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Cena de Um Casamento

Rodrigo Pereira

MULHER – Querido, meu peito está caído?

Narrador – Pronto, começou a prova de fogo de um pobre diabo. Um MARIDO


que não pode cometer gafes. Todo cuidado é pouco. Serão muitas perguntas –
dúbias, capciosas, ardilosas. O marido tentará escapar...com vida.

MULHER – Então? Estão caídos?

MARIDO - Caído? Eu...sim...não...Deixa eu ver...Errrr...Pra mim está ótimo.

MULHER – Ótimo como? O que você está tentando dizer com isso? Que ele
não está caído, ou que está caído mas mesmo assim para você está ótimo?

MARIDO – Agora você me confundiu.

MULHER – Adalgusto, meu peito está caído ou não está caído. É só


responder.

MARIDO – Mas responder assim, na bucha? Posso pensar?

MULHER – Não. Responde agora! Só não vai mentir...porque eu li numa


revista da Tanzânia que o peito caído é quando o bico do seio fica situado a
mais de dez centímetros abaixo do nível das axilas e a menos de dez
centímetros acima do umbigo.

MARIDO – Hein? Umbigo? Axilas? Não entendi O que as axilas têm a ver com
isso?

MULHER - Adalgusto concentra. Quando eles são empinados, o bico fica no


nível das axilas. O meu deve estar uns trinta centímetros abaixo. Talvez uns
quarenta. E aí você acha que ele está caído?

MARIDO – Bem olhando assim, a seco...Talvez eu devesse tomar um


drinque...

MULHER – Não vai tomar drinque nenhum. Vai responder. Mas vê lá, porque
se você falar que não está caído e eu constatar que ele está, nunca mais eu
vou acreditar em você. Está ouvindo Adalgusto? Nunca mais!

MARIDO – Nunca mais?! Ai, meu Deus!!

Narrador – O Marido começa a suar frio. Ele sabe o que significa uma vida
atormentada por perguntas ainda mais difíceis, tipo; “Estou bonita hoje?” Ou:
“Você me prefere hoje ou quando nós nos casamos” Ou ainda “essa malha me
engorda? “
MULHER - Vamos, Adalgusto, responde! Responde a verdade! Eu quero a
verdade!

MARIDO – Bem, vamos dizer que...bem, segundo a revista da Tanzânia, mas


só segundo essa revista, parece que...

MULHER – Parece o que? Fala! Parece o que?

MARIDO – Parece que você tem o peichgrrr caidmmpf...

MULHER – Que negócio?

MARIDO – Aquele negócio...aquele negócio mole

MULHER – Mole?!

MARIDO – Não...quer dizer...Eu disse mole?

MULHER – Disse. Mole de molenga. Eu ouvi claramente.

MARIDO – Mas eu falei no sentido de duro entendeu?

MULHER – Não. Não entendi.

MARIDO – Eu quis dizer...Bem, eu quis dizer que...Meu Deus, piedade e


clemência! Chega! Você tem o peito caído! Pronto, falei!

MULHER – O que?!

MARIDO – É isso mesmo que você ouviu. Eu não disse antes porque...porque

Narrador – Por que? Ele tem que pensar rápido Uma desculpa convincente. O
tempo passa, e urge. Que ele pense rápido.

MARIDO Porque achei que você não ia entender. Na verdade eu tenho uma
tara por peito caído, um fetiche . Uma fixação.Eu inclusive faço parte da
Associação dos Amigos e Moradores de Peito Caído.

MULHER – Isso existe?

MARIDO – Há mais de 400 anos. Fundado por um antepassado meu. Porque


isso é genético...Meu tataravô gostava de peito caído, meu bisavô, meu avô,
meu pai...

MULHER – Eu...nesse caso ...Então ta.

MARIDO – Ótimo. Então ta tudo certo, nê? Eu posso me retirar?

MULHER – Pode
Narrador – E quando ele, aliviado, pensa ter a situação sobre controle...eis que
ela dá o bote.

MULHER - Só um minuto...

MARIDO – Hein...

MULHER – E minha bunda?

MARIDO – Bunda? Cadê bunda? Onde bunda?

MULHER – Aha! Te peguei desta vez! Você acha que eu não tenho bunda!
Confessa, Adalgusto, confessa...

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