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Caleb Cleverly
PORT 459R
13 de abril de 2022
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Filho do romancista Érico Veríssimo, Luís Fernando começou a sua carreira como humorista,
com seus livros A velhinha de Taubaté, As cobras e O analista de Bagé. (Veríssimo, 2011) O seu conto
O condomínio foi publicado em seu livro Outras do analista de Bagé, publicado em 1982. Trata-se
de um economista chamado João, vítima de tortura pela ditadura militar por conta da sua
ideologia de esquerda.
No conto, João e sua esposa, Sandra, moram em um condomínio novo com seu filho
Vladimir. João fica chocado quando fica sabendo que o seu novo vizinho, Sérgio, foi o militar
que o torturara onze anos antes. O conto chega ao seu clímax durante uma reunião com os
indiretas cada vez mais diretas uns para os outros. O conto termina com sentimentos
constrangidos e um jogo de futebol com o torturado e seu ex-torturador. O objetivo desta obra é
analisar a forma como Luís Fernando Veríssimo usa o ambiente construído em O condomínio
“Arquitetura é música petrificada”. Essas palavras, escritas há quase dois séculos pelo
polímata alemão Johann Wolfgang von Goethe ecoam até hoje. Em sua obra-prima, o poema
trágico Fausto, Goethe relata a história de Henrique Fausto, um sábio erudito que está
insatisfeito com a sua vida e acaba vendendo a sua alma para um demônio chamado
como se fosse uma encarnação do próprio mal. Tais figuras do mal encarnado sempre estiveram
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presentes em diversas áreas da literatura. Nas obras brasileiras que tratam dos traumas sofridos
por um país inteiro durante 21 anos de opressão sob um governo militar, com frequência
encontra-se a ditadura militar como uma força malévola semelhante a Mefistófeles. Em uma
Tal como uma trilha sonora em um filme, a música petrificada da arquitetura é um dos
métodos empregados por Luís Fernando Veríssimo em O condomínio para sutilmente destacar o
efeito da venda da alma nacional para um regime mefistofélica que deixou sequelas mesmo
durante a época da redemocratização. Os instrumentos tocados nessa trilha sonora não são
trombeta nem violino – os quais se juntam com os demais para criar uma orquestra – são os
Amos Rapoport em seu livro The Meaning of the Built Environment: A Nonverbal Communication
Approach. De forma simples representa todas as construções ao nosso redor - prédios, ruas,
pontes etc. De forma mais teórica, o ambiente construído é um "fenômeno da arquitetura que
Em um conto tão breve como O condomínio, cada detalhe mencionado pelo autor possui
seus moradores etc. - criam uma imagem mental de como era o Brasil na época de
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colaterais sofridos por conta da Lei da Anistia, a tortura física e psicológica e, no geral, os
Promulgada em 28 de agosto de 1979, a Lei da Anistia concedeu anistia tanto aos exilados e
presos políticos quanto aos militares torturadores e sequestradores. (L. 6.683 de 28.8.1979). Por
um lado, essa lei atingiu as crescentes demandas de um público insatisfeito com a condição
política do país. Por outro lado, a Lei da Anistia foi uma cura que deixou suas próprias
cicatrizes na psique nacional brasileira - criando uma falsa equivalência moral entre o censurado
carente de justiça, não se encontrou aquela anistia ampla, geral e irrestrita da forma que tanto se
condomínio Sunset Palace conta com o slogan “Um prêmio dourado para quem subiu na vida”.
Abre-se a primeira cena com o protagonista, João, sendo criticado por sua esposa, Sandra, por
ambiente construído. No Brasil que estava no processo da redemocratização, levou tempo para
abafar a poeira inerente em tal processo. A anistia não equivale à anestesia. No conto, João
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sofria as dores da sua tortura mesmo depois de onze anos. Perante a lei, a situação política no
Brasil estava bem encaminhada. As eleições diretas estavam voltando aos poucos, e o novo
governo prestes a se instalar seria bonitinho e arrumado - um prêmio dourado para um país que
finalmente mereceu a autogovernação. Nesse caso, a poeira nacional era aquele pequeno detalhe
durante duas décadas. O que se faz com tais realidades inconvenientes? Jogam-se embaixo do
tapete. Não se pode deixar que a vizinha veja com aquele prazer preconceituoso a desgraça
doméstica. Seja dentro de casa a tempestade que for, transmite sempre uma aparência tranquila.
Durante a reunião dos moradores do condomínio, vemos tal tempestade violenta com cara
Chegando no apartamento de Mirando, local da reunião dos moradores, Sandra fica com
talvez como mecanismo de enfrentamento, Sandra fala ao longo do conto sobre o seu desejo de
colocar cortinas nas grandes janelas do seu apartamento, mecanismo de enfrentamento esse
para lidar com os traumas que ela sofrera durante o tempo da tortura de seu marido.
Com cortinas como as de Miranda, Sandra conseguiria controlar melhor a entrada do sol
que banhava a sala de luz nos pores do sol de verão. Janelas ajudam a abrir um espaço, criando
uma sensação de uma falta de limites. O pôr do sol, do qual o Sunset Palace deriva seu nome,
pode representar o fim de um dia. Embora o pôr do sol infira que um nascer do sol esteja por
vir, ele não o garante. Enquanto o sol descia no período escuro ditatorial, não era garantido algo
melhor para tomar o seu lugar. As cortinas, metaforicamente, poderiam servir para atrapalhar,
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de forma defensiva, a entrada dos raios de esperança por um novo início - caso o inesperado
acontecesse.
Miranda combina com seu perfil de ser um alguém que subiu na vida. Veríssimo a descreve
assim: "A mulher recebia a todos com um grande sorriso artificial. Talvez a cirurgia não tivesse
atingindo todos os pré-requisitos sociais - comes e bebes para relaxar os convidados enquanto
batem papo sobre assuntos de baixa importância - os rituais preparatórios para exercer a arte da
perigosa. Aqui tem malocas de todos os lados. Eu sei que a prefeitura vai remover, mas por
enquanto elas estão aí. E todos nós temos aqui um patrimônio valioso que precisamos
defender."(Veríssimo 1986) Torna-se óbvio nesse momento que a era da opressão elite não está
renda que cercavam o condomínio por todos os lados. Mais uma vez, uma investigação sobre o
ambiente construído revela muito sobre a situação sociopolítica do Brasil - tanto na época da
Um dos motivos por trás do golpe de 1964 foi justamente uma manifestação por parte de
outras pessoas que subiram na vida das mesmas atitudes presentes na reunião dos moradores do
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sistema latifundiário na era colonial do Brasil. A maioria das terras, e portanto, as riquezas,
ficavam nas mãos de poucas pessoas. Mesmo com a abolição da escravidão, essas enormes
crescente por parte dos moradores pobres de zonas rurais para obterem terras próprias. Esse
movimento chegou ao seu auge em 1964 durante o mandato de João Goulart (Jango) como
Presidente da República. Propôs-se que as áreas não cultivadas pudessem ser dadas legalmente
a pessoas carentes. Tais áreas incluíam as margens de rodovias, traços de grandes latifúndios
não cultivados etc. Essas propostas reformas agrárias causaram medo na classe elite - tanto a
política quanto a econômica - pois representava uma ameaça esquerdista aos direitos
patrimoniais. Segundo uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas, "Ao invés de
grupos de centro que lhe davam suporte, como o Partido Social Democrático (PSD), abrindo
Embora ficassem lado a lado, o mundo dos moradores do condomínio era diferente da
realidade das favelas ao seu redor. Embora fizesse parte da classe média alta - emprego de
percebe-se no conto que João, talvez por conta das suas tendências políticas mais esquerdistas,
se identifica mais com o povo da favela do que com seus novos vizinhos na comunidade nobre.
Há uma certa ironia na situação do condomínio dentro do ambiente construído que reforça uma
realidade triste das condições socioeconômicas do Brasil. As mesmas pessoas que temiam a
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invasão de terras que ocorreria sob a reforma agrária de Jango, ajudando a causar o golpe de
1964, acabaram sendo incentivados por prefeituras, como no Rio de Janeiro, a invadir e demolir
partes das favelas a fim de construírem moradias mais agradáveis (disponíveis apenas para
aqueles com poder aquisitivo muito mais amplo do que os antigos moradores). (Osborn, 2016)
vigilância armada para proteger o patrimônio, o Senhor Pires exclamou: "Esse negócio de direitos
humanos é muito bonitinho mas em país desenvolvido. Aqui não. Aqui é nós ou eles.”
Uma curiosidade marcante que difere o ambiente construído da maioria dos municípios
condomínio, vemos que o prédio é cercado por um muro que serve para proibir a entrada de
pessoas desagradáveis (ou seja, os vizinhos pobres da favela ao lado). No Brasil, quer que seja
tanto nos Estados Unidos. (da Matta, 2009) Mesmo que não sejam aquelas mansões que sempre
passam nos filmes como se fossem o padrão de vida de todos, as casas norte-americanas tendem
a não ter muro na frente. Se tiver cerca qualquer, geralmente serve para destacar onde termina o
terreno de um e onde começa o terreno do outro, e nem tanto para dificultar de qualquer forma
presença de muros, cercas elétricas e arame farpado nas casas brasileiras transformam aquela
construído podem se ver até de forma estatística. Calculadas e publicadas anualmente pelo
Banco Mundial, a Índice Gini agrega diversos fatores para indicar a taxa de desigualdade
total de todos os membros da sociedade. Da mesma forma, uma taxa de cem indicaria uma
único indivíduo. No ano mais recente em que há dados disponíveis, o Brasil contou com uma
Taxa Gini de 48, enquanto os Estados Unidos contaram com uma Taxa Gini de 41. (Gini Index,
2019)
irrestrita de fato foi uma ilusão. Se batesse olho durante a reunião do condomínio, seria óbvio
que João e Sérgio não se davam bem, mas seria perfeitamente acreditável que aquilo fosse
apenas um desacordo frívolo entre dois vizinhos (a abundância do qual qualquer um que já
baixo da superfície, porém, vê-se um conflito mais turbulento em que os velhos papéis de
torturador e torturado quebram a fachada ilusória do progresso social. A angústia que João
sente por conta da sua tortura não abafou durante onze anos. Agora ele não teria para onde
correr para aliviar o seu sofrimento. Nessa nova era de redemocratização, João teria que
compartilhar o seu país não apenas com um alguém que era aberta e explicitamente o seu
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adversário, mas sim com um grande inimigo - um agente impenitente de Mefistófeles - que
ocuparia o papel de cidadão colega, com poder de influenciar a política de forma legítima. Pelo
menos na época da ditadura, João tinha o prazer de saber que os seus antagonistas
atormentavam-no de forma ilegítima. Sem a proteção da sua justa indignação, João se sentiria
cada vez mais preso dentro do seu próprio domicílio. Os muros, com arame farpado em cima,
iriam parecer cada vez menos como uma proteção contra a violenta criminalidade do mundo
afora, e cada vez mais como os muros de uma prisão, construídos para prendê-lo para que
recém-construído. A reação de uma comunidade mais rica contra uma comunidade mais pobre,
mostrando a influência que há quando afasta-se do poder político por uma geração inteira. Os
muros construídos para prevenir a invasão por gente de fora que também acabam prevenindo a
evasão de gente de dentro. O significado desse pequeno conto torna-se mais profundo à medida
que se empregue uma perspectiva do ambiente construído. Não é agradável assistir um filme
sem a trilha sonora. Da mesma forma, é enriquecedor usufruir da música petrificada que a
Bibliografía
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https://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,o-problema-do-muro-no-brasil,354787.
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http://www.arqpop.arq.ufba.br/taxonomy/term/103.
https://www.companhiadasletras.com.br/autor.php?codigo=01244.