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Apontamento:

A Ciência segundo Thomas Kuhn; O processo de evolução científica segundo Popper e Kuhn; Objetividade e
Verdade segundo Popper e Kuhn

Disciplina: Filosofia

Conteúdos de 11.º

Assinatura Professor: Joana Ribeiro

I – A Ciência segundo Thomas Kuhn

A – Perspetiva de Kuhn acerca do desenvolvimento científico


Thomas Kuhn foi um físico e filósofo norte-americano que dedicou parte da sua
atividade profissional a investigar a forma como o conhecimento científico é produzido. Na sua
opinião, o cientista nunca é um sujeito neutro nem isolado, mas é, isso sim, alguém
condicionado e contextualizado, de tal modo que a ciência nunca poderá ser verdadeiramente
objetiva e imparcial.

Kuhn começa por descrever a fase que antecede a ascensão de um determinado campo
de investigação ao estatuto de ciência propriamente dita:

- a fase pré-científica é marcada pela existência de várias escolas e investigadores rivais


com diferentes perspetivas sobre a natureza do seu campo de investigação, sobre os
pressupostos teóricos e metafísicos a adotar, os métodos, instrumentos e técnicas a utilizar e o
tipo de fenómenos a investigar. Este profundo desentendimento impossibilita qualquer espécie
de esforço concertado entre os diversos investigadores. Além disso, uma vez que os
investigadores não são capazes de distinguir o que é acidental e acessório do que é efetivamente
relevante para o seu campo de estudos, não há nada que lhes assegure que a sua investigação
está no caminho certo e, por conseguinte, qualquer investimento de grandes dimensões, quer
em tempos de tempo quer em termos de dinheiro, é encarado com grande relutância por parte
de todos os envolvidos. Deste modo, os diversos investigadores não parecem avançar muito
além do ponto de que partiram e a sua contribuição para o seu campo de estudos é
virtualmente nula.

- Como se passa, então, deste cenário desolador para a investigação científica


propriamente dita?

Importa referir, em primeiro lugar, que Kuhn considera que aquilo que distingue a
ciência da não-ciência é o aparecimento de um paradigma.

Para entendermos a visão kuhniana da ciência é, porém, necessário analisarmos o


conceito de Paradigma, uma vez que é no interior dos Paradigmas que qualquer atividade
científica ocorre.
Paradigma: na filosofia de Kuhn é o conjunto de crenças, regras, técnicas e valores
aceites e compartilhados por toda a comunidade científica e que orientam (por completo) a sua
atividade. Consiste numa teoria amplamente aceite e com grande podes explicativo que põe fim
aos desacordos profundos entre investigadores e escolas, favorecendo a constituição de uma
comunidade científica, composto por diversos investigadores de uma determinada área.

Digamos que o Paradigma impõe aos cientistas “o que ver”, “como ver” e “quando ver”,
não deixando aos cientistas grande margem de liberdade. Ao definir o que o cientista pode, ou
não pode fazer, o Paradigma funciona como um “grande ditador”, sendo os cientistas meros
obreiros, executores, das suas linhas de comando.

Enquanto a comunidade científica trabalha normalmente sob a alçada do Paradigma,


desenvolve-se aquilo a que chamamos de período de Ciência Normal, o qual consiste
essencialmente na resolução de enigmas a partir da aplicação dos princípios, regras, conceitos
e valores estipulados pelo Paradigma em vigor.

No entanto, acontece por vezes depararmo-nos com enigmas que parece não poderem
ser resolvidos à luz dos normativos do Paradigma. À medida que o número de enigmas sem
solução aumenta (acréscimo de anomalias), a comunidade científica começa a interrogar-se
sobre a validade do Paradigma, o qual parece ser insuficiente para explicar as anomalias ou os
factos da realidade. Por tal razão, cresce no interior da comunidade científica um sentimento de
insatisfação e insegurança, o qual empurra a comunidade para um período de Crise.

No decorrer desta Crise, a Ciência Normal fica como que em suspense e dá lugar a um
período de Ciência Extraordinária. Durante este período, mais do que se fazerem novas
investigações, a comunidade científica centra as suas atenções no debate sobre a manutenção
do atual Paradigma ou a escolha de um novo.

O debate que ocorre durante o período de Ciência Extraordinária não é um debate fácil,
pois, apesar de todas as contrariedades, a comunidade científica é bastante reticente quanto à
questão de alterar o Paradigma vigente. É que o Paradigma representa um modo de fazer
ciência, de perceber, abordar e resolver problemas; enfim, o Paradigma é uma forma de “ver o
mundo”. De tal modo que optar pela mudança de Paradigma representa uma mudança na forma
como vemos e compreendemos o mundo e o real. Veja-se, por exemplo, a revolução na
mundivisão que a ciência (e através dela todas as outras áreas de conhecimento) sofreu quando
o Paradigma Geocêntrico deu lugar a um Paradigma Heliocêntrico. Durante este período, a
comunidade científica divide-se em duas fações: os conservadores, que se recusam a abrir mão
do velho paradigma, mesmo perante o seu sistemático fracasso; e os revolucionários, que
procuram uma revisão completa dos fundamentos do seu campo de estudo, de modo a traçar
um novo paradigma capaz de solucionar, pelo menos em parte, as anomalias anteriormente
detetadas.

Quando, porém, a comunidade científica decide impor um novo Paradigma opera-se


aquilo que apelidamos de Revolução Científica. Com o novo Paradigma, a comunidade científica
regressa novamente a um período de Ciência Normal, passando agora a trabalhar de acordo
com o conjunto de crenças, regras, técnicas e valores que este novo Paradigma traz consigo (e
o qual é qualitativamente diferente do anterior).

NOTA: Estes processos revolucionários não representam uma evolução, num sentido
cumulativo, em direção a uma compreensão mais profunda da realidade tal como ela
objetivamente é. Esta mudança implica uma alteração substancial da forma como entendemos
o o que é fazer ciência numa determinada área, bem como o tipo de fenómenos e entidades
objeto dessa investigação. Assim, os cientistas orientados por paradigmas diferentes têm
mundos diferentes e incompatíveis diante dos seus olhos e não existe um padrão neutro que
permita julgar qual desses mundos está mais próximo da realidade.

B – Ojeções à teoria kuhniana


Pode defender-se que a ideia de que os paradigmas são incomensuráveis é implausível,
dado que é possível, dado que é impossível advogar que as teorias científicas atuais são
mais rigorosas e exatas do que as teorias do passado.

Bem como se pode notar um crescente sucesso e prestígio da ciência, que parece
evidenciar que as teorias atuais estão mais próximas da verdade do que as anteriores.

Uma outra objeção que podemos considerar baseia-se no facto de os novos paradigmas
resolverem, frequentemente, as anomalias dos seus antecessores, para concluir que os
paradigmas não são incomensuráveis.

II – O processo de evolução científica


A história da ciência é a história de sucessivas revisões e ultrapassagens em que velhas
teorias são continuamente substituídas por outras mais eficazes. No entanto, a leitura que
fazemos desta história não é igual para todos os autores, ou especialistas, como veremos de
seguida através da análise e confrontação da teoria de Popper com a teoria de Thomas Kuhn.

A – O Progresso da Ciência segundo Karl Popper e as noções de


verdade e objetividade
Para Popper a ciência, como vimos anteriormente, resulta de uma atividade conjetural.
Cabe ao investigador começar por formular conjeturas (hipóteses explicativas para os
problemas identificados) e, de seguida, colocá-las à prova, sujeitando-as a testes de falsificação.
Neste sentido, qualquer hipótese ou teoria explicativa, sendo falsificável, é também sempre
passível de ser substituída por outra que apresente melhor desempenho face aos testes de
falsificação. Estas substituições representam, segundo Popper, um passo em frente no processo
de evolução do conhecimento científico, isto é, representam um movimento de aproximação à
verdade. No entanto, isto não significa que alguma vez nos seja possível dizer que já atingimos
a verdade, dado que nunca podemos garantir que uma teoria não falhará nos próximos testes
de falsificação a que, a qualquer momento, pode ser submetida. Daí que no sistema de
pensamento popperiano quase nunca se fale em Verdade, mas sim em Verosimilhança; nem
dizemos que uma teoria é verdadeira, mas sim que é corroborada. À medida que as teorias vão
sobrevivendo ao tribunal da experiência, e resistindo a todos os testes de falsificação, dizemos
que essas teorias se tornam mais fortes e verosímeis (como se o grau de probabilidade com que
expressam a verdade fosse cada vez maior).

E de que modo podemos melhorar as teorias explicativas, suplantar os seus eventuais


erros e torná-las mais verosímeis? Segundo Popper é recorrendo o tempo todo à crítica: é
através do exercício crítico, colocando à prova as teorias, que o investigador pode eliminar erros
e conceber teorias cada vez mais capazes, resistentes e verosímeis.

Repare-se que embora a verdade seja considerada objetiva, ela funciona apenas como
uma meta para a qual a ciência deve tender, sem que jamais possa estar segura de a ter atingido.
Daí que nenhuma teoria seja verdadeira, mas somente corroborada. E o progresso ocorre
através da resistência que as teorias apresentam face aos testes de falsificação. É como se a
ciência evoluísse através da procura do erro, pois no fundo o trabalho do cientista é elaborar
testes que coloquem a claro os erros das teorias. Se, no entanto, as teorias passam em todos os
testes, podemos dizer que progredimos, dado que essas teorias se tornam cada vez mais
verosímeis.

B – O Progresso da Ciência segundo Thomas Kuhn e as noções de


verdade e objetividade
Vimos anteriormente que a mudança de um Paradigma para outro não é cumulativa:
uma vez que a verdade das teorias científicas está sempre dependente do Paradigma em que se
inserem, então aquilo que é verdadeiro num Paradigma pode não o ser noutro. Isto acontece
porque os Paradigmas são incomensuráveis, isto é, são incomparáveis e incompatíveis. Não
podemos comparar objetivamente aquilo que cada Paradigma defende, pois cada Paradigma
corresponde a uma forma totalmente distinta de explicar e prever os fenómenos. Não existe,
então, uma medida comum , ou um padrão neutro, que permita objetivamente estabelecer a
superioridade de um paradigma em relação a outro. Kuhn não nega por completo a existência
de critérios objetivos para para avaliar teorias/paradigmas, simplesmente não os considera
suficientes para determinar, por si só, a preferência da comunidade científica por um dos
paradigmas.

Embora os critérios objetivos ( precisão, consistência, abrangência, simplicidade e


fecundidade), sejam de facto critérios que qualquer teoria deve respeitar, a sua vagueza e a
ausência concreta acerca de um peso relativo de cada um deles tornam inevitável a interferência
de fatores subjetivos no processo de adoção de um novo paradigma (ideológicos, financeiros,
estéticos).
Ora, se não podemos comparar objetivamente os Paradigmas, então também não
podemos afirmar que um Paradigma é melhor do que outro, nem dizer que quando ocorre uma
mudança de Paradigmas ela traduz uma evolução da ciência para melhor. Se a verdade é sempre
definida pelos princípios e regras estabelecidos no interior de cada Paradigma, então o seu valor
é apenas relativo. E se não existe qualquer verdade absoluta, isto é, independente de qualquer
Paradigma, então também não podemos afirmar que um Paradigma se encontra mais próximo
da verdade do que outro. No fundo, existem tantas verdades quanto Paradigmas.

Mas sendo assim, será que para Kuhn não existe qualquer progresso científico? A
resposta é: sim, existe progresso científico. Porém, este progresso ocorre no interior de cada
Paradigma, e não na transição de um Paradigma para outro. É ao nível do período de Ciência
Normal, quando o cientista se encontra a resolver enigmas à luz das diretivas estabelecidas pelo
Paradigma vigente, que o progresso ocorre: cada enigma resolvido traduz-se num progresso
efetivo. Quantos mais soluções são descobertas, mais se pode dizer que a ciência evoluiu.

E essa evolução, é uma evolução em direção à verdade? Sim, é evolução no sentido de


sabermos mais e mais verdades sobre a realidade. No entanto, não nos podemos esquecer que
essa verdade é meramente relativa, isto é, ela só faz sentido no contexto do próprio Paradigma.
Se mudássemos de Paradigma, a verdade certamente seria outra. Assim, para Kuhn só podemos
falar de objetividade e verdade de modo relativo, quer dizer, no interior dos Paradigmas, uma
vez que são estes que estabelecem os requisitos necessários ao que pode ser a verdade e a
objetividade. Na teoria de Kuhn, verdade e objetividade são valores relativos e não absolutos.

E como é feita a escolha dos Paradigmas? Será ao menos isso alguma coisa que obedece
a critérios meramente objetivos, ou até nesse ponto a objetividade estará colocada em causa?
Ora bem, efetivamente, segundo Kuhn, a escolha de um Paradigma é marcada por fatores de
ordem histórica, sociológica e psicológica. O mesmo é dizer que a par dos critérios objetivos que
certamente existem no momento da escolha do Paradigma, essa escolha necessariamente será
também marcada por critérios subjetivos.

Vejamos: segundo Kuhn, ao nível dos critérios objetivos que são contabilizados para o
efeito da escolha contam-se os seguintes:

- Exatidão: capacidade para fazer previsões corretas;

- Consistência: ausência de contradições internas;

- Alcance: maior ou menor abrangência das áreas que podem ser “tocadas” pelo
Paradigma;

- Simplicidade: a forma mais simples com que manuseia e explica os fenómenos;

- Fecundidade: capacidade para impulsionar a investigação científica.

Dados estes critérios, objetivos, imagine que dois Paradigmas rivais apresentam o mesmo grau
de rigor objetivo ao nível da Exatidão, da Consistência e do Alcance. No entanto, um deles é
excelente ao nível da Simplicidade e o outro ao nível da Fecundidade. Perante este cenário,
perguntamos: que Paradigma escolher? Responde Kuhn: é precisamente neste momento que
entram em jogo os critérios subjetivos, isto é, as preferências individuais daqueles que executam
a escolha. Certamente as preferências pessoais de alguns investigadores irão inclinar a escolha
para o Paradigma que apresenta maior simplicidade, enquanto outros escolherão o que
apresenta maior Fecundidade. No fundo, tudo dependerá daquilo que cada um privilegia.

Ao afirmar que os critérios objetivos são insuficientes para explicar a escolha de


teorias/Paradigmas, dado que uns cientistas tendem a valorizar mais ou menos determinados
princípios/critérios relativamente a outros, basicamente aquilo que Kuhn está a constatar é que
existe uma interferência de critérios subjetivos e individuais no desenvolvimento da ciência.
Porém, esta constatação acabou por colocar em causa o valor da objetividade cientifica e, claro
está, desencadeou críticas violentas à teoria de Kuhn, acusando-o de este sugerir que a atividade
cientifica se desenvolve através de um processo “irracional”.

Nota: Apesar de responderem ao problema da objetividade de modos distintos, tanto Popper


como Kuhn compreendem que a ciência não é o tipo de conhecimento absolutamente certo e
indubitável. Segundo Popper, a ciência evolui progressivamente em direção à verdade (neste
caso diz-se que a ciência é teleológica, isto é, persegue uma finalidade, dirige-se para um fim, a
saber, a verdade objetiva), através da eliminação de erros ou da refutação de teorias (sem que
alguma vez possa estar certa de já ter atingido essa verdade); para Kuhn, a ciência evolui dentro
de um Paradigma, isto é, dentro de um contexto específico, mas esse progresso não pode ser
visto como uma aproximação a uma eventual verdade absoluta. Se a verdade tem sempre um
valor relativo, então o progresso também é meramente relativo.

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