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IV Congresso Internacional Vertentes do Insólito Ficcional

VII Encontro Nacional O Insólito como Questão na Narrativa Ficcional


XVI Painel Reflexões sobre o insólito na narrativa ficcional

Monstruosidades
ficcionais
Homenagem aos 200 anos de Frankenstein de Mary Shelley

de 11 a 15 de novembro de 2018
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

http://www.sepel.uerj.br/eventos.html
Flavio García
Carlos Reis
Ana Cristina dos Santos
Júlio França
Maria Cristina Batalha
Marisa Martins Gama-Khalil
Regina Michelli
(Organizadores)

Caderno de Resumos
IV Congresso Internacional Vertentes do
Insólito Ficcional
VII Encontro Nacional O Insólito como
Questão na Narrativa Ficcional
XVI Painel Reflexões sobre o insólito na
narrativa ficcional

2018
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Ruy Garcia Marques
Vice-Reitora
Maria Georgina Muniz Washington

Dialogarts
Coordenadores
Darcilia Simões
Flavio García

Conselho Editorial

Estudos de Língua Estudos de Literatura


Darcilia Simões (UERJ, Brasil) Flavio García (UERJ, Brasil)
Kanavillil Rajagopalan (UNICAMP, Brasil) Karin Volobuef (Unesp, Brasil)
Maria do Socorro Aragão (UFPB/UFCE, Brasil) Marisa Martins Gama-Khalil (UFU, Brasil)

Conselho Consultivo

Estudos de Língua Estudos de Literatura


Alexandre do A. Ribeiro (UERJ, Brasil) Ana Cristina dos Santos (UERJ, Brasil)
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Luís Gonçalves (PU, Estados Unidos) David Roas (UAB, Espanha)
Maria João Marçalo (UÉvora, Portugal) Jane Fraga Tutikian (UFRGS, Brasil)
Maria Suzett B. Santade (FIMI/FMPFM, Brasil) Júlio França (UERJ, Brasil)
Massimo Leone (UNITO, Itália) Magali Moura (UERJ, Brasil)
Paulo Osório (UBI, Portugal) Maria Cristina Batalha (UERJ, Brasil)
Roberval Teixeira e Silva (UMAC, China) Maria João Simões (UC, Portugal)
Sílvio Ribeiro da Silva (UFG, Brasil) Pampa Olga Arán (UNC, Argentina)
Tania Maria Nunes de Lima Câmara (UERJ, Brasil) Rosalba Campra (Roma 1, Itália)
Tania Shepherd (UERJ, Brasil) Susana Reisz (PUC, Peru)

Dialogarts
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Maracanã - Rio de Janeiro - CEP 20.569-900
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Ana Cristina dos Santos; Marisa Martins Gama-Khalil; Regina Michelli
(Orgs.).

Capa
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Supervisão de Nathan Sousa de Sena
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Evertton Alves Galeão Siliprandy
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Thaiane Baptista Nascimento

Produção
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Laboratório Multidisciplinar de Semiótica
FI CH A CA T A L O G RÁ F I C A

G216 GARCIA, Flavio; REIS, Carlos; SANTOS, Ana Cristina dos; BATALHA, Maria
R375 Cristina; GAMA-KHALIL, Marisa Martins,; MICHELLI, Regina (Orgs.).
B328 Caderno de Resumos. IV Congresso Internacional Vertentes do Insólito
S237 Ficcional/ VII Encontro Nacional O Insólito como Questão na Narrativa
G185 Ficcional/ XVI Painel Reflexões sobre o insólito na narrativa ficcional
M623
Rio de Janeiro: Dialogarts, 2018.
Bibliografia
ISBN 978-85-8199-110-8
1.Literatura. 2. Insólito Ficcional. 3. Evento Acadêmico. 4. Resumos. I.
Organizadores. II. Núcleo de Estudos do Fantástico. III. Seminário
Permanente de Estudos Literários. IV. Título.

Ín d i ce p ar a Cat á lo go S is tem át ico


800 – Literatura
Abílio Aparecido Francisco Junior

BRUXARIA E ESCRAVIDÃO: A MONSTRUOSIDADE TRANSVIADA EM


“CONTO FANTÁSTICO”, DE AMÉRICO LOBO

A bruxaria está presente na humanidade desde


seus mais antigos registros. De acordo com Michael D.
Bailey, em seu Historical Dictionary of Witchcraft, há
registros de punições à feitiçaria e bruxaria no Código
de Hamurabi, escrito por volta de 1750 a.C. No Brasil do
século XIX, contexto de surgimento de sua literatura
fantástica, ocorreram publicações de narrativas em que
esta temática é trabalhada, são exemplos delas o
poema “A orgia dos duendes”, de Bernardo Guimarães,
de 1865, e “Conto fantástico”, de Américo Lobo,
publicado em 1861 e esquecido pela crítica desde
então. Dorothy Scarborough, em seu The Supernatural in
modern english fiction, publicado em 1917, destaca a
existência de dois tipos preponderantes de bruxas na
literatura. A primeira é a jovem femme fatale, que
consegue satisfazer seus desejos principalmente a partir
de certa hipnose realizada sobre os homens. Já a
segunda é a bruxa velha, decrépita, normalmente
corcunda e deformada, que está diretamente
associada à prática de criar poções e realizar rituais.
Ocorre, pois, no conto de Américo Lobo, a junção das
características desta última bruxa descrita às
propriedades atribuídas a essa figura pelo imaginário

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popular brasileiro, registrado por Luís da Câmara
Cascudo em seu Dicionário do folclore brasileiro, de
1962. Na narrativa do autor oitocentista, um senhor de
fazenda abandona um escravo, por muitos considerado
filho de uma feiticeira, para morrer na floresta. Mais
tarde o latifundiário sofrerá uma série de consequências
como a ação da natureza revoltada ao queimar e
inundar sua fazenda, além de sua mulher parir
prematuramente um natimorto, o qual vem ao mundo
desfigurado e é descrito como monstruoso, pois carrega
as mesmas características físicas marcantes da bruxa
que havia amaldiçoado o homem. Entretanto, no
decorrer da narrativa são dadas pistas ao leitor a fim de
criar uma incerteza com relação às reais ações da
considerada bruxa sobre os acontecimentos relatados,
visto que estes poderiam ser originários de
coincidências. Tal indecisão pode levar o leitor a
considerar a definição que Scarborough (1917) dá de
aged pseudo-witch (velha pseudo-bruxa), a qual só é
tida como aliada ao diabo, pois foi marginalizada e
assim classificada pela sociedade, sem nunca realizar
qualquer ato diabólico. Procura-se, a partir desta visão,
estabelecer uma comparação da figura da bruxa no
conto brasileiro com as bruxas presentes na peça
Macbeth, de Shakespeare, como também no conto de
1835, de Nathaniel Hawthorne, “O jovem Goodman

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Brown”, a fim de perceber potenciais vieses analíticos
da construção narrativa de Américo Lobo de 1861.

Adriana Jordão

EX-VOTOS E A COMUNICAÇÃO ICONOGRÁFICA ENTRE DOIS MUNDOS

Nas prateleiras repletas de cabeças, pés, braços,


seios, olhos, as partes figuradas de corpos humanos
contam os milagres do não-humano, relatam a crença
da ação do invisível sobre a matéria: são os ex-votos. A
milenar prática votiva de ofertar aos poderes sobre-
humanos objetos em representação de corpos humanos
e seus fragmentos narra o intenso trânsito entre o terreno
e o divino, pois se o padecimento e a dor aproximam o
indivíduo de seu santo de devoção, a consagração da
parte curada através da carne transfigurada em cera,
madeira, plástico, gesso, alcança o transcendente,
selando a relação entre o humano e o não-humano,
transportando a parte consagrada para “o outro lado”,
ratificando publicamente o intercâmbio entre concreto
e invisível. O ex-voto surge, assim, como um importante
objeto biográfico, pois torna, ao mesmo tempo, pública
aos olhos terrenos e concreta ao mundo invisível a
comunicação de uma história de fé no invisível, em um
mundo possível onde a memória em duplicidade de um
membro ou órgão passará a existir. É neste objeto-
oferenda que se fixa a memória do gozo da graça

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alcançada, da vulnerabilidade dos corpos à doença e
à dor, a memória que reafirma a presença sobrenatural
na vida do humano. O corpo físico restituído retorna em
peregrinação para entregar suas partes em iconografia,
dar algo de si ao santo, replicando-se em objeto
concreto que medeia sua crença no invisível e reafirma
a certeza da comunicação entre os dois lados, o de sua
realidade corpórea e o de um lado invisível, aquele
além da tangibilidade material. Tomando de
empréstimo uma proposição estabelecida na ementa
do simpósio, “a figura inquietante do entremeio que já é
tanto eu como outro” é representada nesta
comunicação pelo pedaço humano e não-humano do
ex-voto, investigada nessa comunicação.

Adriane de Paula Majczak Linhares

EDWARD MÃOS DE TESOU RA – MONSTRO E PRÍNCIPE CYBER-GÓTICO


DO CINEMA DARK

Príncipe pós-moderno, misto de monstro cyborg


com o caráter romântico de um poeta simbolista do
século XIX, Edward Mãos de Tesoura é uma criação
cheia de poesia e subjetividade. A construção deste
personagem em seus aspectos imagéticos e discursivos
nos convida a refletir sobre as relações entre sua
identidade, sua imagem e subjetividade e sua
relevância e impacto na construção contemporânea,
tanto em meio às expressões de cultura pop na ficção

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quanto às expressões de subculturas urbanas e suas
manifestações de figurino e performance nas ruas e
festivais. Estruturado como personagem
cinematográfico do cinema Burtonesque na virada dos
anos 80/90, Edward é representativo de uma estética
que poderíamos identificar como dark ou gótica e
remete diretamente, em narrativa e em visualidade, ao
personagem gótico Frankenstein, de Mary Shelley.
Ambos Frankenstein e Edward, desde seu momento de
sua criação ficcional nas suas narrativas
correspondentes, são emblemáticos da impossibilidade
de encaixe em um modus vivendi de uma sociedade
que é inquietantemente hostil àqueles que são
detentores e expressivos de alteridade, e são, desta
forma, conceitualmente articulados no Gótico
Romântico. A presente comunicação busca traçar o
perfil do herói-título Edward, cuja estrutura pode ser
considerada um exemplo de duas estéticas em
crossover: o gótico e o cyberpunk e evocar uma
reflexão sobre a reverberação da obra literária de
Shelley a partir da peça audiovisual que, desde seu
lançamento em 1990, desperta impacto estético e
narrativo na contemporaneidade. Detalhes relativos ao
seu vestuário, sua construção visual e sua inserção e
trajetória, na peça audiovisual intitulada com seu nome,
são detentores de discurso e de significados profundos e

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suscitam discussões sobre a artificialidade da vida
contemporânea, os conceitos relativos ao monstro e ao
diferente, e aquilo que é comumente denominado
como (a) normalidade. Por meio de uma poética
audiovisual, é suscitada a reflexão com relação às
expressões visuais urbanas e à vida em sociedade atual.
Foram utilizados como teorias de base, entre outros,
estudos sobre o sublime, por Edmund Burke e e de
Estética de Ariano Suassuna, estudos da Dra. Adriana
Amaral e de Donna Haraway, sobre o cyberpunk e de
Maggie Kilgour e Joan Hawkins, sobre o gótico per se.

Adriano Rodrigues de Oliveira

OS EWAIPANOMAS: HISTÓRIA E FICÇÃO NA NARR ATIVA DE WALTER


RALEIGH EM 1595

Esta comunicação analisa o mito dos


Ewaipanomas, seres anômalos, denominados no
imaginário antigo e medieval de blêmias ou acéfalos.
Essas criaturas foram mencionadas no Novo Mundo,
pelo pirata, soldado, poeta, historiador e explorador
inglês, Walter Raleigh (1552- 1618), em sua narrativa
sobre A Descoberta do Grande, Belo e Rico Império da
Guiana (1595) – obra publicada em Londres no ano de
1596. Raleigh descreveu os Ewaipanomas como uma
nação de selvagens fantasmagóricos, que tinham corpo
de homem, mas não possuíam cabeça, cujos olhos
nasciam nas costas e a boca estava localizada no

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peito. Ainda segundo o explorador, os índios locais
teriam conhecimento e temor dessas insólitas criaturas,
que andavam armadas com flechas, arcos e porretes
mais potentes do que o dos próprios indígenas. Apesar
de enfatizar nunca ter encontrado pessoalmente esses
monstrengos, Raleigh retoma em sua narrativa escritores
medievais como John Mandeville, que descreveu seres
monstruosos similares, na segunda metade do século
XIV. Dito isso, este trabalho enfatiza, sobretudo, o
entrecruzamento da história e da ficção, a partir da
abordagem de Paul Ricoeur (1997), quando esse autor
afirma existir uma historicização da ficção e uma
ficcionalização da história, no que tange aos elementos
da construção narrativa. No caso do presente trabalho,
nos interessa perceber os motivos e os significados dos
seres monstruosos na denominada narrativa de viagem
do século XVI, como se deu o olhar eurocêntrico sobre o
Outro do Novo Mundo, e como o imaginário
antigo/medieval alimentou a imaginação sobre seres e
lugares fantásticos na literatura de viagem do contexto
seiscentista.

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Aila do Carmo Sant’ Anna

DE METAMORFOSES E REDENÇÕES: UMA ANÁLISE DO CONTO "O


PRÍNCIPE SAPO" E DA VERSÃO CINEMATOGRÁFICA "A PRINCESA E
O SAPO"

Jacob e Wilhelm Grimm, mais conhecidos como


os irmãos Grimm, foram linguistas, poetas e escritores
que viveram entre o século XVIII e XIX e nasceram em
Hanau, na Alemanha. Jacob nasceu em 1785 e Wilhelm,
um ano depois. No início de 1800 os irmãos tiveram
contato com poesias populares e se encantaram com o
material a que tiveram acesso. A partir de então,
passaram a coletar histórias que eram contadas
oralmente de geração em geração. Eles pretendiam
preservar essas histórias que faziam parte da cultura
alemã e, com essa intenção, transcreveram-nas,
transformando-as em contos infantis. Os Grimm
revolucionaram o mundo das narrativas infantis e
também contribuíram muito para a língua alemã
criando, por exemplo, o dicionário definitivo dessa
língua. Entre os mais famosos contos dos dois irmãos,
destacam-se “Branca de Neve”, “Rapunzel” e “João e
Maria”. Além deles, outro conto bastante conhecido é
“O príncipe sapo ou Henrique de ferro”, história em que
presente trabalho se propõe analisar a metamorfose da
personagem em sapo e o processo de redenção, com o
retorno à aparência humana, tendo em vista o cenário
do maravilhoso,. Essa narrativa pertence ao ciclo do

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noivo ou noiva animal, analisado pelo psicanalista Bruno
Bettelheim. Além da história registrada pelos Grimm,
analisaremos comparativamente a versão apresentada
no filme, da Walt Disney Animation Studios, “A princesa e
o sapo”, dirigido por Ron Clements e John Musker, dois
cineastas e animadores americanos, que fizeram
parceria na produção de diversos filmes da Walt Disney
Pictures. A análise do filme será voltada para a
metamorfose do sapo, conforme ocorre no conto dos
irmãos Grimm, e do antagonista que representa o mal. A
fundamentação teórica que sustenta esta pesquisa
apoia-se nos trabalhos e pesquisas de Nelly Novaes
Coelho, Bruno Bettelheim e Marie-Louise von Franz.

Alex Fabiano Correia Jardim

O QUE PODE UM CORPO MONSTRUOSO? ANORMALIDADE FÍSICA E


MORAL NA OBRA OS ANORMAIS, DE MICHEL FOUCAULT

O diálogo entre filosofia e literatura nos dispõe de


inúmeras possibilidades. Nessa aproximação por
interseção e composição, pretendemos construir um
campo problemático entre Michel Foucault e Edgar
Allan Poe. O primeiro, filósofo do século XX, o segundo,
escritor da primeira metade do século XIX. O que
tornaria tal diálogo possível? Qual o problema que faria
implicar dois autores do pensamento contemporâneo?
A proposta do trabalho é indicar como ambos se
tornam próximos em torno de questões como a

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monstruosidade e sua característica perversa e cruel.
Foucault, em sua obra Os anormais, nos apresentará o
domínio da anomalia, dizendo que ela começa a surgir
no final do século XVIII e início do XIX a partir da ideia do
monstro humano. O que denominará que alguma coisa
é um monstro humano será: a lei, portanto, é uma
noção jurídica, isto é, ele se constitui enquanto uma
violação das leis da sociedade; e a biologia, ou seja, é
uma violação das leis da natureza. Dessa maneira, o
campo de existência para o seu aparecimento é
jurídico-biológico. Nessa direção, qual seria o grande
desafio da ciência do século XIX? Produzir um conjunto
de dizibilidades onde seja possível visualizar qual o fundo
de monstruosidade que existe por trás de pequenas
anomalias, de pequenos desvios, das pequenas
irregularidades. É nessa perspectiva que os contos de
Poe também se apresentam. Onde há ficção e
imaginário, há também movimentos que espelham o
próprio real, a vida e seus estranhamentos. Se Poe nos
apresenta uma face perversa e perigosa no homem na
literatura, isso o aproxima da ideia de “monstro humano
ou indivíduo perigoso” em Foucault. Um tipo de escrita
da “parte maldita” daquilo que nos constitui. Neste
sentido, os contos de Poe nos permitem pensar a ideia
de anormalidade e a constituição do monstro em
detrimento do ideal de razão. Poe, através dos seus

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contos, desvela-nos um homem que a qualquer
momento pode escapar do território da razão, fazendo-
se emergir pela força das afecções, o passional e o
desmedido. Na obra Os Anormais, Foucault
problematizará que o “monstro humano” (seja físico
e/ou moral) torna-se objeto de discurso, além de ser
também constituído pelo próprio discurso. E juntamente
com o discurso sobre o monstro, nos depararemos com
outro problema: aparecerá a figura do “indivíduo a ser
corrigido”. Se com a ideia de monstro (ou corpo
monstruoso) o contexto era a relação natureza e
sociedade, um misto entre um “ser cosmológico e anti-
cosmológico”; o indivíduo a ser corrigido (nesse caso, a
monstruosidade moral) acrescentará um outro conjunto
de relações: a família, a escola, a igreja, a polícia e as
demais instituições. Sendo assim, para Foucault o
anormal e seu corpo monstruoso deve ser pensado
também enquanto indivíduo perigoso a ser corrigido. A
questão é que Poe leva ao limite a insensatez de
personagens criando zonas de indiscernibilidade entre o
fato e a ficção. Como “corrigir uma monstruosidade”, se
por vezes não há possibilidade de compreendermos um
crime ou um ato monstruoso em seu sentido lógico?

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Alexandre Albernaz Simões

BESTANTES: UM NOVO OLHAR DA CONSTRUÇÃO DE UM SER VIVO

Esta apresentação propõe uma investigação a


respeitos das bestas, ou bestantes, mencionados no
primeiro livro da trilogia Jogos Vorazes (2010),
homônimo, de Suzanne Collins. Na obra, surge uma raça
diferente de lobo, cujos trejeitos são irreconhecíveis para
a raça, como, por exemplo, o equilíbrio nas patas
traseiras, a gesticulação como protótipo de
comunicação, a pelagem de cores diversas, a variação
na estatura e olhos que remetem aos de pessoas já
mortas, os tributos. O quadro imaginário no qual as
bestantes são introduzidas é uma sociedade distópica
pós-apocalíptica que surge das cinzas da região
conhecida como América do Norte. Após catástrofes
naturais e não-naturais, surge Panem, um país dividido
em 13 distritos – responsáveis pela produção de
matérias-primas – e uma Capital – onde governantes e
pessoas influentes residem. Após os Dias Escuros, rebelião
dos distritos contra a Capital, foram criados os Jogos
Vorazes. “As regras dos Jogos Vorazes são simples [...],
como punição pelo levante, cada um dos doze distritos
deve fornecer uma garota e um garoto – chamados
tributos – para participarem” (COLLINS, 2010, p.24) – e
tais tributos são jogados em uma arena para se
matarem. O último sobrevivente volta para casa e

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recebe uma vida tranquila e cheia de recompensas
como prêmio. Entretanto, ao mesmo tempo em que
toda a atrocidade acontece, os jogos servem de
entretenimento para os cidadãos da Capital, que
assistem tudo com cobertura ao vivo, com direto à
comentaristas, enquanto para o resto da população
servem como forma de repreensão/controle. Conforme
acontecem as mortes dos tributos, os corpos são
recolhidos e levados até algum departamento não
mencionado. No confronto entre os três tributos
restantes, a Capital solta as bestantes, e Katniss, ao olhar
para eles com atenção, percebe algumas das
características físicas/psicológicas que captou
enquanto conviveu com os tributos, deixando-a
atordoada. “Há uma outra coisa a respeito delas, uma
coisa que faz os cabelos em minha nuca se eriçarem
[...]. Eles são eminentemente humanos. [...] Um grito me
escapa da boca e estou tendo dificuldades para
manter meu arco no lugar. [...] E o que é pior, a menor
bestas de todas, com uma pelagem escura e brilhante,
imensos olhos castanhos e um colar onde está escrito 11
em palha trançada. Dentes cerrados destilando ódio.
Rue...” (COLLINS, 2010, p.355-356). Os traços monstruosos
das bestantes serão discutidos por meio de proposições
formuladas por Neol Carroll em A Filosofia do Horror ou
Paradoxos do Coração (1999), segundo as quais os

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monstros perturbam as categorias taxonômicas por não
se enquadrarem plenamente em nenhuma – é uma
criatura intersticial. As bestantes, afinal, são duplamente
intersticiais: localizam-se na fronteira entre o humano e o
lobo, bem como entre o vivo e morto. Já as
características do quadro imaginário em que se veem
inseridas tais criaturas serão abordadas de acordo com
proposições de Darko Suvin em Metamorphoses of
Science Fiction (2006) e de Ernst Bloch em O Princípio
Esperança Vol. 1 (2005). Ambos os autores servirão de
auxílio na compreensão da distopia Jogos Vorazes e dos
monstros que nela habitam.

Alexander Meireles da Silva

“O BEBÊ DE TARLATANA ROSA” COMO WEIRD FICTION: UMA


LEITURA

Publicado em 1910 na obra Dentro da noite, o


conto “O Bebê de Tarlatana Rosa”, do escritor e
jornalista carioca João do Rio, traz a cidade do Rio de
janeiro, ou melhor, a rua da capital federal na Primeira
República como espaço de sua narrativa. Não se trata,
porém, do Rio de Janeiro iluminado da Belle Époque em
sua busca de reconhecimento como um Paris Tropical,
marcada por Chás das cinco e pela reforma urbana e
sanitária, mas sim pelo seu Duplo, o lado oculto de uma
cidade imersa no paradoxo entre a modernidade
republicana e a tradição monarquista com a persistente

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presença de praticantes de umbanda, viciados em ópio
e prostitutas tuberculosas. Sobre este cenário
decadente, João do Rio acrescenta outra camada, o
último dia do Carnaval, véspera da Quaresma. Entre o
sagrado e o profano, na urbe noturna carnavalesca
marcada pela lascívia, pela suspensão da
racionalidade e pelo abandono da razão, se tem
portanto o lócus ideal para a erupção de uma
realidade insólita, sobrenatural, e, como se pretende
demonstrar neste trabalho, weird. Neste aspecto, o que
se propõe é a leitura de “O bebê de tarlatana rosa”,
comumente relacionado ao Decadentismo ou mesmo
ao gótico, como um conto que se alinha com as
características da weird fiction de origem inglesa,
praticada por, dentre outros escritores, Sheridan Le Fanu,
Lord Dunsany, Arthur Machen e M. R. James. Como a
noite da cidade do Rio de Janeiro da República Velha,
durante o Carnaval, cria uma realidade encarnada por
seres monstruosos que geram horror em indivíduos que a
adentram? Esta é uma das perguntas que guiará esta
análise.

Alfredo Bronzato da Costa Cruz

A DESCOBERTA DO PR. JACOBS: RACIONALIDADE E TERROR EM


REVIVAL (2014), DE STEPHEN KING
O romance Revival, publicado por Stephen King
em 2014, narra as histórias conectadas do narrador

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Jamie Morton e de Charles Jacobs, um pastor
esclarecido que, após sofrer uma tragédia familiar,
rompe com sua religião e desenvolve a obsessão de,
através da ciência, responder a perguntas sobre o além
que a fé não pôde lhe oferecer. O enredo é marcado
pelos sucessivos momentos em que, por acaso ou
destino, cruzam-se as trajetórias de Jacobs e Morton, até
que este se vê inteiramente arrastado para dentro da
maior das experiências daquele. Ao descrever a sombra
da vida de Jacobs sobre a do narrador, King refez, em
miniatura, a narrativa que a razão iluminista construiu a
seu próprio respeito, compreendendo-se como produto
da passagem da magia à religião e, depois, da religião
à ciência, e que esta última seria capaz de dar ao ser
humano respostas definitivas a respeito de questões que
o pensamento mágico e religioso, tido como pré-
racional, teria sido incapaz de lhe fornecer. As pesquisas
do ex-pastor, contudo, não o conduzem a qualquer
alívio, mas a um desespero maior do que o causado, em
sentido estrito, pela perda de sua esposa e filho; em
Revival, não é uma falha da racionalidade que
possibilita a irrupção do terror no mundo, mas, ao
contrário, o seu sucesso. Esta comunicação pretende
estabelecer alguns vínculos entre as etapas pelas quais
Morton procura ter acesso à realidade última do
universo e a autoconsciência iluminista, assim como

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relacionar o irracionalismo de sua descoberta maior
com a tradição de crítica à modernidade conforme
esta foi desenvolvida na literatura de Mary Shelley,
Arthur Machen e Howard Phillips Lovecraft.

Alice de Araujo N. Pereira

ÓRFÃOS DE ESPERANÇA: A FIGURA DO REFUGIADO,


MONSTRUOSIDADE E BIOPOLÍTICA NO FILME FILHOS DA
ESPERANÇA DE ALFONSO CUARÓN
Para Jameson, o narcisismo coletivo, apesar de
ter raízes em um impulso utópico, gera formas de
xenofobia e racismo (2005), as quais os refugiados
frequentemente enfrentam, mesmo após as
adversidades para deixar a terra natal e no caminho em
busca de asilo. Giorgio Agamben (1995) afirma que a
figura do refugiado, simbolicamente, quebra a
continuidade conceitual entre homem e cidadão,
colocando a ficção da soberania moderna em crise. No
entanto, em uma narrativa distópica em que os Estados-
nação são praticamente inexistentes, como analisar a
representação do refugiado? A partir do conceito de
necropolítica de Mbembe, que argumenta que a
política é um trabalho de morte e a soberania é o direito
de matar (2011), quem tem o direito sobre a vida e
morte do refugiado nesse contexto? O filme Filhos da
esperança (2006), baseado no romance distópico da
autora P.D. James, The children of men, tem refugiados

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como personagens importantes. Nele, em um futuro não
muito distante, nenhum nascimento foi registrado nos
últimos 25 anos. A Inglaterra consegue manter uma
sociedade ainda funcional e estável apesar da situação
apocalíptica em que o mundo se encontra. A Grã-
Bretanha se tornou o destino principal daqueles que
tentam fugir das catástrofes naturais, conflitos e
instabilidade política. Os refugiados são mantidos em
campos de concentração, mas seu destino é incerto.
Na película, o refugiado é uma figura monstruosa, pois,
argumentamos, sobrepõe ideias de antagonismo,
exclusão e ostracismo, como colocado por Gregory
Claeys (2017). Os refugiados estão fora da sua Nação
de origem, mas também sem asilo. É a figura que está
no interstício do cidadão com o estrangeiro, a figura
que o Estado não pode matar, mas deixa morrer. A
presente comunicação pretende analisar as questões
temáticas e estéticas acerca dos refugiados no
contexto distópico do filme dirigido por Alfonso Cuarón
e suas implicações na representação da
monstruosidade nesse gênero ao abordar tal questão
contemporânea.

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Alzira Lobo de Arruda Campos

O FANTÁSTICO NA LITERATURA: OS MONSTROS EM CONTOS


MEDIEVAIS E OITOCENTISTAS

Contos medievais e oitocentistas apresentam-se


como visões estereotipadas dos momentos históricos em
que foram produzidos, espelhando incertezas e temores
coletivos a respeito de um presente ameaçador,
visualizado por seus autores, protagonistas dos cenários
histórico-sociais nos quais exercitaram a sua
imaginação. No campo específico de situações
insólitas, marcadas pela presença de monstros ou
monstruosidades no sentido histórico-literário, analisa-se
o imaginário coletivo que se confunde com a história
das mentalidades, sobre a qual se pergunta se
compreende uma realidade científica, se apresenta
uma coerência conceitual, se é epistemologicamente
operatória. Todas essas questões encontram-se nesta
comunicação, como integrantes consideradas
essenciais para o entendimento das dimensões
individuais ou coletivas das narrativas. Apoiados nesses
pressupostos teóricos, procuramos definir o papel
desempenhado pela literatura e pela história na grande
aventura de se compreender o homem em suas
incursões no mundo real e no imaginário, registradas em
contos categorizados como “fantásticos”, no
espelhamento em criaturas consideradas monstruosas,

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por suas características físicas ou morais. Esta reflexão
fundamenta-se no princípio de que o contexto
esclarece e explica o fantástico, como fator estruturante
da realidade, mas não como fator único, uma vez que o
tempo e o espaço históricos são multifacetados,
compondo um pluralismo estrutural que deve ser
avaliado em seu conjunto. Como suportes empíricos e
com uma abordagem interdisciplinar, figuram em
primeiro lugar, neste estudo, os contos medievais,
chamados de “infantis”, uma vez que se destinavam a
cumprir funções sociais de alto valor operatório para os
camponeses. Os seus autores permanecem
individualmente anônimos, enquanto que as suas
origens, definidas com relativo rigor, remontam ao
século XIII. Após cinco séculos, o desenvolvimento dos
estados nacionais, aliado à primeira explosão
demográfica da história e à ameaça recorrente da
eclosão de revoluções proletárias, provocou grande
interesse pelo conhecimento do “povo”, resultando no
surgimento do folclore, uma nova disciplina das
Humanidades, e em seus agentes, os “folcloristas”, que
passaram a recolher “contos populares”, reescrevendo-
os em versões afeitas aos gostos dos salões, chamadas,
a partir de então, de “infantis”. Nessa empreitada,
destacaram-se Charles Perrault, Hans Christian Andersen
e os irmãos Wilhelm e Jacob Grimm, cujos contos

20
recontados compõem o primeiro elemento comparativo
desta análise. Compõem o segundo bloco empírico os
contos fantásticos do século XIX, organizados em
antologia por Ítalo Calvino. Este estudo situa-se na longa
duração e pretende surpreender, na trama narrativa
dos contos, a realidade e o fantástico de personagens,
além das circunstâncias e visões culturais da época em
que foram produzidos. Ao comparar narrativas criadas
por camponeses pobres a outras produzidas por literatos
integrantes da média burguesia, procuramos contribuir
para o entendimento das condições de produção entre
ambos os blocos e das circunstâncias histórico-sociais
que uniram o fantástico camponês ao fantástico urbano
das sociedades pós-industriais.

Amanda Letícia Falcão Tonetto

A CONSTRUÇÃO DO LOCUS HORRIBILIS EM “AS FORMIGAS”, DE


LYGIA FAGUNDES TELLES

“As Formigas”, conto do livro Seminário dos Ratos


(1998) de Lygia Fagundes Telles, narra a história de duas
primas que ficam hospedadas no sótão de uma pensão,
desde o início descrito como um lugar sombrio. Lá, elas
encontram um caixote com o esqueleto de um anão.
Decidem, então, ficar com os ossos e guardam o
caixote debaixo da cama. Surpreendentemente, uma
trilha de formigas começa a montar o esqueleto
durante a noite, o que, em conjunto com outros

21
elementos, contribui para a criação de uma atmosfera
insólita e sombria. Os elementos que conhecemos no
mundo real, como por exemplo o sobrado, o caixote, o
esqueleto e as formigas, são utilizados pela autora para
construir o sobrenatural, fazendo com que este pareça
ser possível, devido à existência em uma realidade
comum. Desse modo se dá a construção do
maravilhoso na narrativa, já que, segundo Jacques
LeGoff, o maravilhoso é aquilo que está por trás da
realidade cotidiana e nela se concretiza, rompendo os
limites do possível através da imaginação. O conto é
ambientado à noite e acontece num sobrado
monstruoso, com móveis entulhados, em uma sala
escura e com muita poeira. Para Gaston Bachelard, o
sótão – local do sobrado onde as personagens ficam
hospedadas – é um lugar que provoca contradição: luz
e racionalização durante o dia e trevas e
irracionalização durante a noite. Assim, a contradição
de as formigas aparecerem durante a noite e
desaparecerem ao longo do dia, provoca a
contradição, levando ao medo. Por isso, o espaço da
narrativa merece destaque, dado que é através dele
que o sentimento do medo se torna presente. Além
disso, de acordo com Gama-Khalil, a figura do
esqueleto também contribui para a irrupção do horror,
já que é inquietante tudo que se relaciona à morte, aos

22
cadáveres e ao retorno dos mortos. Dessa forma, nosso
trabalho objetiva analisar quais são os elementos
utilizados por Lygia Fagundes Telles para a composição
do espaço insólito e monstruoso na narrativa, tendo
como foco a manifestação do locus horribilis no conto e
a forma como a autora constrói meios para provocar o
horror através dele.

Amanda Regina dos Santos Lourenço

A SUBVERSÃO FEMININA EM TRÊS VERSÕES DE CONTOS SOBRE AS


FIANDEIRAS

Associada à atividade de subsistência financeira


e ao domínio divino sobre a origem, meio e fim da vida,
a prática fiandeira segue as mulheres desde tempos
primitivos: estima-se que acompanha as atividades
domésticas desde o quinto milênio antes de Cristo. Para
além da finalidade prática, o ato de fiar carrega
consigo a simbologia de tecer uma existência inteira,
determinando o seu início e a sua interrupção, à
semelhança do que ocorre literalmente com um tecido.
Fiar não significa apenas produzir peças de vestuário,
por exemplo, como também a capacidade de fornecer
proteção e alento a outros corpos. A partir dessa
habilidade individual tradicionalmente associada às
mulheres, as mitologias, especialmente a grega,
valendo-se da simbologia em torno dessa prática
primitiva, segmentaram a atividade fiandeira em três

23
mulheres de inclinações mágicas, capazes de
determinar o início, o meio e o fim, e que passaram a
habitar, também, as narrativas maravilhosas. As
fiandeiras são dotadas de um caráter divino, pois as
habilidades de cada uma estão ligadas à
determinação do ciclo vital da humanidade
(nascimento, vida e morte). Tais personagens
atravessaram os limites reais e mitológicos,
estabelecendo-se na literatura de diversas culturas ao
redor do globo. O mito das fiandeiras aparece na
literatura maravilhosa como elemento determinante
para a vida das protagonistas, possibilitando a bem-
aventurança para elas. Vale ressaltar que, em narrativas
sobre as fiandeiras, tradicionalmente as mulheres são
descritas como preguiçosas ou interesseiras. É
importante salientar que essa percepção do feminino
está atrelada a uma perspectiva patriarcal do que
significava ser mulher e essa adjetivação pode estar
conectada a uma reprovação às suas posturas
subversivas. Nos enredos maravilhosos que envolvem as
fiandeiras, notam-se sinais evidentes dessas posturas.
Além disso, sabe-se que, desde tempos remotos, as
mulheres lutam contra as opressões masculinas de
diversas formas, inclusive através de narrativas orais,
uma vez que se trata de uma técnica fundamental para
a reprodução de costumes e valores dentro de

24
sociedades mais antigas. Atrelada à roca, ao linho e ao
tear – instrumentos utilizados pelas fiandeiras – está a
atividade de contar histórias, de tecer outras
possibilidades menos opressoras de vida, ainda que
sejam ficcionais. É baseado em tudo isso que proponho
uma releitura de três contos sobre as fiandeiras, a saber:
As três tias (versão norueguesa), As três fiandeiras e A
fiandeira preguiçosa, reunidos pelos irmãos Grimm. Os
contos sobre a arte de fiar trazem para o leitor
discussões que se repetem na literatura acerca das
mulheres: a dicotomia entre beleza e feiura (em que as
fiandeiras são descritas quase como figuras
monstruosas), o casamento, a sororidade e a
possibilidade de escolha sobre o próprio destino.
Tomando como base os estudos de Liborel (2000), de
Michelli (2015) e de Todorov (2004), e a partir desses
contos, procurarei evidenciar e analisar a capacidade
feminina de subverter, coletivamente, estruturas
patriarcais, através de narrativas originalmente orais,
dentro de contextos opressivos.

Ana Carolina Lazzari Chiovatto

A BRUXA-ALTERIDADE LUSÓFONA NA VIRADA DO SÉCULO XIX PARA


O SÉCULO XX

Dentre a vasta gama de monstros do fantástico,


a figura da bruxa é uma das mais emblemáticas no que
diz respeito à monstrificação da alteridade, em especial

25
a do gênero feminino e das etnias minoritárias. A bruxa é
o outro ocupando um lugar de poder impróprio em sua
sociedade e, portanto, vilanizado. Carlo Ginzburg (2012)
nos fala de certa região italiana, na Alta Idade Média,
onde houve três supostas conspirações para envenenar
a água da cidade com lepra, com cerca de cem anos
de intervalo entre elas: na primeira, os “culpados” seriam
os próprios leprosos; na segunda, os judeus; e, na
terceira, as bruxas. Ou seja, variando o inimigo (leia-se
bode expiatório) da comunidade em cada época. Da
mesma maneira, os mesmos católicos que queimavam
bruxas por heresia na Europa continental, no século XVII,
são considerados delas aliados nas ilhas britânicas, no
furor do protestantismo anglicano e calvinista. Esse
discurso, contido em documentos históricos diversos,
estende-se à literatura, multiplicando-se e
reconstituindo-se ao longo dos séculos, passando o
entendimento da figura da bruxa gradualmente do
status de verdade social ao de ficção. A bruxa, afinal, é
uma figura tão longeva quanto versátil. Tendo em vista
esse contexto, analisaremos as características da bruxa
no conto “A Feiticeira” (1908), de Ana de Castro Osório
(1872-1935), a primeira feminista portuguesa, o conto
homônimo (1893) de Inglês de Sousa (1853-1918), e a
personagem Paula, conhecida como “a Bruxa”, de O
Cortiço (1890), de Aluísio de Azevedo (1875-1913), a fim

26
de observar um estereótipo da bruxa-alteridade no
imaginário lusófono da época.

Ana Clara Albuquerque Bertucci

O MONSTRUOSO EM: “AS FORMIGAS”, DE LYGIA FAGUNDES TELLES

O objetivo deste trabalho é compreender dentro


da obra de Lygia Fagundes Telles, “As formigas”, como o
sobrenatural se construirá por meio do fantástico e do
monstruoso. A construção desses traços começa com a
descrição da casa onde as duas personagens morarão.
“Quando minha prima e eu descemos do táxi já era
quase noite. Ficamos imóveis diante do velho sobrado
de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles
vazado por uma pedrada. Descansei a mala no chão e
apertei o braço de minha prima. “— É sinistro.” (TELLES,
2013, s.p.) Ao longo da obra a casa será descrita como
um espaço sombrio causando um desconforto em
ambas personagens. Durante a narrativa teremos
diversas adjetivações negativas, tanto para descrever a
casa ou a dona do sobrado. Mas, o que realmente
desperta o medo nas personagens são os ossinhos de
um anão. No primeiro dia em que dormiram na
residência a narradora sonhou com um anão loiro, “No
sonho, um anão louro de colete xadrez e cabelo
repartido no meio entrou no quarto fumando charuto.
Sentou-se na cama da minha prima, cruzou as perninhas

27
e ali ficou muito sério, vendo-a dormir.” (TELLES, 2013,
s.p.). Após esse sonho, ambas personagens repararam
que havia formigas indo em direção ao caixotinho onde
estavam os ossinhos. Ambas não compreenderam de
onde os insetos estavam vindo. Sem uma explicação
lógica, a narradora percebe que o crânio do anão não
está onde ela havia deixado, dando a impressão de
que as formigas estavam tentando montar o anão. “—
Me lembro que botei o crânio em cima da pilha, me
lembro até que calcei ele com as omoplatas para não
rolar. E agora ele está aí no chão do caixote, com uma
omoplata de cada lado. Por acaso você mexeu aqui?”,
“— Deus me livre, tenho nojo de osso! Ainda mais de
anão.” (TELLES, 2013, s.p.). A narrativa é contada apenas
durante a noite, desde a chegada das estudantes na
pensão, pois “já era quase noite” (TELLES, 2013, s.p.), e os
acontecimentos sobrenaturais também acontecem à
noite: o surgimento das formigas, a montagem do anão,
os sonhos, concretizando o medo. Ao final da obra o
narrador relata: “Olhei de longe a trilha: nunca elas me
pareceram tão rápidas. Calcei os sapatos, descolei a
gravura da parece, enfiei o urso no bolso da japona e
fomos arrastando as malas pelas escadas, mais intenso
era o cheiro que vinha do quarto, deixamos a porta
aberta. Foi o gato que miou comprido ou foi um grito?”
(TELLES, 2013, s.p.). Durante a narrativa entendemos que

28
o medo está atrelado ao terror psicológico, uma vez
que não se pode determinar o real e o irreal. Também é
perceptível a gradação dos elementos sobrenaturais, o
odor aumenta, as formigas começam a montar mais
rápido, e o ponto culminante é o grito que dá um ar de
suspense e terror. A obra termina sem explicação, ela se
determina em um insólito, ou seja, se atribui inteiramente
como narrativa fantástica, provocando também a
ambiguidade, seria o gato ou um grito?

Ana Claudia Aymoré Martins

NA PELE DE ASTÉRION: A TRANSGRESSÃO DO CORPO NO CONTO


“DÍVIDA”, DE ABÍLIO GODOY

O presente estudo – que propõe mover-se na


interface entre os estudos de gênero e sexualidade e os
estudos literários – analisa o conto “Dívida”, do escritor
brasileiro contemporâneo Abílio Godoy, publicado no
volume de contos intitulado Plano de fuga (2013), a
partir do qual podemos pensar a (des)construção da
monstruosidade do contexto de uma
contemporaneidade marcada pelos debates acerca
dos processos de generificação, tanto intra quanto
intersubjetivos. Nesse sentido, o progressivo
desvelamento da personagem narradora do conto, em
sua identidade travesti, ocorre de modo a destacar a
transgressão do corpo não-normativo como um possível
“artifício flutuante” (BUTLER, 2016) do gênero, através do

29
qual revelam-se as possibilidades de travessia, de
desejos e experiências outras, diante das forças externas
(mas constantemente internalizadas e expressas como
“planos de fuga” de si) que o circunscrevem à
marginalização e à solidão. Desse modo, a narrativa
literária, através de seu potencial transfigurador do
mundo vivido, atua como âmbito de questionamento e
resistência – ou de heterotopia, como nos mostra
Foucault (2015) em um dos seus mais célebres ensaios –
em relação a um contexto histórico-social regulativo e
distópico. A narrativa literária em questão revela, ainda,
através da associação com a plasticidade do mito
clássico – sobretudo do tema do Minotauro discutido,
entre outros/as, por Peyronie (1998), Chevalier e
Gheerbrant (2005), e ressemantizado na ficção literária
por autores/as como Borges (1949), Cortázar (1949), Nin
(1961), Yourcenar (1963) e Tammuz (1980) -, as
ambivalências e limites das relações entre corpo e
identidade circunscritas à banalização brutal dos
dispositivos de regulação em nossa sociedade.

Ana Cristina dos Santos

CORPOS MONSTRUOSOS E VIOLÊNCIA EM LAS COSAS QUE PERDIMOS


EN EL FUEGO (2016), DE MARIANA ENRÍQUEZ
A escritora e jornalista argentina Mariana
Enríquez é considerada pela crítica especializada como
uma das vozes mais importantes do insólito argentino do

30
século XXI. Sua obra, traduzida a diversas línguas, segue
a tradição do insólito rio-platense; entretanto, a
diferença dessa tradição, seus contos se centram
basicamente no universo feminino, tanto no adulto
quanto no infantil. Esse universo, narrado
majoritariamente na primeira pessoa, também está
presente nos onze dos doze contos que compõem a
obra Las cosas que perdimos en el fuego (2016). Na
obra, o tempo e o espaço nos quais se desenvolvem as
histórias são facilmente reconhecidos e verossímeis: a
contemporânea cidade de Buenos Aires. Os contos se
unem em torno do tema da violência na qual vivem os
sujeitos marginais dessa cidade. Violência que constrói
corpos abjetos e excluídos (BUTLER, 2002) que tensionam
constantemente com o centro hegemônico do poder.
São corpos mutilados, deformados e marcados pela
violência física e/ou psicológica sofrida pelas
personagens adultas e infantis. Entretanto, a
monstruosidade dessas personagens não se encontra
somente nas deformidades do corpo, mas também, nas
suas ações e omissões, no que falam e no que calam
(GOICOCHEA, 2018). A violência e o medo oriundos do
cotidiano das personagens criam situações-limite que
excluem e oprimem as personagens monstruosas e,
pouco a pouco, as conduzem ao estranhamento e a
irrupção de uma realidade inexplicável, na qual se

31
instaura o insólito (CAMPRA, 2016). A partir dos contos
“Tela de araña”, “Las cosas que perdimos en el fuego”,
“El ninõ sucio”, “La casa de Adela” e “Fin de curso” este
trabalho objetiva analisar o insólito ficcional nas
narrativas e a construção de personagens monstruosas
como forma de resistência e questionamento à ordem
social e política.

Ana Luísa de Castro Soares

MONSTROS, DEMÔNIOS, MÁQUINAS VOADORAS: O INSÓLITO NO


CINEMA DE HAYAO MIYAZAKI

O cineasta japonês Hayao Miyazaki, co-fundador


do Studio Ghibli junto de Isao Takahata, é reconhecido
como um dos maiores mestres da animação de todos os
tempos e é o diretor de obras-primas como Princesa
Mononoke, Porco Rosso, O Castelo Animado e o
premiado A Viagem de Chihiro, vencedor do Oscar de
Melhor Animação de 2003. Dono de uma longa carreira,
com passagens por vários estúdios de animação,
Miyazaki dirigiu, ao todo, doze longas-metragens, sendo
o mais recente Vidas ao Vento, de 2013. Nos doze filmes
dirigidos por Miyazaki, alguns aspectos tornaram-se
característicos de sua obra. Nakamura (2013) destaca a
futilidade da guerra, o respeito e a admiração à mãe
natureza e a jornada pelo autodescobrimento como
alguns dos temas centrais dos trabalhos do cineasta.
Chama também atenção a qualidade visual de seus

32
filmes, com todos os frames desenhados a mão, mesmo
em um mundo dominado pela computação gráfica.
Mas um dos pontos de maior destaque dos filmes de
Miyazaki é a presença maciça de seres fantásticos:
personagens humanas dividem a tela com bruxas,
porcos falantes, demônios, máquinas voadoras
teratológicas, monstros e outras criaturas saídas da
mente genial do diretor. Mesmo em trabalhos que são
adaptações de outras obras, como no caso de O
Castelo Animado, adaptado do livro homônimo de
Diana Wynne Jones, os seres fantásticos da obra original
ganham a roupagem característica de Hayao Miyazaki,
transformando-se em criaturas verdadeiramente
Miyazakianas. Neste trabalho, falarei sobre algumas das
criaturas monstruosas mais marcantes no cinema de
Hayao Miyazaki e sobre sua relação com os temas que
lhe são caros, em especial a ganância, a guerra, a
poluição e a destruição da natureza, bem como sobre
a interação de tais personagens com as personagens
humanas de suas obras, além dos casos em que os seres
humanos, mesmo em um mundo povoado de
demônios, assumem o lugar de verdadeiros monstros da
história.

33
Ana Luiza Magalhães Poyaes

REPRESENTAÇÕES DIABÓLICAS DO FEMININO: A MISOGINIA EM


“DA OUTRA VISAM QUE VIU LANCELOT” N’A DEMANDA DO SANTO
GRAAL

O presente artigo busca por meio do fragmento


“Da outra visam que viu Lancelot” no livro A Demanda
do Santo Graal observar como se dá a construção de
imagens monstruosas de personagens femininas na
literatura portuguesa medieval. A obra se trata de uma
tradução para o português, datada do século XIII, de
autoria desconhecida cujas raízes residem em lendas
celtas, textos franceses e na Matéria de Bretanha. No
episódio selecionado, Lancelot é advertido sobre seus
pecados por meio de sonhos e é justamente através do
universo onírico que as representações femininas são
transformadas em visões aterrorizantes, fortemente
marcadas por preceitos cristãos. O cavaleiro é levado a
um cenário com características correspondentes ao
inferno, de acordo com o imaginário medieval, e lá
encontra Fada Morgana e Genevra. As figuras femininas
apresentam no sonho de Lancelot uma visão grotesca
da mulher, resquício da imagem de Eva comumente
associada ao mal, responsável pela expulsão do
homem do paraíso divino. Assim como Eva era
responsabilizada pela Queda, as personagens da
Demanda também são um empecilho na trajetória do
cavaleiro em busca do santo cálix, pois de um lado está

34
Morgana, que pode ser compreendida como uma
imagem da Deusa Tríplice celta, e do outro Genevra,
sua amante e, portanto transgressora da lógica
matrimonial. Ambas carregam valores discordantes às
concepções teológicas medievais. O sonho/visão de
Lancelot torna perceptível a utilização do insólito como
meio para reprimir e penalizar figuras femininas que não
adequavam às normas vigentes da sociedade em
questão. Desse modo, analisaremos como as imagens
de Morgana e Genevra, mulheres que devido às suas
essências pagãs são transformadas em aberrações,
contribuindo para a elaboração do estereótipo
misógino medieval. Para contribuir com o debate sobre
o imaginário medieval utilizaremos textos de Jacques Le
Goff e Georges Duby. Buscaremos suporte para
compreender a misoginia no período medieval em
investigações de Howard Bloch e sobre as minorias em
Jeffrey Richards. Contaremos ainda com os estudos de
Maria Nazareth Alvim de Barros para analisar as relações
conflituosas entre as divindades pagãs e a cristandade
medieval

35
Ana Maria Gonçalves Claro
“CABEÇA DE BÚFALA”: O MONSTRO E O APRENDIZADO NAS FÁBULAS
ITALIANAS DE ÍTALO CALVINO

Em 1954, Giulio Einaudi, editor italiano, confiou a


Italo Calvino, um escritor neo-realista, a tarefa de
recolher histórias originárias na Idade Média da
Península Itálica, contos esses que são baseados em
narrativas populares transmitidas através dos tempos
pela oralidade. Embora Italo Calvino não fosse autor de
livros infantojuvenis, ele abraçou o projeto e, por dois
anos, fez uma imersão nessa recolha. Viajou por diversas
regiões da Itália reunindo histórias, que mais tarde foram
publicadas no livro Fábulas italianas. Esta obra tornou-se
uma das mais importantes para a preservação da
cultura da Itália reunindo tudo o que tange ao mundo
maravilhoso. As histórias reunidas por Calvino encaixam-
se na categoria de literatura fantástica, gênero literário
analisado por Tzvetan Todorov. Esses relatos populares
nem sempre são direcionados ao público infantojuvenil.
Alguns contos caracterizam-se pela sedução frente ao
horrendo, nos quais o fantástico, o maravilhoso e o
insólito apresentam-se de várias maneiras e remetem
aos já tradicionais e conhecidos contos maravilhosos de
Charles Perrault, dos irmãos Grimm e de Hans Christian
Andersen. A beleza e a virtude dividem o cenário com o
horrendo e a monstruosidade na narrativa “Cabeça de

36
Búfala”, selecionada dentre as outras duzentas que
compõem o livro Fábulas Italianas, objeto de análise da
presente comunicação. Nesse conto observamos, em
meio ao maravilhoso e seus processos de metamorfose
e redenção, os castigos morais relacionados a essa
categoria de conto a partir dos seguintes pontos: a
vingança, mediante a ingratidão, e o perdão diante do
arrependimento, o castigo como forma de
aprendizado; a valorização da aparência diante da
virtude, construindo um fio frágil entre os bons e os maus
sentimentos. A fundamentação teórica do trabalho
sustenta-se nos estudos de Tzvetan Todorov, Marie-Louise
von Franz, Marina Warner.

Ana Paula Araujo dos Santos

O DISCURSO FEMININO NO GÓTICO LITERÁRIO BRITÂNICO E


BRASILEIRO

O Gótico tem se constituído como uma das


tradições de maior longevidade na história da literatura
ocidental. Suas origens podem ser traçadas desde a
Inglaterra do século XVIII, mais precisamente, desde o
ano de 1764, quando Horace Walpole publicou O
Castelo de Otranto, considerado o marco inaugural
dessa ficção. Após Walpole, o Gótico assimilou e
transformou as características de incontáveis poéticas, e
deu origem a diferentes vertentes que encontraram em
suas convenções modos de representar os aspectos

37
mais sombrios da existência humana. Entre as muitas
vertentes integrantes do Gótico literário podemos
destacar a feminina, representada por escritoras como
Ann Radcliffe, Regina Roche, Eliza Parsons, e a sua
contraparte, a masculina, de escritores como Matthew
Lewis, Charles Maturin e William Beckford. Apesar do que
se pode pensar de início, a divisão em dois “gêneros” –
ou em duas tradições – não se resume apenas a uma
literatura escrita, de um lado, por mulheres e, de outro,
por homens. Ambas as vertentes possuem
características narratológicas próprias. O presente
trabalho busca investigar um dos aspectos pelo qual é
possível distinguir a narrativa gótica de autoria feminina
das demais narrativas do Gótico literário: o caráter de
denúncia à difícil condição da mulher em sociedade.
Para tal feito, propomos a leitura de The Castles Of Athlin
and Dunbayne (1789), A Sicilian Romance (1790) e The
Mysteries of Udolpho (1794), da escritora britânica Ann
Radcliffe, e D. Narcisa de Villar (1859) e Úrsula (1859), das
brasileiras Maria Firmina dos Reis e Ana Luísa de Azevedo
Castro, respectivamente. Nossa hipótese é de que essas
escritoras procuraram ressaltar, nesses romances, a
opressão e a violência física e psicológica sofridas pelas
mulheres, e, dessa forma, chamar atenção para os
horrores próprios do universo feminino.

38
Ana Paula Silva

ESPACIALIDADES HETEROTÓPICAS EM O MANUAL DOS


INQUISIDORES, DE ANTÓNIO LOBO ANTUNES: O HUMANO E O
MONSTRUOSO

Para a propor esta comunicação, lembramo-nos


da reflexão proposta pela professora Marisa Gama-Khalil
em uma de suas aulas: “Por que não somos monstros e
nossos corpos são heterotópicos? Ou somos?” (GAMA-
KHALIL, 2017) E esse foi o mote para esta proposta de
comunicação. Observamos que obra do português
António Lobo Antunes não poupa o leitor de reflexões
sobre as mazelas da condição humana. Nesse sentido,
a questão proposta pela professora Marisa encontra
eco em sua ficção. Nossa proposta é apresentar, neste
simpósio, uma leitura de um trecho do romance Manual
dos inquisidores, de António Lobo Antunes, a partir do
conceito de espacialidade heterotópica, de Michel
Foucault. Simplificadamente, a heterotopia refere-se à
justaposição de vários posicionamentos em um lugar
real. Na cena a ser analisada, uma mulher, quando
começa a sentir as primeiras dores do parto, é levada
pelo ministro, dono da propriedade e suposto pai da
criança, a um estábulo para ali ter seu filho. Dentre
outros recursos usados para a zoomorfização do corpo
dela, está a substituição de membros humanos por
membros de animais, como “patas de ganso”. O
ministro também chama um veterinário para ajudá-la. O

39
estábulo é sujo, nada apropriado à condição humana.
Quem nos causa repugnância, no entanto, é o portador
de comportamentos reconhecidamente humanos,
como o uso de um telefone ou a função de ministro,
sendo chamado de doutor. Pela mulher, que está
animalizada e num espaço fétido, não sentimos
repugnância, ao contrário, sua condição aumenta a
repugnância e o horror pelo “monstro humano”, em
razão da submissão que ele a submete.

Ana Tamires da Silva Oliveira

AS METAMORFOSES DO MAL EM OS VERDES ABUTRES DA COLINA,


ROMANCE DE JOSÉ ALCIDES PINTO

Publicado em 1974, Os Verdes Abutres da Colina


é um dos livros mais significativos que compõe a obra do
escritor brasileiro José Alcides Pinto. Trata-se de um
romance que coaduna as seguintes temáticas:
maldição, morte, pecado, demoníaco e pessimismo
profundo; assuntos desenvolvidos ao longo de toda a
produção literária do autor, o que lhe rendeu a alcunha
de “o poeta maldito”, entre os seus contemporâneos.
Mas o negativismo expresso nas temáticas não aparece
de forma isolada, os seus opostos também se fazem
presentes na obra, formando pares: morte/vida,
maldição/bênção, pecado/graça, bem/mal. É
interessante notar que os elementos negativos do texto
se tornam expressivos de tal maneira que ganham

40
amplo destaque durante a narração. Essas temáticas,
muitas vezes trabalhadas de forma independente umas
das outras, podem ser estudadas conjuntamente, como
partes constituintes de um complexo maior. Neste
trabalho, compreendemos que tal complexo de
temáticas negativas, presentes no texto, é aquilo que se
chama “mal”, princípio de origem sobrenatural (atributo
de uma questão religiosa e moral) que se alastra de
forma múltipla e nociva em todo o espaço narrativo. O
princípio maligno é retratado sob diversas formas e
aspectos, penetrando na vida das personagens e
trazendo ao texto alcidiano as características das
narrativas fantásticas, instalando na pequena aldeia de
Alto dos Angicos de São Francisco do Estreito (espaço
onde se passa o romance) uma atmosfera insólita,
desencadeadora de uma série de acontecimentos
funestos e prodigiosos. Partindo disso, este trabalho tem
por objetivo apresentar uma análise dos aspectos
caracterizadores das representações do mal na
narrativa estudada e explicar como a sua presença
múltipla se torna o eixo que dá movimento ao romance,
ligando todos os fatos narrados. O desenvolvimento
desse trabalho tem como suporte os estudos de Bataille
(2000), Furtado (1980), Le Goff (1980), Muchembled
(2001), Nogueira (2001), Ricoeur (2013), Roas (2014),
Todorov (2012) e de outros estudiosos que discorreram

41
sobre o tema. A análise de Os Verdes Abutres da Colina
nos leva a constatar que o dualismo bem/mal é o
elemento desencadeador das tramas da narrativa, na
qual as personagens, na condição de pecadores, são
reféns do princípio maligno que se torna múltiplo para
potencializar as desgraças das personagens.

Anderson Soares Gomes

IDENTIDADES DISTÓPICAS EM BLADE RUNNER E BLADE RUNNER


2049

Esse trabalho se propõe a discutir a


reconfiguração da noção de identidade em produções
ficcionais caracterizadas como distópicas, utilizando
como referências os filmes Blade Runner (1982), de
Ridley Scott, e Blade Runner 2049 (2017), de Denis
Villeneuve. O termo “identidade”, com suas acepções a
respeito da singular subjetividade dos indivíduos, vem
passando por profundas mudanças nas últimas décadas
considerando os deslocamentos conceituais em
diferentes áreas como sociologia, psicologia e estudos
culturais. Nesse sentido, obras de ficção distópicas, com
seus questionamentos sobre a desumanização dos
indivíduos e sua consequente reorganização de anseios
civilizatórios, passaram a compor um espaço
privilegiado para discutir essas novas perspectivas sobre
identidade. Os androides/replicantes do filme Blade
Runner – adaptação do romance Androides Sonham

42
com Ovelhas Elétricas? (1968), de Philip K. Dick – ilustram
uma profunda reflexão sobre a desumanização dos
sujeitos, a fetichização da máquina, e o embaçamento
das fronteiras entre natural e o artificial, potencializada
por se encontrar inserida em um contexto de
(des)arranjo distópico (uma Los Angeles tão futurista
quanto decadente). Já em Blade Runner 2049, que se
passa 30 anos após os eventos do primeiro filme, a
fluidez da noção de identidades se dá de maneira
ainda mais acentuada. A partir da descoberta de que
um androide/replicante foi capaz de gerar uma
criança, a obra tematiza questões de pós-humanidade
e reprodução que remetem às identidades monstruosas
presentes em Frankenstein (1818), de Mary Shelley. Além
disso, ao ter como protagonista um caçador de
androides que também é um androide, o filme de
Villeneuve questiona os limites da identidade quando as
próprias estruturas de poder que organizam a
sociedade distópica levam o indivíduo (humano ou
não) a questionar as características singulares que
definem seu próprio “eu”. Assim sendo, a partir da
análise comparativa das obras Blade Runner e Blade
Runner 2049, pretendemos investigar de que forma
identidades são reconfiguradas quando inseridas em
narrativas distópicas.

43
André Cabral de Almeida Cardoso

A DISTOPIA INSCRITA NA CARNE: A MONSTRUOSIDADE DO CORPO


EM ALGUNS CONTOS DISTÓPICOS

Em “Da centralidade política à centralidade do


corpo transumano: movimentos da terceira virada
distópica na literatura”, Eduardo Marks de Marques
argumenta que, nos últimos trinta anos, a ficção
distópica vem deixando de lado o foco nos sistemas
políticos totalitários das distopias tradicionais para dar
mais ênfase à construção de novos corpos transumanos,
ligada a desejos e ansiedades associados ao
capitalismo tardio. No entanto, o corpo sempre
desempenhou um papel central nas distopias, seja ele o
corpo sofredor de Winston Smith em 1984 ou os corpos
gerados artificialmente de Admirável mundo novo.
Nessas obras, o corpo se configura antes de mais nada
como o terreno em que são deflagrados alguns dos
excessos da sociedade distópica, tornando-se alvo da
intervenção autoritária do Estado. Deste modo, o corpo
se torna, em certa medida, um símbolo das tensões, das
contradições e do sofrimento inerentes às sociedades
representadas na distopia. O objetivo desta
comunicação é discutir alguns casos extremos em que a
monstruosidade da organização social distópica se
traduz em corpos igualmente monstruosos. Para isso,
serão examinados contos ambientados numa

44
sociedade distópica, ou que delineiam aspectos
distópicos de um universo ficcional mais amplo.
Analisaremos a intervenção opressiva sobre o corpo e
sua instrumentalização – assim como algumas
estratégias de resistência a esse processo – nos contos
“The Fluted Girl”, de Paolo Bacigalupi, e “Jack”, de
China Miéville. Já em “Rogue Farm”, de Charles Stross,
veremos as possibilidades levantadas pela criação de
um corpo coletivo que se coloca numa fronteira
ambígua entre a utopia e a distopia, o que põe em crise
as possibilidades de significação do corpo. Essa
tendência se manifesta de forma ainda mais enfática
em “Swarm”, de Bruce Sterling, onde vemos surgir uma
raça que recusa a própria racionalidade, escolhendo
viver como corpos animalizados sem pensamento.

André de Sena

FRANKENSTEIN, DE MARY SHELLEY E “O INTRUSO”, DE H. P.


LOVECRAFT: UM ESTUDO COMPARATIVO

A presente comunicação visa realizar um estudo


comparativo entre o romance Frankenstein (1818) da
escritora inglesa Mary Shelley (1797-1851), e o conto “O
Intruso”, do norte-americano H. P. Lovecraft (1890-1937),
a partir da construção do personagem monstro e dos
núcleos temáticos e recursos estilísticos utilizados pelos
dois autores para a construção do “sentido de
figuratividade”, segundo o conceito de Remo Ceserani

45
(2007), trabalhado no livro O fantástico, e da “poética
do terror”, de acordo com o estudioso francês Denis
Mellier (1999), em L’écriture de l’excess: fiction
fantastique et poétique de la terreur, bem como as
noções de “atmosfera” e “horror sublime”, do próprio H.
P. Lovecraft, desenvolvidas em O horror sobrenatural em
literatura (primeira edição em 1927). Nela, revelaremos
como o discurso do modo larmoyante típico do
romance sentimental setecentista é contaminado pela
retórica e topoi do horror (Frankenstein), e como se dá a
recriação dessa experiência sob a pena lovecraftiana,
que atualiza a diegese de Shelley num contexto autoral
bem mais soturno, e as modalizações utilizadas para tal.
Busca-se, assim, uma visada diacrônica que intenta
analisar ainda como se dá a passagem do gótico tardio
presente no romance idealista shelleyano ao “horrror
sublime” que sintetiza a escrita imaginativa
lovecraftiana, em que se notam variados elementos
ligados ao pessimismo e cientificismo fin de siècle (XIX),
apesar do conto ter sido publicado em 1921 na famosa
revista Weird Tales. De um lado, temos um monstro ao
mesmo tempo idealista, amoroso, sentimental, mas que
adquire uma carga de terror/horror subliminar em
inúmeras passagens, e que se sabe monstro
(Frankenstein); de outro, um indivíduo solitário que se
descobre enquanto tal (“O Intruso”), ambos, refletindo

46
perfeitamente deformidades exteriores e interiores,
sólitas e insólitas.

André Luís Mourão de Uzêda

“ORUCÓ MI NI AIMÓ”: O INSÓLITO EM DIÁSPORA EXPLICITADO EM


AIMÓ, DE REGINALDO PRANDI
Pela presente proposta de comunicação,
trazemos uma leitura do romance juvenil Aimó: uma
viagem pelo mundo dos orixás (2017), de Reginaldo
Prandi. Partindo da concepção de tempo mítico
elaborado por Mircea Eliade (1972), exploramos as
insólitas configurações em que se assentam as
temporalidades narrativas dos eventos experienciados
pela personagem Aimó, “a menina esquecida”, em
consonância com os preceitos míticos da cosmogonia
Yorubá e sua reconfiguração diaspórica no Brasil pelo
Candomblé (SANTOS, 2008; VERGER, 2012). Egum
(espírito) errante pelo Orum (firmamento), Aimó deseja
retornar ao Aiyê (terra) e restabelecer os laços perdidos
desde que, ainda em sua vida anterior, fora
forçosamente apartada de suas tradições ritualísticas
em África pela condição de escravizada que lhe fora
imposta no Brasil. Para tanto, contudo, precisa passar
por uma série de provações junto às Iabás, as orixás
femininas que disputam seu ori (cabeça). Assim, em sua
jornada revisita alguns dos mais famosos itans da
tradição oral Yorubá – as fantásticas narrativas míticas

47
que permeiam o rico imaginário cultural dessa etnia
africana. Uma vez que a obra se volta ao público jovem,
é nosso intuito pautar em debate, ao final da
apresentação, a necessidade de efetivamente se
incorporar a cultura afro-brasileira na formação literária
da juventude enquanto um projeto antirracista e contra
a intolerância religiosa em contexto formal de
educação, como discute Caputo (2012). Nesse sentido,
salientamos a bem sucedida realização do autor em
sensibilizar os leitores para a total deturpação e inversão
de sentidos entre o real e o fictício: embalados pela
temática do congresso, evidenciamos as
monstruosidades praticadas pelo sistema escravocrata
no Brasil contra os povos africanos, as quais são
lamentavelmente a realidade histórica; em
contraponto, ao passo que o direito de culto ao
sagrado para milhares de escravizados lhes fora
usurpado, necessária se fez a consequente reinvenção
de suas tradições em diáspora.

Andréa Caselli

AS SEREIAS DE JERICOACOARA E SEUS HERÓIS LUNÁTIPOS

O propósito do presente trabalho é o estudo


crítico da angústia humana perante a monstruosidade
das sereias no conto “Σειρῆνας”, do autor pernambucano
André de Sena. O conto é uma narrativa de viagem

48
ficcional que aborda superstições e lendas do litoral
brasileiro, relacionando-as com os medos e as incertezas
vivenciadas pelo indivíduo urbano. A obra está inserida
no contexto da nova literatura imaginativa regional
brasileira. Neste artigo são analisados os modos como o
fantástico e a simbologia poética refletem
preocupações existenciais através dos encontros entre o
grotesco, o selvagem e o sublime. A partir da figura da
sereia e da metáfora do mar, podem ser encontradas
expressões regionais e típicas de uma localidade, que
configuram modos de pensar singulares em relação à
emancipação da individualidade pós-moderna. Mesmo
com o avanço científico e tecnológico, a origem mútua
da vida e da morte ainda desconsola a humanidade
contemporânea que, até então, a vincula ao horror e
aos mistérios femininos. O conto de André foi publicado
em 2014 na obra Lunátipos e, para a análise, foi
realizado um estudo paralelo do relato de viagem não
ficcional “A lenda da cidade encantada”, publicado
pelo médico Olavo Dantas, em 1938, que discorre sobre
o mesmo tema. André de Sena é escritor, poeta, músico,
professor de literatura e realizador do Congresso de
Literatura Fantástica de Pernambuco. Dantas serviu à
Marinha do Brasil na II Guerra Mundial e foi membro da
Academia Petropolitana de Letras, tendo várias
publicações sobre o folclore litorâneo. Desta forma,

49
através da interpretação do insólito, também são
abordados os contrastes entre mobilidades literárias e
superstições em diferentes épocas no Brasil. Também foi
utilizado um referencial teórico transdisciplinar de
autores das áreas da antropologia, da literatura, da
história e da psicologia, a fim de garantir uma
abordagem de diálogo literário que reflete o eterno
devir humano entre sua ancestralidade e seu destino.

Andrea Quilian de Vargas

OS CORPOS EM CRISE DE MURILO RUBIÃO: HOMEM DESGOVERNADO,


HOMEM DESCONSTRUÍDO

Ao pensarmos em uma possível definição para o


espírito moderno, alguns vocábulos parecem inevitáveis:
fragmentação, ruptura, desarmonia, desintegração,
desestabilização. No longínquo século XVI, Copérnico
havia retirado da Terra a centralidade em relação aos
demais planetas e astros, desconstruindo, destarte, a
ideia de que o homem estava no centro do universo.
Darwin, por sua vez, provou que o ser humano era
somente um animal mais afortunado que os demais.
Freud, por seu turno, descobriu que o homem não era
mais o senhor na própria casa. Ademais, a Grande
Guerra de 1914 desestabilizou todas as certezas,
instaurando um forte sentimento de instabilidade.
Desconstruídos os velhos modelos, o espírito moderno
viu-se atormentado por uma avalanche de sentimentos

50
negativos que reverberaram fortemente nas artes. As
formas de sentir e de pensar, como afirma Elaine Robert
Moraes no ensaio intitulado O corpo fragmentado,
submetiam-se à dinâmica do instantâneo e do efêmero.
Diante desse contexto caótico, o corpo humano foi um
dos primeiros alvos a serem atacados artisticamente:
antes sinônimo de unidade, agora só poderia ser
mostrado aos pedaços, modificado, alterado,
desintegrado, exagerado, horrendo. O que restou,
assim, foram os corpos em crise: corpos
metamorfoseados, espedaçados, ilimitados. Ao refutar a
legitimidade da perspectiva antropocêntrica, o corpo
tornou-se objeto de experimentações artísticas, sendo
que as narrativas cuja marca primordial são os
elementos insólitos tiveram um papel importante nesse
processo de desconstrução. Dentre os autores que mais
insistentemente trataram da questão daquilo que
denominamos “corpos em crise” está o mineiro Murilo
Rubião, cujos textos propõem o total desmonte do
sujeito (física e psicologicamente). A monstruosidade
das metamorfoses apresentadas por Rubião, além de
provocar a perplexidade característica das narrativas
insólitas, também alerta para a fragilidade desses
homens/monstros, paradoxalmente vítimas do destino,
do outro e de si mesmos. Para exemplificar a questão,
em O ex-mágico da Taberna Minhota, seres vivos –

51
inclusive homens – tornam-se “coisas” que podem ser
retiradas do bolso, involuntariamente. Em Teleco, o
coelhinho, o protagonista se transforma o tempo inteiro
com o intuito frustrado de adaptar-se, de pertencer a
algum lugar ou comunidade. Bárbara é uma
personagem cujo corpo se expande quase ao infinito,
de forma descontrolada, da mesma maneira como o
protagonista de O homem do boné cinzento,
inversamente, emagrece até desaparecer. Ambas as
personagens não detém qualquer controle sobre si
mesmas, tampouco sobre seus corpos. Em Aglaia, o
corpo desgovernado da protagonista mantém-se em
perpétuo processo de engravidar e parir. Em Petúnia, os
limites do corpo humano também são desarticulados,
pois nascem flores na barriga da protagonista. Por
intermédio dos corpos sem limites – ou em crise – de suas
personagens, Rubião elabora uma interessante crítica à
condição alienante do homem moderno, um sujeito que
não tem mais poder sobre as próprias ações, tampouco
sobre o próprio corpo, e que intenta,
desesperadamente, por meio das metamorfoses
descontroladas, comunicar-se.

52
Andréia de Oliveira Alencar Iguma

UM CORPUS INSÓLITO DENTRO DA LITERATURA JUVENIL


BRASILEIRA PREMIADA

A Fundação Nacional de Literatura Infantil e


Juvenil – FNLIJ, foi criada no Brasil em 1968, e desde
então, tem contribuído com a promoção de obras
literárias infantis e juvenis. Em seu início, a única
categoria contemplada era a literatura infantil brasileira
(1974 a 1978); na sequência, em 1978, a premiação se
expandiu ao inserir a categoria literatura brasileira para
jovens; hoje conta com diversas esferas: Imagem,
Poesia, Informativo, Tradução Criança, Tradução Jovem,
Projeto Editorial, Revelação Escritor, Revelação
Ilustrador, Melhor Ilustração, Teatro, Livro Brinquedo,
entre outras. É importante destacar que a literatura
infantil teve seu espaço consolidado enquanto
subsistema literário anteriormente à juvenil; esta passou
a ter maior visibilidade apenas em meados da década
de 1970. No que tange aos estudos acerca da
produção de literatura juvenil (doravante LJ), damos
destaque à tese de doutoramento do professor João
Luís C.T Ceccantini, intitulada Uma estética da
formação: vinte anos de literatura juvenil brasileira
premiada (1978-1997), pois no referido trabalho, o
pesquisador traça um panorama acerca da produção
da LJ em suas duas primeiras décadas de existência,

53
dando destaque aos prêmios que contribuíram com a
legitimação do subsistema; com foco nos títulos e
autores premiados e nas temáticas predominantes.
Ceccantini (2010, p.82) pontua que há muito trabalho a
ser feito no campo de estudos da LJ, e valida que as
obras estéticas precisam ir além das rasas dicotomias
que há tanto tempo povoam a sociedade, e apresentar
leituras que tragam em seu bojo “a oposição entre os
valores de uma sociedade rural e agrária e o mundo
urbano e industrializado; a visão mítica de mundo e a
oposição entre a perspectiva racionalista da realidade”.
A parte em destaque é o chamariz para nossas
reflexões, uma vez entendemos que esse espaço de
quebra com a realidade é reservado às grandes
rupturas no que se refere à ordem preestabelecida pela
sociedade. Nesse ponto, as narrativas que têm o insólito
como base de representação premiadas pela FNLIJ
entre os anos de 2000 a 2015 ganham destaque em
nosso estudo, pois defendemos que, por meio de
representações insólitas, os jovens, público em potencial
dessas narrativas, possam repensar sua condição
enquanto sujeitos em processo de construção.
Evidentemente, a literatura fantástica rompe com o real
estático e é justamente esse ponto que nos leva a
direcionar o nosso olhar a esse campo de investigação
ao validar que o efeito do fantástico é “provocar – e,

54
portanto, refletir” (ROAS, 2014). Nesse prisma, iremos
esquadrinhar neste estudo as onze obras, de um total de
24, dentro do nosso corpus, que possuem manifestações
insólitas, as quais serão analisadas à luz da teoria da
literatura fantástica, em uma perspectiva modal, por ser
um dos pontos de destaque para nossa pesquisa.

Ângela Maria Dias

DORIAN GRAY DE OSCAR WILDE: O RETRATO E O ESPECTRO DA


DESMEDIDA

A historicidade do corpo, embora tenha limites,


constitui um fenômeno cada vez mais estudado e
reconhecido, sobretudo em função da velocidade e do
poder da ciência e da tecnologia, em sua contínua
mutação e crescente influência na vida das sociedades
contemporâneas. No caso do romance de Oscar Wilde
(1890), o moralismo vitoriano da época, ao ensejar uma
visão de mundo maniqueísta e altamente repressora das
condutas e paixões, termina por criar monstros, no que,
em sua desmedidas aberrações, eles constituem um
revide ao status quo. Nesse sentido, o retrato do
protagonista, ao funcionar magicamente como o seu
duplo vicioso propicia a personagem a possibilidade de
uma vida liberta de qualquer restrição ética e, ao
mesmo tempo, de aparência compatível com os
padrões de respeitabilidade vigentes. Ao discutir as
questões relativas ao monstruoso e ao inumano no

55
romance, o presente texto pretende aludir a uma
reflexão de Hossne em seu estudo sobre o bovarismo,
que relaciona as sociedades divididas, entre valores
consagrados e inclinações proscritas, a personagens
dilacerados por insanáveis duplicidades.

Angélica Maria Santana Batista

AMORES DESTRUTIVOS E MONSTROS FAMILIARES: LOUCURA,


ABUSO E DESTRUIÇÃO E M “LIA GABRIEL”, DE CONCEIÇÃO
EVARISTO E “BÁRBARA”, DE MURILO RUBIÃO

A personagem revela – seja por sua participação


no decorrer do enredo, seja pela exposição concisa ou
minuciosa do narrador (Cf. MOISÉIS, 1974, p. 399) – a
imagem plural do mundo ficcional expresso. Como
contorno mais palpável do texto ficcional narrativo, é
um “suporte da ação” (REIS &LOPES, 2011, p.318)
construído à imagem das pulsões e dos desejos
humanos. Considerado como ameaça para os que o
rodeiam, o monstro, personagem com contornos
múltiplos em diversos textos narrativos, incorpora o outro,
o inimigo, aquele que deve ser evitado ou destruído: sua
presença causa desconforto, angústia e pavor, além de
demonstrar o descompasso entre o normal e o anormal.
Quando escritores escolhem determinadas personagens
em suas narrativas, “não fazem outra coisa que não seja
atribuir corpo, voz e olhar carnal às ideias, aos valores e
aos temas que os filósofos pensaram” (REIS, 2013), ou

56
seja, a composição de imagens monstruosas se dá
como figuração de tudo o que não possui sentimentos,
reações e expectativas humanas sublimes: os desvios
éticos, morais e sociais são parte da perspectiva
monstruosa. As narrativas escolhidas não trazem
criaturas explicitamente aberrantes, mas personagens
cuja construção se vale da falta de empatia entre elas
e os narradores homodiegéticos: estes são cônjuges de
monstros que deturpam o amor e a unidade familiar.
“Lia Gabriel”, de Conceição Evaristo, trata da vida de
uma narradora – vítima de vários abusos por parte do
marido – que tenta entender e conviver com a loucura
de seu filho. Seu cônjuge, personagem retratada como
monstruosa por conta da violência e falta de limites, é a
imagem do animalesco e da perversão que se infiltra
em um ambiente falsamente seguro, o que acarreta a
loucura de um de seus filhos. Já “Bárbara”, de Murilo
Rubião, é a história de um narrador cuja vida é
vinculada de forma fatídica a uma mulher que só pede
e engorda. Suas constantes demandas e seu corpo
disforme integram o comportamento egoísta do
monstro. Motivadas pela satisfação de seus desejos, as
personagens possuem uma dimensão monstruosa e os
mundos ficcionais em que elas atuam demonstram a
destruição do seguro e conhecido e figuram a anomalia
que está nas entranhas da sociedade e, muitas vezes,

57
dentro de cada indivíduo As relações narradas
demonstram abusos e relações problemáticas com
consequências funestas. Metáforas do mal que espreita
tudo e todos, essas personagens destroem o que veem
pela frente em nome de seus desejos egoístas além de
espalhar loucura, vergonha e infelicidade.

Annabela Berudi Leal


Rafaela pedroso de oliveira

CONTRASTES ENTRE DIVINO E MONSTRUOSO: AN ÁLISE DAS


REPRESENTAÇÕES DO FE MININO NA LITERATURA ARTHURIANA

O presente trabalho possui como objetivo


discorrer sobre a representação feminina em três obras
que relatam o mito arthuriano, destacando a relação
entre a representação da mulher como “anjo” e como
“monstro”, que se faz presente nas obras destacadas: Le
Mort D’Arthur, foi a primeira a narrá-lo em língua inglesa;
As Crônicas de Artur, a trilogia contemporânea escrita
por Bernard Cornwell, que busca fidelidade e enfoque
em aspectos históricos; e As Brumas de Avalon, que põe
em perspectiva a visão das mulheres envolvidas nos
acontecimentos da narrativa, escrita por Marion Zimmer
Bradley, também nos tempos atuais. Todas essas versões,
além da representação dos acontecimentos, batalhas,
dragões e grandes banquetes da corte, trazem
diferentes figuras femininas e seus retratos – mulheres
que serviram como alicerce dos eventos que se

58
desenrolam na narrativa. As representações feitas da
personalidade e conduta dessas mesmas mulheres,
entretanto, se ramifica de forma a apresentar
dicotomias que podem ser identificadas como
recorrentes na literatura. De um lado, repousa a mulher
bondosa, de beleza angelical, que zela pelo recato e
honra de seu lar; enquanto de outro, se levanta o
feminino representado pela mulher má, que transgride a
moral vigente, promíscua, que age de acordo com suas
próprias regras. Nas obras de Mallory e na de Bradley,
temos Guinevere e Morgana como encarnação dessa
dicotomia, no entanto, temos uma variação na trilogia
de Cornwell, que apresenta a fada Morgana no papel
de mulher monstro, possuindo seu rosto escondido atrás
de uma máscara de ouro que oculta uma face
deformada por queimaduras, imagem visual de suas
“deformidades” interiores. Ceinwyn assume o papel da
mulher enquanto anjo, representando a personificação
da beleza loira, refletida regularmente pela rainha
Guinevere, personagem que se mostra dúbia nessa
versão da história, se colocando inclusive entre seu
marido Arthur e seu dever, e também contra a igreja
católica. Nessa versão, além de apresentar Ceinwyn no
papel de Guinevere, temos também Nimue como outra
representação de mulher monstro, sendo mais uma das
muitas “bruxas” amantes de Merlin. Realizar a análise

59
dessa dicotomia arquetípica nos auxilia a adentrar
dimensões mais profundas do mito Arthuriano,
percebendo questões de gênero, sociais e históricas
que perpassam a imagem do feminino, que pode ser à
mesma medida e intensidade tanto divina, quanto
monstruosa.

Anne La Regina

SOL E SANGUE: TEM ZU MBI NO SERTÃO NORDESTINO

A proposta de comunicação é analisar a


tradução do tema dos Zumbis e suas monstruosidades
para o espaço ficcional do sertão nordestino, topos da
literatura, tantas vezes representado na obra de grandes
autores brasileiros. Em seu romance, Fome, o escritor
potiguar Marcio Benjamin utiliza a metáfora dos mortos-
vivos para expor os dramas e tragédias do Nordeste do
Brasil: a fome, a morte que ronda a paisagem e o
abandono de uma terra esquecida pelos políticos. É
através do horror das cenas narradas que o autor
projeta, nas páginas do seu romance, o apodrecimento
da ética, o egoísmo e um sistema de exploração da
pobreza e da desesperança que se alimenta da miséria
e da fome, uma fome jamais saciada, nem mesmo
depois da morte. A inversão do processo natural,
através do morto que vive, denuncia a ordem real do
vivo que é morto ou do ser humano que, destituído da

60
sua condição de pessoa, experiencia a monstruosidade,
condição que, apartando-o da natureza, dos animais e
de tudo que representa a vida, atira-o ao pântano
infernal do sofrimento, da desfiguração do corpo que é,
em suma, do espírito. Na obra de Benjamin, a doença
dos zumbis, disseminada na população através dos
contatos entre mortos e viventes, alastra-se como
praga, mas não assume a conotação de castigo
bíblico, afigura-se antes como metáfora da
decomposição de um processo civilizatório que
encontra seu foco na degradação da política, corroída
pela ambição, pelo egoísmo e pela corrupção, a
senhora das monstruosidades, símbolo inequívoco de
morte.

Aparecido Donizete Rossi

MEDITAÇÕES MONSTRUOSAS SOBRE DOIS FILMES DE TERROR

Meditaremos, nesta comunicação, sobre dois


filmes de terror: Invocação do Mal (The Conjuring, 2013)
e A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale, 2015).
Muitos diálogos podem ser estabelecidos entre essas
duas obras: os monstros nelas presentes, a proposta de
serem “baseadas em fatos reais”, a atmosfera gótica, o
sobrenatural maligno, a possessão, os aspectos técnicos
do audiovisual, o fato de não terem sido bem recebidas
por certo público e, em especial, pela crítica etc.

61
Todavia, nossas reflexões se voltarão a um elemento do
pano de fundo desses dois filmes, algo apenas
mencionado em Invocação do Mal, ainda que a chave
de seu enredo, e, apesar de fortemente presente em A
Bruxa sob várias perspectivas, pouco enfatizado em sua
narrativa: a questão da Caça às Bruxas de Salem, um
acontecimento histórico dos Estados Unidos que acabou
por se transformar em um aspecto sociocultural definidor
da identidade e do imaginário desse país. Nossas
meditações caminharão no sentido de demonstrar que
filmes tão recentes quanto os em questão ainda se
voltam a um ponto tão específico de um passado
nacional, como os processos de Salem, pelo fato de
que certas monstruosidades são irredutíveis, impossíveis
de serem totalmente erradicadas, destruídas, curadas
ou esquecidas, não sendo exatamente, ou apenas,
reprimidos que retornam, manifestações do unheimlich,
mas teratologias, má formações congênitas, anteriores a
qualquer processo de repressão e recalque, problemas
insolúveis já nos primeiros instantes da formação de uma
língua, cultura, História e imaginário coletivo; má
formações congênitas de um povo que, mesmo antes
do desenrolar de sua História sociocultural, pautam o
seu presente, passado e futuro na própria cena de sua
formação, de modo que a identidade desse povo
carrega, indelével e ao longo do tempo, essa “marca

62
de nascença” que o define e, por ser horrenda, é, a
todo instante, escondida, disfarçada, deslocada,
tratada cosmeticamente. Poderosa como a encenação
da origem, essa marca sempre retorna encoberta pelo
signo do unheimlich, o signo da errância. Ela é, no
entanto, muito mais forte do que apenas um tratável e
curável processo de repressão/recalque, pois
fantasmática, uma impressão imperceptível que, tão
repetida e copiada pela língua, cultura, História e
imaginário, ganha a imaterialidade de um fantasma,
uma marca sem origem, um contorno difuso e
transparente no espaço-tempo, permeável,
desmaterializado e, por essas mesmas razões,
indestrutível. “É extremamente mais difícil matar um
fantasma que uma realidade”, disse, certa vez, uma
artista que enfrentara uma monstruosidade desse tipo. É
nesses termos que meditaremos sobre a Caça às Bruxas
de Salem, cena arquetípica da fundação do povo
estadunidense e teratologia geradora de
monstruosidades, presente como pano de fundo, no
lugar do fantasma, em Invocação do Mal e A Bruxa.

63
Arthur Maia Baby Gomes

O FANTÁSTICO MONSTRUOSO: UM ESTUDO DAS CARACTERÍSTICAS


FANTÁSTICAS E MONSTRUOSAS NA OBRA REMEMBERING MELODY,
DE GEORGE R. R. MART IN

Esta comunicação visa buscar no conto de


George R. R. Martin, Remembering Melody, publicada
originalmente em 1981, e em sua adaptação como
episódio da série televisiva The Hitchhiker, que foi ao ar
em 1984, quais elementos caracterizam a personagem
Melody como algo especialmente assustador para o
protagonista Peter. Por que ela, especificamente, mexe
com fatores do psicológico de Peter e o que podemos
inferir, a partir disso, da caracterização desta
personagem e da memória dos anos 1960 evocadas por
esta história? O tema da contracultura abandonada,
que aparece também no romance de Martin escrito
poucos anos depois, The Armageddon Rag (1983), é
trabalhado de maneira a evocar uma série de
sentimentos do adulto arrependido e frustrado com os
caminhos que sua vida tomou. Neste contexto, Melody,
uma amiga dos tempos de faculdade que regressa,
esperando que Peter a ajude a sair de uma crise
financeira, é representada como os ideais que ele
acabou deixando de lado que voltam para assombrá-
lo. Ancorados nas discussões de Tzvetan Todorov sobre a
literatura fantástica, buscaremos entender se
Remembering Melody caracteriza-se como o fantástico

64
maravilhoso ou como o fantástico estranho, de acordo
com as características da narrativa e aquelas definidas
por Todorov em sua teoria do fantástico. Em relação aos
aspectos de terror da história, utilizaremos como base
teórica a obra On Monsters, de Jeffrey Jerome Cohen,
com o objetivo de analisar a narrativa em questão a
partir das sete teses do monstro, buscando identificar as
características monstruosas de Melody, como a
intersticialidade da personagem, bem como outras de
suas particularidades que podem bem ser relacionadas
com as teses de Cohen. Também faremos uso da leitura
de Damon Randolf e outras discussões sobre o legado
do movimento hippie, com a qual pretendemos
especificar o papel da cultura pós-hippie para esta
caracterização. A respeito dos diferentes procedimentos
para analisar da história original e de sua versão
televisiva, comparando os recursos utilizados por ambos
para atingir o mesmo efeito, os conceitos discutidos por
Jane Eberts sobre a teoria da adaptação
especificamente de livros para séries televisivas serão
considerados.

Bárbara Gouvêa da Rocha

A FIGURA MONSTRUOSA DO OGRO COMO CORPO SOCIAL

Os ogros são criaturas mitológicas que se fixaram


na literatura popular no decorrer dos séculos. São

65
descritos em narrativas simples, histórias curtas, cuja
origem remonta à oralidade, atuando com seres
humanos em mundos de fantasia. Por serem contos
maravilhosos e atemporais, a figura aterrorizante do
ogro perpassou as gerações, permitindo que haja novas
interpretações e produções de uma mesma obra ou
figura monstruosa. Uma representação bem tradicional
é a de Charles Perrault (1628-1703), escritor francês, um
dos pioneiros no registro de contos infantis, nos quais são
apresentados, em algumas histórias, os temíveis ogros,
como em “A Bela Adormecida no bosque”, “O Pequeno
Polegar” e “O Gato de Botas”. Em contrapartida, há
autores como William Steig (1907-2003), escritor do livro
Shrek que inspirou, em 2001, a popular série de filmes da
produtora DreamWorks Pictures. Shrek, um ogro cujo
próprio nome (vindo da língua iídiche e do alemão
Shreck) significa "terror", "pânico" ou "medo", se destacou
pela diferença: um ogro personagem principal, herói,
contrário às narrativas onde sua figura é vista somente
como vilanesca, devoradora de pessoas. Com base
nestes autores de épocas distintas, este trabalho tem por
objetivo comparar a representação do ogro em alguns
contos de Perrault e na obra de Steig, procurando
observar a permanência ou não das características
desse personagem monstruoso, no âmbito do
maravilhoso. A fundamentação teórica que orienta o

66
trabalho parte, principalmente, das considerações de
Jeffrey Jerome Cohen sobre as sete teses da cultura dos
monstros, bem como do estudo de Arlette Bouloumié
sobre o ogro.

Beatriz de Carvalho Monteiro

A PEQUENA SEREIA E DONA MARINHA: MULHERES HÍBRIDAS E SUAS


IDENTIDADES FEMININAS NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL E
NA CRÔNICA DE LINHAGEM MEDIEVAL

A crença no amor romântico como premissa


indispensável para alcançar a felicidade suprema
permanece na cultura humana, e algumas personagens
da literatura anseiam por esse objetivo em suas
trajetórias narrativas. Diversas protagonistas mulheres
têm na conquista de um pretendente e no matrimônio
suas realizações máximas desde a tradição medieval
até a consolidação do romance burguês. Esse trabalho
pretende comparar duas mulheres híbridas fantásticas,
a pequena sereia e Dona Marinha, e suas buscas por
adequação às necessidades de seus pares românticos,
homens humanos. “A pequena sereia”, de Hans
Christian Andersen, publicado em 1837, conta a história
de uma jovem sereia que se apaixona por um príncipe
humano e consegue um corpo de humana para tentar
fazer que seu escolhido a ame. Dona Marinha é uma
lenda da mitologia portuguesa lenda que se encontra
no Livro de Linhagens do Conde Dom Pedro, registrada

67
por escrito por volta de 1340, em que um nobre, ao
cavalgar próximo do mar, encontra uma mulher
marinha, que leva para casa, batiza e com quem tem
filhos. A pequena sereia e dona marinha vêm do mar,
não conseguem se comunicar com os seres humanos
verbalmente e têm corpos fantásticos. A pequena
sereia pode viver trezentos anos, mas não tem uma
alma imortal, como os seres humanos têm. O único meio
de ela conseguir uma alma imortal é recebendo o amor
do príncipe e casando-se com ele. A personagem
recorre à feiticeira do mar para transformar sua cauda
em pernas, mas esse procedimento lhe custa sua língua,
sua voz e lhe provoca dores intensas. Todos esses
sacrifícios são em vão para obter o amor do humano,
mas a sereia tem uma nova chance de ter a alma
imortal como uma entidade etérea, filha do ar, se
praticar boas ações. Dona marinha não falava, mas
conquistou o amor e deu filhos a Dom Froiam. Este
tentou de tudo para fazer dona marinha falar e
conseguiu quando fingiu que iria jogar um de seus filhos
no fogo. Dona marinha se esforçou tanto para gritar
pelo filho que botou pela boca uma peça de carne,
passou a falar desde então e, assim, Dom Froiam, casou-
se com ela finalmente. O objetivo deste trabalho é
analisar o processo de cristianização passado pelas
entidades fantásticas ligadas à natureza e à mitologia

68
pagã, bem como a estratégia patriarcal de exaltação
do amor e do matrimônio. Nos textos em questão, esses
mecanismos levaram a pequena sereia e dona marinha
a eliminarem partes de seus corpos e a deixarem para
trás suas origens para se incorporarem à cultura dos
homens nobres que as abduziram. Algumas das
referências para este trabalho são Jurandir Costa, David
Gilmore e Regina Michelli.

Bruno Anselmi Matangrano

FIGURAÇÕES DO VAMPIRO PÓS-MODERNO NO FANTÁSTICO


BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO: OS CASOS DE ANDRÉ VIANCO,
MARTHA ARGEL E GIULIA MOON

No artigo “Mutaciones posmodernas: del


vampiro depredador a la naturalización del monstruo”
(2012), o teórico catalão David Roas comenta o
processo de “desmonstrificação” do que chama de
“vampiro pós-moderno” na ficção contemporânea.
Segundo ele, a figura do vampiro passou por um
processo de naturalização: humanizando-se em um
primeiro momento, a exemplo dos vampiros da escritora
norte-americana Anne Rice, e domesticando-se em
produções mais recentes, como na saga Crepúsculo, da
também norte-americana Stephenie Meyer. No Brasil, a
tradição de narrativas vampirescas é tardia, mas ao
longo das primeiras décadas dos anos 2000 percebe-se
um extraordinário aumento do número de publicações

69
dedicadas ao tema. De contos a histórias em
quadrinhos, o vampiro torna-se uma das figuras mais
recorrentes das narrativas fantásticas tupiniquins em
grande parte devido ao sucesso das obras de André
Vianco, Os Sete (1999) e Sétimo (2002), publicadas,
respectivamente, em 2000 e 2002, aos quais se seguiram
muitos outros livros, dentre os quais se destacam:
Relações de Sangue (2002), de Martha Argel, e a saga
iniciada em Kaori (2009), de Giulia Moon. Portanto,
tendo em vista os estudos de Roas (2012, 2014 e outros)
e o contexto das publicações vampíricas no mercado
editorial brasileiro entre 2000 e 2018, o presente trabalho
pretende estudar as figurações do vampiro pós-
moderno na ficção fantástica brasileira contemporânea
mapeando suas aparições e diálogo com a tradição.
Em um segundo momento, dedica especial atenção
aos processos de humanização, naturalização e
domesticação nos vampiros encontrados nas obras de
Vianco, Moon e Argel, nas quais o vampiro oscila entre o
monstruoso e o heroico em narrativas de um horror
mesclado a vertentes da fantasia, a partir de elementos
tipicamente brasileiros, o que torna cada uma dessas
obras muito original e particular, ao mesmo tempo em
que as insere numa longa tradição com a qual
assumidamente dialogam.

70
Bruno Kutelak Dias

ALL OF THEM WITCHES: AS DIFERENTES REPRESENTAÇÕES DA


BRUXA COMO SER MONSTRUOSO

O presente trabalho tem como objetivo analisar


a representação da bruxa com base em diversas
personagens icônicas tanto de produções
cinematográficas quanto seriados procurando investigar
como são retratadas as feiticeiras e sua associação com
as tradições populares referentes ao imaginário
envolvendo a bruxaria. Embora não haja, originalmente,
uma associação explícita entre a magia e o feminino, as
bruxas são vistas tradicionalmente como mulheres,
principalmente quando levamos em conta os dogmas
pregados por religiões de matriz patriarcal. Outra
característica associada à elas, também tendo em vista
o aspecto religioso, é sua conexão com o aspecto
demoníaco e sombrio, o que contribui para a atmosfera
de terror que as cerca. Utilizando como recorte principal
personagens que, de alguma forma, são relacionadas à
imagens monstruosas e (ou) diabólicas e tendo como
base teórica os trabalhos de Clark (2006), Davis (2017),
Demos (2004), Eco (2007) e Karlsen (1998) pretendemos
explorar não apenas os aspectos físicos e iconográficos
dessas mulheres, mas também abordar as questões
sociais e históricas que as destacam como bruxas. Da
comicidade de Elvira e das irmãs Sanderson até o horror

71
que envolve o casal Castevet, Marie Laveau e
Thomasin; da lendária Avalon à América moderna; de
seriados adolescentes a filmes de terror, a bruxa habita
a sociedade não apenas no imaginário popular,
permeando os pesadelos sob formas aterradoras, como
vai além do medo e da posição de vilania. A bruxa
acaba por representar também uma forma de
empoderamento, tendo a magia como modo de
libertação frente ao mundo em que tais personagens
estão inseridas.

Bruno Silva de Oliveira

OS MONSTRUOSOS ESPAÇOS QUE HABITO: CORPO E LUGAR EM “MEU


TIO O IAUARETÊ”, DE GUIMARÃES ROSA

Um dos primeiros espaços que a personagem


ocupa é o seu próprio corpo, depois o lugar onde ela
habita, ou seja, têm-se dois espaços, um emoldurando o
outro, espaços esses, então, que constituem a figuração
da personagem como um todo. Se um desses espaços
sofre alguma alteração, isso reverberará diretamente na
personagem, sendo determinante para a trama na qual
a persona narrativa se insere. Essas reflexões são
percebidas no conto “Meu tio o Iauaretê”, de
Guimarães Rosa, presente na coletânea Estas Histórias
(1969). O conto narra o encontro de um onceiro com
um forasteiro que está de passagem por sua terra; o
caçador de onça conta a história de sua vida e o que o

72
levou a se afastar do mundo. O que se torna caro para
a reflexão proposta é o espaço onde o onceiro mora
em relação ao que ele vivia antes, no tempo em que
caçava onças, bem como o próprio corpo do onceiro,
que ao final da narrativa se torna onça. Essa reflexão
será orientada pelas teorias de Michel Foucault sobre o
corpo e pelos estudos sobre os espaços topofóbicos de
Yi-Fu Tuan. Saliento que é por meio do espaço que o
insólito se manifesta, ou seja, que acontecimentos
inquietantes irrompem, pois ele é um dos mecanismos
que suscita no leitor o estranhamento e o
questionamento das normas conhecidas. Guimarães
Rosa é um escritor mineiro que constrói corpos insólitos
para suas personagens, vale lembrar os contos “Um
moço muito branco” e “O espelho”; mas selecionou-se
para este estudo o conto “Meu tio o Iauaretê”, uma vez
que este é rico no trabalho com o insólito ficcional
relacionado ao animalesco/monstruoso corpo do
protagonista.

Camila da Silva Alavarce


Ana Paula Caixeta Matos

A TESSITURA DO INSÓLITO EM TORNO DE MARIA: A MORTE


(EM)CENA EM A CORDA BAMBA, DE LYGIA BOJUNGA

Queremos, com este trabalho, pensar o insólito


para além de sua relação com o conceito de
Fantástico. Se, para Covizzi, o insólito é o que desperta

73
no leitor “o sentimento do inverossímil, incômodo,
infame, incongruente, impossível, infinito, incorrigível,
inaudito, inusitado, informal [...]” (1978, p.26),
entendemos que a pergunta “o que é o insólito?” nos
deve encaminhar, inevitavelmente, à pergunta “o que é
o real?”. Nesse sentido, compreendemos o insólito como
um acontecimento que estilhaça aquilo que é tomado
como real, revelando – insolitamente – uma face
sempre inquietante e contingente desse mesmo real.
Logo, o insólito será estudado por nós como um
acontecimento narrativo não fixo, sempre tecido
esteticamente a partir de um contexto. A nossa hipótese
é a de que, considerando a realidade invariavelmente
como uma construção ficcional, o insólito será também
– e sempre – relativo e movediço. Uma vez que o
simpósio espera “estudos sobre o insólito e sua relação
com as personagens consideradas minorias na
sociedade”, pretendemos refletir sobre a construção do
elemento insólito no interior da narrativa de A corda
bamba, especialmente no que se refere à personagem
Maria, uma criança que assiste à morte dos pais num
espetáculo circense. Almejamos também propor uma
leitura dos objetos ligados à Maria, que estão
relacionados literalmente à morte de seu pai e de sua
mãe e, poeticamente, ao processo de elaboração do
luto vivenciado por essa personagem. Para além de

74
certa ambiguidade que permanece na narrativa,
queremos, portanto, pensar na construção de um
insólito que se tece independentemente do
entendimento do conceito de Fantástico, e que cria
efeitos de sentido bastante singulares no interior de A
corda bamba.

Carla dos Santos Meneses Campos


Ramiro Giroldo

PERSONAGENS FEMININAS EM AMORQUIA: REPRESENTAÇÕES


INSÓLITAS?

Segundo Justine Larbalestier (2002), em uma


carta para o editor da Revista Startling Stories, o escritor
de ficção científica (FC) Isaac Asimov mencionou que
boas histórias podem ser escritas mesmo com ausência
total de personagens femininas. Diante disso, o objetivo
deste trabalho é investigar maneiras pelas quais a ficção
científica pode se abrir à representação do feminino –
instância que será discutida no romance Amorquia
(1991), de André Carneiro. Larbalestier (2002) afirma
que, no campo da ficção científica há histórias
baseadas em uma relação desigual entre os sexos, por
ela enquadradas na rubrica “Batalha dos sexos”.
Alternativamente a essa possibilidade, a FC é também
um lugar de possível ruptura com as representações
tradicionais dos papéis sociais estabelecidos. Em
relação à representação do feminino em Amorquia,

75
uma obra ambientada em um mundo futuro no qual o
feminino é hierarquicamente superior ao masculino,
pode se perceber que o papel do sexo feminino é
contestado de alguma maneira. A fragilidade, por
exemplo, é apresentada muito mais como uma
característica masculina do que feminina. Há várias
passagens em que as personagens falam da força da
mulher contrapondo-a a fragilidade masculina.
Larbalestier (2002) aponta que o fator mais excêntrico
na ficção científica ocorre não exatamente em histórias
que tentam abolir diferenças nos papéis de gênero, mas
naquelas que tentam reverter os papéis por eles
mesmos. Diante desses pressupostos, busca-se, assim,
observar e discutir como se dá a apresentação das
personagens femininas e o papel delas nessa narrativa,
evidenciando os modos de relação de poder. Na
compreensão de como se configuram os quadros
imaginários da FC em relação ao ambiente empírico
por eles transfigurados por meio do “distanciamento
cognitivo”, serão de auxílio proposições de Darko Suvin
(2006).

Carla dos Santos Meneses Campos

PERSONAGENS FEMININAS EM AMORQUIA: REPRESENTAÇÕES


INSÓLITAS?

Segundo Justine Larbalestier (2002), em uma


carta para o editor da Revista Startling Stories, um dos

76
principais escritores de ficção científica (FC), Isaac
Asimov, mencionou que boas histórias podem ser
escritas mesmo com ausência total de personagens
femininas. Diante disso, o objetivo deste trabalho é
buscar se de fato a ficção científica se abre à
representação do feminino. Tal instância será discutida
no romance Amorquia, de André Carneiro, que, por sua
vez, é considerado um dos maiores escritores e críticos
da Ficção científica brasileira, um artista de uma
sensibilidade aguda. Justine Larbalestier (2002) afirma
que no campo da ficção científica há histórias
baseadas em uma relação desigual entre os sexos. Na
contramão dessa consideração, a FC é um lugar de
possível ruptura com as representações tradicionais dos
papéis sociais estabelecidos. Em relação à
representação do feminino em Amorquia, uma obra
ambientada em um mundo futuro no qual o feminino é
hierarquicamente superior ao masculino, pode se
perceber que o papel do sexo feminino é contestado
de alguma maneira. A fragilidade, por exemplo, é
apresentada muito mais como uma característica
masculina do que feminina, já que há várias passagens
em que as personagens falam da força da mulher
contrapondo a fragilidade masculina. Larbalestier (2002)
aponta que o fator mais excêntrico na ficção científica
ocorre não exatamente em histórias que tentam abolir

77
diferenças nos papéis de gênero, mas naquelas que
tentam reverter os papéis por eles mesmos. Diante
desses pressupostos, busca-se assim evidenciar os modos
de relação de poder, como se dá a apresentação das
personagens femininas e o papel delas nessa narrativa.

Carla Larissa dos Santos de Souza

UM PRISMA INSÓLITO NA LITERATURA DE BORGES: DO CÂNONE À


FICÇÃO CIENTÍFICA

O trabalho proposto tem como objeto o conto


“There are more things”, de Jorge Luís Borges, que faz
parte da antologia O livro de areia (1975). Dedicado a
H. P. Lovercraft, o conto será analisado à luz do corpo
de trabalho de Lovercraft, de maneira a trazer à tona o
seguinte ponto: uma mesma obra pode ser analisada
segundo diferentes critérios e, desse modo, diferentes
ângulos resultarão em conclusões distintas. Há o
interesse de apontar traços da ficção científica e do
horror em uma produção, aqui no caso a de Borges,
que, geralmente, é abordada hegemonicamente sob a
chave interpretativa do “realismo mágico”. Apesar de
ser pertinente a associação da literatura de Borges com
o realismo mágico, novas leituras são imprescindíveis
para que os olhares sobre o texto literário se renovem.
Para mais, a pesquisa tem por intuito apresentar uma
proposta de investigação sobre a literatura de ficção
científica e horror em sua relação com o cânone

78
literário. Para que se alcancem os objetivos pretendidos
na pesquisa, o embasamento teórico se fundamentará
em Tzvetan Todorov, com a obra Introdução à literatura
fantástica (2003), para abordar as questões
relacionadas ao fantástico; para discutir a questão do
horror, a pesquisa recorrerá a proposições de dois
escritores, são eles: H. P. Lovercraft, com seu estudo
intitulado O horror sobrenatural na literatura (1927), e
Noel Carroll, com sua obra A filosofia do Horror ou
Paradoxos do Coração (1999). Por fim, para
fundamentar a questão da ficção científica, o estudo se
apoiará em Metamorphoses of Science Fiction (2016),
de Darko Suvin, O Princípio Esperança Vol. 1 (2005), de
Ernst Bloch e A Verdadeira História da Ficção Científica
(2018), de Adam Roberts.

Carlinda Fragale Pate Nuñez

O SACRIFÍCIO DO PRÓPRIO FILHO – O ESTRANHO ATRAVESSA


CULTURAS

O filme O Sacrifício do cervo sagrado (Yorgos


Lathinos, Inglaterra/Irlanda/EUA, 2017) focaliza a ruína
de uma família americana, nos tempos atuais,
inspirando-se num dos mais importantes mitologemas da
tradição grega: a maldição dos Atridas, tema ao qual
se dedicaram os três tragediógrafos da Grécia clássica.
Mas sobretudo mobiliza o interesse do cineasta grego
contemporâneo uma das quatro peças de Eurípides

79
dedicadas à família amaldiçoada dos tempos
imemoriais – Ifigênia em Áulis. Cada um dos filhos que
sobreviveram aos reis mereceu um espetáculo. Ifigênia,
a primogênita, oferecida em sacrifício à Ártemis pelo rei
para garantir bons ventos na travessia das naus gregas
até Troia, considerada a vítima insuperável da
atrocidade deste pai, protagonizou dois espetáculos do
dramaturgo – interessa-nos o já referido que traz o nome
da localidade onde se realiza a violência contra a filha,
Áulis. O enredo transposto para a atualidade se centra
no casal de médicos Anna e Steven, que têm seu
cotidiano abalado pela intromissão de Martin, um ex-
paciente de Steven, na família. As intenções do jovem
não são confiáveis, o que contamina o pulso e os
recursos expressivos do filme. A estranheza se manifesta
por meio de diálogos não muito coloquiais; atuações
“duras”, teatrais, e sobretudo pela ambiência
antinaturalista (com toques surreais até) que envolve os
protagonistas. O filme é a autópsia de uma situação
inescapável – no caso, a morte de um paciente de
Steven, numa cirurgia, anos atrás, ligado ao garoto
intruso. Toda a família se tornará refém de um destino
imprevisível. O estranhamento dos planos muito
compostos e das atuações sem inflexão, a trilha sonora
comovente e a sombra de materiais ancestrais que
tramita desde o Antigo Testamento até as salas de

80
cinema atuais oferecem uma soma de experiências
culturais concentrada na forma artística. A leitura do
filme pela perspectiva da World Literature permitirá
demonstrar que a nova versão do tema ancestral, mais
do que refletir, refrata, prismatiza, muda o curso de
certos aspectos das culturas que o cunharam. Além de
suscitar a discussão sobre a literatura-mundo, este tema
evidencia como a apreciação de uma obra pode ser
enormemente aprimorada, se se compreende mais
sobre a que ela se refere e aos pressupostos já
atualizados do autor e do público. Apoiamo-nos em
David Damrosch (2009) para ler das bordas para o
centro a narrativa fílmica que remonta a um drama
arcaico, mas funciona perfeitamente para produzir o
choque do novo.

Carolina Freitas Pimenta Peres


AO HORROR: AS VICISSITUDES DO MONSTRUOSO E DO MAL NA OBRA
A DAMA PÉ DE CABRA DE ALEXANDRE HERCULANO
Neste trabalho pretendemos abordar questões
sobre o horror, o monstruoso e as múltiplas
configurações sobre o mal no conto de Alexandre
Herculano, A Dama pé de cabra. Tomaremos como
prospecto à discussão a figuração das personagens, D.
Diogo, a Dama e D. Inigo Guerra para revelar, numa
pequena abordagem a configuração das facetas do
mal, como metafísico, físico e moral, tanto no que

81
concerne às questões bíblicas, tal a fala de S. Agostinho
sobre o livre arbítrio e a maleficência, quanto filosóficas
a ressaltar, muito brevemente, desde os primeiros
estudos até a própria banalização do mal, presente,
principalmente no âmbito de guerras. O conto A Dama
pé de cabra (HERCULANO, 1970), revela a face negra
do autor, trazendo o tom tenebroso do romantismo
inglês e do alemão, com aspectos góticos, repletos de
obscuridade, elementos sobrenaturais, ora explicados,
ora não, transfigurações horrendas e assustadoras,
causando medo nas personagens através de ações
imprevisíveis. Também revela uma essência saudosista
quando remetemos ao subtítulo Rimance de um Jogral,
pois, rimance é uma forma arcaica de romance, termo
correspondente na literatura peninsular à balada
europeia, antigo gênero de poesia popular, originário
dos países do Norte europeu, e que narra um
acontecimento real ou fabuloso. Discutiremos sobre as
manifestações do horror presente na obra escolhida
para análise, destacando aspectos do “monstro” no
qual a Dama pé de cabra se transforma, e como todo
esse processo acaba por tornar a Dama muito além da
personagem do conto, uma figura da ficção (REIS,
2006), que é reafirmada, principalmente, sob o caráter
de lenda dado por Herculano ao conto.

82
Cássia Farias

NOS OLHOS DE QUEM VÊ: BELEZA E MONSTRUOSIDADE NAS


DISTOPIAS JUVENIS

Assim como suas contrapartes adultas, as


distopias da chamada young adult literature abordam
os mais variados temas, mas é interessante notar que a
questão da beleza – especialmente no que se refere
aos padrões estéticos impostos pela sociedade e a
tentativa de segui-los – se faz presente em diversas
narrativas, mesmo quando não é o ponto central da
obra. A presente comunicação pretende abordar como
essa temática aparece nas séries Feios (2005-2007), de
Scott Westerfeld; Jogos Vorazes (2008-2010), de Suzanne
Collings e Starters (2012-2013), de Lissa Price. Nos livros
em questão, é possível notar que a busca pela beleza
aparece de forma problematizada, sendo representada
como uma empreitada perigosa que pode levar a
perda da identidade – e a vaidade pode resultar na
infantilização ou até na desumanização das
personagens. Os corpos que tentam a qualquer custo
atingir a perfeição são tidos como não naturais, e
parece haver algo que beira o monstruoso em tudo que
envolve a beleza. Se pensarmos nas contribuições de
estudiosos das distopias juvenis, como Hintz e Ostry
(2003) e Basu et al. (2013), que afirmam que as obras do
gênero configuram uma tentativa de despertar o

83
espírito crítico dos adolescentes, trazendo também
elementos e conflitos que se relacionam diretamente
com sua vivência, podemos pensar que essas obras
visam fazer o leitor repensar sua própria relação com os
padrões estéticos vigentes. A aproximação entre beleza
e monstruosidade seria uma forma de mostrar até que
ponto as pessoas estão dispostas a ir à busca pela
beleza, ao mesmo tempo que serve como um alerta dos
perigos de ultrapassar esses limites.

Cassio Larotonda Maia

SOBRE HOMENS E FOGO

Frankenstein, enquanto obra, lida com a figura


monstruosa. Quem é, porém, o monstro? Do latim
“mostrar”, os monstros salientam, a partir da alteridade,
a política do normal em determinada sociedade ao
nascerem de uma esquina metafórica. Os sintomas
presentes na obra de Mary Shelley ainda, 200 anos após
a confecção da sua primeira versão, fascinam e
confundem os teóricos. De novos excertos encontrados
a discussões acerca da autoria de determinadas
frações da obra pervadem a mente dos pesquisadores
e leitores, não só sustentando a incolumidade do mito
como também criando uma série de novos mitos
ressignificados. Por que, porém, persiste em ser tão
fascinantemente contemporânea uma obra escrita há

84
dois séculos? Primeiramente, seria porque a
modernidade já nasce trazendo consigo o seu gêmeo
cético (que, em última instância configuraria grande
parte do sintoma pilar da pós-modernidade: a
descrença quanto às verdades iluministas e as que lhes
sucederam) consubstanciado na Literatura Gótica?
Também porque trata de um tema que é, desde a
compreensão da tecnologia como superação das
limitações humanas, promissor e escatológico em iguais
proporções (visto que o Gótico encontra solo fecundo
nas intersticialidades, nas ambiguidades)? O que
propõe essa comunicação, portanto, é uma
compreensão das relações entre Frankenstein e o
Iluminismo, a fundação da literatura de ficção científica
e sua relação com o inumano/transumano, os sintomas
sociais na figura monstruosa e, não menos importante,
questões onomásticas que permeiam a obra de Mary
Shelley (como, através da sua sobrevivência trans-
histórica, a criatura conseguiu apropriar-se do nome de
seu criador e, logo, forçá-lo a assumir a paternidade no
âmbito extraliterário).

Clara Vidal

I AM THE PRETTY PHANTOM THAT LIVES IN THE HOUSE: COMO


MATAR UM FANTASMA?

O poema “The Angel in the House”, publicado


pela primeira vez em 1854 e composto por Coventry

85
Patmore em homenagem à sua esposa Emily, é
conhecido menos por méritos poéticos e mais por sua
descrição da mulher ideal da Inglaterra vitoriana. A
delicadeza e a fragilidade, adjetivos que operam a
opressão do que se convencionou chamar de atributos
femininos, se manifestam na construção da figura da
mulher do oitocentos, dos seus direitos enquanto
cidadãs às suas vestimentas. O poema de Patmore
influenciou Virginia Woolf em seu ensaio “Professions for
Women”, de 1931, onde ela afirma que, para alcançar
seu potencial, a escritora precisa matar o fantasma do
anjo do lar, um trabalho constante e necessário para a
liberação do próprio corpo feminino segundo a autora.
Em questão neste ensaio está a herança vitoriana e o
legado da nova mulher, que já figurava nas páginas da
literatura desde o período da decadência. Para
escrever e inscrever a sexualidade feminina, sobre o
corpo físico da mulher, o fantasma vitoriano precisava
morrer, e mais, precisava morrer pelas mãos da mulher
que escreve. Nesta comunicação, percorreremos os
rastros deste fantasma feminino entre o poema de
Patmore e o ensaio de Woolf, explorando como aquele
angel in the house, Emily Patmore, eternizada pela visão
e palavras de seu marido, contribuiu para o controle
institucional do corpo da mulher. Para isso, usaremos
também Michel Foucault, tanto para explicar o porquê

86
da patologização dos chamados desvios de
comportamento da mulher vitoriana, quanto pela
noção foucaultiana de alma como resultado do
controle exercido por um poder sobre o corpo do
indivíduo punido.

Claudia Fay

O MONSTRUOSO QUE HABITA EM NÓS: O DUPLO EM MATHEW


LEWIS’S THE MONK

Publicado em 1796, Mathew Lewis’s The Monk


talvez seja a obra que maior celeuma tenha causado
dentre todas produzidas pela poética gótica, devido ao
tratamento dado ao tema. A história do monge que
renega seus votos e rende-se aos seus vícios e paixões
mundanas é retratada com tal enfoque na crueldade,
sadismo, incesto e violência, que levou The Monk à
categoria de livro maldito. O objetivo desta
comunicação é trazer à tona este comportamento
controvertido de Ambrosio, personagem central da
trama, pensando-o como figura monstruosa não
enquanto portador de uma deformidade física, mas sim
enquanto resultado de uma desantropomorfização
psíquica, gerando uma hibridização humano-animal.
Sua monstruosidade estaria em seus atos,
completamente guiados pelo seu instinto animal de
satisfação de seus desejos e negando a máxima
cartesiana que dá ao pensar racional a condição sine

87
qua non de ser humano. O monge aproxima-se, assim,
de uma besta fera que segue seus impulsos mais
primitivos, negando seu processo de socialização que o
permite viver em sociedade, transgredindo toda e
qualquer normatização. De forma a promover uma
leitura crítica das ações de Ambrosio, se partirá de um
arcabouço teórico que dialoga com a psicologia e a
filosofia, tendo como ferramentas teóricas os conceitos
de duplo em Freud, de socialização e docilização dos
corpos em Foucault, de transgressão em Bataille, de
abjeto em Julia Kristeva e de estado originário e homem
bom e nobre em Nietzsche.

Cláudia Regina da Silva Rodrigues

MULHERES QUE FALAM DE MULHERES: O MAL ATRAVÉS DA


REPRESENTATIVIDADE E M NARRATIVAS DE AUTORIA FEMININA –
BRASIL X PERU

Os estudos que abarcam as ações literárias têm


sido direcionados para diversas áreas, impulsionados por
distintas pesquisas. Tendo como fundamento o
movimento feminista, a escritura de autoria feminina
tem buscado ganhar visibilidade por meio das narrativas
que simbolizam a vivência das mulheres. A literatura de
autoria feminina procura adquirir autonomia, tendo
como elemento principal a atuação das mulheres nos
mais diversos eventos, divulgando a trajetória percorrida
através da história. As escritoras sempre buscam

88
legitimar e dar visibilidade à história das mulheres;
conduzindo olhares e vozes, aliando os contextos do
passado com as práticas sociais da atualidade. As
narrativas produzidas sobre a relação entre os gêneros
são capazes de gerar uma enunciação ficcional capaz
de levar a uma nova visão de mulher. Também são
capazes de conduzir a uma posição crítica sobre a
história e a um olhar renovado sobre a questão, sem
deixar de ressaltar as peculiaridades identitárias das
mulheres e, muitas vezes, também edificando a própria
identidade. Sob o domínio patriarcal, o conhecimento
feminino sempre foi tido como menos importante no
ambiente cultural e na literatura, sendo a mulher
excluída do processo de criação. Por meio das
personagens a escrita de autoria feminina estabelece
relações que indagam e também discordam das
posições ocupadas na sociedade por mulheres e
homens. Essa escrita salienta a luta da mulher por
reconhecimento e visibilidade, sobretudo pela revisão
da identidade feminina na sociedade. As
representações através de romances que tratam
questões pertinentes à temática feminina são inúmeras;
uns mais acessíveis, outros não. Desta forma,
pretendemos abordar a constituição dos elementos que
compõe as personagens femininas nas obras
Eleodora/Las Consecuencias e Memórias de Marta das

89
autoras Mercedes Cabello de Carbonera e Júlia Lopes
de Almeida, respectivamente. Narrativas que
apresentam impessoalidade e objetividade, a palavra é
justa e concisa, há consciência artística, obsessão
descritiva e autonomia do texto. Em sua narrativa o
essencial é a descrição que faz da história. As autoras
não só narram, mas também descrevem expressando os
movimentos da vida. Textos ricos em descrições que
levam o leitor ao entendimento da cena narrada com
mais facilidade. Os romances mostram o mal-estar
presente no cotidiano vivenciado pelas personagens
femininas, vítimas do preconceito, da intolerância, e
principalmente da violência latentes no sistema
patriarcal; o que chega a causar um certo
estranhamento nas relações presentes nas narrativas.
Comportamentos que se chegam perto da
monstruosidade, sendo que o tal monstro convive no
interior da família, no ambiente privado, sufocando e
destruindo a coletividade.

Claudio Vescia Zanini

ONE, TWO, FREDDY’S COMING FOR YOU: O GÓTICO EM A HORA DO


PESADELO (1984 E 2010)
A presente comunicação discute o filme slasher
de 1984 A Hora do Pesadelo e seu reboot de 2010 a
partir da perspectiva dos estudos do Gótico. A hipótese
de trabalho defende que ainda que ambos os filmes

90
apresentem traços da ficção gótica em sua imagética e
estrutura, tais como a transgressão e os excessos
(Botting, 2004), a personagem monstruosa, o retorno
fantasmagórico do passado e o Lugar Terrível (Clover,
2015), o filme de 2010 explora mais profundamente o
diálogo entre a aparência e a realidade ao realçar a
importância do trauma em sua trama. A análise
também contempla questões relacionadas à
caracterização de Freddy Krueger, o vilão gótico por
excelência. Se no primeiro filme a personagem era uma
novidade, na releitura de 2010 ele era um ícone pop
dotado de mitologia própria e impactante desenvolvida
ao longo da franquia, que até então contava com sete
filmes, além de uma série de antologia feita para a
televisão e um crossover com o universo de Sexta-Feira
13. Deste modo, verifica-se no Freddy de 1984 uma
conexão mais estreita entre o puritanismo punitivo
tipicamente associado ao gênero slasher, ao passo que
o filme de 2010 aprofunda o caráter sombrio da
personagem, tornando-a mais violenta e sanguinária, ao
mesmo tempo que confirma seu status como pedófilo.
Os textos teóricos que dão lastro à análise dividem-se
em três categorias: textos seminais que contemplam o
gênero slasher (Clover, 2015; Dika, 1987, Wood, 1979), os
que enfocam A Hora do Pesadelo (Christensen, 2016;
Kendall, 2012; Kingsley, 2016), e aqueles que apresentam

91
a teoria atinente à ficção gótica (Halberstam, 1995;
França, 2017; Botting, 2004).

Cleber Araújo Cabral

DAS INCOERÊNCIAS DO CORPUS: FIGURAÇÕES DO CORPO


MONSTRUOSO EM MURILO RUBIÃO, DANIEL PELLIZZARI E
VERONICA STIGGER

Anormal, bestial, deformado, estranho, horrível,


impossível, inumano. Esses são alguns dos qualificativos
usados para corporificar a figura do monstro no
imaginário ocidental. Escritores de vários períodos e
contextos geohistóricos têm recorrido a essa forma de
manifestação do outro a fim de tematizar, de modo
oblíquo, o (aparentemente) imponderável ou
inconveniente do pensamento acerca das relações
entre a ciência, o corpo, a cultura, o humano, a
natureza e o mundo. Ao se utilizarem da ficção como
exercício de antropologia especulativa, também
estimulam modos outros de conhecimento mediante um
pensamento literário (ou uma literatura pensante,
conforme propõe Derrida). Ao pensar o monstro, somos
remetidos, de imediato, à sua corporeidade, à sua
forma física perceptível. O corpo, como categoria do
conhecimento, não é autoevidente, sendo antes, o que
não sabemos, o mais próximo e o mais distante de nós
mesmos, um espaço atópico, mutável. Se o corpo
também é da ordem do conceito, portanto da

92
invenção e da fabulação, podemos dizer que ele é da
ordem do imaginário. A partir deste território,
perguntamos: o que é o ser/corpo? Como o
percebemos e como ele pode ser representado na
literatura? A corporeidade da voz literária tem que
remeter à representação de uma consciência de
natureza antropomórfica? Tendo essas questões como
horizonte, sugerimos algumas reflexões acerca das
imagens do corpo no texto literário a partir de três
contos: “Cogumelos de metal” (manuscrito inédito de
Murilo Rubião), “Ana” (que integra O livro das cousas
que acontecem, de Daniel Pellizzari), e “Olívia Palito”
(do volume Gran Cabaret Demenzial, de Veronica
Stigger). Assim, considerando a natureza (supostamente)
incoerente e insólita dos contos de Rubião, Pelizzari e
Stigger, investigaremos como, nesses textos, a categoria
corpo/sujeito se apresenta problematizada enquanto
representação do ser. Mediante um exercício de leitura,
insinuamos algumas hipóteses interpretativas: por meio
da criação de corpos imaginários que questionem nossa
compreensão acerca do que vemos e dizemos ser o
corpo e o humano; de como pensamos que esse corpo
possa ser; de o que esse corpo pode fazer consigo. Para
tanto, serão mobilizadas as contribuições de Julio Jeha e
de Michel Foucault acerca dos monstros e dos anormais,
bem como os trabalhos de Eliane Robert Moraes e Jean-

93
Luc Nancy sobre as figurações do corpo na arte e no
pensamento ocidental. Ao aproximarmos os três
escritores, não intentamos estabelecer uma “linhagem
literária” – na qual Pellizzari e Stigger seriam herdeiros
sucessores (em termos de imagéticas, temáticas ou
procedimentos figurativos) de Rubião. Antes, interessa
observar como os três contribuem para o “monstruário”
da “grande família indefinida e confusa dos anormais”.

Cristiane Moreira da Costa

A MANSÃO DA RUA 14 OESTE: UM ESTUDO SOBRE O ESPAÇO


INSÓLITO EM “O VENTO FRIO” DE H. P. LOVECRAFT

O presente estudo tem como objetivo a análise


do espaço insólito e da fenomenologia metaempírica
na construção do conto “O Vento Frio” de H. P.
Lovecraft. Nossa fundamentação é feita a partir da
concepção da fenomenologia metaempírica proposta
por Filipe Furtado em A construção do fantástico na
narrativa (1980), obra em que o autor defende como
elemento indispensável ao fantástico a temática de
índole sobrenatural, apresentando-nos o conceito de
metaempírico, característica da literatura do
sobrenatural literatura essa que apresenta elementos e
acontecimentos incompreensíveis em nossa experiência
prosaica, tanto pelos sentidos ou da capacidade
intelectual, como através de quaisquer aparelhos que
auxiliem, desenvolvam ou supram essas faculdades.

94
Para Filipe Furtado, todos os elementos da narrativa
deverão ser organizados em função da ocorrência
sobrenatural, e é nessa perspectiva que analisaremos a
pensão em que vive o Dr. Muñoz, do conto “O vento
frio”, onde se misturam traços representativos do mundo
empírico e outros alucinantes, que contribuem para a
criação de um espaço supostamente desfigurado,
híbrido e monstruoso. O conto confirma a preferência
de locais delimitados ou fechados para a criação do
fantástico, pois a pensão é, na verdade, uma mansão
que datava do fim da década de 1840, constituindo um
cenário ideal para o surgimento da fenomenologia
insólita. É nesse ambiente que vemos surgir o elemento
sobrenatural, que irrompe em um mundo natural/real,
reforçando a dialética entre o real e o imaginário.
Procuraremos demonstrar como a apresentação do
espaço e das ambiguidades, aliados a uma
fenomenologia metaempírica, constrói o fantástico no
conto de H. P. Lovecraft.

Daniel Augusto P. Silva (UERJ)

O BESTIÁRIO DE J.-K. HUYSMANS: TEORIA E PRÁTICA

A obra de J.-K. Huysmans apresenta uma série de


figuras monstruosas que se inserem nas fronteiras de
diversas tradições literárias, como o Fantástico, o Gótico
e a Ficção Científica. Além de ter criado em seus

95
romances seres disformes e repulsivos, o autor também
refletiu crítica e teoricamente sobre a presença dos
monstros nas artes. No ensaio “O Monstro”, publicado
em Certains (1889), ele traça um panorama das
principais manifestações da monstruosidade em
diferentes realizações artísticas ao longo da história. O
texto, no entanto, não é construído apenas a partir de
uma perspectiva descritiva e diacrônica. O seu principal
objetivo é comprovar a hipótese de que as
monstruosidades teriam praticamente desaparecido da
literatura e não mais existiriam na contemporaneidade
finissecular. Huysmans acredita que os monstros
perderam progressivamente a capacidade de
aterrorizar a recepção e se aproximaram do burlesco e
do cômico. Apesar desse fenômeno, ele defende que o
final do século XIX, com seu avanço científico,
ofereceria novos instrumentos para a criação de
monstros. Após longo período sem criarem formas
monstruosas originais e verdadeiramente assustadoras,
os artistas deveriam se utilizar dos conhecimentos
científicos sobre os micro-organismos, as larvas e os
vermes para engendras novos monstros. Desenvolvida a
partir da observação dos quadros de pintores do
período, como Odilon Redon e Félicien Rops, essa teoria
orientou as narrativas do próprio autor e teve bastante
influência nas produções decadentes posteriores. O

96
objetivo deste trabalho é, portanto, descrever as
premissas teóricas do autor sobre o tema e como elas se
fazem presente em sua ficção. Partimos da hipótese de
que o desenvolvimento de seus monstros ocorreu a
partir da poética do grotesco decadente. Para
explicitar quais procedimentos estilísticos e ficcionais
foram utilizados por J.-K. Huysmans para criar as suas
monstruosidades em distintos momentos de sua carreira,
analisaremos exemplos pontuais dos romances À rebours
(1884), En rade (1887), Là-bas (1891) e En route (1895).

Daniella Moreira de Oliveira

DE MULHER FALADA À QUE FALA NAS OBRAS DE MACHADO DE ASSIS


E PEPETELA

Análise comparada das narrativas Dom


Casmurro, de Machado de Assis e O tímido e as
mulheres, de Pepetela. A pesquisa está inserida no
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da
área de Estudos Literários, da UERJ, Campus São
Gonçalo, orientada pela Profa. Dra. Norma Lima e tem
por finalidade evidenciar a condição feminina em suas
articulações com as sociedades patriarcais, brasileira do
século XIX (a de Machado) e angolana do século XXI (a
de Pepetela). No confronto dessas duas Literaturas de
Língua Portuguesa, serão observados tanto os aspectos
de aproximação quanto o de afastamento entre elas,
em respeito ao cumprimento e/ou distanciamento de

97
padrões comportamentais para as personagens
femininas principais nos diferentes contextos nos quais se
subscrevem, a saber: Capitu na ambiência do Brasil pré-
Republicano, de meados a fins do século XIX e Marisa,
na Angola pós-independência. A primeira foi acusada
de adultério e não possui voz para desenvolver o seu
ponto de vista quanto à suspeita do marido; a segunda,
é a radialista que vive de sua fala e que dá voz às
mulheres angolanas, além de, sutilmente, denunciar as
irregularidades e excessos da sociedade luandense.
Ambas personagens permitem uma discussão acerca
da persistência da discriminação contra a mulher que
foge aos padrões estabelecidos historicamente pela
sociedade. Analisar de que forma elas rompem com
esses moldes sociais e que sanções sofrem em
consequência disso, é uma forma de refletir sobre a
condição feminina na sociedade vigente. Resta saber
se a aparente evolução feminina pode ser, de fato,
observada e aplicada na personagem contemporânea.

Davi Pinho

FICÇÃO, A CASA ASSOMBRADA DE VIRGINIA WOOLF

A primeira publicação da Hogarth Press, editora


fundada por Leonard e Virginia Woolf, foi o hoje
celebrado volume Two Stories (1917), que trazia o conto
“Three Jews”, de Leonard Woolf, e “The Mark on The

98
Wall”, de Virginia Woolf. Tendo em vista o marco
modernista que é o conto de Virginia Woolf, já é
consenso entre os pesquisadores da autora que seus
contos anunciam as marcas modernistas que
caracterizariam tanto sua crítica, em seus ensaios,
quanto sua poética novelística, em seus romances
maduros. Mesmo antes, a identidade, tema que ganhou
notórias especulações na segunda metade do século
XX, é grande questão na obra de Virginia Woolf, e sua
crise encena a crise dos gêneros literários em toda a
obra da autora. Já em 1915, Rachel Vinrace,
personagem central do seu romance de estreia, The
Voyage Out, esboça o conflito entre sua derruída
representação, uma identidade forjada na tradição
realista que lhe confirmara mulher, e aquilo que ela
tenta entender ser em frases quebradas, marcadas por
reticências e símiles incompletas. Ou seja, já em seu
primeiro romance, as crises de genre e gender se
confundem. Mas é a partir de Jacob’s Room (1922) que
Woolf flexiona a própria forma do romance – em
fragmentos, monólogos interiores, etc – para investigar
os paralelos entre essas crises. Nesse sentido, suas
personagens se remetem anacronicamente à pergunta
de Bernard em The Waves (1931) – “Quando eu digo
para mim mesmo ‘Bernard’, quem vem?” (p.65) –, não
apenas em sua forma de solilóquios interpolados, mas

99
também na questão que ali se abriga. E ela é: como vir
a ser o que já sou, ou melhor, vir a achar o que de mim
resta em meu nome, em meu sexo, em meu gênero, em
meu país. A presente comunicação voltará, no entanto,
para a única coletânea de contos que Woolf publicou
em vida, Monday or Tuesday (1921), um ano antes de
seu romance que contribui para a aura do emblemático
ano de 1922, Jacob’s Room, para pensar como Woolf já
esgarça tanto a identidade de gênero quanto a
narrativa realista, o genre, em seus contos. Mais
especificamente, nos debruçaremos sobre “A Haunted
House”, conto que antecipa sua procura por registrar o
movimento da onda, ou, se quisermos escapar da
metáfora woolfiana, aquilo que resta quando não
estamos em nossos lugares identitários, nossas casas
assombradas.

Débora Ballielo Barcala

O “MUNDO ESTRANHO” EM “GREENLEAF”, DE FLANNERY O’CONN OR

Este trabalho faz parte de uma pesquisa de


doutorado intitulada “O grotesco como elemento
contestatório na obra de Flannery O’Connor” e
pretende apresentar uma análise do conto “Greenleaf”,
da escritora sulista estadunidense Flannery O’Connor.
Com base nas teorias sobre o grotesco e nas afirmações
de Freud (2006) de que “o elemento que amedronta

100
pode mostrar-se ser algo reprimido que retorna” (p.158)
e de Wolfgang Kayser (2013) de que “o grotesco é o
mundo alheado (tornado estranho)” (p.159),
procuramos interpretar os acontecimentos insólitos da
narrativa de O’Connor, na qual a protagonista Mrs. May
é atacada por um touro que a antagoniza sem motivo
aparente. Mrs. May é a dona de uma fazenda no Sul
dos Estados Unidos, na qual vive com seus dois filhos
adultos e uma família de trabalhadores, os Greenleaf. A
personagem acorda no meio da noite por várias vezes
ouvindo um touro que não lhe pertence mastigando
perto de sua janela, com o qual tem vários sonhos que
considera estranhos, nos quais o animal come quase
tudo em sua propriedade, incluindo ela mesma. O
enfrentamento e a relação de Mrs. May com o touro
são questões aparentemente inexplicáveis e imotivadas,
assim como o grotesco comportamento de Mrs.
Greenleaf, que conduzia sessões de oração e cura
espiritual na fazenda. O espaço da fazenda é, portanto,
um mundo estranhado que “não nos permite uma
orientação, aparece como absurdo” (KAYSER, 2013,
p.160). Assim, será dedicada especial atenção aos
sonhos e falas de Mrs. May relacionadas ao touro e à
fazenda, bem como a Mrs. Greenleaf.

101
Débora Souza da Rosa

TECNOLOGIAS DE SEDUÇÃO: A COQUETE E A TRANSUMANIZAÇÃO DO


FEMININO

O estudo propõe a ideia da coquete,


estereótipo social e consequentemente figura literária
corriqueira na literatura ocidental desde pelo menos
meados do século XVII, como um ente transumano. Em
narrativas como The Way of the World (1700), Vanity Fair
(1848), Zuleika Dobson (1911), entre outras, percebe-se a
evolução literária do tema nos modos como as figuras
coquetes fazem uso de artifícios para expandirem sua
esfera de poder sedutor. Toda a discussão em torno do
coquetismo, se é artifício ou natureza, confirma o
caráter transcendental, transumano e por isso mesmo
enigmático e por vezes aterrorizante desse tipo social
que se mostra tão fatal quanto, por exemplos, sereias,
ninfas e vampiros – com os quais, aliás, são
frequentemente associadas nas narrativas. Como lemos
em Vanity Fair e Zuleika Dobson, essas mulheres dotadas
de um conhecimento quase místico de todas as
tecnologias a serviço da sedução são retratadas como
um perigo de vida real a legiões de pretendentes. Com
seus aparatos acoplados ao corpo flexível, impossível de
fixar (tanto do ponto de vista físico quanto do
epistemológico, já que o poder da coquete se sustenta
precisamente dessa impossibilidade epistemológica),

102
como leques, máscaras, plumas, joias, espelhos,
cachorrinhos de colo e mesmo outros misteriosos, a
coquete transita pelos espaços consagrados da “mulher
anjo”, da dama doméstica e de sua família nuclear
burguesa. Com mais ou menos discrição, ela cria o
espetáculo de si, às vezes para parecer o mais real
possível, manipulando o que é esperado do feminino
quase à perfeição. Ela, portanto, transumaniza o
feminino, transcendendo e estabelecendo novos
parâmetros de beleza e de cuidado de si,
transmutando-se num corpo performático, artificial, seja
pela técnica ou pela equipagem externa necessária ao
seu modus vivendi de jogo e sedução. Esse corpo gera
a um tempo fascínio e repulsa por remeter a, um certo
ponto, reproduzir um modelo seguro, conhecido,
familiar, mas superá-lo. Ao superar o mito da mulher
angélica em vários dos seus mais caros aspectos, como
a beleza, a delicadeza, a virtude, essas figuras coquetes
expõem os absurdos do construto de feminilidade
tradicional de uma sociedade cada vez mais
consumista e hipócrita, e de indivíduos cujas identidades
são cada vez mais definidas e condicionadas pela
parafernália estética e cosmética que os adorna.

103
Diego Ferreira

BANALIDADE ABERRATIVA – O OLHAR QUE PROVOCA


MONSTRUOSIDADES EM HILDA HILST

O trabalho se debruça sobre as obras de Hilda


Hilst para demonstrar como são criadas imagens
aberrativas em sua literatura. Essas são imagens que
produzem um efeito de estranhamento, criam os
sintomas de que há na interação com as formas do
mundo um resto, de que o ininteligível participa da
percepção. Essa provocação aparece constantemente
no olhar das personagens de Hilda, olhares que “raspam
o espaço” na busca de um inexprimível. Tal perversão
do espaço e do tempo ocorre quando os olhares
investem contra a produção de uma normalidade
imobilizadora, contra a inércia de uma banalidade
insuspeita. Pretendo demonstrar como Hilda coloca os
objetos do cenário em movimento através de uma
árdua tarefa do olhar. Monstruosidades são assim
criadas, produzindo imagens aberrativas, retorcendo e
reanimando a compreensão e percepção das formas.
Há na literatura de Hilda um esforço grande de recriar
uma “tração visual” ou de olhar tátil que torce as formas
que com as personagens interage. Constantemente os
personagens lançam olhares que, em busca de algum
sentido, retiram o pó do logos que recobre as coisas. É a
maneira – estratégia estética – de tirar as coisas, as

104
formas, de uma neutralidade, colocá-las em
movimento. Há uma “força tracional de deslocamento
da retiniano” que não dissolve a consistência da
matéria, mas retorce, desloca um aspecto de sua
semelhança, cria dessemelhanças, repuxando as
simetrias, refazendo as proporções. A aberração, nesse
sentido, não é o impossível, mas o encontro do banal
com o absurdo, não é a superação da forma, mas sua
elasticidade retrabalhada.

Diego Moraes Malachias Silva Santos


Melissa Cristina silva de sá

MONSTROS E ANSIEDADES DISTÓPICAS NA SÉRIE A TORRE NEGRA,


DE STEPHEN KING

A série A torre negra, de Stephen King, através


de personagens monstruosos que representam
preocupações da literatura distópica do século XX,
expressa ansiedades da cultura estadunidense, como o
rompimento da ordem puritana, o fantasma do
totalitarismo, as ameaças nucleares e o medo do
avanço científico sem ética. A série se inicia na
cidadezinha de Tull, onde uma evangelizadora institui
uma doutrina que, apesar de seus aspectos satanistas,
remete-nos às inibições puritanas da sociedade norte-
americana. Nesse microcosmo distópico, a presença do
protagonista apresenta a contra-narrativa necessária
para que esses pressupostos religiosos sejam

105
questionados. Em Lud, uma versão pós-apocalíptica de
Nova Iorque, tribos travam uma guerra que se
autossustenta e tem suas origens e razões esquecidas,
estabelecendo conexão intertextual com 1984 e suas
nações perpetuamente inimigas. Os habitantes de Lud,
enlouquecidos, mantém um ciclo de violência que serve
como crítica aos confrontos bélicos da história norte-
americana. Já em Hambry, uma cidade agropecuária,
o cenário inicialmente pacato torna-se distópico à
medida que as regras de convivência entre os
habitantes revelam-se normas rígidas e arbitrárias. Rhea,
a bruxa que vigia a cidade das margens, condena uma
jovem à queima na fogueira em praça pública por ir
contra às convenções sexuais estabelecidas. Após um
julgamento que remete àqueles das bruxas de Salém,
ironicamente a bruxa Rhea não é quem queima, mas
quem faz queimar. Na região de Calla Bryn Sturgis,
crianças tornam-se bens de consumo ao serem
sequestradas por monstros mecânicos e servirem de
cobaias para experimentos na fortaleza de Devar-Toi. A
cidade fornece essa matéria-prima e observa, geração
após geração, o retorno de suas crianças destituídas de
humanidade e com problemas cognitivos. A opressão
de criaturas monstruosas transforma uma comunidade
pacata em uma sociedade distópica controlada pelo
medo e impossibilitada de reagir. Partindo das

106
considerações de Tower Sargent sobre como distopias
representam sociedades ficcionais percebidas por
leitores como inferiores à deles, e pautando-se também
pela noção de que, como elabora Raffaella Baccolini,
ansiedades sociais são refletidas em textos distópicos ao
longo da história do gênero, nesta comunicação
propõe-se ler os personagens monstruosos e as
comunidades distópicas de A Torre Negra como
metáforas para angústias do século XX.

Dorotéa Kerr

A NARRATIVA FICCIONAL OPERÍSTICA: POLÍTICA E INSÓLITO NOS


PALCOS EUROPEUS

Na segunda metade do século XVIII, a ópera se


tornou a forma mais popular de entretenimento musical.
Ela foi criada nos estados italianos, para ser cantada no
dialeto falado em Roma e que fora alçado à língua
oficial da Itália unificada, em 1870. A partir do século
XIX, alguns países europeus, transcrevendo o clima
pesado da competição capitalista estabelecida entre
eles, passam a se preocupar em criar uma ópera
nacional – produzida por compositores locais e cantada
nas línguas também locais. A união íntima entre a ópera
e a política europeia, coroada pela exploração de
mitos nórdicos como estratégia de sustentação mítica
do Nacional Socialismo Alemão é objeto desta análise,
que lida com o insólito como categoria integrante das

107
narrativas operísticas que se projetaram, significativas,
para a primeira metade do século passado. Com uma
abordagem interdisciplinar, fundamentada em
conceitos retirados da História, da Música e da
Literatura, objetiva-se esclarecer os laços sutis
estabelecidos entre a ópera, como modelo estético-
artístico, e a política centralizada na afirmação de
estados que competiam para o domínio de mercados,
formando blocos concorrenciais. Na linha filogenética,
analisam-se categorias operísticas dos séculos XVII e
XVIII, em suas tramas e personagens, que reproduziam
modelos antitéticos em seus libretos, ligados à trama e
personagens narrados. As óperas do século seguinte,
como a "Norma", composta em 1831 por Bellini, falam de
personagens históricas misturadas a druidas e outras
figuras fantasmagóricas, configurando o insólito
narrativo característico de seus libretos. Nesse mesmo
período, surge a ópera alemã, tendo como tema mitos
e acontecimentos históricos, contando sagas de
personagens reais ou fantásticos, como os fantasmas e
monstros. Wagner dominou a ópera alemã, com ideias
ultranacionalistas, centradas em mitos que deveriam unir
todos os alemães. Os mitos enalteciam a "raça nórdica",
por meio de grandes personagens e enredos de alta
dramaticidade, que faziam Hitler chorar, ao mesmo
tempo em que lhe forneciam uma ferramenta útil para

108
a sua política imperialista, baseada no destino manifesto
da raça pura ariana, destinada, por tal motivo, a
dominar o mundo. A abordagem desses
acontecimentos de alta complexidade teórica situa-se
nas fronteiras em fermentação entre a História, a
Literatura/Linguística e a Música, com a adição de
recortes historiográficos relativos à política das ditaduras
nacionais socialistas do século XX. Mitos, ficção,
fantástico e maravilhoso unem-se ao conceito de
"insólito", observado na união entre a música e o
nazismo. Com base em Claude Kappler, Claude Lévi-
Strauss, Jacques Le Goff e José Paulo Paes,
consideramos que mito abrange o número de
procedimentos descritivos e de temas que se encontram
nas narrativas operísticas, nas quais raramente se
encontra a preocupação em distinguir o maravilhoso da
realidade. Como instrumento político do nazismo, a
ópera foi um auxiliar poderoso para a difusão e a
propaganda do nacional socialismo na Alemanha e em
países que caíram sob o seu domínio, nos anos trágicos
que transcorreram da chegada de Hitler ao poder
(1933) ao fim da Segunda Guerra Mundial (1945).

109
Elen Pereira de Lima
Vinícius Souza Figueredo

REPRESENTAÇÕES DA MONSTRUOSIDADE NO CONTO “BARBA AZUL”,


DE PERRAULT

Mais de trezentos anos se passaram e as histórias


do francês Charles Perrault, o “pai da Literatura Infantil”
e autor do clássico Contos da Mamãe Gansa,
continuam sendo, até hoje, editadas, traduzidas e
adaptadas para o mundo inteiro. Suas personagens se
imortalizaram ao longo das gerações, revestidas, como
sempre, dos aspectos metafóricos, simbólicos e morais
os quais sempre marcaram a obra do autor, obra essa
que, apesar de não ter seu valor devidamente
reconhecido na época de sua criação, consagrou-se
como um verdadeiro clássico da literatura, sendo o
objeto de estudo de diversos trabalhos desde então.
Nesse contexto, no escopo deste trabalho, analisaremos
a presença da personagem monstruosa em Perrault e,
para tanto, usaremos como corpus de pesquisa o conto
“Barba Azul”, um dentre os mais famosos já escritos pelo
autor, tendo por fundamentação teórica os estudos de
Júlio França e Jeffrey Jerome Cohen acerca da
monstruosidade. Buscaremos não apenas entender a
representatividade da figura monstruosa do Barba Azul –
o qual, devido às suas ações cruéis e padronizadas,
caracteriza-se como um serial killer – como também
buscaremos compreender de que maneira o

110
personagem se aproxima da literatura gótica. Nesse
sentido, consideraremos alguns elementos presentes no
conto, como a questão do duplo, do insólito e do locus
horribilis que, neste caso, transcende o espaço físico e
torna-se o gatilho para o despertar do monstro,
revelando a verdadeira face – manifestação do duplo –
da personagem protagonista. Abordaremos também,
num estudo comparativo, a representação da
monstruosidade nas ilustrações criadas por alguns
artistas para a obra de Perrault, a exemplo de Edmund
Dulac, Harry Clarke e Kay Nielsen, observando como
essa reprodução imagética potencializa o efeito
causado pela história no leitor disposto a embarcar
nesta viagem pelo mundo da literatura infantojuvenil.

Emannuel Gonçalves Gomes

ANGELA CARTER E O WEIRD: ALGUMAS APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS

Uma das características da prosa da escritora


inglesa Angela Carter (1940-1992) é a subversão. Carter
não apenas apresenta em sua produção ficcional
perspectivas questionadoras sobre as condições
históricas nas quais escrevia, representadas, por
exemplo, em seu constante diálogo com as políticas de
gênero e seu engajamento com o feminismo, como
também estabelece relações intertextuais que
reconfiguram elementos de diversas tradições literárias,

111
com particular destaque para o insólito, em suas várias
vertentes. Assim, o gótico ocupa uma posição
proeminente nas formas de subversão do insólito
utilizadas por Carter. Algumas das chaves temáticas do
gótico (WILLIAMS, 1995), como as dinâmicas familiares e
sexuais, a manifestação daquilo que é reprimido e o
controle que as instituições patriarcais exercem sobre a
mulher, representam uma parcela significativa das
questões abordadas por Carter. De forma similar,
elementos figurativos associados ao gótico (PUNTER,
2012; SPOONER, 2006), tais quais vampiros, lobisomens e
castelos misteriosos, são recorrentes em sua imagética,
ainda que reorganizados de modo a transmitirem novas
significações, criadas a partir de suas acepções
anteriores. As preocupações de Carter acerca do
insólito, no entanto, não se restringem ao diálogo com o
gótico, ampliando-se também para campos como os
da ficção-científica e do weird. É por essa abrangência
que Carter é apresentada na antologia The Weird
(VANDERMEER, A. e VANDERMEER, J., 2011) como uma
autora que estabelece relações com obras tão distintas
quanto as de H. P. Lovecraft e Leonora Carrington. Tal
substrato permitiria que os autores identificados com o
New Weird, entre os quais o próprio Jeff Vandermeer, se
colocassem em diálogo com a obra carteriana e,
através dela, com as tradições literárias anteriores. Desse

112
modo, o romance The Infernal Desire Machines of
Doctor Hoffman (1972) pode fornecer um ponto de
partida através do qual observar algumas das relações
que Carter estabelece com esse campo literário cuja
principal característica é a rede intertextual por ela
criada. O conflito central do romance, que coloca de
um lado uma visão de mundo pragmática, que não
admite desvios daquilo que é considerado possível de
acontecer na realidade, e, no lado oposto, a
possibilidade de manifestação de imagens fantásticas
na realidade dos personagens, pode ser vista como
uma representação do verfremdungseffekt (efeito de
alienação), uma forma de estranhamento cuja relação
com as subversões do insólito fornece uma perspectiva
de abordagem em potencial para os seus
desdobramentos no século XX. Partindo desse contexto,
pretendo apresentar algumas possibilidades de
aproximação entre a obra de Carter e o weird, através
de elementos presentes em The Infernal Desire Machines
of Doctor Hoffman.

Enéias Tavares

ANDROGINIA, SEXUALIDADE E MONSTRUOSIDADE: OS ENIGMAS


DO/A ESFINGE DE COELHO NETO

Em Esfinge, originalmente publicado em 1906,


Coelho Neto (1864-1934) construiu um dos mais
instigantes casos de monstruosidade literária de nossa

113
literatura. Nele, cria James Marian, um misterioso inglês
que ocupa um quarto na pensão carioca da Senhora
Barkley bem como a imaginação de seus moradores,
entre eles a do narrador. Este recebe de Marian um livro
antigo e enigmático e a insuspeita missão de traduzi-lo.
Ao passo que o trabalho de tradução/decifração
prossegue, a natureza ambígua de Marian – que possui
corpo masculino e face feminina –, a antipatia do
Comendador Bernaz e o drama da jovem tutora Miss
Fanny vão se entrecruzando aos efeitos que texto e
contexto exercem sobre o narrador, que passa a
vivenciar visões e reações misteriosas. No cerne desse
caso, a história trágica de dois jovens que encontraram
morte violenta, ele tendo a face destruída, ela o corpo
esfacelado. De posse do corpo dele e do rosto dela, um
velho místico oriental chamado Arhat produz um ser
híbrido e amaldiçoado que, se de um lado reúne os dois
jovens, de outro os condena a uma existência de eterno
conflito. A estranha narrativa vai afetando o
narrador/tradutor, que se deixa tocar pelo enigmático
manuscrito, difícil de ser entendido devido à letra
manuscrita de Marian bem como pelos proibidos
conhecimentos nele contidos. O objetivo desta
comunicação é interpretar os enigmas do romance
Esfinge de Coelho Neto à luz de outras narrativas
europeias do século XIX, como A Casa à Beira do

114
Abismo, de William Hope Hodgson, Frankenstein, de
Mary Shelley, e O Manuscrito de Saragoça, de Jan
Potocki, bem como interpretar temas como androginia,
sexualidade e horror nesta narrativa. Como referencial
crítico-teórico, pretendo contrastar a visão ora negativa
que se tem da prosa de Coelho Neto – como é visível
em Miguel-Pereira, Alfredo Bosi e Maurício Silva – com
visões positivas que orbitam seu experimentalismo
estilístico e o relevo insólito de sua narrativa, como
ocorre na crítica de José Brito Broca, Alves Häckel e
Alexander Meireles da Silva.

Erick da Silva Bernardes

O PROMETEU MODERNO E O COMPROMETIDO MODERNISTA: A


FICÇÃO DE MARY SHELLEY E A DE GRACILIANO RAMOS

Este trabalho tem como objetivo principal a


análise comparada de duas obras de ficção: o
romance de Mary Shelley, Frankenstein ou o prometeu
moderno (2014), e o conto de Graciliano Ramos,
“Paulo”, que integra o livro Insônia (1961). Toma-se como
meta investigativa o possível investimento de Shelley em
uma crítica direcionada à sociedade moderna sob a
égide da ciência vista como promessa de salvação.
Como contraponto, entende-se o texto de Ramos como
uma ironia à valorização do capital, em detrimento da
pouca importância dada à vida humana. Soma-se a
isso, em “Paulo”, haver certa abordagem satírica

115
quanto aos embates entre direita e esquerda na política
brasileira. Tudo isso, sem perder de vistas o viés sombrio
característico da ficção científica seminal de Mary
Shelley e das nuances irônicas da escrita de Graciliano
Ramos, que este último parece ter bebido das fontes da
escritora inglesa, dando seu toque pessoal de viés
modernista brasileiro. Sendo assim, se a alegoria é uma
figura de linguagem capaz de “falar” uma coisa para
dizer outra, toma-se aqui o monstro inglês do doutor
Frankenstein como a alegoria da sociedade dita
cientificista e burguesa; assim como, o personagem do
conto “Paulo”, que apresenta uma “criatura” alegórica,
resultante da intervenção cirúrgica e com desfecho
sobrenatural. Postula-se, portanto, aproximar a escrita
de Mary Shelley da produção ficcional de Graciliano
Ramos, pois, guardadas as devidas proporções, ambos
autores são capazes de promover uma estética que
beira ao existencialismo. Assim sendo, se a escritora de
Frankenstein lança mão de um final trágico ao seu
personagem aberração, o segundo também o faz, ao
diluir seu personagem Paulo de maneira fantástica na
poeira luminosa das réstias de um hospital, entre
gemidos sombrios e gritos medonhos.

116
Erwin Snauwaert

MONSTRUOS DE CARNE Y HUESO Y MONSTRUOS DE PALABRAS EN


AJUAR FUNERARIO DE FERNANDO IWASAKI
En Ajuar Funerario, Fernando Iwasaki (Lima °1961)
no solo escenifica a unos monstruos de aspecto
concreto como los que han sido tematizados
tradicionalmente en la literatura fantástica a través del
vampiro (Gorgona, El bibliófilo, El balberito) o del invento
demoniaco (El apócrifo Frankenstein) sino que también
potencia a estas figuras valiéndose de la disposición del
propio texto. Efectivamente, el autor peruano combina
dos modalidades de lo fantástico que normalmente se
consideran como distintas: muchos de sus relatos dan
cuerpo al monstruo en su dimensión física, que es vista
como manifestación de “lo fantástico de percepción”,
al mismo tiempo que elaboran unas estrategias
narrativas típicas de “lo fantástico de lenguaje” o “de
discurso” (Rodríguez Henández), que establecen el
conflicto con la realidad de manera más indirecta
manipulando la enunciación. Esta combinación
aparentemente paradójica arraiga en el propio género
al que pertenecen los diferentes textos: el microrrelato
(Herrero Cecilia). Visto que estos cuentos por definición
solo consisten de un número reducido de palabras, la
narración no permite desarrollar ampliamente los
aspectos físicos del monstruo y, por lo tanto, también

117
establece su índole fantástica poniendo en marcha una
enunciación que se hace borrosa e indefinible (Roas).
Esta modalidad se concreta en unas operaciones
enunciativas que repercuten en el tiempo y el espacio
narrativos así como en la focalización y la narración.
Concretamente, unos microrrelatos como Monsieur le
revenant o La última escena explotan la complexión del
monstruo acoplándola a unas disposiciones
narratológicas innaturales (Alber, Fludernik) como la
sorprendente asociación de lo autodiegético a una
narración póstuma que, burlando la organización
temporal de la realidad generalmente aceptada,
incrementa la sensación de vacilación (Todorov) que
experimenta el lector. Otros como El monstruo de la
laguna verde trastocan el espacio, partiendo de las
transformaciones que sufren los personajes, y crean de
esta manera la impresión de que la realidad objetiva es
dominada completamente por el monstruo. Un mismo
efecto finalmente se desprende de unos cambios
inesperados en la focalización que paulatinamente
revelan la naturaleza insólita de fenómenos que primero
se presentan como cotidianos e inocentes, como se da
el caso en Dulces de convento. Al intensificar la
hesitación mediante los artificios técnicos ya
mencionados, semejante narración procede a una
“domesticación del monstruo” (Roas) y favorece la

118
caracterización de estas figuras fantásticas como seres
muy parecidos a los humanos hasta el punto que se
confunden los unos con los otros (Trapero LLobera, 2015;
Platts, 2014). Por este camino, estos micorrelatos
terminan representando de manera más punzante la
deshumanización de la sociedad y se ajustan a una
concepción postmoderna del horror.

Estela Fiorin

QUANDO A DECADÊNCIA ENCONTRA O CYBERPUNK: UMA ANÁLISE DA


OBRA “O PAGAMENTO”, DE PHILIP K. DICK

Este projeto em andamento foca na ideia do


High Tec e do Low Life, ou seja, Alta Tecnologia e Baixa
Qualidade de Vida. O Cyberpunk trata de narrativas
onde os avanços e inovações tecnológicas convivem
com a deterioração social. Originado na palavra
Cybernetics, Cyber se refere a um futuro onde forças
políticas e econômicas são globais em virtude da
tecnologia empregada. Frequentemente, estes locais
de poder se apresentam separados e isolados dos
segmentos desprivilegiados do mundo Cyberpunk. O
termo punk tem origem no cenário musical dos anos 70,
marcado pela forte crítica à cultura dominante e às
relações de poder. O punk, enquanto postura cultural, é
antiautoritário, pessimista, anárquico e igualitário. Ainda
que o Cyberpunk tenha sua origem ligada às últimas
décadas do século XX, ainda na década de 50 e

119
também ao longo dos anos 60, Philip K. Dick também
explorou em seus contos e romances as angústias do
homem moderno frente às mudanças de uma
sociedade, cada vez mais amparada na tecnologia e
em como essas mudanças afetam sua noção de
realidade e de ser humano. No conto “O pagamento”,
a personagem principal, Jennings é um “mecânico de
maquinarias eletrônicas” que, ao trabalhar para uma
empreiteira por um período de dois anos, tem a sua
memória apagada para que não pudesse se lembrar do
trabalho que havia realizado. Ao desenvolver uma
sonda temporal, que permite ver o futuro, Jennings se vê
em situação delicada com a polícia de segurança da
cidade que investiga as ações da empresa que o
contratou. Neste momento, a personagem altera alguns
mecanismos, impossibilitando o uso dessa sonda. O que
o dono da empresa visava era uma espécie de
revolução contra o status quo existente, onde o estado
policial dominava o país. Dick evidencia no conto o
medo da época de recrudescimento do estado e a
importância da separação entre o público e o privado.
Sobre a proposta a ser trabalhada, serão analisados os
principais elementos, como: 1) governos opressores; 2)
megacorporações transnacionais; 3) sistemas de
inteligência interligada; e 4) anti-heróis moralmente
questionáveis e marginalizados. Através de pesquisa

120
qualitativa, serão contemplados os trabalhos teóricos de
pesquisadores como Adam Roberts, John Clute, Peter
Nichols, Simone de Beauvoir, entre outros.

Fabiane Alves Martins

MAUPASSANT E O FANTÁSTICO - O PAPEL DO MONSTRO N A


CRÍTICA SOCIAL

Na França do final do século XIX, em meio a uma


literatura extremamente voltada para a descrição de
costumes burgueses, Maupassant encontrou lugar para
uma renovação do gênero fantástico. A partir das obras
O Horla e A pequena Roque, o presente trabalho
analisa a presença do fantástico em Maupassant, pelo
viés da loucura. É sabido que o gênero viveu um
período muito fértil na França, durante o Romantismo,
tendo suas origens na literatura alemã e apresentando
como base a fuga da realidade para os mistérios da
mente e do oculto. Porém, o Realismo também serviu
muito bem às exigências do fantástico através de
Maupassant, pois com os avanços da ciência e
principalmente da medicina, pensava-se o
desconhecido neste momento como algo que poderia
ser apreendido pelo homem. Todavia, em seus contos,
devido à vulnerabilidade do corpo e da mente dos
personagens, essa segurança se mostra facilmente
quebrada pela narrativa que culmina na dúvida tão
característica do fantástico. Colocando-se entre a

121
loucura e o sobrenatural, o homem, por sua vez, assume
que não tem o controle que a sociedade o faz pensar
que tem. Em O Horla, o narrador se vê atormentado por
males que ele não consegue explicar. Uma criatura o
persegue a cada dia mais e, em sua solidão, ele inicia
um diário que se torna o próprio livro, com uma
confissão pessoal sobre os fatos irracionais que ocorrem
em sua vida no contato diário com a criatura da noite,
que aparentemente entra no quarto para sugar seu
sangue e suas forças vitais. Através do diário, o leitor é
absorvido na caracterização deste ser que evolui em
ações a cada dia narrado, até o momento em que
criatura e narrador se tornam um. A partir de seu ponto
de vista, somos introduzidos em um ambiente misterioso,
onde nos deparamos com a figura desconhecida do
inumano. Já na novela A pequena Roque, Maupassant
apresenta um crime bárbaro: uma menina é morta e
seu assassino começa a ter visões da vítima, que o
assombra. Neste processo de construção da ideia do
monstro ou do espectro, é possível perceber um
questionamento visível através da inversão de papéis da
obra entre o bem e o mal, o certo e o errado. Em uma
perspectiva que mostra o homem como um ser dividido
entre dois extremos, é fácil ser assombrado pelos
próprios arrependimentos. As duas obras escolhidas
sugerem o deslocamento da ideia de monstro para o

122
ser humano, como uma crítica à estrutura social, em
uma época que avança a passos largos com todo o
avanço tecnológico que o homem era capaz de
dominar, mas que também começava a isolar os
indivíduos, fechá-los em um mundo cada vez mais
individualizado. Lukács (2012) define o herói do romance
moderno como um ser problemático que está sempre
tentando encontrar seu lugar em um mundo
fragmentado. Assim, em meio à presença de figuras
vampirescas e fantasmagóricas, pode-se perceber a
mensagem de que o monstro que muitas vezes
tememos reside em nós mesmos.

Fabianna Simão Bellizzi Carneiro

UM SER TÃO ASSOMBRADO: MANIFESTAÇÕES DO GÓTICO EM


NARRATIVAS REGIONALISTAS DE BERNARDO GUIMARÃES, HUGO DE
CARVALHO RAMOS, MONTEIRO LOBATO E BERNARDO ÉLIS

Considerada a obra que inaugura o romance


Gótico, Castelo de Otranto (1764), de Horace Walpole,
forneceu subsídios para que a crítica literária, de uma
forma geral, assinalasse o Gótico como “um termo geral
e derrogatório para a Idade Média que conjurava ideias
de costumes e práticas bárbaras, de superstição,
ignorância, imaginação extravagante e selvageria
natural” (BOTTING, 1997, p.22). É nesse contexto que os
monstros da literatura gótica como o vampiro, o
lobisomem, os mortos-vivos e a própria morte devem ser

123
analisados com relação a sua identificação com grupos
minoritários de uma Europa finissecular. Tais prerrogativas
nos levam a analisar a presença de determinados itens
muito peculiares das narrativas góticas europeias em
narrativas regionalistas brasileiras. Artistas da época
passam a retratar um sertão insólito que dialoga com a
tradição gótica anglo-americana e europeia dos
séculos XVIII e XIX, resultando em um “Gótico
Colonialista”, expresso dentro da corrente regionalista
por meio dos contos de, dentre outros, Bernardo
Guimarães, Hugo de Carvalho Ramos, Monteiro Lobato
e Bernardo Élis. Este trabalho é resultado de pesquisas
que compõem a Tese: “Um ser tão assombrado:
manifestações do gótico no regionalismo brasileiro do
romantismo ao modernismo”. Tais pesquisas se justificam
pelo fato de que, enquanto cenário de narrativas
fantásticas é povoado por criaturas sobrenaturais, o
sertão brasileiro vem desde o Romantismo se mostrando
como terreno fértil, não apenas para o entendimento
dos rumos da Literatura Brasileira e da postura das elites
em relação à constituição nacional, mas também para
a pesquisa do desenvolvimento e da manifestação do
gótico. Daí, portanto, a delimitação do problema: a
literatura gótica colonial, no Brasil, aborda a ameaça do
cruzamento da fronteira em decorrência do contato
prolongado com o outro quanto à expressão da

124
decadência do poder imperial a semelhança do que
ocorria na Europa? Se na Europa a mudança do poder
imperial refletiu-se nas artes de forma antagônica e
conflituosa – uma das características do gótico europeu,
podemos observar o mesmo no Brasil? Notamos
ocorrência semelhante a encontrada no gótico
imperialista inglês na relação, por exemplo, entre os
ingleses e as colônias, estigmatizadas por representarem
um sistema que não mais condizia com o novo sistema
econômico que surgia na Inglaterra? Trata-se de um
trabalho conclusivo, cuja metodologia se pauta em
pesquisa bibliográfica que será devidamente
referenciada ao longo do texto.

Fabio Ferreira Coutinho

A MONSTRUOSIDADE DO COTIDIANO: A (DES)TERRITORIALIDADE


DAS PERSONAGENS DA FICÇÃO KAFKIANA

Este trabalho visa investigar como a ficção


kafkiana pode ser compreendida como uma máquina
produtora de monstros. Em outras palavras, intenta-se
analisar o poder desterritorializador das personagens
monstruosas de Kafka em um maquinário ficcional
repleto de personagens conformadas à absurda
realidade ficcional cotidiana. Tomaremos como base os
estudos de Todorov, Carrouges, Deleuze, Guattari,
Onfray, Heller, Legendre, Blanchot entre outros. Nossa
hipótese é de que a máquina kafkiana realiza um

125
circuito desejante ambivalente que, por meio de desejo
bloqueado/neutralizado, cria personagens conformadas
ao cotidiano fissurado da narrativa (os defensores da
Lei/territorializados), e a partir de desejo aberto a
conexões, constrói monstros (os
desviados/desterritorializados) que desmontam a
estrutura narrativa de códigos e regras infindas. Isto é,
intenta-se apresentar personagens (os
conformados/seguidores da Lei e os
monstruosos/geradores de anti-leis) construídas a partir
da relação ambígua entre o cotidiano (desejo
bloqueado) e o insólito (desejo em aberto) na ficção
kafkiana. Desta maneira, objetiva-se analisar
criticamente o processo de composição de
personagens conformadas/gregárias e
monstruosas/singulares pela máquina ficcional de Kafka
sob a perspectiva de um texto ficcional de realidade
fissurada.

Fernanda da Rosa Sanchez Schmitt

IT’S WITCH BITCH: AS BRUXAS DE AHS, OS ESTEREÓTIPOS E SU AS


PERVERSÕES

Em um mundo povoado por monstros, espíritos e


demônios, as bruxas são, sem dúvida, um dos monstros
mais antigos e tradicionais dentro dos gêneros horror e
fantástico. Elas são sinônimo daquilo que é misterioso,
oculto, mágico e demoníaco. Segundo Asma (2009,

126
p.103), quando pensamos em monstros que povoaram o
imaginário da era medieval, na maioria das vezes
pensamos em monstros supernaturais, o que reflete o
que encontramos em documentos históricos em relação
ao pavor que as pessoas daquela época sentiam de
demônios, espíritos e bruxas. Isso se deve,
principalmente, conforme explica o autor, à sua
capacidade de possuir e dominar a mente humana.
Diversos documentos foram produzidos, principalmente
pelo clero, nessa época. Dentre eles, o famoso “Martelo
das Feiticeiras”, ou, como no original, “Malleus
Malleficarum”, que associava a mulher a cultos
devotados ao demônio e às diversas formas que elas
poderiam usar para enganar o homem (DELUMEAU,
2009). De tempos em tempos, a imagem da bruxa
retorna à luz e ela é alvo de fascínio e temor: durante a
Inquisição, depois com a colonização americana e os
julgamentos que aconteceram na Nova Inglaterra
(ASMA, 2009 p.109), até uma exploração da imagem da
bruxa em filmes, séries de televisão e livros. Na peça
“The Crucible”, de Arthur Muller, vemos retratados os
primeiros indícios de bruxas no continente americano e
da influência da magia negra naquilo que seria
considerado bruxaria. Tituba, a escrava negra que
ensina Abigail, e a demonização de mulheres que, por
terem conhecimento de ervas, plantas e remédios,

127
foram condenadas à fogueira. Levando em
consideração esses aspectos, este trabalho pretende
explorar um pouco desse mundo oculto, discorrendo
brevemente sobre documentos publicados durante a
Inquisição, como o “Martelo das Feiticeiras” (“Malleus
Malifecarum”), a obra “The Crucible" de Arthur Muller e
os julgamentos. Pretende-se identificar que elementos
caracterizam as bruxas, e como distinguir uma bruxa.
Após essa explanação, o trabalho focará nos
estereótipos e representações de gênero associados a
bruxas que vemos na série de TV norte-americana
American Horror Story (AHS), e como isso é pervertido. A
série explora os diferentes estereótipos de bruxas que já
foram representados através dos séculos: desde a bruxa
poderosa, má e sensual até a bruxa boa, caridosa e
amante da natureza. Este trabalho se torna relevante
em vista do renascimento do interesse à cultura bruxa,
principalmente através de filmes e séries que foram ou
serão ainda lançados, como “Chilling Adventures of
Sabrina”, o remake da série “Charmed” e a oitava
temporada de AHS, que retomará a história de
“Coven”, a temporada que primeiro introduziu as bruxas
no seriado.

128
Fernanda Martinez Tarran

OS CAMINHOS DO GÓTICO ULTRARROMÂNTICO NA OBRA DE


FRANKLIN TÁVORA

O Romantismo é o tempo da manifestação do


insólito e da imaginação. É natural a ausência de
verossimilhança realista em obras que, embora
desprovidas do elemento sobrenatural, estão próximas
do fantástico, contendo eventos obscuros e
assustadores. É o que acontece com o gótico
ultrarromântico, que fica a meio caminho entre dois
mundos: o da seriedade moralista e o da
inverossimilhança que aproxima do fantástico. O clima
onírico e o tom sepulcral que imperam nessas obras
acabam por atenuar o senso de realidade e dão vazão
a narrativas que esbarram no exagero, no inverossímil e
no sobrenatural. A Trindade Maldita, conto gótico de
Franklin Távora, publicado no Diário de Pernambuco no
ano de 1862, serve como exemplo desse entre-lugar em
que o gótico-romântico por vezes se coloca. Como a
maioria das narrativas góticas, herdeiras do romance
moderno, o conto é permeado por um tom realista. No
entanto, seu desfecho não só é desprovido da
seriedade moralista comum aos textos góticos clássicos,
como chega a ser zombeteiro e grotesco. A obra possui
trechos que, de tão absurdos e improváveis, tornam-se
inverossímeis. Há algo quase fantástico, de tão

129
inacreditável. Entretanto, a tônica inverossímil, quase
descambando para o sobrenatural, não é de todo
incomum entre os textos góticos. O Castelo de Otranto,
de Horace Walpole – obra-paradigma do gótico –,
também contém inúmeras situações em que fatos
completamente absurdos são deixados sem explicação.
O fato é que, na tentativa de dar destaque às
transgressões e, assim, trazer as normas e limites para o
foco, muitas obras góticas acabam por ultrapassar as
habituais fronteiras do realismo em direção à fantasia.
Coexistem, em tais narrativas, eventos baseados em
relações de causalidade e um movimento constante de
afastamento do verossímil. Além disso, a obra de Távora
também se afasta de um padrão tradicional do gênero
gótico em direção a outro mais subversivo, com
temáticas que avançam rumo ao século XX. Assim, A
Trindade Maldita é fiel ao gótico tradicional na medida
em que, por exemplo, os vilões acabam sendo punidos
com a morte, de modo a restabelecer a ordem. No
entanto, diferentemente do que acontece nos
romances góticos clássicos, em que as heroínas
emergem no desfecho intocadas, aqui as personagens
femininas são vítimas de toda sorte de maldades
perpetradas pelos vilões. Nota-se que esta obra se situa
entre o severo moralismo do gótico clássico – em que os
vilões são duramente castigados e as mocinhas, salvas –

130
e a transgressão de um gótico mais avançado, em que
crimes hediondos se concretizam e o desfecho
moralizante já não se impõe com o mesmo rigor. Aqui,
como no gótico tradicional, o mal não fica sem
punição, mas o castigo é efetuado por meio de
vingança brutal e sanguinária, o que reforça o tom
transgressor da obra. Visamos, portanto, examinar, na
obra de Távora, a consolidação da tendência gótica
de romper a fronteira entre realismo e fantasia, bem
como a inclinação das narrativas produzidas no século
XIX de subverter as tradições do gênero gótico clássico.

Fernanda Kalianny Martins Sousa

CORPOS QUE RASTEJAM: REFLEXÕES ACERCA DE


MONSTRUOSIDADES, GÊNERO E SABERES

“Monstro”, “aberração”, “abominação” e


“outro” são termos usados não apenas de modo
descritivo, mas para nomear e classificar, por meio de
diferenças colocadas de modo hierárquico, corpos
entendidos como abjetos. Em diálogo com a filósofa
Judith Butler, abjetos podem ser entendidos como
corpos cujas vidas não são consideradas “vidas” e cuja
materialidade corpórea não é tida como importante. A
ausência de “vida” e de importância da materialidade
advêm, segundo a autora, de uma materialização do
humano e, em contrapartida, de uma materialização
diferenciada ou da produção do abjeto, pois ao se

131
produzir a noção do que é humano, elabora-se,
consequentemente, o que é colocado no polo da
desumanidade. A oposição entre humano e não
humano, por sua vez, está associada a formas
específicas de formulação de pensamentos que
instituíram em diferentes regimes científicos, tais como a
antropologia, a filosofia e a literatura, o distanciamento
entre a natureza e a cultura. Tal distanciamento foi
construído contextual, histórico e politicamente por
sujeitos específicos que ocupavam posições de
saber/poder. A dualidade entre natureza e cultura se
desdobrava também na oposição entre objetivo versus
subjetivo, racional versus emocional, animal versus
humano, entre outros. Os estudos de gênero e/ou
feministas passaram a apontar o “dedo de Deus”, para
usar os termos de Haraway, no fazer científico e
questionar, como é o caso da bióloga Fausto-Sterling,
pensamentos que possibilitem ir além de tais dualidades.
O que está em jogo, segundo Rohden, é que cientistas
se coloquem como um deus onipotente, pois por serem
supostamente imparciais, objetivos e munidos de
neutralidade poderiam revelar à sociedade quais eram
as verdades que haviam adquirido ao observarem a
natureza e como deveriam buscar esses
enquadramentos na sociedade. Desse modo, saberes
médicos contribuíram para encaixar em categorias de

132
anormalidade ou monstruosidade corpos negros, de
mulheres, homossexuais, loucos, intersexuais ou
transexuais. Tais categorias figuravam em torno desses
corpos dissonantes alinhando-os a uma proximidade
maior com a natureza, emoção e animalidade que
estavam quase ausentes dos outros corpos. Em “O
papel de parede amarelo”, escrito em 1982 por
Charlotte Perkins Gilman, a relação da protagonista
com o marido John – médico que busca curá-la de
“problemas dos nervos” – junto do processo de
produção de silêncios, escrita e envolvimento com seres
inanimados, tal qual o papel de parede amarelo, traz
elementos possíveis para refletir acerca das questões
aqui colocadas levando em consideração a
articulação entre gênero, classe, monstruosidades e
saberes na literatura insólita.

Fernando Monteiro de Barros

DENTRO DA NOITE: VAMPIRISMO E HOMOEROTISMO NA LITERATURA


E NO CINEMA

Os primeiros textos da literatura ocidental sobre


vampirismo comparecem sob a rubrica wildiana do
“amor que não ousa dizer seu nome”: Christabel (1816),
de Samuel Taylor Coleridge, e The Vampyre (1819), de
John Polidori, inauguram uma trajetória vampiresca
insólita marcada pela consignação entre vampirismo e
sexualidades desviantes, conforme Carmilla (1872) de

133
Sheridan LeFanu e Drácula (1897) de Bram Stoker
ratificam ao longo do século XIX. A sexualidade do
vampiro por si só já configura desvio da genitalidade
com fins procriatórios, na exploração de outras formas
de prazer; além disso, os papeis familiares e de gênero
são transtornados por este personagem. Da mesma
forma, o imaginário sobre a homossexualidade está
impregnado de imagens noturnas e soturnas. Charles
Baudelaire, no século XIX, apresenta as lésbicas como
criaturas dotadas de voracidade e insaciabilidade
eróticas vampirescas, em seus poemas sobre o tema. A
partir do século XX, o Gótico literário se desdobra em
narrativas também cinematográficas, e em filmes como
A filha de Drácula, de Lambert Hillyer (1936), A dança
dos vampiros, de Roman Polanski (1967) e Fome de viver,
de Tony Scott (1983), tal associação entre vampirismo e
homoerotismo também se manifesta. A proposta deste
trabalho é, a partir de narrativas literárias e
cinematográficas, apresentar a convergência de semas
ligados ao imaginário gótico nas representações tanto
de personagens vampiros quanto de personagens
homossexuais, ao mesmo tempo que pensar tais
representações no contexto mais amplo da história, da
cultura e da própria construção mesma do personagem
monstruoso, uma vez que desde O castelo de Otranto,
de Horace Walpole (1764), a literatura gótica traz a

134
marca da interdição e da transgressão dos tabus
sexuais.

Fernando Vidal Variani

CIÊNCIA E PATOLOGIA: O LABORATÓRIO FOTOGRÁFICO D’O BARÃO


DE LAVOS DE ABEL BOTELHO
Tanto A Origem das Espécies (1859), de Charles
Darwin (1809-1882), quanto a Introdução ao Estudo de
Medicina Experimental (1865), de Claude Bernard (1813-
1872), são frequentemente apontadas como marcos da
influência exercida pelo pensamento científico sobre a
literatura oitocentista, principalmente quando levamos
em conta o conjunto de obras frequentemente
agrupadas sob o rótulo de “Naturalismo”. Porém, o
famigerado Frankenstein: ou o Prometeu Moderno
(1818), da inglesa Mary Shelley (1797-1851), parece
adiantar consideravelmente, dentro do universo literário,
o debate sobre os possíveis desdobramentos do
desenvolvimento científico na história da humanidade.
Tendo isso em mente, mas atentando para o espaço
literário de língua portuguesa, pretendemos nos voltar
para o romance O Barão de Lavos (1891), primeiro
volume do ciclo Pathologia Social, do autor português
Abel Botelho (1854-1917). Nesse sentido, nosso objetivo é
propor uma análise da incorporação do discurso
científico por uma obra literária de fins do século XIX e,
mais especificamente, da relação entre esse imaginário

135
e a sexualidade “patológica” da personagem que dá
nome ao livro. Esses dois elementos são os alicerces de
um curioso episódio que envolve a construção e
operação de um laboratório fotográfico no centro
lisboeta da época. Partindo das reverberações da cena
do laboratório no desenvolvimento mais amplo da
personagem ao longo de toda a obra, teceremos
algumas considerações acerca do pensamento
científico (da época e de hoje), da relação entre
ciência e erotismo na constituição do protagonista e,
principalmente, no que consideramos uma possível
abordagem mais (nossa) contemporânea de um autor
oitocentista de língua portuguesa – para alguns, “o mais
ortodoxo representante do naturalismo em Portugal”
(MOISÉS, 2008).

Flávia Côrtes de Alencar

A REPRESENTAÇÃO DA FIGURA DO MONSTRO NOS LIVROS PARA


CRIANÇAS

O medo é um sentimento que sempre nos


causou fascinação. É algo que repelimos e que nos atrai
ao mesmo tempo e se, por um lado, nos impede de agir
em uma situação, por outro, nos puxa com uma força
irresistível, muitas vezes, como um convite à fantasia. Na
infância e adolescência há um interesse natural por
histórias de medo e horror. Os monstros fazem parte de
nosso imaginário desde a mais tenra infância. São eles a

136
nos embalar nas cantigas de ninar. Tenha sido pelo
Bicho Papão, o Boi da Cara Preta, o Tutu Marambaia ou
a Cuca, todos fomos assombrados na infância por esses
personagens da cultura popular brasileira. Câmara
Cascudo, em Geografia dos mitos brasileiros, chamou
essa fase de “Ciclo da Angústia Infantil”. Em algum
momento, entre a adolescência e a fase adulta,
deixamos de acreditar, ou melhor, o monstro se
metamorfoseia em alguma outra coisa. Ele agora é a
busca pelo emprego, o salário baixo, as
responsabilidades, as contas a pagar... talvez por isso, os
livros infantis sejam mais povoados pelos monstros que
aqueles dedicados a outras faixas etárias. Sem um lugar
no mundo, os monstros se refugiaram nos livros infantis.
No entanto, se em algumas obras o monstro é pleno em
sua monstruosidade, em outras, o monstro é
desconstruído em suas características, quando não é
ridicularizado. É descortinando um novo mundo de
fantasias e estimulando a imaginação, que se criam os
meios para que o pequeno leitor aprenda a lidar melhor
com o mundo ao seu redor ou mesmo com os seus
monstros interiores. Segundo a psicanálise, é por meio
da fantasia que o homem busca o autoconhecimento e
aprende a enfrentar o real. Assim, este trabalho objetiva
pesquisar a figura do monstro na literatura infantil,
estabelecendo uma breve comparação entre os contos

137
tradicionais de Perrault e dos irmãos Grimm e produções
contemporâneas, tendo como fundamentação teórica
a guiar, inicialmente, a pesquisa, as obras de Bruno
Bettelheim, Luís da Câmara Cascudo e Gilberto Freire.

Francielle Largue Hambrecht

A MONSTRUOSIDADE A PARTIR DA REPRESENTAÇÃO DOS MORTOS-


VIVOS NO SEGUNDO CAPÍTULO DA OBRA INCIDENTE EM ANTARES DE
ÉRICO VERÍSSIMO

O presente artigo tem como objetivo observar a


representação do monstruoso por meio da figura dos
mortos-vivos na obra Incidente em Antares de Érico
Veríssimo. Pretendeu-se analisar na obra de Érico
Veríssimo, a partir dos estudos da monstruosidade, a
representação dos mortos-vivos dentro da literatura,
especificamente, as representações dos sete mortos
presentes na obra: Dona Quitéria, matriarca dos
Campolargo que morreu de enfarto; Dr. Cícero Branco,
advogado corrupto que estava sempre envolvido em
fraudes com a família dos Vacariano e Campolargo; o
maestro Menandro, que se suicidou cortando os pulsos;
a prostituta Erotildes, que morreu devido a complicação
da tuberculose, vítima de descaso médico; o sapateiro
Barcelona; João Paz, morto depois de ter sido torturado
pela polícia e o bêbado Pudim de Cachaça. O
despertar dos mortos ocorre no segundo capítulo do
livro e toda a ação começa em 11 de dezembro de

138
1963, quando é decretada uma greve geral na cidade
de Antares e os coveiros do cemitério declaram adesão
à greve. Sendo assim, ficam sem enterro os corpos dos
sete mortos. Essa análise foi desenvolvida segundo a
perspectiva dos estudos da monstruosidade por meio,
principalmente, das leituras das obras teóricas de Nöel
Carrol, A filosofia do horror ou os paradoxos do coração,
de Julio Jeha, Monstros e monstruosidade na literatura e
de Jeffrey Jerome Cohen, “A cultura dos monstros: sete
teses”, extraído do livro Pedagogia dos monstros: Os
prazeres e os perigos da confusão de fronteiras,
organizado e traduzido por Tomaz Tadeu da Silva. Os
resultados obtidos da pesquisa concluíram que a figura
dos mortos no segundo capítulo intitulado “O incidente”
tornou-se o elemento principal para definir o fantástico
da narrativa e os mortos apresentam por meio da
alegoria as críticas sociais feitas pelo autor.

Francisco de Assis Ferreira Melo

TERRA-MÉDIA: UM LUGAR DIST ANTE DE MONSTROS


DESCONHECIDOS

Este trabalho, de cunho teórico, interpretativo e


analítico a partir de uma perspectiva da Topoanálise,
tem como objetivo principal analisar os espaços e as
criaturas de O Senhor dos Anéis, obra do inglês J.R.R.
Tolkien, publicada em três volumes entre 1954 e 1955.
Pensar esses espaços desconhecidos é deixar-se ser

139
levado para a Terra-Média, um mundo vasto e repleto
de histórias e segredos, construído pela imaginação de
Tolkien. Ao tomar como exemplo esse romance passado
neste lugar, repleto de dualidades, como o claro e o
escuro, como se estivessem sob a ordem de um jogo de
personalidades, onde uma é boa e a outra, má, é dar
condições para enfrentar o que há de terrível neste
mundo. Tal evento se confirma devido à presença física
de seres que dão essa tônica como em um rito de
passagem: os Hobbits como as criaturinhas
encantadoras e possuidoras de uma grande coragem
desconhecida, os elfos como seres iluminados
portadores de uma beleza inconteste e os homens em
busca da construção de sua identidade. Igualmente, a
corrupção da luz e de todas as coisas boas que podem
ser perdidas através da ação de criaturas como
Laracna, Orcs, Goblins, Trolls, Balrog e Sauron. Mas não
somente os monstros atuam nos ambientes, estes são
compostos por uma grandiosidade própria da Terra-
Média. Grandiosidade que se sobrecarrega de uma
profunda sensação de medo, pois a geografia do
grande continente consegue dar a ele próprio seus
monstros imateriais. O medo psicológico desconstrói a
imagem de lugar seguro do Condado, Bri se cobre do
medo latente, Topo do Vento prepara o cenário de
terror como se fosse um gigante aberto na escuridão. As

140
cavernas de Moria são o túmulo mais escuro e
enterrado nas montanhas pelos anões e Mordor, a terra
de Sauron, é um lugar envolto em terrores inomináveis,
abrigo das criaturas mais aterradoras da Terra-Média.
Partindo de uma análise destes cenários, embasado
pelo próprio Tolkien e teóricos como Humphrey
Carpenter, Lin Carter, Fred Botting, Yi-Fu Tuan, Ozíris
Borges Filho, H. P. Lovecraft, Remo Ceserani, David Roas
e Filipe Furtado, mostrarei como vários destes lugares da
Terra-Média conseguem se vestir de uma
monstruosidade própria e muito peculiar

Francisco Magno Soares da Silva

UM CORPO ESTRANHO: A FIGURAÇÃO ABJETA DO CORPO


“DEFICIENTE” EM O HOMEM-MÁQUINA

Definir o humano não é uma tarefa simples. Há


de se levar em conta uma série de variáveis que podem
proporcionar diferentes visões acerca do que
entendemos como ser humano. Contudo, há elementos
basilares que norteiam a noção de humanidade,
permitindo que um indivíduo se intitule enquanto um
sujeito humano único, inserido em um contexto social
com outros atores que o reconheçam tanto como
indivíduo singular assim como portador de atributos que
o inserem no que se convenciona chamar de humano. E
talvez o elemento crucial que nos credencie enquanto
humanos seja o corpo. O corpo é o definidor do

141
indivíduo. É através dele que o sujeito adquire marcas
que contam sua história. O corpo serve de suporte dos
traços inalienáveis que anunciam sua cultura, sua raça e
sua origem. É através da corporeidade que nos
tornamos sujeitos singulares, uma vez que adquirimos um
rosto. Apesar de seu valor inestimável para formação da
estirpe humana, o corpo físico também é fonte de
sofrimento e segregação quando carrega em si marcas,
enfermidades, deformidades ou limitações de naturezas
diversas que jogam o indivíduo para as margens da
sociedade, estigmatizando-o como um ser deviante, um
portador de um corpo marcado com aquilo que se
deseja esconder. O sujeito possuidor de um corpo dito
deficiente é um lembrete incômodo da fragilidade e
finitude da existência biológica de nossos próprios
corpos. Por isso, esses são geralmente colocados de
lado, delegados ao apagamento de sua presença
desconcertante para aqueles cujos corpos estão
inseridos em uma suposta normatividade. O corpo
doente ou deficiente não é reconhecido por outros
indivíduos que não padecem da mesma condição, o
que pode colocar em cheque sua condição enquanto
humano. Em obras de ficção não é raro encontrarmos
exemplos de personagens que por portarem marcas em
seus corpos são destituídas, em algum grau, de sua
humanidade. Personagens com deficiências são

142
retratadas sob uma luz negativa como deviantes,
exóticos, cômicos, trágicos, fracos e até mesmo
inumanos. O objetivo do presente trabalho é ilustrar
através do romance de ficção científica Homem-
máquina do autor australiano Max Barry como o corpo
deficiente é gradativamente destituído de sua
humanidade, e com isso, o sujeito possuidor deste corpo
quebrado é empurrado para a categoria de inumano.

Gabriel Braga Ferreira de Melo

“O CONFLITO DE UMA R AÇA”: QUANDO O MONSTRO AMA E O


HOMEM MATA

Temidos e odiados pela sociedade em que


vivem, os mutantes da Marvel Comics sempre
funcionaram como a representação de todo grupo que
se encontra em uma posição minoritária e que luta por
direitos iguais e pelo fim do estigma de ser o “diferente”,
o “outro”. Em diferentes momentos de sua existência, os
X-Men – grupo heroico de mutantes nas revistas da
editora Marvel – refletiram a luta de diversos grupos
como os negros, as mulheres, os homossexuais e muitos
outros. Ao longo de suas histórias, eles sempre foram a
metáfora perfeita das minorias que precisam lutar por
reconhecimento e dignidade nos Estados Unidos: uma
sociedade que, a cada discurso de intolerância
proferido nas mais diferentes camadas que a
compõem, parece se esquecer que é composta de

143
diversos grupos, uma sociedade heterogênea por
definição. Foi em um desses momentos quando os
discursos de intolerância se espalhavam pelo país com
grande força que o roteirista Chris Claremont resolve,
através das páginas que tinha à disposição em sua
passagem pelas histórias dos mutantes, abordar com
maior clareza a questão do ódio e do preconceito que
tenta(va)m relegar o “outro”, o “diferente”, à margem.
Surge então um dos maiores clássicos das histórias dos
mutantes: “Deus ama, o homem mata” (1982). Nessa
história, o reverendo William Stryker usa sua influência e
a mídia para desencadear uma cruzada contra a
minoria mutante, vista por ele como uma perversão
diabólica e que precisa ser exterminada por representar
uma ameaça à raça humana e aos costumes e
dogmas cristãos. Opondo-se a ele, surgem os X-Men e,
em suas fileiras, Noturno, um mutante católico com um
aspecto físico quase diabólico. Não apenas com os
punhos, mas também com palavras e emoções, a luta
entre os dois grupos se desenrola ao longo da história.
Esta comunicação visa apresentar como as questões de
identidade, alteridade e pertencimento são abordadas
ao longo do conflito mutante-humano em uma história
que, mesmo passados 36 anos de sua criação,
infelizmente, continua atual. Para isso, a análise se
baseia em Morrison (2012) e Dalton (2011) para abordar

144
as questões mais ligadas aos mutantes e suas histórias;
em Bauman (2000) e Landowski (2002) para questões
acerca de identidades e alteridades; e também no
conceito de barbárie de Todorov (2010).

Gabriel Mayer

AS MONSTRUOSIDADES DE GUILLERMO DEL TORO

O presente trabalho busca analisar a


representação de monstros em três filmes do cineasta
mexicano Guillermo del Toro: A Espinha do Diabo (2001),
O Labirinto do Fauno (2006) e A Forma da Água (2017).
Sendo o diretor famoso por trazer a monstruosidade ao
longo de toda sua filmografia, a escolha desses três
filmes é motivada pela busca de uma perspectiva
diacrônica de sua visão, além de representar a
mobilidade de seu eixo de atuação como realizador de
cinema, saindo do México, passando pela Espanha e
chegando a Hollywood. Para analisar os filmes, o olhar
será direcionado para a maneira como seus monstros
são apresentados e suas relações com os demais
personagens, utilizando os conceitos propostos por
Jeffrey Jerome Cohen (1996) em Monster Culture (Seven
Theses), especialmente no que tange, em primeiro lugar,
ao monstro como representação de tensões políticas -
dado que as tramas dos três filmes selecionados se
passam em conflitos históricos bem definidos - e, em

145
segundo lugar, à sua caracterização como uma
espécie de “guardião da borda”, sendo avatar de uma
série de minorias marginalizadas, os Outros, para enfim
comparar sua monstruosidade com os grandes
antagonistas não-monstros em seus filmes, que não só
quebram como revertem a expectativa clássica em
relação ao monstro. A descrição dos monstros e dos
antagonistas não-monstros demonstram a presença da
humanização do primeiro e da vilanização do segundo.
Por fim, o último momento da pesquisa busca, a partir
dos discursos e aulas públicas do cineasta, comparar as
análises dos monstros em sua obra com a sua vida
pessoal, sendo o autor marginalizado por ser latino em
solo estadunidense, além de fazer parte de um
subgênero cinematográfico dentro do terror e da
fantasia, algo historicamente relegado tanto pela crítica
quanto pela academia, tanto no cinema quanto na
literatura.

Gabriela Hasegawa

A FERA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS REPRESENTAÇÕES DO


MONSTRO

A monstruosidade é uma característica muito


comum nos contos de fadas e como representante
metafórico do desconhecido e do mal, o monstro se
tornou um artifício literário (JEHA, 2007) muito
significativo nessa literatura. Assim, o presente trabalho

146
tem como objetivo analisar as diversas formas de
manifestação de um determinado monstro – a Fera –
nos contos A Bela e a Fera (1740), de Madame de
Villeneuve, A noiva do tigre (1979), de Angela Carter e
na adaptação televisiva Once upon a time (2011). Para
tal, a pesquisa teve início por meio de um levantamento
de várias releituras da clássica história conhecida como
A Bela e a Fera, sendo estas escritas ou em outros
suportes. Em seguida, o foco passou a ser a
monstruosidade e como ela é transposta nas versões,
resultando em Feras diferentes. Noivo animal
(BETTELHEIM, 1997), Feras repugnantes, Feras cativantes
(WARNER, 1999), do conto original às releituras do
mesmo no mundo contemporâneo, a monstruosidade
se mostra ora através do atributo físico, ora através da
moralidade e de vez em quando, em ambos. Assim, as
três Feras das três versões escolhidas para esta pesquisa
foram analisadas a fim de investigar as mudanças de
bestialidades que a Fera encarna e o que isso
representa dentro das narrativas que as personificam.
Pensar na representatividade do monstro em várias
releituras de um mesmo conto também traz a
importância do mesmo à tona e como, através dos
séculos, a narrativa se reinventa e continua viva na
literatura e isso também se mostrará presente neste
trabalho.

147
Gabriela Müller Larocca

ENTRE O ANORMAL E O MONSTRUOSO: NOTAS SOBRE O LIVRO


CARRIE DE STEPHEN KING (1974) E O FILME HOMÔNIMO DE BRIAN
DE PALMA (1976)

Partindo do conceito de anormalidade de


Michel Foucault e o de monstruosidade feminina de
Barbara Creed, a presente comunicação analisa a obra
literária Carrie, a Estranha publicada em 1974 por
Stephen King e sua adaptação cinematográfica
homônima de 1976 dirigida por Brian de Palma. Ambas
narram a história da adolescente Carrie White, uma
tímida garota que sofre inúmeras humilhações por parte
de seus pares escolares. O grande diferencial da
personagem e o leitmotiv das narrativas é que ela possui
poderes telecinéticos, fortalecidos com a chegada de
sua menarca. Tanto o livro quanto o filme abordam
temas relevantes como a busca por uma identidade
feminina, o despertar da sexualidade e os traumas da
adolescência e da criação materna, pautando-se em
uma sexualidade feminina reprimida por uma mãe
extremamente religiosa. Logo no início da história, após
uma aula de educação física, Carrie menstrua pela
primeira vez, porém devido à falta de conhecimento,
acredita piamente estar morrendo em virtude da
grande quantidade de sangue. Sua mãe declara
recorrentemente que o ato sexual é algo sujo e
pecaminoso, sendo os homens seres perversos. Ao

148
pronunciar tais palavras, a Sra. White reforça o medo e
a ansiedade associados historicamente ao corpo e à
sexualidade feminina. Ao ser convidada para o baile
escolar, Carrie é novamente humilhada quando uma
enorme quantia de sangue de porco é derramada em
sua cabeça. A partir disso, utilizando seus poderes
paranormais, ela inicia sua vingança permeada por
mortes e caos, que culmina em sua própria destruição.
A história possui uma referência e uma imagética, no
caso do filme, menstrual, iniciando com a menarca da
jovem e atingindo seu clímax com o sangue de porco.
Desta forma, Carrie é convertida em uma figura
monstruosa e detentora de perigosos poderes, iniciados
justamente pelo sangue menstrual. Vemos assim uma
associação entre o feminino e o monstruoso pautada
precisamente nas funções reprodutoras das mulheres. A
concepção do feminino monstruoso e anormal é antiga
e comum em diversas sociedades, evocando o medo
da diferença corporal e da sexualidade feminina, como
se existisse algo intrínseco no sexo feminino que o
tornaria perigoso e insólito. Um bom exemplo são as
narrativas da mitologia clássica, povoadas por monstros
femininos como as sereias e a Medusa. Desta forma,
nesta comunicação analisamos, pelo viés dos estudos
de gênero e sexualidade, o livro e a produção
cinematográfica partindo dos conceitos de

149
anormalidade, monstruosidade feminina e abjeção,
elaborado por Julia Kristeva. Ademais, refletimos como o
feminino monstruoso e anormal reforça definições
patriarcais, representando uma visão de que as
mulheres, por natureza, são frágeis e perigosas.
Pretendemos discutir como a presença da
monstruosidade e anormalidade feminina no horror
busca reforçar a diferença e a marginalização da
mulher, apresentando questões associadas aos medos e
inseguranças masculinas e sendo alheia aos desejos e
subjetividades femininas.

Gefferson Severo da Trindade

DECIFRA-ME QUE TE DEVORO: ENLACES ENTRE MITO, IMAGINÁRIO


E A OBRA ESPHINGE DE COELHO NETO

Nesta comunicação, apresentaremos


inicialmente as relações entre mito, imaginário e
literatura brasileira do século XIX. Principalmente no que
concerne à obra Esphinge de Coelho Neto, publicada
originalmente em 1908. A seguinte pesquisa abordará o
tema do mito e do imaginário no que concerne às
interlocuções com a literatura brasileira do século XIX.
Sendo assim, escolhemos a obra Esfinge (1908) de
Henrique Maximiano Coelho Neto. A mitologia grega
ganhou maior visibilidade grande parte devido às
elaborações de Sigmund Freud. O mito antes do século
XIX raramente recebia inferências que não fossem da

150
Literatura e dos próprios Historiadores de Religião.
Entretanto com o advento da nomeação
“Inconsciente” os estudos em psicologia se voltaram em
certa instância para a mitologia. O olhar para a
mitologia grega (em um primeiro momento) concebeu
elaborações como o “Complexo de Édipo”, termo que
aparece primeiramente no texto “Um Tipo Especial da
Escolha de Objeto Feita pelos Homens” escrito por Freud
(1910/1996) entre outros do mesmo autor, lembramos
aqui a Introdução ao Narcisismo (1914), como também
as pulsões de Eros e Tânato, mais precisamente em Além
do princípio do prazer (1920). Para elaborar tal pesquisa,
usaremos autores da mitocrítica, mitanálise, como
também estudiosos de psicologia. Dentre esses estão
Gilbert Durand, Junito de Souza Brandão e Carl Gustav
Jung. Segundo o próprio fundador, a mitanálise é um
método de análise científica dos mitos e que visa a
percepção de questões psicológicas ou sociológicas.
Nesse sentido, podemos olhar para a literatura brasileira
do século XIX com o olhar “mitanalítico”. Onde está
como proposta a busca por noções que auxiliem a um
aprofundamento teórico-prático na leitura. Para isso,
elencamos a obra Esphinge de Coelho Neto como
matriz de encadeamento diante do imaginário
fantástico do século XIX no Brasil.

151
Gisele Gemmi Chiari

A ESTÉTICA EXPRESSIONISTA EM BARBAZUL, DE ANABELLA LÓPEZ

A obra adaptada e ilustrada por Anabella López,


Barbazul, destaca-se pelo cuidado estético e a
simbologia das ilustrações, as quais corroboram para a
ressignificação da clássica história escrita por Perrault.
No conto tradicional, o elemento maravilhoso fica por
conta da chave que denuncia a desobediência da
esposa, já Barba Azul, afora o estranhamento de possuir
pelos azuis no rosto e o mistério sobre o seu passado, é
retratado de forma realista. Na versão de López, ela
opta por retratar o poderoso protagonista com traços
antropomórficos ressaltando, no plano da imagem, os
rasgos monstruosos de seu caráter, materializando,
dessa forma, o mal. A experiência da violência e a
opressão sofrida pela protagonista são marcadas pela
atmosfera sombria construída pelo jogo de luz e sombra,
pela escolha da cartela de cores e pelos traços
distorcidos dos desenhos. Em entrevista concedida à
Câmara Mineira do Livro em 22 de maio de 2018, a
autora revela que, para a construção imagética da
obra, valeu-se da estética do expressionismo alemão,
sobretudo do cinema. Nesse sentido, é possível
vislumbrarmos as janelas deformadas e as formas
alongadas de “O gabinete do Dr. Caligari” no castelo
de Barbazul, a fusão entre homem e animal de

152
“Nosferatu” na imagem monstruosa do personagem
principal, e o desespero representado em “O grito” de
Edvard Munch na descoberta dos corpos das esposas
assassinadas no quarto proibido. Tais referências
colaboraram para criar uma atmosfera onírica em que
a distorção das formas arquitetônicas, a deformação
dos corpos e a expressão dos rostos se articulam com o
texto na tentativa de delinear a experiência do horror,
que o naturalismo não daria conta. Sempre trabalhando
no âmbito do simbólico, também por meio das
ilustrações e da diagramação do livro, a autora cria e
amplia os sentidos da linguagem escrita, ressaltando as
escolhas perfilhadas pela sua versão. Segundo López, a
principal mudança em relação à narrativa tradicional,
está no desfecho do conto. Em Perrault, a protagonista
se beneficia com a herança que recebe após a morte
do vilão, inclusive, auxiliando seus irmãos e irmã, e casa-
se novamente, desta vez, com um homem honesto.
Assim também se dá na versão da autora argentina,
porém, ela inclui um adendo, uma homenagem às
mulheres assassinadas que estavam no quarto proibido.
A viúva enterra todas aquelas que, como ela, viveram o
horror, mas não sobreviveram a ele, plantando uma flor
vermelha para cada uma delas. Nesse trecho, a
ilustração compreende duas páginas onde as cores
escuras se dissipam, mas ainda estão presentes. É visível

153
na figura da protagonista uma metamorfose em sua
figuração representando as mudanças sofridas após a
experiência da violência. A sua transformação interior se
revela na diferença das cores da sua vestimenta, que
passa do branco para o preto, nos cabelos soltos e
naturais, na expressão de pesar e no gesto de
afetividade. Com base no exposto acima, acreditamos
que Barbazul contribui para a alfabetização visual e
estética do público leitor, seja ele adulto ou infantil.

Glauce Viviane Ferreira da Rocha

UM LOBO É UM LOBO: A VERTENTE MONSTRUOSA E PREDADORA DE


UM VILÃO EM PELE DE CORDEIRO

A literatura para crianças e jovens vem


apresentando-nos, ao longo dos anos, os mais variados
tipos de vilões, que acrescentam, às narrativas, marcas
pertencentes e características à psique da
personalidade humana, com seus dilemas, imperfeições
e, até mesmo, traços de malignidade. O objetivo deste
trabalho é analisar a figura monstruosa do lobo na
qualidade de predador que ameaça a vida de outras
personagens na trama, gerando, por vezes, medo e
tensão. O corpus ficcional centra-se nos contos à roda
de "Chapeuzinho Vermelho", buscando estabelecer o
diálogo intertextual com as narrativas de Perrault, dos
irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, de Chico Buarque e Neil
Gaiman. Em Perrault, um dos primeiros escritores a

154
registrar as histórias que hoje fazem parte da Literatura
Infantil, ocorre a morte da protagonista e da avó. Nos
irmãos Grimm, aparece a figura salvadora do caçador,
mas há uma segunda versão da história em que neta e
avó resolvem, sozinhas, a situação problemática,
vencendo o lobo. Em Chapeuzinho Amarelo, de Chico
Buarque, observa-se que a personagem precisa derrotar
o lobo, por conta própria e por meio de seus próprios
méritos e força interior. Por último, na história de Neil
Gaiman, “Os Lobos dentro das paredes”, um verdadeiro
thriller, com pitadas de suspense e humor, veremos um
texto que corrobora com a fama assustadora dessa
personagem lupina. A fundamentação teórica que
sustenta a pesquisa tem por base os trabalhos de Nelly
Novaes Coelho e Regina Zilberman, no eixo da literatura
infantil e juvenil, do psicanalista Bruno Bettelheim e,
especificamente sobre monstros, a obra de José Gil.

Graziela Bassi Pinheiro

QUEM SÃO OS VERDADEIROS MONSTROS NA OBRA O LAR DA SRTA.


PEREGRINE PARA CRIAN ÇAS PECULIARES?

Neste trabalho, propomos a compreensão da


literatura fantástica inserida na obra O Lar da Srta.
Peregrine para crianças peculiares do autor norte-
americano Ransom Riggs. O tema central a ser
abordado será o espaço-corpo fantástico dos
personagens que compõem o enredo, com destaque

155
para as crianças peculiares que levam consigo um dom
especial e sobrenatural. Dentre essas podemos citar
como exemplo Emma Bloom, uma menina capaz de
produzir fogo com as mãos; Millard Nullings, o garoto
que se tornou invisível ao longo do tempo e o próprio
protagonista da história; Jacob Portman, que se
considerava apenas um adolescente comum, quando
descobre seus poderes e de que é uma criança peculiar
também. É uma obra com uma grande potencialidade
de estudos, pois aborda temas recorrentes de nossa
sociedade, como a exclusão das minorias que não se
adequam aos padrões sociais impostos, fato esse que
ocorre com as crianças peculiares quando inseridas no
mundo prosaico. Ao apresentarem características físicas
diferentes do que é considerado comum, elas são
humilhadas, perseguidas, segregadas. Outra questão
abordada é como o patriarcado é substituído pelo
matriarcado, uma vez que a responsável pelo Lar das
crianças é uma ave-mulher, a Srta. Peregrine, que
também tem a função de reiniciar o feixe temporal, no
qual esse orfanato está inserido. Percebemos, então,
como a Literatura e, em grau maior, a Literatura
fantástica consegue transgredir os espaços
convencionais, permitindo uma reflexão mais
verticalizada. As crianças peculiares – sujeitos
monstruosos –, assim como Frankestein, permeiam as

156
narrativas fantásticas e nossa memória discursiva.
Portanto, as indagações iniciais de nosso trabalho são:
Quem são os monstros? As crianças peculiares ou as
outras pessoas que se consideram normais? O que
marca esse corpo monstruoso? Que lugar discursivo esse
espaço-corpo monstruoso ocupa na narrativa e em
nossa sociedade?

Guilherme Copati

LADY ORACLE: AGLUTINAÇÃO E CAPILARIDADE


Neste trabalho, proponho discutir a imagem
monstruosa da protagonista do romance Lady Oracle,
escrito pela canadense Margaret Atwood e publicado
pela primeira vez em 1976. Joan Foster, a personagem
em questão, guarda em segredo sua carreira como
escritora de romances góticos e as eventuais
experiências mediúnicas que a levam a psicografar um
aclamado livro de poemas feministas. Ao mesmo
tempo, ela luta para superar o trauma da obesidade da
infância, intensificado pela tutela cruel de sua mãe, cujo
poder torturante ela procura desafiar pelo gesto da
ingestão desenfreada de comida. As diversas
metamorfoses de Joan sinalizam os conflitos que
perpassam a construção de suas identidades, expressas
em termos monstruosos e organizadas em torno de duas
metáforas principais, que figuram como estratégias

157
comuns de descrição do monstro na literatura gótica: a
aglutinação e a capilaridade. Em Joan Foster, a
monstruosidade problematiza, portanto, as contendas
deflagradas na construção abjeta de corpos avessos a
padrões estéticos normatizadores e de feminilidades
subversivas. Para elaborar essa discussão, recorrerei a
importantes estudos sobre o gótico e as
monstruosidades, em especial os de Fred Botting, em
Gothic, Jeffrey Jerome Cohen, na introdução a Monster
theory: reading culture e Jack Halberstam, em Skin
shows: gothic horror and the technology of monsters.
Serão também trazidas para o debate as ideias
desenvolvidas por Judith Butler em Gender trouble:
feminism and the subversion of identities e Bodies that
matter: on the discursive limits of sex, Julia Kristeva em
Powers of horror: an essay on abjection e Michel
Foucault em Microfísica do poder.

Guilherme de Figueiredo Preger

FIGURAÇÃO DA FANTASMAGORIA EM FRANKENSTEIN DE MARY


SHELLEY

Esta comunicação aborda a figuração


fantasmagórica na obra clássica de Mary Shelley.
Conforme relatado pela própria autora no Prefácio à
segunda edição, sua obra origina-se da leitura conjunta
dos jovens Lord Byron, Percy Bysshe Shelley, Mary Shelley
e John William Pollidori da obra Fantasmagoriana, uma

158
coletânea francesa de histórias de fantasmas, aparições
e espectros. Da leitura desse livro de contos surgiu a
ideia, por Lord Byron, do legendário concurso de
histórias de terror de onde foram geradas as obras
Frankenstein e o Vampiro, de Pollidori. O título da
coletânea era baseado no conceito de fantasmagoria,
uma técnica ilusionista de projeção de imagens
desenvolvida por Étienne-Gaspard Robert. Este estudo
pretende investigar a presença da figura do fantasma e
da estrutura da fantasmagoria na obra de Shelley. Para
isso, faremos uma conceituação do conceito de
fantasma com três sentidos básicos: 1- como figura
excedente produzida pelo discurso; 2- como
figuralidade “espúria” ou ambivalente; 3- como figura
reprimida ou excluída pelo discurso. Objetiva-se mostrar
que a figuração da Criatura atende a essas
caracterizações “fantasmáticas” gerando outras três
figuras de monstruosidade correspondentes: 1- o
incontrolável; 2- o inominável; 3- o recorrente. A
fantasmagoria caracteriza então um tipo de figura que
atravessa diferentes níveis diegéticos (metalepse) e
também (trans)midiáticos. No primeiro caso, as
fantasmagorias da autora impregnam os fantasmas da
obra. O Prefácio à segunda edição deve ser visto como
um nível diegético à obra que “reentra” os níveis
ficcionais. No segundo caso, a fantasmagoria enquanto

159
técnica de projeção proto-cinematográfica influenciou
a transformação do romance gótico e romântico numa
forma estética destinada a gerar terror, inaugurando um
novo gênero literário e uma nova forma de recepção. O
terror passa a ser assim um tipo específico de catarse
literária na pragmática da recepção, sendo também
uma forma de influência metaléptica sobre o leitor.

Gustavo Melo Czekster

O LOBISOMEM NO CENÁRIO DA LITERATURA BRASILEIRA: UMA


REVISÃO CRÍTICA

Na qualidade de criatura ficcional, o lobisomem


perpassa países e narrativas, sempre deixando a sua
marca como representação imagética do primitivo, do
selvagem e da irracionalidade. Desde as histórias que
lhe formaram até as versões mais atualizadas do mito do
lobisomem, uma certa imprecisão lhe cerca,
relacionada em especial com a influência causada
pela cultura local. O Brasil é um exemplo disso: o
lobisomem passou por diversas mutações,
principalmente quando entrou em contato com o
folclore característico de cada região, passando por
modificações que não alteraram a estrutura básica do
mito. Esse movimento instável da figura do lobisomem
no Brasil acabou chegando à literatura fantástica
brasileira, que, ao mesmo tempo em que presta sua
homenagem aos textos clássicos de lobisomens,

160
também trabalha na construção de uma identidade
nacional para tal criatura, algo capaz de distingui-la das
demais criaturas abordadas no restante do mundo sob
este mesmo espectro. O presente trabalho propõe uma
revisão crítica das formas com que o lobisomem
aparece na literatura nacional, desde o conto de
Raimundo Magalhães, “O lobisomem”, e o romance de
José Cândido de Carvalho, O coronel e o lobisomem,
até abordagens mais contemporâneas, como as
realizadas pelos escritores Duda Falcão, Clecius
Alexandre Duran e Christian David, passando por obras
de J. J. Veiga e Simões Lopes Neto. Por meio de uma
análise dos mecanismos ficcionais que abordam o
lobisomem, assim como os trabalhos de Sabine Marie-
Gould e Sergio Luiz Prado Bellei, pretende-se investigar
as formas através das quais o lobisomem dialoga com
os mitos regionais e com a tradição literária que o
cerca, abrindo caminho para novas abordagens por
meio de uma revisão daquilo que já foi feito.

Haroudo Satiro Xavier Filho

LACUNAS E HORRORES EM “A CASA TOMADA” DE CORTÁZAR, HOUSE


OF LEAVES DE DANIELEWSKI E ANNIHILATION, DE JEFF
VANDERMEER

O trabalho faz uma análise comparativa entre o


conto “A casa tomada” (CORTÁZAR, 1946), o romance
House of Leaves (DANIELEWSKI, 2000) e, por fim, o

161
romance Annihilation, de Jeff VanderMeer. O estudo
comparado intenciona demonstrar o paralelo entre as
narrativas, todas com um horror lacunar (espaciais,
sensíveis, temporais e sensoriais). Temos a compreensão
de que é suspeita a escolha de Casa Tomada como
uma narrativa relacionada ao horror, mas este é
justamente um ponto crucial na nossa análise: o conto
cria uma atmosfera de horror em suspenso, que não se
realiza plenamente pela maneira corriqueira como as
personagens reagem ao pulsos de controle sobre sua
casa, por uma força nunca descrita. O caráter simbólico
é mais provável que leituras de uma sobrenaturalidade,
porém a tensão em suspensão está lá, e essa lacuna
sobre o realizar do horror é nosso objeto. Em House of
Leaves o horror se materializa sobrenaturalmente, mas
seu caráter é proeminentemente indicial (sob a ótica de
uma semiótica Peirceana) (DELEDALLE, 1984): o espaço
da casa se torna maior ou menor sem que se ache
razão ou quem/o quê controla essas mudanças, a
ameaça surge de ruídos e rugidos sem que sejam vistos
que os produz etc. O horror se verifica por um papel de
ausência – o vazio é assustador. Em Annihilation, há uma
certa incerteza sobre o que se vê, a protagonista não
confia mais no que deveria se tomar como real, pois o
espaço que a cerca mimetiza o que conhece, mas
ainda há indícios de que não é o que de fato vê. Em

162
todos os casos, os autores utilizam das lacunas para
causar o sentimento de medo nas personagem. Nosso
método de análise não segue um modelo
anteriormente formalizado, mas utiliza do conhecimento
já estabelecido sobre Literatura Comparada
(CARVALHAL, 2006) para tentar estruturar, de forma
qualitativa, os paralelos e pontos de distanciamento em
ambas as narrativas, buscando melhor compreender o
papel da lacuna sobre o espaço, sobre as emoções das
personagens, sobre o tempo cronológico e narrativo,
por fim, sobre os planos e modos de percepção que os
autores assumem como forma de abordagem sobre a
narrativa para o leitor e personagens.

Hélder Brinate Castro

O GÓTICO NO SEBASTIANISMO DE O REINO ENCANTADO, DE


ARARIPE JÚNIOR

O Gótico é, antes de tudo, um fenômeno


moderno que, eclipsando os limites entre o real e o
sobrenatural, desvela uma percepção de mundo
desencantada e uma faceta humana desiludida com a
realidade. No âmbito literário, caracteriza-se por ser
uma tradição altamente estetizada e convencionalista
que se estende dos setecentos à contemporaneidade.
Na Inglaterra da segunda metade do século XVIII,
desafiando o racionalismo iluminista e contrapondo-se à
obsessão literária pela realidade imediata, sobretudo

163
pelos pormenores do cotidiano burguês, a literatura
gótica encontrou, nos mistérios e nos elementos
preternaturais, meio de lidar com as incertezas trazidas
pelas Luzes. Se o Iluminismo recusou explicações e
compreensões místicas e religiosas sobre o universo, o
Gótico, com suas raízes na tradição oral das histórias de
fantasmas, nas baladas populares e nos graveyard
poets, recuperou lendas e superstições medievais e
pagãs. Absolutamente negativa e sombria, a literatura
gótica, herdeira de tradições místicas, evoca, pois,
“uma era de barbárie, ignorância, tirania e superstição”
(BOTTING, 2014, p.2). Investir contra as convenções
iluministas não significa, contudo, ser avesso a toda e
qualquer forma do real. Já no prefácio à segunda
edição de seu The Castle of Otranto (1764), romance
considerado pedra angular do Gótico, o escritor inglês
Horace Walpole declara seu intuito de mesclar duas
formas de narrativas: a “antiga” – fantasiosa, cujas
origens remontam ao romance de cavalaria – e a
“moderna” – atenta à representação “realista”. Walpole
pretendia, assim, reconciliá-las por meio das ações das
personagens, que agiriam de acordo com as leis da
probabilidade em situações, porém, extraordinárias. A
tradição gótica não se restringe, todavia, às letras
inglesas: ela se faz presente também nas obras de
escritores brasileiros, principalmente nas daqueles que

164
exploram artisticamente mitos e superstições locais. Das
crenças místicas que habitam o Brasil, aquelas que têm
como palco os sertões e as regiões interioranas do país
são constantemente tematizadas com influxos góticos
em nossa prosa de ficção. Nesse sentido, os movimentos
messiânicos, ao substancializarem lendas apocalípticas
em organizações sociorreligiosas, estabelecendo elos
entre o real e o sobrenatural, constituem
acontecimentos cujos eventos encontram, na
maquinaria gótica, meio ideal para serem narrados.
Entre tais movimentos, destaca-se o de Pedra
Bonita/Pedra do Reino (1836-1838) – fundamentado na
lenda do Sebastianismo –, que entrou para a história
brasileira como uma das manifestações messiânicas
mais trágicas e violentas. Marcado por rituais com
batismos de sangue e com sacrifícios de animais e
humanos, o misticismo sebastianista de Pedra Bonita
percorre a literatura brasileira, tendo o romance O Reino
Encantado: crônica sebastianista (1878), de Tristão de
Alencar Araripe Júnior, como uma de suas primeiras
ficcionalizações, na qual a crença no retorno de D.
Sebastião é explorada a partir de estratégias narrativas
típicas da literatura gótica. Haja vista que o Gótico,
desde suas origens, relaciona-se a lendas e mitos
populares e borra as fronteiras entre o ordinário e o
extraordinário, este trabalho objetiva investigar a forma

165
como o Sebastianismo de Pedra do Reino imiscuiu-se, no
livro de Araripe Júnior, com as convenções do Gótico
literário

Helen Cristine Alves Rocha

MEDARDO: A MONSTRUOSIDADE DE UM CORPO E DE U MA


PERSONALIDADE

Ao longo do tempo, o corpo foi sendo


investigado como um espaço subjetivo, um lugar de
poder que conquistou sua libertação a partir de lutas
que se travaram para que ele pudesse ser visto como
um elemento múltiplo e polissêmico. Concordamos com
Jean-Jacques Courtine (2009) quando ressalta que hoje
ainda há lutas políticas e aspirações individuais que
colocam o corpo dentro dos debates culturais, as quais
antes transformaram a sua existência como objeto de
pensamento. Por isso, este trabalho tem como objetivo
mostrar a construção monstruosa do espaço do corpo
do Visconde, protagonista de Italo Calvino na obra O
visconde partido ao meio, e expor os possíveis motivos
de seu corpo e suas atitudes causarem medo em outros
personagens da narrativa. Ademais, pretendemos,
ainda, a partir do espaço-corpo desse personagem,
fazer algumas leituras sobre a representação do corpo
no século XX; a imagem do corpo na formação do
sujeito, dado que o corpo foi ligado ao inconsciente,
atado ao sujeito e inserido nas formas sociais da cultura.

166
Para cumprir com nossos objetivos, tomaremos como
fundamentação teórica obras que tratam da literatura
fantástica, elegendo como obras básicas para sua
compreensão os estudos de José Paulo Paes (1985),
Tzvetan Todorov (2004), Filipe Furtado (1980; 2015), David
Roas (2001), Lenira Marques Covizzi (1978). Para os
estudos psicanalíticos e o sentimento “inquietante”
elencamos Sigmund Freud (2010). Para os estudos sobre
ideologia, espaço e corpo teremos o auxílio das obras
de Jean-Jacques Courtine (2009), Borges e Fernandes
Júnior (2013) e Marisa Martins Gama-Khalil (2012). Sobre
o medo, elegemos Zygmunt Bauman (2008) e Jean
Delumeau (2007). O medo é um sentimento que nos
ameaça física e psicologicamente, podendo surgir de
algo que já conhecemos ou que não faça parte de
nosso conhecimento empírico. A partir da imagem de
um corpo mutilado, sem intimidade, penetrado, íntimo e
sexuado, sofrido pelas brutalidades da guerra, podemos
pensar no Visconde Medardo como um personagem
monstruoso: ele terá seu corpo partido ao meio por uma
bala de canhão durante a guerra, mas, mesmo assim,
ele viverá e aprontará muitas façanhas. Enfim, o espaço
do corpo do Visconde é aparentemente monstruoso e,
além disso, várias de suas atitudes são monstruosas e isso
faz com que as pessoas não queiram nem vê-lo.

167
Heloisa Helena Siqueira Correia

VOZES MONSTRUOSAS NA OBRA DE BORGES: MONSTROS DIVINOS,


MUNDANOS, TEÓRICOS E HISTÓRICOS

Parte-se da consideração segundo a qual a


monstruosidade é algo que diz respeito ao
(aparentemente) caos da forma, da linguagem, da
ordem e da medida. E que sua “forma disforme”, assim
como sua voz inconcebível, sua desordem e desmedida
são sinais de algo oculto e poderoso, que pode ou não
ser revelado, como a maldade, a divindade, a vida do
inanimado, a excepcionalidade de certas qualidades
dos objetos deflagradores da hybris; a vida em
ambientes inóspitos ao homem comum; a suspeita de
um invisível deformado; o latejar de uma existência
fronteiriça dos seres, objetos, conceitos, argumentos e
raciocínios. O objetivo do trabalho é aproximar-se da
monstruosidade presente na obra de Jorge Luis Borges –
não incluída pelo autor em seu bestiário – construída
principalmente nas fronteiras do visível e do audível.
Para tanto, parte-se das referências borgeanas à
monstruosidade divina que se manifesta em formas
antropomórficas e não antropomórficas e em vozes e
linguagens inconcebíveis. Em seguida, opera-se a
identificação do monstruoso em objetos e seres que
estão no mundo, como o Aleph, o hrönir, os tigres azuis,
o livro de areia, o espelho, a biblioteca de Babel, a

168
loteria, o labirinto, o zahir, o disco, a memória de
Shakespeare e a máquina de pensar de Raimundo Lúlio
reanimada pelo escritor argentino, observando suas
particularidades e a linguagem que os acompanha;
observa-se ainda alguns monstros teóricos como a
“trindade cristã” e o “hipercubo”, e por fim, encontra-se
com as vozes de personagens borgeanas diversamente
monstruosas: Funes e o monstro histórico Hitler. A
realização de tal percurso implica o diálogo pontual
com autores como Michel Foucault (1987), Maria Esther
Maciel (2009), Júlio Jeha (2007) e Sergio Bellei (2000).
Percebe-se, então, a urgência da assunção e da
convivência com a monstruosidade manifesta ao modo
de qualidades, faculdades, linguagens, conceitos e
objetos que, mesmo em meio à ficção, não deixam de
aludir à nossa realidade histórica e social, desenhando
um caminho possível para o respeito às diferenças.

Henrique Marques Samyn

PARA AQUÉM DO HUMANO: A CONSTRUÇÃO DO NEGRO EM


NARRATIVAS CIENTÍFICAS ILUMINISTAS

Conquanto rastreável em épocas bastante


anteriores, o processo de construção do imaginário
racializante acerca de seres humanos recebeu um
impulso significativo – cujo impacto sobre o pensamento
moderno seria determinante – no âmbito do
pensamento iluminista. A partir do estatuto então

169
conferido à razão e do lugar fundamental atribuído aos
discursos científicos, erigiram-se os alicerces de um
ideário que não apenas visava a reconhecer, definir,
descrever e enfatizar as especificidades que
supostamente distinguiam as diferentes populações
humanas, como também estabelecer a posição
ocupada por cada uma dessas populações em uma
postulada hierarquização – cuja dimensão etnocêntrica
podemos hoje reconhecer, ainda que disso se tenham
derivado crenças e valores que permanecem vigentes
nas estruturas de opressão racistas contemporâneas. No
trabalho proposto, tenciono investigar de que modo
algumas das narrativas pretensamente científicas
produzidas a partir do período setecentista – por figuras
basilares como Carlos Lineu, Georges-Louis Leclerc (o
Comte de Buffon), François-Marie Arouet (Voltaire) e
Charles White; por conseguinte, tanto afeitas ao
monogenismo quanto mais próximas do poligenismo –
incorreram em especulações e digressões analógicas
atualmente legíveis como excursos ficcionais em que
transparecem elementos passíveis de interpretação a
partir da clave do insólito. Importa ressaltar que, nessas
construções discursivas, a suposta condição
degenerada, estranha ou incivilizada dos povos negros
podia revelar a permanência de elementos bárbaros ou
animalescos que revelavam aspectos de uma

170
imaginada monstruosidade – o que, não obstante,
fundamentava e reforçava a certeza da superioridade
de povos europeus/caucasianos na hierarquia das
raças. Trata-se, enfim, de investigar criticamente alguns
discursos cruciais no processo de construção do
moderno ideário racista.

Henriqueta Do Coutto Prado Valladares

VÁRIAS HISTÓRIAS EM “A CAUSA SECRETA”

Em “A Causa Secreta”, conto de Machado de


Assis, a discussão de fronteiras diversas que separam
bem e mal, vida e morte, amor e medo. A discussão de
outras fronteiras e “do medo de não se ter medo”
(questões propostas por Mia Couto). A reversibilidade de
leituras, em a “Utopia literária”, de Gerard Genette; os
precursores, a “Leitura adúltera” e a “Literatura elevada
ao quadrado”, de Jorge Luis Borges. Algumas
considerações de Georges Bataille em A Literatura e o
Mal: possibilidades de diálogos desses aspectos na
leitura do conto “A Causa Secreta”. A
excepcionalidade do tema do conto que causa “um
tremor dentro de um cristal”; o argumento que vai muito
além dele mesmo; tensão, desconforto, prazer e dor de
causas secretas; a condensação e a intensidade,
recursos que marcam fortemente as subjetividades
nos/dos leitores. “Por fora” do conto, o que está

171
“dentro” do humano. “Dentro do conto” o que é do
mundo lá fora? O medo de monstros e de
monstruosidades na vida das personagens Fortunato,
Garcia e Maria Luisa. Medicina e Literatura,
atravessadas por seres transformados e transformando
seres humanos. O cientificismo no século XIX sob os olhos
críticos do “bruxo do Cosme Velho”. A casa de saúde, a
saúde na casa de Fortunato: morte e vida tangenciadas
pelos tratamentos in(tensos) aos “pacientes”. “Dentro do
conto”, de Machado de Assis, o que é da condição
humana? “A Literatura-Mundo”; “A Literatura do
mundo”; o “mundo da literatura”, no conto “A Causa
Secreta”, de Machado de Assis.

Hiolene de Jesus Moraes Oliveira Champloni

O PALÁCIO DE TOCHTLI COMO O ESPAÇO MONSTRUOSO DE SUA


INFÂNCIA

Tochtli, o pequeno narrador de Festa no Covil, do


autor mexicano Juan Pablo Villalobos, retrata a
violência atrelada à inocência e, ao mesmo tempo, à
incompreensão da realidade que subjaz a sua
existência de apenas oito anos de idade, mas repleta
de experiências insólitas. A narrativa retrata o cotidiano
do narcotráfico e o staff que caracteriza um “bando”
conduzido por um chefe estreitamente relacionado
com as altas esferas da política mexicana, portanto
alguém com alto poder de decisão sobre os seus

172
comandados. Yolcaut é o poderoso chefão e pai do
menino Tochtli e ambos vivem em uma mansão no meio
do nada e vigiada por homens armados, que para o
menino é tão normal que se torna entediante. A
monstruosidade em questão reside no fato dessa
criança conviver com as atrocidades desse “bando”
sem desconfiar da organização criminosa da qual ele
faz parte e que está sendo preparado para assumir o
comando em um futuro próximo. Nesse sentido, a morte
de homens e mulheres é mostrada à criança, apenas
como o ato de transformar pessoas em cadáveres, que
tanto pode ser com tiros, quanto outras formas de
tortura. Quartos de armas, zoológico particular,
preceptor, capangas, jardineiro mudo, fuga, falsificação
de documentos, troca de identidade, são alguns dos
elementos da narrativa que compõem o dia a dia de
uma vida marginal, mas totalmente camuflada para
que o menino tenha a ilusão de viver normalmente, haja
vista não conhecer os motivos da reclusão que lhe é
imposta. Para a sustentação teórica da discussão, sob a
perspectiva da violência, serão utilizados os pressupostos
das teorias sociais da modernidade, as quais o autor
contemporâneo tem se utilizado para discutir as
tragédias humanas que ocorrem longe dos olhares da
sociedade, como é o caso de Tochtli. Cercado de luxo,
solidão e medo, que são os extremos de uma

173
monstruosidade que pode ser apenas o começo de
uma existência que se supõe ainda mais terrível
levando-se em conta o espaço no qual a narrativa se
desenvolve e demais consequências advindas do
narcotráfico. A voz infantil de Tochtli se converte no
insólito e na monstruosidade, nesse contexto de homens
cruéis e devastadores de vidas e de sonhos.

Hugo Lenes Menezes

O BOBO DE ALEXANDRE HERCULANO: FIGURAÇÃO DE UMA


PERSONAGEM GROTESCA NUM ROMANCE HISTÓRICO

No Romantismo, paralelamente à vertente


exótica, ampliando no espaço o domínio literário,
cultuou-se no tempo o historicismo, exatamente no
passado medievo. Menção a ele já localizamos no
vocábulo romântico, derivado de roman, alusivo a
relatos em prosa e verso daquela era. Aqui,
mencionamos o gosto romântico pela narrativa
transcorrida em penumbrosos castelos de arquitetura
gótica e lembramos os mitos, que foram perdendo a
sacralidade, mas continuaram como histórias profanas e
lendárias, surgindo os contos de fadas ou folclóricos
medievais, com elementos fantásticos, adjetivo
proveniente do grego phantastikós e, conforme Tzvetan
Todorov, sinônimo de “representação imaginária”.
Nascendo tal literatura associada ao gótico e suas
criaturas grotescas, constatamos a relevância do

174
folclore para o Romantismo desde a publicação de
Contos de fadas populares (1797), coletânea
fortemente macabra, de Ludwig Tieck, que, na
Alemanha, revelou-se um dos pioneiros do Movimento
Romântico. Nos referidos contos, encontramos a
dessacralização dos mitos, as mais antigas narrativas. De
onde toda ficção verbal ser tributária desses ancestrais.
Com o Romantismo alemão, afirmou Ítalo Calvino,
sucederam a ascensão e a plenitude estética da
narrativa enfocada, cuja maior expressão seriam os
contos de horror hoffmannianos, ressoando também em
francês com Charles Nodier e Gérard de Nerval, e em
vernáculo, com Alexandre Herculano. Sua literatura
possui uma faceta sombria, efeito do romance noir
gálico; e das baladas góticas do inglês e alemão. Eleito
mestre pelos ultrarromânticos lusos, ele se tornou a
chave do ideário de tal grupo medievalizante e
cemiterialista, cujo nome do mais famoso poema, “O
noivado no sepulcro”, de Soares de Passos, foi retirado
de uma fala de Hermengarda, heroína de Eurico, o
presbítero (1844), criado por Herculano, que no
periódico O Panorama estampou, de sua lavra, poemas
tumulares, contos depois recolhidos em Lendas e
narrativas (1851) e, saídos posteriormente em livros, mais
de um romance de nova modalidade e tributário do
gótico: o histórico, sem que seu autor relevasse o

175
sobrenatural. Isso, porém, não lhe impediu, inclusive
oferecendo num romance monacal a origem semântica
de monge: triste e só, de mostrar um ambiente de
tensão, mistério e melancolia; uma atmosfera tétrico-
solitária ou gótico-dantesca. Em O monge de Cister
(1848), frei Vasco se revelou diabólica e odiosamente
vingativo. No Eurico, vimos o locus horrendus gótico nos
campos de batalha, com o sanguinário Cavaleiro
Negro, temido até pelos vitoriosos adversários, que o
consideravam personificação do demônio Ibliz, assim
como ainda vimos o gótico na tonalidade carregada
da prosa poética da obra, oriunda particularmente de
Edward Young e suas meditações cemiteriais.
Finalmente, referimos a mais conhecida narrativa
gótico-fantástica herculaniana, centrada na
demonização da mulher: “A dama pé de cabra”, de
transfigurações tenebrosas e feitos imprevistos,
excêntricos e mirabolantes. Assim sendo, com a
comunicação ora proposta, no romance histórico O
bobo (1878), em que Herculano desenvolveu o tema do
belo horrível, objetivamos abordar a figuração da
personagem-título, D. Bibas, comparado na narrativa ao
ciclope da dita homérica Odisseia (séc. VIII a.C) e
encarado, dentro do binômio hugoniano “do grotesco e
do sublime”, como revivescência do monstrengo
Quasímodo, o corcunda de Notre Dame.

176
Isabelle Godinho Weber

A IMAGÉTICA GROTESCA DO CORPO EM LE LIVRE DES NUITS E


NUIT-D’AMBRE DE SYLVIE GERMAIN
A presente comunicação propõe uma análise
da imagética grotesca do corpo nos romances Le Livre
des Nuits e Nuit-d’Ambre de Sylvie Germain, autora
francesa contemporânea cujos romances narram os
efeitos das guerras nas sucessivas gerações de uma
mesma família, desde a Guerra Franco-Prussiana até a
Guerra da Argélia. Pretendemos examinar como os
artifícios que orientam a configuração das imagens do
corpo nas narrativas em questão situam-se no terreno
do grotesco – fenômeno estético caracterizado pela
elaboração de representações visuais que se opõem à
imobilidade das formas e aos princípios da harmonia e
da proporção. Ao infringir a anatomia humana, a
figuração grotesca dos personagens atribui uma nova
função semântica ao corpo, convertendo-o em matéria
sensível, na qual se inscreve o jogo violento das forças
históricas e os conflitos psíquicos desencadeados pela
traumaticidade das experiências de guerra. A
iconografia monstruosa do corpo que integra o universo
ficcional se manifesta de formas variadas: um
personagem, ao retornar do ambiente mortífero das
trincheiras, não é reconhecido por sua família, pois
adquiriu proporções descomunais; outro sobrevivente

177
de guerra retorna ao lar com o rosto completamente
desfigurado, ferida que divide seu ser em dois; em outro
episódio, o corpo de uma personagem começa a
apodrecer, mas sem que a morte o leve. Interessa-nos
examinar a relação que se estabelece na narrativa
entre a ficcionalização do referente histórico e as
múltiplas figurações insólitas do corpo. Atentaremos
para o modo como, na obra de Sylvie Germain, o
grotesco se constitui como um recurso estético que
permite exprimir, de maneira visceral, a condição
histórica das figuras de ficção e o profundo impacto
psíquico provocado pelos conflitos bélicos. A autora não
busca fornecer um retrato fiel dos eventos que
permearam a história do Ocidente, mas expressar os
efeitos subjetivos de experiências-limite – que não
podem ser transmitidas pela linguagem – através da
composição de corporeidades monstruosas, cuja
mutabilidade simboliza o esfacelamento interior dos
personagens.

Isabelle Rodrigues de Mattos Costa

JOÃO, MARIA E A BRUX A DAS NARRATIVAS INFANTIS

Considerando as bruxas que aparecem nos


consagrados contos de fadas, a vilã de “João e
Maria” talvez seja a que mais influenciou a figura
da bruxa como a vilã de histórias infantis que odeia

178
crianças. Enquanto a madrasta-bruxa de Branca
de Neve só fizera mal a uma única criança, a
bruxa de “João e Maria” construiu uma casa
especialmente para atrair crianças – quaisquer
crianças, várias crianças – no intuito de devorá-las.
Mostra-se assim uma espécie de serial killer cuja
raison d' être é atrair e devorar crianças. A bruxa
de “João e Maria”, como outras bruxas, é uma
mulher cruel e egoísta, mas provavelmente o traço
que melhor a configura como monstro é o seu
canibalismo, pois é esse tabu que evoca uma
imagem assustadora para o público infantil. Além
disso, uma mulher que odeia crianças deturpa o
ideal feminino, mostrando-se uma anti-mãe que
opta por se alimentar de crianças em vez de
prover por elas. Nesse sentido, apoio-me
principalmente na tese de Bruno Bettelheim de que
a figura da bruxa nos contos de fadas configura o
polo negativo da imagem materna que ameaça e
assusta as crianças: a bruxa representa a mãe má
em relação à qual as crianças abrigam
sentimentos negativos, por isso aparece nessas
histórias como a força inimiga que ameaça o bem-
estar e a felicidade das crianças. É provavelmente

179
esse caráter anti-maternal que a tornou a vilã
perfeita das histórias infantis, pois enquanto uma
mãe deveria proteger e alimentar seus filhos, a
bruxa de “João e Maria” busca destruí-los e
alimentar-se deles, numa inversão canibal.
Finalmente, a partir de “João e Maria”, irei analisar
brevemente outras obras que apresentam figuras
correlatas a essa bruxa canibal, mostrando como a
imagem da bruxa como vilã das narrativas infantis
tem sido reconfigurada em diversas obras
contemporâneas.

Izabel Fontes

O MONSTRO E O CORPO POLÍTICO NA LITERATURA ARGENTINA


CONTEMPORÂNEA

Esta apresentação pretende analisar


representações de corpos dissidentes na literatura
argentina contemporânea e como esses corpos
monstruosos ou espectrais operam uma ressignificação
da memória social e política do país da última ditadura
militar. A revisitação dos anos de violência e a
reinvindicação por reconhecimento do luto pelos
desaparecidos e torturados do regime militar é um dos
principais fenômenos culturais na Argentina, com origem
no final dos anos 70 e tendo passado por diferentes
fases, englobando diferentes campos artísticos e com

180
grande reconhecimento social (o fenômeno pode ser
visto como um segundo boom na literatura latino-
americana). Na literatura dos anos 2000, no entanto,
temos em autoras como Mariana Enríquez, Samanta
Schweblin e Gabriela Cabezón Cámera um rompimento
com os lugares tradicionais de luto, apontando à
ausência de lugar para vidas dissidentes e existências
outras dentro dos espaços oficiais da memória. Nessas
autoras, a Argentina é representada a partir de um
imaginário social aterrorizador, onde o sinistro e o
nefasto são construídos a partir do trauma coletivo e
dão novas configurações ao fantástico. Enríquez (As
coisas que perdemos no fogo, 2014), Schweblin
(Pássaros na boca, 2012) e Cámara (La virgen cabeza,
2009) flertam com a literatura de horror, atualizando
alguns motivos recorrentes e dando-lhe um significado
político que remete ao passado e ao presente de
violência e injustiça social da Argentina. Esse significado
político começa sempre no corpo das personagens,
que se torna alheio, abjeto, espaço de dissidência e
objeto de terror. Assim, temos representadas mulheres
que tradicionalmente estão excluídas do tecido social –
como mulheres deformadas, amedrontadas, excluídas,
doentes, mulheres trans, prostitutas – e que vivem
situações insólitas, apontando para uma reatualização
da violência. Assim, no lugar do fantasma, temos o

181
desaparecido como ser que desafia os limites entre a
vida e a morte; os monstros são seres deformados e
excluídos pela violência de gênero e de classe; o
estranho aparece como o Outro oriundo de uma
camada social diferente; a paranoia vira culpa de
classe média; os castelos abandonados e as igrejas
barrocas viram casebres e sobrados caindo aos
pedaços. As reflexões apresentadas aqui partem de
alguns conceitos da biopolítica do luto como proposto
por Judith Butler em Frames of war (2009) e Achille
Mbembe em Necropolítica e algumas inquietações
sobre o lugar do espectro na sociedade moderna
lançadas por Fabián Ludueña Romandini em seu A
comunidade dos espectros (2012) e por Derrida em
Espectros de Marx (1995), assim como dos
apontamentos dentro do campo da literatura latino-
americana realizados por Gabriel Giorgi em Formas
comuns (2016).

Jamile Silva Rocha

A REESCRITA DA MONSTRUOSIDADE NAS ANTOLOGIAS GÓTICOS –


CONTOS CLÁSSICOS (2011) E GÓTICOS II – LÚGUBRES MISTÉRIOS
(2012)

O presente artigo apresenta os resultados finais


do subprojeto de Iniciação Científica intitulado “Quem
conta o conto?: Análise das antologias góticas
brasileiras”, financiado pela FAPESB e orientado pela

182
Professora Dra. Juliana Cristina Salvadori juntamente
com o Grupo de Pesquisa Desleituras. Esta pesquisa teve
como objetivo compreender a reescrita da
monstruosidade nas antologias intituladas Góticos –
contos clássicos (2011) e Góticos II – lúgubres mistérios
(2013) e a criação de um cânone doméstico, brasileiro,
do gênero/autor. Para tanto, dividimos a pesquisa em
duas etapas: na primeira, mapeamos os monstros que
aparecem nos contos que compõem as antologias
supramencionadas a fim de descobrir quais os monstros
mais recorrentes; em seguida, analisamos a reescrita do
monstro no conto “O Vampiro” (2011) – de John Polidori
e traduzido por Luiz Antonio Aguiar – presente na
antologia Góticos – contos clássicos (2011) por meio do
cotejo entre as versões. Utilizamos como
fundamentação teórica a discussão a respeito da
reescrita (LEFEVERE, 2007) – antologização e tradução –
como meio para a manipulação do texto literário e a
formação de cânone doméstico (VENUTI, 2002). Assim, a
partir desta pesquisa, notamos que entre os dezoitos
contos presentes nas duas antologias – nove em cada
antologia – os monstros mais recorrentes são o vampiro,
estando em 5 contos, o demônio, em 4, e o fantasma,
também em 4 contos. Compreendemos que a seleção
de contos se dá a partir do que o organizador Luiz
Antonio Aguiar (2011) considera como textos e autores

183
clássicos da literatura do terror. Além disso, podemos
perceber, através do cotejo, como a tradução pode
conduzir a interpretação do leitor.

Jaqueline Bohn Donada

BLACK MIRROR: UM CASO DE DISTOPIA GÓTICA?

A afinidade da série britânica de televisão Balck


Mirror com a literatura distópica, cuja produção se
consolidou em meados do século XX, é evidente. O
olhar crítico e as ideias alarmantes que muitos dos
episódios lançam sobre a tecnologia e seus possíveis
usos ditam o tom distópico do seriado. No entanto, é
possível pensar em Black Mirror à luz de outras vertentes
literárias. Inserindo-se em uma tradição que vem se
desenvolvendo desde a primeira publicação de
Frankenstein, em 1818, as narrativas de Black Mirror
exploram o lado obscuro do desenvolvimento científico
e tecnológico e lançam sobre ele reflexões éticas e
filosóficas semelhantes àquelas presentes no romance
de Mary Shelley. O tratamento dos aspectos mais
obscuros da tecnologia e dos usos que muitos dos
personagens fazem dela adquire tal intensidade que as
explorações filosóficas apresentadas acabam por
revelar algo essencialmente monstruoso, o que aponta
também para possíveis semelhanças de Black Mirror
com a literatura gótica. A partir desta premissa, esta fala

184
problematiza as características distópicas da série e
propõe uma reflexão sobre possíveis afinidades desta
com a ficção gótica, principalmente no tratamento que
o seriado oferece ao tema do aprisionamento.
Apresenta-se uma leitura de quatro episódios, sendo um
de cada temporada, com vistas a identificar imagens e
estruturas que remetam ao motivo da prisão gótica. Ao
final, esperamos apresentar argumentos suficientes para
iniciar um debate sobre a possibilidade de se considerar
Black Mirror um caso de distopia gótica e, assim,
explorar possíveis afinidades entre esses dois tipos de
ficção.

Jaqueline Rodrigues da Silva Pereira

200 ANOS DE FRANKENSTEIN: DO PAPEL PARA AS TELAS

Uma obra literária pode causar no leitor um


fascínio que permite à mesma perpetuar-se no
imaginário coletivo. É o caso de Frankenstein, ou o
Prometeu Moderno, de Mary Shelley, que após duzentos
anos de publicação continua a instigar os leitores. O
presente trabalho busca estudar os cenários presentes
na obra de Mary Shelley em uma análise intermidiática.
O intuito desta pesquisa é compreender as imagens
pela força do texto bem como pelos diferentes aportes
midiáticos e discutir a relação dos espaços naturais e
simbólicos com as personagens Victor Frankenstein e sua

185
criatura. A obra em estudo apresenta ao leitor imagens
que são emblemáticas e tornaram possíveis, no decorrer
dos séculos, a disseminação da ideia que se tem no
imaginário coletivo da figura da criatura do cientista
Victor Frankenstein. Vale ressaltar que a construção das
personagens está intimamente relacionada com a
natureza presente no romance. Muito se tem a discutir
acerca das imagens verbais que enriquecem a trama
na obra original. Pessoas, lugares e sensações têm suas
características potencializadas por meio das belíssimas
descrições que as compõem, tanto no que se refere às
características físicas ou psicológicas das personagens
quanto à grandiosidade dos cenários que ilustram a
trama, cuja essência encontrou no Romantismo inglês
um aporte para a subsistência e imponência dedicada
à obra. A proposta busca realizar a análise por meio de
elementos de paisagens em comum em diferentes
mídias: o romance original Frankenstein, ou o Prometeu
moderno, de Mary Shelley; a obra homônima ilustrada
por Bernie Wrightson, com introdução de Stephen King;
a História em Quadrinhos que também recebe o título
da obra original, com roteiro e desenhos de Marion
Mousse e os filmes Frankenstein, de 1931, dirigido por
James Whale, cuja figura emblemática da personagem
icônica foi consagrada por Boris Karloff; além do filme
Frankenstein de Mary Shelley, de 1994, que tem em seu

186
elenco Robert De Niro na figura da criatura e é dirigido
por Kenneth Branagh que também dá vida ao cientista
Victor Frankenstein. O trabalho terá como
fundamentação teórica textos de Roland Barthes para a
relação entre texto e imagens, de Miguel Rojas Mix para
questões referentes à leitura iconográfica das imagens,
de Vilém Flusser para verificar a relação simbólica que
se dá entre o texto linear e a imagem circular e de Claus
Cluver para questões de intermidialidade.

Jayme Soares Chaves

FRANKENSTEIN LIBERTADO: O RESGATE E A ASCENSÃO DO BOM


DOUTOR NA LITERATURA E NO CINEMA

No ano em que se comemora os 200 anos da


publicação de Frankenstein (1818), é digno de nota o
tortuoso caminho percorrido pelo livro, ou, mais
especificamente, pela personagem Viktor Frankenstein,
sua ascensão, queda, perda do nome próprio, que
passa a designar a Criatura, e seu retorno e restauração
via reescritas em várias mídias. Partindo das
considerações feitas por Jean-Jacques Lecercle sobre o
Mito de Frankenstein, de José Paulo Paes, E. Michael
Jones e Maurice Hindle, a comunicação pretende
traçar o percurso da personagem Viktor Frankenstein, do
romance original de Mary Shelley, sua criadora, até a
sua reinvenção na distopia ucrônica e transficcional
feita por Brian Aldiss no romance Frankenstein Unbound,

187
de 1973, passando por sua anulação como protagonista
a partir do mito cinematográfico criado por James
Whale e Boris Karloff em 1931, sua reintegração ao seu
estatuto original operada por Terence Fischer e Peter
Cushing nas produções da Hammer Films de 1958 a
1974, bem como sua extrapolação para além dos limites
do romance de origem, e as modificações no caráter
da personagem observáveis ao longo destas releituras.
A abordagem se justifica a partir de uma premissa de
Brian Taves a respeito da obra de Jules Verne, e que
pode ser aplicada sem dificuldades ao romance de
Shelley, de que todas as imagens e releituras produzidas
a partir da obra original passam a fazer parte desta
obra, desde que contribuam para a construção de um
Mito, que escapa do controle de seu criador e passa a
habitar o imaginário coletivo através dos tempos.

Jéssica Paula Szewczyk Garcia

O LOCUS HORRIBILIS DE PARK CHAN WOOK NO FILME AGASSI


(2016)

Este trabalho visa a apresentar e a analisar o


locus horribilis dentro da obra “A Criada” (Agassi), de
2016, do diretor Park Chan Wook. Apesar de possuir
vários espaços possíveis de serem analisados, me
proponho a direcionar este trabalho especificamente
para a biblioteca e suas implicaturas na trama. Toda a
construção do cômodo não condiz com o imaginário

188
social que possuímos de uma biblioteca convencional.
A iluminação do local é escassa, o acesso é restrito,
sendo, logo, um espaço direcionado a um público
específico. Além disso, juntamente indo contra a ideia
de uma biblioteca ser um espaço de aprendizagem e
conhecimento, a ausência de móveis destinados a
estudo e o grande palco que encontramos centralizado
no ambiente nos causam desconforto e estranhamento.
Em resumo, somando todas essas informações,
percebemos que o que nos está sendo apresentado
como uma biblioteca não passa de um grande disfarce;
ela se torna um local de medo irracional. Pretende-se
aqui demonstrar como essas informações são
evidenciadas na narrativa cinematográfica, bem como
a forma como a sua existência comprova o potencial
gótico que o filme de Park Chan Wook apresenta. A
escolha desse objeto de estudo se deu a partir da
percepção da falta de informações sobre estudos
góticos oriundos de países não ocidentais,
principalmente de países como Estados Unidos e grande
parte do continente europeu, e pela necessidade de
deslocar nosso olhar crítico para outros horizontes. Para
tal análise, serão extraídos conceitos apontados por
Fred Botting em seu livro “Gothic” (2013), Susan Yi
Sencindiver em seu artigo “Fear and Gothic Spatiality”
(2010) e “The Uncanny” de Sigmund Freud.

189
João Vitor Santos Gondim

A BRUXA DE MONTE CÓR DOVA, DE CAMILO CASTELO BR ANCO:


ENTRE O MEDO E A ALEGORIA

Diversos aspectos moldaram a formação do


caráter da civilização ocidental, dentre eles, destaca-se
o medo. Jean Delumeaue, em sua célebre obra
intitulada História do medo no Ocidente, enfoca com
bastante precisão os pesadelos íntimos e avassaladores
da civilização ocidental do século XIV ao XVIII: o mar, os
mortos, as trevas, a peste, a fome, a bruxaria, o Satã e
seus agentes. Dessa maneira, levando em conta os
estudos desenvolvidos por Delumeaue, o presente
trabalho possui como intuito discutir sobre uma das
grandes figuras que assombrava o imaginário dos povos
ocidentais: a bruxa. Tem-se por objetivo analisar a figura
arquetípica construída ao longo dos anos perante a
imagem de mulheres, consideradas hereges em sua
essência, que foram tomadas como noivas de Satã. A
maneira como se constituiu a representação alegórica
da figura da bruxa vai ao encontro da abordagem
histórica perante aos processos inquisitórios efetivados
pela igreja católica, que justificaram a perseguição,
tortura e morte de mais de 100 mil mulheres sob o
pretexto, entre outros, de “copularem com o demônio”
e servirem a satã. Sendo assim, realizaremos nessa
pesquisa, tanto uma discussão histórica, desenvolvida

190
por meio da análise da inquisição e da caça aos
hereges, como também, abordaremos os reflexos
alegóricos das bruxas no contexto literário, como se vê ,
por exemplo, na narrativa A bruxa de Monte Córdova,
de Camilo Castelo Branco. Como aporte teórico, serão
utilizadas, além da obra de Jean Delumeau, A História
do medo no Ocidente, O Martelo das Feiticeiras, de
Heinrich Kramer e James Sprenger e o livro A Inquisição,
de Anita Novinsky.

João Olinto Trindade Junior

A FUNÇÃO SOCIAL DO MONSTRO: REPRESENTAÇÕES TERRÍFICAS EM


NARRATIVAS CURTAS DE JOSÉ J. VEIGA E MIA COUTO

O medo é mais perigoso na medida em que é


fluído, implícito, desenraizado, não-delimitado.
Assombra-nos quando tem habita nosso inconsciente,
de origem ancestral, de maneira que possa ser
pressentido em todos os lados, sem que possa ser visto.
Nasce das nossas incertezas diante da possibilidade
enfrentá-lo. É por isso que Jeffrey Cohen prontamente
nos adverte que um monstro é, antes de mais nada,
criado por determinada sociedade, antropormofização
do mal. Surge deste o pressuposto de que, para
compreender determinado grupo, a melhor maneira
seria observar os monstros que ele constrói, como
externa seus medos. Todo monstro é, acima de tudo,
“social e culturalmente reciclado” (BAUMAN, 2008, p.9).

191
Quaisquer que seja a sua origem – culturais, sociais e/ou
políticos –, seu surgimento é, antes de tudo, histórico:
Malévola, personagem do conto “A Bela Adormecida”,
é revisitada na contemporaneidade e atinge ares de
“heroína”. De igual maneira, elementos
tradicionalmente não-assustadores assumem um caráter
terrífico à medida que corporificam novas narrativas,
como os diversos contos de Stephen King que
“monstrualizam” os elementos mais banais: carros,
crianças, nevoeiro e, até, luz. A narrativa
contemporânea, ao expor a necessidade do que
chamamos de um “sobrenatural familiar coletivo”
(CHIAMPI, 1980, p.69), explicita como certas
manifestações/representações, resgatadas do folclore
popular e reinterpretadas na contemporaneidade,
reinventam e traduzem o sentido de como podemos
estar paradoxalmente próximos das criaturas que mais
tememos. José J. Veiga e Mia Couto – que ora
enveredam pelos contos, ora por narrativas de longa
duração que são estruturadas como se uma sequência
de contos entrelaçados e/ou desenvolvidos –, mostram,
via narrativa, como o monstruoso, por vezes, é apenas a
manifestação explícita de um inconsciente constante
mas convenientemente ignorado, de maneira que a
criatura – seja por evocação, seja por metamorfose – é
a representação do comportamento tanto individual,

192
quanto de um grupo ou, até, mecanismo de
dominação de um grupo sobre outro. Ambos, a sua
maneira, compartilham de um espaço histórico e
cultural em comum, lusófono – termo de uso não-
pacífico nos espaços em que circula -, o qual, via
semiose literária, é reinterpretado e corporifica os novos
monstros da pós-modernidade inerentes ao sertão
goiano e a savana moçambicana.

Joaz Silva de Melo

UM MONSTRO CONTEMPOR ÂNEO: ANÁLISE DO CONTO “BÁRBARA” DE


MURILO RUBIÃO

O Fantástico é um gênero da literatura que tem


reminiscências nos mais antigos textos literários e se
estende até a contemporaneidade. No Brasil, o interesse
por textos insólitos levou alguns escritores como
Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, entre outros
poucos, a se aproximarem do gênero. Somente a partir
do Modernismo, no século XX, surge o nome de Murilo
Rubião. À semelhança de Franz Kafka, o escritor mineiro
trabalhou o fantástico do absurdo, sendo mestre e
preconizador do modelo na América do Sul, conforme
afirmou Antonio Candido (2006). Criador de
personagens emblemáticos, como Teleco e o
pirotécnico Zacarias, Rubião sempre evidenciou as
angústias do homem contemporâneo. Foi especialista
na crítica à burocracia, como se nota em seus contos

193
“O Ex-mágico da taberna minhota” e “A fila”. Também
é importante ressaltar sua sensibilidade para os impasses
existenciais tão bem representados em contos como
“Alfredo” e “As unhas”. Os contos fantásticos de Murilo
Rubião seguiram caminho diferenciado da literatura do
século XIX; os fantasmas e monstros são outros, agora
são o reflexo do indivíduo de alma fraturada,
atormentado por suas frustrações e insucessos. Ao
abordar as feições do monstro na obra de Rubião, nos
deteremos na análise do conto “Bárbara”, cuja
performance representa a monstruosidade na
contemporaneidade. A protagonista reverbera uma
contundente crítica ao consumismo, que é implacável e
não possui limites. Nossa pesquisa foi embasada,
principalmente, nos estudos de Jeha (2007) e Jaudy
(2010) sobre os monstros; Todorov (2008) e Roas (2014)
sobre o Fantástico; e Bauman (2008) para o enfoque
historiográfico.

José Caminha

GERTY MACDOWELL, DE ULISSES: PATHOSFORMEL DA NINFA


CLAUDICANTE

A partir da escrita de Joyce em Ulisses, que


apresenta uma estética de fluxo de pensamento e,
portanto, uma práxis que dar a ver literariamente o
inconsciente simbolizado, esta comunicação se propõe
a ser uma construção que possibilite falar de

194
transmigração – e da sobrevivência, no sentido proposto
por Aby Warburg – de formas artísticas por meio da
figura de uma personagem deficiente: Gerty
Macdowell. Trata-se de reconhecer que naquela
personagem de Joyce sobrevivem uma ninfa, uma das
graças, uma vênus marinha que se metamorfoseia, em
uma praia da Irlanda, em uma jovem sedutora e
manca. Será que na jovem que caminha com
dificuldade, não se vê também um movimento de
queda da ninfa renascentista? Quais os traços
mnemônicos que fazem com que Gerty traga à cena a
jovem ninfa que aparece no quadro O nascimento de
São João Batista (1490) e que o historiador da arte Aby
Warburg chamou de “senhorita leva-depressa”? Como
pode a moça manca andar tão rápido a ponto de nos
fazer lembrar obras do Renascimento? Como se
desenvolve a linguagem quando o inconsciente insiste
em dar voz ao recalcado? A figura claudicante de
Gerty MacDowell possibilita um duplo viés, naquilo que
dela é dito e sobre o que é silenciado naquele discurso.
Essa oscilação seduz tanto a personagem do senhor
Bloom, causando-lhe incontrolável volúpia, quanto o
leitor, que percebe que algo de enigmático se esconde
por trás daquela figura. A inegável beleza de Gerty é
descrita numa linguagem oscilante, pendular, repleta
de condicionais (“se”, “talvez”), conjunções que

195
expressam impedimento (“porém”, “no entanto”),
advérbios que a colocam na “iminência de…”
(“quase”) e contradições (“horrivelmente linda”). Será
que a letra, o significante que a distingue, se antecipa
pela fala do narrador e encontrar seu ponto de basta
no que diz: “Ela é coxa!” (p.475)? Neste ponto em que o
leitor e o senhor Bloom percebem aquela marca que
distingue e simboliza a jovem, a forma corporal já se
mostra insuficiente para definir Gerty. A jovem, então, se
revela resquício de um tempo sobrevivente e, com a
ajuda de Warburg, nos damos conta de que estamos
diante de um sintoma cultural que fala da beleza
insólita, do acorde dissonante que aparece numa
composição apenas para tencioná-la e torná-la única.
A figura de Gerty permite ao leitor olhar para trás e
questionar o cânone. Não seria a Vênus de Botticelli
algo mais que a representação máxima da beleza
encontrada na proporcionalidade das formas, mas
também a figuração humana e profana de uma jovem
deficiente e em atitude masturbatória? Não seria a
deusa do amor manca de nascença? O movimento de
Gerty Macdowell, portanto, possibilita uma sobrevida à
ninfa no meio literário: como uma Pathosformel, um
significante que aparece na letra de Joyce e possibilita
um movimento entre a Filosofia, a Arte e a Psicanálise.

196
Desejo que se fantasia de um espírito elementar para
encenar a paixão e o recalque.

Júlia Reyes

ESCRITORES-DETETIVES: RENÉ GIRARD, CARSON MCCULLERS,


MACHADO DE ASSIS E MARCO LUCCHESI E A VIOLÊNCIA CONTRA A
MULHER NA LITERATURA

Alguns escritores preocuparam-se com a


violência de forma marcante em suas obras. René
Girard (1923-2015) propôs a teoria mimética,
descrevendo o desejo mimético, a rivalidade humana e
seus efeitos. No conto “Who Has Seen the Wind?” (1956),
de Carson McCullers, percebemos elementos
girardianos como a inveja, a rivalidade mimética e o
desejo metafísico assolando um escritor que enfrenta
um bloqueio criativo e que ameaça a esposa. A
psicanalista Marie-France Hirigoyen trabalha o perfil do
perverso narcisista e a relação entre inveja e violência
contra a mulher, dialogando também com Girard.
Machado de Assis em Dom Casmurro (1899) e Marco
Lucchesi em O Dom do Crime (2010) posicionam-se
contra o femicídio na irônica, metalinguística e
metafórica posição do que arrisco chamar “escritor-
detetive”, levemente inspirada pela metaforologia de
Hans Blumenberg. McCullers pode ser vista como
“escritora-detetive” e “escritora-testemunha” por sofrer,
entender e descrever em sua ficção a violência entre

197
casais. Uma conversão não estritamente religiosa
desprende-se da compreensão da teoria mimética,
atingindo escritores, críticos literários e romancistas
como Machado e Lucchesi que levantam mais do que
arquivos e pistas sobre tais monstruosidades da cena
conjugal, colocando o próprio crime em destaque, as
mortes ou vilipêndio de mulheres inocentes por maridos
“enraivecidos” que suspeitam de suas esposas, como
evidenciam os “ciúmes do mar” de Bentinho em Dom
Casmurro; o “céu em que se perde o rosto de Helena”
em Dom do Crime, e outros gestos narcisistas e
miméticos descritos por McCullers. Os “escritores-
detetives” problematizam a violência contra as
mulheres, em solidariedade a elas, sustentando uma
postura fraterna e compassiva oposta à rivalidade
mimética.

Juliana Radosavac Figueiredo Cerqueira

“O MUNDO É UM LUGAR PERIGOSO QUANDO VOCÊ NÃO SABE O


SUFICIENTE”: O BLOQUEIO AO CONHECIMENTO E AO ENSINO NA
DISTOPIA

Em sua introdução ao livro The Dystopian Impulse


in Modern Literature, Keith Booker descreve a ascensão
da utopia na modernidade. O autor destaca que a
utopia encontrou, na modernidade, um momento
especial para o seu desenvolvimento, aliando-se
sobretudo ao iluminismo e à fé na ciência. A utopia,

198
segundo Habermas, esteve intimamente ligada à
crença “no progresso infinito do conhecimento e no
avanço infinito em direção ao aprimoramento social e
moral”, especialmente entre os séculos XVII e XVIII. Obras
clássicas do subgênero, como a de Thomas More,
frequentemente exibem a valorização da atividade
intelectual e do aprendizado, o que marcaria uma
conexão entre os espaços utópicos e o conhecimento.
A distopia, por outro lado, pareceu seguir o caminho
oposto. A partir do século XIX, Booker aponta que muitos
pensadores começaram a identificar uma virada
negativa no uso da razão e no progresso científico, que
acabaram por aliar-se a formas de autoritarismo e
violência como o imperialismo mundial. Por tal motivo,
foi possível observar, nesse momento, uma passagem
progressiva de um otimismo utópico para um pessimismo
distópico na sociedade. A distopia, comumente
definida a partir da construção de um mundo pior ou
mais opressivo do que o mundo empírico do autor e do
leitor, surge, então, como uma nova forma de pensar
sobre a realidade. No espaço distópico, em contraste
com o utópico, parece ser bem comum a limitação do
acesso ao conhecimento por grande parte da
população, pois esse acesso prejudicaria as formas
violentas de controle social impostas nesses modelos. De
Admirável mundo novo até O doador de memórias,

199
entre muitas obras, elementos como a queima de livros
e arquivos, a censura, o apagamento da memória e da
tradição e afins têm sido muito comuns, demonstrando
um contínuo interesse no valor do conhecimento para a
humanidade. Nessas obras, o acesso à informação e ao
saber apresentam-se constantemente como a principal
forma de libertação. Logo, mesmo como forma de
reação à utopia e surgindo num momento em que a fé
no avanço do conhecimento como forma de
emancipação da humanidade estava abalada, a
distopia ainda aponta para o conhecimento como
forma de libertação, oferecendo, porém, uma crítica
sobre o uso instrumental da razão como maneira de
justificar a violência do Estado sobre o indivíduo e o
coletivo. Portanto, se o espaço utópico é, na sua
origem, o “não lugar” ou o “bom lugar” no qual a
atividade intelectual é valorizada, o espaço distópico
talvez possa ser considerado muitas vezes como o “não
conhecer”, gerado pelas formas de apagamento e
censura promovidos pelos Estados distópicos. É
justamente este “não conhecer” que permite a
formação dos sistemas monstruosos da distopia. Se,
como Luiz Nazário aponta, a origem do monstro
encontra-se no desconhecido, então é a partir do
próprio desconhecimento que a distopia parece se
erguer. Assim sendo, a comunicação pretende analisar

200
as formas de bloqueio ao conhecimento presentes nas
distopias e suas implicações ideológicas, partindo da
obra The Knife of Never Letting Go de Patrick Ness (2008)
e Fahrenheit 451 (1953).

Júlio Cezar Pereira de Assis

O MONSTRO COMO REPRESENTAÇÃO FANTÁSTICA DO OUTRO (E DE


NÓS MESMOS) EM A FORMA DA ÁGUA, DE GUILLERMO DEL TORO E
DANIEL KRAUS

A presente comunicação tem por objetivo a


análise da narrativa romanesca A Forma da Água
(2018), parceria entre Guillermo Del Toro (que também é
responsável pela direção da versão fílmica da história) e
Daniel Kraus à luz de algumas teorias do fantástico,
tendo por base o trabalho de Todorov, Ceserani e Roas.
A narrativa fantástica e suas variações (maravilhoso,
estranho, realismo mágico, real maravilhoso,
neofantástico, entre outras) representam interessantes
formas de refletir sobre a existência humana, seus
medos, suas angústias, assim como também um
excelente instrumento para discutir questões sociais
extremamente relevantes e atuais, como o preconceito
(seja ele racial ou de gênero). Em um primeiro
momento, o trabalho tem como foco a reflexão sobre o
fantástico como gênero e como modo, mostrando que
o texto de Del Toro e Kraus oscila entre estranho e o
fantástico, já que o impacto do contato com a criatura

201
anfíbia mantida como objeto de estudos em um
laboratório norte-americano serve como o elemento
insólito da narrativa por excelência. Em uma leitura mais
ampla, também é perceptível a tentativa do texto de
aproximar o relacionamento amoroso entre Elisa e a
criatura (e seus desdobramentos) a um conto de fadas
moderno. Em um segundo momento, a partir das teorias
do fantástico, serão discutidos os temas e a
caracterização das personagens principais do romance,
cuja função principal é representar uma alegoria para a
alteridade, sinalizando a dificuldade que temos de
comunicação e conexão com o outro, especialmente
se esse é diferente de nós, reforçada especialmente na
personagem do monstro (o ser anfíbio). O monstro como
construção ficcional, desde a Antiguidade, a partir do
termo ligado ao verbo monstrare (“mostrar”) sempre foi
a materialização de nossos medos, dos nossos
preconceitos e do nosso lado sórdido que queremos
manter escondido principalmente por não entendê-lo e
não aceitá-lo. Para nossa comunicação, serão utilizados
três personagens do livro: Elisa, a criatura e Strickland. A
primeira, por ser mulher, muda, solitária e estranha; o
segundo, por ser uma criatura ameaçadora e
amedrontada, também solitária e que oscila entre uma
personalidade pueril e a não compreensão de seu
papel como uma espécie de divindade adormecida; o

202
último, por ser um homem frustrado, mas que desconta
isso ao torturar a criatura, apresentando, com isso, um
lado monstruoso, disfarçado de uma aparente
normalidade.

Karla Menezes Lopes Niels

UM MONSTRO CHAMADO VITÓRIA: UMA LEITURA DE “ACAUÔ, DE


INGLÊS DE SOUZA

“De pé, à porta da sacristia, hirta como uma


defunta, com uma cabeleira feita de cobras, com as
narinas dilatadas e a tez verde-negra. [...] A boca
entreaberta mostrava a língua fina, bipartida como
língua de serpente. Um leve fumo azulado saía-lhe da
boca e ia subindo até o teto da igreja” (SOUZA, 2005,
p.63). Assim Herculano Marcos Inglês de Souza descreve
a personagem monstruosa que ao mesmo tempo
protagoniza e antagoniza seu conto amazônico
“Acauã”. Ao fim do conto a menina Vitória aparece no
casamento de sua irmã Aninha metamorfoseada em
um ser antropomórfico que une elementos de Górgona
grega e Boiuna brasileira; a primeira, entidade feminina
monstruosa com dentes enormes, garras de bronze e
cabeleira de serpentes; a segunda, grande serpente
fluvial de verde-escuro a negro brilhante capaz de virar
embarcações e atrair náufragos ao fundo dos rios. A
despeito da descrição de sua aparência monstruosa
após a metamorfose, no entanto, é possível rastrear

203
indícios de sua monstruosidade desde o início da
narrativa, quando é encontrada à margem do rio e
adotada pelo capitão Jerônimo. O monstro na narrativa
é aquele que corporifica os medos e males de uma
época e de uma sociedade (COHEN, 2000; JEHA, 2007);
no texto fantástico serve também a construção da
incerteza e da ambiguidade narrativas a ele
necessárias. Ciente desses aspectos, proponho a análise
do conto e da personagem Vitória à luz dos estudos do
folclorista Luís Câmara Cascudo (2002) e dos estudos
seminais do fantástico, a saber, os ensaios de Tzvetan
Todorov (2007), Irene Bessière (2009), Filipe Furtado
(1980), Remo Cesarani (2006), dentre outros.

Karen Caroline Ribeiro

“O ABUTRE”, DE FRANZ KAFKA: UMA PEQUENA NARRATIVA


DISTÓPICA

Utopia [“u” + “topos” = “lugar que não existe na


realidade” ou “eu” + “topos” = “lugar ideal que não
existe na realidade”] e distopia ou antiutopia [“dis” +
“topos” = “lugar negativo que não existe na realidade”]
são conceitos que induzem à análise do espaço sócio-
político em que vivemos, seja vendo nele uma possível
efetivação positiva de nossa existência na polis por ser
ela ideal, ainda que não real, seja vendo nela uma
efetivação negativa e não real por ser a citada polis
impossível de propiciar àqueles que nela vivem

204
realização como ser humano. Tanto narrativas utópicas
quanto narrativas distópicas induzem-nos a pensar
criticamente a realidade na qual vivemos. O objetivo
desta comunicação reside na análise da narrativa curta
“O Abutre” (1920), de Franz Kafka (1883-1924) em sua
tradução efetivada por Modesto Carone (1937) e
inserida em Narrativas de Espólio, publicada em 2002
pela Companhia das Letras. Como toda produção
kafkiana, trata-se de obra literária marcadamente
hermética, exigindo leitura exaustiva. Para dar conta
desta tarefa, haverá preocupação com efetivação de
análise formal e imanente da curta narrativa (uma
página) a destrinchar toda sua negatividade registrada
em períodos curtos e incisivos e, concomitantemente,
associá-la, posteriormente, à realidade por nós
vivenciada no presente, realidade esta da qual
precisamos nos libertar. Espera-se, através deste
trabalho, apresentar uma amostragem da distopia na
obra kafkiana, distopia essa a ser analisada não pelo
misticismo judaico, não pela psicanálise, não pela
narrativa fantástica, mas em sua literalidade e
imanência, sendo, em verdade, sua função ser fiel a sua
própria natureza.

205
Karen Cristina Garbo

O MONSTRO POSSÍVEL NO PARNASIANISMO DE COELHO NETO

Na comunicação será abordado o romance A


Esfinge (1908), de Coelho Neto, e qual é a concepção
de monstro do autor, aliada a corrente a que se
manteve fiel, o parnasianismo, apesar das críticas da
escola de arte moderna. A obra, que é uma versão do
Frankenstein de Mary Shelley, apresenta um híbrido feito
com cabeça de mulher e corpo de homem chamado
James, criado por um misterioso cientista chamado
Arhat. O romance é narrado por um tradutor que vive
na mesma pensão que James e que é incumbido por
ele de traduzir um manuscrito. Ao longo da tradução,
personagem e leitor ficam sabendo da origem de
James. O modelo de um personagem que lê a história
junto com o leitor também é uma técnica que Neto
empresta de Shelley, ao reforçar a presença desse outro
que imerge na história, ambos os autores salientam a
dimensão de contraste entre o monstruoso e o humano.
A comunicação dará conta de o porquê Neto ter
escolhido um monstro que suscita a curiosidade ao invés
do espanto, e como isso explica a sua posição de
escritor periférico no Brasil de sua época. Gayatari
Spivak define Frankenstein como um ''texto abertamente
didático, o que Shelley quer é que o planejamento
social não se baseie apenas na razão pura, teórica ou

206
científico-natural, que é a sua crítica implícita da visão
utilitária de uma sociedade artificialmente
engendrada.’’ A busca será pela maneira que Coelho
Neto reverbera essa definição em sua obra, tendo em
vista seu lócus enquanto escritor parnasiano no Brasil da
passagem para a modernidade.

Lais Alves de Souza da Silva

O MAL EM “FRONTEIRA”, DE CORNÉLIO PENNA

Ao longo da história do Ocidente, a questão do


Mal esteve continuamente presente nas mais diversas
obras filosóficas e literárias. No mundo moderno, muitos
são os autores que perceberam uma considerável
alteração na manifestação do Mal. Os atos maléficos
deixaram de ser atribuídos a poderes e entidades
sobrenaturais e passaram a ser entendidos como
resultado das ações de seres humanos, que carregariam
em si o potencial negativo para a execução das mais
vis e condenáveis ações. Rejeitando as concepções
ainda dominantes de uma origem teológica do Mal,
teóricos como Todd Calder (2013) estudam novos
sentidos para o entendimento do Mal a partir de
conjunturas legais, políticas e, fundamentalmente,
morais. Através da consideração dos vários elementos
que podem ser considerados como predicativos do Mal,
o presente trabalho procura explorar essa temática em

207
Fronteira (1935), romance de estreia do escritor
petropolitano Cornélio Penna (1896-1958). As principais
personagens femininas da obra corneliana – Maria
Santa e tia Emiliana – apresentam traços característicos
de agentes morais maléficos: em relação às ações más,
os predicados aparecem nas ideias de imputabilidade,
motivação, frequência, intencionalidade e de seu
imperativo caráter transgressivo; referentes à
personalidade má, listam-se as concepções de
consistência, noções de dano e sofrimento do agente
sobre suas vítimas, e o prazer por ele cobiçado e obtido
no planejamento e na prática de suas ações. O
trabalho pretende ainda demonstrar como o lúgubre
ambiente físico do romance – da cidade aos móveis e
objetos da casa habitada pelas personagens – é
construído de modo a garantir uma percepção de
imanência do Mal, isto é, todo o espaço em Fronteira
funcionaria como um catalisador do Mal, emanando
uma aura criminosa e perniciosa que reverbera nos
caracteres naturalmente perversos de seus moradores.

Laís Cristina Paris

O MONSTRO ALEMÃO POR TRÁS DO EXPRESSIONISMO

O presente trabalho tem o objetivo de analisar a


representação do vampiro nos filmes "Nosferatu" (1922),
de F. W. Murnau, e "M, o Vampiro de Düsseldorf" (1931),

208
de Fritz Lang. O filme de Murnau, um dos mais
importantes e representativos do ápice do
Expressionismo Alemão no cinema, além de ser uma
adaptação não oficial do romance "Drácula", de Bram
Stoker, retrata o personagem, aqui chamado de Conde
Orlok, como uma criatura monstruosa de feições
fantásticas e de natureza sobrenatural. O filme de Fritz
Lang, por outro lado, já pertencente ao final do
Expressionismo Alemão, pega emprestada a figura e o
imaginário do vampiro como criatura fantástica para
nomear uma história e um personagem que nada tem
de fantástico: o antagonista é, na verdade, um
criminoso procurado que está envolvido numa série de
desaparecimentos de meninas. A partir dessas
informações, será traçado um paralelo entre as tensões
nas histórias e o pessimismo e a desesperança que
assolavam a Alemanha nessa época, que de tanto
terem sido retratadas nos filmes do Expressionismo
Alemão, acabaram constituindo uma de suas marcas
essenciais. Para analisar a representação do vampiro
nos dois filmes, o olhar será direcionado para as
introduções dos personagens - a primeira vez em que
cada um dos dois aparece em tela - assim como em
outros momentos importantes para a trama. Da mesma
maneira, para poder conduzir essa análise, serão
definidos conceitos como "o que é o Expressionismo

209
Alemão" - a partir de "A tela demoníaca", de Lotte H.
Eisner - e "o que é um vampiro" - a partir de
"Enciclopédia dos Vampiros", de Gordon J. Melton.

Laís da Conceição Santos Belarmino

O HORROR GÓTICO NAS RELEITURAS CINEMATOGRÁFICAS DE


CHAPEUZINHO VERMELHO
Muitas são as interpretações que podem ser
atribuídas a um conto de fadas e muitas são as suas
formas de estudo. O trabalho em questão tem como
objetivo apresentar uma análise crítica do conto de
“Chapeuzinho Vermelho”, nas releituras
cinematográficas dirigidas por Neil Jordan (A
companhia dos Lobos, 1984) e por Catherine Hardwicke
(A garota da capa vermelha, 2011), além das versões
literárias escritas por Charles Perrault (1697) e pelos
Irmãos Grimm (1812). Com a intenção de ressaltar seus
diversos sentidos e significações, este trabalho tem
como foco principal as representações do medo e do
horror nas alegorias presentes nos filmes em
comparação às versões literárias escolhidas e parte do
pressuposto apresentado por Júlio França, quando o
mesmo diz que “Literatura de Horror” é a denominação
mais usual dada a textos ficcionais que, de algum
modo, são relacionados ao sentimento de medo físico
ou psicológico (2008), assim como a caracterização de
Gótico (apresentada pelo mesmo autor), ou seja, a

210
percepção desencantada de mundo em uma forma
artística altamente estetizada, convencionalista e
simbólica. Tais conceitos tornam-se mais claros se
interpretados juntos à representação visual dos filmes, já
que a narrativa midiática explora outros aspectos dos
contos, como, por exemplo, a dualidade entre a
sexualidade da menina e a representação do lobo,
que, nesse caso, demonstra que ninguém é
completamente inocente ou culpado, pois cada
indivíduo possui sua margem de culpa nas escolhas que
faz. Tais fatos comprovam esse desencanto dos contos
ditos tradicionais. Deste modo, parafraseando Mário e
Diana Corso, em seu livro Fadas no Divã (2006), cabe a
pergunta: “Afinal, o quer quer Chapeuzinho?”. Por isso,
buscaremos autores que trabalham os conceitos de
medo, de horror e de gótico, como, o já citado, Júlio
França, e Carlo Ginsburg, entre outros. Também
recorreremos a autores que analisam o conceito de
literatura maravilhosa como Tzvetan Todorov e Nelly
Novaes Coelho.

Laís de Almeida Cardoso

DARTH VADER E LORD VOLDEMORT – MONSTROS DO NOSSO TEMPO;


ECOS DE ANTIGAMENTE

Desde épocas remotas, em que as narrativas se


construíam por meio da oralidade e de representações
pictóricas, personagens sobre-humanas ou monstruosas

211
vêm exercendo um grande fascínio sobre crianças e
adultos. Não por acaso contos populares e contos de
fadas que trazem monstros como protagonistas, como A
Bela e a Fera, por exemplo, encontram espaço para
serem revisitados ainda hoje, especialmente em
produções cinematográficas (Beauty and the Beast,
Disney, 2017). Outro exemplo da atualidade desse
personagem no cinema é a profusão de filmes de ação
que resgatam os super-heróis dos quadrinhos e seus
respectivos vilões (geralmente personificados por
aberrações), além de longas que apresentam o monstro
como ser desconhecido, incompreendido ou
injustiçado. É o que encontramos desde clássicos como
E.T. (The Extra-Terrestrial, 1982), de Steven Spielberg,
como no recente The shape of water (A forma da água,
2018), que se tornou um dos filmes mais aclamados do
ano, recebendo vários prêmios, incluindo o Oscar ®. No
que se refere ao conteúdo voltado mais
especificamente para a criança e o jovem, dois
exemplos de narrativas contemporâneas revelam como
o monstro pode adquirir formas distintas, sem perder sua
essência. Nesta comunicação pretendo avaliar a
construção de duas personagens monstruosas nascidas
em duas diferentes mídias – cinema e literatura –, e
refazer a trajetória desses vilões, retomando a época de
vida em que eles ainda não eram considerados

212
monstros: sua infância. Desse modo, analisarei as
personagens Darth Vader, presente nas duas trilogias
originais da saga Star Wars (1977-1983 e 1999-2005) e
Lord Voldemort, cuja história de vida é retomada em
fragmentos nos sete livros da série Harry Potter (1997-
2007). Para isso, voltaremos aos anos em que o temido
Vader não passava de Anakin Skywalker, um pobre
escravo, enquanto o Lorde das Trevas ainda vivia na
pele do enjeitado Tom Riddle.

Laís Marx Umpierre Nunes


luísa freire simões pires

VAMPIRISMO E TRANSGRESSÃO: FIGURAÇÕES DO FEMININO EM LA


MORTE AMOUREUSE DE THÉOPHILE GAUTIER
Elaborado no âmbito de um projeto de pesquisa
que se consagra ao estudo e à tradução de um grupo
de narrativas da literatura fantástica francesa
publicadas no século XIX (notadamente a obra de
Honoré de Balzac, de Théophile Gautier e de Auguste
Villiers de l’Isle-Adam), o presente trabalho tem como
objetivo tratar da representação da figura feminina em
La Morte amoureuse, novela de Théophile Gautier
publicada em 1834, a partir de um exame da
personagem Clarimonde. Para realizar esta análise,
basear-nos-emos, por um lado, na narratologia,
debruçando-nos sobre a categoria da personagem e,
por outro lado, na teoria do fantástico (CASTEX, 1951;

213
TODOROV, 1970; MALRIEU, 1992). Primeiramente,
examinaremos, através da descrição do narrador
autodiegético, os aspectos físicos e psicológicos que
caracterizam a personagem sobre a qual nos
debruçamos, assim como suas ações e suas interações
com as outras personagens da história. Posteriormente,
ocupar-nos-emos da complexibilidade de Clarimonde,
caracterizada pela antítese de ser considerada
simultaneamente como um ser fascinante (pelo
narrador-protagonista) e diabólico e transgressor (do
ponto de vista da moral da época). Em La Morte
amoureuse, tal contradição está em consonância com
a noção de femme fatale que, associada à condição
de vampiro desta personagem, torna Clarimonde um ser
capaz de desviar Romuald, jovem pároco inexperiente
no que diz respeito à vida mundana. Ao longo de toda
a sua história, o narrador de La Morte amoureuse joga
com as dicotomias fascínio/horror, vida/morte,
sagrado/profano, sonho/realidade; é no espaço
ficcional que permeia esse último par antitético que
repousa a hesitação, considerada por Todorov
condição sine qua non para a impressão do fantástico a
uma obra de ficção.

214
Laisa Ribeiro do Couto

A VINGANÇA DE JENNIFER (1972) E DOCE VINGANÇA (2010):


RAPE-REVENGE E A MONSTRUOSIDADE

Após a segunda onda feminista, que teve início


no final da década de 1960, o estupro entrou em pauta
como não apenas um ato social, mas também político.
Teóricas como Susan Brownmiller dissertaram acerca de
como o estupro não é cometido por homens doentes,
mas por homens comuns que entenderam como a lei
do patriarcado pode submeter as mulheres à
humilhação, à submissão e à violência. Diante do medo
constante, teóricas como Sharon Marcus afirmaram: a
única solução é revidar agressivamente com a mesma
violência que os homens usam. No cinema, na década
de 1970, as protagonistas dos filmes de horror parecem
ter seguido o conselho de Marcus. Dentro desse
contexto, surge o subgênero rape-revenge, focado em
como um estupro pode gerar uma sede insaciável por
vingança na mulher que sofreu a violência. Nos filmes,
elas são culpabilizadas pelo ocorrido – em A vingança
de Jennifer (1972), que deu origem ao remake Doce
vingança (2010), que se tornou uma franquia, a vítima é
apontada por um dos estupradores como a própria
culpada, já que ela usava roupas curtas e passava seu
tempo ao lado do lago de biquíni. No remake de 2010,
a culpabilização é intensificada: em busca de

215
assistência legal, o xerife da cidade não vê legitimidade
no pedido de socorro de Jennifer, após ter a casa
invadida por quatro homens; afinal, para o xerife, o fato
de ter encontrado maconha e álcool em sua casa
torna-a uma testemunha questionável e culpável. A
falta de assistência legal é levada a outro patamar
quando o próprio policial – único personagem cujo
roteiro desenvolve sua ligação com uma família
tradicional, amorosa, e que afirma ser crente a Deus –
une-se ao grupo de estupradores e também viola
Jennifer. O rape-revenge mostra, em forma de
denúncia, como a violência sexual é uma
monstruosidade banalizada. Até mesmo os culpados
pelos atos não se veem como culpados e enxergam as
mulheres como, naturalmente, submissas. Tanto no
original como no remake, os personagens que praticam
o estupro deixam elucidado em seus discursos falas que
mostram que eles acreditam na submissão das mulheres,
como “Não aceito ordens de mulheres” e o fato de que
eles obrigam Jennifer, em Doce vingança (2010), a
praticar sexo oral em um revólver, uma arma fálica. O
discurso da masculinidade fica visível quando se
percebe que o estupro não se trata de uma busca por
prazer sexual. Todos os envolvidos querem humilhar
Jennifer, uma vez que ela é da cidade, diferente deles
que são do campo, e possui uma condição financeira

216
superior. Eles se avaliam em comparação com os outros
e assistem, com frieza, aos estupros. Em A vingança de
Jennifer (1972), eles ridicularizam um personagem que
não consegue ejacular. Não há prazer, há apenas o
intuito monstruoso da violência contra a mulher.

Leandro Passos

QUE SER É AQUELE QUE SÓ A MENINA VÊ? “A MOÇA DE VESTIDO


AMARELO” DE CONCEIÇÃO EVARISTO

Esta comunicação tem por objetivo refletir sobre o


conto “A moça de vestido amarelo”, inserido na obra
Histórias de leves enganos e parecenças (2016) da
escritora afro-brasileira Conceição Evaristo. O foco da
reflexão pauta-se na escrita da narrativa em estudo que
percorre a seara do insólito, do estranho e do
imprevisível (SOUSA e SILVA, 2016). O conto salienta o
inusitado, que se instala no ritual da primeira comunhão
da protagonista, e as incursões que irrompem a lei
natural das coisas, que provocam no leitor certa
hesitação e o leva a refletir, criticamente, a cultura afro-
brasileira. Tendo em vista esta singularidade da
narrativa, torna-se fundamental o termo cunhado pelo
escritor angolano Pepetela de realismo animista,
perspectivado em diversas narrativas africanas. As
forças da natureza, a alteração de fenômenos que
modificam a ordem natural das coisas, a crença em
entidades capazes de intervir na rotina de personagens

217
são vistas como estratégias concebidas por um modus
operandi revelador do modo de pensar, ser e de existir
do povo cujas origens advêm da diáspora africana.
Além disso, por conta da particularidade do conto de
Evaristo, os conceitos de oratura e oralitura (HAMPÂTÉ
BÂ, 1982; MATA, 2001, ROSÁRIO, 2001; VANSINA, 1982)
são oportunos, pois os mitos das culturas banto e iorubá
se imbricam à trama da narrativa. No que diz respeito
ao mito africano e afro-brasileiro, os estudos de Ford
(1999) e Lopes (2008) serão levados em consideração,
uma vez os autores apontam os equívocos e os
preconceitos no que diz respeito à negação da
importância cultural do segmento banto e iorubá na
formação do povo brasileiro e, principalmente, no que
se refere à presença dos mitos destes povos na literatura
não só brasileira. Estes são, pois, as questões que serão
apontadas e pensadas na comunicação oral que,
também, pretende dar voz a estes estudos. O trabalho
faz parte do projeto de pós-doutorado em andamento
intitulado Mito “banto e iorubá na escrevivência
evaristiana”.

218
Leonardo Bérenger

OS BOY ACTORS NO TEATRO ELISABETAN O: FIGURAÇÕES


MONSTRUOSAS NA CRÍTICA E NO PALCO

Construídos em uma área afastada do centro de


Londres (as chamadas liberties) e vizinhos dos
leprosários, dos presídios, das tabernas e dos bordéis, os
teatros ingleses ao início da Era Moderna
testemunhavam uma absoluta subversão dos papéis de
gênero, posto que a figura da atriz só seria introduzida
em suas práticas cênicas a partir de 1660, durante o
período do “teatro da Restauração”, cabendo, então, a
atores do sexo masculino – os chamados boy actors – a
performance de papéis femininos. Sobre a prática do
cross-dressing nos palcos elisabetanos, mesmo os
grandes mestres da crítica shakespeariana vêm se
mostrando lacônicos, resumindo a questão, como o faz
Marlene Soares dos Santos (1994), à constatação de
que “as partes femininas eram representadas por
adolescentes imberbes cujas vozes ainda não haviam
mudado”. A presente comunicação tem, portanto, um
duplo objetivo: 1) analisar uma teia discursiva que se
teceu em torno da figura dos boy actors entre os séculos
XVI e XVII na Inglaterra e que os circunscrevem no
campo semântico do “monstruoso” e do “insólito”; 2)
desafiar a massa crítica estabelecida e defender a
noção de que papéis femininos eram desempenhados

219
não apenas por jovens aprendizes, mas também por
atores mais experientes e, por conseguinte, fisicamente
mais maduros, acentuando ainda mais o fato de que o
gênero se construía neste tipo de palco (não-naturalista
par excellence) enquanto performance e construção
discursiva. Nesta dupla visada, se os boy actors
figuravam como monstros no vocabulário puritano dos
séculos XVI e XVII, mesmo a melhor crítica
shakespeariana desde então não conseguiu lhes retirar
o caráter insólito, ao não encarar de frente a
radicalidade da convenção teatral de gênero no palco
elisabetano.

Lenice Alves Soares

A MONSTRUOSIDADE DO PACTÁRIO FAUSTO

Embora possamos traçar um paralelo entre as


obras Frankenstein e Fausto, como o fato de seus
respectivos autores, Mary Shelley (1797-1851) e Johann
Wolfgang von Goethe (1749-1832) terem sido
contemporâneos, ou a face prometeica de seus
respectivos protagonistas, Victor Frankenstein e Fausto,
ambos cientistas que desejam conhecimentos para
além do já alcançado pelos seres humanos de sua
época (Eggensperger), me deterei, na presente
comunicação, a fazer uma reflexão acerca da
“monstruosidade” da personagem Fausto, na obra de

220
Goethe, obra esta escrita pelo autor alemão ao longo
de cerca de sessenta anos, abrangendo parte dos
séculos XVIII e XIX. O pacto com o demônio, temática
que remonta à Idade Média, e considerado um tema
comum à literatura fantástica (Caillois/Todorov), por si só
já poderia colocar a personagem Fausto no rol das
personagens monstruosas. Com o desejo de ampliar os
limites de seus conhecimentos, eternamente insatisfeito,
mesmo com todos os saberes já adquiridos por ele,
Fausto rompe com o racionalismo e faz um
pacto/aposta com Mefistófeles, personagem
representante do diabo. O Fausto de Goethe é um
homem das ciências, um representante do paradigma
científico-racionalista do Renascimento, o qual, apesar
de já ter estudado e dominar várias áreas do
conhecimento humano, não vê mais sentido em sua
existência, pois não descobriu a resposta para o grande
mistério da vida. Ao longo de sua jornada com
Mefistófeles, que pode ser considerado seu duplo
(Rank/Freud), ou a sua sombra (Jung), o sempre
insatisfeito Fausto irá provocar mortes e perdas,
deixando um rastro de infortúnios em seu caminho.
Medo, hesitação, incerteza e ambiguidade
(Todorov/Bessière/Furtado) são características que
assolam a personagem, a qual, em prol de um ideal
“justificável”, comete atos que podem ser considerados

221
monstruosos. Embora o Fausto de Goethe seja uma obra
formalmente intitulada de tragédia, também chamada
de poema épico por ter sido escrita em versos,
apresentando também características míticas e
alegóricas, a fenomenologia insólita manifesta-se, e
pode ser observada, em todas as categorias da
narrativa, como na ação, no tempo, no espaço e na
personagem, a qual é a tônica da presente
comunicação, que terá como base teórica os autores
supracitados, entre outros.

Leonardo Poglia Vidal


Ícaro Carvalho

UM MONSTRO DE RAIZ: A PRESENÇA DA TRADIÇÃO NO


MONSTRO DO PÂNTANO, DE ALAN MOORE
A nossa comunicação oral, e futuro artigo, para
o evento “Monstruosidades Ficcionais”, organizado pela
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, irá analisar
primordialmente a presença da tradição na história The
End. Essa narrativa, roteirizada por Alan Moore, constitui
o último capítulo do arco de histórias American Gothic,
e foi publicada nos EUA entre 1984 e 1987 na revista
Saga of the Swamp Thing (Monstro do Pântano), da
editora estado-unidense DC Comics. Proveniente de um
ambiente monstruoso como uma explosão com
produtos químicos e um pútrido pântano, um monstro
de aparência bem característica alcança relativo

222
impacto sob coordenação de Alan Moore e, também,
por ser uma das primeiras histórias em quadrinhos a
adotar o rótulo de “horror”, aproximando-se assim da
escrita diretamente para adultos. A tradição é aqui
entendida tanto no emprego de tropos e temas da
literatura clássica em algumas de suas formas mais
antigas (a saber, contos folclóricos, contos de fadas e
jornadas heroicas), como também em relação a
citações da história do meio dos quadrinhos e no
emprego de monstrosquetípicos universalmente e
facilmente reconhecidos. Para o nosso trabalho de
análise, levar-se-á em consideração tanto uma
recapitulação da história, constante em um quadro
específico, quanto uma parte da estrutura da trama,
mais especificamente a provação do herói. Como
fundamentação, além de críticos relacionados
especificamente à obra de Moore, incluindo um ensaio
do próprio autor, este trabalho citará também algumas
das estruturas propostas por Vladimir Propp em
Morfologia do Conto Maravilhoso (1968) e por Joseph
Campbell em O Herói de Mil Faces (2004), para fins de
comparação.

223
Lídia Carla Holanda Alcantara

MARCELLA BACKLAND: O MONSTRO DENTRO DE SI MESMA

Marcella, nome da série de televisão policial


britânica, a qual mistura suspense e mistério, foi
inicialmente transmitida pela emissora televisiva ITV, em
2016, e está atualmente em sua segunda temporada. A
protagonista, Marcella Backland, é uma policial
enfrentando grandes desafios e dificuldades em sua
vida pessoal: perdeu sua filha mais nova, encara a
deterioração de seu casamento, o afastamento dos
filhos vivos e precisa lidar com o que chama de
“apagões” de memória. Esses “apagões” são episódios
em que a personagem tem surtos de raiva e perde a
lucidez, ficando fora de si, agindo violentamente sem
depois se lembrar de nada. Por conta disso, torna-se
perigosa nesses momentos para si mesma e para os
outros, já que Marcella perde completamente o
controle de seus atos. Se levarmos em conta a fala de
Freud (1996), de que o sofrimento do ser humano pode
vir de emoções advindas da própria angústia existencial
do homem e da decadência de seu corpo e mente, é
fácil afirmar que a protagonista da série se encontra em
sofrimento, sofrimento esse que não é causado por
nenhuma figura insólita, nenhum monstro sobrenatural,
mas sim, pelo monstro que habita dentro dela própria.
Esse monstro faz com que ela perca o controle de seu

224
corpo e mente. Tomando por base a fala de Sartre
(1997), de que o próprio ser humano e seu pensamento
atormentado é o ser fantástico, diríamos que a própria
Marcella constitui-se como um ser fantástico – quiçá, um
monstro. Segundo Cohen (1996), monstro seria um
elemento, um constructo em que se materializam
ansiedades, medos e desejos íntimos de uma época,
lugar ou até mesmo de uma pessoa. Levando isso em
conta, o próprio monstro que vive dentro da
personagem é a materialização de todos os problemas
que a circundam. Sendo assim, este trabalho pretende
estudar a presença do monstro não insólito no interior da
personagem Marcella Backland, mostrando que o
verdadeiro monstro da vida contemporânea não é
sobrenatural: somos nós mesmos.

Lígia Regina Máximo Cavalari Menna

DIFERENTES (RE)FIGUR AÇÕES DA PERSONAGEM RAINHA DA NEVE,


DE HANS CHRISTIAN ANDERSEN: O MAL HUMANO E DIVINO

A personagem Rainha da Neve do conto


homônimo de Hans Christian Andersen (Snedronningen,
The Snow Queen, 1844), tem sido revisitada nas mais
variadas produções culturais, inclusive em nossa
atualidade. Em citações diretas ou meras analogias, a
rainha de poder congelante é apresentada em
múltiplas e por vezes contrastantes figurações,
reconhecida por seu mistério, magia, beleza e sedução,

225
mas também (re) figurada em um ser divino ou
extremamente humano, por vezes maléfico e ambíguo.
Seria a rainha uma deusa, uma bruxa má, um ser
humano amaldiçoado? Nesta comunicação, como
ponto de reflexão e análise para nossa pesquisa de pós-
doutoramento, apresentaremos diferentes figurações de
a Rainha da Neve, observando como o mal se
manifesta nessas releituras. Partiremos da concepção
de Andersen, já sedimentada na mitologia nórdica e
pagã, para a releitura de C.S. Lewis, com sua Feiticeira,
apresentada no primeiro livro das Crônicas de Nárnia.
Quanto a produções cinematográficas, destacamos,
entre muitas referências, as rainhas das animações
Snezhnaya korolev (URSS,1957) e O Reino Gelado
(Snezhnaya korolev, Wizart animation, Rússia, 2012); a
rainha Elsa, de Frozen: uma aventura congelante
(Frozen, Disney, EUA, 2013); Ingrid, a Rainha da Neve da
série Once Upon the time, 2014 e a rainha Freya, do
filme The Huntsman, 2016. Curiosamente, em um
protagonismo feminino evidente, a rainha da neve
ressurge em produções culturais para crianças e jovens,
revestida de simbologias a serem desvendadas,
alimentando o imaginário de seus autores e diferentes
públicos alvo, conforme seu contexto de produção.

226
Lilian Lima Maciel

VERMELHO AMARGO: A MONSTRUOSIDADE DA CASA, ESPAÇO DAS


MEMÓRIAS

Em Vermelho amargo (2011), livro autobiográfico


do escritor Bartolomeu Campos de Queirós, tem-se
como temática principal as memórias de um narrador
que sofre com a morte da mãe e com a chegada de
uma madrasta que traz à família o amargor da falta de
amor. As lembranças do narrador estão associadas ao
espaço da casa onde viveu a sua infância e a partir da
imagem do tomate sendo fatiado temos a construção
de duas figuras contrapostas, a madrasta que fatiava
com tamanha austeridade e economia que não só não
alimentava o corpo como também envenenava a
alma, e a mãe que com seu carinho oferecia fatias
generosas de alimento e de amor. Neste trabalho,
objetivamos analisar como a casa foi se tornando
monstruosa após a chegada dessa figura que vem para
substituir sua mãe e como o vermelho do tomate, antes
positivo com a presença da mãe, se torna amargo e
símbolo da deterioração dessa família. É importante
destacar como a presença da madrasta está associada
ao sofrimento, à separação, ao silêncio e a solidão
desse menino que não tem mais o canto e a presença
de sua mãe. Para iluminar a análise, faremos
ponderações teóricas sobre a memória e a elaboração

227
do passado, baseando-nos em teóricos como Jeanne
Marie Gagnebin e Maurice Blanchot. Para o estudo do
espaço utilizaremos as noções que Michel Foucault
formulou sobre as espacialidades: as utopias,
heterotopias e atopias; e também no estudo de Deleuze
e Guattari sobre o espaço liso e estriado. Também será
importante analisar a influência da cor vermelha e para
isso utilizaremos o estudo desenvolvido por Eva Heller em
A psicologia das cores.

Lilliân Alves Borges

O HORROR E O RISO EM HISTÓRIAS DE ALEXANDRE

Histórias de Alexandre, de Graciliano Ramos, veio


a público no ano de 1945. A narrativa traz a história da
personagem Alexandre, um sujeito meio vaqueiro, meio
caçador, casado com Cesária e morador de um
pequena fazenda no interior do Nordeste. Alexandre
não tem muitas posses. Vive daquilo que sua pequena
fazenda lhe proporciona: meia dúzia de vacas, cabras e
uma roça de milho, além de ser um grande contador de
histórias. Alexandre compensa sua vida ao desdobrá-la
a partir de sua deficiência física: um olho esquerdo torto.
Como afirma Marisa Lajolo, se esse olho esquerdo torto é
capaz de enfeiar, ou seja, é um elemento que causa
horror, segregando mais ainda a personagem;
Alexandre se reinventa e reinventa seu passado. Esse

228
olho que horroriza é carregado de potencialidades
humorísticas, pois é ele quem cria um mundo permeado
pelo fantástico. Em seu passado maravilhoso não há
miséria, segregação. Há animais falantes, objetos
mágicos e, principalmente, seu corpo marcado pelo
signo da monstruosidade advinda do defeito físico
mostra-se muito melhor do que o olho “direito”. O olho
torto descortina a realidade prosaica que é assentada
por um discurso de segregação, interdição e exclusão.
Ressaltamos que Remo Cesarini ao jogar luz sobre as
raízes históricas do fantástico elucida que alguns
elementos sempre estiverem presentes nos textos da
produção fantástica, como o pano de fundo
humorístico ou fabuloso. Assim, notamos que a relação
entre o horror e o riso em Histórias de Alexandre está
assentada em uma mesma direção, uma direção que
mostra a Literatura fantástica como elemento
transgressor do discurso, esgarçando as reflexões dos
possíveis leitores da narrativa graciliânica.

Liliane de Paula Munhoz


Maria Aparecida de Castro

A FANTÁSTICA E INQUIETANTE COTIDIANIDADE FEMININA DE


AUGUSTA FARO E RENAN MELO

Apresentamos um estudo de dois contos de


autores goianos contemporâneos que integram o veio
literário fantástico. Nos contos desses dois autores, a

229
ambiguidade subsiste até o fim. E ao final dos contos
o/a leitor/a indaga e hesita, será realidade ou um sonho
ruim, um pesadelo. Analisamos o conto “As formigas” de
Augusta Faro, incluso no livro A Friagem (2001), e o
conto “Cavalos” de Renan Alves Melo que está no livro
Mar escrito (2012). Nosso intuito é compreender a
constante elaboração e reelaboração das identidades
femininas nos dois contos, com toda carga de
sexualidade “doentia” emaranhada a desejos de vida,
de liberdade, de felicidade inalcançável. O universo dos
contos é lírico, metafórico, sombrio, trágico, patriarcal,
fantástico. Recorremos ao pensamento de Todorov
(1992), Chiampi (1980), Bessière (1974) e outros, na
análise do universo de Dolores e Virgínia, um universo
que traz a marca do silêncio mórbido e animalesco das
personagens, mulheres fragilizadas, sem voz, sem
vontade própria, que têm seus corpos e destinos
comandados pela voz e vontade do patriarca. Dolores
obedece ao irmão que a diminui, a culpa pelos
devaneios com formigas, diz que ela devia ter casado,
pois um marido a salvaria da loucura. Virgínia tem uma
relação incestuosa com pai que faz dela um animal,
pronto a satisfazer seus desejos sexuais, o pai é um
pedófilo. Virgínia tem quatorze anos. As mulheres de
Augusta Faro e Renan Alves são fragilizadas, abusadas,
desumanizadas, violentadas pelo contexto sociocultural

230
patriarcal em que vivem. O universo de Dolores e
Virgínia as converte em “monstruosidades”, para além
da apresentação da loucura que consome a vida, o
futuro das duas personagens lentamente levando-as a
uma total insanidade, esses dois contos possibilitam a
leitores/as refletirem sobre quão fantástica, insólita e
monstruosa pode ser a realidade.

Lina Arao

REPRESENTAÇÕES EUROPEIAS DOS POVOS DA ÁSIA ORIENTAL

A construção do imaginário ocidental acerca do


Oriente constitui-se de um complexo de teorias em
transformação ao longo dos séculos. Entretanto,
inalterável é sua predisposição em eludir a existência de
uma pluralidade de “consciências orientais”,
considerada dispensável diante das máximas criadas
pelas representações europeias sobre os povos e
paisagens orientais. A afirmação de Edward Said (1978)
de que o “Oriente era quase uma invenção europeia”,
embora tenha sido dirigida sobretudo ao “Oriente
Médio” e suas relações com a Europa, serve às nossas
reflexões sobre a “Ásia Oriental”, uma vez que sintetiza o
intrincado processo de criação de textos
antropológicos, médicos, sociológicos que tinham por
objetivo justificar, ao mesmo tempo em que se
configuravam, ideias a respeito das raças e sua

231
hierarquização. Notam-se alterações no discurso
ocidental à medida que a presença dos povos asiáticos
(do chamado “Extremo Oriente”, como China e Japão)
se torna mais palpável para os ocidentais (europeus e
norte-americanos): em princípio, essas terras são
descritas sob a aura do mistério, da estranheza e da
maravilha (exemplificam bastante bem tal perspectiva
os relatos de Marco Polo, que enfatizam a abundância
de ouro e o diabólico que lhe pareciam os ídolos – com
cabeças de animais – dessa região). Essa percepção vai
se modificando de acordo com os interesses europeus –
quanto mais dóceis pareciam em aceitar os dogmas
cristãos, por exemplo, com maior benevolência eram
considerados. Nesse contexto, inserem-se as questões
da raça e de suas características: como se instaurou a
representação dos asiáticos pelo olhar europeu e em
que estágio da evolução civilizatória eles foram
colocados nessa organização eurocêntrica da
humanidade? Michael Keevak (2011) rastreia o
surgimento da caracterização dos habitantes da Ásia
Oriental como “amarelos” e da categoria racial
denominada “mongol” (utilizada por Johann Friedrich
Blumenbach), demonstrando como o pensamento
“racializado” opõe o paradigma da “branquitude”
(símbolo máximo da civilização, beleza, cultura e
perfeição) ao do “amarelo”, “mongol”, marcado pela

232
feiura, monstruosidade e deformidade. No trabalho
proposto, objetivamos investigar alguns desses discursos
(os de Blumenbach, Christoph Meiners e William
Lawrence, por exemplo), que erigiram um imaginário
acerca dos povos da Ásia Oriental de modo a apagar
as diferenças culturais e históricas, transformando-os em
um todo distinguível através de traços raciais
indicadores de uma “natureza” inferior, que poderia ser
monstruosamente destrutiva, como as hordas do
Grande Khan. A partir dessa tradição discursiva
europeia, surgem, portanto, as representações do
oriental nas quais podemos vislumbrar elementos do
insólito, do estranho e do maravilhoso, cujas
remanescências são os variados estereótipos racistas
contemporâneos.

Lívia Fernandes Nunes

TRANSFIGURAÇÃO DO MEDO COMO HUMANIZAÇÃO: DE BARBA AZUL


A CHAPEUZINHO AMARELO

Por volta do século XVII, o advento de um


público literário composto por jovens e crianças, antes
considerados pela sociedade como adultos em
miniatura, marca a formação da literatura infantojuvenil.
Além de sua função artística, a literatura infantojuvenil
contribui para estudos históricos e sociais devido a seu
papel fundamental na educação e na cultura.
Seguindo considerações de Hunt (2010), o estilo desse

233
tipo de obra pode ser desfrutado pelas crianças mesmo
que não seja identificado por elas e sem que, por isso, se
constitua por meio de uma linguagem facilitada. Em
sentido semelhante, Candido (1988) atesta que a
literatura, como um todo, é um direito básico do ser
humano por suprir a necessidade de fruição artística,
atuando no desenvolvimento da personalidade e
reforçando valores, sentimentos e impulsos. Partimos
desses dois pontos de vista para refletirmos o modo
como o medo é transfigurado no conto clássico O
Barba azul (1697), de Charles Perrault, e no poema
narrativo Chapeuzinho Amarelo (1970), de Chico
Buarque. No conto, destaca-se o personagem que
possui características peculiares: uma barba azul e um
histórico de casamentos com mulheres que
desaparecem repentinamente. Dono de grande
riqueza, casa-se novamente e ordena que a nova
esposa lhe obedeça, sobretudo que não entre em um
certo gabinete. Assim, o tempo é linear e o espaço
aparenta ser, falsamente, ideal. Ao viajar, sua mulher vai
até o gabinete e descobre corpos das esposas
estranguladas por ele. Barba Azul identifica uma
mancha de sangue na chave do recinto ao retornar da
viagem e, por isso, tortura psicologicamente a mulher
até que os irmãos desta impeçam outro assassinato. No
poema narrativo, a figura medonha é o Lobo Mau,

234
originário do hipotexto Chapeuzinho Vermelho.
Diferentemente desta, a protagonista existe em um
mundo cercado de medos até notar que o Lobo pode
virar “bolo”, caso se sinta livre de inseguranças. Dessa
maneira, a cor amarela passa a representar a alegria e
não a palidez, bem como a liberdade de brincar com
as palavras faz com que Chapeuzinho se salve sozinha.
Percebemos que as obras transfiguram, por meio de
seres e atos cruéis, medos reais: a violência contra a
mulher e a censura da ditadura militar no Brasil, que, de
certa maneira, são problemas nitidamente não
superados. Logo, é altamente problemático encarar a
literatura infantojuvenil como um tipo de subliteratura,
menosprezando a consolidação de seus sistemas pelo
mundo e sua transformação ao longo dos séculos. Por
fim, as ideias de Hunt e Candido se encontram na
conclusão de que o texto literário não existe para tornar
melhores ou educar leitores, contudo humaniza os
receptores de todas as idades por meio de construções
e representações, sejam elas mais ou menos próximas
da realidade.

235
Lorena Alves Gorito

ASSASSINATO NO EXPRESSO DO ORIENTE: REPRESENTAÇÕES DOS


ASSASSINOS DE AGATHA CHRISTIE NA ADAPTAÇÃO FÍLMICA
JAPONESA

Agatha Christie foi uma escritora britânica que


produziu romances, contos, peças teatrais e poemas,
que se firmou no decorrer das décadas como uma das
maiores referências em relação a obras inseridas no
gênero policial. Em um de seus romances mais famosos,
Assassinato no Expresso do Oriente, escrito em 1934,
presenciamos a viagem do trem Expresso do Oriente
que parte de Istambul a Londres, onde ocorre um crime
em um de seus vagões; cabe ao detetive mais famoso
de Christie, Hercule Poirot, solucionar o crime. No
presente trabalho, iremos utilizar a adaptação fílmica
japonesa de Assassinato no Expresso do Oriente (Oriento
Kyuko Satsujin Jiken (オリエント急行殺人事件, 2015)) para
ilustrar como se deu a representação dos assassinos no
momento do crime presente na história, e quais foram os
recursos utilizados pelo filme para transmitir a sensação
de terror que um assassinato possui. Na descrição e
análise da cena indicada, serão considerados aspectos
técnicos fílmicos como a iluminação, som de fundo, e
interpretação dos atores, como também será realizada
uma comparação entre o roteiro do filme e a cena
descrita no livro, levando em consideração teorias sobre
a adaptação cinematográfica. Essas teorias presentes

236
em nossa análise nos indicam que, ao se adaptar um
texto para a mídia fílmica, não basta simplesmente
transpor o texto original para um novo formato de
divulgação, é necessário que haja uma atenção aos
atributos específicos de cada meio. Destacaremos
também aspectos comuns entre as histórias de Agatha
Christie, como vingança, assassinato em grupo e crimes
cometidos por personagens aparentemente normais e
fora de qualquer suspeita, presentes em obras como
Morte no Nilo, Natal de Poirot, E Não Sobrou Nenhum,
dentre outras.

Lorraine Martins dos Anjos

CHAPEUZINHO AMARELO: UMA ANÁLISE SOBRE A CONSTRUÇÃO


ESTÉTICA DO MARAVILHOSO

O objetivo da pesquisa é analisar as


características da literatura infantil no livro do autor e
compositor brasileiro Chico Buarque, intitulado
Chapeuzinho Amarelo, destacando a importância da
obra no universo infantil. Para isso, será realizada uma
pesquisa teórica da Literatura Infantil, da função
didática pedagógica dos livros infantis e as
características do gênero Maravilhoso, que é o estilo
norteador dessa literatura, por meios de teóricos das
áreas citadas, procurando identificar as características
principais presentes no livro de análise de Buarque. A
obra analisada faz uma releitura do conto clássico dos

237
irmãos Grimm, Chapeuzinho Vermelho, além de
modificar o nome da personagem principal, o autor
brasileiro aborda em seu enredo características
modernas que permeiam o imaginário infantil. Chico
Buarque desenvolveu uma obra maravilhosa
contemporânea mesclando os elementos da fantasia
em um contexto único e singular que interagindo com a
realidade apresentada. Chapeuzinho Amarelo é uma
obra prima da Literatura Infantil brasileira
Contemporânea, Buarque utilizou de uma linguagem
simples para abordar temas que afligem o universo
infantil como o “medo” que é abordado no livro. O
tema central do livro é a desconstrução do medo da
personagem principal, afinal a Chapeuzinho era
amarela de medo, sentimento que a impedia de viver,
ao decorrer da obra Chapeuzinho Amarela vai
descontruindo essa ideologia. O medo é representado
pela ideia midiática do Lobo, personagem que era
desconhecido até então pela Chapeuzinho Amarelo,
ao decorrer da obra essa ideia é descontruída e o
medo do desconhecido passa a ser superado. Por meio
da construção sintática o autor trabalha com a junção
da palavra “lobo” que transforma em “bolo”. O livro
infantil possui uma função didática pedagógica, isso é,
ele pode ser utilizado em sala de aula como um
elemento complementar na formação do cidadão, no

238
caso da obra analisada, ele tem como objetivo abordar
assuntos que afligem o imaginário infantil, o medo em
que a personagem principal sentia é algo comum das
emoções humanas, esse sentimento é superado de
forma simples e humorística pelo autor, que serve de
exemplo em sala de aula e pode ser utilizado como
material de apoio dos pedagogos para trabalhar com
questões pertencentes ao imaginário coletivo. Ao
analisar a obra Chapeuzinho Amarelo pode-se
compreender as peculiaridades da Literatura Infantil
Contemporânea, especialmente as modificações em
que ela vem sofrendo com o passar dos anos tanto na
parte semântica como estética do seu enredo.
Tornando-se possível abrir caminhos para compreender
a maneira como a literatura interage com a história e
com as problemáticas do universo infantil.

Lorrane Campos Rodrigues

A QUESTÃO DA ANORMAL IDADE NO FILME FREAKS (1932), DE TOD


BROWNING: UMA ANÁLISE HISTÓRICA

Esta comunicação visa analisar alguns aspectos


do filme Freaks, do diretor Tod Browning (1932), em
especial no que se refere à anormalidade. Este filme traz
a temática do corpo humano e os parâmetros da
anormalidade física em seu enredo. Sofreu diversas
críticas negativas na estreia e foi retirado de circulação
por quase trinta anos. Redescoberto apenas em 1960

239
ele foi incluído no Registro de Cinema Nacional dos
Estados Unidos por sua importância cultural dentro do
gênero bizarro e de horror. Adaptado de um conto
literário intitulado Spurs (Tod Robbins, 1917), Freaks conta
a história do casamento entre duas personagens que
vivem e trabalham em um circo: o anão Hans e a
trapezista Cleópatra, bem como as relações destes
artistas naquele espaço de vida e trabalho. O filme faz
parte de um contexto onde questões vigentes no final
do século XIX e início do XX, referentes aos estudos do
corpo humano, estavam em alta. Mais especificamente,
o discurso da eugenia presente nos Estados Unidos e a
percepção social do anormal. Assim, a partir do
encontro entre “monstros” (artistas freak show) e
humanos vistos como “normais”, esta comunicação
discutirá como o anormal é representado por meio da
narrativa construída pelo filme. Pelos diálogos e tensões
que a obra estabelece com o debate sobre o que é um
anormal – sobretudo a partir desta representação –
pretende-se também analisar alguns escritos feitos no
período de lançamento, como as resenhas e críticas
publicadas em veículos de imprensa – em especial os
jornais – buscando compreender como o filme foi
avaliado e qual era a natureza da censura empregada
ao mesmo.

240
Louise Farias da Silveira

O INSÓLITO NA PÓS-MODERNIDADE: OS CONT OS DE DANIEL


PELLIZZARI EM OVELHAS QUE VOAM SE PERDEM NO CÉU

O pesquisador brasileiro Flavio García aponta


que em diversos estudos nos quais “se verifica a
manifestação do que, aqui, se convencionará chamar
de insólito ficcional, o termo insólito aparece, por vezes,
significando uma categoria ficcional comum a variados
gêneros literários” (GARCÍA, 2012, p.14). Tal categoria
estaria ligada às produções ficcionais de gêneros como
o estranho, o fantástico, e os realismos mágico e
maravilhoso, entre outros, sendo a irrupção do
imprevisto e do incomum o fator que os une. Esses
gêneros, cujo traço comum é o insólito, são delineados
a partir da relação entre o real e o ficcional, o aceitável
e o surpreendente. No entanto, no século XXI, tal
relação se estabelece de maneira diferente, uma vez
que a noção de estranheza transformou-se devido à
transmissão diária, através de veículos midiáticos, de
ocorrências violentas e absurdas, o que as torna fatores
ordinários do cotidiano contemporâneo. O sociólogo
polonês Zygmunt Bauman, em sua obra O mal-estar da
pós-modernidade, trata dessa mudança de olhar sobre
o que é estranho, afirmando que “ao lado do colapso
da oposição entre a realidade e sua simulação, entre a
verdade e suas representações, vêm o anuviamento, a

241
diluição da diferença entre o normal e o anormal, o
esperável e o inesperado, o comum e o bizarro, o
domesticado e o selvagem – o familiar e o estranho,
‘nós’ e os estranhos” (BAUMAN, 1998, p.37). É a partir
dessa relação conflituosa entre insólito e pós-
modernidade que se pretende analisar, na presente
comunicação, como o escritor Daniel Pellizzari constrói
suas narrativas curtas em Ovelhas que voam se perdem
no céu (2001). Nessa, predominam relatos que causam
desconforto, uma vez que o autor não se esquiva de
trazer à tona situações perturbadoras, vivenciadas por
personagens não menos curiosas. O referencial teórico
para a análise empreendida é baseado nos estudos de
Tzvetan Todorov, Filipe Furtado e David Roas, entre
outros, concernentes ao fantástico e seus gêneros
próximos. Além desses, contribuem também os escritos
de Zygmunt Bauman acerca das problemáticas da pós-
modernidade.

Luana de Carvalho Krüger

CORPOS NÃO-HUMANOS EM DEUSES DE PEDRA (2007) DE JEANETTE


WINTERSON E ANDROIDES SONHAM COM OVELHAS ELÉTRICAS?
(1968) DE PHILIP K. DICK – VIDA ARTIFICIAL E TR AÇOS DE PÓS-
HUMANIDADE

Deuses de Pedra (2007) e Androides Sonham


com Ovelhas Elétricas? (1968) são obras distópicas que
apresentam a relação em corpos robóticos semelhantes

242
aos corpos humanos. Na obra de Jeanette Winterson
vemos Spike, uma robô sapiens, que além de mais
inteligente que a espécie humana também é
fisicamente bela e atraente para os humanos que por
sua vez não envelhecem e são todos igualmente
bonitos. Dick, por outro lado, apresenta androides
fugitivos de Marte e que apesar de serem muito
semelhantes fisicamente aos humanos, não são capazes
de sentirem empatia com animais e, portanto, devem
ser eliminados, em contrapartida há humanos que
precisam de um sintetizador de ânimo para se sentirem
felizes o tempo todo e não conseguem ser empáticos
com sua própria espécie. O corpo se torna aliado para
as relações entre humanos e robôs, de modo que a
funcionalidade da máquina só é significativa atrelada a
características físicas que garantem corpos robóticos
gendrados, imortais e/ou resistentes em relação aos
humanos e que ao mesmo tempo em que reforçam
padrões estéticos também apresentam traços de
desejos de autonomia humana em relação a seus
corpos. Segundo Hilário (2013, p.202), as literaturas
distópicas funcionam como um aviso ao que está por vir
e nesse caso as modificações nos corpos vinculadas a
recursos estéticos e padronização mostra o quanto a
produção de robôs semelhantes aos humanos pode ser
um ponto de partida para a padronização de corpos e

243
o reforço de padrões estéticos. Estudos transumanistas e
pós-humanista como More e Vita-More (2013) e Hayles
(1999) apontam que o corpo é relevante para a
compreensão do humano e do melhoramento da
espécie, tendo em vista que muitos dos recursos
vinculados a modificação do corpo está atrelado a
mudanças físicas e de autocontrole do corpo. Ao
mesmo tempo, o conceito de Vida Artificial, ainda
pouco explorado, permite observar que as máquinas e
a forma de produção que procura aproximá-las dos
humanos está cada vez mais tornando os corpos
robóticos mais próximos aos corpos humanos, de modo
que o robô, ainda que uma ameaça, também possui as
características ideais de um corpo humano perfeito,
tornando-se o traço de pós-humanidade ainda
inatingível pela espécie humana. Assim, o objetivo deste
trabalho é discutir como os corpos não-humanos
apresentados nas narrativas propostas podem garantir
um ideal de desejo humano, ao mesmo tempo em que
mascara um mercado estético de perfeição da beleza
de modo que o não-humano se torna o próprio ideal
humano.

244
Lucas Henrique da Silva

OLÍMPIA DE HOFFMANN, OLÍMPIA DE OFFENBACH, OLÍMPIAS:


SOBREVIDAS DA PERSON AGEM

Olímpia, personagem do conto “O homem da


areia” (1817), de E. T. A. Hoffmann (1876-1822), projeta-
se para a modernidade sobretudo a partir da famosa
ópera de Jacques Offenbach (1819-1880), Les contes
d’Hoffmann (1881). Isso porque a boneca de madeira
de “O homem da areia” vai ter um papel de destaque
na trama do compositor francês, que se trata de uma
homenagem ao conjunto da obra do escritor alemão. A
personagem já tinha 60 anos quando se faz resgatada e
reimaginada para o contexto da Paris moderna. Assim,
Olímpia acaba por ganhar uma nova vida, uma
sobrevida, para pensar nos termos de Carlos Reis sobre a
personagem ficcional, sobrevivendo ao seu texto de
origem e ao seu próprio autor (Reis, 2015). Esse novo
momento da personagem vai fazer com que os seus
sentidos únicos, antes relegados à narrativa curta (“O
homem da areia”) e ao conjunto da obra hoffmanniana
(o tema dos autômatos), se iluminem, ganhando, desta
forma, novas camadas de significância. É assim que
Olímpia vai aparecer em estudos da modernidade,
como é o caso de Paris: capital do século XIX, de Walter
Benjamin (1892-1940), e, mais contemporaneamente,
em 2007, “No mundo de Odradek”, ensaio sobre obra

245
de arte e mercadoria presente em A palavra e o
fantasma na cultura ocidental, de Giorgio Agamben
(1942- ). Tanto Benjamin quanto Agamben vão
(re)pensar a Olímpia de Hoffmann através de
Offenbach e da questão da modernidade. Além da
filosofia, também a literatura do século XX vai observar,
não por acaso, o surgimento de novas personagens
ficcionais que são mulheres artificiais, fazendo lembrar a
criação de Hoffmann. É o caso, por exemplo, de
Faustine, personagem de A invenção de Morel, de 1940,
do escritor argentino Adolfo Bioy Casares (1914-1999),
que tem relação direta com Olímpia. Sendo assim, é
inegável o lugar da personagem oitocentista nestas
novas figurações, muito graças ao resgate de
Offenbach. Mas por que Olímpia, e não outra? Por que
Offenbach, em sua ópera, escolhe a boneca de
Hoffmann para representar a vida parisiense? Estas
perguntas levam a pensar nos sentidos desta
personagem para a modernidade, para além de seu
universo de origem. De que maneira podemos entender
a sobrevida desta singular personagem? Este trabalho
pretende analisar a personagem Olímpia, de Hoffmann,
partindo de suas referências através dos tempos, como
a de Offenbach, por exemplo, para ler os seus sentidos
como um todo, próprios da personagem. Acredita-se
que esta figura (Reis) seja um marco de uma aventura

246
criativa que não se encerra em “O homem da areia”,
mas que extravasa em novas imaginações,
contaminando novas leituras e engendrando outras
formas de se (re)pensar a personagem, sem
necessariamente estar vinculada ao seu universo de
origem.

Lucas Laurentino de Oliveira

ADORÁVEIS MONSTRINHOS – A DEFORMAÇÃO DA INFÂNCIA

Sabe-se que no gênero horror há duas classes de


personagens principais que funcionam como motores
da narrativa: os monstros e as vítimas. Enquanto os
primeiros variam bastante quanto a natureza e
objetivos, podendo ser desde fantasmas vingativos a
mutações genéticas oriundas de experimentos
malsucedidos, as segundas tendem a se resumir ao
estereótipo clássico da mulher indefesa, seja ela a
protagonista ou não. Uma variante mais aguda desta
representação de vítima é a criança, cujos aspectos de
inocência e fragilidade são potencializados para tornar
as ações do monstro ainda mais chocantes e cruéis.
Dessa maneira, e de acordo com o senso comum
construído ao redor do conceito de infância, a criança
surge como a figura prototípica da vítima. No entanto,
há um grupo de filmes que surgiram na metade do
século passado e desde então tem crescido de maneira

247
espantosa em que os papéis de monstro e vítima se
cruzam na personagem infantil, que não mais é
inocente ou ingênua e sim a verdadeira ameaça, a
força maligna que leva o horror aos adultos. Nesses
filmes, a inversão das categorias desestabiliza o
espectador tanto quanto os próprios personagens
adultos, que se mostram incapazes de lidar com o fato
de que a criança é o monstro. É esse efeito provocado
que nos conduz à reflexão quanto ao estatuto de
“outro” da criança, que ao mesmo tempo pode ser
próxima e distante, familiar e estranha. Dois casos
exemplares serão abordados na comunicação: Rhoda
Penmark, a criança assassina de The Bad Seed (1956), e
Damien Thorn, a criança anticristo de The Omen (1976).
Em ambos os filmes, procurarei analisar como se dá a
construção do horror a partir da tensão entre uma
aparência inocente e uma possível substância maligna,
monstruosa. Daí, pretendo indicar alguns dos
mecanismos utilizados pelo horror para subverter os
lugares-comuns e questionar as categorias de monstros
e vítimas, bondade e maldade.

Luciana Colucci

FRANKENSTEIN, OR THE MODERN PROMETHEUS: SUBVERSÃO DO


ESPAÇO GÓTICO

Angela Wright (2018) realça que a obra


Frankenstein, or the Modern Prometheus, de Mary

248
Wollstonecraft Shelley, publicada anonimamente há 200
anos, “tornou-se o romance mais analisado e
contestado de todos os tempos”. Desde então, essa
obra controversa e uma das três mais “sombrias criações
de toda a literatura inglesa e norte-americana” (King,
2002, p.7), apresenta múltiplas lentes pelas quais pode
ser discutida. Dentre elas, destacam-se, o mito, a
ambição científica, a monstruosidade, a autoria
feminina e a tessitura gótica. Estreitanto nosso olhar,
problematizamos a maquinaria gótica – personagem,
tempo, espaço, medo -, principalmente no que tange à
construção espacial do laboratório do “maldito, maldito
criador’ (2002, p.44), Victor Frankenstein. Assim, nossa
proposta visa dicutir a metamorfose do espaço gótico
de Walpole, em The Castle of Otranto (1764), para o
espaço gótico de Shelley.

Luciana M. da Silva

TRAÇOS DE CONSTITUIÇÃO DA PERSONAGEM GER MANO DE MELO, DE


MIA COUTO

Os mundos e submundos possíveis que


constituem as personagens de uma obra ficcional
nutrem-se de um conjunto de características
tangenciadas pela subjetividade de escritor e, ainda, de
cada leitor. Sendo assim, as estratégias usadas pelo
autor para a formação de um mundo possível textual
importa para as reflexões acerca de cada traço

249
compositivo do mesmo mundo. Pretende-se, então, por
meio de um mapeamento dos traços compositivos da
personagem Germano de Melo, no Livro um - Mulheres
de Cinza, da trilogia As areias do Imperador, demonstrar
a dualidade presente na constituição da personagem,
gentil diante dos seus pares, porém arrogante frente aos
demais existentes na terra que habita. Em um mundo
dominado pelo conflito, Germano é o frágil intruso em
uma realidade desconhecida, e, ainda, o vil
manipulador dos que acreditam em sua grandeza. A
personagem que ocupa um cargo de destaque nas
"areias do tempo" é a mesma que se coloca em um
status diferenciado, insinuando a pretensa inferioridade
do povo que “acreditava” proteger. Trata-se de uma
personagem refugiada na colônia, após exílio de seu
país, mas que nutre um profundo sentimento de
superioridade diante de seus possíveis subordinados. A
constituição do ser Germano de Melo é, por um lado,
profundamente cruel e sólita, mas também débil e
insólita. Em um lugar marcado pelo conflito e pelo
domínio de diferentes povos, o sargento desconstrói-se
ao se deparar com forças autóctones desconhecidas,
empíricas e metaempíricas. O romance, dividido em
capítulos, oscila entre as vozes “do chão” e as cartas do
sargento a “seus superiores”, indicando a convivência,
nem tão harmônica quanto desejado, entre dois planos

250
de realidade que, por vezes, conjugam-se no
quotidiano das personagens.

Luciane de Oliveira Moreira

MATILDA DE ROALD DAHL: MONSTRINHO ÀS AVESSAS


Monstros sempre fizeram parte do imaginário
ficcional. Em geral, eles são representados, na literatura
e no cinema, como criaturas horrendas que assustam e
comentem as maiores atrocidades. É possível destacar,
dentre eles, a figura mitológica Medusa, Os
Dementadores em Harry Potter, os Orcs no Senhor dos
Anéis, para mencionar alguns. Na obra Frankenstein de
Mary Shelley (1818), a figura monstruosa era
representada por uma criatura que tinha sido criada
pelo médico Victor Frankenstein a partir de pedaços de
cadáveres. Era uma figura horrenda e violenta. Porém,
ao ler a história se percebe que tal personagem era
também uma vítima da inconsequência de seu criador
que a concebeu e a abandonou. Na obra de Roald
Dahl, Matilda (1988), temos uma dinâmica familiar
disfuncional, representada por uma menina que se
destaca por ser diferente, um ser extremamente
inteligente e adorável, ou seja, uma aberração em um
ninho de pais obtusos, relapsos, desonestos e
irresponsáveis. Através de uma leitura atenta
percebemos que as duas personagens: tanto a Criatura

251
quanto Matilda foram abandonadas a própria sorte por
seus responsáveis. Ambas não tiveram orientação nem
supervisão de seus atos. Consequentemente, a primeira
se tornou um ser descontrolado e perigoso, enquanto a
segunda se destacou por seguir o que acreditava ser
honesto e justo, destoando dos demais membros da
família. O mal em Matilda está representado pelas
figuras materna e paterna que são destituídos de valores
éticos e morais. Sendo ela uma pessoa sem senso de
responsabilidade materna, e ele um exemplo de
desonestidade e corrupção. É possível perceber
também no contexto ficcional de Matilda, tanto na
versão fílmica quanto literária, alguns elementos
distópicos representados pela família Wormwood. Assim,
temos a história de uma menina que teve que
desenvolver uma técnica de autossuficiência e
autoaprendizagem para sobreviver, aprendendo das
funções básicas de se vestir às mais complexas como
cozinhar e se alfabetizar, por exemplo. Tendo em vista
que com apenas quatro anos de idade era diariamente
deixada em casa sozinha pelos pais. Ao longo da
narrativa, o leitor se depara com um texto que, a
princípio, teria um cunho infantil, mas na realidade
apresenta um apelo crítico muito forte à sociedade, aos
valores e ao papel da mulher, para mencionar alguns.
Além disso, a escola que Matilda frequenta é um lugar

252
sombrio e feio, assombrado por uma diretora má, Miss
Trunchbull, aos moldes de um contexto Gótico. Dito isto,
esse trabalho propõe analisar a versão fílmica de
Matilda destacando alguns elementos sombrios da
natureza humana, apontados por Jung.

Luiz Guilherme dos Santos Junior

COMO SE FAZ UM GOLEM: O ESTRANHO MONSTRO DE ISAAC


BASHEVIS SINGER

A comunicação analisa a mística literária que


envolve a lenda judaica do Golem, personagem
monstruoso presente no livro de Isaac Bashevis Singer
(1902-1991), escritor judeu que traz para a sua literatura
o imaginário judaico associado à Sabedoria Oculta da
Kabbalah. Segundo Unterman (1992), o Golem é o
homem informe feito de barro a partir da manipulação
das letras hebraicas, com base num livro antigo
intitulado Sefer Ietsirá atribuído pelos estudiosos da
Kabbalah ao patriarca Abraão. No imaginário judaico,
o Golem seria uma espécie de precursor do Messias que
viria libertar os judeus diante das perseguições, torturas e
mortes sofridas por esse povo no século XVI, em Praga.
Dentre as diversas associações ligadas às origens do
monstro, Scholem (2012) explica que o desejo de criar
um ser da “terra” (adama) retoma o mito bíblico da
criação divina de Adão, já que Golem primeiramente
foi moldado com o uso do barro, para depois ser

253
vivificado com “artes mágicas”, na acepção do autor,
obtendo, assim, tanto os movimentos do corpo, quanto
a fala. De acordo com a narrativa de Singer, o cabalista
Rabi Leib, também chamado de o Maharal de Praga, é
impelido insolitamente a criar um ser capaz de defender
o povo judeu de todas as atrocidades que envolvem,
sobretudo, o antissemitismo e falsos rumores de que os
judeus praticavam atos insanos se utilizando do sangue
de crianças; no entanto, perde-se o controle sobre o
monstro, tornando-o uma ameaça devastadora.
Objetiva-se realizar uma genealogia histórica a respeito
do Golem, a partir dos estudos de Scholem (2012), em
que o referido estudioso destaca tanto influências
bíblicas, quanto concepções místicas advindas da
Kabbalah, a partir de O Livro do Esplendor (Zohar),
dentre outras fontes ligadas aos estudos do Judaísmo,
com o intuito de interpretar de que maneira essa lenda
se apresenta no livro de Singer, com base no conceito
de “monstro” estudado por Jeha (2007).

Luma Maria Braga de Urzedo

OS EXTRATERRESTRES DA FICÇÃO CIENTÍFICA LATINO-AMERICANA

A ficção científica produzida na América Latina


nada deixa a desejar em relação aos outros gêneros
consagrados em nosso solo, como o fantástico, o real
maravilhoso ou realismo mágico e também não pode

254
ser considerada inferior à ficção científica originária dos
Estados Unidos e dos países europeus. Na verdade, a
ficção científica latino-americana possui origem e
caráter únicos e apesar disso pouco explorados. Há
uma tendência geral de se comparar de maneira
pejorativa a ficção científica latino-americana com a
estadunidense e apesar de inevitáveis, tais
comparações demonstram-se muitas vezes infundadas,
pois, a literatura latino-americana de ficção científica
criou para si um novo paradigma, que escapa aos
conceitos generalizantes e limitadores. A falta de rigor
aos preceitos científicos nas obras latino-americanas
parece-nos uma de suas mais emblemáticas distinções,
pois a tradição anglófona, mesmo sendo bastante
diversificada em seus temas e abordagens, dificilmente,
por parte dos teóricos e críticos da área, é desvinculada
da especulação científica. A partir da discussão dos
contos brasileiros “Um moço muito branco” de João
Guimarães Rosa, “Ma-hôre” de Raquel de Queiroz e dos
argentinos “A lula opta por sua tinta” de Adolfo Bioy
Casares e “There are more things” de Jorge Luis Borges
buscaremos apresentar, por meio da discussão sobre as
personagens extraterrestres, seu modo de apresentação
e suas ações nas narrativas selecionadas, repensar
alguns pré-conceitos que envolvem a produção desse
gênero na América Latina, bem com discutir as

255
diferenças entre nossa produção dos clássicos de ficção
científica anglófonos, especialmente aqueles que
apresentam seres alienígenas em seu enredo.

Magali Moura

A MONSTRUOSIDADE DO HUMANO: O FAUSTO EXPRESSIONISTA DE


MURNAU

Com o subtítulo “uma lenda popular alemã”,


esta obra magistral do cinema expressionista alemão
entrelaça diversos momentos da cultura germânica,
indo da Renascença, passando pelo período do
classicismo até chegar ao século XX, formando um arco
de cerca de 500 anos. Tomando como base a primeira
narrativa acerca do pactário, expressa na obra de 1587
de Johann Spies, Friedrich Murnau dialoga com a versão
inglesa do tema vertida por Christopher Marlowe de
1592 em dramaturgia. Com elas entrelaça a obra prima
de Goethe (1832), criando um jogo visual de luz e
sombra, marco da estética expressionista como forma
de revelar estados da alma humana. Esse diálogo entre
a claridade e a treva espelha a própria condição
humana conforme a ótica desta estética vanguardista
que almeja fomentar um movimento dialético entre
bem e mal ao tematizar a capacidade destrutiva do
homem assim como sua redenção. O propósito deste
trabalho é apresentar uma leitura da obra em que se
ressalte o elemento visual como um narrador que guia o

256
olhar do espectador. A cena na qual a cidade é
envolvida por uma monstruosa sombra é a alegoria-
chave do mal que espreita a humanidade. A força
visual do jogo entre luz e sombra dirige nosso olhar para
o íntimo do próprio homem em constante luta consigo
mesmo. Os embates entre o senhor das trevas e o
representante de Deus em disputa pela alma humana,
acabam por nos levar ao questionamento da amplitude
do livre arbítrio dado ao homem que por seus desejos
acaba por ser responsável.

Maison Antonio dos Anjos Batista

OS MONSTROS AMAZÔNICOS NOS CONTOS DE ARTHUR ENGRÁCIO E


DE VERA DO VAL

Para Pimentel, “O imaginário maravilhoso,


mágico, fantástico, absurdo e estranho existe em nós
desde sempre” (2002, p.25), exemplos disso são as
narrativas orais que muito contribuíram para a
perpetuação de histórias nas mais diversas culturas.
Entre essas narrativas existem as lendas, que Mircea
Eliade (1972) chama de histórias falsas, e os causos que
chegaram até nós, passados de geração a geração. A
sobrevivência dessas histórias, que vence o tempo, é
possível verificar que elas vêm carregadas de
simbolismo insólito e que são vistas, por muitos, como
verdadeiras. Quem nunca ouviu falar de, ao menos,
uma personagem das lendas brasileiras como o saci, a

257
iara, o boto, e até outras um pouco menos conhecidas
dependendo da região do país, como o Matinta-
Pereira, mas que recheiam o imaginário brasileiro e,
principalmente, colaboram para o enriquecimento de
cultura brasileira. Assim, o que se quer ressaltar é quando
essas lendas e causos atravessam a fronteira de seus
gêneros, enquanto orais, e passam a compor outro
gênero, ainda que próximo em termos de estrutura, o
conto. A proposta deste trabalho é fazer a análise de
como as personagens monstruosas – que possuem
partes e habilidades não humanas – desses contos se
relacionam de forma natural com as personagens
insólitas, mostrando que, assim como nos causos e
lendas, essas personagens insólitas são percebidas
como verdadeiras, pois para Todorov (2010) quando
algo fantástico ocorre, uma das explicações possíveis é
de que aconteceu realmente, logo integra a realidade,
mas essa é regida por leis desconhecidas. Colabora
para isso o que afirma Silva, sobre a postura que as
personagens têm diante de eventos sobrenaturais: “os
reduz à banalidade e os incorpora à realidade
quotidiana apresentada pela narrativa” (2008, p.104).
Para isso, usar-se-á contos dos livros “Contos do Mato”
de Arthur Engrácio (1981) e “Histórias do Rio Negro” de
Vera do Val (2007), buscando enriquecer os estudos
voltados para a Literatura Amazônica, pois “A história da

258
nossa terra é, portanto, a história do nosso pensamento”
(ORICO, 1975, p.13).

Manuela Dias Santos

REESCREVENDO O GÓTICO: O MONSTRUOSO NAS ANTOLOGIAS DE


EDGAR ALLAN POE

O presente trabalho apresenta os resultados


finais do subprojeto de iniciação científica de título “Os
contos góticos na literatura infantojuvenil: crítica das
traduções/adaptações dos contos de Edgar Allan Poe”,
financiado pela FAPESB e orientado pela professora Drª
Juliana Cristina Salvadori em parceria com o grupo de
pesquisa Desleituras em Série. A pesquisa teve como
objetivo analisar traduções para a língua portuguesa,
variante brasileira, publicadas em antologias de contos
de Edgar Allan Poe, visando identificar de que forma a
tradução, enquanto reescrita (LEFEVERE, 2007),
influência na formação do cânone doméstico (VENUTI,
2002) do autor para o público infantojuvenil. A pesquisa
iniciou-se com o mapeamento de antologias de contos
de Poe publicadas em língua portuguesa, no Brasil, no
período de 2010 a 2017. Em seguida analisamos, na
composição dessas publicações, quais compartilhavam
contos góticos do autor. A última etapa da pesquisa se
deu com o cotejo da tradução e o texto fonte do conto
“Berenice”, presente nas antologias “Histórias
Extraordinárias” e “Assassinatos na Rua Morgue: e outras

259
histórias”, traduzidas e organizadas por Clarice Lispector
e Lílian Soares, respectivamente, objetivando
compreender de que modo as escolhas textuais e
narrativas dos tradutores supracitados reescrevem Edgar
Allan Poe para o público brasileiro. A partir da pesquisa
realizada, comprovamos que as antologias publicadas
no período selecionado (2010 - 2017) privilegiam os
textos góticos do autor, apagando ou inviabilizando as
demais vertentes de sua produção, como os contos
filosóficos, e conservam o conteúdo monstruoso das
narrativas, ainda que essas sejam versões para o leitor
infantil e juvenil.

Marcela Santos Brigida

A CÂMARA ASSOMBRADA NO PALÁCIO DE ORVALHO: O UNCANNY NO


LAR DICKINSONIANO

Em Emily Dickinson and the Image of Home


(1975), Jean McClure Mudge afirma que ao longo da
obra da poeta de Amherst, a imagem da casa é
“fundamentalmente dualística”, surgindo como fonte de
aprisionamento (Fr407) e também como habitação
idílica (L89). Mesmo quando o eu-lírico apresenta a casa
como um refúgio criativo, como em “I dwell in Possibility
—” (Fr657), um deslocamento se dá ao longo do
poema, preenchendo a imagem da casa com traços
de inquietação. Para Daneen Wardrop (1996), é neste
poema que Dickinson chega “desconcertantemente

260
perto da intenção mais básica da descrição de Freud
do uncanny” (p.60) conforme o heimlich faz uma
transição rumo ao umheimlich. A natureza ambígua do
adjetivo alemão, estabelecida por Freud em The
Uncanny (1921), parece ser ilustrada pela incapacidade
do eu-lírico de Dickinson de circunscrever o sentimento
provocado pela casa. Em Haunted Homes and Uncanny
Spaces: The Gothic in the Poetry of Emily Dickinson
(2015), Samantha Landau aponta que, na obra da
poeta americana, a arquitetura do lar está alinhada
com o uncanny de Freud no apagamento dos limites
entre o confortável e o perturbador. Ademais, em
Dickinson o lar se refere tanto a um espaço físico quanto
a um mental. Assim, “estes ambientes apresentam tanto
possibilidades positivas quanto um confinamento
ameaçador” (p.28). Neste sentido, é interessante pensar
o lar dickinsoniano sob o enfoque da obra de Julia
Kristeva Strangers to Ourselves (1991) para compreender
o seu papel na construção do self do eu-lírico
dickinsoniano. Para Kristeva, uma estranheza inquietante
(uncanny foreignness) que “se infiltra na própria
tranquilidade da razão” é inerente à frágil concepção
humana do eu. Assim, “o estrangeiro não é nem uma
raça nem uma nação”. Ele não é “glorificado como um
Volkgeist secreto nem banido como algo que perturba
a urbanidade racionalista” (p.181). A “estranheza

261
inquietante” de Kristeva é evidência de um eu
inescapavelmente dividido: sou meu próprio outro.
Argumentamos aqui que Dickinson recorre ao emprego
de elementos pertencentes à estética gótica em sua
construção da casa em alguns de seus poemas como
manifestação da subjetividade do seu eu-lírico, que tal
como descrito por Kristeva, se sabe um estranho de si
mesmo. Para sustentar esta proposição, recorreremos à
leitura cerrada de uma seleção de poemas de
Dickinson onde o aspecto inquietante (uncanny) da
casa parece refletir o estado psicológico do eu-lírico.
Assim, nos debruçamos sobre os poemas “I learned—at
least—what Home could be—” (Fr891), “One need not
be a Chamber—to be Haunted—” (Fr407) e “I dwell in
Possibility —” (Fr657). Considerando que as
correspondências da poeta são hoje abordadas pela
academia como parte do cânone dickinsoniano
(WEISBUCH, 1998; MARTIN, 2002), a prosa poética das
cartas 52, 89 e 432 também será alvo deste estudo.
Nestas missivas, além de apresentar a casa na forma
dualística descrita por Mudge, Dickinson nos diz algo
sobre a forma como o gótico se integrou ao seu projeto
poético.

262
Marcela Zaccaro Chisté
Sandra sirangelo maggio

OS USOS DO SILÊNCIO EM THE LODGER, DE MARIE BELLOC


LOWNDES, E THE LODGER: A STORY OF LONDON FOG, DE ALFRED
HITCHCOCK

Nosso capítulo comenta a obra The Lodger [O


Inquilino], analisada em três formatos: o conto de Marie
Belloc Lowndes, publicado na revista McClures em 1911;
o romance homônimo publicado pela mesma autora
em 1913; e o filme mudo dirigido por Alfred Hitchcock
em 1927. Este trabalho integra o simpósio temático
Monstars, que trata sobre figuras, espaços e tempos
monstruosos. A figura monstruosa referida em The Lodger
é a de Jack, the Ripper, alcunha do criminoso que no
ano de 1888 perpetrou uma série de assassinatos bizarros
no distrito de Whitechapel, em Londres. O espaço
monstruoso é o aconchegante lar dos Buntings, um
casal de meia-idade que mora no East End, na época a
parte menos favorecida da cidade. O tempo
monstruoso é o da fase final do período vitoriano,
simbolizado por um inverno rigoroso que abafa em
névoa a casa dos Buntings quando eles acolhem um
inquilino misterioso, educado, refinado e de hábitos
estranhos. O objetivo do presente estudo é verificar que
técnicas são utilizadas, e de que forma, para que os
efeitos de terror e suspense sejam alcançados
respectivamente no conto, no romance e no filme. Ao

263
analisar os usos do silêncio, partimos do ensaio clássico
Das Unheimliche, de Sigmund Freud, para chegarmos
ao conceito de Riscado (ou Rasura), de Jacques
Derrida. Nosso entendimento das relações entre
suspense e terror se apoia em estudos de Elaine
Indrusiak, e para lidar com mecanismos de transposição
fílmica recorremos a classificações de David Herman.
Como resultado, esperamos que a leitura apresentada
possa contribuir para os estudos sobre a escritora M. B.
Lowndes e também averiguar por que The Lodger: A
Story of London Fog, apesar de não ser o primeiro filme
dirigido por Hitchcock, é considerado a primeira obra
que carrega a sua marca autoral.

Marcelo Damonte Luzi

VOCES VENUSINAS

Las voces monstruosas pueden ser representadas


dentro de un amplio marco de significaciones,
semantizaciones e interpretaciones, ya sea de índole
cultural, antropológico, político, social y, naturalmente,
literario. Es desde esta última perspectiva que voy a
abordar el cuento de Jaime Monestier “Venusina”,
recopilado del libro Cuentos Fantásticos del Uruguay
(1999), coordinado, prologado y noticiado por Sylvia
Lago, Laura Fumagalli y Hebert Benítez Pezzolano. En esa
dirección, el monstruo (ella, porque es mujer) “venusino”

264
que presenta el cuento de Monestier se asocia con
caracteres que desde variados ámbitos se le han
adjudicado como propios, entre los que se destacan,
según Bravo, una “violenta manifestación de lo
heterogéneo y lo incongruente, como lo indefinido que
se expresa en fragmento y desgarramiento, en
desfiguración y exceso” (2006, p.30). Esta ruptura con la
convención centralista del verosímil humano se muestra
en el cuento “Venusina” desde una voz y un discurso
literario protagonizado por una lengua (idioma)
venusina que manifiesta una alteridad “consonántica”,
en franco enfrentamiento con la lengua humana
(consonántica y vocálica). No obstante este contraste
de índole lingüístico y semántico, acontece en el cuento
de Monestier otra irrupción que podría ser considerada
monstruosa, tanto en el sentido de Bravo, como en el
aristotélico de “fenómeno que va contra ‘la
generalidad de los casos’, pero no contra la naturaleza
considerada en su totalidad” (KAPPLER, 1986, p.235), o
en el de Foucault de Los anormales, cuando presenta lo
anormal como circunstancia “contranatura”, “lo que
combina lo imposible y lo prohibido” (2001, p.57); esto es
la presencia de una figura humana que muda (muta)
físicamente a través de un cambio de sexo u operativa
de transexualidad. En ese sentido, el cuento presenta
una lectura doble y complementaria de hibridez

265
(¿monstruosidad?) significante, a través de la cual es
posible la crítica en torno a lo monstruoso, aquello que
escapa al canon de la “normalidad”.

Marcella de Paula Carvalho

POÉTICA DE LAS SIREN AS: DEVIR MONSTRUOSO COM CRIATURAS


CRIADORAS

Este trabalho busca compreender o


funcionamento da retumbante maquinaria simbólico-
ficcional e estético-filosófica existente na novela
“Poética de las sirenas”, inserida no livro Diez variaciones
sobre el amor da escritora argentina Teresa Echeverría
(2017). O deslumbramento diante da história nos
arremessa para universos monstruosos (GHEERBRANT;
CHEVALIER, 1982), que evocam um recomeço
transformador, aprofundando o nosso elo com a vida,
mergulhada em uma profusão de novos sentidos,
descobertas, sensações, imagens. O título não apenas
traz a mitologia do canto das sereias, mas sua escrita é
esse exercício incrível de sedução monstruosa,
atravessada pelo estilo New Weird, “afetada de um
forte coeficiente de desterritorialização” (DELEUZE, 2017).
Para a análise, partiremos da rede microfísica de
conceitos deleuzeanos: devir, corpo sem órgãos,
multiplicidade, rizoma, simulacro e o nexo entre
literatura e vida. Visamos mapear o processo pelo qual o
devir-intenso e monstruoso na relação amorosa entre

266
humanos e criaturas híbridas provoca uma catábase
geradora de um novo e poderoso ciclo erótico de
criação. Primeiramente, há a dupla captura (DELEUZE,
1996) entre um poeta genético e uma mulher-poema.
Como parte do conteúdo de ficção científica, há uma
síntese entre a criação científica e literária. Textos
literários ganham DNA e viram seres na realidade,
refletindo a própria autonomia de uma obra. Ada
(nome alusivo a Ada Byron, filha do poeta inglês e
pioneira da linguagem de programação) não se
contenta com sua natureza de poema, mas quer intervir
no mundo criando também e gestando outro ser com
Eleazar (nome referente a um alquimista). Como no
quadro Drawing hands (1948) de Escher e no ouroborus,
um vínculo metaficcional (BERNARDO, 2010) faz com
que criador e criatura produzam “uma zona de
vizinhança”, “um componente de fuga que se furta à
sua própria formalização” (DELEUZE, 1997). Enquanto ela
tem como nome original Phosphorus – aquela que
“porta a luz”, como Lúcifer; ele se caracteriza pelo sopro
de sua voz, metonímia de seu poder inventor. Podemos
associá-la ao elemento fogo e ele ao ar, substâncias
símbolos da regeneração e da vida invisível, como da
composição e frutificação, respectivamente
(GHEERBRANT; CHEVALIER, 1982). O relacionamento
entre eles concebe um bebê-sereia em um ovo,

267
Connelly, o qual crescerá à medida que se alimenta
exclusivamente de ficção, dos seres engendrados.
Depois, Connelly se envolve com um jornalista,
Benjamín, que estabelece um devir-sereia e se entrega
nos mundos fabricados por seu amado. Promovendo
uma crítica à heteronormatividade (BUTLER, 2016), a
conexão amorosa entre um tritão e um humano aponta
para uma sexualidade outra, na qual cada um ingere
um pequeno pedaço do companheiro. As águas em
que eles imergem escavam camadas insondáveis de
metaficção, repetindo a dinâmica do quadro do pintor
holandês, mas desta vez o casal simboliza a água –
fonte de vida, purificação e revivificação – e a terra –
matriz do caos primordial (GHEERBRANT; CHEVALIER,
1982). Essa alquimia ficcional transgride dualidades e
culmina na renovação, sinalizando a sempre possível
porta para o amor à criação, à leitura e à alteridade,
temática política, que germina novas alternativas de
resistir e viver.

Marcelle Ferreira de Siqueira

TRAÇOS DO GÓTICO EM LYGIA FAGUNDES TELLES

Este trabalho tem como objetivo principal a


análise do conto “Venha ver o pôr do sol” (1970), da
escritora brasileira Lygia Fagundes Telles em cotejo com
o conto “O barril de amontillado” (1846), do escritor

268
norte-americano Edgar Allan Poe, sob a perspectiva da
literatura gótica, isto é, baseando-se no estudo da obra
que deu início ao estilo gótico, O castelo de Otranto
(1764), de Horace Walpole. Estabelece-se como meta
investigativa a verificação da existência de traços do
Gótico literário anglo-saxão na literatura brasileira
contemporânea, contemplando a ideia da amplitude
da ficção gótica através da intertextualidade entre os
referidos contos. A condição inerente a todos os textos
de serem originários de outros textos, com base nas
teorias de Edward Lopes e José Luiz Fiorin em Dialogismo,
polifonia, intertextualidade, nos possibilita averiguar,
elencar e relacionar as semelhanças entre os referidos
contos de Lygia e de Poe. Neles, as atitudes dos vilões e
os destinos das vítimas parecem seguir um modelo
diegético semelhante. Além do enredo de “Venha ver o
pôr do sol” nos remeter ao de “O barril de Amontillado”,
desde o título até o desfecho, ambos os contos são
dotados de vingança, vilania, sadismo e outras
temáticas presentes no Gótico, em destaque o locus
horribilis, a figura do vilão, a presença do passado que
retorna para assombrar o presente e a donzela em
apuros. Assim, através da elucidação do gênero literário
e de resumo dos contos, destacando excertos que
contribuem para a visualização dos elementos góticos

269
comuns a eles, podemos perceber o diálogo textual
entre os mesmos.

Márcio Henrique de Almeida Soares

SOCIEDADE MONSTRUOSA: A REPRESSÃO DAS MEMÓRIAS


HOMOAFETIVAS EM FERIADO DE MIM MESMO, DE SANTIAGO
NAZARIAN

Desde o início da História conhecida das


civilizações associa-se ao outro, ao invasor, ao
desconhecido o caráter de monstro. Aquilo que diverge
do nosso mundo cotidiano é encarado de antemão,
mesmo nos dias atuais por muitas pessoas, como
monstruoso. Não poderia ser diferente com a literatura
fantástica que, em sua representação de nossos medos
e angústias, costuma atribuir um aspecto
profundamente negativo ao fenômeno que se instaura
nesse mundo cotidiano (TODOROV, 1970). Ocorre, no
entanto, que é nossa visão deturpada da realidade a
verdadeira responsável, muitas vezes, pelos atributos
negativos que supostamente vemos no outro e que,
muitas vezes também, representam algo que não
aceitamos em nós mesmos. Sendo assim, quando Joël
Malrieu (1992) afirma que monstruoso não é o fenômeno
fantástico em si, mas a sociedade em que ele se
manifesta, o autor está afirmando, ao mesmo tempo,
que aquilo que tomamos por monstruoso pode ser, na
realidade, um desvio da norma que prova justamente o

270
quanto essa norma é cruel. Considerando isso, podemos
dizer que Santiago Nazarian destaca a crueldade de
uma dessas normas – a heteronormatividade – em seu
romance Feriado de mim mesmo (2005). Nesta obra, um
mundo heteronormativo parece levar o protagonista da
história à repressão de memórias homoafetivas,
repressão essa que será diretamente responsável pela
caracterização do fenômeno como monstruoso na
narrativa. É a dificuldade de lidar com a própria
sexualidade que leva o protagonista a ver o outro como
monstro e são as normas sociais vigentes em seu mundo
que, em última instância, o levam a essa dificuldade,
constituindo elas, então, o verdadeiro monstro. Deste
modo, o que procuramos investigar neste trabalho é
como a manifestação do fenômeno fantástico no
romance de Nazarian dá voz às pessoas homoafetivas à
medida que revela um lado monstruoso da própria
sociedade.

Marcio Markendorf

APOCALIPSE VAMPIRO: A MONSTRUOSIDADE PANDÊMICA EM THE


OMEGA MAN
O romance de Richard Matheson, Eu sou lenda (I
am legend, no original), inscreve-se em uma vertente
narrativa gótica, sendo reconhecido como uma das
mais importantes obras de ficção do século XX. Sua
relevância para o imaginário contemporâneo é

271
sublinhada pelo número de adaptações
cinematográficas já realizadas desse texto ficcional, a
saber: Mortos que matam (The Last Man on Earth, 1964,
Ubaldo Ragona e Sidney Salkow), A última esperança
da Terra (The Omega Man, 1971, Boris Sagal) e Eu sou a
lenda (I am legend, 2007, Francis Lawrence). Publicada
pela primeira vez em 1954, a obra literária tem como
ponto de foco a solidão do protagonista, Robert Neville,
frente a um cenário pós-apocalíptico produzido pela
pandemia de um vírus desconhecido. Conforme a
narrativa, a consequência da irrupção pandêmica é a
subtração quase total da vida em escala planetária,
restando apenas três grupos distintos, estrutura ficcional
mantida nas adaptações: a) o herói Robert Neville, por
alguma razão imune ao vírus; b) os infectados,
destituídos de humanidade por tornarem-se figuras
vampirescas; c) outros sobreviventes, portadores do
vírus, cujo conhecimento o protagonista só tem ao final
do romance, tratados como possuidores de uma
doença crônica e assistidos por medicamentos que
impedem a transformação em vampiros. Logo, há três
classes sociais em funcionamento e em luta, a de
monstros-vampiros (doentes), a de humanos-em-
potência-de-vampiro (portadores do vírus) e a de
humanos (restrita a um único homem saudável),
desejando os não-monstros-ainda construírem uma

272
sociedade alternativa, constituindo-se como a maioria
ou a norma daquele contexto. Interessa a esta
comunicação debater aspectos da monstruosidade em
contextos de contágio e contaminação, sobretudo em
cenários de epidemias e pandemias, nos quais
dispositivos biopolíticos de poder são empregados de
forma mais severa. Recusando justificativas religiosas
para cenários de catástrofe – a peste como punição
divina ou aviso celeste, por exemplo –, as narrativas da
modernidade apresentam explicações laicas para as
calamidades, condições que permitem a inserção de
aspectos políticos, bélicos ou ecológicos no substrato
ficcional. Por esse caminho, não é difícil compreender a
doença como uma metáfora, como bem haveria de
destacar Susan Sontag em A doença como metáfora,
tampouco isentar a presença da enfermidade das mais
diversas expressões da violência, como defenderia
Antonin Artaud no ensaio O teatro e peste. Tais sentidos
figurados implicam, ainda, a caracterização do corpo
doente sob a experiência do abjeto, bem como sua
aproximação com a representação monstruosa, uma
vez que convoca signos do perigo, da impureza e da
contaminação (pus, catarro, vômito, sangue, fezes,
feridas). Considerando a comunhão entre biopolítica e
o imaginário horrorífico a proposta deste trabalho é
efetuar uma leitura do apocalipse vampiro

273
especificamente na adaptação The Omega Man,
estrelada por Charlton Heston, discutindo o aspecto
estético e político da narrativa.

Marcus Vinícius Lessa de Lima

“UM NOVO MUNDO QUE VEJO”, REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO E O


INSÓLITO EM APARIÇÃO, DE VERGÍLIO FERREIRA

A partir dos textos de Marisa Martins Gama-Khalil


e Fernando Alexandre de Matos Pereira Lopes, presentes
no volume O espaço literário na obra de Vergílio
Ferreira, buscamos analisar como o romance Aparição,
assinado pelo mesmo Vergílio Ferreira e publicado pela
primeira vez em 1959, apresenta a percepção do
espaço pelo narrador autor-ficcionalizado de um modo
que corrobora sua leitura segundo as teorias do
fantástico. Nesse âmbito, compreendendo o insólito
com Lenira Marques Covizzi, como aquele elemento
que faz irromper o “inverossímel, incômodo, infame,
incongruente, impossível, infinito, incorrigível, incrível,
inaudito, inusitado, informal”, objetivamos buscar
aproximações entre esse romance e o discurso insólito,
considerando os mecanismos de desnormatização
discursiva mobilizados na escrita vergiliana. Esses
mecanismos estariam inscritos tanto no domínio do
desvio da norma, segundo Mukarŏvsky, quanto no da
desautomatização e do efeito de estranhamento,
segundo Chklóvsky, quanto ainda no choque

274
transgressivo entre duas ordens inconciliáveis postuladas
pelo próprio texto, conforme propõe Rosalba Campra.
Para essa leitura, recorreremos ao ensaio Da
fenomenologia a Sartre, de Vergílio Ferreira, e ao texto
sartriano A transcendência do Ego, bem como às
observações do autor português nos volumes
publicados de seus diários (Conta-Corrente I-V), de
modo que possamos debater acerca da intuição de si
para si no âmbito dos estudos da fenomenologia e do
existencialismo sartriano. Conforme o narrador de
Aparição, “[a] presença de mim a mim próprio e a tudo
o que me cerca […] é de dentro de mim que a sei”.
Acreditamos que é essa consciência de si próprio que
operará como elemento deflagrador de uma
percepção insólita do espaço ficcional, ressaltando o
caráter vertiginoso, fantástico e absurdo (para usarmos
vocábulos caros a Vergílio Ferreira) da autoconsciência
e da existência humanas.

Maria Bernadette Porto

TÃO LONGE E TÃO PERTO: REVENDO CORPOGRAFIAS MONSTRUOSAS


EM PRODUÇÕES LITERÁRIAS FRANCÓFONAS (ANTILHAS E QUEBEC)

À luz de Cohen (2000), considera-se que o corpo do


monstro é sempre cultural: pelo seu caráter híbrido e
proteiforme, a monstruosidade não seria uma metáfora
das Américas inacabadas, marcadas pelos processos
de crioulização e transcultura? Expressão da inquietante

275
estranheza que nos habita, tais seres longínquos e
próximos provocam no pesquisador o deslocamento
propício à revisão da noção de essencialismo identitário.
Fugindo do controle e da previsibilidade, o monstro
constitui um desafio à razão. Trata-se da representação
do irrepresentável (JEUDY), ligada à capacidade de
invenção discursiva da espécie fabuladora (HUSTON).
Como os mitos, os monstros também viajam da Europa
para o Novo Mundo, como salientou Hanciau (2004) a
respeito da feiticeira, a cuja figuração poderia ser
acrescentada a da vampira (HÉBERT). Dotados também
de mobilidade, seres do Vodu se deslocam da ilha para
o continente: é o caso de Bizango (PÉAN) e Erzulie
(OLLIVIER). Ainda no campo da expressão de autores
migrantes no seio da literatura quebequense, será dado
relevo à presença da zoopoética no imaginário do
escritor e dramaturgo de origem libanesa Wajdi
Mouawad. Em seu romance Anima (2012), a sugestão
do devir animal se faz presente através do olhar de
diferentes animais-narradores, em uma narrativa
polifônica que nos leva a questionar as fronteiras entre o
humano e o monstruoso.

276
Maria Claudia Maia Brasil

A ESCRITA DO DESEJO: RESSONÂNCIAS FANTASMÁTICAS EM


GRADIVA
A proposta dessa comunicação é a de trabalhar
a interseção entre os campos da psicanálise e da
literatura tomando como ponto de partida a novela
Gradiva, de Jensen. Tal narrativa foi escolhida por ser
uma referência de Freud para sua pesquisa sobre
delírios e sonhos como formações do inconsciente. Ele
trabalha, numa divisão entre normal e patológico, como
traços infantis do inconsciente até então adormecidos
são atualizados diante de algum encontro epifânico
que joga o sujeito-personagem numa realidade
delirante e monstruosa. Gradiva, como fato literário,
atinge em cheio o leitor, presentificando neste os
sentimentos experimentados pela personagem numa
medida em que se atestam efeitos até os dias atuais.
Gradiva retorna e renasce a cada (re)leitura ou criação
de artistas, os mais díspares e de diferentes campos: de
Salvador Dali a Roland Barthes, passando por Umberto
Eco, por exemplo; Vera Caspary, autora norte-
americana, escreveu um romance inspirado no de
Jensen e depois vertou sua ficção em roteiro do filme
noir Laura. Nesse sentido, o encanto de Freud por essa
narrativa se faz acompanhar de uma série de outros
criadores, submetidos ao gozo e à fruição da

277
experiência artística como sendo da ordem de uma
outra temporalidade. O conceito de literatura-mundo
fica aqui melhor explicado nas palavras de Maria
Graciete Gomes da Silva: uma literatura e suas
ressonâncias de leitura são como um “modo de ler que
é um modo de ser”. Entram em jogo nessa análise os
desdobramentos entre a leitura singular de um universal,
entre um tempo cronológico e um tempo denominado
lógico (tempo do desejo), entre o duplo narcísico e sua
alteridade. Como referência teórica para o campo da
psicanálise, trabalharei basicamente com S. Freud e
Jacques Lacan; em relação à análise literária, o
conceito de literatura mundo em sua relação com o
campo da literatura comparada terei como referência
a já citada Maria Graciete, além de David Damrosch,
um dos principais teóricos desse conceito.

Maria Conceição Monteiro

O INUMANO, A MORTE, O ESPECTRO

Em uma moldura sustentada pelo pensamento


feminista e pela fenomenologia do inumano, é possível
pensar a morte e o corpo-morto que retorna, ou seja, o
espectro ou monstro, como uma forma que se revela
para o mundo através da arte. Uma arte, como a
literatura e o cinema, que vai, em uma perspectiva da
imaginação poética, fazer do monstro uma metáfora,

278
um corpo fluido, centrífugo. O espectro que retorna do
“vale da morte” pode ser compreendido através da
vulnerabilidade do meu próprio corpo, sempre
incompleto, em processo de ser ou de não mais ser. Esse
espectro será sempre monstruoso por ser um corpo
estranho, que surge do além, ainda que da minha
consciência. Caracteriza-se pela experiência de uma
inversão, uma interioridade e uma exterioridade
desordenadas, exibindo a própria monstruosidade, que
é, por sua vez, constitutiva do elemento do horror. E a
morte, minha desconhecida, é a musa da filosofia. A
percepção de que não existem fronteiras seguras
marca o terreno da inumanidade. Faço do monstro ou
espectro, representativo do corpo-morto e da
imaginação mórbida em Pedro Páramo (1955), de Juan
Rulfo, o eixo axial deste ensaio. Através de Emily Brontë,
Juan Rulfo, Julio Cortázar, Horacio Quiroga e Ingmar
Bergman, experiencia-se o encontro com a morte,
como uma impossibilidade que se faz possível. Esses
escritores, mais o cineasta sueco, se preocupam não
apenas com a construção do corpo na narrativa, mas
com sua constituição material e com seu efeito, pois
tratam de corpos constituídos por uma multiplicidade de
organismos, forças, energias, desejos e memória.

279
Maria Cristina Batalha

VOZES DO ALEM EM O SEGREDO DA MORTA, DE ANTÓNIO DE ASSIS


JÚNIOR

Este trabalho tem por objetivo discutir a


relevância do romance O Segredo da Morta, de
António de Assis Júnior, surgido inicialmente em folhetim,
no jornal A Vanguarda, em 1929, e posteriormente
publicado em forma de livro pela editora A Lusitânia, em
1934. Formado na tradição do jornalismo, única forma
possível de inserção do intelectual na Angola colonial,
António de Assis Júnior é considerado pela crítica como
o iniciador do romance nesse país. Trazendo como título
uma ambiguidade desconsertante, O segredo da
morta, (romance de costumes angolenses), deixa que a
descrição dos costumes e das mazelas da sociedade
colonial seja tomada progressivamente pela palavra
literária e pela imaginação que ficcionaliza a realidade
ao seu redor. O elemento que introduz a fantasia é a
presença do sobrenatural, responsável por mesclar os
dois mundos, combinando a preocupação com a
historicidade e a fábula imaginativa que ilustra e, ao
mesmo tempo questiona a vocação documental. A
presença da marabilia no universo apresentado como
real introduz uma fissura na realidade, diluindo as
fronteiras entre a História e a lenda, e problematiza o
discurso racionalista. A voz do além ganha, assim, a

280
dimensão daquilo que podemos nomear de realismo
maravilhoso, ou realismo animista, particularidade da
ficção africana, conforme nos sugere Pepetela, em Lueji
(1989).

María José Lucas Rosso

MONSTRUOS SOCIALES, MONTRUOS DITÓPICOS, SIMPLEMENTE


MONSTRUOS

Las sociedades son creadoras de sus propios


monstruos imaginarios. También monstruos reales
capaces de inducir a sus propios miembros en un
abismo de terror y destrucción. Las sociedades
distópicas creadas por Golding en El señor de las
moscas o la trilogía de Atwood Maddaddam coinciden
en este aspecto con las sociedades por nosotros
conocidas. Aquella que albergó a Victor Frankenstein y
su criatura, también dio vida a su propio monstruo.
Bronfenbrenner en su teoría ecológica, define a la
sociedad en relación al individuo como una especie de
muralla, desarrollada en torno a él, protegiéndolo y
sustentándolo en su desarrollo. Si es el entorno quien
protege y cobija, también es el entorno el que da vida a
la creación monstruosa. ¿Pero quiénes son los
verdaderos monstruos en estas obras? Los pequeños
perdidos en la isla tras un accidente aéreo que los deja
abandonados a su suerte, actúan como una
representación en miniatura de la sociedad a la que

281
pertenecieron una vez. Esa misma sociedad que no
pudo resolver sus conflictos sin caer en el grotesco
paisaje de la guerra, es la que dejó crecer en estos niños
aquellos miedos ancestrales que nos acompañan desde
siempre. Los niños identifican el miedo con la soledad, la
oscuridad, lo invisible, probado por la antropología entre
los mitos universales En el mundo de la psique infantil los
monstruos representan esos miedos primitivos. En el
mundo adulto, los miedos se transmutan y transforman.
Parecen alejarse de lo primitivo pero simplemente se
esconden en la profundidad de nuestra conciencia. Tal
disfraz viste atuendos de científico en Victor y Crake. En
el caso de Victor, el monstruo creado por la sociedad es
aquel que fue capaz de buscar vencer el más básico de
los miedos, el miedo a morir. En su intensa búsqueda por
la supervivencia de la humanidad, se transforma en el
creador de un individuo al que no puede amar.
Johnston en Traumatic responsibility: Victor Frankenstein
as creator and casualty, analiza al monstruo creador
incapaz de asumir su responsabilidad, de analizar su
situación sin sentir el horror que sus propias acciones le
provocan. Se arrepiente y busca redención en la muerte
de su monstruo. Por el contrario, Crake es
perfectamente capaz de actuar sin arrepentimiento.
Basa sus supuestos en la supervivencia como analiza
Ingersoll en “Survival in Margaret Atwood's Novel Oryx

282
and Crake”. Es una clase de monstruo conocido, que
atrapa con su intelecto y conocimiento. Su
monstruosidad reside en su conciencia de superioridad
creada por una sociedad que ha empoderado a la
ciencia y la segregación. Una sociedad que somete al
entorno y a sus individuos. El desprecio con que hemos
tratado a nuestro entorno lo conduce a la dual
perversidad destructivo-creadora del exterminio de su
especie y la creación de una nueva capaz de
armonizar. Harari ha estudiado este costado oscuro de
la humanidad en Sapiens: De animales a dioses
poniendo de manifiesto nuestros rasgos monstruoso y
perversos. Monstruos distópicos. Monstruos psicológicos.
Monstruos sociales. Los monstruos de estas obras solo
difieren en su calidad corpórea o abstracta, pobladores
de nuestra realidad y fantasía.

Maria Zilda da Cunha


Maria Auxiliadora Fontana Baseio

O CONTO DE FADAS EM JOGO DE LUZ E SOMBRA

Sabe-se que o imaginário é fonte caudalosa da


arte, habitat de formas primordiais que põem em
circulação imagens arquetípicas aptas a se revestirem
em conformidade com a cultura e o contexto histórico
em que se inserem. Essa instância coletivamente
construída procede sinalizando sentimentos, valores,
identidades, elementos capazes de despertar

283
encantamento nos leitores. Temas, motivos, imagens,
figuras, transitam entre diferentes sistemas semióticos,
sendo permanentemente relidos e ressignificados a
partir de uma imaginação criadora que tem papel
projetivo na linguagem narrativa, configurando
problemáticas humanas. O conto de fadas, ao operar
com tensões existenciais e universais do homem, é
capaz de colocar, em jogo de luz e sombra, as questões
do bem e do mal. O embate do bem e do mal, em
quase todas as culturas, constitui questão premente, em
suma, um pacto fenomênico que, se traduzido em
forma pictural, exibe um espetáculo da vida de forma
plástica e de profundo efeito estético. Se tomarmos a
etimologia da palavra luz, esta deriva do latim luce e
pode significar claridade, luminosidade, brilho. A
palavra sombra, do latim umbra, significa espaço sem
luz ou obscurecido pela interposição de um corpo
opaco. No dicionário de Símbolos, "a luz se relaciona
com a obscuridade para simbolizar valores
complementares ou alternantes de uma evolução. Luzes
e trevas (do latim tenebra: escuridão absoluta)
constituem, de modo geral, uma dualidade universal. A
sombra é ao mesmo tempo o que se opõe à luz, é a
própria imagem das coisas fugidias, irreais e mutantes”.
De fato, de natureza insondável e inescrutável, o mal
manifesta-se na forma de uma experiência de

284
contraste. A bem da verdade, há um enigma que
engendra as relações bem e mal – luz e sombra. Um e
outro possuem forças e componentes absolutos e
relativos. Tal enigma, seguramente, tem encontrado
espaço privilegiado no tecido das mais instigantes
narrativas ficcionais. A Bela e a Fera é um conto de
fadas francês que se desloca por diferentes culturas e
tempos, sendo permanentemente recriado, podendo
ser relido a partir dessas duas manifestações
contrastivas. Nosso intuito, neste trabalho, é analisar, a
partir dos instrumentais dos estudos comparados de
literatura, as figurações do bem e do mal como duas
instâncias engendradas pelo espírito fabulador dessa
narrativa em diferentes versões – a escrita por Marie
Leprince de Beaumont (1711-1780) e os diálogos
intertextuais e intersemióticos com a série da ilustradora
Eleanor Vere Boyle (1825-1916) dedicada a esse conto e
a versão de Rui de Oliveira -, analisando o lastro
espiritual que guarda vínculo com essas complexas
tensões que envolvem a experiência humana.

285
Marília Westin

HOMEM, MONSTRO, ANIMAL: FRONTEIRAS E ART ICULAÇÕES

Entende-se como monstruoso tudo aquilo que é


contrário à natureza, desse modo, para refletir sobre as
figurações das monstruosidades na literatura, parece ser
preciso compreendermos os limites atravessados por
esses viventes ou, para falar com Haraway, analisar as
acoplagens possíveis no contínuo naturezacultura e suas
consequências para a categoria do humano, cada vez
mais questionável. Ler os pares natureza e cultura como
uma só palavra passa pela necessidade emergente de
não pensar o humano nem como aquele cujo corpo é
exclusivamente pertencente à cultura nem, para dar um
passo à frente, como uma simples articulação entre
elementos de humanidade e animalidade, mas pensar
a articulação em si e, junto com ela, sua potência
destituinte, o ponto de contato entre os elementos
dessa dicotomia, as lacunas na qual eles se
indeterminam e a desintegram. Conforme observado
por Agamben e também por Discroll, a humanidade
existe na medida em que separa de si o animal que a
sustenta. A repressão da animalidade enquanto forma
de regulagem do corpo parece ter a função de
estabelecer como princípio de existência do humano a
negação daquilo que o fundou. Aquele que, para além
de destoar do que foi construído como humano,

286
também o extrapola, é inserido na categoria do
monstruoso. A literatura, assim como a antropologia e a
filosofia, tem se mostrado um espaço extremamente
potente para pensar as questões que emergem a partir
do despedaçamento do corpo que, apesar de não ser
mais percebido enquanto categoria estática e imutável,
precisa respeitar os limites reguladores que protegem a
soberania do que foi construído como humano. A
metamorfose aparece como potência dessa relação,
pois é aquilo que escapa, transita, transiciona e articula
o paradoxo que constitui a humanidade ao complexo
cruzamento de feixes ontológicos, para falar com Iser e
Nodari, do ato de leitura. Nesse sentido, em “Teleco, o
coelhinho” e em “Alfredo”, de Murilo Rubião, o que
parece estar em jogo, a partir da metamorfose, são
outras validações do real capazes de torcer o espaço
dos signos homem e humano por permitir que seu
significante seja ocupado por mais de uma
materialidade corpórea. Assim, ao evidenciar o caráter
equívoco do humano, Murilo Rubião abre espaço para
questionarmos também a categoria da monstruosidade,
forjada sobre o pressuposto de enquadrar tudo aquilo
que ameaça a humanidade do animal homem.

287
Mariana Henrique da Silva

O CONCEITO DE SUBLIME EM EDMUND BURKE E O CONTO “O GATO


PRETO” DE POE

Essa comunicação se insere na área da Estética


e na linha de pesquisa que examina as relações entre
filosofia e literatura. Por essa razão, visa estudar quais
aspectos do conceito de “Sublime” que Edmund Burke
descreve em Uma investigação filosófica sobre a origem
de nossas ideias do sublime e do belo, auxiliam na
interpretação da obra O gato preto de Edgar Allan Poe.
O conto de Poe se adentra no gênero da literatura
fantástica de horror, mas pensamentos filosóficos
percorrem vários trechos do escrito e com eles, surgem
questões que circulam pela mente do narrador durante
uma série de acontecimentos. As indagações filosóficas
apresentadas no conto de Edgar Allan Poe indiciam
uma narrativa ficcional debruçada sobre as
ambiguidades e os paradoxos das paixões. Na mesma
direção Edmund Burke, no século anterior, examina em
sua obra, as principais paixões humanas. A análise
dessas paixões descritas pelo filósofo Burke, em seu livro,
mostra seus efeitos que advém da dor ou prazer, sendo
que o conceito de “Sublime” caracteriza as paixões que
causam dor. Visto que Edgar Allan Poe apresenta
diversas questões filosóficas em seu conto, a
comunicação tem a intenção de averiguar quais são

288
elas e apontar correspondências com o conceito de
“Sublime” de Edmund Burke. O horror descrito por Poe
na sequência de acontecimentos do conto tem
inúmeras características do conceito de Burke. Essa
comunicação pretende descrever os aspectos do
“Sublime” de Edmund Burke encontrados no conto de
Edgar Allan Poe, fazendo uma análise das relações
entre a filosofia e a literatura.

Mariana Saba Warrak

MAL, CRIME E A REPRESENTAÇÃO DE MONSTRUOSIDADES HUMANAS


EM CONTOS DE RUBEM F ONSECA

Esta comunicação tem como objetivo identificar


e descrever as relações existentes entre Mal e
Monstruosidade e propor a leitura de certos
personagens como “monstros humanos”: seres humanos
que perpetuam transgressões físicas e morais, tornam-se
agentes de medo, e se transformam em
monstruosidades, tamanha a desumanidade de seus
atos. Neste trabalho, esses aspectos serão analisados no
âmbito da Literatura de Crime brasileira, partindo da
apresentação e discussão de contos de Rubem
Fonseca. Para entendermos os processos de construção
dessas personagens, aqui entendidas como monstros
humanos, faz-se necessário levantar as características
que permitem caracterizar o monstruoso em
determinadas personagens, compreender as diferentes

289
formas de manifestação do Mal, e descrever as relações
entre esses dois aspectos – Mal e Monstruosidade – na
ficção, sobretudo a partir da representação de crimes e
outros tipos de transgressão cometidos pelas
personagens. As concepções de Monstruosidade
apresentadas nesse trabalho fundamentaram-se,
sobretudo, no ensaio de Jeffrey Jerome Cohen (2000),
“A cultura dos monstros: sete teses”, em que são
apresentados possíveis sentidos assumidos pelas figuras
monstruosas. Com relação aos estudos sobre o Mal,
foram analisados ensaios de Todd Calder (2013) e Peter
Barry (2009), que permitiram estabelecer certos
predicativos, que seriam indicação de manifestações
do Mal. Os contos de Rubem Fonseca selecionados
para esta comunicação são “Henry” (1963), “O
Cobrador” (1979) e “Passeio Noturno – I e II” (1975). A
análise dessas narrativas sustenta as hipóteses que serão
apresentadas neste trabalho, uma vez que elas
apresentam protagonistas transgressores, que podem
ser entendidos como monstruosos, cujos atos podem ser
considerados como manifestações do Mal.

290
Mariana Silva Franzim

O MONSTRUOSO NO ESPAÇO FAMILIAR EM HOUSE OF LEAVES

No presente artigo exploraremos a casa como


elemento insólito na ficção. Podemos listar uma série de
narrativas onde a casa assume um caráter monstruoso,
tais exemplos não se limitam a um gênero: são
encontrados na literatura gótica, como O Castelo de
Otranto (1764) de Horace Walpole, passando por A
Queda da Casa de Usher (1839) de Edgar Allan Poe,
chagando até as artes visuais, como em A casa ao lado
da ferrovia (1925) de Edward Hopper. Em Das
Unheimliche (1919) Freud analisa o termo que dá título
ao ensaio, inicialmente através da investigação
etimológica, apresentando uma variedade de
significados. É possível traduzir o termo como
inquietante, estranho, sinistro. Para compreender seu
significado nos voltamos para o seu oposto. Tirando o
prefixo de negação un, temos a palavra heimlich,
relacionada ao familiar, conhecido, secreto e oculto.
Unheimlich caracteriza aquilo que é não-familiar,
estrangeiro, não secreto ao mesmo tempo em que é
aquilo de mais familiar, íntimo. Anterior ao ensaio
freudiano, o adjetivo unheimlich já intrigava o imaginário
germânico e outros autores, como Ernst Jentsch, já
haviam se dedicado a explorar seus significados. Várias
dessas análises aproximam o termo ao espaço da casa:

291
a casa unheimlich é a casa assombrada, possuída.
Partiremos do estudo de Freud acerca do inquietante
na tentativa de elucidar a condição monstruosa da
casa na obra House of leaves (2000) de Mark Z.
Danielewski. A narrativa gira entorno de um
documentário que narra a história do fotojornalista Will
Navidson que se muda para uma nova casa com a sua
família. Ocorre um abalo quando Navidson percebe
uma incongruência entre as medidas das partes externa
e interna da casa. A situação se torna cada vez mais
aterradora conforme Navidson busca ajuda para se
certificar da medição e a impossível diferença é
reafirmada. O caráter monstruoso se confirma ao
encontrar um hall de 10 pés na parede que divide dois
quartos vizinhos. Este espaço se altera, produz sons e
escuridão e passa a dominar a narrativa com o horror
através da imposição do impossível. O livro é estruturado
de uma maneira insólita: percorremos uma série de
narrativas encaixadas. Lemos a história do
documentário a partir dos escritos de Zampanò, velho
cego, obcecado pelo documentário que nunca pôde
ver. Zampanò escreve uma síntese das análises
publicados a respeito do documentário. Nós entramos
em contato com os escritos de Zampanò através dos
olhos de Johnny Truant, aprendiz de tatuagem que
aluga o apartamento de Zampanò após a sua morte e

292
se torna obcecado pelos escritos. O autor satiriza a
escrita acadêmica, ao se apropriar de seus métodos de
citação como atestado de veracidade, aplicando essa
fórmula a uma série de textos inexistentes. As notas de
rodapé, ora de Zampanò, ora de Truant, se acumulam e
povoam todo a obra gerando um texto com diversos
narradores que se sobrepõem e se acotovelam.
Entendendo o fantástico enquanto modo, e utilizando a
conceito de metaempírico de Filipe Furtado,
buscaremos recursos para analisar o caráter monstruoso
da casa nesta obra inquietante.

Mariana Vidal de Vargas

UM JEITO ESPECIAL DE CONTAR PARA CRIANÇAS

Era uma vez uma mulher que amava ler e


escrever e que, desde pequena, enfrentava sentimentos
fortes e pensamentos confusos com coragem e
determinação. Por meio da escrita, esse barulho todo,
que acontecia dentro dela, transformou-se em diálogo
com infinitas pessoas e ela se tornou a Clarice Lispector.
Um dia, já poderosa e conhecida, ela passou a escrever
para os seus filhos, que pediam histórias para eles
também. A pedido-ordem de Paulo, Clarice escreveu O
mistério do coelho pensante. Um livro sem nenhum mal,
nenhum monstro, nenhuma bruxa. Uma raridade! O
mistério da história é o mistério da convivência da gente

293
com todos os outros seres do planeta: não sabemos o
que se passa na cabeça das outras pessoas e dos
bichos. Em outros livros infantis da autora, encontramos
o mal, mas não é a figura do mal, concretizada em
personagens planos como tradicionalmente se faz. É a
ruindade que em maior ou menor grau todos carregam
dentro de si. O presente trabalho busca, portanto,
analisar a peculiaridade com a qual Clarice Lispector
incorpora o mal nas suas narrativas infantis - dentre as
quais destacamos Quase de verdade e A mulher que
matou os peixes. As considerações são propostas em
contraste com as regularidades apresentadas por Nelly
Novaes Coelho, em Literatura infantil: teoria, análise e
didática, e em diálogo com o estudo de Bruno
Bettelhein, em A psicanálise dos contos de fadas.
Entendemos ser fundamental lançar luz sobre o valor e o
poder da literatura infantil a fim de defender seu espaço
dentro das escolas, sobretudo no período de transição,
proporcionado pela alfabetização, em que o aluno
passa também a ser leitor e, não mais, ouvinte da leitura
do adulto.

294
Marina Sena

SYMPATHY FOR THE DEVIL: A CONSTRUÇÃO DA EMPATIA


NARRATIVA EM DARKLY DREAMING DEXTER (2004) E DEXTER
(2006)

Os estudos dedicados ao tema da empatia, no


campo da psicologia e da neurociência, têm se
mostrado úteis para se pensar como se estabelecem
vínculos emocionais entre personagem e leitor em
narrativas ficcionais. Interessa principalmente, para o
presente trabalho, a definição de empatia em seu
sentido amplo: tentar colocar-se na posição em que o
outro se encontra, estabelecer uma ideia das sensações
e sentimentos por ele vivenciados e, assim, ser capaz de
experimentar, até certo ponto, as mesmas emoções. A
partir dessa definição, as reflexões teóricas de Suzane
Keen (2006), pesquisadora que busca aproximar a
psicologia dos estudos literários, apontam para o fato de
que a empatia que sentimos por pessoas reais é muito
similar àquela experimentada, por nós, em relação a
personagens ficcionais. Partindo dos estudos de Keen
(bem como dos de Paul Bloom e de Simon Baron-
Cohen), esta comunicação foca-se, essencialmente, na
ficção de horror e tem interesse em entender por que
somos capazes de empatizar com personagens
monstruosas e transgressivas. De forma mais específica,
como desenvolvemos tais vínculos com psicopatas e
serial killers na ficção. A hipótese deste trabalho é que

295
tal processo é possibilitado por alguns recursos narrativos
– tais como espaço e caracterização de personagem –
que criam um ambiente seguro para que possamos
empatizar com monstruosidades e, em certa medida,
experimentar as mesmas sensações que elas
experimentam. Como estudo de caso, serão analisados,
em uma perspectiva comparada, o romance Darkly
Dreaming Dexter (2004), de Jeff Lindsay, e a primeira
temporada da série televisiva Dexter (2006), inicialmente
desenvolvida por James Mano Jr. Busca-se investigar
como se estabelecem os vínculos empáticos entre leitor
e personagem, e entre leitor e espectador. Procuramos
por diferenças entre as obras e, por fim, tentamos
explicar por que os processos empáticos – um referente
ao romance e o outro referente à sua adaptação – se
dão de formas distintas.

Marisa Martins Gama-Khalil

MÁSCARAS SOMBRIAS: OBJETOS QUE (DES)SUBJETIVAM?

Na presente comunicação pretende-se analisar


como algumas espacialidades ficcionais, dentre elas os
objetos, atuam na construção do enredo das narrativas
A máscara da morte rubra de Edgar Allan Poe, “Os
buracos da máscara” de Jean Lorrain, A máscara de
sangue de Patrícia Galvão/Pagu, “O bebê de tarlatana
rosa” de João do Rio e Seis vezes Lucas de Lygia

296
Bojunga. É preciso destacar inicialmente que os objetos
configuram-se como materialidades espaciais.
Entendemos que o espaço ficcional possui enorme
importância na constituição de sentidos da narrativa
literária, uma vez que os fatos ficcionais só conseguem
erguer-se a partir de uma localização que lhes dê
suporte e significação. Essa importância do espaço não
se encerra apenas no plano da caracterização das
personagens ou da paisagem geográfica, mas pode
também ser entendida como uma forma de manifestar
ficcionalmente as práticas ideológicas do contexto
enfocado ficcionalmente pela narrativa. Nosso objetivo
será verificar através de quais procedimentos as
construções espaciais delineiam o efeito estético do
insólito nessas narrativas fantásticas. Dentre essas
construções espaciais, interessa-nos investigar com
maior acuidade os próprios objetos enquanto espaços,
bem como será imprescindível verificar os espaços que
se encontram no entorno dos objetos analisados. Como
em muitas narrativas a relação entre sujeitos
(personagens) e objetos ultrapassa a mera posse,
sugerindo uma afinidade além das delimitações
demarcadas, cabe pesquisar as práticas de
subjetivação atreladas aos objetos, tomando como
base os estudos foucaultianos. É de relevância também
compreender os procedimentos por meio dos quais os

297
objetos configuram o insólito nas narrativas e para tanto
serão articuladas noções que advém de estudos
teóricos relacionados às imagens, como o punctum,
teorizado por Roland Barthes no campo da fotografia; e
a imagem-afecção e a rostização, estudadas por Gilles
Deleuze no âmbito da linguagem fílmica. Por meio
desses procedimentos, buscaremos estudar as formas
pelas quais os objetos não só tornam-se o centro da
narrativa, mas como eles instauram o insólito.

Marlova Soares Mello

ALTERED CARBON: A MONSTRUOSIDADE DOS CORPOS EM


SUBSTITUIÇÃO SERIAL

No mundo de Altered Carbon (série da Netflix de


2018) a morte não é simples, nem a existência humana,
em vida. A mente é digitalizada em um chip chamado
“cartucho cortical”, transferível de corpo para corpo
(agora chamado “capa”) conforme necessário – ou, se
o indivíduo tiver bastante dinheiro, conforme desejar. O
resultado disso é que os corpos se tornam cada vez mais
desacoplados das consciências dos sujeitos. Desse
modo, o futuro da série apresenta uma realidade na
qual a “carne” é apenas mais uma mercadoria, uma
veste para a mente. No entanto, essa transferência da
consciência torna a fragmentação da identidade
apenas mais visível e crítica. Entram em cena espécies
de ciborgues-espectros, que não são nem humanos,

298
nem inumanos, com corpos nem totalmente orgânicos,
nem complemente artificiais. A morte só é real quando
o cartucho é destruído, ou quando o indivíduo não
possui poder aquisitivo para fazer o “frete” de sua
consciência. Assim, os temas centrais dessa série são
classe socioeconômica e imortalidade (ou
sobrevivência espectral), assim como o corpo
substituível. Essas questões afetam os sujeitos,
categorizados em: terroristas (os subversivos que
questionam a imortalidade); aliados do Protetorado (os
potenciais imortais, que acatam ou impõe as regras); e
os outros, aqueles que estão na camada
socioeconômica mais baixa, que não tem poder de
escolha, mas apenas aceitam os corpos fornecidos pelo
Estado. Neste trabalho, analisaremos o protagonista
Takeshi Kovacs, em especial, no contexto de
reprodução de corpos apresentado nesta adaptação
audiovisual, comparando alguns elementos dessa
construção físico-mental monstruosa aos evidenciados
na obra literária, do escritor Richard K. Morgan. Para isso,
tomaremos como base a discussão teórica acerca de
ciborgues desenvolvida por Donna Haraway; do novum
da Ficção Científica, de Darko Suvin; da prótese, do
suplemento e dos espectros, pensada por Jacques
Derrida e David Wills, entre outros. Portanto, propomos
pensar o entendimento de corpo, de consciência e de

299
humano, nessa obra, a partir dos questionamentos que
ela motiva: o que é o indivíduo, neste caso: seu corpo
ou sua mente, ou então a complexa junção transitória,
provisória, de ambos? Que tipos de estranhamentos, de
monstruosidades e de reconfigurações essas trocas e
amálgamas desencadeiam? E de que maneira nos
fazem refletir sobre o presente, através de nossa leitura
da narrativa de ficção científica?

Maria Inês Freitas de Amorim

CORPO E IDENTIDADE: O CABELO COMO SÍMBOLO DE RESISTÊNCIA

Tido como sustentáculo da beleza, o cabelo


pode ser considerado como uma das partes do corpo
que mais traços afirmativos de personalidade conferem
a um indivíduo. Os cabelos, pelas múltiplas
possibilidades de manipulação, como pintura e
alisamento, podem ser instrumentos de apagamento de
traços ancestrais, sobretudo quando visam à
adequação a um padrão de beleza construído a partir
de relações de poder. Mas, também, podem ser meios
de expressão de identidade e resistência, sobretudo por
irem de encontro a estes padrões. Em uma sociedade
racista, que considera e estereotipa o cabelo do negro
como algo feio ou “ruim”, ressignificar a beleza dos
cabelos crespos, mais do que evidenciar a beleza real
desse tipo de cabelo, representa uma forma simbólica

300
da conquista da identidade negra. O presente trabalho
tem como objetivo apresentar uma análise comparativa
entre os contos “Fios de ouro”, de Conceição Evaristo e
“Pixaim”, de Cristiane Sobral, evidenciando como em
ambas narrativas o cabelo assume o papel de
representação da conquista da autonomia e
resistência. No conto “Fios de ouro”, publicado no livro
História de leves enganos e parecenças, de 2016, a
partir de elementos do real maravilhoso, Conceição
Evaristo apresenta a trajetória de Halima, mulher
escravizada e cujos cabelos eram raspados pelos
senhores que se achavam seus donos. Aos poucos,
nasciam fios de ouro de seus cabelos, que propiciaram
a compra de sua alforria e de diversas mulheres e
homens escravizados. Em “Pixaim”, conto publicado na
coletânea O tapete voador, de 2016, Cristiane Sobral
apresenta como a narradora-personagem conquista a
sua liberdade e sua autoestima a partir da
ressignificação de sua relação com seu cabelo. A
análise proposta foi embasada na leitura de autoras
que debatem a relação entre identidade de gênero e
relações raciais, como Davis (2016; 2017) e Ribeiro
(2018).

301
Marta Dantas

AS MONSTRUOSIDADES HUMANAS EM DIA DO JUÍZO, DE ROSÁRIO


FUSCO

Segundo Michel Foucault em Os anormais (2002),


a noção de monstro é essencialmente jurídica, ele é
uma violação das leis da sociedade e das leis da
natureza. Mas o que é anormal? O que é monstruoso? O
pecado é crime? Pertence às leis da natureza ou da
sociedade? Quem tem autoridade para julgar os atos
alheios? Em que medida a construção do juízo é a
construção da verdade? Quem é o perverso? Não
seriam as perversões angelicais? A narrativa fusquiana,
em Dia do Juízo (1961), ao explorar o submundo de uma
cidadezinha interiorana e o drama de Jandorno e
Primavera, levanta essas e tantas outras questões ao
mesmo tempo em que desvela a hipocrisia que une
instituições como a família, a igreja, a polícia e a justiça.

Maximiliano Torres

“NA CABEÇA PREGOS/DE SENCAIXADOS”: MONSTRUOSIDADE


RESSIGNIFICADA EM E SE EU FOSSE PUTA, DE AMARA MOIRA

Em E se eu fosse puta (2016), Amara Moira,


entendendo que “as vidas transgênero são evidências
do desmonte de quaisquer linha de determinismo causal
entre sexualidade e gênero” (BUTLER, 2017, p.712),
apresenta suas experiências no processo de
readequação sexual e a entrada na prostituição. Se,

302
como já nos disse Michel Foucault, a sexualidade serve
de cenário para descrever a maneira como os sujeitos
constroem suas identidades e direcionam suas
condutas, os 44 capítulos dessa narrativa – junção de
crônicas e poemas originalmente publicados em seu
blog –, por sua vez, ampliam e renovam o olhar sobre os
corpos entendidos como abjetos, aos quais se nega o
estatuto de “pessoa”, cujas vidas “monstruosas” não
merecem ser vividas. Em acordo com o pensamento de
Judith Butler, o livro, numa crítica à heteronormatividade
compulsória, nos leva a refletir sobre a percepção do
senso comum, que entende que “a regulação implícita
de gênero acontece por meio da relação explícita da
sexualidade” (BUTLER, 2017, p.710) e que a naturalização
do binarismo humano X inumano – representado nas
categorias homem X mulher, masculino X feminino,
heterossexual X homossexual – sedimenta a interpelação
fundante pelo caráter performativo da linguagem.
Nesse sentido, ao apresentar a multiplicidade –
ininteligível à lógica binária – como possibilidade, E se eu
fosse puta ressignifica e subverte termos e corpos, ao
desestruturar um edifício conceitual e sistemático de
subjetividades e objetivações que, através de sua força
performativa de produção de sujeitos, estabelece
relações diretas de diferença entre o normal e o
anormal.

303
Maylah Longo Gonçalves Menezes Esteves

DUPLO E O FANTÁSTICO EM UMA LEITURA COMPARADA ENTRE


MACHADO DE ASSIS E EDGAR ALLAN POE

A presente comunicação tem como proposta


pensar os estudos do fantástico e do duplo em dois
expoentes da literatura mundial, o americano Edgar
Allan Poe (1809-1849) e o brasileiro Machado de Assis
(1839-1908), através da análise comparativa de contos
menos conhecidos de ambos os autores, que podem
ajudar a contribuir para o entendimento da literatura
fantástica oitocentista. A saber os contos escolhidos de
Machado “A decadência de dois grandes homens”
(1873), “As academias de Sião” (1884) e a “Igreja do
Diabo” (1884); e, de Poe, “Metzengerstein” (1832), “O
Rei Peste” (1835) e o “Diabo do Campanário” (1839).
Levando em conta, como base teórica, a hesitação
todoroviana, o duplo mítico de Nicole Fernandez Bravo
(BRUNEL, 1997) e as críticas sociais imbuídas nos contos
de ambos os autores, (CESERANI, 2006). O presente
resumo pretende conduzir a comunicação acerca da
teoria do fantástico e do duplo, levando em
consideração o fantástico do século XIX, ao qual o
teórico búlgaro-francês Tzvetan Todorov irá teorizar em
Introdução à literatura fantástica. É sabido que muito se
avançou quanto aos estudos do fantástico, culminando
em David Roas, escritor e teórico, que concorda que o

304
fantástico é uma modalidade narrativa, que prestigia
sobretudo a forma, a sinestesia, sinédoque, hipérboles e
outras figuras de linguagem, que ambientam a
hesitação. Por esse termo cunhado por Todorov, a
hesitação seria a dúvida que o leitor tem depois de ler
um conto fantástico oitocentista, se houve ou não o
sobrenatural na narrativa. Pretendemos mostrar que
nessas narrativas há reminiscências góticas, cuja
ambientação trouxe muito ao fantástico, o noturno, o
horror, o terror e a tensão que perpetua por todo a
narrativa, que ambos os autores aqui estudados
escolheram a modalidade do conto (CUNHA, 1998).
Ainda levantamos a questão do quanto o brasileiro leu
das obras poeanas e de que modo essas possíveis
leituras influenciaram em seus contos fantásticos,
lembrando que há indícios que Machado tenha lido
Poe, conforme atestam inserções em seus textos (como
o conto “Só!” de 1885) e a tradução de “The Raven”
(1845); “O Corvo”, na tradução machadiana de 1883.
Portanto, levantaremos essas questões durante a
comunicação, afim de enriquecer os estudos
comparativos acerca do gótico, do fantástico, do
maravilhoso e, principalmente, de como o duplo se
comporta nas obras fantásticas oitocentistas.

305
Milena Lourenço da Silva

AS FRONTEIRAS FANTÁSTICAS DO MONSTRO UNGOLIANT: A ARANHA


DE TOLKIEN

Esse trabalho tem como objetivo analisar um dos


tantos monstros criados por J. R.R. Tolkien, em sua
trajetória literária. Ao criar o grande monstro Ungoliant,
Tolkien também criou uma complexa linhagem
aracnídea responsável por transcorrer as páginas de
muitas de suas obras, chegando em O Senhor dos Anéis,
do qual escreveu entre 1937 e 1949. Nos objetivamos a
analisar a composição de tal monstro, visando um
monstro complexo e cultural, característico do reflexo
da sociedade na segunda guerra mundial, contexto
onde estava inserido no seu processo de criação. Se
alinhando com a questão da fronteira, Ungoliant
representa a vinculação entre homem e mostro, a divisa
do eu e do outro por assim dizer, trazendo
evidentemente também em seu corpo monstruoso, o
levantamento da representação da fronteira na
Fantasia enquanto vertente do modo fantástico,
transpassando o gótico por seu caráter sombrio e o mito
pela correlação entre a aranha e Kali, deusa negra na
India. Nos baseamos em pesquisa bibliográfica tendo
como referencial teórico nomes como Jeffrey Jerome
Cohen, James Donald e David Bay.

306
Monique Pereira da Silva

A REPRESENTAÇÃO DE L AVÍNIA: BELEZA E MON STRUOSIDADE

A partir de um olhar sobre a representação da


mulher na tragédia de William Shakespeare, buscamos
explorar elementos associados à violência de gênero,
que constroem o insólito na trajetória da personagem
Lavínia, na obra Titus Andronicus, extrapolando os limites
da razão, na medida em que a obra evidencia os
extremos abusos e expõe uma representação de como
não deve ser o corpo, questionando o modelo de
feminilidade daquele tempo. Considerando os tipos de
agressão relatados na obra, analisaremos a
personagem numa abordagem que discuta as
condições de vida das mulheres no século XVI,
sobretudo na sociedade europeia, dando enfoque às
questões históricas e socioculturais que a permeiam, a
fim de compreender o processo de construção da
violência misógina na sociedade patriarcal. A peça
interessa à pesquisa que atualmente desenvolvemos no
mestrado por apresentar situações evidentes de
violência, culminando em feminicídio: Lavínia é descrita
como uma mulher belíssima; mas, por conta de uma
vingança contra o seu pai, ela é estuprada e mutilada,
numa descrição que expõe um ambiente no qual
encontramos personagens despidos da moral e da
compaixão humanas, que agem como verdadeiros

307
monstros, todos em busca de vitória numa guerra
pessoal. A personagem é descrita de forma grotesca,
não possui suas mãos e sua língua; o seu estupro e os
seus abusadores, de forma pesada e animalesca,
escarnecem com crueldade da mulher. A selvageria
feita com Lavínia está muito próxima da maneira como
foi tratada a personagem do mito grego de Filomela,
questão que permitirá que aproximemos as duas
narrativas. A composição da personagem Lavínia e
desse tempo monstruoso se dão através dos elementos
estéticos que representam os excessos dos homens
sobre a personagem, pois, até certo ponto, os homens
detinha o poder sobre as mulheres, dentro de um
discurso ideológico que legitimava a violência contra o
feminino. Tudo isso, se repete em ciclos que expõem
episódios de violência cada vez mais graves e intervalos
menores entre essas fases até aproximar-se do
desfecho, e seu pai a convence a ajudar a matar e
cozinhar os seus agressores, que serão servidos como
recheios de uma torta, numa cena de canibalismo
involuntário, permeada de elementos insólitos,
envolvendo a mãe dos violadores e os demais
convidados do banquete. Mesmo assim, Lavínia é
aniquilada de forma extraordinária pelo pai, porque
deve lavar a honra de sua família. A personagem vai
morrendo em um corpo intolerável, sobrenatural e

308
desfigurado, findando no seu sentido mais negativo e
ambíguo: um corpo feminino que é vítima, carregado
de ódio e de repulsa alheios, numa série de assassinatos
em busca de justiça. Para tanto, recorreremos às
análises de autores como Bárbara Heliodora, Coppelia
Kahn e Georges Duby.

Nabil Araújo

“COMO SE FAZ UM MONSTRO”: (RE)FIGURAÇÕES DE ANTÔNIO


CONSELHEIRO (EM OS SERTÕES, AQUÉM, ALÉM)

No capítulo IV de “O homem”, painel central do


tríptico que compõe Os sertões (1902), de Euclides da
Cunha, reconstitui-se biograficamente a trajetória pela
qual Antônio Vicente Mendes Maciel, “moço infeliz de
Quixeramobim”, vem a se tornar Antônio Conselheiro, o
célebre líder sertanejo que entrará para a história como
personagem principal da Guerra de Canudos (1896-
1897). A narrativa de Euclides tem seu ápice numa
seção significativamente intitulada “Como se faz um
monstro”, na qual se relata, nos seguintes termos, o
surgimento do Conselheiro: “E surgia na Bahia o
anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros,
barba inculta e longa; face escaveirada; olhar
fulgurante; monstruoso, dentro de um hábito azul de
brim americano; abordoado ao clássico bastão em que
se apoia o passo tardo dos peregrinos... [...] Tornou-se
logo alguma coisa de fantástico ou mal-assombrado

309
para aquelas gentes simples. Ao abeirar-se das
rancharias dos tropeiros aquele velho singular, de pouco
mais de trinta anos, fazia que cessassem os improvisos e
as violas festivas. Era natural. Ele surdia – esquálido e
macerado – dentro do hábito escorrido, sem relevos,
mudo, como uma sombra, das chapadas povoadas de
duendes...”. Interessa-me aqui o caráter excepcional
dessa figuração monstruosa do Conselheiro. Numa
tradição imagológica posterior, Antônio Conselheiro
figurará sobretudo como líder sertanejo revolucionário,
quiçá um herói, “chefe de um povo que preferiu a
morte à submissão a uma ordem social injusta” (Paulo
Emílio Martins. A reinvenção do sertão, 2001). Segundo
Edmundo Moniz, no já clássico Canudos: a guerra social
(1978): “Ninguém melhor do que Antônio Conselheiro
representa a corajosa obstinação, a sabedoria intuitiva,
o espírito combativo e a resistência heroica do sertanejo
brasileiro”. Em relatos anteriores a Os sertões, Antônio
Conselheiro fora figurado sobretudo como um
“fanático”, seja um “benemérito fanático”, como em O
rei dos jagunços (1899), de Manuel Benício, seja “Um
fanático sem crença nem fé”, que “Com capa de santo
enganava / Ao bom povo d’aquele sertão”, como em
Canudos, história em versos (1898), de Manuel Pedro das
Dores Bombinho. Mas nunca como “monstro”, nos
termos em que o faz Euclides. Esta comunicação focará,

310
portanto, o processo de figuração de Antônio
Conselheiro como personagem monstruosa em Os
sertões, marco fundamental de nossa literatura, em
contraste com (re)figurações anteriores e posteriores
desta “mesma” personagem.

Nathalia Sorgon Scotuzzi

H. P. LOVECRAFT E JOHN CARPENTER: ALIENÍGENAS E


MONSTRUOSIDADES

Um dos pontos temáticos da obra do escritor


norte-americano H. P. Lovecraft mais reconhecidos e
comentados são seus monstros peculiares e inéditos.
Cthulhu, abominação apresentada no conto “O
chamado de Cthulhu”, por exemplo, é um dos monstros
mais conhecidos da cultura pop dos séculos XX e XXI.
Apesar disso, a crítica comumente considera apenas um
grupo de seus monstros como paradigma para toda a
sua obra: seres gelatinosos e tentaculares, impossíveis de
serem descritos com precisão. O primeiro ponto
abordado por essa comunicação é demonstrar que
Lovecraft apresentou, no percurso de sua carreira,
diferentes tipos de monstruosidades, por vezes amorfos e
inomináveis, como a criatura do conto “O inominável”,
mas por outras descritos cientificamente, como os Elder
Things descritos na novela “Nas montanhas da loucura”.
Pretendemos, assim, nesse primeiro momento, elencar
cada uma dessas categorias de monstruosidades a

311
partir das reflexões de Luiz Nazário e Noël Carroll. Após
essa análise, observaremos como essas categorias de
monstruosidades foram utilizadas pelo cinema de John
Carpenter em sua chamada “trilogia do apocalipse”,
que é formada pelos longas “The Thing” (1982), “Prince
of Darkness” (1987) e “In the Mouth of Madness” (1995).
Os três filmes – em maior ou menor grau – mostram a
influência do cineasta pela obra de Lovecraft, e assim
analisaremos como a construção dos monstros de
Carpenter evidencia essa influência quando transposta
da literatura para o cinema. Tal análise se alinha com a
12ª proposta do referente simpósio, “monstruosidades
em obras autorais”, ao arguirmos a respeito das criaturas
criadas por Carpenter sob o ponto de vista da influência
de H. P. Lovecraft.

Nathan Sousa de Sena

A METAMORFOSE COMO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA


PERSONAGEM MONSTRUOSA EM CORALINE, DE NEIL GAIMAN

Este trabalho tem como objetivo analisar o


processo de metamorfose do monstro protagonista na
narrativa Coraline, de Neil Gaiman. A metamorfose,
nessa narrativa, é um elemento tão presente que
impregna a estrutura da obra de aspectos do
maravilhoso, sendo importante ressaltar que, como
atesta Marina Warner, a metamorfose é uma marca
definidora da narrativa maravilhosa: a partir dela,

312
elementos constantes na estruturação dos contos de
fada se constroem, modificando e estruturando todo o
enredo narrativo. A análise da obra em questão
observará a transformação ocorrida com a personagem
em diferentes âmbitos: forma, natureza e estrutura do
ser, até as modificações espaciais decorrentes dela.
Assim, levar-se-á em conta o processo metamórfico,
focalizando a origem e o desenvolvimento gradual da
mudança de aparência física, caráter e aspecto
psicoemocional do ente em questão, a figura do
monstro. O mal se apresenta como possível justificativa
para essa transformação em figura monstruosa, o que
implica compreender, sobretudo, o reflexo – a
reverberação de traços da maldade que caracteriza o
ser humano, envolto em fragilidades e limitações que
precisam ser superadas, o que ocorrerá ao final da
narrativa. De certa forma, como afirma José Gil, os
monstros são necessários para que os homens melhor
compreendam sua humanidade, monstros que
exprimem metaforicamente desejos, anseios, medos dos
seres de um determinado tempo e espaço, na visão de
Jeffrey Jerome Cohen. A superação do mal nessa
história pode significar a redenção da natureza humana
que, ao apresentar tais traços malignos, necessita de
medidas que a redimam. Importante salientar que cada
época, cada sociedade configura e reconfigura o mal

313
e suas representações, como se vê nos estudos de
Cohen. Seguindo por Zigmunt Bauman, percebe-se que,
atualmente, a sociedade humana vive imersa em
angústias, medos líquidos de tempos extremos,
preenchidos de intolerâncias e violências. Compreender
e refletir sobre esses males que assombram a
humanidade, por meio da análise do mal com foco na
personalidade monstruosa em Coraline, é o intuito
principal dessa pesquisa.

Nêmia Ribeiro Alves Lopes

A MULHER E O MITO: REPRESENTAÇÕES DA MULHER MONSTRUOSO E


DEMONÍACA NA OBRA ATIRE EM SOFIA DE SÔNIA COUTINHO

O romance Atire em Sofia pode ser analisado


tendo em vista a perspectiva de uma fábula mística e
um lugar de fala do outro, conforme propõe Nízia
Villaça (1996), revelando um universo que retrata a
imagem da mulher em relação a figuras míticas ao
longo de toda a obra. Sendo assim, observamos na
ficção da autora baiana Sônia Coutinho, a presença de
personagens monstruosas como animais diabólicos, que
remetem a diversos elementos da mitologia grega,
africana, judaica, e figuras monstruosas presentes nas
artes, como o “Jardim das delícias” ou a “Tentação de
Santo Antônio” do pintor mítico Jerônimo Bosch. O que
se observa é a possibilidade de uma leitura da narrativa,
observando o mito e o sobrenatural como uma alegoria

314
do real. Sendo assim, é mister compreender quais
implicações das imagens monstruosos e do mito no
romance Atire em Sofia, da autora baiana, Sônia
Coutinho, tendo em vista a representação da mulher
sob a voz de narradores masculinos, bem como, sob o
olhar da autoria feminina.

Nicole Ayres Luz

SADE, PRECURSOR DE JOGOS MORTAIS

Este trabalho tem por objetivo comparar a obra


Os 120 dias de Sodoma, escrita no século XVIII pelo
polêmico Marquês de Sade, à saga de filmes Jogos
Mortais, dos anos 2000. As armadilhas fatais do torture
porn são semelhantes às “paixões” sanguinárias da obra
do marquês. Ambas contêm cenas de tortura e jogos
mentais. Tanto os libertinos sadianos quanto Jigsaw
possuem um projeto arquitetado de aprisionamento e
dominação dos corpos e das mentes de suas vítimas.
Enquanto Jigsaw possui originalmente uma proposta
moralista e desafia suas vítimas a vencer suas provas,
possibilitando-lhes uma saída com vida, os libertinos não
oferecem escolha às vítimas: elas devem se submeter às
regras criadas ou são punidas com castigos cruéis e
fatais. A saída possível, em Sade, é tornar-se libertino,
assim como há a possibilidade de passar de vítima a
criador dos jogos, como é o caso da personagem

315
Amanda. Ela se revela, aliás, uma verdadeira sádica,
não deixando saída possível para os participantes,
deleitando-se ao vê-los definhar, mas é punida por
Jigsaw por descumprir as regras. Procuramos, assim,
comparar a filosofia do mal dos libertinos com a do
psicopata Jigsaw, apontando suas semelhanças e
diferenças. Contamos, para isso, com os conceitos de
torture porn, estilo que parece fazer sucesso no cinema,
e de sadismo, que é definido clínica e literariamente.
Consideramos também os protagonistas das obras
como tipos de monstros morais e avaliamos os possíveis
efeitos estéticos provocados no leitor, que deve, em
determinado grau, aderir às obras, o que nos faz
questionar sobre seu próprio sadismo.

Nini Johanna Sánchez Ávila

LO MONSTRUOSO NEOFANTÁSTICO DE SACRILEGIO: LA


MONSTRUOSIDAD EN LOS UMBRALES

Sacrilegio es una novela colombiana escrita en el


año 2009 por Simón Jánicas, seudónimo que mantiene
al autor en el anonimato hasta ahora, y es editado por
Diente de León. Sacrilegio desarrolla un relato que oscila
entre lo distópico y el horror sobrenatural: se trata de
una novela que nos ubica a comienzos del siglo XXI en
un momento de cambio histórico que da lugar a una
guerra santa que cambiará el panorama de la
humanidad y generará una nueva historia y una visión

316
distópica del mundo en el año 2335. El relato gira en
torno a los indígenas Iseieke que se configuran como
sabios que trascienden el concepto de unidad del
sujeto para hacerlo múltiple a través de los siglos y
buscan llevar a la raza humana a nuevo orden mundial.
En la novela tanto el concepto de sujeto como el de
ambiente se transforman constantemente construyendo
dobles, avatares y fusiones (se mezclan diferentes
naturalezas humanas, animales y vegetales); además,
aparece una Cosmópolis monstruosa denominada
Ayrebarke, una ciudad abisal donde todos los caminos y
los mundos convergen en todos los tiempos y realidades
posibles, un espacio de oscuridad profunda que se
muestra en tonos de negro y es sólo visible a los iniciados
en sus secretos. Así, la ciudad y la selva convergen
como catalizadores de la muerte y la vida que emana
la una de la otra. A partir de esa particular forma de
representación de lo humano otro, de lo humano
monstruoso y múltiple, se plantea un análisis que aborde
las formas de monstruosidad latentes en el relato y que
pueden llevar a reconocer una estética neofantástica.
Para soportar esta propuesta de la monstruosidad
neofantástica se establecerá relación con las
propuestas de: Jean Baudrillard en su texto El
intercambio simbólico y la muerte (1992), a partir del
cual se retoma la noción de simulacro. De otra parte, se

317
referirá el texto de Omar Nieto, Teoría general de lo
fantástico. Del fantástico clásico al fantástico
posmoderno (2013) para establecer una relación con las
concepciones de sujeto y realidad que se ubicarían en
lo posmoderno o lo neofantástico; este último concepto
se vinculará desde la propuesta de Jaime Alazraki,
(2001) “¿Qué es lo neofantástico?”. Finalmente, se
busca establecer relación con poéticas específicas de
lo fantástico que permitan reconocer los rasgos de estas
nuevas narrativas como en el caso del texto de Luiz
Fernando Ferrerira Sá, “Por uma poética espectral: John
Milton e Jacques Derrida” (2012).

Pablo Oliveira Souza

A MONSTRUOSIDADE DA ANTAGONISTA EM O OCEANO NO FIM DO


CAMINHO, DE NEIL GAIMAN
Neste trabalho, discutiremos sobre a
monstruosidade da antagonista no romance fantástico
O Oceano no Fim do Caminho, de Neil Gaiman. A obra
relata a história de um menino de sete anos cuja vida é
afetada por uma entidade vinda supostamente de
outro mundo, pertencente à categoria das criaturas
denominadas pulgas. Em um primeiro momento, trata-se
de um ente sobrenatural similar a uma máscara de lona
cinza que fixa um parasita ao coração do garoto. Sem
sucesso, ele tenta remover o verme por completo e
acaba deixando um pedaço do monstro em si. A

318
criatura, então, retorna como Ursula Monkton, a babá
que cuidava da casa enquanto os pais ausentes
trabalhavam. Simpática com todos, exceto o menino,
obtém a confiança da casa e nutre um relacionamento
extraconjugal com o pai da criança, gerando,
consequentemente, desavenças no núcleo familiar.
Filipe Furtado, em A Construção do Fantástico na
Narrativa (1980), afirma, de maneira sintetizada, que a
história fantástica surge a partir de um monstro e uma
vítima, como é o caso na obra de Gaiman. Desde o
princípio, a pulga é tratada, pelo menino, como a
responsável pela atmosfera negativa da casa, a partir
do momento em que introduz, durante o sonho, uma
moeda na garganta do menino. Ao acordar, ele é
incapaz de compreender o que aconteceu, gerando a
hesitação, elemento crucial para irrupção do fantástico
segundo Todorov. O clímax da narrativa dá-se no
momento de enfrentamento entre o garoto e a criatura,
culminando em um final relativamente favorável após a
prevalência do protagonista. Como suporte teórico,
utilizaremos obras de Filipe Furtado e Julio Jeha para
tratar da monstruosidade, além de abordamos a teoria
literária fantástica proposta por Todorov, Ceserani,
Gama-Khalil, entre outros.

319
Patricia Marouvo Fagundes

NO RASTRO DE PERCIVAL EM THE WAVES

O romance The Waves (1931) de Virginia Woolf é


narrado pelas vozes das seis personagens Bernard,
Neville, Louis, Jinny, Susan e Rhoda, da infância à
velhice, apresentando os ciclos da vida humana em
comunhão plena com os ciclos da natureza, da vida
desembocando na morte e da mesma ressurgindo
ainda como vida. Em meio ao enredo, Percival destaca-
se como a sétima personagem, cuja voz, no entanto,
nunca chega a ressoar no texto, vigorando como força
imperial no corpo de um jovem herói cujo falecimento a
metamorfoseia na potência daquilo que jamais chegou
a totalmente incorporar e conquistar, sendo relegado
ao plano sempre presente de uma figura espectral
sobre a qual as personagens falam e que usam como
medida para suas próprias vidas. Tanto em vida como
em memória, sua ubiquidade conecta a todos em
especial nas cenas dos jantares, onde a alteridade
encerrada em cada corpo transborda no corpo do
outro e diferentes perspectivas se desdobram uma na
outra no modo como Percival por elas é lido e relido.
Essa influência espectral se dá de maneira liminar, pois
coaduna todas as frustrações, potencialidades,
magnanimidade, banalidade, tanto em vida como em
morte, que nele são projetadas, revelando o tom que a

320
própria autora, em seus diários, havia imaginado como
uma elegia, um canto fúnebre da morte prematura e
auspiciosa de Percival na Índia quando cai de seu
cavalo. Este trabalho tem como proposta desenvolver a
imagem-questão que é essa personagem silenciosa,
atentando para seu caráter espectral como fio
condutor da obra para pensar o humano e o inumano.

Pedro Puro Sasse da Silva

A AMEAÇA AO INDIVÍDU O E O INDIVÍDUO COMO AMEAÇA:


MONSTRUOSIDADES NA FICÇÃO DISTÓPICA E PÓS-APOCALÍPTICA

O termo distopia, empregado inicialmente para


descrever um tipo de narrativa popularizado por
romances como Nós (1924), de Ievguêni Zamiátin, 1984
(1849), de George Orwell, ou Admirável mundo novo
(1932), de Aldous Huxley, flexibilizou-se com o passar do
tempo, sendo utilizado para abarcar em uma mesma
categoria obras tão díspares quanto o alegórico Senhor
das moscas (1954), de William Golding, e o cyberpunk
Neuromancer (1984), de William Gibson. Essa abertura
do conceito acaba possibilitando o enquadramento,
sob uma mesma etiqueta, de narrativas que, muitas
vezes, apresentam temáticas e estruturas não só
díspares, mas contraditórias, dentre as quais
destacamos a ficção pós-apocalíptica. Popularizada
por obras como a franquia cinematográfica Mad Max,
de George Miller, ou a recente série de quadrinhos

321
adaptada pela AMC, The Walking Dead, a ficção pós-
apocalíptica tem uma sólida tradição literária que
remonta a obras como The Last Man (1826), de Mary
Shelley e After London (1885), de Richand Jefferies,
sendo, dessa forma, anterior mesmo ao gênero com o
qual é associada. Buscamos, assim, neste trabalho,
ressaltar alguns dos elementos opositivos entre a ficção
distópica e a pós-apocalíptica, focando-nos, sobretudo,
na drástica diferença em relação à construção das
monstruosidades em ambos os gêneros: enquanto, para
a distopia tradicional, a individualidade é característica
distintiva do herói, que desperta e se opõe a um
coletivismo monstruoso, na ficção pós-apocalíptica,
pelo contrário, é justamente a queda da sociedade
organizada e a ascensão do individualismo anárquico
que possibilitarão o surgimento das monstruosidades
típicas do gênero. No entanto, levando em conta que a
reunião das obras sob uma mesma categoria não se dá
sem motivos, desejamos refletir, ainda, sobre as
características que possibilitam essa aproximação,
mantendo como foco as relações entre indivíduo e
sociedade.

322
Priscila Vieira de Oliveira Miranda

MARIA FIRMINA DOS REIS E RUTH GUIMARÃES: RESISTÊNCIA E


INTERROGAÇÃO AO CÂNONE

A pesquisa está inserida no Programa de Pós-


Graduação em Letras e Linguística da área de Estudos
Literários, da UERJ, Campus São Gonçalo, orientada
pela Profa. Dra. Norma Lima e tem por finalidade
evidenciar a condição de minorias como o negro e
como as obras são recebidas pela academia. Ao refletir
sobre a literatura de resistência ao cânone podemos
remeter a várias obras de literatura brasileira, entretanto
serão destaques em nosso estudo e reflexão as obras
das autoras Maria Firmina dos Reis, mulher e negra do
século XIX, com a obra Úrsula e Ruth Guimarães, mulher
e negra do século XX, com a obra Água Funda; vendo-
as como elementos fundamentais na construção da
identidade do leitor. Em Úrsula e Água Funda a
abordagem da presença do desconhecido de forma
mais humanizada faz de suas narrativas subversivas. A
presença do negro de alma boa nas obras evidencia o
paradoxo que há. Maria Firmina, num século onde não
se pensava em debater resistência e discriminação faz
de sua obra uma resistência à visão da classe
dominante no tocante ao negro e à mulher. Ruth
Guimarães faz de suas narrativas um tom pessoal,
fazendo do folclore, dos mitos uma mensagem à

323
sociedade brasileira. Na análise dessas duas obras
destacaremos pontos que unem e separam as autoras
supracitadas e destacaremos sua relevância para a
literatura brasileira, pensando, sobretudo numa literatura
afro brasileira e de minorias. Essas obras fortalecem a
importância de olhar para as literaturas quem não
reproduzem uma visão homogênea de sociedade:
patriarcal, branca, hétero. Para tanto, costurarão e
descosturarão conceitos em torno desses trabalhos.

Queli Carneiro Davanço

O ESPAÇO DA CLAUSTROFOBIA EM “O BARRIL DE AMONTILLADO”,


DE EDGAR ALLAN POE

No conto “O barril de Amontillado, de Edgar


Allan Poe, Montresor narra a sua história de vingança
sobre Fortunato, sem dizer o porquê exato do motivo de
sua vingança, somente revelando o fato de ter sido
insultado e por essa razão jurar vingança. Na folia do
Carnaval na Itália, Montresor comenta com Fortunato
sobre um barril de Amontillado, que tinha comprado
sem saber se realmente era autêntico e precisava de
alguém que teria o conhecimento de vinhos; Fortunato
com grande animação logo aceita a proposta que era
endereçada a ele e com a fantasia de arlequim, já
embriagado, foi para a casa vazia de Montresor. Na
adega, o caminho até o “Amontillado” é feito por
questionamentos de Fortunato sobre o Montresor, e

324
repetidamente Montresor sugere que ele não
continuasse o caminho; Fortunato, não dando ouvidos,
pede para continuar e logo eles chegam a uma cripta
profunda, onde as paredes são feitas de restos
humanos. Fortunato é facilmente acorrentado no fundo
da cripta e Montresor fecha sua única saída com
pedras e cimento. O alvo da pesquisa é analisar, nesse
conto de Poe, a construção de uma atmosfera
assustadora trazida pelos elementos do espaço, como a
presença topofóbica crescente desde a entrada na
adega até o final do conto. Pelo rápido resumo que
expusemos acima, pode-se perceber o quanto a
ambientação do conto torna-se monstruosa pelo fato
de o autor oferecer a nós, leitores, uma construção
espacial que prima pela disforia e pelos elementos
negativos e soturnos. Para trabalhar essa questão,
conduziremos nossa análise com base nos estudos de
Filipe Furtado e Marisa Gama-Khalil sobre o espaço na
literatura fantástica, bem como na noção de topofobia
exposta por Borges Filho.

Rafael Muniz Sens


Débora machado gonçalvez

O ESPAÇO DO HORROR BRASILEIRO EM NEVE NEGRA, DE SANTIAGO


NAZARIAN

As figuras monstruosas possuem uma relação


complicada com a crítica tradicional brasileira de

325
literatura, em principal pela dificuldade de delimitar a
produção propriamente nacional dos empréstimos
estrangeiros. Em seu romance Neve negra, de 2017, o
autor Santiago Nazarian se dá ao trabalho de
desestabilizar esta barreira. O escritor constrói uma
narrativa que se passa no interior de Santa Catarina
durante a noite mais fria do ano. Ele explora o
fenômeno meteorológico da neve, um acontecimento
que soa muito distante da realidade de um Brasil
tropical, mas que, em suas raras recorrências, configura
um clima precisamente brasileiro. Além disso, ele evoca
a figura monstruosa intitulada de Trevoso, uma criatura
que é inspirada no imaginário de duendes europeus
misturados aos seres do trabalho folclórico do
antropólogo catarinense Franklin Cascaes. O romance
se aproxima do fantástico e do horror psicológico para
elaborar um espaço de gótico brasileiro. São retomadas
características clássicas da literatura gótica e das
narrativas de horror como a noite, a casa no escuro, a
floresta, o silêncio, os sons suspeitos, a névoa, a neve, o
frio, a solidão, a embriaguez e os crimes familiares.
Entretanto, todos estes traços passam por uma
possibilidade única da configuração geográfica,
cultural e social da cidade fictícia de Trevo do Sul, na
qual o protagonista Bruno reside com a família. Por estes
motivos, propomos uma apresentação e leitura do livro

326
Neve negra, de Nazarian, como a defesa de uma
literatura de horror satisfatoriamente “brasileira”. Para
isso, analisamos os espaços, as imagens, os monstros, as
crenças e os personagens selecionados de forma sagaz
pelo autor para tecer sua escrita em sua mais recente
publicação.

Rafael Vinicius Costa Corrêa

O MEDO E OS MONSTROS (IN)SÓLITOS NAS NARRATIVAS DE JOSÉ


J. VEIGA

Urubus que se tornam animais de estimação;


pessoas que começam a voar; uma pacata cidade do
interior que se vê invadida, primeiro por estranhos
trabalhadores, depois por cães e, por último, bois e um
garoto que, ao lidar com uma frustração, se vê diante
de uma ponte que leva a um lugar mágico com
cavalos alados e coloridos. Todas essas situações são
encontradas nas narrativas do goiano José J. Veiga um
dos escritores brasileiros mais associados com as
classificações do fantástico e realismo mágico no Brasil.
Essa comunicação pretende analisar como elementos
aparentemente comuns de nossa realidade são
subvertidos em medos e monstros nos relatos de Veiga,
e, em outras palavras, como os elementos insólitos e
irreais tomam o caminho contrário e agem como
paliativo dentro da narrativa, apresentando uma saída
para os personagens que estão sendo afligidos por

327
outros medos e monstros. Por fim, conduziremos essas
análises a uma leitura de nossa realidade, a partir da
construção que essas narrativas fazem do que é
monstruoso. Partindo de uma perspectiva que agrupa
muitas teorias no campo da análise literária, a pesquisa
teve como base teórica principal os estudos de David
Roas (2011-2014), Júlio França (2012A-2012B), Noel Carrol
(2005) e Irlemar Chiampi (2010) sobre o fantástico, o
realismo maravilhoso e sua relação com o medo. A
comunicação não visa classificar de forma unívoca a
narrativa de Veiga, mas, fazendo uso de um vasto
aparato teórico, revisar as definições sobre o medo e o
monstruoso, discutindo como, na narrativa de Veiga
diferentemente daquelas em que aparece o monstro
“clássico”, é possível observar, em alguns casos, objetos
e situações cotidianas tomarem o lugar do monstruoso e
sufocante; e devido a esse monstruoso “comum”, o
caminho que o maravilhoso e o insólito percorrem se
torna outro, sendo que surgem na narrativa exatamente
como uma via de escape para as demonstrações do
medo

Rafaela Carvalho

O LEITOR NO LABIRINT O: A RELEITURA LOBAT IANA NA OBRA O


MINOTAURO
Os monstros pertencem ao imaginário humano
desde tempos muito antigos. Na mitologia, encontramos

328
Quíron, ser disforme benfazejo, mas geralmente é a
malignidade que fixa o ser monstruoso no tempo e na
literatura. Ainda nos tempos antigos, há o Minotauro,
cuja história remonta à mitologia grega. Com cabeça
de touro sobre um corpo humano, o Minotauro de Creta
assinala não apenas a deformidade física, como as
intrigas e paixões que regem deuses e humanos. Em
1939, Monteiro Lobato publica o seu Minotauro,
permitindo às personagens do sítio visitarem a Grécia
antiga com o intuito de salvarem tia Nastácia das garras
do ser monstruoso. Este trabalho tem como proposta
analisar a personagem do Minotauro no contexto da
mitologia que o engendrou, comparando à retomada
que faz Lobato dessa história, uma releitura
questionadora que aponta para os estudos
contemporâneos de práticas de leitura, na esteira de
Roger Chartier, Robert Darnton e mesmo Antonio
Cândido. Objetiva-se ainda observar: a) as redes de
cruzamentos que as releituras e apropriações
possibilitam, no eixo da intertextualidade com base nos
estudos de Tania Carvalhal e Umberto Eco; b) a
construção da figura monstruosa, que assinala e
evidencia a cultura que a criou, com base nos estudos
de Julio Jeha e Jeffrey Jerome Cohen: no Minotauro
grego mesclam-se a aparência monstruosa fisicamente
disforme e a sua procriação, intercambiando dádivas e

329
promessas dos deuses com a respectiva punição à
desobediência humana, por meio da figura feminina de
Pasifae; na obra lobatiana o entrecruzamento de
tempos diferentes evidenciam os padrões culturais da
Grécia antiga e aqueles contemporâneos à escritura da
obra. A pesquisa norteia-se ainda pela fundamentação
teórica concernente à mitologia, com os estudos de
Junito Brandão, e da obra lobatiana, com base em
Laura Sandroni.

Rainério dos Santos Lima

DELÍRIO E SUBVIDA: A DESRAZÃO COMO RECUSA AO INUMANO

Em Abre a janela e deixa entrar o ar puro e o sol


da manhã, de 1968, Antonio Bivar constrói uma
dramaturgia da loucura e da exceção permanente. No
drama, Geni e Heloneida, alienadas em uma prisão-
hospício, estabelecem formas de solidariedade para
sobreviver à privação da liberdade, à perda de
memória e à expectativa de uma guerra de destruição
total. Isoladas na ilha-prisão, os únicos elos com o
mundo exterior são os carcereiros que as violentam
perversamente. Na peça, a cela é uma evidente
máquina de produção da vida nua, um dispositivo pelo
qual as duas mulheres são distendidas até o limiar entre
o humano e o inumano, entre vida ética e subvida. A
perda da memória, o esvaziamento das subjetividades,

330
a percepção turva da temporalidade, precarizam os
corpos reduzidos a funções orgânicas e produtivas: a
alimentação, o sexo e o trabalho. O único objetivo na
detenção sendo, justamente, a eterna produção de
flores de papel para funerais. Nesse contexto de
indeterminação das fronteiras entre vida ética e bios,
razão e desrazão, a loucura é o lugar heterotópico
onde, pela imaginação delirante, se pode tentar salvar
a humanidade que resta nesses sujeitos e, assim, manter
a condição de vidas passíveis de luto.
Contraditoriamente, o delírio é resultado do dispositivo
carcerário, do isolamento, das privações e da
exploração pelos agentes policiais, mas também, em
gesto profanador, no interstício entre a realidade
material e o universo onírico, é onde se pode resistir à
figuração não-humana. Pois, nas cenas de insanidade
novas memórias são narradas, outros crimes são
inventados para obliterar o horror do presente, mesmo
que os atos pretéritos, relatados confusamente pelas
mentes em desvairo, sejam tão infames quanto a vida
na clausura. A recusa a encarar o presente com os olhos
da razão, o apego à repetição inútil dos gestos
cotidianos, são atitudes agônicas perante a catástrofe
que aniquila o planeta. Uma fábula teatral que pode ser
interpretada como palimpsesto de uma sociedade
fraturada pelo regime de exceção.

331
Regina Michelli

MONSTRUOSIDADES CONTEMPORÂNEAS EM SEIS VEZES LUCAS, DE


LYGIA BOJUNGA

As obras da escritora brasileira Lygia Bojunga se


enraízam em problemáticas contemporâneas,
apresentando um processo narrativo bastante inaugural
quando se pensa na produção voltada especialmente
para o público infantil e juvenil. Seus protagonistas
vivenciam situações em que a fome, a violência, a
incompreensão familiar, o abandono, dentre outras
circunstâncias, se fazem presentes. Na obra em pauta
para este trabalho – Seis vezes Lucas – avulta um dos
sentimentos mais antigos da humanidade, assinalando a
fragilidade do homem diante de obstáculos e riscos que
significam perigo, por vezes mortal: o medo, o medo
paralisante, o terror. As sociedades antigas buscavam a
proteção de divindades como Fobos e Deimos,
respectivamente o Medo e o Terror, oferecendo-lhes
sacrifícios antes de combates, em tempos de guerra.
Outros são os recursos do ser humano em tempos cujas
guerras revestem-se da ansiedade diante do viver
cotidiano. O medo se instala: de um lado, a ameaça de
desestruturação das engrenagens sociais; de outro, a
impotência humana frente ao desejo de segurança e
permanência. Em Seis vezes Lucas, de Lygia Bojunga, o
medo é o sentimento que domina a personagem título,

332
espécie de monstro que se apossa de seu ser. Esse
sentimento é intensificado, se não provocado, pela
difícil convivência com um pai insensível, egoísta e
adúltero, evidenciando comportamentos que o
aproximam do monstro humano, aquele que não
apresenta deformidade física, mas é capaz de ferir e
causar dor em outrem. Intenta-se, na comunicação,
refletir sobre monstruosidades contemporâneas nesta
obra bojunguiana, com base em Zygmunt Bauman, Júlio
Jeha, Júlio França e Jeffrey Jerome Cohen, bem como
sobre a forma como o protagonista elabora seu mundo
interno a partir do enfrentamento do que lhe causa
profundo medo.

Regina Peixoto Carneiro

TRAUMA E MONSTRUOSIDADE NA TRILOGIA JOGOS VORAZES

A teoria do trauma começou a tomar forma no


século XIX, mas foi na década de 1990, com as
publicações de teóricos como Cathy Caruth, que
começou a ser popularizada nos estudos literários.
Caruth (1996) descreve o trauma como a marca de
uma experiência com consequências negativas que
demanda atenção até quando não é completamente
assimilada. Em alguns casos, a marca e a origem do
trauma tanto individual quanto de uma comunidade
podem ser reconhecidas de forma clara, como na

333
recorrência de pesadelos repetindo lembranças de uma
experiência de violência (por exemplo, nas guerras);
enquanto em outros elas passam despercebidas, sendo
enxergadas somente através de atos que podem
denotar uma mudança de comportamento. Tomando
como base essa teoria, pretende-se relacionar o
surgimento de monstros e atos monstruosos às
manifestações de diversos tipos de trauma existentes na
trilogia Jogos Vorazes, de Suzanne Collins, como o
trauma cultural, o trauma de sobrevivente e o transtorno
de estresse pós-traumático. Também pretende-se
verificar as proporções drásticas que tais manifestações
incitam consideradas no universo distópico. Este
trabalho busca investigar o papel do trauma e suas
representações nas três obras, situadas numa sociedade
marcada pela memória de um passado de destruição
e, consequentemente, pelo medo. Os romances
representam personagens que revelam em diversas
situações como seus traumas individuais e coletivos
transformaram quem eram e moldaram quem vieram a
ser. Assim, pretende-se analisar a possível influência do
trauma como vetor para a criação de monstros dentro
da distopia, a fim de compreender como as
experiências das diferentes personagens inseridas nesse
contexto podem ter contribuído para sua perda de
humanidade e seu senso de identidade.

334
Renata Alexsandra Albino Miguel

A TESSITURA INSÓLITA DE JOANA EM VÍCIOS E VIRTUDES, DE


HÉLDER MACEDO: UMA R EPRESENTAÇÃO DO AMBÍGUO E DO
CONTINGENTE

Este trabalho propõe apresentar a construção de


Joana, personagem do romance Vícios e Virtudes
(2012), do escritor português Helder Macedo.
Construção essa que possui caráter insólito –
entendendo o insólito como um acontecimento
narrativo ligado ao contingente, que se opõe às regras
e tradições, que escapa ao comum e ao usual. Nesse
romance, o insólito se relaciona, ainda, a um tipo
singular de enunciação, que se tece valorizando o jogo
entre “real” e ficcional e fazendo permanecer, do início
ao fim do romance, o efeito de sentido de ambiguidade
e de vazio. Tal efeito relaciona-se especialmente à
construção da personagem Joana, que realiza, durante
todo o romance, um jogo, em que verdades e
aparências, vícios e virtudes são dificilmente distinguidos.
Ora se apresenta como sua homónima Joana de
Aústria, ora como a personagem do romance de
Francisco de Sá e até mesmo como a Joana
apreendida por nós, leitores de Vícios e Virtudes. Ainda
que o romance mantenha os elementos ordenadores
do mundo empírico, a personagem Joana se configura
como insólita, à medida que a sua construção, no
âmbito da enunciação, é labiríntica, e abala a noção

335
de real porque prima pela tessitura e pela manutenção
de um efeito de sentido de ambiguidade. Assim, Joana,
ao descrever-se, oculta-se, finge ser aquilo que os
homens desejam que seja e, no mesmo instante,
descaracteriza-se. Inventa-se e assim – ao que nos
parece nesse momento inicial da pesquisa – resiste aos
papéis que são impostos a ela. Portanto, buscamos
apresentar a construção da personagem dentro do
romance, almejando discutir o acontecimento insólito
para além de sua relação com o conceito de
fantástico; queremos pensar também a relação entre o
insólito, assim compreendido, e o lugar da mulher como
minoria; finalmente, ainda temos como objetivo estudar
um tipo singular de projeto literário norteado pela
representação de um efeito de ambiguidade e de
contingência.

Renata Martuchelli Tavela

O INSÓLITO E AS MONSTRUOSIDADES MOÇAMBICANAS ATRAVÉS DA


OBRA TERRA SONÂMBULA DE MIA COUTO: RESGATE DA MEMÓRIA,
DA TRADIÇÃO E DA CULTURA AFRICANA

No romance Terra sonâmbula, o autor


moçambicano Mia Couto presenteia o leitor com o
universo insólito e de monstruosidades, através de um
relato permeado de lendas, crendices, histórias
fantásticas, de um Moçambique ainda mergulhado nas
consequências da guerra colonial. Um relato dentro de

336
outro relato, em que temos o protagonista Muadinga
(que perdeu a memória) e a personagem Tuahir, (um
velho sábio que guia o protagonista depois da guerra),
ambos com histórias fantásticas no passado e no
presente, assim como rodeados por um ambiente
monstruoso e com personagens também fantásticos. E
somando as histórias de Muadinga e Tuahir, o leitor
conhece a história de Kindzu, outra personagem, em
que é descoberto por Muadinga ao encontrar os
“Diários de Kindzu”. Diário este, também repleto de
lendas e crendices locais, como: a existência de
fantasmas que perseguem pessoas, a maldição do
nascimento de gêmeas, personagens que se
transformaram em árvore (Taimo, pai de Kindzu) ou em
animais, como galo (Junhito, irmão de Kindzu),
personagens com dons de profecia e de prever o futuro,
encantamentos, entre tantos acontecimentos
fantásticos. A cada página folheada se redescobre um
Moçambique repleto de cultura e misticismo, com a
presença de um povo confiante em seu futuro, apesar
da falta de descanso da terra moçambicana,
sonâmbulo, sem descanso, mas que por estes “causos”
recontados buscam reafirmar sua africanidade. E para a
elaboração desta breve análise sobre o resgate da
memória, da tradição e da cultura africanas em Terra
Sonâmbula, foi realizada uma leitura dos estudos de

337
Henri Bergson (1999), Walter Benjamin (1997) e Marcel
Proust (1991) sobre a memória na literatura; dos estudos
de Tzvetan Todorov (2003) sobre a estrutura narrativa; e
das considerações do teórico das grandes questões da
história e da política africana, nome de referência nos
estudos do pós-colonialismo, Achille Mbembe (2013).

Renata Santos da Silva

MONSTRUOSIDADES FEMININAS NAS HQ’S DE RAFAEL CAMPOS


ROCHA

Magda é uma cientista paraibana num Brasil


pós-apocalíptico que fora possuída por uma vida
alienígena chamada Máquina. Deus essa gostosa é
uma versão feminina, de pele negra e pansexual do
Deus cristão que curte as frivolidades da vida no Brasil.
Ambas são algumas das personagens femininas de
histórias em quadrinhos que foram criadas pelo
cartunista paulista Rafael Campos Rocha. As
personagens em questão são mulheres de
personalidade forte, utentes de uma sexualidade
irrestrita e transgressoras em seus mundos diegéticos.
Rocha provoca os(as) leitores(as) a questionarem a
cultura classista, sexista, racista e falocêntrica através
das escolhas de entidades poderosas – Máquina e Deus
– nas suas representações femininas e marginalizadas –
uma Magda nordestina bissexual e uma Deus negra
pansexual – dentro de uma literatura rica que ainda é

338
considerada à margem. Segundo o filósofo francês
Gilles Deleuze, a escrita só é possível através do devir-
mulher, do devir-animal ou do devir-molécula, pois o
homem tende a se apresentar como expressão
impositiva, restritiva. É por meio do seu devir-mulher que
Rocha pode alimentar o devir-monstro das personagens
no papel daquelas que “mostram”, ou seja, aquelas que
avisam e revelam uma era da desterritorialização
falocêntrica e heteronormativa, valorizando a mulher
como potência da mudança e de movimento. Essa
comunicação convida a comunidade acadêmica à
discussão sobre a monstruosidade das personagens de
Rafael Campos Rocha como arautos das
reestruturações (ou desestruturações) das instituições e
códigos formados, até então, pelo discurso dominante
na cultura ocidental. Questionando os valores sociais no
país, Magda e Deus essa gostosa transcendem a
representatividade como emblemas do Brasil do século
XXI.

Ricardo Gomes da Silva

A QUESTÃO DA MONSTRU OSIDADE EM “O HOMEM DA AREIA” DE


E.T.A. HOFFMANN

Um ano antes da publicação de Frankenstein por


Mary Shelley, E.T.A. Hoffmann se propunha a abordar a
questão da monstruosidade em “O homem da Areia”.
De forma obtusa Hoffmann elabora no trama do conto

339
uma complexa abordagem do tema da
monstruosidade a medida que nos expõe a perspectiva
de um personagem adulto que mistura seu atual estado
de alteração psico-emocional com lembranças de sua
infância e a sensibilidade imaginativa infantil e
propensão para o medo próprio da faixa etária. A
noção de "Sandmann" no folclore se refere a um
personagem que apenas ajudava as crianças a dormir
colocando areia sobre seus olhos até fechá-los. Em
Hoffmann, o homem da areia é distorcido pela babá do
protagonista do conto e é transformado em um ser
monstruoso que arranca os olhos das criança. Neste
sentido, o objetivo desta comunicação é discutir de que
maneira a questão da monstruosidade se relaciona com
o estado emocional, etário e imaginativo na construção
da trama do conto “O homem da Areia” de E.T.A.
Hoffmann. Para tanto recorreremos tanto a análises
específicas acerca do conto e autor em questão
quanto a discussões sobre a noção de monstro e
monstruosidade, além de relacionarmos a abordagem
do tema em outras obras literárias.

Rita de Cássia M. Diogo

O MONSTRO COMO METÁFORA: DAS UTOPIAS ÀS DISTOPIAS DA


RAZÃO

O ponto de partida desse trabalho é a


passagem da razão como utopia à distopia da razão.

340
Para tanto, nossa trajetória de leitura inclui passagens
como a gravura de Goya intitulada O sonho da razão
produz monstros (1799), Frankenstein (1818), de Mary
Shelly, o filme Metrópolis (1927), de Fritz Lang, Blade
Runner (1992), de Riddley Scott, entre outras obras
literárias e cinematográficas que destacam, sobretudo,
o processo crescente de desumanização e alienação
trazidos pela consolidação do sistema mundo
moderno/colonial (MIGNOLO, 2007). Por outro lado, dito
sistema encontrará, a partir do século XX, um apoio
efetivo no estabelecimento da cultura de massa, que
terá como resultado mais contundente Auschwitz,
considerado por V. Flusser (2011) o evento histórico que
inaugura a pós-história, uma das virtualidades inerentes
ao “programa” da cultura ocidental. A imagem
distorcida do monstro frente às linhas retas da imagem
cartesiana do homem racional será, pois, lida como
uma metáfora de um mundo fraturado e dilacerado por
guerras imperiais, opressão e escravidão. Um mundo
forjado à imagem e semelhança de seu criador, cuja
mistificação da ciência nos submeteu ao
monolinguismo, à uniformização do tempo, dos ritmos e
das culturas. Dilacerados pela dor do mesmo, resta-nos
hoje buscar em cada ruína um pedaço reconhecível de
nós mesmos, de nossa natureza poliglota, plural e
agregadora. Nesse sentido, a arte no mundo moderno

341
surge como o ritual que atualiza nossa origem humana e
nos ressignifica, a festa que volta a reunir nossos
destroços e na qual encontramos mais uma chance de
nos confraternizar. Saltando entre línguas e culturas, a
arte nos traduz para além do pragmatismo autoritário
do mito da razão, unindo o que foi separado para além
das fronteiras e limites geográficos.

Rita de Cássia Silva Sacramento

E A NOIVA DE FRANKEN STEIN? REFLEXÕES SOBRE A


(DES)IMPORTÂNCIA

O livro Frankenstein, ou o Prometeu Moderno


(1818), da escritora inglesa Mary Shelley, traz em sua
narrativa a crítica a aspectos sociais relevantes que
refletem os problemas encontrados em nossa sociedade
mesmo depois de dois séculos de escrito. Investigar e
refletir sobre os aspectos sociais primordiais para a
estruturação da história e como o cinema apresentou e
permite a atualização da discussão configuram-se nos
objetivos desta pesquisa. Destaca-se nesta fase da
pesquisa o papel da mulher na estruturação da história.
Esse papel não se resume à questão da autoria, mas
coloca em reflexão as consequências da ausência da
figura feminina/materna para o desencadeamento das
ações de Victor Frankenstein, bem como do monstro. A
análise cinematográfica é feita levando-se em
consideração o aparato teórico apresentado por

342
Jacques Rancière (2012) e Gilles Deleuze (2013),
enquanto as reflexões literárias mobilizam Susan Tyler
Hitchcock (2007), Sérgio Luiz Prado Bellei (2000) e
Armando Rui Guimarães (2014). A adaptação
cinematográfica em foco foi dirigida por Kenneth
Branagh (1995). A desimportância da mulher para a
história de Mary Shelley é ilusória. Kenneth Branagh
reconhece a importância e dá à mulher o protagonismo
que ela aparentemente não tem no romance.

Rita de Cássia Silva Dionísio Santos

REPRESENTAÇÕES DO MAL NA NARRATIVA LITTLE RED RIDING


HOOD, DE DAVID KAPLAN
As indagações sobre a origem do mal, a sua
substância, a sua extensão e consequências que
provoca têm desafiado sábios e filósofos de todos os
tempos e culturas. Questões sobre a raiz e a semente do
mal, donde e por onde conseguiu penetrar na
humanidade, a violência (que se apresenta como uma
das formas mais evidentes do mal) – talvez em razão da
velocidade das informações – se nos apresentam a todo
o momento, independentemente do local em que nos
encontramos. De igual modo, a percepção de que o
mal, pelo menos em suas manifestações mais brutais,
constitui o que é humano e, paradoxalmente, o que é
humanamente inconcebível, assombra-nos. Nas artes
em geral, o mal é representado em graus, intensidades

343
e dimensões diferentes, evidenciando, pois, a sua
excepcionalidade. Nas produções culturais para
crianças e jovens, em especial, emergem bruxas,
feiticeiros, ogros, espacialidades mal-assombradas,
animais, demônios e monstros, que manipulam destinos,
provocam caos, operam metamorfoses, devoram
pessoas. Acrescente-se a isso a enormidade de
personagens dúbios, que oscilam entre o bem e o mal,
submetendo pobres e ricos, crianças e adultos,
princesas e escravos às situações de vulnerabilidade e
atrocidade inimagináveis. Contemporaneamente, a
preocupação com o enigma do mal nas artes tem
assumido diferentes aspectos, em que prevalece não a
busca de respostas para essa obscuridade, mas o
questionamento sobre a forma de existência desse
fenômeno. Nesse sentido, propõe-se uma análise das
representações do mal no curta-metragem Little Red
Riding Hood (Chapeuzinho Vermelho), de David Kaplan,
adaptado do conto de fadas “Conte de la Mère
Grande” (ou “Le petit chaperon rouge”, recolhido por
Achille Millien, 1838-1927)). O short film de 12 minutos, em
preto e branco, produzido por Rocco Caruso em 1997,
nos Estados Unidos, e protagonizado por Christina Ricci,
parece relevar que as intenções, performances e atos
das personagens, ao mesmo tempo em que exprimem a
pureza e inocência da menina e do lobo, evidenciam

344
também o jogo de sedução e fascínio de um pelo outro,
ratificando, dessa forma, a desalentadora natureza
contraditória de que somos feitos. Para desenvolver esta
proposta, baseamo-nos em trabalhos de Igor Ximenes
Graciano (O mal narrado: voyerismo e cumplicidade na
narrativa “O monstro”, de Sérgio Sant’Anna, de 2006),
Susan Neiman (O mal no pensamento moderno: uma
história alternativa da filosofia, de 2003), Tzvetan Todorov
(Memória do mal, tentação do bem: indagações sobre
o século XX, de 2002) e Nádia Souki (Hanna Arendt e a
banalidade do mal, de 1998) – entre outros.

Rosiely Caroline Gonçalves Brito

O OBJETIVO DESTE TRABALHO É ANALISAR A OBRA O ABRAÇO, DE


LYGIA BOJUNGA
O objetivo deste trabalho é analisar a obra O
abraço, de Lygia Bojunga, sob a perspectiva de
construção dos espaços estabelecendo uma relação
com o medo e o terror. Nesta obra, destaca-se como
tema central a violência sexual infantil e as
consequências deixadas na vida de uma criança.
Tratando-se de um tema bem singular, o enredo já se
inicia demonstrando a dificuldade de Cristina,
protagonista da narrativa, de falar sobre o abuso sexual
que sofreu aos 8 anos de idade. Enquanto criança,
Cristina não se dá conta da gravidade do acontecido,
só depois aos dezenove anos, quando encontra e

345
abraça umas das “Clarices”, personagens que
representam sua fragmentação, é que o fato volta ao
seu consciente. Cristina se vê fragmentada, torna-se
confusa e não consegue distinguir quais das “Clarices”
ela é. O conflito da obra se filia principalmente ao
corpo, que é o espaço onde o paradoxo entre o título
da narrativa O abraço, que sugere uma manifestação
de carinho e afeto, opõem-se ao sentido dado ao longo
da história, um abraço de medo e terror. Será verificado
como os espaços se relacionam com a constituição do
fantástico. As noções de espacialidades que Michel
Foucault formulou serão utilizadas para a análise da
obra, e, além disso, serão utilizados os conceitos de
Deleuze e Guattari sobre o espaço liso e estriado.
Veremos como o real e o insólito estão tão imbricados a
ponto de não percebermos as fronteiras; para tal
análise, que leva em conta as teorias do fantástico, será
indispensável o apoio teórico de Tzvetan Todorov e
Remo Ceserani. Para o estudo do medo utilizaremos as
teorias de Howard Phillips Lovecraft e Jean Delumeau e
sobre o corpo os estudos de Jean-Jacques Courtine.

346
Sarah Miranda da Silva
Graciane Cristina Mangueira Celestino

A LEITURA DE BESTIÁR IOS NAS ESCOLAS: A CONSTRUÇÃO DE SI NA


NARRATIVA, O ESTRANHO

A presente pesquisa faz parte de projeto de


Iniciação Científica recém-aprovado pelo decanato de
pesquisa e extensão. Sua viabilidade se dá com o apoio
do Centro Universitário Planalto do Distrito Federal. O
objetivo que se apresenta é o de analisar as
similaridades do monstruoso a partir da imagética do
dragão em Beowulf (2011) e em O livro do seres
imaginários (1981), relacionando suas estruturas
narrativas com os estudos freudianos. As análises foram
realizadas com jovens do 2º ano do Ensino Médio, de
uma escola pública localizada no Distrito Federal. O que
se observou é que esses jovens não costumam
relacionar a dualidade homem/monstro e o mal na
narrativa, nesse sentido o presente trabalho justifica-se
pela elaboração de uma proposta de recepção da
leitura de bestiários, como um modo de repensar o mal
na narrativa para jovens e suas impressões acerca da
temática do monstruoso, tendo como estrutura narrativa
a lenda do dragão. Como referencial teórico serão
utilizados: Freud, em Escritos sobre literatura (2014), em
sua perspectiva de medo e horror a partir do estranho,
Petit, em Leituras: do espaço íntimo ao espaço público
(2013), abordagem da concepção de leitura de obras

347
literárias e construção de si, Borges, em Obras completas
I (2000), concepção de leitor e sua ética, Rouxel, em
Leitura subjetiva e ensino de literatura (2013),
concepção de leitura como retorno a si. Para tanto a
apresentação da temática do monstruoso e a leitura da
lenda do dragão em Borges propiciará um trabalho
contextualizado entre a experiência leitora dos jovens e
sua relação com as produções cinematográficas que
foram adaptadas a partir do texto Beowulf. Promovendo
assim, reflexões e debates acerca da relação
monstruoso/humano, nesse intuito apresenta-se quadro
comparativo das análises realizadas pelos jovens.

Severina J. de Amorim Silva Cima

A FACE DO MAL NOS CONTOS DOS IRMÃOS GRIMM

Cada sociedade engendra seus monstros


malignos, corporificação metaforizada dos medos que
circulam na sociedade de dado momento. Alguns
monstros se destacam pela deformidade física ou algum
traço desproporcional ao comum dos seres humanos;
outros, por comportamentos que ferem as regras sociais,
caracterizando-se pela monstruosidade. Neste trabalho,
o olhar se volta para os contos escritos pelos irmãos
Grimm, narrativas que compõem o corpus ficcional da
pesquisa. Os alemães Jacob (1785-1863) e Wilhelm
(1786-1859) Grimm registraram as histórias recolhidas

348
entre o povo ao longo, principalmente, do século XIX,
inseridos num movimento tipicamente romântico de
revalorização do espírito germânico. Publicaram a
antologia de Contos de fadas para o lar e as crianças
em dois volumes, respectivamente em 1812 e 1815. A
última edição publicada em vida, em 1857, atingiu o
total de duzentos e dez contos. Nas histórias, identificam-
se as presenças de gigantes, bruxas e anões que
representam uma ameaça à categoria do herói. Há
ainda as que desempenham a função de antagonistas,
por vezes recaindo a vilania não em aspectos físicos da
anomalia do monstro, mas no retraimento de valores
éticos, caracterizando a personagem maligna. Este
trabalho tem por objetivo identificar as personagens que
ocupam a categoria de monstros e vilões nas narrativas
dos irmãos Grimm, observando a composição da
personagem e a que estrato ficcional pertence, se ao
maravilhoso ou ao real empírico textual. A
fundamentação teórica que norteia a pesquisa tem por
base a teoria da literatura, com apoio em Vitor Manuel
de Aguiar e Silva e Carlos Reis; os estudos sobre a obra
dos irmãos Grimm de Nelly Novaes Coelho e Karin
Volobuef; os de Júlio Jeha e Júlio França sobre monstros
e monstruosidades.

349
Shirley de Souza Gomes Carreira

O OUTRO MONSTRUOSO EM NÃO ME ABANDONE JAMAIS, DE KAZUO


ISHIGURO

Este trabalho propõe analisar a representação


do Outro monstruoso em Não me abandone jamais
(2005), de Kazuo Ishiguro, romance em que os
protagonistas têm uma natureza pós-humana e vivem
em uma sociedade distópica, de modo a demonstrar
como essa obra não só expõe a ansiedade do homem
contemporâneo quanto ao desenvolvimento científico,
como desvela as relações de poder que regem o tecido
social. Ao criar um universo ficcional em que clones são
produzidos para ceder órgãos aos seres humanos,
Ishiguro traz à baila uma questão ética, que, no âmbito
do romance, aparentemente se resolve por meio da
reificação dos clones e da indiferença em relação aos
seus traços de humanização, que, considerados como
elementos de desestabilização social, acabam por ser
obliterados. Os clones podem, assim, ser interpretados
como versões contemporâneas do “outro monstruoso”
criado por Mary Shelley em Frankenstein: o Prometeu
moderno. Embora o romance de Ishiguro seja centrado
nas operações da memória, a exemplo da obra de
Shelley, ele reflete o receio do uso desregrado da
ciência.

350
Silvia Campos Paulino

A CARICATURA MONSTRUOSA DOS NEGROS NO ENTRETENIMENTO


DOS COLONIZADORES: DO ESCÁRNIO AOS FREAK SHOWS

O processo de colonização europeia no


continente americano e africano, principalmente nos
séculos XV e XVI, abriu uma ferida ainda pungente nas
sociedades colonizadas, sendo importante na
construção identitária da população negra
principalmente no denominado “novo mundo”. O
escravagismo não se limitava à desvalorização da mão-
de-obra, mas também se constitui em um processo de
coisificação do negro, o que podemos definir como
uma vertente da desumanização. Quando tratamos de
desumanização, a definição do professor australiano de
filosofia Nick Haslan (2016) parece-nos a mais
adequada, visto que para esse a humanização está
intrinsicamente relacionada com as questões de
hierarquização de raça e etnia, que em tese justificaria
os genocídios e a escravidão de povos. Assim,
aproximam-se os povos “não civilizados” dos animais.
Teorias baseadas no racialismo científico introduzido por
Robert Knox (1791-1862) através da obra Races of Man
(1850) respaldaram as teses do evolucionismo racial
condizente ao cientificismo do século XIX, tendo como
maior exponente o denominado Darwinismo Social,
representada pela figura do filósofo inglês Hebert

351
Spencer (1820-1903). Podemos, portanto, verificar que
há o estranhamento do negro segundo a ótica do
“homem branco europeu”, o qual se procurou basear
em supostos conceitos evolucionistas e falácias
científicas. Postulava-se através de uma pseudociência
hierarquizar raças e povos. Desse estranhamento
emerge uma face tão grotesca quanto às agruras da
escravidão, qual seja, a espetacularização do negro
como algo exótico. A espetacularização era um novo
viés da exploração advinda no século XIX e que
terrivelmente subsistiu até o século XX. A fim de
delimitarmos o tema, pegaremos como base três
“espetáculos” baseados na animalização e
ridicularização da figura do negro. O primeiro será nos
denominados “zoológicos humanos”, que expunham
pessoas, geralmente negras, de forma exótica. Tais
zoológicos tiveram como pioneiro o alemão Carl
Hagenbeck (1844-1913), que iniciou seus etno-shows, os
quais preferia intitular de exposições antropozoológicas
em 1875. No contexto dos zoológicos humanos,
podemos citar ainda exibições como de “Negros
Selvagens” em Barcelona na Espanha em 1897 e do
pigmeu congolês Ota Benga no zoológico do Bronx nos
Estados Unidos em 1906, bem como o último zoológico
humano registrado na Bélgica em 1958. O segundo
“espetáculo” é baseado na objetificação do corpo da

352
mulher negra no entretenimento do colonizador, para
tanto tomaremos a história da africana Saartjes
Baartman (1789-1815) e a espetacularização de seu
corpo como aberração, sendo esse usado como
parâmetro para definir uma mulher branca “normal” e
uma mulher negra “anormal”. O terceiro ato reside na
ridicularização do negro norte-americano na caricatura
popularizada pelo ator Thomas Dartmouth Rice (1808-
1860) através do personagem “Jim Crown”. Sendo um
nome comum entre os negros norte-americanos, a
figura representada por Rice em seu minstrel show
iniciado em 1830, se pintava de preto durante os
espetáculos e entoava uma paródia das canções de
escravos, demonstrava o estereotipado negro
preguiçoso, idiota e infantil. Podemos assim, verificar que
a exploração da mão-de-obra negra foi apenas uma
vertente da desumanização do negro, a medida que a
espetacularização emergiu no século XIX como um
novo meio de exploração desses corpos.

Simone Campos Paulino

A SOMBRA MATERNA: A MADRASTA MÁ DOS CONTOS DE FADAS DOS


IRMÃOS GRIMM

Nos contos de fadas da tradição é recorrente


que tenhamos a mãe como uma personagem ausente.
A morte ou o apagamento dessa personagem pode
ocorrer durante a narrativa ou pode ser anterior aos

353
acontecimentos expostos nos contos. Robert Darnton
(1986) explica que, na época em que os contos de
fadas começaram a ser difundidos, era comum haver
muitas madrastas, em consequência do alto índice de
mortalidade de mulheres durante o parto. A tensão
entre madrastas e enteados ocorria devido aos recursos
limitados entre os camponeses, como a comida, por
exemplo, fazendo com que os filhos de um casamento
anterior fossem compreendidos como um
inconveniente. Entretanto, é notório que a ausência
materna abre espaço para o aparecimento da
madrasta nos contos de fadas dos folcloristas alemães
Jacob e Wilhem Grimm, no século XIX. O casal Diana e
Mário Corso (2006) observa que o tema das madrastas
más e invejosas se refere, indiretamente, à rivalidade
entre mães e filhas que o mito do amor materno obriga
recalcar. É, portanto, comum, que tenhamos a
madrasta como a antagonista dessas narrativas, como
vemos nos contos “Branca de Neve”, “João e Maria” e
“Cinderela”. Essa personagem, que aparece
geralmente acompanhada do adjetivo má, pode ser
compreendida como uma sombra da mãe, isto é, como
a imagem negativa da figura materna. Sombra,
segundo Carl Gustav Jung (2011), são características e
instintos indesejados reprimidos no inconsciente, mas
que influenciam o consciente. A seguidora de Jung,

354
Marie-Louise von Franz (1985), afirma que sombra é tudo
que faz parte do indivíduo, mas que ele desconhece. Os
contos de fadas, principalmente dos irmãos Grimm, de
forma maniqueísta, dividem a imagem da mãe em
duas: a mãe (ausente e bondosa) e a madrasta
(presente e cruel). Tais narrativas, em suas primeiras
adaptações literárias, não marcavam essa dualidade e,
em diversos contos, a mãe e a madrasta eram uma só
personagem. O recurso da morte da mãe, segundo
Marina Warner (1999), foi a forma encontrada pelos
folcloristas alemães para preservar a sacralidade
materna, eliminando qualquer leitura equivocada ou
ambígua que se pudesse ter da figura da mãe. A
imagem materna bipartida, nos contos dos irmãos
Grimm, revela a importância dada à questão da
maternidade. Cria-se, portanto, para a figura da mãe, a
sombra da madrasta. A valorização da maternidade,
segundo Elisabeth Badinter (1985) se deu no século XVIII,
quando a criança passou a ser vista como um Poutpart
(boneco), um brinquedo divertido e a mulher, como
aquela que “deve” cuidar desse ser indefeso. Dessa
forma, a mulher passou a ser interpretada sob a imagem
de Maria (mãe, bondosa, virtuosa), abandonada a
imagem de Eva (pecadora). Uma mãe, portanto, deve
ser bondosa nos contos de fadas da tradição,
entretanto se faz necessário discutir a sombra materna

355
que se revela na figuração da madrasta nos contos de
fadas e a tensão edipiana que surge nesses
questionamentos. Diante do exposto, abordaremos a
figura da madrasta má nos contos “Branca de Neve”,
“João e Maria”, “Cinderela”, “O gamo encantado” e
“Sob o junípero”, todos dos irmãos Grimm.

Simone Caputo Gomes

DIALÉTICAS DO INSÓLITO E DO TERRÍFICO: ARMÉNIO VIEIRA,


LITERATURA-MUNDO E UMA ALQUIMIA POÉTICA DO INFERNAL NOS
LABIRINTOS DA HISTÓRIA E DA ARTE

Tomando como corpus oito livros (sete de poesia


e um romance, No inferno), examinaremos como
Arménio Vieira, escritor cabo-verdiano detentor do
Prémio Camões 2009, partindo do conceito da
Biblioteca de Babel, transita por textos literários, míticos,
fílmicos, filosóficos e históricos que compõem labirintos
de uma poética polifônica, “maldita” e agônica, que se
move entre Deus e o Diabo, entre Deus e o Homem,
entre Fausto e Mefisto, Jekyll e Hyde, Realidade e Ficção
ou vice-versa… Alice e Dorothy descem do País das
Maravilhas ou de Oz a paraísos perdidos, cavernas do
inconsciente ou círculos infernais (como Auschwitz,
Hiroshima, Chernobyl ou o próprio espaço-texto literário),
adentrando espelhos para jogar xadrez com monstros
imaginários ou reais (a Medusa, a Esfinge, o Minotauro, o
Corvo, Bruxas, Vlad-Conde Drácula, Nosferatu,

356
Frankenstein, Hitler, Mussolini, Nero, Calígula). Arménio
Vieira, “Orfeu maldito”, por sua vez, exercita, ao colocar
todas essas personagens em interação e ao movê-las
como peças num xadrez rizomático que o autor joga
com o leitor (Teseu sem fio de Ariadne), o “Jogo das
Contas de Vidro” (HESSE, Herman) com “fantasmas”
ilustres ou “mortos vivos” como Homero, Dante, Camões,
Kafka, Milton, Byron, Edgar Allan Poe, Fernando Pessoa e
Jorge Luís Borges, numa interlocução produtiva e
criativa com o que entendemos hoje por literatura-
mundo (World Literature).

Simone Ruthner

CARDILLAC E O MONSTRUOSO NA MÚSICA. DA FICÇÃO NA ÓPERA E


DO PAPEL DO LIBRETO NA CONSTRUÇÃO DO PERSONAGEM.

“Se eu tivesse um libreto, produziria em poucas


semanas a melhor das óperas”, desabafou o compositor
alemão Paul Hindemith em abril de 1924. Dois anos
depois, em parceria com o libretista suíço Ferdinand
Lion, apresenta ao público uma ópera baseada numa
novela de E.T.A. Hoffmann: Das Fräulein von Scudéri [“A
Srta. de Scudéri”, 1820]. Cardillac, o talentoso e famoso
ourives da Paris de Luis IV que sai da ficção para dar o
nome à obra musical, rouba a cena, encarnando a
figura do artista genial, apaixonado pela própria obra.
Transformado em monstro sorrateiro que assombra a
sociedade parisiense, este personagem trágico,

357
assassino e herói, experimenta o sentimento de
Selbstentfremdung [“auto-estranhamento”], uma
espécie de desenraizamento de si mesmo, através da
transformação de suas criações artísticas em produtos
comerciais. A ópera em três atos, estreada em 1926 na
elegante Ópera Nacional de Dresden, a Semperoper,
deixa sua marca inovadora na história da música, sendo
reconhecida como a primeira ópera da Nova
Objetividade. Tendo o libreto como objeto do nosso
estudo, conforme os princípios da libretologia,
buscaremos identificar quais as propriedades deste
“pequeno livro” que tornaram possível o
desenvolvimento da narrativa musical. Quais estratégias
o libretista usou na criação do libreto, de que forma a
narrativa ficcional e a musical nele se articulam,
contribuindo para a composição da personagem
ficcional e de que forma o libretista constrói a ponte
entre os dois sistemas, o literário e o musical, são
algumas das perguntas que nos propomos a responder
nesta análise. Siglind Bruhn, Michael Halliwell, Ulrich
Schreiber e Albert Gier são alguns dos teóricos
comparatistas que nos ajudarão nesta tarefa.

358
Suellen Cordovil da Silva

AS MONSTRUOSIDADES INSÓLITAS NA LITERATURA PARAENSE

Pretendemos apresentar um levantamento inicial


de autores paraenses os quais desenvolvem narrativas
com características do insólito e/ou fantástico. Os
autores trabalham em suas narrativas com as
assombrações cotidianas criadas pela literatura oral do
território paraense nas regiões urbanas e interioranas.
Teremos como base teórica o estudioso Todorov (1992)
que apresenta a hesitação como um ponto real nas
leituras de literatura fantástica. Prada Oropeza (2006)
que aborda o modo dos discursos do gênero literário
como o insólito. Robert Jauss (1976) afirma que a
recepção de uma obra literária carrega uma relevância
por parte do leitor. Dessa forma, o modo da narrativa é
muito mais complexo ao ser entrelaçado pelo estranho,
a hesitação e o insólito na obra. Podemos entender que
em cada época as obras fantásticas carregam uma
recepção crítica distinta. Além disso, em cada período
as obras passam por um processo de produção e
circulação específico. Entre alguns autores
contemporâneos de literatura fantástica paraense
temos: Roberta Spindler, Giuliana Murakami, Ingo Müller,
Lenmarck Andrade e Andrei Simões entre outros. Eis
alguns trabalhos dos autores: Roberta Spindler é
graduada em Publicidade e Propaganda e teve seu

359
primeiro livro solo foi A Torre Acima do Véu (Giz Editorial,
2014). Em março de 2018 lançou Heróis de Novigrath
(Editora Suma). O escritor, roteirista, biólogo e mestre em
comportamento Andrei Simões publicou os livros
Putrefação pela editora Novo Século (2005), Zon, O Rei
do Nada editora Empíreo (2013); e Luz, O deus do Horror
pela Twee Editora (2016) e também tem contos em
diversas antologias nacionais, além de organizar uma
antologia de horror amazônico pela editora Empíreo.
Giuliana Murakami advogada e sua obra em especial é
intitulada Guardiões do Império – O Selo do Sétimo.
Primeiro livro de uma trilogia, “Guardiões do Império – O
Selo do Sétimo” narra a história de Yuka Kamimura, uma
jovem japonesa que descobre ser Imperatriz do
misterioso Império de Minerva, marcado por um
ambiente cosmopolita e estruturado em secções de
funções político-administrativas específicas. Ingo Müller
jornalista e sua obra foi “Corda no pescoço” (2016)
ganhou o prêmio Fox empíreo de Literatura. Em um
convento cravado no meio da grande floresta um bebê
abandonado cresce e se torna a jovem noviça Lisa. Em
seu dia de ordenação, ela vê seu sonho de ser freira
desmoronar depois da acusação de estar possuída pelo
demônio. Sua última chance é encontrar Monge Gilles,
o único exorcista da região, que vive numa vila isolada.
Lisa agora tem um desafio: enfrentar a maior floresta

360
tropical do planeta, sem nunca antes ter saído da
clausura. Barbará Bragança Ferreira ou pseudônimo
Georgina Cavendish teve seu único romance foi “Caim,
O Primeiro Vampiro” lançado pela editora Novo Século
pelo selo Novos Talentos no final de 2015.
Recentemente, foi criada a revista intitulada Revistinha
pulp organizada por Saulo A Sisnando com contos
fantásticos, a última edição participou Breno Torres,
Fábio de Andrade, Barbará ou Georgina Cavendish, Igor
Quadros e Lenmarck.

Suelen Rosa da Silva

A REPRESENTAÇÃO DO INSÓLITO NO ROMANCE VIAGEM AO CORAÇÃO


DOS PÁSSAROS, DE POSSIDÓNIO CACHAPA
O presente trabalho visa a análise do romance
Viagem ao coração dos pássaros, do escritor português
de Possidónio Cachapa, considerando a perspectiva do
fantástico, do insólito e do extraordinário. O livro explora
as distensões familiares, tendo como referência a figura
de Kika, uma menina que, através da imaginação e da
premonição, altera a realidade dos fatos. O espaço
ficcional transcorre nos Açores, local onde Kika crescera
e amadurecera, a partir da ausência do pai e da figura
silenciosa da mãe. Auxiliada por um anjo, a jovem
descobre seu dom sobrenatural. A partir deste novo
mundo é que a personagem se constrói, carregando
consigo imagens do real e do irreal, através das fraturas

361
identitárias e das premonições presentes. O trabalho
mediúnico da personagem auxilia aqueles que estão
presos a aflições, trazendo a possiblidade da cura. Tais
elementos narrativos viabilizam a discussão e
problematização em torno das categorias do fantástico,
do insólito e do estranho, possibilitando talvez a pensar o
romance como literatura fantástica.

Susana Maria Fernandes

O NOIVO ANIMAL EM “A LESTE DO SOL E A OESTE DA LUA”

Em muitas narrativas da tradição, a presença do


noivo ou noiva animal constitui um ciclo de narrativas,
na visão de Bruno Bettelheim. Este trabalho analisa, no
conto norueguês “A Leste do Sol e a Oeste da Lua”, a
figura do noivo animal e a posição da personagem
feminina, a caçula, perante um casamento em que
desconhece o futuro marido. O conto, presente no livro
Contos de Fadas, de Maria Tatar, será comparado à
história de Eros e Psiquê, narrativa que servirá como
base de pesquisa, incluída no livro Metamorfoses, de
Apuleio, considerada a matriz, na tradição ocidental,
das narrativas do ciclo noivo-animal. Na primeira história,
uma donzela, filha de camponeses pobres, é
persuadida pelo pai a se casar com um urso. A
personagem é a filha mais bonita dentre todos os filhos
do camponês e, além disso, é a caçula, a quem fica

362
destinada a função de tirar a família da miséria. Ela se
casa com o urso e é penalizada por não ter obedecido
ao interdito determinado pelo marido, que resultaria no
fim da maldição dele. Muito semelhante é a narrativa
de Eros e Psiquê, embora a protagonista seja uma
princesa que, como na história anterior, precise realizar
tarefas quase impossíveis para recuperar o amado. As
semelhanças e as diferenças em ambos os contos serão
abordadas neste trabalho, cuja fundamentação teórica
repousa nas obras de Bruno Bettelheim, Lúcia Pimentel
Goés e Marie-Louise Von Franz. A obra de Bettelheim
orienta a questão do ciclo do noivo animal, a da Lúcia
Goés é sobre Eros e Psiquê e a de Von Franz trata dos
processos de redenção.

Taciara Aristóvolo Andrade

A REESCRITA DO MONSTRO LOVECRAFTIANO NO UNIVERSO 3.0

O presente artigo apresenta resultados finais do


subprojeto de Iniciação Científica “Fanfiction e o gótico:
a (re)escrita do gênero”, apoiado pelo PICIN/UNEB e
orientado pela professora Dra. Juliana C. Salvadori, em
parceria com o grupo de pesquisa Desleituras em Série.
O objetivo do trabalho foi analisar a reescrita dos
monstros de H. P. Lovecraft em uma diferente
materialidade, a fanfiction, por e para novos
escritores/leitores contemporâneos brasileiros. Em outras

363
palavras, procuramos compreender como os monstros
das narrativas cósmicas de Lovecraft são apropriados
pelas fanfictions por meio do processo de reescrita
(LEFEVERE, 2007) realizado por escritores/leitores que
emergem como tradutores de matrizes narrativas
diversas e como essas escolhas constroem um cânone
brasileiro do autor na materialidade virtual (VENUTTI,
2002). Para tanto, mapeamos oneshots que tenham sido
publicadas entre 2010 e 2016 em língua portuguesa e
que se apropriam das narrativas de Lovecraft. O
levantamento concentrou-se em plataformas
específicas que contém grande número de publicações
em língua portuguesa – Wattpad, Nyah!Fanfiction e
Spirit. Após essa primeira etapa, identificamos as
narrativas lovecraftianas reescritas com maior
frequência centrando na reescrita dos monstros por
esses novos leitores/escritores. Por fim, investigamos
como estas novas materialidades reescrevem as
narrativas do autor em uma materialidade distinta. Por
meio do mapeamento pode-se perceber que há um
foco na reescrita do monstro Cthulhu, escolha que
influencia e é influenciado por outras mídias. Por meio
da análise das narrativas midiáticas percebe-se que
discussões sociais que são mascaradas/encobertas por
representações nas narrativas Lovecraftianas são
reescritas para esse novo público, reescrevendo o

364
espaço social e o monstro. As oneshots reescrevem,
também, as características originais do monstro, em
alguns casos os ficwriters adicionam novas. Grande
parte das oneshots mapeadas transpõem o monstro
para outro universo/ambientação, criando novas
narrativas cosmogônicas. Compreendendo essa
materialidade como um processo tradutório que
reescreve, segundo Lefevere (2007), Lovecraft e seus
monstros na contemporaneidade midiática, resultando
na construção de um cânone doméstico (Venuti, 2002)
virtual do autor.

Tamira Fernandes Pimenta

TRANSFIGURAÇÕES INSÓLITAS E MONSTRUOSAS NOS DELÍRIOS


ÍNTIMOS DE FRIDA KAHLO

Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón


nasceu em Coyoacán, no México, em 6 de julho de
1907. À frente de seu tempo, Frida Kahlo teve sua
trajetória marcada por superações, sendo uma das
figuras mais fascinantes da pintura moderna com uma
obra extremamente pessoal que reflete suas dores em
meio à exaltação cultural do seu país. Frida Kahlo
morreu antes de completar 50 anos, nos dez últimos de
sua vida, a artista escreveu um diário, no qual
documenta suas reflexões, fraquezas e o amor obsessivo
por Diego. Este estudo tem por objetivo apresentar
algumas reflexões sobre o corpo e suas monstruosidades

365
presentes em O diário de Frida Kahlo, um autorretrato
íntimo, no qual os espaços insólitos podem ser vistos
como marcas de ausência que a todo momento
caracterizam ainda mais a representação de uma dor
que é imperativa. Os corpos em seu diário se
apresentam como um elo de significações que possuem
o poder de se metamorfosear, apresentando através de
cores intensas e de figuras que fundem a visão mágica
da vida e as transfigurações que são responsáveis por
passagens entre os espaços reais e imaginários nos
delírios íntimos da pintora. Frida fragmenta seu corpo
como uma forma de exteriorizar o meio insólito no qual
suas dores são projetadas. Esse insólito se configura
também em sua escrita, que se apresenta de forma
mutilada e desintegrada. Ou seja, tanto seu corpo
quanto sua escrita são fragmentos da constituição de
sua subjetividade. Partindo de uma articulação teórica
proposta em torno do conceito de insólito, nosso ensejo
será observar como se dá a representação do
maravilhoso e do monstruoso na escrita e na pintura
khaliana. O trabalho será lastreado pelo exame das
teorias do maravilhoso de Carpentier, pelos estudos de
Filipe Furtado acerca dos elementos insólitos e pelos
escritos de Michel Foucault em relação à pintura.

366
Tatiane Ludegards dos Santos Magalhães

O LADO MONSTRUOSO DA PSIQUE HUMANA: FIGUR AÇÃO DE


PERSONAGENS NO COTIDIANO INSÓLITO

Os personagens monstruosos sempre tiveram


papel de destaque na literatura, seja como uma
serpente mitológica gigante de inúmeras cabeças ou
um espécime cósmico, mistura de polvo gigante com
dragão, portador de uma cabeça cheia de tentáculos,
com asas de morcego e garras nas mãos e nos pés. O
medo e a hesitação que provocam vêm de seus corpos
desalinhados, por vezes deformados, que fogem a ideia
de um corpo humano ou animal comum aos padrões,
somados a poderes sobre-humanos que ignoram a
lógica do mundo objetivo. Nessa perspectiva o corpo
ocupa um lugar de destaque e define o ser como
monstro, capaz de provocar temor com a mera
presença de sua representação física. Com o avanço
da modernidade o monstro adquire uma roupagem
humana, que não foca somente na horripilância, mas
também no aprofundamento psicológico dos
personagens, já que agora seu corpo não é a raiz de
todo mal ou medo, mas sim, a psicopatia que se
esconde no cerne de sua psique. Além disso, o monstro
já não está escondido nas profundezas do oceano, no
meio da floresta, em outro planeta ou debaixo da
cama, agora ele está inserido na vida cotidiana, pode

367
ser a mãe, o padre, o médico, o artista. É aquele que
expõe suas monstruosidades através da concretização
de seus desejos e anseios, abandonando, muitas vezes,
o bom senso e desafiando até mesmo a ciência. Assim,
o presente trabalho visa discutir a construção do
personagem a partir de sua psique e como essa criação
está intimamente inserida na representação da vida
cotidiana.

Tiago José Lemos Monteiro

LICANTROPIA NOS TRÓPICOS: ENTRE O HUMOR E O HORROR, UMA


BREVE HISTÓRIA DO MITO DO LOBISOMEM NO AUDIOVISUAL
BRASILEIRO

De todos os “monstros clássicos” associados


tanto às matrizes literárias e/ou tradicionais-populares do
gênero horror, quanto ao pioneiro ciclo de filmes
produzidos pelos estúdios Universal a partir dos anos 1930
(Drácula, Frankenstein, a Múmia, Dr. Jekyll & Mr. Hyde, O
Homem Invisível, dentre outros), o Lobisomem talvez
tenha sido o que mais se fez presente no universo
audiovisual brasileiro. Aqueles nascidos em meados dos
anos 1980 decerto guardam memória dos acordes
iniciais da canção “Mistérios da meia-noite”, do
compositor paraibano Zé Ramalho, que anunciava as
aparições do professor Astromar Junqueira na novela
Roque Santeiro, veiculada pela Rede Globo de
Televisão, e cujo capítulo derradeiro sacramentava a

368
transformação definitiva do atormentado personagem
vivido por Rui Rezende em lobisomem. Embora as
apropriações da gramática do horror/terror pelo nosso
cinema e televisão não sejam pautadas pela
regularidade, a ponto de jamais terem configurado um
gênero em si mesmo, podemos perceber uma
considerável recorrência das representações da
licantropia, seja pelo viés da alegoria, da paródia, da
sátira ou, de modo menos frequente, com finalidades
propriamente horríficas. Este trabalho tem por objetivo
historicizar a presença do Lobisomem no audiovisual
brasileiro, bem como discutir as múltiplas estratégias de
tradução e apropriação do personagem para o
contexto local, com ênfase na articulação entre uma
certa ideia de tradição popular iberoamericana e o
repertório internacional do cinema de gênero,
sobretudo em suas vertentes menos legitimadas e não-
canônicas. Tendo por base as reflexões de autores
como Eugene Thacker, Stephen King e Noel Carroll sobre
a filosofia do horror artístico; Sabine Baring-Gould,
Matthew Beresford e Ángel Gómez Rivero sobre o mito
da licantropia e suas representações nas artes; Laura
Canepa, acerca da presença do horror no audiovisual
brasileiro, e a partir de uma abordagem
multimetodológica em sintonia com a perspectiva
teórica de Douglas Kellner sobre a cultura da mídia, o

369
foco da análise recairá sobre produções como Quem
tem medo de lobisomem? (Reginaldo Faria, 1975), Um
lobisomem na Amazônia (Ivan Cardoso, 2005) e o
recente As boas maneiras (Juliana Rojas e Marco Dutra,
2017), com menções eventuais a outras obras
audiovisuais consideradas pertinentes ao tema.

Thaíse Gomes Lira

DA ILHA DO DR. MOREAU À GRANJA DOS BICHOS: ANÁLISE DA


ATMOSFERA DISTÓPICA EM WELLS E ORWELL

Animalizar o homem ou humanizar o animal?


Entre as linhas de A revolução dos bichos (2007), de
George Orwell, obra lançada em 1945, observamos,
como nosso objetivo principal, a tensão do impulso
distópico wellsiano, iniciado com as primeiras obras de
H. G. Wells, no século XIX, e ainda vigente no dystopian
space criado em A Ilha do Dr. Moreau (2012), publicada
em 1896. Esta análise comparativa aborda duas obras
essenciais para a Ficção Científica e a Distopia do
século XX, que possuem pontos de encontro verificáveis
nos principais aspectos identificados nas narrativas
distópicas contemporâneas, a saber: a ausência de
harmonia; uma reorganização social e distribuição
injusta do poder, com uma nova ordem estabelecida à
base de estratégia, força e/ou violência; a
centralização do espaço ficcional; a figura do anti-
herói, que protagoniza quase todas as narrativas

370
distópicas; o reflexo da maldade nessas narrativas; os
princípios do Animalismo e códigos de “ética”
propagados pelo Povo Animal na obra de Wells e
criados pelos Porcos, na narrativa de Orwell, que
afirmam a linguagem como ferramenta de poder; a
alienação popular; os elementos insólitos; e, por fim, o
totalitarismo, frequente em narrativas do gênero. O
estudo tem como base as investigações de Amfreville,
Cazé e Fare (2014), Arendt (1979), Barthes (2013), Booker
(1994), Claeys (2010), Figueiredo (2009), García (2007),
Hilário (2013), Moylan (2016), Rodriguez Nogueira (2009)
e Vieira (2010). Esta pesquisa se justifica pela
necessidade de reflexão sobre o impulso distópico
wellsiano e a sua ressonância nas obras de ficção
científica e também da distópica dos dois últimos
séculos; ademais, pela observância de como tais traços
evoluíram, desde sua primeira fase, na obra oitocentista,
até alcançarem a contemporaneidade. Esperamos que
este estudo contribua para o incentivo às investigações
de distopias estrangeiras e das nacionais por
pesquisadores brasileiros, posto que a ficção e a crítica
disponíveis sobre o tema, em língua portuguesa, ainda
se encontram em estágio incipiente.

371
Thallita Fernandes

SENTENÇA MONSTRUOSA: O CORPO DO CONDENADO E DO ALGOZ EM


É ISTO UM HOMEM, DE PRIMO LÉVI

Narrativas sobre o nazismo trazem à tona


processos civilizadores de cunho científico e social que
visaram excluir sujeitos considerados anômalos.
Independente do fato dos judeus não terem diferenças
físicas que os distinguissem dos alemães, ainda assim
foram marcados por uma estrela amarela em suas
vestes, retidos e enviados para prisões, onde sofreram
privações e foram condenados a trabalhos forçados e à
morte. A obra É isto um homem (1988) aborda as
experiências de Primo Lévi, judeu capturado na Itália em
1944 e enviado para o campo de concentração em
Auschwitz durante o regime fascista da Segunda Guerra
Mundial. A narrativa se aproxima de uma memória
subterrânea, cujo intento é trazer à tona uma outra
versão da história, a qual descreve o lado monstruoso
do ser humano (seja ele o carrasco ou a vítima), ao
mesmo tempo que confronta o que há de mais
incômodo em ambas as representações. Neste sentido,
o trabalho analisa as relações entre o corpo do
condenado e a dor, a opacidade do sujeito, a
banalidade do mal e as implicações normativas e do
dever no cumprimento da função de punir, reflexões
que confluem para pensar a face sombria do ser

372
humano e da sociedade atual, bem como o resíduo
como meio de sobrevivência e a recomposição das
subjetividades após uma experiência traumática para o
corpo. As reflexões serão feitas à luz de Jeha (2007),
Gilmore (2003), Arendt (1998), Foucault (2000), Agamben
(2002), Huberman (2009), Kristeva (1982), Butler (2015), Le
Breton (2009) dentre outros que abordem questões
relativas à dor, ao monstro e à sombra como traço
íntimo e particular, pelo qual o sentido de identidade
pode ser reformulado.

Thayane Gaspar Jorge

A VELLIÑA VELLA: UMA METÁFORA DA SUBALTERNIDADE E DA


SEXUALIZAÇÃO DA TERR A GALEGA

O conto A velliña vella, de Vicente Risco -


indubitavelmente inspirado na peça teatral irlandesa
oitocentista de Willian Butler Yeats, Catlhleen Ni
Houlihan foi direcionada ao público infantil através das
ilustrações do artista Manuel Busto, focalizando um
aspecto recorrente nas histórias infantis: a figura da
velha. Diferentemente do papel da anciã sábia, da
fada madrinha, ou da bruxa, da meiga, Cathleen e a
Vella encarnam o mal causado pelo imperialismo
britânico e espanhol. Nessas duas histórias, a velhice é a
degradação, é o resultado da submissão, do
silenciamento, da opressão de gênero: as duas velhas
são mulheres que recorrem a seus filhos e esses se

373
recusam a ajudá-las. As personagens vagam como
fantasmas, como feridas abertas de um passado
bastante recente da Irlanda e da Galícia; o mal se torna
denúncia, crítica, um aviso ou presságio. Quando
direcionados ao público infantil, os assombros
maravilhosos ganham contornos de uma realidade
fictícia, embora didática, panfletária, ideológica,
criando na mente das crianças o reconhecimento do
que foi a luta nacionalista na Galícia e a decisão de
adotar como espelho, como modelo outra mulher
carente de sua dignidade: A Irlanda. Esse
questionamento levanta a discussão sobre o lugar da
literatura infantil, os temas escolhidos para ilustrar as suas
páginas e o papel da literatura para crianças em casos
especiais como o de línguas minoritárias e ameaçadas
de extinção, a exemplo da língua galega. A velliña vella
desconstrói os argumentos que desprestigiam a literatura
infantojuvenil e seu status periférico dentro da grande
cosmo que é a literatura, constituindo um exemplo da
necessidade da sua existência e da sua capacidade de
comportar temas profundos. E para corroborar as ideias
aqui apresentadas chamaremos à discussão os textos
de Matthew Arnold sobre a inferiorização dos celtas e
sua feminização, e pesquisadores contemporâneos que
denunciam a misoginia, o racismo e o conservadorismo
católico nos nacionalismos irlandês e galego, como

374
Helena Miguélez-Carballeira e Marjorie Howes. E para
refletir sobre essas questões na literatura para crianças e
jovens recorreremos às novas vozes nos estudos dessa
área na Galícia com os trabalhos de Montse Pena
Presas e Augustin Fernandez Paz.

Thayenne Roberta Nascimento Paiva

DE SER-AÍ A ANJO CAÍDO: A IMAGEM HUMANA ECLIPSADA NO


MONSTRO EM FRANKENST EIN, DE MARY SHELLEY

O livro Frankenstein, ou o Prometeu Moderno


(1818), de Mary Shelley é, sem sombra de dúvida, uma
das principais referências do universo da literatura. A
primeira edição publicada de Frankenstein se deu de
maneira anônima, em 1818. Mas, a partir da sua
segunda edição, a autoria foi revelada, sob o nome de
Mary Shellley, então filha da feminista Mary
Wollstonecraft e do filósofo James Godwin. Quando
pensamos na obra, o foco recai sobre o mostro criado
por Frankenstein (que passa a se chamar Frankenstein),
secundarizando a importância que deveria ser central
no seu criador, o cientista Victor Frankenstein. Essa
inversão de sentido, todavia, explora o monstro, do livro
de Shelley, como uma aberração maléfica,
aterrorizante, capaz de maldades e atrocidades.
Destarte, somos impulsionados a pensar sobre por quais
motivos isso ocorre. Para tanto, recorreremos às ideias
do filósofo Martin Heidegger acerca do ser-aí e de sua

375
postura diante da possibilidade de finitude e sobre a
noção de anjo caído, do crítico literário Harold Bloom,
diante da mesma ameaça de finitude e de que forma o
monstro concebido por Vitor apresenta características
tão humanas, que o distanciam da imagem de simples
aberração.

Thayane Verçosa

“TIRO NÃO O MATA, FOGO NÃO O QUEIMA, ÁGU A NÃO O AFOGA”:


AS SOBREVIDAS DE MACOBEBA NO MODERNISMO BRASILEIRO

“Grande, muito grande, do tamanho de uma


sucupira de meio século, com um extenso rabo metade
de leão e metade de cavalo, quatro imensos olhos
vermelhos como quatro grandes brasas vivas a flor da
cara, aduncas unhas de ‘lobisomem’, [...], feroz como
‘João Calafoice’, traiçoeiro e rápido como o ‘Pai do
Mato’” (José Mathias, A província), Macobeba surge em
abril de 1929, no periódico pernambucano A província.
Protagonizando uma série de publicações,
eventualmente escritas por diferentes autores, o “bicho
horroroso que está aparecendo nas praias do Sul” (José
Mathias, A província) ganha destaque no periódico e
seu nome aparece nas páginas até setembro do
mesmo ano. Para além dessa primeira figuração,
Macobeba reaparece em diferentes contextos e obras
do Modernismo brasileiro, como nos textos “Macobeba
pré-histórico” e “Macobeba antigo”, de Graciliano

376
Ramos; em “Macobeba”, escrito por Mário de Andrade,
parte da coletânea Filhos de Candinha; e no livro
Manuscrito Holandês ou a peleja do caboclo Mitavaí
com o Monstro Macobeba, de Manuel Cavalcanti
Proença. Assim, partindo do conceito de sobrevida, i.e.,
“aquelas práticas em que reconhecemos a
personagem como entidade refigurada. [...] em
contextos e em narrativas literárias [...] ou na
incorporação de uma personagem numa narrativa
subsequente àquela em que originalmente existiu” (REIS,
2017, p. 129), e pensando “os elementos estruturantes
da narrativa [...] como os traços dos processos
interacionais e pragmáticos em que o escritor opera
escolhas, em função da situação, do gênero, da
imagem dos leitores, etc.” (RABATEL, 2016, p. 15-16),
buscaremos analisar o modo como ocorrem as
refigurações desse personagem monstruoso em
contextos variados, atentando para os procedimentos
retórico-estilísticos usados nas diferentes composições, e
para o modo como elas dialogam, destacando as
eventuais aproximações e afastamentos.

377
Thiago Carvalho

DE OLHARES E IMAGENS DESLIZANTES: UM EXER CÍCIO ENSAÍSTICO


SOBRE O INOMINÁVEL PARA EL ESPÍRITU DE LA COLMENA, DE
VÍCTOR ERICE

A película espanhola El espíritu de la colmena,


dirigida por Víctor Erice em 1973, parece concebida, já
a partir de seu título, sob a frágil regência da
impossibilidade: uma referência – sutil, silenciosa,
espectral – ao impalpável conceito-imagem “l’esprit de
la ruche”, cunhado pelo simbolista Maurice Maeterlinck
em seu quase-tratado de tom poético-ensaístico sobre a
estrutura e o funcionamento das colmeias, La vie des
abeilles (2012). De certo modo, o termo sugere uma
sustentação estético-temática pela imanência de seu
próprio escape ao sentido: o escritor belga tateia de
forma descritiva – ensaia – sem jamais isolar
definitivamente o núcleo semântico de seu “espírito”,
situando-o, aparentemente, naquele inapreensível nível
da significância – não significação – que Roland Barthes
(2015) denominou “terceiro sentido” (não se poderia
pensar – pelos componentes de nulidade e superfície –
num “sentido zero”?). O escopo diegético do filme –
mais próximo da tradição moderno-poética da
“imagem-tempo” deleuzeana (2013) que de sua
antecessora clássico-romanesca – explora as projeções
e associações feérico-imaginativas – embora todas
ancoradas na materialidade das “coisas” (certa

378
qualidade concreta do “cinema de poesia” pasoliniano
(2004)) – testadas pela menina Ana – espécie de elíptica
herdeira kafko-tardo-neorrealista da dream-child de
Lewis Carroll (1993) – após o impacto de assistir pela
primeira vez a uma obra cinematográfica: Frankenstein,
de James Whale. Nesse contexto, Erice enxerta o motivo
“físico” da colmeia (fluxo e refluxo rizomático de
pequenos monstros) – inclusive na direção de arte e
iluminação, ambas esteticamente equiparáveis à
arquitetura dos favos – através da figura paterna, um
“demiurgo” apicultor; polinizando, assim, a narrativa
com os restos do monstruoso enquanto protótipo da
indefinição maeterlinckiana: um trem onipotente que a
menina contempla ao ir para a escola, um fragmentado
manequim didático nas aulas de biologia, um forasteiro
com aspecto de anjo decaído etc (trem-monstro,
manequim-monstro, forasteiro-monstro etc); todos
poeticamente assimilados – “experimentados”, jamais
“interpretados” (para trazer a distinção – fundamental
para este ensaio – de Deleuze (2012)) – pelo olhar
“penetrante” (ou melhor, “deslizante”, porque
“penetrante” implicaria, neste caso erroneamente,
profundidade) de Ana, cujo “fondo escuro” – citação
de Rosalía de Castro (1880), poeta declamada por uma
de suas colegas em sala – já não se distingue,
especularmente, do vazio inominável, imanente e

379
fugidio – porque e portanto “irreal”, ou talvez
“metarreal” – da tela de cinema: o “espírito” – não seria
o monstro? – “da colmeia” como um operador de
ficcionalidade.

Thiago Leonello Andreuzzi

CRIANDO MONSTROS: FR ANKENSTEIN E A RECEPÇÃO DA OBRA – OS


CONCEITOS ENTRELAÇADOS DE “MONSTRO” E “FRANKENSTEIN”

Comparamos a dicotomia entre artificial e


natural, naquilo que entendemos como monstros,
sobretudo “Frankensteins” (assumindo a confusão dos
nomes das personagens) na mídia: o que o prefixo
“franken-” significa e porque a alcunha “Frankenstein” é
atribuída àquilo que se confunde com monstro.
“Monstro” encontra definições em diferentes épocas,
desde Aristóteles, que o definia por oposição à norma
da natureza, o excepcional. Segundo Luiz Nazário,
“monstro” se define primariamente por oposição a
“humanidade”. Nestes casos, “monstro” é um desvio na
curva da fisionomia dos seres, um acontecimento
isolado e único. É o caso d’Os Anormais, de Foucault,
em que o filósofo aponta na palavra monstro as
características físicas, mentais e comportamentais
destoantes do padrão. Mesma situação do monstro de
Frankenstein: sozinho no mundo, se identifica com o
Adão e com o Satã de Milton. Solitária, a criatura se
enquadra na definição aristotélica: desproporcional,

380
desafia a própria feição do “homem universal”. Porém
não é criação da natureza: temos um monstro artificial à
semelhança de seu criador. A criatura é vista com horror
desde o início de sua vida, quando seu criador a
contempla pela primeira vez, se apavora e se
arrepende, caindo em uma depressão profunda. Ver o
monstro faz com que as pessoas tremam e fujam ou
queiram destruí-lo, pois ele concentra em si um caráter
único, marcado pelas características não-
estabelecidas. Vai além: invoca o horror no seu sentido
mais físico: a mácula da carne e a bricolagem dos
corpos. Temos um construto orgânico e superpotente:
um problema narrativo e social, uma figura insólita –
sobretudo por estar à margem. Frankenstein foi capaz
de dar vida ao que não era nem mesmo um (único)
corpo, afirmando seu papel de criador. Contudo, esse
papel é incompleto, pois Victor nega ao monstro a
qualidade de se constituir enquanto espécie: ao invés
de um “crescei e multiplicai-vos”, Victor condena sua
criatura primeiramente ao esquecimento e, depois à
destruição. Essas condições fazem com que a criatura
discuta com o seu criador a sua própria condição
enquanto ser vivo: nasce monstro ou torna-se monstro?
Uma contrafação humana – de onde se deriva o insólito
do romance – a criatura é qualquer coisa que se
assemelhe a seu criador, menos humana. Disforme,

381
desproporcional, orgânica, um “pecado” de
Frankenstein, que desafia a natureza para criar algo par
além dela, resulta fisionomicamente em um monstro. A
aparência se mostra aqui mais que presente – em seu
discurso a criatura é tão humana quanto nós; todavia,
sua aparência vai condená-la até o dia em que
supostamente se suicida no ártico. Ser artificial, fruto de
um desenvolvimento científico sem ponderação sobre
suas consequências, resultou em efeitos danosos para os
indivíduos. Isso levou à criação de um prefixo
interessante: “franken-”, como em frankenfood, para se
referir aos alimentos transgênicos. Também, o termo
“Frankenstein” é comumente atribuído àquilo que
desafia a natureza como o establishment a entende – o
nome é atribuído à transexuais, por exemplo –, mas não
àquilo que ele produz com o aval do progresso, da
ciência.

Tuane Silva Mattos

A BRUXA CANIBAL: UMA IMERSÃO NAS NARRATIVAS LITERÁRIA E


FÍLMICA DO CONTO “JOÃO E MARIA”

O que é o bem e o mal? A Idade Média


abarcava mulheres curandeiras, com altos poderes
para curar ou enfermar. A natureza, especificamente a
floresta, sempre estava? presente como um local seguro
para sua magia boa ou má. Assim, as bruxas na
tradição são essencialmente más? Sua caracterização

382
dependeria de uma explicação que a tornaria benéfica
ou maléfica? Seriam as duas faces de uma mesma
moeda, a dualidade palpitante em cada mulher? Doce
quando amada, impiedosa quando ameaçada? Como
se propagaria sua representação destrutiva, negativa e
dual na Literatura? Por que seu arquétipo seria de uma
velhinha horripilante com um forte teor animalesco, e
que, de certa forma, abraçaria tantos pecados, como a
inveja, a ira e até mesmo a gula por criancinhas
abandonadas à própria sorte por seus pais? Por meio do
maravilhoso e do sobrenatural, conceitos presentes em
Tzvetan Todorov, analisaremos, nesta comunicação, a
origem da bruxa, seu aspecto físico, psicológico e
comumente denominado “infernal e satânico”, usando
como exemplo o conto “João e Maria”, dos autores
Jacob e Wilhelm Grimm, e sua adaptação
cinematográfica mais famosa: “João e Maria:
Caçadores de Bruxas” (2013), com direção de Tommy
Wirkola. Usaremos como principal base teórica as obras
de David Roas, Tzvetan Todorov, Eliana Calado e Julio
França, a fim de compor aspectos do medo e do
monstruoso.

383
Ubirajara Lopes da Cunha Junior

AS REMINISCÊNCIAS DA MALDADE E SUAS CONSEQUÊNCIAS: UMA


ANÁLISE DOS PREDICAT IVOS DO MAL EM INÁCIO, DE LÚCIO
CARDOSO

Na obra Inácio (1944), primeiro romance da


trilogia “O Mundo sem Deus”, de Lúcio Cardoso (1912-
1968), são narradas através da ótica conturbada do
protagonista Rogério Palma suas incursões pelas, ao
mesmo tempo, aterradoras e cativantes ruas da cidade
do Rio de Janeiro. Em seus passeios nos moldes
baudelairianos, visita os cantos mais sombrios da
metrópole para desvendar, aos leitores, detalhes do seu
passado. E assim, dentre as informações conhecidas
pelo narrador omitidas do leitor deliberadamente e os
lapsos de sua memória traumatizada, remonta aos
poucos o panorama de sua infância infeliz e o
abandono. A busca por seu passado obscuro se dá pelo
desejo do personagem em tornar-se um cínico, que
desdenha da felicidade dos cidadãos prosaicos, a
quem culpa por deixarem-no doente com sua
mediocridade. Aos seus olhos, somente seu pai, o Inácio
que dá título à obra, com quem tem uma relação de
ódio e fascínio, poderia ajudá-lo a concretizar a
mudança comportamental desejada. A partir da
exploração de alguns elementos típicos da literatura
gótica imanentes na obra, como o retorno da maldição
pregressa, e, principalmente, a relação de atração e

384
repulsa entre vítima e monstro, tipificaremos, a partir dos
estudos de Todd Calder (2003), o Mal na persona de
Inácio, que Rogério, com seu caráter paradoxal, tenta
emular. Descreveremos, ainda, alguns dos motivos pelos
quais ele inevitavelmente fracassa nesta tentativa de
reproduzir a maldade inerente aos atos de seu pai.

Vanessa Lemos de Moura Santiago

EROTISMO PSICODÉLICO: A DISTOPIA EM VITAMINAC (2012), DE


MATÍAS MUSA

Este trabalho tem como objetivo investigar os


elementos estéticos e metafísicos que compõem a
distopia existente no filme VitaminaC (2012), de Matías
Musa, e na HQ homônima do mesmo autor. VitaminaC,
filme experimental do cinema independente argentino,
promove uma imersão numa realidade multidimensional
psicodélica que problematiza temas da complexidade
existencial humana, como controle da mente, vigilância
governamental, poder, liberdade, identidade, prazer
sexual, degradação da mente e do corpo. A ação do
filme se passa no período pós-nuclear numa
megalópole multidimensional chamada Koi-Osaka,
ocupando toda a extensão do planeta VitaminaC, que
se encontra dentro de uma grande esfera de água
virtual. Este planeta é governado por LASSIA, o Serviço
Especial de Inteligência, que na verdade é um sistema
governamental de espionagem e vigilância global,

385
comandando uma rede de agentes secretos por todo o
planeta. Seus principais habitantes são os Tubérculos,
uma espécie de seres do submundo com capacidade
de se teletransportar, mas que passam a maior parte do
tempo consumindo uma droga proibida chamada Azul,
com alto poder de vício, que provoca alucinações e
aumento incontrolável da libido. Os Tubérculos
acreditam que sua origem vem de um ser superior
conhecido como Homem X, o qual eles consideram
como um Deus, e desejam reconectar-se com ele por
meio do Temporizador, um pequeno artefato capaz de
controlar o clima e possibilitar a realização de viagens
no tempo-espaço a quem o possuir. Tanto o filme
quanto a HQ põem em foco a busca por este artefato
sagrado, o Temporizador, que é objeto de desejo dos
Tubérculos para se libertarem da dominação de LASSIA.
A linguagem visual do filme combina ação real com
diferentes técnicas de animação, como a rotoscopia;
ao passo que na HQ é possível perceber uma arte
híbrida com inspiração em diversas técnicas modernas e
pós-modernas de artes visuais. Esta obra constitui um
“quebra-cabeça” audiovisual bastante provocativo,
pois o universo de ficção científica representado por
Vitaminac é extremamente sugestivo, deixando a maior
parte da interpretação do filme e da HQ para o
espectador/leitor. Desse modo, esta pesquisa propõe

386
uma investigação sobre os recursos estéticos e narrativos
presentes em VitaminaC (2012) que o estruturam como
uma distopia. Para este feito, utilizou-se como
fundamentação os conceitos de distopia de Gregory
Claeys (2016), que a define como uma sensação de
estranhamento, medo e a proliferação de categorias
antagônicas; como, por exemplo: militarização
excessiva, formas de poder centralizadoras, despóticas
ou totalitárias, escravização, repressão moral,
intolerância religiosa, cerceamento, prisões, ostracismo
de grupos com enfermidades, e cataclismos sociais ou
ambientais. Ademais, este trabalho visa contribuir ao
debate sobre a relação entre distopia e
monstruosidade, considerando a distopia como uma
deformação monstruosa de espaços e sociedades. A
esse respeito, aponta Berriel (2005): “na distopia a
realidade não apenas é assumida tal qual é, mas as
suas práticas e tendências negativas, desenvolvidas e
ampliadas, fornecem o material para a edificação da
estrutura de um mundo grotesco.” Por fim, recorreu-se
ao capítulo sobre ficção distópica de Leyla Perrone-
Moisés (2016) para refletir sobre a percepção do real por
meio da distopia.

387
Vanessa Massoni da Rocha

EXPERIÊNCIAS MONSTRUOSAS E BUSCAS IDENTITÁRIAS: CAMINHOS


DO INSÓLITO EM JOÃOZINHO NO ALÉM, DE SIMONE SCHWARZ-
BART

Publicado em 1977 sob título de Ti-Jean l’horizon e


traduzido em 1988 por Eurídice Figueiredo como
Joãozinho no Além, o romance de Simone Schwarz-Bart,
do arquipélago caribenho de Guadalupe, conta a
história de um menino que, ao cometer o ato heróico
de enfrentar a besta que invadira sua cidade causando
todo o tipo de destruição, acaba por se encontrar com
suas origens. Esta comunicação busca analisar as
experiências monstruosas e as buscas identitárias do
menino Joãozinho quando se deixa engolir por uma
besta que acabara de comer o sol, condenando a
população caribenha à penúria e ao desaparecimento.
No ventre do monstro, suspendem-se os paradigmas
espaços-temporais e o preceito da verossimilhança: o
personagem retorna à África ancestral, conversa com
entidades mortas e seres mágicos e passa por
numerosas peripécias insólitas em travessias de cunho
antropológico, cultural e existencial. Nessa longa e
misteriosa viagem, o personagem tradicional caribenho
– que podemos comparar ao personagem endiabrado
brasileiro Pedro Malasartes – usa de sua astúcia para
sobreviver às aventuras, ao longo das quais aprende
sobre si mesmo e ressignifica as premissas que atribuíra à

388
origem. O romance oferece uma releitura crítica do
conceito de Negritude, elaborada pelos intelectuais
Aimé Césaire, Léopold Senghor e Léon Damas no intuito
de se aprofundar questões relativas à colonização
francesa. No romance emergem, igualmente, questões
associadas ao ‘real-maravilhoso’ que Mariella Aïta
apontou e estudou de maneira relevante na obra de
Simone Schwarz-Bart. Por fim, publicações de teóricos
como Gabrielle Saïd, Kathleen Gyssels, Patrick
Chamoiseau, Dominique Malu-Meert, e Eurídice
Figueiredo contribuirão para as análises empreendidas.

Vanilda dos Reis

DAS NARRATIVAS ANCESTRAIS INDÍGENAS RIKBAKTSA E DO


INSÓLITO VALE DO JURUENA: O SPARITSA

Em uma comunidade onde a comunicação se faz, em


sua maior parte, a partir da oralidade, as trilhas da voz
muitas vezes nos leva a percorrer espaços misteriosos
tanto na água quanto na terra. Foi durante a pesquisa
de mestrado realizada nos anos de 2016 e 2017, que
buscava fazer um resgate do encontro entre os
indígenas da etnia Rikbaktsa e os não indígenas
integrantes das frentes colonizadoras que invadiam o
noroeste de Mato Grosso, que pudemos vislumbrar parte
das incógnitas que estes locais insólitos podem avultar. A
necessidade do “dizer” levou os membros da
comunidade a nos contar histórias de gêneros variados

389
e que vão do factual ao místico, construindo um
mosaico a partir das narrativas memorialísticas que
narrou guerras, festas, ritos de passagens, caçadas e
pescarias abundantes, ataques de outros índios, de não
índios, de sucuris, de onças e o Sparitsa: um ser
antropomorfizado, que milenarmente habita o
imaginário da etnia, chegando à atualidade carregado
pelos ventos de milhares de vozes ancestrais. O povo
Rikbaktsa habita três terras indígenas localizadas no
noroeste do estado de Mato Grosso e as três juntas
somam mais de 400 mil hectares de matas livres de
qualquer degradação ambiental e cercadas pelas
águas dos rios Juruena, Sangue e Arinos. É no ambiente
insólito da floresta imemorialmente habitada pela etnia
que o ser geralmente é visto, com pele clara, cabelos
grandes encrespados, pés virados para trás e o corpo
nu coberto de insetos e animais peçonhentos,
chegando a utilizar cobras venenosas como adornos de
pescoço e braço. A semelhança entre o Sparitsa e o
Curupira, que aparece na Literatura e nas poéticas da
voz de outras regiões, mostra que é no contato entre
culturas que se promove diálogos importantes e
ressignificações necessárias para se criar novos
caminhos.

390
Vera Lucia Pian Ferreira

A METÁFORA APOCALÍPT ICA EM SENTIDO LITERAL: ECOS DA


LITERATURA-MUNDO NA POESIA DE HERBERTO HELDER

O presente trabalho tem seu mote na intenção


de iluminar a poesia violenta e repleta de imagens fortes
e monstruosas do poeta português Herberto Helder, na
perspectiva do conceito de Literatura-Mundo. A própria
declaração do poeta: “O que espero é ver a metáfora
apocalíptica ganhar sentido literal.” (2017, p.33) já é o
prenúncio do tsunami de emoções potencializadas que
definem o seu gesto de arte. E neste gesto particular,
que sempre se dirige para a procura de uma matriz de
origem, de uma ontologia da palavra em sua matéria
de assombro, deformidades e pulsões inusitadas, é que
podemos vislumbrar a cunhagem do humano universal.
Assim, o conteúdo nacional e pessoal da poética de
Herberto Helder alcança um outro e instigante patamar
quando trabalhamos com Literatura-Mundo, assumindo
o pensamento elíptico como forma de estudar inserções
e interseções em sua obra. Enfatizamos que nos
interessa tratar o monstruoso e demoníaco herbertiano
sem perdemos a bússola do comparativismo na
dimensão trazida por Helena Buescu “a relação entre
literatura nacional e literatura-mundo não se faz apenas
pela inclusão da primeira na segunda, mas também o
próprio potencial supranacional e até mesmo mundial

391
da primeira.” (2013, p.50). Os monstros míticos de um
apocalipse português em Herberto Helder irão se
encontrar com uma ancestralidade sem fronteiras
nacionais e vão nos permitir perceber a grande viagem
que a Literatura-Mundo nos propicia, trazendo em si as
marcas de todos os textos que residem no texto, de
todos os horrores monstruosos que se apresentam na
escrita de um poeta que carrega a poesia do mundo. O
poder da escrita não respeita cronologias nem
geografias e quando percebemos um texto como um
fluxo contínuo, sem temor das aproximações nem
angústia das influências, o que percebemos é que a
escrita se amplia e o monstruoso, que sempre pertenceu
a uma universalidade, ganha, enfim, nas palavras de
Herberto Helder, toda a real e literal dramaticidade de
um apocalipse.

Victor Augusto Corrêa Azevedo

CORPOS DA DIFERENÇA: MONSTRUOSIDADE E MONSTROS ANÍMICOS


NA NARRATIVA DE MIA COUTO

Ao denunciar que as tentativas, ao longo do tempo, de


definir uma identidade africana de forma simples e clara
têm se apresentado como sucessivos fracassos, o
pensador camaronês Achille Mbembe (2001) oferece
uma chave de leitura para as inscrições sobre monstros
e a monstruosidade nas literaturas africanas. Misto de
imaginações africanas sobre o eu e o mundo, com a

392
tradição baseada num conjunto de ideias e práticas
sociais fragmentárias, oriundas de um repositório que se
constitui de alusões a fontes locais, bem como fontes
globais, os corpos da diferença – como nomeados os
fenômenos do monstro – são figurações de modelos de
apreensão da subjetividade, alicerçados
majoritariamente a partir dos referenciais da
representação e da identidade. A figura monstruosa
consubstancializa uma temporalidade cultural em
determinada sociedade e possibilita a realização de um
exame, que procura deter-se sobre a cultura,
fundamentado nas relações que a geram. Nesse
sentido, a presente comunicação busca discutir como
se manifesta a construção das figuras monstruosas
presentes em algumas obras em prosa do escritor
moçambicano Mia Couto. O corpus se configura dos
romances Terra sonâmbula (1992) e Um rio chamado
tempo, uma casa chamada terra (2002), e do livro de
contos Estórias abensonhadas (1994), sobre os quais se
analisa a corporificação dos monstros e os elementos
constitutivos da monstruosidade. Importante salientar
que, como propõe Michel Foucault (2010), há uma
diferença entre as categorias monstro e
monstruosidade: na primeira destacam-se as
características físicas e, na outra, a forma de
comportamento das personagens de narrativas que,

393
não tendo seus enredos marcados necessariamente
pelo sobrenatural, se assemelham a um contexto mais
próximo da “realidade”.

Victor Santiago Sousa

VIRGINIA WOOLF: A MULHER-LEVIATÃ

Em consonância com o simpósio “O inumano e o


monstro” – que tem como um de seus objetivos centrais
refletir acerca do inumano como um indecidível entre
horror e fascínio pelo monstro, “em um contexto de
vulnerabilidade dos corpos e categorias do
desconhecido” – a presente proposta de comunicação
pretende pensar a escritora e filósofa britânica Virginia
Woolf como uma figura inumana, feminina e
monstruosa, um leviatã que surge das profundezas de
uma cozinha vitoriana – imagem andrógina trazida pela
própria Woolf em seu ensaio de 1924, Mr. Bennet and
Mrs. Brown – que coloca o pensamento em estado de
transformação, ressignificação e devir (DELEUZE, 2011),
devir-mulher, devir-feminino, devir andrógino. Partindo
do pressuposto de que há muitos mitos associados a
Woolf, principalmente no que tange aos diversos
colapsos nervosos que enfrentou ao longo de 59 anos
de vida e ao decorrente suicídio em 1941, assim como à
sua homossexualidade e ao seu método de escrita,
Woolf torna-se uma figura fantasmagórica, cujo eu-

394
empírico escapa a definições. Até mesmo Hermione Lee
(1999), cuja biografia sobre Woolf é considerada lapidar
para estudiosos da escritora, afirma ter medo de fazer
pressuposições, pois há diversas possibilidades de
abordar a vida da escritora, o que torna também tudo
ilusório. Deste modo, além de uma abordagem
biográfica sobre esta figura espectral e escorregadia,
pretende-se olhar para Woolf como uma imagem
premonitória de um novo pensamento. Woolf produziu
uma vasta obra literária e ensaística num contexto
opressor patriarcal, e abertamente opunha-se a este
sistema que subjugava – e ainda subjuga – o feminino
como potência. Contudo, por vezes, sua obra é
reduzida a buscas que tentam conectar seu eu-
biográfico, insano e suicida à sua escrita, deixando-se
de lado sua proposta inquietante e, digamos,
assustadora, que seria pensar masculino e feminino fora
de uma lógica binária e hierarquizante, lógica esta que
entende o masculino como imagem detentora do
poder. Para que essa quebra ontológica na estética do
pensamento ocidental ocorra, o feminino precisa vir à
tona como potência transformadora, um monstro, um
leviatã, como colocado no ensaio de 1924, e como um
ser andrógino, como sugerido em A Room of One’s Own
(1929). Considerando que esta ressignificação do
pensamento binário possa se dar no nível da escrita e

395
que mudanças criam zonas de instabilidade, Virginia
Woolf surge como um monstro, uma figura que
desperta, ao mesmo tempo, horror e fascínio.

Victoria Barros Moura

O DUPLO E O SOMBRIO EM BLACK MIRROR

Este trabalho tem como objetivo investigar a


forma como a figura do duplo é representada no
cenário da ficção científica, focando no processo de
destruição que essa figura acarreta e como ela
transforma os personagens em figuras monstruosas. Para
tal análise, dois episódios da série serão utilizados: “White
Christmas” e “Be Right Back”. Devido à tecnologia,
percebemos que o duplo ganha forma através de uma
escolha do indivíduo na série. Entretanto, apesar de se
tratar de uma opção feita de forma consciente, ela
possui algumas consequências que acabam revelando
o sujeito como um ser monstruoso, capaz de atos
terríveis não só contra o outro, mas contra si mesmo
também. Em “White Christmas”, por exemplo, uma
mulher decide copiar sua consciência, através de um
cookie, a fim de escravizá-la para que todos seus
afazeres e tarefas sejam administrados pela sua
consciência copiada. Nessa narrativa, observamos um
lado sombrio no ser humano em se dissociar e sacrificar
parte de si mesmo, com o objetivo de assumir uma

396
posição autossuficiente. Já em “Be Right Back”, uma
mulher, deprimida pela morte de seu marido,
encomenda um clone seu, a fim de preencher o vazio
que ela vem sentindo desde sua morte. Ela decide
comprar uma cópia de seu marido para satisfazer suas
próprias carências, sem considerar até onde o clone
está sendo usado friamente apenas para benefício
próprio. Diante da perspectiva destes dois episódios,
portanto, não só analisaremos como a representação
do duplo é possível dentro da ficção científica, mas
também como ela é capaz de revelar um lado
monstruoso no homem, uma vez que ele se mostra
disposto a sacrificar partes de si e partes de outro para
se beneficiar de alguma maneira.

Vítor Castelões Gama

O INDÍGENA XIFÓPAGO EM FAUSTO FAWCETT

O escritor carioca Fausto Fawcett é considerado um dos


expoentes do subgênero da ficção científica,
“cyberpunk”, no Brasil. Uma figura recorrente em suas
obras é a dos povos indígenas xifópagos, logo,
diretamente associados à disciplina da teratologia.
Deste peito indígena conecta-se um outro ser humano,
cingido pelas concepções de raça, identidade étnica e
cultura. Partindo desta premissa, objetiva-se
compreender os desvios ocorridos na figuração deste

397
Outro indígena e da sua visão na sociedade. Para tanto,
observa-se desde as representações do ambíguo
“canibal”, incluindo os seus primórdios decinocéfalo
(homem com cabeça de cachorro), assim como a
antropofagia ritual dos Tupinambá – com base nos
estudos de Frank Lestringant. Em seguida, passa-se aos
tempos modernos e o conceito de aculturação. Ao
final, o resultado é o indígena visto como um “monstro”
dividido e incompreendido, que outrora expunha as
contradições de um projeto imperialista e colonizador, e
agora, expõe as ambiguidades de um projeto
modernizador. Neste sentido, o “Cyberpunk” ou o
“Tupinipunk”, na definição de Roberto de Sousa Causo,
é essencial para entender a dialética entre um
movimento tecnocientífico e os povos originários. A
análise bibliográfica leva em consideração as obras
Santa Clara Poltergeist; Básico Instinto; Favelost: (the
book); e Pororoca Rave (2015), publicados
respectivamente em 1991, 1992, 2012 e 2015. O
referencial teórico baseia-se nas definições de Fredric
Jameson em relação aos conceitos de “Identidade” e
“Diferença” no campo específico da ficção científica,
assim como os preceitos do crítico Darko Suvin para o
gênero e os trabalhos da antropóloga Manuela
Carneiro da Cunha quantos à história e os direitos
indígenas.

398
Vinicius Lucas de Souza

DE CRIATURA A CRIADOR: O CASO DE DAVID N A SÉRIE DE FILMES


ALIEN
Ao se considerar o motivo ficcional do criador e
sua criatura, é impendente a menção a Frankenstein
(1818), de Mary Shelley. Completando duzentos anos de
publicação em 2018, o cientista genial e sua criatura
monstruosa continuam suas vidas nas diversas releituras
realizadas ao longo dos séculos XX e XXI em variadas
plataformas ficcionais. Focando-se no Cinema, a série
de filmes Alien está vertendo a esse tropo da ficção, ao
visualizarmos os prequels Prometheus (2012) e Alien:
Covenant (2017), ambos dirigidos por Riddley Scott.
Neles, os androides — seres que portam, a olho nu, uma
figura humana, mas que apresentam um organismo
artificial — são frutos das mãos de Peter Weyland, dono
da Corporação Weyland, empresa voltada à
terraformação de planetas. David, um desses androides,
é um dos protagonistas nesses dois filmes, que se vê
frente ao dilema criador-criatura: em ambos, ele
contraria a programação de seu criador, ao ir além do
auxílio às equipe das naves de exploração científica e
de colonização das duas narrativas cinematográficas,
utilizando essas pessoas como cobaias para uma nova
substância encontrada num planeta, capaz de matar o
hospedeiro ou alterar sua estrutura biológica ou ainda

399
desencadear um hóspede parasita, sendo o gatilho
para o nascimento dos xenomorfos, o nome dado pela
série de filmes aos alienígenas assassinos. Além de não
mais proteger seus superiores, os humanos — por conta
de um acidente que possivelmente aumentou seu
desvio das diretrizes originais —, David torna-se um
cientista — começando suas experiências no filme de
2012 e as intensificando no de 2017 —, ao criar os
xenomorfos por meio de severas experimentações com
a substância alienígena, uma espécie de vírus, em
animais e em humanos, tomando o estatuto de criador
e duplicando Peter Weyland: assim como este inventou
os androides para o auxílio à humanidade, David
concebe os xenomorfos, desenhando o predador
perfeito. A presente comunicação pretende analisar o
personagem David nesses dois filmes, focando no
dilema criador-criatura e observando como a criatura,
além de se transformar em criador, duplica o seu próprio
inventor: enquanto Weyland gerara uma espécie
artificial para assistência humana, o androide, seu duplo
(Doppelgänger), dará luz a monstros extremamente
perigosos a partir da espécie de seu próprio pai.

400
Vinícius Santos Loureiro

THE MASQUE OF RED DEATH: ESPAÇO, VISUALIDADE E NARRATIVA


EM EDGAR ALLAN POE

A leitura do conto de Edgar Allan Poe envolve o


leitor em uma experiência intersemiótica. À parte do
caráter simbólico que tende a permear o discurso
literário, suas narrativas trabalham também a
elaboração de imagens, que tanto servem ao objetivo
primário da descrição de espaços quanto funcionam
como agentes da própria narrativa, tendo quase uma
capacidade autônoma para composição dos fatos.
Não por acaso, Cortázar, pensando a forma breve
através do prisma da obra em prosa de Poe, vai
promover uma aproximação à fotografia; de modo
similar, Anspach (1987) e Camargo (2008) vão tecer suas
análises dos contos do autor pela abordagem de seus
aspectos visuais e sensoriais, pensando sempre a
construção de uma espacialidade. De fato, nos parece
que o fato de Poe recorrer às possibilidades imagéticas
pode ser compreendido como um procedimento
regular, visto o número de contos em que é possível
perceber a sua ocorrência. Dentro de uma perspectiva
histórica que ainda não possui consolidadas as noções
de conto moderno, pensamos que a opacidade entre
os limites dos (sub-) gêneros tale, sketch e short story
também está ligada a este processo que, sob o olhar

401
contemporâneo, parece aglutinar elementos de
natureza artística distinta. Ainda, esse repertório de
considerações sobre a espacialidade tem peso maior
ao tratarmos da parte de sua obra que guarda as
marcas do gótico e do fantástico. Portanto, o objetivo
deste trabalho é o de analisar esse procedimento
imagético e suas implicações para o entendimento do
conto de Poe conforme ponderamos sua importância
em relação à narrativa, tendo como cerne do
comentário o conto “The Masque of Red Death”.

Virginia Frade Pandolfi

EL MONSTRUO DESCENTRADO. UNA LECTURA DEL FRANKENSTEIN


UNBOUND DE BRIAN ALDISS
La ponencia tiene como objetivo presentar el
abordaje en torno a una relectura de la obra
Frankenstein de Mary Shelley (1818), a partir de la
reescritura que con respecto a dicha obra realiza el
escritor Brian Aldiss en su Frankenstein Unbound (1973).
En esta re-versión del clásico romántico de Shelley, Aldiss
impone, en clave de Ciencia Ficción ucrónica, una
posición innovadora que adjunta a la revisión
monstruosa, viajes al pasado, encuentros de personajes
reales y ficcionales con distorsión temporal, voces que
fragmentan, subvierten tanto la historia de la literatura
como la impronta narrativa ficcional. En Frankenstein
Unbound, Aldiss reúne a Mary Shelley, a Polidori, a Percy

402
Bysshe Shelly, a Byron, al propio Victor Frankenstein, y a
su criatura. Tanto los personajes históricos como los
ficcionales invaden el espacio de la literatura con
aberraciones vocales y lingüísticas de índole monstruosa.
En cuanto al marco teórico de la presente
comunicación, tomaremos lo que propone Victor Bravo
en El señor de los tristes y otros ensayos (2006), Frederic
Jameson en Arqueologías del futuro (2009) y Darko Suvin
en Metamorphoses of Science Fiction (2016). La obra de
Shelley y la de Aldiss reconfiguran, a la vez que
resignifican, la experiencia de la creación del monstruo
y de las voces en ambas literaturas. En este sentido, este
trabajo constituye una nueva mirada de la literatura
comparada con relación al clásico que se homenajea
este año en este Congreso.

Viviane Conceição Antunes


Elda Firmo Braga

SEXISMO E RACISMO: MONSTROS PRESENTES NA CONSTITUIÇÃO


NARRATIVA DE “ESTRELAS ALÉM DO TEMPO”

Esta proposta de comunicação tem como


materialidade de estudo Hidden figures (2016), do
cineasta e roteirista estadunidense Theodore Melfi, título
que em tradução livre em português seria algo em torno
de Figuras escondidas, mas fora traduzido como Estrelas
além do tempo. Esse filme é baseado em um livro da
autora afro-americana Margot Lee Shetterly, resultado

403
de pesquisas que faz com o intuito de realizar um
autêntico revisionismo histórico: resgatar e revelar o
protagonismo de inúmeras mulheres que atuaram, entre
1930 e 1980, na NACA e NASA, no campo da
matemática, da ciência, da engenharia e da
computação. O referido filme está ambientado, na
maior parte do tempo, no início dos anos 60, época na
qual ainda vigorava a segregação racial e a luta pelos
direitos civis começava a se intensificar. Neste momento,
a corrida espacial entre os EUA e a até então
denominada URSS estava a todo vapor. No entanto,
algumas pessoas, mesmo executando tarefas
estratégicas, tiveram seu talento invisibilizado, ocultado
pela história oficial. Dentro de tal contexto, havia uma
predominância de homens brancos que contavam com
o “cérebro” de engenheiras e matemáticas negras. Ao
contrário de serem reconhecidas por suas intensas e
imprescindíveis atividades, elas sofriam cotidianamente
as investidas de um monstro de duas cabeças,
responsável por coadunar duas formas de preconceito:
o sexual (o universo das ciências exatas é muito
masculino) e o racial (dentro da instituição era
reproduzida a segregação existente no país).
Concebemos o sexismo e o racismo como monstros
ideológicos, simbólicos, metafóricos; frutos robustos de
uma matriz baseada na tríade raça/gênero/trabalho,

404
entendida por Quijano (2011) como ferramentas de
dominação colonial. Ancoradas em um viés decolonial,
pretendemos mostrar que entendê-los dessa forma
significa: i) saber que não se apresentam de forma
explícita em todos os contextos, pois estão imersos em
questões socioculturais que os legitimam e os mantém
de forma silenciosa, mas, ainda assim, opressora; ii)
compreender que representam sérios mecanismos de
exclusão por anulação de potencial e de capacidade
inventiva; iii) conceber que o assolamento, a
humilhação, o descaso, a submissão, o sequestro da
autoestima e da subjetividade se assemelham ao perfil
grotesco dos monstros; seres que amedrontam, ferem,
tragam nossas vísceras e que podem nos levar a óbito.
Pautando-nos em Ricouer (2005, p.301), convém
ressaltar que a percepção da similaridade destes
domínios – o do sofrimento e o do grotesco – oferece
sustentação a esta discussão. Estrelas além do tempo
retrata a história inspiradora de três mulheres negras
fortes e talentosas, apaixonadas pela matemática,
exemplos de empoderamento feminino, de valentia, de
resistência ao sexismo e de triunfo contra o racismo;
uma vez que, embora estivessem num ambiente hostil,
elas conseguiram unir forças e, assim, mesmo diante das
mais variadas adversidades, conquistar significativas
vitórias. Um combate representativo às ferramentas de

405
dominação em nossa sociedade, aos mencionados
monstros, se fundamenta em ações de atenção à
coletividade, de autonomia, de atuação efetiva em
defesa de um convívio ético e de
valorização/reconhecimento público de conhecimento,
discussão tão necessária às práticas dos cursos de
licenciaturas dos quais somos partícipes.

Welington Martins Santos

AS FACES MONSTRUOSAS DAS CORES EM O MEU AMIGO PINTOR, DE


LYGIA BOJUNGA

Neste trabalho será analisada a monstruosidade


que as cores assumem no romance infantojuvenil O meu
amigo pintor, de Lygia Bojunga. A obra é escrita em
forma de diário e narrada por Cláudio, um garoto de 11
anos de idade; a narrativa relata os pensamentos do
narrador sobre seu querido Amigo Pintor, este que por
sua vez comete suicídio. O narrador logo no início conta
sua fixação pelas cores, mas não sabe se isso se deu
antes ou depois de conhecer seu Amigo Pintor. O amigo
afirmava que quanto mais se olhava para uma cor mais
coisas saíam de dentro dela. Após a morte de seu
amigo, Cláudio vive dias angustiantes na busca de
assimilação da perda de uma pessoa querida, do
entendimento da morte, na verdade um suicídio que os
adultos tentam esconder, e de questões políticas e
relacionamentos amorosos que circundam o fato. Todas

406
essas descobertas são acompanhadas e marcadas
pelas cores, que vão absorvendo e transmitindo os
sentimentos despertados em Cláudio ao pensar sobre a
morte do seu amigo. As cores vão se manifestando na
narrativa e apresentando características diferentes
daquelas que comumente estão associadas a elas, o
branco que normalmente inspira paz e tranquilidade na
primeira parte do diário o faz lembrar que seu amigo
morreu, e que essa cor doía mais do que qualquer cor.
Serão importantes para a nossa análise estudos sobre as
cores e suas influências como a Psicologia das cores de
Eva Heller que aborda a relação das cores com os
nossos sentimentos. Também contribuirão para essa
pesquisa os estudos de autores como Filipe Furtado,
Louis Vax e Remo Ceserani sobre o fantástico e de
Philippe Ariès e Freud sobre a morte.

407

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