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CULTURA E

PÓS-MODERNIDADE
AULA 6

Profª Talita Nascimento


CONVERSA INICIAL

Chegamos ao final de nossa abordagem do tema cultura e pós-


modernidade. Até aqui, estudamos diferentes autores, com objetos de análises
diversos para discutir a contemporaneidade.
Nesta aula vamos conhecer os conceitos do estadunidense Fredric
Jameson e analisar alguns temas contemporâneos retomando a proposta de
análise da cultura e construção da identidade, bem como conceitos apontados
pelos demais pensadores por nós antes citados.
Interessa-nos ressaltar que há outros teóricos que discutem a temática e
que objetivamos apresentar discussões distintas, sem a intenção de excluir ou
desconsiderar a validade de teorias não abordadas – e que você pode consultar
em estudos futuros.
Fredric Jameson, que esteve no Brasil em Fóruns Sociais Mundiais e
conferências pelo Fronteiras do Pensamento, analisa a pós-modernidade sob a
ótica da globalização. Para o crítico marxista, vivemos a terceira etapa do
capitalismo. Sendo assim, a pós-modernidade é uma face cultural da
globalização, que também é resultado das transformações tecnológicas e da
ampliação do poder do capital financeiro.
Para as análises de temas contemporâneos, interessa-nos reforçar que,
mais do que fazermos constatações teóricas, estamos tratando da vida real; e
que, ao constatarmos mudanças práticas na vida em sociedade, ao discutirmos
a construção da cultura e a mudança ou quebra de referenciais indicados nos
estudos sobre a pós-modernidade, bem como o impacto das novas tecnologias
de comunicação nos modos de vida, estamos falando também da mudança na
construção da identidade do sujeito, discussões essas teorizadas na nossa
primeira aula.
Sendo assim, ao constatarmos, compreendermos as mudanças no modo
de vida, estamos também diante de uma necessidade de compreender um novo
sujeito, com diferentes problemáticas, anseios e significações para a própria
existência. É nesse sentido que vamos discutir, nos nossos tópicos finais, de que
maneira as alterações apontadas como características da pós-modernidade
podem estar transformando a significação das etapas da vida, categorizadas de
maneira mais intensa na modernidade.

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Escolhemos essa temática como exemplo para que possamos utilizar e
aplicar os conceitos aprendidos na análise concreta do dia a dia. Isso para
estimular que você, estudante, analista e crítico da vida em sociedade, também
faça suas análises e interpretações e, por que não? suas próprias propostas de
intervenções na realidade que o(a) cerca.

TEMA 1 – FREDRIC JAMESON: CRÍTICO MARXISTA

O estadunidense Fredric Jameson (Ohio, 1934) é um reconhecido crítico


literário e teórico marxista. Para o especialista, a sociedade contemporânea não
inaugura um novo momento histórico: Jameson aponta que se trata de um novo
estágio do velho sistema capitalista, que se apresenta de maneira distinta em
sua expressão cultural (pós-modernismo), como reflexo ou sinônimo da
globalização.

Para mim, pós-modernidade e a globalização são a mesma coisa. Pós-


modernidade é a face cultural e superestrutural da globalização que é
a infraestrutura, a realidade econômica. Os dois termos são dois
códigos que podem ser traduzidos um pelo outro, dependendo do
contexto em que são utilizados. (Jameson, 2011 citado por Fronteiras,
2013)

Fonte: Fronteiras, 2013a, 2013b.

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Fonte: Jameson, 2007.

Para Jameson, a sociedade contemporânea não inaugura um novo


momento e sim vivencia uma outra fase do capitalismo em que a cultura passa
a estabelecer uma relação visceral com a economia, sendo a expressão mais
evidente do capital – fase essa iniciada a partir da década de 1960, com a
integração entre a produção cultural e a produção de mercadorias. “O pós-
modernismo não é a dominante cultural de uma ordem social totalmente nova
[...], mas é apenas reflexo e aspecto concomitante de mais uma modificação
sistêmica do próprio capitalismo” (Jameson, 2007, p. 16).
Ao discutir a origem do pós-modernismo, Jameson o apresenta como
resultado da expansão dos mercados nacionais e sistemas imperialistas, que
geraram dinâmicas específicas que culminaram com o atual estágio do
capitalismo multinacional. Como marco, indica o pós-Segunda Guerra como pré-
requisito para esse novo estágio. O predomínio do capital financeiro seria
responsável pelas bases materiais do pós-modernismo, possibilitando a
globalização e a universalização de um padrão de consumo.
Sendo o pós-modernismo, portanto, uma concepção histórica e não um
estilo, Jameson reforça que ele não se trata de uma opção, mas de uma lógica
dominante do capitalismo tardio. Dessa maneira, trata-se primeiro de uma lógica
econômica que induz transformações na cultura e não de uma nova ordem social
que possibilita mudanças econômicas.

1.1 Pós-modernismo, pós-modernidade e capitalismo tardio

Jameson reconhece que, em obras iniciais, se recusou a utilizar o termo


pós-modernismo e não fez o mesmo com pós-modernidade; e que poderia ter
deixado mais clara a distinção entre o pós-modernismo como estilo e a pós-

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modernidade como estrutura. Como justificativa, indica que, na época (início dos
anos 1980), ainda não havia outra palavra para distinguir o que chamamos hoje
de globalização – que, para ele, é o termo que sintetiza as características dessa
nova fase do capitalismo tardio.
Com base em conferência feita por Jameson no Brasil, em 2011,
selecionamos algumas considerações que o autor faz sobre sua obra e suas
interpretações do que seria o pós-moderno (Jameson, 2011, citado por
Fronteiras, 2013a, 2013b):

• Globalização e pós-modernidade constituem duas faces da


contemporaneidade – a pós-modernidade seria a esfera cultural e a
globalização, a esfera econômica.
• A pós-modernidade é uma estrutura.
• A pós-modernidade articula o capital financeiro da sociedade globalizada
com as abstrações da tecnologia.
• O pós-modernismo consiste em uma terceira fase do capitalismo, a do
capitalismo globalizado.
• O pós-modernismo é uma nova expressão no âmbito da cultura.
• O pós-modernismo, como estilo, nasce primeiro na arquitetura e se torna
visível em outras artes.
• Há uma centralidade do mercado via expansão de conexões globais,
fluxos de capital financeiro, redes de comunicações, tecnologia de
computadores etc.
• Constata-se o enfraquecimento da historicidade.
• Ocorre uma fusão entre cultura e economia (sem diferenciação entre os
campos).

TEMA 2 – PÓS-MODERNIDADE: MERCADO, ARTE E CULTURA

No modernismo, era possível fazer uma distinção entre a cultura, como


espaço de experiência, e o mercado. No pós-modernismo não há essa
diferenciação, uma vez que todo objeto material ou serviço se transformam em
produtos vendáveis. Dessa maneira, a cultura se torna um produto igual a
qualquer item a ser consumido. “Dizer produção de cultura equivale a dizer
produção da vida cotidiana – e sem isso um sistema econômico não consegue
continuar a se implantar e expandir” (Jameson, 2001, p. 60).

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Para exemplificar essa lógica, Jameson (2001) aponta o consumo estético
das mercadorias, com uma indústria da imagem e estratégias de venda como o
marketing, a publicidade e a propaganda. Tanto que há um esquecimento do
valor de uso das mercadorias, compradas mais pela sua imagem do que por sua
função real. “A sociedade da imagem e da propaganda sem dúvida comprovam
a transformação gradual das mercadorias em imagens libidinais delas mesmas,
ou seja, quase em produtos culturais” (Jameson, 2001, p. 64).
Como reflexão sobre as artes, Jameson utiliza o exemplo das instalações
como forma artística característica da pós-modernidade, quando já não há uma
referência de estilo e aponta que, nas instalações, os objetos não fazem sentido
em si, mas na sua relação com outros objetos.
Outro aspecto central apontado pelo autor é o enfraquecimento da
historicidade – também percebido em obras de arte, que já não expressam o
contexto em que foram produzidos, salientando ele, entretanto, que essa
característica já era sentida no modernismo.
Na discussão sobre produtos culturais como a arquitetura, o cinema, as
artes plásticas, interessa-nos ressaltar alguns tópicos que passam a caracterizá-
los, como:

• descontextualização da arte, característica também identificada na


modernidade;
• prevalência de superficialidade e volatilidade;
• falta de profundidade, com acesso somente a conhecimentos gerais (via
comunicação de massa);
• uso do vídeo reforça a fragmentação como característica principal do fluxo
ininterrupto de imagens, que dificulta o distanciamento crítico do
espectador, praticamente dissolvido no processo;
• lógica do simulacro contribui para que não haja visão de futuro;
• arquitetura é feita para ultrapassar a capacidade do corpo de se localizar
no espaço.

Em sua análise, Jameson (2007) utiliza como exemplo programas de


entretenimento e telenovelas e aponta como a mídia tem um papel central para
fortalecer a lógica do mercado: “Hoje os produtos estão difusos no tempo e no
espaço dos segmentos de entretenimento (ou mesmo nos noticiários), como

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parte do conteúdo, de tal forma que [...] às vezes não fica claro quando o
segmento narrativo termina e começam os comerciais” (Jameson, 2007, p. 282).
Jameson (2007) amplia suas análises sobre a influência política da cultura
associada à mídia indicando que a retórica do mercado, com sua ilusão de
liberdade de escolha e democratização do acesso aos bens, se expande também
para a política, quando, por exemplo, contribui para a deslegitimação do discurso
da esquerda. “A proposição de que o mercado está na natureza humana, pois
seria o espaço em que reina a liberdade de escolha, é o terreno de luta ideológica
mais crucial em nossa época” (Jameson, 2007, p. 271).
Ao estudarmos os aspectos gerais apresentados pelo autor, é possível
enxergar as concepções marxistas como base para sua explicação sobre
estrutura e superestrutura, evidente em sua afirmação de que não existe uma
quebra direta da modernidade, mas uma fase do sistema capitalista que se
expressa com características próprias, assumida como pós-modernidade, como
reflexo das relações e imposições do mercado possibilitadas pela globalização
da economia e, como sua consequência, da cultura.

TEMA 3 – TEMAS PARA ANÁLISE: ETAPAS DA VIDA NA PÓS-


MODERNIDADE

Para refletir sobre a periodização da vida e o impacto da pós-


modernidade, selecionamos algumas discussões e teorias da antropóloga,
professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp) Guita Grin Debert, que apresenta
categorizações interessantes sobre o curso da vida na pós-modernidade em
artigo que discute a reprivatização da velhice. Segundo a autora, na
contemporaneidade temos a desconstrução do curso da vida por um estilo
unietário (Debert, 1999).
Para Debert (1999), compreender a periodização da vida é central para
compreender a produção e reprodução da vida social. Em sua análise, a autora
sintetiza concepções de Ariès (1991), Elias (1990) e Giddens (1992) para
diferenciar aspectos da pré-modernidade, da modernidade e da pós-
modernidade, “[...] em que a sensibilidade investida na idade cronológica é
radicalmente distinta” (Debert, 1999, p. 75).

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3.1 Idade cronológica: pré-modernidade, modernidade e pós-
modernidade

[...] tratar do curso da vida pós-moderno exige a revisão da maneira


pela qual um fato universal é explicado: a presença das diferenças de
idade em todas as sociedades foi compreendida como fruto de uma
necessidade da vida social, expressa em termos do processo de
socialização. (Debert, 1999, p. 75)

Em seus estudos, Debert (1999) indica que, na pré-modernidade, a idade


cronológica é menos relevante do que o status da família, que determinava grau
de maturidade e controle de poder. Na modernidade, há, de acordo com ela, uma
forte cronologização da vida, por conta de sua racionalização; do
desenvolvimento de políticas públicas para orientar o curso da vida, adotadas
pelo Estado moderno mediante escolarização, legislação trabalhista e
previdenciária; bem como da lógica fordista ampliada para a burocratização da
vida. Além disso, a própria concepção de homem autônomo e independente
reforça então a distinção entre o adulto independente e a criança dependente.
Já na pós-modernidade, segundo a antropóloga, percebe-se uma desconstrução
do curso da vida em nome de um estilo unietário.
Em sua análise, a autora aborda o trabalho de Meyrowitz (1995, citado
por Debert, 1999) para explicar como a mídia eletrônica impõe formas de
comportamento para todos, independentemente da faixa etária – crianças
passam a ter acesso a informações que antes eram restritas a adultos, por
exemplo. O que fica mais evidente ainda se pensarmos na moda e no consumo
de entretenimento, que também passam a ser incorporados no dia a dia
independentemente da idade do indivíduo.
Com base em exemplos de dramas explicitados em novelas, Debert
(1999) demonstra como, na contemporaneidade, o embaçamento das
fronteiras ganha destaque, quando assistimos a mães e filhas compartilhando
simultaneamente eventos como namoro, gravidez e casamento. Ainda assim,
ela ressalta que a diferença de idade ainda é característica que impacta no
comportamento que é esperado socialmente.

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TEMA 4 – A LÓGICA PÓS-MODERNA PARA A INFÂNCIA E A TERCEIRA
IDADE

Constatar que há uma mudança recente nas categorias etárias, em favor


do estabelecimento de um estilo unietário, nos permite discutir as expectativas e
pressões que incidem sobre os indivíduos, de maneira geral, diante de
características associadas à pós-modernidade.
A partir das transformações culturais com relação ao ritmo e estilo de vida
advindas da contemporaneidade, a diminuição das diferenças entre ser criança,
ser adulto ou ser idoso – ainda que se mantenham características próprias e
expectativas sociais enraizadas desde a burocratização e a racionalização das
etapas da vida, na modernidade – é perceptível mediante uma simples análise
do cotidiano e do impacto da pós-modernidade na sociabilidade e nas
expectativas com relação à vida em cada faixa etária.
Neste tópico, iremos refletir sobre a infância e a terceira idade à luz de
características apontadas por Bauman, Baudrillard e Jameson para essas faixas
etárias, na contemporaneidade, tais como:

• quebra de padrões totalizantes e diluição de referências etárias;


• influência da lógica da mercantilização da vida voltada para o consumo e
para o prazer;
• aceleração da vida;
• influência de apelos midiáticos, direcionados não só para o consumo, mas
para a manutenção de um estilo de vida global;
• enfraquecimento das relações afetivas com base na ótica do chamado
amor líquido;
• acesso a novas tecnologias, necessidade de aprimoramento e
capacitação constantes;
• obsolescência planejada e perceptiva e objetos passam a ter mais
centralidade na vida do que as pessoas;
• crença na meritocracia, no desenvolvimento individual calcado na
capacitação e no aprimoramento constantes, o que, somado às incertezas
do mercado de trabalho, resulta em angústia;
• objeto que era meio passa a ser um fim.

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4.1 A infância na pós-modernidade

Criança pequena com agenda lotada. A televisão que se transforma


em babá. Os pais ausentes. Carinho transformado em objeto. [...]
Erotização da infância. Sexualidade. Publicidade. Cultura do consumo.
O outdoor anuncia: ‘Xtrim. Pra quem tem, beijinho, beijinho. Pra quem
não tem, thau, thau!’ Individualismo desencadeado pela ausência do
outro. Apagamento da relação de alteridade. Criança sozinha. Criança
que manda nos pais. Esses são apenas alguns dos fragmentos que
compõe o contexto da infância contemporânea, dentre os quais
destacamos a ruptura do contato e do diálogo entre adultos e crianças
como uma questão que precisa ser analisada com maior profundidade.
(Pereira; Souza, 1998, p. 37)

Estudos já têm demonstrado o efeito da mercantilização e da adultização


da infância e diferentes Estados têm se posicionado com a regulação e/ou
proibição de propagandas voltadas para crianças, uma vez que estas, além de
não terem capacidade de compra, não possuem maturidade para fazer escolhas
e filtrar as informações e estímulos para o consumo de produtos.
Ao aplicar características da pós-modernidade apontadas para identificar
problemáticas que passaram a incidir sobre a infância, encontramos, entre
outros pontos:

• a criança tornada alvo de propagandas não só de brinquedos, mas de


roupas e alimentos que apelam para a associação entre personagens e
prometem sensações nem sempre verificáveis e cujo não atingimento
pode lhe gerar frustrações;
• uma adultização da infância, presente nos estilos de roupas disponíveis
para as crianças, que passam a se vestir como “miniadultos” e a consumir
produtos de beleza e acessórios diversos;
• o ensino voltado para o empreendedorismo desde os anos iniciais da
educação básica;
• o ensino apostilado, focado na lógica quantitativa e não qualitativa, desde
a educação básica, com a tentativa de antecipar o desenvolvimento
cognitivo e ampliar o domínio de saberes que podem colocar a criança
supostamente à frente das demais, em obediência a uma lógica de
performance;
• o aumento da velocidade da vida dos pais, que também incide na
qualidade de tempo disponível e na proposição de tarefas e atividades a
serem cumpridas pelas crianças, que passam a ter cargas de estresse
como jamais vistas na história;

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• a sexualização por meio da adultização da moda e do acesso a músicas
e conteúdos sem filtros, como os disponíveis nos meios de comunicação
para controle e seleção de adultos;
• a cultura narcisista que tem afetado cada vez mais cedo as crianças, que,
por vezes, deixam de brincar para não estragar o cabelo arrumado, as
unhas feitas precocemente e passam a adquirir vergonha dos seus
corpos, preocupadas que estão com a sua aparência física.

A televisão destrói a linha divisória entre a infância e a idade adulta de


três maneiras, todas relacionadas com sua acessibilidade
indiferenciada: primeiro, porque não requer treinamento para
apreender sua forma; segundo porque não faz exigências complexas
nem à mente e nem ao comportamento; e terceiro porque não segrega
o público. (Postman, 1999, p. 94)

4.2 Ser idoso na pós-modernidade

Acompanha o crescimento desse mercado a criação de uma nova


linguagem em oposição às antigas formas de tratamento dos velhos e
aposentados: a terceira idade substitui a velhice; a aposentadoria ativa
se opõe à aposentadoria; o asilo passa a ser chamado de centro
residencial, o assistente social de animador social e a ajuda social
ganha o nome de gerontologia. Os signos do envelhecimento são
invertidos e assumem novas designações: “nova juventude”, “idade do
lazer”. (Debert, 1999, p. 78)

Dentre as problemáticas que podemos identificar como resultantes do


impacto da pós-modernidade na terceira idade, temos:

• idosos como alvo de propagandas com a promessa da manutenção da


juventude e do acesso aos prazeres do consumo como não associados à
idade;
• impacto das transformações econômicas na qualidade de vida, por conta
da flexibilização das leis trabalhistas, do aumento do tempo de serviço
etc.;
• pressões midiáticas e apelo à estética e ilusória concepção da
possibilidade de se manter jovem eternamente colocam a velhice como
responsabilidade individual e problemas inerentes à idade são apontados
como negligência dos idosos;
• aumento da velocidade da vida, com impacto nas relações familiares e na
qualidade de tempo desfrutado entre familiares, o que pode resultar em
negligência e abandono parental;

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• crescente individualismo e apelo ao prazer pode identificar as demandas
específicas associadas à velhice como um peso negativo para familiares,
pela lógica da eficiência, da busca de status e sucesso exclusivamente
econômico;
• possibilidades de compra a crédito, apelo a empréstimos destinados a
aposentados que resultam em endividamento e possível limitação da
qualidade de vida dos idosos.

TEMA 5 – ADOLESCÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE E GERAÇÕES


DIFERENTES NO MERCADO DE TRABALHO

Assim como para análise da infância e da terceira idade na pós-


modernidade e a concepção do estilo unietário, ao discutir a realidade da
adolescência também podemos aplicar as concepções e características da pós-
modernidade. Entretanto, é necessário fazer algumas ressalvas, uma vez que,
socialmente, a adolescência é problematizada como uma fase naturalmente
difícil, o que é questionável, no âmbito das ciências sociais.
Como ressalva para essa discussão, vamos refletir sobre as concepções
problematizadas por Margaret Mead (1901-1978) em seu estudo sobre a
adolescência em Samoa, em que ela identifica que as características associadas
ao período que compreende a adolescência na sociedade ocidental estão muito
mais ligadas a uma lógica cultural do que biológica (Mead, 1928).
Ou seja, ainda que a mudança física, hormonal seja discutida no âmbito
da biologia, ao estudar adolescentes de uma tribo numa ilha afastada da cultura
ocidental, na década de 1920, Margaret Mead (1928) afirma que as supostas
crises associadas ao período da adolescência, na sociedade ocidental, bem
como seus tabus e conflitos, não se mostraram presentes no cotidiano daqueles
adolescentes.

Porque Samoa é um lugar onde ninguém aposta muito alto, ninguém


paga muito caro, ninguém sofre por suas convicções ou briga até à
morte por motivos especiais. Os desacordos entre pais e filhos
solucionam-se com a mudança do filho para o outro lado da rua [...].
Nem a pobreza nem grandes desastres ameaçam a população e a
fazem agarrar-se à sua vida avidamente e a tremer pela continuação
da existência. (Mead, 1928, p. 110, tradução nossa)

Dessa maneira, a conclusão a que o estudo da antropóloga nos leva é


que haveria um agravamento da angústia dos adolescentes porque eles estão

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submetidos à lógica pós-moderna. Porém, se, para Mead (1928), a dificuldade
do período da adolescência é muito mais resultado de pressões culturais para a
adequação a uma forma de vida, assim como para o atendimento de etapas e
questões morais (por exemplo, de padrões que envolvem estudo, trabalho,
casamento, regras sociais de comportamento, entre outros), em teoria, a quebra
de padrões totalizantes, uma certa relativização moral e a possibilidade de
abertura para a diversidade característicos da pós-modernidade parecem ser
fatores positivos para uma possível diminuição da angústia durante essa fase.
Ao discutirmos a construção da identidade do sujeito, respaldada na
interação com o outro e nos valores vigentes de cada sociedade e cultura, como
explicado na nossa primeira aula com base em Hall, Goffman e George Mead,
torna-se nítido que a ausência de referências sólidas abre precedentes para que
os indivíduos possam se desenvolver de maneira mais livre. Por outro lado,
constatarmos todas as pressões inerentes ao contexto pós-moderno mostra que
o período da adolescência, etapa em que as expectativas sociais se
potencializam, parece resultar num período muito mais angustiante, hoje, do que
em outras épocas.
Nessa lógica, importa-nos reconhecer que as pressões que cada geração
sofre na sociedade são diferentes em conteúdo e intensidade. Apenas para
elucidar a discussão, pense na maneira pela qual muitos jovens são vistos pelas
gerações mais velhas quando estas afirmam que os jovens fazem corpo mole,
não querem se esforçar, não possuem a mesma resistência etc. Para
problematizar o tema, basta analisar a realidade dos jovens, hoje, pela ótica do
estímulo que recebem para ter prazer; as facilidades prometidas pela tecnologia;
bem como a alteração nas relações familiares e humanas, para que possamos
repensar a forma como olhamos e julgamos essa questão, lembrando que as
gerações anteriores eram feitas para trabalhar e tinham muito menos
estímulos e espaço para ter prazer e fazer escolhas pensando em
preferências individuais.
É com base nessa ótica que vamos refletir sobre um estudo que compara
três gerações ativas no mercado de trabalho (baby boomers, geração X e
geração Y) e discutir o efeito da pós-modernidade na constituição da identidade
dos sujeitos (Comazzeto et al., 2016).

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5.1 Gerações ativas no mercado de trabalho: constatações e análises

As gerações são compreendidas pela literatura como um fenômeno


social, na medida em que são influenciadas por valores e visões de mundo de
seus membros. “Uma geração pode ser entendida como um grupo identificável
que compartilha os mesmos anos de nascimento e, consequentemente, viveu os
mesmos acontecimentos sociais significativos em etapas cruciais do
desenvolvimento” (Kupperschmit, 2000, citado por Comazzeto et al., 2016, p.
146).
No estudo selecionado para análise (Comazzeto et al., 2016), busca-se
compreender os sentidos referenciados pelas diferentes gerações, suas
expectativas com relação ao trabalho e visões que as gerações anteriores
concebem sobre a geração Y, tida como uma espécie de ameaça à continuidade
dos negócios, em virtude de sua dificuldade com a operacionalização de tarefas
e menor comprometimento com as organizações, conforme opinião da geração
X e dos baby boomers (Comazzeto et al., 2016, p. 155).
Com base na categorização proposta por Comazzeto et al. (2016), temos
que:

• Nascidos até 1964 (geração dos baby boomers): demonstram ser mais
motivados, otimistas e workaholics, apresentam senso de oportunidade
de inserção econômica em diversas ocupações no campo do trabalho e
aplicaram esforços escolares em carreiras que prometiam facilidades nas
relações empresariais. Em geral, especialistas apontam como suas
características principais o fato de terem sido jovens rebeles que, em sua
maioria, se tornaram adultos conservadores, mas não rígidos, que
valorizam status e ascensão profissional em uma empresa, com a qual
são leais e comprometidos.
• Nascidos entre 1965 e 1977 (geração X): geração que encontrou um
cenário de mudanças na família (pais trabalhando fora, sentimento de
culpa das mulheres pela ausência no lar, dificuldade dos pais em definir
limites para seus filhos). No trabalho, a visão de que adultos leais
perderam seus postos estimulou certa tendência a que melhorassem a
sua empregabilidade, uma vez que não contavam mais com um cenário
de estabilidade. As pessoas dessa geração tendem a ser individualistas,
irreverentes, autoconfiantes, valorizando a lealdade a si mesmas. No

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trabalho, gostam de variedade, desafios e oportunidades, optando por
trabalhar com liberdade, flexibilidade, e apresentam necessidade de
receberem feedbacks. Costumam adotar postura mais cética e defendem
um trabalho mais informal, com hierarquia menos rigorosa. Essa geração
carrega o fardo de ter crescido durante a diminuição da burocracia
corporativa desnecessária (chamada de downsizing corporativo), que
afetava a segurança no emprego.
• Nascidos de 1978 em diante (geração Y): cresceram em contato com
as tecnologias de informação e são mais individualistas. Nasceram, no
caso dos brasileiros, numa fase de instabilidade econômica e assistiram
à reinstalação da democracia. No cenário mundial, presenciaram a cultura
da instabilidade e da falta de garantias como consequência de mercados
voláteis. Trata-se da primeira geração a ter muito maior conhecimento em
tecnologia do que as anteriores. As pessoas dessa geração conviveram
com a diversidade das famílias, passaram a infância com a agenda cheia
de atividades e munidos de diversos aparelhos eletrônicos. São
apontadas como multifacetadas, que vivem em ação e administram bem
o tempo, captando acontecimentos em tempo real e se conectando com
uma variedade de pessoas. Assim, desenvolveram uma visão sistêmica
e aceitam com mais facilidade a diversidade. São pessoas que nasceram
na mesma época do início das revoluções tecnológicas e da globalização.
Atualmente, compartilham o mesmo ambiente de trabalho com gerações
anteriores, o que tem gerado conflitos de ideais e valores. Além disso,
diversos fatores e ideais da geração Y têm elevado o nível da rotatividade
em empresas, ao mesmo tempo que tais pessoas são consideradas
interessantes no mercado de trabalho pelas suas habilidades e talentos.
A imagem das organizações sobre essa geração é de que:

Esses jovens escapam aos fatores restritivos e têm algo de não


domesticável. Ao mesmo tempo, são altamente inventivos e
inovadores, são trabalhadores relacionais, imersos em fluxos de todas
as ordens, com uma inteligência associada ao coletivo, produzindo
constantemente novas figuras e novas subjetividades. A resistência e
a criação caminham juntas, e este é paradoxo que demanda nova ação
das empresas. A recusa de uma relação de trabalho – que pode ser
mais bem definida como a recusa da alienação da vida – é parte
fundamental para o investimento pessoal da inovação e
desenvolvimento para a nova geração. [...] Fica evidenciado, ainda,
que os jovens da Geração Y fazem parte de um grupo que está, aos
poucos, provocando mudanças silenciosas, talvez não com a mesma
força das gerações dos anos 1960 e 1970, mas, certamente, com o

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mesmo poder de mudança. (Perrone et al., 2012, citados por
Comazzeto et al., 2016, p. 147-148; 155)

O estudo apresentado conclui pela importância de se buscar estratégias


para lidar com indivíduos de diferentes gerações e nos deixa material para
aplicarmos em nossas atividades práticas, analisando as características da pós-
modernidade para delimitar problemáticas e potencialidades que as gerações de
crianças e adolescentes da contemporaneidade podem oferecer não só para as
suas relações de trabalho, mas para as relações sociais em geral, por suas
experiências e formação segundo a cultura pós-moderna (Comazzeto et al.,
2016).

NA PRÁTICA

Como atividade prática propomos uma análise semelhante ao estudo


apresentado sobre as diferentes gerações que convivem no mercado de trabalho
(Comazzeto et al., 2016), para pensarmos em mudanças a que iremos/estamos
assistindo sobre a geração Z (de nascidos entre 1990 e 2009) e a geração alfa
(nome que alguns estudiosos têm dado para os nascidos a partir de 2010).
Sugerimos que, para essa reflexão, você:

• assista ao vídeo We all want to be young (legendado) (2012) – que quer


dizer Nós todos queremos ser jovens –, produzido pela Box 1824, uma
empresa brasileira de pesquisa especializada em tendências de
comportamento de consumo, e faça uma lista de características da
geração atual;
• compare o conteúdo apresentado no vídeo com a caracterização que
fizemos da cultura da pós-modernidade.
• indique aspectos positivos e negativos a serem problematizados.

Fonte: We all, 2012.

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FINALIZANDO

Neste curso, pudemos conhecer a concepção de autores que discutem a


contemporaneidade e identificar mudanças sociais e culturais que permitem
diferenciar o que denominamos pós-modernidade da modernidade.
Ainda que os autores, em geral, não sejam taxativos com relação ao
rompimento de paradigmas de uma periodização para outra, constatamos haver
ocorrido mudanças relevantes, que nos permitem olhar de maneira mais clara
para problemáticas da atualidade, identificar consequências dessas mudanças
para o ser humano e refletir sobre a necessidade de atenção e posicionamento
diante de questões que incidem sobre a qualidade de vida e a dignidade humana.
Retomamos a ressalva de que não foram abordados todos os autores que
discutem a temática abordada, mas que as principais análises foram
apresentadas com base em distintas lógicas e objetos de análise, que envolvem
linguística; estatuto do saber; globalização; economia; tecnologia; mídia; ritmo
de vida; relacionamentos; educação, entre outros elementos.
Como analistas e estudiosos, cabe a nós nos aprofundar e aplicar os
conhecimentos estudados na análise de realidades concretas do nosso
cotidiano. E, como seres humanos e cidadãos, nos interessa também ter um
posicionamento e buscar alternativas em face de aspectos negativos
problematizados com base nas teorias estudadas, entre os quais temos:

• desemprego e pobreza como consequência da lógica do imperialismo de


mercado que age sobre economias mais vulneráveis, que se mantêm,
assim, dependentes;
• aumento de incidência de doenças como ansiedade, depressão, por conta
de grandes cargas de estresse causadas pelo aumento de exigências e
da velocidade da vida, bem como pela propagação de um estilo de vida e
de busca de sucesso inatingíveis, com um nível de consumo insaciável;
• problemas ambientais como consequência da obsolescência planejada e
perceptiva;
• problemas trabalhistas, após a perda da relação entre o consumo de
mercadorias e sua produção;
• vida desconectada da realidade construída;
• instabilidade e medo, que contribuem para problemas de ansiedade e
depressão, além de serem capazes de avalizar políticas públicas

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violentas, restritivas e com consequências drásticas para os
identificados como culpados.

Para além dos aspectos negativos problematizados, constatamos


também que há novas possibilidades de interpretação da realidade que nos
cerca, resultantes da crise de narrativas totalizantes, com abertura para novas
explicações; bem como ocorre desnaturalização de padrões de comportamento
que poderiam ser considerados opressores. Além disso, poder identificar a
causa de certos problemas nos permite adotar um posicionamento e buscar
soluções.
E, com a análise das gerações baby boomers, X, Y, Z e alfa, por que não
apostar num cenário futuro que dê conta de aproveitar de maneira criativa e
humana as oportunidades que o rompimento com certos padrões pode ter nos
proporcionado?

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REFERÊNCIAS

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