Março / Abril 2008 • 86ª Edição
Fibra na Alimentação de Ruminantes
Na língua portuguesa, fibra pode
ser definida como qualquer
estrutura filamentosa, geralmente,
sob a forma de feixe, encontrada
nos tecidos animais e vegetais;
pode representar estruturas
extraídas de inúmeros vegetais
para fins industrias, como por
exemplo, do algodão e do linho.
Também, encontra-se para fibra
alimentar, uma definição tida
como bioquímica, especificada
como, substância residual de
origem vegetal não digerida pelas
enzimas digestivas, composta
por celulose, gomas, pectina,
mucilagens e lignina.
Em dietas de animais herbívoros,
especialmente ruminantes, a fibra
é nutricionalmente importante
por conter a parte orgânica da
matéria alimentar mais resistente
à ação do processo digestivo no
trato gastrintestinal desses animais.
Tecnicamente, ao se balancear
uma dieta, fibra é considerada
como: indicativo da capacidade
ingestiva dos animais; fator de
controle do teor de gordura no
leite; fator de efetividade ao
estímulo da ruminação, bem
como, relacionada com o valor
nutricional dos alimentos, mais
especificamente,comobaixovalor
nutricional. Contudo, os alimentos
fibrosos são referenciados
como alternativa viável para
produção de ruminantes, uma
vez que não competem com
gêneros para alimentação
humana, como grãos e cereais.
Todavia, entende-se que tanto
alimentos concentrados (grãos)
e volumosos (pasto, silagens,
cana-de-açúcar, co-produtos
da agricultura, dentre outros)
são importantes para os atuais
sistemas produção de ruminantes.
Assim, abaixo serão discutidas as
diferentes nomenclaturas para
fibra no âmbito de metodologias
de determinação e implicações
práticas.
Fibra Bruta (FB): quantificação
da fibra baseada em tratamento
ácido-alcalino. Esse método
de análise fazia parte do
Sistema Weende padronizado
e generalizado por volta do
ano 1860, embasado na acidez
estomacal e alcalinidade
intestinal, únicas características
químicas conhecidas do processo
digestivo à época. À luz atual da
ciência zootécnica, esse método
analítico possui falhas graves, pois,
quantifica parte da hemicelulose
e lignina como conteúdo celular
(parte mais digestível do alimento).
Além disso, oferece risco, pois
se trabalha com materiais
carcinogênicos, assim, em
nutrição de ruminantes a FB está
em desuso. Todavia, em nutrição
de animais Não Ruminantes essa
metodologia ainda é empregada.
Isso se deve à facilidade de análise
e ao fato de que em alimentos
concentrados o conteúdo de
parede celular em relação à
matéria seca total é menor que
em alimentos volumosos. Todavia
é uma metodologia imprecisa que
subestima o conteúdo de fibra e
superestima o valor energético
dos alimentos.
Fibra em Detergente Neutro (FDN):
quantificação da fibra baseada
em tratamento com detergente
neutro. Esse método parte do
princípio que o detergente neutro
solubiliza a bicamada lipídica da
membrana celular dos alimentos
e, por filtragem, separa-se,
“grosso modo” parede celular
(celulose, hemicelulose e lignina)
de conteúdo celular. Atualmente
esse é o método mais aceito pelos
nutricionistas de ruminantes para
determinação de fibra. Contudo,
parte da pectina, componente
da parede celular, é solubilizada
e computada como conteúdo
celular.
Fibra em Detergente Ácido (FDA):
quantificação da fibra baseada
em tratamento com detergente
ácido. Por esse método, também,
procura-se separar parede celular
de conteúdo celular, todavia, a
hemicelulose é sulubilizada pelo
detergente ácido e, também,
computada como conteúdo
celular. Alguns nutricionistas
utilizam FDA para avaliação
de fibra dos alimentos, todavia,
salienta-se, que o tratamento com
detergente ácido foi desenvolvido
como um passo preparatório
para determinação de lignina por
remover proteína remanescente e
outros compostos que contaminam
a lignina.
Diante do exposto percebe-se
que, em termos de massa, os
principais componentes da fibra
são a celulose, hemicelulose e
lignina, como pode ser observado
na Figura 01 que ilustra o
fracionamento de carboidratos
nas plantas.
Fibra Efetiva (FDNe): FDNe
relaciona-se com a capacidade
de um alimento em substituir a
forragem de forma que o teor de
gordura do leite seja mantido. O
conceito de fibra efetiva surgiu
com o advento da formulação
de dieta de custo mínimo, como
um método quantitativo para
assegurar um fornecimento
mínimo de fibra na dieta de
vacas leiteiras que garantisse a
manutenção do teor de gordura
no leite. Isso se deu devido ao
fato de que quando o custo
relativo de nutrientes em alimentos
concentrados for menor que em
forragens, os programas com base
em custo mínimo, formulam dietas
com baixos níveis ou até mesmo
ausência de forragem, o que
afeta o funcionamento do rúmen
e deprecia o teor de gordura do
leite. Todavia, o teor de gordura
do leite depende de outros
componentes do alimento que
não somente a fibra, bem como,
de características genéticas e
fisiológicas dos animais.
Fibra Fisicamente Efetiva (FDNfe):
A FDNfe relaciona-se com as
Figura 01 - Carboidratos das plantas: FDN = fibra em detergente neutro; FDA = fibra
em detergente ácido; CSDN = carboidratos solúveis em detergente neutro; FSDN =
fibra solúvel em detergente neutro; Açúcares = mono e oligossacarídeos. A Lignina,
componente da parede celular, não está incluída porque ela não é um carboidrato
e sim um fenil propano. Adaptado de Hall (2001).
propriedades físicas da fibra produtividade tem demonstrado
(principalmente tamanho da viabilidade técnica de dietas com
partícula) que estimula a atividade até 90% de concentrado, desde
de ruminação. Esse estímulo se que, se utilizem conhecimentos
dá mecanicamente, por contato zootécnicos para manipulação da
da matéria alimentar fibrosa com fermentação ruminal, o nível ótimo
receptores tensão, localizados de FDN na dieta para maximizar o
na camada muscular da porção consumo de energia por vacas
medial do retículo e no saco no pico de produtividade varia
cranial do rúmen. A concentração entre 25 e 35%. Deve-se considerar,
de FDNfe normalmente é menor também, que entre 65 a 75% da
do que a de FDN, ao passo fibra total da dieta seja oriunda
que a FDNe pode ser menor ou de forragens. Assim, assumindo um
maior que a concentração de valor de efetividade da fibra de
FDN de um alimento (Figura 02). forrageiras, próximo a 100%, pode-
A FDNfe fornece uma medida se dizer que o teor de FDNfe mínimo
mais consistente da fibra efetiva para vacas no pico de lactação é
em promover ruminação, uma próximo a 20%. O conceito de fibra
vez que é embasada em duas fisicamente efetiva pode ser útil
propriedades fundamentais dos para qualquer categoria animal
alimentos (fibra e tamanho de toda vez que a dieta contiver
partícula) e, independe de fatores elevados níveis de concentrado.
ligados ao animal. Calcula-se a
FDNfe de um alimento pelo produto
da sua concentração em FDN e
a proporção de MS retida numa Fernando de Paula Leonel
peneira de 1,18 mm (FDNfe = FDN x Zootecnista, MS;
fe). Por exemplo, num ensaio com DS - Assistente Técnico da Serrana
silagem de milho com teor de 40% Nutrição Animal
de FDN, 80% da MS ficou retido na
fernando.leonel@bunge.com
peneira de 1,18 mm: FDNfe = 40
x 80/100; logo FDNfe = 32
Embora, a busca por
Figura 2 - Ilustração das
relações entre FDN, FDN
fisicamente efetivo, e FDN
efetivo. Adaptado de
Mertens (2001).