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— Diogo, acorda!
Acho que estou no meio de um sonho, pois minha mente está
oscilando entre a inconsciência e a consciência, não querendo simplesmente
acordar. A pessoa insiste e agora decide me chacoalhar.
— Anda, Diogo! Acorda logo!
Resmungo um pouco antes de abrir os olhos e ver o par de olhos
castanhos da minha mãe me encarando, cheios de expectativa.
— Mãe... Hoje é sábado. Por Deus, que horas são? — Minha voz é
sonolenta e eu cubro os olhos com o antebraço, protegendo-os da claridade.
— São sete horas, mas é seu aniversário, então isso não tem
importância.
Retiro o braço de cima dos meus olhos e arqueio uma sobrancelha
para ela.
— E não deveria ser o contrário?
— Não, porque tenho um presente para você e não dá para esperar
mais meio segundo para te entregar.
Eu me sento na cama num pulo e ela ri.
— Interesseiro! — Ela se senta ao meu lado e corre as mãos pelos
meus cabelos, que agora estão bem bagunçados. — Seus cabelos são tão
lindos. — Seu sorriso atinge seus olhos e é impossível não sorrir de volta.
Minha mãe é um doce, bem diferente da pessoa com quem se casou, que por
sinal adora criticar meus cabelos.
Há pouco tempo deixei que crescessem e hoje eles estão na altura
do ombro. Os fios são lisos na raiz e vão formando ondas do meio até as
pontas, o que deixa eles meio indefinidos, mas eu gosto assim. O tom dos fios
é de um castanho claro acobreado, o que dá destaque aos meus olhos azuis,
que são as únicas coisas boas que herdei do meu pai.
— Ainda bem que pelo menos a senhora gosta. — Sorrio para ela
de canto, que franze o cenho para mim.
— Não ligue para o seu pai, ele apenas tem inveja por não ser tão
lindo quanto você. — Ela me lança um sorrisinho cúmplice e eu não resisto e
a puxo para um abraço.
— Não sei o que seria de mim sem a senhora. — Dou um beijo em
seu ombro, antes de me afastar.
— Lógico que não. Afinal, não teria nem nascido. — Reviro os
olhos para ela, que ri. — Feliz aniversário, meu filho. Você é a melhor coisa
que aconteceu na minha vida. Agora vamos descer, pois seu presente te
espera lá em baixo. — ela me dá uma piscadinha e se levanta da cama.
— Só me dá um minuto para eu me trocar e já desço.
— Está certo, só não demore muito! Estarei te esperando na
cozinha.
— Pode deixar! — Pisco para ela e a vejo sair do meu quarto,
fechando a porta em seguida.
Corro a mão pelos cabelos e pego um elástico no meu criado-mudo
e faço um coque alto. Levanto e me espreguiço, pegando um par de roupas
para ir em direção ao banheiro.
Minutos depois, desço os degraus e encontro meus pais na cozinha.
— Bom dia, pai. — Eu o cumprimento, enquanto o vejo tomar sua
xícara de café, sem desgrudar os olhos do jornal.
— Bom dia, Diogo. — E é isso. Nem um feliz aniversário, nem
nada. Mas eu já devia ter me acostumado, afinal meu pai nunca deu muita
importância para o que acontece na minha vida, a menos que seja para me
criticar, pois nesse caso ele se importa até demais.
— Vamos lá fora, Di. Depois você toma seu café. — Minha mãe
gesticula para mim, me impedindo de sentar.
Ela me conduz para fora da cozinha enquanto vejo meu pai nos
acompanhar de canto de olho, com cara de poucos amigos.
— Qual é o problema dele? — Pergunto assim que chegamos ao
quintal.
— Não dê importância, filho. Ele só está com ciúmes por causa do
seu presente.
— E que presente misterioso é esse, dona Júlia? — Cruzo os braços
e enrugo as sobrancelhas para ela, que ri.
— Vai saber agora. — Fazemos o contorno da casa e assim que
chegamos próximo à garagem, ela cobre meus olhos com suas mãos.
— Anda devagar agora, Di. Tenho que ficar na ponta dos pés para
tampar seus olhos e não cair.
— Sim senhora! — Eu rio e abaixo um pouco meu corpo para que
ela consiga fazer seu trabalho sem dificuldade.
Andamos mais alguns passos e logo ela me para, soltando meu
rosto.
— Não é para abrir ainda!
Ela sai de trás de mim e pega a minha mão, colocando algo lá
dentro e, quando eu tateio, sinto uma chave. Nesse momento meu coração
começa a pular dentro do meu peito.
— Mãe...
— Feliz dezoito anos, Diogo. Você é a minha vida. Agora pode
abrir os olhos.
Eu abro e, então, a cena que se passa em minha frente parece ser
toda em câmera lenta.
Minha mãe sai do caminho e me dá passagem para mostrar uma
Honda Shadow 750 preta e eu fico sem palavras, pois ao vivo ela é ainda
mais linda.
Corro os dedos por toda a moto em silêncio, simplesmente
maravilhado, e só percebo que minha mãe tinha se afastado de mim quando
ela retorna com um capacete preto nas mãos e um enorme sorriso no rosto.
— Era essa mesmo que você queria, meu filho? Tive dúvidas se
estava comprando a moto certa.
— Mãe... Ela é perfeita! Obrigado! — Eu a puxo para os meus
braços e a ergo do chão, algo que não é muito difícil, devido à minha alta
estatura. Eu a coloco de volta e dou um beijo estalado em seu rosto. — Mas,
mãe, não precisava... Eu sei que as coisas têm sido mais difíceis nos últimos
dias. — Lanço a ela um olhar preocupado, pois sei como andamos apertados
financeiramente.
— Não se preocupe com isso, Di. — Ela chega perto do meu
ouvido e sussurra baixinho. — Eu guardei o dinheiro que recebi do seguro de
morte do seu avô e é por isso que seu pai está tão emburrado hoje. Ele morre
de ciúmes de você.
Envolvo meus braços em seu corpo e afundo meu rosto em seu
ombro, sentindo todo seu aroma, sentindo todo o amor da minha mãe. É ela
que me mantém forte todos os dias e por ela sou capaz de tudo.
O dia passa voando e quando olho para o relógio e vejo que faltam
quinze minutos para as cinco, já começo a encerrar meus estudos e fecho o
livro.
Levanto-me para tomar um banho e antes que eu saia do quarto,
sinto meu celular vibrar.
Bruno: “E aí, cara? Vai fazer o que hoje?”
A pergunta que vale um milhão de dólares. E aí, eu conto ou não?
Sei que ele não vai me dar sossego enquanto eu não abrir o jogo, mas prefiro
contar o status do meu relacionamento pessoalmente.
Eu: “Vou sair. Por quê?”
Bruno: “Hummmm... Está misterioso esse Diogão.”
Eu: “Não enche, cara.”
Bruno: “É a garota do bar?”
Eu não disse que ele não vai me dar sossego? Então...
Eu: “É.”
Respondo apenas e sei que ele não vai se contentar apenas com
isso.
Bruno: “Eu sabia!! Mas a coisa ficou mais séria? Como é? Conta
aí!”
Eu não disse?
Eu: “Terça-feira te dou mais detalhes. Mas o que você queria
comigo?”
Bruno: “Ah, cara... Você é foda. Sacanagem, hein? Mas ok, de
terça não passa. Ia te chamar pra sair pra beber. Mas já vi que eu perdi meu
parceiro, né?”
Eu: “Tchau, Bruno.”
Ele manda uma risada e eu deixo o celular de lado. Começo a me
arrumar para ver minha garota. No caminho, paro para comprar uma garrafa
de vinho e uma caixa de chocolates. Sei que ela preparou um jantar para nós,
então não posso ir de mãos vazias.
Minutos depois, paro a moto em frente ao seu prédio e logo estou
subindo as escadas, encontrando a porta de seu apartamento entreaberta.
— Carol?
— Pode entrar! — Ela responde lá de dentro eu entro, fechando a
porta atrás de mim.
Ando até a cozinha e a encontro trabalhando em um prato,
cantarolando baixinho.
— Beatles? — Abraço-a por trás e beijo seu pescoço.
— Oi, Di. — Ela para o que está fazendo e se vira para me olhar,
me beijando de leve enquanto puxa o elástico dos meus cabelos.
— Você nem me esperou chegar direito. — Eu rio quando separo
nossos lábios.
— Mas deveria ter feito isso antes de entrar aqui. — Seu olhar é
autoritário e me faz sorrir.
— Estou com as mãos cheias, olha! — Ergo as sacolas para ela e na
mesma hora vejo seus olhos brilharem.
— Vou te perdoar apenas dessa vez! O que você trouxe aí? — Ela
me solta, já olhando para as sacolas.
— Um vinho e alguns chocolates para a minha marrenta!
— Ah, que romântico, Di! Às vezes, você consegue ser bem fofo!
Rio disso e lhe sou um selinho.
— Onde devo colocar?
— Pode colocar o vinho no freezer, para dar tempo de gelar até o
jantar e os chocolates pode deixar na mesinha de centro, pois não vou esperar
até a sobremesa.
— Gulosa! — Faço o que ela pede e volto ao seu encontro, vendo-a
concentrada no preparo do jantar. — E o que a minha chefe de cozinha está
aprontando aí?
— Estou montando uma lasanha, você gosta?
— E existe algum ser humano que não goste de lasanha?
— Ah, vai saber... Tem doido para tudo nesse mundo.
— Inclusive para namorar uma marrenta como você, não é?
— Ei! — Ganho uma colherada no ombro. Sim, ela fez mesmo
isso. Mas o que eu não posso esperar da minha namorada?
Faço uma cara de ofendido e tiro uma risada dela.
— Você precisa de ajuda, Carol?
— Não... Já terminei. — Ela cobre a massa com orégano e coloca
dentro do forno. — Pronto, só colocar para assar mais tarde. Agora eu quero
namorar um pouquinho.
— Seu desejo é uma ordem. — Beijo-a enquanto envolvo sua
cintura.
— Diogo... — Ela se afasta de mim e eu franzo o cenho, confuso.
— Você me espera tomar um banho? Prometo ser rápida, só não quero ficar
com você assim toda fedorenta...
Fecho a cara para ela, que ri.
— Desde quando você fede, marrentinha?
— Não precisa ser fofo o tempo todo. Prometo não demorar!
— Leve o tempo que precisar, vou esperar aqui.
Beijo sua testa e me sento em seu sofá, vendo-a sumir para dentro
do pequeno apartamento.
Olho ao meu redor até ter meus olhos cravados em um porta-
retratos em seu rack. Me levanto em silêncio e vou até ele, pegando-o e vejo
que é parecido com o que ela tem em sua mesa de trabalho. Na foto parece
uma família completa e feliz. O que será que aconteceu com eles? O que ela
quis dizer quando disse que não tinha ninguém? Eu preciso muito saber mais
sobre ela, mas também preciso respeitar seu espaço.
Ouço o som de uma porta se abrindo e rapidamente coloco a foto
de volta ao seu lugar. Depois, me sento no sofá, aguardando-a. Minutos
depois ela aparece toda sorridente para mim e seu cheiro preenche todo o
ambiente.
Ela se senta ao meu lado e antes que eu possa dizer qualquer coisa,
ela se antecipa.
— Eu sei que você ama meu cheiro.
Eu rio. Ela definitivamente não existe.
— Mas eu quero te cheirar assim mesmo. — Me aproximo e
afundo meu rosto em seu pescoço, inspirando todo seu aroma e planto um
beijo ali, tirando-lhe um arrepio. — Agora sim.
Ela sorri e pega a caixa de chocolates em cima de mesinha,
escolhendo um para ela e colocando outro em minha boca. É clichê pra
caramba, eu sei disso. Mas esses pequenos gestos dela sempre me fazem
derreter por dentro.
— É uma delícia, Di! Obrigada!
— Eu sei que eu sou uma delícia, não precisa dizer isso.
Tremo as sobrancelhas e ganho uma trombada por isso, mas sinto
seu rosto corar levemente.
— Não é uma mentira, de toda forma. — Ela dá de ombros e eu
vejo suas bochechas corarem um pouco mais.
Sorrio disso e colo minha boca na sua, beijando-a com intensidade,
sentindo o gosto do chocolate em sua língua, o que deixa nosso beijo ainda
mais gostoso.
— Sempre me perguntei como seria beijar você. — Ela diz tímida
assim que nos separamos.
— Ah, é? E o que achou?
— Definitivamente bem melhor do que eu imaginei. Você é todo
bruto, sabe? Grande e forte, mas sabe ser delicado também.
— Os brutos também amam. — Brinco com ela, que ri relaxada.
— É sério, Di. Tudo que vem de você é perfeito... O jeito como
você me toca, me beija... Desperta coisas em mim que até então eu nem
conhecia.
— Fico lisonjeado com suas palavras, minha linda. Mas você nunca
foi beijada assim? Com carinho, quero dizer?
Ela nega em silêncio e morde o lábio, um tanto tímida. E eu a beijo
ainda mais por isso.
— Você ainda não viu nada... — Roço meus lábios em seu rosto
até chegar ao seu ouvido. — Você vai ser sempre beijada com todo carinho
que merece e em todo seu corpo... — Minha voz sai rouca e ela engole em
seco. — Não merece nada menos do que isso, Carol.
Ela engole em seco mais uma vez e morde o lábio.
— Caroline...
Eu a repreendo e ela solta uma gargalhada gostosa.
— Já está com fome? Demora um pouco para assar, pensei em já
ligar o forno.
— Do jeito que você quiser, estou por sua conta.
— Ótimo!
Ela se levanta, vai até a cozinha e volta pouco depois, se sentando
ao meu lado. Depois, coloca as pernas no meu colo e encosta a cabeça no
sofá enquanto conversamos e, durante todo esse tempo, faço carinho em suas
nelas.
Conversamos de forma tranquila até o jantar ficar pronto. Assim
que nos sentamos à mesa, eu abro a garrafa de vinho e sirvo nossas taças, já
agradecendo por ter um momento tão bom ao seu lado.
Durante todo o jantar, ela não para de falar um segundo, contando
toda a sua rotina na faculdade e alguns casos engraçados que envolvem sua
amiga. Ela não toca no assunto da sua família em momento algum e eu vejo
que este definitivamente deve ser um assunto bem delicado para ela.
Assim que terminamos, escolhemos um filme de suspense para
assistir, pois ela não aceitou de forma alguma que fosse de terror e, pouco
antes do término deste, vejo-a ressonar baixinho em meus braços.
Ela dorme com um semblante tranquilo e sua boca está entreaberta,
mostrando-se bastante relaxada em meu colo.
O filme termina e eu permaneço parado apenas olhando para ela e
toda a sua perfeição, pensando mais uma vez na sorte que tive de encontrar
alguém como ela.
Ela se remexe em meu colo e pouco depois abre os olhos para mim,
ainda sonolenta.
— Eu dormi muito? — Seu sorriso é tímido e eu acaricio seus
cabelos em resposta.
— Só um pouquinho.
— E você ficou aí parado me vendo dormir?
— Claro!
— Que coisa mais clichê, Diogo! — Ela balança a cabeça e se
levanta do meu colo, espreguiçando-se.
— Ah, um toque clichê ao nosso relacionamento de vez em quando
não faz mal. — Dou de ombros e ela ri.
— Eu sei, estou brincando com você. Que horas são?
Olho para o celular e respondo.
— Dez horas.
— Hummm... — Ela boceja e eu vejo que está na minha hora de ir.
— Acho melhor eu ir, Carol. Você está com sono e amanhã
acordamos cedo.
— Só vou te deixar ir embora, porque sei que amanhã te vejo de
novo. — Ela sorri e boceja mais uma vez.
— Está vendo? Está na hora da princesa dormir.
— Ai, Diogo! Pelo amor de Deus!
Solto uma gargalhada. Ela odeia mesmo essas doses de fofura e eu
amo irritá-la.
— Mas você não é uma princesa? — Faço um bico para ela que
solta uma risada.
— E você seria meu sapo?
— Ei! Não venha com essa, sou um verdadeiro príncipe!
— Ah, sim... Com toda certeza! — Seu sorriso é irônico e eu rio. É
tão fácil sorrir com ela.
— Preciso ir, marrentinha. Eu te vejo amanhã cedo, tudo bem?
— Não tenho outra escolha, né? A não ser ver a sua cara azeda
todos os dias.
Calo ela com um beijo suave e ela acaricia meu rosto assim que nos
separamos.
— Boa noite, Di. Obrigada por ter vindo.
— É um prazer para mim. — Dou-lhe um selinho e acaricio seus
cabelos. — Boa noite, minha linda. Tenha bons sonhos.
Ela assente em silêncio e eu saio de seu apartamento, indo em
direção a minha moto. Monto nela e ligo o motor, já sentindo o vento gelado
em meu corpo.
Eu não sabia como era namorar alguém até conhecer a Caroline,
não sabia o que era querer passar o tempo todo com alguém e querer sempre
mais dela, como se fosse tudo aquilo o necessário para viver.
E ela era tudo que me faltava. Tudo que eu sei que eu nunca tive.
Sou um cara com a vida fodida, mas se eu a tenho ao meu lado, tudo bem.
Sou um fodido de muita sorte.
Entro na loja e vejo que está vazia, então imagino que ela não tenha
chegado ainda.
Cheiro a rosa vermelha que está na minha mão e sorrio enquanto
coloco em cima de sua mesa, ao lado de suas canetas terrivelmente coloridas.
Destaco um post-it de seu bloquinho e escrevo algumas palavras
antes de colocá-lo ao lado da rosa.
“Bom dia, flor do dia.
Não, espera...
Bom dia, marrentinha.”
Rio baixo enquanto entro no corredor em direção à minha sala de
trabalho.
— Bom dia, Marcão.
— Bom dia, Diogo!
Fico esperando por alguma alfinetada ou uma pergunta indiscreta,
mas ele simplesmente me ignora, o que é uma grande novidade por aqui.
Não sei como ninguém no trabalho desconfia do meu
relacionamento com a Carol, pois hoje faz um mês que ela me desafiou a
terminar com ela. Todas as vezes que eu me lembro dessa cena, eu rio
sozinho, pois definitivamente ninguém é igual a ela.
Ligo a máquina à minha frente e antes que possa iniciar meu
trabalho, sinto meu celular vibrando em cima da mesa.
Marrentinha: “Ah, que amor... Você é sabe ser bem fofo quando
quer. Bom dia, Di!”
Eu: “Eu sei que sou foda, pode admitir.”
Marrentinha: “Não vou nem responder, porque depois dessa flor,
você não merece má resposta.”
Solto uma risada abafada e olho por cima do ombro, vendo que não
chamei a atenção do meu colega.
Eu: “E você é tão doce...”
Marrentinha: “Sou mesmo, não sou?”
Eu: “Completamente. Bom, preciso trabalhar, a flor foi só para te
presentear pelo dia de hoje.”
Marrentinha: “Dia de hoje?”
Eu: “Por acaso você é o homem da relação?”
Ela envia uma carinha ofendida e se eu pudesse daria um beijo nela
agora.
Marrentinha: “Desculpa, Di. Eu sou péssima com datas.”
Eu: “Sorte sua que eu também não ligo para isso, me lembrei
ontem por acaso. Então, há um mês você meio que me forçou a namorar
você.”
Marrentinha: “Ei! Eu não forcei coisa nenhuma, você aceitou
porque quis! Eu apenas te mostrei que estava perdendo uma ótima pessoa
por bobeira.”
Abafo uma risada mais uma vez. Ela nunca dá o braço a torcer.
Eu: “Ah, sim... E eu tive direito de escolha, né?”
Marrentinha: “Não, porque eu sou a melhor para você.”
Rio um pouco mais.
Eu: “Disso eu não tenho dúvidas. ;)”
Marrentinha: “Obrigada mesmo pela flor, Di. Esse pequeno gesto
significou muito para mim.”
Eu: “Imagina... Eu amo namorar você. É meio louco às vezes, mas
amo mesmo assim.”
Marrentinha: “Pelo menos não vamos cair na rotina...”
Eu: “Definitivamente não. Escuta... tenho um convite para te
fazer.”
Marrentinha: “Humm... Quando é formal assim, dá até medo.”
Eu: “Relaxa. Não é nada ruim.”
Marrentinha: “Quer parar de enrolar e me dizer logo?”
Rio por dentro. Ela definitivamente não existe.
Eu: “Calma, marrentinha... Então, queria saber se você quer
almoçar lá em casa amanhã. Minha mãe quer muito te conhecer, daí
aproveitamos e passamos o dia juntos.”
Silêncio.
Será que eu precipitei as coisas? Mas já estamos juntos há mais de
um mês, uma hora isso iria acabar acontecendo.
Marrentinha: “Tudo bem.”
Eu: “Só isso? Se não quiser ir, não precisa, Carol.”
Marrentinha: “Desculpa, eu quero ir sim. Só estou nervosa.”
Eu: “Você? A rainha da segurança?”
Marrentinha: “Não quando é para conhecer a sogra...”
Eu: “Ah, relaxa. Minha mãe é muito tranquila, você vai gostar
dela.”
Marrentinha: “Meu medo é ela não gostar de mim, mas prometo
me comportar como uma dama.”
Eu: “Não precisa se preocupar, ela vai te adorar como você é. Eu
já disse que você ama me desafiar e ela já virou sua fã.”
Marrentinha: “Amo mesmo. Então tudo bem! Mas e os seus
estudos? Não quero te atrapalhar.”
Eu: “Um dia só não vai me matar, Carol.”
Marrentinha: “Não, senhor! Começa assim mesmo, depois você
estará estudando uma vez ao mês e me culpará eternamente pela sua
pobreza. Sem chance!”
Dessa vez eu não aguento e rio alto, despertando a atenção do
Marcão, mas por um milagre ele não me pergunta nada.
Eu: “Eu tiro o atraso depois, não se preocupe.”
Marrentinha: “Eu não vou discutir isso com você, Diogo! O que
eu posso te propor é que você estude hoje no horário que iria para a minha
casa e amanhã passamos o dia juntos. Mas apenas assim.”
Deus, o que eu faço com essa mulher? Ainda vou perder a cabeça
um dia!
No bom sentido, é claro. Impossível ficar brigado com ela.
Eu: “Não precisava disso, amor. Mas se te deixar mais
confortável, tudo bem. Fazemos essa troca.”
Chamo-a de amor, que é algo bem raro para mim, só para amolecer.
Eu sempre faço isso como forma de mimá-la e, por mais que ela não admita
nem a pau, sei que a faz derreter.
Marrentinha: “Bem melhor assim. Que horas amanhã?”
Eu: “Eu te pego meio-dia, pode ser?”
Marrentinha: “Combinado! Agora me deixe trabalhar. Beijo, Di!”
Despeço-me dela e volto minha atenção ao trabalho, já pensando no
dia de amanhã. É fato que passar o dia com ela vai ser maravilhoso, até
mesmo para que ela conheça mais sobre mim. Mas eu queria também vê-la
hoje, porque cada minuto que eu passo com ela é gostoso pra caramba. É
impossível não rir o tempo todo ao lado dela e eu amo sentir seu cheiro, seu
corpo.
Ela é uma espécie de droga para mim e eu sou um baita viciado,
sem esperança alguma de cura.
— Nervosa? — Pergunto a ela assim que desço da moto e tiro meu
capacete.
— Um pouco... — Ela morde o lábio e eu a repreendo com o olhar,
lhe beijando logo em seguida.
— Vai dar tudo certo, você vai ver.
Antes que ela possa responder, Eddie se aproxima pulando em cima
de mim, pedindo carinho.
— Ei, garotão. — Faço um cafuné nele que não para de lamber
minha mão. — Tem alguém aqui que quer te conhecer.
Olho na direção da Carol que está visivelmente assustada.
— Ele não vai me morder?
— O Eddie? Não. Ele é tipo o dono dele, só tem a cara de mau, mas
é um amorzinho.
— Tem certeza, Di?
— E por acaso eu colocaria sua segurança em risco? Pode confiar,
amor.
Ela hesita um pouco, mas logo se aproxima de nós e ganha uma
lambida dele.
— Viu? Ele é bonzinho.
— Verdade... Mas ainda assim essa raça me assusta.
Agora ela está fazendo carinho nele e ganhando várias lambidas
por isso. Os dois já viraram amigos.
— Eu sei que assusta, é por isso que eu o escolhi. Com ele em casa,
as chances de alguém entrar aqui enquanto eu estou fora são mínimas, o que
me tranquiliza muito para trabalhar a noite.
Ela sorri e brinca mais um pouco com ele antes de nos dirigirmos à
entrada da casa.
— Eddie? Essa escolha de nome por acaso tem a ver com Iron
Maiden?
— Claro! Quem não curte aquele mascote?
— É um pouco bizarro, mas confesso que combinou com seu
cachorro.
Solto uma risada e logo estamos entrando em casa, encontrando
minha mãe na cozinha.
— Mãe... — Raspo a garganta e a vejo se virando em direção a nós,
com um enorme sorriso se formando em seu rosto.
— Caroline! — Ela chega perto da minha namorada e a abraça bem
apertado, fazendo-a relaxar. — É um prazer finalmente conhecê-la! Diogo me
fala muito de você!
— O prazer é meu, dona Júlia. Ele também me fala muito da
senhora, e pode me chamar de Carol, por favor. O único que me chama pelo
nome inteiro é o chato do seu filho quando quer pegar no meu pé.
Minha mãe sorri e olha dela para mim, com um orgulho estampado
no rosto. É impossível não notar o quanto ela está feliz por mim, o que me
faz amá-la ainda mais, se é possível.
— Ótimo, Carol. E pode dispensar o “dona” e o “senhora”, pois
nem sou tão velha assim. Embora meu filho pareça um velho de oitenta anos
às vezes, sou nova ainda.
— Ei! — Eu a repreendo, mal conseguindo segurar o riso.
— Eu quis fazer uma sobremesa para você, mas como fiquei com
medo de virar uma meleca no trajeto, fiz apenas uma palha italiana, que não
corria esse risco. — Carol estende a ela uma vasilha de plástico recheada de
doces.
— Ah, não precisava! Mas te agradeço muito, eu adoro palha
italiana! — Minha mãe sorri e lhe dá um beijo no rosto em agradecimento e
ver as minhas mulheres se dando bem é algo que me deixa feliz pra caramba.
— Que bom que eu acertei! Você precisa de ajuda?
— Não se preocupe, meu amor. Já está praticamente tudo pronto.
Diogo, mostre a casa para ela enquanto eu termino aqui.
— Pode deixar!
Conduzo-a pela casa, mostrando a sala de TV, a de jantar e o
banheiro e logo subimos as escadas para ela conhecer os quartos. Quando
chego ao meu, dou um sorriso de canto antes de abrir a porta.
— E esse é o meu quarto.
Ela entra atrás de mim e parece avaliar tudo. Desde a minha mesa
com uma pilha de livros de Direito e meu notebook, minha cama de solteiro,
meu violão encostado na parede, guarda-roupa, espelho.
— Uau... É bem... Masculino.
— Ah, claro. Você achou que ia entrar no meu quarto e encontrar
uma coleção de bonecas Barbie?
Ela ri e me dá uma trombada.
— Não é isso... É só que eu nunca entrei em um quarto de um
garoto antes.
— Nunca? — Arqueio a sobrancelha e chego perto dela,
abraçando-a por trás.
— Não... Você é meu primeiro namorado.
Beijo seu pescoço e acho um tanto fofa sua revelação.
— Mas isso não importa muito, pois você também é a minha
primeira namorada e eu já estive em quartos de garotas antes.
— Ai, Diogo... Muito romântico você me contar isso. — Ela me
belisca e eu solto uma risada.
— Ué, mas é verdade. Só quis dizer que uma coisa não tem a ver
com a outra.
— Mas para mim sim. — Ela suspira em meus braços e eu a beijo
mais uma vez, sentindo seu corpo estremecer.
— Eu amo seu cheiro. — Digo, para não perder o costume e a vejo
sorrir.
— Eu sei, o seu também é maravilhoso.
— Ah, é? — Pergunto, enquanto afundo meu rosto novamente em
seu pescoço.
— Sim... — Sua voz sai em um sussurro e eu sorrio por isso, amo
saber o efeito que eu causo nela. — Tem cheiro de homem, sabe?
E então eu rio.
— Ah, graças a Deus por isso. Imagina se eu tivesse cheiro de
mulher?
— Não é isso que eu quis dizer, engraçadinho. — Ela se afasta dos
meus braços para ficar de frente para mim. — É porque seu perfume é mais
forte, mais masculino. Entendeu?
— Eu entendi, marrentinha. Estava brincando com você.
Antes que ela possa retrucar, colo meus lábios nos seus e a beijo
com toda a intensidade do meu ser. Tomo-a em meus braços e a carrego até a
minha cama, deixando-a sentada em meu colo, sem soltar sua boca. Ela
afunda os dedos nos meus cabelos e puxa o elástico, deixando os fios soltos e
me agarrando ainda mais a ela. Eu aperto-a contra mim com mais
intensidade, aumentando o ritmo de nossos beijos. Eu só me dou conta de
onde estou quando ouço minha mãe me chamando no andar de baixo,
anunciando que o almoço está pronto.
Me separo dela e a vejo me olhar com intensidade, seus olhos
faíscam desejo e eu vou precisar disfarçar minha ereção para descer para o
almoço. Seus lábios estão inchados dos nossos beijos e eu me dou conta do
quanto ela me deixa louco, do quanto eu estou alucinado por ela e de como
eu a quero. Eu a quero por inteiro e está literalmente doendo ter que segurar
isso. Não sei se vou ser forte por muito mais tempo.
Ela coloca as duas mãos no meu peito e sem desviar o olhar do
meu, me dá um beijo casto nos lábios, bem diferente dos anteriores, um beijo
cheio de carinho.
— Vamos lá? — Ela me chama e eu apenas assinto enquanto a vejo
sair do meu colo, ajeitando seu vestido ao se levantar.
Sim, para piorar a minha desgraça, ela veio de vestido.
Essa mulher me deixa louco!
Chegamos à cozinha e um cheiro maravilhoso toma conta do
ambiente, me fazendo distrair a cabeça.
— O que está aprontando aí, dona Júlia? Que cheiro bom! —
Chego perto da minha mãe e beijo seu ombro, enquanto ela termina a mesa.
— Fiz seu cardápio favorito e espero que a Carol também goste.
— Tenho certeza de que vou amar!
Nos sentamos à mesa e logo começamos a nos servir. Minha mãe
fez filé à parmegiana com purê de batatas, arroz e salada. Confesso que eu
amo esse prato e como pra caramba. O tamanho do meu prato assusta minha
namorada.
— Meu Deus, Diogo. Como você aguenta comer tanto assim?
— Ué, olha o meu tamanho. Acha que eu vou comer como uma
mocinha? — Brinco com ela apontando para o seu prato que parece ter um
terço da quantidade de comida do meu.
— E então, Carol, fiquei sabendo que você desafiou o meu filho a
terminar com você. Eu queria ter visto essa cena!
Ela ri e, assim que termina de mastigar, conta para minha mãe
todos os detalhes da nossa pequena discussão que acabou em namoro.
— Ele teve o atrevimento de falar que não era bom para mim! Eu
virei uma onça, Júlia. Quem tem que saber disso é eu e não ele. Eu entendi
seus motivos, mas eram absurdos demais. Sem chance alguma de eu ter
aceitado uma coisa dessas.
Os olhos da minha mãe brilham e eu vejo como ela gostou da Carol
ao descobrir exatamente como ela é.
— Eu imagino a cara dele! — Minha mãe me olha divertida e eu
rio. Realmente a minha cara deve ter sido engraçada, pois fui pego de
surpresa.
— Ele ficou me olhando sem acreditar, mas eu não me dou por
vencida. Para completar, ainda o intimei a ser meu namorado para ele
entender que eu quero que ele fique comigo e com mais ninguém. Entendeu,
sr. Diogo?
— Eu só tenho olhos para você, marrentinha. Sabe disso. — Pisco
para ela e ganho um sorriso.
— É bom mesmo. Por enquanto suas bolas estão a salvo.
Minha mãe engasga com a garfada que estava dando no momento
que a Carol solta isso e não aguenta, disparando a rir.
— Meu filho, essa garota é um achado.
— Eu digo a ele, Júlia. Eu também sou o melhor para ele.
— E quando foi que eu discordei disso? — Arqueio uma
sobrancelha, entrando em sua brincadeira.
— Faz muito bem em não me contrariar.
— Bom, uma coisa eu posso dizer... — Minha mãe cruza os braços
em cima da mesa e olha de um para o outro. — Pode ser que não fiquem
juntos a vida toda, mas que foram feitos um para o outro, isso ninguém pode
negar.
E então o silêncio toma conta da mesa.
Olho de lado e vejo Carol ruborizando e eu apenas me mantenho
em silêncio. Eu concordo plenamente com o que minha mãe diz, mas não vou
pressionar a nada, principalmente com tão pouco tempo de namoro. Então,
pego sua mão debaixo da mesa e acaricio, que aperta em resposta.
Essa é a nossa forma de dizer que se estamos juntos, está tudo bem.
— Di?
— Hum... — Eu respondo meio sonolento.
Depois de assistirmos dois filmes seguidos, acabamos pegando
sono no sofá e despertei há pouco tempo, quando seu celular tocou e ela se
levantou para atender uma ligação de seu tio.
Pouco depois, ela voltou para os meus braços e está bastante
pensativa enquanto brinca com as pontas dos meus cabelos.
— Lembra aquele dia no parque que eu te contei sobre o acidente
dos meus pais?
— Lembro sim...
— Desde aquele dia, tem algo que não sai da minha cabeça. — Ela
continua brincando com meus cabelos, sem olhar diretamente para mim.
— E o que é?
— Não acho que tenha sido acidente, amor...
— Carol... Sabe o quanto isso é sério, não é? — Me remexo no sofá
e ela se ergue, se sentando ao meu lado e eu a acompanho.
— Eu sei, Di... Mas é tão ruim ficar na dúvida. Eu precisava
saber... — Seu semblante se torna triste e eu sinto meu coração se apertar
dentro do peito.
Odeio vê-la triste.
— E o que você está pensando em fazer? — Viro meu corpo para
ficar de frente para ela, que faz o mesmo.
— Não sei... Pensei em pesquisar mais a fundo, tentar descobrir
alguma pista, sei lá.
Coço a barba confuso, isso não está me cheirando nada bem.
— Carol, olha pra mim. — Ela faz o que eu digo e então eu
continuo. — Se você acha que alguém armou isso, com certeza é gente
perigosa, não acho certo você mexer nisso agora, já passou tanto tempo...
— Mas é a minha família, Diogo. A minha família inteira que foi
arrancada de mim. Eu sinto que tem algo a mais nessa história e eu preciso
descobrir. Eles merecem isso.
Corro as mãos pelo cabelo. Não tenho nem como argumentar com
isso. Mas ainda assim acho perigoso demais...
— Tudo bem, Carol. Eu ainda acho isso uma loucura, mas entendo
você. Só te peço para não fazer nada sozinha, me deixa acompanhar tudo de
perto, pois se algo te acontecer...
— Ei... — Ela cobre a minha boca com seus dedos e sorri para
mim. — Não vai me acontecer nada.
— Como pode ter tanta certeza? — Arqueio a sobrancelha, bastante
curioso.
— Porque eu tenho você.
E então eu desarmo.
Golpe baixo, bem baixo. Mas ela sabe que funciona.
Balanço a cabeça assentindo e ela abre um sorriso.
— Por onde pretende começar?
— Hum... Eu tenho uma caixa guardada com alguns documentos e
objetos dos meus pais. Vou analisar com calma e ver se descubro alguma
coisa.
— Tudo bem, se achar qualquer coisa me mostre, ok? Não tome
nenhuma decisão sozinha, por favor. Eu me preocupo demais com você.
— Eu sei, leãozinho. — Ela sorri e aperta minha mão com carinho.
— Pode ficar tranquilo. Se eu encontrar alguma coisa, vou te mostrar e então
podemos levar para o Rogério.
— Quem é Rogério? — Franzo o cenho para ela.
— Um antigo amigo dos meus pais que é delegado. Tenho certeza
de que ele poderá nos ajudar.
— Tudo bem, mas vou com você. Em tudo, ok? Não vou te deixar
enfrentar isso sozinha nem a pau.
Franzo o cenho para ela que me sorri toda admirada.
— Você fica lindo assim, sabia? Todo protetor e tal... É sexy.
Solto uma risada.
Eu preocupado com ela e a danada me provocando?
Eu mereço mesmo a namorada que eu tenho.
— Você ainda vai me enlouquecer, Caroline.
— Vou nada... — Pisca para mim e leva minha mão até os seus
lábios. — E obrigada mais uma vez, Diogo. Eu juro que não sei o que seria
de mim sem você.
— Ah, eu sei sim. Seria uma marrentinha insuportável.
Eu a provoco e ela ri, me empurrando no sofá e deitando por cima
de mim, me beijando de uma forma nada inocente.
E então todos os meus planos de me segurar mais um pouco com
ela vão para o espaço.
— Perdeu o caminho de casa, Diogo? — Ouço a voz da minha mãe
me chamando da sala, assim que eu entro em casa.
— Oi, mãe. — Chego perto dela e dou um beijo em sua testa, me
sentando ao seu lado em seguida.
— Que sorriso bobo é esse, hein?
— Que sorriso, dona Júlia? — Eu franzo o cenho para ela, fingindo
seriedade, mas é claro que não cola.
— Nem vem com essa, Diogo. Eu te conheço, meu filho. O fim de
semana foi bom, é? — Arqueia a sobrancelha maliciosa e eu não aguento e
cutuco ela com uma almofada. — Anda, fala logo!
Ela não consegue aguentar mesmo.
— Foi maravilhoso. — Encosto a cabeça no sofá e cruzo os braços,
ela sorri para mim.
— Quero detalhes!
— Mãe... A senhora não vai querer saber disso.
Ela finge uma expressão de espanto e logo em seguida cai na
risada.
— É, tem razão. Não quero mesmo. Mas foi... especial?
— Muito. — Me limito a dizer e a vejo sorrir mais uma vez.
— Que bom, meu filho. Fico muito feliz por te ver tão bem, só
lamento não ter você mais pertinho de mim o tempo todo. — Ela faz um
biquinho dramático e eu solto uma gargalhada, dando um beijo em sua
bochecha.
— Relaxa, mãe. O espaço que a senhora ocupa na minha vida é só
seu. — Pisco para ela, que sorri satisfeita.
— Acho bom! Mas não me importo em te dividir com a Carol, ela é
uma garota muito legal. E como ela está, meu filho? Não teve mais nenhuma
recaída?
— Graças a Deus não, mãe. Parece que é só no aniversário de
morte deles que ela tem essa crise. Mas hoje ela veio com um papo de que
desconfia que o acidente deles não foi tão acidente assim.
Ela se remexe no sofá e fica de frente para mim com o semblante
curioso.
— Sério, Diogo? Mas ela tem alguma prova disso?
— Por enquanto não, mas vai começar a procurar. É só uma
intuição dela. Sendo sincero com a senhora, eu não queria que ela mexesse
com isso, pois me parece sério demais. Se alguém de fato armou contra os
pais dela, deve ser alguém muito perigoso e algo me diz que isso não vai
terminar bem. Mas como posso impedi-la? Ela tem o direito de descobrir
isso, mas eu deixei bem claro que vou acompanhar tudo de perto, pois não sei
nem do que sou capaz de fazer se algo acontecer com ela.
— Realmente é complicado isso, Di. Mas como você mesmo disse,
é um direito dela e cabe a nós apenas apoiá-la. Pode ser que nem dê em nada,
mas pelo menos ela vai ter a consciência tranquila.
— Eu sei disso, só espero que sua segurança não corra nenhum
risco. Agora é esperar para ver o que ela vai descobrir para termos um ponto
de partida.
— Está certo, se eu puder ajudar em alguma coisa, é só me dizer.
— Obrigado.
Ela sorri e pega o controle remoto para ligar a TV, mas antes que
ligue, eu resolvo puxar um assunto que ela não aprecia muito.
— Mãe?
— Hum... — Ergue os olhos para mim e eu sorrio.
Ela é linda. Seus cabelos castanhos lisos são da altura do queixo e
seus olhos castanhos, sempre foram profundos demais, são capazes de tirar
qualquer um dos eixos.
Nem preciso dizer o quanto ela é linda por dentro e por isso me
entristeço tanto em vê-la sozinha.
— Por que a senhora não sai mais? Para se divertir? Encontrar
alguém e tal...
— Diogo...
— É sério, mãe. A senhora quase não se diverte, sei que precisa
sair mais. Já são mais de quatro anos.
— Eu sei, mas...
— Eu sei que vai me dizer que não quer se envolver em nada sério
de novo, não estou dizendo para se casar, mãe. Mas algo casual ou uma
simples diversão vai te fazer bem.
— Está querendo convencer a sua mãe a fazer sexo casual? — Ela
arqueia a sobrancelha e eu dou de ombros.
— Não vejo mal algum nisso. Se eu posso fazer isso, por que a
senhora não? Ou melhor, podia, né? Se a Carol me ouve falando isso, eu
perco as minhas bolas.
Ela solta uma risada e eu a acompanho.
— Essa é das minhas...
— Pensa com carinho, dona Júlia. Não gosto de te ver sozinha,
você merece ser feliz.
— Eu sou feliz, meu filho.
— Eu sei, mas eu não vou estar aqui para sempre, sabe disso.
Ela assente e fica um minuto pensativa. Eu acho que já falei mais
que o suficiente.
— Eu te amo demais. — Beijo sua bochecha e me levanto do sofá.
Eu me preparo para subir quando a ouço me chamar.
— Diogo? — Me viro para olhá-la e ela me abre um sorriso
discreto. — Obrigada por se preocupar comigo, também te amo muito.
Assinto sorrindo e piso no primeiro degrau da escada, mas antes de
subir, me viro para alfinetá-la.
— E procure ouvir meus conselhos, afinal, já deve estar criando
teias de aranha, hein?
— Diogo!
Ela arremessa uma almofada na minha direção e eu consigo me
abaixar a tempo de vê-la batendo na parede.
Solto uma gargalhada e termino de subir as escadas, indo em
direção ao meu quarto, já torcendo para que ela me escute. Eu realmente me
preocupo demais com a felicidade dela.
Tiro o celular do bolso e me jogo na cama, já abrindo a caixa de
mensagens da minha namorada.
Eu: “Cheguei, marrentinha. Boa noite! ;)”
Marrentinha: “Boa noite, leãozinho. Sonhe comigo, senão acabo
com a sua raça.”
Solto uma risada baixa.
Eu amo esse seu jeito durão e amo ainda mais saber a garota doce e
sensível que existe por trás de toda sua personalidade marcante.
Amo todas as suas formas e nuances.
Ela é simplesmente perfeita.
Perfeita para mim.
Eu: “Eu deveria ficar bravo por você me chamar de leãozinho
porque é um apelido nada másculo. Mas é impossível ficar com raiva de
você.”
Marrentinha: “Você é o meu leãozinho, ponto.”
Olho para a tela do celular e sorrio. Eu realmente me tornei esses
bobos apaixonados que tanto dizem por aí.
Eu: “Eu te amo, amor. Durma bem.”
Marrentinha: “Eu também te amo, Di. Até amanhã.”
Despeço-me dela e bloqueio a tela do celular, olhando para o teto
por um tempo, pensando no tamanho da minha sorte por ter encontrado uma
pessoa tão única quanto ela.
O meu celular vibra de novo e eu desbloqueio a tela todo
empolgado, mas me deparo com uma mensagem do Bruno.
Bruno: “Começou a namorar e esquece os amigos, né, seu filho da
puta?”
Eu: “Que drama é esse? Eu te vejo todos os dias.”
Bruno: “É, mas não sai para beber comigo mais.”
Eu: “Ah, claro. Então acha que vou deixar de passar a minha
folga com minha namorada para ficar com homem? Pirou?”
Bruno: “Nossa, Diogo. Você já foi mais humilde.”
Solto uma risada. Meu amigo sabe ser bem dramático quando quer.
Bruno: “Mas não foi para isso que te procurei. Sabe aquela amiga
gostosa da Carol?”
Eu: “Sei sim, Daniela, né?”
Bruno: “Isso! Veio com um papo de sairmos os quatro juntos, você
sabe que eu não curto muito essas paradas, mas estou bem interessado nela.
Acha que rola?”
Eu: “Hum... Vou dar uma de cupido agora? Que gracinha.”
Bruno: “Ei, não enche! Só fala se dá ou não.”
Eu: “Dá, ué. Vou falar com a Carol, vamos tentar programar na
nossa próxima folga.”
Bruno: “Beleza, cara. Valeu.”
Eu: “Cuidado para não se apaixonar, hein? É um caminho sem
volta.”
Bruno: “Ficou louco, Diogão? Só vamos sair, ninguém falou em
apaixonar aqui não.”
Eu: “A-hã... Já ouvi essa conversa antes.”
Ele solta uns palavrões e eu rio.
É, de fato eu já ouvi essa conversa antes e fui mesmo arrematado
pela minha marrentinha.
Se eu me arrependo? Nem um pouco.
Ela é foda demais.
— Bom dia, marrentinha.
Entro na empresa e já cumprimento minha namorada com um beijo
na testa. Ela está sentada em sua mesa.
Agora que todos sabem do nosso relacionamento, fica mais fácil
nos comportarmos aqui dentro. Ainda que sejamos discretos, alguns gestos
simples de carinho como esse encaixam bem, e eu sei o quanto ela fica feliz
por isso.
— Bom dia, Di!
Ela me abre um largo sorriso que me contagia.
— Acordou feliz hoje, é? — Brinco com ela que franze o cenho
para mim.
— E por acaso não posso sorrir?
— Claro que pode, amor. Mas sinto que tem alguma coisa aí...
Ela ri enquanto assente.
— Nada passa despercebido aos olhos do Sr. Diogo Vasques, é?
Cruzo os braços e sorrio.
— Não quando o assunto é você.
— Ah, você é tão fofinho, leãozinho.
— Caroline... — Eu a repreendo e ela solta uma gargalhada.
Ela adora me provocar me chamando assim em locais públicos e
nem adianta pedir para ela parar, pois a minha namorada não cede tão
facilmente. Meu medo é só alguém mais próximo ouvir isso, tipo o Marcão,
pois se isso acontecer, nunca mais terei sossego na minha vida.
— Tudo bem, é o seguinte. Estava vasculhando as coisas dos meus
pais essa semana e não estava encontrando nada. Só documentos pessoais,
fichas e formulários da ONG, nada diferente e já estava ficando frustrada.
Então, ontem à noite eu encontrei um pen drive perdido em uma das caixas e
aparentemente também não havia nada incriminador... até encontrar uma
pasta oculta com alguns relatórios da ONG e uma gravação.
— Gravação? De quê? — Isso me chama atenção, eu bem sei como
ela está à procura de alguma mínima pista, ainda sem sucesso, então tomara
que agora tenhamos um ponto de partida.
— Parece uma ligação do meu pai, pelo menos é a voz dele. Só que
não aparece o que a outra pessoa fala, mas é uma boa pista. Ele confronta a
pessoa sobre algo que não está certo...
— Sério, Carol?
Ela assente, mas não consegue me dar mais detalhes, pois na
mesma hora chega um cliente para ser atendido.
— Eu vou lá para dentro e assim que sairmos do trabalho, você me
conta isso direito, ok?
— Pode deixar, na verdade eu quero que você vá para a minha casa
para te mostrar.
— Combinado.
Pisco para ela e saio da frente da empresa, indo em direção à minha
sala.
Se tivemos uma pista, é um bom sinal.
Mas algo me diz que mexer com isso não vai ser nada bom, mas
como não posso impedi-la de continuar, vou acompanhar de perto cada passo
desse processo.
Porque se algo acontecer com ela, eu não sei do que sou capaz de
fazer.
O que eu senti
O que eu soube
Vire as páginas
Vire pedra
Atrás da porta
Eu devo abri-la pra você?
Yeah
O que eu senti
O que eu soube
Doente e cansado
Eu permaneço sozinho
Você poderia estar lá?
Porque eu sou aquele que espera por você
Ou você é imperdoável também?
O feriado chega e por mais que eu tenha feito planos de sair com a
Carol durante o dia, acabamos ficando em casa com a minha mãe. É notável
seu semblante triste pelo sumiço do Jorge, pois ela realmente acabou se
apaixonando por ele de novo.
E o cara simplesmente sumiu. O celular só dá caixa postal e, pouco
antes da hora do almoço, eu peguei a minha moto e fui até o seu apartamento
para ver se o encontrava, mas não tive sucesso.
Como pode um cara desaparecer assim? Será que aconteceu mesmo
alguma coisa com ele? Quem será essa pessoa que ligou para ele e para onde
o levou? Confesso que no início eu só fiquei puto por ter deixado a minha
mãe em casa, mas agora começo a ficar preocupado. Depois do que
aconteceu no apartamento da Carol, temo pela segurança de cada um de nós
que está envolvido nesse caso, ainda que indiretamente.
Terminamos de almoçar há cerca de uma hora e, enquanto minha
mãe trabalha em seu ateliê, Carol e eu estamos sentados no sofá assistindo a
um filme de comédia, mas sei que nenhum de nós está prestando atenção de
verdade.
O meu celular toca e, quando vejo o número do Jorge na tela, sinto
meu coração disparar.
— Jorge? — Atendo a ligação e a Carol rapidamente se aproxima
de mim, colocando a mão em meu braço.
— Oi, Diogo. Preciso de você e da Caroline na delegacia agora,
podem vir?
— Aconteceu alguma coisa?
— Chegando aqui eu explico, pode ser?
— Tudo bem, estamos indo.
— O que ele disse? — Carol me pergunta assim que encerro a
ligação.
— Ele nos quer na delegacia agora.
— Por quê?
— Não faço ideia, amor. Mas pela sua voz, parecia algo
importante.
Ela engole em seco e assente, se levantando do sofá.
— Só me dê um minuto para eu me trocar e podemos ir.
— Tudo bem, eu vou avisar a minha mãe.
Ela sobe pelas escadas e eu caminho pelo corredor até o ateliê da
minha mãe. Eu a encontro concentrada em sua máquina de costura.
— Mãe?
— Oi, Diogo. — Seu sorriso é fraco e vejo como ela está abalada
com tudo isso.
— Eu acabei de receber uma ligação do Jorge. Estamos indo para a
delegacia agora.
— Aconteceu alguma coisa? — Ela solta o tecido na mesma hora e
seu semblante se torna preocupado.
— Não sei, mãe. Ele me disse que explicaria quando chegasse lá,
mas pela sua voz parecia importante.
— Graças a Deus que ele está bem. — Ela suspira e passa a mão
pelos cabelos. — Mas me avise quando descobrir o que é, espero que não
seja nada grave.
— Também espero, mãe. Pode deixar que a mantenho informada.
Dou um beijo em seu rosto e saio do cômodo. Eu encontro a Carol
descendo as escadas assim que retorno.
— Vamos? — Ela assente e eu a conduzo até a minha moto.
Percorremos as ruas da cidade com calma e a minha ansiedade faz
com que o trajeto demore o dobro de tempo do que o normal. Eu não disse
nada à Carol durante o caminho, mas acredito que Jorge finalmente tenha
chegado a uma pista melhor sobre o caso. Afinal, por que ele nos pediria para
ir para a delegacia em pleno feriado?
Paro a moto em frente ao prédio e respiro fundo quando retiro o
capacete e pego o da Carol, prendendo na corrente da moto. Seguro sua mão
e caminhamos apressados porta adentro. Quando pergunto a um funcionário
sobre o Jorge, ele nos encaminha até uma sala que nunca tínhamos entrado.
— Jorge? — Bato na porta e lá de dentro ouvimos sua voz nos
convidando para entrar.
— Obrigado por terem vindo. — Ele diz simplesmente e eu não
consigo decifrar o seu semblante.
— O que aconteceu? Por que deixou a minha mãe sozinha ontem à
noite? Você me prometeu que ficaria com ela. — Meu tom de voz se eleva e
ele sinaliza para nos sentarmos de frente para ele. Assim que o fazemos, ele
esfrega os olhos.
— Vou explicar tudo para vocês, mas antes preciso te pedir
desculpas, mas eu realmente precisava ter feito isso.
— Quem te ligou? Para onde você foi?
Jorge se encosta na cadeira e cruza os braços, visivelmente
perturbado.
— Eu recebi uma ligação anônima de alguém que tinha provas a
respeito do caso dos pais da Carol e precisava me encontrar em um café
naquela hora. Me diz, como eu poderia ignorar isso?
— O quê? — Carol se remexe ao meu lado em sua cadeira. —
Conseguiu descobrir alguma coisa?
— Na verdade, consegui descobrir tudo. — Ele solta simplesmente
e vejo tudo girar na minha frente.
Será que eu quero mesmo saber de tudo isso?
— Conta logo, Jorge! — Carol se apressa, bastante agitada.
Ele pega uma pasta no canto da mesa e começa a tirar alguns papéis
lá de dentro. A primeira coisa que ele pega e nos mostra são algumas fotos.
Uma carreira de fotos de dois homens conversando, apertando as
mãos, cochichando. Todas em várias situações diferentes. A princípio, não
consigo identificar quem são, mas logo ele nos mostra uma foto com
aproximação e quando eu reconheço um dos homens, sinto meu punho se
fechar.
Meu pai.
Era mesmo de se esperar, né? Mas então ele nos mostra uma foto
que aparece nitidamente o outro homem e então sinto meu coração saltar pela
boca.
Rogério.
Puta que pariu.
— O que o Rogério está fazendo com o meu pai?
Ele não diz nada e, então, começa a revirar os papéis. Aos poucos,
vai nos mostrando prova por prova.
Comprovantes de transferência bancária em nome do Rogério para
o meu pai.
Os documentos desaparecidos da ONG, como Estatuto Social,
Regimento Interno e Atas de reuniões.
Por último, e-mails; dezenas de e-mails trocados entre meu pai e
Rogério. Quando começamos a ler o conteúdo, sinto minha visão embaçar.
Carol começa a chorar ao nosso lado enquanto processa todas essas
informações junto comigo.
Era ele.
Sempre foi ele.
Rogério.
O delegado amigo de seus pais que estava disposto a nos ajudar.
Nunca desconfiamos dele e agora eu entendo porque ele quis nos ajudar.
Porque sabia que as provas nos levariam até o meu pai e nunca a ele. Já que
nada o relacionava a ONG.
Rogério era o presidente da ONG, era o responsável por tudo, mas
usou o nome do meu pai para não ter nenhum escândalo envolvendo seu
nome.
Rogério mandou matar os pais da Carol. Os seus amigos de longa
data.
Puta que pariu.
— Pelo que vocês estão vendo, finalmente chegamos ao verdadeiro
culpado. — Jorge interrompe meus pensamentos, me trazendo de volta a
realidade.
— Onde ele está agora?
— Algemado em uma outra sala.
Caramba. Não dá para acreditar nisso.
— Como ele pôde? — A voz da minha namorada é esgoelada
devido ao seu choro. Sinto um aperto no peito por vê-la tão vulnerável.
Passo meus braços ao redor de seus ombros e a acaricio de leve,
permitindo que chore em meu peito.
— Eu nem sei o que te dizer, Carol. Eu sinto muito mesmo. —
Jorge se lamenta e o silêncio paira sobre nós. Somente o choro da minha
namorada era ouvido.
Finalmente encontramos respostas, finalmente descobrimos quem
fez, mas a constatação foi ainda pior do que pensávamos.
— Como conseguiu tudo isso? — Pergunto a ele, minutos depois.
— Uma forte testemunha me entregou tudo isso e com esse dossiê
em mãos e o seu relato, não foi difícil conseguir o mandato de prisão.
— Caramba... Então era ele o tempo todo?
Jorge apenas acena, sem dizer nada.
— E nós acreditamos que ele queria nos ajudar.
— Eu também, Diogo. Todos nós fomos enganados aqui. Eu
trabalho há alguns anos com ele e nunca desconfiei de nada, pois ele sempre
foi uma boa pessoa. Mas a verdade é que ele só ficou tranquilo porque sabia
que as provas levariam até o seu pai, já que ele tinha consumido todos os
documentos.
— Nem todos, né? — Aponto para a pilha de papéis à nossa frente
e ele assente. — E quem foi que te entregou tudo isso? Você pode nos
contar?
Ele fica nervoso por um tempo e assente logo em seguida.
— Foi o braço direito do Rogério que o entregou? — Carol
pergunta enquanto seca suas lágrimas.
Realmente, para ser uma pessoa que tinha acesso a tudo isso, só
poderia ser alguém de confiança dele. Mas por que o entregaria logo agora?
Depois de tantos anos?
— Vocês já vão descobrir quem é. Só um instante. — Ele se
levanta da mesa e nos deixa sozinhos na sala.
— Eu não sei se fico mais chocada com o fato de ter sido o Rogério
o mandante de tudo ou por ter uma terceira pessoa envolvida. Nós não vamos
parar de ser surpreendidos?
— Nem me fale, Carol. Estou tão atordoado quanto você. — Pego
sua mão que está trêmula em cima de sua coxa e trago até os meus lábios,
beijando com delicadeza.
— Eu só quero que isso tudo acabe. — Ela suspira e eu dou um
beijo em sua testa.
— Já está quase acabando, amor.
Ouvimos a porta se abrir atrás de nós e na mesma hora nos
viramos, vendo Jorge entrar e parar ao lado dela, em silêncio.
Pouco depois, um senhor entra na sala de cabeça baixa e assim que
ergue a cabeça, eu sinto meu queixo cair.
Minha cabeça toda roda e eu sinto ânsia de vômito.
Eu tento falar, mas minha voz não sai.
Carol fala alguma coisa ao meu lado, mas não consigo ouvi-la.
Os meus olhos estão cravados no homem que olha diretamente para
mim parecendo estar tão atordoado quanto eu.
Fecho os olhos e os esfrego, tentando respirar, mas me falta o ar.
Me faltam palavras.
Me falta tudo.
Abro os olhos mais uma vez, tentando me certificar de que não é
ilusão, de que o que estou vendo é mesmo real.
Mas como...?
— Pai?
Carol olha do homem para mim e de mim para ele, sem parar. Ela
também perde as palavras assim que me pronuncio.
Ele está muito diferente do que me lembro, mas mesmo assim eu
sei que é ele. É impossível não saber.
Ele dá passos calculados em direção a nós e não diz uma palavra.
Nesse momento eu não sei o que dizer, nem falar.
Ele estava vivo esse tempo todo?
Como isso é possível?
Ele anda mais um pouco e, quando está bem próximo, consigo
analisá-lo melhor. A última vez que eu vi o meu pai, há pouco mais de quatro
anos, ele tinha os cabelos curtos e rosto limpo, mas esse cara diante de mim
parece ser uns dez anos mais velho. Usa a cabeça raspada e uma barba que
preenche todo o seu rosto, mas aqueles olhos azuis idênticos aos meus são o
que causam o maior reconhecimento.
— O que você está fazendo aqui? — É a primeira pergunta que me
escapa. Ele franze o cenho e engole em seco. — Como pode estar vivo? Você
morreu!
Eu me exalto e me levanto na mesma hora, indo em sua direção,
mas antes que eu possa encostar nele, Jorge intercepta.
— Calma, Diogo.
— Calma? Como quer que eu fique calmo, Jorge? Ele morreu e
ferrou a minha vida e agora eu simplesmente descubro que ele estava vivo
esse tempo todo?
Eu acabo gritando e ele continua calado, até que vejo seus olhos
marejarem.
É sério que esse cara vai chorar agora?
— Eu... Eu sinto muito, Diogo. — Sua voz sai baixa e eu sinto um
aperto no peito ao ouvi-la.
É mesmo ele.
É real.
Puta que pariu.
Olho para ele por mais um tempo e então começo a rir, mas a
minha risada não tem humor algum.
— Está de brincadeira com a minha cara, né? Só pode.
Todo mundo na sala se mantém em silêncio e eu começo a tremer
de raiva.
— Você tem noção do quanto nos deixou ferrados? Do quanto
minha mãe chorou pela sua morte? Ela te amava, porra!
Ele se assusta com o meu grito e recua um passo devagar.
Ah, que ótimo. Precisou “morrer” para ter medo de mim?
Olho para o Jorge, que tem o semblante preocupado, e vou em
direção a ele.
— Você sabia disso?
— Não, Diogo! Eu fiquei sabendo ontem à noite quando o
encontrei e tive a mesma reação que você.
— Então você era a testemunha chave? Que voltou depois de
quatro anos para salvar a pátria e sair como herói? — Solto uma risada, sendo
impossível disfarçar a minha ironia.
— Não, Diogo. Eu... — Sua voz é baixa e eu me pego pensando
quando foi a última vez que ele falou nesse tom comigo.
— Eu não quero saber. Pode voltar de onde veio.
— Diogo, eu sei que é complicado, mas vocês precisam ouvi-lo. —
Jorge tenta amenizar, mas eu não quero. Não quero ouvir. Não quero saber.
Estou prestes a revidar quando sinto a minha namorada tocar o meu
braço com suavidade. Então, me lembro de que isso não tem a ver comigo,
tem a ver com ela.
— Por favor, amor. Eu preciso saber.
Respiro fundo, assentindo de leve. Realmente ela precisa de
respostas, mas não mais do que eu. Ele não pode simplesmente voltar e achar
que vai ficar tudo bem.
Como alguém se passa por morto por tantos anos? Isso não
acontece só em filmes?
— Vamos nos sentar. — Jorge convida e logo estamos sentados de
volta na mesa. Eu e a minha namorada de frente para os dois.
Tragam o café, pois a história vai ser longa.
Cruzo os braços e me encosto na cadeira, esperando pelo que virá
em a seguir.
— Primeiramente, gostaria de dizer que sinto muito. — Sua voz é
baixa, mas firme. — Sinto muito pela sua família, Caroline. E sinto muito
pelo que você passou, Diogo.
Ele me olha de um jeito quase sensível e se ele busca encontrar
solidariedade em mim, vai morrer esperando.
Se é que é possível morrer duas vezes, né?
Ele suspira e coça a cabeça raspada, olhando para Jorge, que o
incentiva a continuar com um aceno de cabeça.
— Eu conheci o Rogério um ano antes do meu... falecimento. As
vendas estavam ficando cada vez piores com a crise econômica e ele me fez
uma proposta para me ajudar. Ele era amigo do dono da empresa que eu
representava e nos conhecemos em uma confraternização com os outros
representantes. O Saulo, que era o dono, nos apresentou e elogiou muito o
meu trabalho na época e acabamos fazendo amizade. Na época ele me disse
que estavam idealizando uma ONG e que precisavam de um responsável por
ela, mas que ele não poderia, pois não queria ser exposto dessa forma. Veio
com um papo de que não queria reconhecimento por isso e que as pessoas
poderiam pensar que ele só queria melhorar a imagem e eu acreditei. O cara
parecia ser mesmo bom.
Ele faz uma pausa e eu assinto. Realmente, o Rogério sempre foi
um cara legal, acima de qualquer suspeita.
— Eu estava precisando de uma grana, pois as coisas estavam
difíceis lá em casa e as vendas estavam indo de mal a pior e eu não estava
conseguindo pagar a sua faculdade sozinho. — Ele engole em seco e eu sinto
um frio na barriga. — Então aceitei a proposta, pois a ONG era realmente
séria e eu imaginei que não fosse me causar problemas. Nunca mencionei
isso lá em casa, pois pensei que vocês não veriam com bons olhos, por isso
guardei para mim. O meu trabalho era unicamente assinar os papéis que
precisavam e fazer trabalho de banco, dar assistência na ONG, dar as caras
quando fosse preciso. E no início estava mesmo dando certo, até eu ouvir
uma conversa entre o Rogério e o Marcos. — Nesse momento ele vira seu
olhar para Caroline, que não tira os olhos dele. — Seu pai era um excelente
psicólogo, Caroline, e assim que ele conseguiu com que uma das garotas
falasse sobre o abuso, ele foi confrontá-lo. Até então, Rogério não tinha
nenhuma ligação real com a ONG, mas era um dos voluntários, então estava
lá dentro acompanhando de perto e todos sabiam que ele era o idealizador.
Mas a casa caiu quando seu pai descobriu que a ONG era uma fachada. Ele
não queria ajudar as garotas, ele queria vendê-las, então quando chegava a
noite e não havia muitos voluntários na casa, ele saía escondido com elas e
levava a lugares onde homens pagavam para ficar um tempo com elas e antes
que o dia amanhecia, ele as levava de volta. Nenhuma delas abriu a boca
durante muito tempo, pois eram seriamente ameaçadas por ele, mas o
comportamento delas foi mudando com o tempo e o Marcos percebeu isso.
Depois de muita insistência, ele conseguiu que uma abrisse o jogo e na
mesma hora ele foi atrás do Rogério, que o ameaçou de morte, caso falasse
alguma coisa. Seu pai não levou isso a sério, até receber aquela ameaça em
seu escritório. A partir daí as coisas começaram a complicar. Eu era um
invisível naquela ONG, ninguém nem mesmo notava a minha presença, então
ouvi muitas conversas. Em uma delas, vi seus pais conversando sobre isso e
lembro que Marcos queria levar à polícia e por mais que fosse o correto, sua
mãe temia pelo pior, pois sabia da forte influência de Rogério.
Carol solta um suspiro ao nosso lado. Eu pego a sua mão e aperto
na minha, pois eu sei o quanto essa conversa está sendo dolorosa para ela.
— Nesse meio tempo, Rogério me pediu para levar um dinheiro
para um mecânico na oficina e eu não sabia o que estava tramando, apenas
levei o dinheiro, expliquei que vinha dele e saí. Dias depois fiquei sabendo do
acidente de carro e fiquei transtornado, então foi a minha vez de confrontá-lo.
Eu já estava incomodado com o caso das garotas e ele ainda provoca um
acidente fatal? Mas é claro que eu não fui bem recebido, pois fui igualmente
ameaçado. Mas eu não iria entregá-lo, pois temia que o mesmo acontecesse
com a minha família.
Nessa hora ele para e coça a barba com as mãos trêmulas,
visivelmente nervoso. Definitivamente essa não era a conversa que eu
imaginava.
— Eu garanti a ele que não faria isso, mas ele não pareceu muito
convicto, porém não tocou mais no assunto. Poucos dias depois, escutei uma
conversa dele pelo telefone e ele falava que ia dar um jeito de dar o recado
para mim, que estava procurando uma forma de garantir o meu silêncio,
porque não confiava em mim e eu sabia demais. Foi quando eu me
desesperei, pois se ele foi capaz de fazer aquilo com a família do Marcos, o
que faria comigo? Na época, procurei um antigo amigo da escola que mexia
com falsificação de documentos e então ele me sugeriu que forjasse a minha
morte. Não ficaria barato, é claro, mas pelo menos garantiria a segurança de
vocês. E foi isso que eu fiz.
Sinto a minha cabeça girar e preciso respirar fundo mais de uma
vez para conseguir digerir tudo que ele está nos dizendo, pois não parece ser
real.
— Não era de pouco dinheiro que estávamos falando, pois forjar
uma morte é precisar subornar várias pessoas e conseguir documentos falsos,
então eu sabia que precisava agir e rápido. Foi assim que fiz aqueles
empréstimos altos e fiz vocês pensarem que era por causa de jogos, para que
nunca desconfiassem de nada. Mas a verdade é que eu nunca joguei nada,
Diogo. Nunca nem cheguei perto disso, mas eu precisava fazer com que
parecesse real. Os empréstimos foram feitos no nome de sua mãe para que o
Rogério nunca desconfiasse de mim e não fosse atrás. Comigo fora do
caminho, vocês dois estariam a salvo.
Eu prendo a minha respiração e abaixo a cabeça na mesa, tentando
processar tantas informações.
— Você ferrou a nossa vida. — É tudo que eu consigo dizer e ele
apenas assente com o semblante triste.
Mas isso ainda não me sensibiliza.
— Eu sei, meu filho. Não pense que eu fiz isso por prazer, fiz
porque não tive alternativa. Assim como os pais da Caroline não tiveram, só
que eu consegui agir a tempo e consegui salvar vocês. Eu consegui
documentos falsos, aluguei uma quitinete no interior do Mato Grosso e
comprei passagens para lá. Mas eu não iria sumir sem levar comigo as
provas, então mandei uma cópia de tudo para o meu novo endereço e pedi ao
síndico que guardasse o pacote até eu chegar. Com tudo organizado, eu bebi
além do normal e provoquei o acidente, e a equipe que foi me resgatar era a
que eu havia pagado para me ajudar. Depois que me certifiquei que tinha
dado tudo certo, eu embarquei para o meu novo lar, onde morei por todo esse
tempo.
— E viveu feliz para sempre? — Eu tento disfarçar o meu
sarcasmo, mas não consigo.
— Não foi bem assim, Diogo. Eu sei que fiz mal a vocês, mas eu
trabalhei todo esse tempo para recompensá-los. Eu sei o quanto de dívida
deixei e trabalhei e juntei dinheiro durante esse tempo para poder devolver
isso a vocês. Eu não os abandonei, eu contratei um detetive particular que me
manteve informado sobre cada passo seus.
— Ah, claro. Ser stalker agora é se tornar muito presente, né?
— Diogo... — Carol chama meu nome num pedido baixo para que
eu me controle, e eu decido ceder.
— Sei que não foi certo o que eu fiz, Diogo. Mas entenda, eu não
tive outra escolha. Com o seu ódio eu posso conviver, filho, mas com a sua
morte, não.
E então eu sinto um golpe no estômago, pois por essa eu
definitivamente não esperava.
— Mas você sempre me odiou... — Todo o ódio some da minha
voz e o que ela retrata é apenas mágoa, de um filho que sofreu a vida inteira
nas mãos do cara que deveria ser exemplo.
— Você acha que se eu te odiasse mesmo eu faria isso por você?
Eu sempre te amei, Diogo, mas do jeito errado. Eu confesso que tinha ciúmes
da forma como sua mãe tratava você e achava que ela te dava boa vida
demais, por isso eu fui um canalha por tantos anos, mas sei que isso não
justifica. Eu posso nunca ter o seu perdão, mas só te ver respirando todos os
dias, já me basta. — Nesse momento, ele me quebra ao meio e eu nem sei
mais o que eu consigo sentir. — Foi por isso que contratei o detetive para ter
notícias de vocês e eu sei o quanto você batalhou nesses últimos anos. Uma
das coisas que me encorajaram a fazer o que eu fiz, foi a sua bravura, eu sabia
que você conseguiria enfrentar isso, não seria fácil, mas conseguiria, e eu me
orgulho demais de você, Diogo.
Suas palavras mexem comigo bem mais do que eu imaginava e eu
me pego secando rapidamente uma lágrima traiçoeira.
— Quando o detetive me contou sobre o seu namoro, fiquei feliz
por você e ao mesmo tempo preocupado, pois eu sabia quem era ela.
Impossível não conhecer as filhas lindas que o Marcos tinha. — Ele dá um
sorriso de canto e Carol sorri emocionada para ele. — Foi então que fiquei
ainda mais atento aos seus passos e quando vocês começaram a investigação,
fiquei pensando de que forma eu poderia ajudar. Eu tinha todas as provas em
mãos, mas não poderia simplesmente chegar e jogar tudo isso, precisava
encontrar o momento certo. Quando a Caroline recebeu aquela ameaça, eu
sabia que precisava agir rapidamente, pois só eu sabia o quanto o Rogério é
perigoso. Fiquei pensando nas formas de voltar e então reuni a minha
coragem e comprei as passagens para Belo Horizonte, ligando para o Jorge
assim que cheguei aqui. Eu precisava colocar um ponto final nessa história
antes que fizesse ainda mais vítimas.
Ele termina seu relato e ficamos por um tempo em silêncio, sem
saber como agir. Eu estava preparado para descarregar todos esses anos de
ódio em cima dele, mas não consigo. Ele errou e muito, mas saber que fez
isso para nos salvar me desestabilizou.
— Eu não espero que me perdoe, Diogo. Nem você, nem a sua
mãe. Também não espero que me aceite de volta na vida de vocês, mas eu
precisava fazer a coisa certa pela primeira vez na vida. Eu sei que errei muito,
mas não tive escolha, filho, era isso, ou perder vocês.
Eu olho dentro de seus olhos e quase não reconheço o que eu vejo.
É sinceridade, é calmaria, e não deboche ou desprezo que sempre encontrei
antes.
Eu solto um suspiro alto e cruzo os braços atrás da cabeça, olhando
para o teto. Eu sinceramente não sei como lidar com isso. Finalmente temos a
resposta de tudo e não sei se consigo ficar feliz ou triste, é algo diferente de
tudo que eu já vivi.
Mas o que me surpreende mesmo é ver a minha namorada se
levantar de sua cadeira e parar de frente para o meu pai, abrindo os braços.
Ele a olha um pouco incerto e se levanta, recebendo seu abraço.
— Obrigada.
É tudo que ela diz e ele assente enquanto acaricia seus cabelos, um
pouco sem jeito.
E então eu finalmente entendo.
Tudo agora está em seu lugar.
Um mês depois
Depois daquele dia cheio, saímos da delegacia sem olhar para trás.
Caroline não quis ver o Rogério, nos surpreendendo, e ao final eu acabei
agradecendo ela mentalmente por isso. Eu não sei do que seria capaz se visse
aquele cara cínico na minha frente de novo. No dia seguinte, a notícia da sua
prisão se espalhou por todos os jornais. A oficina que mexeu no carro dos
pais dela também responde processo por isso, embora o funcionário da época
não trabalhe mais na empresa.
Meu pai também não escapou da prisão, pois precisava responder
processo por ter forjado a sua morte, mas ele havia conseguido um acordo
com Jorge quando entregou o dossiê e sua pena seria reduzida.
Os dois aguardam julgamento.
Contar para a minha mãe não foi fácil e a sua reação ao ver o meu
pai foi emocionante. Eu esperava que ela fosse brigar e xingar, mas ela fez
como a Carol, somente o abraçou agradecendo. Ela sempre o amou muito e
hoje eu entendo o porquê.
Duvido muito que outra pessoa no lugar do meu pai teria feito o
mesmo.
O retorno dele balançou a minha mãe, mas não enfraqueceu seu
relacionamento com o Jorge. O tempo deles já passou e agora seu lugar é ao
lado do seu namorado, palavras de dona Júlia.
Os primeiros dias foram bem tumultuados, mas aos poucos tudo foi
chegando a seu lugar. Ainda nem acredito em tudo que vivemos nos últimos
meses, pois parece que sou apenas o telespectador de um filme.
Mas no fim, valeu a pena, pois todo esse esforço trouxe a paz que a
Carol sempre buscava. Infelizmente não trouxe a sua família de volta, mas a
justiça foi feita e ninguém mais será ferido pelo Rogério.
Estou caminhando de mãos dadas com a Carol por um amplo
gramado e assim que chegamos ao nosso destino, ela se abaixa, percorrendo
os dedos pela placa de inox pregada no chão.
É a primeira vez que ela vem aqui desde que a conheci e sei o
quanto isso é importante para ela.
Carol se senta na grama com cuidado e cruza as pernas, antes de
virar o rosto para mim e sorrir.
— Não vai se sentar?
Eu assinto e me acomodo ao seu lado, imitando sua posição.
— Oi, mãe. — Ela corre os dedos pela placa gravada e sorri. — Oi,
pai. — Solta um suspiro e vejo uma lágrima tímida escorrer pelo seu rosto.
— Oi, Cá.
Ela seca rapidamente e sorri mais uma vez, olhando para mim e
depois retorna o olhar para frente.
— Eu sei que vocês já o conhecem, mas queria apresentar o meu
namorado. — Seu sorriso se abre e fica impossível não sorrir junto com ela.
— Esse é o Diogo, o cara que me faz mais feliz desde que entrou na minha
vida.
Dou um beijo em sua testa e não digo nada, pois sei que esse é o
seu momento.
— Me desculpem por demorar tanto a voltar aqui, mas eu precisava
encontrar algumas respostas antes, precisava me encontrar. Não queria mais
voltar apenas para lamentar a ausência de vocês, o que é bem difícil, como já
sabem. Mas eu precisava voltar com o coração em paz. Por mais que eu não
possa ter vocês de volta, a justiça foi feita, e quem fez mal a vocês vai pagar
por isso. Obrigada por colocarem o Diogo na minha vida, sei que não foi por
acaso que eu o conheci e sei mais ainda que tem um dedo de vocês nisso. —
Ela se vira para me olhar sorrindo e eu beijo sua testa mais uma vez. — É
verdade que eu perdi toda a minha família naquele acidente, mas vocês não
me deixaram sozinha. Vocês permitiram que eu construísse uma nova e eu
nem tenho como agradecê-los por isso.
Suas palavras me emocionam muito e eu sinto um nó na garganta,
mas me esforço para não chorar. Então levo sua mão aos meus lábios e beijo
com carinho.
— Mãe, você ia amar a Júlia, sei que se a conhecesse, seriam
ótimas amigas. Ela que fez esse vestido que estou usando, não é lindo? —
Carol aponta para o vestido azul que minha mãe fez para ela alguns meses
atrás e ficou perfeito nela. — Pai, você ia amar o Jorge, ele também adora
Fórmula 1 e tenho certeza de que vocês teriam muito assunto juntos. E por
mais que eu não tenha convivido muito com o Paulo, sei que você também
daria certo com ele. Eu agora tenho dois sogros, já imaginou? — Ela dá uma
risada, e eu sorrio junto. — Cássia... Não é fácil me olhar todos os dias no
espelho, sabia? Eu só consigo ver você. E tenho certeza de que daria muito
certo com o Diogo, se ele me acha marrenta, é porque não te conheceu, Cá.
— Ela solta mais uma risada e eu a acompanho. — Eu sinto tanta falta de
vocês, mas hoje, mais do que nunca, sei que sempre estiveram comigo e
sempre vão estar. Prometo que vou me esforçar muito para deixá-los sempre
orgulhosos de mim.
Ela brinca com a grama debaixo de suas mãos e fica um tempo em
silêncio antes de continuar.
— Eu me lembro de que até pouco tempo, não entendia o motivo
de só eu ter sobrevivido no acidente. Eu achava que deveria ter ido junto com
vocês. — Ela solta um suspiro baixo, mas não chora. — Hoje finalmente eu
entendi. Eu precisava ficar para colocar o Rogério atrás das grades e não
permitir que ninguém mais se ferisse. Eu devia isso a vocês e à família de
todas aquelas garotas desaparecidas.
Pois é, não cheguei a mencionar, mas todas as garotas
desapareceram, assim como os outros voluntários da ONG. Rogério não
chegou a assumir a culpa, mas sabemos que foi ele. Ele precisava calar as
testemunhas para que nunca fosse descoberto.
— Agora vocês podem descansar em paz. Eu ainda tenho um longo
caminho por aqui, mas sei que em breve nos veremos de novo. Eu amo muito
vocês e sou muito grata por não terem desistido de mim.
Ela se vira para me olhar e, com um aceno de cabeça, me pede as
rosas cor-de-rosa que trouxemos para homenageá-los. Carol retira as três
rosas com cuidado da minha mão e as coloca uma a uma, assim que as beija,
sobre a placa de inox.
Nesse momento uma borboleta surge de mansinho e pousa sobre o
seu dedo, abre e fecha as asas lentamente, revelando suas delicadas cores e
Carol sorri. A borboleta voa e pousa em cima da minha mão, repetindo o
movimento, com igual delicadeza.
Assim que ela voa para longe de nós, eu envolvo minha namorada
com os braços e a aperto contra mim, entendendo o que acabou de acontecer.
Sei que foi uma forma dos seus pais abençoarem nossa união e
mentalmente eu faço uma promessa a eles que sempre vou cuidar dela,
sempre amá-la e respeitá-la enquanto eu viver.
Beijo seus cabelos e inspiro seu aroma, enchendo meu peito de uma
paz absurda.
Lar é onde ela está e agora mais do que nunca, sei o quanto fomos
feitos um para o outro e que definitivamente estávamos predestinados a ficar
juntos.
Se eu acredito em destino? Nunca acreditei.
Mas hoje, mais do que nunca, sei que nada foi por acaso.
Eu nasci para ser dela.
Assim como ela nasceu para ser minha.
Não existe uma Caroline sem Diogo, assim como não existe um
Diogo sem Caroline.
Um sorriso enorme se abre em meu rosto, enquanto uma lágrima
solitária rola pela minha bochecha.
— Eu te amo muito, marrentinha.
— Eu te amo mais, leãozinho.
Parte I
Um ano depois
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Quatro histórias de amor que tem o Natal como pano de fundo.
Corações que precisam se aquecer, encontros inusitados e amores
incansáveis.