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Perguntas chave no

CANCRO

Perguntas chave no CANCRO DO OVÁRIO – 2.ª edição


DO OVÁRIO
2.ª EDIÇÃO

COORDENADORAS:

FÁTIMA VAZ
DEOLINDA PEREIRA

Com o apoio da

PERMANYER PORTUGAL
www.permanyer.com
Perguntas chave no

CANCRO
DO OVÁRIO
2.ª EDIÇÃO
COORDENADORAS:

F ÁT I M A VA Z
C OORDENADOR:
DEOLINDA PEREIRA

PERMANYER PORTUGAL
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transmissível, nenhuma parte desta publicação, seja de forma electrónica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por
qualquer outro método. Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores.
Autores

Ana Clara Carlos Lopes


Serviço de Oncologia Médica e Clinica de Risco Serviço de Ginecologia
Familiar Instituto Português de Oncologia do Porto,
Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Francisco Gentil, EPE
Francisco Gentil, EPE Porto
Lisboa
Ana Félix Cristina Frutuoso
Faculdade de Ciências Médicas Serviço de Ginecologia
Universidade Nova de Lisboa Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra,
Serviço de Anatomia Patológica (CHUC), EPE
Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Coimbra
Francisco Gentil, EPE
Lisboa Daniel Pereira da Silva
Ana Francisca Jorge Presidente do Grupo Português de Estudos
Serviço de Ginecologia do Cancro do Ovário
Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Coimbra
Francisco Gentil, EPE
Lisboa Henrique Nabais
Unidade Multidisciplinar de Ginecologia
Ana Luís
Serviço de Oncologia Médica e Clínica de Risco Centro Clínico Champalimaud
Familiar Lisboa
Instituto Português de Oncologia de Lisboa,
Francisco Gentil, EPE Isabel Boto
Lisboa Serviço de Ginecologia B
Instituto Português de Oncologia de Lisboa,
Ana Miranda Francisco Gentil, EPE
Serviço de Epidemiologia e Registo de Cancro
Lisboa
Instituto Português de Oncologia de Lisboa,
Francisco Gentil, EPE
Lisboa Isabel Henriques
Serviço de Ginecologia B
Andreia Costa Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Serviço de Oncologia Médica (CHUC), EPE
Centro Hospitalar de São João, EPE Coimbra
Porto
António Guimarães Joana Belo
Serviço de Oncologia Médica Serviço de Ginecologia B
Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Francisco Gentil, EPE (CHUC), EPE
Lisboa Coimbra
Carla Bartosch
Serviço de Anatomia Patológica Joana Savva-Bordalo
Instituto Português de Oncologia do Porto, Serviço de Oncologia Médica
Francisco Gentil, EPE Instituto Português de Oncologia do Porto,
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Francisco Gentil, EPE
Porto Porto

100 perguntas chave no cancro do ovário III


Autores

José Manuel Lopes Patrícia Machado


Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Unidade de Investigação em Patobiologia Molecular
Serviço de Anatomia Patológica Instituto Português de Oncologia de Lisboa,
Centro Hospitalar de São João Francisco Gentil, EPE
Instituto de Patologia e Imunologia da Universidade Lisboa
do Porto
Porto Paulo Correia
Serviço de Ginecologia
Instituto Português de Oncologia de Coimbra,
Manuel Teixeira Francisco Gentil, EPE
Serviço de Genética
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Instituto Português de Oncologia do Porto,
Coimbra
Francisco Gentil, EPE
Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Paulo Cortes
Universidade do Porto Serviço de Oncologia
Porto Hospital dos Lusíadas
Lisboa
Maria do Rosário Couto
Serviço de Oncologia Médica Sofia Broco
Instituto Português de Oncologia do Porto, Serviço de Oncologia Medica
Francisco Gentil, EPE Instituto Português de Oncologia de Coimbra,
Porto Francisco Gentil, EPE
Coimbra
Mariana Horta Susana Sousa
Serviço de Radiologia
Serviço de Oncologia Médica
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE
Instituto Português de Oncologia do Porto,
Instituto Anatomia, Faculdade de Medicina da Francisco Gentil, EPE
Universidade de Lisboa Porto
Lisboa
Teresa Almeida Santos
Marta Ferreira Serviço de Medicina da Reprodução do Centro
Serviço de Oncologia Médica Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)
Instituto Português de Oncologia do Porto, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Francisco Gentil, EPE Coimbra
Porto
Teresa Carvalho Tavares
Serviço de Oncologia Médica
Mónica Nave Instituto Português de Oncologia de Coimbra,
Centro de Oncologia
Francisco Gentil, EPE
Hospital da Luz
Coimbra
Lisboa
Teresa Margarida Cunha
Noémia Afonso Serviço de Radiologia
Serviço de Oncologia Médica Instituto Português de Oncologia de Lisboa,
Instituto Português de Oncologia do Porto, Francisco Gentil, EPE
Francisco Gentil, EPE Female Pelvic Imaging Working Group (ESUR)
Porto Lisboa

IV 100 perguntas chave no cancro do ovário


Índice

Prefácio VII
F. Vaz e D. Pereira

Capítulo 1
Epidemiologia dos tumoresdo ovário 1
A. Miranda, C. Frutuoso e M.R. Couto

Capítulo 2
Biopatologia: avaliação histológica, alterações moleculares
e fatores de prognóstico 7
A. Félix, C. Bartosch e J.M. Lopes

Capítulo 3
Diagnóstico clínico e radiológico do cancro do ovário 17
I. Henriques, M. Horta, T.M. Cunha e P. Correia

Capítulo 4
Cirurgia do cancro do ovário 23
A.F. Jorge, C. Lopes e I. Boto

Capítulo 5
Tratamento sistémico do cancro do ovário 28
T. Carvalho Tavares, M. Ferreira e P. Cortes

Capítulo 6
Terapêuticas alvo no cancro do ovário 34
J. Savva-Bordalo, A. Clara e A. Costa

Capítulo 7
Tratamento das recidivas 41
M. Nave, S. Broco e S. Sousa

Capítulo 8
Situações específicas na abordagem do cancro do ovário 46
J. Belo, A. Guimarães e T.A. Santos

Capítulo 9
Cancro do ovário hereditário 51
M. Teixeira, P. Machado e A. Luís

Capítulo 10
Investigação no cancro do ovário 57
H. Nabais, N. Afonso e D. Pereira da Silva

100 perguntas chave no cancro do ovário V


Abreviaturas

ACO anticontracetivos orais IMC índice de massa corporal


ADNEX The Assessment of Different Neoplasias IP intraperitoneal
in the Adnexa Risk model IPO Instituto Português de Oncologia
AICR American Institute for Cancer Research LR regressão logística
ALT alanina aminotransferase MAP2K1/2 Mitogen-activated protein cinase 1 e 2
APIO Associação Portuguesa de Investigação MDASI M.D. Anderson Cancer Centre’s Symptom Index
Oncológica NCCN National Comprehensive Cancer Network
AUC área sob a curva NCI National Cancer Institute
CA antígeno carboidrato OCCR Ovarian Cancer Cluster Region
CEA antigénio carcinoembrionário OMS Organização Mundial de Saúde
CEO cancro epitelial do ovário PARP poly (ADP-ribose) polymerase
CIMBA Consortium of Investigators of Modifiers PD proteína programadora da morte celular
of BRCA1 and BRCA2 PDGFR platelet-derived growth factor receptor
DESKTOP Descriptive Evaluation of Preoperative Selection PET tomografia por emissão de positrões
Kriteria for Operability in Recurrent Ovarian PLCO prostate, lung, colorectal and ovarian
DLP doxorrubicina lipossómica peguilada PRO-CTCAE Patient-Reported Outcomes - Version of the
DSB double strand breaks Common Terminology Criteria for Adverse
ECOG Eastern Cooperative Oncology Group PROMIS Patient Reported Outcome Measurement
EDA endoscopia digestiva alta Information System
EMA European Medicines Agency PROs Patient reported outcomes
EORTC European Organisation for Research PS Performance Status
and Treatment of Cancer QT quimioterapia
ESGO European Society Gynaecological Oncology RM ressonância magnética
ESMO European Society of Medical Oncology ROMA algoritmo de risco de malignidade ovárica
ESP European Society of Pathology SG sobrevivência global
ESTRO European Society for Radiotherapy and Oncology SLP sobrevivência livre de progressão
ESUR European Society of Urogenital Radiology SNP single nucleotide polymorphisms
ET ecografia transvaginal SOP salpingo-ooforectomia profilática
EV endovenosa SPECT single-photon emission computed
FACT-G Functional Assessment of Cancer tomography
Therapy-General SPG Sociedade Portuguesa de Ginecologia
FGFR fibroblast growth factor receptor SPGO Secção Portuguesa de Ginecologia Oncológica
FIGO International Federation of Gynecology SSB single strand breaks
and Obstetrics TC tomografia computadorizada
GCCG Grupo Cooperativo de Cancro Ginecológico THS tratamento hormonal de substituição
GGT gamaglutamiltransferase TILs tumor infiltrating lymphocytes
GOG Gynecologic Oncology Group TKI tirosina-quinase
GWAS Genome-Wide Association Studies UKCTOC United Kingdom Collaborative Trial of Ovarian
HE4 human epididymis protein 4 Cancer Screening
HIPEC quimioterapia intraperitoneal hipertérmica UKFOCSS United Kingdom Familial Ovarian Cancer
HT histerectomia Screening Study
HR hazard ratio US ultrasonografia transvaginal
IARC International Agency for Research on Cancer VEGF fator de crescimento endotelial vascular
ICON International Collaborative on Ovarian Neoplasms VEGFR recetor do fator de crescimento endotelial
ILD intervalo livre de doença WCRF World Cancer Research Fund

VI 100 perguntas chave no cancro do ovário


Prefácio

O que interessa saber na abordagem clínica das doentes com cancro do ovário?
Foi com o objetivo de responder a esta pergunta que o livro «100 perguntas chave no Cancro do
Ovário» foi elaborado. Pretendemos esclarecer questões concretas que se nos colocam diariamente
na prevenção, diagnóstico, tratamento e seguimento das doentes com esta patologia. Contámos com
a colaboração de trinta e um autores, de várias áreas, representando várias instituições de todo o país.
O cancro do ovário é uma neoplasia pouco frequente mas que tem, de entre as neoplasias malignas
específicas da mulher, a maior taxa de mortalidade. A sua abordagem é complexa e tem de ser feita
em contexto multidisciplinar, de forma a adequar a cada doente a melhor decisão terapêutica possível.
Tem sido complexa a quantidade de conhecimentos adquirida nos últimos anos: além de novos
tratamentos a integrar na prática clínica, as técnicas moleculares estão a um passo de complementar
a histopatologia na classificação e decisão terapêutica. Novas técnicas cirúrgicas estão a ser desenvol-
vidas e a discussão de medidas preventivas passou a ter um lugar de destaque num subgrupo de
mulheres com alto risco de cancro do ovário.
Todas as doentes têm direito a uma abordagem individualizada, tendo em conta a fase da sua
doença e o seu contexto psicológico, familiar e social. A resposta das estruturas de saúde a todas
estas necessidades só é possível através da integração de vários profissionais de saúde em equipas
intra e multidisciplinares.
Agradecemos a todos os profissionais das várias áreas da saúde que aceitaram o desafio de colaborar
neste livro.

Fátima Vaz
Serviço de Oncologia Médica e Clinica de Risco Familiar
Instituto Português de Oncologia de Lisboa, Francisco Gentil, EPE
Lisboa

Deolinda Pereira
Serviço de Oncologia Médica
Instituto Português de Oncologia do Porto, Francisco Gentil, EPE
Porto

100 perguntas chave no cancro do ovário VII


Capítulo 1

Epidemiologia dos tumores


do ovário

A. Miranda, C. Frutuoso e M.R. Couto

QUAL A INCIDÊNCIA DO CANCRO QUAL A SOBREVIVÊNCIA DESTA


DO OVÁRIO FACE À DAS OUTRAS DOENÇA?
NEOPLASIAS NA MULHER?
A sobrevivência por tumor do ovário é subs-
A nível mundial estima-se que existam cerca tancialmente diferente segundo o estádio. Assim,
de 238.000 novos casos ano de cancro do ovário, aos 5 anos a sobrevivência é de cerca de 50%,
sendo a Europa o continente que tem as taxas considerando a doença metastática local/locorre-
mais altas de incidência para esta neoplasia1. Em gional (estádio I a III) e de 15% para a doença no
Portugal existem cerca de 474 novos casos por estádio IV3 (Fig. 2).
ano2 que representam cerca de 2,32% do total Considerando a nível europeu, Portugal tem
de cancros da mulher. Considerando os tumores uma das melhores taxas de sobrevivência, seme-
dos órgãos genitais femininos, os tumores do lhante à dos países do norte da Europa, sendo
ovário são responsáveis por 18% dos casos. superior à da média europeia (dados do ROR-Sul)4.
A Europa tem das taxas mais elevadas de in- Os países com a menor taxa são o Reino Unido,
cidência, em especial a Europa de Leste e do a Irlanda e os países da Europa de Leste.
Norte, pois a Letónia, a Lituânia, a Estónia, a Ir-
landa e o Reino Unido estão integrados nesta QUAL A EVOLUÇÃO DA
região europeia e têm das taxas mais altas do MORTALIDADE POR CANCRO DO
globo. OVÁRIO AO LONGO DOS ANOS
As regiões do globo com as taxas mais baixas EM PORTUGAL, NA EUROPA
de incidência são a Ásia e a África, provavelmente E NO MUNDO?
devido à alta paridade, amamentação prolongada,
menopausa precoce e menarca tardia. Estima-se que o total de óbitos a nível mun-
Nas últimas décadas têm-se registado aumen- dial por cancro do ovário em 2012 tenha sido de
tos da incidência desta neoplasia, em especial nos 152.000 casos. Na população europeia ocorreram
países ocidentais. cerca de 43.000, ou seja mais de um quarto dos
A nível da Europa a maior incidência ocorre óbitos5.
nos países de leste, no Reino Unido, Irlanda e O padrão de distribuição da mortalidade por
Dinamarca. No conjunto dos países as taxas de cancro do ovário é muito semelhante ao da inci-
incidência variam entre 6,2/105 (Portugal) e dência. Assim, temos as mais baixas taxas de
13,6/105 (Polónia) (Fig. 1). mortalidade padronizadas para a idade na Ásia
Considerando a última década, nota-se uma e na África, 3,0/105 e 3,8/105 respetivamente e
ligeiro aumento das taxas de incidência a nível as mais altas na Europa – 5,4/105 e na América
nacional. Avaliando as taxas específicas por grupo do Norte – 5,0/105 1. A relação incidência/mor-
etário é na mulher pós-menopáusica, na 5.ª, 6.ª talidade é semelhante nas diversas populações
e 7.ª década de vida, que as taxas são mais altas. em análise.

100 perguntas chave no cancro do ovário 1


A. Miranda, et al.

Ovário
Polónia 13,6
Malta 11,8
Estónia 11,8
Reino Unido 11,7
lrlanda 11,2
República Checa 11,1
Eslovénia 10,4
Dinamarca 10,3
Itália 10,2
Filândia 8,4
Bélgica 8,1
França 7,9
Espanha 7,7
Suécia 7,5
Alemanha 7,4
Áustria 7,3
Holanda 6,8
Portugal 6,2
0 2 4 6 8 10 12 14 16
ASR (W)

Figura 1. Taxas de incidência padronizadas para a idade nos países europeus1.

Sobrevivência por estádio


1,00
Local ou locorregional
Metastática

0,75
Kaplan-Meier

0,50

0,25

0,00
0 2 4 6
Anos desde diagnóstico

Figura 2. Sobrevivência ROR-Sul segundo o estádio, no ano de diagnóstico de 2009.

2 100 perguntas chave no cancro do ovário


Epidemiologia dos tumores do ovário

A mortalidade por cancro do ovário em Portugal, pó de talco, assim como a exposição a asbes-
tem-se mantido estável desde o ano 2000 até à tos, estão associados a um aumento do risco.
atualidade (2012), situando-se à volta de 3,0/105 5. –– Obesidade: mulheres com um índice de mas-
Os tumores do ovário são responsáveis por cerca sa corporal superior a 30 mg/m2, têm um
de 3,7% dos óbitos na população feminina, em risco aumentado de desenvolver cancro de
Portugal3. A relação incidência/mortalidade é de 2:1. ovário.

QUAIS OS FATORES DE RISCO É PREVISÍVEL QUE A


PARA CANCRO DO OVÁRIO? MODIFICAÇÃO DOS ESTILOS
DE VIDA AFETE A INCIDÊNCIA
A identificação de mulheres com maior risco DE CANCRO DO OVÁRIO?
de desenvolver cancro do ovário pode ser impor-
tante para definir uma estratégia de vigilância e Algumas atitudes e estilos de vida foram as-
orientação clínica adequada. Foram identificados sociados a uma diminuição da incidência desta
alguns fatores de risco para o desenvolvimento neoplasia, nomeadamente a amamentação, a
desta neoplasia, nomeadamente idade, fatores ge- multiparidade e o uso de anticoncecionais orais.
néticos, endócrinos, ambientais e constitucionais6. A opção pela laqueação de trompas, a histerec-
–– Idade: a incidência do cancro do ovário au- tomia e a ooforectomia relacionam-se igualmen-
menta com a idade, ocorrendo a maioria dos te, com a diminuição da incidência deste tumor.
casos após a menopausa. A amamentação está associada a uma diminui-
–– Predisposição genética: o maior fator de risco ção do risco, de 8% por cada aumento de cinco
para cancro do ovário é a história familiar. meses na duração da amamentação. A multipa-
Numa mulher de 35 anos, tendo havido his- ridade também está associada a uma diminuição
tória de cancro de ovário num familiar, au- do risco de desenvolver cancro do ovário. Após
menta a probabilidade de desenvolver esta uma gravidez de termo, o risco diminui 8% por
patologia durante a vida de 1,6 para 5,0%. cada gravidez adicional. O uso de anticoncecio-
As mulheres com síndromes de cancro do nais orais está associado a uma diminuição esta-
ovário hereditário têm uma probabilidade de tisticamente significativa desta doença, verifican-
desenvolver a neoplasia ao longo da vida en- do-se uma correlação entre a dose total de
tre 25 a 50%. Estes síndromes são responsá- exposição e a diminuição da ocorrência desta
veis por 5 a 10% dos cancros do ovário, sen- neoplasia7. Os procedimentos cirúrgicos, nomea-
do os mais frequentes o síndrome hereditário damente a ooforectomia, estão reservados para
de cancro da mama/ovário (associado a mu- as mulheres com alto risco de desenvolver cancro
tações germinativas nos genes BRCA1 e do ovário, após completarem o seu planeamento
BRCA2) e o síndrome de Lynch. familiar.
–– Fatores reprodutivos e endócrinos: a nulipari- Até à data, os estudos não demonstraram um
dade, menarca precoce (< 12 anos), meno- aumento do risco entre a ingestão de álcool e o
pausa tardia (> 52 anos), endometriose, sín- desenvolvimento de cancro do ovário. Os estu-
drome de ovário poliquístico e a exposição dos disponíveis também não foram consistentes
recente a terapêutica hormonal de substitui- a estabelecer uma relação de proteção com a
ção parecem estar associados a um aumento ingestão de chá, suplementação com vitamina D,
de risco de cancro do ovário. O risco é maior ácidos gordos Omega 3 ou a prática de exercício
com a terapêutica estrogénica quando com- físico.
parada com a terapêutica combinada de es-
trogénio e progestativo, sendo esse risco ate- FAZ SENTIDO O RASTREIO
nuado com a sua interrupção. POPULACIONAL DE CANCRO
–– Fatores ambientais: história atual ou passada DO OVÁRIO?
de tabagismo parece aumentar o risco de can-
cro do ovário mucinoso, mas não de outros A organização de um rastreio de massa no âm-
subtipos histológicos. A aplicação perineal de bito da oncologia, pressupõe que diagnosticando

100 perguntas chave no cancro do ovário 3


A. Miranda, et al.

e tratando o tumor em estádios precoces diminui orais reduzem o risco de cancro do ovário, sendo
a mortalidade, ou seja, o impacto do rastreio dos essa redução maior com o aumento de duração
tumores malignos tem de ser avaliado no indica- da terapêutica7. O efeito protetor persiste por 30
dor mortalidade. anos após a suspensão da sua utilização, embora
Para além deste facto tem de se dispor de um se atenue ao longo do tempo. A redução do
exame para rastreio que seja económico, fácil de risco é menos evidente para os tumores mucino-
aplicar e com uma sensibilidade e especificidade sos. Estes fármacos estão contudo, associados a
altas. um aumento de risco de fenómenos tromboem-
Nenhuma das condições acima referidas estão bólicos e a um ligeiro aumento de risco de cancro
reunidas para se poder desenvolver um rastreio da mama. A evidência também não contraindica
de massa no cancro do ovário. estes medicamentos nas mulheres BRCA1 e
BRCA2. Cada mulher deverá assim, pesar as van-
QUAL A INFLUÊNCIA DOS tagens e desvantagens da utilização destes fár-
TRATAMENTOS DE FERTILIDADE macos com o seu médico.
NA INCIDÊNCIA DE CANCRO DO Revisões sistemáticas sobre um efeito po-
OVÁRIO? tencialmente protetor contra o cancro do ová-
rio de anti-inflamatórios não esteroides revela-
Há dados de uma revisão Cochrane de 2013, ram resultados não consistentes9. Até à data,
que incluiu 11 estudos caso-controlo e 14 estu- os dados são insuficientes para se recomendar
dos de coorte, perfazendo 182.972 doentes; o uso de aspirina na quimioprofilaxia do cancro
nesta revisão, como não foram encontrados es- do ovário.
tudos randomizados, o risco de viés não foi con-
siderado baixo para nenhum dos trabalhos. Con- EXCLUINDO OS CASOS DE
cluiu-se que não há evidência de aumento de CANCRO HEREDITÁRIO BRCA1/2,
risco de cancro do ovário após tratamento mé- QUANDO ESTÁ INDICADA A
dico da esterilidade. Pode haver risco aumentado PREVENÇÃO CIRÚRGICA DESTA
de tumores borderline nas mulheres submetidas DOENÇA?
a fertilização in vitro. Considerou-se que os es-
tudos que mostraram aumento do risco de can- A suspeita de síndrome de cancro hereditário
cro tinham, no geral mais viéses, por serem todos existe quando há múltiplos membros da família
estudos retrospetivos. A análise foi efetuada para afetados por doença maligna, quando o cancro
tumores invasivos e borderline, considerando aparece em idade jovem ou quando, a mesma
qualquer tratamento médico da fertilidade, ape- doente tem neoplasias múltiplas ou bilateralidade
nas o citrato de clomifeno, gonadotrofinas ou (vários cancros ou tumor bilateral). As guidelines
ambos. da FIGO 2015, ESMO 2016 e NCCN 2016 reco-
As guidelines atuais recomendam uma dura- mendam que se faça pesquisa da mutação BRCA
ção máxima de tratamento com o citrato de clo- 1 e 2 a todas as mulheres com diagnóstico de
mifeno de seis meses. A revisão Cochrane não carcinoma seroso de alto grau, independente-
encontrou dados que mostrassem que este fár- mente da historia familiar.
maco, modificasse o risco de cancro do ovário. Estão definidos critérios para a pesquisa de
Em conclusão, não existem dados definitivos mutações associadas a aumento de risco de can-
sobre a segurança dos tratamentos de fertilidade, cro hereditário.
mas não há evidência de que exista qualquer Além do síndrome de cancro hereditário ma-
efeito adverso clínico significativo8. ma-ovário associado às mutações BRCA, as gui-
delines da International Federation of Gynecolo-
É POSSÍVEL A QUIMIOPREVENÇÃO gy and Obstetrics (FIGO) 2015, recomendam a
DO CANCRO DO OVÁRIO? histerectomia total e salpingo-ooforectomia bila-
teral em mulheres com síndrome de Lynch, de-
Os estudos demonstraram de uma forma con- pois de estar completa a maternidade. O síndro-
sistente que o uso prolongado de anticoncecionais me de Lynch é um síndrome de cancro familiar

4 100 perguntas chave no cancro do ovário


Epidemiologia dos tumores do ovário

autossómico dominante, devido a uma mutação peritoneu. A via de abordagem proposta para a
em genes de reparação do ADN, nomeadamente salpingo-ooforectomia redutora de risco é a
nos genes (MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2) e está laparoscopia e deve incluir todo o tecido tubo
associado a aumento de risco de cancro do ová- ovárico, devendo a remoção ser feita com saco
rio, endométrio e colorretal. A mutação no gene para evitar fragmentação da peça. A doente
MSH2 é a que se associa a maior risco de cancro deve ser informada sobre os efeitos da meno-
do ovário, que é de 33% ao longo da vida da pausa precoce.
mulher . A hipótese de que o carcinoma seroso do
Também o síndrome de Peutz–Jeghers, carac- ovário, de alto grau, possa ter origem no epité-
terizado por lesões pigmentadas na mucosa bucal lio tubário, com base em estudos feitos nas
e múltiplos pólipos gastrointestinais e que se deve peças de salpingo-ooforectomia bilateral profi-
a mutações do gene STK11, se associa a risco lática efetuada em mulheres com risco genético,
aumentado de cancro do ovário, mas neste caso, veio modificar o conceito de cirurgia redutora
dos cordões sexuais. As recomendações são as de risco de cancro do ovário. Contudo a salpin-
mesmas. gectomia bilateral exclusiva não é alternativa
A maioria dos cancros do ovário são espo- comparável de prevenção à salpingo-ooforecto-
rádicos e mais de 90% acontecem depois dos mia bilateral, nas mulheres com risco genético.
50 anos. Na prática clínica, a decisão de proceder Pode permitir adiar a menopausa antes da de-
a salpingo-ooforectomia profilática, nas situações cisão da anexectomia preventiva que é a cirurgia
em que há indicação para histerectomia na mu- redutora de risco de cancro do ovário eficaz,
lher na pré-menopausa, é função da opinião do mas não está validada e há o risco de conferir
cirurgião e não é baseada na evidência, obtida a falsa segurança às doentes. Estão em curso en-
partir de estudos randomizados. Não são claras saios clínicos para avaliar eficácia da salpingec-
as vantagens ou desvantagens desta conduta. O tomia bilateral como cirurgia redutora de risco
clínico deve considerar as implicações individuais (NCCN, 2016).
para cada mulher, nomeadamente o risco de can- A salpingectomia bilateral pode ser conside-
cro da mama e do ovário, o risco de osteoporose, rada como medida redutora de risco de cancro
de doença coronária e da não adesão à terapêu- do ovário, na população geral, quando a mulher
tica hormonal10,11. está proposta para histerectomia total ou para
laqueação tubária. Está provado que esta atitude
QUAIS AS ALTERNATIVAS não modifica o risco do procedimento para que
CIRÚRGICAS DE PREVENÇÃO a doente estava proposta10,11.
DO CANCRO DO OVÁRIO
BIBLIOGRAFIA
Como não está demonstrada a eficácia do
rastreio do cancro do ovário, as recomendações 1. Ferlay J, Soerjomataram I, Ervik M, et al. Cancer Incidence
que existem para a prevenção do cancro do ová- and Mortality Worldwide: IARC CancerBase. GLOBOCAN.
rio nas mulheres com risco genético são a sal- 2012;v1.0:No.11. [Internet]. Lyon, France: International
Agency for Research on Cancer; 2013. Available from:
pingo-ooforectomia bilateral, depois de cumpri- http://globocan.iarc.fr.
da a maternidade desejada. Nas mulheres com 2. RON 2009 – Registo Oncológico Nacional 2009. Instituto
Português de Oncologia de Lisboa de Francisco Gentil -
mutação BRCA1 há aumento de risco depois dos EPE. In press. Lisboa, 2015.
35 anos e estima-se que pelos 40 anos, 2 a 3% 3. ISM 2008/2009 – Registo Oncologico Regional Sul – 2014.
das mulheres já tenham desenvolvido cancro. 4. De Angelis R, Sant M, Coleman MP, et al. Cancer survival
in Europe 1999-2007 by country and age: results of EU-
Nas portadoras de mutação BRCA2, o aumento ROCARE-5- a population-based study. the EUROCARE-5
de risco aparece uma década depois. Assim, Working Group. Lancet Oncology. 2014;15:23-34.
5. WHO – cancer mortality database 2012. Available from:
para a realização deste procedimento, é habi- http://apps.who.int/gho/data/node.main.A864?lang=en.
tualmente referida a idade dos 35 anos, ou 6. Cramer DW. The epidemiology of endometrial and ovarian
cinco anos antes da idade do parente mais jo- cancer. Hematol Oncol Clin North Am. 2012;26(1):1-12.
7. Collaborative Group on Epidemiological Studies of Ovar-
vem afetado. A doente terá de ser informada ian Cancer, Beral V, Doll R, Hermon C, Peto R, Reeves
da existência de risco residual de cancro do G. Ovarian cancer and oral contraceptives: collaborative

100 perguntas chave no cancro do ovário 5


A. Miranda, et al.

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ing 23,257 women with ovarian cancer and 87,303 con- with high risk of endometrial and ovarian cancer: Surgical
trols. Lancet. 2008;371:303-14. options for personalized care. J Surg Oncol. [Internet]. 2015;
8. Rizzuto I, Behrens RF, Smith LA. Risk of ovarian cancer in 111(1):118-24.
women treated with ovarian stimulating drugs for infertil- 11. Mutch D, Denny L, Quinn M. Hereditary gynecologic cancers.
ity. Cochrane Database Syst Rev. 2013; 8:CD008215. Int J Gynecol Obstet [Internet]. International Federation of
9. Baandrup L, Faber MT, Christensen J, et al. Nonsteroidal Gynecology and Obstetrics. 2014;124(3):189-92.
anti-inflammatory drugs and risk of ovarian cancer: sys- 12. Berek JS, Crum C, Friedlander M. Cancer of the ovary,
tematic review and meta-analysis of observational studies. fallopian tube, and peritoneum. Int J Gynaecol Obstet. 2015;
Acta Obstet Gynecol Scand. 2013;92:245-55. 131:S111-22.

6 100 perguntas chave no cancro do ovário


Capítulo 2

Biopatologia: avaliação histológica,


alterações moleculares
e fatores de prognóstico
A. Félix, C. Bartosch e J.M. Lopes

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS TIPOS adulto com a identificação de uma mutação espe-
DE TUMORES DO OVÁRIO? cífica no gene FOXL22, e a associação dos tumores
de células de Sertoli e de células de Leydig à sín-
Os tumores do ovário correspondem a 30% drome DICER13. Os restantes tipos são muito raros.
das neoplasias malignas do trato ginecológico. A O teratoma maduro quístico, pertencente ao
classificação destas neoplasias deve ser efetuada grupo das neoplasias germinativas, é muito fre-
segundo a proposta classificativa da Organização quente e corresponde a cerca de 32% de todos
Mundial da Saúde (OMS), publicada em 2014, os tumores ováricos. Os restantes tumores germi-
para os tumores ginecológicos1. nativos, benignos e malignos são raros.
A maioria dos tumores ováricos primários po-
dem ser integrados em três grandes grupos de QUAL É A CLASSIFICAÇÃO
neoplasias que são: os tumores epiteliais, os tu- ATUAL DOS TUMORES
mores dos cordões sexuais e do estroma ovárico EPITELIAIS DO OVÁRIO?
e os tumores com origem em células germinati-
vas. Menos frequentemente, no ovário podem ser A correta classificação histológica das neoplasias
identificados tumores miscelânea (outros tumo- epiteliais do ovário, é especialmente importante,
res), mesoteliais, dos tecidos moles, linfomas, e porque é um fator de prognóstico independente
tumores secundários, isto é, metástases de neo- e é orientadora da conduta terapêutica.
plasias com origem extraovárica (7-10%). De acordo com os critérios propostos pela
Os tumores epiteliais do ovário são os mais OMS de 20141, estas neoplasias dividem-se em
comuns, e representam cerca de dois terços (58%) sete categorias histológicas, a saber: tipo seroso,
de todos os tumores. mucinoso, endometrióide, de células claras, Bren-
Os tumores dos cordões sexuais e do estroma ner, seromucinoso e indiferenciado (Fig. 1). Todos
correspondem a um grupo de tumores muito va- estes tipos, com exceção do tipo indiferenciado,
riados. O subgrupo mais frequente, e que corres- são ainda subdivididos em neoplasias benignas,
ponde a cerca de 9% de todos os tumores do borderline e malignas, consoante as caraterísticas
ovário, é o subgrupo dos tumores do estroma em microscopia óptica (Tabela 1). Os tumores se-
ovárico «puros», e que têm quase sempre um romucinosos são uma categoria nova, e que é
comportamento benigno. Ainda dentro do grande predominantemente constituída por tumores bor-
grupo de tumores dos cordões sexuais e do estro- derline (a maioria deles anteriormente classifica-
ma, os tumores de células da granulosa são os que dos como tumores mucinosos borderline de tipo
mais frequentemente, podem ter um comporta- endocervical).
mento agressivo, e correspondem a 1% da totali- Os tumores benignos são mais frequente-
dade dos tumores ováricos. Recentemente, um mente do tipo seroso e mucinoso, e afetam mu-
avanço significativo foi efetuado para a confirma- lheres entre a década dos 20 até aos 60 anos.
ção diagnóstica dos tumores da granulosa de tipo São predominantemente quísticos e podem ser

100 perguntas chave no cancro do ovário 7


A. Félix, et al.

A B C D

E F G

Figura 1. Tipos histológicos de tumores epiteliais do ovário. A: carcinoma seroso de alto grau. B: carcinoma
endometrióide. C: carcinoma mucinoso. D: carcinoma seromucinoso. E: tumor de Brenner benigno. F: carcinoma
de células claras. G: carcinoma indiferenciado (adaptado de OMS, 2014).

unilaterais ou bilaterais (mais frequentemente os das neoplasias. Este conhecimento é especial-


de tipo seroso). mente relevante no carcinoma do ovário, por-
Os tumores borderline têm aspetos histológi- que poderá contribuir para a deteção em fases
cos, habitualmente caraterísticos das neoplasias iniciais.
malignas (atipia citológica, invasão focal do estro- É entendimento atual que os tumores epite-
ma e disseminação intraperitoneal e em gânglios liais do ovário têm origem no epitélio da super-
linfáticos); no entanto, e sobretudo quando são fície que reveste o ovário (mesotélio modificado);
apenas analisados os tumores bordeline que não e/ou em inclusões de epitélio de revestimento no
pertencem ao tipo seroso, têm um excelente córtex ovárico (quistos de inclusão epitelial); ou
prognóstico aos 10 anos de seguimento clínico, no epitélio das fímbrias da trompa de Falópio
após cirurgia completa. (Fig. 2). Nestes epitélios ocorrem alterações ge-
As neoplasias epiteliais malignas (carcinomas) néticas, epigenéticas e moleculares que dão ori-
são a principal causa de morte por cancro do gem às neoplasias epiteliais. Foi proposto em
ovário (90%), e são raras antes dos 35 anos de 20094 um modelo que define a existência de
idade. A maioria dos tumores são sólidos e têm duas grandes vias de carcinogénese denomina-
necrose e hemorragia. Para um diagnóstico cor- das de tipo I e II – este modelo foi aceite exclu-
reto, é fundamental uma amostragem adequada sivamente para fins de investigação. De acordo
para observação microscópica, sendo o tipo his- com o modelo, os carcinomas do ovário são
tológico mais frequente o carcinoma seroso de classificados em tipo I ou de baixo grau e de tipo
alto grau, seguido do carcinoma endometrióide e II ou alto grau. O protótipo dos carcinomas de
do carcinoma de células claras. Os carcinomas tipo I é o carcinoma seroso de baixo grau que
mucinosos são muitíssimo raros e o seu diagnós- se carateriza por ter uma morfologia com escas-
tico deve ser sempre precedido da exclusão clíni- sa atipia, uma clínica indolente e o diagnóstico
ca, morfológica e imunofenotípica de metástases. ser efetuado, na maioria dos casos, em estádios
iniciais; os outros tipos histológicos incluídos
O QUE SE SABE SOBRE A neste grupo são: o carcinoma mucinoso, endo-
ONCOGÉNESE DOS TUMORES metrióide, seromucinoso e de células claras. No
EPITELIAIS DO OVÁRIO? grupo I, atualmente são reconhecidos três sub-
grupos, sendo o primeiro subgrupo relacionado
O conhecimento histogenético é fundamental com a lesão precursora de neoplasia que é a
para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento endometriose e que integra os tipos histológicos

8 100 perguntas chave no cancro do ovário


Biopatologia

Tabela 1

Tumores serosos Benignos Cistadenoma seroso


Adenofibroma seroso
Papiloma seroso
Borderlines Tumor seroso borderline
Tumor seroso borderline micropapilar
Malignos Carcinoma seroso de baixo grau
Carcinoma seroso de alto grau
Tumores mucinosos Benignos Cistadenoma mucinoso
Adenofibroma mucinoso
Borderlines Tumor mucinoso borderline
Malignos Carcinoma mucinoso
Tumores endometrióides Benignos Quisto endometrióide
Cistadenoma endometrióide
Adenofibroma endometrióide
Borderlines Tumor endometrióide borderline
Malignos Carcinoma endometrióide
Tumores de células claras Benignos Cistadenoma de células claras
Adenofibroma de células claras
Borderlines Tumor de células claras borderline
Malignos Carcinoma de células claras
Tumores de Brenner Benignos Tumor de Brenner
Borderlines Tumor de Brenner borderline
Malignos Tumor de Brenner maligno
Tumores seromucinosos Benignos Cistadenoma seromucinoso
Adenofibroma seromucinoso
Borderlines Tumor seromucinoso borderline
Malignos Carcinoma seromucinoso
Carcinomas indiferenciados

A B C

Figura 2. Epitélios onde se postula que ocorram alterações que originam os tumores epiteliais do ovário.
A: epitélio da superfície do ovário. B: quistos de inclusão epitelial no córtex do ovário. C: epitélio das fímbrias
da trompa de Falópio.

100 perguntas chave no cancro do ovário 9


A. Félix, et al.

endometrióide, células claras e seromucinoso; o do fígado, superfície do intestino e no omento.


segundo subgrupo corresponde ao carcinoma A adesão das células malignas ao peritoneu pre-
seroso de baixo grau, onde já foram identifica- cede a invasão local e a metastização secundá-
das sequências de eventos moleculares (por ria, nomeadamente para a cavidade pleural por
exemplo, BRAF/KRAS/PTEN/ARID1A) associadas poros transdiafragmáticos (estádio IV). A via de
a lesões morfológicas (adenoma, tumor border- disseminação por contiguidade é também im-
line), estando descrita a progressão desde quisto portante e interessa órgãos como trompa, útero,
de inclusão epitelial, cistoadenoma, tumor bor- anexo contralateral e serosas da bexiga, reto e
derline, até carcinoma; e o último subgrupo in- fundo de saco de Douglas. A forma iatrogénica
tegra os carcinomas mucinosos e os tumores de por contiguidade, por exemplo, para a parede
Brenner malignos5. abdominal (cirurgia ou paracentese) é menos
O grupo dos tumores de tipo II, integra os frequente.
carcinomas mais frequentes do ovário (75%), pois A disseminação por via linfática é estimada
o protótipo do grupo é o carcinoma seroso de ter ocorrido em 5 a 20% dos casos, quando a
alto grau; os carcinossarcomas e o carcinoma doença parece ser localizada ao ovário. Os locais
indiferenciado. No grupo II não é conhecida ne- mais frequentes de metastização são os gânglios
nhuma lesão precursora, e morfologicamente as para-aórticos, ilíacos externos e internos e ingui-
neoplasias são de alto grau e clinicamente muito nais e, menos frequentemente, os gânglios linfá-
agressivas. Os principais eventos moleculares des- ticos à distância.
critos nesta via parecem surgir ad initium, e são A disseminação por via hematogénea é a
a instabilidade cromossómica e mutações no menos frequente, parece estar relacionada com
gene TP53, em quase todos os casos, bem como a predileção das células neoplásicas pela cavida-
frequentes anomalias nos genes de reparação de abdominal (homing) em detrimento de depó-
homóloga, proteína do retinoblastoma, e altera- sitos noutros órgãos, como fígado, pulmões,
ção das vias da ciclina E1, FOXM1 e Notch 35. cérebro ou osso (raramente, nestas últimas duas
localizações).
QUAIS SÃO AS VIAS DE
PROPAGAÇÃO DAS NEOPLASIAS AS ALTERAÇÕES MOLECULARES
EPITELIAIS DO OVÁRIO? SÃO ÚTEIS NA AVALIAÇÃO
PREDITIVA E PROGNÓSTICA
As células neoplásicas dos carcinomas do ovário NO CANCRO DO OVÁRIO?
podem seguir todas as vias de propagação conhe-
cidas na disseminação das neoplasias malignas, Têm sido inúmeros os estudos dedicados à
isto é, a via linfática, hematogénica, transcavitária avaliação do significado clínico de alterações mo-
e por contiguidade. No entanto, é a via transca- leculares do cancro do ovário. No entanto, não
vitária (transcelómica/peritoneal) a via clinicamen- existe ainda nenhum biomarcador de prognóstico
te mais relevante, que condiciona, na grande universalmente aceite e apenas recentemente foi
maioria dos casos, o prognóstico das doentes, e aprovada a pesquisa de mutações dos genes
que parece ser particularmente mais relevante no BRCA como biomarcador preditivo6,7.
contexto do atual entendimento da origem de Os resultados de grande parte destes estu-
alguns dos tumores de tipo II do ovário no epité- dos têm sido prejudicados pela ausência de dis-
lio tubário. As células neoplásicas malignas, ao criminação dos tipos histológicos e variações no
esfoliarem para a cavidade peritoneal e ao sobre- tratamento. A expressão (+) ou ausência de
viverem neste meio (porque têm a capacidade de expressão (–) de biomarcadores, tais como o
evitar a anoikis – apoptose desencadeada pela fator de crescimento endotelial vascular (VEGF)
perda de ligação com a matriz extracelular), dis- e os recetores de progesterona, respetivamente,
seminam-se no peritoneu, depositando-se, se- tem sido descrita como associada a mau prog-
gundo a distribuição do fluxo passivo do líquido nóstico no cancro do ovário em geral. No en-
peritoneal, predominantemente nas goteiras pa- tanto, a relevância clínica dos biomarcadores de
rietocólicas, superfícies diafragmáticas, cápsula prognóstico parece variar em função do tipo

10 100 perguntas chave no cancro do ovário


Biopatologia

histológico. Nos carcinomas serosos de alto 100 genes; e uma assinatura de 23 genes envol-
grau foram associados a mau prognóstico vários vidos na reparação das lesões do ADN induzidas
biomarcadores, incluindo fatores envolvidos na pelos platinos, que é preditiva da resposta à te-
reparação do ácido desoxirribonucleico (ADN) rapêutica nos carcinomas serosos de alto grau do
(EDD+, PARP1+, BRCA1/2), regulação do ciclo ovário. Mais ainda, os resultados do ensaio clíni-
celular (ciclina D1+, p21–), tradução do ácido co ARIEL2 evidenciaram que uma assinatura de
ribonucleico (ARN) (RPS4X–, eEF1A2–), sinaliza- tipo BRCA associada a alterações da reparação do
ção intercelular (VCAM1+) e outros (p53+, ADN por recombinação homóloga pode também
ALDH1+). Nos carcinomas endometrióides a au- identificar outros doentes que respondem a este
sência de expressão de recetores de estrogénio tratamento.
e a expressão das enzimas HDAC1-3 associam- É de referir ainda, no contexto dos recentes
-se a mau prognóstico. Nos carcinomas de cé- avanços da imunoterapia com agentes anti-PD-1,
lulas claras há estudos com resultados idênticos que a sobre-expressão de PD-L1 tem sido asso-
para a expressão de IMP3 e LC3A. No entanto, ciada a mau prognóstico nas doentes com cancro
estas alterações moleculares carecem de estu- do ovário. A expressão de PD-L1 poderá também
dos que validem a sua utilidade clínica de forma ter um papel como biomarcador preditivo9.
independente.
Estão também descritos biomarcadores pre- QUAL O PAPEL DO EXAME
ditivos. Foi demonstrado que, em doentes com EXTEMPORÂNEO NA ABORDAGEM
recidiva sensível aos platinos, a presença de mu- DAS DOENTES COM CANCRO
tações dos genes BRCA, quer germinativas ou DO OVÁRIO?
somáticas no tumor ovárico, prediz maior bene-
fício no tratamento com inibidores da polimera- O exame extemporâneo tem um papel impor-
se (PARP). A amplificação do gene CCNE1 asso- tante na definição do tipo e extensão da cirurgia
cia-se à resistência ao tratamento com platinos. a realizar. É uma técnica efetuada durante o ato
Alterações do p53 foram recentemente descritas operatório que permite o diagnóstico preliminar
como preditivas da sensibilidade aos inibidores rápido de uma amostra, de forma a auxiliar na
VEGF/VEGFR. definição da estratégia da terapêutica cirúrgica.
Recentemente, com as novas tecnologias de No caso das doentes com suspeita clínica de tu-
alta cobertura, têm sido dados os primeiros pas- mor do ovário, tem como objetivo principal de-
sos na descrição de assinaturas moleculares inte- terminar a natureza tumoral da lesão e distinguir
gradas em modelos preditivos de resposta à tera- entre tumor ovárico benigno, borderline ou ma-
pêutica e de prognóstico8. O projeto do Atlas do ligno10. Pode também ser usado para diferenciar
Genoma do Cancro (TCGA), para além de confir- entre tumor primário do ovário e metástase, as-
mar a importância das mutações dos genes BRCA sim como confirmar a presença de disseminação
na sobrevivência das doentes com carcinoma peritoneal. Desta forma, perante a confirmação
seroso de alto grau do ovário, permitiu identificar da natureza benigna de uma peça de cistectomia
quatro subtipos com diferentes assinaturas trans- ou anexectomia em exame extemporâneo, pode
cricionais: imunorreativos, diferenciados, prolife- ser contemplada uma cirurgia conservadora; por
rativos e mesenquimatosos. Foi descrito que estas outro lado, perante o diagnóstico de carcinoma
assinaturas se associam ao prognóstico, sendo do ovário, considera-se o estadiamento cirúrgico,
que as doentes com tumores com assinatura de que pode incluir citorredução máxima da doença
tipo imunorreativo apresentam melhor sobrevi- tumoral.
vência global, enquanto as doentes com assina- O exame extemporâneo consiste na avaliação
tura do tipo mesenquimatoso apresentam pior macroscópica da peça cirúrgica ou produto de
sobrevivência global. Outros estudos baseados biopsia, geralmente seguida do exame histológi-
nos dados do TCGA propuseram outras assinatu- co e/ou citológico. É fundamental a inspeção e
ras moleculares, entre as quais se destacam o descrição da cápsula, procurando sinais de rotura
modelo prognóstico classificação do cancro do ou envolvimento tumoral, assim como a secção
ovário (CLOVAR), baseado numa assinatura de de todo o tumor, de forma a selecionar as áreas

100 perguntas chave no cancro do ovário 11


A. Félix, et al.

suspeitas para exame microscópico. São avaliados surgem tanto a nível nuclear como citoplasmáti-
cortes histológicos, geralmente de um a três frag- co, e no estroma envolvente (Fig. 3). O índice
mentos, após congelação. mitótico geralmente diminui e a representação de
Para uma abordagem correta no exame ex- células neoplásicas viáveis pode ser limitada. Des-
temporâneo, é fundamental que o patologista ta forma, nas amostras pós-tratamento pode não
conheça a história clínica da doente, nomeada- ser possível determinar o subtipo histológico ou
mente a idade, a uni ou bilateralidade da lesão avaliar com segurança o grau de diferenciação.
ovárica e a presença de doença noutras localiza- Há, no entanto, evidência de que o fenótipo imu-
ções. Esta informação é fundamental para a prio- no-histoquímico dos tumores se mantém, mesmo
rização dos diagnósticos diferenciais a considerar. após tratamento com quimioterapia neoadjuvan-
A acuidade diagnóstica do exame extemporâneo te, facilitando a sua caraterização.
dos tumores do ovário varia entre 87 a 96%, e O exame anatomopatológico das amostras
está limitada pelos artefactos das amostras ine- pós-quimioterapia neoadjuvante desempenha tam-
rentes ao processamento e ao número escasso de bém um papel importante na avaliação da regres-
fragmentos passíveis de serem avaliados. São de são tumoral. Têm sido propostos na literatura sco-
realçar as dificuldades de diagnóstico nos tumo- res de avaliação da regressão histológica para o
res de grande dimensão e nos tumores borderli- carcinoma seroso de alto grau do ovário, potencial-
ne, em particular nos tumores mucinosos, assim mente preditivos do risco de resistência aos platinos
como o diagnóstico diferencial entre primário do e com significado prognóstico12,13. Recentemente,
ovário e metástase. a International Collaboration on Cancer Reporting
É ainda de referir que o resultado do exame (ICCR) recomendou a adoção de um score em três
extemporâneo tem caráter provisório. O diagnós- graus baseado na avaliação do tumor residual no
tico definitivo é elaborado após fixação, inclusão epíplon: resposta ausente/mínima, resposta parcial
em parafina de vários fragmentos e eventual exe- e resposta completa/quase completa14.
cução de outras técnicas tais como estudo imu-
no-histoquímico. O QUE DEVE CONSTAR NO
RELATÓRIO DO EXAME
QUAIS AS IMPLICAÇÕES DA ANATOMOPATOLÓGICO?
QUIMIOTERAPIA NEOADJUVANTE
NO DIAGNÓSTICO O relatório anatomopatológico é elaborado
ANATOMOPATOLÓGICO DOS tendo em conta o contexto da história clínica da
CARCINOMAS DO OVÁRIO? doente (por exemplo, síndrome heredofamiliar,
tratamento neoadjuvante) e o procedimento cirúr-
A introdução da quimioterapia neoadjuvante gico efetuado, que deve ser especificado na requi-
no tratamento dos doentes com carcinoma do sição do exame. Inclui dados referentes aos aspe-
ovário tem implicações na avaliação diagnóstica tos macroscópicos da peça cirúrgica e histológicos
antes e depois do tratamento. observados em fragmentos representativos da le-
O diagnóstico histológico pré-tratamento é são e tecidos envolventes. Do relatório deve constar
indispensável dado que constitui a única oportu- (sempre que aplicável)14: a) identificação das pe-
nidade em que é possível avaliar as caraterísticas ças/produtos recebidos [ovário (direito/esquerdo),
histológicas originais do tumor ovárico. É assim trompa (direita/esquerda), útero, epíplon, biopsias
importante realizar biopsia histológica após ima- peritoneais referenciadas, apêndice ileocecal, gân-
giologia de intervenção ou laparoscopia. A ava- glios linfáticos referenciados, outro (especificar)];
liação por exame citológico é frequentemente b) localização primária da neoplasia; c) dimensões
insuficiente porque pode não permitir a carateri- da neoplasia [em centímetros]; d) integridade da
zação adequada do tumor. cápsula do ovário [intacta/rota/fragmentada]; e)
A quimioterapia neoadjuvante induz altera- envolvimento da superfície ovárica; f) tipo histoló-
ções no aspeto histológico dos tumores do ová- gico; g) grau histológico; h) implantes – especificar
rio, que, por vezes, dificultam o diagnóstico ana- localizações, dimensão do implante maior e, no
tomopatológico11. As alterações da morfologia caso de tumores serosos/seromucinosos, se são

12 100 perguntas chave no cancro do ovário


Biopatologia

A B

Pré-QT Neoadjuvante Pós-QT Neoadjuvante

Figura 3. Comparação entre o aspeto histológico de um carcinoma seroso do ovário na biopsia pré-tratamento
e na peça operatória após o tratamento: o citoplasma é mais abundante, por vezes vacuolizado ou clarificado, e
os núcleos apresentam maior atipia, com bizarrias ou aspeto degenerativo (A). Observam-se extensas áreas de
necrose (B), fibrose, fendas colesterolínicas e infiltrado inflamatório rico em macrófagos xantelasmizados (C).

não invasivos [epiteliais/desmoplásicos] ou invasi- tratamento [aplicável em carcinomas serosos de


vos; i) extensão do envolvimento de outros tecidos/ alto grau submetidos a tratamento neoadjuvante,
órgãos; j) invasão linfovascular; k) número de gân- com base na avaliação de tumor residual no omen-
glios linfáticos regionais examinados/envolvidos; to], e r) comentários [relevantes].
especificar localizações e dimensão [em milíme- Dada a recente evidência de que alguns car-
tros] das metástases ganglionares; l) estadiamento cinomas serosos do ovário têm origem na trompa
patológico tumor-nódulo-metástase (pTNM)/Inter- uterina, esta deve ser estudada na totalidade e o
national Federation of Gynecology and Obstetrics protocolo do relatório anatomopatológico deve
(FIGO); m) alterações patológicas adicionais [por ser adaptado de acordo com os achados na trom-
exemplo, endometriose, carcinoma seroso intrae- pa uterina.
pitelial tubar]; n) resultado de estudos complemen-
tares [por exemplo, imuno-histoquímico, hibrida- QUAL O PAPEL DA IMUNO-
ção in situ, estudo genético molecular com base HISTOQUÍMICA NOS
em fragmentos dos produtos recebidos]; o) co- DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS?
lheita de amostras para banco de tecidos e tumo-
res; p) referência a exame citológico do lavado O diagnóstico anatomopatológico dos carci-
peritoneal/líquido ascítico; q) score de resposta ao nomas do ovário baseia-se essencialmente nas

100 perguntas chave no cancro do ovário 13


A. Félix, et al.

Tabela 2

Tipo de carcinoma CK7 CK20 CDX2 PAX8 WT1 HNF1β Vimentina RE

Seroso (alto grau) + – – + + –/+ – +

Seroso (baixo grau) + – – + + – – +

Brenner + – – – – – – –

Endometrióide + – – + – –/+ –/+ +

Mucinoso + Focal +/– Focal – – – –/+ (Focal)

Células claras + – – + – + – –

Metastático (colorretal e apêndice) – + + – – – – –

Metastático (mama) + – – – –/+ – –/+ +

Metastático (pancreático-biliar) + – + – – –/+ –/+ –

Metastático (estômago) + – + – – nd –/+ –


nd: resultados não disponíveis.

caraterísticas morfológicas, enquadradas no con- –– Carcinomas mucinosos: Têm habitualmente


texto clínico. O estudo imuno-histoquímico é um expressão difusa de CK7 e SMAD4, expressão
método complementar que permite não só apoiar/ focal de CK20, e são RE–/RP–/CA 125–/WT1–.
confirmar o diagnóstico morfológico, como tam- As metástases de carcinomas colorretais, as-
bém esclarecer o diagnóstico dos casos com mor- sim como a maioria dos tumores mucinosos
fologia ambígua. Pode ser essencial para definir o associados a pseudomixoma peritonei (por
subtipo histológico de carcinoma do ovário e afas- exemplo, apêndice ileocecal) são CK20+/CK7–/
tar outros diagnósticos diferenciais, nomeada- CDX2+. Cerca de 35% dos carcinomas muci-
mente o de envolvimento metastático do ovário15. nosos do ovário expressam CDX2 e os tumores
Na tabela 2 apresenta-se um painel de expressão mucinosos ováricos associados a teratomas
habitual de marcadores imuno-histoquímicos úteis (por vezes, com pseudomixoma peritonei) são
no diagnóstico diferencial de carcinomas que CK20+/CK7–/PAX8–. As metástases de carci-
ocorrem no ovário. nomas do pâncreas são CK7+/CEA+/PAX8–/
–– Carcinomas serosos: Os carcinomas serosos SMAD4– e as do estômago, vesícula biliar,
de alto grau são caraterizados pela expressão pulmão, tireoide e bexiga podem ter expres-
nuclear/difusa/intensa de p53/p16/Ki-67 ao são de CK7. A expressão de GCDFP-15/GATA-
contrário dos de baixo grau. Observa-se ex- 3 nas metástases de carcinomas da mama é
pressão nuclear de PAX-2 nos carcinomas se- útil no diagnóstico diferencial. Os carcinomas
rosos de baixo grau. Os carcinomas serosos mucinosos do ovário pouco diferenciados com
de alto grau com fenótipo transicional não aspetos endometrióides são vimentina–/RE–/
expressam uroplaquina/trombomodulina/p63, RP–/CEA+, ao contrário dos carcinomas endo-
expressos nos carcinomas de células de tran- metrióides.
sição extraováricos. Os carcinomas serosos –– Carcinomas endometrióides: Caraterizam-se
têm expressão nuclear de WT1/HMGA2, ha- pela expressão de RE+/RP+/p16–. Os tumores
bitualmente ausentes nos carcinomas endo- dos cordões sexuais podem mimetizar carci-
metrióides e de células claras. A expressão noma endometrióide do ovário, no entanto,
membranar intensa de D2-40 e nuclear de ao contrário destes, os carcinomas endome-
calretinina nos mesoteliomas é útil no diag- trióides são EMA+ e inibinina–/calretinina–. A
nóstico diferencial com carcinoma seroso. expressão nuclear difusa de p16 nas metástases

14 100 perguntas chave no cancro do ovário


Biopatologia

do colo uterino é útil no diagnóstico diferencial. histológicas, ou peças cirúrgicas. Para a avaliação
Os tumores do seio endodérmico são α-feto- adequada da recidiva, o patologista deve ter co-
proteína+, não expressa em carcinomas endo- nhecimento do exame anatomopatológico prévio
metrióides. A expressão de EMA e a ausência e ter acesso ao material histológico correspon-
de GFAP nos carcinomas endometrióides são dente, de forma a poder comparar as caraterísti-
úteis no diagnóstico diferencial dos tumores cas morfológicas do tumor primário com as da
de provável origem wollffiana e dos ependi- recidiva. O material a avaliar pode ser escasso ou
momas do ovário, respetivamente. existirem alterações secundárias ao tratamento,
–– Carcinoma de células claras: São geralmente pelo que o estudo por métodos de imuno-histo-
CK7+/HNF1b+/WT1–/EMA+/PAX8+/napsina+/ química é particularmente útil para a confirmação
racemase+/RE–/RP–. A expressão WT1–/RE–/ do diagnóstico das recidivas.
HNF1b+ no carcinoma de células claras é útil As peças cirúrgicas de recidiva tumoral po-
no diagnóstico diferencial com carcinoma dem resultar quer de cirurgias paliativas ou de
seroso (WT1+/RE+/HNF1b–). A expressão de cirurgias secundárias de citorredução, pelo que
α-fetoproteína/glipican-3/SALL4 nos tumores os procedimentos cirúrgicos são variáveis e de-
do seio endodérmico é útil no diagnóstico vem ser identificados na requisição do exame
diferencial com carcinoma de células claras. anatomopatológico. Neste contexto devem
No diagnóstico diferencial com metástase de constar do exame anatomopatológico (sempre
carcinoma renal de células claras, a expressão que aplicável): a) identificação das peças/produ-
difusa de CK7 e CD10–/RCC– favorece primá- tos recebidos – peritoneu (especificar localiza-
rio do ovário. A ausência de expressão de ções) e resseções (omento, baço, cápsula de
inibina e de calretinina é útil no diagnóstico Glisson do fígado, cólon retossigmoide, vesícula
diferencial com tumores da granulosa/células biliar, etc.); b) descrição macroscópica das peças
esteroides. A maioria dos disgerminomas do cirúrgicas com referência ao número, dimensões
ovário expressa D2-40+/SALL4+/CD117+, não e localização das recidivas tumorais; c) tipo his-
expressos no carcinoma de células claras. Os tológico do tumor (se avaliável); d) maior dimen-
carcinomas embrionários são CD30+/LIN28+/ são histológica da recidiva/não se identifica car-
SALL4+, não expressos no carcinoma de célu- cinoma residual; d) sinais de regressão tumoral/
las claras. efeito pós-quimioterapia (quando aplicável), e e)
–– Tumores de Brenner malignos: São fundamen- estado das margens cirúrgicas (massa tumoral
talmente definidos pela associação carcinoma única).
transicional a um componente de tumor de O índice de carcinomatose peritoneal16 tem
Brenner benigno ou borderline, no entanto, sido utilizado por cirurgiões com base na locali-
o fenótipo p63+/GATA3+/CK7+/CEA+/WT1–/ zação (central, superior direita/esquerda, epigas-
RE–/p16–/CK20–/p53– pode ser útil no diag- tro, flanco direito/esquerdo, pelve, jejuno supe-
nóstico diferencial com carcinoma seroso de rior/inferior, íleo superior/inferior) e na dimensão/
alto grau com fenótipo transicional. score (0 cm; até 0,5 cm; até 5 cm; > 5 cm ou
–– Tumores seromucinosos: São geralmente confluente) de cada recidiva por localização das
CK7+/RE+/RP+/CK20–/CEA–/CDX2–. recidivas; nestas circunstâncias, o relatório anto-
mopatológico deve ser adaptado para incluir in-
QUAL O PAPEL DA ANATOMIA formação sobre as caraterísticas das diferentes
PATOLÓGICA NO DIAGNÓSTICO peças de citorredução recebidas e referenciadas,
DAS RECIDIVAS? que permitam correlação anatomopatológica com
esse índice de carcinomatose peritoneal.
O objetivo principal do exame anatomopato-
lógico perante a hipótese clínica de recidiva é BIBLIOGRAFIA
confirmar o diagnóstico. Dado que o tratamento
das recidivas depende do local onde têm lugar, 1. Kurman RJ, Carcangiu ML, Herrington CS, Young RH.
WHO Classification of Tumours of Female Reproductive
os produtos a avaliar podem consistir em biopsias Organs. Fourth Edition. Lyon. IARC WHO Classification of
aspirativas por agulha fina (citológicas), biopsias Tumours. 2014.

100 perguntas chave no cancro do ovário 15


A. Félix, et al.

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5. Kurman RJ, Shih IeM. The Dualistic Model of Ovarian patients treated with neoadjuvant chemotherapy and de-
Carcinogenesis: Revisited, Revised, and Expanded. Am J bulking surgery. Gynecol Oncol. 2013;131:531-4.
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16 100 perguntas chave no cancro do ovário


Capítulo 3

Diagnóstico clínico e radiológico


do cancro do ovário

I. Henriques, M. Horta, T.M. Cunha e P. Correia

O CANCRO DO OVÁRIO clínica cuidadosa que inclua o exame físico geral


É UMA DOENÇA SILENCIOSA da doente, exame ginecológico e toque retal. A
OU É PRECEDIDO DE SINTOMAS? idade e a história familiar de neoplasias da mama
ou ovário são informações importantes devido ao
A sintomatologia do cancro do ovário é ines- risco acrescido de neoplasia ovárica. Da avaliação
pecífica ou mesmo ausente nos estádios iniciais. clínica da massa anexial deve constar a sua loca-
O seu diagnóstico nestes estádios ocorre habi- lização, consistência, mobilidade e tamanho. A
tualmente aquando da realização de um exame presença de dor e sua característica, local de ir-
ginecológico de rotina ou na investigação clínica radiação, alterações intestinais ou urinárias e fe-
e/ou radiológica de uma dor pélvica. Os sintomas bre podem ajudar a esclarecer a origem primitiva
surgem de forma inespecífica, seja sob a forma da massa anexial.
de sintomas do foro gastrointestinal tais como Após a avaliação clínica devem ser solicitados
náuseas, enfartamento, diarreia /obstipação seja exames complementares de diagnóstico e bioquí-
como sintomas do foro urológico como polaquiú- micos de forma criteriosa e objetiva para a ajudar
ria e urgência miccional. Não menos frequente- no diagnóstico diferencial com outras causas de
mente, surgem sintomas, como sensação de peso massas pélvicas que não malignas.
e/ou dor pélvica. Metrorragias e alterações do Dos exames complementares de diagnóstico,
ciclo menstruais também podem ocorrer. a ultrasonografia transvaginal (US) ocupa o pri-
Em estádios mais avançados, estádios III e IV, meiro lugar na sequência de exames imprescindí-
cerca de 75% dos casos diagnosticados quando a veis no estudo radiológico de uma massa pélvica
massa tumoral atinge grande volume ou está pre- bem como a determinação do marcador tumoral
sente carcinomatose peritoneal é mais comum o CA 125. A utilização indiscriminada da ecografia
aumento do volume abdominal com aparecimento transvaginal veio aumentar o número de dete-
de ascite e/ou dor abdominal por compressão do ções de massas anexiais. Em termos epidemioló-
tumor nos orgãos intra-abdominais, anorexia e/ou gicos 30% dos tumores do ovário são malignos
emagrecimento progressivo. O quadro clínico pode na mulher pós-menopáusica, versus 7% nas mu-
igualmente apresentar-se sob a forma de dispneia e lheres pré-menopáusicas.
polipneia quando está presente um quadro de der- Os parâmetros morfológicos e a utilização de
rame pleural e/ou metastização pulmonar. exame Doppler a cores permite a avaliação do
fluxo sanguíneo da formação ovárica e identificar
O QUE FAZER PERANTE a presença de neovascularização. Características
UMA MASSA ANEXIAL? consideradas como massa complexa tais como tu-
mor sólido ou heterogéneo, com septos espessos,
Perante a deteção de uma massa anexial sus- parede com vegetações, aumento do fluxo san-
peita de malignidade, a abordagem diagnóstica guíneo, bilateralidade e presença de ascite, são
deve ser efetuada tendo como base uma história indicativas de tumor maligno.

100 perguntas chave no cancro do ovário 17


I. Henriques, et al.

A ressonância magnética (RM) pélvica contribui carcinomatose peritoneal o ratio CA 125/CEA


para caraterizar lesões anexiais com carateristicas > 25, sugere origem ovárica e o resultado oposto
ecográficas suspeitas. A tomografia axial compu- mais sugestivo de tumor de origem intestinal.
torizada (TC) abdomino-pélvico permite a avalia- Outros marcadores como o CA 15.3 e CA
ção da extensão tumoral, identificação de doença 19.9, desidrogenase lática, α-fetoproteína, inibi-
irressecável e exclusão de doença metastática que na e β-HCG podem ser úteis na investigação de
não de origem ovárica. outros tipos histológicos de cancro, como os tu-
Serão considerados outros estudos tais como mores mucinosos e ou de células germinativas,
a determinação de marcadores tumorais antígeno entidades mais frequentes em idades jovens.
carboidrato (CA 125), antigénio carcinoembrio- A determinação da human epididymis protein
nário (CEA), ratio CA 125/CEA, CA 19.9 e CA 4 (HE4) (não considerado como exame de rotina),
72.4, e estudo do tubo digestivo se clinicamente juntamente com a determinação do CA 125 e o
justificados. A imagiologia de intervenção ou algoritmo de risco de malignidade ovárica (ROMA)
laparoscopia diagnóstica e/ou estadiamento de- apresenta-se útil na avaliação da malignidade de
vem ser solicitadas no sentido de contribuir para uma massa pélvica. Contudo um estudo recente
a toma de decisão de administração de quimio- concluiu que a avaliação por ecografia transvagi-
terapia neoadjuvante. nal é superior na suspeita de malignidade de uma
massa pélvica1.
QUAL O PAPEL DOS MARCADORES
TUMORAIS NO DIAGNÓSTICO COMO SE FAZ O ESTADIAMENTO
DO CANCRO DO OVÁRIO? DO CANCRO DO OVÁRIO?

O marcador tumoral CA 125 (valor normal O estadiamento do cancro do ovário é cirúr-


< 35 U/ml) , embora não específico do carcinoma gico. Só poderá será aceite outro estadiamento
epitelial do ovário é o mais frequentemente de- que não cirúrgico, em casos de doença conside-
terminado no processo de diagnóstico desta neo- rada irressecável, ou se houver contraindicação
plasia. A sua sensibilidade varia entre entre 24 e cirúrgica (nestas situações são aceitáveis os dados
97%, pois depende do estádio e do tipo histoló- fornecidos pelos exames radiológicos).
gico, sendo tão mais sensível quanto maior a A TC axial ou RM permitem em estádios mais
extensão da doença. Só em 50% dos casos apre- avançados estabelecer um planeamento da cirur-
sentam elevação no estádio I. Encontra-se au- gia e ainda identificar os critérios de irressecabili-
mentado em 83% dos cancros epiteliais do ová- dade do tumor em cerca de 70 a 90% dos casos.
rio e deve ser determinado como rotina perante A capacidade de deteção de implantes perito-
uma suspeita da neoplasia ovárica. Na mulher neais em ambos os exames são dependentes da
pré-menopáusica situações como endometriose, sua localização, tamanho e presença de ascite.
leiomiomatose, gravidez, doença inflamatória Contudo, a TC é a modalidade de imagem de
pélvica e adenomiose podem determinar a eleva- escolha com vista ao estadiamento do cancro do
ção do CA 125 e outras neoplasias, não gineco- ovário, sendo indispensável na avaliação pré-ope-
lógicas (pulmão, mama, gastrointestinal) também ratória, tanto no sentido da otimização da cirur-
podem cursar com a sua elevação. gia de citorredução máxima como pelo contrário,
Na mulher pós-menopáusica um valor de CA na de decisão de quimioterapia neoadjuvante.
125 > a 35 UI/ml que cursa com uma massa Deverá ser considerada a radiografia do tórax
pélvica tem um valor preditivo positivo de 85%. que permite a identificação de derrame pleural ou
A sua determinação juntamente com a ecografia metastases pulmonares. Na presença de derrame
transvaginal aumenta consideravelmente a eficá- pleural deverá ser efetuado toracocentese diag-
cia diagnóstica. Outros marcadores tumorais nóstica, para estudo citológico do líquido pleural,
como CA 19.9, CA 72.4 e o CEA deverão ser com vista a estadiamento e orientação terapêutica.
requisitados em casos de doença avançada e A biópsia dirigida por US ou TC abdomino-
quando um tumor do tubo digestivo primitivo ou -pélvica deverá ser realizada nas situações em que
síncrono não possa ser excluído. Na presença de a imagiologia nos orienta para o beneficio de

18 100 perguntas chave no cancro do ovário


Diagnóstico clínico e radiológico do cancro do ovário

quimioterapia neoadjuvante. Deverá também ser Vários critérios ecográficos têm sido associa-
executada nas situações em que a origem primi- dos a malignidade como a existência de compo-
tiva é duvidosa. nentes sólidos numa lesão quística sob a forma
Pode ser preconizada a realização de laparos- de nódulos, vegetações, excrescências ou proje-
copia diagnóstica no sentido de selecionar as ções papilares; parede ou septos com uma espes-
doentes que irão beneficiar ou não de uma cirur- sura > 3 mm; lesão totalmente sólida; lesão quís-
gia de citorredução máxima, ou para realização tica multiloculada > 100 mm; lesão de contornos
de biópsia para estudo anátomo-patológico. irregulares ou lobulados; vascularização abundan-
A utilização de tomografia por emissão de te dos componentes sólidos intra-lesionais; ascite
positrões FDG-PET/TC no estudo do estadiamento e implantes peritoneais (Fig.1).
do cancro do ovário ainda não está estabelecida. Na tentativa de melhorar a sensibilidade e a
Pode ser uma mais valia na deteção de metásta- especificidade desta técnica foram criados vários
ses em zonas de difícil interpretação por TC ou modelos de risco e modelos matemáticos como
RM tais como: mediastino, regiões supra-clavicu- o modelo de regras simples e o modelo de re-
lares, pequenos implantes peritoneais, ou adeno- gressão logística (LR2). Já o modelo de risco clí-
patias malignas de dimensões não aumentadas2. nico e ecográfico The Assessment of Different
Exames do foro gastrointestinal, tais como recto- Neoplasias in the Adnexa Risk model (ADNEX
sigmoidoscopia/colonoscopia ou endoscopia di- model) avalia as seguintes nove variáveis: diâme-
gestiva alta (EDA) são indicados caso exista sin- tro máximo da lesão; proporção de componentes
tomatologia que assim o justifique. sólidos; número de projeções papilares; presença
A mamografia pode ajudar no diagnóstico e de > 10 locas quísticas; presença de cone de
deve ser incluída nos exames pré-operatórios em sombra; ascite; idade; valor sérico do CA 125 e
mulheres com idade superior a 40 anos, que não tipo de hospital.
a tenham realizado nos 6 a 12 meses prévios uma Contudo, apesar da ecografia conseguir dife-
vez que a metastização ovárica, geralmente bila- renciar a maioria das lesões anexiais benignas das
teral, pode ocorrer. malignas, existem lesões cuja natureza não conse-
gue ser determinada por esta técnica, apresentan-
QUAL É O PAPEL DA RADIOLOGIA do uma especificidade inferior a outras técnicas
NO DIAGNÓSTICO DO CANCRO radiológicas e uma acuidade diagnóstica significa-
DO OVÁRIO? tivamente dependente da experiência do operador.
A RM convencional, apresenta um papel fun-
Perante a suspeita clínica de um tumor ane- damental na determinação da natureza destas
xial, o primeiro exame radiológico que deve ser lesões indeterminadas (Fig.1). É uma técnica mais
realizado é a ecografia pélvica por via transvagi- específica, permitindo o diagnóstico de um vasto
nal e por via supra-púbica. Apesar de permitir número de lesões benignas, que pela avaliação
uma ótima resolução da morfo-ecoestrutura da ecográfica são por vezes consideradas indetermi-
lesão, existem situações nas quais a abordagem nadas/suspeitas, como: teratomas maduros; fi-
isolada por ecografia pélvica por via transvaginal bromas, endometriomas e leiomiomas subserosos
é manifestamente insuficiente. A ecografia pélvi- pediculados3. O diagnóstico destas lesões permi-
ca por via supra-púbica é essencial perante tumo- te que as mulheres sejam tratadas de modo con-
res de origem incerta (nos quais é necessário servador ou com uma excisão simples (preservan-
caracterizar a sua posição anatómica relativamen- do a fertilidade) num centro não especializado3.
te às estruturas adjacentes), perante tumores O recente acréscimo de sequências funcionais
anexiais situados em locais que ultrapassam o à RM convencional (perfusão e difusão) traduziu-
campo de visão limitado da sonda transvaginal e -se numa acuidade de 91-98% na caracterização
perante tumores de grandes dimensões (Fig.1). de lesões anexiais, independentemente da expe-
O estudo ecográfico em modo B deve ser com- riência do radiologista (2, 7 e 20 anos) (Fig.1)4.
plementado com o estudo Doppler cor, com vista Tem vindo a ser demonstrado o papel da per-
à deteção de eventual neovascularização tumoral, fusão, através da análise semi-quantitativa dinâ-
se a lesão anexial se apresentar sólida ou complexa. mica da captação de contraste endovenoso pelas

100 perguntas chave no cancro do ovário 19


I. Henriques, et al.

A B C

D E F

Figura 1. Carcinoma seroso do ovário direito numa mulher com 88 anos. Ecografia pélvica por abordagem
supra-púbica (A). Imagens de RM ponderadas em T2 no plano axial (B) e em T1 com saturação de gordura
após administração de gadolínio no plano axial (C). Análise semi-quantitativa dinâmica da captação de contraste
endovenoso pelo tumor através de curvas tempo-intensidade (D). Estudo de difusão com sequência ponderada
em b = 1.000 smm2 (E) e respetivo mapa de ADC (F). Volumoso tumor do ovário direito com componente
quístico e sólido, apenas visualizado na sua totalidade por ecografia por via supra-púbica (A). As áreas sólidas
do tumor apresentam sinal intermédio em T2 e as áreas quísticas hipersinal em T2 (B). Verifica-se uma captação
ávida e precoce de contraste pelas áreas sólidas tumorais, traduzindo-se numa curva tempo-intensidade do
tipo 3 (C e D). Os componentes sólidos tumorais revelam restrição à difusão (E e F).

lesões anexiais, pela análise de curvas tempo-in- dimensões cuja origem é difícil de determinar
tensidade. por ecografia; uma lesão anexial sólida e pe-
Verificou-se que comparando a curva tempo- rante a presença de uma lesão adjacente ao
-intensidade da lesão anexial com a do miométrio útero tornando difícil a determinação da sua
adjacente se definiam três padrões que se corre- origem.
lacionavam com o grau de malignidade da lesão
(Fig.1). QUAL O PAPEL DAS BIÓPSIAS
Ultrapassando a limitação ecográfica relativa DIRIGIDAS POR RADIOLOGIA
à dependência do operador, uma classificação por NESTA DOENÇA?
RM foi proposta para as lesões indeterminadas
complexas – o ADNEX MR SCORING system. Esta Se a doente não for candidata a cirurgia ci-
classificação apresenta acuidades diagnósticas torredutora ótima mas a quimioterapia neoadju-
muito elevadas (AUC ROC > 0,94), com uma vante, será necessário o diagnóstico histológico
reprodutibilidade inter-observador praticamente dos implantes peritoneais para determinação de-
perfeita (κ > 0,80) tanto para radiologistas expe- finitiva de doença primária do ovário. Nestas si-
rientes como para radiologistas inexperientes5. tuações está indicada a biópsia de lesão acessível,
A RM pélvica deve ser realizada perante habitualmente do grande epíploon, guiada por
uma lesão anexial complexa com características TC ou por ecografia, obviando a necessidade de
ecográficas suspeitas; uma lesão de grandes biópsia cirúrgica ou laparoscópica6.

20 100 perguntas chave no cancro do ovário


Diagnóstico clínico e radiológico do cancro do ovário

QUAL O PAPEL DA RADIOLOGIA NA Segundo as orientações da European Society


AVALIAÇÃO DA RESSECABILIDADE? of Urogenital Radiology (ESUR), os critérios radio-
lógicos que podem sugerir irressecabilidade da
O estadiamento do cancro do ovário é cirúr- doença são: existência de implantes peritoneais
gico. O estadiamento radiológico deve contudo > 20 mm no diafragma, no hilo hepático, na
ser aceite após determinação de irressecabilidade fissura intersegmentar, na retrocavidade dos epí-
ou quando a cirurgia está contraindicada7. ploons, no ligamento gastrohepático, no ligamento
Uma vez que o objetivo cirúrgico primário é a gastrocólico e no mesentério; invasão da parede
citorredução ótima ou completa (sem lesões visí- abdominal; doença pré-sagrada retroperitoneal e
veis macroscópicas), a avaliação radiológica pré- implantes peritoneais na superfície hepática com
-operatória é imprescindível para a determinação crescimento invasivo (subcapsulares) ou metásta-
de quais as doentes com doença irressecável7. ses no parênquima hepático6).
A TC abdomino-pélvica com administração de
contraste endovenoso é a técnica radiológica de QUAL O PAPEL DA LAPAROSCOPIA
eleição para a avaliação pré-cirúrgica de ressecabi- NA AVALIAÇÃO DA
lidade do cancro do ovário (estadiamento pré-cirúr- RESSECABILIDADE?
gico), bem como para o planeamento operatório6.
A RM abdomino-pélvica só deve ser realizada A presença de doença residual após a cirurgia
para este efeito se a doente é jovem, está grávida constitui um dos mais importantes fatores de
ou se existe contraindicação para a administração prognóstico nas doentes com cancro do ovário em
de contraste iodado endovenoso. estádios avançados. A cirurgia de citorredução
A ecografia não tem valor na avaliação da tumoral constitui, assim, o elemento principal no
irressecabilidade do cancro do ovário, uma vez que tratamento do cancro do ovário. Só a citorredução
é limitada no diagnóstico de implantes peritoneais, tumoral ótima melhora a sobrevivência da doente.
particularmente no abdómen superior6. Estudos A definição de citorredução ótima tem vindo a
recentes têm vindo a demonstrar o papel da to- sofrer alterações, sendo atualmente aceite pela co-
mografia por emissão de positrões (PET)/TC no munidade cientifica que corresponde a uma cirurgia
diagnóstico de doença em situações de difícil em que a doente fica sem doença residual visível.
acesso por RM e TC, contudo ainda não existe A avaliação atual da previsibilidade de citorredução
evidência científica suficiente para a determina- ótima baseia-se num conjunto de dados, que inclui
ção do seu valor no estadiamento pré-cirúrgico marcadores tumorais, como o CA 125, critérios
do cancro do ovário. imagiológicos e dados obtidos pela laparoscopia.
No relatório do radiologista deve constar a A laparoscopia permite confirmar o diagnóstico
caracterização da lesão anexial assim como a ava- de carcinoma do ovário e o tratamento cirúrgico nos
liação das estruturas cujo envolvimento determi- estádios iniciais da doença quando executada por
na os vários estádios da International Federation equipas com experiência em cirurgia oncológica. Nos
of Gynecology and Obstetrics (FIGO). Devem ser estádios avançados permite a exploração da cavidade
referidas a presença ou a ausência de ascite bem abdomino-pélvica, avaliando a extensão da doença.
como a sua localização e quantidade; metástases Nomeadamente a extensão do envolvimento do
e/ou implantes peritoneais na pélvis e/ou fora da intestino, do mesentério, do diafragma e do envol-
pélvis (> ou < 20 mm); adenomegalias (menor vimento do tronco celíaco e pedículo hepático8,9.
eixo > 10 mm e se cardiofrénicas > 5 mm); invasão Nas situações de informação inadequada ou
da parede pélvica, da bexiga e/ou do cólon; der- contraditória quanto à extensão da doença, a
rame pleural e/ou metástases pleurais e a existên- laparoscopia permite selecionar as doentes em
cia de complicações como trombose venosa e/ou que é previsível a ressecabilidade (citorredução
hidronefrose6. ótima) e as doentes em que a doença é irresse-
Os critérios de irressecabilidade do cancro do cável, devendo estas últimas iniciar o seu trata-
ovário devem ser definidos na instituição de acor- mento com quimioterapia neoadjuvante.
do com a experiência da equipa cirúrgica de A laparoscopia permite a deteção de lesões de
ginecologia oncológica. reduzidas dimensões, está associada a internamentos

100 perguntas chave no cancro do ovário 21


I. Henriques, et al.

curtos e recuperação rápida, não atrasando desta 30-35 anos de idade ou 5-10 anos antes do caso
forma o início do tratamento com citostáticos nos positivo mais jovem.
casos de doença irressecável, quando comparada
com a laparotomia. Embora estejam descritas A QUE CENTROS SE DEVEM
complicações como disseminação da doença de- REFERENCIAR AS DOENTES COM
vido ao pneumoperitoneu e das metástases nas SUSPEITA DE CANCRO DO OVÁRIO?
portas da laparoscopia, de acordo com os estudos
publicados, estes não interferem com a sobrevi- Perante a suspeita de cancro do ovário as doen-
vência das doentes. tes deverão ser encaminhadas para serviços de gi-
necologia com experiência no diagnóstico e trata-
É POSSÍVEL IMPLEMENTAR mento do cancro do ovário. Sendo a cirurgia de
O DIAGNÓSTICO PRECOCE? extrema importância no tratamento desta doença,
com impacto na sobrevivência, esta deverá ser exe-
Enquanto a mortalidade por cancro do ová- cutada por equipas experientes em cancro gineco-
rio se mantiver elevada, a deteção precoce do lógico. Como a experiência só se adquire com a
cancro em estádios iniciais constitui um enorme concentração dos casos, será benéfico não disper-
desafio. Porém, os testes atualmente disponíveis sar a abordagem dos casos de cancro do ovário por
carecem de sensibilidade e especificidade ade- muitos serviços, dada a dimensão do nosso pais e
quadas, ou seja, não existe um método de ras- a incidência do cancro do ovário em Portugal. Des-
treio eficaz10. ta forma as doentes devem ser referenciadas para
Estudos prospetivos demonstram que o uso centros com equipas multidisciplinares experientes
combinado do CA 125 e da ecografia transvaginal na abordagem de cancro do ovário. Contrariamen-
melhora a especificidade dos testes de deteção te a outras patologias oncológicas ainda não estão
de casos cancros do ovário em fase pré-clínica. O previstos centros de referência nesta patologia.
impacto do rastreio na mortalidade por cancro do
ovário está ainda por demonstrar10. BIBLIOGRAFIA
A necessidade de rastreio eficaz do cancro do
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ovário é particularmente importante para mulhe- (Spanish Group for Investigation on Ovary Cancer) treatment
res portadoras de mutações nos BRCA1 e BRCA2 guidelines in ovarian cancer. 2012.
e nos genes de reparação (MLH1, MLH2, MSH6, 2. NCCN Guidelines Version 1.2013. Epitelial Ovarian cancer
/Fallopian Tube Cancer /Primary Peritoneal Cancer.
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ovário é elevado. Estima-se que o cancro heredi- MR imaging of the sonographically indeterminate adnexal
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tário do ovário corresponda a 5-10% de todos os 4. Thomassin-Naggara I, Toussaint I, Perrot N, et al. Charac-
cancros do ovário. O cancro hereditário é diag- terization of complex adnexal masses: value of adding
nosticado em média 10 anos mais cedo que o perfusion- and diffusion-weighted MR imaging to conven-
tional MR imaging. Radiology. 2011;258(3):793-803.
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sultados de intervenções efetuadas para redução Scoring System. Radiology. 2013;267(2):432-43.
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do risco em mulheres com suscetibilidade gené- cancer staging and follow-up. Eur Radiol. 2010;20(12):2773-80.
tica para cancro do ovário. Em consequência, as 7. “Cancro ginecológico [Internet]”. Coimbra, 24 de Novem-
bro de 2012: Consenso Cancro ginecológico – Consensos
recomendações são principalmente fundamenta- Nacionais 2013; Disponível em: http:// http://www.spgine
das em opiniões de consenso. cologia.pt/notcias-da-spg/consenso-cancro-ginecologico-
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8. Deffieux X, Castaigne D, Pomel C. Role of laparoscopy to
poníveis, não estão suficientemente estudados de evaluate candidates for complete cytoreduction in advanced
modo a justificarem o seu uso na rotina clínica stages of epithelial ovarian cancer. Int J Gynecol Cancer.
2006;16:Suppl.1:35-40.
com o objetivo de rastreio, mesmo na população 9. Fagotti A, Ferrandina G, Fanfani F, et al. Prospective validation
com risco genético elevado. Apesar disso, estão of a laparoscopic predective model for optimal cytoreduc-
publicadas orientações recomendando o rastreio tion in advanced ovarian carcinoma. Am J Obstet Gynecol.
2008;199:642.e1.
com o doseamento sérico do CA 125 e ecografia 10. Mota F. Compêndio de ginecologia oncológica. LIDEL.
transvaginal a cada 6 a 12 meses, com início aos 2012;259-87.

22 100 perguntas chave no cancro do ovário


Capítulo 4

Cirurgia do cancro do ovário

A.F. Jorge, C. Lopes e I. Boto

QUAL A ABORDAGEM CIRÚRGICA Habitualmente é efetuada histerectomia total,


DOS ESTÁDIOS PRECOCES anexectomia bilateral, omentectomia e remoção
(I/II DA FIGO)? da doença metastática das superfícies peritoneais
e intestino.
A cirurgia no estado precoce do cancro do ová- As resseções intestinais são justificadas se de-
rio é uma cirurgia de estadiamento que consiste em: tetada lesão estenosante/oclusiva ou se a doença
–– Laparotomia com incisão mediana. residual for ausente ou mínima no final da inter-
–– Colheita de líquido ascítico do fundo de saco venção cirúrgica.
de Douglas, se presente, para estudo citológico As linfadenectomias pélvica e lombo-aórtica
ou em alternativa citologia do lavado peritoneal só devem ser efetuadas se, após cirurgia, não
com 500 ml de soro fisiológico. existir doença residual. A excisão de adenopatias
–– Anexectomia unilateral/ bilateral com exame volumosas poderá estar indicada2.
extemporâneo. A quantidade de tumor residual é um dos
–– Histerectomia total, omentectomia infracólica, fatores de prognóstico mais importantes para a
apendicectomia (nos tipos histológicos muci- sobrevivência. Eisenkop, et al., publicaram um
nosos). estudo prospetivo em que se evidenciou um im-
–– Biópsias peritoneais do fundo de saco de pacto favorável na sobrevivência das doentes com
Douglas, peritoneu vesical, goteiras parieto- doença residual microscópica versus macroscopi-
cólicas direita e esquerda. camente mensurável3.
–– Citologia das cúpulas diafragmáticas. Quando as doentes apresentam um mau es-
–– Linfadenectomia pélvica bilateral e lombo- tado geral com comorbilidades que aumentam o
-aórtica. risco cirúrgico e/ou doença com critérios radioló-
A frequência de gânglios positivos no estádio I gicos de irressecabilidade, é efetuada biópsia e
aparente é entre 5-20%1. preconizada QT neoadjuvante (habitualmente três
No final da intervenção cirúrgica deve ser ava- ciclos de QT baseada em platina) seguida de ci-
liada e registada eventual doença residual, com rurgia de intervalo.
referência ao número de lesões, suas dimensões Um estudo randomizado do European Orga-
e localização. nization for Research and Treatment of Cancer
(EORTC), em cooperação com o National Cancer
QUAL A ABORDAGEM CIRÚRGICA Institute (NCI) Canadiano, publicado em 2010,
DOS ESTÁDIOS AVANÇADOS? comparou um grupo submetido a cirurgia primá-
ria seguida de seis ciclos de QT a um outro que
A melhor opção terapêutica nas doentes com recebeu três ciclos de QT seguida de cirurgia de
cancro do ovário avançado é a cirurgia de citor- intervalo citorredutora e três ciclos adicionais de
redução primária de máximo esforço cirúrgico, QT. Verificou-se sobrevivência global (SG) e livre
seguido de quimioterapia (QT) adjuvante. de progressão idêntica em ambos os grupos, com

100 perguntas chave no cancro do ovário 23


A.F. Jorge, et al.

menos complicações perioperatórias e pós-opera- Numa série de 267 doentes, Harter5 relatou uma
tórias no segundo grupo4. mediana de sobrevivência de 45 versus 19 meses
entre cirurgia sem e com doença residual respetiva-
QUANDO ESTÁ INDICADA mente. As variáveis associadas a resseção completa
A CIRURGIA DE CITORREDUÇÃO foram estado geral da doente (Eastern Cooperative
INTERMÉDIA? Oncology Group [ECOG] 0 vs. >0), estádio inicial
(International Federation of Gynecology and Obs-
A cirurgia de citorredução intermédia, tam- tetrics [FIGO] I-II vs. III-IV), doença residual após
bém designada por cirurgia de intervalo, pode ser cirurgia primária (nenhuma vs. presente) e ausên-
realizada em duas situações clínicas: cia de ascite versus quantidade superior a 500 ml.
–– Quando uma cirurgia primária de redução tu- A combinação destas quatro variáveis, validadas
moral é incompleta, pela extensão, localização no Descriptive Evaluation of Preoperative Selection
da doença, ou falta de experiência do cirurgião, Kriteria for Operability in Recurrent Ovarian Cancer
é proposta QT e posteriormente efetuada ci- (DESKTOP II), é preditiva de cirurgia completa em
rurgia de citorredução; até cerca de 79% dos casos.
–– Nas situações de mau estado geral com co- A extensão da doença peritoneal é também
morbilidades e/ou doença com critérios radio- um importante fator a considerar. A carcinomato-
lógicos de irressecabilidade, tal como referido se e ascite volumosa têm sido consideradas con-
na resposta anterior, é efetuada biópsia e traindicação à cirurgia da recidiva. O ILD é um
preconizada QT neoadjuvante seguida de ci- outro fator importante, sendo consensual que a
rurgia de intervalo. doença resistente à platina não deve ser submeti-
da a cirurgia, enquanto os resultados melhores são
QUANDO ESTÁ INDICADO obtidos com ILD > a 24 meses. O ensaio DESKTOP
O TRATAMENTO CIRÚRGICO III, que avalia o impacto da cirurgia completa na
DAS RECIDIVAS DO CANCRO SG, randomiza as doentes em ILD de 6 a 12 meses
DO OVÁRIO? e > a 12 meses. Em conclusão, o objetivo na cirurgia
da recidiva deve ser a excisão tumoral completa.
Cerca de 30% dos carcinomas do ovário em O maior benefício parece existir em doentes com
estádios I-II e cerca de 70% em estádios avança- excelente estado geral, com boa resposta à QT,
dos recidivam. Embora a maioria das recidivas que tenham uma recorrência isolada, sem doença
seja tratada com quimioterapia, alguns casos se- residual após remoção. Mesmo a resseção de me-
lecionados poderão beneficiar da cirurgia. tástases isoladas hepáticas, pulmonares, esplénicas
O papel da cirurgia de citorredução na recidiva ou ganglionares, pode melhorar a sobrevivência
do carcinoma do ovário ainda não está totalmente em doentes cuidadosamente selecionadas.
clarificado e o seu conhecimento tem sido baseado
sobretudo em estudos retrospetivos. Os dados de QUAIS AS SITUAÇÕES DE URGÊNCIA
alguns estudos mostram benefícios na SG, sendo EM QUE ESTÁ INDICADO
que o benefício é maior quando a cirurgia é ótima, O TRATAMENTO CIRÚRGICO
sem doença residual macroscópica. DO CANCRO DO OVÁRIO?
Na Conferência de Consenso sobre Cancro do
Ovário em 1998, foram definidos os fatores que As doentes com carcinoma epitelial do ovário
tornam as doentes com recidiva elegíveis para avançado ou recidivado, apresentam frequente-
cirurgia de máxima citorredução: mente um quadro clínico de obstrução intestinal,
–– Intervalo livre de doença (ILD) > a 12 meses. parcial ou total, que se pode atribuir à carcinoma-
–– Resposta à terapêutica de 1.ª linha (sensibili- tose peritoneal e consequente íleos ou a bloqueio
dade à platina). mecânico. A implementação de novas terapêuticas
–– A resseção completa parece possível na ava- alvo como os antiangiogénicos, podem favorecer
liação pré-operatória. a formação de fístulas ou perfuração intestinal.
–– Bom performance status. A terapêutica sistémica agressiva, a cirurgia
–– Idade jovem. prévia e a disseminação extensa, combinada com

24 100 perguntas chave no cancro do ovário


Cirurgia do cancro do ovário

a resposta inflamatória imunológica sistémica, do cancro do ovário quer em estádios precoces,


tornam estas cirurgias muito complicadas, e as- quer avançados. Deve ter-se em conta o seguinte:
sociadas potencialmente a elevadas taxas de –– Devem ser aplicados os mesmos princípios da
morbilidade e mortalidade que podem ultrapas- cirurgia aberta à cirurgia laparoscópica;
sar os 30 e 10% respetivamente. Por esse moti- –– Deve ser unicamente realizada por equipas
vo é necessário estabelecer um adequado balan- com treino em ginecologia oncológica e re-
ço entre risco e benefício para planear as opções servar-se a situações selecionadas.
terapêuticas ótimas adaptadas às necessidades No respeitante ao carcinoma do ovário em
individuais: a conduta conservadora deverá ser a estádio inicial, muitos estudos se têm dirigido à
escolhida na ausência de abdómen agudo ou viabilidade, segurança e vantagens do estadia-
perfuração intestinal. mento laparoscópico do cancro do ovário.
Se a esperança de vida for inferior a dois meses, Em doentes selecionadas7, com equipas alta-
não é recomendada a intervenção cirúrgica. Nas mente treinadas em ambas as vertentes cirúrgicas
doentes cuja esperança de vida seja mais longa (laparoscópica e oncológica), o estadiamento ci-
deverão ter-se em conta fatores como a idade, o rúrgico laparoscópico é uma boa alternativa à
estado geral e nutricional e a existência ou au- laparotomia, com melhor visualização, menos dor
sência de ascite rapidamente recorrente. pós-operatória, comparável eficácia e melhores
As intervenções cirúrgicas incluem várias téc- resultados cirúrgicos, menor hemorragia e menos
nicas e estratégias tais como: resseções em bloco complicações perioperatórias além de estadias
da porção intestinal lesada e ileostomia ou jeju- hospitalares mais curtas. No entanto, os custos
nostomia terminal proximal, porque frequente- operatórios são mais elevados. Os riscos da lapa-
mente devido à carcinomatose e à inflamação, roscopia incluem o efeito do pneumoperitoneu
não existem planos de dissecção com possibilida- com aumento do risco de disseminação iatrogé-
de de anastomoses ou de técnicas de reparação. nica, risco de rotura do tumor, e um considerável
A terapêutica de emergência no cancro avan- aumento da incidência de metástases na parede
çado ou recidivado devido a obstrução intestinal, abdominal na porta de entrada dos trocars até
pode por vezes resultar no síndrome do intestino 47% (que no entanto não parecem alterar os
curto e na necessidade de terapêutica parenteral resultados globais).
a longo prazo. Esta situação está associada a Nos estádios avançados, a laparoscopia tem
elevadas taxas de morbilidade e baixa SG. atualmente um papel na avaliação das doentes
Numa revisão Cochrane foi identificada6 uma candidatas à citorredução completa. Permite a
série que mostrou beneficio no grupo de doentes exploração da cavidade abdominal e pélvica com
submetido a cirurgia, quando comparado com o realização de biópsias para obtenção do diagnós-
grupo tratado de modo conservador. Apesar de tico histológico, verificando a extensão e a res-
não existirem critérios que definam a operabilida- secabilidade do tumor, com maior exatidão que
de, a sobrevivência e a qualidade de vida, a cirur- os exames de imagem. Permite evitar uma lapa-
gia pode ser aceitável para estas doentes, que rotomia desnecessária, contribuindo para uma
mediante a reposição da função intestinal, podem melhor qualidade de vida em doentes com tu-
sair do meio hospitalar e usufruir de uma melhor mores irressecáveis, candidatas a quimioterapia
qualidade de vida6. Estas cirurgias deveriam ideal- neoadjuvante.
mente ser realizadas num contexto multidiscipli-
nar, com adequadas infraestruturas e possibilida- O QUE É E EM QUE SITUAÇÕES
de de cuidados de suporte a médio prazo. ESTÁ INDICADA A CIRURGIA
CONSERVADORA DO CANCRO
A LAPAROSCOPIA TEM ALGUM DO OVÁRIO?
PAPEL NA ABORDAGEM DO
CANCRO DO OVÁRIO? A cirurgia conservadora do cancro do ovário
raramente está indicada, mas deve ser considera-
A laparoscopia é uma técnica que vem sendo da em mulheres com menos de 40 anos de idade
cada vez mais utilizada na abordagem cirúrgica (3 a 17% dos casos de cancro do ovário), que

100 perguntas chave no cancro do ovário 25


A.F. Jorge, et al.

40 100
38
36 80
34
32 60
30
28 40
26
24 20
Median overall 22 Maximun surgical
20 0
survival (months) tumour reducition (%)

Figura 1. Adaptado de Bristow, et al.3.

desejem preservar a fertilidade. Apenas nos casos O ato cirúrgico implica uma laparotomia com
de cancro do ovário no estádio IA grau 1 ou 2, sem incisão longitudinal supra/infraumbilical, que per-
história de cancro hereditário do ovário, pode ser mita uma minuciosa exploração da cavidade ab-
ponderada a cirurgia conservadora8. dominal (desde as cúpulas diafragmáticas, a todo
Esta cirurgia consiste numa laparotomia ex- o andar superior do abdómen, intestino delgado,
ploradora com anexectomia unilateral e estadia- cólon e pélvis), assim como uma cirurgia de esta-
mento completo (conforme referido na resposta diamento e citorredução corretas. A não visuali-
à primeira questão), com preservação do útero e zação de qualquer disseminação macroscópica da
ovário contralateral. doença implica efetuar, para além do lavado pe-
Regra geral, o útero e ovário restante deverão ritoneal, biópsias das goteiras parietocólicas, cú-
ser excisados após a mulher ter completado o seu pulas diafragmáticas, peritoneu pré-vesical e do
projeto reprodutivo. fundo de saco de Douglas, histeretomia total com
anexectomia bilateral, biópsias de gânglios pélvi-
COMO SE CLASSIFICA A DOENÇA cos e lombo - aórticos e omentectomia. A apen-
RESIDUAL APÓS CIRURGIA dicectomia é obrigatória em todos os adenocarci-
CONSERVADORA DO CANCRO nomas mucinosos, embora haja quem a preconize
DO OVÁRIO? em todos os tipos de cancro, por ser local de
metastização muitas vezes microscópica.
O cancro do ovário é uma neoplasia que é Só uma cirurgia adequada é que permite um
detetada, em 70 a 80% das situações, em estádios correto estadiamento (FIGO), principalmente nos
avançados (estádio III / IV da FIGO)9. A cirurgia, estádios iniciais, a fim de avaliar a necessidade ou
nesta patologia, é o primeiro e principal pilar de não quimioterapia e estabelecer prognósticos. A
tratamento, independentemente do estádio. Por agressividade cirúrgica só deverá ter lugar quan-
tal motivo, necessita que seja efetuada por uma do se prevê que a doença residual macroscópica
equipa multidisciplinar e bem diferenciada, já que é nula ou pequena.
frequentemente são múltiplos e variados os órgãos Considera-se cirurgia ótima quando a
envolvidos pela doença. doença macroscópica é nula. Sempre que este

26 100 perguntas chave no cancro do ovário


Cirurgia do cancro do ovário

objetivo não é conseguido considera-se cirurgia AVANÇOS NA ABORDAGEM


subótima. Outro tipo de cirurgia só terá razão de CIRÚRGICA DO CANCRO DO OVÁRIO
existir nas situações de fenómenos obstrutivos
eminentes. A formação de equipas multidisciplinares nas
O conceito do benefício de máxima citorre- diferentes vertentes cirúrgicas permite citorredu-
dução foi demonstrado por Meigs (1934) e ções mais agressivas, com menores riscos e mais
Munnel (1968). Griffith (1975), Hoskins (1968), bem conseguidas. A evolução de novas técnicas
Eisenkop (1998), Pecorelli (1998), Bristow (2002) (por ex. suturas automáticas) vai possibilitar cirur-
e du Bois (2009) concluíram que o mais impor- gias mais completas, com menores complicações.
tante fator de prognóstico no cancro do ovário Finalmente só a descoberta de meios de des-
era doença residual pós- cirurgia. Quanto me- piste mais precoce do cancro do ovário permitirá
nor a doença residual pós-cirurgia, tanto maior, cirurgias com maior eficácia.
quer o tempo de sobrevivência, quer o ILD pós-
-quimioterapia3.
Bristow, et al.3, demonstraram que quando a
BIBLIOGRAFIA
citorredução tumoral era inferior a 75%, a sobre- 1. Burghardt E, Girardi F, Lahousen M, et al. Patterns of
vivência média era de 36,8 meses. Pelo contrário, pelvic and paraaortic lymph node involvement in ovarian
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nóstico inquestionável na oncologia, mas o bene- 2006 Dec;13(12):1702-10.
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precoces (I-IIA) é fundamental, não só como for- Syst Rev. 2010;7:CD007792.
ma de definir o estádio correto da doença, mas 7. Ghezzi F, Cromi A, Siesto G, Serati M, Zaffaroni E, Bolis P.
Laparoscopy staging of early ovarian cancer: our experi-
também de estabelecer a necessidade de trata- ence and review of the literature. Int J Gynecol Cancer.
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De acordo com vários estudos, cerca de 55% sparing surgery for invasive epithelial ovarian cancer: on-
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10. Du Bois A, Reuss A, Harter P, et al. Arbeitsgemeinschaft
Sempre que a cirurgia não seja completa a Gynaekologishe Onkologie Studiengruppe Ovarial-Karzi-
linfadenectomia parece não trazer qualquer be- nom; Groupe d`Investigateurs Nationaux pour l`Etude des
nefício. Poderá trazer um discreto aumento no Cancers Ovariens. Potencial role of linadenectomy in ad-
vanced ovarien cancer: a combined exploratory analysis of
ILD, mas sem qualquer influência na sobrevivên- three prospectively randomized phase III multicenter trials.
cia das doentes10. J Clin Oncol. 2010;28(10):1733-9.

100 perguntas chave no cancro do ovário 27


Capítulo 5

Tratamento sistémico
do cancro do ovário

T. Carvalho Tavares, M. Ferreira e P. Cortes

QUANDO HÁ INDICAÇÃO apresentavam maior SG com a cirurgia primária,


PARA TRATAMENTO enquanto as doentes em estádio IV com metás-
NEOADJUVANTE? tases > 45 mm tiveram melhor SG com a QT
neoadjuvante.
Vários estudos têm demonstrado que a qui- Os dados do ensaio CHORUS, de fase III, em
mioterapia (QT) neoadjuvante no carcinoma do que foram recrutadas 550 doentes, com mais ida-
ovário reduz o tamanho e a extensão do tumor, de e pior PS, confirmaram que a sobrevivência com
aumentando a taxa de citorredução ótima; possi- a QT neoadjuvante seguida de cirurgia não é infe-
bilita uma cirurgia menos extensa e com menor rior à cirurgia primária seguida de QT; e com me-
morbi/mortalidade; melhora a performance status nor morbi/mortalidade e tendencialmente com
(PS) da doente antes da cirurgia e permite avaliar melhor qualidade de vida2. Na análise interina
a quimiossensibilidade do tumor. de outros dois ensaios aleatorizados (JCO0602,
No primeiro ensaio de fase III, de não-inferio- SCORPION) também ocorreram menos compli-
ridade (EORTC55971-NCIC), 670 doentes com cações pós-operatórias major no braço da QT
carcinoma do ovário, da trompa de Falópio ou neoadjuvante. De momento e até aos resultados
peritoneal, estádios IIIC-IV, foram randomizadas de sobrevivência desses ensaios, a QT neoadju-
para cirurgia de citorredução primária seguida de vante não é uma opção-padrão para todas as
seis ciclos de QT baseada em platina versus três doentes.
ciclos de QT neoadjuvante baseada em platina, Nos estádios IIIC-IV, em que a doença é con-
seguida de cirurgia de citorredução de intervalo siderada irressecável ou não é possível a citorre-
e tratamento subsequente com o mesmo regime. dução primária ótima pela extensão da doença ou
A taxa de citorredução ótima (à data do ensaio por comorbilidades que aumentam o risco cirúr-
considerada como doença residual < 1 cm) foi gico, a QT neoadjuvante deve ser discutida sem-
superior no braço da QT neoadjuvante (41,6 vs. pre em grupo multidisciplinar. Na seleção das
80,8%). A mediana de sobrevivência livre de pro- doentes deve ter-se em conta: critérios de resse-
gressão (SLP) foi 12 meses em ambos os braços. cabilidade, idade, comorbilidades, PS e carga tu-
Não houve diferença significativa na sobrevivên- moral. A QT deve basear-se num dupleto de pla-
cia global (SG) (29 vs. 30 meses; hazard ratio [HR] tina e taxano e não está preconizado realizar mais
para morte = 0,98) e nem vantagem significativa do que três a quatro ciclos antes da citorredução,
na análise por subgrupos (idade, estádio, PS, tipo para evitar a emergência de clones resistentes.
histológico ou presença/ausência de derrame
pleural). Contudo, a QT neoadjuvante estava as- QUAL O PADRÃO ATUAL DO
sociada a menor morbi/mortalidade operatória TRATAMENTO DE PRIMEIRA LINHA?
(infeções, hemorragias e complicações venosas)1.
Uma análise exploratória revelou que as doentes Vários estudos randomizados de fase III estabe-
em estádio IIIC com metastáses ≤ 45 mm leceram como padrão atual de QT, após cirurgia de

28 100 perguntas chave no cancro do ovário


Tratamento sistémico do cancro do ovário

citorredução, a combinação endovenosa (EV) de COMO PROCEDER FACE


paclitaxel 175 mg/m2 3 horas de infusão/carbopla- À REAÇÃO ANAFILÁTICA
tina área sob a curva (AUC) 5-7,5 de 21/21 dias, À CARBOPLATINA?
6 ciclos se citorredução ótima. A duração do tra-
tamento pode ser superior de acordo com a res- As reações de hipersensibilidade a um agente
posta e a tolerância das doentes. de quimioterapia são definidas como uma reação
Os ensaios GOG111 e European-Canadian In- não esperada com sinais e sintomas não atribuí-
tergroup demostraram que o esquema paclitaxel veis à toxicidade conhecida do fármaco.
(135 mg/m2 24 ou 3 horas de infusão)/cisplatina A incidência global das reações de hipersen-
(75 mg/m2) era superior, em termos de SLP e SG, sibilidade à carboplatina varia entre 1 e 44%,
ao padrão prévio ciclofosfamida (750 mg/m2)/cis- sendo que o risco é de 1 a 5% nos primeiros um
platina (75 mg/m2). a cinco ciclos, chegando aos 27% a partir do 7.º
No ensaio GOG158, de não-inferioridade, ciclo, e com uma incidência de 44% quando as
792 doentes, em estádio III e citorredução ótima, doentes são retratadas pela 3.ª vez. É recomen-
foram randomizadas para paclitaxel (135 mg/m2 dado que as doentes tratadas com carboplatina
24 horas de infusão)/cisplatina (75 mg/m2) versus sejam informadas do risco de hipersensibilidade,
paclitaxel (175 mg/m2 3 horas de infusão)/carbo- especialmente após múltiplos ciclos de tratamen-
platina AUC 7,5. Não houve diferenças significa- to5. Os hospitais de dia para administração de
tivas na SLP (19,4 vs. 20,7 meses) e na SG (48,7 citostáticos devem estar equipados adequadamen-
vs. 54,7 meses), mas o braço do paclitaxel/carbo- te para responder a reações anafiláticas graves.
platina (PC) foi de mais fácil administração e me- Recomenda-se a implementação de orientações
lhor tolerância3. Resultados semelhantes de eficá- escritas para administração imediata de fármacos,
cia foram observados no ensaio AGO-­ OVAR3, em caso de reação.
incluindo doentes em estádio IIB-IV e citorredução É fundamental o reconhecimento precoce de
ótima ou subótima, e com melhor qualidade de sinais e sintomas indicativos de potencial reação
vida nas doentes tratadas com PC. de hipersensibilidade, que podem variar, nas for-
mas suaves, de rash cutâneo, prurido, urticária,
EXISTE ALGUMA INDICAÇÃO flushing, edema da face e mãos, até formas mais
PARA TRIPLETOS NO TRATAMENTO graves com broncospasmo, taquicardia, hipo ou
DE PRIMEIRA LINHA? hipertensão, convulsões e dor torácica.
Quando uma reação ocorre, a infusão de car-
Com o intuito de melhorar a eficácia do tra- boplatina deve ser imediatamente interrompida,
tamento primário no carcinoma do ovário, vários a doente monitorizada e iniciada administração
ensaios clínicos avaliaram a adição de um terceiro de anti-histamínicos e corticosteroides. No caso
citotóxico (epirrubicina, topotecano, gemcitabina, de reações mais graves, com dispneia, espasmo
doxorrubicina lipossómica peguilada [DLP]) ao es- laríngeo ou brônquico, deve ser feita oxigenotera-
quema padrão PC mas sem benefício em nenhum pia, administrados broncodilatadores e corticos-
subgrupo de doentes tratadas com esses tripletos. teroides em doses elevadas (entre 100 e 1.000
No maior desses ensaios (GOG182 - ICON5), mg de hidrocortisona). A administração de epine-
4.312 doentes em estádio III - IV foram randomi- frina deverá ser considerada em casos de hipo-
zadas para cinco diferentes tratamentos: PC 8 tensão ou sintomas obstrutivos das vias aéreas. A
ciclos versus PC + gemcitabina (800 mg/m2 dias monitorização deve manter-se até resolução dos
1 e 8) ou DLP (30 mg/m2 6/6 semanas) 8 ciclos sintomas ou durante várias horas no caso de rea-
versus topotecano (1,25 mg/m2 dias 1 a 3)/carbo- ções severas.
platina AUC 5 (dia 3) 4 ciclos + PC 4 ciclos versus O dilema é a retoma ou não do tratamento
gemcitabina (1 g/m2 dias 1 e 8)/carboplatina AUC com carboplatina após a ocorrência de uma
6 (dia 8) 4 ciclos + PC 4 ciclos. Não houve me- reação de hipersensibilidade. No caso de rea-
lhoria significativa na SLP nem na SG com ne- ções graves, com risco de vida iminente para o
nhum dos esquemas experimentais e com toxici- doente, não deverá ser retomado o tratamento
dade hematológica superior4. com carboplatina ou outro sal de platina. Nas

100 perguntas chave no cancro do ovário 29


T. Carvalho, et al.

reações suaves a moderadas existem algumas o tratamento deve ser retomado após alívio total
alternativas: dos sintomas e com um ritmo de perfusão do
–– Administração de pré-medicação com corticos- paclitaxel mais reduzido. O retratamento após rea-
teroides e anti-histamínicos e diminuição do ções graves ou se ocorrer sem ser na primeira
ritmo de infusão da carboplatina. Esta possibi- exposição é desaconselhado, fora do âmbito de
lidade deve ser instituída apenas se se tratar protocolos de dessensibilização. Em qualquer cir-
de uma primeira reação à carboplatina. cunstância, a decisão de retratar com paclitaxel
–– Realização de protocolos de dessensibilização deverá ser baseada na relação entre o risco de
à carboplatina. reações adversas graves, o potencial benefício de
–– Substituição por outro sal de platina (cisplatina). continuar com o tratamento e o acesso a proto-
–– Realização de testes cutâneos de hipersensibi- colos de dessensibilização. A substituição por
lidade para prever reações alérgicas a doentes outro fármaco, como o docetaxel, poderá ser
que vão ser novamente tratados com carbo- uma opção.
platina ou para prevenir reações cruzadas com
o outro sal de platina. QUIMIOTERAPIA
INTRAPERITONEAL: SIM OU NÃO?
O QUE FAZER FACE À REAÇÃO
ANAFILÁTICA AO PACLITAXEL? Três grandes ensaios de fase III demonstraram
benefício na sobrevivência com a QT intraperito-
Enquanto as reações de hipersensibilidade à neal (IP) versus EV no carcinoma do ovário em
carboplatina são adquiridas, ou seja, o seu risco estádio III com pequeno volume de tumor residual
aumenta com a exposição prolongada ao fárma- após citorredução.
co, relativamente ao paclitaxel estas são imedia- O estudo GOG104, que investigou ciclofosfa-
tas e ocorrem tipicamente na primeira ou segun- mida 600 mg/m2 EV/cisplatina 100 mg/m2 IP ou
da infusão. Há evidências que o excipiente do cisplatina 100 mg/m2 EV 6 ciclos, após citorredu-
paclitaxel, o cremophor EL (não presente no do- ção ótima (tumor residual < 2 cm), demonstrou
cetaxel), parece induzir a libertação de histamina vantagem significativa na SG nas doentes tratadas
e o aparecimento de hipotensão, podendo ser com QT IP (49 vs. 41 meses, p = 0,02).
responsável, em parte, pelas reações de hipersen- No ensaio GOG114, as doentes em estádio III
sibilidade ao fármaco. Independentemente do e tumor residual < 1 cm foram randomizadas
mecanismo subjacente às reações de hipersensi- para o esquema endovenoso paclitaxel (135 mg/
bilidade, os sinais e sintomas associados são so- m2 24 horas de infusão)/cisplatina (75 mg/m2 dia
breponíveis. 2) 6 ciclos versus carboplatina AUC 9 EV, 28/28
Para o paclitaxel estão reportadas incidências dias 2 ciclos + paclitaxel (135 mg/m2 24 horas de
que variam entre 8 e 45%, sendo que 95% estão infusão)/cisplatina (100 mg/m2 IP dia 2) 6 ciclos.
descritas na primeira ou segundas infusões. São Houve benefício significativo na SLP (22 vs. 28
reações que ocorrem rapidamente, com 80% dos meses, p = 0,01) mas apenas borderline na SG
doentes a desenvolverem sintomas durante os pri- (52 vs. 63 meses, p = 0,05) e com pior toxicidade
meiros 10 minutos da infusão. O tratamento com hematológica para o braço com cisplatina IP.
paclitaxel deve compreender sempre a realização O ensaio GOG172 randomizou doentes em
de pré-medicação com corticosteroide (dexameta- estádio III e tumor residual < 1 cm para paclita-
sona), anti-histamínico e antagonista H2 (ranitidina, xel (135 mg/m2 24 horas de infusão)/cisplatina
cimetidina). Deve estar sempre disponível equipa- (75 mg/m2 EV dia 2) versus paclitaxel (135 mg/m2
mento de suporte e reanimação adequados. 24 horas de infusão)/cisplatina (100 mg/m2 IP
Quando ocorre uma reação de hipersensibili- dia 2) + paclitaxel (60 mg/m2 IP dia 8), 21/21 dias,
dade ao paclitaxel6 a perfusão deverá ser interrom- 6 ciclos. Verificou-se uma melhoria significativa
pida e administrada terapêutica de suporte, seme- da SG (49,7 vs. 65,5 meses, p = 0,03) com a QT
lhante à descrita para a carboplatina. Se as reações IP, mas apenas 42% das doentes completaram
forem suaves a moderadas, e apenas se se tratar de os 6 ciclos e 34% descontinuaram o tratamento
uma reação após a primeira exposição ao paclitaxel, por complicações relacionadas com o cateter. A

30 100 perguntas chave no cancro do ovário


Tratamento sistémico do cancro do ovário

toxicidade grau 3/4 foi significativamente mais GOG252. Estão também por identificar quais os
comum no grupo da QT IP (infeciosa, hematoló- subgrupos de doentes (por subtipo histológico,
gica nomeadamente leucopenia e trombocito- perfil molecular, sensibilidade à platina) que mais
penia, gastrointestinal, renal, neurológica, me- beneficiam da QT IP.
tabólica, dor abdominal e astenia) e com pior
qualidade de vida. TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO:
Uma meta-análise de nove ensaios randomi- QUAL A EVIDÊNCIA PARA
zados, incluindo 2.119 doentes tratadas com A QUIMIOTERAPIA?
QT EV versus QT incluindo citotóxico(s) IP após
cirurgia de citorredução primária, concluiu que a A cirurgia de resseção máxima combinada
QT IP aumenta a SG (HR: 0,81; IC 95%: 0,72-0,90) com quimioterapia englobando derivado da pla-
e a SLP (HR: 0,78; IC 95%: 0,70-0,86), embora à tina e paclitaxel permite obter remissão clínica
custa de elevada toxicidade, incluindo complica- completa em cerca de 75% dos casos de carci-
ções relacionadas com o cateter7. noma epitelial do ovário. No entanto, após 18 a
Mais recentemente, o ensaio GOG252 avaliou 28 meses, aproximadamente 75% das respon-
se a QT IP (paclitaxel 80 mg/m2 EV dias 1, 8 e 15/ dedoras recidivam. Neste contexto, surge o con-
carboplatina AUC 6 IP versus paclitaxel 135 mg/ ceito de terapêutica de manutenção como uma
m2, 3 horas de infusão/cisplatina 75 mg/m2 IP, possível estratégia para prevenir ou atrasar a
dia 2 + paclitaxel 60 mg/m2 IP, dia 8, 21/21 dias, recidiva, após a obtenção de uma remissão clí-
6 ciclos) versus a QT EV (paclitaxel 80 mg/m2, dias nica com o tratamento de quimioterapia de pri-
1, 8 e 15/carboplatina AUC 6, 21/21 dias, 6 ciclos), meira linha. Os primeiros ensaios com quimiote-
ambas combinadas com bevacizumab (15 mg/kg, rapia iniciaram-se na década de noventa. Desde
dia 1, ciclo 2 a ciclo 22), melhorava a SLP das então, foram avaliadas várias combinações de
doentes em estádios II-III após citorredução ótima agentes citotóxicos, sem resultados satisfatórios.
(tumor residual ≤ 1 cm). Foram aleatorizadas Os ensaios clínicos incluíram o prolongamento
1.560 doentes, 84% em estádio III e 57% sem dos esquemas de quimioterapia de indução ou
tumor residual após cirurgia. Apesar da melhor a administração de citotóxicos em monoterapia.
tolerância (≥ 84% das doentes completaram os 6 A única estratégia que resultou num aumento
ciclos de QT) e menor neurotoxicidade grau 2 com significativo da SLP, embora com deterioração da
a carboplatina IP e a cisplatina 75 mg/m2 IP (24 vs. qualidade de vida e sem impacto na SG, foi a
48% no ensaio GOG172), não houve diferenças manutenção do tratamento com paclitaxel. Este
na mediana de SLP entre os três braços (carbopla- benefício foi demonstrado no ensaio de fase III
tina IP 28,7 vs. cisplatina IP 27,8 vs. carboplatina do American Intergroup, SWOG-GOG1788. Nes-
EV 26,8 meses). te ensaio, 277 doentes com carcinoma epitelial
Apesar da eficácia demonstrada da QT IP no do ovário, em remissão clínica completa após
estádio III com doença residual < 1 cm, ainda quimioterapia com cisplatina e paclitaxel, foram
existe controvérsia quanto à interpretação dos aleatorizados para receberem paclitaxel por 3 ou
resultados destes ensaios, nomeadamente pelo 12 ciclos adicionais, na dose de 175 mg/m2 cada
não uso do padrão atual de QT EV como braço 28 dias. Foi obtido um aumento significativo,
controlo. A toxicidade e a complexidade de ad- mas modesto, na SLP favorecendo o braço de
ministração da QT IP têm impedido a generaliza- tratamento com paclitaxel durante 12 ciclos, com
ção da sua aplicação na prática clínica. A com- mediana de SLP de 28 vs. 21 meses (p = 0,0023)8.
binação da platina IP (cisplatina vs. carboplatina) A toxicidade da terapêutica de manutenção in-
com várias formas de administração de taxanos cluiu a alopécia mantida e o aumento da neuro-
e/ou terapias-alvo, a dose (cisplatina IP 75 vs. 100 patia periférica no braço de maior duração de
mg/m2), o número de ciclos e o mecanismo de terapêutica (29 vs. 16% de neuropatia de grau
administração da QT IP considerados ótimos con- II-III)8.
tinuam por definir. Não existe evidência para Na ausência de ensaios que demonstrem um
combinar a QT IP com bevacizumab, apesar de impacto na SG as recomendações internacionais
ainda se aguardar pelos dados da SG do ensaio não advogam a utilização de quimioterapia de

100 perguntas chave no cancro do ovário 31


T. Carvalho, et al.

manutenção no tratamento do carcinoma epite- foi demonstrado um aumento de SG exceto


lial do ovário. num subgrupo de doentes do ICON7 com está-
dio IV ou III e com doença residual superior a 1
TRATAMENTO DE MANUTENÇÃO: cm. Olaparib, um inibidor da PARP foi estudado
QUAL A EVIDÊNCIA PARA em dois ensaios de fase II aleatorizados em
A HORMONOTERAPIA E PARA doentes com carcinoma do ovário sensível à
OS TRATAMENTOS BIOLÓGICOS? platina. A terapêutica de manutenção com
olaparib, administrada após terapêutica com
O carcinoma do ovário expressa com fre- platina em doença recidivante originou um au-
quência recetores hormonais e pode ser sensível mento da SLP, sobretudo nos doentes com mu-
à terapêutica hormonal. No entanto, não obs- tação BRCA11. No entanto, este benefício da SLP
tante a relevância da terapêutica hormonal no não se traduziu numa melhoria da SG o que
cancro da mama e a importância dos recetores pode ser explicado em parte, tal como noutras
hormonais como fator preditivo, somente um estratégias de manutenção, pela existência de
pequeno número de ensaios avaliaram esta te- várias alternativas terapêuticas após progressão
rapêutica, no contexto de carcinoma do ovário e pelo crossover.
com doença avançada. A terapêutica hormonal
pode ser uma opção, em doentes com carcino- QUAIS AS DOENTES
ma do ovário avançado, sobretudo com doença QUE NÃO NECESSITAM
recidivante resistente à platina e assintomática DE QUIMIOTERAPIA ADJUVANTE?
ou paucissintomáticas. A evidência científica que
suporta esta opção terapêutica baseia-se em en- A maioria dos casos de carcinoma do ovário
saios de fase II com pequeno número de doentes, são diagnosticados em estádios avançados e só
com tamoxifeno, inibidores da aromatase (sobre- aproximadamente 25 a 30% em estádios iniciais
tudo letrozol) e fulvestran. A hormonoterapia de (I ou II). As doentes diagnosticadas em estádios
manutenção em contexto adjuvante e o valor II a IV têm indicação para quimioterapia adjuvan-
preditivo dos recetores hormonais no carcinoma te baseada numa platina e num taxano. Em
do ovário nunca foi estudado em ensaios prospe- doentes em estádios iniciais o ensaio ICON 1
tivos bem desenhados e como tal não tem evi- confirmou o benefício da quimioterapia adjuvan-
dência científica que suporte a sua utilização. te sobretudo em doentes de alto risco de recidi-
Mais recentemente, foram alcançados resul- va, estádio IB e IC grau II e III e qualquer estádio
tados promissores com tratamentos biológicos com grau III ou histologia de carcinoma de célu-
de manutenção, nomeadamente com agentes las claras12. Estes dados foram corroborados
antiangiogénicos (bevacizumab, pazopanib e numa meta-análise Cochrane que demonstrou
nintedanib) e com inibidores da poly (ADP-ribo- um benefício da quimioterapia adjuvante com
se) polymerase (PARP) (olaparib). Bevacizumab, platina comparativamente com observação em
um anticorpo monoclonal anti- fator de cresci- doentes com carcinoma do ovário em estádios
mento endotelial vascular (VEGF) foi o primeiro iniciais. Foi demonstrada uma vantagem na SG
antiangiogénico a demonstrar benefício clínico, (HR: 0,71) e na SLP (HR: 0,67), no entanto, cerca
concomitantemente com quimioterapia em pri- de dois terços dos doentes incluídos nos dois
meira linha e como terapêutica de manutenção, maiores ensaios tinham tido um estadiamento
no carcinoma avançado do ovário. Dois ensaios subótimo. Os Consensos Nacionais de Cancro
de fase III, em doentes com carcinoma do ová- Ginecológico 2013 recomendam quimioterapia
rio após cirurgia de citorredução máxima adjuvante nos estádios iniciais IA ou IB G3 e IC
(GOG218 e ICON7), demonstraram um aumen- ou histologia de células claras e qualquer estádio.
to significativo da mediana de SLP para o braço As doentes com estádios IA ou IB G1 ou G2,
com bevacizumab concomitante seguido de desde que adequadamente estadiadas, apresen-
manutenção, comparativamente com quimiote- tam um prognóstico excelente e podem ser ade-
rapia isolada ou com bevacizumab concomitan- quadamente tratadas com cirurgia, sem necessi-
te mas sem manutenção9,10. No entanto, não dade de quimioterapia adjuvante.

32 100 perguntas chave no cancro do ovário


Tratamento sistémico do cancro do ovário

QUAL A TERAPÊUTICA ÓTIMA BIBLIOGRAFIA


NOS ESTÁDIOS PRECOCES
(I/II DA FIGO)? 1. Vergote I, Tropé CG, Amant F, et al. Neoadjuvant Chemo-
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recorrência a favor da realização de seis ciclos de ized trial of 12 versus 3 months of maintenance paclitaxel
in patients with advanced ovarian cancer after complete
tratamento, embora sem tradução em aumento response to platinum and paclitaxel-based chemotherapy:
da SG13. Na ausência de novos dados a associa- a Southwest Oncology Group and Gynecologic Oncology
ção de PC deve ser considerada standard, man- Group trial. J Clin Oncol. 2003;21(13):2460-5.
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tenance therapy in platinum-sensitive relapsed ovarian
21 dias. cancer. N Engl J Med. 2012;366:1382-92.
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carboplatina AUC 5-7, endovenosa, dia 1; chemotherapy for early stage ovarian cancer (ICON1). J Clin
cada 21 dias. Oncol (Meeting Abstracts). 2007;25(18 suppl): Abstr 5509.
–– Paclitaxel 80 mg/m2, endovenoso, dia 1, dia 13. Ledermann JA, Raja FA, Fotopoulou C, et al. Newly diag-
nosed and relapsed epithelial ovarian carcinoma: ESMO
8 e dia 15 + carboplatina AUC 5-7, endove- Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and
nosa, dia 1; cada 21 dias. follow-up. Ann Oncol. 2013 Oct;24 Suppl 6:vi24-32.

100 perguntas chave no cancro do ovário 33


Capítulo 6

Terapêuticas alvo
no cancro do ovário

J. Savva-Bordalo, A. Clara e A. Costa

QUAL O PAPEL DA INIBIÇÃO DA monoclonais (bevacizumab) e os inibidores tirosi-


ANGIOGÉNESE NO CANCRO DO na-quinase (TKI) (Tabela 1).
OVÁRIO? O bevacizumab é o único antiangiogénico im-
plementado na prática clínica do tratamento de
A angiogénese tem um papel fundamental na
doentes com CEO em algumas situações, como
fisiologia normal e na patogénese do cancro do
será descrito na secção seguinte. Trata-se de um
epitelial do ovário (CEO), assim como na progressão,
anticorpo monoclonal humanizado que se liga ao
formação de ascite e metastização1. Contudo, a
VGEF, impedindo que este se ligue ao seu recetor.
neovasculatura formada, desorganizada, resulta
Assim, bloqueia o crescimento e manutenção da
num fluxo sanguíneo pobre e numa elevada per-
neovascularização5.
meabilidade vascular, o que poderá impedir o apor-
Agentes mais recentes como os TKI têm sido
te adequado dos fármacos antineoplásico sistémicos
alvo de estudo no CEO. O pazopanib inibe VEGF,
como a quimioterapia (QT) ao tumor e aumentar o
PDGF e recetores c-kit6. O trebananib está envol-
potencial de metastização2. O vascular endothelial
vido no bloqueio de uma via VEGF-independente
growth factor (VEGF) e o vascular endothelial gro-
com angiopoietinas (Ang1 e Ang2). A Ang1 tem
wth factor receptor (VEGFR) são fatores essenciais
um papel na estabilização das junções endoteliais
no controlo da angiogénese, uma vez que ambos
e a Ang2 na proliferação endotelial, aumentando
são expressos no CEO. O aumento da expressão de
assim a densidade de vasos sanguíneos7. O tre-
VEGF está associada especificamente ao desenvolvi-
bananib é um antagonista destas angiopoietinas,
mento de ascite maligna3. Este é o racional para que
através da inibição da sua ligação aos recetores
o VEGF e o VEGFR sejam os principais alvos na in-
TKI7,8. O nintedanib é outro TKI que se encontra
vestigação e prática clínica do tratamento de CEO
ainda em estudo e tem como alvo o VEGFR-1,
com fármacos antiangiogénicos. A inibição da via
VEGFR-2, VEGFR-3 e outros (Tabela 1)9. O pazopa-
do VEGF permite a inibição da angiogénese através
nib e o cediranib são dirigidos ao VEGFR-1, -2, -3;
do bloqueio de tradutores de sinal e ativadores da
PDGFR-a/b; FGFR-1, -3; e c-kit10,11.
transcrição. Assim, há uma normalização da estru-
tura e função da vasculatura sanguínea, o que per-
EM QUE FASE DO TRATAMENTO
mite um maior aporte de fármacos ao leito tumoral
DO CANCRO DO OVÁRIO A
e diminuição do potencial de metastização4.
ANTIANGIOGÉNESE É MAIS
EFICAZ?
QUAIS OS FÁRMACOS
ANTIANGIOGÉNICOS MAIS Em contexto adjuvante, o bevacizumab ain-
ESTUDADOS NO CANCRO da não demonstrou aumento da sobrevivência
DO OVÁRIO? global (SG) ou da qualidade de vida12, embora
Os fármacos antiangiogénicos mais estuda- tenha mostrado um aumento da sobrevivência
dos no CEO pertencem à classe dos anticorpos livre de progressão (SLP)13,14. A incorporação do

34 100 perguntas chave no cancro do ovário


Terapêuticas alvo no cancro do ovário

Tabela 1. Fármacos antiangiogénicos mais estudados custo-eficácia revelou ainda que a adição de be-
no COE vacizumab à QT standard não foi favorável16.
Anticorpos monoclonais Alvo
No ICON 7, 1.528 doentes em estádios iniciais
com características de mau prognóstico ou em
– Bevacizumab VEGF estádios avançados foram aleatorizadas para seis
ciclos de QT standard com ou sem bevacizumab
Inibidores tirosina-quinase Alvo
(7,5 mg/kg) durante a QT, seguida de manuten-
– Pazopanib VEGF ção com bevacizumab durante 12 ciclos adicio-
PDGF nais14. A SLP foi superior no braço do bevacizu-
c-kit mab (24 vs. 22 meses) mas não houve diferenças
– Trebananib Ang1 e Ang2 na SG ou na qualidade de vida. No entanto, nas
doentes de alto risco (estádio III com doença re-
– Nintedanib VEGFR-1, -2, -3 sidual > 1,0 cm após cirurgia ou estádio IV) o
PDGFR-alfa/beta,
FGFR-1, -2, -3,
bevacizumab conferiu um aumento estatistica-
Src, e Flt-3 mente significativo da SLP (18 vs. 14 meses) e
também da SG (37 vs. 29 meses)14. Assim, neste
– Pazopanib VEGFR-1, -2, -3 subgrupo de doentes, a incorporação de beva-
PDGFR-alfa/beta,
– Cedirabib FGFR-1, -2, -3,
cizumab no tratamento de primeira linha, é pre-
c-kit sentemente uma recomendação formal nos
consensos internacionais e nacionais, dado o im-
VEGF: vascular endothelial growth factor; PDGF: platelet-derived
growth factor; Ang1 e Ang2: angiopoietinas; VEGFR: vascular pacto na SG.
endothelial growth factor receptor; FGFR: fibroblast growth factor No GOG 262, doentes em estádio II a IV,
receptors.
operadas, foram aleatorizadas para carboplatino
e paclitaxel convencional vs. esquema dose-dense.
O bevacizumab foi opcional em ambos os braços.
bevacizumab em primeira linha de tratamento foi Não foi demonstrada vantagem significativa com
avaliada em dois grandes ensaios de fase III do a adição de bevacizumab17.
Gynecologic Oncology Group (GOG) 21813 do O standard first-line chemotherapy with or
International Collaborative on Ovarian Neoplasms without nintedanib for advanced ovarian cancer
(ICON) 714. (AGO-OVAR) 16 mostrou um aumento significa-
No GOG 218, 1.873 doentes em estádio III ou tivamente a SLP (18 vs. 12 meses) com a realiza-
estádio IV foram aleatorizadas em três braços. No ção de pazopanib vs. placebo como terapêutica
grupo I foram efetuados seis ciclos de QT stan- de manutenção durante 52 semanas, em doentes
dard com carboplatina área sob a curva (AUC) estádio II-IV, que tenham tido benefício clínico
6 associado ao paclitaxel 175 mg/m2 no dia 1 a após a cirurgia de citorredução e, pelo menos,
cada 21 dias, concomitantemente com placebo seis ciclos de QT primária. Contudo, este tripleto
do ciclo 1 ao 6, seguidos de manutenção do revelou uma toxicidade grave, nomeadamente
placebo até ao 15.o mês. No grupo II foi adminis- fadiga, diarreia, edemas periféricos, elevação de
trado bevacizumab (15 mg/kg no dia 1, ciclo 2 a gamaglutamiltransferase (GGT) e alanina amino-
6) concomitantemente com a QT standard, segui- transferase (ALT). Não houve tradução em termos
do de placebo até ao 15.o mês. No grupo III, o de SG6.
bevacizumab foi administrado com a QT segui- Na recidiva na doença platino-sensível, há
da de bevacizumab (15 mg/kg no dia 1, cada dois ensaios de fase II que avaliaram o uso do
21 dias) até ao 15º mês. Apesar de ter sido bevacizumab em monoterapia18 ou associado a
demonstrado um aumento significativo da SLP ciclofosfamida metronómica19. Apesar de ter sido
(14,1 vs. 10,3 meses) no grupo III, não foi eviden- demonstrada alguma eficácia, não há nenhuma
ciado um aumento significativo da SG (39 meses recomendação para o seu uso nestas circunstân-
em todos os braços)13. O crossover de 40% das cias. O ensaio OCEANS mostrou benefício da
doentes para o grupo III não permite a estimativa associação de bevacizumab à QT com carbopla-
da SG com precisão adequada12,15. Um estudo de tina e gencitabina, registando-se um aumento

100 perguntas chave no cancro do ovário 35


J. Savva-Bordalo, et al.

significativo da SLP (12 vs. 8 meses) e adição de mostrou um aumento significativo da SG quando
dois meses à SG (34 vs. 33 meses)20. No entanto, efetuado concomitantemente com carboplatina e
este aumento da SG foi à custa do crossover para placlitaxel, e sequencialmente em manutenção na
o braço do bevacizumab em 31% das doentes doença platinossensível, ainda que à custa de
do grupo controlo20. No estudo GOG 213, as efeitos laterais que não foram desprezíveis (hiper-
doentes com doença platinossensível foram alea- tensão, hemorragia e fadiga)25.
torizadas para tratamento cirúrgico (citorredução
secundária vs. ausência de tratamento cirúrgico) EXISTEM BIOMARCADORES
e separadamente para tratamento médico (carbo- PREDITIVOS DO BENEFÍCIO DOS
platino e paclitaxel com ou sem bevacizumab). FÁRMACOS ANTIANGIOGÉNICOS?
Foi demonstrado um aumento significativo na SLP
(14 vs. 10 meses) e verificada uma tendência para Até à data ainda não foi validado nenhum
a SG (42 vs. 37 meses) para o braço que fez biomarcador preditivo do benefício dos antian-
bevacizumab21. giogénicos. O CA 125 não é igualmente conside-
Na doença platinorresistente, o bevacizumab rado um marcador fidedigno ou exato na predi-
mostrou vantagens quando associado à mono- ção de resposta aos agentes antiangiogénicos,
terapia com paclitaxel, topotecano, ou doxorru- nomeadamente ao bevacizumab26, devendo o
bicina peguilada lipossómica, de acordo com o seu valor ser usado com precaução e integrado
estudo AURELIA22. Neste ensaio verificou-se um com os restantes elementos de avaliação de res-
aumento significativo da SLP (3,4 vs. 6,7 meses) posta, uma vez que o seu aumento nem sempre
e da taxa de resposta global (11,8 vs. 27,3%) nas acompanha a resposta clínica e imagiológica.
doentes que efetuaram bevacizumab. Dado o
perfil de segurança do bevacizumab, a seleção O QUE É A POLY(ADP-RIBOSE)
das doentes com menor risco de perfuração é POLYMERASE E COMO FUNCIONA
fundamental. No ensaio AURELIA, o subgrupo de A SUA INIBIÇÃO?
doentes com ascite refratária obteve o maior be-
nefício com a terapêutica combinada. Em mono- A poly(ADP-ribose) polymerase (PARP) consti-
terapia, dois estudos de fase II mostraram algum tui um grupo de proteínas nucleares envolvidas
benefício clínico18,23, não estando contudo o seu na regulação de inúmeras funções biológicas es-
uso preconizado. senciais na reparação de ácido desoxirribonuclei-
O trebananib mostrou resultados promissores co (ADN), como: modificação de histonas, regu-
quando combinado com o paclitaxel semanal, no lação da cromatina, participação no comprimento
ensaio TRINOVA-124. As 919 doentes, com um de telómeros, estabilização de cromossomas e
intervalo livre de platino ≤ 12 meses, foram alea- envolvimento na apoptose. O principal membro
torizadas para efetuar paclitaxel semanal associa- da família PARP é a PARP-1, que funciona como
do a trebananib ou placebo. A SLP foi superior sensor do dano de DNA e molécula de sinaliza-
no braço que realizou trebananib (7,2 vs. 5,4 ção, partilhando funções enzimáticas e de recru-
meses) mas não houve impacto na SG e demons- tamento27.
trou-se um aumento de eventos adversos (edema, A inibição da PARP promove a persistência de
derrame pleural, ascite e neuropatia periférica)24, single strand breaks (SSB) que se convertem em
embora estes sejam, no geral, bem tolerados. Os double strand breaks (DSB) durante o processo
resultados do uso do trebananib associado à QT de replicação de DNA. Em condições celulares
em primeira linha (TRINOVA-3) e na recidiva em normais, as DSB são reparadas por recombinação
doentes platinorresistente (TRINOVA-2) são ainda homóloga. Nos indivíduos portadores de muta-
aguardados. ções BRCA1 ou BRCA2, a deficiência na repara-
Vários estudos de fase III estão em curso para ção do dano de DNA através de recombinação
os restantes TKI. A associação de nitendanib com homóloga, torna-os particularmente sensíveis à
a carboplatina e paclitaxel está a ser avaliada em inibição da PARP que pode constituir um alvo
tratamento de primeira linha, seguida de niten- terapêutico, numa estratégia definida como leta-
danib de manutenção. Por fim, o cediranib, lidade sintética27.

36 100 perguntas chave no cancro do ovário


Terapêuticas alvo no cancro do ovário

QUAL A RELEVÂNCIA DA INIBIÇÃO como marcadores preditivos: tipo 1 – tumores


DA POLY(ADP-RIBOSE) serosos de baixo grau e células claras, associados
POLYMERASE NO TRATAMENTO a menores taxas de resposta; tipo 2 – tumor se-
DO CANCRO DO OVÁRIO? roso de alto grau, geralmente mais quimiossensí-
vel30. Estes dados sugerem que a quimiossensibi-
De entre os fármacos-alvo estudados no tra- lidade/resistência pode ser considerada como
tamento do cancro do ovário, os antiangiogéni- preditivo para determinar o tratamento individual
cos e inibidores da PARP são dos fármacos mais para cada doente. Deste modo, os biomarcadores
amplamente estudados. As mulheres portadoras preditivos permitem identificar a suscetibilidade à
de mutação germinal nos genes BRCA1 ou intervenção, desempenhando um papel impor-
BRCA2, têm um risco aumentado de cancro do tante na individualização terapêutica.
ovário (15-56%), particularmente o tipo mais co- As mutações germinais BRCA1 e BRCA2 pre-
mum, o seroso de alto grau, relativamente à po- dizem o aumento de taxas de resposta, a SLP e
pulação em geral (1,4%). As mutações somáticas o aumento de sensibilidade a DNA-damaging
nos genes BRCA1/2 no cancro esporádico do agents, incluindo platina e inibidores da PARP,
ovário são menos frequentes, cerca de 15%28. funcionando como biomarcadores preditivos28.
Em cerca de 50% das doentes com tumor Atualmente, torna-se evidente que o conhe-
seroso de alto grau, as células tumorais apresen- cimento do status mutacional de um indivíduo,
tam um defeito na recombinação homóloga, re- não só nos dá a informação sobre a probabilida-
sultado de mutação germinal ou somática, inati- de de risco de doença, mas também pode in-
vação epigenética do BRCA1 ou defeitos na via fluenciar a seleção do tratamento mais benéfico,
de recombinação homóloga independente do o que coloca o teste genético na fase inicial do
BRCA1/2, ou resultante de mutação noutros genes plano de tratamento28,29. Nos carcinomas serosos
como: RAD51D, ATM, PALB2, RAD51C, BRIP1. A de alto grau, além da mutação germinal, há evi-
disfunção das vias relacionadas com as proteínas dência de que as mutações somáticas também
BRCA1/2 leva ao aparecimento do fenótipo BR- podem influenciar a escolha terapêutica.
CAness. Este fenótipo parece relacionar-se com a
resposta tanto à platina como aos inibidores da EM QUE FASE DO TRATAMENTO
PARP28. DO CANCRO DO OVÁRIO A
O olaparib é um inibidor da PARP que tem INIBIÇÃO DA POLY(ADP-RIBOSE)
sido investigado como terapêutica oral, tendo POLYMERASE É MAIS
demonstrado atividade antitumoral em ensaios PERTINENTE?
de fase 1 e 2 em doentes com tumor do ovário
seroso de alto grau, associado a mutação BRCA Apesar da cirurgia radical e elevadas taxas de
ou esporádico. Independentemente da mutação resposta à platina e taxanos em primeira linha, a
BRCA ser germinal ou somática, os tumores são taxa de recorrência do tumor seroso é elevada, e
sensíveis à inibição da PARP, uma vez que há a a sensibilidade à platina diminui a cada recorrên-
perda da função do gene intratumoral29. cia, traduzindo-se numa menor possibilidade de
resposta à QT. A resistência à platina é clinica-
EXISTEM BIOMARCADORES mente definida como progressão de doença no
PREDITIVOS DO BENEFÍCIO DOS intervalo inferior a seis meses após exposição à
INIBIDORES POLY(ADP-RIBOSE) platina, associando-se a taxas de resposta entre
POLYMERASE? 10-20%. A refratoriedade à platina é definida
como a doença que progride sob este tratamen-
Os biomarcadores preditivos relacionam o to, associando-se a taxas de resposta à QT infe-
outcome com a intervenção, enquanto os marca- riores a 10%.
dores de prognóstico são intrínsecos, relacionam- Atualmente, pensa-se que uma alternativa de
-se com o outcome, independentemente da tera- abordagem é prolongar a resposta tumoral ao
pêutica. Os tumores serosos do ovário podem ser tratamento baseado na platina, utilizando manu-
divididos em dois tipos, podendo estas funcionar tenção com um fármaco bem tolerado. Esta

100 perguntas chave no cancro do ovário 37


J. Savva-Bordalo, et al.

abordagem pode atrasar a progressão de doença A maioria dos cancros do ovário apresenta
e consequente reinício de QT. Neste sentido, os sobre-expressão de recetores do folato a (a-FR),
inibidores da PARP têm sido estudados como te- associada a pior prognóstico. Farletuzumab é um
rapêutica de manutenção, sendo a fase mais per- anticorpo monoclonal anti-a-FR. Estudos de fase
tinente para a sua utilização no tratamento do 1 e 2 no cancro do ovário recidivado sensível à
cancro do ovário. platina mostraram vantagem na SLP com farle-
Até à data, o fármaco mais estudado é o tuzumab e QT seguido de farletuzumab em ma-
olaparib em monoterapia. No estudo de Leder- nutenção; estudos de fase 3 foram negativos31.
mann, et al., foram incluídas 265 mulheres com Catumaxomab, anticorpo trifuncional contra
tumor seroso do ovário recorrente, sensível à pla- a molécula de adesão celular Epithelial cell adhe-
tina, aleatorizadas para terapêutica oral com sion molecule (EpCAM), destrói as células tumo-
olaparib (400 mg, duas vezes por dia) vs. placebo. rais que expressam EpCAM, responsáveis pela
Foi demonstrado um benefício no braço do ascite maligna, recrutando linfócitos T CD3+. Em
olaparib, com uma SLP de 8,4 meses no grupo estudos de fase 2, catumaxomab associado a QT
do olaparib versus 4,8 meses no grupo placebo, diminuiu a necessidade de paracentese e aumen-
sendo que nos doentes com mutação BRCA1 ou tou a qualidade de vida.
BRCA2 a diferença na SLP foi de 6,9 meses con- Os estudos de fase 3 com os anticorpos anti-
tra os 1,9 meses nos doentes sem mutação. Os -CA 125, em manutenção (oregovomab e abago-
resultados neste ensaio podem dever-se à grande vomab), mostraram boa tolerabilidade mas sem
percentagem de indivíduos com mutação BRCA impacto na SLP ou SG31.
incluídos (germinal ou somática): 56% no grupo Cerca de 70% dos cancros do ovário sobre-
do olaparib vs. 50% no grupo placebo. Os doen- -expressam EGFR, tornando-o num alvo promis-
tes com tumores wild-type em que se verificou sor. O cetuximab e panitumumab, anticorpos mo-
resposta ao olaparib, provavelmente teriam um noclonais anti-EGFR, foram estudados no cancro
defeito na recombinação homóloga relacionado do ovário. O cetuximab em monoterapia na doen-
com alterações genéticas mais raras ou inativação ça metastática recorrente mostrou algum benefí-
epigenética BRCA1. Não se verificaram diferenças cio clínico; em combinação com QT, os resultados
na SG29. foram mais vantajosos. O panitumumab foi usado
Os efeitos adversos mais comuns foram fadi- na doença resistente aos platinos em combinação
ga e anemia, sem diferenças de acordo com a com a doxorrubicina lipossómica e mostrou au-
presença ou não de mutação BRCA. Atualmente, mento da taxa de resposta, sem influência na SG.
estão em curso ensaios de fase 3 em monoterapia O pertuzumab, anticorpo monoclonal que ini-
e tenta-se também perceber o benefício da asso- be a dimerização de HER2, mostrou em combi-
ciação, nomeadamente com antiangiogénicos. nação com QT, na doença resistente aos platinos,
melhor taxa de resposta em estudo de fase 1 e
A IMUNOTERAPIA TEM 2. O estudo de fase 3, nos carcinomas de ovário
RELEVÂNCIA NO TRATAMENTO DO de baixo grau, resistentes aos platinos, com so-
CANCRO DO OVÁRIO? bre-expressao de HER3 mensageiro ácido ribonu-
cleico (mRNA) (PENELOPE) não mostrou vanta-
No cancro do ovário epitelial há evidência gem em termos de SLP32.
clínica da influência do sistema imunitário na res- CTLA-4 é uma molécula importante na ativa-
posta ao tratamento31. Tumores com infiltrados ção dos linfócitos T reguladores, que suprime a
de células T estão associados a maior SLP e maior resposta imunológica tumoral. O ipilimumab é
SG, particularmente neoplasias ricas em linfócitos um anticorpo anti-CTLA-4, aprovado para trata-
T CD8+ e/ou CD3+. A presença de células T su- mento do melanoma metastizado e está a ser
pressoras, recrutadas pelas células tumorais, está avaliado no cancro do ovário em estudos de fase 2.
associada a pior prognóstico. Nas últimas déca- O tremelimumab é outro anticorpo, anti-CTLA-4,
das, as imunoterapias têm vindo a ser testadas que está a ser estudado no carcinoma de ovário
na abordagem do cancro do ovário, todavia, a recorrente, em ensaios de fase 2, em associação
sua eficácia é modesta31. com o olaparib33.

38 100 perguntas chave no cancro do ovário


Terapêuticas alvo no cancro do ovário

A proteína -1 programadora da morte celular PARP. Outras abordagens-alvo incluem antagonis-


(PD1) e o seu ligando (PD-L1) constituem promis- ta dos folatos, as vias de sinalização de PI3K/AKT/
sores alvos terapêuticos no tratamento do cancro. mTOR, RAS/ RAF/MEK e a família HER.
No carcinoma do ovário, o valor de prognóstico Os resultados do estudo PRECEDENT que ava-
da expressão de PD-1 ou PD-L1 ainda não está liou o vintafolide (potente alcaloide da vinca con-
definido, os resultados dos estudos são discor- jugado com ácido fólico) na doença, resistente
dantes, provavelmente devido aos diferentes mé- aos platinos, combinado com doxorrubicina lipos-
todos usados para avaliar a sua expressão33. sómica peguilada. Foi constatada vantagem em
O primeiro anti-PD-1 a ser testado no carci- termos de resposta e SLP, sendo maior o benefício
noma do ovário foi o nivolumab. Num estudo de nos doentes com lesões com hiperexpressão de
fase 2, publicado por Hamanish, et al., nivolumab a-FR, detetada através de single-photon emission
foi administrado a dois coortes de doentes plati- computed tomography (SPECT) scan com ertafo-
norresistentes, previamente submetidas a, pelo latide. Estes dados de fase 2 não foram confir-
menos, duas linhas de QT, nas doses 1 ou 3 mg/ mados na fase 3, tendo o estudo PROCEED sido
kg. No braço de 3 mg/kg foram observadas duas suspenso por futilidade.
respostas completas. No conjunto dos dois coor- A desregulação da via PI3K/AKT/mTOR é comum
tes, a taxa de resposta foi de 15% e a taxa de nos carcinomas de células claras, estando associada
controlo de doença de 45%. Os principais efeitos a pior prognóstico. Neste subtipo histológico, a
laterais foram, hipotiroidismo, linfocitopenia, fe- associação de temsirolimus com a QT standard está
bre, rash, astenia, anemia, artralgia e arritmia33. ser avaliada em ensaio de fase34. O estudo de
Em todos os estudos pulblicados, os inibidores fase II, no carcinoma do ovário platino resistente
do imunes checkpoints foram usados em mono- com temsirolimus em monoterapia foi negativo33.
terapia na recidiva platinorresistente, com taxas Os carcinomas serosos de baixo grau são ca-
de resposta inferiores a 15%, sendo que apenas raterizados por mutações dos genes KRAS, BRAF,
poucos doentes apresentaram períodos longos de HER2 que conduzem a ativação permanente des-
doença controlada. Numa tentativa de melhorar ta via de transdução de sinal. Estes tumores ten-
os resultados, estão a decorrer ensaios de fase 1 dem a ser refratários à QT. Um estudo de fase 1/2
e 2, sobretudo com pembrolizumab, em combi- com selumetinib (inibidor oral da MEK1/2 cinases)
nação com QT e inibidores da PARP33. em doentes com cancro do ovário seroso de bai-
As vacinas com células dendríticas contra an- xo grau recidivado (n = 52), apresentou resulta-
tigénios associados ao tumor, têm tido resultados dos promissores: resposta completa num caso;
promissores no cancro do ovário, como terapêu- resposta parcial em sete doentes e estabilização
tica de manutenção, em estudos de fase 1 e 2. de doença em 33 casos; mediana SLP = 11 meses.
As vacinas com peptídeos, particularmente as O bevacizumab também é ativo nos carcinomas
recombinadas com vetores víricos, têm vindo a serosos de baixo grau34.
ser estudadas na recidiva do cancro do ovário. A sobre-expressão de HER3 no cancro do ová-
Em suma, ainda não está aprovada nenhuma rio está associada a pior prognóstico e resistência
imunoterapia para cancro do ovário, contudo aos taxanos. Um anticorpo anti-HER3 (MM-121),
existem dados promissores desta abordagem, so- seribantumab, foi estudado num ensaio de fase
bretudo em combinação com outras modalidades 2 em associação ao paclitaxel, no cancro do ová-
terapêuticas, nomeadamente como “terapêutica rio avançado resistente aos platinos, não se veri-
de manutenção”. ficando aumento da SLP33.
Olaratumab, um anticorpo anti-platelet-deri-
QUE OUTRAS TERAPIAS-ALVO ved growth factor α (anti-PDGFRα), que em es-
ESTÃO EM ESTUDO PARA O tudo in vitro aumenta a eficácia da QT no carci-
TRATAMENTO DESTA DOENÇA? noma do ovário, está a ser estudado, num ensaio
de fase 2, na doença platinorresistente, em asso-
Como previamente referido, os avanços mais ciação à doxorrubicina lipossómica peguilada33.
importantes dos últimos cinco anos incluíram a O crescente conhecimento da patogénese
terapêutica antiangiogénica e os inibidores da molecular dos vários subtipos de cancro do ovário

100 perguntas chave no cancro do ovário 39


J. Savva-Bordalo, et al.

e a identificação de fatores preditivos de respos- 18. Burger RA, Sill MW, Monk BJ, Greer BE, Sorosky JI. Phase
II trial of bevacizumab in persistent or recurrent epithelial
ta permitirão num futuro próximo uma melhor ovarian cancer or primary peritoneal cancer: a Gynecologic
seleção das doentes a serem submetidas às dife- Oncology Group Study. J Clin Oncol. 2007;25(33):5165-71.
rentes terapêuticas-alvo. Estas poderão ser mais 19. Garcia AA, Hirte H, Fleming G, et al. Phase II clinical trial
of bevacizumab and low-dose metronomic oral cyclophos-
eficazes e constituir a base para o tratamento phamide in recurrent ovarian cancer: a trial of the Cali-
personalizado32. fornia, Chicago, and Princess Margaret Hospital phase II
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40 100 perguntas chave no cancro do ovário


Capítulo 7

Tratamento das recidivas

M. Nave, S. Broco e S. Sousa

QUAIS AS ALTERNATIVAS provou não ser inferior em termos de eficácia (SLP


NO TRATAMENTO DA DOENÇA de 11,3 meses no braço experimental vs. 9,4 me-
PLATINO SENSÍVEL? ses; p = 0,005), com um perfil de toxicidade dife-
rente mas com menor taxa de descontinuação do
A definição da recidiva de cancro do ovário tratamento por toxicidade no braço com antraci-
platino sensível baseia-se no intervalo livre de pro- clina. O estudo OCEANS avaliou o papel do beva-
gressão após o fim do tratamento inicial com qui- cizumab na recidiva do cancro do ovário sensível
mioterapia baseada em platina. Quando este in- à platina; este estudo randomizou doentes para a
tervalo de tempo é igual ou superior a seis meses, associação de carboplatina e gemcitabina com e
a probabilidade de resposta a regime de quimio- sem bevacizumab; verificou-se um aumento da
terapia contendo platina é cerca de 30% (sendo SLP com o uso de bavacizumab (12,4 vs. 8,4 me-
maior quanto maior o intervalo livre de progres- ses; p < 0,0001), sem diferença na SG2. O uso de
são). Nesta população o tratamento deve incluir a terapêutica combinada de trabectedina e doxor-
reexposição à platina. Estudos randomizados de rubicina lipossómica pode também ser uma op-
fase III mostraram benefício do uso de terapêuti- ção, nomeadamente nas doentes com reações
ca combinada em comparação com monoterapia, anafiláticas à platina. Um estudo de fase III com-
em termos de taxa de resposta e de aumento de parou um regime de monoterapia de doxorrubi-
sobrevivência livre de progressão (SLP). A melhoria cina lipossómica peguilada com a associação tra-
da sobrevivência global (SG) com os esquemas de bectedina e doxorrubicina lipossómica peguilada.
terapêutica combinada, apenas nos estudos Nas doentes com recidiva platino sensível a asso-
ICON-4 e AGO-­OVAR 2.2 que compararam regime ciação foi mais eficaz em termos de SLP (9,2 vs.
de platina em monoterapia com terapêutica com- 7,5 meses; p = 0,73). Em doentes com recidiva de
binada de platina e paclitaxel. Os resultados mos- cancro do ovário associado a mutação BRCA1 ou
traram um aumento de SG no grupo tratado com 2, em resposta a regime de quimioterapia com
a combinação (29 vs. 24 meses; p = 0,02)1. O platina, pode ser considerado uso de terapêutica
estudo AGO-OVAR 2.5 comparou a associação de manutenção com olaparib (inibidor da PARP)
de carboplatina e gemcitabina com carboplatina até à progressão. Com efeito, o estudo 19 ran-
em monoterapia tendo-se verificado um aumen- domizou doentes com recidiva de cancro do ová-
to da SLP no braço da terapêutica combinada rio e em resposta a tratamento de quimioterapia
(8,6 vs. 5,8 meses; p = 0,0031) mas sem aumen- baseado em platina, para terapêutica de manu-
to da SG e com maior toxicidade da associação. tenção com olaparib versus placebo. Na popula-
Outros estudos testaram esquemas de terapêutica ção com mutação BRCA, o uso de olaparib au-
combinada usando outros fármacos: o estudo mentou significativamente a SLP (de 4,3 meses vs.
CALYPSO comparou a associação de carboplatina 11,2; p < 0,0001)3. Em resumo, são várias as
e paclitaxel com carboplatina e doxorrubicina li- opções para o tratamento da recidiva de cancro
possómica peguilada; o braço experimental do ovário sensível à platina. A única em que está

100 perguntas chave no cancro do ovário 41


M. Nave, et al.

demonstrado benefício de sobrevivência é a asso- doxorrubicina lipossómica peguilada e que incluiu


ciação com paclitaxel. A escolha de outras asso- também doentes com doença parcialmente sensí-
ciações de platina seja, com gemcitabina (com ou vel à platina (definida como recaída entre os 6 e
sem bevacizumab), ou ainda com doxorrubicina os 12 meses). A combinação teve impacto na SLP
lipossómica deve ter em conta o perfil de toxici- mas não na SG4. Este estudo não teve platina no
dade de cada um dos esquemas, as toxicidades braço controlo, mas é possivel que a combinação
tardias e as preferências da própria doente. de trabectedina com doxorrubicina lipossómica
permita estender o tempo até reesposição á plati-
NAS RECIDIVAS DE CANCRO na. A possível vantagem desta extensão está a ser
DO OVÁRIO, QUANDO EXISTE testada em estudos prospetivos.
INDICAÇÃO PARA MONOTERAPIA?
QUAIS AS ALTERNATIVAS
Em doentes com comorbilidades importantes, NO TRATAMENTO DA DOENÇA
ou contraindicação ao uso de poliquimioterapia, PLATINO-RESISTENTE?
ou ainda doentes pouco sintomáticas nas quais a
taxa de resposta não seja um objetivo principal, a Classifica-se como doença platino-resistente
terapêutica com carboplatina isolada pode ser con- aquela que progride em até seis meses após o
siderada, dado que se trata de uma alternativa último ciclo de platina. Há uma entidade específi-
menos tóxica quando comparada com os esque- ca, a doença platino-refratária, que é aquela cuja
mas de associação (e embora os resultados em progressão acontece durante o tratamento ou até
termos de SLP sejam inferiores, as diferenças em quatro semanas após a última administração desse
termos de SG não são tão óbvias, com exceção fármaco. O tratamento de doentes com carcinoma
da associação carboplatina e paclitaxel). do ovário platino-resistente/refratário visa essencial-
mente a qualidade de vida e controlo de sintomas,
ATÉ QUANDO SE DEVE REPETIR sendo o prognóstico considerado reservado5. A
A PLATINA NO TRATAMENTO cirurgia como alternativa terapêutica nestes casos
DAS DOENTES COM RECIDIVA deve ser ponderada apenas na necessidade de pa-
DE CANCRO DO OVÁRIO? liação de sintomas. Há estudos de fase III publica-
dos de monoterapia com paclitaxel (semanal ou
Doentes em resposta a terapêutica de 2.ª linha tri-semanal), doxorrubicina lipossómica peguilada,
com platina terão um intervalo de tempo até à gemcitabina, topotecano, entre outros, com taxas
próxima recidiva cada vez menor até que o tumor de resposta semelhantes (não superiores a 15%) e
se torna virtualmente resistente à platina e a ou- SLP entre 3 a 4 meses5. Assim, a opção por um
tros esquemas de terapêutica. A platina mantém- destes fármacos relativamente a outro deverá ser
-se uma alternativa terapêutica até esta fase. No feita com base nas terapêuticas prévias realizadas,
entanto, o seu uso está limitado por reações de perfis de toxicidade, conveniência de administra-
hipersensibilidade frequentes após exposição re- ção, custos e opção da doente. Sabe-se que, no
petida ao fármaco e toxicidades cumulativas. tratamento da doença platino-resistente, os esque-
mas de combinação não melhoram significativa-
QUAL A MELHOR ABORDAGEM mente as taxas de resposta nem a sobrevivência,
DA DOENÇA PARCIALMENTE quando em comparação com a monoterapia, acres-
SENSÍVEL? centando toxicidade, pelo que quimioterapia em
monoterapia é a opção terapêutica correta.
Doentes com intervalo livre de progressão entre De acordo com os resultados publicados do
6 e 12 meses beneficiam ainda de terapêutica estudo AURELIA, que avaliou o uso de bevacizumab
baseada em platina. A trabectedina associada a em carcinoma do ovário platino-­resistente (doentes
doxorrubicina lipossómica pode ser uma opção de submetidas previamente até duas linhas terapêuti-
acordo com os resultados do estudo OVA 301 (que cas), as doentes em que, à quimioterapia (paclitaxel
comparou doxorrubicina lipossómica peguilada em semanal, doxorrubicina lipossómica peguilada ou
monoterapia com a associação de trabectedina e topotecano) foi adicionado o bevacizumab tiveram

42 100 perguntas chave no cancro do ovário


Tratamento das recidivas

um aumento na SLP (HR: 0,48; IC 95%: 0,38-0,60) algumas mulheres apresentam sobrevivências pro-
e das taxas de resposta avaliadas por RECIST5. Na longadas, com várias remissões da sua doença.
análise de subgrupos constatou-se que o paclita- Classicamente, a escolha do tipo e da duração
xel semanal em associação ao bevacizumab apre- do tratamento é influenciada por vários fatores:
sentou melhores resultados e nas doentes com uns dependentes da própria doença (tipo e loca-
ascite a eficácia clínica foi evidente, habitualmente lização da recorrência, possibilidade de tratamen-
sem necessidade de paracenteses de novo, após to cirúrgico combinado, resposta e duração da
a realização do primeiro ciclo. Assim, o uso de mesma à quimioterapia anterior) e outros depen-
bevacizumab pode ser uma alternativa neste sub- dentes da própria doente (vontade da doente,
grupo de doentes, dependendo das condições performance status e toxicidades residuais de
clínicas das mesmas, inicialmente associado à qui- tratamentos anteriores). Atualmente, o status
mioterapia e depois em manutenção até toxicida- mutacional do gene BRCA assume um papel re-
de ou progressão. levante na seleção do tratamento da recidiva,
dado permitir a utilização do olaparib como te-
A HORMONOTERAPIA TEM rapêutica de manutenção, com bom perfil de
INDICAÇÃO NAS RECIDIVAS toxicidade, num subgrupo com mutação BRCA.
DO CANCRO DO OVÁRIO? A duração ótima da quimioterapia no tratamen-
to da recorrência não está ainda estabelecida.
O papel da hormonoterapia no carcinoma do Alguns estudos efetuados neste contexto contem-
ovário está ainda por definir. O suporte para o uso plam um máximo de seis ciclos de quimioterapia,
de fármacos como os inibidores da aromatase (anas- à semelhança do tratamento adjuvante, no entan-
trozol, letrozol) ou antiestrogénicos (tamoxifeno) é to, outros, e sobretudo aqueles que incluem outro
dado por estudos fase II, que mostraram taxas de tipo de fármacos, permitem o tratamento até à
resposta completa entre 8 a 17% e de controlo de progressão ou à toxicidade.
doença (incluindo doença estável) até 55%, com Na presença de várias alternativas de trata-
bom perfil de toxicidade6. Em muitos destes estu- mento que permitem abordagens sequenciais e
dos, os doentes não foram selecionados com base de novas terapêuticas, como o bevacizumab e o
na positividade para recetores hormonais, o que olaparib, na maioria das vezes bem toleradas, é
pode ter condicionado as taxas de resposta obtidas possível efetuar tratamentos mais prolongados
e impedir a determinação adequado do benefício com controlo sintomático importante e impacto
clínico da hormonoterapia6. Nas normas de orien- positivo na sobrevivência e qualidade de vida.
tação da National Comprehensive Cancer Network Na prática, na ausência de toxicidade limitan-
(NCCN), a hormonoterapia (inibidores da aromata- te, o tratamento deve ser mantido até resposta
se, acetato de leuprolido, acetato de megestrol, máxima.
tamoxifeno) não é considerada como tratamento
de eleição na recorrência, mas é classificada como É POSSÍVEL TOMAR A DECISÃO
«potencialmente ativa»6. Assim, e com base tam- DE TRATAR COM BASE
bém na percentagem de controlo de doença acima NO CA 125?
referida, a hormonoterapia pode ser considerada
como uma opção terapêutica6. São necessários Vários estudos demonstraram que os níveis de
estudos prospetivos para avaliar a eficácia da hor- CA 125 se correlacionam com o status da doença
monoterapia e quais os subgrupos de doentes na maioria dos casos. Este marcador pode elevar-
que mais podem beneficiar com o seu uso. -se cerca de 2 a 5 meses antes da deteção ima-
giológica da recorrência e, em cerca de um terço
QUAL A DURAÇÃO ÓTIMA das mulheres, cerca de seis meses antes do desen-
DO TRATAMENTO NA RECIDIVA volvimento de sintomas. Faz por isso parte das gui-
DO CANCRO DO OVÁRIO? delines para o seguimento dos tumores epiteliais
do ovário.
O tratamento da recidiva do carcinoma do A recorrência do cancro do ovário não é curá-
ovário não tem intuito curativo, no entanto, vel pelo que não é claro se a deteção mais

100 perguntas chave no cancro do ovário 43


M. Nave, et al.

precoce pode ter impacto quer na sobrevivência que, desta forma, há um aumento da atividade
quer na qualidade de vida. citotóxica da cisplatina, uma vez que as altas
Esta questão foi alvo de um estudo multicên- temperaturas podem ultrapassar a resistência a
trico, fase III da EORTC (OV-05), com 1.442 doen- esse fármaco8. Sabe-se ainda que há um au-
tes, com resposta completa após 1.ª linha de mento da penetração intraperitoneal da cispla-
quimioterapia baseada em platinos. O seguimen- tina quando administrada intraperitonealmente
to foi feito com avaliações do CA 125 e exame em associação à hipertermia, por aumento da
clínico a cada três meses. As doentes que apre- sua acumulação intracelular8. O efeito citotóxi-
sentaram elevações do marcador, superiores ao co parece estar amplificado também como re-
dobro do normal foram randomizadas para tra- sultado da perda de capacidade de reparação
tamento imediato ou quando clinicamente indi- do ADN das células8. Vários fármacos podem
cado. O tratamento com base na elevação ex- ser utilizados nesta técnica, sendo que todos
clusiva do CA 125 foi iniciado 4,8 meses mais eles deverão ser termoestáveis e ter um alto peso
cedo, sem benefício em termos de SG, condicio- molecular (platinos, taxanos, mitomicina C e do-
nando até uma pior qualidade de vida no grupo xorrubicina8.
das tratadas mais precocemente7. Apesar do HIPEC ser um tratamento promis-
Em suma, com base neste estudo não há in- sor, o seu uso permanece controverso. Os da-
dicação para quimioterapia em doentes assinto- dos publicados são todos retrospetivos, hetero-
máticas com elevação do CA 125 que não te- géneos e não demonstraram benefício em
nham sinais clínicos ou evidência imagiológica de termos de sobrevivência. Encontram-se a decorrer
recorrência. oito estudos prospetivos randomizados fase III,
sobre a utilização de HIPEC em doentes com
QUAL O PAPEL DA QUIMIOTERAPIA carcinoma do ovário em diferentes fases da sua
INTRAPERITONEAL HIPERTÉRMICA doença8.
NO TRATAMENTO DA RECIDIVA Aguardam-se, com muita expectativa, os re-
DO CARCINOMA DO OVÁRIO? sultados destes ensaios, que poderão modificar a
prática clínica atual. Até à apresentação dos re-
Sabe-se que, apesar de cirurgia de citorredu- sultados dos estudos, e com base na informação
ção ótima seguida de quimioterapia convencio- actual disponível na literatura, o HIPEC não deve
nal, grande parte das doentes com carcinoma do ser proposto como tratamento na recidiva do
ovário vão apresentar recidiva da sua doença que, carcinoma do ovário, exceto em contexto de en-
na maioria dos casos, é confinada à cavidade saio clínico e/ou em doentes selecionados e em
abdominal. O racional que defende a administra- centros de referência.
ção intraperitoneal de quimioterapia tem por
base esta característica particular do carcinoma QUANDO DECIDIR SOBRE
do ovário e, de facto, já foi demonstrada melho- CUIDADOS PALIATIVOS
ria na SLP e SG em estudos randomizados fase III NO CANCRO DO OVÁRIO?
(GOG 104, 114 e 172) quando se associou qui-
mioterapia intraperitoneal à endovenosa. No en- O cancro do ovário resistente à quimioterapia
tanto, este não é um tratamento usado na prá- primária ou que recorre em algum momento,
tica clínica na maioria dos centros considerando após terapêutica primária com quimioterapia é ge-
a sua elevada toxicidade, que levou a que, nos ralmente incurável. No entanto, algumas mulhe-
estudos atrás referidos, a maioria dos doentes res com doença recorrente têm sobrevivências
não completasse os seis ciclos previstos. Outra prolongadas, obtendo benefício clínico com vá-
forma de administrar a quimioterapia diretamen- rias linhas de tratamento.
te na cavidade abdominal é fazendo-o no ato De acordo com alguns estudos, a maioria das
operatório, usando a técnica da quimioterapia doentes com neoplasias ginecológicas recebem
intraperitoneal hipertérmica (HIPEC). A justifica- tratamento antineoplásico durante os últimos seis
ção para o uso de quimioterapia hipertérmica meses de vida. Uma das razões referidas para este
tem por base os estudos que demonstraram fenómeno é o fato dos oncologistas terem a

44 100 perguntas chave no cancro do ovário


Tratamento das recidivas

tendência para sobrestimar a sua sobrevivência platinum-based chemotherapy in women with relapsed
ovarian cancer: the ICON4/AGO-OVAR-2.2 trial. Lancet.
em cerca de 30%9, referenciando para cuidados 2003;361:2099-106.
paliativos, muitas vezes tardiamente. 2. Aghajanian C, Blank S, Goff B, et al. OCEANS: A Random-
Estima-se que uma mulher com um tempo ized, Double-Blind, Placebo-Controlled Phase III Trial of Che-
motherapy With or Without Bevacizumab in Patients With
livre de recorrência de seis meses ou menos em Platinum-Sensitive Recurrent Epithelial Ovarian, Primary Peri-
relação à linha prévia de tratamento tenha uma toneal, or Fallopian Tube Cancer. J Clin Oncol. 2012;30:1-7.
3. Ledermann J, Harter P, Gourley C, et al. Olaparib mainte-
sobrevivência esperada igual ou inferior a 3 me- nance therapy in platinum-sensitive relapsed ovarian can-
ses10. Mulheres com ausência de benefício clínico cer. N Engl J Med. 2012;366:1382-92.
ou benefício mínimo (considerando-se estabiliza- 4. Monk BJ, Herzog TJ, Kaye SB, et al. Trabectedin plus pe-
gylated liposomal Doxorubicin in recurrent ovarian cancer.
ção de doença como benefício clínico) com duas J Clin Oncol. 2010;28:3107-14.
linhas de tratamento consecutivas têm um mau 5. Ledermann JA, Raja FA, Fotopoulou C, Gonzalez-Martin A,
prognóstico devendo ser consideradas para cui- Colombo N, Sessa C. Newly diagnosed and relapsed
epithelial ovarian carcinoma: ESMO Clinical Practice Guide-
dados paliativos. Obviamente as que apresentam lines for diagnosis, treatment and follow-up. Behalf of the
um mau performance status ou não pretendem ESMO Guidelines Working Group. Ann Oncol. 2013;24
Suppl 6:vi24-32.
prosseguir com tratamento antineoplásico deve- 6. Yokoyama Y, Mizunuma H. Recurrent epitelial ovarian
rão ser consideradas para o melhor tratamento cancer and hormone therapy.World J Clin Cases. 2013;
de suporte. 1(6):187-90.
7. Rustin GJ, van der Burg ME, Griffin CL, et al. Early versus
Idealmente, e de acordo com as guidelines delayed treatment of relapsed ovarian cancer (MRC OV05/
da NCCN os cuidados paliativos deveriam ser EORTC 55955): a randomised trial. Lancet. 2010;376(9747):
1155-63.
iniciados, concomitantemente com terapêuticas 8. Chiva LM, Gonzalez-Martin A. A critical appraisal of hy-
antineoplásicas, sempre que a sobrevivência es- perthermic intraperitoneal chemotherapy (HIPEC) in the
perada seja inferior a seis meses. treatment of advanced and recurrent ovarian cancer. Gy-
necologic Oncology. 2015;136:130-5.
9. Glare P, Virik K, Jones M, et al. A systematic review of
BIBLIOGRAFIA physicians’s survival predictions in terminally ill cancer pa-
tients. BMJ. 2003;327:195-8.
10. Flemming G, Seldman J, Lengyel. Epithelial Ovarian Cancer-
1. Parmar MK, Ledermann JA, Colombo N, et al. Paclitaxel Treatment of Persistant/Recurrent Disease. Principles and
plus platinum-based chemotherapy versus conventional Practice of Gynecologic Oncology. 6ª edição. 2013;24.

100 perguntas chave no cancro do ovário 45


Capítulo 8

Situações específicas
na abordagem do cancro
do ovário
J. Belo, A. Guimarães e T.A. Santos

COMO SE DEFINE «DOENTE após a gravidez não parece ser necessária2. As


JOVEM» E «DOENTE IDOSA» mulheres submetidas a cirurgia conservadora por
EM CANCRO DO OVÁRIO? tumores do ovário iniciais apresentam taxas de
recidiva de 5-29% e sobrevivência aos cinco anos
O cancro do ovário pode ocorrer em qualquer de 83-100%3. Os tumores borderline do ovário
idade – engloba diferentes subtipos histológicos, têm habitualmente bom prognóstico pelo que a
representando doenças diferentes em relação à cirurgia conservadora e preservadora da fertilida-
sua biologia, patogénese e evolução clínica. de está preconizada apesar do risco de recidiva
O carcinoma epitelial é o mais comum, com ser um pouco superior ao que se verifica com o
uma maior incidência acima dos 50 anos de idade. tratamento radical (5-15 vs. 0-5%) mas sem im-
É um tumor que atinge preferencialmente mulhe- pacto na sobrevivência destas doentes3.
res da peri e pós-menopausa, verificando-se um Depois da quimioterapia as doentes devem
aumento da sua incidência com a idade (40% dos aguardar pelo menos seis meses antes de tentar
casos acima dos 65 anos) e uma diminuição após uma gravidez dado o efeito dos fármacos citotó-
os 80 anos. xicos nos ovócitos4.
A probabilidade de que um tumor epitelial
primário seja borderline ou invasor numa doente QUANDO SE DEVE DISCUTIR
com idade inferior a 40 anos é de aproximada- A POSSIBILIDADE
mente uma em 10 mulheres, mas após esta idade DE PRESERVAÇÃO DA
aumenta para uma em três1. FERTILIDADE EM DOENTES
Menos de 1% dos tumores epiteliais malignos JOVENS COM CANCRO
ocorre antes dos 21 anos. Neste grupo etário 2/3 DO OVÁRIO?
das neoplasias malignas são tumores das células
germinativas. Existindo vários subtipos histológicos de cancro
do ovário com prognósticos diferentes a possibili-
DOENTES JOVENS: É POSSÍVEL dade de realização de uma cirurgia conservadora
A PRESERVAÇÃO DA FERTILIDADE? ou mesmo de procedimentos de estimulação ová-
rica para criopreservação de ovócitos deve ser ana-
O tratamento clássico das mulheres com can- lisada caso a caso. Os tumores malignos de células
cro do ovário inclui a histerectomia (HT) total com germinativas representam o grupo mais frequente
anexectomia bilateral com a consequente perda de tumores não-epiteliais malignos do ovário que
da fertilidade futura. No entanto, em doentes ocorrem em mulheres muito jovens (menos de 20
adequadamente selecionadas (e que aceitem vi- anos) devendo proceder-se à anexectomia bilateral
gilância rigorosa) pode ser considerada uma ci- de início, se surgem num contexto de disgenesia
rurgia menos radical com conservação do útero gonadal ou secundariamente nos casos de terato-
e do ovário contralateral. A remoção do ovário mas imaturos quando persistem lesões ováricas

46 100 perguntas chave no cancro do ovário


Situações específicas na abordagem do cancro do ovário

após a quimioterapia5. Estas neoplasias são fre- preparação pré-operatória e tratamento no pós-
quentemente unilaterais e têm normalmente bom -operatório. A anamnese e o exame clínico pré-ope-
prognóstico e boa resposta à quimioterapia pelo ratório completos diminuem os riscos da cirurgia,
que a realização de anexectomia unilateral deve devendo incluir avaliação cuidada de comorbili-
ser considerada se existir desejo de fertilidade. dades que possam ser agravadas pela cirurgia ou
Nas mulheres jovens portadoras de tumores pela anestesia. Sabendo que o prognóstico da
epiteliais malignos no estádio FIGO IA, grau 1 e doença está associado à boa conduta cirúrgica,
2, serosos, mucinosos ou endometrióides subme- será importante equilibrar a doente no sentido da
tidas a cirurgia de estadiamento completa com redução de risco operatório e das complicações
desejo de fertilidade pode optar-se pela terapêu- pós-operatórias.
tica conservadora e poupadora da fertilidade. Nos O objetivo primeiro do cirurgião é tratar a
tumores unilaterais IC, grau 1 a indicação de te- doente, prolongando a sobrevivência livre de re-
rapêutica conservadora é ainda controversa3,6. corrência, e isso está em correspondência direta
Nas situações em que esteja indicada quimiotera- com a boa conduta cirúrgica, ou seja de máximo
pia adjuvante deve discutir-se com a doente a esforço cirúrgico.
possibilidade de preservação da fertilidade atra- Nem sempre é possível prever a resposta ao
vés da criopreservação de ovócitos. A estimulação tratamento de cada doente ou quanto esta irá
ovárica pode ser proposta nas doentes portadoras beneficiar com a cirurgia, mas a morbilidade as-
de tumores borderline do ovário em estádio I7. As sociada a cada tratamento deve ser considerada
portadoras de mutações BRCA1/2 que desenvol- nas decisões a tomar, ponderando riscos e bene-
vem cancro do ovário podem ser submetidas a fícios da cirurgia. A idade não será o fator deter-
criopreservação de ovócitos para preservação da minante na decisão da extensão da cirurgia.
fertilidade com eventual realização de diagnóstico Em relação à cirurgia da recorrência do cancro
genético pré-implantação para seleção dos em- do ovário, não é razoável pensar como objetivo
briões não portadores da mutação, estando con- final conseguir a cura. O papel do clínico é esco-
traindicada a criopreservação de tecido ovárico lher entre esquemas de tratamentos mais consen-
pelos riscos inerentes ao desenvolvimento de can- tâneos com o prolongar a vida com melhor qua-
cro após a sua reimplantação3. lidade e mínima morbilidade.

AS DOENTES IDOSAS DEVEM AS DOENTES IDOSAS


SER OPERADAS DE FORMA DEVEM FAZER TRATAMENTO
DIFERENTE? SISTÉMICO DIFERENTE9?

A cirurgia continua a ter um papel primordial Parece haver um consenso na literatura inter-
no tratamento do cancro epitelial do ovário. A taxa nacional de que as doentes idosas com carcinoma
de morbilidade/mortalidade altera consoante a ida- do ovário são subtratadas. No entanto esta noção
de, tendo sido considerada como fator prognóstico de subtratamento terá mais a ver com a agressi-
independente em vários estudos, sendo a doença vidade cirúrgica e com a preparação anestésica
residual, a idade e performance status (PS) os prin- do que com o tratamento de quimioterapia ad-
cipais fatores que influenciam a recuperação. juvante. A definição de doente idosa depende
A sobrevivência da doente está relacionada das séries analisadas e varia desde um limite mí-
com o sucesso da cirurgia primária. Atualmente, nimo de 65 até um limite inferior de 75 anos
como previamente referido, considera-se ótima noutras séries. Este dado é muito importante
quando não apresenta doença residual visível. porque o PS e o estado de reserva biológica de
Mulheres com idade superior a 69 anos apre- órgão é muito diferente para uma mulher de 65
sentam um baixo nível de sobrevivência compa- ou de 75 anos. Mais do que a idade cronológica
rativamente às mais jovens, mesmo após a corre- da doente interessará a idade biológica que po-
ção para estádio, doença residual e PS8. derá ser avaliada quer através de inquéritos de
O sucesso da cirurgia passa por uma avalia- self assessment geriátricos, quer através da capa-
ção completa e minuciosa, por uma cuidadosa cidade de ultrapassar a toxicidade induzida pelos

100 perguntas chave no cancro do ovário 47


J. Belo, et al.

ciclos iniciais de quimioterapia. Para uma doente uma longa cicatriz abdominal, podem trazer se-
no limite inferior da definição de idade idosa, o quelas emocionais.
risco de complicações com a terapêutica standard Após as primeiras seis semanas da cirurgia, a
será muito semelhante à de doentes mais novas, doente poderia gradualmente voltar à atividade
enquanto uma doente com 75 ou 80 anos terá normal. No entanto, o tratamento do cancro do
um perfil de toxicidades muito diferente. Como ovário é habitualmente complementado com qui-
tal, a recomendação seria de tratar as doentes mioterapia, prolongando o tempo de recuperação.
mais novas e em fase de tratamento primário, No caso das mulheres pré-menopáusicas, as
com full dose de terapêutica dupla. Para as doen- consequências tardias da ooforectomia bilateral pro-
tes com PS mais elevados e idades mais avança- vocam frequentemente um início repentino dos sin-
das a monoterapia, nomeadamente com carbo- tomas da menopausa, devido à interrupção da pro-
platina, pode ser uma opção mais adequada. No dução hormonal ovárica. Afrontamentos alterações
contexto de doença metastática ou na recidiva a do humor e secura vaginal podem ser sintomas
escolha de terapêutica depende dos fármacos particularmente graves, nestas circunstâncias clí-
disponíveis, da sua eficácia na paliação de sinto- nicas. Verificou-se, também, um aumento do risco
mas e da reserva de orgão da doente. O ajuste cardiovascular e osteoporose relacionado com as
da sequência de drogas far-se-á através das mo- mudanças dos níveis hormonais. Pode ainda, verifi-
noterapias com platinos nas doentes sensíveis e car-se diminuição da líbido, e eventual dispareunia,
das monoterapias com gemcitabina, topotecano, com graves repercussões a nível da vida sexual.
doxorrubicina lipossómica peguilada, taxanos e
etoposido nas doentes platino-­resistentes. IMPACTO DOS TRATAMENTOS
DO CANCRO DO OVÁRIO
IMPACTO DOS TRATAMENTOS NO REGRESSO DAS DOENTES
DO CANCRO DO OVÁRIO NO À VIDA ATIVA: SEQUELAS
REGRESSO DAS DOENTES À VIDA DO TRATAMENTO SISTÉMICO
ATIVA: SEQUELAS DA CIRURGIA
O impacto a médio e a longo prazo dos tra-
A melhoria das técnicas cirúrgicas e anestési- tamentos do carcinoma do ovário embora seme-
cas reduziram os riscos da cirurgia oncológica. No lhantes aos de outras patologias mais frequentes
entanto, a recuperação física e emocional deste como o carcinoma da mama, são de intensidade
tipo de cirurgia demora algum tempo. e de grau de potenciais complicações muito dife-
A disseminação do cancro de ovário na super- rentes. O retorno das doentes à vida ativa pren-
fície peritoneal pode implicar a necessidade de de-se com várias vertentes psicofisiológicas, in-
procedimentos cirúrgicos mais radicais, como por cluindo as decorrentes da toxicidade de órgão
exemplo nas ansas intestinais, bexiga, reto e estru- objetiva, secundária ao uso de citostáticos. As
turas extrapélvicas, como baço, fígado e diafrag- toxicidades mais relevantes são a neuropatia pe-
ma, para a obtenção de uma citorredução ótima riférica, a redução da acuidade visual e auditiva,
ou satisfatória. Este tipo de intervenção origina o aumento do peso, a fadiga induzida pelos tra-
mais comorbilidade e riscos no pós-operatório. tamentos e da fotossensibilidade que limita uma
As cirurgias do aparelho digestivo, nomeada- progressiva readaptação das doentes à vida ativa.
mente colostomias são por vezes necessárias em A estes fatores, associam-se uma maior susceti-
situação de doença avançada. bilidade a processos infeciosos e a fadiga decor-
O tempo de recuperação é muito individualizado rente de meses de tratamento.
mas após uma grande cirurgia é natural a doente No caso das mulheres em pré-menopausa
sentir-se vulnerável e com cansaço fácil, apresentar acresce a menopausa iatrogénica provocada pela
anorexia, intolerância alimentar, dificuldade na di- cirurgia, não se podendo excluir a contribuição
gestão, obstipação e em alguns casos, dor crónica. da quimioterapia sistémica na perturbação da
Problemas cognitivos, tais como a dificuldade mineralização óssea. Em todas as doentes a alte-
de concentração ou perda de memória e a preo- ração da autoimagem pelo aumento do peso e
cupação com a imagem física, pela presença de pela alopécia iatrogénica contribui para dificultar

48 100 perguntas chave no cancro do ovário


Situações específicas na abordagem do cancro do ovário

o regresso à vida ativa. Outra toxicidade específica 125 torna-se crescente com cada consulta, resul-
é a alteração dos leitos unguais decorrente do tando numa situação descrita por alguns autores
tratamento com taxanos. Além de esteticamente como a «dependência do CA 125». Tendo em
agressiva, esta situação é incapacitante, sendo conta que o carcinoma do ovário recidivado após
fonte de mal-estar dada a incapacidade de utili- a quimioterapia primária é incurável, a seleção do
zação adequada das extremidades, atingidas du- tratamento de quimioterapia deve pautar-se por
rante vários meses após termino da quimioterapia. uma ponderação entre a maior eficácia antitumo-
Aos fatores já descritos, associam-se outros pre- ral e um perfil de efeitos laterais menos agressivo,
dominantemente do foro psicológico como a inca- tendo em linha de conta o grupo etário a que se
pacidade para aceitar uma incompleta recuperação destina. É consenso geral que valores elevados de
do estado de saúde existente previamente ao início marcador tumoral numa doente sintomática de-
do processo patológico, bem como a depressão e vem ser tratados. O tratamento de doentes assin-
a disfunção cognitiva decorrente relacionadas com tomáticas com recidiva já não é alvo de decisão
o designado «chemobrain». Todos estes fenóme- consensual e o tratamento de doentes com uma
nos que se enxertam em personalidades muitas recidiva isolada de marcadores tumorais parece
vezes já previamente fragilizadas, concorrem para não ter indicação para ser iniciado11.
um retorno laboral muitas vezes difícil e que por
tal se deseja gradual e progressivo no sentido de APOIO PSICOSSOCIAL EM
minimizar as probabilidades de completa incapa- DOENTES COM CARCINOMA
cidade de readaptação laboral efetiva10. DO OVÁRIO12-14
O estádio inicial dos casos de carcinoma do
ovário é normalmente avançado, o que vai ditar O apoio necessário para as doentes não se
um agravamento do prognóstico com reflexo no encontra formalizado como acontece por exemplo
perfil psicológico das doentes submetidas a qui- para as doentes com carcinoma da mama. Existe
mioterapia sistémica e consequentemente, no contudo uma série de apoios clínicos, psicológi-
seu retorno à vida profissional. cos, organizativos, provenientes de associações de
doentes, institucionais (Rede Nacional de Cuidados
COMO SE DEVE FAZER A Continuados Integrados (http://portal.arsnorte.min-­
VIGILÂNCIA DESTAS DOENTES saude.pt/portal/page/portal/) ou particulares (http://
APÓS A TERAPÊUTICA PRIMÁRIA www.gep.msess.gov.pt/estudos/cartasocial.php),
ESTAR CONCLUÍDA? ligados a autarquias ou associações locais que po-
dem ser ativados independentemente do recurso
Nenhum outro tema gera mais controvérsia e dos insubstituíveis apoios emocionais prestados por
ocasiona maior antagonismo de posições do que familiares e amigos. Paralelamente algumas asso-
a utilização dos marcadores tumorais, nomeada- ciações de doentes não especificamente com pa-
mente o CA 125, no seguimento das doentes tologia maligna do ovário, prestam igualmente
após terapêutica adjuvante para carcinoma do cuidados e apoio às doentes ginecológicas15,16.
ovário. Embora uma subida do CA 125 no con- Uma nova vertente dos cuidados psicossociais
texto de uma doença em remissão clínica possa decorre da generalização dos testes genéticos
ser altamente preditivo de recidiva (tempo médio para a suscetibilidade aumentada de carcinoma
para desenvolvimento de sintomas ou de doença da mama e de ovário. Dadas as notícias que vie-
radiológica mensurável será de três a seis meses), ram a lume recentemente sobre as cirurgias pro-
não existe evidência de que o tratamento sisté- filáticas em nomes bem conhecidos do público,
mico imediato com ou sem platina, seja mais bem como o início de ensaios clínicos dirigidos
eficaz do que o tratamento protelado até ao apa- especificamente a doentes com alterações gené-
recimento de sintomas. Há ainda que ter em linha ticas especificas que conferem aumento de sus-
de conta a ansiedade gerada nas doentes pela cetibilidade a estas neoplasias, prevê-se um au-
execução de um teste determinante para a pre- mento exponencial das solicitações de doentes,
sença de tumor ainda que clinicamente invisível. familiares e portadores assintomáticos às clínicas
A ansiedade de ter conhecimento do valor do CA de risco oncológico familiar.

100 perguntas chave no cancro do ovário 49


J. Belo, et al.

É POSSÍVEL, NA PRÁTICA CLÍNICA, transmitindo a mensagem de que «há vida para


A PROMOÇÃO DA QUALIDADE além do cancro».
DE VIDA?
BIBLIOGRAFIA
A qualidade de vida é um conceito simples
mas com uma avaliação complexa, baseada em 1. Berek JS. Ovary cancer. In: Berek JS. Novak’s Gynecology.
Thirteenth edition. Philadelphia. Lippincott Williams &
perceções subjetivas, experiências e expectativas Wilkins. 2002;1163-233.
das pessoas que a expressam17. 2. Morice P, Denschlag D, Rodolakis A, et al. Recommenda-
O carcinoma epitelial do ovário é o mais fatal tions of the Fertility Task Force of the European Society of
Gynecologic Oncology about the conservative manage-
dos cancros ginecológicos, observando-se uma ment of ovarian malignant tumors. International Journal
sobrevivência de cerca de 43% aos cinco anos e of Gynecological Cancer. Official Journal of the Interna-
33% aos 10 anos18. tional Gynecological Cancer Society. 2011;21(5):951-63.
doi:10.1097/IGC.0b013e31821bec6b
O diagnóstico de cancro condiciona uma 3. Lambertini M, Ginsburg ES, Partridge AH. Update on
variedade de problemas emocionais e físicos. fertility preservation in young women undergoing breast
cancer and ovarian cancer therapy. Current Opinion in
Aprender a viver com a doença e o desejo de Obstetrics and Gynecology. 2015;27(1):98-107.
sobrevivência, proporciona que esse seja um doi:10.1097/GCO.0000000000000138
momento especial para sensibilizar a mulher da 4. Henes M, Neis F, Krämer B, et al. Possibilities of Fertility
Preservation in Young Patients with Ovarian Cancer. 2014;
importância da adoção de estilos de vida e há- 1-4.
bitos saudáveis. Fazer escolhas de forma a man- 5. Morice P, Denschlag D, Rodolakis A, et al. Recommenda-
tions of the Fertility Task Force of the European Society of
ter-se saudável e dentro do possível, proporcionar Gynecologic Oncology about the conservative manage-
o «sentir-se bem». ment of ovarian malignant tumors. International Journal
Neste contexto, é importante conseguir: man- of Gynecological Cancer. Official Journal of the Interna-
tional Gynecological Cancer Society 2011;21(5):951-63.
ter um peso «normal», adotando uma dieta equi- doi:10.1097/IGC.0b013e31821bec6b
librada e rica em vegetais, evitar o consumo de 6. Huber D, Cimorelli V, Usel M, Bouchardy C, Rapiti E, Pe-
bebidas alcoólicas, abstenção tabágica e fazer tignat P. How many ovarian cancer patients are eligible for
fertility-sparing surgery? European Journal of Obstetrics
exercício físico moderado. Estudos indicam que Gynecology and Reproductive Biology. 2013;170(1):270-4.
sobreviventes de cancro de ovário que mantive- doi:10.1016/j.ejogrb.2013.06.039
7. Denschlag D, Von Wolff M, Amant F, et al. Clinical recom-
ram ou aumentaram a atividade física referiram mendation on fertility preservation in borderline ovarian
uma melhoria na qualidade de vida e uma dimi- neoplasm: Ovarian stimulation and oocyte retrieval after
nuição na incidência de depressão, ansiedade e conservative surgery. Gynecologic and Obstetric Investiga-
tion. 2010;70(3):160-5. doi:10.1159/000316264
angústia18. 8. Pickel H. Prognostic factors in ovarian cancer. J Gynecol
O bem-estar psicológico está associado posi- Oncol. 8-12
9. Johnson SJ, Sorg RA, Borker RD, Duh MS. Chemotherapy
tivamente à capacidade de aceitar a doença, ao Treatment Patterns in Elderly Patients Initially Diagnosed
sentimento de esperança, ao enfrentar a doença With Advanced Ovarian Cancer. Clinical Ovarian and
de um modo positivo e consequentemente a uma Other Gynecologic Cancer. 2012;5(2):67-77.
10. http://www.cancer.org/treatment/survivorshipduringan
melhor qualidade de vida. daftertreatment/stayingactive/workingduringandafter
Algumas técnicas de relaxamento, meditação treatment/returning-to-work-after-cancer-treatment
e yoga, podem ajudar a aliviar a ansiedade e 11. Hopkins ML, Coyle D, Le T, Fung MF, Wells G. Cancer
Antigen 125 in Ovarian Cancer Surveillance: A Decision
melhorar o humor. Analysis Model. Current Oncology. Curr Oncol. 2007;14(5):
Incentivar a saída e diversão e programar ati- 167-72.
12. http://www.ipolisboa.min-saude.pt/Default.aspx?Tag=
vidades que a doente goste, também contribui CONTENT&ContentId=1478
para melhorar o humor e moderar o stress, sendo 13. https://sites.google.com/site/ipoportogenetica/consulta
essencial conseguir uma boa habilitação na gestão 14. http://www.croc.min-saude.pt/
15. http://www.apamcm.org/
do stress com aumento da resiliência. 16. www.ligacontracancro.pt.
As mulheres com episódios de depressão ou 17. Silva CHD, Derchain SFM. Qualidade de vida em mulheres
com câncer ginecológico: uma revisão da literatura. Re-
ansiedade no passado, ou cujos sintomas são vista Brasileira de Cancerologia. 2006;52(1):33-47.
graves podem justificar tratamento, sendo impor- 18. Duska L. Overview of the approach to survivors of epithelial
tante a colaboração da psico-oncologia. ovarian, fallopian tube, or peritoneal carcinomas. UpTo-
Date. 2015. (consult. 11/06/2015). http://www.uptodate.
É boa prática clínica a preocupação com a com/contents/overview-of-the-approach-to-survivors-of-
qualidade de vida da doente oncológica, epithelial-ovarian-fallopian-tube-or-peritoneal-carcinomas

50 100 perguntas chave no cancro do ovário


Capítulo 9

Cancro do ovário hereditário

M. Teixeira, P. Machado e A. Luís

COMO SE IDENTIFICAM incluindo os resultados possíveis. Deve ser discu-


MULHERES EM RISCO DE CANCRO tido o potencial impacto na dinâmica familiar e
DO OVÁRIO HEREDITÁRIO? outros riscos, benefícios e limitações (nomeada-
mente questões psicológicas, legais e sociais) e
Os testes genéticos de cancro hereditário não ainda informar sobre as recomendações atuais
são adequados para a população em geral, ha- para o rastreio e/ou prevenção de cancros para
vendo critérios de elegibilidade estabelecidos os quais o consulente possa ter um risco mais
para garantir uma abordagem coerente e equi- elevado.
tativa. O primeiro passo é avaliar a probabilidade Na maioria das situações, a confirmação da
de estarmos em presença de um doente e famí- existência de predisposição hereditária para can-
lia com predisposição hereditária, tendo em con- cro requer a realização de um teste genético para
ta a história pessoal e familiar de cancro, dando um ou mais genes, sendo que a identificação de
particular ênfase à existência de neoplasias asso- uma mutação patogénica no caso índice permite
ciadas com determinadas síndromes hereditárias o diagnóstico molecular da síndrome hereditária
bem estabelecidas, especialmente se diagnosti- para a qual existia suspeita clínica, bem como o
cadas em idade mais jovem do que é habitual na teste de portador (preditivo ou pré-sintomático)
população em geral. Caso a doente e/ou a famí- nos familiares em risco.
lia preencha os critérios estabelecidos (ver página
seguinte), deverá ser referenciada para aconse- QUAIS OS GENES ASSOCIADOS
lhamento genético para que lhe seja disponibili- A CANCRO DO OVÁRIO
zada toda a informação necessária para a obten- HEREDITÁRIO?
ção de um consentimento informado antes da
eventual colheita de amostra de sangue para Os principais genes associados ao cancro do
testes genéticos de predisposição hereditária ovário hereditário são o BRCA1 e o BRCA2, es-
para cancro. tando a existência de mutações patogénicas nes-
O aconselhamento genético tem como obje- tes genes associadas à síndrome de cancro da
tivos rever em detalhe a história familiar (dando mama/ovário hereditário1,2. Mutações germinati-
especial atenção a quem já tenha sofrido de vas que alteram a função do gene BRCA1 confe-
cancro e em que idade), ajudar com a recolha de rem um risco cumulativo de 40-50% ao longo da
registos médicos pertinentes, explicar as diferen- vida para cancro do ovário (mais frequentemente
ças entre cancros esporádicos e cancros hereditá- carcinoma seroso, mas também de outros carci-
rios, interpretar o padrão de cancro na história nomas não mucinosos), sendo o risco cerca de
familiar, discutir a possibilidade de realizar testes metade para as mutações patogénicas no gene
genéticos e, se tal estiver indicado, quem é o me- BRCA21,2. Causas mais raras de predisposição he-
lhor caso índice da família, rever o procedimento reditária para tumores do ovário são as mutações
de um teste genético, caso esteja disponível, nos genes MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2 na

100 perguntas chave no cancro do ovário 51


M. Teixeira, et al.

síndrome de Lynch (risco de cerca de 10% para QUAIS OS RESULTADOS


cancro do ovário, sendo 85% dos casos do tipo POSSÍVEIS NA ANÁLISE
de células claras e em 10% do tipo endometriói- DE UMA DOENTE QUE FEZ
de), no gene STK11/LKB1 na síndrome de Peutz- RASTREIO GENÉTICO?
-Jeghers (risco de 18-21%, principalmente para
tumores dos cordões sexuais e tumores das célu- O rastreio genético é realizado através do teste
las de Sertoli), no gene PTCH1 na síndrome de de índice, que normalmente é realizado ao indiví-
Gorlin (2-25% de risco para fibromas do ovário) duo afetado no qual é mais provável que seja
e no gene SMARCA4 para carcinoma de peque- encontrada a mutação familiar, caso ela exista. O
nas células do ovário do tipo hipercalcémico1-3. teste de índice envolve geralmente testar gene(s)
Mutações germinativas nos genes BRIP1, RAD51C inteiro(s), no sentido de tentar identificar uma mu-
e RAD51D estão também associadas a risco eleva- tação que interfira com a função do próprio gene.
do para cancro do ovário com relevância clínica2. Se for identificada uma mutação patogénica (ou
seja, nos casos em que existam dados suficientes
O RASTREIO DE CANCRO para afirmar que uma mutação altera a função
DO OVÁRIO GENÉTICO DEVE do gene de modo significativo), a síndrome de
SER ALARGADO A TODAS cancro hereditário é confirmada e podem reali-
AS MULHERES? zar-se testes de portador aos restantes membros
da família, sendo que os filhos ou irmãos do caso
Embora mutações germinativas nos genes índice na maioria das situações têm 50% de hi-
que predispõem para cancro do ovário sejam re- póteses de ter herdado a mesma mutação. Se não
lativamente raras na população em geral, elas são for identificada uma mutação, a existência de
responsáveis por 10-20% de todos os casos de cancro hereditário não está completamente des-
cancro do ovário. Dadas as implicações para a cartada, já que é possível que exista uma muta-
prevenção e tratamento dos doentes e dos seus ção que não seja detetável com a tecnologia atual
familiares, a National Comprehensive Cancer Net- ou um outro gene mutado na família, não estan-
work (NCCN) recomenda que todas as mulheres do disponível teste de portador aos familiares. Por
com cancro do ovário epitelial, entre outros cri- último, podem encontrar-se variantes de signifi-
térios, devem ser referenciadas para avaliação cado desconhecido, situação em que não se con-
personalizada do risco, aconselhamento genético firma, mas também não se exclui, a presença de
e eventualmente teste genético2. Uma vez que o predisposição hereditária na família, sendo neces-
cancro do ovário faz parte de várias síndromes sários estudos adicionais (de segregação ou fun-
hereditárias de predisposição para cancro, a ava- cionais) para tentar obter evidência conclusiva de
liação no âmbito do aconselhamento genético patogenicidade ou benignidade.
permitirá definir a indicação para a realização de Quando uma mutação patogénica é identifi-
teste genético e os genes a testar. A probabilida- cada, fica disponível aos familiares adultos o teste
de de identificação de uma mutação patogénica de portador para essa mutação específica, que
dependerá da história pessoal e familiar de cancro pode ter apenas dois resultados: portador da mu-
(incluíndo o tipo histológico), da idade de diag- tação familiar, tendo herdado o risco elevado para
nóstico e do número de familiares do sexo femi- desenvolver tipos de cancro específicos, ou não
nino não afetadas2, devendo esta avaliação clíni- portador da mutação familiar, situação em que o
ca determinar se está ou não indicado o estudo indivíduo não herdou o risco elevado e apresenta
genético. Por outro lado, sempre que o clínico o mesmo risco da população em geral.
ponderar a utilização de inibidores das poly (ADP-
-ribose) polymerase (PARP), poderá realizar-se a O RASTREIO DE PAINÉIS
pesquisa de mutações BRCA1/BRCA2 no tumor MULTIGÉNICOS TÊM INDICAÇÃO
para se detetarem mutações somáticas para além EM CANCRO DO OVÁRIO?
de mutações germinativas4, já que há evidência de
que ambas são preditivas de resposta a esta te- Além de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2,
rapia dirigida. a principal causa do cancro do ovário hereditário,

52 100 perguntas chave no cancro do ovário


Cancro do ovário hereditário

mutações noutros genes também podem estar ovário epitelial para mutações germinais dos ge-
associadas a um aumento de risco deste tipo de nes BRIP1, BARD1, PALB2 e NBN. Apenas no gene
cancro, como é o caso, entre outros, dos genes BRIP1 verificaram um aumento da frequência de
de reparação implicados na síndrome de Lynch. mutações patogénicas face ao grupo de contro-
Recentemente, novos genes de suscetibilidades lo7. Paralelamente, verificaram que os genes RA-
para cancro do ovário têm sido identificados, como D51C e RAD51D se confirmavam como genes de
por exemplo o RAD51C, RAD51D, e BRIP1. Adicio- suscetibilidade para cancro do ovário8. Tanto o
nalmente, foi verificado que muitos dos genes da gene BRIP1, como os RAD51C e RAD51D confe-
via da Anemia de Fanconi (FA/BRCA), previamente rem um risco moderado para cancro do ovário.
identificados no cancro da mama, estavam muta- Entretanto, as guidelines relativas ao cancro
dos em algumas mulheres com cancro do ovário. da mama/ovário hereditário da National Com-
Até à data, os genes cujas mutações têm sido mais prehensive Cancer Network (NCCN) foram tam-
frequentemente associadas ao cancro do ovário bém revistas em 2016, tendo em consideração a
epitelial hereditário são: BRCA1, BRCA2, RAD51C, utilização de painéis multigénicos, com recomen-
RAD51D, BRIP1, BARD1, CHEK2, MRE11A, NBN, dações relacionadas sobretudo com a inclusão de
PALB2, RAD50, MLH1, MSH2, MSH6, PMS2 e genes de risco moderado. Para muitos destes genes
TP535,6. Mutações no gene STK11 foram associa- a informação/conhecimento atual ainda é limita-
das a tumores dos cordões sexuais e tumores das da e a deteção de variantes de significado clínico
células de Sertoli, no gene PTCH1 a fibromas do desconhecido é cada vez mais frequente. Por es-
ovário e no gene SMARCA4 a carcinoma de pe- tas e outras razões, o rastreio multigénico, ideal-
quenas células do ovário do tipo hipercalcémico. mente, só deverá ser oferecido no contexto de
É importante salientar, que mutações noutros genes equipas especializadas para o aconselhamento pré
que não BRCA1 e BRCA2, são individualmente e pós-teste9.
raras, contudo agrupadas podem representar uma
proporção significativa de casos. COMO SE PREVINE O CANCRO
Tendo em conta o recente desenvolvimento de DO OVÁRIO GENÉTICO?
tecnologias de alto rendimento, como a sequen-
ciação de nova geração, torna-se agora viável As mutações germinais nos genes BRCA são
(baixo custo, elevada qualidade e rapidez) o estu- responsáveis pela maioria do cancro do ovário
do de painéis multigénicos. Os estudos a decorrer genético. Neste contexto, a prevenção inclui vigi-
permitirão definir mais claramente a relevância, lância, salpingo-ooforectomia profilática (SOP) e
aplicabilidade e beneficio clínico do rastreio de quimioprevenção.
mutações nos genes mais recentemente identifi- A vigilância inclui realização de observação
cados como de suscetibilidade para o cancro do ginecológica, ecografia pélvica e endovaginal e
ovário hereditário. CA 125 sérico. Não é consensual a idade de início
Allison Kurian, do Stanford University Cancer e sua periodicidade e não está comprovado o seu
Institute (SCI), apresentou na reunião anual da benefício na redução da mortalidade por cancro
American Society of Clinical Oncology (ASCO) 2016, do ovário. Associa-se a um número elevado de
um estudo onde incluíram cerca de 96.000 mulhe- falsos positivos e a proporção de cancros do in-
res que foram testadas para um painel de 25 genes tervalo detetados durante a vigilância é elevada,
relacionados com cancro hereditário. Foram de- a maioria em estádios avançados.
tetadas mutações em 7% das doentes, das quais A SOP é a estratégia de prevenção mais eficaz.
44% nos genes BRCA1/2 e 56% noutros genes. Associa-se a redução de risco de cancro gineco-
Foi observada uma associação significativa com lógico associado a mutação BRCA de 80-96%,
história pessoal de cancro do ovário nos seguin- redução de risco de cancro da mama em cerca de
tes 11 genes: STK11, BRCA1, BRCA2, RAD51C, 50% e redução da mortalidade específica e glo-
RAD51D, MLH1, BRIP1, MSH2, MSH6, NBN e bal. Domchek, et al. e Finch, et al. confirmaram
ATM. em estudos prospetivos, uma redução de morta-
Num outro estudo, Susan Ramus, et al. testa- lidade global de 60 e 77% respetivamente10,11.
ram cerca de 3.000 mulheres com cancro do Durante o procedimento existe a possibilidade de

100 perguntas chave no cancro do ovário 53


M. Teixeira, et al.

deteção de cancro oculto (os estudos mostram verificam-se respostas em doença platino sensível
uma prevalência de 2,6 a 4,4%). e platino resistente; nos ensaios que incluíram
Deve ser esclarecido o risco cirúrgico, persis- doentes com cancro do ovário de alto grau, o
tência de risco de cancro do peritoneu (risco status de mutação BRCA assume um valor predi-
cumulativo entre 1 e 4,3%), indução de menopau- tivo de resposta ao olaparib. Os dois ensaios que
sa precoce e eventual necessidade de terapêutica avaliam terapêutica de manutenção com olaparib
hormonal de substituição. Recomenda-se a SOP documentam um benefício da sobrevivência livre de
a partir dos 35-40 anos e após completar descen- progressão no braço do olaparib (Ledermann, et
dência mas esta recomendação pode ser individua- al., HR 0,18; (0,11-0,31); p < 0,00001 e Oza, et
lizada atendendo à idade de diagnóstico de can- al. HR 0,21 (0,08-0.,55); p = 0,0015)12.
cro do ovário na família ou ao tipo de mutação O olaparib foi aprovado pela European Medi-
(a mutação BRCA2 associa-se a um menor risco cines Agency (EMA) em Outubro de 2014 na
de cancro do ovário e a idade de diagnóstico mais seguinte indicação: monoterapia como tratamento
tardia). de manutenção em doentes com cancro do ovário
Dado que o cancro ginecológico associado a platino sensível recorrente, com mutação BRCA,
mutação BRCA pode ter origem na porção distal após resposta a tratamento com quimioterapia
das trompas de Falópio, a fimbriectomia tem sido baseada em sais de platina.
sugerida como uma estratégia de redução de ris- Outros inibidores da PARP estão em estudo
co, oferecendo um adiar da menopausa cirúrgica. em ensaios de fase II e III (veliparib, rucaparib,
Este procedimento é investigacional não devendo niraparib, BMN 673) em monoterapia ou em as-
ser recomendado como atitude definitiva de re- sociação com quimioterapia, antiangiogénicos ou
dução de risco nas portadoras BRCA1/2. com inibidores da PI3K.
A quimioprevenção com anticontracetivos orais
(ACO) de baixa dosagem reduzem o risco de EXISTEM FATORES
cancro do ovário nas portadoras de mutação BRCA MODIFICADORES DA
em 44-60%. Existe uma correlação forte entre a PENETRÂNCIA BRCA1 E BRCA2?
duração de ACO e o grau de proteção de cancro
do ovário. Embora alguns estudos tenham mostra- Mutações patogénicas nos genes BRCA1 e
do um aumento de risco de cancro da mama com BRCA2 conferem alto risco de cancro da mama e
o uso de ACO, esta associação permanece contro- ovário. Todavia, o risco não é igual em todos os
versa. portadores de mutações nestes genes, podendo
variar consoante diversos fatores, entre eles, o
EXISTE TRATAMENTO ESPECÍFICO tipo de cancro, a idade em que surge e a localiza-
PARA O CANCRO DO OVÁRIO ção da mutação BRCA1/213,14. Esta variabilidade
GENÉTICO? na penetrância (penetrância: proporção de indiví-
duos portadores de uma mutação em que se
O cancro do ovário associado a mutação BRCA manifestará a doença) levantou a hipótese de que
quando comparado com o cancro do ovário es- outros fatores genéticos e/ou não genéticos pos-
porádico associa-se a taxas de resposta mais ele- sam modificar o risco de cancro nos portadores
vadas e aumento da sobrevivência global. A maior BRCA1/2. Um crescente número de estudos nes-
sensibilidade à quimioterapia sobretudo aos sais ta área tem vindo a contribuir para a identificação
de platina pode explicar o melhor prognóstico. de novos fatores.
As células com mutação BRCA, com défice da
reparação do ADN por recombinação homóloga, Localização das mutações BRCA1/2
são alvos ideais para inibidores da PARP, fármacos
desenvolvidos segundo o conceito de letalidade Através de estudos de correlação genótipo-fenó-
sintética. tipo, tem-se verificado que diferentes localizações
O olaparib é um inibidor PARP estudado em das mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, podem
vários ensaios de fase II. Alguns estudos incluíram estar associadas a diferentes riscos. Sabe-se que
exclusivamente doentes com mutação BRCA e o risco de cancro do ovário é consideravelmente

54 100 perguntas chave no cancro do ovário


Cancro do ovário hereditário

superior em portadores de mutação BRCA1, com- Tabela 1. Modificadores genéticos do risco de


parativamente com portadores BRCA2 (16-68% cancro do ovário
e 11-27%, respetivamente)13,14. Recentemente, Portadores BRCA1 Portadores BRCA2
Rebbeck, et al., através da análise de mais de
32.000 portadores BRCA, observaram que muta- Cromossoma SNP Cromossoma SNP
ções localizadas em determinadas regiões destes
2q33 D302H 2q31 rs717852
genes (BRCA1: c.1380 a c.4062; BRCA2: c.3249
a c.5681) parecem conferir um risco aumentado 2q36.3 rs1801278 2q36.3 rs1801278
de cancro do ovário [Ovarian Cancer Cluster Re-
2q36.3 rs13306465 3q25.31 rs2665390
gion (OCCR)]. Apesar de se localizarem no exão
11, estas regiões diferem ligeiramente das descri- 3q25.31 rs2665390 8q24 rs10088218
tas previamente e para além destas duas regiões,
foi ainda identificada uma região adicional no 4q32.3 rs4691139 9p22.2 rs3814113
gene BRCA2 (c.6645 a c.7471)14. 8q24 rs10088218 17q21.31 rs17631303

Modificadores genéticos 9p22.2 rs3814113 17q21.32 rs9303542

17q21.31 rs17631303 19p13.1 rs8170


Até à data, os maiores estudos sobre fatores
genéticos modificadores do risco de cancro ová- 19p13.1 rs8170 19p13.1 rs6739200
rio, são provenientes do Consortium of Investiga-
19p13.1 rs6739200
tors of Modifiers of BRCA1 and BRCA2 (CIMBA),
uma enorme colaboração internacional estabele-
cida em 2005, reunindo informação de mais de
15.000 portadores BRCA1 e 10.000 portadores
BRCA2, com respetivos genótipos/fenótipos. Uti- como modificadores do risco em portadores
lizando abordagens mais direcionadas (genes can- BRCA1/2, associando o número de filhos, o uso
didatos) ou Genome-Wide Association Studies de contracetivos orais, a laqueação de trompas e
(GWAS), este consórcio tem identificado diversos a anexectomia bilateral, a uma redução do risco
loci associados a diferentes riscos de cancro do de cancro do ovário13.
ovário (aumentado ou diminuído). Presentemente, Existe consenso relativamente à existência de
os principais fatores genéticos modificadores do fatores modificadores da penetrância em porta-
risco de cancro do ovário, incluem os loci indica- dores de mutação BRCA1 e BRCA2, sendo que a
dos na tabela 1. aplicabilidade deste conhecimento na gestão do
Mais recentemente, Kuchenbaecker, et al. do risco daqueles portadores, atualmente, apenas é
CIMBA identificaram seis novos loci de suscepti- consensual no que respeita à cirurgia preventiva.
bilidade para cancro do ovário: 1p36, 1p34.3,
4q26, 6p22.1, 9q34.2 e 17q11.215. A TERAPÊUTICA DE SUBSTITUIÇÃO
O risco conferido por estes single nucleotide HORMONAL ESTÁ INDICADA APÓS
polymorphisms (SNP) e outros modificadores gené- ANEXECTOMIA PROFILÁTICA?
ticos, são todos relativamente baixos, mas se forem
tomados em conta de uma forma global, poderão A menopausa induzida cirurgicamente provo-
ter um impacto significativo no risco de cancro ca uma redução abrupta dos valores do estradiol,
nos portadores de mutação BRCA1/2, e conse- progesterona e testosterona acompanhada por
quentemente uma futura aplicabilidade clínica. um aumento das gonadotrofinas. A realização de
SOP antes da idade da menopausa fisiológica
Modificadores ambientais, pode resultar no aparecimento de sintomas
hormonais e reprodutivos (afrontamentos e suores noturnos, dispareunia,
secura vaginal, disfunção sexual, alterações do
Outros estudos têm avaliado fatores ambien- sono), comprometendo a qualidade de vida e
tais/estilo de vida, hormonais e reprodutivos, pode associar-se a potenciais consequências a

100 perguntas chave no cancro do ovário 55


M. Teixeira, et al.

longo prazo: risco aumentado de osteopenia e (região intersticial) embora o risco de carcinoma
osteoporose, doença cardiovascular, dislipidemia, nesta localização seja negligenciável.
síndrome metabólico e alterações cognitivas. Realizar HT em associação à SOP aumenta a
A terapêutica hormonal de substituição (THS) complexidade do procedimento e risco cirúrgico,
pode ser considerada, na dose mínima eficaz, por custos e taxa de complicações.
um curto período de tempo e até à idade da
menopausa fisiológica (50 anos) para reduzir a BIBLIOGRAFIA
sintomatologia da deficiência estrogénica prema-
1. Folkins AK, Longacre TA. Hereditary gynaecological malig-
tura. Na ausência de histerectomia (HT) está indi- nancies: advances in screening and treatment. Histopa-
cada terapêutica combinada com estrogénios e thology. 2013 Jan;62(1):2-30.
progestagénios. 2. NCCN Guidelines. Genetic/familial high risk assessment:
breast and ovarian, v1 2017. September 19th 2016. Dis-
Em estudos realizados na população em geral, ponível em: http://www.nccn.org/professionals/physician_
a THS foi associada a risco de cancro da mama, gls/pdf/genetics_screening.pdf
3. Witkowski L, Carrot-Zhang J, Albrecht S, et al. Germline
sendo esse risco superior com a combinação de and somatic SMARCA4 mutations characterize small cell
estrogénios e progestagénios. Embora sejam es- carcinoma of the ovary, hypercalcemic type. Nat Genet.
cassos os estudos nas portadoras de mutação 2014;46(5):438-43.
4. Warren RD, Mensenkamp AR, Simons M, et al. Novel BRCA1
BRCA, Rebbeck, et al. concluíram que o uso de and BRCA2 tumor test as basis for treatment decisions and
THS não minimizou o benefício da SOP na redu- referral for genetic counselling of patients with ovarian car-
cinomas. Hum Mutat. 2016; doi: 10.1002/humu.23137.
ção de risco de cancro e Eisen, et al. mostraram 5. Pennington KP, Swisher EM. Hereditary ovarian cancer: be-
que o uso de THS não se associa a um aumento yond the usual suspects. Gynecol Oncol. 2012;124(2):347-53.
de risco de cancro da mama em portadoras de 6. The Ovarian Cancer Association Consortium (http://apps.
ccge.medschl.cam.ac.uk/consortia/ocac//)
mutação BRCA116. 7. Ramus SJ, Song H, Dicks E, et al. Germline mutations in
the BRIP1, BARD1, PALB2 and NBN genes in women with
EXISTE INDICAÇÃO PARA ovarian cancer. J Natl Cancer Inst. 2015;107(11).
8. Song H, Dicks E, Ramus S, et al. Contribution of germline
HISTERECTOMIA, ALÉM DA mutations in the RAD51B, RAD51C and RAD51D genes
ANEXECTOMIA, NA CIRURGIA to ovarian cancer in the population. J Clin Oncol. 2015;
33(26):2901-7.
PREVENTIVA DO CANCRO DO 9. New NCCN Guidelines for Hereditary Breast and Ovarian
OVÁRIO GENÉTICO? Cancer, June 8th 2016.
10. Domchek SM1, Friebel TM, Singer CF, et al. Association of
risk-reducing surgery in BRCA1 or BRCA2 mutation carriers
Relativamente às portadoras de mutação with cancer risk and mortality. JAMA. 2010;304(9):967-75.
BRCA, não existe uma indicação categórica para 11. Finch AP1, Lubinski J1, Møller P1, et al. Impact of oopho-
rectomy on cancer incidence and mortality in women with
associar a HT à SOP e a decisão deve ser indivi- a BRCA1 or BRCA2 mutation. J Clin Oncol. 2014;32(15):
dualizada (aconselhada se existir patologia benig- 1547-53.
na uterina). Realizar HT reduz o risco de cancro 12. Gunderson CC1, Moore KN. PARP inhibition in ovarian can-
cer: state of the science. Gynecol Oncol. 2015;136(1):8-10.
do endométrio induzido pelo tamoxifeno (utiliza- 13. Barnes DR, Antoniou AC. Unravelling modifiers of breast
do com tratamento adjuvante do cancro da and ovarian cancer risk for BRCA1 and BRCA2 mutation
mama ou como quimioprevenção) e simplifica a carriers: update on genetic modifiers. J Intern Med. 2012;
271(4):331-43.
ACO, se esta for considerada, eliminando a ne- 14. Rebbeck T, Mitra N, Wan F, et al. Association of type and
cessidade de associar um progestagénio à tera- location of BRCA1 and BRCA2 mutations with risk of
breast and ovarian cancer. JAMA. 2015;313(13):1347-61.
pêutica estrogénica. A HT reduz a possibilidade de 15. Kuchenbaecker KB, Ramus SJ, Tyrer J, et al. Identification
cancro do endométrio papilar seroso, embora of six new susceptibility loci for invasive epithelial ovarian
permaneça incerto se a mutação BRCA1 aumenta cancer. Nat Genet. 2015;47(2):164-71.
16. Meaney-Delman D, Bellcross CA. Hereditary breast/ovarian
o risco desta neoplasia e com este procedimento cancer syndrome: a primer for obstetricians/gynecologists.
é removida a totalidade da trompa de Falópio Obstet Gynecol Clin North Am. 2013;40(3):475-512.

56 100 perguntas chave no cancro do ovário


Capítulo 10

Investigação no cancro
do ovário

H. Nabais, N. Afonso e D. Pereira da Silva

O QUE É PERTINENTE INVESTIGAR ecografia transvaginal (ET). Não mostrou redução


NO CANCRO DO OVÁRIO – na taxa de mortalidade, mas associou-se a um
PREVENÇÃO E DIAGNÓSTICO aumento significativo de falsos positivos.
Na perspetiva de aumentar a sensibilidade do
No cancro epitelial do ovário (CO), diagnosti- CA 125, foi desenvolvido o Risk of Ovarian Cancer
cado em 75% dos casos, em estádios avançados Algorithm (ROCA). Este avalia as flutuações do
e com terapêuticas de eficácia limitada, a preven- CA 125 no tempo, a partir do valor basal, deter-
ção primária e secundária são determinantes. minando um risco estimado de CO através de um
Na prevenção primária conhecer os fatores de modelo matemático que integra as variações do
risco é crucial, sendo poucos os que têm hoje uma CA 125 e a idade da mulher. Por exemplo, o
evidência claramente demonstrada (Tabela 1)1, estudo que decorreu no Reino Unido (United
para além da idade, história familiar e algumas Kingdom Collaborative Trial of Ovarian Cancer
mutações genéticas. Screening [UKCTOCS]) obteve uma sensibilidade
Cerca de 5-15% dos casos de CO são heredi- de 89,5%, especificidade de 99,8% e um valor
tários, principalmente relacionados com mutações preditivo positivo de 37,5%, mostrando que é
nos genes BRCA1/2 e nos genes de reparação do possível detetar o CO em estádios precoces. No
ácido desoxirribonucleico (ADN) (síndrome de entanto, é necessário mais tempo de follow-up
Lynch). As novas metodologias têm permitido a para demonstrar se reduz a mortalidade e não
identificação de outros genes associados a esta aumenta o número de cirurgias desnecessárias
patologia, mas a sua relevância em termos de (falsos positivos)2.
risco e a definição do seu papel na prevenção Na população de alto risco, a fase 1 do ensaio
primária continuam em estudo. United Kingdom Familial Ovarian Cancer Scree-
O rastreio é uma área em investigação cons- ning Study (UKFOCSS) avaliou a determinação
tante, não se tendo determinado benefício com anual do CA 125 e a ET, não mostrando sensibi-
nenhuma das metodologias avaliadas, na popu- lidade para a deteção dos estádios precoces, em-
lação geral. bora aumente a taxa de cirurgias com citorredu-
Os principais desafios no rastreio do CO são ção completa. A fase 2 deste estudo (integração
dois. Em primeiro lugar, a janela entre o desen- do score ROCA de quatro em quatro meses e ET
volvimento da doença e a disseminação é muito anual) mostra uma sensibilidade entre 75-100%,
estreita, limitando a oportunidade para a deteção especificidade de 96,1% e um valor preditivo
precoce. Em segundo lugar, a especificidade tem positivo de 13%, aguardando-se dados de mor-
de ser muito alta para evitar cirurgias não neces- talidade3.
sárias e as suas eventuais complicações. Os novos conhecimentos em termos da he-
O estudo Prostate, Lung, Colorectal and Ova- terogeneidade e história natural do CO permi-
rian (PLCO) – Cancer Screening Trial avaliou a tem novas linhas de investigação sobre métodos
determinação simples do CA 125 associado à de rastreio, nomeadamente moléculas séricas

100 perguntas chave no cancro do ovário 57


H. Nabais, et al.

Tabela 1. International Agency for Research on Cancer (IARC) and World Cancer Research Fund (WCRF)/
American Institute for Cancer Research (AICR) classifications

Risco aumenta Pode aumentar o risco Risco diminui Pode diminuir o risco
(provas: suficiente (provas: limitado (provas: suficiente (provas: limitado
ou convicente) ou provável) ou convincente) ou provável)

Amianto Uso perineal de talco Contracetivos orais Aleitamento materno (24%)


Terapêutica hormonal em pó) (24-35%) (25-28%) Vegetais não-amiláceos
compensação (somente Radiação-X, radiação (não salgados
estrogénio – 53%) gamma ou em conserva)
Tabaco (31-49%) Adulto - IMC superior 28
IMC: índice de massa corporal.

específicas, ADN tumoral circulante, colheita de por critérios radiológicos e, eventualmente, lapa-
células (por exemplo, a nível cervical) para estudo roscópicos) ou quando exista uma contraindica-
de mutações, avaliação da microvascularização ção médica temporária à cirurgia5.
por ecografia, autoflorescência, avaliação de mu- Está em curso o ensaio Trial on Radical Upfront
tações de médio/baixo risco e fatores epidemio- Surgery in Advanced Ovarian Cancer (TRUST),
lógicos. que pretende estabelecer qual a melhor condu-
A existir rastreio eficaz, este será provavel- ta terapêutica nos estádios avançados e quais os
mente multimodal, integrando, para além de me- fatores de prognóstico, em termos de ressecabi-
lhores testes de rastreio, a estratificação de po- lidade e sobrevivência5.
pulações com riscos diversos. Embora controversa, a possibilidade de nova
cirurgia pode ser considerada nos casos em que
O QUE É PERTINENTE INVESTIGAR a primeira intervenção não tenha sido completa.
NO CANCRO DO OVÁRIO – Os dados conhecidos mostram que esta situação
CIRURGIA é aceitável quando a primeira cirurgia, que deve
ser de máximo esforço cirúrgico, não foi efetuada
Sendo a cirurgia a terapêutica de primeira linha por uma equipa de ginecologia oncológica.
na maioria dos casos de CO, persistem algumas Também a linfadenectomia é um ponto im-
controvérsias. portante de discussão. Nos estádios precoces, a
De acordo com as guidelines publicadas em linfadenectomia sistemática pélvica e para-aórti-
2016 pela Society of Gynecologic Oncology (SGO) ca tem um papel prognóstico, sendo necessário
e American Society of Clinical Oncology (ASCO), definir se tem significado terapêutico, e qual o
nos estádios avançados,a quimioterapia neoadju- número necessário de gânglios para se poder
vante com cirurgia de intervalo é uma opção quan- considerar um estádio N0. Nos estádios avançados
do a citorredução primária tem uma probabilidade, também não está claro qual a melhor conduta, se
baixa ou razoável, de a doença residual ser infe- a linfadenectomia sistemática ou se a citorredu-
rior ou igual a 1 cm4. ção das lesões macroscopicamente identificáveis,
No entanto, a controvérsia sobre o momento embora a maioria dos autores defenda que a
mais adequado para a cirurgia de citorredução primeira abordagem tem impacto positivo na
nos estádios avançados persiste. Muitos autores sobrevivência global (SG), na taxa de recorrência
continuam a considerar que a cirurgia primária e na resposta à quimioterapia6.
seguida de quimioterapia, deve ser o tratamento A cirurgia na recidiva também não é consen-
padrão. A quimioterapia neoadjuvante com cirur- sual, embora os ensaios mais recentes pareçam
gia de citorredução de intervalo (complementada mostrar que a citorredução completa aumenta a
por quimioterapia após a cirurgia) é para a maioria SG e a sobrevivência livre de doença em doentes
dos autores uma abordagem preconizada apenas selecionados. São vários os ensaios prospetivos
nas doentes com doença irressecável (definida em curso com o objetivo de esclarecer este

58 100 perguntas chave no cancro do ovário


Investigação no cancro do ovário

ponto, como são exemplo Descriptive Evaluation do CO, a investigação deve centrar-se na especi-
of Preoperative Selection Kriteria for Operability ficidade de cada subtipo histológico, com foco
in Recurrent Ovarian (DESKTOP) III e Surgery for em particulares alterações moleculares/genéticas8,
Ovarian Cancer Recurrence (SOCceR). e explorando biomarcadores que permitam iden-
No contexto da preservação da fertilidade, a tificar as doentes que mais irão beneficiar com
cirurgia conservadora é aceite para o estádio IA determinado tratamento. Nesse sentido, é impor-
G1/2, discutindo-se a possibilidade de alargar esta tante investigar grupos mais homogéneos e iden-
abordagem para os estádios IA G3 e alguns IC7. tificar “alvos” e vias de sinalização potencialmente
Se nesta abordagem estiver indicada quimiotera- associadas à sensibilidade/resistência a tratamen-
pia adjuvante, está por determinar qual a melhor tos. Já foram identificadas algumas terapêuticas
forma de proceder à proteção da função ovárica promissoras por se demonstrarem “específicas de
(por exemplo, os análogos GnRh e os inibidores subtipo histológico”6: no CO mucinoso, a oxalipla-
específicos da apoptose dos oócitos) e à preser- tina e as fluoropirimidinas; no CO de células cla-
vação de material genético (criopreservação de ras, os inibidores mammalian target of rapamycin
oócitos, de embriões e de tecido ovárico, e trans- (mTOR) (como o temsirolimus); e no CO com
plantação de tecido ovárico). mutação BRCA ou deficiência de recombinação
homóloga (mais frequente no CO epitelial não
O QUE É PERTINENTE INVESTIGAR mucinoso, particularmente no subtipo seroso de
NO CANCRO DO OVÁRIO? alto grau), os inibidores da PARP. Das vias de si-
TRATAMENTO SISTÉMICO nalização ou mutações importantes que poderão
levar à identificação de alvos terapêuticos, desta-
O tratamento sistémico do CO envolve cito- cam-se: via hormonal; via PI3KCA/AKT1/mTOR;
tóxicos convencionais eventualmente associados mutação TP53; mutação BRCA1/2/PARP1; mitogen-
ao antiangiogénico bevacizumab, quer no trata- -activated protein cinase 1 e 2 (MAP2K1/2) e MET
mento neoadjuvante ou pós-cirúrgico, quer em proto­ oncogene. Algumas doentes nunca apre-
contexto paliativo. A maioria das doentes respon- sentam resposta ao tratamento sistémico e um
de à quimioterapia à base de platino, mas a du- número significativo recidiva após uma resposta
ração da resposta é variável e frequentemente inicial, pelo que a investigação de mecanismos de
insatisfatória. resistência intrínseca ou adquirida, em particular
No desenho de ensaios clínicos no contexto os associados a alterações da via de reparação do
do CO recorrente, é importante considerar di- ADN, adquiriu grande importância9. O aprofun-
ferentes subgrupos em função do tratamento damento dos conhecimentos da biologia do CO,
anterior. Classicamente, estes subgrupos eram incluindo a importância no microambiente, e es-
definidos pelo intervalo livre de platino (ILTp). pecificamente da angiogénese, na capacidade de
Contudo, e de acordo com o 5th Ovarian Cancer invasão e metastização tumoral, justifica a conti-
Consensus Conference (OCCC) do Gynecologic nuação do estudo de agentes antiangiogénicos,
Cancer Intergroup (GCIG)12 de novembro de 2015, com a identificação de fármacos ativos e da me-
deve ser utilizada uma definição mais abrangente lhor forma de os integrar no tratamento. O papel
definida como “intervalo livre de tratamento” (ILT). da imunidade, nomeadamente dos tumor infiltra-
Esta designação considera a crescente utilização ting lymphocytes (TIL), suporta a investigação da
de esquemas de tratamento que não incluem imunoterapia nesta neoplasia, por se mostrar
platino e o uso de agentes biológicos, como an- promissor na identificação de novos fármacos para
tiangiogénicos, inibidores da poly (ADP-ribose) o tratamento do CO. A multiplicidade de trata-
polymerase (PARP) e imunoterapia. Assim, será mentos disponíveis para o CO justifica promover
considerado não apenas o ILTp, mas também o a investigação de novas estratégias terapêuticas
intervalo livre de tratamento não platino (ILTnp) para além da terceira linha de tratamento, assim
e o intervalo livre de tratamento com agente como estudos que incluam doentes com idade
biológico (ILTb). superior a 70 anos.
Na atual era da terapêutica individualizada, e Em resumo, a identificação da terapêutica sis-
tendo em consideração a heterogeneidade biológica témica “ótima” para cada doente, enquadrada

100 perguntas chave no cancro do ovário 59


H. Nabais, et al.

num subgrupo, de acordo com caraterísticas de doentes com mutação BRCA. A seleção ou estra-
tratamentos anteriores e com a sintomatologia tificação de doentes, em contexto de ensaio clí-
actual, passa pelo melhor conhecimento de dife- nico, em função do perfil histológico, genómico
renças biológicas e clínicas, de alterações genéti- ou de acordo com biomarcadores, é fundamen-
cas e moleculares e de formas de intervenção no tal, no entanto, constitui um desafio pela dificul-
microambiente tumoral (angiogénese e imunote- dade em obter o número de doentes necessário,
rapia), assim como por estabelecer o valor prog- particularmente nos subtipos menos frequentes.
nóstico e preditivo de resposta a tratamentos. Atualmente é aceite a inclusão do teste germi-
nativo BRCA, já validado, como fator de estrati-
QUAL A IMPORTÂNCIA ficação em ensaios clínicos de CO, sendo que
DA INVESTIGAÇÃO DE defeitos na recombinação homóloga e perda da
BIOMARCADORES NO heterozigotia aguardam ainda validação. Outros
CANCRO DO OVÁRIO? potenciais biomarcadores, como o p53 e a ciclina
E, poderão ser incluídos mas requerem mais in-
Muitos biomarcadores têm importância prog- vestigação para serem validados. A importância
nóstica, independentemente do tratamento rea- da validação, não apenas em termos preditivos,
lizado. Alguns estão associados ao risco de reci- mas também de sensibilidade e de especificida-
diva, por exemplo, a mutação KRAS ou BRAF de, de um biomarcador, é de elevada importân-
associam-se a menor risco de recorrência no CO cia, e é obrigatoriamente prévia à limitação de
seroso de baixo grau. Os biomarcadores conside- uma determinada terapêutica à população defi-
rados preditivos estão associados à resposta a nida de acordo com o marcador. Na atual inves-
determinado tratamento. Especificamente, no CO tigação clínica, a colheita de material do tumor
tem sido difícil identificar biomarcadores “predi- pré e pós-tratamento, assim como de células tu-
tivos de resposta”. Esta neoplasia é caraterizada morais ou ADN em circulação, permite a investi-
pela sua heterogeneidade, com uma variedade de gação de potenciais alvos terapêuticos, assim
subtipos distintos na biologia e na resposta a tra- como de mecanismos de resistência a terapêuti-
tamentos, e só será possível a terapêutica indivi- cas, e será fundamental para a evolução do tra-
dualizada através da identificação de biomarca- tamento do CO.
dores exequíveis, validados e reprodutíveis na
prática clínica, que permitam prever a probabili- QUAL O VALOR DA
dade de resposta a determinado tratamento7. A SOBREVIVÊNCIA LIVRE DE DOENÇA
impossibilidade, até à data, de identificar marca- E DA SOBREVIVÊNCIA GLOBAL
dores preditivos de resposta a inibidores do vas- COMO ENDPOINTS NOS ENSAIOS
cular endothelial growth factor receptor (VEGFR), CLÍNICOS DE CANCRO DO OVÁRIO?
no sentido de identificar doentes com maior pro-
babilidade de responder a antiangiogénicos, é A escolha do endpoint em cada ensaio clínico
elucidativa desta dificuldade no CO. De facto, em CO depende do objetivo pretendido, mas
não foi possível identificar nenhum biomarcador deve ser relevante e inequívoco10. A SG, como
preditivo do benefício do bevacizumab, e o be- endpoint primário, apresenta a grande vantagem
nefício da associação deste fármaco parece ser de ser de avaliação objetiva, independente do
independentemente do ILTp. Por outro lado, a investigador. A SG era considerada o endpoint
identificação de mutações BRCA1/2, presente em mais adequado quando eram menos as opções
cerca de 10-15% das doentes com CO epitelial na doença recorrente e com menor impacto na
não mucinoso, particularmente frequente no car- sobrevivência após progressão. Atualmente, com
cinoma seroso de alto grau, permitiu a constitui- a multiplicidade de terapêuticas para a doença
ção de um subgrupo diferente no prognóstico e recorrente, e a franca melhoria das terapêuticas
na resposta a fármacos, e justificou a sua inves- de suporte, há maior dificuldade em que estudos
tigação de forma independente. Esta investigação bem desenhados e que identificam terapêuticas
permitiu já confirmar a maior eficácia de fármaco com impacto na sobrevivência livre de progressão
inibidor da PARP (olaparib) no tratamento destas (SLP) revelem significância também a nível da SG.

60 100 perguntas chave no cancro do ovário


Investigação no cancro do ovário

Para além disso, a avaliação do impacto na SG disponíveis e, não infrequentemente, há falta de


implica a inclusão de grande número de doentes informação com desequilíbrio entre os dois ramos
e um longo período de seguimento, tornando os de tratamento. Ainda, para garantir a objetividade
estudos mais dispendiosos e muito demorados. A da informação fornecida pelos doentes, é neces-
permissão de crossover, planeado ou não planea- sário que sejam “cegos” relativamente ao trata-
do, permitindo ao braço “controlo” a possibilida- mento que lhes foi atribuído. Mantém-se a ne-
de de ser tratado com o fármaco investigacional, cessidade de recolher dados relativos à toxicidade
reduz, ainda mais, a probabilidade de que um independente dos PRO, para estabelecer o perfil
estudo que evidenciou melhoria, com significado de segurança do fármaco. Por outro lado, é difí-
estatístico, da SLP, venha a apresentar idêntico cil avaliar o impacto de uma terapêutica pela
impacto na SG. Tendo em consideração estas avaliação de PRO quando a doente se encontra
razões, a SLP passou a ser considerada um en- assintomática ou quando os sintomas que refere
dpoint adequado para ensaios clínicos no CO, estão associados a outro tipo de intervenção,
avançado pelo Gynecologic Cancer Intergroup em como, por exemplo, uma cirurgia prévia. Os ques-
2010. No recente 5th-OCCC do GCIG foram re- tionários utilizados na avaliação de qualidade de
definidos estes endpoints. Assim, para subgrupos vida, incluem PRO, tais como: o questionário va-
de doentes em que seja expetável sobrevivência lidado pela European Organization for Research
igual ou inferior a 12 meses, deve ser conside- and Treatment of Cancer (EORTC)-QLQ-C30; o
rada a SG como o endpoint mais adequado, Functional Assessment of Cancer Therapy-Gene-
uma vez que se espera uma SLP curta. Nos casos ral (FACT-G); o MD Anderson Cancer Centre’s
de sobrevivência expetável superior a 12 meses, Symptom Index (MDASI); o Patient-Reported Out-
é aceite a SLP como endpoint de eficácia. No comes – Version of the Common Terminology
entanto, são reconhecidas limitações à utilização Criteria for Adverse (PRO-CTCAE) e o Patient Re-
da SLP como endpoint no CO. A definição e ava- ported Outcome Measurement Information Sys-
liação subjetiva de progressão de doença e varia- tem (PROMIS). Uma ferramenta desenvolvida pelo
bilidade do momento em que são realizadas as GCIG, Measure of Ovarian Symptoms and Treat-
avaliações de resposta constituem a maior crítica ment (MOST), está atualmente em validação e
relativa a este endpoint. Estas questões poderão poderá vir a ser utilizada de forma global em
ser minimizadas através de estudos “cegos” e da estudos clínicos em CO.
uniformização de critérios de resposta e avaliação A impossibilidade de um endpoint isolado avaliar
por revisores independentes. No 5th-OCCC tam- fielmente benefícios e riscos de uma terapêutica
bém foi estabelecida a necessidade de resultados justifica a integração de múltiplos endpoints cen-
de SLP serem reforçados por outras medidas de trados, quer no tumor quer na doente, que deve
benefício clínico, como, por exemplo, o tempo incluir informação sobre: sobrevivência, taxa de
até terapêutica subsequente ou morte, ou patient resposta, progressão, toxicidade e PRO.
reported outcomes (PRO).
HISTÓRIA DA INVESTIGAÇÃO
QUAL A IMPORTÂNCIA DA NO CANCRO DO OVÁRIO
AVALIAÇÃO DOS INDICADORES
REPORTADOS PELOS DOENTES Foi no início do século XX, em 1904, que teve
(PATIENT REPORTED OUTCOMES)? lugar em Lisboa a primeira iniciativa com o obje-
tivo de criar uma comissão para o estudo do
Os PRO são atrativos por permitirem uma ava- cancro em Portugal. Foi a partir desse núcleo,
liação mais global da eficácia clínica, valorizando onde o Professor Francisco Gentil teve ação pre-
a perceção do doente relativamente ao tratamen- ponderante, que o Instituto Português de Onco-
to e, sobretudo, à toxicidade. No CO são particu- logia (IPO) teve a sua génese, vindo a ser fundado
larmente importantes na qualidade de vida das em Lisboa, no ano de 1923. Ficou sob a tutela
doentes: o controlo da dor; a menor necessidade do Ministério da Educação, o que sinalizava que
de paracentese e a normalização do trânsito in- a vertente do ensino e investigação estava na
testinal. Os PRO estão dependentes dos dados primeira linha da sua missão.

100 perguntas chave no cancro do ovário 61


H. Nabais, et al.

O conceito da necessidade de unidades espe- trabalhos publicados em revistas internacionais


cíficas de ensino, tratamento e investigação da de grande impacto.
doença oncológica foi-se afirmando, o que levou à
criação do Centro de Coimbra do IPO em 1953 e IMPORTÂNCIA DOS GRUPOS
do Centro do IPO Porto em 1974. Foi nos centros do COOPERATIVOS
IPO que se organizaram as unidades específicas
vocacionadas para a abordagem do cancro geni- A oncologia sempre teve um lugar de desta-
tal, nas quais o CO estava inserido. que no seio dos organismos científicos nacionais
Em Lisboa e no Porto, a organização dessas da área da ginecologia.
unidades tinha por base a cirurgia, a que se as- Foi no âmbito da Sociedade Portuguesa de
sociavam outras especialidades em grupos mul- Ginecologia (SPG) que foram criados, em 1983,
tidisciplinares: anatomia patológica; ginecologia; dois grupos cooperativos: Grupo Cooperativo de
medicina interna na vertente do tratamento médico Cancro da Mama e Grupo Cooperativo de Cancro
(não estava formalizada a especialidade de oncolo- Ginecológico (GCCG). Além de Carlos Freire de
gia médica); radioterapia e radiologia. Progressiva- OIliveira e Maria Teresa Osório, personalidades
mente evoluiu-se para um papel mais preponderan- impulsionadoras da ginecologia oncológica no
te da ginecologia e da oncologia médica. país, deve ser referido também o papel do Dr.
Cabe aqui destacar o papel desempenhado Menezes e Sousa, na área cirúrgica e da Dra. Vera
em Coimbra pelo Professor Carlos Freire de Olivei- Tomé, na área da oncologia médica e da investi-
ra, com repercussões nacionais e internacionais. gação clínica. O GCCG teve um papel dinamiza-
Esteve sempre vocacionado para a oncologia, em dor e de articulação entre os serviços que tinham
particular para o CO, como foco dos seus interes- unidades vocacionadas para esta área – serviços
ses profissionais, e foi pioneiro da participação de de ginecologia dos três centros do IPO, do Hos-
centros portugueses na EORTC. Esta participação pital da Universidade de Coimbra (HUC) e da
levou à inclusão de doentes em ensaios clínicos e Maternidade Bissaya Barreto – mas envolveu pro-
o envolvimento noutras iniciativas da EORTC, que gressivamente todos os serviços do país que ti-
foram também marcantes para a investigação do nham alguma casuística em tumores do ovário.
CO entre nós. O mesmo aconteceu nos centros Foi lançada uma base de dados sobre a prevalên-
de Lisboa e do Porto do IPO, com destaque para cia dos tumores raros do ovário, que deu origem
a ação determinante desempenhada no Porto a uma apresentação num congresso de ginecolo-
pela Dra. Maria Teresa Osório, que foi uma im- gia. Divulgaram-se os ensaios clínicos internacio-
pulsionadora marcante daquele centro para o seu nais em curso na época, o que levou ao aumen-
envolvimento progressivo nas atividades de inves- to da inclusão de doentes nesses estudos e a um
tigação e difusão de resultados. Foram fases de incremento da participação nacional na EORTC.
grande desenvolvimento, onde se criaram os gru- O GCCG evoluiu para a criação da Associação
pos cooperativos de estudo do cancro ginecoló- Portuguesa de Investigação Oncológica (APIO). A
gico, desenvolveram-se trabalhos cooperativos de ginecologia oncológica ganhava progressivamen-
índole nacional e passaram-se a registar os dados te foro de disciplina com conteúdo específico e
de vários centros nacionais no Annual Report da necessidade de especialização a nível internacional,
International Federation of Gynecology and Obs- o que motivou a criação em Portugal dos Ciclos
tetrics (FIGO). de Estudos Especiais em Ginecologia Oncológica
A emancipação da oncologia médica como a partir de 1991. A dinâmica estava criada e foi
disciplina autónoma desempenhou um papel de com naturalidade que surgiu, em 1996, a Secção
normalização da atividade asssistencial e de in- Portuguesa de Ginecologia Oncológica (SPGO)
vestigação do CO. Houve reforço da multidiscipli- no seio da SPG.
naridade e da implementação de ensaios clínicos A SPGO teve um papel importante no desen-
como peça estrutural da abordagem do CO. volvimento desta área da especialidade, com
O desenvolvimento de grupos de investigação várias iniciativas de trabalhos cooperativos e
no nosso país desde o início do século XXI, teve com a publicação em 2003 das primeiras guide-
repercussões na investigação sobre CO com lines nacionais sobre diagnóstico, tratamento e

62 100 perguntas chave no cancro do ovário


Investigação no cancro do ovário

seguimento do cancro ginecológico, entre os Nos centros oncológicos que tratam doentes
quais estavam as linhas de orientação sobre o com CO, a orientação diagnóstica, terapêutica ou
CO. Os consensos foram regularmente revistos e outra, deve ser efetuada sempre por equipas mul-
mantêm plena atualidade e importância nos dias tidisciplinares especializadas. As diferentes áreas
de hoje. médicas deverão ter elementos dedicados/dife-
renciados em ginecologia oncológica
FORMAÇÃO EM GINECOLOGIA Entretanto, é essencial desenvolver modelos
ONCOLÓGICA. O QUE FALTA de formação dos futuros ginecologistas oncoló-
DESENVOLVER? gicos, por forma a integrar as recomendações
das principais organizações profissionais de que
A abordagem multidisciplinar, em centros de são exemplo a European Society Gynaecological
referência, é a mais indicada na gestão do diagnós- Oncology (ESGO)11; a European Society of Me-
tico, tratamento e seguimento das doentes com CO. dical Oncology (ESMO); a European Society for
No que se refere aos especialistas em ginecologia, Radiotherapy and Oncology (ESTRO); a European
de acordo com a portaria n.o 613/2010, o progra- Society of Pathology (ESP); a European Society
ma de formação da área profissional de especiali- of Urogenital Radiology (ESUR). Estes programas
zação de ginecologia/obstetrícia, inclui a ginecolo- deverão incluir, pelo menos, duas áreas princi-
gia oncológica como um estágio opcional com pais: as ciências básicas (anatomia, genética,
uma duração máxima de seis meses, assegurando patologia, estatística e epidemiologia, microbio-
apenas uma formação generalista. Uma diferencia- logia, bioquímica, biofísica, imunologia e farma-
ção consistente em ginecologia oncológica é essen- cologia) e as ciências clínicas (ginecologia onco-
cial, como se demonstra nas taxas de sobrevivência lógica, senologia, imagem, tratamento cirúrgico,
do tratamento cirúrgico do CO, quando efetuado tratamento não cirúrgico, psicologia e cuidados
por uma equipa de ginecologia, geral ou oncológica. paliativos).
Nos Estados Unidos da América (EUA), a su- Por fim, é importante definir o número neces-
bespecialidade de Ginecologia Oncológica foi sário de ginecologistas oncológicos, oncologistas
estabelecida em 1972 com o desenvolvimento de médicos, radioterapeutas e especialistas de outras
programas de formação de três anos, após a áreas médicas e biomédicas, para uma cobertura
especialidade. Em Portugal, o reconhecimento da nacional adequada, para que se possa garantir a
subespecialidade pela Ordem dos Médicos (OM), formação atempada e eficiente.
a criação da respetiva seção e o estabelecimento
dos critérios de admissão, constituem um marco COMO IMPLEMENTAR MEDIDAS
definitivo na diferenciação e na qualidade. DE AVALIAÇÃO DE QUALIDADE
Em 2016, o colégio da subespecialidade definiu NO TRATAMENTO DO CANCRO
os critérios para o reconhecimento de idoneidade DO OVÁRIO?
formativa em ginecologia oncológica; e com base
nesses parâmetros foram identificados os serviços O cancro avançado do ovário é para o gine-
a quem foi conferida idoneidade para o efeito: cologista oncológico o desafio mais difícil.
centros dos IPO de Lisboa, Porto e Coimbra; Cen- A abordagem diagnóstica, terapêutica e de
tro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC); seguimento deve ser multidisciplinar, para a qual
e Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca. São devem concorrer, pelo menos, o anatomopatolo-
requisitos essenciais, a apresentação de dados de gista, o ginecologista oncológico, o radiologista
avaliação anual, o controlo de qualidade e audi- e o oncologista médico.
torias internas, a formação interna organizada, um As normas de orientação devem estar perfei-
número mínimo de novos casos/ano e uma equi- tamente definidas: protocolos de diagnóstico,
pa multidisciplinar que integre ginecologistas com onde estão claramente definidos os elementos a
experiência cirúrgica em CO, patologistas, radio- fornecer e a pedir aos serviços de radiologia e
logistas, oncologistas médicos, radioterapeutas, anatomia patológica; protocolos de tratamento e
fisiatras, psicólogos, técnicos de serviço social e de seguimento. Os procedimentos devem ser re-
enfermeiros. gistados em fichas próprias que devem conter os

100 perguntas chave no cancro do ovário 63


H. Nabais, et al.

elementos indispensáveis a preencher para efeitos de enfermagem a descrição dos eventos adversos
de controlo de qualidade. deve ser feita recorrendo às escalas internacionais
É indispensável que cada centro tenha uma validadas para o efeito (Nacional Cancer Institute
casuística mínima, de modo que todas as equipas [NCI]). A avaliação de resposta deve estar clara-
que interferem na orientação do CO tenham a mente expressa no processo clínico.
necessária experiência. Alguns centros europeus As avaliações internas e externas deveriam ser
de referência apontam para a necessidade de efetuadas periodicamente, tendo como objetivo
100 a 140 casos por ano de cancro genital, por uma melhoria contínua dos cuidados de saúde
centro. Em Portugal o Colégio da Especialidade prestados pelos diferentes centros que tratam
de Obstetrícia e Ginecologia indicou em 2016 o doentes com CO.
mínimo de 100 casos/ano. Dada a complexidade da abordagem do CO
É fundamental proceder à avaliação temporal (diagnóstico em estádios avançados, alta morta-
da prestação de cuidados: da primeira consulta lidade), é fundamental referenciar esses casos para
ao primeiro tratamento, com registo dos tempos os centros com experiência na abordagem multi-
imputáveis à doente. Assume-se que entre a pri- disciplinar desta patologia.
meira consulta e a decisão terapêutica devem
mediar duas semanas, e igual tempo para o pri- BIBLIOGRAFIA
meiro tratamento.
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Está por demais demonstrado que no trata- sifications by cancer sites with sufficient or limited evidence
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tados. Com esta preposição não se pretende trial [erratum in Lancet. 2016;387(10022):944]. Lancet.
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