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Observamos nos últimos dias, a invasão ao Capitólio dos Estados Unidos (em 6 de
janeiro deste ano), sede do poder legislativo, parlamento. Incentivado pelo próprio
presidente ainda em exercício Donald Trump (e uma lista longa de cúmplices), sob
alegação de fraude nas eleições presidenciais que deu a vitória a Joe Biden. Em analogia
com o Brasil, poderíamos chamar de “gado americano”, que segue uma perspectiva
política de defesa da história de escravidão, racismo e privilégios, além de uma longa
lista negacionista de tudo aquilo que lhe convém. Evidentemente, nem todos os que
seguem Trump são capitalistas no sentido clássico do termo. Assim como no Brasil, a
maioria do “gado bolsonarista” é composta por trabalhadores educados pelas ideologias
dominantes2. Sobre esse episódio da série “crise capitalista”, o presidente brasileiro
proferiu suas célebres palavras de sabedoria: "Acompanhei tudo. Você sabe que eu sou
ligado ao Trump, né?”3. Sim, nós sabemos, idiota. E é exatamente por isso que devemos
nos preocupar com os desdobramentos aqui no Brasil.
Acompanhando os noticiários da imprensa burguesa, identificamos uma linha
geral de raciocínio que se refere à “democracia dos Estados Unidos sendo atacada”, o
“ataque à democracia americana, que sempre foi referência para todo o mundo” (...), e
por aí vai.
É preciso considerar algumas coisas.
A democracia surge no século V A.E.C (antes da era comum)4, na cidade grega de
Atenas. Foi uma das formas de governo identificada por Aristóteles, e neste caso, uma
forma degenerada de governo. Também devemos acrescentar que a democracia grega
era uma forma política dos donos de escravos. Isso mesmo, pois a democracia nasce
para atender os interesses de uma classe proprietária dos meios de produção e para a
manutenção do escravismo. Uma democracia de donos de escravos, ricos e altamente
sofisticada no que diz respeito a dominação.
1
Graduação e mestrado em História (IMES-FAFICA/UFGD-MS), doutorado em Ciências Sociais
(UNESP/Marília) e pós-doutorando em Educação (PNPD/CAPES/UEMS/Paranaíba).
2
Para entender um pouco mais sobre a força das ideologias, ver o artigo recente da psicóloga e militante
trotskysta Nataly Jesus aqui: https://www.balaiada.com/7860/ .
3
Veja, se ainda tiver estômago, o vídeo aqui: https://youtu.be/lMADIqtX4bA .
4
Trata-se da forma laica de datação histórica em contraposição a forma cristianizada de “antes de
cristo” (a. C) e “depois de cristo” (d. C.). Em nossa visão, ainda há limites nesta forma, mas julgamos ser
mais coerente do que a defendida pelos cristianizados.
2
Mas esse mesmo cidadão é capaz de não expressar nenhuma reação diante das
atrocidades praticadas por esta mesma democracia no Vietnã, Iraque, Afeganistão, no
trato com os imigrantes que construíram os próprios EUA. O cidadão (e este cidadão
pouquíssimo se difere do tal cidadão de bem, pois ambas perspectivas defendem a
ordem e o progresso através das leis que juntos ignoram solenemente) derrama
lágrimas pela democracia dos ricos e se esquece que nos EUA a suposta grande
referência de democracia, até pouco tempo, separava brancos e negros, de bebedouros
de água, bancos, escolas, bairros etc. Que a democracia referência para o mundo
dizimou povos indígenas e africanos até o seu último representante. Que a “grande”
democracia americana instigou guerras por todo o planeta e até mesmo em seu próprio
território. Iniciou uma guerra tóxica para incriminar a população negra que se
organizava para além da democracia branca dos ricos (estou me referindo aos Panteras
Negras7). Se faz de besta diante a implementação das ditaduras militares no continente
americano, como se todos estes crimes contra a humanidade fossem delírios triviais.
5
Importante referência sobre o conceito de cidadão é a tese de doutoramento de Ivo Tonet, disponível
aqui: http://ivotonet.xp3.biz/arquivos/EDUCACAO_CIDADANIA_E_EMANCIPACAO_HUMANA.pdf .
6
Capitólio é uma alusão moderna ao mundo Imperial Romano. Há capitólios espalhados pelo mundo,
seja para representar o poder ou o culto aos supostos heróis. Uma herança do imperialismo antigo que
existe para além da arquitetura.
7
Partido Pantera Negra para Auto-defesa. Sugerimos que assistam o documentário “Os Panteras Negras
- Vanguarda da Revolução”: https://www.facebook.com/casadaresistencia/videos/1164022907042075 .
3
A democracia nunca foi uma forma revolucionária de governo, nem mesmo sob a
regência da burguesia. Atenção: Nunca8.
A democracia sempre foi a forma de dominação de parte de uma classe dominante
(não a única), mas é aquela forma que vem sendo cirurgicamente aperfeiçoada ao longo
do tempo. É óbvio que atuar na democracia é preferível do que em uma ditadura militar,
mas quando acreditamos que a democracia é um valor universal, que o fim é o
aperfeiçoamento da democracia e respeito às suas instituições, certamente estaremos
diante da festa da burguesia. A democracia não é o fim da história.
Apenas com os trabalhadores organizados, violentamente nas ruas, é que de fato
poderemos ter uma vida de verdade. Defender a democracia dos ricos, principalmente
se reivindicamos a revolução social, é se alinhar com a burguesia cartesiana.
Nunca existiu democracia nos EUA. A única referência coerente à democracia nos
Estados Unidos é como uma forma de governo de manutenção da dominação, da
exploração e da opressão de todos os povos, neste sentido, seguida por todos os países
capitalistas contra a classe dos trabalhadores, mundialmente. A democracia é referência
de dominação refinada, da constante violência contra os trabalhadores do mundo.
Acreditar nos seus termos é reproduzir a poderosa ideologia da classe burguesa.
Evidentemente, a classe média intelectualizada, repleta de privilégios, que tem
geladeira em casa, carro na garagem, emprego, roupa para usar, calçado e os remédios
necessários, jamais concordará com estas linhas! Essa classe média que estuda inglês
nas escolinhas de idiomas (mas que não dá conta de usar o idioma do colonizador por
mais de 5 min ao telefone), que faz postagens em redes sociais em inglês para
demonstrar seu internacionalismo... Esse cidadão que está com estomago cheio todos
os dias... Provavelmente estufará o peito para dizer: “Mas Jean, você não está sendo
muito radical ?!?”.
8
Jamais confundir o período revolucionário jacobino, na Revolução Francesa, com a democracia
constitucional como a conhecemos hoje.
9
Sugerimos aos nossos leitores, para conhecermos mais sobre democracia operária, os textos de Leon
Trotsky sobre a história da Revolução Russa. Estes livros são devidamente citados ao final do artigo, nas
referências de leituras sugeridas.
4
10
Os quatro primeiros textos de Lenin estão disponíveis na publicação selecionada pela Boitempo,
disponível aqui: https://b-ok.lat/book/5613266/ca8e11 .