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verdade que, desde minha partida da Bulgária, não deixei de ler o que diversos autores tinham
a dizer sobre o totalitarismo, e isso certamente influenciou minha maneira de evocar e
compreender o passado..
O terror. Quem descobriu que o terror poderia tornar se um meio de dirigir um Estado no
cotidiano e obrigar a população a fazer o que querem seus dirigentes? A resposta é menos
evidente aqui do que para o ideal comunista. Podemos dizer que, de certa forma, Hobbes
prepara o terreno, identificando o medo da morte como primeira e principal paixão humana
O medo da morte, sob esse prisma político, parece ser mesmo o princípio regulador das ações
humanas que levam os homens hobbesianos tanto ao estado de natureza ou à guerra quanto
ao Estado civil ou à paz, tendo em vista a autoconservação de si dentro ou fora do corpo
político.
O inimigo é a grande justificativa do terror; o Estado totalitário não pode viver sem inimigos.
Se lhe faltam, ele os inventará. Uma vez identificados, não merecem nenhuma piedade.
A ideologia nazista é muito diferente da ideologia comunista; mas a máquina do terror está
igualmente presente aqui e lá. Insistimos às vezes no fato de que os judeus eram perseguidos
não pelo que haviam feito mas pelo que eram: judeus. Portanto, isso não é diferente do poder
comunista: exige a repressão (ou, nos momentos de crise, a eliminação) da burguesia como
classe. O simples fato de pertencer a esta classe é o bastante, não é necessário fazer qualquer
coisa; e os filhos
3: O REINADO DE INTERESSE
Este traço não é próprio apenas dos regimes totalitários; também pertence a urna potência
desconhecida no exterior; o sistema é incompreensível se não o levarmos em conta.
O comunista típico não é mais um fanático, mas um oportunista. A uma ordem, ele está pronto
para mudar suas convicções; aspiram ao sucesso e ao poder pessoal, não à vitória longínqua
do comunismo.
OS CAMPOS
A Bulgária comunista, como em outros estados do bloco oriental, operou uma rede de campos
de trabalhos forçados entre 1944 e 1989, com particular intensidade até 1962. Dezenas de
milhares de prisioneiros foram enviados a essas instituições, muitas vezes sem julgamento.[1]
Vivi na Bulgária até 1963; os campos de concentração não ocupavam nenhum espaço em meu
universo de então.
Aqueles que ali ficaram trancados haviam, no entanto, habitado os mesmos lugares que eu,
e senti-me culpado dos mesmos "crimes": eu usava as mesmas roupas, ouvia a mesma
música, contava as mesmas histórias engraçadas e nutria os mesmos sentimentos com
relação à polícia. O mundo deles me era perfeitamente familiar, com suas proibições e suas
artimanhas, seus personagens atraentes ou desprezíveis.
Dei me tonta de que isso não era apenas puro acaso: eu pertencia a um meio relativamente
privilegiado que - de certa forma - me protegia das "dificuldades" que conheciam os outros.
O que afirmo aqui sobre os campos, descobri-o muito depois de seu fechamento, depois que
as línguas de seus antigos prisioneiros foram libertadas.
Os campos de concentração são duplamente emblemáticos dos regimes totalitários: são uma
peça mestra, já que encarnam este "inferno real"
Nos países do Leste, como na Alemanha nazista, é a administração (a polícia) que envia ao
campo; a justiça envia os condenados à prisão
Os prisioneiros dos campos encontravam-se ali sem nunca ter sido condenados, por simples
decisão da polícia; uma lei especial organiza esta arbitrariedade. A razão precisa desta situação
é clara: a meta dos campos não é punir os culpados (estes, sim, são julgados e aprisionados),
mas aterrorizar a população atingindo os inocentes.
Os condenados são enviados à prisão, os que não podem ser condenados encontram-se no
campo. (Na União Soviética, é verdade, a massa de condenados é tamanha que nenhuma
prisão poderia abrigá-Ios; eles irão povoar, assim, os campos subárticos.)
De início os campos impõem ao detento um regime muito mais duro, já que se trata de
trabalhos forçados.
Cada campo privilegia sua própria forma de repressão: a fome em Buchenwald, o frio e a
fadiga em Kolyma. A particularidade dos campos búlgaros - e especialmente de Lovetch, o pior
de todos (em atividade entre 1959 e 1962) parece ter sido a tortura, em sua forma mais
primitiva: os golpes de cassetete.
Quem, exatamente, é enviado aos campos? A resposta oficial a esta pergunta é simples: os
inimigos.
O Estado totalitário precisa de inimigos, embora possa não os possuir (os indivíduos que
ousam combatê-Io são raros); ele se dedicará então a apresentar como inimigos toda espécie
de pessoas que não o são. Para ver isso de forma mais clara, poderemos reagrupá-Ios em
algumas grandes categorias, que seriam: os adversários; os não-conformistas; os rivais.
Adversários: Os adversários são os indivíduos que exprimem opiniões políticas diferentes das
que defende a linha oficial do PartidoEstado; são, na verdade, os verdadeiros "opositores".
Não-Conformista: Seus membros não combatem a linha oficial de forma direta, mas não se
submetem a ela com empenho suficiente e têm, em um domínio qualquer, certo grau de
autonomia. Representam amplas camadas da população. Fazem parte dela, por exemplo,
todos os camponeses que se recusam a unir-se com entusiasmo às novas cooperativas e a
renunciar a seu único cavalo ou vaca. Ou todos aqueles que persistem em querer ganhar a vida
sem trabalhar para o Estado revendendo velhos objetos ou trabalhando por conta própria. Ex:
homens que usam calça apertada, mu,heres de minissaia, ouvir musica ocidental.
Rivais: é constituída de simples rivais de personagens mais bem situados que eles,
personagens que encontraram um meio cômodo de desembaraçar-se dos outros:
conseqüência da colocação da máquina repressiva à disposição de todos. EX: mulher que
ganha na loteria. O vizinho com a sombra da casa. a facilidade com que podemos transformar
o rival - a pessoa que, por uma razão ou outra, nos incomoda - em inimigo.