Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Menezes, Jean Paulo Pereira de. É possível assobiar e chupar cana ao mesmo tempo?
Sobre defender o socialismo revolucionário e ao mesmo tempo a burguesia. / Jean
Paulo Pereira de Menezes, Supervisão e revisão de Cléia Montezano . -- Paranaíba
MS, 2018.
22 f.
Sou professor de História e Ciências Sociais há 21 anos. Não escrevo isso para evocar
um discurso de autoridade, mas para dizer que parto de relações concretas, reais, sobre o que
é ser professor e pesquisador nesta sociedade que vivemos, apenas isso. Lecionei desde o
primeiro ano do ensino fundamental até a pós-graduação, em instituições públicas e privadas
e pude ver os diversos chão de escolas e o quanto este trabalho é massacrado pelo Estado e o
capital. Já vi professores saindo aos prantos da sala de aula, alunos sendo retirados de sala,
pais revoltados com nota de alunos, salário não sendo pago, alunos com fome, professores
desesperados! Há muitos professores com mais experiências para relatar, mas estas são
algumas da minhas, socialmente construída.
Na graduação, pude estudar que esse modo de viver é assim porque desejam que seja
assim. Mas entender mesmo o que estudava foi principalmente com a militância. Não há
naturalidade nas relações sociais. Há intenções, projetos políticos, classes, culturas, opressões
e exploração. Saber que tudo isso existia eu já sabia bem antes. Nem sempre fui professor,
era metalúrgico, operário de chão de fábrica e o que vivíamos todos os dias no trabalho não
nos convencia de que as coisas (relações de trabalho) iriam mudar por vontade do patrão.
1 Membro da Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional (LIT-CI), militante de seção
brasileira (PSTU). Graduado em História, mestre em História e doutor em Ciências Sociais.
Muito diferente do que muitos intelectuais made in CAPES 2 cogitam, os operários
conseguem pensar para além do imediato, a questão é que não tínhamos muito tempo para
nos dedicarmos à Filosofia, à Política, à História e outra áreas do conhecimento. Eramos
obrigados, como toda a classe operária, a dedicarmos o nosso tempo com exclusividade para
os interesses do capital. Portanto, não é uma questão meramente de não conseguir entender as
relações sociais para além da imediaticidade, mas da existência de uma determinação da
sociedade burguesa que pré-estabelece quem é que vai estudar e explicar o presente e
aqueles que no presente ficarão cortando chapas de ferro com o maçarico, apertando porcas,
fazendo peças de cobre ou ainda preenchendo formulários sobre a produção.
Queremos dizer com isso que há determinações na sociedade burguesa sobre quem é
que vai produzir conhecimento e explicar a vida e aqueles que vão (ou deveriam) aceitar essa
explicação. Mas também existirão aqueles não aceitarão este conhecimento produzido,
pacificamente. E é neste grupo que nos encontramos! O fato é que muitos de nós jamais
aceitamos esta determinação violenta sob nossas vidas, sobre nossa busca por mudar a
realidade de exploração. Resistimos e a resistência se organiza de diversas formas na história.
Quando falamos resistência, esta palavra ainda carece de explicações, pois apenas a
palavra, definida como aquilo ou aquele que resiste a algo ou alguma coisa, é uma abstração
que mais pode confundir do que esclarecer muita coisa. A resistência que nos referimos é
aquela que se organiza em partidos internacionais para lutar contra a burguesia (também
2 Expressão que aprendi com Giseli Costa Sifroni, militante da LIT-CI e pesquisadora na Universidade de São
Paulo, para se referir a um conjunto muito expressivo de alunos e pesquisadores que vivem para preencher
formulários da CAPES, onde o currículo de atividades tem centralidade na constituição da vida destas
pessoas, mais do que a própria atividade intelectual. São intelectuais no sentido mais empobrecido do termo,
ligados a uma lógica reprodutivista quantitativa e abestada que procura dar importância numérica para
aquilo que os números jamais conseguirão representar: o conhecimento. O intelectual made in CAPES é
uma espécie de idiota, escravo das agências de fomento, que se sujeitam a lógica da fábrica para produzir
um tipo de conhecimento fenomênico e que ignora absolutamente a luta de classes. Já escrevemos dois
pequenos textos sobre esta questão em outro momento, “A fábrica para além da fábrica” (http://
www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/5941-a-fabrica-para-alem-da-fabrica); e também, “A
burocratização do trabalho docente, ou, da cafetinagem acadêmica” (http://carosamigos.com.br/index.php/
colunistas/216-jean-de-menezes/11615-a-burocratizacao-do-trabalho-docente-ou-da-cafetinagem-
acadêmica).
internacional). Trata-se de uma resistência que defende o Socialismo Revolucionário e não
qualquer outra coisa na moda eleitoreira do nosso tempo presente3 .
3 Não confundir com uma pseudo resistência pacifista que tem como estratégia os processos eleitorais
burgueses. Esta resistência não resiste a nada! Não resistem ao projeto neoreformista, as alianças com os
donos de empresas... trata-se apenas de defender os interesses de uma certa classe média (middle-classes),
de mentalidade pequeno burguesa. São reformadores do sistema capitalistas, perfumadores daquilo que não
tem perfume. Defendem a manutenção da ordem burguesa, sem tocar em um fio de cabelo do capitalismo.
Não resistem as migalhas que caem da mesa do banquete da classe burguesa e se deliciam com as sobras de
comida que o capital lança ao chão.
O programa é algo vivo e radical porque pretende ir até a raiz daquela imediaticidade.
O programa socialista revolucionário parte da realidade imediata e desenvolve o
desvelamento das relações sociais mistificadas, naturalizadas. Esta perspectiva estuda,
investiga e se organiza para transformar o tempo presente. Não há espaço para o elogio do
presente na perspectiva socialista revolucionária. Defende-se a organização da classe
trabalhadora mundialmente, o fim da propriedade privada, o fim do assalariamento, a tomada
do Estado pelo proletariado, ou seja: a ditadura revolucionária do proletariado (que significa
tomar pelas mãos o poder do Estado e colocá-lo para funcionar de acordo com os interesses
do proletariado e sua posterior destruição).
É preciso ter isso muito claro, pois resistir nem sempre é um caso de rebeldia, muito
menos ainda de defender os interesses da classe trabalhadora. Sob a palavra vazia de
“resistência” se esconde muita coisa antagônica aos interesses da classe trabalhadora. Por
isso reivindicamos o debate programático, para além do personalismo (que em muitos casos
encarnam seus programas políticos neoliberais -chamado de modo eufêmico de
neodesenvolvimentismo6 -, como é o caso de Lula).
4 Sobre o conceito de tempo presente que trabalhamos ver in biblioteca: MENEZES, J.P.P. . M543e. Um
estudo sobre o conceito de história e tempo presente em. Marx através da crítica da economia política de
1859 / Jean Paulo. Pereira de Menezes. – Marília, 2015. 272 f. ; 30 cm. Tese (Doutorado em Ciências
Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Campus de Marília - SP.
5 Não nos esqueçamos que até mesmo um chuveiro tem “resistência”!A questão é: a quem aquece a água que
passa por sua resistência? Se a sua resistência funciona como aquecedora dos interesses da burguesia, o
banho da classe trabalhadora continua gelado!
6 O neodesenvolvimentismo é um eufemismo para social-liberalismo, que sustentamos aqui ser o
correspondente ao neoliberalismo. Esta perspectiva, de acordo com FONTANA (2018) “[...] não passou de
um rótulo para, nos limites do neoliberalismo, apoiar, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES) e isenções de impostos bilionários, industrias nacionais de baixa tecnologia como a
Friboi e as empreiteiras, para tornarem-se monopolistas e multinacionais. [...] Essa política não
representou nenhuma emancipação com relação ao imperialismo nem confronto com o capital financeiro.
Os bancos lucraram cinco vezes mais nos mandatos de Lula do que nos de FHC segundo dados do Banco
Central. [...] O neodesenvolvimentismo também não difere do neoliberalismo quanto as políticas sociais:
defende a igualdade de oportunidades e os programas compensatórios de transferência de renda do Banco
Mundial, enquanto aplica e permite a privatização, por meio de concessões, Parcerias Público-Privadas
(PPP) e gestão privada de serviços públicos [...]”, além de apostas na superação dos problemas sociais pela
via do mercado.
Desde 1848, quando da apresentação de um programa revolucionário pelos
comunistas, passando pela criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T.) em
1864, pelos congressos da Internacional, pelo programa de Gotha e pela constituição da
Social Democracia Alemã em 1863, temos a construção do que poderíamos chamar de
tradição marxista e na constituição desta tradição o programa socialista revolucionário passou
por diversos ataques, muitas vezes sendo reduzido a pó, no caso alemão, reduzido a milhares
de mortos da classe trabalhadora nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial, defendendo os
interesses da burguesia imperialista.
A defesa do programa socialista revolucionário é uma luta travada nos últimos séculos
na sociedade de classes onde o reformismo e o neoreformismo se fazem presentes
defendendo a ordem da burguesia e suas formas de dominação.
Francis Fukuyama, em seu livro “O Fim da história e o Último Homem” (The End of
History ande the Last Man) dá a seguinte mensagem: “Vencemos! A democracia teria
vencido qualquer outra perspectiva política (URSS) e desta forma se teria chegado ao ‘fim da
história'”. Tratava-se de defender e aperfeiçoar a democracia como valor universal, como a
forma de governo que melhor desenvolveu a humanidade e, portanto, dever-se-ia procurar
aperfeiçoá-la. Evidentemente, esta proposta atende perfeitamente os interesses da burguesia
e não da classe trabalhadora. Assim, diante das crises do capital, da reestruturação produtiva,
dos planos de austeridades, seria necessário votar! Votar seria a saída civilizada e
7 Partido fundado em 2014 na Espanha, apresentando-se como sendo de esquerda e alternativo aos partidos
tradicionais como o PP (Partido Popular) e o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol).
8 Sigla de Synaspismós Rizospastikís Aristerás (Coligação da Esquerda Radical), fundada em 2004, via
coalizão iniciada por dissidências do Partido Comunista Grego e setores da esquerda, composto por 13
tendências políticas que levou o nome de Alexis Tsipras (que recebeu a maioria dos votos do povo grego e
posteriormente se mostrou subserviente ao imperialismo) contra a Nova Democracia e PASOK, que
representavam os interesses da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário
Internacional).
9 Partido dos Trabalhadores, fundado em 1980.
10 Partido Socialismo e Liberdade, fundado em 2004.
democrática para o enfrentamento das crises e aperfeiçoamento da história. É preciso dizer
que Fukuyama escreve seu livro em 1992 a pedido do próprio governo dos Estados Unidos,
onde se configurava como um dos assessores de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
Quanto mais a classe trabalhadora é seduzida pela proposta política reformista, mas
ela se distancia da possibilidade de construção de algo que realmente mude a vida, a saber, a
revolução socialista, uma estratégia que as organizações reformistas possuem terror de
pronunciar, exatamente porque sua política não é mudar estruturalmente absolutamente nada,
apenas reformar o que já existe. Em outras palavras, não se trata de construir o novo (embora
digam isso em suas peças publicitárias), mas de reparar alguns elementos do velho, sem
mudar por completo (como se faz com uma casa deteriorada pela ação do tempo, pintando,
arrumando algumas trincas da parede, trocando uma telha... mas que por fim, esta lá a casa
como era antes, apenas com algumas reformas que não a muda a partir dos seus alicerces, dos
seus fundamentos) o que já está dado, e neste caso: a democracia burguesa como arma
política da classe dominante. A burguesia, ao se utilizar da democracia como arma política,
seduz as organizações claramente reformistas ou com tendências reformistas, triturando-as
até que não lhes restem nada de perspectiva revolucionária, quando houver (raramente há).
A classe trabalhadora possui uma demanda que jamais será atendida pela burguesia e
seus governos em seus regimes. E não afirmamos isso contando apenas com uma questão
moral (de que os porcos capitalistas querem nos sugar a cada dia - o que não é mentira), pois
a forma de funcionamento da sociedade capitalista está para além da moral. Queremos dizer
com isso que as contradições da sociedade burguesa são irreparáveis, como afirmamos no
início este artigo.
11 Desde o século XVI existiam eleições locais na América Portuguesa. No período imperial também há
registros de eleições indiretas, mas é no período republicano que as eleições são enfatizadas devido o caráter
do regime político adotado com a República. Como afirmamos, nenhuma destas eleições provocaram
mudanças substanciais na vida da classe trabalhadora. Jamais superaram a relação entre senhor e escravo e/
ou entre a burguesia e trabalhadores. Acreditar nas eleições como caminho para uma vida plena, como
afirmam os reformistas, é a mais pura utopia em seu sentido vulgar.
12 Para ter acesso a uma breve aula sobre os limites destas classificações políticas de direita e esquerda e
entender que se colocar no tempo presente como “sendo de esquerda” não nos diz muita coisa, acessar:
https://youtu.be/KNAwlz5Vis8.
13 Jamais associar o PT a perspectiva socialista revolucionária, pois nunca estiveram neste campo. Esta
organização nasceu e se fez da frente popular e assim governou. Nunca a direção deste partido defendeu o
socialismo revolucionário, muito ao contrário, sempre se posicionou contra um programa socialista
revolucionário e é assim até hoje.
Em 1875, na cidade de Gotha (Alemanha, ver
imagem) acontecera uma importante proposta
programática encabeçada por Ferdinand Lassalle, de
fusão14 de duas organizações da classe trabalhadora e
com um programa político rebaixado em relação aos
princípios do socialismo revolucionário defendidos por
Marx e Engels. Lassalle defendia que era papel do
Estado defender os interesses da classe trabalhadora,
ignorando o caráter de classe da origem do Estado15 já
apresentada no programa de 1848 pela Liga dos
Comunistas. Nas palavras do próprio Lassalle em carta aberta ao Comitê Central pela
convocação de um congresso geral do operários alemães em Leipzig, apresentada por
Michael Löwy:
14 A história política atual está repleta de fusões entre aqueles que disputam o “campeonato” para ver quem é
mais reformista, embora se autoproclamem como revolucionários da resistência. Neste caso do nosso tempo
presente refiro-me aos neoreformistas, diferentemente dos reformistas clássicos do século XIX, não
possuem influencia de massas entre os trabalhadores; atuam e são majoritariamente constituídos pela
pequena burguesia. No Brasil, é o caso emblemático do Psol que tenta com todas as suas forças (que inclui
as forças do apoio burguês) ser o substituto do PT, nos dando demonstrações até mesmo bizarras quando do
comício de 2018 de fronte o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC onde Lula como se fosse o papaizinho de
Boulos, lhe dá conselhos “fraternais”, endossando a figura do novo filho de trinta e poucos anos na vida
política nacional.
15 Este erro, de ignorar os fundamentos do Estado, ainda é reproduzido pela esquerda reformista e mesmo por
parte das organizações que formalmente ainda chamam para si o socialismo revolucionário, como é o caso
do PCB e PCO para citar apenas duas. Nesta mesma linha encontramos intelectuais autonomistas ou mesmo
simpatizantes de organizações que se situam no campo abstrato que chamamos de esquerda, sejam eles
neoreformistas ou socialistas revolucionários de salão. No caso destes intelectuais simpatizantes de esquerda
a ignorância da origem do Estado chega a ser assustadora, pois tratam como se o fosse natural, a-histórico e
absolutamente normal o regime democrático-liberal de governar, aceitando as suas regras e crendo na defesa
da democracia por parte dos poderes do Estado burguês. Chega a ser infantil! Para ficarmos em apenas um
exemplo: lutam contra um suposto golpe desferido contra a ex-presidenta Dilma. Se isso não for ignorar os
fundamentos e a origem de classe do Estado e o seu funcionamento, francamente, não sei nem mais o que
dissertar (para não ofender inocentes úteis)
trabalhadora. Princípio elementar da Internacional Comunista e radicalmente distante do
pensamento de Marx e Engels.
Fantasmas não existem! O que é real são os reformadores, aqueles que por múltiplas
variáveis abandonam e colocam em descrédito o programa socialista revolucionário. Não
podemos atribuir à metafisica a existência do reformismo. É preciso localizá-lo na história,
pois este é o seu lugar, não em um mundo para além do nosso, na alegoria ou na fantasia, pois
se trata de um fenômeno que tem seus fundamentos e que coloca a classe para marchar fora
da perspectiva revolucionária. Faz a classe apenas caminhar pelas estradas dos interesses da
classe burguesa, vendendo (ai sim uma utopia) de que é possível atingir o socialismo através
de leis, do respeito cidadão ao regime burguês de dominação democrática, que é possível
destruir o capitalismo ao passo que enchermos o Estado de leis socialistas, com sua
destruição pacífica: isso nunca aconteceu!
Os reformistas de ontem e de hoje, “fazem das tripas coração” para deixar claro a
burguesia que são ordeiros, pacifistas e que respeitam as instituições do Estado criado pela
burguesia. Do século XIX ao XXI os reformistas são capazes de ignorar o acúmulo de
séculos de lutas, de lições históricas sobre a construção da luta revolucionária para aplacar o
medo da burguesia em momentos de crise. Com todas as letras se desviam dos fundamentos
do Estado como instrumento de dominação. Aceitam a democracia liberal sem maiores
problemas e divulgam para a classe trabalhadora que a saída para os problemas diante da
crise são as eleições. Mais uma vez, ignoram frontalmente a origem do Estado, respeitam o
seu regime e caluniam as organizações que não recuaram em seu programa socialista
revolucionário. Todavia, muitas destas organizações pequeno burguesas insistem em se
apresentarem nomenclaturalmente como socialistas, provocando confusão em parte dos
trabalhadores e alegria entre os senhores!
Ainda, sobre ser para-choque da burguesia em nosso tempo presente e realizar o jogo
que o capital gosta, além de propor um “governo violino”, Boulos (candidato à presidência
pelo Psol) em entrevista ao programa da Fundação Padre Anchieta, em 7 de maio deste ano
(2018), apresentou-nos de modo simplista o programa político que defende e certamente não
há nele absolutamente nada de socialista revolucionário! Ao invés de propor a revogação
imediata dos planos de austeridades, o que propõe é a manutenção do jogo democrático da
burguesia: “(...) a nossa primeira medida no dia primeiro de janeiro de 2019 vai ser propor
um plebiscito para que o povo brasileiro possa decidir se quer manter ou revogar as medidas
tomadas pelo Michel Temer porque isso foi feito sem passar pelo crivo do voto popular
(...)” (BOULOS, 2018a). Embora seu partido se coloque como socialista e defenda
formalmente a superação do capitalismo. Defender o socialismo e agraciar a burguesia não é
algo novo ha história, como buscamos demonstrar até aqui.
“Assobiar e chupar cana”, defender que estas duas ações é possível, significa defender
a conciliação de duas classes historicamente antagônicas. Isso o PT já fez em seus governos
desde 2002 e os resultados todos sabemos. O Psol, como partido reformista, revisionista
decadente do socialismo, segue o mesmo caminho do PT, efetivando o jogo da reação
democrática da burguesia em épocas de crise e as consequências para a classe trabalhadora
continuarão sendo gravíssimas!
Todavia, uma das farsas dos neoreformistas, detidamente a apresentada pelo Psol em
nosso tempo presente, é que se coloca formalmente contra a conciliação de classes e de forma
quase retumbante se diz ser programaticamente contra “assobiar e chupar cana” ao mesmo
tempo. Vejamos como é apresentada esta questão em seu programa socialista “com liberdade”:
O programa de fundação, neste caso, sustentado até esta data, não passa de uma
abstração, no sentido de serem palavras vazias. Queremos dizer com isso que o reformismo
trabalha no plano abstrato da realidade no que se refere ao Programa. Que embora
programaticamente se coloque como defensor da independência de classe, e de supostamente
serem contra a conciliação de classes, no plano da realidade concreta esta defesa não passa de
uma abstração como empregado por Marx na “Introdução de 1857":
Es scheint das richtige zu sein, mit dem Realen und Konkreten, der
wirklichen Voraussetzung zu beginnen, also z.B. in der Ökonomie mit der
Bevölkerung, die die Grundlage und das Subjekt des ganzen
gesellschaftlichen Produktionsakts ist. Indes zeigt sich dies bei näherer
Betrachtung [als] falsch. Die Bevölkerung ist eine Abstraktion, wenn ich
z.B. die Klassen, aus denen sie besteht, weglasse. Diese Klassen sind wieder
ein leeres Wort, wenn ich die Elemente nicht kenne, auf denen sie beruhn,
z.B. Lohnarbeit, Kapital etc (MARX, ). 17
É absolutamente abstrato, para não dizer irreal, pois este ponto do programa não passa
pela menor crítica que se estabeleça no tempo presente, considerando que o Psol como
17 A tradução aqui é de Fausto Castilho: “É que parece correto começar pelo real e pelo concreto, pela
pressuposição efetivamente real e, assim, em economia, por exemplo, pela população: fundamento e sujeito
do ato todo da produção social (die rundlage und das Subjekt des ganzen gesellschaftlichen Produktionsakts
). A uma consideração mais precisa, contudo, isto se revela falso. A população, por exemplo, se omito as
classes que a constituem, é uma mera abstração. Estas últimas, por sua vez, são uma expressão vazia se não
conheço os elementos sobre que repousam, a saber, o trabalho assalariado, o capital etc.” (CASTILHO,
2010, p. 109).
representante do neoreformismo é incapaz de efetivar o que supostamente defende em seu
programa político que leva a palavra socialista com um vermelho completamente desbotado
pela água sanitária da burguesia que diz combater.
A prova mais cabal desta afirmação é a prática desta organização de aceitar, sem
nenhum problema, o financiamento de empresas, ou seja, dinheiro da própria burguesia para
defenderem este programa abstrato durante o jogo democrático que já nos referimos
anteriormente. É preciso reafirmar a esquerda revolucionária e certamente o Psol passa longe
de ser revolucionário, pois sua práxis é radicalmente utilitarista e atende os interesses da
burguesia. Como sustentar o financiamento de campanha e ao mesmo tempo um programa
realmente revolucionário? Quem nos responde é Luciana Genro, na ocasião ao entrevistador
da TV Gaúcha:
Entrevistador: “A senhora disse que é preciso taxar a riqueza das cinco mil
famílias mais ricas obviamente do Brasil, no entanto em 2008, quando a
senhora foi candidato a prefeita de Porto Alegre a senhora recebeu cem mil
reais da multinacional gaúcha Gerdau, que inclusive todos sabem, apoio à
ditadura militar na década de 60, também recebeu recursos e ta recebendo
da companhia Zaffari que também é uma das famílias mais ricas do Brasil...
onde é que esta a distância entre a coerência do que se fala e do que se
pratica?”
Entrevistada: “Acho que é ao contrário da Dilma, por exemplo, que recebe
dinheiro dos bancos das empreiteiras e efetivamente governa a favor desse
segmento são tantos na política econômica como colocando essas
empreiteiras para fazer obras na Petrobras e superfaturamento e propinas
como a gente tá vendo, o fato da Gerdau ter contribuído com a minha
campanha em 2008, aliás, eles contribuíram com cem mil reais para todos
os candidatos, só demonstra que eu apesar de ter recebido esse dinheiro não
tem absolutamente nenhum compromisso com essas empresas, assim como
também não tenho com o Zaffari que é a única empresa que doa para o Psol,
então o Psol por estatuto tem uma definição de não receber dinheiro dos
bancos das empreiteiras que das multinacionais que são as empresas que em
geral os segmentos empresariais que mais estabelecem essa relação
promíscua com os partidos e os governos [...]18.
Reafirmamos: o reformismo deve ser combatido com todas as nossas forças, pois
estas organizações (não apenas no Brasil), não representam um programa político à parte dos
interesses da burguesia, pois são a expressão literal do programa político burguês que
necessita da perspectiva reformista para dar um ar de legitimidade àquilo que apresentamos
aqui como reação democrática. Principalmente nos momentos de crise do capital, onde a taxa
de lucro deve ser retomada a todo preço. Preço que evidentemente querem fazer a classe
trabalhadora pagar. Diante disso, ao invés de construir e fortalecer a perspectiva socialista
revolucionária, os reformistas apenas fazem confundir ainda mais a classe trabalhadora e
desviar as tarefas de armar a classe proletária como sujeito revolucionário do nosso tempo
presente.
Se a burguesia nos ataca frontalmente, o reformismo nos ataca pelas costas. Nossa
resposta, para ambos, continua sendo aquela dada de frente: colocar a classe para marchar e
instaurar a ditadura revolucionária do proletariado. E isso não se faz em conciliação com
empresários, nem através das eleições. Faz-se com lutas organizadas, unindo os
trabalhadores, não as esquerdas, neste caso os neoreformistas. Estes, do século XIX até o
XXI, devem ser atacados com todas as nossas forças.
Com a palavra, aqueles que dizem “assobiar e chupar cana” ao mesmo tempo!
Referências:
BOULOS, Guilherme. Entrevista Programa Roda Viva. Fundação Padre Anchieta, 2018.
Disponível in:<https://www.youtube.com/watch?v=YWDOV0Nk_eU>. Acesso em: 21 de
Maio de 2018.
CASTILHO, Fausto. Tradução. O método da Economia Política. Karl Marx. Revista Crítica
Marxista, número 30, Campinas, 2010.
FONTANA, Mariúcha (Org). Projeto de teses programáticas (da seção brasileira da LIT-
CI): O Brasil precisa de uma revolução socialista. São Paulo: Sundermann, 2018.
FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.
MARX, Karl. O Capital: Crítica da economia política. Livro I: O processo de produção do
capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
LÊNIN, Vladimir (1918). A revolução proletária e o renegado Kautsky. Disponível in:<http://
www.dorl.pcp.pt/images/classicos/t28t044.pdf>. Acesso em: 03 de Maio de 2018.
LÖWY, Michael. Prefácio a edição brasileira. In: Crítica ao programa de Gotha/Karl Marx,
tradução de Rubens Enderle - São Paulo: Boitempo, 2012.
PSOL. Programa. Programa aprovado no Encontro Nacional de fundação [...]. Disponível
in:<https://www.psol50.org.br/partido/programa/>. Acesso em 09 de Maio de 2018.
TROTSKY, Leon. Posfácio, 90 anos do manifesto comunista. In: Manifesto do Partido
Comunista. Editora José Luis e Rosa Sundermann; SP, 2003.