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CULTURA E

PÓS-MODERNIDADE
AULA 3

Profª Talita Nascimento


CONVERSA INICIAL

Seria ilusão o mundo digital? Uma vida vivida pela internet? Pelas redes
sociais? Não, não está em discussão o que é virtual, o que é mediado pelas
novas comunicações – e sim que a vida foi “significada” em função da lógica do
consumo, em que o objeto (mercadoria) não tem uma utilidade concreta com
base na vida prática – o objeto passou a ter vida própria, não corresponde mais
a uma realidade concreta e não é mais um meio – e sim um fim. E claro, tudo
isso é potencializado e ampliado pelas novas tecnologias.
Sim, pode parecer um pouco complicada essa discussão, uma vez que o
autor que vamos estudar discute o significado, o simbólico, e a reflexão parece
ficar muito subjetiva.
Mas, ao pensar que estamos falando de práticas do cotidiano, das
relações que temos com o mundo, como os objetos, com a “visão de felicidade
e bem-estar”, ao buscar exemplos práticos para cada análise, podemos
vislumbrar e aplicar os conceitos do autor para observar a realidade que nos
cerca.
Trata-se, portanto, de um exercício de desnaturalização, que é próprio das
ciências sociais. Já conhecemos o conceito de ideologia em Marx, as discussões
feitas pela Escola de Frankfurt – o que é tarefa inicial para podermos identificar
os impactos da ideologia do capitalismo nas relações de produção e de
consumo; reflexões que se traduzem no que enxergamos no dia a dia nos filmes,
nas propagandas, visível também nas escolhas e atitudes de todos nós no dia a
dia, em que não é difícil constatar que as coisas, o status, “a ostentação de um
estilo de vida” parece ser mais importante do que a própria vida.
Lembre-se de que estamos discutindo questões do dia a dia! Vamos
conhecer as explicações teóricas, conceituais sobre fenômenos que muitas
vezes conseguimos perceber, e que Baudrillard dedicou uma vida de estudos
para analisar e explicar.
Considerado dos principais pensadores da “pós-modernidade”, o francês
Baudrillard (1929-2007), sociólogo, fotógrafo, filósofo, poeta – produziu mais de
50 obras e fez exposições pela Europa e todo o mundo. Amplamente conhecido
por seus conceitos de simulacro e hiper-realidade, o autor analisa a sociedade
do consumo e discute os meios de comunicação de massa, apontando que
vivemos numa realidade construída.

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Seus escritos inspiraram as irmãs Wachowski na produção da trilogia de
Matrix, filme em que o hacker Neo, interpretado por Keanu Reeves, guardava
seus programas no fundo falso do livro de Baudrillard Simulacros e simulações.
Ainda que Baudrillard tenha dito que o filme apresenta uma leitura ingênua da
relação entre ilusão e realidade, podemos utilizar como ilustração – uma vez que
tanto Matrix quanto Baudrillard – ainda que em perspectivas diferentes – indicam
que estamos vivendo numa “realidade paralela”. Interessa mencionar que, para
o autor, outros filmes, como Show de Truman, estão mais próximos da discussão
proposta por ele.

Figura 1 – Jean Baudrillard

Crédito: Bruni Meya/AKG-IMAGES/AlbumqFotoarena.

O autor, também conhecido pelas provocações e críticas feitas sobre a


Guerra do Golfo (Baudrillard, 1991), tece comentários polêmicos sobre o 11 de
setembro de 2001, descrito por ele como “expressão da globalização triunfante
combatendo a si mesma”. Trata-se, portanto, de um estudioso e crítico da
contemporaneidade. Com base em seus conceitos, reforça o mal-estar, a
angústia da pós-modernidade, falsamente anestesiada pela sensação de bem-
estar prometida e consumida pela atual fase do capitalismo que já não visa a
produção de mercadorias, mas a produção de necessidades.
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Vamos iniciar a disciplina partindo de conceitos-chave, que você irá
compreender melhor a cada tema e aula que avance.

TEMA 1 – BAUDRILLARD – REALIDADE CONSTRUÍDA

Jean Baudrillard (1991) põe em xeque o princípio da realidade por meio


da simulação, que, segundo ele, destruiu todos os referenciais – impondo ao real
signo do próprio real – ou seja, já não vivemos o real – e sim numa simulação de
realidade – que foi construída.
Para compreender o centro das discussões do autor, temos dois
conceitos-chave: simulacro e hiper-realidade.

Figura 2 – Capa do livro Simulacros e simulação, de Baudrillard

Fonte: Baudrillard, 1991.

1.1 Simulacro e hiper-realidade

Vivemos num mundo que não existe, “numa cópia imperfeita da


realidade”. Trata-se de discutir o sentido das coisas, que, para Baudrillard, foi
perdido, uma vez que temos signos sem vínculo com o real. A realidade, nesse
contexto, foi substituída por simulacros, foi autoproduzida.
Nessa discussão, poderíamos apresentar a concepção de diferentes
autores, como Platão (mimese – cópia de algo que existe), Saussure, dentre
outros, para discutir a concepção de signo (algo que se refere/toma lugar de
outra coisa), numa longa discussão da linguística (e da história da imagem) sobre
significante e o significado, e outras reflexões ricas feitas por Baudrillard em suas
obras.
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Segundo Baudrillard (1991), o campo simbólico é marcado pela
ambivalência – reciprocidade e transgressão. O termo ambivalência deriva do
latim, prefixo ambi (ambos), e valência, derivado de valentia (força) – no
dicionário pode ser descrita como existência conflitante e concomitante de dois
sentimentos com relação a uma coisa ou pessoa, termo central da psicanálise
(proposto por Eugen Bleuler e redefinido por Freud), que não está associado
apenas ao sentimento, mas sobre o campo das ideias.
Resumindo (e de certa forma simplificando) a concepção do autor, não
vivemos mais a Era do signo (significante e significado), mas a Era do código
(mais do que um conjunto de signos, temos um conjunto de normas,
combinados, usados na transmissão e receptação de mensagens).
Outros conceitos relevantes para a discussão são:

• Simulação: repetição de algo que existe;


• Simulacro: cópias imperfeitas da realidade.

Levando-se em conta que simular é fingir, e que a simulação ainda tem


relação com algo que existe, mais do que uma realidade fingida, o conceito
proposto trata de uma cópia imperfeita, que representa a realidade – o simulacro.
É como se olhássemos à nossa volta, e as experiências, os objetos, os
códigos não tivessem referência (descolados de uma realidade concreta). Os
objetos, as mercadorias são cópias da cópia, signos sem relação com o real.
Para ao autor, os objetos se apresentam mais reais do que a própria
realidade. Assim chegamos ao conceito de “hiper-real”. Isso significa dizer que
vivemos numa realidade que foi substituída por signos e percepções.
Parece algo muito subjetivo, mas basta refletir sobre o que realmente se
busca quando vamos a um restaurante. Hoje em dia, administradores,
especialistas em marketing, arquitetos e até professores estudam o “design de
experiência”. Compreendendo, na prática, que mais do que se alimentar, se
vestir, o que interessa é a experiência sentida.
Dessa maneira, qualquer distinção entre o real e o irreal se torna
impossível, uma vez que não há uma ligação entre o “sentido das coisas” e “as
coisas em si”, de onde se origina a “hiper-realidade”.

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1.2 Hiper-realidade

Para Baudrillard, vivemos a representação da realidade, em que os


símbolos têm mais peso do que a realidade. E nesse contexto, a realidade deixou
de existir.
A hiper-realidade é produto da simulação. É a fantasia mesclada à
realidade. Nesse cenário, não é o objeto que está sendo retratado, nem copiado
– estando sem referência, não reproduz o real – este objeto passa a ser o real.
Trata-se da realidade que estamos vivendo na contemporaneidade, e que
é discutida, explicada e exemplificada com base em todos os outros conceitos
que conhecemos da sociologia.

TEMA 2 – ANTECEDENTES À SOCIEDADE DO CONSUMO

Era uma vez um homem que vivia na raridade. Depois de muitas


aventuras e longa viagem através da Ciência Econômica, encontrou a
Sociedade da Abundância. Casaram-se e tiveram muitas
necessidades (Baudrillard, 1995, p. 78)

Para pontuar as reflexões feitas por Baudrillard sobre a sociedade do


consumo, é relevante reconstituir seus antecedentes, bem elencados por
Palmieri Júnior (2012, p. 35-37) em dissertação que discute as fases do
capitalismo desde suas origens. Palmieri, que utiliza Baudrillard para discutir
problemáticas do capitalismo contemporâneo, ressalta os seguintes fatores
como centrais para o surgimento da sociedade do consumo:

a. Inovações tecnológicas do período de guerras aplicadas na


produção.
b. Revolução agrícola: impulso século XX, busca da diminuição do
custo do trabalho, preços mais baixos, maior consumo produzido em
massa.
c. Mudanças no processo produtivo: Linha de montagem, fordismo –
possível produção em massa. Promoveu melhoria no padrão de vida
dos trabalhadores – para consumir era preciso salários maiores.
(Contradição entre a capacidade limitada de produção e limitada de
consumo – fica mais nítida. A sociedade de produção em massa
precedeu a sociedade de consumo em massas.
d. Nova ordem geopolítica: Guerra fria provocou tensão entre países
capitalistas e socialistas – contribuindo para surgimento de estado de
Bem-Estar. Influi para que “houvesse um pacto entre Estado, Trabalho
e Capital”. Após crise econômica era importante o capitalismo
demonstrar que era capaz de trazer melhorias para a população.
e. Mudança na política macroeconômica: Cenário de crise econômica
e política (desemprego, queda na renda média, miséria, ameaça de
novo socialismo, instabilidade democrática), nações desenvolvidas
acabaram interferindo nos setores político, econômico e social – para
ganhar subsistência do sistema capitalista e a ordem democrática.
Políticas keynesianas foram adotadas para atingir pleno emprego.

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Políticas essenciais para atingir pleno emprego, diminuir desemprego
e elevar renda média, favorecendo maior consumo e fortalecendo a
importância do consumo na economia.
f. Consolidação da democracia e políticas sociais: ampliação da
participação dos trabalhadores/sindicatos; ampliação do voto,
participação movimentos sociais. Fundamental para ampliação dos
direitos, ampliando a cidadania. Segurança com relação ao futuro –
favoreceu maior propensão ao consumo.
g. Transformações sociais e culturais: demográfica, especialmente
urbanização, cooperou para que houvesse uma ida coletiva mais
homogênea, com mais pessoas compartilhando os mesmos espaços,
tanto no trabalho, quanto no campus universitário e no lazer. Esse fato,
gerou outras transformações de ordem cultural, principalmente através
do que Edgar Morin chamou de “cultura de massas”, torando a vida
social mais individualizada e gerando a despersonalização nas
sociedades de massas”.
h. Nascimento da nova classe média: grande indústria erava novas
ocupações, principalmente administrativas e profissionais liberais,
surgindo uma nova classe média, que possuía maior renda, tornou o
consumo uma forma demonstrar o status que a sua ocupação possuía.
i. Maior crédito para o consumidor: trabalhador não precisa poupar para
adquirir bens duráveis. Segundo Baudrillard, o crédito é uma hipoteca
do trabalho, pois antes o indivíduo trabalhava para consumir e com o
crédito trabalha para pagar o que já consumiu.
j. Maior desenvolvimento dos meios de consumo: transformação
tecnológica; urbanização e maior consumo de televisores – influi para
a criação da sociedade de massas. Mais acesso a informação e
cultura, crescimento da publicidade – essenciais para que a produção
conseguisse um consumo em massa, “porque os ‘valores’ sociais
passaram a ser produzidos por intermédio da indústria cultural”
(Palmieri, 2012, p. 35-37).

Outro aspecto interessante é compreender o surgimento da juventude.


Uma massa de consumidores que, por um contexto favorável – ter a casa dos
pais e ainda não ter responsabilidades econômicas – entra no mercado de
trabalho e passa a ter poder de compra. E, somando-se a essa nova fase da
vida, com a globalização, o cinema e a propagação da internacionalização da
cultura jovem impactam diretamente na consolidação de todo um sistema de
valores.

TEMA 3 – SOCIEDADE DO CONSUMO

Sociedade do consumo é um tipo de sociedade que corresponde a uma


etapa avançada do capitalismo, que se caracteriza pelo consumo massivo de
bens e serviços. Para Baudrillard (1995), no estágio atual, o consumo não é mais
resultado do desenvolvimento econômico e passa a ter um papel central na
organização cultural e social. Dentro desse contexto, a mercadoria tem um valor
que pode ser considerado “irônico”, não associada nem ao valor de uso ou ao
valor de troca – mas “da aura do uso”.

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A mercadoria, para além da sua utilidade, tem função social, virou
linguagem, aproxima e afasta pessoas, não é mais um meio e sim um fim:

O espetáculo é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a


vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não
consegue ver nada além dela: O mundo que se vê é o seu mundo
(Debord, 2000, p.16).

Ao comprar um produto de marca, levamos para casa uma mensagem,


um estilo de vida, um símbolo. Toda a obra de Baudrillard (1995) aponta o
consumo como característica principal da nossa sociedade:

• Consumo é uma linguagem: assegura um tipo de comunicação. Tornou-


se a principal linguagem;
• Consumo permite a classificação dos indivíduos em uma hierarquia social;
• Consumo não é mais uma relação de apropriação – ou atividade pautada
pela utilidade do objeto. Consumo – uma prática idealista e não material;
• Consumo não está alicerçado num princípio de realidade, a sua lógica é
abstrata “tudo é signo, signo puro”, nada possui presença ou história. Não
consumimos coisas, consumimos signos;
• Não há saturação ou satisfação no consumo. Utilidade e função –
concepções ideológicas criadas pela burguesia – camuflando a lógica do
consumo – que é uma arbitrariedade cultural;
• Vivemos rodeados por objetos e não por homens.

Para o autor, há uma falsa sensação de liberdade na relação de consumo,


entretanto ressalta que os indivíduos são coagidos pelo sistema de valores e
estrutura social para consumir (Baudrillard, 1995). Quem não consome não se
sente pertencente, não está apto para se relacionar com outros consumidores
que se comunicam por meio dos objetos que consomem.

Assim como as necessidades, os sentimentos, a cultura, o saber todas


as forças próprias do homem acham-se integradas como mercadoria
na ordem de produção e se materializam em forças produtivas para
serem vendidas, hoje em dia todos os desejos, os projetos, as
exigências, todas as paixões e relações abstratizam-se (e se
materializam em signos e em objetos para serem comprados e
consumidas) (Baudrillard, 2006, p. 207).

O consumo, ao mesmo tempo que intensificou o individualismo, precisa


reprimir a exacerbação para que ainda haja integração entre os indivíduos. Ou
seja, eu quero parecer “único, exclusivo”, mas nem tanto a ponto de não ser

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“percebido”. Não há utilidade prática no consumo, os objetos não precisam servir
para alguma coisa, os objetos são signos que cumprem uma função social.

TEMA 4 – MERCADORIA – O QUE JÁ FOI UM MEIO É O FIM

Mercadoria é algo suscetível de ser comprado ou vendido. Quando


discutimos a produção de mercadorias, não é preciso se aprofundar muito para
compreender que seu auge ocorre com a industrialização e a consolidação do
capitalismo. Ao estudar a história dos sistemas econômicos e da mercadoria,
vemos que há uma associação da função real das coisas e o uso delas, o que
parece algo óbvio.
Baudrillard (1991), ao discutir o conceito de simulacro, demonstra que não
estamos falando do significado real das coisas, mas de algo criado, descolado
de um significado concreto. Sendo assim, ao falar da mercadoria no estágio atual
do capitalismo – não está em questão o custo da produção, valor de uso, valor
de troca – e sim o valor simbólico, construído, criado.
Portanto, na sociedade contemporânea, a mercadoria deixou de ser um
meio para ser um fim:

• Objetos não têm mais finalidade como instrumentos – são utilizados como
signos, cuja função primeira é significar – servindo como fator de
discriminação social e prestígio;
• Objetos sobreviviam a gerações, nos viam nascer e morrer. Atualmente,
diariamente assistimos ao “nascimento e morte” dos objetos;
• Objeto-símbolo tradicional, como utensílios, móveis – traziam consigo
uma história – mediando uma relação real vivida;
• Objeto de consumo: signo que tem sentido na relação com outros objetos.

Não se trata, pois, dos objetos definidos segundo sua função, ou


segundo as suas classes em que se poderia subdividi-los para
comodidade de análise, mas dos processos pelos quais as pessoas
entram em relação com eles e da sistemática das condutas e das
relações humanas que disso resulta (Baudrillard, 2006, p. 11).

Ao discutir as concepções marxistas de valor de uso e valor de troca,


Baudrillard discute o valor simbólico e o valor signo. Enquanto o valor de uso tem
por base as operações práticas e o objeto é útil; o valor de troca tem por base
as equivalências entre mercadorias. No valor simbólico, o objeto ganha sentido
na relação com o sujeito (e o valor é inseparável da relação concreta); já no valor

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signo – a troca deixa de ser respaldada numa relação entre o sujeito e o objeto
e passa a ter um valor em si, o objeto se imediatiza e se reifica como signo. O
signo se impõe como código e rege a vida social e as trocas, ganhando sentido,
numa relação diferencial com outros signos e não entre pessoas. Sendo assim,
temos:

• Valor uso: utensílio (prática)


• Valor de troca: equivalências entre mercadorias
• Valor símbolo: simbólico (sujeito – objeto)
• Valor signo: valor em si, relação diferencial entre os objetos e não entre
sujeitos.

Transformou-se a relação do consumidor ao objeto: já não se refere a


tal objeto na sua utilidade específica, mas ao conjunto de objetos na
sua significação total (Baudrillard, 2006, p. 207).

Quando se converte em signo, o objeto perde sua concretude e se torna


substância, significante:

• Reduz o indivíduo à condição de consumidor;


• Passamos a consumir signos e não mercadorias;
• Na Era do signo, produz-se mercadoria como signo – e signos como
mercadorias;
• Símbolos diferenciam pessoas com as mensagens transmitidas;
• Símbolos concedem status, poder, dão prazer, podem despertar a
ambição;
• Não é o produto que determina o valor, mas o valor que vai determinar o
produto;
• Objeto passa a ser significante e não significado;
• Para ser objeto de consumo é preciso que a mercadoria se transforme em
signo – que é carregado de conotações pessoais – que decorrem da
utilização e da interação com o objeto.
• Não consumimos coisas, consumimos signos;
• Mercadoria é uma linguagem de significações;
• Mercadoria – hierarquiza;
• Única propriedade comum a todas as mercadorias é serem produtos do
trabalho;

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• Mercadoria é um produto social, mas é percebida como uma coisa, que
se compra e se consome.

Dessa maneira, para o autor, a mercadoria chega a transcender a


realidade, descolando-se dela, pois já não está mais associada a uma relação
concreta entre objeto e sujeito, tendo significado próprio – numa relação que
agora se dá entre objetos e objetos – o que vai determinar e orientar os modos
de uso, e não o inverso:

Em vez de se abolir na relação que funda, e desse modo tomar o seu


valor simbólico (como no presente), o objeto torna-se autônomo,
intransitivo, opaco e passa a significar, pelo mesmo fato, a abolição da
relação [...]. No ponto em que o símbolo remetia para a falha (para a
ausência) como relação virtual de desejo, o objeto-signo apenas
remete para a ausência de relação, e para os sujeitos individuais. O
objeto-signo já não é dado nem trocado: é apropriado, mantido e
manipulado pelos sujeitos individuais como signo, quer dizer, como
diferença codificada. É ele o objeto de consumo, e é sempre relação
social abolida, reificada ‘significada num código” (Baudrillard, 1995b, p.
61).

TEMA 5 – MEIOS DE COMUNICAÇÃO, CIBERESPAÇO E CONQUISTA DE


DIREITOS

Na sociedade de consumo, os meios de comunicação são as forças


constitutivas do jogo dos simulacros e funcionam como o código genético que
comanda a mutação do real para o hiper-real. Os media, para Baudrillard (1995),
não são um lugar da mediação e da produção da comunicação. Não há uma
possibilidade de troca (o que para ele é restrito ao face a face).

É isso a mass-mediatização. Não é um conjunto de técnicas de difusão


de mensagens, é a imposição de modelos [...]. Na realidade, o grande
Médium é o Modelo. O que é mediatizado não é o que passa pela
imprensa, pela TV, pelo rádio: é o que é assumido pela forma/signo,
articulado em modelos, regido pelo código (Baudrillard, 1995, p. 224).

O surgimento da televisão, do cinema e da realidade que é mediatizada,


é peça fundamental e motor propulsor dessa realidade construída. E,
considerando que os indivíduos dedicam boa parte de suas vidas como
telespectador, hoje conectado o tempo todo com os diferentes meios de
comunicação – não há mais separação entre o que vivemos e aquilo a que
assistimos.
Poderíamos concluir (com base na teoria do autor) que o que vivemos é
o que assistimos, uma vez que não há espaço para enxergar nada que não seja
o hiper-real, que está desconectado da realidade. Além disso, para ele, os media
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homogeneízam o real, diluindo seu caráter vivido (suas multiplicidades, suas
contradições).

5.1 Publicidade

A publicidade, ao reproduzir a ideologia do sistema capitalista, funciona


como pilares que sustentam o sistema. Na sociedade do marketing, o que está
sendo anunciado não é um objeto, mas um estilo de vida – que evoca um sistema
de significados.
Os produtos e serviços oferecidos funcionam como um sistema de valores
que dão ao consumidor uma identidade social. Nessa lógica, Baudrillard ressalta
que vender uma mercadoria passa ser mais difícil do que produzir.
A publicidade, é, portanto, o discurso do objeto. São mensagens,
ideologias, que norteiam o consumo.
Importa destacar que, para o autor, a publicidade não é a criadora de
desejos e formadora de valores, sendo apenas uma ferramenta da produção –
subordinada à lógica produtiva. Ou seja, não é que a publicidade está criando os
valores, apenas reforça os valores existentes.
Consumir a publicidade não é acreditar na qualidade ou função do produto
– e sim acreditar nos signos que o discurso publicitário reproduz. Somos
socializados, disciplinados por um sistema de valores/códigos (o consumo).
Numa corrida competitiva que obriga a estar em conformidade com ele.
Podemos dizer então que a publicidade é o próprio objeto – mercadoria.
Com ela, o indivíduo compra a autoestima, a felicidade, a modernidade etc.
Consumir o objeto é acreditar no valor-signo e não no valor de uso. A publicidade
não cria o consumo, mas o consumidor.

5.2 Ciberespaço e virtualidade

As novas tecnologias confrontam o indivíduo com a hiper-realidade, o que


acaba gerando mais angústias. O ciberespaço (terreno cibernético) elimina a
distância entre o metafórico e o real. Segundo Baudrillard (1991), não estamos
preparados para o desenvolvimento tecno-científico. Esse autor afirma que a
revolução contemporânea é a da incerteza; quando vamos buscar mais
informações, acabamos agravando a relação com a incerteza (Baudrillard,
1991).

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A virtualização da comunicação, para Baudrillard (1991), é negativa – não
é real. O autor é crítico das cidades virtuais (como as lojas), pois desestimulam
o desenvolvimento de cidades concretas. Além disso, indica que a criação da
realidade artificial, por ser tão sofisticada, parece “mais real do que a realidade”.

• Tudo o que é virtual não existe;


• Virtual não permite a vivência do real;
• Virtual é fantasioso – não permite a vivência do real;
• Globalização só pode ocorrer na sociedade virtual – pois precisa “simular
a homogeneidade” – simula uma igualdade entre as culturas.

5.3 Crédito: um milagre do sistema

Assim como outros autores que discutem a fase atual do capitalismo onde
é possível gerar lucro sem produzir mercadorias com base nos juros – Baudrillard
(1991) coloca a compra a crédito como um “milagre do sistema”, uma vez que é
possível adiantar os desejos – e conseguir comprar algo que o trabalhador
jamais imaginaria que seria possível com o salário que ganha.

• A compra a credito faz com que os consumidores estejam sempre


atrasados em relação aos objetos;
• Credito é o milagre do sistema, uma vez que o trabalhador pode comprar
algo 20 vezes maior do que o salário;
• O crédito e a publicidade abreviam o tempo de circulação da mercadoria
(um depende do outro para gerar o consumo);
• Capitalismo contemporâneo adianta os desejos através do crédito
concedido.

5.4 Direitos para todos como consequência do privilégio de alguns

Nesta aula, trabalhamos os desdobramentos e mecanismos da sociedade


do consumo discutidos por Baudrillard. A mercantilização da vida e a lógica do
sistema trazem como consequência a desigualdade social e a centralização do
capital, que impactam em todas as áreas da vida.
Para demonstrar o quanto a obra de Baudrillard é rica e discute diversos
outros aspectos da sociedade do consumo, apresentamos uma concepção
interessante discutida pelo autor; a afirmação de que a conquista dos direitos é

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contraditória, pois, segundo ele, os direitos surgem quando um bem se torna um
privilégio de uma classe:

Fala-se muito de direito à saúde, de direito ao espaço, de direito à


beleza, de direito às férias, de direito ao saber, de direito à cultura. E à
medida que tais direitos novos surgem, nascem simultaneamente os
Ministérios – da Saúde, dos lazeres – mas, porque não os da Beleza e
Ar Puro? Todos esses fatores, que parecem traduzir geral progresso
individual e coletivo e que viriam sancionar o direito à instituição,
apresentam sentido ambíguo e, de certa maneira é possível lê-los ao
invés: Não há direito ao espaço senão a partir do momento em que já
não existe espaço para todos e em que o espaço e o silencia
constituem um privilégio de uns quantos, à custo dos outros. Assim
como não existiu direito de propriedade senão a partir do momento em
que já não havia terra para toda a gente, também não houve direito ao
trabalho a não ser quando o trabalho se tornou, no quadro da divisão
do trabalho, uma mercadoria permutável, isto é, que deixou de
pertencer pessoalmente aos indivíduos. Pode também lançar-se a
pergunta de se ‘o direito aos lazeres’ não assinalará igualmente a
passagem do ócio, como antes acontecera com o trabalho, ao estágio
da divisão técnica e social e, por consequência, ao fim dos lazeres
(Baudrillard, 1995b, p. 62).

NA PRÁTICA

Leia com atenção cada um dos trechos de Baudrillard selecionados e


escolha um deles para produzir um texto em, no mínimo, uma lauda:

a. Explicando a ideia central do autor;


b. Citando exemplos práticos que você consegue identificar para a discussão
proposta;
c. Indicando como (em que sentido) o que o autor discute na citação pode
representar um problema para a vida dos indivíduos:

Não existem limites para as necessidades do homem enquanto ser


social (isto é, enquanto produto de sentido e enquanto relativo aos
outros em valor) a absorção quantitativa dos alimentos é limitada, o
sistema digestivo é limitado, mas o sistema cultural da alimentação
revela-se como indefinitivo (Baudrillard, 1995, p. 55).

A eficácia política não consiste em fazer reinar a igualdade e o


equilíbrio onde antes imperava a contradição, mas em conseguir
dominar a diferença onde antes havia contradição. A solução para a
contradição social não é a igualização, mas a diferenciação. Não há
revolução possível no plano dos códigos (Baudrillard, 1995, p. 114).

Assim como as necessidades, os sentimentos, a cultura, o saber todas


as forças próprias do homem acham-se integradas como mercadoria
na ordem de produção e se materializam em forças produtivas para
serem vendidas, hoje em dia todos os desejos, os projetos, as
exigências, todas as paixões e relações abstratizam-se (e se
materializam em signos e em objetos para serem comprados e
consumidas) (Baudrillard, 2006, p. 207).

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FINALIZANDO

Chegamos ao final desta aula sobre cultura e pós-modernidade, em que


pudemos conhecer conceitos-chave da obra de Baudrillard.
Crítico da contemporaneidade, considerado por alguns um teórico
pessimista, o autor rejeitava rótulos, assim como não concordou que
classificassem sua crítica como pessimista.
Segundo ele, não estamos preparados para o grau de desenvolvimento a
que chegou o sistema tecno-científico. Isso indica que, ao buscarmos mais
informações, acabamos agravando ainda mais as incertezas (característica
apontada também por outros autores ao caracterizar a pós-modernidade).
Vivemos uma nova fase, de um mundo organizado em torno dos códigos
construídos, simulacros e simulações. Simulacro está em tudo, desde o mundo
do trabalho, do consumo, na política e até no sexo. O que transforma nossa
experiência de vida, impacta nos sentidos e nas significações, esvaziando o
conceito de realidade.
Sob essa ótica, é possível concordar, de certa maneira, com os
especialistas que o chamavam de pessimista – uma vez que quanto mais longe
da “realidade” estamos, mais fácil “sermos manipulados” e mais difícil
percebermos o quanto essa realidade foi construída e está longe de ser real:

• Relação social foi coisificada – o homem se transformou em coisa (se


antes os objetos nos viam nascer e morrer, hoje nós é que vemos nascer
e morrer os objetos);
• Sociedade do consumo – há o mito da igualdade e o mito da felicidade;
• Abundância de mercadoria – cria a crença na igualdade social;
• Fácil dominar uma sociedade que não enxerga o que é realidade;
• Lógica (hiper-realidade) mascara a realidade.

E você, acadêmico, consegue enxergar essa realidade paralela


apresentada pelo autor? Deixamos aqui o convite para mergulhar e se
aprofundar nas obras de Baudrillard, e – claro, aos poucos, contrastar os
conceitos e discussões apresentados por ele com outros autores que
trabalharam temas semelhantes a esse!

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REFERÊNCIAS

BAUDRILLARD, J. Simulacros e simulações. Portugal: Relógio D´Água, 1991.

_____. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1995.

_____. Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins
Fontes, 1995b.

_____. O sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 2006.

DEBORD, G. Sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.

PALMIERI JÚNIOR, V. Capitalismo e sociedade de consumo: uma análise


introdutória sobre o consumo e modo de vida na sociedade contemporânea.
2012. Dissertação (Mestrado em Economia) – Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Economia, Campinas, SP. Disponível em:
<http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/285910>. Acesso em: 20
dez. 2019.

WHAT did Baudrillard think about The Matrix? Cuck Philosophy, 10 set. 2019.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bf9J35yzM3E>. Acesso em:
20 dez. 2019.

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