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Mariana defendia-se dizendo que fechou a porta para que não fossem pegos por
trás de surpresa e argumentava dizendo que não foi idéia dela entrar no local,
quando Paulo perguntou irritado:
"Ahn... eu pensei que aqui estaríamos mais seguros para colocarmos as ideias
em ordem." - explicou Sandra.
"É! Eu também não consegui entender como que estaríamos mais seguros num
CEMITÉRIO!" - disse Toninho concordando com as feições de confusão de
Paulo.
"Eu pensei assim: esses mortos já morreram faz tempo e nunca levantaram. E
mesmo que resolvessem levantar-se, todos estão trancafiados! Aqui não temos
risco de encontrar pessoas que acabaram de morrer!" - explicou Sandra
elevando um pouco sua voz, irritada.
"Caraca! Que gênia! " - surpreendeu-se Júnior, mas seu rosto ainda numa
expressão de quem ainda tentava entender o raciocínio da companheira.
"Ai... É... Faz sentido, San." - concordou Paulo, seu rosto se contraindo
enquanto se esforçava para descer do túmulo de mármore onde estava sentado.
"Vamos? Mariana, por onde é melhor sairmos?"
"Tem certeza que você está bem para continuar?" - perguntou Mariana
preocupada com o garoto, um pouco de sangue escorria pela lateral da cabeça,
onde havia batido no vidro do carro.
"Sim, não foi nada. Só pancada e um cortezinho. Já, já passa a tontura. É melhor
continuarmos devagar do que ficarmos aqui parados num cemitério com mortos
vindo atrás de nós."
O grupo todo se virou para Mariana, esperando por instruções de por onde
iriam. Centenas de túmulos os cercavam numa escuridão que se intensificava a
cada metro cemitério adentro, longe dos muros iluminados pelos postes nas
ruas.
"Num gosto dessa escuridão toda." - disse Júnior, expressando aquilo que todos
sentiam.
"Pegue aqui na minha mochila, tem uma lanterna. Vai ajudar um pouco." -
comentou Paulo, parando e se virando para que Júnior pudesse pegar.
"Tinha uma rua virando a direita na capela. Talvez ela leve pra outro portão." -
comentou Sandra.
Após voltarem para a capela e virarem a rua, logo puderam avistar uma entrada
para carros. De longe já viram que o portão estava escancarado e, por isso,
diminuíram o passo e avançaram com cautela. Pararam no penúltimo túmulo
antes do portão, de onde puderam ver mais duas daquelas criaturas. Uma
mulher e um homem estavam parados com as cabeças abaixadas. As roupas
rasgadas estavam manchadas de sangue em diversos pontos. A mulher estava de
costas, mas podiam ver bem o homem. Um de seus olhos estava pendurado
saindo da órbita ocular e seu maxilar inferior, solto, mantinha a boca bem mais
aberta do que o natural.
"Tenho uma idéia! Júnior vem comigo. Fiquem aqui, já voltamos." - e saiu sem
dizer mais nada, seguida por um Júnior confuso.
"O plano é o seguinte..." - disse Sandra o mais baixo que pôde, enquanto se
agachava ao lado de um vaso de cerâmica. E, apontando para um dos carros que
estava estacionado na frente do portão, concluiu: "... está vendo esse carro
branco estacionado? Então, vamos abrir a porta o suficiente para você passar e
conseguir arremessar esse vaso aqui com toda sua força naquele carro. E, com
sorte, o alarme dele vai tocar bem alto."
Com um sorriso de canto de boca, Júnior analisou o vaso que devia pesar em
torno de 20 kg e disse enquanto contraía os bíceps orgulhoso.
"Se você errar, a gente fecha o portão do mesmo jeito e sai correndo." - disse
Sandra num sorriso inseguro. "Mas não erra tá? Põe essa maromba pra
funcionar!" - completou ela confiante dando um tapinha encorajador no braço
dele.
Sandra abriu o portão sem fazer nenhum ruído e segurou também a faca que
Júnior largara no chão. Júnior inspirou fundo sai pela porta, apenas dois
passos, deu o impulso e, fazendo força com cada músculo que já havia treinado
na academia, arremessou o vaso. O vaso voou alto no ar em direção ao carro, um
golzinho novo com placa ainda brilhando recém-colocada.
Júnior correu, ignorando o que quer que acontecesse ao seu redor, ignorando os
gritos de Sandra implorando que ele voltasse. No frenesi da corrida não
percebeu o homem, já morto, que se aproximava dele e se colocara no meio do
caminho, não percebeu também quando seu ombro alto acertou no queixo dele,
empurrando a mandíbula sem vida para dentro do crânio, derrubando o corpo
ao seu lado, novamente morto, mas agora com a própria mordida. Sem pensar,
Júnior golpeou a janela do carro com o cotovelo, jogando toda sua força no
movimento. O golpe deixou o vidro em cacos. O alarme do carro soou alto pela
rua. Mãos seguravam-no pela mochila. Ele virou empurrando qualquer que
fosse a ameaça, que foi jogada para trás batendo num dos carros que entupiam a
rua. Sandra já golpeava uma outra que estava entre Júnior e o portão, tentando
acertar na cabeça, mas sem muito sucesso. Júnior chutou o terceiro agressor,
impelindo-o pra trás. Então correu de volta para o cemitério, empurrando o
adversário de Sandra no caminho.
"Nossa... essa foi por pouco!" - disse Sandra, ofegante, com as mãos nos joelhos
tentando recuperar o fôlego.
"Foi mal, foi muito alto e pouco longe." - desculpou-se Júnior, enquanto
encarava as criaturas que se juntavam ao portão, esticando os braços entre as
grades enquanto grunhiam. "Que coisas horríveis!"
"Sim... Mas vamos andando, antes que algum deles perceba que é só levantar a
aba e puxar a trava. Com sorte o caminho lá embaixo já estará livre." - disse
Sandra, devolvendo para Júnior uma das facas.
"Que bom que é todo fortão, hein!? Não foi nada muito fundo." - falou Toninho,
com um sorriso.
"Não sei o que fizeram, mas parece ter funcionado, vejam!" - disse Paulo
enquanto apontava para a rua lá fora.
Algumas das criaturas subiam a rua seguindo o som do alarme, as duas que
estavam ali anteriormente não podiam ser mais vistas.
"Melhor não demorarmos muito, não sei quanto tempo o portão lá vai
aguentar." - disse Sandra, preocupada enquanto o grupo ainda esperava com
medo de que mais algum estivesse a caminho.
"Tem razão, vamos em silêncio pela calçada da direita. Desceremos essa rua,
certo?" - disse Paulo esperando por uma confirmação de Mariana, que assentiu
com a cabeça. Então o grupo, liderados por um Paulo já melhor da tontura mas
ainda mancando, seguiu descendo a Rua Cardeal Arcoverde.
"Por aqui eles tiveram mais tempo para fechar ou fugir." - comentou Paulo
enquanto passavam por mais um comércio fechado.
Continuaram na mesma rua por alguns minutos. Até que encontraram uma loja
de ferramentas e materiais de construção, toda abandonada. Entraram
rapidamente para ver se ainda sobrara algo de útil. Mariana conseguiu
encontrar uma mochila para por nas costas, não era muito grande, mas estava
cansada de carregar sua maleta na mão. Júnior guardou a faca na mochila junto
com um novo martelo e saiu dali feliz carregando uma enxada dupla, com uma
das pontas afinadas, ótimas para retirar pedras ou furar crânios. Toninho
também pegou para si um martelo, um alicate e um grande rolo de arame que
conseguiu pendurar do lado de fora da mochila. Paulo enfiou mais um rolo de
corda em sua mochila e Sandra ficou apenas esperando do lado de fora, não
conseguia pensar em colocar mais nada na sua mochila pesada, pois suas costas
já começavam a doer de tanto carregá-la.
"Sabe o que eu estava pensando?" - disse Júnior enquanto o grupo retomava o
caminho. "Eu estava pensando que deveríamos escolher um nome para essas
coisas, o que acham?"