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Dialética do Esclarecimento – racionalidade instrumental –

Theodor Adorno e Horkheimer (1903-1969)


Escola de Frankfurt (Teoria Crítica) – Instituto de Pesquisas Sociais (1923 em
Frankfurt)
A teoria Crítica está pensando justamente nos problemas do racionalismo

(Iluminismo = Aufklärung = Esclarecimento)


A racionalidade carrega a ideia do iluminismo de protagonismo da razão, ou da razão
como elemento libertador
Nossa sociedade nutre uma:
Centralidade na racionalidade
Liberdade
Progresso cientifico

A ideia de progresso como conhecemos na história tem uma ambiguidade


fundamental

O pensamento esclarecido se construiu como oposição ao pensamento mítico


Superação do saber mítico
Superação do misticismo e de forças extramundanas
O esclarecimento se coloca como um saber autônomo e superior

Mas existe uma contradição dialética no processo de esclarecimento:


Essa contradição dialética mostra que ao tentar se desvencilhar do mito, o
esclarecimento acaba por se enveredar nele;

“o mito já é esclarecimento e o esclarecimento acaba por


reverter à mitologia”

Isso que dizer que o pensamento mítico já contem traços de esclarecimento:


O mito pretendia conhecer os poderes da natureza

Mas os mitos que caem vítimas do esclarecimento já eram o


produto do próprio esclarecimento [...] O mito queria relatar,
denominar, dizer a origem, mas também expor, fixar, explicar.
Com o registro e a coleção dos mitos, esta tendência reforçou-se
(ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 20).

Mas o esclarecimento converte-se em mito


Como?
Ao converter a natureza em uma objetividade
Ao tentar produzir uma natureza objetiva e manipular suas propriedades.
(Mito de Epimeteu e Prometeu)

Por exemplo: cientista no laboratório, para quem todos os ratos são


iguais, pois portadores das mesmas propriedades físico-químicas

A racionalidade se torna objeto: A racionalidade do esclarecimento, ao


reduzir a natureza a uma objetividade inerte, adquire, ela mesma, este caráter de
objetividade.

A racionalidade passa a olhar para a natureza objetiva com um pensamento calculador:


A ciência faz cálculos para maximizar ganhos, diminuir perdas para
alcançar os fins já determinados;

A natureza é reduzida a uma série de eventos calculáveis


O sujeito torna-se um escravo da técnica

A racionalidade se torna um instrumento a partir do qual entramos em relação uns com


os outros:
Nossas ações são carregadas de previsibilidade

Nosso modo de agir é muito mais o modo instrumental da racionalidade


do que um modo livre de interação.

A famosa Escola de Frankfurt, na primeira metade do século XX, afirma


que “a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente
humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie” e “as
esperanças do gênero humano parecem estar mais distantes de sua
realização hoje do que nas hesitantes épocas em que elas foram
formuladas pela primeira vez” 1.

Seja como for, a maior expressão da desilusão do século XX foi a experiência da


Segunda Guerra, evidenciando cabalmente que os seres humanos não conseguiam
acompanhar o progresso e o sucesso de seus próprios feitos. Parecia, de fato, um
contrassenso: como admitir que tamanho otimismo racional, salvador da humanidade, se
precipitasse em guerras, egoísmos, prisões, campos de concentração, injustiças,
abandono dos afetos?
A Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), deflagrada em pouco mais de vinte anos da
Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), começa a representar o ápice da decadência do
ser humano e de suas relações. Certamente se dirá: mas a história humana sempre foi
marcada por conflitos, domínios e guerras. O que haverá de especial em mais outra
1
HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razão. Trad. Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Editora Centaruo,
2010. (2015, p. 7-8).
guerra? Há muita razão nessa proposição! O grande problema, contudo, não estaria
especificamente na característica bélica própria do ser humano. A desilusão
experimentada e anunciada por filósofos do século XX está exatamente no fato de que o
otimismo moderno não teria se efetivado no que tange à melhoria do ser humano e de
suas relações. O antropocentrismo, promessa de salvação do mundo, acabou se
descuidando da humanidade do humano, favorecendo a excelência do produto de sua
criatividade e centralidade racional. Aqui está o grande problema, em especial, da
Segunda Guerra que a torna emblemática e simbólica. Ela passa a ser o símbolo e o
emblema máximos do fracasso e falimento do antropocentrismo com respeito ao
próprio ser humano, à humanidade do humano. Paradoxalmente, a Segunda Guerra é
uma amostra da ambiguidade moderna ao exibir simultaneamente, por um lado,
maravilhosas invenções e fabulosas produções e, por outro, a destruição de seres
humanos. Em outras palavras, o que faz especial a Segunda Guerra não é a quantidade
de mortos e a carnificina (nisso ela repete qualquer outra guerra); o que a faz
emblemática é o requinte da razão humana que tinha sido anunciado pelo
antropocentrismo moderno como salvador da humanidade. Dizendo de outra forma, a
aposta na centralidade da razão pela salvação da humanidade não funcionou
completamente, e o modus operandi da Segunda Guerra evidencia esse fato: os cálculos
racionais não conseguiram incluir a pessoa humana. Por isso se dizia que faltava o
próprio ser humano na grande constelação de sucessos e progressos conquistados pelo
antropocentrismo.

Essa razão instrumental é destrutiva:


Ela tira de nós a plenitude se ser;
A vida reduzida a mera necessidade carece de completude e, no íntimo,
todos nós ansiamos por uma existência plena de sentido, por uma vida
que efetivamente “valha a pena” de ser vivida.

Há um sacrifício do nosso modo de ser em função da manutenção de uma


racionalidade instrumental;
O sujeito dedicado à divisão racional do trabalho não é inteiro: apenas
sua dimensão operativa interessa;
A outra parte de seu eu, a dimensão do prazer, por exemplo, é perdida;

“A absoluta solidão, o retorno forçado ao próprio eu, cujo ser se


reduz a elaboração de um material no ritmo monótono do
trabalho, delineam como um espectro horrível a existência do
homem no mundo moderno”. (ADORNO; HORKHEIMER 1985,
p.186)

O trabalho que realizamos (no mundo capitalista) não tem um fim em si mesmo, mas é
tido apenas como instrumento para outro fim: a sobrevivência.
A esfera econômica domina o homem capitalista
O trabalho como algo negativo:
O mundo administrado (estrutura do capitalismo de estado em que que vivemos)
nos prende na execução das tarefas racionais e freia nossas potencialidades:

ficamos fadados a reproduzir os meios de produção da vida típicos da sociedade


capitalista;

O tempo livre no mundo administrado

Resta-nos pouco tempo livre para exercitar nossa própria vida


O tempo de nossa vida é tomado pelo mundo do trabalho

A própria ideia de tempo livre está acorrentada ao mundo do trabalho:


Tempo livre é: quando não se trabalha;
É quando se pode dedicar a si;

uma das características distintivas da sociedade burguesa é uma divisão


rígida entre o tempo dedicado ao trabalho e aquele destinado às
atividades de lazer e diversão.

Carregamos inconscientemente esta separação entre trabalho e lazer

por um lado, no trabalho, atividade que deve ser levada a sério, os


indivíduos despendem suas energias físicas e intelectuais na consecução
de uma atividade produtiva; e, por outro, nos períodos de descanso, que
não devem lembrar em nada o trabalho, a atividade dos sujeitos toma a
forma de um alívio, de um esquecimento das tensões produzidas pela
vida acachapante do cotidiano, e, não por acaso, elas são dotadas de
algo supérfluo e fútil, cumprindo o imperativo funcional de preparar os
sujeitos para serem reinseridos, com energias renovadas, no processo de
trabalho.

Ideologia do hobby
Trabalho de manhã e sinta-se livre para divertir
Ter um hobby se torna uma necessidade (e um produto) do próprio mercado

Os produtos da indústria cultural (meticulosamente produzidos e


distribuídos por grandes organizações econômicas sob a regra geral das
relações de troca) nada mais fazem do que articular a necessidade
subjetiva das pessoas por lazer com as da indústria em geral,
inculcando-lhes, mediante cálculo de efeitos, certa disposição
compulsória ao consumo. E, precisamente por sua futilidade, seus
produtos apenas denunciam uma rendição acrítica ao status quo.

O lazer e o entretenimento, capturados pelo campo de força da


racionalidade econômica, convertem-se em necessidades funcionais,
meios de alívio e regeneração das forças laborais; ou seja, em meros
apêndices do trabalho.

Aula preparada a partir do artigo “Capitalismo e racionalidade instrumental:


reflexões acerca do tempo livre em Theodor Adorno”- André Campos Rocha,
disponibilizado para os alunos no Canvas.

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