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UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL E SUDESTE DO PARÁ (UNIFESSPA)

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM


HISTÓRIA
MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA

YURI ALEXANDRINO BANDEIRA

Resumo de “Apologia da História ou O Ofício de Historiador” de Marc Bloch.

Marabá - Pará
2021
YURI ALEXANDRINO BANDEIRA

Resumo de “Apologia da História ou O Ofício de Historiador” de Marc Bloch.

Trabalho parcial da disciplina do curso


Mestrado Acadêmico em História da
Universidade Federal do Sul e Sudeste do
Pará, exigido como requisito para obtenção de
conceito na disciplina Seminário de Pesquisa.

Professor Dr. Geovanni Gomes Cabral

Marabá - Pará
2021
Resumo de “Apologia da História ou O Ofício de Historiador” de Marc Bloch.

Marc Léopold Benjamin Bloch foi um importante historiador francês e um dos


fundadores, em 1929 da revista Annales, que posteriormente se configuraria em Escola dos
Annales. Entre as obras mais importantes do autor podemos destacar “Os Reis Taumaturgos”
de 1924, e a “Apologia da História (ou O Ofício de Historiador)” publicado em 1949, após a
sua morte, por seu amigo Lucien Febvre. Nesse trabalho vamos nos ater a essa última obra.
Obra esta cercada por um contexto, no mínimo, lastimável, por ter sido elaborada por Bloch,
enquanto esse se encontrava em cárcere em um campo de concentração, durante a ocupação
da França pela Alemanha, na segunda grande guerra. O historiador francês escrevera suas
ideias em folhas aleatórias e sem ajuda de bibliografia e outros meios de consulta. Essa tão
importante obra não pode ser concluída, pois, em 1944, Marc Bloch foi morto por
fuzilamento.

“Apologia da História” é uma obra com muitos significados. Organizado em cinco


capítulos (estando o último inacabados) além de trazer reflexões sobre os métodos e técnicas
da ciência histórica, traz também críticas ao historicismo e positivismo da “velha história”
costurando um diálogo direto com a ideologia defendida por Bloch na Escola dos Annales. De
acordo com o autor, o que lhe instigou a escrever tal obra sobre a operação da história e suas
especificidades foi o questionamento de um filho “Papai, então me explica para que serve a
história” (p. 41), o livro seria então a resposta ao seu filho. O que nos leva a primeira questão
levantada por Bloch: é necessário que o historiador seja capaz de apresentar, com clareza, seu
trabalho tanto para os “doutos” quanto para os “escolares”, ou seja, para os leigos e não leigos
na área da história. Em outras palavras, é preciso se fazer entender pelos seus pares, mas
também pelos seus filhos, alunos, a comunidade, seus vizinhos, seus pais, em termos gerais, a
sociedade em sua diversidade.

Para não deixar confusões e margens para interpretações errôneas, e com licença para
a pessoalidade, aqui Bloch não defende o abandono da erudição na construção do trabalho
histórico, mas reitera que é preciso que esse trabalho chegue de alguma forma aqueles que até
então eram ignorados, tanto como objeto da história, como leitores. Se não na letra do método
através de artigos, teses e dissertações - que pode parecer rebuscada e complicada para os
externos a área – na prática social, através, por exemplo, do ensino de história e de trabalhos
políticos de base.
Voltando para o discurso do método de Marc Bloch, este enxerga a história como um
trabalho poético e divertido, opinião própria do autor, ao mesmo tempo que eleva a
importância de seus métodos operacionais específicos, o que caracteriza e valoriza a história
como ciência. É através dessas minuciosas técnicas que a história se configura como ciência
humana. Seu grau de importância não está abaixo de nenhuma outra área das ciências, seja
humana ou exata.

No primeiro capítulo, intitulado “A história, os homens e o tempo”, Marc Bloch se


preocupa em destrinchar os termos “história”, “homens” e “tempo”, suas relações e suas
utilizações como objeto da história. No tópico “A escolha do historiador”, Bloch faz uma
crítica a palavra “história”, afirmando ser essa muito antiga e que em muitos momentos já se
considerou “riscá-la completamente do vocabulário”, devido a sua limitação etimológica para
o debate epistemológico – principalmente na língua portuguesa. Entretanto, apesar de mantido
o termo, a história se ressignificou e não é mais “aquela que escrevia Hecateu de Mileto” (p.
51). No tópico “A história e os homens”, o autor declara que é errado considerar o passado
como objeto da história e que isso, por si só, é uma ideia absurda. Já dialogando com o tópico
“O tempo histórico”, Bloch afirma que é a história é a ciência dos homens no tempo. Sendo
assim é a ação dos homens através do tempo o objeto da ciência histórica, superando aquela
história dos grandes feitos e de fatos, defendida pelo positivismo. Como Marc Bloch
metaforicamente afirma “(...) o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja
carne humana, sabe que ali está a sua caça” (p. 54).

Ainda no primeiro capítulo o autor faz uma reflexão sobre “O ídolo das origens” e
sobre “Passado e presente”. O autor defini a origem como “um começo que explica” ou pior
ainda “que basta para explicar” e ressalta que a busca por essa origem, essa glorificação do
primitivo não é viável e nem operacional pois nunca se chegará a uma origem de fato. Não
existe um ponto de partida, pois o contexto da origem de um certo elemento e cercado por
muitas outras variantes, sendo assim, essa busca pela origem um trabalho impossível. Até
mesmo por que o historiador fala do seu próprio tempo, isto é, analisa o passado estando no
presente. O que nos leva ao debate sobre passado e presente. O autor descreve o “presente”
como “(...) um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um instante que mal nasce
morre. Mal falei, mal agi e minhas palavras e meus atos naufragam no reino de Memória” (p.
60). Para o autor esses dois elementos se relacionam de uma forma que se complementam: é
preciso conhecer o passado para compreender o presente, da mesma forma que é preciso
compreender o contexto do presente para poder analisar o passado. Nas palavras de um
querido professor: o historiador se debruça sobre o passado com os pés fincados no presente.
Ou seja, a perspectiva do historiador sempre será condicionada pelo contexto do seu tempo.

No segundo capítulo, “A observação histórica”, Marc Bloch se aprofunda no debate


sobre os métodos de pesquisa. Afirma que o historiador é incapaz de constatar por conta
própria os fatos que estuda, pois só pode ter acesso a estes através dos testemunhos. Isto é,
constrói o conhecimento através de vestígios encontrados nos testemunhos. Como encontrar
esses vestígios? Através da suspeita. É papel do historiador perguntar ao documento, instigar,
indagar, provocar com questionamentos para assim extrair a matéria prima necessária para a
fabricação do seu produto. Dessa forma é preciso que o historiador encare o documento
armado de perguntas. A observação histórica precisa ser incisiva e minuciosa, pois para o
autor “Nunca [em nenhuma ciência,] a observação passiva gerou algo de fecundo.” (p. 79).

Outro problema levantado por Mar Bloch nesse capítulo é a diversidade dos
testemunhos e os obstáculos que o historiador pode encontrar na busca desses documentos.
Aqui o historiador encontra seus limites. Os documentos não surgem como um passe de
mágica ou um milagre divino para consulta do historiador. A existência desses documentos
em bibliotecas e arquivos tem intenção humana por trás. Ou seja, é carregado de interesses.
Chegar a esses documentos, o que o historiador defini como “caça aos documentos”, é uma
das tarefas mais difíceis para o historiador. Que tem sua dificuldade elevada por outros fatores
como “a negligência, que extravia os documentos; e [, mais perigosa ainda,] a paixão pelo
sigilo”, isto é, a perda e destruição de arquivos e documentos e/ou o sigilo em que instituições
“escondem ou destroem” esses documentos. Aqui encontramos, mais uma vez, o limite do
historiador. Pois é impossível pesquisar certas demandas já que os vestígios e indícios sobre
tal foram extintos ou mantidos em sigilo.

O capítulo três, “A crítica”, ainda tratará do testemunho, mas precisamente do olhar


crítico necessário que o historiador precisa direcionar ao testemunho. Para Marc Bloch, o
historiador não pode aceitar cegamente todos os relatos e testemunhos que chegam até ele,
pois nem todos os relatos são verídicos. Os testemunhos podem ser falseados e até falsificados
de acordo com a intenção do provedor. Por isso aqui a crítica funciona como um método da
ciência histórica que verifica a veracidade do testemunho, coloca em prova. Em mais uma
crítica direta ao historicismo e positivismo o autor afirma que “Não existe pior desperdício do
que o da erudição quando gira no vazio, nem soberba mais deslocada do que o orgulho do
instrumento que se toma por um fim em si.” (p. 93), pois para os “metódicos” o documento é
o reflexo da “verdade histórica”, não é passível de questionamento e apenas precisa ser
narrado como tal. Bloch, com a Escola dos Annales, confronta diretamente essa ideologia e
esses métodos.

De acordo com Marc Bloch é necessário questionar e duvidar de todos os documentos


e testemunhos. Existem vários fatores que podem deformar, falsear ou falsificar um
testemunho, mas nem por isso deve ser descartado, pois até uma mentira deixa vestígios e
rastros que podem ser utilizados pelo historiador na construção do conhecimento histórico.
Descobrir os motivos da mentira, da omissão ou da falsificação é mais frutífero do que
descartar as hipóteses levantadas por um testemunho contaminado. Interessante destacar ainda
duas maneiras em que esses testemunhos podem se contaminar: a manipulação e a o fato
psicológico. A manipulação é a alteração, intencional ou não, de documentos considerados
autênticos, mudando suas características e detalhes. A contaminação através de fatores
psicológicos se dá por traumas, estresses, cansaços, medos e fortes emoções causado em
algum evento que podem gerar inexatidão do testemunho. Apesar disso, todos possem valor
documental. O autor apresenta essas variadas formas que um documento pode sofrer
contaminação para mostrar ao historiador a importância do olhar crítico em cima desses
testemunhos. Aceitá-los passivamente, não faz parte do método histórico.

O autor encerra esse capítulo na tentativa de tecer uma lógica desse método crítico.
Sugerindo a comparação e o confronto de vários testemunhos, instigar a contradição para uma
análise crítica que se aproxime da veracidade. Nesse caso, para Marc Bloch, “Para que um
testemunho seja reconhecido como autêntico, o método, vimos isso, exige que ele apresente
uma certa similitude com os testemunhos vizinhos. Se aplicarmos, entretanto, esse preceito ao
pé da letra, o que seria da descoberta? Pois quem diz descoberta diz surpresa, e
dessemelhança. Uma ciência que se limitasse a constatar que tudo acontece sempre como se
esperava não teria uma prática proveitosa, nem divertida.” (p. 115).

No capítulo “A análise histórica”, Marc Bloch encara dois problemas: “o da


imparcialidade histórica; o da história como tentativa de reprodução ou como tentativa de
análise” (p. 125). Para o problema da imparcialidade o autor faz uma analogia do juiz com o
cientista, no caso o historiador, afirmando que ambos interrogam os testemunhos, provocam
para extrair deles uma certa verdade. Porém os dois diferem no resultado final, o papel do
historiador é explicar e compreender, já o juiz precisa dar uma sentença, um ponto final. O
autor chama atenção para o cuidado a se tomar para não cair em certos maniqueísmos, não é
papel do historiador atribuir juízo de valor e julgar se algo é do bem ou do mal e sim analisar
essas relações. Afinal o objeto da história são os homens e esses são suscetíveis a atos falhos,
erros, acertos, altruísmos, egoísmos e vários outras subjetividades que fazem parte do
comportamento humano. Pois para o autor a história tem “como matéria precisamente
consciências humanas. As relações estabelecidas através destas, as contaminações, até mesmo
as confusões da qual são terreno constituem, a seus olhos, a própria realidade.” (p. 132).

O último capítulo - inacabado e sem título, mas não menos importante que os outros –
traz de cara uma crítica ao positivismo, afirmando que este “pretendeu eliminar da ciência a
ideia de causa” (p. 155), mas não obtiveram sucesso. Reforça mais uma vez que a ciência
história trabalha através dos “por quês” e suas variações, o que nos remete, mais uma vez, a
Operação Historiográfica de Michel de Certeau. Para Marc Bloch a história a partir de seus
métodos é uma eterna busca e é dessa forma que o historiador francês finaliza seus escritos
para essa obra incompleta, afirmando que “as causas, em história como em outros domínios
não postuladas. São buscadas.” (p. 159). Isto é, o historiador precisa estar encabeçado no
caminho da pesquisa, armado com os métodos e as técnicas especificas, para seguir na busca
das causas na história.

Referência

BLOCH, Marc. Apologia da História: ou ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2001

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