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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

FACULDADE DE LETRAS

ANÁLISE INTERPRETATIVA DE POEMA(S) DE UM AUTOR(A) DOS ANOS


1970
Umbigo, de Nicolas Behr (2006)

Trabalho apresentado ao Prof. Fernando Fiorese


por Priscila Alves Fraga (matrícula 201229029)
aluna do 10º período do curso de Letras da
Universidade Federal de Juiz de Fora, como parte
dos requisitos necessários à aprovação na
disciplina Oficina de Estudos Literários XII
(LEC173-A).

Juiz de Fora
Março de 2021
Introdução

O poema Umbigo do autor Nicolas Behr possui características que representam


uma geração de poetas cujo compromisso é com a linguagem. A geração mimeógrafo
aproximou a poesia do cotidiano e enfrentou os grandes monopólios editoriais.
A poesia da década de 1970 também chamada de Poesia Marginal é esvaziada de
academicismos, de formação teórica ortodoxa, dentre outras características. Outro
elemento muito importante refere-se ao posicionamento político dos poetas dos anos
1970. Os temas relativos às denúncias das desigualdades sociais no Brasil, da violência
provocada pela ditadura militar surgem na poesia marginal através de situações
cotidianas e em muitos casos, através de uma linguagem bem humorada e irônica.
O presente trabalho tem por objetivo elaborar uma análise interpretativa do
poema Umbigo, de Nicolas Behr, através do resgate de elementos de dentro e fora do
texto, ou seja, os aspectos referentes à estrutura dos versos, dos efeitos sonoros, da
sintaxe, e também do contexto de produção do poema, e dos sentidos que ele evoca.

UMBIGO (2006)

O poeta Nicolas Behr nasceu em 1958 em Cuiabá, mas desde 1974 reside em
Brasília, lugar de grande presença em sua poesia. Em 1977 lançou seu primeiro livro e
best seller Iogurte com farinha ao estilo de seus companheiros escritores da década de
1970, mimeografado.
Nos anos seguintes seguiu publicando novos trabalhos, como por exemplo,
Grande circular, Caroço de goiaba e Chá com porrada (1978), Viver deveria bastar
(2001), Porque construí Brasília (2003) e o objeto de análise do presente trabalho
Umbigo (2006).
Umbigo é um poema estruturado com a utilização de versos livres e de
linguagem simples com exemplos pontuais de neologismos. O poema segue o estilo do
autor no que se refere à temática do cotidiano, em especial, do poeta. Para tanto, Behr
elaborou o poema em torno da metalinguagem, ou seja, o poema/poesia que discorre
sobre ela mesma.
O verso inaugural de Umbigo, “minha poesia é primeira linha”, tem um sentido
irônico por apresentar duplo significado, de um lado a poesia “é primeira linha” por se
tratar do primeiro verso, e de outro, pela característica positiva, acerca da qualidade do
que é escrito pelo autor. Sobre isso, o poema segue, “minha poesia não é de segunda
mão”, reforçando a ideia de uma poesia bem estruturada, e na sequencia o autor retoma
a linguagem irônica, como demonstra o terceiro verso, “minha poesia às vezes é de
terceira categoria”.
Ainda sobre os primeiros versos, a rima interna surge como recurso que dá
sonoridade ao poema, um exemplo disso é o par não/mão, no segundo verso (“minha
poesia não é de segunda”), começar/soltar, no quarto verso (“minha poesia vai
começar. pode soltar os cintos”) que além de ser uma rima interna é também uma rima
consoante.
A partir do quarto verso já apresentado anteriormente, o poeta que já havia
inaugurado o poema logo no primeiro verso, anuncia ao leitor que sua poesia vai
começar (“minha poesia vai começar”) e segue, “minha poesia. com a palavra, o poeta”,
demarcando, assim, o sujeito por trás da poesia, o artista. Em seguida, o verso “minha
poesia é de tirar o fôlego. é só parar de respirar” anuncia que a poesia possui grandes
virtudes, “é de tirar o fôlego” e termina com um tom irônico, “é só parar de respirar”
que em certa medida quebra as expectativas de quem lê.
A construção e quebra das expectativas de início do poema seguem como
recurso de linguagem e construção do tom de bom humor e ironia nos versos sete e oito,
“minha poesia a partir de agora vai fazer uso da palavra/ minha poesia - você ainda não
leu nada”. Essa é uma característica marcante dos poetas da geração mimeógrafo que
contavam os acontecimentos do cotidiano e denunciavam as penúrias do povo
brasileiro, em plena ditadura militar, através da sátira.
Segue agora a análise do trecho abaixo:

minha poesia já foi vendida como cachaça pra doido


minha poesia é pra você jogar no chão, mas ainda não
minha poesia é pra você falar mal, mas só no final
(BEHR,2006)
Os versos acima emitem sinais acerca da intensidade da construção poética de
Nicolas Behr. Sua poesia é visceral, “já foi vendida como cachaça pra doido” e ao
mesmo tempo bem humorada “é pra você jogar no chão, mas ainda não”. A
complexidade dos versos em questão, bem como de todo o poema, é demarcada a partir
da sátira. A poesia de Behr se apresenta ao leitor como uma “piada pronta”, mas
também como poesia de “primeira linha”.
Na sequencia, os versos seguintes, “minha poesia nunca mais tomou veneno para
matar rato/ minha poesia pode ser arnaldo, pode ser antunes,/ pode ser geraldo, pode ser
fagundes” anunciam por meio da sátira as várias possibilidades de construção de
sentidos da poesia. Pode ser forte, complexa, até mesmo mortal. Isso se demonstra
também nos versos subsequentes:

minha poesia sente que tem alguém neste momento


atrás do poema com uma faca
minha poesia come as cascas das feridas dos prisioneiros
no campo de concentração
(BEHR,2006)

Neste ponto, o autor demarca o tema central do poema, a metalinguagem acerca


da elaboração poética, com elementos que demonstram o papel visceral da poesia. Ao
mesmo tempo, Nicolas Behr expõe essa intensidade utilizando novamente um tom de
sátira e ironia, apesar da seriedade das imagens que evoca, como os versos “minha
poesia come as cascas das feridas dos prisioneiros/ no campo de concentração”. Nesse
verso, se destaca também o recurso de personificação ao atribuir à um elemento
inanimado (poesia) uma ação própria dos seres vivos (come).
Ainda sobre as figuras de linguagem presentes nos versos apresentados
anteriormente e nos seguintes. De início, se observa a repetição da consoante “p”, ou
aliteração, recurso que serviu para marcar os núcleos de significação da obra,
poema/poeta. Outro recurso é a assonância, a repetição de vogais, como no verso
“minha poesia morde o poema até sair outro poema”.
Umbigo de Nicolas Behr é um texto no qual não se apresentam arcaísmos, ao
contrário, a linguagem é simples e de fácil compreensão. No entanto, em relação ao
léxico utilizado no poema, é possível identificar a repetição vocabular em “minha
poesia morde o poema até sair outro poema”, verso anteriormente analisado. Um
recurso em destaque logo nos primeiros versos e que se mantém ao longo do poema é a
anáfora, através da repetição da sentença “minha poesia”. Essa ferramenta pertencente
ao estrato lexical cumpre o papel de demarcar e reforçar a temática central do texto,
além de servir como marcador rítmico. Outro recurso é intertextualidade, fazendo assim
referências a expressões presentes em outros textos, como no verso “minha poesia sente
tremeliques toda vez que ouve leninha e /as ministéricas”. A palavra em destaque faz
referência ao cenário de contracultura da década de 1970.
Partindo agora da análise dos versos finais do poema, Nicolas Behr apresenta
toda a melancolia presente na poesia e a dor que ela emana, além de invocar as
memórias:

minha poesia vem do passado e por lá mesmo fica


minha poesia são meus olhos - molhe-os
minha poesia - cada dia uma linha e uma pequena dor
minha poesia e o poeta entram de mãos dadas no cemitério
para ler lápides e chorar um pouco - saudades dos seus
(BEHR, 2006)

Conclusão

A poesia de Nicolas Behr é sempre um desafio no ato de sua análise. Não pela
complexidade vocabular, mas sim pela riqueza de imagens e sentido que ela evoca. Essa
é, sem dúvidas, a característica central do poema Umbigo, analisado pelo presente
artigo.
Os versos foram construídos a partir de uma estrutura que rompeu com a
tradição poética, mas não rompeu com a diversidade de recursos linguísticos, ao
contrário. Behr faz uso da aliteração, assonância, anáfora, repetição vocabular,
intertextualidade, dentre outros.
No que se refere à temática do poema vê-se o poema falando de si, para si e para
o outro, nesse caso o leitor. O autor discorre acerta da poesia com tom ora satírico, ora
carregado de intensidade, evocando diversas imagens.
Referências Bibliográficas

BEHR, N. Umbigo. Brasília: LGE, 2006.

SANTOS. Lira Pau-Brasília Entre farpas e superquadras: poesia, contracultura e


ditadura na capital (1968-1981). 2008. Tese (Mestrado em História). Universidade de
Brasília.

CORTEZ, C. Z.; RODRIGUES, Miltom Hermes. Operadores de leitura da poesia. In:


______. (org.). Teoria Literária - Abordagens históricas e tendências contemporâneas.
Maringá: 1ª ed. 2003. p. 59-92.

SALGUEIRO, W. Poesia, riso e testemunho em Umbigo (2006) de Nicolas Behr.


Programa de Pós- Graduação em Letras. Universidade Federal do Espírito Santo. 2012.
Disponível em:< https://textopoetico.emnuvens.com.br/rtp/article/view/118/115>Acesso
em: 01 de março de 2021.

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