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A traição da OCI – Capítulo 2

Nahuel Moreno

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3. Stalin e o socialismo em um só país

O coroamento da teoria stalinista é, desde o início, o “socialismo em um só país”, formulada por


seu autor em 1924 e consagrada como base de orientação aos partidos comunistas no VI
Congresso da Comintern.

A teoria do socialismo em um só país nasceu como reação a um fato real, a derrota da Revolução
Alemã, e se consolidou diante de outro fato semelhante, a derrota da Revolução Chinesa em
1925-27. Essas derrotas jogaram momentaneamente por terra as esperanças de Lenin e Trotsky,
de que a expansão da revolução proletária de um país adiantado como a Alemanha colocaria fim
ao isolamento da URSS e daria um poderoso impulso ao desenvolvimento das forças produtivas
sob o regime da ditadura do proletariado.

Junto com isso, a paralisia total das forças produtivas na URSS devido à Guerra civil e ao
isolamento do Estado Operário havia obrigado a direção bolchevique, desde 1921, a
implementar a Nova Política Econômica (NEP). A essência dessa política consistia na restauração
do mercado interno capitalista (não do comércio exterior, cujo monopólio manteve-se nas mãos
do Estado Operário), para facilitar o intercâmbio entre a agricultura, privada em sua maior parte,
e a indústria, majoritariamente estatal.

A aplicação dessa política teve um duplo efeito: por um lado, deu um impulso às forças
produtivas, por outro lado permitiu o ressurgimento de uma pequena classe capitalista,
exploradora, na URSS: os homens da NEP nas cidades e os kulaks, ou camponeses ricos, no
campo.

A burocracia governante, encabeçada por Stalin e Bukharin, lançou a consigna de “enriquecei-


vos” aos camponeses, sustentando que com ela se ganharia os camponeses para o socialismo.
Mas, na realidade, como mostra Trotsky, isso só significou o enriquecimento de uma pequena
minoria de camponeses às custas da maioria. Ao mesmo tempo, surge o chamado “homem da
NEP”, o comerciante privado entre a agricultura e a indústria.
Contra essa situação, a oposição de esquerda propôs seu plano de industrialização, cujos fundos
deviam vir dos impostos arrecadados da nova classe de kulaks. Como é do conhecimento, a
oposição foi acusada de “superindustrialização” e de “inimiga do camponês”.

A política da NEP, tal como foi aplicada pela burocracia, foi a origem do “socialismo em um só
país”. Escutemos Trotsky:

“A vacilação perante as empresas camponesas individuais, a desconfiança perante os planos, a


defesa do ritmo mínimo de industrialização, o descuido com problemas internacionais, tudo isso
junto constitui a essência da teoria do “socialismo em um só país”, apresentada pela primeira
vez por Stálin em 1924, após a derrota do proletariado na Alemanha. Não apressar a
industrialização, não lutar contra os camponeses, não acreditar na Revolução Mundial, e,
sobretudo, proteger o poder da burocracia partidária das críticas”. (The Revolution Betrayed,
Pathfinder, 1972, p. 32).

Ou seja, que a teoria do socialismo em um só país é, também, uma aplicação particular da teoria
dos campos. Neste caso, o campo inimigo é o da burguesia dos países capitalistas, que querem
derrotar a Revolução Proletária. O campo progressista é o da NEP, com o Estado Operário e a
burguesia que começa a reaparecer (kulaks e os Nepman). Este campo deve ser preservado a
todo custo: por isso, é necessário construir o socialismo “a passo de tartaruga”, segundo a
conhecida frase de Bukharin, não acelerar a industrialização, nem aplicar políticas que impeçam
o enriquecimento dos aliados no campo. Ao mesmo tempo, nega-se e oculta-se a luta de classes
dos kulaks e Nepman contra os explorados e o estado operário.

Evidentemente, o processo de enriquecimento de uma classe exploradora traz uma dinâmica


fatal para o Estado Operário. Os kulaks e os homens da NEP sabem que seu enriquecimento tem
um limite, imposto pela existência da indústria nacionalizada e do monopólio estatal do
comércio exterior. Ao começar a questionar estes limites para seu desenvolvimento, colocam
em perigo a existência do Estado Operário, fonte de poder e privilégios da burocracia. Então,
esta realiza um giro de 180 graus: a consigna “enriquecei-vos” foi trocada pela de “destruição
dos kulaks como classe”; e o “passo de tartaruga” da industrialização converte-se em um “galope
furioso”. O campo [progressista, ndt] é rompido, porém, não por culpa da burocracia, que
fornece todas as possibilidades para o enriquecimento dos “aliados de campo”, mas por estes
últimos, que veem corretamente na existência do estado operário um empecilho para seu maior
enriquecimento e desenvolvimento como classe capitalista.
O socialismo em um só país é também a teoria dos campos a nível internacional. O campo
progressista, neste caso, é o da URSS e os estados burgueses e imperialistas que “coexistem
pacificamente” com ela, mantém boas relações comercias, etc.

Para não exagerar em exemplos, recordemos que, no afã de manter o campo “antifascista” com
as burguesias democráticas, adotou-se a política das frentes populares, que conduziram à
derrota da Revolução na Espanha e França.

Na atualidade, é considerado um “aliado de campo” qualquer Estado burguês que mantenha


boas relações diplomáticas e comerciais com a URSS. É em base a essa consideração que a
burocracia soviética é uma inimiga feroz da ditadura de Pinochet, no Chile, mesmo que ela e o
PC argentino estejam entre os melhores aliados da ditadura de Viola. A única diferença entre as
duas ditaduras é que esta última mantém excelentes relações comerciais com a URSS.

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