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KARL HEINRICH MARX,


PRESENTE!

Hoje se celebra os 203 anos de nascimento Marx 1.


Julgamos importante apresentar ao nosso leitor um breve percurso de um
dos maiores revolucionários da história. Não faremos aqui um esboço
biográfico (uma ótima biografia já foi escrita por Lênin), tampouco uma nota de
“AllesGute zum Geburtstag” (feliz aniversário). Este ano de 2018 (hoje, 2021)
marca o que vem se chamando de Marx 200 (agora, 203 anos), mas o que
poucos dizem é que se trata de mais de duzentos anos do nascimento de um
dirigente político revolucionário que dedicou a sua vida à construção de um
partido internacional sobre controle dos trabalhadores, contra a burguesia e os
reformistas de todo tipo.
Diante da grande crise do capitalismo (atenuada com a pandemia), da
brutal necessidade de realização da composição orgânica do capital, de
desespero em relação a queda da taxa de lucros e a implacável austeridade à
classe trabalhadora, Karl Marx continua atual para o nosso tempo presente e
revolucionário como sempre o foi.
Gostemos ou não deste revolucionário, ele é, há mais de um século, a
principal referência crítica à Economia Política e também à Economics

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Esse mesmo texto foi publicado em 2018 quando dos 200 anos de Marx sob o título “Algumas
palavras sobre Marx”. Republicamos agora porque acreditamos que o seu conteúdo continua
vivo. A publicação original pode ser acessada aqui:
https://teoriaerevolucao.pstu.org.br/algumas-palavras-sobre-marx/
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(Economia, como se diz hoje), tão reivindicada pelos analistas financeiros das


mais diversas matrizes teóricas.
Gostaria de chamar atenção para o projeto da modernidade burguesa.
Este projeto não está escrito em apenas um conjunto de papéis, mas
construído na formação de uma nova sociedade do decorrer dos séculos que
marcam a passagem da sociedade feudal para a capitalista. A modernidade
burguesa apresentou, emblematicamente, a partir da Revolução Francesa, um
projeto universal, e para Marx esse projeto era revolucionário.
Entretanto esse caráter revolucionário deu lugar ao aspecto reacionário
deste projeto, uma vez que a universalização fora abandonada no mundo
prático, delegando à maioria da população um lugar cada vez mais medíocre e
animal.
Neste percurso de retrocesso do projeto da modernidade, parte da
burguesia esclarecida, educada no seio do projeto inicial da modernidade, se
revoltará contra a própria classe e dará vida a uma das mais poderosas
perspectivas críticas de toda sociedade burguesa.
Nossos leitores que estiverem ligados a um marxismo banhado pelo
stalinismo tremerão todos os ossos e arrepiarão todos os pêlos agora: Marx
representa parte desta elite ilustrada que não vê mais nenhuma possibilidade
de realização do projeto da modernidade e desenvolverá ao lado de outros
intelectuais uma trajetória antitética de sua própria classe de origem. Estamos
dizendo que Marx é fruto do desenvolvimento da sociedade burguesa e que
este se volta contra a própria burguesia que o educou, mesmo estando em solo
prussiano. É um evento histórico que nenhum historiador honesto pode negar.
E nisto não há nenhum problema moral e teórico na construção do pensamento
marxiano. A burguesia ao negar o seu caráter revolucionário ao chegar ao
poder, “empresta” de suas próprias fileiras uma das maiores potências da
plataforma revolucionária do século XIX!
A superação de Marx, ou ainda, o momento emblemático da superação
por Marx da perspectiva democrática liberal não se deu apenas com os
estudos universitários. Estes foram fundamentais, mas é a partir das
intervenções no mundo material (com pretensões transformadoras) é que fora
se construindo o Marx que procuramos conhecer hoje. O que estamos
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apontando aqui é o papel da práxis na constituição do pensamento marxiano,


nos anos de 1840, mas principalmente a partir da segunda metade desta data.
Marx, em 1842 trabalhava no jornal chamado Rheinische Zeitung (Gazeta
Renana) onde se posiciona a favor dos camponeses da Renânia ao passo que
a burguesia negociava com o governo de Frederico Guilherme IV. A ação no
jornal diante do tempo presente exigia de Marx um tipo de tempo que o
trabalho acadêmico não possui. Diante disso, da perseguição e fechamento do
jornal, Marx se auto exila e resolve residir em Paris, sobretudo com a
necessidade de se formar para encarar o mundo que se apresentava. Paris era
o local onde algumas liberdades políticas estavam garantidas (por algum
tempo) e Marx possuía o objetivo de fundar uma revista impressa, os Anais
Franco-Alemães com fito de ser enviada à Prússia clandestinamente.
Em 1843 se casa com Jenny von Westphalen (o grande amor de sua
vida) e parte para Paris. Com direito há algumas semanas por Kreuznach,
durante esse tempo se dedica a leitura e critica da filosofia do direito de Hegel
publicada anos antes em 1821. Redige o texto a partir dos seus estudos
críticos sobre estado e sociedade civil em Hegel. Para Hegel o Estado fundava
e organizava a sociedade civil que existia em caos. Marx não concordava com
isso, mas também não tinha claro2 como encarar essa esfinge.
Chega a Paris e vai morar em uma casa de exilados alemães. Em 1843
reconhece que algo chama sua atenção (os clubes operários, a tradição
comunista, o mundo industrial mais avançado) e é nesse momento que nasce,
ou melhor, vai se constituindo com mais clareza, o Marx que conhecemos hoje.
Antes disso temos um jovem democrata radical, mas que agora se deparará
com algo concreto que é a vanguarda do proletariado. Dedicando-se ao projeto
da revista, vai conhecer Friedrich Engels. Em 1843-1844 Engels está
trabalhando na fábrica do pai em Manchester 3. O contato em Paris não foi dos

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Atenção, “não tinha claro”, significa que neste momento de sua trajetória ainda lhe faltam
elementos para a síntese e caracterização do tempo presente. Estes elementos estão em
construção no pensamento marxiano e não é possível afirmar que em 1843 Marx tivesse todos
os elementos necessários para a publicação de sua “Para a Crítica da Economia Política”, isso
só ocorrerá em 1859. Assim, “não tinha claro” é muito diferente de “não sabia o que fazer”, uma
leitura séria e atenta perceberá essa diferença com facilidade.

3
Para uma visita à história da fábrica de algodão Ermen & Engels , acessar aqui:
https://industriemuseum.lvr.de/de/die_museen/engelskirchen/baumwollspinnerei_ermen___eng
els/geschichte_4/geschichte_8.html
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melhores (assim como o primeiro em Colônia em 1842), pois Marx não


simpatizara muito com o jovem Engels, filho de industrial e supostamente
ligado aos idealista de Berlim. Entretanto, em 1844, Marx recebe um texto de
Engels (Um breve esboço4) e que o surpreende completamente. Texto que traz
à tona suas preocupações levantadas em Kreuznach. Engels é que aponta
para Marx o caminho da crítica! É aqui que Marx toma a importância da
economia política e como entender a sociedade civil: era através da economia
política burguesa.
No final de 1844, Engels retorna da Inglaterra, passando por Paris e
estabelece sólida interlocução de idéias com Marx, iniciando ai uma
colaboração intelectual que durou a vida toda e resultando em trabalhos como
“A Sagrada Família”, “A Ideologia Alemã” 5 e “O Manifesto do Partido
Comunista”. É também em Paris que Marx tem contato com o proletariado e a
tradição que vem de François Babeuf à Louis Auguste Blanqui através das
associações e o movimento operário de Paris. Temos aqui um salto na
compreessão de Marx sobre o presente como história (1843-1844). Vincula-se
ao movimento operário, digo, aos trabalhadores da tradição comunista e a
tradição do movimento operário e é Marx que irá vincular estas duas tradições
através de seus trabalhos durante a sua trajetória como investigador, militante
e dirigente.
Em 1844- 1847 o problema ainda esta colocado para Marx, o das
relações sociais em seu tempo presente. Em 1845 é expulso de Paris onde
colaborava com jornais de exilados alemães. Vai para Bruxelas, agora como
exilado e contacta a Liga dos Justos resultando daí um congresso da Liga 6 em

4
Em alemão:“Unrisse zu einer Kritik der Nacionalökonomie”. Texto traduzido e publicado para o
Português sob o título: Esboço para uma crítica da economia política. Acesso aqui:
http://www.verinotio.org/sistema/index.php/verinotio/article/view/589/478

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Trabalhamos com a edição da Editorial Boitempo (MARX & ENGELS, 2007), consultando
ainda as edições da Hucitec (MARX & ENGELS, 1986) e Presença de Portugal (MARX &
ENGELS, 1974).

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Em 1844 a Liga procura Engels para uma interlocução, mas o próprio não se afina com os
posicionamentos da mesma. Em 1845 Marx é contactado pela Liga, e o posicionamento não foi
diferente ao de Engels. Uma organização clandestina não correspondia as aspirações de
organização de Marx e Engels. Apenas depois, na antessala de 1847 é que a liga retoma a
tentativa de interlocução e obtém sucesso com Engels, e somente posteriormente com Marx,
estava dada a oxigenação necessária para esta organização e que assim mesmo não durará
por muito tempo, dissolvendo-se tempos depois em 1852.
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1847 na cidade de Londres, passando a se chamar Liga dos Comunistas e


apresenta um programa ao mundo político em início de fevereiro de 1848, era o
Manifesto do Partido Comunista, em nome de uma organização política (de um
partido). Neste mesmo momento 1848 estoura a Primavera dos Povos.
Marx retorna a Paris, fica algumas semanas. Com o ascenso de 1848 o
governo provisório cancela o ato de expulsão de Marx que volta para Renânia
e cria um novo jornal “A Nova Gazeta Renana”. Desta vez, um periódico com
objetivo de orientar a revolução alemã e que termina com a repressão absoluta
e que o faz retornar para o exilio partido em 1849 novamente para Paris, rumo
à Inglaterra. Em 1850, em Londres a desgraça se estabelece de vez para toda
família Marx. Foram várias calúnias, principalmente a de que seria um agente
prussiano nos textos de Vogt 7, a pauperização, a morte do filho, as doenças na
família, a falta de dinheiro, e, contraditório a tudo isso, a sua maior aplicação
aos estudos da economia política que deu vida a publicação em 1859 de “Para
a crítica da economia política”. Foi considerando esta totalidade que nos
lançamos à algumas palavras sobre Karl Marx.
Hoje, em 2018 (atual 2021), seria um absurdo, diante da crise,
procurarmos entender apenas um Marx analista da sociedade capitalista. Marx
era um revolucionário de primeira linha e nesta perspectiva uma das condições
revolucionárias é entender o que se deseja revolucionar, sem se limitar a
escrivaninha ou a biblioteca, é necessário ir às ruas, colocar as mãos na
massa… banhar-se na classe trabalhadora, ser parte dela!
O papel do proletariado francês é de um pontapé radical na formação de
Marx! Dirão os filisteus: “mas ele teve acesso apena a vanguarda do
proletariado”. É verdade e o papel desta vanguarda proletária significou mais
do que toda a biblioteca de Berlim na cabeça de Marx!

7
Carl Vogt foi representante da esquerda na Assembleia Nacional de Frankfurt entre 1848-49.
Em 1859 defende publicamente a política externa (neo)napoleônica o que lhe custará
acusações de ser também um agente do bonapartismo (Napoleão III) e corruptor de
intelectuais a favor dos interesses de Napoleão sobrinho. O jornal Das Volks, que recebia
colaborações de Marx e Engels, divulga um panfleto anônimo contendo estas acusações e é
claro de Vogt abrirá um processo. Por conta do anonimato o Das Volk (O Povo) teve que
responder e Vogt acusa Marx como o conspirador e desferindo uma série de acusações que
custou à Marx muito nervoso logo no momento em que escrevia a   sua primeira versão pública
da Crítica em 1859. Marx soube esperar e após a publicação reunirá uma série de texto e não
deixará a polemica com Vogt e a crítica a esse será avassaladora. Marx também processou
Vogt, mas a justiça prussiana não aceitou, pois entendia que Vogt não tivera a intenção de
ofender Marx (evidente posicionamento esperado do governo prussiano, tratando-se de Marx).
Soube-se que Marx não era o autor do folheto anônimo, mas Karl Blind.  
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Sem jamais ignorar as bibliotecas, a classe trabalhadora tem um papel


revolucionário na formação de Marx, principalmente quando se instala em
Londres (isso também é extensivo a Engels).
Diferente de Marx, hoje, muitos de nós desejamos transformar a
sociedade capitalista a partir dos departamentos universitários, da burocracia e
até mesmo a partir de partidos radicalmente degenerados… pois bem… isso
não acontecerá desta maneira, não na perspectiva marxiana.
203 anos depois, as referências de Marx continuam sólidas e a
composição orgânica do capital, absolutamente é a mesma em seus
fundamentos! Se Marx está morto, sua contribuição revolucionária está mais
viva do que nunca! Assim como a classe trabalhadora internacional!
MARX, PRESENTE!

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