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Port 322
Professora Cowley
13 de outubro de 2020
Definindo o totalitarismo
Disse o poeta William Henley em seu poema Invictus: “Por ser estreita a senda – eu não
declino // Nem por pesada a mão que o mundo espalma; // Eu sou dono e senhor de meu destino;
// Eu sou o comandante de minha alma.” (Henley, 1888) Nessas palavras ecoam pelo tempo o
principalmente no século XX, o ideal individualista – que propõe que todos somos criados na
imagem de Deus e que por Ele temos direitos irrevogáveis (Shapiro, 2019) – foi ameaçado por
uma outra visão acerca do âmbito do governo e o papel do indivíduo. Essa outra visão, o
Viu-se no século XX, entre outros, fascismo na Espanha, ditadura militar no Egito, comunismo
no Camboja e teocracia na Mongólia. Nem todos esses governos eram iguais. Embora todos
infringissem aos direitos dos cidadãos, somente alguns chegaram a cometer genocídio. A
ideologia totalitária se destaca das demais ideologias não-democráticas por tentar mudar
De fato o século XX foi como Um conto de duas cidades (o livro famoso escrito por
revolução francesa).. Por um lado, o mundo ocidental capitalista se tornava cada vez mais
democrático e próspero – antigas colônias europeias e japonesas ganharam sua independência e
instituíram governos democráticos; por outro lado, descendia uma “cortina de ferro” pela Europa
povos livres dos povos cativos. Mesmo antes disso o nazismo subjugou, entre outros, os povos
sequestrassem muitos filhos de supostos dissidentes, essa supressão do livre discurso faz parte
dos limites normais de governos autoritários, e nem chega perto às atrocidades que governos
totalitários são capazes de fazer, como o Holocausto ou o Holodomor ucraniano (Arendt, 1951).
diferentes. Mesmo que o autoritarismo seja uma ideologia não-democrática extrema, ele parece
moderado em comparação ao totalitarismo. De fato, existem três níveis de limites ao poder que
normalmente existem em todas as sociedades (Brzezinski, 1956). O primeiro nível são limites
diretos. Estes limites restringem o comportamento e poder do governo. Como o estado é a única
constituições que limitam o uso da violência que o estado pode empregar a fim de colecionar
impostos, reforçar as leis e influenciar a sociedade. Os limites diretos são como uma marca
O próximo nível dos limites ao poder do governo são os limites indiretos. Estes limites
são aqueles que provêm de uma sociedade pluralista com vários interesses econômicos, culturais
e religiosos (Brzezinski, 1956). Estes limites estão presentes em governos democráticos, mas
também com frequência estão presentes até nos governos autoritários. Por exemplo, sob o
governo de Benito Mussolini na Itália fascista, a igreja católica ainda mantinha certa influência
na administração do país devido à hegemonia religiosa e cultural que comandava. Além dos
fortes limites diretos ao poder que existem nos Estados Unidos, os limites indiretos que vêm dos
interesses econômicos dos grandes comerciantes fazem com que líderes com tendências
autoritárias (como Woodrow Wilson) não consigam alterar de forma extrema o status quo do
destruição, pois são meios para as pessoas expressarem sua individualidade, os quais ameaçam o
O último refúgio dos limites ao poder do governo são os limites naturais, ou seja, os
limites terciários que vêm de um senso intangível de orgulho nacional, tradições e estruturas de
parentesco como a família nuclear (Brzezinski). Geralmente quando um governo ultrapassa estes
limites mais fundamentais, o seu fim é iminente. Vemos isso até em sociedades ficcionais como
nos livros dos Jogos vorazes. Nos Jogos vorazes os cidadãos da capital resistem a rebelião dos
demais distritos até que haja um ataque em que caem bombas disfarçadas de presentes nas
crianças da capital. Neste momento na história até os mais leais dos soldados do capital deixam
de defender a legitimidade do governo (Collins 2010). Mesmo que na verdade o ataque não
viesse do governo do capital, a simples ideia de que um governo mataria os próprios filhos da
classe elite foi-lhes uma coisa insuportável (ironicamente, devido o enredo dos livros). A ideia
dos limites naturais é essencialmente que as pessoas podem suportar várias violações dos seus
direitos, mas na hora em que a honra nacional e a santidade da família são atacadas ou alteradas
fundamentalmente, o governo perde sua legitimidade e o cidadão se sente à vontade para rebelar
violentamente. Por mais incrível que pareça, os governos totalitários conseguem romper até com
esses limites naturais ao poder. De fato, são esses últimos limites que o totalitário tem como alvo
(Arendt, 1951).
Mesmo que essas violações de limites e direitos resultam indiscutivelmente em vasta
carnificina e miséria total, os líderes totalitários que cometem tais violações genuína e
proletariado para derrubar o sistema econômico capitalista e pôr no seu lugar uma sociedade sem
propriedade privada e com amor livre (Marx and Engels, 1848). A União Soviética procurava
2018). A coletivização da indústria e da agricultura servia para igualar todos, e de fato teve esse
mais para frente, cerca de 45 milhões de chineses no Grande Salto em Frente. Tal como na
Alemanha nazista, não se permitia nenhuma instituição que não provinha do estado. No governo
comunista totalitário atual da Coreia do Norte, por exemplo, se aboliu qualquer senso de família
fora do estado, de tal forma que um autor que escapou para a Coreia do Sul descreveu como nada
sentiu, além de patriotismo, ao ver, quando criança, a execução da sua mãe por insubordinação
que não exageremos nem minimizemos. Não quer dizer que só por que um governo possui
algumas das características do totalitarismo que ele seja totalitário. Não podemos combater
injustiças de forma adequada quando ficamos como o garoto que gritou “lobo”, cada vez que
surge um governo ou político que não gostamos, nem quando justificamos reais exemplos de
opressão dizendo como diziam de Mussolini, que “pelo menos fazia os trens chegar na hora”.
e violações de limites diretos ao poder para efetuar um governo autoritário (Rosas, 2001).
Mesmo sendo uma ditadura autoritária, é importante reconhecermos que o governo Salazar não
foi totalitário. O totalitarismo é um termo sério que só se deve usar em situações muito mais
graves como a Camboja na década de 1970. Nesse período o governo comunista do Khmer
Rouge possuía uma visão de voltar a um passado glorioso, como Salazar queria. A grande
diferença foi que enquanto Salazar procurou trazer de volta essa glória nacional, o Khmer Rouge
que todos eram fazendeiros. Esse genocídio, com que o Estado Novo de Portugal felizmente não
tem nenhuma comparação, matou quase duas milhões de pessoas – 25 porcento da população
cambojana.
Enfim, os governos totalitários são os governos que mais oprimem seus cidadãos (Arendt,
Podem tomar o poder por meios democráticos, mas sempre que assim consigam, dispensam com
os três níveis de limites ao seu poder. Usando esse extremo poder, frequentemente cometem
genocídio contra seu próprio povo. Mesmo que o século XX fosse um século de muito
resistiram e tiveram vitória, pois a final das contas, apesar da opressão que existe neste mundo,
ainda somos os donos e senhores dos nossos destinos e os comandantes das nossas almas
(Henley, 1888).
BIBLIOGRAFIA