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CENTRO UNIVERSITARIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS

Paloma Gama Lopes


R.A 8687472

ANÁLISE DO FILME “MONTANHAS DA LUA”

São Paulo
2019
Título: Mountains of the Moon (Original)
Ano produção: 1990
Dirigido por Bob Rafelson
Estreia: 23 de Fevereiro de 1990 ( Mundial )
Duração: 136 minutos
Gênero: Aventura, Drama, História.
País de Origem: Estados Unidos da América
Roteiro: Bob Rafelson e William Harrison Produtor: Mario Kassar
Sinopse:
Em 1860, o capitão Richard Burton (Patrick Bergin) e seu colega John Speke
(Iain Glen) realizam uma perigosa expedição: uma longa e acidentada jornada
em busca da nascente do rio Nilo, em nome do Império Britânico da Rainha
Victória. O filme mostra o primeiro encontro deles, o surgimento da amizade e
seu fim após a jornada.

Esse trabalho é sobre uma analise do filme Montanhas da Lua do diretor Bob
Rafelson, produzido e lançado em 1990. Segundo o diretor produzir o filme foi
escrito como o trabalho dos sonhos, sendo considerado por ele seu melhor
trabalho. O filme foge dos temas habituais abordados pelo diretor, que sempre
tem seus filmes ambientados no século XX, com grande influencia da escola
New Hollywood e da contracultura dos anos 60 e 70. Porem, mesmo sendo um
filme posterior a escola New Hollywood, em “Montanhas da Lua” podemos ver
elementos típicos do movimento no filme, onde há cenas de nudez e
sexualidade, além do filme tentar passar uma visão mais realista e menos
idealizada, não exaltando seus heróis mais do que o condiz seus feitos.
O filme é baseado no livro “Burton and Speke” de William Harrison, que por sua
vez tem como base os relatos do próprio Sir Richard Francis Burton durante
sua expedição na Africa Central ao lado do tenente John Hanning Speke em
1854. O filme então tem como tema central a busca pela nascente do rio Nilo
pelos dois homens sob patrocínio da Royal Geographic Society e á grosso
modo trata-se apenas disso: dois homens em uma aventura exaustiva, em
busca de um objetivo que levando em consideração as provações torna-se sem
sentido. No filme não fica explicito o que realmente se espera de tal
descoberta, sendo necessário um conhecimento prévio e muita atenção para
assimilar os interesses comerciais da Inglaterra em África, evidentes em
algumas falas e elementos de cena.
Sabemos que nos séculos XVIII e XIX, a burguesia sustentada pela indústria e
comercio, financiam expedições ultramaritimas em conjunto com a coroa para
alimentar o mercado interno. Visam aumentar sua esfera de influência no
ultramar e estabelecer relações vantajosas a Inglaterra com territórios na Ásia,
África e América. Com a ascensão da burguesia, as ideias iluministas se
propagam, conquistando nobreza e o grande público. Editoras e a imprensa
vende ciência tanto em livros acadêmicos como em simples relatos de viagens
ao mundo selvagem e não civilizado. O avanço tecnológico e cientifico torna-se
alvo de propaganda, sendo altamente necessário para alimentar a demanda do
mercado inglês após da Revolução Industrial. A Royal Geographic Society era
uma companhia que tinha como objetivo coletar conhecimento cientifico e
expandir o comercio especialmente na África. Aliada com os novos ideais
filantrópicos e o humanismo visa não só obter conhecimento e lucro, mas
também levar a luz da civilização a todos os povos e acabar com a
dependência e comercio da mão de obra escrava. Expedições da companhia
são financiadas por industrias inglesas, com o objetivo de beneficiar os estudos
da cartografia, geografia e antropologia e estabelecer rotas fluviais ideais para
nova frota a vapor no interior da África facilitando reconhecimento do território
em prol do comercio da Inglaterra com os diversos povos. Então, era essencial
para a Inglaterra que Burton e Speke achassem as nascentes do maior rio do
mundo.
No filme é notável o que motiva cada homem, Burton busca adquirir o
conhecimento das diversas culturas e línguas na região, já Speke visa a fama,
motivado por Lowry, um jovem e ambicioso editor que tem como objetivo tornar
Speke uma estrela e publicar suas aventuras. Alguns elementos de cena que
pode passar despercebido e algumas frases soltas mostra qual a função
daquela expedição para cada setor na Inglaterra, e mais evidente o que motiva
os dois homens como pessoas. Logo na primeira cena, vemos um barco
chegando em um porto movimentado por homens negros carregando produtos
e soldados ingleses supervisionando o carregamento e descarregamento. Os
carregadores correm para todo lado de forma desorganizada, e dois deles
deixam cair parte da bagagem de Speke, que ralha com eles rispidamente. A
cena faz perceber como é posto os interesses ingleses no filme, ou seja, o
comercio fervilhante no cais, e também como era vista a África por um
europeu. As diversas etnias e tribos na África eram vistas como atrasadas e
selvagens, os próprios africanos vistos como um pouco mais que um animal e
tal visão é evidente no modo como são retratados e como se relaciona com as
personagens. Speke ao longo do filme, mostra certa antipatia com os nativos,
quanto ao Burton, é evidente seu interesse em aprender os costumes das
tribos da África e entusiasmo por conhecer diversas culturas. Em alguns
momentos alguns dos carregadores sendo retratados como infantis,
indisciplinados e desorganizados como na cena onde um dos carregadores
derruba a tampa de um bule na xicara de Speke, assim como em outras cenas
onde é visível a irritação do explorador com os carregadores que os vê como
criaturas obtusas. É visível o esforço de mostrar que o africano não sabe como
se comportar, não sebe manter organização, portanto estão sempre correndo
como se não soubessem pra onde ir e não consegue manter uma fila
organizada, sendo retratados sempre se empurrando e gritando uns com os
outros. Tal visão generalizada era comum nos países Europeus, impulsionados
pelas descobertas cientificas e tecnológicas, inflados com a onda do
Iluminismo, viam a si mesmos como o progresso, como o modelo de como o
restante do mundo deveria ser.
No começo da primeira expedição o filme passa a ser narrado por Burton,
como se estivesse escrevendo em seu diário ou em cartas, o que faz alusão ao
fato de seus registros são mais precisos e meticulosos do que os de Speke. Ao
longo da trama vemos que Speke tem como hobby a caça e não se interessa
muito dos instrumentos usados para mapear a região que Burton sempre tenta
mostrar o quantos são importantes para uma pesquisa cientifica de tal porte.
Após o retorno de ambos para a Inglaterra depois da segunda expedição é
evidente que tais fatos e características de ambos, apesar da amizade, causam
a intriga entre os dois exploradores em conjunto com a discordância de Burton
de que o lago Vitoria seria de fato a nascente do Nilo.
O comercio de escravos também é algo bastante evidente durante o filme. Em
diversas cenas é possível observar homens negros acorrentados, sendo
conduzidos por outros africanos ou por árabes, mas nunca por um homem
branco. No século XIX a Inglaterra visava acabar como trafico negreiro em prol
do comercio “licito”, e outra evidencia disso no filme está em uma cena onde o
Speke está sentado ao lado de um negro com roupas típicas islâmicas que
distribui dinheiro para os negros que são contratados como carregadores. Vejo
a cena como sendo claramente proposital, para mostrar que mesmo que o
homem negro não sabe como se comportar como tal ainda assim é digno do
trabalho assalariado. Em uma cena com trilha sonora tensa e ambiente a luz de
tochas, Burton expõe como abomina a escravidão após ser capturado junto
com sua caravana por uma tribo. Acontece que em cenas anteriores Burton
salvou a vida de um escravo fugitivo, o admitiu em sua caravana e lhe
prometeu proteção, que por acaso estava fugindo desta mesma tribo, e acaba
sendo recapturado. Burton doente e claramente sob efeito de algum tipo de
droga, grita que aquela tribo tinha costumes bárbaros e que a escravidão
deveria acabar. Sob o discurso de que todo homem deve ser livre, Burton dá o
benefício da eutanásia ao seu protegido. Ao meu ver a cena mostra como
pensava um intelectual da época de Burton, que defende os ideais de liberdade
e a superioridade moral europeia, se acha no direito de libertar qualquer
homem escravizado da forma que puder, sendo melhor a morte ás correntes.
As relações com a tribos encontradas ao longo da viagem variam, se
mostrando mais fáceis com povos árabes ou sob influência do islã. Algumas
tribos com quem se deparam pelo caminho mostram amistosos e ansiosos por
estabelecer comércio com eles, nota-se na cena onde após encontrar
guerreiros de um determinado território Burton e Speke conversam com eles
sobre tecidos, com ajuda de seu interprete, enganando-os ao dar nomes de
bebidas alcoólicas aos seus interlocutores. Essa seria outra cena que mostra o
choque de cultura, sendo necessário não um aperto de mão, mas uma
cusparada com um liquido branco para validar o acordo entre a caravana e os
nativos. São feitos de prisioneiros por outra tribo hostil tendo uma postura
submissa e indefesa em relação aos seus captores, que recusam a diplomacia,
roubando os presentes oferecidos por Burton, e partem para a violência.
Mesmo com tal perigo sendo eminente, nenhuma escolta e nenhum militar a
não ser os dois capitães acompanham a comitiva. Isso nos mostra como se
deu em primeira instancia as ações da Inglaterra em África, assumindo
primeiramente uma política de não intervenção no continente, visando apenas
estabelecer comercio com as diversas sociedades locais mantendo o controle
territorial nas mãos dos habitantes da região de acordo com o costume de cada
um. Um ponto interessante é que os nativos são diversas vezes retratados
cantando e dançando, algo que Burton em seu discurso na RGS faz questão
de evidenciar. As diversidade de costumes e idiomas na África também é
bastante explorada.
Em alguns momentos do filme, John demostra uma certa inclinação
homossexual, evidente em uma cena onde o mesmo sai para cavalgar ao lado
de Lowrym, seu editor, precedida por um momento dos dois com postura
relaxada e muito próxima. Outra cena que faz surgir a questão, é em momento
onde Burton está doente e Speke desesperado beija-lhe nos lábios. Após uma
pesquisa breve não encontrei nenhuma evidencia que havia um
questionamento acerca da sexualidade de Speke, mas sim de Burton. Devido
as experiencias no exterior e traduções de obras como o “Kama Sutra” por
Richard, surgiram boatos de que o capitão tinha tendência a “desvios” e vícios
sexuais. Porem, no filme o que é valorizado é a relação de Burton com sua
esposa Isabel, com cenas românticas de cortejo e relações sexuais. Mesmo
com a distância, os sentimentos de ambos se tornam mais fortes e são
mostrados como o relacionamento ideal. A esposa é a maior entusiasta dos
trabalhos de Burton e mostra-se, após o seu retorno, pronta para lutar pelo
marido descredibilizado por seu companheiro na sociedade londrina. Speke
não teria o mesmo apoio que Burton tem e ao descobrir que foi enganado por
Lowry mostra-se totalmente desolado.
Com a volta de Speke antes de Burton, Lowry pressiona para ir o mais rápido
possível para a RGS levar ao publico suas descobertas, sob alegação de que
Burton atribuiu o fracasso da primeira expedição, encerrada devido ataques de
nativos ao acampamento, a Speke, o que justificaria que John ficasse com todo
o credito pela excursão e descobertas na África. Quando é sugerido um debate
entre os dois exploradores, amigos e rivais, Speke preocupado com sua
capacidade de fornecer provas conclusivas sobre seu achado descobre que tal
alegação da parte de Burton sobre Speke era falsa, arquitetada por Lowry para
causar a antipatia entre os dois homens em benefício de sua editora. Antes de
apresentar seus argumentos no debate na Royal Geographic Society contra
Richard Burton, John Hanning Speke falece após um disparo de sua arma
enquanto caçava na Inglaterra. O exato momento de sua morte não é mostrado
no filme, deixando em aberto se de fato foi um acidente ou se foi suicídio, como
em algumas cenas depois é questionado a Burton por um agente da imprensa.
A última cena do filme é composta de Isabel e Richard organizando a mudança
do casal para o Brasil. No encerramento, antes dos créditos finais, é dito que o
casal ficou juntos por anos, nunca eram vistos separados em público e que
John Hanning Speke estava certo: 12 anos depois foi determinado de forma
definitiva que o lago Vitoria, nome dado pelo explorador ao lago Nyanza em
homenagem a rainha Vitoria, era de fato a nascente do rio Nilo.
“Montanhas da Lua” é um belíssimo relato de viagem em movimento, mas
também um mecanismo para pensarmos questões relacionadas ao
imperialismo inglês e suas intenções na África após a perda das treze colônias
na américa. É um ótimo retrato da era vitoriana e como as grandes explorações
eram aclamadas tanto das sociedades cientificas quanto pelo público. O filme
retrata como se dava as expedições e mostra de forma discreta o que tais
companhias, como a Royal Geographic Society, pretendiam ao financiar esse
tipo de excursão, dando mais ênfase ao objetivo pessoal de cada um dos
envolvidos ao partir em sua jornada. Burton visa adquirir conhecimento,
conhecer novas culturas e partir em uma grande aventura. John Speke visa a
fama e os recursos que pode obter através de suas descobertas, além de seu
grande entusiasmo pela caça. Tais diferenças aliadas aos registros meticulosos
de Burton e os desleixados de Speke são os combustíveis para a rivalidade
que nasceria entre os dois homens, fomentadas pela ambição de Lowry em
transformar John em uma grande estrela e pelo interesse da RGS em
comprovar as descobertas feitas pelos dois homens. Burton não é
transformado no herói que geralmente se torna um homem por feitos similares,
John Speke é alvo de toda propaganda e glória obtida pela expedição, mas não
após seus registros serem questionados e sua conclusão ser dada como
incerta devido à falta de provas, pois o mesmo não encontrou as cataratas do
Rippon, que é a ligação do lago com o rio, e o filme ressalta bem as
motivações para o rompimento da amizade. De acordo com o livro e com os
relatos do próprio Richard Burton, a amizade entre os dois não era algo
profundo, tendo Burton uma visão negativa de Speke, porem o filme mostra
dois homens cautelosos ao se conhecerem e grandes companheiros ao longo
da viagem através de cenas onde é visível a preocupação e o cuidado dos dois
homens um com o outro.
Ao meu ver o filme não traz uma grande lição de moral, sobre amizade e
lealdade. Mas traz consigo a mentalidade do homem europeu no século XIX, a
busca de novas descobertas cientificas amparadas nos ideais iluministas e
pelos métodos positivistas. Vemos a apreciação crescente do grande público
por obras relacionadas as aventuras no mundo selvagem e incivilizado na
sociedade vitoriana, mais um fator que legitima financiamento para tais
desbravamentos tão necessário a economia Inglaterra.
Concordo com a análise do crítico Jack Kroll: "As façanhas de Sir Richard
Francis Burton fazem com que Lawrence da Arábia pareça um turista...”.O filme
nos faz sentir as provações e dificuldades da jornada enfrentada por Burton e
Speke, que em nada se compara com as situações enfrentadas por T.E.
Lawrence no deserto árabe. Por fim, devo dizer que o filme Montanhas da Lua
é uma obra que faz jus ao tema que pretende abordar. De fotografia muito
simples, não faz muito uso da iluminação para externar algo. A trilha sonora é
uma mistura de orquestra clássica e tambores africanos, nos faz sentir
transportados ao continente e desperta emoções em momentos de tensão e de
alegria para as personagens. É possível captar o estilo do diretor, porem como
são retratados todos os envolvidos parece ser mais com base com os relatos
dos viajantes e na mentalidade da época retratada.

BIBLIOGRAFIA

GEBARA, Alexsander Lemos de Almeida. A ÁFRICA PRESENTE NO


DISCURSO DE RICHARD
FRANCIS BURTON: Uma análise da construção de suas representações de
Gebara.

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