, é
exatamente esse olhar que a minha namorada está jogando no Sr. Joel e
duvido que ele resistirá aos seus encantos.
— Claro, será um prazer ajudá-los. É sempre bom ver casais
apaixonados assim. Me acompanhem, por favor.
Ele tira as chaves do bolso e abre a porta do escritório, acendendo
as luzes em seguida.
— Tem alguma preferência de bairro? — Ele nos pergunta assim
que entramos.
— Nós trabalhamos no Padre Eustáquio, então preferimos um
bairro mais próximo. — Carol responde com olhar sonhador.
É sério que ela vai alugar o velho desse jeito?
— Está certo, vamos ver o que temos aqui. — Ele parece mexer em
algumas pastas. Então, vai mostrando algumas fotos para ela e dando
especificações.
— O senhor tem uma folha de rascunho para eu ir anotando?
— Claro, tenho sim. — Estende a ela um papel e caneta e Carol vai
anotando informações sobre os apartamentos que mais gostou. Vendo sua
atuação, eu percebo que ela está na faculdade errada.
Minha namorada nasceu para ser atriz e não advogada.
E juro que manter minha pose séria está sendo uma missão ainda
mais difícil do que eu imaginava.
Depois de terminar suas anotações, ela lança um sorriso ainda mais
doce ao Sr. Joel.
— Muito obrigada pela ajuda! O senhor nos ajudou muito! Vou
levar isso para casa e nós vamos analisar com calma e o procuraremos.
— Está certo. Nem precisa agradecer, fico muito feliz por ajudar.
Ela sorri mais uma vez e coloca uma mecha de cabelo atrás da
orelha.
— Queria aproveitar a visita e pedir uma informação, se não se
importar.
— Claro, no que eu puder ajudar.
E lá vamos nós.
— Quem me passou seu contato foi a Sara, que trabalha na escola
de inglês que o senhor aluga. Há alguns anos lá era a sede de uma ONG, era o
senhor que administrava na época?
— Ah, sim, eu me lembro. Faz anos que não falam mais dessa
ONG desde que fechou. Faziam um bom trabalho.
— Faziam mesmo, meus pais eram psicólogos voluntários de lá.
— É mesmo? Que bacana. Imagino que devam ser ótimas pessoas.
— É verdade... Eles eram sim. — Carol suspira e o semblante dele
se torna preocupado.
— Eram? — Pelo tom de voz dele, vejo que Carol conseguiu o que
queria.
— Eles faleceram há alguns anos.
— Nossa... Eu... Eu sinto muito. — Ele gagueja enquanto a vê
secar uma lágrima rapidamente do rosto.
— Obrigada. Sei que já faz um tempo, mas ainda assim é doloroso
falar deles.
— Eu imagino como seja, ainda mais para uma moça tão jovem
quanto você.
— Eu os perdi quando eu tinha dezesseis anos, sempre foi muito
difícil para mim, mas desde que o Diogo apareceu na minha vida, eu tenho
ficado melhor.
Sei que isso não faz mais parte de sua atuação, então envolvo seu
corpo com meus braços, mostrando a ela que estou aqui.
— Fico muito feliz por ter encontrado alguém que lhe faça feliz. —
Seu sorriso é de ternura e eu sinto uma coisa boa por ver que ainda existem
boas pessoas no mundo.
— Obrigada, ele realmente me faz muito feliz. — Beijo os seus
cabelos e ganho um sorriso apaixonado. — Mas como eu ia dizendo,
recentemente encontrei alguns documentos da ONG nas coisas dos meus pais
e fiquei pensando se podia encontrar alguém daquela época que tivesse fotos
deles, sabe? Me lembro que eles participaram de vários eventos da ONG e
infelizmente não tenho nenhuma foto guardada. Queria ter alguma recordação
deles para ter o máximo de lembranças.
— Sim, eu entendo, só não sei como posso ajudá-la.
— Eu revirei os documentos deles, mas não encontrei o contato de
ninguém que pudesse me ajudar. Sei que já faz muitos anos, mas será que o
senhor teria o contato ou nome de algum representante da ONG?
— Hum... Não sei. Teria que ver nos arquivos, pode ser que eu
tenha o contrato de locação da ONG onde conste o contato do representante,
mas não é algo que eu vá encontrar rápido.
— Não se preocupe, não precisa ser agora. Só de tirar um tempinho
para olhar isso, já vale muito para mim.
— Está certo, vou ver se consigo encontrar alguma coisa. Só não
posso te garantir que ainda tenho, pois já faz muito tempo.
— Tudo bem, o senhor já me ajudou bastante. Muito obrigada!
— Imagina, menina. Fico feliz em ajudar. Querem deixar o
telefone, caso eu encontre?
— Claro. — Anoto meu telefone para ele em um pedaço de papel e
o entrego, ganhando um olhar curioso da Carol.
Tenho preferido envolver meu nome e telefone nesse esquema do
que o dela. É melhor prevenir sempre.
— Ótimo. Entrarei em contato, mesmo se não encontrar.
— Tudo bem. Obrigada mais uma vez, isso é realmente muito
importante para mim. Que Deus abençoe o senhor.
Ela o abraça, desestabilizando o velho e eu vejo que sim, dentro de
poucos dias receberemos ligação dele pelo olhar de compaixão que ele nos
lança assim que se despede de nós.
Nos despedimos dele e Carol deixa um Sr. Joel completamente
apaixonado pela doce garota que lhe pediu ajuda. E eu ainda não sei se rio ou
se choro diante de toda essa situação.
Assim que montamos na moto e pegamos estrada, percebo ela
calada durante todo o trajeto até a sua casa. Eu ia brincar com ela com a
situação, mas não vou mais fazer isso, pois mesmo que tenha mentido para
ele, sei o quanto é difícil dizer alguma coisa de seus pais.
— Está tudo bem? — Pergunto assim que fechamos a porta de seu
apartamento.
— Está sim. É só que... Ainda é doloroso falar sobre eles.
— Eu sei, amor. — Envolvo sua cintura com meus braços e dou um
beijo leve em seus lábios. — Mas foi por uma boa causa.
— Foi sim. — Ela sorri, respirando mais relaxada. — Será que ele
vai encontrar?
— Se ele ainda tiver esse documento lá, pode ter certeza que sim.
Ele ficou bastante comovido com a sua história.
— Coitado, não queria mentir para ele, pois ele é tão bonzinho.
Mas se eu contasse a verdade, ele jamais iria me ajudar.
— É, com certeza não.
— Bom, agora é esperar, né? Não temos mais o que fazer até que
ele te ligue ou o Rogério consiga o mandato.
— Sim, vamos aguardar. Acho que vamos ter boas notícias.
— Tomara, Di. Estamos mesmo precisando.
— Agora preciso relaxar um pouquinho, porque daqui a pouco
pego serviço de novo. Quer tomar um banho? — Brinco com seus cabelos e
ganho um enorme sorriso por isso.
— Como se precisasse me perguntar uma coisa dessas.
Ela me puxa pela mão enquanto solto uma risada pelo corredor.
Ela é mesmo a melhor companheira que existe.
Mais uma semana se passou e, quando chegou a sexta-feira,
pensamos que não teríamos mais sucesso, já que não tivemos qualquer
notícia do Rogério. Mas ontem, no fim do dia, a Carol recebeu uma ligação
sua dizendo que havia conseguido o mandato.
E agora nós dois estamos a caminho da oficina, onde marcamos de
nos encontrar com ele assim que saímos da loja. Confesso que não sei como
estou me sentindo diante disso.
É um misto de felicidade por estarmos chegando bem próximo do
suspeito e aflição por não saber o que nos aguarda. Sei que o fato de Rogério
e Jorge estarem ao nosso lado nos tranquiliza bastante, mas ainda assim é
perigoso. Não sabemos com quem estamos lidando e pode ser que estejamos
entrando em um ninho de cobras.
Mas é só arriscando para saber, né?
Pouco depois, paro minha moto em frente à oficina e vejo Rogério
nos aguardando na porta, encostado em seu carro.
— Preparados? — Ele pergunta assim que se aproxima e aperta
nossas mãos, nos cumprimentando.
— Confesso que estou bastante nervosa. — Carol revela, correndo
os dedos pelo cabelo.
— É normal, Caroline. Mas é a nossa melhor pista até agora, então
vamos torcer para encontrarmos alguma coisa.
Assentimos e o acompanhamos oficina adentro. Ele rapidamente se
identifica e pede para conversar com o supervisor da empresa. Após
apresentação do mandato judicial e uma breve conversa, somos direcionados
ao setor de segurança, onde guardam as cópias das gravações.
— Vocês precisam das filmagens de qual época? — O funcionário
nos pergunta, diante do computador.
— De abril de dois mil e quatorze.
— Não costumamos ter arquivo de tanto tempo assim, mas vou ver
o que consigo descobrir.
Carol se remexe ao meu lado, visivelmente aflita e eu acaricio seu
braço, tentando tranquilizá-la.
Nem paramos para pensar nisso. Que empresa guardaria cópia de
gravações de segurança por mais de cinco anos?
Se eles não tiverem mais nada, então não sei se conseguiremos
chegar mais perto, pois não temos mais nada tão concreto.
— Você disse abril? Qual data em específico?
— A nota fiscal é do dia dezenove, então devemos olhar nos dias
próximos a este.
— Dezenove... — O rapaz abre uma série de arquivos e enquanto
procura, um silêncio ensurdecedor toma conta do ambiente.
Já estou em tempo de enlouquecer quando ouço o funcionário
soltar um grunhido de satisfação.
— Achei! Vocês deram muita sorte, pois como eu disse, não
costumamos manter os arquivos por tanto tempo assim. Mas nessa época a
empresa sofreu uma auditoria interna, então sempre que isso ocorre,
guardamos as gravações por segurança.
Solto uma bufada de alívio e olho para Carol que abre um enorme
sorriso de empolgação.
— Ai meu Deus... — Ela suspira e então chegamos mais perto do
monitor, onde o funcionário vai passando a gravação do dia dezenove em
modo acelerado para vermos se encontramos alguma pista.
Mas nada.
Olhamos no dia seguinte também, e nada.
Nos próximos também não.
— E no anterior? — Pergunto. — Veja no dia dezoito, pode ser que
emitiram a nota fiscal posteriormente.
Ele volta ao dia dezoito e pouco depois das nove horas da manhã,
vemos um carro entrando no estabelecimento.
— É ele! — Carol dá um grita. Ele amplia a imagem, vemos
nitidamente o rosto de seu pai saindo do carro e conversando com um
funcionário antes de sair da oficina.
Olho para Caroline e a tomo em meus braços, secando suas
lágrimas, pois foi inevitável conter a emoção diante da imagem do pai na tela.
Eu sabia que cavar mais fundo nessa história só iria despertar esse
tipo de lembranças nela, mas ainda assim ela quis correr o risco.
Assistimos na tela os procedimentos feitos com o carro durante o
dia e quando um desconhecido chega perto do funcionário que está mexendo
no carro, passamos a prestar mais atenção.
Eles conversam discretamente e olham para os lados a todo
momento, como se estivessem escondendo alguma coisa de alguém.
E então o desconhecido tira um envelope de dentro do paletó e
entrega ao funcionário, que rapidamente coloca dentro do bolso da calça,
abaixando-se de frente ao carro em seguida.
Não pedimos ainda para ver o rosto do desconhecido, pois
queremos saber o que será feito com o carro. E, então, nossas suspeitas são
confirmadas.
Em um processo lento, o funcionário extrai o fluído de freio do
carro, no mesmo procedimento de troca, mas ao invés de colocar um novo,
ele fecha o reservatório do carro e em seguida fecha o capô.
Então é isso.
Tiraram o fluído de freio do carro dos pais dela.
Por isso o carro perdeu os freios e capotou.
Puta que pariu.
Mas quem fez isso?
— Volte a gravação, por favor. Aproxime a imagem do
desconhecido e coloque em câmera lenta. — Rogério orienta e, assim que ele
o faz, chegamos ainda mais perto da tela para ver se identificamos.
Confesso que olhando esse cara de perfil, me parece bastante
familiar.
Quando ele vira em direção à câmera numa fração de segundos, eu
sinto meu corpo inteiro congelar.
— Pausa, por favor. — Rogério orienta, mas eu não estou
conseguindo ver mais nada.
Não, por favor, não.
Isso não pode estar acontecendo.
Saio do abraço da Carol e começo a andar em círculos pela sala,
correndo as mãos pelos meus cabelos, bastante atormentado.
Mas que porra!
— Diogo?
Não...
Não...
Não.
— Diogo, olhe para mim! — Ela segura meu braço e me lança um
olhar suplicante. — O que foi? Você o conhece?
Isso só pode ser pegadinha.
Uma brincadeira de péssimo gosto.
Ou a vida rindo de novo da minha cara.
Solto uma risada sem humor. Estou rindo de nervosismo, me
controlando para não chorar.
— Diogo? — Ela implora e eu percebo que não dá mais para adiar,
então apenas aceno concordando.
— Você o conhece? Quem é? Quem é ele, Diogo?
Vejo Rogério chegando perto de nós e a Carol me implora já
nervosa, mas a minha voz não sai.
Eu queria muito que não fosse verdade.
Mas infelizmente é.
Que porra!
Olho para a minha namorada e respiro fundo, pois acho que a partir
do momento que as palavras saírem da minha boca, eu a perderei.
E infelizmente não haverá nada mais a ser feito.
— Ele... — Engulo em seco e reúno toda a minha coragem para
olhar dentro de seus olhos mais uma vez. — É o meu pai.

O caminho de volta até a casa da Carol é todo feito em absoluto


silêncio e isso está me corroendo em uma proporção que nem sei dizer.
Eu queria que ela tivesse me xingado, batido em mim, gritado
comigo, qualquer coisa. Mas ela não fez.
Assim que reconheci o meu pai naquela filmagem, Rogério me
perguntou mais de uma vez se eu tinha certeza e eu confirmei. Não tinha
como não ser ele, infelizmente eu o conheço muito bem.
Ele me fez mais uma série de perguntas que já nem consigo me
lembrar e, durante todo o tempo, a Carol se manteve muda. E juro que toda
essa quietude dela está acabando comigo.
Eu simplesmente não sei como ela reagiu a isso.
Eu não tive nada a ver com isso, mas infelizmente sou filho de
quem sou e isso é impossível mudar. Só não consigo entender o motivo do
meu pai ter se envolvido com isso.
Será que é por causa de dinheiro? Mas era uma entidade sem fins
lucrativos! Então qual é a lógica disso?
Além do fato de que ele nunca tocou nesse assunto lá em casa. Eu
nem sabia que meu pai tinha qualquer envolvimento com isso. Após
responder o questionário de Rogério, garanti a ele que procuraria por alguma
coisa lá em casa que o ligasse a isso, mas acho bastante difícil, já que minha
mãe já mexeu em todas as coisas dele e nunca encontrou nada semelhante.
Depois de pegar uma cópia da gravação, Rogério dispensou o
funcionário e saímos da oficina.
Carol permaneceu muda durante todo esse tempo e isso está me
assustando pra caramba.
Paro na frente de seu prédio e desligo o motor da moto, já
respirando fundo enquanto tiro o capacete da minha cabeça.
Ela desce da moto, retira seu capacete e me olha por um longo
tempo em silêncio.
— Acho melhor você ir para casa. — É tudo que diz e eu sinto uma
faca sendo cravada dentro do meu peito.
Ela não me quer por perto.
Se fosse um dia comum, eu subiria e ficaria com ela até o meu
horário de trabalho, mas pelo visto hoje será diferente.
Assinto em silêncio e engulo em seco enquanto ela me estende o
capacete. Eu o coloco em meu braço e fico olhando para ela por um tempo,
sem saber o que fazer.
Vou embora agora? Converso? Peço desculpas?
O que eu faço?
— Diogo... — Ela assume o comando e solta um suspiro antes de
erguer os olhos para mim. — Eu... Eu sei que você não tem nada a ver com
isso.
Balanço a cabeça já sentindo um soco no estômago.
Essa conversa não vai acabar nada bem...
— Mas ele é seu pai, entende? — Ela corre os dedos pelos cabelos
e daqui consigo ver que eles estão tremendo. — E eu não posso conviver com
isso... Não dá.
Sinto um nó na garganta e uma vontade louca de chorar. É isso
mesmo que estou ouvindo? Ela está terminando comigo?
— Eu... Desculpa, Diogo. Não dá...
Uma lágrima escorre pelo seu rosto e eu fecho os olhos com força,
reprimindo o meu choro.
— Esses últimos meses foram os melhores da minha vida. — Ela
sorri timidamente enquanto enxuga seu rosto. — E eu só tenho que te
agradecer.
Não, Carol...
Por favor, não.
Que porra de direito eu acho que eu tenho de pedir alguma coisa?
— Mas acho melhor eu ficar sozinha por agora.
Soco no estômago é pouco para o que eu senti agora.
Eu apenas aceno, incapaz de dizer qualquer coisa.
Ela chega perto de mim e sentir o seu cheiro é o meu limite. Então,
as lágrimas descem com tudo pelo meu rosto e dessa vez eu não seguro mais.
— Se cuida, Diogo. — Ela dá um beijo no meu rosto e se vira para
entrar no seu prédio.
E assim, por uma fração de segundos eu a vejo indo embora da
minha vida.
Então é isso...
Eu perdi a mulher da minha vida e não há nada que eu possa fazer
para mudar isso.
Abro a porta do meu quarto e a primeira coisa que eu vejo é o leão
de pelúcia no meu criado-mudo, me fazendo escorregar pela parede e cair
sentado no chão.
Dobro os joelhos e os envolvo com meus braços, deito a minha
cabeça e começo a chorar.
Não me lembro da última vez que chorei tanto assim, tampouco
quando senti tamanha dor.
Meu coração está sangrando e me sinto sufocado, sem ar.
Ela era a minha vida.
Meu Deus! O que eu vou fazer agora?
Caroline foi a melhor coisa que me aconteceu nos últimos tempos e
eu fui extremamente feliz ao seu lado.
E agora, por algo que nem está ao meu alcance, eu a perdi.
Se eu tivesse feito alguma coisa de errado, ou se nós simplesmente
não estivéssemos dando certo, eu entenderia.
Seria pelo menos mais fácil de aceitar.
Mas e quando você não fez porra nenhuma? E quando a gente dá
certo pra caralho e simplesmente não pode ficar mais juntos?
Tem coisa pior do que essa?
Existe dor maior do que essa?
Eu vou enlouquecer, juro.
Eu a amo tanto, que dói.
Dói pra caralho.
Porra!
Me levanto do chão e vou em direção à minha cama. Estendo a
minha mão em direção ao presente dela e então me contenho.
Não sou capaz de me desfazer disso. Não ainda.
Não sou capaz de apagar nossas lembranças.
Ela foi boa demais para mim.
Tiro o celular do bolso e pego os fones de ouvido, me deitando na
cama em seguida, talvez uma boa música me ajude a esquecer um pouco essa
dor que tanto me sufoca.
Mas como se a vida risse mais uma vez da minha cara, The
Unforgiven II começa a tocar nos meus ouvidos e incapaz de trocá-la, ouço as
palavras da música do Metallica tocarem a minha alma.

“Deite-se ao meu lado


Me diga o que eles fizeram
Diga as palavras que eu quero ouvir
Para fazer meus demônios fugirem
A porta está trancada agora
Mas ela estará aberta se você for sincera
Se você puder me entender
Então, eu posso entender você

Deite-se ao meu lado


Sob os céus cruéis
Através do negro dia
Da escuridão da noite
Nós compartilhamos isso, paralisados
As rachaduras da porta se abrem
Mas não há nenhum raio de sol através dela
Coração negro ainda cicatrizando
Mas não há nenhum raio de sol
Não, não há nenhum raio de sol
Não, nenhum raio de sol

O que eu senti
O que eu soube
Vire as páginas
Vire pedra
Atrás da porta
Eu devo abri-la pra você?

Yeah
O que eu senti
O que eu soube
Doente e cansado
Eu permaneço sozinho
Você poderia estar lá?
Porque eu sou aquele que espera por você
Ou você é imperdoável também?

Venha deitar-se ao meu lado


Isso não machucará, eu prometo
Ela não me ama
Ela ainda me ama
Mas ela nunca vai amar de novo
Ela se deita ao meu lado
Mas ela estará lá quando eu me for?
Coração negro ainda cicatrizando
Sim, ela estará lá quando eu me for
Sim, ela estará lá quando eu me for
Morto, certo de que ela estará lá”

A música continua entrando pelos meus ouvidos e eu sou só dor.


Sinto meu coração se desfazer e se partir em mil pedaços. Eu simplesmente
não sei se sou capaz de consertá-los.
A dor é tão sufocante que nem consigo sentir ódio do meu pai. Do
cara que me tirou tudo e agora, mesmo estando morto, me tirou o amor da
minha vida. Mas eu não consigo sentir nada.
Só a dor que insiste em rasgar o meu peito.
Me viro de lado na cama e fecho os olhos, tentando dormir. Mas
quando a escuridão inunda a minha visão, eu só consigo vê-la.
Seu sorriso, seus olhos, seus lábios. Toda a perfeição que é a
Caroline. Tento desviar os meus pensamentos, mas é impossível, pois a
minha mente insiste em frisar a garota que eu não vou poder ter.
A mulher que um dia foi minha, dona de tudo de mim. Dona do
meu ser.
E agora que eu a perdi.
Eu sinceramente não sei o que eu vou ser.
Não existe um Diogo sem Caroline, só uma versão bem piorada de
mim.
Que eu definitivamente não quero ser.
— Diogo? Você não vem almoçar? — Minha mãe coloca a cabeça
dentro da porta após bater.
Desde que eu cheguei do trabalho ontem, que por sinal foi um
inferno aquele lugar, caí na cama e ainda não me levantei. Não tomei café,
não corri, não estudei. Nada.
Não fiz absolutamente nada.
Mas o que eu posso fazer?
Solto um gemido e ela vem até mim, se sentando ao meu lado na
cama.
— O que aconteceu, meu filho? Achei que pudesse estar só
cansado, mas você nunca fica até esse horário na cama.
Ergo a cabeça que está afundada no travesseiro e quando minha
mãe me olha. Então, parece entender o que está acontecendo.
— Vocês brigaram? — Ela franze o cenho enquanto acaricia o meu
braço.
— Pior...
Eu a vejo engolir em seco e seu semblante se torna preocupado, o
que só me faz querer chorar.
— Diogo...
— Agora não, mãe. — Eu a suplico e ela assente em silêncio.
— O almoço já está quase pronto e o Jorge me avisou que está
chegando. Desça e coma um pouquinho, filho. Você não pode ficar trancado
aqui o dia todo.
— Eu vou tentar. — Respondo apenas e ela assente, se levantando
da cama.
Fico por mais um momento sozinho e fito o teto, pensando em tudo
que aconteceu ontem. Em como a minha vida foi do céu ao inferno em uma
fração de segundos.
Sem que eu consiga evitar, me pego pensando nela mais uma vez,
como eu fiz durante as últimas horas desde que deixei sua casa. A cada
minuto eu olho para o celular para ver se tem alguma mensagem ou ligação
dela, mas nada.
É óbvio que ela não vai te ligar, Diogo. Seu pai matou os pais dela.
Mas que inferno! O que me atormenta muito é que algo dentro de
mim me diz que ele não estava sozinho nisso, que tem alguém por trás. Por
que meu pai iria querer que eles morressem?
Seria ele o presidente da ONG? Mas como ele seria alguém tão
importante assim e nós nunca ficamos sabendo? Isso não faz sentido nenhum.
E outra... Será que ele abusava as garotas? Eu posso ser ingênuo,
mas meu pai nunca demonstrou qualquer comportamento semelhante. Muito
pelo contrário, ele sempre respeitou a minha mãe enquanto esteve vivo.
Nunca saiu de casa sozinho, não fez nada suspeito, nem a traiu.
Como se isso realmente dissesse alguma coisa, né? Quantos casos
de pais de família que nunca tiveram comportamento suspeito já foram presos
por estupro?
Me sento na cama e esfrego as mãos pelo rosto. Minha mente está
uma confusão e eu ainda vou ficar louco.
Com um pulo, me levanto e pego uma peça de roupas, indo em
direção ao banheiro.
Hoje está um dia frio, mas eu preciso acordar, então entro debaixo
da água gelada. Assim que ela atinge minha pele, sinto um calafrio, mas não
recuo. Aos poucos o meu corpo se adapta com a temperatura e relaxa. Nesse
exato momento, lágrimas quentes começam a rolar pelo meu rosto,
contrastando a água fria que corre pelo meu corpo.
Meu Deus! Como eu vou viver sem ela?
E eu não gosto nem de pensar em como será o dia de amanhã,
quando tivermos que nos encarar no trabalho como meros conhecidos.
Se eu não precisasse tanto desse emprego, certamente sairia.
Não, não sou covarde. Mas ter que vê-la todos os dias sem poder
tocá-la será uma tortura para mim. Principalmente porque eu não fiz nada.
Nenhum de nós fez, na verdade.
Balanço a cabeça como forma de afastar esses pensamentos e
desligo o chuveiro, já pegando a toalha.
Termino de me arrumar e desço as escadas, ouvindo as vozes da
minha mãe e do Jorge vindo da cozinha.
Pois é, a minha operação cupido deu certo. Depois daquela sexta-
feira em que saíram juntos, não se desgrudaram mais.
Quase todos os dias eles se veem e a dona Júlia está simplesmente
radiante. Eu sabia que conhecer alguém faria bem a ela, mas não fazia ideia
do quanto.
Eles ainda não assumiram um namoro oficial ou coisa do tipo, mas
sei que o relacionamento deles tem ficado mais sério a cada dia, o que me
deixa bastante feliz.
Pelo menos um morador dessa casa está sendo feliz.
— Oi, Jorge. — Cumprimento e eles olham assustados para mim,
ao me verem entrando.
— Diogo... Está tudo bem?
Aceno negativamente e puxo a cadeira da mesa para me sentar.
Corro a mão pelos cabelos, pensando se devo ou não dizer tudo a eles. Mas
sei que é inevitável, pois vou precisar da ajuda da minha mãe e até mesmo do
Jorge para descobrir o envolvimento exato do meu pai nessa história.
Ainda que eu e a Carol não estejamos mais juntos, ela merece
respostas. Ela precisa saber de fato o que aconteceu.
— Foi meu pai. — Solto de uma vez e os dois arregalam os olhos,
sentando-se imediatamente de frente para mim.
— O quê? — Minha mãe questiona com um espanto evidente em
seu rosto.
— Ontem quando fomos à oficina com o Rogério, conseguimos ter
acesso às filmagens da época que precisávamos. E elas mostraram que uma
pessoa foi lá e pagou para o mecânico tirar os freios do carro dos pais da
Carol e essa pessoa era o meu pai.
— Mas como...? — Ela coloca as mãos no rosto e parece não
entender o que eu estou dizendo. E eu juro que até mesmo para mim está
difícil entender.
— Não sei, mãe. Eu fiquei atordoado quando vi, mas era ele.
— Você tem certeza, Diogo? — Jorge pergunta com olhar de
compaixão e eu confirmo.
— Absoluta, Jorge. Eu reconheceria aquele cara em qualquer lugar,
pois ele me atormentou a vida inteira, inclusive depois de morto.
— Diogo... — Minha mãe tenta me repreender, mas eu a
interrompo.
— Mesmo sem estar aqui, ele tirou de mim a melhor pessoa da
minha vida. Depois que a Carol ficou sabendo disso, ela terminou o nosso
relacionamento porque não é capaz de conviver com isso.
Solto de uma vez e vejo uma lágrima se escorrer pelo rosto da
minha mãe, que rapidamente a seca.
— Eu também não sei se saberia lidar com isso estando no lugar
dela, então eu não a julgo. Mas eu não fiz nada para merecer isso, sabe? Por
isso está doendo tanto.
Abaixo a cabeça e luto contra as minhas lágrimas, pois não aguento
mais chorar.
— Diogo, eu... Eu sinto muito, meu filho. Eu nem sei o que te dizer
agora.
Apenas assinto, ainda de cabeça baixa. Eu também não faço ideia
do que dizer ou fazer agora.
— O Rogério te interrogou? — Jorge pergunta, desviando um
pouco o foco do assunto.
— Sim, ele me fez algumas perguntas, mas eu não sei de nada. Eu
não faço ideia do envolvimento do meu pai naquela ONG. Mãe, a senhora
sabia de alguma coisa?
— Não, Diogo. O Paulo nunca mencionou isso aqui em casa.
— Pois é... Isso é que eu não estou entendendo. Como ele
conseguiria esconder algo assim? E pior, se ele foi o mandante disso, deve ter
tido alguma influência.
— Não acho que ele tenha sido o mandante. — Jorge interrompe,
nos surpreendendo.
— Como não? Eu o vi entregando o envelope para o mecânico.
— Mas quem garante que outra pessoa não pediu a ele que fizesse
isso?
— Eu também pensei nisso. Tanto que não imagino meu pai como
presidente de uma ONG, ou algo assim. Mas não consigo pensar em outra
coisa agora.
— Ele pode ter sido apenas pago para levar até lá. Claro que não
podemos eliminar a suspeita em cima dele, mas temos que pensar em todas as
possibilidades.
— Entendo... Mas sem a Caroline vai ficar ainda mais difícil
descobrir qualquer coisa. E eu não sei se tenho o direito de continuar
investigando isso, já que ela não me quer por perto.
— Mas ela merece respostas, Diogo, e isso você pode dar. Ainda
que seja namorado dela ou não.
Engulo em seco e confirmo com a cabeça. É a primeira vez que eu
paro para pensar que não sou mais namorado de alguém. E a constatação
disso desce como ferro quente pela minha garganta.
— Júlia, você não tem nada guardado ainda do Paulo? Algum
pertence? Documento?
— Tem uma caixa guardada com alguns papéis dele, mas nunca
achei nada diferente.
— Deixa eu dar uma olhada, quero ver se consigo descobrir alguma
coisa.
Ela assente e se levanta da mesa, me deixando sozinho com o
Jorge.
— Eu vou te ajudar, Diogo. Nós vamos encontrar todas as
respostas, ainda que seu pai seja o principal envolvido ou não.
— Obrigado, Jorge. Confesso que a minha mente está péssima,
então não estou conseguindo raciocinar muito bem.
— Ei... Fica frio. Eu vou te ajudar, vai dar certo.
Agradeço mais uma vez e quando minha mãe volta com uma caixa
com o nome do meu pai escrito, eu sinto ânsia de vômito e peço licença para
sair.
Ainda bem que o Jorge vai me ajudar nessa empreitada, pois não
sei se sou capaz de continuar nessa sozinho.

O restante do domingo passou de forma arrastada. Jorge revirou


todos os pertences do meu pai e não encontrou nada. Eu imaginei mesmo que
não teria, mas ainda assim tinha alguma esperança.
Então chegamos ao ponto que não temos nenhum outro suspeito no
momento, apenas o meu pai. E isso é muito frustrante.
Será mesmo que ele é a única pessoa envolvida nisso?
Eu queria tanto que não fosse, pois talvez eu tivesse uma mísera
chance de ter minha Caroline de volta. Mas se foi realmente o meu pai que
fez tudo isso, então não há nada a ser feito.
Não há esperanças, nada.
Pois ela jamais namoraria alguém que é filho do assassino dos seus
pais, e nem eu teria coragem de pedir uma coisa dessas.
Por Deus! Isso é ainda mais difícil do que eu pensava.
Mas difícil mesmo é o que estou prestes a encarar. O primeiro dia
de trabalho olhando para a mulher que eu mais amo, mas que não pode ser
minha.
Estou andando pelos quarteirões suando frio, tamanho é o meu
nervosismo. Eu preferia ficar sem vê-la por um tempo, como um belo
covarde, mas infelizmente não posso. Assim que paro em frente à empresa,
respiro fundo antes de pisar dentro do lugar que será o meu maior martírio
daqui para frente.
Nem preciso vê-la para saber que estou perto, pois o seu cheiro
inebriante toma conta de mim.
Minha garganta seca e minhas mãos tremem. Assim que ergo a
cabeça e meu olhar encontra o dela, sinto minhas pernas amolecerem.
Ficamos por um bom tempo apenas nos olhando em silêncio e, pelo
seu semblante triste e olhos fundos, vejo que está sofrendo tanto quanto eu.
— Bom dia, Carol. — Cumprimento baixinho quando chego mais
perto e vejo um lampejo de dor passar pelo seu rosto.
— Bom dia, Diogo. — É tudo que ela diz e, pelo silêncio que se
instaura ao nosso redor, vejo que não haverá conversa por agora.
Apenas aceno para ela e me retiro em silêncio, caminhando devagar
até a minha sala.
— Bom dia, Diogo. — Marcão me recebe animado e eu resmungo
um bom dia baixo para ele, antes de sentar na minha mesa. — Acordou azedo
hoje?
Eu nem respondo, pois não estou com cabeça para brincadeiras,
nem provocação. Não estou mesmo.
Tento me concentrar no meu trabalho para distrair a minha cabeça,
mas é impossível. A todo o momento minha mente me leva até a minha ex-
namorada que está há uma parede de mim e eu nada posso fazer em relação a
isso.
Permaneço calado durante todo o dia e quando Marcão percebe que
não estou para brincadeiras, resolve me deixar em paz, me fazendo agradecê-
lo mentalmente por isso.
Eu não arredei o pé da minha sala hoje, temendo encontrá-la pelos
corredores da empresa. Como não tenho tido muita fome, não foi nada difícil
ficar sem comer para não precisar ir até a cozinha.
Olho para o relógio e vejo que o expediente já está quase acabando,
me fazendo suspirar.
Foi um dia do cão, mas pelo menos passou. Um dia a menos para a
lista de milhares de dias que vou precisar vê-la no trabalho.
Sinto um nó na garganta e seguro minha vontade de chorar. Não
posso fazer isso no trabalho. Por Deus! Quando foi que me tornei um bebê
chorão?
Em vinte e sete anos da minha vida, eu nunca chorei tanto quanto
nos últimos dias.
O meu celular vibra, me distraindo desses pensamentos. Quando eu
abro a mensagem, sinto meu coração se acelerar.
É do Sr. Joel me dizendo que encontrou o contrato de locação do
imóvel que sediava a ONG. Sinto um gosto amargo na minha boca e respiro
fundo, antes de abrir a imagem que determinará se de fato o meu pai era o
principal envolvido ou não.
Meus dedos tremem ao ampliar a imagem e procurar pelo nome do
locatário. Vejo os dados da ONG e quando chego à parte da assinatura do
responsável por ela, solto o celular da minha mão.
Paulo Pereira Guimarães.
É, se eu tinha dúvidas de que meu pai estava mesmo envolvido,
agora eu tenho certeza. Ele não só foi o mandante do crime, como a pessoa
responsável pela ONG.
Como aquele canalha conseguiu ter essa vida dupla por tanto tempo
assim?
Dou um soco na mesa de frustração, assustando Marcão na mesma
hora, mas antes que ele possa perguntar qualquer coisa, eu me levanto
rapidamente e vou em direção ao banheiro.
Olho para o espelho, mal reconhecendo o cara que está diante de
mim. Meus olhos azuis estão ainda mais destacados por estarem vermelhos.
Nem preciso dizer nada em relação ao tamanho das olheiras que se formam
abaixo dos meus olhos.
Abro a torneira e jogo água fria no meu rosto, tentando me acalmar.
Mas é em vão.
Eu nem sei o que estou sentindo agora.
E o pior de tudo é que eu preciso mostrar isso para ela, infelizmente
não dá para esconder isso. Eu não tenho esse direito. Não se trata apenas de
mim.
Respiro fundo mais uma vez e encho as mãos de papel toalha,
secando o meu rosto em um gesto demorado, tentando adiar um pouco o que
vem a seguir.
Quando foi que me tornei tão covarde assim?
Saio do banheiro e caminho até a minha sala, puxando a cadeira e
pegando meu celular em cima da mesa. Meus dedos tremem enquanto
encaminho as mensagens do Sr. Joel para Caroline, já respirando de forma
pesada enquanto espero sua resposta.
Se é que eu vou ter alguma.
Carol visualiza as minhas mensagens e depois de uma eternidade,
ou um segundo que seja, — eu acabei de perder a noção de tempo — ela
começa a digitar uma resposta para mim.
Marrentinha: “É ele?”
Puxo todo o ar que vem dos meus pulmões e reúno toda a minha
força para dizer as palavras que vão nos machucar ainda mais.
Eu: “Sim.”
Respondo apenas, então não recebo mais nenhuma mensagem dela.
Quando o fim do expediente chega, eu enrolo ao máximo para
desligar as minhas coisas e ir embora. Eu não quero olhar para ela agora, não
mesmo.
Depois de atrasar alguns minutos, decido deixar a minha sala e
assim que vejo que sua mesa está vazia, respiro aliviado, pois ela já foi
embora.
O que vai ser daqui para frente?
Não sei, simplesmente não faço ideia do que me aguarda.
Mas eu preciso encarar, não tem outro jeito.
Preciso aprender a viver sem ela, já que agora, mais do que nunca,
tenho a certeza de que realmente a perdi.
Mais de um mês se passou desde o pior dia da minha vida. Trinta e
cinco dias, para ser mais exato. Mas quem está contando?
Durante todo esse tempo, esbarrei com ela algumas vezes pelos
corredores e sempre fui recebido com cumprimentos básicos e um aceno de
cabeça rápido.
Eu pensei que com o tempo fosse ficar mais fácil de suportar, mas
hoje eu vejo como estava enganado. A cada dia que passa, vê-la tem se
tornado ainda pior, pois faz com que eu me lembre de todos os momentos que
passamos juntos e que sei que não terei mais.
Todos esses dias sem seus beijos, sem sentir o seu cheiro, sem
ouvir o som da sua voz, das suas gargalhadas... Os trinta e cinco piores dias
da minha vida, sem sombra de dúvidas.
Acho que perdi pelo menos uns cinco quilos durante esse tempo,
pois é visível o tanto que eu emagreci, já que tenho me alimentado de forma
péssima. Minha mãe vive me cobrando isso, mas eu simplesmente perdi meu
apetite, assim como perdi minha vontade de fazer várias coisas na vida.
Não me lembro da última vez que corri ou que levantei alguns
pesos nos fundos de casa, como fazia toda semana. E nem a última vez que
peguei nos meus livros de Direito, sei que não posso ficar tanto tempo sem
estudar, já que pretendo fazer outras provas, mas simplesmente não consigo.
Tudo me faz lembrar dela, absolutamente tudo.
Desligo a tela do meu computador e já me preparo para sair,
respirando fundo. Pelo menos hoje é sábado, então só voltarei a vê-la na
segunda-feira, mas passar o fim de semana todo em casa sozinho só tem me
deixado pior.
Me despeço de alguns colegas e caminho devagar até a saída da
empresa, vendo que ela já foi embora. Todas as vezes que vejo que ela saiu
antes de mim, sinto um misto de alívio e pesar.
Alívio por não precisar vê-la mais uma vez e sentir aquela pontada
no peito, como toda vez que a vejo. Pesar porque sei que ela nunca saía tão
rápido assim e agora, logo que o expediente se encerra, ela junta suas coisas
na velocidade da luz e deixa a empresa, como forma de evitar que me veja.
Será que para ela está sendo tão difícil como está para mim? Ou ela
está reagindo melhor?
Queria saber se ela está bem, se precisa de alguma coisa, se eu
posso fazer algo por ela. Mas sei que não tenho esse direito mais, então nunca
a procurei.
Durante esse último mês, não mexi mais nesse processo de seus
pais. Não procurei mais nada, pois constatar que meu pai foi o culpado me
destruiu e qualquer coisa maior que eu encontrasse só me deixaria pior.
Jorge me garantiu que continuaria investigando sozinho para ver se
encontrava algo a mais nessa história ou uma segunda pessoa envolvida, mas
eu, sinceramente, não criei expectativas. Pedi a ele que me dissesse apenas se
descobrisse algo mais concreto, não queria ser informado de tudo que ele
estava procurando para evitar que eu pensasse nisso.
E por falar em Jorge, eles finalmente assumiram o namoro. Ver um
cara de mais de cinquenta anos pedir a minha autorização para namorar a
minha mãe foi o gesto mais foda que eu já vi. O cara realmente é muito
bacana e eu fico feliz demais por ela que merece ser muito feliz.
Eu percebo que ela se preocupa comigo por estar tão sozinho e
sinto que ela tem esperanças de que um dia eu e a Carol reatemos, mas eu,
sinceramente, não tenho mais esperanças.
Nasci para ser um fodido, lembra? Então essa é só mais uma das
coisas que a vida me dá e me toma em seguida. Já me conformei em ficar
sozinho por um longo tempo, pois nem consigo sequer cogitar a possibilidade
de encontrar outra pessoa.
Ninguém é igual a ela.
Entro em casa e brinco um pouco com o meu cachorro, já ouvindo
vozes vindas da cozinha. Quando entro no cômodo, vejo minha mãe e seu
namorado conversando e rindo despreocupados, enquanto ele a abraça pela
cintura. Essa cena tão linda me dá um aperto no peito.
Como eu sinto falta dela...
— Fala, Jorge. — Cumprimento meu... Padrasto, será?
Não consigo enxergá-lo assim, pois o cara é mais meu amigo do
que meu próprio pai foi em toda uma vida.
— E aí, Diogo? — Aperto sua mão e dou um beijo na bochecha da
minha mãe.
— Oi, meu filho. Como você está?
— Já estive melhor, dona Júlia. — É a minha resposta de todos os
dias para ela, que apenas assente, sem me perguntar mais do que isso. — O
almoço já está pronto?
— Está quase pronto. Só mais uns dez minutinhos.
— Ótimo, vou subir para me trocar então.
Deixo eles sozinhos e subo até o meu quarto, já tirando a camisa de
uniforme e calças jeans, indo de cueca até o meu guarda-roupa. Pego uma
bermuda e regata e visto. Assim que acabo, ouço meu celular tocar em cima
da minha cama.
Assim que chego perto e vejo o número tocando na tela, sinto meu
corpo inteiro congelar. Será que aconteceu alguma coisa?
— Carol? — Atendo a sua ligação com as mãos tremendo.
— Di... Diogo.... Você pode vir até aqui, por favor? — Sua voz é
trêmula e consigo ouvir o medo na sua voz.
— Claro, vou agora. Aconteceu alguma coisa?
— Alguém invadiu a minha casa, Diogo... Eu... Eu estou com
medo.
— Me espera que estou indo agora.
Me despeço dela e coloco um tênis, já descendo voando pelas
escadas.
— Diogo? Aconteceu alguma coisa? — Jorge me intercepta e
nessas horas eu me lembro de como é bom ter alguém em casa como ele.
— A Carol acabou de me ligar, parece que alguém invadiu a casa
dela, estou indo até lá.
— Eu vou com você. — Ele rapidamente se prontifica e dá um
beijo na minha mãe. Então, sai apressado da cozinha, ao meu lado.
— Tomem cuidado! — Ouvimos minha mãe dizer de dentro de
casa e logo já estamos na rua, entrando em seu carro.
Ainda bem que ela não mora longe da minha casa, caso contrário
eu enlouqueceria.
Minutos depois, paramos o carro em frente ao seu prédio. Desço, já
vou voando em direção ao interfone.
Pouco depois que terminamos, eu devolvi a ela a chave reserva que
tinha de sua casa, pois não me sentia mais no direito de possui-la, por isso
hoje precisei apelar ao interfone. Na mesma hora, ela abre a porta e entramos,
já subindo em direção ao seu apartamento.
Nós a encontramos parada em frente à sua porta, com os braços ao
redor do corpo, tremendo e soluçando. Minha primeira reação, independente
de ser namorado dela ou não, é tomá-la em meus braços.
Eu a aperto contra mim, enquanto vejo Jorge disparar porta
adentro, mas eu não consigo me mover. A sensação de tê-la em meus braços
e ver que ela está bem, ainda que assustada, quase me faz chorar.
— O que houve, Carol? — Pergunto a ela assim que a percebo um
pouco mais calma e seco suas lágrimas com meus dedos.
— Eu não sei, Diogo. Eu cheguei do trabalho e encontrei minha
casa toda revirada, mas não tinha ninguém aqui.
— Você chamou a polícia?
— Sim, eu liguei logo depois que liguei para você.
Sinto uma pontada involuntária no peito, por saber que eu fui o
primeiro para quem ela ligou.
Adentramos o apartamento e encontramos Jorge na sala, fazendo
algumas fotos e vídeos em seu celular.
— Você não viu ninguém diferente no prédio, Caroline?
— Não, ninguém... — Ela abraça o corpo novamente como forma
de se proteger de tudo que está acontecendo. Confesso que vê-la tão
assustada me deixa bastante aflito.
Olho ao meu redor e vejo tudo revirado. Cadeiras quebradas no
chão, mesa derrubada. Sofá... Tudo. Parece que passou um furacão aqui
dentro.
— Eles levaram as caixas dos meus pais.
— O quê? — Chego mais perto dela para ver se entendi direito.
— As caixas com os pertences dos meus pais, que eu estava usando
para procurar as provas, sumiram todas. Não deixaram nada... — Seu olhar
fica perdido e eu sinto um aperto no peito.
Eu sei o quanto aqueles pertences pessoais significavam para ela.
Eram as memórias que ela tinha dos pais. Então, perdeu tudo.
Jorge caminha pelo apartamento e quando chega ao quarto dela,
chama pelo meu nome. Corro até lá na mesma hora.
Assim que entro em seu quarto, sinto minha cabeça girar. O
cômodo está todo revirado também, mas o que me chama a atenção não é
isso.
Na parede em cima da cabeceira de sua cama, estão pintados de
vermelho os mesmos dizeres que eu vi nas fotos anexadas ao boletim de
ocorrência do pai dela.
Fique longe disso.
— É a mesma pessoa que ameaçou o pai dela há cinco anos.
Engulo em seco e esfrego os olhos, antes de me virar ao Jorge.
— O que significa...
— Que seu pai não estava sozinho nisso, como eu suspeitei.
Sinto minhas mãos tremerem e saio do quarto, sentindo uma falta
de ar absurda.
Se existe uma outra pessoa por trás disso e ela está viva... é pior do
que eu imaginava. O problema é que continuar investigando isso só vai piorar
ainda mais e agora a Carol está correndo risco e eu não posso permitir que
nada aconteça a ela.
Ninguém vai machucá-la, nem que para isso eu precise machucar
alguém antes.

Depois que a polícia saiu do apartamento da Carol, juntamente com


o Rogério, nós arrumamos uma mochila para ela e a trouxemos para minha
casa.
Talvez esse não seja bem o lugar que ela queira ficar por agora,
mas como ela não tem para onde ir e não pode ficar sozinha de forma
alguma, não tivemos outra escolha.
Na verdade, ela pareceu um pouco aliviada quando a convidei para
vir até a minha casa, mas fingi não notar. Não quero dar esperanças ao meu
pobre coração que só sofreu nas últimas semanas.
— Pode deixar suas coisas aqui. — Eu abro a porta do quarto de
hóspedes, que fica ao lado do meu, e ela sorri um pouco tímida antes de
entrar.
Caroline fica um momento em silêncio olhando tudo ao seu redor e
eu queria tanto saber no que ela está pensando agora.
— Está ótimo, Diogo. Obrigada.
— Pode ficar à vontade, Carol. A casa é sua, ok? Eu vou trabalhar
mais tarde, mas o Jorge vai dormir aqui em casa hoje, então vocês não ficarão
sozinhas.
Ela apenas assente em silêncio e vem até mim, hesitando um pouco
antes de ficar na ponta dos pés e me dar um beijo suave no rosto.
Engulo em seco e fecho meus olhos, sentindo um aperto absurdo no
peito por tê-la tão perto de mim.
— Obrigada por tudo, Diogo. Sei que você não tem obrigação de
me ajudar e...
— Sua segurança sempre será mais importante que qualquer coisa,
Carol. — Eu a interrompo e ela assente mais uma vez, antes de ir em direção
à nova cama. Eu me retiro do quarto, deixando-a sozinha.
Falar que vai ser fácil conviver os próximos dias com ela chega a
ser ridículo, mas só de saber que ela está bem e segura aqui conosco, me faz
sentir uma paz absurda.
Quanto a mim? Eu me viro como sempre me virei.
Seguro as pontas para assegurar que meu coração não se machuque
mais uma vez.
Entro em casa em silêncio, tirando os calçados em seguida.
Encontrar o carro do Jorge dentro da nossa garagem me fez sentir um alívio
enorme. Esse cara apareceu na hora certa nas nossas vidas, pois eu nem sei
como agradecê-lo por tudo que fez por nós.
Subo as escadas devagar enquanto noto a casa toda em silêncio,
não querendo acordar ninguém.
Passo em frente à porta do quarto dela e sinto um aperto no peito.
Queria tanto saber como ela está agora, se está dormindo bem, se está
confortável. Penso em abrir a porta para conferir, mas me contenho. Não
tenho mais esse direito.
Caminho mais alguns passos e entro no meu quarto, fechando a
porta com cuidado. Tiro as minhas roupas e caio na cama apenas de cueca, já
fechando os olhos e pensando na loucura que foi o dia de hoje.
Depois que ela se acomodou aqui em casa, pedi ao Jorge que
ficasse de olho nela, não a deixasse sozinha e que me ligasse caso
acontecesse alguma coisa. Para o meu alívio, não recebi nenhuma ligação
deles.
Rogério e Jorge nos aconselharam a não mexer com isso por um
tempo até as coisas esfriarem. Eles continuariam a investigar, mas pediram
que ficássemos de fora por agora e eu apenas concordei. Não sou nem louco
de colocar a segurança dela em risco mais uma vez.
O que me deixa curioso é porque eles invadiram a casa dela justo
agora. Será que ela continuou a investigar isso sozinha, buscando mais
respostas? Ainda não conversei com ela depois disso para saber detalhes, mas
quando houver uma oportunidade, quero perguntar.
Abro os olhos e fito o teto escuro do quarto por um tempo,
pensando na pessoa que está a uma parede de distância de mim e na saudade
louca que sinto dela.
Será que ela também sente a minha falta?
Ouço um batido suave na porta e me levanto, achando estranho.
Abro a porta com cuidado e a vejo parada diante de mim, de pijamas, com o
olhar perdido e toda a sua vulnerabilidade me quebra ao meio.
— Carol? — Ela ergue o olhar para mim e morde o lábio, mas se
mantém em silêncio. — Está precisando de alguma coisa?
Ela troca o peso de seu corpo de uma perna para a outra e respira
fundo, antes de chegar um pouco mais perto de mim.
— Eu não estou conseguindo dormir. — Sua voz é tão baixa, que
quase não a escuto. — Posso... Posso ficar com você?
Sinto meu peito queimar dentro de mim e, antes que possa pensar
muito, aceno para ela, liberando a entrada para ela passar.
Carol passa por mim e me olha um tanto perdida, antes de se virar
para mim mais uma vez.
— Desculpa, Diogo... Eu sei que você não deve me querer por
perto agora, mas estou com muito medo.
— Ei... Está tudo bem, não precisa se desculpar. — Chego mais
perto dela e coloco uma mecha de cabelo atrás de sua orelha. — Mas você
sabe que a minha cama é pequena, quer que eu traga seu colchão para cá?
— Não precisa, eu prefiro ficar perto de você.
Engulo em seco, assentindo. Dormir com ela ao meu lado vai ser
ainda mais torturante do que apenas tê-la em minha casa, mas não posso
negar uma coisa dessas, principalmente se ela está com medo.
Me ajeito no canto da cama e sinalizo para ela vir até mim, que se
acomoda e se encolhe na ponta, tomando cuidado para não me tocar.

Boa noite, Carol. — Sussurro antes de fechar os meus olhos.
— Boa noite, Di.
E esse simples apelido me quebra ao meio mais uma vez. Viro a
cabeça com cuidado em sua direção e vejo que está de costas para mim.
Então, respiro fundo e volto a olhar para o teto, pensando em como vou
conseguir pegar no sono com a mulher que eu amo tão próxima de mim.
O seu cheiro preenche o ambiente e eu sinto um nó na garganta.
Pelo visto essa noite será mesmo longa.

O sol entra tímido pelas frestas da cortina do meu quarto e eu


aperto os olhos antes de abri-los. A visão que eu tenho quase me faz chorar.
Carol está aninhada ao meu braço, dormindo tranquila. Eu não sei
em que momento da noite ela se aninhou a mim e a sensação de tê-la assim
tão próxima me faz querer prolongar esse contato.
Mas eu não tenho mais esse direito. Eu perdi qualquer direito que
eu tinha em relação a ela no dia que meu pai apareceu naquelas câmeras de
segurança.
Me desvencilho dela devagar para não acordá-la e, logo que
consigo, solto um suspiro. Preciso me levantar para ir à padaria e comprar
alguma coisa, mas ao mesmo tempo não consigo sair de perto dela.
Ela é tão linda...
Pouco depois, ela se remexe na cama e abre os olhos devagar, até
encontrar os meus e um sorriso tímido surge em seus lábios.
— Bom dia, Diogo.
— Bom dia. Dormiu bem?
Ela assente e eu sorrio. Pelo menos uma coisa boa, né?
Me sento na cama e me arrasto até a borda, já procurando meus
chinelos para calçar. Antes que eu me levante, os dedos de Carol tocam meu
ombro e sinto minha pele queimar.
— Diogo... Desculpa ter vindo aqui durante a noite, mas eu
realmente estava com medo.
— Não se preocupe, Carol. Está tudo bem. — Me viro de lado para
olhá-la e a vejo sorrir de leve. — Vou à padaria agora, ok? Pode dormir mais
um pouco, se quiser.
Me levanto e pego uma peça de roupas, me vestindo rapidamente e,
durante esse tempo, sinto seu olhar cravado em mim. Dou um beijo em sua
testa antes de sair do meu quarto e desço as escadas, encontrando minha mãe
na cozinha.
— Bom dia, mãe.
— Bom dia, Diogo. Dormiu bem, filho?
— Não muito, principalmente porque recebi uma visita noturna.
— Visita? — Ela arqueia a sobrancelha e eu rio.
— Carol estava com medo e pediu para dormir comigo.
Um sorriso enorme se abre em seu rosto e na mesma hora eu a
reprendo.
— Pode abaixar a bola, dona Júlia. Isso não quer dizer nada.
— Não para você. — Ela pisca para mim, indo para a pia preparar
o café.
— Vou à padaria agora, ok?
— Tudo bem, Di. Veja se tem daqueles sonhos que eu tanto amo.
— Pode deixar. — Beijo a sua testa e saio da cozinha, já chegando
à rua.
O vento que balança meus cabelos me faz respirar de forma mais
aliviado, fazendo sorrir. Ainda que por pouco tempo.
Há tantos dias eu não sei o que é sorrir...
Nosso almoço de domingo foi tranquilo, evitamos tocar no assunto
para que a Carol pudesse ficar mais à vontade; e parece ter dado certo, pois a
vi sorrir algumas vezes, o que me relaxou.
Eu não sei por mais quanto tempo ela ficará aqui em casa, mas por
mim, pode ficar o tempo que precisar. Está fora de cogitação deixá-la sozinha
por enquanto.
Assim que termino de lavar as louças do almoço com a sua ajuda,
caminho em direção às escadas e a vejo chegar perto de mim, um pouco
insegura.
— Diogo... A gente pode conversar? — Ela me pergunta em voz
baixa e eu apenas assinto. Eu a conduzo até o meu quarto com medo do teor
dessa conversa.
Entramos e ela se senta na cama de frente para mim. Carol respira
fundo antes de me olhar.
— Eu... Eu nem sei por onde começar. — Sinto um frio na barriga
e temo o pior.
Mas o que pode ser pior do que ficar tanto tempo longe dela?
— Pelo começo? — Tento descontrair e parece funcionar, pois ela
solta uma risada baixa.
— É verdade... Então, vamos lá. — Ela cruza as pernas, se
endireita na cama e volta o olhar para mim. — Para começar, esses dias que
ficamos longe foram os piores de toda a minha vida.
Ela solta de uma vez e eu me pego prendendo o ar dos pulmões. É
isso mesmo que estou ouvindo? Ou é alguma alucinação da minha cabeça?
— Eu pensei que não pudesse conviver com essa situação. Namorar
alguém que é filho da pessoa envolvida na morte dos meus pais, mas esse
tempo longe de você me fez ver o quanto eu estava enganada. — Ela solta o
ar em um suspiro e eu faço o impensável, pegando a sua mão e entrelaçando
os nossos dedos. — Mas a verdade é que eu não posso conviver com a sua
ausência, Diogo.
Sinto minha garganta se fechar e as palavras simplesmente me
fogem, então a deixo continuar.
— Eu precisava de um tempo sozinha para digerir tudo isso e os
primeiros dias foram os piores. Minha mente estava uma confusão, eu não
sabia mais no que pensar ou acreditar, e você não estava lá comigo. E,
acredite, não foi fácil. Eu sofri cada um desses trinta e cinco dias longe de
você.
É... Pelo visto eu não fui o único a fazer essa contagem.
— Carol, eu... — Tento falar, mas ela me interrompe.
— Depois de um tempo, eu decidi que deveria ir mais a fundo
nessa história, saber se realmente era o seu pai o principal envolvido, pois
uma parte de mim queria acreditar que tudo não se passava de um engano.
Não podia ser ele... — Ela abaixa a cabeça e olha para as nossas mãos
entrelaçadas e dá um sorriso fraco. — Eu queria conseguir provar que não era
ele para ter você de volta, sabe? E foi aí que cometi um grande erro.
Uma lágrima escorre pelo seu rosto e na mesma hora eu a seco,
acariciando seu rosto em seguida.
— Eu destrinchei a internet, fiz alguns telefonemas, fui atrás do
Rogério, comecei a investigar a vida do seu pai para ver se encontrava
alguma coisa. Mas quando não encontrava nada, me sentia terrivelmente
frustrada e, então, foi aí que me dei conta.
Ela de repente para e fica me olhando por um tempo, sem saber se
continua ou não. Mas eu quero que continue, eu preciso saber de tudo.
— Se deu conta...?
— Me dei conta de que não importa se o seu pai esteve ou não
envolvido com isso, não vai mudar o que eu sinto por você e nem quem você
é. Eu te amo demais, Diogo, e ficar esse tempo longe de você só me fez te
amar ainda mais. Você é a melhor pessoa que eu já conheci na minha vida, o
cara mais incrível. Me perdoa por eu não ter percebido isso antes e...
Ela começa a ficar nervosa e então eu a silencio, tomando-a em
meus braços.
Ficamos por um longo tempo assim, apenas abraçados em silêncio,
sentindo todo o calor dos nossos corpos. E quando eu finalmente consigo
entender o que ela acabou de dizer, não me controlo e começo a chorar.
São lágrimas de alívio, de amor, de esperança de um futuro. Será
que ela vai me aceitar de volta?
— Diogo... — Ela se afasta de mim e me olha bastante assustada
por estar chorando. Eu a tranquilizo sorrindo.
— Shh... Está tudo bem, Carol. Já passou...
— Você me perdoa?
— Te perdoar do quê, meu amor? — Acaricio seu rosto e ganho
um enorme sorriso.
— Eu te amo tanto, Diogo. — É a sua vez de acariciar o meu rosto
e assim que os dedos dela chegam próximos aos meus lábios, eu os beijo,
sentindo-a se arrepiar ao meu toque.
— E eu te amo ainda mais, Caroline. Não faz ideia do quanto estou
feliz por ouvir isso de você. Mas preciso te dar uma bronca.
— Bronca? — Ela arqueia a sobrancelha para mim com um ar
divertido.
— É... Você não deveria ter continuado com isso sozinha, amor. Eu
sei que precisava de respostas, mas se arriscou muito por isso, tanto que
recebeu esse recado nada gentil. — Ela franze o cenho e engole em seco,
concordando de leve. — Promete que não vai fazer isso mais?
— Eu prometo, Di. Me desculpa...
— Ei... — Coloco um dedo em seus lábios e a sinto estremecer. —
Já disse que não precisa se desculpar.
— Tudo bem... — Ela sorri tímida e fica em silêncio por um tempo,
parecendo organizar seus pensamentos. — Agora eu preciso saber. —
Respira fundo e abre um sorriso para mim. — Você me...
Sei o que ela está prestes a dizer, então a interrompo.
— Não.
Seu sorriso morre instantaneamente e eu me seguro muito para não
rir. Seus olhos se enchem de lágrimas, então trato de me explicar para não a
magoar ainda que de brincadeira.
— Não vou deixar você me perguntar isso, marrentinha. Porque da
última vez foi você quem me pediu em namoro e não vou deixar que faça isso
de novo.
Seu sorriso se abre na mesma hora e ela me lança um olhar tão
apaixonado que em uma fração de segundos eu vejo todos os cacos do meu
coração serem colados outra vez.
Pego sua mão e trago até os meus lábios, dando um beijo suave.
— Caroline de Melo Moraes, minha marrentinha, posso voltar a ser
o seu namorado?
Seu sorriso se alarga e ela balança a cabeça de forma frenética
enquanto uma lágrima escorre pelo seu rosto. Eu me aproximo dela e seco
essa lágrima com meus lábios e, então, fecho os olhos, roço minha boca pela
sua pele até encontrar na sua.
E tudo muda. Me sinto explodir por dentro quando ela abre os
lábios me dando passagem e dou início ao beijo mais marcante das nossas
vidas. Aquele que tem gosto de reconciliação e, mais do que nunca, de
promessa.
Promessa de que vamos enfrentar o mundo se precisar para que
fiquemos sempre juntos.
Não preciso dizer a ela nenhuma dessas palavras, mas sei que ela
pode senti-las através desse momento que estamos vivendo.
Minhas mãos envolvem o seu rosto enquanto nos beijamos de
forma calma, leve, prolongando ao máximo esse contato. Vez ou outra, nos
separamos apenas para retomar o fôlego e logo nos perdemos em nossos
lábios mais uma vez.
Não, não há pressa aqui. Nem aquela necessidade absurda de sentir
o outro, pois é como já soubéssemos o que nos aguardava, como se sempre
tivéssemos esperado por isso.
Uma lágrima solitária rola pela minha face enquanto nos beijamos
e o sabor dela se mistura à nossa saliva. É a emoção de estar revivendo esse
momento tomando conta de mim.
Caroline está de volta na minha vida e eu sei que seria muito burro
se a deixasse partir mais uma vez.
Não, ela nunca mais vai embora da minha vida, pois eu não vou
permitir.
Ela é o sol que ilumina a minha vida, meu motivo para sorrir em
meio a tantos obstáculos. Um fio de esperança em meio às tempestades.
Minha única certeza em horas incertas.
Ela é a minha esperança de dias melhores, de que em meio a tantas
coisas ruins haverá um motivo para sorrir. Um motivo para agradecer.
Ela é a melhor parte da minha vida e eu não posso mais viver sem
ela.
É o meu tudo.
É a minha vida.
— Como eu te amo... — Sussurro assim que separo nossos lábios,
já inchados de tantos beijos apaixonados. — Você é a melhor coisa que já
aconteceu na minha vida, amor. Obrigado por essa segunda chance.
— Eu senti tanto a sua falta, leãozinho. — Ela sorri acariciando
meus cabelos daquele jeito que só ela sabe fazer.
— E você não faz ideia do quanto eu senti a sua, marrentinha. —
Me inclino para beijá-la brevemente, acariciando seu rosto de forma suave.
— Nunca mais vou te deixar ir embora da minha vida, estamos entendidos?
Finjo um ar brabo e ela solta uma gargalhada gostosa, fazendo meu
peito queimar.
Deus, como eu amo essa mulher!
— Nem eu quero, leãozinho. Nem eu quero... — Sussurra e se
aproxima mais de mim, tomando meus lábios novamente.
Eu nunca vou me cansar dos seus beijos, nem de seus toques, nem
de nada que venha dessa mulher linda que está diante de mim.
Meu coração enfim começa a bater em ritmo normal, já sentindo
conforto por estar de volta ao lugar que sempre pertenceu, de onde nunca
deveria ter saído.
Meu lugar sempre vai ser onde ela estiver.
Assim que anunciamos que reatamos o namoro, minha mãe e Jorge
ficaram felizes pra caramba, principalmente a dona Júlia que não conseguia
esconder o enorme sorriso no rosto e repetia incansavelmente que já sabia.
Ela sempre me dizia que tinha esperança de que ficaríamos juntos
de novo e eu já não tinha tanta certeza. Por mais que quisesse muito isso, essa
decisão não cabia somente a mim. Teria que partir da Caroline e vê-la se abrir
comigo daquela forma fez com que meu coração quase não coubesse dentro
do peito.
Eu sei, eu sei. Fiquei bem sentimental depois que eu a conheci, mas
sejamos francos, quem não ficaria?
Quando a noite chegou, decidimos sair para comer uma pizza e
comemorar esse momento. Era também para distrair um pouco a cabeça da
avalanche de acontecimentos que tivemos nos últimos dias.
Durante o jantar, minha mãe convidou a Carol para morar por uns
tempos em nossa casa, pois estava fora de cogitação que ela voltasse a ficar
sozinha depois do que aconteceu. Ela havia me consultado mais cedo sobre
essa decisão e eu fiquei bastante emocionado, pois jamais tomaria essa
decisão sem consultá-la antes. Minha namorada quase chorou na mesa,
tomada pela emoção de ser tão acolhida pela minha família.
Eu só tenho a minha mãe, pois sou filho único e os dois irmãos dela
moram na Austrália com suas famílias. Meus avós já são falecidos. Já a
família do meu pai, eu nem preciso dizer que não tenho contato algum com
eles, certo?
Mas a minha mãe é toda a minha família e só ela me basta. Ela e
Caroline, que agora que a tenho de volta. Eu sei que para ela não é fácil ser
sozinha nessa cidade e por mais que seu tio se faça muito presente, não é a
mesma coisa.
Somos completos agora, nos completamos com nossas
imperfeições e é isso que importa. Se estivermos juntos, está tudo bem.
Assim que chegamos, nos despedimos e cada casal foi para seu
respectivo quarto.
— Você sabe que essa cama é pequena para nós dois, né? — Digo
a ela, assim que a vejo se sentar na cama e retirar os brincos das orelhas.
— Sei sim... Uma coisa é dormir aqui de vez em quando, outra
coisa é todos os dias. Eu estava pensando durante o caminho de volta e acho
que poderíamos ir lá em casa buscar a minha cama e trazer para cá.
Eu me sento ao seu lado e roço o nariz em seu ombro, subindo até o
seu pescoço, inspirando seu aroma.
— Eu amo seu cheiro...
— Não faz ideia do quanto eu senti falta de ouvir isso de você. —
Ela suspira e eu afasto meu rosto para olhar em seus olhos.
— Ei... Está tudo bem agora. Não vamos pensar no tempo que
passamos longe, mas apenas no que virá daqui para frente. Você precisava
desse tempo sozinha, amor. Ainda que tenha doído pra caramba, mas foi
importante naquele momento.
— Eu sei, Di... — Ela suspira e me dá um sorriso de canto. —
Você é incrível, sabia? Não sei se outra pessoa estaria ainda aqui esperando
por mim.
— E para onde eu iria, marrentinha? Você é o meu lar.
Seu sorriso se abre e ela se aproxima, me dando apenas um selinho.
— Eu te amo tanto, leãozinho. Eu me apaixonei por você desde o
dia que você apareceu naquela cozinha do trabalho, me dizendo para não
mexer com você. Tem noção do quanto me incentivou a fazer exatamente o
contrário?
Solto uma risada, é bem previsível vindo dela.
— Eu te achei linda, Carol. Linda até demais, mas pensava que
você era muito nova e que tinha a vida muito fácil, por isso me distanciei de
você. — Abaixo a cabeça, um pouco constrangido.
— Você não me conhecia, Di. É normal...
— Depois eu percebi que você era boa demais, mas me achava
indigno de ter você.
Nessa hora ela cruza os braços e faz a cara de brava mais fofa desse
mundo.
— Quantas vezes eu já te disse para não dizer isso?
— Eu falei que achava, marrentinha. Não que ainda acho...
Embora, às vezes, eu pense que não mereço você, pois é perfeita demais. —
Roço os dedos em seu rosto e a sinto se arrepiar.
— Você que é perfeito... Todo gostoso aí. Alto, forte, cabelos
longos, olhos azuis. Caramba... Eu sou tão normal perto de você, amor. Não
tenho nada de diferente.
— Você é diferente de todas as garotas que já conheci, Carol. Nem
vem querer me dizer que é normal. Você é gostosa pra cacete.
Ela sorri. Um sorriso malicioso que faz meu corpo pegar fogo.
Como eu senti falta de tocá-la...
Chego mais perto e roço meus lábios em seu pescoço. Ela
estremece.
— Senti tanto a sua falta... — Vejo-a engolir em seco e sorrio,
descendo meus lábios até o seu decote.
— Você... — Ela gagueja quando subo minha mão por dentro da
sua blusa e eu sorrio.
— Hum...? — Pergunto como quem não quer nada.
— Você... Não vai buscar a minha cama?
— Agora? — Me afasto para olhá-la.
— Não... Eu só lembrei que você não me respondeu ainda.
— Ah, sim. Busco, amor. Claro. E trago toda a sua mudança para
cá, se quiser.
— Não precisa, Di. É só por um tempo...
— Está certo, amanhã depois do trabalho olhamos isso, tudo bem?
Ela assente e sorri de leve.
— Posso voltar ao que eu estava fazendo, marrentinha? Você me
interrompeu.
Ela morde o lábio daquele jeito que é muito sexy e eu solto uma
risada leve.
— Nem precisa me responder.
Já ouviram aquele ditado que sexo de reconciliação é sempre o
melhor? Não sei dizer se esse foi o melhor, pois é difícil superar a nossa
primeira noite juntos. Mas hoje... Ah, hoje foi diferente... Foi cheio de amor e
de saudade, nem mesmo sei como descrever.
Olho para ela agora que está deitada em meus braços ainda nua e
com os cabelos bagunçados e só consigo pensar no quanto ela é
simplesmente perfeita assim. Ela faz círculos com os dedos em meu peito e
solta um suspiro.
— Cansou, é? — Brinco com ela, que solta uma risada baixa.
— Não...
— Já quer um segundo round, marrentinha? — Eu a provoco, que
ri ainda mais.
— Por Deus, Diogo. Homens só pensam nisso?
— Não necessariamente, mas te ter assim em meus braços é
bastante tentador.
Ela balança a cabeça e percebo seu olhar longe.
— No que está pensando?
Ela solta mais um suspiro e parece pensar um pouco antes de me
responder.
— Será que um dia vamos descobrir quem foi que fez tudo isso?
— Não sei, amor. Eu espero que sim. O Jorge e o Rogério estão
trabalhando nisso, então vamos confiar.
Ela apenas assente e fica por mais um tempo em silêncio.
— Eu queria te prometer que sim, Carol. Mas infelizmente não
podemos nos envolver mais nisso, pela sua segurança.
— Eu sei, Di. É só... Um pouco frustrante, sabe? — Uma lágrima
escorre pelo seu rosto e ela rapidamente seca. — Estávamos tão perto de
descobrir e, de repente, não temos nada.
— Eu sei, meu amor. Isso também me incomoda muito, mas não
podemos fazer mais nada por enquanto. Vamos confiar que eles vão
conseguir, está bem?
Ela assente sem muita convicção e eu a abraço, embalando-a em
meu corpo.
— Na hora certa, a verdade aparecerá, amor. Ela sempre aparece.
Ela assente mais uma vez e eu beijo seus cabelos, acariciando seus
braços de leve.
— Enquanto isso, eu vou cuidar de você, ok? Não vou permitir que
nada de mal te aconteça. Confia em mim?
— Claro que sim.
— Então pronto. — Beijo-a mais uma vez e deito meu rosto na
curva de seu pescoço. — Vai dar tudo certo, Carol. Eu te amo, viu?
— Também te amo, Di. Obrigada por ser tão perfeito.
— E eu te agradeço por não desistir de mim.
Eu a sinto sorrir e a vejo fechar os olhos em meus braços. Com
cuidado, estico o braço até tocar o abajur para apagar a luz. Descanso meu
rosto em seu corpo enfim.
— Boa noite, marrentinha.
— Boa noite, leãozinho.
Agora me digam...
Existe melhor forma de dormir do que essa?
Aqui detrás do balcão, consigo ver Caroline conversando com sua
amiga enquanto curte o show que uma banda está fazendo hoje no bar.
Por mais que seja quarta-feira, ela quis vir comigo ao trabalho, já
que amanhã é feriado e não precisaremos acordar cedo. Alguns sábados que
ela não quer passar somente em casa, ela me acompanha também. Mesmo
quando Daniela não pode vir junto, ela nunca se incomoda de ficar sozinha
por aqui. Na verdade, ela já fez amizade com todos os funcionários e o
pessoal adorou a minha namorada desde o início, com exceção da Camila que
nem chega mais perto dela depois que a Carol a colocou em seu lugar. E ela
também parou de investir em mim, o que me trouxe um enorme sossego.
Minha mãe fica em casa com Jorge enquanto passamos a noite por
aqui. Faz pouco mais de duas semanas desde o episódio na casa da Carol e,
por mais que não tenha acontecido nada, sempre tomamos o devido cuidado.
Jorge ainda não teve muito sucesso em sua descoberta e nós também não
perguntamos demais, pois eu sinto que por mais que a minha namorada esteja
bem, ela se sente frustrada por não conseguir respostas.
Como planejamos, buscamos a cama da Carol e levamos para o
meu quarto, juntamente com alguns de seus pertences. Por mais que
tenhamos arrumado toda aquela bagunça de seu apartamento na semana
seguinte, ainda não pensamos no que vamos fazer no momento e ela tem
preferido ficar na minha casa, o que me deixa bastante aliviado. Se ela um dia
quiser voltar para lá, eu vou respeitar sua posição, mas ficarei de olho para
mantê-la em segurança.
Eu nem sei do que sou capaz de fazer se algo acontecer a ela.
— Por acaso você me daria o seu telefone? — Carol brinca
chegando perto de mim e se apoiando no balcão.
— Hum... Não sei. A minha namorada é ciumenta.
Ela solta uma risada e pisca para mim.
— Ela nem precisa ficar sabendo.
E então é a minha vez de rir.
— Está curtindo o show?
— Bastante... Eu adoro vir aqui com você e te ver atrás desse
balcão preparando drinques é sexy pra caramba.
Pisco para ela e sorrio.
— Mas esse cara sexy já tem dona...
— Ainda bem que você sabe disso.
Conversamos por mais alguns minutos, até que sinto meu celular
vibrar no meu bolso. Arqueio a sobrancelha quando vejo o número que
aparece na tela.
— Mãe?
— Oi, Diogo. Desculpa te ligar, eu sei que está trabalhando agora
e... — Sua voz demonstra medo e um sinal de alerta ecoa na minha cabeça.
— Não tem problema, mãe. Aconteceu alguma coisa?
Vejo Carol se inclinar sobre o balcão e franzir o cenho para mim.
— É o Jorge... Eu... Eu não sei. Aconteceu alguma coisa, Diogo.
Estou muito preocupada.
— O que houve?
— Nós estávamos conversando no sofá e rindo e então um número
desconhecido ligou e ele atendeu. Depois disso ele ficou muito estranho e
saiu sem me dizer para onde ia.
— Estranho como?
— Não sei... Ele parecia estar escondendo alguma coisa. Perguntei
quem era e para onde ele estava indo, mas ele não respondeu. Ficou muito
nervoso e saiu na mesma hora.
— Espera aí... Ele deixou a senhora sozinha em casa?
— Sim... Ele saiu tem uns vinte minutos.
Filho da mãe! Ele me prometeu que ficaria com ela durante a noite
e eu confiei no cara! Que merda!
— Eu nunca o vi daquele jeito, Diogo. Eu estou com medo.
— Eu vou tentar ligar para ele e ver o que consigo descobrir, já te
ligo aí. Tranque a casa toda e não abra a porta para ninguém, nem mesmo
para ele.
— Está bem...
Me despeço dela e desligo o telefone, olhando atordoado para a
Carol.
— O que houve, Diogo? O que aconteceu?
— Minha mãe disse que Jorge recebeu uma ligação estranha e ficou
muito nervoso e saiu de casa na mesma hora, sem dizer a ela quem era e nem
para onde ia. Ele a deixou sozinha em casa, acredita? O canalha me prometeu
que ficaria com ela!
— Que estranho, Di... O Jorge não é disso.
— Pois é... Tem algo muito errado nessa história e eu não estou
gostando nada disso. Vou tentar ligar para ele e ver se consigo descobrir
alguma coisa.
Tiro o celular do bolso e disco o número dele, mas cai direto na
caixa postal.
— Que merda! — Esbravejo, esfregando o rosto com raiva. O que
eu vou fazer agora?
— Amor, vou pedir um Uber e vou para casa ficar com ela.
Enquanto isso você continua tentando falar com ele.
— Poxa, Carol, valeu mesmo. Estou muito preocupado aqui.
— Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Chegando lá eu te dou
notícias, ok?
— Está certo. Não abram o portão para ninguém, ok? Nem mesmo
para ele. Não fazemos ideia do que ele foi fazer e com quem foi se encontrar.
— Tudo bem, amor. Pode deixar. Fica tranquilo, viu? Não vai
acontecer nada.
— Vou tentar... — Ela se inclina mais para se aproximar de mim e
me dá um selinho. Depois, pede um uber e vai para casa.
São pouco mais de oito horas e só de pensar na noite longa que vou
precisar enfrentar no bar, já fico aflito.
O que será que o Jorge foi fazer de tão importante para sair todo
apressado assim? E pior: sem dar nenhuma satisfação? O cara é tão correto
que avisa a minha mãe até se vai à padaria.
Que inferno!
Não estou gostando nem um pouco disso...
O bar começa a encher e aos poucos o movimento do balcão distrai
um pouco a minha cabeça. Sempre que tenho uma folga entre um drinque e
outro, pego o telefone e ligo para o Jorge, mas sempre cai na caixa postal, o
que só me deixa ainda mais desconfiado dessa sua atitude.
Marrentinha: “Cheguei, amor. Está tudo bem por aqui, sua mãe
só está preocupada, mas vou dar um jeito de distraí-la.”
Eu: “Obrigado, Carol. Vá me dando notícias de vocês e não abra
a porta sob hipótese alguma, assim que eu terminar aqui, vou direto para a
casa.”
Marrentinha: “Pode deixar, Di. Fica tranquilo, vamos ficar bem.”
Respiro mais aliviado de saber que ela chegou lá e que elas estão
bem, mas sei que só ficarei tranquilo quando pisar em casa.

— Amor? — Abro a porta do meu quarto devagar. Quando vejo


apenas meu abajur aceso e minha namorada com um livro na mão, respiro
relaxado.
A noite demorou uma eternidade para passar e quando meu
expediente acabou, vim voando para casa. Estava tudo silencioso. A primeira
coisa que eu fiz foi dar uma espiada no quarto da minha mãe. Vê-la dormindo
tranquilamente em sua cama, apagou as minhas aflições.
— Oi, Di. — Ela me saúda com uma voz meio sonolenta e eu
sorrio.
— Como foram as coisas por aqui?
— Foi tranquilo, amor. Ninguém apareceu, nem ligou. Mas sua
mãe está bastante preocupada com ele e chateada por ele ter sumido dessa
forma, já que ele nunca agiu assim antes.
— Pois é... Tem algo muito errado nessa história porque o Jorge
não é assim. Ou pensamos que não seja, né?
— Você não conseguiu falar com ele?
— Nada... Só caiu na caixa postal.
— Será que aconteceu alguma coisa com ele?
— Não sei, Carol. Mas uma hora ele vai aparecer e vou apertá-lo
até falar, porque ele não podia ter feito isso. Como ele me promete que vai
passar a noite para ficar com ela e depois some?
— É isso que estou achando estranho, Diogo. Ele faz qualquer
coisa pela segurança da sua mãe. Se ele precisou sair assim é porque alguma
coisa aconteceu.
— Infelizmente não podemos fazer nada mais hoje, né? Vamos
dormir e amanhã eu continuo tentando procurá-lo. E obrigado por vir ficar
com ela, sei que queria aproveitar a noite e...
— Relaxa, amor. Eu jamais deixaria ela sozinha aqui, sua mãe faz
tanto por mim que isso era o mínimo que eu poderia fazer por ela.
Sorrio e dou um beijo em seu rosto. Então, tiro as minhas roupas
para me preparar para dormir.
Assim que me acomodo ao seu lado, dou-lhe um beijo de boa noite
e Carol desliga o abajur, deixando a escuridão reinar no quarto.
Eu não consigo dormir de imediato, pois a minha mente trabalha
sem parar. Eu achei muito suspeita essa atitude do Jorge e espero que ele não
demore a aparecer para eu descobrir o que é.

O feriado chega e por mais que eu tenha feito planos de sair com a
Carol durante o dia, acabamos ficando em casa com a minha mãe. É notável
seu semblante triste pelo sumiço do Jorge, pois ela realmente acabou se
apaixonando por ele de novo.
E o cara simplesmente sumiu. O celular só dá caixa postal e, pouco
antes da hora do almoço, eu peguei a minha moto e fui até o seu apartamento
para ver se o encontrava, mas não tive sucesso.
Como pode um cara desaparecer assim? Será que aconteceu mesmo
alguma coisa com ele? Quem será essa pessoa que ligou para ele e para onde
o levou? Confesso que no início eu só fiquei puto por ter deixado a minha
mãe em casa, mas agora começo a ficar preocupado. Depois do que
aconteceu no apartamento da Carol, temo pela segurança de cada um de nós
que está envolvido nesse caso, ainda que indiretamente.
Terminamos de almoçar há cerca de uma hora e, enquanto minha
mãe trabalha em seu ateliê, Carol e eu estamos sentados no sofá assistindo a
um filme de comédia, mas sei que nenhum de nós está prestando atenção de
verdade.
O meu celular toca e, quando vejo o número do Jorge na tela, sinto
meu coração disparar.
— Jorge? — Atendo a ligação e a Carol rapidamente se aproxima
de mim, colocando a mão em meu braço.
— Oi, Diogo. Preciso de você e da Caroline na delegacia agora,
podem vir?
— Aconteceu alguma coisa?
— Chegando aqui eu explico, pode ser?
— Tudo bem, estamos indo.
— O que ele disse? — Carol me pergunta assim que encerro a
ligação.
— Ele nos quer na delegacia agora.
— Por quê?
— Não faço ideia, amor. Mas pela sua voz, parecia algo
importante.
Ela engole em seco e assente, se levantando do sofá.
— Só me dê um minuto para eu me trocar e podemos ir.
— Tudo bem, eu vou avisar a minha mãe.
Ela sobe pelas escadas e eu caminho pelo corredor até o ateliê da
minha mãe. Eu a encontro concentrada em sua máquina de costura.
— Mãe?
— Oi, Diogo. — Seu sorriso é fraco e vejo como ela está abalada
com tudo isso.
— Eu acabei de receber uma ligação do Jorge. Estamos indo para a
delegacia agora.
— Aconteceu alguma coisa? — Ela solta o tecido na mesma hora e
seu semblante se torna preocupado.
— Não sei, mãe. Ele me disse que explicaria quando chegasse lá,
mas pela sua voz parecia importante.
— Graças a Deus que ele está bem. — Ela suspira e passa a mão
pelos cabelos. — Mas me avise quando descobrir o que é, espero que não
seja nada grave.
— Também espero, mãe. Pode deixar que a mantenho informada.
Dou um beijo em seu rosto e saio do cômodo. Eu encontro a Carol
descendo as escadas assim que retorno.
— Vamos? — Ela assente e eu a conduzo até a minha moto.
Percorremos as ruas da cidade com calma e a minha ansiedade faz
com que o trajeto demore o dobro de tempo do que o normal. Eu não disse
nada à Carol durante o caminho, mas acredito que Jorge finalmente tenha
chegado a uma pista melhor sobre o caso. Afinal, por que ele nos pediria para
ir para a delegacia em pleno feriado?
Paro a moto em frente ao prédio e respiro fundo quando retiro o
capacete e pego o da Carol, prendendo na corrente da moto. Seguro sua mão
e caminhamos apressados porta adentro. Quando pergunto a um funcionário
sobre o Jorge, ele nos encaminha até uma sala que nunca tínhamos entrado.
— Jorge? — Bato na porta e lá de dentro ouvimos sua voz nos
convidando para entrar.
— Obrigado por terem vindo. — Ele diz simplesmente e eu não
consigo decifrar o seu semblante.
— O ​que aconteceu? Por que deixou a minha mãe sozinha ontem à
noite? Você me prometeu que ficaria com ela. — Meu tom de voz se eleva e
ele sinaliza para nos sentarmos de frente para ele. Assim que o fazemos, ele
esfrega os olhos.
— Vou explicar tudo para vocês, mas antes preciso te pedir
desculpas, mas eu realmente precisava ter feito isso.
— Quem te ligou? Para onde você foi?
Jorge se encosta na cadeira e cruza os braços, visivelmente
perturbado.
— Eu recebi uma ligação anônima de alguém que tinha provas a
respeito do caso dos pais da Carol e precisava me encontrar em um café
naquela hora. Me diz, como eu poderia ignorar isso?
— O quê? — Carol se remexe ao meu lado em sua cadeira. —
Conseguiu descobrir alguma coisa?
— Na verdade, consegui descobrir tudo. — Ele solta simplesmente
e vejo tudo girar na minha frente.
Será que eu quero mesmo saber de tudo isso?
— Conta logo, Jorge! — Carol se apressa, bastante agitada.
Ele pega uma pasta no canto da mesa e começa a tirar alguns papéis
lá de dentro. A primeira coisa que ele pega e nos mostra são algumas fotos.
Uma carreira de fotos de dois homens conversando, apertando as
mãos, cochichando. Todas em várias situações diferentes. A princípio, não
consigo identificar quem são, mas logo ele nos mostra uma foto com
aproximação e quando eu reconheço um dos homens, sinto meu punho se
fechar.
Meu pai.
Era mesmo de se esperar, né? Mas então ele nos mostra uma foto
que aparece nitidamente o outro homem e então sinto meu coração saltar pela
boca.
Rogério.
Puta que pariu.
— O que o Rogério está fazendo com o meu pai?
Ele não diz nada e, então, começa a revirar os papéis. Aos poucos,
vai nos mostrando prova por prova.
Comprovantes de transferência bancária em nome do Rogério para
o meu pai.
Os documentos desaparecidos da ONG, como Estatuto Social,
Regimento Interno e Atas de reuniões.
Por último, e-mails; dezenas de e-mails trocados entre meu pai e
Rogério. Quando começamos a ler o conteúdo, sinto minha visão embaçar.
Carol começa a chorar ao nosso lado enquanto processa todas essas
informações junto comigo.
Era ele.
Sempre foi ele.
Rogério.
O delegado amigo de seus pais que estava disposto a nos ajudar.
Nunca desconfiamos dele e agora eu entendo porque ele quis nos ajudar.
Porque sabia que as provas nos levariam até o meu pai e nunca a ele. Já que
nada o relacionava a ONG.
Rogério era o presidente da ONG, era o responsável por tudo, mas
usou o nome do meu pai para não ter nenhum escândalo envolvendo seu
nome.
Rogério mandou matar os pais da Carol. Os seus amigos de longa
data.
Puta que pariu.
— Pelo que vocês estão vendo, finalmente chegamos ao verdadeiro
culpado. — Jorge interrompe meus pensamentos, me trazendo de volta a
realidade.
— Onde ele está agora?
— Algemado em uma outra sala.
Caramba. Não dá para acreditar nisso.
— Como ele pôde? — A voz da minha namorada é esgoelada
devido ao seu choro. Sinto um aperto no peito por vê-la tão vulnerável.
Passo meus braços ao redor de seus ombros e a acaricio de leve,
permitindo que chore em meu peito.
— Eu nem sei o que te dizer, Carol. Eu sinto muito mesmo. —
Jorge se lamenta e o silêncio paira sobre nós. Somente o choro da minha
namorada era ouvido.
Finalmente encontramos respostas, finalmente descobrimos quem
fez, mas a constatação foi ainda pior do que pensávamos.
— Como conseguiu tudo isso? — Pergunto a ele, minutos depois.
— Uma forte testemunha me entregou tudo isso e com esse dossiê
em mãos e o seu relato, não foi difícil conseguir o mandato de prisão.
— Caramba... Então era ele o tempo todo?
Jorge apenas acena, sem dizer nada.
— E nós acreditamos que ele queria nos ajudar.
— Eu também, Diogo. Todos nós fomos enganados aqui. Eu
trabalho há alguns anos com ele e nunca desconfiei de nada, pois ele sempre
foi uma boa pessoa. Mas a verdade é que ele só ficou tranquilo porque sabia
que as provas levariam até o seu pai, já que ele tinha consumido todos os
documentos.
— Nem todos, né? — Aponto para a pilha de papéis à nossa frente
e ele assente. — E quem foi que te entregou tudo isso? Você pode nos
contar?
Ele fica nervoso por um tempo e assente logo em seguida.
— Foi o braço direito do Rogério que o entregou? — Carol
pergunta enquanto seca suas lágrimas.
Realmente, para ser uma pessoa que tinha acesso a tudo isso, só
poderia ser alguém de confiança dele. Mas por que o entregaria logo agora?
Depois de tantos anos?
— Vocês já vão descobrir quem é. Só um instante. — Ele se
levanta da mesa e nos deixa sozinhos na sala.
— Eu não sei se fico mais chocada com o fato de ter sido o Rogério
o mandante de tudo ou por ter uma terceira pessoa envolvida. Nós não vamos
parar de ser surpreendidos?
— Nem me fale, Carol. Estou tão atordoado quanto você. — Pego
sua mão que está trêmula em cima de sua coxa e trago até os meus lábios,
beijando com delicadeza.
— Eu só quero que isso tudo acabe. — Ela suspira e eu dou um
beijo em sua testa.
— Já está quase acabando, amor.
Ouvimos a porta se abrir atrás de nós e na mesma hora nos
viramos, vendo Jorge entrar e parar ao lado dela, em silêncio.
Pouco depois, um senhor entra na sala de cabeça baixa e assim que
ergue a cabeça, eu sinto meu queixo cair.
Minha cabeça toda roda e eu sinto ânsia de vômito.
Eu tento falar, mas minha voz não sai.
Carol fala alguma coisa ao meu lado, mas não consigo ouvi-la.
Os meus olhos estão cravados no homem que olha diretamente para
mim parecendo estar tão atordoado quanto eu.
Fecho os olhos e os esfrego, tentando respirar, mas me falta o ar.
Me faltam palavras.
Me falta tudo.
Abro os olhos mais uma vez, tentando me certificar de que não é
ilusão, de que o que estou vendo é mesmo real.
Mas como...?
— Pai?
Carol olha do homem para mim e de mim para ele, sem parar. Ela
também perde as palavras assim que me pronuncio.
Ele está muito diferente do que me lembro, mas mesmo assim eu
sei que é ele. É impossível não saber.
Ele dá passos calculados em direção a nós e não diz uma palavra.
Nesse momento eu não sei o que dizer, nem falar.
Ele estava vivo esse tempo todo?
Como isso é possível?
Ele anda mais um pouco e, quando está bem próximo, consigo
analisá-lo melhor. A última vez que eu vi o meu pai, há pouco mais de quatro
anos, ele tinha os cabelos curtos e rosto limpo, mas esse cara diante de mim
parece ser uns dez anos mais velho. Usa a cabeça raspada e uma barba que
preenche todo o seu rosto, mas aqueles olhos azuis idênticos aos meus são o
que causam o maior reconhecimento.
— O que você está fazendo aqui? — É a primeira pergunta que me
escapa. Ele franze o cenho e engole em seco. — Como pode estar vivo? Você
morreu!
Eu me exalto e me levanto na mesma hora, indo em sua direção,
mas antes que eu possa encostar nele, Jorge intercepta.
— Calma, Diogo.
— Calma? Como quer que eu fique calmo, Jorge? Ele morreu e
ferrou a minha vida e agora eu simplesmente descubro que ele estava vivo
esse tempo todo?
Eu acabo gritando e ele continua calado, até que vejo seus olhos
marejarem.
É sério que esse cara vai chorar agora?
— Eu... Eu sinto muito, Diogo. — Sua voz sai baixa e eu sinto um
aperto no peito ao ouvi-la.
É mesmo ele.
É real.
Puta que pariu.
Olho para ele por mais um tempo e então começo a rir, mas a
minha risada não tem humor algum.
— Está de brincadeira com a minha cara, né? Só pode.
Todo mundo na sala se mantém em silêncio e eu começo a tremer
de raiva.
— Você tem noção do quanto nos deixou ferrados? Do quanto
minha mãe chorou pela sua morte? Ela te amava, porra!
Ele se assusta com o meu grito e recua um passo devagar.
Ah, que ótimo. Precisou “morrer” para ter medo de mim?
Olho para o Jorge, que tem o semblante preocupado, e vou em
direção a ele.
— Você sabia disso?
— Não, Diogo! Eu fiquei sabendo ontem à noite quando o
encontrei e tive a mesma reação que você.
— Então você era a testemunha chave? Que voltou depois de
quatro anos para salvar a pátria e sair como herói? — Solto uma risada, sendo
impossível disfarçar a minha ironia.
— Não, Diogo. Eu... — Sua voz é baixa e eu me pego pensando
quando foi a última vez que ele falou nesse tom comigo.
— Eu não quero saber. Pode voltar de onde veio.
— Diogo, eu sei que é complicado, mas vocês precisam ouvi-lo. —
Jorge tenta amenizar, mas eu não quero. Não quero ouvir. Não quero saber.
Estou prestes a revidar quando sinto a minha namorada tocar o meu
braço com suavidade. Então, me lembro de que isso não tem a ver comigo,
tem a ver com ela.
— Por favor, amor. Eu preciso saber.
Respiro fundo, assentindo de leve. Realmente ela precisa de
respostas, mas não mais do que eu. Ele não pode simplesmente voltar e achar
que vai ficar tudo bem.
Como alguém se passa por morto por tantos anos? Isso não
acontece só em filmes?
— Vamos nos sentar. — Jorge convida e logo estamos sentados de
volta na mesa. Eu e a minha namorada de frente para os dois.
Tragam o café, pois a história vai ser longa.
Cruzo os braços e me encosto na cadeira, esperando pelo que virá
em a seguir.
— Primeiramente, gostaria de dizer que sinto muito. — Sua voz é
baixa, mas firme. — Sinto muito pela sua família, Caroline. E sinto muito
pelo que você passou, Diogo.
Ele me olha de um jeito quase sensível e se ele busca encontrar
solidariedade em mim, vai morrer esperando.
Se é que é possível morrer duas vezes, né?
Ele suspira e coça a cabeça raspada, olhando para Jorge, que o
incentiva a continuar com um aceno de cabeça.
— Eu conheci o Rogério um ano antes do meu... falecimento. As
vendas estavam ficando cada vez piores com a crise econômica e ele me fez
uma proposta para me ajudar. Ele era amigo do dono da empresa que eu
representava e nos conhecemos em uma confraternização com os outros
representantes. O Saulo, que era o dono, nos apresentou e elogiou muito o
meu trabalho na época e acabamos fazendo amizade. Na época ele me disse
que estavam idealizando uma ONG e que precisavam de um responsável por
ela, mas que ele não poderia, pois não queria ser exposto dessa forma. Veio
com um papo de que não queria reconhecimento por isso e que as pessoas
poderiam pensar que ele só queria melhorar a imagem e eu acreditei. O cara
parecia ser mesmo bom.
Ele faz uma pausa e eu assinto. Realmente, o Rogério sempre foi
um cara legal, acima de qualquer suspeita.
— Eu estava precisando de uma grana, pois as coisas estavam
difíceis lá em casa e as vendas estavam indo de mal a pior e eu não estava
conseguindo pagar a sua faculdade sozinho. — Ele engole em seco e eu sinto
um frio na barriga. — Então aceitei a proposta, pois a ONG era realmente
séria e eu imaginei que não fosse me causar problemas. Nunca mencionei
isso lá em casa, pois pensei que vocês não veriam com bons olhos, por isso
guardei para mim. O meu trabalho era unicamente assinar os papéis que
precisavam e fazer trabalho de banco, dar assistência na ONG, dar as caras
quando fosse preciso. E no início estava mesmo dando certo, até eu ouvir
uma conversa entre o Rogério e o Marcos. — Nesse momento ele vira seu
olhar para Caroline, que não tira os olhos dele. — Seu pai era um excelente
psicólogo, Caroline, e assim que ele conseguiu com que uma das garotas
falasse sobre o abuso, ele foi confrontá-lo. Até então, Rogério não tinha
nenhuma ligação real com a ONG, mas era um dos voluntários, então estava
lá dentro acompanhando de perto e todos sabiam que ele era o idealizador.
Mas a casa caiu quando seu pai descobriu que a ONG era uma fachada. Ele
não queria ajudar as garotas, ele queria vendê-las, então quando chegava a
noite e não havia muitos voluntários na casa, ele saía escondido com elas e
levava a lugares onde homens pagavam para ficar um tempo com elas e antes
que o dia amanhecia, ele as levava de volta. Nenhuma delas abriu a boca
durante muito tempo, pois eram seriamente ameaçadas por ele, mas o
comportamento delas foi mudando com o tempo e o Marcos percebeu isso.
Depois de muita insistência, ele conseguiu que uma abrisse o jogo e na
mesma hora ele foi atrás do Rogério, que o ameaçou de morte, caso falasse
alguma coisa. Seu pai não levou isso a sério, até receber aquela ameaça em
seu escritório. A partir daí as coisas começaram a complicar. Eu era um
invisível naquela ONG, ninguém nem mesmo notava a minha presença, então
ouvi muitas conversas. Em uma delas, vi seus pais conversando sobre isso e
lembro que Marcos queria levar à polícia e por mais que fosse o correto, sua
mãe temia pelo pior, pois sabia da forte influência de Rogério.
Carol solta um suspiro ao nosso lado. Eu pego a sua mão e aperto
na minha, pois eu sei o quanto essa conversa está sendo dolorosa para ela.
— Nesse meio tempo, Rogério me pediu para levar um dinheiro
para um mecânico na oficina e eu não sabia o que estava tramando, apenas
levei o dinheiro, expliquei que vinha dele e saí. Dias depois fiquei sabendo do
acidente de carro e fiquei transtornado, então foi a minha vez de confrontá-lo.
Eu já estava incomodado com o caso das garotas e ele ainda provoca um
acidente fatal? Mas é claro que eu não fui bem recebido, pois fui igualmente
ameaçado. Mas eu não iria entregá-lo, pois temia que o mesmo acontecesse
com a minha família.
Nessa hora ele para e coça a barba com as mãos trêmulas,
visivelmente nervoso. Definitivamente essa não era a conversa que eu
imaginava.
— Eu garanti a ele que não faria isso, mas ele não pareceu muito
convicto, porém não tocou mais no assunto. Poucos dias depois, escutei uma
conversa dele pelo telefone e ele falava que ia dar um jeito de dar o recado
para mim, que estava procurando uma forma de garantir o meu silêncio,
porque não confiava em mim e eu sabia demais. Foi quando eu me
desesperei, pois se ele foi capaz de fazer aquilo com a família do Marcos, o
que faria comigo? Na época, procurei um antigo amigo da escola que mexia
com falsificação de documentos e então ele me sugeriu que forjasse a minha
morte. Não ficaria barato, é claro, mas pelo menos garantiria a segurança de
vocês. E foi isso que eu fiz.
Sinto a minha cabeça girar e preciso respirar fundo mais de uma
vez para conseguir digerir tudo que ele está nos dizendo, pois não parece ser
real.
— Não era de pouco dinheiro que estávamos falando, pois forjar
uma morte é precisar subornar várias pessoas e conseguir documentos falsos,
então eu sabia que precisava agir e rápido. Foi assim que fiz aqueles
empréstimos altos e fiz vocês pensarem que era por causa de jogos, para que
nunca desconfiassem de nada. Mas a verdade é que eu nunca joguei nada,
Diogo. Nunca nem cheguei perto disso, mas eu precisava fazer com que
parecesse real. Os empréstimos foram feitos no nome de sua mãe para que o
Rogério nunca desconfiasse de mim e não fosse atrás. Comigo fora do
caminho, vocês dois estariam a salvo.
Eu prendo a minha respiração e abaixo a cabeça na mesa, tentando
processar tantas informações.
— Você ferrou a nossa vida. — É tudo que eu consigo dizer e ele
apenas assente com o semblante triste.
Mas isso ainda não me sensibiliza.
— Eu sei, meu filho. Não pense que eu fiz isso por prazer, fiz
porque não tive alternativa. Assim como os pais da Caroline não tiveram, só
que eu consegui agir a tempo e consegui salvar vocês. Eu consegui
documentos falsos, aluguei uma quitinete no interior do Mato Grosso e
comprei passagens para lá. Mas eu não iria sumir sem levar comigo as
provas, então mandei uma cópia de tudo para o meu novo endereço e pedi ao
síndico que guardasse o pacote até eu chegar. Com tudo organizado, eu bebi
além do normal e provoquei o acidente, e a equipe que foi me resgatar era a
que eu havia pagado para me ajudar. Depois que me certifiquei que tinha
dado tudo certo, eu embarquei para o meu novo lar, onde morei por todo esse
tempo.
— E viveu feliz para sempre? — Eu tento disfarçar o meu
sarcasmo, mas não consigo.
— Não foi bem assim, Diogo. Eu sei que fiz mal a vocês, mas eu
trabalhei todo esse tempo para recompensá-los. Eu sei o quanto de dívida
deixei e trabalhei e juntei dinheiro durante esse tempo para poder devolver
isso a vocês. Eu não os abandonei, eu contratei um detetive particular que me
manteve informado sobre cada passo seus.
— Ah, claro. Ser stalker agora é se tornar muito presente, né?
— Diogo... — Carol chama meu nome num pedido baixo para que
eu me controle, e eu decido ceder.
— Sei que não foi certo o que eu fiz, Diogo. Mas entenda, eu não
tive outra escolha. Com o seu ódio eu posso conviver, filho, mas com a sua
morte, não.
E então eu sinto um golpe no estômago, pois por essa eu
definitivamente não esperava.
— Mas você sempre me odiou... — Todo o ódio some da minha
voz e o que ela retrata é apenas mágoa, de um filho que sofreu a vida inteira
nas mãos do cara que deveria ser exemplo.
— Você acha que se eu te odiasse mesmo eu faria isso por você?
Eu sempre te amei, Diogo, mas do jeito errado. Eu confesso que tinha ciúmes
da forma como sua mãe tratava você e achava que ela te dava boa vida
demais, por isso eu fui um canalha por tantos anos, mas sei que isso não
justifica. Eu posso nunca ter o seu perdão, mas só te ver respirando todos os
dias, já me basta. — Nesse momento, ele me quebra ao meio e eu nem sei
mais o que eu consigo sentir. — Foi por isso que contratei o detetive para ter
notícias de vocês e eu sei o quanto você batalhou nesses últimos anos. Uma
das coisas que me encorajaram a fazer o que eu fiz, foi a sua bravura, eu sabia
que você conseguiria enfrentar isso, não seria fácil, mas conseguiria, e eu me
orgulho demais de você, Diogo.
Suas palavras mexem comigo bem mais do que eu imaginava e eu
me pego secando rapidamente uma lágrima traiçoeira.
— Quando o detetive me contou sobre o seu namoro, fiquei feliz
por você e ao mesmo tempo preocupado, pois eu sabia quem era ela.
Impossível não conhecer as filhas lindas que o Marcos tinha. — Ele dá um
sorriso de canto e Carol sorri emocionada para ele. — Foi então que fiquei
ainda mais atento aos seus passos e quando vocês começaram a investigação,
fiquei pensando de que forma eu poderia ajudar. Eu tinha todas as provas em
mãos, mas não poderia simplesmente chegar e jogar tudo isso, precisava
encontrar o momento certo. Quando a Caroline recebeu aquela ameaça, eu
sabia que precisava agir rapidamente, pois só eu sabia o quanto o Rogério é
perigoso. Fiquei pensando nas formas de voltar e então reuni a minha
coragem e comprei as passagens para Belo Horizonte, ligando para o Jorge
assim que cheguei aqui. Eu precisava colocar um ponto final nessa história
antes que fizesse ainda mais vítimas.
Ele termina seu relato e ficamos por um tempo em silêncio, sem
saber como agir. Eu estava preparado para descarregar todos esses anos de
ódio em cima dele, mas não consigo. Ele errou e muito, mas saber que fez
isso para nos salvar me desestabilizou.
— Eu não espero que me perdoe, Diogo. Nem você, nem a sua
mãe. Também não espero que me aceite de volta na vida de vocês, mas eu
precisava fazer a coisa certa pela primeira vez na vida. Eu sei que errei muito,
mas não tive escolha, filho, era isso, ou perder vocês.
Eu olho dentro de seus olhos e quase não reconheço o que eu vejo.
É sinceridade, é calmaria, e não deboche ou desprezo que sempre encontrei
antes.
Eu solto um suspiro alto e cruzo os braços atrás da cabeça, olhando
para o teto. Eu sinceramente não sei como lidar com isso. Finalmente temos a
resposta de tudo e não sei se consigo ficar feliz ou triste, é algo diferente de
tudo que eu já vivi.
Mas o que me surpreende mesmo é ver a minha namorada se
levantar de sua cadeira e parar de frente para o meu pai, abrindo os braços.
Ele a olha um pouco incerto e se levanta, recebendo seu abraço.
— Obrigada.
É tudo que ela diz e ele assente enquanto acaricia seus cabelos, um
pouco sem jeito.
E então eu finalmente entendo.
Tudo agora está em seu lugar.
Um mês depois

Depois daquele dia cheio, saímos da delegacia sem olhar para trás.
Caroline não quis ver o Rogério, nos surpreendendo, e ao final eu acabei
agradecendo ela mentalmente por isso. Eu não sei do que seria capaz se visse
aquele cara cínico na minha frente de novo. No dia seguinte, a notícia da sua
prisão se espalhou por todos os jornais. A oficina que mexeu no carro dos
pais dela também responde processo por isso, embora o funcionário da época
não trabalhe mais na empresa.
Meu pai também não escapou da prisão, pois precisava responder
processo por ter forjado a sua morte, mas ele havia conseguido um acordo
com Jorge quando entregou o dossiê e sua pena seria reduzida.
Os dois aguardam julgamento.
Contar para a minha mãe não foi fácil e a sua reação ao ver o meu
pai foi emocionante. Eu esperava que ela fosse brigar e xingar, mas ela fez
como a Carol, somente o abraçou agradecendo. Ela sempre o amou muito e
hoje eu entendo o porquê.
Duvido muito que outra pessoa no lugar do meu pai teria feito o
mesmo.
O retorno dele balançou a minha mãe, mas não enfraqueceu seu
relacionamento com o Jorge. O tempo deles já passou e agora seu lugar é ao
lado do seu namorado, palavras de dona Júlia.
Os primeiros dias foram bem tumultuados, mas aos poucos tudo foi
chegando a seu lugar. Ainda nem acredito em tudo que vivemos nos últimos
meses, pois parece que sou apenas o telespectador de um filme.
Mas no fim, valeu a pena, pois todo esse esforço trouxe a paz que a
Carol sempre buscava. Infelizmente não trouxe a sua família de volta, mas a
justiça foi feita e ninguém mais será ferido pelo Rogério.
Estou caminhando de mãos dadas com a Carol por um amplo
gramado e assim que chegamos ao nosso destino, ela se abaixa, percorrendo
os dedos pela placa de inox pregada no chão.
É a primeira vez que ela vem aqui desde que a conheci e sei o
quanto isso é importante para ela.
Carol se senta na grama com cuidado e cruza as pernas, antes de
virar o rosto para mim e sorrir.
— Não vai se sentar?
Eu assinto e me acomodo ao seu lado, imitando sua posição.
— Oi, mãe. — Ela corre os dedos pela placa gravada e sorri. — Oi,
pai. — Solta um suspiro e vejo uma lágrima tímida escorrer pelo seu rosto.
— Oi, Cá.
Ela seca rapidamente e sorri mais uma vez, olhando para mim e
depois retorna o olhar para frente.
— Eu sei que vocês já o conhecem, mas queria apresentar o meu
namorado. — Seu sorriso se abre e fica impossível não sorrir junto com ela.
— Esse é o Diogo, o cara que me faz mais feliz desde que entrou na minha
vida.
Dou um beijo em sua testa e não digo nada, pois sei que esse é o
seu momento.
— Me desculpem por demorar tanto a voltar aqui, mas eu precisava
encontrar algumas respostas antes, precisava me encontrar. Não queria mais
voltar apenas para lamentar a ausência de vocês, o que é bem difícil, como já
sabem. Mas eu precisava voltar com o coração em paz. Por mais que eu não
possa ter vocês de volta, a justiça foi feita, e quem fez mal a vocês vai pagar
por isso. Obrigada por colocarem o Diogo na minha vida, sei que não foi por
acaso que eu o conheci e sei mais ainda que tem um dedo de vocês nisso. —
Ela se vira para me olhar sorrindo e eu beijo sua testa mais uma vez. — É
verdade que eu perdi toda a minha família naquele acidente, mas vocês não
me deixaram sozinha. Vocês permitiram que eu construísse uma nova e eu
nem tenho como agradecê-los por isso.
Suas palavras me emocionam muito e eu sinto um nó na garganta,
mas me esforço para não chorar. Então levo sua mão aos meus lábios e beijo
com carinho.
— Mãe, você ia amar a Júlia, sei que se a conhecesse, seriam
ótimas amigas. Ela que fez esse vestido que estou usando, não é lindo? —
Carol aponta para o vestido azul que minha mãe fez para ela alguns meses
atrás e ficou perfeito nela. — Pai, você ia amar o Jorge, ele também adora
Fórmula 1 e tenho certeza de que vocês teriam muito assunto juntos. E por
mais que eu não tenha convivido muito com o Paulo, sei que você também
daria certo com ele. Eu agora tenho dois sogros, já imaginou? — Ela dá uma
risada, e eu sorrio junto. — Cássia... Não é fácil me olhar todos os dias no
espelho, sabia? Eu só consigo ver você. E tenho certeza de que daria muito
certo com o Diogo, se ele me acha marrenta, é porque não te conheceu, Cá.
— Ela solta mais uma risada e eu a acompanho. — Eu sinto tanta falta de
vocês, mas hoje, mais do que nunca, sei que sempre estiveram comigo e
sempre vão estar. Prometo que vou me esforçar muito para deixá-los sempre
orgulhosos de mim.
Ela brinca com a grama debaixo de suas mãos e fica um tempo em
silêncio antes de continuar.
— Eu me lembro de que até pouco tempo, não entendia o motivo
de só eu ter sobrevivido no acidente. Eu achava que deveria ter ido junto com
vocês. — Ela solta um suspiro baixo, mas não chora. — Hoje finalmente eu
entendi. Eu precisava ficar para colocar o Rogério atrás das grades e não
permitir que ninguém mais se ferisse. Eu devia isso a vocês e à família de
todas aquelas garotas desaparecidas.
Pois é, não cheguei a mencionar, mas todas as garotas
desapareceram, assim como os outros voluntários da ONG. Rogério não
chegou a assumir a culpa, mas sabemos que foi ele. Ele precisava calar as
testemunhas para que nunca fosse descoberto.
— Agora vocês podem descansar em paz. Eu ainda tenho um longo
caminho por aqui, mas sei que em breve nos veremos de novo. Eu amo muito
vocês e sou muito grata por não terem desistido de mim.
Ela se vira para me olhar e, com um aceno de cabeça, me pede as
rosas cor-de-rosa que trouxemos para homenageá-los. Carol retira as três
rosas com cuidado da minha mão e as coloca uma a uma, assim que as beija,
sobre a placa de inox.
Nesse momento uma borboleta surge de mansinho e pousa sobre o
seu dedo, abre e fecha as asas lentamente, revelando suas delicadas cores e
Carol sorri. A borboleta voa e pousa em cima da minha mão, repetindo o
movimento, com igual delicadeza.
Assim que ela voa para longe de nós, eu envolvo minha namorada
com os braços e a aperto contra mim, entendendo o que acabou de acontecer.
Sei que foi uma forma dos seus pais abençoarem nossa união e
mentalmente eu faço uma promessa a eles que sempre vou cuidar dela,
sempre amá-la e respeitá-la enquanto eu viver.
Beijo seus cabelos e inspiro seu aroma, enchendo meu peito de uma
paz absurda.
Lar é onde ela está e agora mais do que nunca, sei o quanto fomos
feitos um para o outro e que definitivamente estávamos predestinados a ficar
juntos.
Se eu acredito em destino? Nunca acreditei.
Mas hoje, mais do que nunca, sei que nada foi por acaso.
Eu nasci para ser dela.
Assim como ela nasceu para ser minha.
Não existe uma Caroline sem Diogo, assim como não existe um
Diogo sem Caroline.
Um sorriso enorme se abre em meu rosto, enquanto uma lágrima
solitária rola pela minha bochecha.
— Eu te amo muito, marrentinha.
— Eu te amo mais, leãozinho.
Parte I
Um ano depois

Perguntar se estou nervoso chega a ser idiotice, pois estou me


borrando.
Acabei de estacionar a moto em frente ao prédio que a Carol
trabalha hoje enquanto aguardo pela sua saída.
Alguns meses antes de sua formatura, ela conseguiu estágio em um
renomado escritório de advocacia na cidade e seu desempenho foi tão bom,
que assim que conseguiu o diploma, foi efetivada na empresa. Pensem no
tamanho do meu orgulho por essa mulher.
Já eu, permaneci no antigo emprego, porém com a saída do Ricardo
há seis meses, acabei assumindo seu cargo de gerência. E com a minha
promoção, pedi a minha demissão no bar, me permitindo passar mais tempo
ao lado da minha namorada. Durante esse último ano, não interrompi os meus
estudos para concursos, pois só sossegaria quando fosse convocado em
algum.
E é por isso que estou aqui.
— Oi, Di. — Ela me cumprimenta assim que chega perto de mim e
um enorme sorriso se abre em seu rosto.
Eu estendo a mão para ela e a trago para os meus braços, dando um
beijo breve em seus lábios, impressionado como o tempo só me faz amar
ainda mais essa mulher.
— Oi, amor. Como foi o seu dia?
— Foi ótimo, e o seu?
— Perfeito. — Pisco para ela e estendo seu capacete. — Hoje não
vamos direto para casa, ok?
— Por quê? Aconteceu alguma coisa? — Franze o cenho para mim,
sem entender.
— Você vai saber. — Pisco para ela e subo na moto, vendo-a se
acomodar atrás de mim.
Sei que a deixei curiosa, mas eu preciso cumprir uma promessa que
fiz há um tempo e por isso estou nervoso pra caramba.
Corto as ruas da cidade com cuidado e o forte horário de pico faz o
nosso trajeto ser um pouco mais demorado.
Há alguns meses, nós retornamos ao seu apartamento e passamos a
morar juntos. Eu só fiz essa proposta porque o Jorge me pediu para morar
com a minha mãe, já que eu jamais a deixaria sozinha. E dar esse passo foi
ótimo para ambos os casais.
A única coisa que me deixou triste com essa mudança foi o fato de
eu precisar deixar o Eddie para trás. Mas sempre faço o possível para visitar a
minha mãe quase todos os dias e passar um tempo com ele.
Nem parece mais que passamos por tantas coisas no último ano.
Rogério continua preso e vai ficar lá por um longo tempo. Conseguiram
apertar o cara e o fizeram falar sobre o desaparecimento daquelas pessoas, o
que só complicou a sua vida. E eu nem preciso falar como ele foi bem
recebido na cadeia, certo?
Por mais que ele não tenha sido estuprador, ele induzia o estupro
das garotas e para os presos isso não fez muita diferença. O cara está
comendo o pão que o diabo amassou.
Já o meu pai, permanece preso também, mas a sua situação é bem
melhor que a do Rogério e, pelo o que podemos acompanhar, não deverá
demorar a responder o processo em liberdade. Assim que a Carol começou a
trabalhar nesse escritório, pediu para assumirem o caso do meu pai e fez
questão de colocar os melhores advogados cuidando disso. Ela tem uma
enorme gratidão por ele.
Eu não posso negar que meu pai mudou da água para o vinho.
Parece que todos esses anos fora fizeram com que repensasse suas atitudes e
o tornou uma nova pessoa. Eu não posso dizer que tenho um bom
relacionamento com ele, pois as minhas lembranças da infância não são das
melhores. Mas também não guardo mais rancor, apenas o respeito como pai.
Isso é o suficiente para nós.
Paro a moto de frente para o parque de diversões e ouço a
gargalhada da Carol antes mesmo de retirar o capacete.
— Você não vai me fazer ir ao trem fantasma de novo, não é? —
Ela pergunta assim que desce da moto e eu rio.
— Não, marrentinha, hoje não.
Já faz algum tempo que ela está me cobrando vir ao parque, pois
sente saudades daquele dia que viemos juntos. Eu sempre inventava alguma
desculpa, pois já tinha um propósito em mente.
Depois de aproveitarmos vários brinquedos, paramos para comer
cachorro quente e, logo que acabamos, começo a sentir a tremedeira nas
mãos.
Pode um homem de vinte e oito anos ficar tão nervoso assim?
Conduzo Carol até um banco de frente para a lagoa, e
coincidentemente é o mesmo que nos sentamos daquela vez. Eu a deixo
sozinha e volto à entrada do parque para comprar uma maçã do amor. Assim
que me sento novamente ao seu lado, vejo seus olhos brilharem.
— Ai, meu Deus! Que saudade eu estava de comer isso! — Ela dá
uma mordida satisfeita e solta um gemido, me fazendo rir. — Vai me dizer
agora o motivo de tudo isso? Estou morrendo de curiosidade, Di!
Eu solto uma risada e respiro fundo, me preparando para o que está
por vir.
— Vou sim, amor. Eu tenho duas surpresas para você.
— Duas? — Seus olhos brilham e eu sorrio, retirando um papel
dobrado do meu bolso e estendendo a ela.
Carol abre o documento com cuidado e assim que entende o que
está escrito, dá um grito tão alto que com certeza foi ouvido por toda a lagoa.
— Mentira! — Ela arregala os olhos e abre a boca, me fazendo rir.
— Verdade!
É a minha carta de convocação que está nas mãos dela. Sabe aquele
concurso que eu passei no ano passado? Pois é, fui chamado agora para tomar
posse e assumir a minha vaga.
— Amor, isso é maravilhoso! Ai, meu Deus. Diogo! — Ela repete
o meu nome sem parar e sua euforia é tão grande que só me faz rir. É tão bom
dividir isso com ela.
Todas as minhas conquistas são mais gostosas se estou ao lado
dela.
Seus olhos se enchem de lágrimas. Ela se recupera do pequeno
surto, toma meu rosto em suas mãos e me beija de forma bastante
apaixonada, o que faz todo o meu corpo derreter. Assim que se afasta, ela
olha dentro dos meus olhos e abre um sorriso maior que o mundo.
— Estou tão feliz por você, leãozinho.
Tomo a sua boca na minha mais uma vez e a beijo com tudo de
mim. Como eu amo essa mulher...
— E qual é a outra surpresa? — Ela me pergunta assim que nos
afastamos. A capacidade de esperar nunca foi uma característica sua.
— Bom... — Eu coloco a mão no bolso da minha calça mais uma
vez e paro. — Você se lembra da conversa que tivemos na sua casa ano
passado quando voltamos daquele jantar de comemoração do concurso?
Ela estreita os olhos procurando se lembrar e eu decido facilitar.
— Eu te disse que precisaríamos esperar a minha convocação
oficial e quando esse dia chegasse...
Eu paro a minha frase no momento em que ela arregala os olhos e
vejo seus lábios tremerem, sabendo o que a espera.
Retiro a caixa de veludo do bolso com cuidado e me viro em sua
direção, que já não consegue mais conter as lágrimas que rolam pelo seu
rosto.
— Eu não vou me ajoelhar, marrentinha, porque isso não combina
com a gente. Eu nunca fui príncipe, você sabe, apenas o cara perfeito para
você.
— Cala a boca, Diogo. — Ela resmunga e eu rio.
Algumas coisas nunca mudam.
Abro a caixinha e mostro a ela o delicado anel solitário. Seu sorriso
se amplia ainda mais, se é que é possível.
— Eu sei que quando eu te conheci, me achei imperfeito para você,
mas o tempo me mostrou o quanto eu estava enganado. Ainda acho que você
é perfeita demais para ser verdade e nem me acho merecedor de uma mulher
tão incrível como você. Mas eu te amo tanto, Caroline, que sou capaz de
conviver com isso. Você me faz o homem mais feliz desse mundo e prometo
que a partir de agora vou me esforçar todos os dias para ser o homem perfeito
para você e sempre te fazer feliz. Eu já não imagino mais a minha vida sem
você e é ao seu lado que eu quero passar todo o resto dos meus dias. —
Acaricio seu rosto de leve com a mão livre e a sinto se arrepiar sob o meu
toque. — Casa comigo?
Mais lágrimas descem pelo seu rosto e ela assente incontáveis
vezes, me fazendo rir. Retiro o anel da caixinha e coloco delicadamente em
seu dedo, levando sua mão à minha boca em seguida.
— Agora você é minha para sempre, amor.
— Eu sempre fui sua, Diogo.
Um enorme sorriso toma o meu rosto e eu colo meus lábios nos
seus, beijando-a como minha noiva pela primeira vez.
E eu que a evitei por tanto tempo quando a conheci, nem imaginava
na vida maravilhosa que eu passaria ao seu lado.
Às vezes, as aparências enganam e hoje eu sou a maior testemunha
disso.
Aquela garota que eu considerava mimada e com a vida fácil
demais, é a mulher mais forte que eu já conheci e eu sou um cara de muita
sorte por ter a honra de ser o seu noivo.
Caroline é tudo que me basta e por ela eu sou capaz de fazer tudo,
inclusive de me tornar perfeito para ela.
Parte II
Alguns anos depois

— Papai, eu não quero usar esse vestidinho. — Cássia coloca as


mãos na cintura e faz um beicinho, quase me tirando uma gargalhada.
Pensem numa garota de personalidade forte? É exatamente a minha
filha, que acabou de completar cinco anos de idade.
— Mas, princesa, esse vestido é lindo. Sua mãe comprou
especialmente para hoje.
Ela tomba a cabeça para o lado, mas balança negativamente.
Deus, o que eu faço com ela?
É véspera de Natal e enquanto Carol se arruma para a ceia, eu
fiquei incumbido de arrumar a nossa filha.
Cássia é um amor de menina e por mais que tenha a personalidade
do cão como a mãe, ela é extremamente parecida comigo. Nossa menina tem
os cabelos louros que formam lindos cachinhos na ponta e os olhos azuis, da
mesma cor dos meus. Embora a minha esposa resmungue todas as vezes
sobre a injustiça que é carregar nossa filha por nove meses na barriga para
nascer a minha cara, a nossa semelhança acaba aí. Por dentro, ela é cópia fiel
da minha Caroline.
Dá para imaginar o tamanho da minha sorte por ter duas
marrentinhas na vida?
— Com qual vestido você quer ir, Cá? — Resolvo perguntar,
querendo saber o que essa mocinha está tramando.
— Com o vestido de princesa que a Vovó Júlia fez. — Ela cruza os
bracinhos e nessa hora eu não aguento e disparo a rir.
— Mas é Natal, meu amor, não se deve usar vestidos de princesa.
— Mas eu quero, papai! Por favor! — Ela faz um beicinho e seus
olhos se enchem de lágrimas. Se tem uma coisa que essa garota mais sabe
fazer na vida é me passar para trás.
Solto um suspiro frustrado e coço a barba, já sabendo que não vou
conseguir negar isso a ela.
— Cássia... A mamãe vai brigar com o papai por causa disso. — Eu
tento a minha última cartada, mas a minha filha é irredutível.
— Papai, não seja bobinho. Se a mamãe brigar com você, é só
encher ela de beijinhos que ela não vai ficar braba mais. — Ela meneia a
cabeça e eu solto uma gargalhada.
Tem base uma coisa dessas? É filha da Caroline mesmo.
— Não sei não... — Balanço a cabeça ainda pensando no que fazer
e ela continua determinada.
— Não precisa ficar com medo dela, papai. Eu já disse que é só
você encher ela de beijinhos e...
Começo a rir porque não tenho chance alguma nessa batalha.
— Está bem, está bem. Vou buscar o seu vestido.
— Oba! — Ela começa a dar pulinhos enquanto abro o guarda-
roupa, procurando pelo vestido da Cinderela que a minha mãe fez para ela
usar em seu último aniversário.
A minha esposa vai me matar.
Me sento na cama e a ajudo a tirar sua camisola, colocando o
vestido. Termino e ela me olha radiante.
— Obrigada, papai. Você é o melhor do mundo! — Ela dá um beijo
molhado na minha bochecha e eu sei que sou um caso perdido quando o
assunto é a minha filha.
Mas como não me derreter por ela?
— Amor, vocês já estão prontos? — Carol aparece na porta e assim
que vê a nossa filha, seu semblante se fecha. — Eu não acredito, Diogo!
— Ela não quis usar o outro de jeito nenhum, Carol. O que eu
podia fazer?
Cássia lança um sorriso doce para a mãe e chega perto dela, toda
manhosa.
— Eu sei que você comprou um vestidinho lindo, mamãe. Mas hoje
eu quero usar o vestido de princesa da vovó.
Ela olha para a nossa filha e assim que percebe como é ardilosa,
vejo-a se segurando para não rir.
— Está bem. Vamos logo, para não chegarmos atrasados!
Um enorme sorriso se abre no rosto da minha filha e eu percebo
que eu não sou o único que ela tem nas mãos.
Entramos no carro e pegamos as ruas de Belo Horizonte. Então,
pego a mão da minha esposa e levo até os meus lábios, beijando e a vendo
sorrir.
Nos casamos há seis anos e a notícia da gravidez da Cássia veio
pouco depois para completar a nossa felicidade. Assim que eu a pedi em
casamento, começamos a olhar um lugar maior para morar. Com o dinheiro
da venda do seu apartamento, o restante da poupança que ela tinha e o
dinheiro que meu pai me passou, conseguimos comprar uma casa
confortável.
Meu pai manteve a sua palavra e nos devolveu cada centavo que
pagamos durante todo o tempo em que ele esteve fora e por mais que eu
quisesse dividi-lo com a minha mãe, ela não aceitou, dizendo que o mérito
era todo meu por ter conseguido segurar as pontas sozinho.
Há três anos ela se casou com o Jorge e confesso que nunca vi a
minha mãe tão feliz em toda sua vida. Meu pai já está em liberdade e
conseguiu um bom emprego, encontrando também uma pessoa legal.
Com o tempo tudo foi se ajeitando e todos tivemos nosso final
feliz. Inclusive William, tio da Carol, que retornou ao Brasil há um ano com a
esposa e um filho que adotaram há alguns anos.
Já eu, continuo trabalhando como Analista Judiciário e a minha
esposa se tornou Juíza há um ano. Quem vê a vida confortável que temos
hoje, nem imagina as perrengues que já enfrentamos. Só nós sabemos como
foi difícil chegarmos até aqui.
A ceia de Natal hoje será na casa da minha mãe e do Jorge, e todos
vamos nos reunir lá. Esses momentos que passamos em família são sempre
regrados a muitas risadas e comilança.
— Vovô Paulinho! — Cássia dispara portão adentro logo que
chegamos.
— Como está a princesa do vovô? — Ele a pega no colo e sorri
todo abobado.
Se vocês pensam que a minha filha pinta e borda com os pais, não
sabem o que ela faz com os avós. Meu pai é absurdamente apaixonado pela
neta. É como se ele se sentisse em dívida comigo até hoje pelos anos que me
tratou mal, então busca compensar dando todo amor para a minha filha e eu
nem preciso dizer como aprecio isso.
Chego perto dele e dou um tapinha em suas costas, o
cumprimentando enquanto seguro a mão de minha esposa.
— E aí, pai?
— Tudo bem, meu filho?
Assinto e vejo Carol abraçar o sogro também.
— Está a cada dia mais bonita, Caroline. O tempo só te faz bem. —
Ele a elogia e ela sorri enquanto adentramos a casa.
Os dois tem uma amizade muito bonita e o meu relacionamento
com ele também só foi melhorando com o passar do tempo.
Assim que meu pai coloca a nossa menina no chão, ela vai
correndo em direção à avó e seu marido.
— Vovó Júlia! Vovô Jorge!
É, avô para mimar essa garota é o que não falta por aqui. Depois de
receber o carinho de todos e começar a brincar com seu primo Matheus, filho
dos tios da Carol, nos reunimos na sala para conversar.
É assunto que não acaba mais e ver a felicidade estampada no rosto
de todos os presentes, me faz sorrir.
Quem diria, hein?
Antes de começarmos a ceia, Cássia e Matheus começam a pular
pela casa pedindo para abrir os presentes e é impossível negar uma coisa
dessas, então vamos todos para o redor da árvore.
Depois de toda troca de presentes, com duas crianças extremamente
sorridentes diante de tantos brinquedos, chega a minha vez.
Eu presenteio a minha esposa com uma delicada corrente de ouro e
ela sorri, toda emocionada para mim, chegando a me estranhar. Será que ela
amou tanto o presente assim a ponto de chorar?
Eu prendo a corrente em seu pescoço, recebo um beijo cheio de
amor e um pacote em minhas mãos. Um belo perfume importado está lá
dentro e a agradeço também com um beijo, pois ela sabe exatamente o meu
gosto para perfumes. É cheiro de homem, né? Como ela disse uma vez...
— Agora é o meu presente para você, papai. Feche os olhinhos. —
Cássia fica de pé na minha frente e me abaixo sorrindo, obedecendo
imediatamente.
Ouço suas risadinhas ao fundo e alguns suspiros de surpresa dos
demais presentes e me pego ficando curioso. O que é que a minha mini
marrentinha está aprontando?
— Pode abrir, papai.
Abro os olhos com cuidado e quando vejo o que está diante de
mim, sinto as minhas pernas amolecerem.
Cássia está com um enorme sorriso no rosto enquanto segura uma
placa nas mãos com os dizeres: “Fui promovida a irmã mais velha.”
Eu quase não consigo acreditar no que estou vendo, quando sinto
minha esposa se abaixar ao meu lado e pegar a minha mão para colocar em
cima de sua barriga, ainda lisa.
— Parabéns mais uma vez, papai. — Ela sussurra em meu ouvido e
sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Eu a seco de imediato e beijo a
minha esposa de uma forma apaixonada.
Assim que nos afastamos, recebemos felicitações de todos e a
minha mãe não consegue disfarçar a emoção de ser avó mais uma vez.
Logo começamos a ceia e depois de comermos com extremo
exagero, decido ir até os fundos da casa, tomar um ar fresco. Pouco depois,
sinto o cheiro da Carol preencher o ambiente e sorrio enquanto a vejo se
sentar ao meu lado.
— Eu amo seu cheiro...
Ela se vira para me olhar e um sorriso enorme se abre em seu rosto,
pois mesmo depois de tantos anos juntos, nunca deixei de dizer isso a ela.
— Então eu vou ser pai de novo? — Estreito os olhos, sorrindo,
enquanto pouso a minha mão em sua barriga. Eu a acaricio com cuidado.
— Vai sim, amor. Estamos de sete semanas.
Sorrio e retiro a minha mão de sua barriga, trazendo a sua até os
meus lábios e beijando com carinho.
— Você nunca deixa de me surpreender, Caroline... — Brinco com
ela, que me abre um largo sorriso. — Será que vamos ter outra menina? Não
sei se vou dar conta de mais uma marrentinha, vocês duas já me
enlouquecem.
Ela solta uma risada e eu a acompanho.
— Não sei, amor. Mas se vier um menino rabugento como você,
não sei se vai ser tão melhor assim.
Fecho a cara para ela que ri ainda mais.
— Independente do que for, seremos muito felizes, disso eu tenho
certeza. — Ela encosta a cabeça em meu ombro e eu beijo seus cabelos em
resposta.
— Com toda certeza, amor. Disso eu nunca tive dúvidas. Eu amo
vocês, sabia?
— Sabia sim, Di. Também amamos você, amor. Obrigada por ser
um marido perfeito e um pai tão incrível.
— Perfeitas são vocês, meu amor.
Ela assente e olha para o céu estrelado e eu acompanho seu
movimento. Daqui de fora conseguimos ouvir as vozes dos adultos
conversando lá dentro e as risadas eufóricas das crianças, como uma boa casa
cheia de família.
Depois de um tempo apenas em silêncio, olhando o céu, uma
borboleta se aproxima de nós e eu sinto um nó na garganta ao reconhecê-la.
É da mesma cor daquela que pousou em nossas mãos, no dia em
que fomos ao cemitério visitar seus pais pela primeira vez juntos.
Carol também a reconhece e vejo uma lágrima escorrer pelo seu
rosto assim que a borboleta pousa em sua barriga, abrindo e fechando as asas
lentamente, repetindo o movimento de anos atrás.
Ela fica por um momento e logo voa mais uma vez, indo para longe
de nós e acompanhamos a sua saída em silêncio até perdê-la de vista.
Eu abraço mais apertado a minha esposa e acaricio seus cabelos,
sabendo o quanto esse momento foi importante para nós e principalmente
para ela.
Agora sei que a família estava completa em uma noite de Natal e se
isso não é resultado desse dia mágico, eu não sei mais o que é.
Beijo os cabelos da Caroline, enquanto a sinto suspirar entre meus
braços.
— Obrigada por tudo, Diogo. A minha vida não seria a mesma sem
você.
— É recíproco, meu amor.
Sorrio e olho para o céu mais uma vez, vendo toda a sua imensidão
diante de nós e entendendo como somos tão pequenos perante toda grandeza
do universo.
Cada um tem a sua missão aqui na Terra e a minha definitivamente
é fazer essa mulher feliz.
Ela e a nossa família que acabou de aumentar.
Agora me digam...
Existe vida melhor do que essa?
Eu sempre começo agradecendo a Deus, porque se eu consegui chegar até
aqui, foi porque Ele me permitiu.
Ao meu marido e parceiro Juliano que sempre me apoia, acredita e luta
pelos meus sonhos junto comigo! Eu não sei o que seria de mim sem você.
Minhas leitores betas, Mi Mariani, Fla Kalpurnia, Carol e Michele, por
terem acompanhado desde o início esse projeto e me dado o melhor feedback
para que essa obra chegasse à perfeição.
A minha querida amiga e assessora Vanessa Pavan, que trabalhou
arduamente nos últimos meses e me deu todo suporte e carinho para que esse
livro fosse mais um sucesso! Obrigada por ser tão incrível!
Ao Felipe Cézar, modelo da capa, e Marco Túlio Pinto, fotógrafo, que se
empenharam em fazer uma fotografia linda do jeitinho que eu queria. Vocês
são fodas!
As minhas amigas Vingadoras, em especial a Sara que me deu todo apoio
e suporte para que esse livro fosse mais um sucesso e a Yasmim que me
salvou com sua revisão e diagramação incríveis. Vocês são especiais!
Aos meus queridos leitores, meus amores, por me darem tanto apoio e
carinho nesse projeto e por amarem tanto esse leãozinho! Sem vocês, nada
seria o mesmo!
Muito obrigada, de todo coração!
Eu amo vocês!
Fernanda Santana nasceu em Timóteo, Minas Gerais, onde vive
atualmente com seu esposo e três filhos felinos.
Formada em Ciências Contábeis, atualmente é sócia de um
escritório de contabilidade e, por mais que ame o que faz, sua paixão sempre
foi a literatura.
Leitora compulsiva desde a adolescência, sempre teve facilidade na
escrita e capacidade de tirar lágrimas das pessoas com suas palavras.
É fã de carteirinha de Nicholas Sparks e o tem como principal
inspirador na sua escrita.
Mesmo sendo amante de um romance fofo e clichê, também adora
livros de terror e suspense. A adrenalina do medo é algo que a fascina.
É autora de outras obras de romance, sempre cercada de drama e
histórias que levam os leitores a muitas reflexões.

Instagram: @livros_fernandasantana
E-mail: autora.fernandasantana@gmail.com
Facebook: @autorafernandasantana
Wattpad: @FernandaSantana__
Quatro histórias de amor que tem o Natal como pano de fundo.
Corações que precisam se aquecer, encontros inusitados e amores
incansáveis.

Você acredita na magia do Natal?


Cristina Xavier é arquiteta e está trabalhando duro na reforma de seu
escritório e embora tenha um bom desenvolvimento profissional, não pode
dizer o mesmo do seu casamento. Seu marido, André Xavier é o típico
workholic e dono do maior escritório de advocacia da cidade, dando
prioridade sempre para o trabalho e deixando de lado algo muito mais
importante: seu casamento.
O tão esperado dia da inauguração do escritório de Cristina chega e tudo
parece um sonho exceto pelo detalhe de que a pessoa que mais importava não
esteve presente. Em meio à discussão mais séria do relacionamento dos dois,
Cristina deseja o pior ao seu marido. E esse pior, infelizmente acontece.
Um romance intenso, cercado de drama, te levará a refletir sobre as suas
escolhas, sobre perdão e recomeços. Um coração profundamente machucado
será capaz de dar uma nova chance?
O dia dos namorados chegou e Cris está eufórica para celebrar a data com
seu marido.
É a primeira vez que irão comemorar desde que o amor dos dois renasceu e
ela tem uma linda surpresa para André.
Mas a total indiferença do marido a faz se questionar se ele dá a mesma
importância que ela ou se esse dia será como qualquer outro na vida dos dois.

Nosso presente é um conto do livro De volta para mim e vem trazer um


pouquinho da rotina desse casal tão querido meses depois daquele final
inesquecível.
Beatriz era uma mulher realizada e cheia de planos para o futuro, mas a
notícia do falecimento do seu namorado acabou destruindo todos os seus
sonhos e tirando o seu brilho. Tudo parecia dar errado até um reencontro
mudar toda a sua vida.
Finalmente, o dia mais feliz da minha vida chegou.
Eu, que por muito tempo pensei ser incapaz de amar e ser amada, incapaz
de ser feliz mais uma vez, encontrei a minha felicidade nos braços de um
certo anjo na forma de um homem lindo de olhos azuis acinzentados e braço
tatuado, que chegou para mudar toda a minha vida.
E ele está prestes a ser meu por toda a eternidade.
Eu só preciso dizer que sim...
Quando eu disse sim é um conto do livro Se eu sonhar e veio para mostrar
o tão esperado "Felizes para sempre" do casal mais fofo que já existiu.
Doze anos.
Esse foi o tempo que passou desde a última despedida, e desde então, eles
nunca mais foram os mesmos.
É véspera de Natal.
Não estava em seus planos ir até Guarulhos pegar um voo para sua cidade
natal, mas Victor não podia deixar de lado essa data tão importante…
Do outro lado do país, Anna Carolina segue sua viagem sozinha, indo de
encontro à sua família. O que ela não imagina é que um forte temporal a
deixaria presa no Aeroporto de Guarulhos durante sua escala.
Uma chuva torrencial.
Voos cancelados.
E um encontro inusitado.
Anna e Victor não fazem ideia do que o destino os reserva, e é num
encontro inesperado, dentro de uma cafeteria no aeroporto, que a vida desses
dois muda.
Para sempre.

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