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Crônica
3 Textos Para Entender o Gênero Textual Crônica de Uma Vez Por Todas!
Beleza, digamos que você realmente não tenha tido nenhum contato com esse
gênero textual. O Descomplica te garante: a crônica é um dos mais dinâmicos
que existem. Tanto o jornalismo quanto a literatura trabalham com esse tipo
de escrita.
O primeiro beijo
– Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso.
Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de
me beijar? Ele foi simples:
– Sim, já beijei antes uma mulher.
– Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de
reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era
morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que
ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida
e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente
juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de
deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar,
esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a
mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada,
penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre
arbustos estava… o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O
ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a
chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de
pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma
mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida… Olhou a
estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e
tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo
para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito,
percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora
com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração
batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era
inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num
equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a
verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes
jamais sentido: ele…
Ele se tornara homem.”
(Clarice Lispector)
A crônica jornalística não tem o recurso da arte em si, pois trabalha com o
cotidiano. Esta crônica tem as seguintes subclassificações: pode ser política,
esportiva e econômica. A principal característica delas é o aspecto
cronológico. Se liga no exemplo abaixo sobre futebol:
O escrete de loucos
“Amigos, a bola foi atirada no fogo como uma Joana d’Arc. Garrincha apanha
e dispara. Já em plena corrida, vai driblando o inimigo. São cortes límpidos,
exatos, fatais. E, de repente, estaca. Soa o riso da multidão — riso aberto,
escancarado, quase ginecológico. Há, em torno do Mané, um marulho de
tchecos. Novamente, ele começa a cortar um, outro, mais outro. Iluminado de
molecagem, Garrincha tem nos pés uma bola encantada, ou melhor, uma bola
amestrada. O adversário para também. O Mané, com quarenta graus de febre,
prende ainda o couro.
A partida está no fim. O juiz russo espia o relógio. E o Brasil não precisa
vencer um vencido. A Tchecoslováquia está derrotada, de alto a baixo, da
cabeça aos sapatos. Mas Garrincha levou até a última gota o seu “olé”
solitário e formidável. Para o adversário, pior e mais humilhante do que a
derrota, é a batalha desigual de um só contra onze. A derrota deixa de ser
sóbria, severa, dura como um claustro. Garrincha ateava gargalhadas por todo
o estádio. E, então, os tchecos não perseguiram mais a bola. Na sua
desesperadora impotência, estão quietos. Tão imóveis que pareceram
empalhados.
Num simples lance isolado, está todo o Garrincha, está todo o brasileiro, está
todo o Brasil. E jamais Garrincha foi tão Garrincha, ou tão homem, como ao
imobilizar, pela magia pessoal, os onze latagões tchecos, tão mais sólidos, tão
mais belos, tão mais louros do que os nossos. Mas vejam vocês: de repente, o
Mané põe, num jogo de alto patético, um traço decisivo do caráter brasileiro:
— a molecagem.
Vocês assistiam, pelo videoteipe, todos os jogos. O europeu aparecia com uma
seca, exata objetividade, sem uma concessão ao delírio. Ele próprio se
engradava dentro de um esquema irredutível. Ao passo que o Brasil faz um
futebol delirante. Numa simples ginga de Didi, há toda uma nostalgia de
gafieiras eternas. O nosso escrete era vidência, iluminação, irresponsabilidade
criadora. Só a Espanha é que chegou a lembrar o Brasil. Seu escrete parecia
passional também. Mas logo se percebeu a falsa semelhança. Os espanhóis
têm uma paixão sem gênio, uma paixão burra. Chegaram a nos ameaçar, por
vezes. Veio, porém, um sopro da praça Sete, do Ponto de 100 Réis (1), e
Amarildo, o Possesso, encampou dois.
Contra a Inglaterra foi uma vitória linda. Não tínhamos rainhas, nem Câmara
de Comuns, nem lordes Nelsons. Mas tínhamos Garrincha. E tínhamos
Zagalo, o de canelas finíssimas e espectrais. E Nilton Santos, com a sua
salubérrima eternidade. E negros ornamentais, folclóricos, como Didi, Zózimo
e Djalma Santos. Logo se viu, entre o nosso craque e o inglês, todo um abismo
voraz. O inglês apenas joga futebol, ao passo que o brasileiro “vive” cada
lance e sofre cada bola na carne e na alma. Djalma Santos põe, no seu
arremesso lateral, toda a paixão de um Cristo negro.
E mesmo fora do futebol, o europeu faz uma imitação da vida, enquanto que o
brasileiro vive de verdade e ferozmente. Ninguém compreenderá que foi a
nossa qualidade humana que nos deu esta Copa tão alta, tão erguida, de fronte
de ouro. E mais: — foi o mistério de nossos botecos, e a graça das nossas
esquinas, e o soluço dos nossos cachaças, e a euforia dos nossos cafajestes.
Jogamos no Chile com ardente seriedade. Mas a última jogada de Mané, no
adeus aos Andes, foi uma piada, tão linda e tão plástica. No mais patético das
batalhas, o escrete soube brincar. Esse toque de molecagem brasileira é que
deu à vitória uma inconcebível luz.”
(Nelson Rodrigues)
Apelo
“Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para
dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de
esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na
mesa por engano, a imagem de relance no espelho.
Com os dias, Senhora, o leite pela primeira vez coalhou. A notícia de sua
perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou
debaixo da escada.
Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar
parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles
se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia,
como a última luz na varanda.
E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada o
meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? As suas violetas, na
janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa,
calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a
Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para
casa, Senhora, por favor!”
(Dalton Trevisan)
Agora ficou mais claro, não é mesmo? Como falamos lá em cima, a crônica é
um dos gêneros textuais mais cobrados no vestibular. Mas, não é o único!
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de Redação Crônica – As diferentes visões do amor nos dias de hoje.