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A EXPERIÊNCIA TOTALITÁRIA

verdade que, desde minha partida da Bulgária, não deixei de ler o que diversos autores tinham
a dizer sobre o totalitarismo, e isso certamente influenciou minha maneira de evocar e
compreender o passado..

TRAÇOS CONSTITUTIVOS (princípios da sociedade totalitária):

1: ELE AFIRMA TER UMA IDEOLOGIA

O conteúdo do ideal, a imagem da sociedade perfeita na terra que é apresentada como o


início da sociedade real, absorve influências distantes: a do milenarismo cristão, a dos
utopistas da renascença, a, já mais próxima, dos primeiros pensadores do socialismo

Vivendo em uma sociedade totalitária, temos tendência a subestimar a importância da


ideologia:

2: USA O TERROR PARA ORIENTAR A CONDUTA DA POPULAÇÃO

O terror. Quem descobriu que o terror poderia tornar se um meio de dirigir um Estado no
cotidiano e obrigar a população a fazer o que querem seus dirigentes? A resposta é menos
evidente aqui do que para o ideal comunista. Podemos dizer que, de certa forma, Hobbes
prepara o terreno, identificando o medo da morte como primeira e principal paixão humana

LEVIATÃ (THOMAS HOBBES)

O medo da morte, sob esse prisma político, parece ser mesmo o princípio regulador das ações
humanas que levam os homens hobbesianos tanto ao estado de natureza ou à guerra quanto
ao Estado civil ou à paz, tendo em vista a autoconservação de si dentro ou fora do corpo
político.

O inimigo é a grande justificativa do terror; o Estado totalitário não pode viver sem inimigos.
Se lhe faltam, ele os inventará. Uma vez identificados, não merecem nenhuma piedade.

A ideologia nazista é muito diferente da ideologia comunista; mas a máquina do terror está
igualmente presente aqui e lá. Insistimos às vezes no fato de que os judeus eram perseguidos
não pelo que haviam feito mas pelo que eram: judeus. Portanto, isso não é diferente do poder
comunista: exige a repressão (ou, nos momentos de crise, a eliminação) da burguesia como
classe. O simples fato de pertencer a esta classe é o bastante, não é necessário fazer qualquer
coisa; e os filhos

3: O REINADO DE INTERESSE

A REGRA GERAL DA VIDA É A DEFESA DO INTERESSE PARTICULAR E O REINADO ILIMITADO DA


VONTASDE DO PODER

Este traço não é próprio apenas dos regimes totalitários; também pertence a urna potência
desconhecida no exterior; o sistema é incompreensível se não o levarmos em conta.
O comunista típico não é mais um fanático, mas um oportunista. A uma ordem, ele está pronto
para mudar suas convicções; aspiram ao sucesso e ao poder pessoal, não à vitória longínqua
do comunismo.

OS CAMPOS

Campos de trabalho forçado na Bulgária

A Bulgária comunista, como em outros estados do bloco oriental, operou uma rede de campos
de trabalhos forçados entre 1944 e 1989, com particular intensidade até 1962. Dezenas de
milhares de prisioneiros foram enviados a essas instituições, muitas vezes sem julgamento.[1]

É nesse contexto que surgem os Centros de Educação Profissional da Bulgária. Entre os


prisioneiros direcionados para lá, estavam aqueles considerados uma ameaça política à
estabilidade e segurança do Estado. Para além desses locais, que eram verdadeiros campos de
concentração, muitas pessoas também foram deportadas para áreas provinciais distantes –
entre 1948 e 1953, 25 mil presos sofreram deportação.

O Exército Vermelho entrou na Bulgária em setembro de 1944 e imediatamente os


guerrilheiros, que eram principalmente comunistas e pró-União Soviética, retaliaram. Dezenas
de milhares foram executados, incluindo fascistas ativos e membros da polícia política, mas
também pessoas que eram simplesmente membros da intelectualidade não comunista,
membros das classes profissionais e burguesas. Simplesmente desagradar um quadro
comunista pode levar à execução. Esses massacres foram ativamente encorajados por Georgi
Dimitrov, que enviou um telegrama de Moscou uma semana após a chegada dos soviéticos em
Sofia pedindo "que todos os sinais de patriotismo búlgaro, nacionalismo
ou anticomunismo fossem queimados." Em 20 de setembro, o Comitê Central pediu o
extermínio da "resistência anticomunista" e dos "contra-revolucionários".

Em Vozes do Gulag, Tzvetan Todorov destaca a experiência de um país onde os campos de


concentração foram particularmente brutais e emblemáticos dos horrores do totalitarismo – a
Bulgária comunista. As vozes que ouvimos neste livro provêm principalmente de Lovech, uma
pedreira na Bulgária que se tornou o destino final de vários milhares de homens e mulheres
durante os seus anos de funcionamento, de 1959 a 1962. Os reclusos, embora oriundos de
diversas áreas sociais, profissionais e económicos, partilhavam um destino comum: foram
arrancados das suas casas pela polícia secreta, brutalmente espancados, acusados de crimes
fictícios e enviados para Lovech. Uma vez lá,

Vivi na Bulgária até 1963; os campos de concentração não ocupavam nenhum espaço em meu
universo de então.

Aqueles que ali ficaram trancados haviam, no entanto, habitado os mesmos lugares que eu,
e senti-me culpado dos mesmos "crimes": eu usava as mesmas roupas, ouvia a mesma
música, contava as mesmas histórias engraçadas e nutria os mesmos sentimentos com
relação à polícia. O mundo deles me era perfeitamente familiar, com suas proibições e suas
artimanhas, seus personagens atraentes ou desprezíveis.
Dei me tonta de que isso não era apenas puro acaso: eu pertencia a um meio relativamente
privilegiado que - de certa forma - me protegia das "dificuldades" que conheciam os outros.

O que afirmo aqui sobre os campos, descobri-o muito depois de seu fechamento, depois que
as línguas de seus antigos prisioneiros foram libertadas.

FUNÇÃO DOS CAMPOS

Os campos de concentração são duplamente emblemáticos dos regimes totalitários: são uma
peça mestra, já que encarnam este "inferno real"

A Bulgária, que corresponde a quase um quinto da França, tanto em território quanto em


população, conheceu cerca de uma centena de campos de concentração entre 1944 e 1962,
com um número de prisioneiros difícil de precisar, mas provavelmente próximo de cem mil
pessoas.

Nos países do Leste, como na Alemanha nazista, é a administração (a polícia) que envia ao
campo; a justiça envia os condenados à prisão

Os prisioneiros dos campos encontravam-se ali sem nunca ter sido condenados, por simples
decisão da polícia; uma lei especial organiza esta arbitrariedade. A razão precisa desta situação
é clara: a meta dos campos não é punir os culpados (estes, sim, são julgados e aprisionados),
mas aterrorizar a população atingindo os inocentes.

Os condenados são enviados à prisão, os que não podem ser condenados encontram-se no
campo. (Na União Soviética, é verdade, a massa de condenados é tamanha que nenhuma
prisão poderia abrigá-Ios; eles irão povoar, assim, os campos subárticos.)

De início os campos impõem ao detento um regime muito mais duro, já que se trata de
trabalhos forçados.

Cada campo privilegia sua própria forma de repressão: a fome em Buchenwald, o frio e a
fadiga em Kolyma. A particularidade dos campos búlgaros - e especialmente de Lovetch, o pior
de todos (em atividade entre 1959 e 1962) parece ter sido a tortura, em sua forma mais
primitiva: os golpes de cassetete.

PERFIS DOS PRISIONEIROS

Quem, exatamente, é enviado aos campos? A resposta oficial a esta pergunta é simples: os
inimigos.

O Estado totalitário precisa de inimigos, embora possa não os possuir (os indivíduos que
ousam combatê-Io são raros); ele se dedicará então a apresentar como inimigos toda espécie
de pessoas que não o são. Para ver isso de forma mais clara, poderemos reagrupá-Ios em
algumas grandes categorias, que seriam: os adversários; os não-conformistas; os rivais.

Adversários: Os adversários são os indivíduos que exprimem opiniões políticas diferentes das
que defende a linha oficial do PartidoEstado; são, na verdade, os verdadeiros "opositores".
Não-Conformista: Seus membros não combatem a linha oficial de forma direta, mas não se
submetem a ela com empenho suficiente e têm, em um domínio qualquer, certo grau de
autonomia. Representam amplas camadas da população. Fazem parte dela, por exemplo,
todos os camponeses que se recusam a unir-se com entusiasmo às novas cooperativas e a
renunciar a seu único cavalo ou vaca. Ou todos aqueles que persistem em querer ganhar a vida
sem trabalhar para o Estado revendendo velhos objetos ou trabalhando por conta própria. Ex:
homens que usam calça apertada, mu,heres de minissaia, ouvir musica ocidental.

Rivais: é constituída de simples rivais de personagens mais bem situados que eles,
personagens que encontraram um meio cômodo de desembaraçar-se dos outros:
conseqüência da colocação da máquina repressiva à disposição de todos. EX: mulher que
ganha na loteria. O vizinho com a sombra da casa. a facilidade com que podemos transformar
o rival - a pessoa que, por uma razão ou outra, nos incomoda - em inimigo.

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