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CANCRO
COORDENADORAS:
FÁTIMA VAZ
DEOLINDA PEREIRA
Com o apoio da
PERMANYER PORTUGAL
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Perguntas chave no
CANCRO
DO OVÁRIO
2.ª EDIÇÃO
COORDENADORAS:
F ÁT I M A VA Z
C OORDENADOR:
DEOLINDA PEREIRA
PERMANYER PORTUGAL
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Prefácio VII
F. Vaz e D. Pereira
Capítulo 1
Epidemiologia dos tumoresdo ovário 1
A. Miranda, C. Frutuoso e M.R. Couto
Capítulo 2
Biopatologia: avaliação histológica, alterações moleculares
e fatores de prognóstico 7
A. Félix, C. Bartosch e J.M. Lopes
Capítulo 3
Diagnóstico clínico e radiológico do cancro do ovário 17
I. Henriques, M. Horta, T.M. Cunha e P. Correia
Capítulo 4
Cirurgia do cancro do ovário 23
A.F. Jorge, C. Lopes e I. Boto
Capítulo 5
Tratamento sistémico do cancro do ovário 28
T. Carvalho Tavares, M. Ferreira e P. Cortes
Capítulo 6
Terapêuticas alvo no cancro do ovário 34
J. Savva-Bordalo, A. Clara e A. Costa
Capítulo 7
Tratamento das recidivas 41
M. Nave, S. Broco e S. Sousa
Capítulo 8
Situações específicas na abordagem do cancro do ovário 46
J. Belo, A. Guimarães e T.A. Santos
Capítulo 9
Cancro do ovário hereditário 51
M. Teixeira, P. Machado e A. Luís
Capítulo 10
Investigação no cancro do ovário 57
H. Nabais, N. Afonso e D. Pereira da Silva
O que interessa saber na abordagem clínica das doentes com cancro do ovário?
Foi com o objetivo de responder a esta pergunta que o livro «100 perguntas chave no Cancro do
Ovário» foi elaborado. Pretendemos esclarecer questões concretas que se nos colocam diariamente
na prevenção, diagnóstico, tratamento e seguimento das doentes com esta patologia. Contámos com
a colaboração de trinta e um autores, de várias áreas, representando várias instituições de todo o país.
O cancro do ovário é uma neoplasia pouco frequente mas que tem, de entre as neoplasias malignas
específicas da mulher, a maior taxa de mortalidade. A sua abordagem é complexa e tem de ser feita
em contexto multidisciplinar, de forma a adequar a cada doente a melhor decisão terapêutica possível.
Tem sido complexa a quantidade de conhecimentos adquirida nos últimos anos: além de novos
tratamentos a integrar na prática clínica, as técnicas moleculares estão a um passo de complementar
a histopatologia na classificação e decisão terapêutica. Novas técnicas cirúrgicas estão a ser desenvol-
vidas e a discussão de medidas preventivas passou a ter um lugar de destaque num subgrupo de
mulheres com alto risco de cancro do ovário.
Todas as doentes têm direito a uma abordagem individualizada, tendo em conta a fase da sua
doença e o seu contexto psicológico, familiar e social. A resposta das estruturas de saúde a todas
estas necessidades só é possível através da integração de vários profissionais de saúde em equipas
intra e multidisciplinares.
Agradecemos a todos os profissionais das várias áreas da saúde que aceitaram o desafio de colaborar
neste livro.
Fátima Vaz
Serviço de Oncologia Médica e Clinica de Risco Familiar
Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Francisco Gentil, EPE
Lisboa
Deolinda Pereira
Serviço de Oncologia Médica
Instituto Português de Oncologia do Porto, Francisco Gentil, EPE
Porto
Ovário
Polónia 13,6
Malta 11,8
Estónia 11,8
Reino Unido 11,7
lrlanda 11,2
República Checa 11,1
Eslovénia 10,4
Dinamarca 10,3
Itália 10,2
Filândia 8,4
Bélgica 8,1
França 7,9
Espanha 7,7
Suécia 7,5
Alemanha 7,4
Áustria 7,3
Holanda 6,8
Portugal 6,2
0 2 4 6 8 10 12 14 16
ASR (W)
0,75
Kaplan-Meier
0,50
0,25
0,00
0 2 4 6
Anos desde diagnóstico
A mortalidade por cancro do ovário em Portugal, pó de talco, assim como a exposição a asbes-
tem-se mantido estável desde o ano 2000 até à tos, estão associados a um aumento do risco.
atualidade (2012), situando-se à volta de 3,0/105 5. –– Obesidade: mulheres com um índice de mas-
Os tumores do ovário são responsáveis por cerca sa corporal superior a 30 mg/m2, têm um
de 3,7% dos óbitos na população feminina, em risco aumentado de desenvolver cancro de
Portugal3. A relação incidência/mortalidade é de 2:1. ovário.
e tratando o tumor em estádios precoces diminui orais reduzem o risco de cancro do ovário, sendo
a mortalidade, ou seja, o impacto do rastreio dos essa redução maior com o aumento de duração
tumores malignos tem de ser avaliado no indica- da terapêutica7. O efeito protetor persiste por 30
dor mortalidade. anos após a suspensão da sua utilização, embora
Para além deste facto tem de se dispor de um se atenue ao longo do tempo. A redução do
exame para rastreio que seja económico, fácil de risco é menos evidente para os tumores mucino-
aplicar e com uma sensibilidade e especificidade sos. Estes fármacos estão contudo, associados a
altas. um aumento de risco de fenómenos tromboem-
Nenhuma das condições acima referidas estão bólicos e a um ligeiro aumento de risco de cancro
reunidas para se poder desenvolver um rastreio da mama. A evidência também não contraindica
de massa no cancro do ovário. estes medicamentos nas mulheres BRCA1 e
BRCA2. Cada mulher deverá assim, pesar as van-
QUAL A INFLUÊNCIA DOS tagens e desvantagens da utilização destes fár-
TRATAMENTOS DE FERTILIDADE macos com o seu médico.
NA INCIDÊNCIA DE CANCRO DO Revisões sistemáticas sobre um efeito po-
OVÁRIO? tencialmente protetor contra o cancro do ová-
rio de anti-inflamatórios não esteroides revela-
Há dados de uma revisão Cochrane de 2013, ram resultados não consistentes9. Até à data,
que incluiu 11 estudos caso-controlo e 14 estu- os dados são insuficientes para se recomendar
dos de coorte, perfazendo 182.972 doentes; o uso de aspirina na quimioprofilaxia do cancro
nesta revisão, como não foram encontrados es- do ovário.
tudos randomizados, o risco de viés não foi con-
siderado baixo para nenhum dos trabalhos. Con- EXCLUINDO OS CASOS DE
cluiu-se que não há evidência de aumento de CANCRO HEREDITÁRIO BRCA1/2,
risco de cancro do ovário após tratamento mé- QUANDO ESTÁ INDICADA A
dico da esterilidade. Pode haver risco aumentado PREVENÇÃO CIRÚRGICA DESTA
de tumores borderline nas mulheres submetidas DOENÇA?
a fertilização in vitro. Considerou-se que os es-
tudos que mostraram aumento do risco de can- A suspeita de síndrome de cancro hereditário
cro tinham, no geral mais viéses, por serem todos existe quando há múltiplos membros da família
estudos retrospetivos. A análise foi efetuada para afetados por doença maligna, quando o cancro
tumores invasivos e borderline, considerando aparece em idade jovem ou quando, a mesma
qualquer tratamento médico da fertilidade, ape- doente tem neoplasias múltiplas ou bilateralidade
nas o citrato de clomifeno, gonadotrofinas ou (vários cancros ou tumor bilateral). As guidelines
ambos. da FIGO 2015, ESMO 2016 e NCCN 2016 reco-
As guidelines atuais recomendam uma dura- mendam que se faça pesquisa da mutação BRCA
ção máxima de tratamento com o citrato de clo- 1 e 2 a todas as mulheres com diagnóstico de
mifeno de seis meses. A revisão Cochrane não carcinoma seroso de alto grau, independente-
encontrou dados que mostrassem que este fár- mente da historia familiar.
maco, modificasse o risco de cancro do ovário. Estão definidos critérios para a pesquisa de
Em conclusão, não existem dados definitivos mutações associadas a aumento de risco de can-
sobre a segurança dos tratamentos de fertilidade, cro hereditário.
mas não há evidência de que exista qualquer Além do síndrome de cancro hereditário ma-
efeito adverso clínico significativo8. ma-ovário associado às mutações BRCA, as gui-
delines da International Federation of Gynecolo-
É POSSÍVEL A QUIMIOPREVENÇÃO gy and Obstetrics (FIGO) 2015, recomendam a
DO CANCRO DO OVÁRIO? histerectomia total e salpingo-ooforectomia bila-
teral em mulheres com síndrome de Lynch, de-
Os estudos demonstraram de uma forma con- pois de estar completa a maternidade. O síndro-
sistente que o uso prolongado de anticoncecionais me de Lynch é um síndrome de cancro familiar
autossómico dominante, devido a uma mutação peritoneu. A via de abordagem proposta para a
em genes de reparação do ADN, nomeadamente salpingo-ooforectomia redutora de risco é a
nos genes (MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2) e está laparoscopia e deve incluir todo o tecido tubo
associado a aumento de risco de cancro do ová- ovárico, devendo a remoção ser feita com saco
rio, endométrio e colorretal. A mutação no gene para evitar fragmentação da peça. A doente
MSH2 é a que se associa a maior risco de cancro deve ser informada sobre os efeitos da meno-
do ovário, que é de 33% ao longo da vida da pausa precoce.
mulher . A hipótese de que o carcinoma seroso do
Também o síndrome de Peutz–Jeghers, carac- ovário, de alto grau, possa ter origem no epité-
terizado por lesões pigmentadas na mucosa bucal lio tubário, com base em estudos feitos nas
e múltiplos pólipos gastrointestinais e que se deve peças de salpingo-ooforectomia bilateral profi-
a mutações do gene STK11, se associa a risco lática efetuada em mulheres com risco genético,
aumentado de cancro do ovário, mas neste caso, veio modificar o conceito de cirurgia redutora
dos cordões sexuais. As recomendações são as de risco de cancro do ovário. Contudo a salpin-
mesmas. gectomia bilateral exclusiva não é alternativa
A maioria dos cancros do ovário são espo- comparável de prevenção à salpingo-ooforecto-
rádicos e mais de 90% acontecem depois dos mia bilateral, nas mulheres com risco genético.
50 anos. Na prática clínica, a decisão de proceder Pode permitir adiar a menopausa antes da de-
a salpingo-ooforectomia profilática, nas situações cisão da anexectomia preventiva que é a cirurgia
em que há indicação para histerectomia na mu- redutora de risco de cancro do ovário eficaz,
lher na pré-menopausa, é função da opinião do mas não está validada e há o risco de conferir
cirurgião e não é baseada na evidência, obtida a falsa segurança às doentes. Estão em curso en-
partir de estudos randomizados. Não são claras saios clínicos para avaliar eficácia da salpingec-
as vantagens ou desvantagens desta conduta. O tomia bilateral como cirurgia redutora de risco
clínico deve considerar as implicações individuais (NCCN, 2016).
para cada mulher, nomeadamente o risco de can- A salpingectomia bilateral pode ser conside-
cro da mama e do ovário, o risco de osteoporose, rada como medida redutora de risco de cancro
de doença coronária e da não adesão à terapêu- do ovário, na população geral, quando a mulher
tica hormonal10,11. está proposta para histerectomia total ou para
laqueação tubária. Está provado que esta atitude
QUAIS AS ALTERNATIVAS não modifica o risco do procedimento para que
CIRÚRGICAS DE PREVENÇÃO a doente estava proposta10,11.
DO CANCRO DO OVÁRIO
BIBLIOGRAFIA
Como não está demonstrada a eficácia do
rastreio do cancro do ovário, as recomendações 1. Ferlay J, Soerjomataram I, Ervik M, et al. Cancer Incidence
que existem para a prevenção do cancro do ová- and Mortality Worldwide: IARC CancerBase. GLOBOCAN.
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Português de Oncologia de Lisboa de Francisco Gentil -
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35 anos e estima-se que pelos 40 anos, 2 a 3% 3. ISM 2008/2009 – Registo Oncologico Regional Sul – 2014.
das mulheres já tenham desenvolvido cancro. 4. De Angelis R, Sant M, Coleman MP, et al. Cancer survival
in Europe 1999-2007 by country and age: results of EU-
Nas portadoras de mutação BRCA2, o aumento ROCARE-5- a population-based study. the EUROCARE-5
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para a realização deste procedimento, é habi- http://apps.who.int/gho/data/node.main.A864?lang=en.
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cinco anos antes da idade do parente mais jo- cancer. Hematol Oncol Clin North Am. 2012;26(1):1-12.
7. Collaborative Group on Epidemiological Studies of Ovar-
vem afetado. A doente terá de ser informada ian Cancer, Beral V, Doll R, Hermon C, Peto R, Reeves
da existência de risco residual de cancro do G. Ovarian cancer and oral contraceptives: collaborative
reanalysis of data from 45 epidemiological studies includ- 10. McCann GA, Eisenhauer EL. Hereditary cancer syndromes
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trols. Lancet. 2008;371:303-14. options for personalized care. J Surg Oncol. [Internet]. 2015;
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tematic review and meta-analysis of observational studies. fallopian tube, and peritoneum. Int J Gynaecol Obstet. 2015;
Acta Obstet Gynecol Scand. 2013;92:245-55. 131:S111-22.
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS TIPOS adulto com a identificação de uma mutação espe-
DE TUMORES DO OVÁRIO? cífica no gene FOXL22, e a associação dos tumores
de células de Sertoli e de células de Leydig à sín-
Os tumores do ovário correspondem a 30% drome DICER13. Os restantes tipos são muito raros.
das neoplasias malignas do trato ginecológico. A O teratoma maduro quístico, pertencente ao
classificação destas neoplasias deve ser efetuada grupo das neoplasias germinativas, é muito fre-
segundo a proposta classificativa da Organização quente e corresponde a cerca de 32% de todos
Mundial da Saúde (OMS), publicada em 2014, os tumores ováricos. Os restantes tumores germi-
para os tumores ginecológicos1. nativos, benignos e malignos são raros.
A maioria dos tumores ováricos primários po-
dem ser integrados em três grandes grupos de QUAL É A CLASSIFICAÇÃO
neoplasias que são: os tumores epiteliais, os tu- ATUAL DOS TUMORES
mores dos cordões sexuais e do estroma ovárico EPITELIAIS DO OVÁRIO?
e os tumores com origem em células germinati-
vas. Menos frequentemente, no ovário podem ser A correta classificação histológica das neoplasias
identificados tumores miscelânea (outros tumo- epiteliais do ovário, é especialmente importante,
res), mesoteliais, dos tecidos moles, linfomas, e porque é um fator de prognóstico independente
tumores secundários, isto é, metástases de neo- e é orientadora da conduta terapêutica.
plasias com origem extraovárica (7-10%). De acordo com os critérios propostos pela
Os tumores epiteliais do ovário são os mais OMS de 20141, estas neoplasias dividem-se em
comuns, e representam cerca de dois terços (58%) sete categorias histológicas, a saber: tipo seroso,
de todos os tumores. mucinoso, endometrióide, de células claras, Bren-
Os tumores dos cordões sexuais e do estroma ner, seromucinoso e indiferenciado (Fig. 1). Todos
correspondem a um grupo de tumores muito va- estes tipos, com exceção do tipo indiferenciado,
riados. O subgrupo mais frequente, e que corres- são ainda subdivididos em neoplasias benignas,
ponde a cerca de 9% de todos os tumores do borderline e malignas, consoante as caraterísticas
ovário, é o subgrupo dos tumores do estroma em microscopia óptica (Tabela 1). Os tumores se-
ovárico «puros», e que têm quase sempre um romucinosos são uma categoria nova, e que é
comportamento benigno. Ainda dentro do grande predominantemente constituída por tumores bor-
grupo de tumores dos cordões sexuais e do estro- derline (a maioria deles anteriormente classifica-
ma, os tumores de células da granulosa são os que dos como tumores mucinosos borderline de tipo
mais frequentemente, podem ter um comporta- endocervical).
mento agressivo, e correspondem a 1% da totali- Os tumores benignos são mais frequente-
dade dos tumores ováricos. Recentemente, um mente do tipo seroso e mucinoso, e afetam mu-
avanço significativo foi efetuado para a confirma- lheres entre a década dos 20 até aos 60 anos.
ção diagnóstica dos tumores da granulosa de tipo São predominantemente quísticos e podem ser
A B C D
E F G
Figura 1. Tipos histológicos de tumores epiteliais do ovário. A: carcinoma seroso de alto grau. B: carcinoma
endometrióide. C: carcinoma mucinoso. D: carcinoma seromucinoso. E: tumor de Brenner benigno. F: carcinoma
de células claras. G: carcinoma indiferenciado (adaptado de OMS, 2014).
Tabela 1
A B C
Figura 2. Epitélios onde se postula que ocorram alterações que originam os tumores epiteliais do ovário.
A: epitélio da superfície do ovário. B: quistos de inclusão epitelial no córtex do ovário. C: epitélio das fímbrias
da trompa de Falópio.
histológico. Nos carcinomas serosos de alto 100 genes; e uma assinatura de 23 genes envol-
grau foram associados a mau prognóstico vários vidos na reparação das lesões do ADN induzidas
biomarcadores, incluindo fatores envolvidos na pelos platinos, que é preditiva da resposta à te-
reparação do ácido desoxirribonucleico (ADN) rapêutica nos carcinomas serosos de alto grau do
(EDD+, PARP1+, BRCA1/2), regulação do ciclo ovário. Mais ainda, os resultados do ensaio clíni-
celular (ciclina D1+, p21–), tradução do ácido co ARIEL2 evidenciaram que uma assinatura de
ribonucleico (ARN) (RPS4X–, eEF1A2–), sinaliza- tipo BRCA associada a alterações da reparação do
ção intercelular (VCAM1+) e outros (p53+, ADN por recombinação homóloga pode também
ALDH1+). Nos carcinomas endometrióides a au- identificar outros doentes que respondem a este
sência de expressão de recetores de estrogénio tratamento.
e a expressão das enzimas HDAC1-3 associam- É de referir ainda, no contexto dos recentes
-se a mau prognóstico. Nos carcinomas de cé- avanços da imunoterapia com agentes anti-PD-1,
lulas claras há estudos com resultados idênticos que a sobre-expressão de PD-L1 tem sido asso-
para a expressão de IMP3 e LC3A. No entanto, ciada a mau prognóstico nas doentes com cancro
estas alterações moleculares carecem de estu- do ovário. A expressão de PD-L1 poderá também
dos que validem a sua utilidade clínica de forma ter um papel como biomarcador preditivo9.
independente.
Estão também descritos biomarcadores pre- QUAL O PAPEL DO EXAME
ditivos. Foi demonstrado que, em doentes com EXTEMPORÂNEO NA ABORDAGEM
recidiva sensível aos platinos, a presença de mu- DAS DOENTES COM CANCRO
tações dos genes BRCA, quer germinativas ou DO OVÁRIO?
somáticas no tumor ovárico, prediz maior bene-
fício no tratamento com inibidores da polimera- O exame extemporâneo tem um papel impor-
se (PARP). A amplificação do gene CCNE1 asso- tante na definição do tipo e extensão da cirurgia
cia-se à resistência ao tratamento com platinos. a realizar. É uma técnica efetuada durante o ato
Alterações do p53 foram recentemente descritas operatório que permite o diagnóstico preliminar
como preditivas da sensibilidade aos inibidores rápido de uma amostra, de forma a auxiliar na
VEGF/VEGFR. definição da estratégia da terapêutica cirúrgica.
Recentemente, com as novas tecnologias de No caso das doentes com suspeita clínica de tu-
alta cobertura, têm sido dados os primeiros pas- mor do ovário, tem como objetivo principal de-
sos na descrição de assinaturas moleculares inte- terminar a natureza tumoral da lesão e distinguir
gradas em modelos preditivos de resposta à tera- entre tumor ovárico benigno, borderline ou ma-
pêutica e de prognóstico8. O projeto do Atlas do ligno10. Pode também ser usado para diferenciar
Genoma do Cancro (TCGA), para além de confir- entre tumor primário do ovário e metástase, as-
mar a importância das mutações dos genes BRCA sim como confirmar a presença de disseminação
na sobrevivência das doentes com carcinoma peritoneal. Desta forma, perante a confirmação
seroso de alto grau do ovário, permitiu identificar da natureza benigna de uma peça de cistectomia
quatro subtipos com diferentes assinaturas trans- ou anexectomia em exame extemporâneo, pode
cricionais: imunorreativos, diferenciados, prolife- ser contemplada uma cirurgia conservadora; por
rativos e mesenquimatosos. Foi descrito que estas outro lado, perante o diagnóstico de carcinoma
assinaturas se associam ao prognóstico, sendo do ovário, considera-se o estadiamento cirúrgico,
que as doentes com tumores com assinatura de que pode incluir citorredução máxima da doença
tipo imunorreativo apresentam melhor sobrevi- tumoral.
vência global, enquanto as doentes com assina- O exame extemporâneo consiste na avaliação
tura do tipo mesenquimatoso apresentam pior macroscópica da peça cirúrgica ou produto de
sobrevivência global. Outros estudos baseados biopsia, geralmente seguida do exame histológi-
nos dados do TCGA propuseram outras assinatu- co e/ou citológico. É fundamental a inspeção e
ras moleculares, entre as quais se destacam o descrição da cápsula, procurando sinais de rotura
modelo prognóstico classificação do cancro do ou envolvimento tumoral, assim como a secção
ovário (CLOVAR), baseado numa assinatura de de todo o tumor, de forma a selecionar as áreas
suspeitas para exame microscópico. São avaliados surgem tanto a nível nuclear como citoplasmáti-
cortes histológicos, geralmente de um a três frag- co, e no estroma envolvente (Fig. 3). O índice
mentos, após congelação. mitótico geralmente diminui e a representação de
Para uma abordagem correta no exame ex- células neoplásicas viáveis pode ser limitada. Des-
temporâneo, é fundamental que o patologista ta forma, nas amostras pós-tratamento pode não
conheça a história clínica da doente, nomeada- ser possível determinar o subtipo histológico ou
mente a idade, a uni ou bilateralidade da lesão avaliar com segurança o grau de diferenciação.
ovárica e a presença de doença noutras localiza- Há, no entanto, evidência de que o fenótipo imu-
ções. Esta informação é fundamental para a prio- no-histoquímico dos tumores se mantém, mesmo
rização dos diagnósticos diferenciais a considerar. após tratamento com quimioterapia neoadjuvan-
A acuidade diagnóstica do exame extemporâneo te, facilitando a sua caraterização.
dos tumores do ovário varia entre 87 a 96%, e O exame anatomopatológico das amostras
está limitada pelos artefactos das amostras ine- pós-quimioterapia neoadjuvante desempenha tam-
rentes ao processamento e ao número escasso de bém um papel importante na avaliação da regres-
fragmentos passíveis de serem avaliados. São de são tumoral. Têm sido propostos na literatura sco-
realçar as dificuldades de diagnóstico nos tumo- res de avaliação da regressão histológica para o
res de grande dimensão e nos tumores borderli- carcinoma seroso de alto grau do ovário, potencial-
ne, em particular nos tumores mucinosos, assim mente preditivos do risco de resistência aos platinos
como o diagnóstico diferencial entre primário do e com significado prognóstico12,13. Recentemente,
ovário e metástase. a International Collaboration on Cancer Reporting
É ainda de referir que o resultado do exame (ICCR) recomendou a adoção de um score em três
extemporâneo tem caráter provisório. O diagnós- graus baseado na avaliação do tumor residual no
tico definitivo é elaborado após fixação, inclusão epíplon: resposta ausente/mínima, resposta parcial
em parafina de vários fragmentos e eventual exe- e resposta completa/quase completa14.
cução de outras técnicas tais como estudo imu-
no-histoquímico. O QUE DEVE CONSTAR NO
RELATÓRIO DO EXAME
QUAIS AS IMPLICAÇÕES DA ANATOMOPATOLÓGICO?
QUIMIOTERAPIA NEOADJUVANTE
NO DIAGNÓSTICO O relatório anatomopatológico é elaborado
ANATOMOPATOLÓGICO DOS tendo em conta o contexto da história clínica da
CARCINOMAS DO OVÁRIO? doente (por exemplo, síndrome heredofamiliar,
tratamento neoadjuvante) e o procedimento cirúr-
A introdução da quimioterapia neoadjuvante gico efetuado, que deve ser especificado na requi-
no tratamento dos doentes com carcinoma do sição do exame. Inclui dados referentes aos aspe-
ovário tem implicações na avaliação diagnóstica tos macroscópicos da peça cirúrgica e histológicos
antes e depois do tratamento. observados em fragmentos representativos da le-
O diagnóstico histológico pré-tratamento é são e tecidos envolventes. Do relatório deve constar
indispensável dado que constitui a única oportu- (sempre que aplicável)14: a) identificação das pe-
nidade em que é possível avaliar as caraterísticas ças/produtos recebidos [ovário (direito/esquerdo),
histológicas originais do tumor ovárico. É assim trompa (direita/esquerda), útero, epíplon, biopsias
importante realizar biopsia histológica após ima- peritoneais referenciadas, apêndice ileocecal, gân-
giologia de intervenção ou laparoscopia. A ava- glios linfáticos referenciados, outro (especificar)];
liação por exame citológico é frequentemente b) localização primária da neoplasia; c) dimensões
insuficiente porque pode não permitir a carateri- da neoplasia [em centímetros]; d) integridade da
zação adequada do tumor. cápsula do ovário [intacta/rota/fragmentada]; e)
A quimioterapia neoadjuvante induz altera- envolvimento da superfície ovárica; f) tipo histoló-
ções no aspeto histológico dos tumores do ová- gico; g) grau histológico; h) implantes – especificar
rio, que, por vezes, dificultam o diagnóstico ana- localizações, dimensão do implante maior e, no
tomopatológico11. As alterações da morfologia caso de tumores serosos/seromucinosos, se são
A B
Figura 3. Comparação entre o aspeto histológico de um carcinoma seroso do ovário na biopsia pré-tratamento
e na peça operatória após o tratamento: o citoplasma é mais abundante, por vezes vacuolizado ou clarificado, e
os núcleos apresentam maior atipia, com bizarrias ou aspeto degenerativo (A). Observam-se extensas áreas de
necrose (B), fibrose, fendas colesterolínicas e infiltrado inflamatório rico em macrófagos xantelasmizados (C).
Tabela 2
Brenner + – – – – – – –
Células claras + – – + – + – –
do colo uterino é útil no diagnóstico diferencial. histológicas, ou peças cirúrgicas. Para a avaliação
Os tumores do seio endodérmico são α-feto- adequada da recidiva, o patologista deve ter co-
proteína+, não expressa em carcinomas endo- nhecimento do exame anatomopatológico prévio
metrióides. A expressão de EMA e a ausência e ter acesso ao material histológico correspon-
de GFAP nos carcinomas endometrióides são dente, de forma a poder comparar as caraterísti-
úteis no diagnóstico diferencial dos tumores cas morfológicas do tumor primário com as da
de provável origem wollffiana e dos ependi- recidiva. O material a avaliar pode ser escasso ou
momas do ovário, respetivamente. existirem alterações secundárias ao tratamento,
–– Carcinoma de células claras: São geralmente pelo que o estudo por métodos de imuno-histo-
CK7+/HNF1b+/WT1–/EMA+/PAX8+/napsina+/ química é particularmente útil para a confirmação
racemase+/RE–/RP–. A expressão WT1–/RE–/ do diagnóstico das recidivas.
HNF1b+ no carcinoma de células claras é útil As peças cirúrgicas de recidiva tumoral po-
no diagnóstico diferencial com carcinoma dem resultar quer de cirurgias paliativas ou de
seroso (WT1+/RE+/HNF1b–). A expressão de cirurgias secundárias de citorredução, pelo que
α-fetoproteína/glipican-3/SALL4 nos tumores os procedimentos cirúrgicos são variáveis e de-
do seio endodérmico é útil no diagnóstico vem ser identificados na requisição do exame
diferencial com carcinoma de células claras. anatomopatológico. Neste contexto devem
No diagnóstico diferencial com metástase de constar do exame anatomopatológico (sempre
carcinoma renal de células claras, a expressão que aplicável): a) identificação das peças/produ-
difusa de CK7 e CD10–/RCC– favorece primá- tos recebidos – peritoneu (especificar localiza-
rio do ovário. A ausência de expressão de ções) e resseções (omento, baço, cápsula de
inibina e de calretinina é útil no diagnóstico Glisson do fígado, cólon retossigmoide, vesícula
diferencial com tumores da granulosa/células biliar, etc.); b) descrição macroscópica das peças
esteroides. A maioria dos disgerminomas do cirúrgicas com referência ao número, dimensões
ovário expressa D2-40+/SALL4+/CD117+, não e localização das recidivas tumorais; c) tipo his-
expressos no carcinoma de células claras. Os tológico do tumor (se avaliável); d) maior dimen-
carcinomas embrionários são CD30+/LIN28+/ são histológica da recidiva/não se identifica car-
SALL4+, não expressos no carcinoma de célu- cinoma residual; d) sinais de regressão tumoral/
las claras. efeito pós-quimioterapia (quando aplicável), e e)
–– Tumores de Brenner malignos: São fundamen- estado das margens cirúrgicas (massa tumoral
talmente definidos pela associação carcinoma única).
transicional a um componente de tumor de O índice de carcinomatose peritoneal16 tem
Brenner benigno ou borderline, no entanto, sido utilizado por cirurgiões com base na locali-
o fenótipo p63+/GATA3+/CK7+/CEA+/WT1–/ zação (central, superior direita/esquerda, epigas-
RE–/p16–/CK20–/p53– pode ser útil no diag- tro, flanco direito/esquerdo, pelve, jejuno supe-
nóstico diferencial com carcinoma seroso de rior/inferior, íleo superior/inferior) e na dimensão/
alto grau com fenótipo transicional. score (0 cm; até 0,5 cm; até 5 cm; > 5 cm ou
–– Tumores seromucinosos: São geralmente confluente) de cada recidiva por localização das
CK7+/RE+/RP+/CK20–/CEA–/CDX2–. recidivas; nestas circunstâncias, o relatório anto-
mopatológico deve ser adaptado para incluir in-
QUAL O PAPEL DA ANATOMIA formação sobre as caraterísticas das diferentes
PATOLÓGICA NO DIAGNÓSTICO peças de citorredução recebidas e referenciadas,
DAS RECIDIVAS? que permitam correlação anatomopatológica com
esse índice de carcinomatose peritoneal.
O objetivo principal do exame anatomopato-
lógico perante a hipótese clínica de recidiva é BIBLIOGRAFIA
confirmar o diagnóstico. Dado que o tratamento
das recidivas depende do local onde têm lugar, 1. Kurman RJ, Carcangiu ML, Herrington CS, Young RH.
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quimioterapia neoadjuvante. Deverá também ser Vários critérios ecográficos têm sido associa-
executada nas situações em que a origem primi- dos a malignidade como a existência de compo-
tiva é duvidosa. nentes sólidos numa lesão quística sob a forma
Pode ser preconizada a realização de laparos- de nódulos, vegetações, excrescências ou proje-
copia diagnóstica no sentido de selecionar as ções papilares; parede ou septos com uma espes-
doentes que irão beneficiar ou não de uma cirur- sura > 3 mm; lesão totalmente sólida; lesão quís-
gia de citorredução máxima, ou para realização tica multiloculada > 100 mm; lesão de contornos
de biópsia para estudo anátomo-patológico. irregulares ou lobulados; vascularização abundan-
A utilização de tomografia por emissão de te dos componentes sólidos intra-lesionais; ascite
positrões FDG-PET/TC no estudo do estadiamento e implantes peritoneais (Fig.1).
do cancro do ovário ainda não está estabelecida. Na tentativa de melhorar a sensibilidade e a
Pode ser uma mais valia na deteção de metásta- especificidade desta técnica foram criados vários
ses em zonas de difícil interpretação por TC ou modelos de risco e modelos matemáticos como
RM tais como: mediastino, regiões supra-clavicu- o modelo de regras simples e o modelo de re-
lares, pequenos implantes peritoneais, ou adeno- gressão logística (LR2). Já o modelo de risco clí-
patias malignas de dimensões não aumentadas2. nico e ecográfico The Assessment of Different
Exames do foro gastrointestinal, tais como recto- Neoplasias in the Adnexa Risk model (ADNEX
sigmoidoscopia/colonoscopia ou endoscopia di- model) avalia as seguintes nove variáveis: diâme-
gestiva alta (EDA) são indicados caso exista sin- tro máximo da lesão; proporção de componentes
tomatologia que assim o justifique. sólidos; número de projeções papilares; presença
A mamografia pode ajudar no diagnóstico e de > 10 locas quísticas; presença de cone de
deve ser incluída nos exames pré-operatórios em sombra; ascite; idade; valor sérico do CA 125 e
mulheres com idade superior a 40 anos, que não tipo de hospital.
a tenham realizado nos 6 a 12 meses prévios uma Contudo, apesar da ecografia conseguir dife-
vez que a metastização ovárica, geralmente bila- renciar a maioria das lesões anexiais benignas das
teral, pode ocorrer. malignas, existem lesões cuja natureza não conse-
gue ser determinada por esta técnica, apresentan-
QUAL É O PAPEL DA RADIOLOGIA do uma especificidade inferior a outras técnicas
NO DIAGNÓSTICO DO CANCRO radiológicas e uma acuidade diagnóstica significa-
DO OVÁRIO? tivamente dependente da experiência do operador.
A RM convencional, apresenta um papel fun-
Perante a suspeita clínica de um tumor ane- damental na determinação da natureza destas
xial, o primeiro exame radiológico que deve ser lesões indeterminadas (Fig.1). É uma técnica mais
realizado é a ecografia pélvica por via transvagi- específica, permitindo o diagnóstico de um vasto
nal e por via supra-púbica. Apesar de permitir número de lesões benignas, que pela avaliação
uma ótima resolução da morfo-ecoestrutura da ecográfica são por vezes consideradas indetermi-
lesão, existem situações nas quais a abordagem nadas/suspeitas, como: teratomas maduros; fi-
isolada por ecografia pélvica por via transvaginal bromas, endometriomas e leiomiomas subserosos
é manifestamente insuficiente. A ecografia pélvi- pediculados3. O diagnóstico destas lesões permi-
ca por via supra-púbica é essencial perante tumo- te que as mulheres sejam tratadas de modo con-
res de origem incerta (nos quais é necessário servador ou com uma excisão simples (preservan-
caracterizar a sua posição anatómica relativamen- do a fertilidade) num centro não especializado3.
te às estruturas adjacentes), perante tumores O recente acréscimo de sequências funcionais
anexiais situados em locais que ultrapassam o à RM convencional (perfusão e difusão) traduziu-
campo de visão limitado da sonda transvaginal e -se numa acuidade de 91-98% na caracterização
perante tumores de grandes dimensões (Fig.1). de lesões anexiais, independentemente da expe-
O estudo ecográfico em modo B deve ser com- riência do radiologista (2, 7 e 20 anos) (Fig.1)4.
plementado com o estudo Doppler cor, com vista Tem vindo a ser demonstrado o papel da per-
à deteção de eventual neovascularização tumoral, fusão, através da análise semi-quantitativa dinâ-
se a lesão anexial se apresentar sólida ou complexa. mica da captação de contraste endovenoso pelas
A B C
D E F
Figura 1. Carcinoma seroso do ovário direito numa mulher com 88 anos. Ecografia pélvica por abordagem
supra-púbica (A). Imagens de RM ponderadas em T2 no plano axial (B) e em T1 com saturação de gordura
após administração de gadolínio no plano axial (C). Análise semi-quantitativa dinâmica da captação de contraste
endovenoso pelo tumor através de curvas tempo-intensidade (D). Estudo de difusão com sequência ponderada
em b = 1.000 smm2 (E) e respetivo mapa de ADC (F). Volumoso tumor do ovário direito com componente
quístico e sólido, apenas visualizado na sua totalidade por ecografia por via supra-púbica (A). As áreas sólidas
do tumor apresentam sinal intermédio em T2 e as áreas quísticas hipersinal em T2 (B). Verifica-se uma captação
ávida e precoce de contraste pelas áreas sólidas tumorais, traduzindo-se numa curva tempo-intensidade do
tipo 3 (C e D). Os componentes sólidos tumorais revelam restrição à difusão (E e F).
lesões anexiais, pela análise de curvas tempo-in- dimensões cuja origem é difícil de determinar
tensidade. por ecografia; uma lesão anexial sólida e pe-
Verificou-se que comparando a curva tempo- rante a presença de uma lesão adjacente ao
-intensidade da lesão anexial com a do miométrio útero tornando difícil a determinação da sua
adjacente se definiam três padrões que se corre- origem.
lacionavam com o grau de malignidade da lesão
(Fig.1). QUAL O PAPEL DAS BIÓPSIAS
Ultrapassando a limitação ecográfica relativa DIRIGIDAS POR RADIOLOGIA
à dependência do operador, uma classificação por NESTA DOENÇA?
RM foi proposta para as lesões indeterminadas
complexas – o ADNEX MR SCORING system. Esta Se a doente não for candidata a cirurgia ci-
classificação apresenta acuidades diagnósticas torredutora ótima mas a quimioterapia neoadju-
muito elevadas (AUC ROC > 0,94), com uma vante, será necessário o diagnóstico histológico
reprodutibilidade inter-observador praticamente dos implantes peritoneais para determinação de-
perfeita (κ > 0,80) tanto para radiologistas expe- finitiva de doença primária do ovário. Nestas si-
rientes como para radiologistas inexperientes5. tuações está indicada a biópsia de lesão acessível,
A RM pélvica deve ser realizada perante habitualmente do grande epíploon, guiada por
uma lesão anexial complexa com características TC ou por ecografia, obviando a necessidade de
ecográficas suspeitas; uma lesão de grandes biópsia cirúrgica ou laparoscópica6.
curtos e recuperação rápida, não atrasando desta 30-35 anos de idade ou 5-10 anos antes do caso
forma o início do tratamento com citostáticos nos positivo mais jovem.
casos de doença irressecável, quando comparada
com a laparotomia. Embora estejam descritas A QUE CENTROS SE DEVEM
complicações como disseminação da doença de- REFERENCIAR AS DOENTES COM
vido ao pneumoperitoneu e das metástases nas SUSPEITA DE CANCRO DO OVÁRIO?
portas da laparoscopia, de acordo com os estudos
publicados, estes não interferem com a sobrevi- Perante a suspeita de cancro do ovário as doen-
vência das doentes. tes deverão ser encaminhadas para serviços de gi-
necologia com experiência no diagnóstico e trata-
É POSSÍVEL IMPLEMENTAR mento do cancro do ovário. Sendo a cirurgia de
O DIAGNÓSTICO PRECOCE? extrema importância no tratamento desta doença,
com impacto na sobrevivência, esta deverá ser exe-
Enquanto a mortalidade por cancro do ová- cutada por equipas experientes em cancro gineco-
rio se mantiver elevada, a deteção precoce do lógico. Como a experiência só se adquire com a
cancro em estádios iniciais constitui um enorme concentração dos casos, será benéfico não disper-
desafio. Porém, os testes atualmente disponíveis sar a abordagem dos casos de cancro do ovário por
carecem de sensibilidade e especificidade ade- muitos serviços, dada a dimensão do nosso pais e
quadas, ou seja, não existe um método de ras- a incidência do cancro do ovário em Portugal. Des-
treio eficaz10. ta forma as doentes devem ser referenciadas para
Estudos prospetivos demonstram que o uso centros com equipas multidisciplinares experientes
combinado do CA 125 e da ecografia transvaginal na abordagem de cancro do ovário. Contrariamen-
melhora a especificidade dos testes de deteção te a outras patologias oncológicas ainda não estão
de casos cancros do ovário em fase pré-clínica. O previstos centros de referência nesta patologia.
impacto do rastreio na mortalidade por cancro do
ovário está ainda por demonstrar10. BIBLIOGRAFIA
A necessidade de rastreio eficaz do cancro do
1. González Martín A, Redondo A, Jurado M, et al. GEICO
ovário é particularmente importante para mulhe- (Spanish Group for Investigation on Ovary Cancer) treatment
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PMS2), alterações nas quais o risco de cancro do 3. Spencer JA, Forstner R, Cunha TM, et al. ESUR guidelines for
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mass: an algorithmic approach. Eur Radiol. 2009; 20(1):25-35.
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cancros do ovário. O cancro hereditário é diag- terization of complex adnexal masses: value of adding
nosticado em média 10 anos mais cedo que o perfusion- and diffusion-weighted MR imaging to conven-
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menos complicações perioperatórias e pós-opera- Numa série de 267 doentes, Harter5 relatou uma
tórias no segundo grupo4. mediana de sobrevivência de 45 versus 19 meses
entre cirurgia sem e com doença residual respetiva-
QUANDO ESTÁ INDICADA mente. As variáveis associadas a resseção completa
A CIRURGIA DE CITORREDUÇÃO foram estado geral da doente (Eastern Cooperative
INTERMÉDIA? Oncology Group [ECOG] 0 vs. >0), estádio inicial
(International Federation of Gynecology and Obs-
A cirurgia de citorredução intermédia, tam- tetrics [FIGO] I-II vs. III-IV), doença residual após
bém designada por cirurgia de intervalo, pode ser cirurgia primária (nenhuma vs. presente) e ausên-
realizada em duas situações clínicas: cia de ascite versus quantidade superior a 500 ml.
–– Quando uma cirurgia primária de redução tu- A combinação destas quatro variáveis, validadas
moral é incompleta, pela extensão, localização no Descriptive Evaluation of Preoperative Selection
da doença, ou falta de experiência do cirurgião, Kriteria for Operability in Recurrent Ovarian Cancer
é proposta QT e posteriormente efetuada ci- (DESKTOP II), é preditiva de cirurgia completa em
rurgia de citorredução; até cerca de 79% dos casos.
–– Nas situações de mau estado geral com co- A extensão da doença peritoneal é também
morbilidades e/ou doença com critérios radio- um importante fator a considerar. A carcinomato-
lógicos de irressecabilidade, tal como referido se e ascite volumosa têm sido consideradas con-
na resposta anterior, é efetuada biópsia e traindicação à cirurgia da recidiva. O ILD é um
preconizada QT neoadjuvante seguida de ci- outro fator importante, sendo consensual que a
rurgia de intervalo. doença resistente à platina não deve ser submeti-
da a cirurgia, enquanto os resultados melhores são
QUANDO ESTÁ INDICADO obtidos com ILD > a 24 meses. O ensaio DESKTOP
O TRATAMENTO CIRÚRGICO III, que avalia o impacto da cirurgia completa na
DAS RECIDIVAS DO CANCRO SG, randomiza as doentes em ILD de 6 a 12 meses
DO OVÁRIO? e > a 12 meses. Em conclusão, o objetivo na cirurgia
da recidiva deve ser a excisão tumoral completa.
Cerca de 30% dos carcinomas do ovário em O maior benefício parece existir em doentes com
estádios I-II e cerca de 70% em estádios avança- excelente estado geral, com boa resposta à QT,
dos recidivam. Embora a maioria das recidivas que tenham uma recorrência isolada, sem doença
seja tratada com quimioterapia, alguns casos se- residual após remoção. Mesmo a resseção de me-
lecionados poderão beneficiar da cirurgia. tástases isoladas hepáticas, pulmonares, esplénicas
O papel da cirurgia de citorredução na recidiva ou ganglionares, pode melhorar a sobrevivência
do carcinoma do ovário ainda não está totalmente em doentes cuidadosamente selecionadas.
clarificado e o seu conhecimento tem sido baseado
sobretudo em estudos retrospetivos. Os dados de QUAIS AS SITUAÇÕES DE URGÊNCIA
alguns estudos mostram benefícios na SG, sendo EM QUE ESTÁ INDICADO
que o benefício é maior quando a cirurgia é ótima, O TRATAMENTO CIRÚRGICO
sem doença residual macroscópica. DO CANCRO DO OVÁRIO?
Na Conferência de Consenso sobre Cancro do
Ovário em 1998, foram definidos os fatores que As doentes com carcinoma epitelial do ovário
tornam as doentes com recidiva elegíveis para avançado ou recidivado, apresentam frequente-
cirurgia de máxima citorredução: mente um quadro clínico de obstrução intestinal,
–– Intervalo livre de doença (ILD) > a 12 meses. parcial ou total, que se pode atribuir à carcinoma-
–– Resposta à terapêutica de 1.ª linha (sensibili- tose peritoneal e consequente íleos ou a bloqueio
dade à platina). mecânico. A implementação de novas terapêuticas
–– A resseção completa parece possível na ava- alvo como os antiangiogénicos, podem favorecer
liação pré-operatória. a formação de fístulas ou perfuração intestinal.
–– Bom performance status. A terapêutica sistémica agressiva, a cirurgia
–– Idade jovem. prévia e a disseminação extensa, combinada com
40 100
38
36 80
34
32 60
30
28 40
26
24 20
Median overall 22 Maximun surgical
20 0
survival (months) tumour reducition (%)
desejem preservar a fertilidade. Apenas nos casos O ato cirúrgico implica uma laparotomia com
de cancro do ovário no estádio IA grau 1 ou 2, sem incisão longitudinal supra/infraumbilical, que per-
história de cancro hereditário do ovário, pode ser mita uma minuciosa exploração da cavidade ab-
ponderada a cirurgia conservadora8. dominal (desde as cúpulas diafragmáticas, a todo
Esta cirurgia consiste numa laparotomia ex- o andar superior do abdómen, intestino delgado,
ploradora com anexectomia unilateral e estadia- cólon e pélvis), assim como uma cirurgia de esta-
mento completo (conforme referido na resposta diamento e citorredução corretas. A não visuali-
à primeira questão), com preservação do útero e zação de qualquer disseminação macroscópica da
ovário contralateral. doença implica efetuar, para além do lavado pe-
Regra geral, o útero e ovário restante deverão ritoneal, biópsias das goteiras parietocólicas, cú-
ser excisados após a mulher ter completado o seu pulas diafragmáticas, peritoneu pré-vesical e do
projeto reprodutivo. fundo de saco de Douglas, histeretomia total com
anexectomia bilateral, biópsias de gânglios pélvi-
COMO SE CLASSIFICA A DOENÇA cos e lombo - aórticos e omentectomia. A apen-
RESIDUAL APÓS CIRURGIA dicectomia é obrigatória em todos os adenocarci-
CONSERVADORA DO CANCRO nomas mucinosos, embora haja quem a preconize
DO OVÁRIO? em todos os tipos de cancro, por ser local de
metastização muitas vezes microscópica.
O cancro do ovário é uma neoplasia que é Só uma cirurgia adequada é que permite um
detetada, em 70 a 80% das situações, em estádios correto estadiamento (FIGO), principalmente nos
avançados (estádio III / IV da FIGO)9. A cirurgia, estádios iniciais, a fim de avaliar a necessidade ou
nesta patologia, é o primeiro e principal pilar de não quimioterapia e estabelecer prognósticos. A
tratamento, independentemente do estádio. Por agressividade cirúrgica só deverá ter lugar quan-
tal motivo, necessita que seja efetuada por uma do se prevê que a doença residual macroscópica
equipa multidisciplinar e bem diferenciada, já que é nula ou pequena.
frequentemente são múltiplos e variados os órgãos Considera-se cirurgia ótima quando a
envolvidos pela doença. doença macroscópica é nula. Sempre que este
Tratamento sistémico
do cancro do ovário
reações suaves a moderadas existem algumas o tratamento deve ser retomado após alívio total
alternativas: dos sintomas e com um ritmo de perfusão do
–– Administração de pré-medicação com corticos- paclitaxel mais reduzido. O retratamento após rea-
teroides e anti-histamínicos e diminuição do ções graves ou se ocorrer sem ser na primeira
ritmo de infusão da carboplatina. Esta possibi- exposição é desaconselhado, fora do âmbito de
lidade deve ser instituída apenas se se tratar protocolos de dessensibilização. Em qualquer cir-
de uma primeira reação à carboplatina. cunstância, a decisão de retratar com paclitaxel
–– Realização de protocolos de dessensibilização deverá ser baseada na relação entre o risco de
à carboplatina. reações adversas graves, o potencial benefício de
–– Substituição por outro sal de platina (cisplatina). continuar com o tratamento e o acesso a proto-
–– Realização de testes cutâneos de hipersensibi- colos de dessensibilização. A substituição por
lidade para prever reações alérgicas a doentes outro fármaco, como o docetaxel, poderá ser
que vão ser novamente tratados com carbo- uma opção.
platina ou para prevenir reações cruzadas com
o outro sal de platina. QUIMIOTERAPIA
INTRAPERITONEAL: SIM OU NÃO?
O QUE FAZER FACE À REAÇÃO
ANAFILÁTICA AO PACLITAXEL? Três grandes ensaios de fase III demonstraram
benefício na sobrevivência com a QT intraperito-
Enquanto as reações de hipersensibilidade à neal (IP) versus EV no carcinoma do ovário em
carboplatina são adquiridas, ou seja, o seu risco estádio III com pequeno volume de tumor residual
aumenta com a exposição prolongada ao fárma- após citorredução.
co, relativamente ao paclitaxel estas são imedia- O estudo GOG104, que investigou ciclofosfa-
tas e ocorrem tipicamente na primeira ou segun- mida 600 mg/m2 EV/cisplatina 100 mg/m2 IP ou
da infusão. Há evidências que o excipiente do cisplatina 100 mg/m2 EV 6 ciclos, após citorredu-
paclitaxel, o cremophor EL (não presente no do- ção ótima (tumor residual < 2 cm), demonstrou
cetaxel), parece induzir a libertação de histamina vantagem significativa na SG nas doentes tratadas
e o aparecimento de hipotensão, podendo ser com QT IP (49 vs. 41 meses, p = 0,02).
responsável, em parte, pelas reações de hipersen- No ensaio GOG114, as doentes em estádio III
sibilidade ao fármaco. Independentemente do e tumor residual < 1 cm foram randomizadas
mecanismo subjacente às reações de hipersensi- para o esquema endovenoso paclitaxel (135 mg/
bilidade, os sinais e sintomas associados são so- m2 24 horas de infusão)/cisplatina (75 mg/m2 dia
breponíveis. 2) 6 ciclos versus carboplatina AUC 9 EV, 28/28
Para o paclitaxel estão reportadas incidências dias 2 ciclos + paclitaxel (135 mg/m2 24 horas de
que variam entre 8 e 45%, sendo que 95% estão infusão)/cisplatina (100 mg/m2 IP dia 2) 6 ciclos.
descritas na primeira ou segundas infusões. São Houve benefício significativo na SLP (22 vs. 28
reações que ocorrem rapidamente, com 80% dos meses, p = 0,01) mas apenas borderline na SG
doentes a desenvolverem sintomas durante os pri- (52 vs. 63 meses, p = 0,05) e com pior toxicidade
meiros 10 minutos da infusão. O tratamento com hematológica para o braço com cisplatina IP.
paclitaxel deve compreender sempre a realização O ensaio GOG172 randomizou doentes em
de pré-medicação com corticosteroide (dexameta- estádio III e tumor residual < 1 cm para paclita-
sona), anti-histamínico e antagonista H2 (ranitidina, xel (135 mg/m2 24 horas de infusão)/cisplatina
cimetidina). Deve estar sempre disponível equipa- (75 mg/m2 EV dia 2) versus paclitaxel (135 mg/m2
mento de suporte e reanimação adequados. 24 horas de infusão)/cisplatina (100 mg/m2 IP
Quando ocorre uma reação de hipersensibili- dia 2) + paclitaxel (60 mg/m2 IP dia 8), 21/21 dias,
dade ao paclitaxel6 a perfusão deverá ser interrom- 6 ciclos. Verificou-se uma melhoria significativa
pida e administrada terapêutica de suporte, seme- da SG (49,7 vs. 65,5 meses, p = 0,03) com a QT
lhante à descrita para a carboplatina. Se as reações IP, mas apenas 42% das doentes completaram
forem suaves a moderadas, e apenas se se tratar de os 6 ciclos e 34% descontinuaram o tratamento
uma reação após a primeira exposição ao paclitaxel, por complicações relacionadas com o cateter. A
toxicidade grau 3/4 foi significativamente mais GOG252. Estão também por identificar quais os
comum no grupo da QT IP (infeciosa, hematoló- subgrupos de doentes (por subtipo histológico,
gica nomeadamente leucopenia e trombocito- perfil molecular, sensibilidade à platina) que mais
penia, gastrointestinal, renal, neurológica, me- beneficiam da QT IP.
tabólica, dor abdominal e astenia) e com pior
qualidade de vida. TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO:
Uma meta-análise de nove ensaios randomi- QUAL A EVIDÊNCIA PARA
zados, incluindo 2.119 doentes tratadas com A QUIMIOTERAPIA?
QT EV versus QT incluindo citotóxico(s) IP após
cirurgia de citorredução primária, concluiu que a A cirurgia de resseção máxima combinada
QT IP aumenta a SG (HR: 0,81; IC 95%: 0,72-0,90) com quimioterapia englobando derivado da pla-
e a SLP (HR: 0,78; IC 95%: 0,70-0,86), embora à tina e paclitaxel permite obter remissão clínica
custa de elevada toxicidade, incluindo complica- completa em cerca de 75% dos casos de carci-
ções relacionadas com o cateter7. noma epitelial do ovário. No entanto, após 18 a
Mais recentemente, o ensaio GOG252 avaliou 28 meses, aproximadamente 75% das respon-
se a QT IP (paclitaxel 80 mg/m2 EV dias 1, 8 e 15/ dedoras recidivam. Neste contexto, surge o con-
carboplatina AUC 6 IP versus paclitaxel 135 mg/ ceito de terapêutica de manutenção como uma
m2, 3 horas de infusão/cisplatina 75 mg/m2 IP, possível estratégia para prevenir ou atrasar a
dia 2 + paclitaxel 60 mg/m2 IP, dia 8, 21/21 dias, recidiva, após a obtenção de uma remissão clí-
6 ciclos) versus a QT EV (paclitaxel 80 mg/m2, dias nica com o tratamento de quimioterapia de pri-
1, 8 e 15/carboplatina AUC 6, 21/21 dias, 6 ciclos), meira linha. Os primeiros ensaios com quimiote-
ambas combinadas com bevacizumab (15 mg/kg, rapia iniciaram-se na década de noventa. Desde
dia 1, ciclo 2 a ciclo 22), melhorava a SLP das então, foram avaliadas várias combinações de
doentes em estádios II-III após citorredução ótima agentes citotóxicos, sem resultados satisfatórios.
(tumor residual ≤ 1 cm). Foram aleatorizadas Os ensaios clínicos incluíram o prolongamento
1.560 doentes, 84% em estádio III e 57% sem dos esquemas de quimioterapia de indução ou
tumor residual após cirurgia. Apesar da melhor a administração de citotóxicos em monoterapia.
tolerância (≥ 84% das doentes completaram os 6 A única estratégia que resultou num aumento
ciclos de QT) e menor neurotoxicidade grau 2 com significativo da SLP, embora com deterioração da
a carboplatina IP e a cisplatina 75 mg/m2 IP (24 vs. qualidade de vida e sem impacto na SG, foi a
48% no ensaio GOG172), não houve diferenças manutenção do tratamento com paclitaxel. Este
na mediana de SLP entre os três braços (carbopla- benefício foi demonstrado no ensaio de fase III
tina IP 28,7 vs. cisplatina IP 27,8 vs. carboplatina do American Intergroup, SWOG-GOG1788. Nes-
EV 26,8 meses). te ensaio, 277 doentes com carcinoma epitelial
Apesar da eficácia demonstrada da QT IP no do ovário, em remissão clínica completa após
estádio III com doença residual < 1 cm, ainda quimioterapia com cisplatina e paclitaxel, foram
existe controvérsia quanto à interpretação dos aleatorizados para receberem paclitaxel por 3 ou
resultados destes ensaios, nomeadamente pelo 12 ciclos adicionais, na dose de 175 mg/m2 cada
não uso do padrão atual de QT EV como braço 28 dias. Foi obtido um aumento significativo,
controlo. A toxicidade e a complexidade de ad- mas modesto, na SLP favorecendo o braço de
ministração da QT IP têm impedido a generaliza- tratamento com paclitaxel durante 12 ciclos, com
ção da sua aplicação na prática clínica. A com- mediana de SLP de 28 vs. 21 meses (p = 0,0023)8.
binação da platina IP (cisplatina vs. carboplatina) A toxicidade da terapêutica de manutenção in-
com várias formas de administração de taxanos cluiu a alopécia mantida e o aumento da neuro-
e/ou terapias-alvo, a dose (cisplatina IP 75 vs. 100 patia periférica no braço de maior duração de
mg/m2), o número de ciclos e o mecanismo de terapêutica (29 vs. 16% de neuropatia de grau
administração da QT IP considerados ótimos con- II-III)8.
tinuam por definir. Não existe evidência para Na ausência de ensaios que demonstrem um
combinar a QT IP com bevacizumab, apesar de impacto na SG as recomendações internacionais
ainda se aguardar pelos dados da SG do ensaio não advogam a utilização de quimioterapia de
Terapêuticas alvo
no cancro do ovário
Tabela 1. Fármacos antiangiogénicos mais estudados custo-eficácia revelou ainda que a adição de be-
no COE vacizumab à QT standard não foi favorável16.
Anticorpos monoclonais Alvo
No ICON 7, 1.528 doentes em estádios iniciais
com características de mau prognóstico ou em
– Bevacizumab VEGF estádios avançados foram aleatorizadas para seis
ciclos de QT standard com ou sem bevacizumab
Inibidores tirosina-quinase Alvo
(7,5 mg/kg) durante a QT, seguida de manuten-
– Pazopanib VEGF ção com bevacizumab durante 12 ciclos adicio-
PDGF nais14. A SLP foi superior no braço do bevacizu-
c-kit mab (24 vs. 22 meses) mas não houve diferenças
– Trebananib Ang1 e Ang2 na SG ou na qualidade de vida. No entanto, nas
doentes de alto risco (estádio III com doença re-
– Nintedanib VEGFR-1, -2, -3 sidual > 1,0 cm após cirurgia ou estádio IV) o
PDGFR-alfa/beta,
FGFR-1, -2, -3,
bevacizumab conferiu um aumento estatistica-
Src, e Flt-3 mente significativo da SLP (18 vs. 14 meses) e
também da SG (37 vs. 29 meses)14. Assim, neste
– Pazopanib VEGFR-1, -2, -3 subgrupo de doentes, a incorporação de beva-
PDGFR-alfa/beta,
– Cedirabib FGFR-1, -2, -3,
cizumab no tratamento de primeira linha, é pre-
c-kit sentemente uma recomendação formal nos
consensos internacionais e nacionais, dado o im-
VEGF: vascular endothelial growth factor; PDGF: platelet-derived
growth factor; Ang1 e Ang2: angiopoietinas; VEGFR: vascular pacto na SG.
endothelial growth factor receptor; FGFR: fibroblast growth factor No GOG 262, doentes em estádio II a IV,
receptors.
operadas, foram aleatorizadas para carboplatino
e paclitaxel convencional vs. esquema dose-dense.
O bevacizumab foi opcional em ambos os braços.
bevacizumab em primeira linha de tratamento foi Não foi demonstrada vantagem significativa com
avaliada em dois grandes ensaios de fase III do a adição de bevacizumab17.
Gynecologic Oncology Group (GOG) 21813 do O standard first-line chemotherapy with or
International Collaborative on Ovarian Neoplasms without nintedanib for advanced ovarian cancer
(ICON) 714. (AGO-OVAR) 16 mostrou um aumento significa-
No GOG 218, 1.873 doentes em estádio III ou tivamente a SLP (18 vs. 12 meses) com a realiza-
estádio IV foram aleatorizadas em três braços. No ção de pazopanib vs. placebo como terapêutica
grupo I foram efetuados seis ciclos de QT stan- de manutenção durante 52 semanas, em doentes
dard com carboplatina área sob a curva (AUC) estádio II-IV, que tenham tido benefício clínico
6 associado ao paclitaxel 175 mg/m2 no dia 1 a após a cirurgia de citorredução e, pelo menos,
cada 21 dias, concomitantemente com placebo seis ciclos de QT primária. Contudo, este tripleto
do ciclo 1 ao 6, seguidos de manutenção do revelou uma toxicidade grave, nomeadamente
placebo até ao 15.o mês. No grupo II foi adminis- fadiga, diarreia, edemas periféricos, elevação de
trado bevacizumab (15 mg/kg no dia 1, ciclo 2 a gamaglutamiltransferase (GGT) e alanina amino-
6) concomitantemente com a QT standard, segui- transferase (ALT). Não houve tradução em termos
do de placebo até ao 15.o mês. No grupo III, o de SG6.
bevacizumab foi administrado com a QT segui- Na recidiva na doença platino-sensível, há
da de bevacizumab (15 mg/kg no dia 1, cada dois ensaios de fase II que avaliaram o uso do
21 dias) até ao 15º mês. Apesar de ter sido bevacizumab em monoterapia18 ou associado a
demonstrado um aumento significativo da SLP ciclofosfamida metronómica19. Apesar de ter sido
(14,1 vs. 10,3 meses) no grupo III, não foi eviden- demonstrada alguma eficácia, não há nenhuma
ciado um aumento significativo da SG (39 meses recomendação para o seu uso nestas circunstân-
em todos os braços)13. O crossover de 40% das cias. O ensaio OCEANS mostrou benefício da
doentes para o grupo III não permite a estimativa associação de bevacizumab à QT com carbopla-
da SG com precisão adequada12,15. Um estudo de tina e gencitabina, registando-se um aumento
significativo da SLP (12 vs. 8 meses) e adição de mostrou um aumento significativo da SG quando
dois meses à SG (34 vs. 33 meses)20. No entanto, efetuado concomitantemente com carboplatina e
este aumento da SG foi à custa do crossover para placlitaxel, e sequencialmente em manutenção na
o braço do bevacizumab em 31% das doentes doença platinossensível, ainda que à custa de
do grupo controlo20. No estudo GOG 213, as efeitos laterais que não foram desprezíveis (hiper-
doentes com doença platinossensível foram alea- tensão, hemorragia e fadiga)25.
torizadas para tratamento cirúrgico (citorredução
secundária vs. ausência de tratamento cirúrgico) EXISTEM BIOMARCADORES
e separadamente para tratamento médico (carbo- PREDITIVOS DO BENEFÍCIO DOS
platino e paclitaxel com ou sem bevacizumab). FÁRMACOS ANTIANGIOGÉNICOS?
Foi demonstrado um aumento significativo na SLP
(14 vs. 10 meses) e verificada uma tendência para Até à data ainda não foi validado nenhum
a SG (42 vs. 37 meses) para o braço que fez biomarcador preditivo do benefício dos antian-
bevacizumab21. giogénicos. O CA 125 não é igualmente conside-
Na doença platinorresistente, o bevacizumab rado um marcador fidedigno ou exato na predi-
mostrou vantagens quando associado à mono- ção de resposta aos agentes antiangiogénicos,
terapia com paclitaxel, topotecano, ou doxorru- nomeadamente ao bevacizumab26, devendo o
bicina peguilada lipossómica, de acordo com o seu valor ser usado com precaução e integrado
estudo AURELIA22. Neste ensaio verificou-se um com os restantes elementos de avaliação de res-
aumento significativo da SLP (3,4 vs. 6,7 meses) posta, uma vez que o seu aumento nem sempre
e da taxa de resposta global (11,8 vs. 27,3%) nas acompanha a resposta clínica e imagiológica.
doentes que efetuaram bevacizumab. Dado o
perfil de segurança do bevacizumab, a seleção O QUE É A POLY(ADP-RIBOSE)
das doentes com menor risco de perfuração é POLYMERASE E COMO FUNCIONA
fundamental. No ensaio AURELIA, o subgrupo de A SUA INIBIÇÃO?
doentes com ascite refratária obteve o maior be-
nefício com a terapêutica combinada. Em mono- A poly(ADP-ribose) polymerase (PARP) consti-
terapia, dois estudos de fase II mostraram algum tui um grupo de proteínas nucleares envolvidas
benefício clínico18,23, não estando contudo o seu na regulação de inúmeras funções biológicas es-
uso preconizado. senciais na reparação de ácido desoxirribonuclei-
O trebananib mostrou resultados promissores co (ADN), como: modificação de histonas, regu-
quando combinado com o paclitaxel semanal, no lação da cromatina, participação no comprimento
ensaio TRINOVA-124. As 919 doentes, com um de telómeros, estabilização de cromossomas e
intervalo livre de platino ≤ 12 meses, foram alea- envolvimento na apoptose. O principal membro
torizadas para efetuar paclitaxel semanal associa- da família PARP é a PARP-1, que funciona como
do a trebananib ou placebo. A SLP foi superior sensor do dano de DNA e molécula de sinaliza-
no braço que realizou trebananib (7,2 vs. 5,4 ção, partilhando funções enzimáticas e de recru-
meses) mas não houve impacto na SG e demons- tamento27.
trou-se um aumento de eventos adversos (edema, A inibição da PARP promove a persistência de
derrame pleural, ascite e neuropatia periférica)24, single strand breaks (SSB) que se convertem em
embora estes sejam, no geral, bem tolerados. Os double strand breaks (DSB) durante o processo
resultados do uso do trebananib associado à QT de replicação de DNA. Em condições celulares
em primeira linha (TRINOVA-3) e na recidiva em normais, as DSB são reparadas por recombinação
doentes platinorresistente (TRINOVA-2) são ainda homóloga. Nos indivíduos portadores de muta-
aguardados. ções BRCA1 ou BRCA2, a deficiência na repara-
Vários estudos de fase III estão em curso para ção do dano de DNA através de recombinação
os restantes TKI. A associação de nitendanib com homóloga, torna-os particularmente sensíveis à
a carboplatina e paclitaxel está a ser avaliada em inibição da PARP que pode constituir um alvo
tratamento de primeira linha, seguida de niten- terapêutico, numa estratégia definida como leta-
danib de manutenção. Por fim, o cediranib, lidade sintética27.
abordagem pode atrasar a progressão de doença A maioria dos cancros do ovário apresenta
e consequente reinício de QT. Neste sentido, os sobre-expressão de recetores do folato a (a-FR),
inibidores da PARP têm sido estudados como te- associada a pior prognóstico. Farletuzumab é um
rapêutica de manutenção, sendo a fase mais per- anticorpo monoclonal anti-a-FR. Estudos de fase
tinente para a sua utilização no tratamento do 1 e 2 no cancro do ovário recidivado sensível à
cancro do ovário. platina mostraram vantagem na SLP com farle-
Até à data, o fármaco mais estudado é o tuzumab e QT seguido de farletuzumab em ma-
olaparib em monoterapia. No estudo de Leder- nutenção; estudos de fase 3 foram negativos31.
mann, et al., foram incluídas 265 mulheres com Catumaxomab, anticorpo trifuncional contra
tumor seroso do ovário recorrente, sensível à pla- a molécula de adesão celular Epithelial cell adhe-
tina, aleatorizadas para terapêutica oral com sion molecule (EpCAM), destrói as células tumo-
olaparib (400 mg, duas vezes por dia) vs. placebo. rais que expressam EpCAM, responsáveis pela
Foi demonstrado um benefício no braço do ascite maligna, recrutando linfócitos T CD3+. Em
olaparib, com uma SLP de 8,4 meses no grupo estudos de fase 2, catumaxomab associado a QT
do olaparib versus 4,8 meses no grupo placebo, diminuiu a necessidade de paracentese e aumen-
sendo que nos doentes com mutação BRCA1 ou tou a qualidade de vida.
BRCA2 a diferença na SLP foi de 6,9 meses con- Os estudos de fase 3 com os anticorpos anti-
tra os 1,9 meses nos doentes sem mutação. Os -CA 125, em manutenção (oregovomab e abago-
resultados neste ensaio podem dever-se à grande vomab), mostraram boa tolerabilidade mas sem
percentagem de indivíduos com mutação BRCA impacto na SLP ou SG31.
incluídos (germinal ou somática): 56% no grupo Cerca de 70% dos cancros do ovário sobre-
do olaparib vs. 50% no grupo placebo. Os doen- -expressam EGFR, tornando-o num alvo promis-
tes com tumores wild-type em que se verificou sor. O cetuximab e panitumumab, anticorpos mo-
resposta ao olaparib, provavelmente teriam um noclonais anti-EGFR, foram estudados no cancro
defeito na recombinação homóloga relacionado do ovário. O cetuximab em monoterapia na doen-
com alterações genéticas mais raras ou inativação ça metastática recorrente mostrou algum benefí-
epigenética BRCA1. Não se verificaram diferenças cio clínico; em combinação com QT, os resultados
na SG29. foram mais vantajosos. O panitumumab foi usado
Os efeitos adversos mais comuns foram fadi- na doença resistente aos platinos em combinação
ga e anemia, sem diferenças de acordo com a com a doxorrubicina lipossómica e mostrou au-
presença ou não de mutação BRCA. Atualmente, mento da taxa de resposta, sem influência na SG.
estão em curso ensaios de fase 3 em monoterapia O pertuzumab, anticorpo monoclonal que ini-
e tenta-se também perceber o benefício da asso- be a dimerização de HER2, mostrou em combi-
ciação, nomeadamente com antiangiogénicos. nação com QT, na doença resistente aos platinos,
melhor taxa de resposta em estudo de fase 1 e
A IMUNOTERAPIA TEM 2. O estudo de fase 3, nos carcinomas de ovário
RELEVÂNCIA NO TRATAMENTO DO de baixo grau, resistentes aos platinos, com so-
CANCRO DO OVÁRIO? bre-expressao de HER3 mensageiro ácido ribonu-
cleico (mRNA) (PENELOPE) não mostrou vanta-
No cancro do ovário epitelial há evidência gem em termos de SLP32.
clínica da influência do sistema imunitário na res- CTLA-4 é uma molécula importante na ativa-
posta ao tratamento31. Tumores com infiltrados ção dos linfócitos T reguladores, que suprime a
de células T estão associados a maior SLP e maior resposta imunológica tumoral. O ipilimumab é
SG, particularmente neoplasias ricas em linfócitos um anticorpo anti-CTLA-4, aprovado para trata-
T CD8+ e/ou CD3+. A presença de células T su- mento do melanoma metastizado e está a ser
pressoras, recrutadas pelas células tumorais, está avaliado no cancro do ovário em estudos de fase 2.
associada a pior prognóstico. Nas últimas déca- O tremelimumab é outro anticorpo, anti-CTLA-4,
das, as imunoterapias têm vindo a ser testadas que está a ser estudado no carcinoma de ovário
na abordagem do cancro do ovário, todavia, a recorrente, em ensaios de fase 2, em associação
sua eficácia é modesta31. com o olaparib33.
e a identificação de fatores preditivos de respos- 18. Burger RA, Sill MW, Monk BJ, Greer BE, Sorosky JI. Phase
II trial of bevacizumab in persistent or recurrent epithelial
ta permitirão num futuro próximo uma melhor ovarian cancer or primary peritoneal cancer: a Gynecologic
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rentes terapêuticas-alvo. Estas poderão ser mais 19. Garcia AA, Hirte H, Fleming G, et al. Phase II clinical trial
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eficazes e constituir a base para o tratamento phamide in recurrent ovarian cancer: a trial of the Cali-
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e das taxas de resposta avaliadas por RECIST5. Na longadas, com várias remissões da sua doença.
análise de subgrupos constatou-se que o paclita- Classicamente, a escolha do tipo e da duração
xel semanal em associação ao bevacizumab apre- do tratamento é influenciada por vários fatores:
sentou melhores resultados e nas doentes com uns dependentes da própria doença (tipo e loca-
ascite a eficácia clínica foi evidente, habitualmente lização da recorrência, possibilidade de tratamen-
sem necessidade de paracenteses de novo, após to cirúrgico combinado, resposta e duração da
a realização do primeiro ciclo. Assim, o uso de mesma à quimioterapia anterior) e outros depen-
bevacizumab pode ser uma alternativa neste sub- dentes da própria doente (vontade da doente,
grupo de doentes, dependendo das condições performance status e toxicidades residuais de
clínicas das mesmas, inicialmente associado à qui- tratamentos anteriores). Atualmente, o status
mioterapia e depois em manutenção até toxicida- mutacional do gene BRCA assume um papel re-
de ou progressão. levante na seleção do tratamento da recidiva,
dado permitir a utilização do olaparib como te-
A HORMONOTERAPIA TEM rapêutica de manutenção, com bom perfil de
INDICAÇÃO NAS RECIDIVAS toxicidade, num subgrupo com mutação BRCA.
DO CANCRO DO OVÁRIO? A duração ótima da quimioterapia no tratamen-
to da recorrência não está ainda estabelecida.
O papel da hormonoterapia no carcinoma do Alguns estudos efetuados neste contexto contem-
ovário está ainda por definir. O suporte para o uso plam um máximo de seis ciclos de quimioterapia,
de fármacos como os inibidores da aromatase (anas- à semelhança do tratamento adjuvante, no entan-
trozol, letrozol) ou antiestrogénicos (tamoxifeno) é to, outros, e sobretudo aqueles que incluem outro
dado por estudos fase II, que mostraram taxas de tipo de fármacos, permitem o tratamento até à
resposta completa entre 8 a 17% e de controlo de progressão ou à toxicidade.
doença (incluindo doença estável) até 55%, com Na presença de várias alternativas de trata-
bom perfil de toxicidade6. Em muitos destes estu- mento que permitem abordagens sequenciais e
dos, os doentes não foram selecionados com base de novas terapêuticas, como o bevacizumab e o
na positividade para recetores hormonais, o que olaparib, na maioria das vezes bem toleradas, é
pode ter condicionado as taxas de resposta obtidas possível efetuar tratamentos mais prolongados
e impedir a determinação adequado do benefício com controlo sintomático importante e impacto
clínico da hormonoterapia6. Nas normas de orien- positivo na sobrevivência e qualidade de vida.
tação da National Comprehensive Cancer Network Na prática, na ausência de toxicidade limitan-
(NCCN), a hormonoterapia (inibidores da aromata- te, o tratamento deve ser mantido até resposta
se, acetato de leuprolido, acetato de megestrol, máxima.
tamoxifeno) não é considerada como tratamento
de eleição na recorrência, mas é classificada como É POSSÍVEL TOMAR A DECISÃO
«potencialmente ativa»6. Assim, e com base tam- DE TRATAR COM BASE
bém na percentagem de controlo de doença acima NO CA 125?
referida, a hormonoterapia pode ser considerada
como uma opção terapêutica6. São necessários Vários estudos demonstraram que os níveis de
estudos prospetivos para avaliar a eficácia da hor- CA 125 se correlacionam com o status da doença
monoterapia e quais os subgrupos de doentes na maioria dos casos. Este marcador pode elevar-
que mais podem beneficiar com o seu uso. -se cerca de 2 a 5 meses antes da deteção ima-
giológica da recorrência e, em cerca de um terço
QUAL A DURAÇÃO ÓTIMA das mulheres, cerca de seis meses antes do desen-
DO TRATAMENTO NA RECIDIVA volvimento de sintomas. Faz por isso parte das gui-
DO CANCRO DO OVÁRIO? delines para o seguimento dos tumores epiteliais
do ovário.
O tratamento da recidiva do carcinoma do A recorrência do cancro do ovário não é curá-
ovário não tem intuito curativo, no entanto, vel pelo que não é claro se a deteção mais
precoce pode ter impacto quer na sobrevivência que, desta forma, há um aumento da atividade
quer na qualidade de vida. citotóxica da cisplatina, uma vez que as altas
Esta questão foi alvo de um estudo multicên- temperaturas podem ultrapassar a resistência a
trico, fase III da EORTC (OV-05), com 1.442 doen- esse fármaco8. Sabe-se ainda que há um au-
tes, com resposta completa após 1.ª linha de mento da penetração intraperitoneal da cispla-
quimioterapia baseada em platinos. O seguimen- tina quando administrada intraperitonealmente
to foi feito com avaliações do CA 125 e exame em associação à hipertermia, por aumento da
clínico a cada três meses. As doentes que apre- sua acumulação intracelular8. O efeito citotóxi-
sentaram elevações do marcador, superiores ao co parece estar amplificado também como re-
dobro do normal foram randomizadas para tra- sultado da perda de capacidade de reparação
tamento imediato ou quando clinicamente indi- do ADN das células8. Vários fármacos podem
cado. O tratamento com base na elevação ex- ser utilizados nesta técnica, sendo que todos
clusiva do CA 125 foi iniciado 4,8 meses mais eles deverão ser termoestáveis e ter um alto peso
cedo, sem benefício em termos de SG, condicio- molecular (platinos, taxanos, mitomicina C e do-
nando até uma pior qualidade de vida no grupo xorrubicina8.
das tratadas mais precocemente7. Apesar do HIPEC ser um tratamento promis-
Em suma, com base neste estudo não há in- sor, o seu uso permanece controverso. Os da-
dicação para quimioterapia em doentes assinto- dos publicados são todos retrospetivos, hetero-
máticas com elevação do CA 125 que não te- géneos e não demonstraram benefício em
nham sinais clínicos ou evidência imagiológica de termos de sobrevivência. Encontram-se a decorrer
recorrência. oito estudos prospetivos randomizados fase III,
sobre a utilização de HIPEC em doentes com
QUAL O PAPEL DA QUIMIOTERAPIA carcinoma do ovário em diferentes fases da sua
INTRAPERITONEAL HIPERTÉRMICA doença8.
NO TRATAMENTO DA RECIDIVA Aguardam-se, com muita expectativa, os re-
DO CARCINOMA DO OVÁRIO? sultados destes ensaios, que poderão modificar a
prática clínica atual. Até à apresentação dos re-
Sabe-se que, apesar de cirurgia de citorredu- sultados dos estudos, e com base na informação
ção ótima seguida de quimioterapia convencio- actual disponível na literatura, o HIPEC não deve
nal, grande parte das doentes com carcinoma do ser proposto como tratamento na recidiva do
ovário vão apresentar recidiva da sua doença que, carcinoma do ovário, exceto em contexto de en-
na maioria dos casos, é confinada à cavidade saio clínico e/ou em doentes selecionados e em
abdominal. O racional que defende a administra- centros de referência.
ção intraperitoneal de quimioterapia tem por
base esta característica particular do carcinoma QUANDO DECIDIR SOBRE
do ovário e, de facto, já foi demonstrada melho- CUIDADOS PALIATIVOS
ria na SLP e SG em estudos randomizados fase III NO CANCRO DO OVÁRIO?
(GOG 104, 114 e 172) quando se associou qui-
mioterapia intraperitoneal à endovenosa. No en- O cancro do ovário resistente à quimioterapia
tanto, este não é um tratamento usado na prá- primária ou que recorre em algum momento,
tica clínica na maioria dos centros considerando após terapêutica primária com quimioterapia é ge-
a sua elevada toxicidade, que levou a que, nos ralmente incurável. No entanto, algumas mulhe-
estudos atrás referidos, a maioria dos doentes res com doença recorrente têm sobrevivências
não completasse os seis ciclos previstos. Outra prolongadas, obtendo benefício clínico com vá-
forma de administrar a quimioterapia diretamen- rias linhas de tratamento.
te na cavidade abdominal é fazendo-o no ato De acordo com alguns estudos, a maioria das
operatório, usando a técnica da quimioterapia doentes com neoplasias ginecológicas recebem
intraperitoneal hipertérmica (HIPEC). A justifica- tratamento antineoplásico durante os últimos seis
ção para o uso de quimioterapia hipertérmica meses de vida. Uma das razões referidas para este
tem por base os estudos que demonstraram fenómeno é o fato dos oncologistas terem a
tendência para sobrestimar a sua sobrevivência platinum-based chemotherapy in women with relapsed
ovarian cancer: the ICON4/AGO-OVAR-2.2 trial. Lancet.
em cerca de 30%9, referenciando para cuidados 2003;361:2099-106.
paliativos, muitas vezes tardiamente. 2. Aghajanian C, Blank S, Goff B, et al. OCEANS: A Random-
Estima-se que uma mulher com um tempo ized, Double-Blind, Placebo-Controlled Phase III Trial of Che-
motherapy With or Without Bevacizumab in Patients With
livre de recorrência de seis meses ou menos em Platinum-Sensitive Recurrent Epithelial Ovarian, Primary Peri-
relação à linha prévia de tratamento tenha uma toneal, or Fallopian Tube Cancer. J Clin Oncol. 2012;30:1-7.
3. Ledermann J, Harter P, Gourley C, et al. Olaparib mainte-
sobrevivência esperada igual ou inferior a 3 me- nance therapy in platinum-sensitive relapsed ovarian can-
ses10. Mulheres com ausência de benefício clínico cer. N Engl J Med. 2012;366:1382-92.
ou benefício mínimo (considerando-se estabiliza- 4. Monk BJ, Herzog TJ, Kaye SB, et al. Trabectedin plus pe-
gylated liposomal Doxorubicin in recurrent ovarian cancer.
ção de doença como benefício clínico) com duas J Clin Oncol. 2010;28:3107-14.
linhas de tratamento consecutivas têm um mau 5. Ledermann JA, Raja FA, Fotopoulou C, Gonzalez-Martin A,
prognóstico devendo ser consideradas para cui- Colombo N, Sessa C. Newly diagnosed and relapsed
epithelial ovarian carcinoma: ESMO Clinical Practice Guide-
dados paliativos. Obviamente as que apresentam lines for diagnosis, treatment and follow-up. Behalf of the
um mau performance status ou não pretendem ESMO Guidelines Working Group. Ann Oncol. 2013;24
Suppl 6:vi24-32.
prosseguir com tratamento antineoplásico deve- 6. Yokoyama Y, Mizunuma H. Recurrent epitelial ovarian
rão ser consideradas para o melhor tratamento cancer and hormone therapy.World J Clin Cases. 2013;
de suporte. 1(6):187-90.
7. Rustin GJ, van der Burg ME, Griffin CL, et al. Early versus
Idealmente, e de acordo com as guidelines delayed treatment of relapsed ovarian cancer (MRC OV05/
da NCCN os cuidados paliativos deveriam ser EORTC 55955): a randomised trial. Lancet. 2010;376(9747):
1155-63.
iniciados, concomitantemente com terapêuticas 8. Chiva LM, Gonzalez-Martin A. A critical appraisal of hy-
antineoplásicas, sempre que a sobrevivência es- perthermic intraperitoneal chemotherapy (HIPEC) in the
perada seja inferior a seis meses. treatment of advanced and recurrent ovarian cancer. Gy-
necologic Oncology. 2015;136:130-5.
9. Glare P, Virik K, Jones M, et al. A systematic review of
BIBLIOGRAFIA physicians’s survival predictions in terminally ill cancer pa-
tients. BMJ. 2003;327:195-8.
10. Flemming G, Seldman J, Lengyel. Epithelial Ovarian Cancer-
1. Parmar MK, Ledermann JA, Colombo N, et al. Paclitaxel Treatment of Persistant/Recurrent Disease. Principles and
plus platinum-based chemotherapy versus conventional Practice of Gynecologic Oncology. 6ª edição. 2013;24.
Situações específicas
na abordagem do cancro
do ovário
J. Belo, A. Guimarães e T.A. Santos
após a quimioterapia5. Estas neoplasias são fre- preparação pré-operatória e tratamento no pós-
quentemente unilaterais e têm normalmente bom -operatório. A anamnese e o exame clínico pré-ope-
prognóstico e boa resposta à quimioterapia pelo ratório completos diminuem os riscos da cirurgia,
que a realização de anexectomia unilateral deve devendo incluir avaliação cuidada de comorbili-
ser considerada se existir desejo de fertilidade. dades que possam ser agravadas pela cirurgia ou
Nas mulheres jovens portadoras de tumores pela anestesia. Sabendo que o prognóstico da
epiteliais malignos no estádio FIGO IA, grau 1 e doença está associado à boa conduta cirúrgica,
2, serosos, mucinosos ou endometrióides subme- será importante equilibrar a doente no sentido da
tidas a cirurgia de estadiamento completa com redução de risco operatório e das complicações
desejo de fertilidade pode optar-se pela terapêu- pós-operatórias.
tica conservadora e poupadora da fertilidade. Nos O objetivo primeiro do cirurgião é tratar a
tumores unilaterais IC, grau 1 a indicação de te- doente, prolongando a sobrevivência livre de re-
rapêutica conservadora é ainda controversa3,6. corrência, e isso está em correspondência direta
Nas situações em que esteja indicada quimiotera- com a boa conduta cirúrgica, ou seja de máximo
pia adjuvante deve discutir-se com a doente a esforço cirúrgico.
possibilidade de preservação da fertilidade atra- Nem sempre é possível prever a resposta ao
vés da criopreservação de ovócitos. A estimulação tratamento de cada doente ou quanto esta irá
ovárica pode ser proposta nas doentes portadoras beneficiar com a cirurgia, mas a morbilidade as-
de tumores borderline do ovário em estádio I7. As sociada a cada tratamento deve ser considerada
portadoras de mutações BRCA1/2 que desenvol- nas decisões a tomar, ponderando riscos e bene-
vem cancro do ovário podem ser submetidas a fícios da cirurgia. A idade não será o fator deter-
criopreservação de ovócitos para preservação da minante na decisão da extensão da cirurgia.
fertilidade com eventual realização de diagnóstico Em relação à cirurgia da recorrência do cancro
genético pré-implantação para seleção dos em- do ovário, não é razoável pensar como objetivo
briões não portadores da mutação, estando con- final conseguir a cura. O papel do clínico é esco-
traindicada a criopreservação de tecido ovárico lher entre esquemas de tratamentos mais consen-
pelos riscos inerentes ao desenvolvimento de can- tâneos com o prolongar a vida com melhor qua-
cro após a sua reimplantação3. lidade e mínima morbilidade.
A cirurgia continua a ter um papel primordial Parece haver um consenso na literatura inter-
no tratamento do cancro epitelial do ovário. A taxa nacional de que as doentes idosas com carcinoma
de morbilidade/mortalidade altera consoante a ida- do ovário são subtratadas. No entanto esta noção
de, tendo sido considerada como fator prognóstico de subtratamento terá mais a ver com a agressi-
independente em vários estudos, sendo a doença vidade cirúrgica e com a preparação anestésica
residual, a idade e performance status (PS) os prin- do que com o tratamento de quimioterapia ad-
cipais fatores que influenciam a recuperação. juvante. A definição de doente idosa depende
A sobrevivência da doente está relacionada das séries analisadas e varia desde um limite mí-
com o sucesso da cirurgia primária. Atualmente, nimo de 65 até um limite inferior de 75 anos
como previamente referido, considera-se ótima noutras séries. Este dado é muito importante
quando não apresenta doença residual visível. porque o PS e o estado de reserva biológica de
Mulheres com idade superior a 69 anos apre- órgão é muito diferente para uma mulher de 65
sentam um baixo nível de sobrevivência compa- ou de 75 anos. Mais do que a idade cronológica
rativamente às mais jovens, mesmo após a corre- da doente interessará a idade biológica que po-
ção para estádio, doença residual e PS8. derá ser avaliada quer através de inquéritos de
O sucesso da cirurgia passa por uma avalia- self assessment geriátricos, quer através da capa-
ção completa e minuciosa, por uma cuidadosa cidade de ultrapassar a toxicidade induzida pelos
ciclos iniciais de quimioterapia. Para uma doente uma longa cicatriz abdominal, podem trazer se-
no limite inferior da definição de idade idosa, o quelas emocionais.
risco de complicações com a terapêutica standard Após as primeiras seis semanas da cirurgia, a
será muito semelhante à de doentes mais novas, doente poderia gradualmente voltar à atividade
enquanto uma doente com 75 ou 80 anos terá normal. No entanto, o tratamento do cancro do
um perfil de toxicidades muito diferente. Como ovário é habitualmente complementado com qui-
tal, a recomendação seria de tratar as doentes mioterapia, prolongando o tempo de recuperação.
mais novas e em fase de tratamento primário, No caso das mulheres pré-menopáusicas, as
com full dose de terapêutica dupla. Para as doen- consequências tardias da ooforectomia bilateral pro-
tes com PS mais elevados e idades mais avança- vocam frequentemente um início repentino dos sin-
das a monoterapia, nomeadamente com carbo- tomas da menopausa, devido à interrupção da pro-
platina, pode ser uma opção mais adequada. No dução hormonal ovárica. Afrontamentos alterações
contexto de doença metastática ou na recidiva a do humor e secura vaginal podem ser sintomas
escolha de terapêutica depende dos fármacos particularmente graves, nestas circunstâncias clí-
disponíveis, da sua eficácia na paliação de sinto- nicas. Verificou-se, também, um aumento do risco
mas e da reserva de orgão da doente. O ajuste cardiovascular e osteoporose relacionado com as
da sequência de drogas far-se-á através das mo- mudanças dos níveis hormonais. Pode ainda, verifi-
noterapias com platinos nas doentes sensíveis e car-se diminuição da líbido, e eventual dispareunia,
das monoterapias com gemcitabina, topotecano, com graves repercussões a nível da vida sexual.
doxorrubicina lipossómica peguilada, taxanos e
etoposido nas doentes platino-resistentes. IMPACTO DOS TRATAMENTOS
DO CANCRO DO OVÁRIO
IMPACTO DOS TRATAMENTOS NO REGRESSO DAS DOENTES
DO CANCRO DO OVÁRIO NO À VIDA ATIVA: SEQUELAS
REGRESSO DAS DOENTES À VIDA DO TRATAMENTO SISTÉMICO
ATIVA: SEQUELAS DA CIRURGIA
O impacto a médio e a longo prazo dos tra-
A melhoria das técnicas cirúrgicas e anestési- tamentos do carcinoma do ovário embora seme-
cas reduziram os riscos da cirurgia oncológica. No lhantes aos de outras patologias mais frequentes
entanto, a recuperação física e emocional deste como o carcinoma da mama, são de intensidade
tipo de cirurgia demora algum tempo. e de grau de potenciais complicações muito dife-
A disseminação do cancro de ovário na super- rentes. O retorno das doentes à vida ativa pren-
fície peritoneal pode implicar a necessidade de de-se com várias vertentes psicofisiológicas, in-
procedimentos cirúrgicos mais radicais, como por cluindo as decorrentes da toxicidade de órgão
exemplo nas ansas intestinais, bexiga, reto e estru- objetiva, secundária ao uso de citostáticos. As
turas extrapélvicas, como baço, fígado e diafrag- toxicidades mais relevantes são a neuropatia pe-
ma, para a obtenção de uma citorredução ótima riférica, a redução da acuidade visual e auditiva,
ou satisfatória. Este tipo de intervenção origina o aumento do peso, a fadiga induzida pelos tra-
mais comorbilidade e riscos no pós-operatório. tamentos e da fotossensibilidade que limita uma
As cirurgias do aparelho digestivo, nomeada- progressiva readaptação das doentes à vida ativa.
mente colostomias são por vezes necessárias em A estes fatores, associam-se uma maior susceti-
situação de doença avançada. bilidade a processos infeciosos e a fadiga decor-
O tempo de recuperação é muito individualizado rente de meses de tratamento.
mas após uma grande cirurgia é natural a doente No caso das mulheres em pré-menopausa
sentir-se vulnerável e com cansaço fácil, apresentar acresce a menopausa iatrogénica provocada pela
anorexia, intolerância alimentar, dificuldade na di- cirurgia, não se podendo excluir a contribuição
gestão, obstipação e em alguns casos, dor crónica. da quimioterapia sistémica na perturbação da
Problemas cognitivos, tais como a dificuldade mineralização óssea. Em todas as doentes a alte-
de concentração ou perda de memória e a preo- ração da autoimagem pelo aumento do peso e
cupação com a imagem física, pela presença de pela alopécia iatrogénica contribui para dificultar
o regresso à vida ativa. Outra toxicidade específica 125 torna-se crescente com cada consulta, resul-
é a alteração dos leitos unguais decorrente do tando numa situação descrita por alguns autores
tratamento com taxanos. Além de esteticamente como a «dependência do CA 125». Tendo em
agressiva, esta situação é incapacitante, sendo conta que o carcinoma do ovário recidivado após
fonte de mal-estar dada a incapacidade de utili- a quimioterapia primária é incurável, a seleção do
zação adequada das extremidades, atingidas du- tratamento de quimioterapia deve pautar-se por
rante vários meses após termino da quimioterapia. uma ponderação entre a maior eficácia antitumo-
Aos fatores já descritos, associam-se outros pre- ral e um perfil de efeitos laterais menos agressivo,
dominantemente do foro psicológico como a inca- tendo em linha de conta o grupo etário a que se
pacidade para aceitar uma incompleta recuperação destina. É consenso geral que valores elevados de
do estado de saúde existente previamente ao início marcador tumoral numa doente sintomática de-
do processo patológico, bem como a depressão e vem ser tratados. O tratamento de doentes assin-
a disfunção cognitiva decorrente relacionadas com tomáticas com recidiva já não é alvo de decisão
o designado «chemobrain». Todos estes fenóme- consensual e o tratamento de doentes com uma
nos que se enxertam em personalidades muitas recidiva isolada de marcadores tumorais parece
vezes já previamente fragilizadas, concorrem para não ter indicação para ser iniciado11.
um retorno laboral muitas vezes difícil e que por
tal se deseja gradual e progressivo no sentido de APOIO PSICOSSOCIAL EM
minimizar as probabilidades de completa incapa- DOENTES COM CARCINOMA
cidade de readaptação laboral efetiva10. DO OVÁRIO12-14
O estádio inicial dos casos de carcinoma do
ovário é normalmente avançado, o que vai ditar O apoio necessário para as doentes não se
um agravamento do prognóstico com reflexo no encontra formalizado como acontece por exemplo
perfil psicológico das doentes submetidas a qui- para as doentes com carcinoma da mama. Existe
mioterapia sistémica e consequentemente, no contudo uma série de apoios clínicos, psicológi-
seu retorno à vida profissional. cos, organizativos, provenientes de associações de
doentes, institucionais (Rede Nacional de Cuidados
COMO SE DEVE FAZER A Continuados Integrados (http://portal.arsnorte.min-
VIGILÂNCIA DESTAS DOENTES saude.pt/portal/page/portal/) ou particulares (http://
APÓS A TERAPÊUTICA PRIMÁRIA www.gep.msess.gov.pt/estudos/cartasocial.php),
ESTAR CONCLUÍDA? ligados a autarquias ou associações locais que po-
dem ser ativados independentemente do recurso
Nenhum outro tema gera mais controvérsia e dos insubstituíveis apoios emocionais prestados por
ocasiona maior antagonismo de posições do que familiares e amigos. Paralelamente algumas asso-
a utilização dos marcadores tumorais, nomeada- ciações de doentes não especificamente com pa-
mente o CA 125, no seguimento das doentes tologia maligna do ovário, prestam igualmente
após terapêutica adjuvante para carcinoma do cuidados e apoio às doentes ginecológicas15,16.
ovário. Embora uma subida do CA 125 no con- Uma nova vertente dos cuidados psicossociais
texto de uma doença em remissão clínica possa decorre da generalização dos testes genéticos
ser altamente preditivo de recidiva (tempo médio para a suscetibilidade aumentada de carcinoma
para desenvolvimento de sintomas ou de doença da mama e de ovário. Dadas as notícias que vie-
radiológica mensurável será de três a seis meses), ram a lume recentemente sobre as cirurgias pro-
não existe evidência de que o tratamento sisté- filáticas em nomes bem conhecidos do público,
mico imediato com ou sem platina, seja mais bem como o início de ensaios clínicos dirigidos
eficaz do que o tratamento protelado até ao apa- especificamente a doentes com alterações gené-
recimento de sintomas. Há ainda que ter em linha ticas especificas que conferem aumento de sus-
de conta a ansiedade gerada nas doentes pela cetibilidade a estas neoplasias, prevê-se um au-
execução de um teste determinante para a pre- mento exponencial das solicitações de doentes,
sença de tumor ainda que clinicamente invisível. familiares e portadores assintomáticos às clínicas
A ansiedade de ter conhecimento do valor do CA de risco oncológico familiar.
mutações noutros genes também podem estar ovário epitelial para mutações germinais dos ge-
associadas a um aumento de risco deste tipo de nes BRIP1, BARD1, PALB2 e NBN. Apenas no gene
cancro, como é o caso, entre outros, dos genes BRIP1 verificaram um aumento da frequência de
de reparação implicados na síndrome de Lynch. mutações patogénicas face ao grupo de contro-
Recentemente, novos genes de suscetibilidades lo7. Paralelamente, verificaram que os genes RA-
para cancro do ovário têm sido identificados, como D51C e RAD51D se confirmavam como genes de
por exemplo o RAD51C, RAD51D, e BRIP1. Adicio- suscetibilidade para cancro do ovário8. Tanto o
nalmente, foi verificado que muitos dos genes da gene BRIP1, como os RAD51C e RAD51D confe-
via da Anemia de Fanconi (FA/BRCA), previamente rem um risco moderado para cancro do ovário.
identificados no cancro da mama, estavam muta- Entretanto, as guidelines relativas ao cancro
dos em algumas mulheres com cancro do ovário. da mama/ovário hereditário da National Com-
Até à data, os genes cujas mutações têm sido mais prehensive Cancer Network (NCCN) foram tam-
frequentemente associadas ao cancro do ovário bém revistas em 2016, tendo em consideração a
epitelial hereditário são: BRCA1, BRCA2, RAD51C, utilização de painéis multigénicos, com recomen-
RAD51D, BRIP1, BARD1, CHEK2, MRE11A, NBN, dações relacionadas sobretudo com a inclusão de
PALB2, RAD50, MLH1, MSH2, MSH6, PMS2 e genes de risco moderado. Para muitos destes genes
TP535,6. Mutações no gene STK11 foram associa- a informação/conhecimento atual ainda é limita-
das a tumores dos cordões sexuais e tumores das da e a deteção de variantes de significado clínico
células de Sertoli, no gene PTCH1 a fibromas do desconhecido é cada vez mais frequente. Por es-
ovário e no gene SMARCA4 a carcinoma de pe- tas e outras razões, o rastreio multigénico, ideal-
quenas células do ovário do tipo hipercalcémico. mente, só deverá ser oferecido no contexto de
É importante salientar, que mutações noutros genes equipas especializadas para o aconselhamento pré
que não BRCA1 e BRCA2, são individualmente e pós-teste9.
raras, contudo agrupadas podem representar uma
proporção significativa de casos. COMO SE PREVINE O CANCRO
Tendo em conta o recente desenvolvimento de DO OVÁRIO GENÉTICO?
tecnologias de alto rendimento, como a sequen-
ciação de nova geração, torna-se agora viável As mutações germinais nos genes BRCA são
(baixo custo, elevada qualidade e rapidez) o estu- responsáveis pela maioria do cancro do ovário
do de painéis multigénicos. Os estudos a decorrer genético. Neste contexto, a prevenção inclui vigi-
permitirão definir mais claramente a relevância, lância, salpingo-ooforectomia profilática (SOP) e
aplicabilidade e beneficio clínico do rastreio de quimioprevenção.
mutações nos genes mais recentemente identifi- A vigilância inclui realização de observação
cados como de suscetibilidade para o cancro do ginecológica, ecografia pélvica e endovaginal e
ovário hereditário. CA 125 sérico. Não é consensual a idade de início
Allison Kurian, do Stanford University Cancer e sua periodicidade e não está comprovado o seu
Institute (SCI), apresentou na reunião anual da benefício na redução da mortalidade por cancro
American Society of Clinical Oncology (ASCO) 2016, do ovário. Associa-se a um número elevado de
um estudo onde incluíram cerca de 96.000 mulhe- falsos positivos e a proporção de cancros do in-
res que foram testadas para um painel de 25 genes tervalo detetados durante a vigilância é elevada,
relacionados com cancro hereditário. Foram de- a maioria em estádios avançados.
tetadas mutações em 7% das doentes, das quais A SOP é a estratégia de prevenção mais eficaz.
44% nos genes BRCA1/2 e 56% noutros genes. Associa-se a redução de risco de cancro gineco-
Foi observada uma associação significativa com lógico associado a mutação BRCA de 80-96%,
história pessoal de cancro do ovário nos seguin- redução de risco de cancro da mama em cerca de
tes 11 genes: STK11, BRCA1, BRCA2, RAD51C, 50% e redução da mortalidade específica e glo-
RAD51D, MLH1, BRIP1, MSH2, MSH6, NBN e bal. Domchek, et al. e Finch, et al. confirmaram
ATM. em estudos prospetivos, uma redução de morta-
Num outro estudo, Susan Ramus, et al. testa- lidade global de 60 e 77% respetivamente10,11.
ram cerca de 3.000 mulheres com cancro do Durante o procedimento existe a possibilidade de
deteção de cancro oculto (os estudos mostram verificam-se respostas em doença platino sensível
uma prevalência de 2,6 a 4,4%). e platino resistente; nos ensaios que incluíram
Deve ser esclarecido o risco cirúrgico, persis- doentes com cancro do ovário de alto grau, o
tência de risco de cancro do peritoneu (risco status de mutação BRCA assume um valor predi-
cumulativo entre 1 e 4,3%), indução de menopau- tivo de resposta ao olaparib. Os dois ensaios que
sa precoce e eventual necessidade de terapêutica avaliam terapêutica de manutenção com olaparib
hormonal de substituição. Recomenda-se a SOP documentam um benefício da sobrevivência livre de
a partir dos 35-40 anos e após completar descen- progressão no braço do olaparib (Ledermann, et
dência mas esta recomendação pode ser individua- al., HR 0,18; (0,11-0,31); p < 0,00001 e Oza, et
lizada atendendo à idade de diagnóstico de can- al. HR 0,21 (0,08-0.,55); p = 0,0015)12.
cro do ovário na família ou ao tipo de mutação O olaparib foi aprovado pela European Medi-
(a mutação BRCA2 associa-se a um menor risco cines Agency (EMA) em Outubro de 2014 na
de cancro do ovário e a idade de diagnóstico mais seguinte indicação: monoterapia como tratamento
tardia). de manutenção em doentes com cancro do ovário
Dado que o cancro ginecológico associado a platino sensível recorrente, com mutação BRCA,
mutação BRCA pode ter origem na porção distal após resposta a tratamento com quimioterapia
das trompas de Falópio, a fimbriectomia tem sido baseada em sais de platina.
sugerida como uma estratégia de redução de ris- Outros inibidores da PARP estão em estudo
co, oferecendo um adiar da menopausa cirúrgica. em ensaios de fase II e III (veliparib, rucaparib,
Este procedimento é investigacional não devendo niraparib, BMN 673) em monoterapia ou em as-
ser recomendado como atitude definitiva de re- sociação com quimioterapia, antiangiogénicos ou
dução de risco nas portadoras BRCA1/2. com inibidores da PI3K.
A quimioprevenção com anticontracetivos orais
(ACO) de baixa dosagem reduzem o risco de EXISTEM FATORES
cancro do ovário nas portadoras de mutação BRCA MODIFICADORES DA
em 44-60%. Existe uma correlação forte entre a PENETRÂNCIA BRCA1 E BRCA2?
duração de ACO e o grau de proteção de cancro
do ovário. Embora alguns estudos tenham mostra- Mutações patogénicas nos genes BRCA1 e
do um aumento de risco de cancro da mama com BRCA2 conferem alto risco de cancro da mama e
o uso de ACO, esta associação permanece contro- ovário. Todavia, o risco não é igual em todos os
versa. portadores de mutações nestes genes, podendo
variar consoante diversos fatores, entre eles, o
EXISTE TRATAMENTO ESPECÍFICO tipo de cancro, a idade em que surge e a localiza-
PARA O CANCRO DO OVÁRIO ção da mutação BRCA1/213,14. Esta variabilidade
GENÉTICO? na penetrância (penetrância: proporção de indiví-
duos portadores de uma mutação em que se
O cancro do ovário associado a mutação BRCA manifestará a doença) levantou a hipótese de que
quando comparado com o cancro do ovário es- outros fatores genéticos e/ou não genéticos pos-
porádico associa-se a taxas de resposta mais ele- sam modificar o risco de cancro nos portadores
vadas e aumento da sobrevivência global. A maior BRCA1/2. Um crescente número de estudos nes-
sensibilidade à quimioterapia sobretudo aos sais ta área tem vindo a contribuir para a identificação
de platina pode explicar o melhor prognóstico. de novos fatores.
As células com mutação BRCA, com défice da
reparação do ADN por recombinação homóloga, Localização das mutações BRCA1/2
são alvos ideais para inibidores da PARP, fármacos
desenvolvidos segundo o conceito de letalidade Através de estudos de correlação genótipo-fenó-
sintética. tipo, tem-se verificado que diferentes localizações
O olaparib é um inibidor PARP estudado em das mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, podem
vários ensaios de fase II. Alguns estudos incluíram estar associadas a diferentes riscos. Sabe-se que
exclusivamente doentes com mutação BRCA e o risco de cancro do ovário é consideravelmente
longo prazo: risco aumentado de osteopenia e (região intersticial) embora o risco de carcinoma
osteoporose, doença cardiovascular, dislipidemia, nesta localização seja negligenciável.
síndrome metabólico e alterações cognitivas. Realizar HT em associação à SOP aumenta a
A terapêutica hormonal de substituição (THS) complexidade do procedimento e risco cirúrgico,
pode ser considerada, na dose mínima eficaz, por custos e taxa de complicações.
um curto período de tempo e até à idade da
menopausa fisiológica (50 anos) para reduzir a BIBLIOGRAFIA
sintomatologia da deficiência estrogénica prema-
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BRCA, não existe uma indicação categórica para 11. Finch AP1, Lubinski J1, Møller P1, et al. Impact of oopho-
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associar a HT à SOP e a decisão deve ser indivi- a BRCA1 or BRCA2 mutation. J Clin Oncol. 2014;32(15):
dualizada (aconselhada se existir patologia benig- 1547-53.
na uterina). Realizar HT reduz o risco de cancro 12. Gunderson CC1, Moore KN. PARP inhibition in ovarian can-
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do endométrio induzido pelo tamoxifeno (utiliza- 13. Barnes DR, Antoniou AC. Unravelling modifiers of breast
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ACO, se esta for considerada, eliminando a ne- 14. Rebbeck T, Mitra N, Wan F, et al. Association of type and
cessidade de associar um progestagénio à tera- location of BRCA1 and BRCA2 mutations with risk of
breast and ovarian cancer. JAMA. 2015;313(13):1347-61.
pêutica estrogénica. A HT reduz a possibilidade de 15. Kuchenbaecker KB, Ramus SJ, Tyrer J, et al. Identification
cancro do endométrio papilar seroso, embora of six new susceptibility loci for invasive epithelial ovarian
permaneça incerto se a mutação BRCA1 aumenta cancer. Nat Genet. 2015;47(2):164-71.
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é removida a totalidade da trompa de Falópio Obstet Gynecol Clin North Am. 2013;40(3):475-512.
Investigação no cancro
do ovário
Tabela 1. International Agency for Research on Cancer (IARC) and World Cancer Research Fund (WCRF)/
American Institute for Cancer Research (AICR) classifications
Risco aumenta Pode aumentar o risco Risco diminui Pode diminuir o risco
(provas: suficiente (provas: limitado (provas: suficiente (provas: limitado
ou convicente) ou provável) ou convincente) ou provável)
específicas, ADN tumoral circulante, colheita de por critérios radiológicos e, eventualmente, lapa-
células (por exemplo, a nível cervical) para estudo roscópicos) ou quando exista uma contraindica-
de mutações, avaliação da microvascularização ção médica temporária à cirurgia5.
por ecografia, autoflorescência, avaliação de mu- Está em curso o ensaio Trial on Radical Upfront
tações de médio/baixo risco e fatores epidemio- Surgery in Advanced Ovarian Cancer (TRUST),
lógicos. que pretende estabelecer qual a melhor condu-
A existir rastreio eficaz, este será provavel- ta terapêutica nos estádios avançados e quais os
mente multimodal, integrando, para além de me- fatores de prognóstico, em termos de ressecabi-
lhores testes de rastreio, a estratificação de po- lidade e sobrevivência5.
pulações com riscos diversos. Embora controversa, a possibilidade de nova
cirurgia pode ser considerada nos casos em que
O QUE É PERTINENTE INVESTIGAR a primeira intervenção não tenha sido completa.
NO CANCRO DO OVÁRIO – Os dados conhecidos mostram que esta situação
CIRURGIA é aceitável quando a primeira cirurgia, que deve
ser de máximo esforço cirúrgico, não foi efetuada
Sendo a cirurgia a terapêutica de primeira linha por uma equipa de ginecologia oncológica.
na maioria dos casos de CO, persistem algumas Também a linfadenectomia é um ponto im-
controvérsias. portante de discussão. Nos estádios precoces, a
De acordo com as guidelines publicadas em linfadenectomia sistemática pélvica e para-aórti-
2016 pela Society of Gynecologic Oncology (SGO) ca tem um papel prognóstico, sendo necessário
e American Society of Clinical Oncology (ASCO), definir se tem significado terapêutico, e qual o
nos estádios avançados,a quimioterapia neoadju- número necessário de gânglios para se poder
vante com cirurgia de intervalo é uma opção quan- considerar um estádio N0. Nos estádios avançados
do a citorredução primária tem uma probabilidade, também não está claro qual a melhor conduta, se
baixa ou razoável, de a doença residual ser infe- a linfadenectomia sistemática ou se a citorredu-
rior ou igual a 1 cm4. ção das lesões macroscopicamente identificáveis,
No entanto, a controvérsia sobre o momento embora a maioria dos autores defenda que a
mais adequado para a cirurgia de citorredução primeira abordagem tem impacto positivo na
nos estádios avançados persiste. Muitos autores sobrevivência global (SG), na taxa de recorrência
continuam a considerar que a cirurgia primária e na resposta à quimioterapia6.
seguida de quimioterapia, deve ser o tratamento A cirurgia na recidiva também não é consen-
padrão. A quimioterapia neoadjuvante com cirur- sual, embora os ensaios mais recentes pareçam
gia de citorredução de intervalo (complementada mostrar que a citorredução completa aumenta a
por quimioterapia após a cirurgia) é para a maioria SG e a sobrevivência livre de doença em doentes
dos autores uma abordagem preconizada apenas selecionados. São vários os ensaios prospetivos
nas doentes com doença irressecável (definida em curso com o objetivo de esclarecer este
ponto, como são exemplo Descriptive Evaluation do CO, a investigação deve centrar-se na especi-
of Preoperative Selection Kriteria for Operability ficidade de cada subtipo histológico, com foco
in Recurrent Ovarian (DESKTOP) III e Surgery for em particulares alterações moleculares/genéticas8,
Ovarian Cancer Recurrence (SOCceR). e explorando biomarcadores que permitam iden-
No contexto da preservação da fertilidade, a tificar as doentes que mais irão beneficiar com
cirurgia conservadora é aceite para o estádio IA determinado tratamento. Nesse sentido, é impor-
G1/2, discutindo-se a possibilidade de alargar esta tante investigar grupos mais homogéneos e iden-
abordagem para os estádios IA G3 e alguns IC7. tificar “alvos” e vias de sinalização potencialmente
Se nesta abordagem estiver indicada quimiotera- associadas à sensibilidade/resistência a tratamen-
pia adjuvante, está por determinar qual a melhor tos. Já foram identificadas algumas terapêuticas
forma de proceder à proteção da função ovárica promissoras por se demonstrarem “específicas de
(por exemplo, os análogos GnRh e os inibidores subtipo histológico”6: no CO mucinoso, a oxalipla-
específicos da apoptose dos oócitos) e à preser- tina e as fluoropirimidinas; no CO de células cla-
vação de material genético (criopreservação de ras, os inibidores mammalian target of rapamycin
oócitos, de embriões e de tecido ovárico, e trans- (mTOR) (como o temsirolimus); e no CO com
plantação de tecido ovárico). mutação BRCA ou deficiência de recombinação
homóloga (mais frequente no CO epitelial não
O QUE É PERTINENTE INVESTIGAR mucinoso, particularmente no subtipo seroso de
NO CANCRO DO OVÁRIO? alto grau), os inibidores da PARP. Das vias de si-
TRATAMENTO SISTÉMICO nalização ou mutações importantes que poderão
levar à identificação de alvos terapêuticos, desta-
O tratamento sistémico do CO envolve cito- cam-se: via hormonal; via PI3KCA/AKT1/mTOR;
tóxicos convencionais eventualmente associados mutação TP53; mutação BRCA1/2/PARP1; mitogen-
ao antiangiogénico bevacizumab, quer no trata- -activated protein cinase 1 e 2 (MAP2K1/2) e MET
mento neoadjuvante ou pós-cirúrgico, quer em proto oncogene. Algumas doentes nunca apre-
contexto paliativo. A maioria das doentes respon- sentam resposta ao tratamento sistémico e um
de à quimioterapia à base de platino, mas a du- número significativo recidiva após uma resposta
ração da resposta é variável e frequentemente inicial, pelo que a investigação de mecanismos de
insatisfatória. resistência intrínseca ou adquirida, em particular
No desenho de ensaios clínicos no contexto os associados a alterações da via de reparação do
do CO recorrente, é importante considerar di- ADN, adquiriu grande importância9. O aprofun-
ferentes subgrupos em função do tratamento damento dos conhecimentos da biologia do CO,
anterior. Classicamente, estes subgrupos eram incluindo a importância no microambiente, e es-
definidos pelo intervalo livre de platino (ILTp). pecificamente da angiogénese, na capacidade de
Contudo, e de acordo com o 5th Ovarian Cancer invasão e metastização tumoral, justifica a conti-
Consensus Conference (OCCC) do Gynecologic nuação do estudo de agentes antiangiogénicos,
Cancer Intergroup (GCIG)12 de novembro de 2015, com a identificação de fármacos ativos e da me-
deve ser utilizada uma definição mais abrangente lhor forma de os integrar no tratamento. O papel
definida como “intervalo livre de tratamento” (ILT). da imunidade, nomeadamente dos tumor infiltra-
Esta designação considera a crescente utilização ting lymphocytes (TIL), suporta a investigação da
de esquemas de tratamento que não incluem imunoterapia nesta neoplasia, por se mostrar
platino e o uso de agentes biológicos, como an- promissor na identificação de novos fármacos para
tiangiogénicos, inibidores da poly (ADP-ribose) o tratamento do CO. A multiplicidade de trata-
polymerase (PARP) e imunoterapia. Assim, será mentos disponíveis para o CO justifica promover
considerado não apenas o ILTp, mas também o a investigação de novas estratégias terapêuticas
intervalo livre de tratamento não platino (ILTnp) para além da terceira linha de tratamento, assim
e o intervalo livre de tratamento com agente como estudos que incluam doentes com idade
biológico (ILTb). superior a 70 anos.
Na atual era da terapêutica individualizada, e Em resumo, a identificação da terapêutica sis-
tendo em consideração a heterogeneidade biológica témica “ótima” para cada doente, enquadrada
num subgrupo, de acordo com caraterísticas de doentes com mutação BRCA. A seleção ou estra-
tratamentos anteriores e com a sintomatologia tificação de doentes, em contexto de ensaio clí-
actual, passa pelo melhor conhecimento de dife- nico, em função do perfil histológico, genómico
renças biológicas e clínicas, de alterações genéti- ou de acordo com biomarcadores, é fundamen-
cas e moleculares e de formas de intervenção no tal, no entanto, constitui um desafio pela dificul-
microambiente tumoral (angiogénese e imunote- dade em obter o número de doentes necessário,
rapia), assim como por estabelecer o valor prog- particularmente nos subtipos menos frequentes.
nóstico e preditivo de resposta a tratamentos. Atualmente é aceite a inclusão do teste germi-
nativo BRCA, já validado, como fator de estrati-
QUAL A IMPORTÂNCIA ficação em ensaios clínicos de CO, sendo que
DA INVESTIGAÇÃO DE defeitos na recombinação homóloga e perda da
BIOMARCADORES NO heterozigotia aguardam ainda validação. Outros
CANCRO DO OVÁRIO? potenciais biomarcadores, como o p53 e a ciclina
E, poderão ser incluídos mas requerem mais in-
Muitos biomarcadores têm importância prog- vestigação para serem validados. A importância
nóstica, independentemente do tratamento rea- da validação, não apenas em termos preditivos,
lizado. Alguns estão associados ao risco de reci- mas também de sensibilidade e de especificida-
diva, por exemplo, a mutação KRAS ou BRAF de, de um biomarcador, é de elevada importân-
associam-se a menor risco de recorrência no CO cia, e é obrigatoriamente prévia à limitação de
seroso de baixo grau. Os biomarcadores conside- uma determinada terapêutica à população defi-
rados preditivos estão associados à resposta a nida de acordo com o marcador. Na atual inves-
determinado tratamento. Especificamente, no CO tigação clínica, a colheita de material do tumor
tem sido difícil identificar biomarcadores “predi- pré e pós-tratamento, assim como de células tu-
tivos de resposta”. Esta neoplasia é caraterizada morais ou ADN em circulação, permite a investi-
pela sua heterogeneidade, com uma variedade de gação de potenciais alvos terapêuticos, assim
subtipos distintos na biologia e na resposta a tra- como de mecanismos de resistência a terapêuti-
tamentos, e só será possível a terapêutica indivi- cas, e será fundamental para a evolução do tra-
dualizada através da identificação de biomarca- tamento do CO.
dores exequíveis, validados e reprodutíveis na
prática clínica, que permitam prever a probabili- QUAL O VALOR DA
dade de resposta a determinado tratamento7. A SOBREVIVÊNCIA LIVRE DE DOENÇA
impossibilidade, até à data, de identificar marca- E DA SOBREVIVÊNCIA GLOBAL
dores preditivos de resposta a inibidores do vas- COMO ENDPOINTS NOS ENSAIOS
cular endothelial growth factor receptor (VEGFR), CLÍNICOS DE CANCRO DO OVÁRIO?
no sentido de identificar doentes com maior pro-
babilidade de responder a antiangiogénicos, é A escolha do endpoint em cada ensaio clínico
elucidativa desta dificuldade no CO. De facto, em CO depende do objetivo pretendido, mas
não foi possível identificar nenhum biomarcador deve ser relevante e inequívoco10. A SG, como
preditivo do benefício do bevacizumab, e o be- endpoint primário, apresenta a grande vantagem
nefício da associação deste fármaco parece ser de ser de avaliação objetiva, independente do
independentemente do ILTp. Por outro lado, a investigador. A SG era considerada o endpoint
identificação de mutações BRCA1/2, presente em mais adequado quando eram menos as opções
cerca de 10-15% das doentes com CO epitelial na doença recorrente e com menor impacto na
não mucinoso, particularmente frequente no car- sobrevivência após progressão. Atualmente, com
cinoma seroso de alto grau, permitiu a constitui- a multiplicidade de terapêuticas para a doença
ção de um subgrupo diferente no prognóstico e recorrente, e a franca melhoria das terapêuticas
na resposta a fármacos, e justificou a sua inves- de suporte, há maior dificuldade em que estudos
tigação de forma independente. Esta investigação bem desenhados e que identificam terapêuticas
permitiu já confirmar a maior eficácia de fármaco com impacto na sobrevivência livre de progressão
inibidor da PARP (olaparib) no tratamento destas (SLP) revelem significância também a nível da SG.
seguimento do cancro ginecológico, entre os Nos centros oncológicos que tratam doentes
quais estavam as linhas de orientação sobre o com CO, a orientação diagnóstica, terapêutica ou
CO. Os consensos foram regularmente revistos e outra, deve ser efetuada sempre por equipas mul-
mantêm plena atualidade e importância nos dias tidisciplinares especializadas. As diferentes áreas
de hoje. médicas deverão ter elementos dedicados/dife-
renciados em ginecologia oncológica
FORMAÇÃO EM GINECOLOGIA Entretanto, é essencial desenvolver modelos
ONCOLÓGICA. O QUE FALTA de formação dos futuros ginecologistas oncoló-
DESENVOLVER? gicos, por forma a integrar as recomendações
das principais organizações profissionais de que
A abordagem multidisciplinar, em centros de são exemplo a European Society Gynaecological
referência, é a mais indicada na gestão do diagnós- Oncology (ESGO)11; a European Society of Me-
tico, tratamento e seguimento das doentes com CO. dical Oncology (ESMO); a European Society for
No que se refere aos especialistas em ginecologia, Radiotherapy and Oncology (ESTRO); a European
de acordo com a portaria n.o 613/2010, o progra- Society of Pathology (ESP); a European Society
ma de formação da área profissional de especiali- of Urogenital Radiology (ESUR). Estes programas
zação de ginecologia/obstetrícia, inclui a ginecolo- deverão incluir, pelo menos, duas áreas princi-
gia oncológica como um estágio opcional com pais: as ciências básicas (anatomia, genética,
uma duração máxima de seis meses, assegurando patologia, estatística e epidemiologia, microbio-
apenas uma formação generalista. Uma diferencia- logia, bioquímica, biofísica, imunologia e farma-
ção consistente em ginecologia oncológica é essen- cologia) e as ciências clínicas (ginecologia onco-
cial, como se demonstra nas taxas de sobrevivência lógica, senologia, imagem, tratamento cirúrgico,
do tratamento cirúrgico do CO, quando efetuado tratamento não cirúrgico, psicologia e cuidados
por uma equipa de ginecologia, geral ou oncológica. paliativos).
Nos Estados Unidos da América (EUA), a su- Por fim, é importante definir o número neces-
bespecialidade de Ginecologia Oncológica foi sário de ginecologistas oncológicos, oncologistas
estabelecida em 1972 com o desenvolvimento de médicos, radioterapeutas e especialistas de outras
programas de formação de três anos, após a áreas médicas e biomédicas, para uma cobertura
especialidade. Em Portugal, o reconhecimento da nacional adequada, para que se possa garantir a
subespecialidade pela Ordem dos Médicos (OM), formação atempada e eficiente.
a criação da respetiva seção e o estabelecimento
dos critérios de admissão, constituem um marco COMO IMPLEMENTAR MEDIDAS
definitivo na diferenciação e na qualidade. DE AVALIAÇÃO DE QUALIDADE
Em 2016, o colégio da subespecialidade definiu NO TRATAMENTO DO CANCRO
os critérios para o reconhecimento de idoneidade DO OVÁRIO?
formativa em ginecologia oncológica; e com base
nesses parâmetros foram identificados os serviços O cancro avançado do ovário é para o gine-
a quem foi conferida idoneidade para o efeito: cologista oncológico o desafio mais difícil.
centros dos IPO de Lisboa, Porto e Coimbra; Cen- A abordagem diagnóstica, terapêutica e de
tro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC); seguimento deve ser multidisciplinar, para a qual
e Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca. São devem concorrer, pelo menos, o anatomopatolo-
requisitos essenciais, a apresentação de dados de gista, o ginecologista oncológico, o radiologista
avaliação anual, o controlo de qualidade e audi- e o oncologista médico.
torias internas, a formação interna organizada, um As normas de orientação devem estar perfei-
número mínimo de novos casos/ano e uma equi- tamente definidas: protocolos de diagnóstico,
pa multidisciplinar que integre ginecologistas com onde estão claramente definidos os elementos a
experiência cirúrgica em CO, patologistas, radio- fornecer e a pedir aos serviços de radiologia e
logistas, oncologistas médicos, radioterapeutas, anatomia patológica; protocolos de tratamento e
fisiatras, psicólogos, técnicos de serviço social e de seguimento. Os procedimentos devem ser re-
enfermeiros. gistados em fichas próprias que devem conter os
elementos indispensáveis a preencher para efeitos de enfermagem a descrição dos eventos adversos
de controlo de qualidade. deve ser feita recorrendo às escalas internacionais
É indispensável que cada centro tenha uma validadas para o efeito (Nacional Cancer Institute
casuística mínima, de modo que todas as equipas [NCI]). A avaliação de resposta deve estar clara-
que interferem na orientação do CO tenham a mente expressa no processo clínico.
necessária experiência. Alguns centros europeus As avaliações internas e externas deveriam ser
de referência apontam para a necessidade de efetuadas periodicamente, tendo como objetivo
100 a 140 casos por ano de cancro genital, por uma melhoria contínua dos cuidados de saúde
centro. Em Portugal o Colégio da Especialidade prestados pelos diferentes centros que tratam
de Obstetrícia e Ginecologia indicou em 2016 o doentes com CO.
mínimo de 100 casos/ano. Dada a complexidade da abordagem do CO
É fundamental proceder à avaliação temporal (diagnóstico em estádios avançados, alta morta-
da prestação de cuidados: da primeira consulta lidade), é fundamental referenciar esses casos para
ao primeiro tratamento, com registo dos tempos os centros com experiência na abordagem multi-
imputáveis à doente. Assume-se que entre a pri- disciplinar desta patologia.
meira consulta e a decisão terapêutica devem
mediar duas semanas, e igual tempo para o pri- BIBLIOGRAFIA
meiro tratamento.
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