1. AUTOR
DIAS GOMES
Quanto à temática, Dias Gomes optou pela realidade de nosso país no século XX. A
constante foi mostrar, sob vários ângulos, o jogo dos articuladores do poder em detrimento
de um povo sofrido, ignorante, ludibriado, manipulado. É o caso de “O Santo Inquérito”, “O
Pagador de Promessas”, “O Bem-amado”, “O Berço do Herói”.
“O Berço do Herói” tornou-se sua peça mais polêmica, porque teve problemas
incontornáveis na época – ditadura militar – com a censura, uma vez que o texto foi
considerado ofensivo às autoridades constituídas, as quais mandavam arbitrariamente no
Brasil.
Dias Gomes declarou que seu teatro era popular, no sentido de defender o povo –
entendido como os menos favorecidos -; porém dirigido a espectadores elitizados. Sua
intenção era falar à consciência da platéia não-popular, uma vez que o povo por ele
defendido não estaria presente nas salas de espetáculo, por motivos óbvios.
Nas últimas décadas de sua vida, Dias Gomes redigiu textos de telenovelas.
2. OBSERVAÇÃO
“O Berço do Herói” foi uma peça escrita em 1963 e sua primeira encenação seria em
1965. Contudo, censurada, não foi levada ao palco. Em 1975, Dias Gomes fez uma
adaptação ao texto desta peça para a televisão, sob o novo título de “Roque Santeiro”; mais
uma vez, a peça não pôde vir a público. Só em 1985, a telenovela foi encenada.
Existe, pois, um texto original de “O Berço do Herói” e outro texto. Este último não
foi fruto da fuga à censura; portanto, manteve-se a intenção e orientação do primeiro. O
próprio Dias Gomes, depois da exibição na televisão, resolveu introduzir novos elementos e
alterar outros. O resultado foi “Roque Santeiro ou O Berço do Herói”.
Palavras do próprio autor: “As personagens, de tal forma haviam sido popularizadas
pela televisão, que não teria sentido mantê-las com os nomes originais. Fui tentado também
a retrabalhar a peça, enriquecendo-a com algumas cenas sugeridas pela novela.”
Este nosso estudo se atém ao texto modificado, que acabou sendo, pode-se dizer, o
definitivo.
3. PERSONAGENS
Chico Malta (conhecido como Sinhozinho Malta): grande fazendeiro; chefe político
da cidadezinha de Asa Branca, no interior da Bahia; deputado federal. Mantém sua
força construída demagogicamente sobre a ignorância do povo. Consegue
beneficiamentos para a região, sempre levando vantagens pessoais. Sem escrúpulos,
exerce a política enquadrada no seguinte princípio: “Política se faz com a mão
esquerda na consciência e a mão direta na merda”.
Padre Hipólito: vigário que se constitui numa das pessoas mais influentes do lugar.
Obcecado pela implantação de uma rígida moral sexual, acaba aceitando benefícios
financeiros da situação imoral que ele combate, o comércio da prostituição.
Cabo Roque: rapaz que esteve na guerra e desertou, mas, por interpretação
equivocada de seu desaparecimento, se tornou herói mítico.
Militar: General.
4. ENREDO
Chico Malta morava em Asa Branca, com mulher e filhos, mas ficou conhecendo
Porcina em Salvador, ao praticar suas aventuras sexuais.
Irresistivelmente atraído por Porcina, resolveu levá-la para Asa Branca e torná-la sua
amante. Não queria, porém, fazer isso ostensivamente. Precisava de um pretexto.
Um rapaz daquela cidade, chamado Roque, tinha sido convocado para a guerra na
Itália e se tornou cabo. No campo de batalha, ele fugiu da trincheira, por pura covardia.
Como, no entanto, essa fuga foi tão absurda – porque ele a empreendeu movido por um
medo irracional – pareceu ser um ato de heroísmo (só um herói teria ousado o que ele
ousou!) Ao fugir, balearam-no de leve, no ombro, o que não o impediu de, depois de
desmaiar, continuar fugindo. Deparou com um camponês morto; trocou de roupa com ele e
se escondeu numa vila italiana perdida nas montanhas, passando por português. Terminada a
guerra, Roque não voltou para o Brasil porque era um desertor.
Na ocasião em que Malta levou Porcina para Asa Branca, o culto do herói estava
começando. Então, Malta teve a idéia de tornar Porcina a viúva do Cabo Roque; para tanto,
falsificou a documentação. Assim, ele passou a se encontrar sempre com a amante,
simulando dar apoio à viúva de um herói.
Tudo indicava que Asa Branca iria continuar em sua rota de se celebrizar e tirar
proveito turístico com o mito do herói. No entanto, de repente aconteceu algo que
desmontaria todo o esquema armado: numa madrugada, quinze anos depois do término da
guerra, em decorrência da anistia que favoreceu os desertores, o Cabo Roque desembarcou
em Asa Branca para lá se fixar. Em momento algum, lhe passara pela cabeça ter sido,
equivocadamente, considerado um herói no Brasil.
Depois de conversar com Matilde, que não o conhecera antes, o cabo foi procurar
Porcina, sem saber quem ela era. A partir de sua conversa com a “viúva”, informou-se da
situação embaraçosa em que estava envolvido. Porcina o manteve escondido em sua casa e
se comunicou com as pessoas importantes da cidade: Chico Malta, Padre Hipólito, o
Prefeito, Zé das Medalhas. Apavorados, eles se reuniram para deliberar o que se deveria
fazer. Pensaram até em oferecer a Roque uma boa soma de dinheiro para que ele voltasse
para a Europa, sumisse de Asa Branca. Além de isso ser arriscado – ele poderia vir a público
denunciar o engano – o cabo não aceitou a idéia.
Chico Malta resolveu ir ao Rio de Janeiro e se comunicar com o Exército para buscar
uma solução, pois os militares também teriam interesse no caso. Enquanto ele esteve fora,
Porcina e os demais resolveram que iriam anunciar e festejar o retorno do herói, dizendo que
ele fora dado como morto por engano e que, na verdade, Roque teria estado vagando pela
Europa todo este tempo por ter perdido a memória.
Do Rio voltou Malta trazendo um general que tinha sido comandante do Cabo Roque
e que se empenhara nas homenagens ao herói “morto”. A idéia de promover o retorno
festivo do Cabo Roque agradou a Malta, mas o general não concordou de modo algum com
essa farsa: afinal o rapaz fora um covarde!
“O Berço do Herói” é uma peça teatral que se desenvolve em 2 atos, nos quais se
apresentam 16 quadros, isto é, ambientações. Por exemplo: na casa de Porcina; na praça; no
bordel...
Além dos diálogos, Dias Gomes inseriu no final de vários quadros textos para serem
cantados, cuja intenção é fazer considerações sobre o que se passou no quadro.
A peça “O Berço do Herói” não deixa de ser uma espécie de alegoria sobre o Brasil:
personagens e episódios são imagens criadas para representar idéias que definem o nosso
país.
No correr dos quadros se vai evidenciando que os poderosos criam heróis míticos
como forma de se beneficiarem, enganando o povo.
Se a vida sem importância do suposto herói aparecer para o povo, se a mentira for
revelada, será abalado e até destruído o mundo vantajoso dos poderosos. A solução é proibir
que a realidade desmitificada venha à tona. No caso da peça, o Cabo Roque teria que morrer
para que o mito sobrevivesse: o mito é mais forte do que a realidade.