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Capítulo 1

O CÉREBRO E
A APRENDIZAGEM
DE MATEMÁTICA
Na última década, vimos o surgimento de tec- Dhindsa, 2011; Maguire; Woollett; Spiers,
nologias que deram aos pesquisadores novo aces- 2006; Woollett; Maguire, 2011).
so aos mecanismos da mente e do cérebro. Ho- Quando aprendemos uma nova ideia, uma cor-
je, os cientistas podem estudar crianças e adultos rente elétrica dispara em nossos cérebros, passan-
trabalhando em matemática e observar sua ativi- do por sinapses e ligando diferentes áreas cere-
dade cerebral; podem examinar o crescimento e brais (Fig. 1.1).
a degeneração cerebral, bem como o impacto de Se você aprende algo em profundidade, a ati-
diferentes condições emocionais na atividade do vidade sináptica cria conexões duradouras em seu
cérebro. Uma área que surgiu em anos recentes cérebro, formando caminhos estruturais. Contu-
e impressionou os cientistas é a “plasticidade ce- do, se você visita uma ideia apenas uma vez ou
rebral”. Costumava-se acreditar que os cérebros de uma maneira superficial, as conexões sináp-
com os quais as pessoas nasciam não poderiam ticas podem ser apagadas, como sulcos feitos na
ser alterados, mas essa ideia agora foi inequivo- areia. As sinapses disparam quando a aprendi-
camente refutada. Sucessivos estudos demonstra- zagem acontece, mas a aprendizagem não acon-
ram a incrível capacidade do cérebro de crescer tece somente nas salas de aula ou por meio da
e mudar em um período muito curto (Abiola; leitura de livros. As sinapses também disparam

Figura 1.1 Uma sinapse dispara.

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quando conversamos, jogamos ou construímos


brinquedos e durante muitas outras experiências.
Um conjunto de descobertas que fizeram os
cientistas mudarem o que pensavam sobre ca-
pacidade e aprendizagem veio de uma pesquisa
sobre o crescimento cerebral ocorrido em mo-
toristas de táxis em Londres. Sou da Inglaterra e
já viajei de táxi para Londres muitas vezes. Ain-
da guardo lembranças das emocionantes viagens
diurnas que minha família e eu fazíamos a Lon-
dres quando eu era criança, de nossa casa que fi-
cava a algumas horas de distância. Quando adul- Figura 1.3 Mapa de Londres.
ta, estudei e trabalhei no King’s College da Uni-
versity of London, e tive muito mais oportuni-
dades de andar de táxi em Londres. Diversos ti- que, de maneira simples e elegante, é chamada
pos de táxi funcionam na área de Londres, mas o de “O Conhecimento”. Se você anda em um táxi
“rei” dos táxis londrinos é o táxi preto (Fig. 1.2). preto em Londres e pergunta ao motorista sobre
Na maioria das minhas corridas em táxis pre- “O Conhecimento”, ele geralmente fica conten-
tos em Londres, eu não fazia ideia do quanto os te em agradá-lo com histórias sobre a dificuldade
taxistas eram qualificados. Para se tornar moto- da prova e seu período de treinamento. “O Co-
rista de um táxi preto em Londres, os candidatos nhecimento” é considerado um dos cursos mais
precisam estudar de dois a quatro anos e, duran- exigentes do mundo, e, em média, os candidatos
te esse tempo, memorizar incríveis 25 mil ruas fazem a prova 12 vezes antes de passar.
e 20 mil monumentos em um raio de 25 milhas No início da década de 2000, cientistas esco-
a partir da Charing Cross, no centro da cida- lheram estudar os motoristas de táxis pretos lon-
de. Aprender a orientar-se na cidade de Londres drinos para procurar mudanças cerebrais oriun-
é consideravelmente mais difícil do que aprender das de seus anos de treinamento espacial comple-
a orientar-se na maioria das cidades dos Estados xo, mas não esperavam resultados tão surpreen­
Unidos, pois Londres não foi construída sobre dentes. Os pesquisadores constataram que, no
uma estrutura quadriculada e compreende milha- fim do período de treinamento, o hipocampo
res de ruas entrelaçadas e interligadas (Fig. 1.3). dos cérebros dos taxistas havia crescido significa-
Ao fim de seu período de treinamento, os tivamente (Maguire; Woollett; Spiers, 2006;
motoristas de táxis pretos fazem uma prova Woollett; Maguire, 2011). O hipocampo é a
área cerebral especializada na aquisição e no uso
de informações espaciais (Fig. 1.4).
Em outros estudos, cientistas compararam
o crescimento cerebral dos motoristas de táxis
pretos ao dos motoristas de ônibus londrinos.
Os motoristas de ônibus aprendem apenas ro-
tas simples e singulares, e os estudos mostraram
que eles não apresentaram o mesmo crescimento
cerebral (Maguire; Woollett; Spiers, 2006).
Isso confirmou a conclusão dos cientistas de que
o treinamento excepcionalmente complexo dos
motoristas de táxis pretos era a razão de seu cres-
cimento cerebral surpreendente. Em um estudo
Figura 1.2 O táxi preto de Londres. adicional, cientistas constataram que, depois que

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Figura 1.4 O hipocampo.

os motoristas de táxis pretos se aposentaram, o médicos previam que ela ficaria incapacitada por
hipocampo deles voltou ao tamanho anterior muitos anos, pois o lado esquerdo do cérebro
(Woollett; Maguire, 2011). controla os movimentos físicos. Mas conforme
Os estudos conduzidos com motoristas de as semanas e meses passaram, ela surpreendeu
táxis pretos, que agora são muitos (Maguire; os médicos recuperando função e movimento,
­Woollett; Spiers, 2006; Woollett; Maguire, o que só podia significar uma coisa: o lado di-
2011), mostraram um grau de flexibilidade cere- reito de seu cérebro estava desenvolvendo as
bral, ou plasticidade, que impressionou os cien- conexões que necessitava para realizar as fun-
tistas. Anteriormente, eles não tinham pensado ções do lado esquerdo. Os médicos atribuíram
que o grau de crescimento cerebral que mediram isso à incrível plasticidade cerebral e só pude-
fosse possível. No mundo científico, isso levou a ram concluir que o cérebro tinha, com efeito,
uma mudança no pensamento sobre a aprendi- “recrescido”. O novo crescimento cerebral acon-
zagem, a “capacidade” e a possibilidade de o cé- tecera mais rápido do que os médicos imagina-
rebro mudar e crescer. vam ser possível. Agora, Cameron corre e brin-
Na época em que os estudos a respeito dos tá- ca com outras crianças, e um ligeiro mancar é o
xis pretos estavam surgindo, algo aconteceu que único vestígio de sua significativa perda cerebral
sacudiu ainda mais o mundo científico. Uma (Celizic, 2010).
menina de nove anos, Cameron Mott, vinha As novas descobertas de que o cérebro pode
sofrendo convulsões que os médicos não conse- crescer, adaptar-se e mudar chocaram o mundo
guiam controlar. Seu médico, o doutor G ­ eorge científico e geraram novos estudos sobre o cé-
Jello, propôs algo radical. Ele decidiu remover a rebro e a aprendizagem, possibilitados pelo uso
metade do cérebro da menina, todo o hemisfé- de novas tecnologias e equipamentos de escanea­
rio esquerdo. A operação foi revolucionária e es- mento cerebral, que estão em contínuo desen-
sencialmente bem-sucedida. Nos dias que suce- volvimento. Em um estudo que acredito ser al-
deram à cirurgia, Cameron ficou paralisada. Os tamente significativo para os que trabalham em

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educação, os pesquisadores do National Institute ensino médio, está?”.* Quando eu disse: “Isso é
for Mental Health deram aos participantes um exatamente o que eu estou dizendo”, pude per-
exercício de 10 minutos, no qual eles deveriam ceber que ele estava realmente perturbado pela
trabalhar diariamente durante três semanas. Os ideia, embora, para seu crédito, ele não a esti-
pesquisadores compararam os cérebros das pes- vesse rejeitando cabalmente. Alguns professo-
soas que receberam o treinamento com o das que res acham difícil aceitar o fato de que qualquer
não receberam. Os resultados indicaram que as pessoa pode aprender matemática em altos ní-
pessoas que trabalharam em um exercício alguns veis, especialmente se passaram muitos anos de-
minutos por dia apresentaram mudanças cere- cidindo quem é e quem não é capaz de aprender
brais estruturais. Os cérebros dos participantes matemática e ensinando em conformidade com
foram “reprogramados” e cresceram em respos- isso. Evidentemente, alunos de 6o ano tiveram
ta a uma tarefa mental de 10 minutos realizada muitas experiências e mensagens desde o nasci-
diariamente durante 15 dias úteis (Karni et al., mento que retardaram alguns, e há alunos que
1998). Tais resultados devem estimular os edu- podem chegar ao 6o ano com menos conheci-
cadores a abandonar a ideia de rigidez do cére- mento matemático do que outros, mas isso não
bro e da aprendizagem atualmente presente nas significa que eles não possam acelerar e alcançar
escolas – a concepção de que as crianças são in- os níveis mais altos – eles podem, se receberem
teligentes ou burras, rápidas ou lentas. Se os cé- ensino de alta qualidade e a ajuda que todas as
rebros podem mudar em três semanas, imagine crianças merecem.
o que pode acontecer em um ano de aulas de Frequentemente, as pessoas perguntam se eu
matemática se os alunos receberem os materiais estou dizendo que todo mundo nasce com o mes-
certos e mensagens positivas sobre seu potencial mo cérebro. Não estou. O que estou dizendo é
e sua capacidade. O Capítulo 5 explicará a natu- que as eventuais diferenças cerebrais com as quais
reza das melhores tarefas matemáticas nas quais as crianças nascem não são nem de perto tão im-
os alunos devem trabalhar para experienciar es- portantes quanto as experiências de crescimento
se crescimento cerebral. cerebral que elas têm ao longo da vida. As pes-
As novas evidências da neurociência revelam soas mantêm opiniões muito vigorosas de que o
que todas as pessoas, com a mensagem e o ensino modo como nascemos determina nosso poten-
adequados, podem ser bem-sucedidas em mate- cial; elas apontam para personalidades conheci-
mática e todos podem ter altos níveis de apren- das que foram consideradas gênios – como Albert
dizagem na escola. Existem algumas crianças que Einstein ou Ludwig van Beethoven. Mas, hoje,
têm necessidades educacionais muito especiais os cientistas sabem que as diferenças presentes
as quais dificultam sua aprendizagem em mate- no momento do nascimento são eclipsadas pe-
mática, mas para a maioria das crianças – cerca las experiências de aprendizagem que vivemos a
de 95% – qualquer nível de matemática escolar partir dele (Thompson, 2014). A cada segundo
está a seu alcance. E o potencial do cérebro pa- do dia, nossas sinapses cerebrais são disparadas, e
ra crescer e mudar é igualmente forte em crian- estudantes inseridos em ambientes estimulantes
ças com necessidades especiais. Pais e professo- com mensagens de mentalidade de crescimento
res precisam conhecer essa importante informa- são capazes de qualquer coisa. Diferenças cere-
ção. Quando menciono essas evidências a pro- brais podem dar a alguns uma vantagem inicial,
fessores em workshops e apresentações, nem to-
dos sentem-se encorajados e inspirados. Recen-
temente, estive com um grupo de professores, e *  N. de R. T.: Nos Estados Unidos, os ensinos fundamen-
um professor de matemática do ensino médio tal e médio têm duração de 12 anos, assim como no Brasil.
sentiu-se claramente perturbado pela ideia. Ele Diferentemente do sistema brasileiro, no qual o ensino mé-
disse: “Você não está me dizendo que qualquer dio tem três anos, o ciclo do ensino médio norte-americano
aluno do 6o ano do ensino fundamental, em mi- tem quatro anos, iniciando na 9o série, que equivalente ao
nha escola, poderia fazer cálculos da 3a série do 9º ano do ensino fundamental no Brasil.

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mas números infinitesimalmente pequenos de de aprender. Além disso, os pesquisadores cons-


pessoas têm o tipo de vantagem que garante cres- tataram que, quanto mais uma área valoriza o
cimento ao longo do tempo. E as pessoas anun- dom, menos mulheres com doutorado atuam
ciadas como gênios naturais são as mesmas que, nela e que crenças específicas da área estavam
com frequência, enfatizam o esforço que fizeram correlacionadas com a representação feminina
e o número de erros que cometeram. Einstein, em todas as 30 áreas investigadas. A razão pela
provavelmente o mais conhecido dos gênios, só qual existem menos mulheres nas áreas em que
aprendeu a ler aos nove anos e, com frequência, os professores acreditam que apenas os “dotados”
falou sobre suas conquistas provirem de uma série podem ser bem-sucedidos é que crenças em este-
de erros que cometeu e da persistência que teve. reótipos ainda prevalecem sobre quem real­mente
Ele se esforçava muito e, quando cometia erros, é capaz, como descreve o Capítulo 6. É impera-
tentava com mais afinco. Ele encarava o traba- tivo que nossa sociedade adote uma visão mais
lho e a vida com a atitude de alguém com uma equitativa e informada da aprendizagem de ma-
mentalidade de crescimento. Muitas evidências temática em nossas conversas e trabalho com os
científicas sugerem que a diferença entre os bem alunos. As conversas e o trabalho em matemática
e os malsucedidos não está nos cérebros com que precisam refletir a nova ciência do cérebro e co-
nasceram, mas na sua maneira de ver a vida, nas municar a todos que todos podem aprender es-
mensagens que receberam sobre seu potencial e sa matéria, não apenas aqueles que acreditamos
nas oportunidades que tiveram de aprender. As terem um “dom”. Esse pode ser o segredo para
melhores oportunidades de aprender acontecem possibilitar um futuro diferente – um futuro em
quando os estudantes acreditam em si mesmos. que o trauma com matemática seja coisa do pas-
Para muitos estudantes, sua aprendizagem é tra- sado e alunos de todas as procedências tenham
vada pelas mensagens que receberam sobre seu acesso a oportunidades de aprendizagem de ma-
potencial, fazendo-os acreditar que não são tão temática de alta qualidade.
bons quanto os outros, que não têm o potencial Em estudos de Carol Dweck e colaboradores,
dos outros. Este livro fornece as informações que cerca de 40% das crianças tinham uma menta-
você precisa, quer você seja professor ou pai/mãe, lidade fixa prejudicial, acreditando que a inteli-
para dar aos alunos a autoconfiança que eles ne- gência é um dom que você tem ou não tem. Ou-
cessitam e devem ter; para colocá-los em uma tros 40% dos alunos apresentavam uma menta-
trajetória que leve a uma mentalidade matemá- lidade de crescimento. O restante, 20%, oscila-
tica, sejam quais forem suas experiências anterio- va entre as duas mentalidades (Dweck, 2006b).
res. Essa nova trajetória envolve uma mudança Estudantes com mentalidade fixa são mais pro-
no modo como se veem e também no modo co- pensos a desistir facilmente, ao passo que estu-
mo encaram a disciplina da matemática, como dantes com mentalidade de crescimento conti-
o restante deste livro irá descrever. nuam tentando mesmo quando o trabalho é ár-
Embora eu não esteja dizendo que todo mun- duo e são persistentes, expondo o que Angela
do nasce com o mesmo cérebro, estou afirmando Duckworth chamou de “garra” (Duckworth;
que não existe essa ideia de “cérebro matemático” Quinn, 2009). Em um estudo, alunos do 7o
ou “dom matemático”, como muitos acreditam. ano receberam um questionário para medir sua
Ninguém nasce sabendo matemática e ninguém mentalidade. Depois, os pesquisadores acompa-
nasce sem a capacidade de aprender matemática. nharam os alunos durante dois anos para moni-
Infelizmente, concepções de dom são predomi- torar o desempenho matemático deles. Os re-
nantes. Pesquisadores recentemente investigaram sultados foram notáveis, pois a aprendizagem
em que medida professores universitários man- dos alunos com mentalidade fixa manteve-se
tinham concepções sobre dom em suas matérias constante, enquanto a aprendizagem daqueles
e descobriram algo notável (Leslie et al., 2015). com ­mentalidade de crescimento aumentou
Matemática era a matéria cujos professores ti- ­(Blackwell; ­Trzesniewski; Dweck, 2007),
nham as ideias mais fixas sobre quem era capaz conforme ilustrado na Figura 1.5.

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76
75
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68
Outono Primavera Outono Primavera
7o ano 7o ano 8o ano 8o ano

Figura 1.5 Estudantes com mentalidade de crescimento superam aqueles com mentalidade fixa no
desempenho em matemática.
Fonte: Blackwell, Trzesniewski e Dweck (2007).

Em outros estudos, pesquisadores demons- ram em 36o lugar entre os 65 países da OCDE
traram que a mentalidade dos alunos (e dos no desempenho em matemática (Program for
adultos) pode mudar de fixa para de cresci- International Student Assessment, 2012).
mento. E quando isso acontece, a abordagem Esse ranking demonstra, assim como muitos ou-
de aprendizagem deles torna-se significativamen- tros, a urgente necessidade de reformar o ensino e
te mais positiva e bem-sucedida (Blackwell; a aprendizagem de matemática nos Estados Uni-
­Trzesniewski; Dweck, 2007). Também temos dos. Mas a equipe do PISA não se limita a admi-
novas evidências, as quais examino no Capítu- nistrar testes de matemática. Ela também sonda
lo 2, de que os estudantes com mentalidade de os estudantes para coletar suas ideias e crenças so-
crescimento apresentam mais atividade cerebral bre matemática e suas mentalidades. Fui convida-
positiva quando cometem erros, com mais re- da a trabalhar com a equipe do PISA depois que
giões cerebrais se iluminando, e mais atenção e alguns de seus membros assistiram a uma aula
correção de erros (Moser et al., 2011). on-line que ministrei. Um deles foi Pablo ­Zoido,
Eu não precisava de mais evidências da im- um espanhol de voz suave que pensa profunda-
portância de ajudar estudantes – e adultos – a mente sobre a aprendizagem de matemática e tem
desenvolver uma mentalidade de crescimento em considerável expertise no trabalho com conjuntos
relação à matemática em especial, mas, recente- de dados imensos. Pablo é analista do PISA, e,
mente, estive reunida com a equipe do Programa ao explorarmos os dados, percebemos uma coisa
Internacional de Avaliação do Estudante (PISA) incrível: os estudantes com melhor desempenho
na Organização para Cooperação e Desenvolvi- no mundo são os que têm mentalidade de cres-
mento Econômico (OCDE) em Paris para ex- cimento e eles superam os outros estudantes pelo
plorar seu incrível conjunto de dados de 13 mi- equivalente a mais de um ano de aprendizado de
lhões de estudantes do mundo inteiro. A equipe matemática (Fig. 1.6).
do PISA aplica testes internacionais a cada qua- O pensamento de mentalidade fixa que é tão
tro anos, e os resultados são relatados em meios pernicioso – uma mentalidade em que os estu-
de comunicação em todo o mundo. As pontua- dantes acreditam que eles são inteligentes ou não
ções no teste com frequência disparam sinais de – abrange todo o espectro de desempenho, e al-
alarme nos Estados Unidos, e por um bom mo- guns dos alunos mais prejudicados por essas cren-
tivo. Nos últimos testes, os Estados Unidos fica- ças são meninas de alto desempenho (Dweck,

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Pontuação de matemática no PISA


520

500

480

460

440

420
Mentalidade fixa Mentalidade de crescimento

Crenças de mentalidade dos estudantes

Figura 1.6 Mentalidade e matemática.


Fonte: Program for International Student Assessment (2012).

2006a). Revela-se que mesmo acreditar que você que os elogios dados pelos pais a seus bebês entre
é inteligente – uma das mensagens da mentali- o nascimento e os três anos de idade prediziam
dade fixa – é prejudicial, pois os estudantes com suas mentalidades cinco anos depois (Gunder-
essa mentalidade estão menos dispostos a experi- son et al., 2013). O impacto dos elogios que os
mentar tarefas ou matérias mais difíceis, porque estudantes recebem pode ser tão forte que afeta
têm medo de escorregar e não serem mais vis- seu comportamento imediatamente. Em um dos
tos como inteligentes. Estudantes com mentali- estudos de Carol Dweck, pesquisadores pediram
dade de crescimento encaram trabalhos difíceis a 400 alunos do 5o ano que fizessem um peque-
e veem os erros como um desafio e uma moti- no teste rápido, o qual quase todos desempenha-
vação para fazer mais. A alta incidência de pen- ram bem. Depois, a metade das crianças foi elo-
samento de mentalidade fixa entre meninas é a giada por “ser muito inteligente”. A outra meta-
razão pela qual elas optam por não cursar maté- de foi parabenizada por “ter se esforçado bastan-
rias de ciências, tecnologia, engenharia e mate- te”. Pediu-se, então, às crianças que fizessem um
mática (STEM, do inglês science, technology, en- segundo teste e escolhessem entre um teste bem
gineering and mathematics). Isso não apenas reduz simples, no qual se sairiam bem, ou outro mais
suas chances na vida, mas também empobrece desafiador, no qual poderiam cometer erros. En-
essas disciplinas, que precisam do pensamento e tre aqueles elogiados pelo esforço, 90% escolhe-
das perspectivas que meninas e mulheres trazem ram o teste mais difícil. Dos que foram elogiados
(Boaler, 2014a). por serem inteligentes, a maioria escolheu o teste
Uma razão pela qual muitos estudantes nos fácil (Mueller; Dweck, 1998).
Estados Unidos têm mentalidades fixas é a dos O elogio gera uma sensação de conforto, mas
elogios que recebem de pais e professores. Quan- quando as pessoas são elogiadas pelo que são
do recebem elogios fixos – por exemplo, ouvem (“Você é tão inteligente”) e não pelo que fizeram
que são inteligentes quando fazem alguma coisa (“Você fez um trabalho incrível”), elas ficam com
bem – os estudantes, a princípio, podem se sen- a ideia de que têm uma quantidade fixa de ca-
tir bem, mas posteriormente, quando falham (e pacidade. Dizer aos estudantes que eles são in-
todo mundo falha), eles pensam que isso signi- teligentes os embosca em problemas posteriores.
fica que, afinal, eles não são tão inteligentes. Em Conforme passam pela escola e pela vida, falhan-
um estudo recente, os pesquisadores constataram do em muitas tarefas – o que, repita-se, é perfei-

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tamente natural –, os estudantes avaliam a si mes- altas expectativas dos outros e uma menta­lidade
mos, decidindo que isso significa o quanto eles são de crescimento. Não há um ritmo pré-ordena-
de fato inteligentes ou não. Em vez de elogiar os do em que os alunos precisam aprender mate-
alunos por serem inteligentes, ou qualquer ou- mática, o que significa que não é verdade que,
tro atributo pessoal, é melhor dizer algo como: se eles não alcançaram uma certa idade ou ma-
“Que ótimo que você aprendeu isso” ou “Você turidade emocional não podem aprender algu-
realmente pensou de modo profundo sobre isso”. ma matemática. Os estudantes podem não estar
Nosso sistema educacional está permeado pela prontos para alguma matemática, porque ainda
concepção tradicional de que alguns estudantes precisam aprender algo fundamental e necessá-
não estão desenvolvidos o suficiente para apren- rio que ainda não aprenderam, mas não porque
der em certos níveis de matemática. Um grupo seu cérebro não pode desenvolver as conexões
de professores de matemática do ensino médio por conta de sua idade ou maturidade. Quando
de uma escola, com os quais me encontrei há os alunos precisam de novas conexões, eles po-
pouco tempo, tinha, escandalosamente, escrito dem aprendê-las.
para a diretoria afirmando que alguns estudan- Para muitos de nós, apreciar a importância
tes jamais poderiam passar na disciplina “Álge- das mentalidades matemáticas e desenvolver a
bra 2”. Eles citaram, em especial, estudantes de perspectiva e as estratégias para mudar as men-
minorias que viviam em lares de baixa renda e talidades dos alunos envolve alguma reflexão cui-
argumentaram que esses alunos não poderiam dadosa sobre nossa aprendizagem e relação com
aprender álgebra a menos que os professores di- a matemática. Muitos dos professores de ensino
luíssem o currículo. Esse pensamento deficitá- fundamental com os quais trabalhei, alguns dos
rio e preconceituoso precisa ser banido das es- quais fizeram meu curso on-line, contaram-me
colas. A carta escrita pelos professores foi publi- que as ideias que mostrei sobre o cérebro, sobre o
cada em jornais locais e terminou sendo usada potencial e sobre as mentalidades de crescimento
na legislatura estadual como um exemplo da ne­ trouxeram mudanças em suas vidas. Elas os fize-
cessidade de charter schools* (Noguchi, 2012). ram desenvolver uma mentalidade de crescimen-
A carta chocou muitas pessoas, mas infelizmen- to em matemática, abordar a matemática com
te essa ideia de que alguns alunos não podem confiança e entusiasmo e transmitir isso a seus
aprender matemática de alto nível é partilhada alunos. Isso, com frequência, é especialmente im-
por muitos. O pensamento deficitário pode as- portante para professores do ensino fundamen-
sumir todo tipo de conformação e, às vezes, é tal, porque muitos deles, em algum momento da
usado como uma preocupação genuína pelos es- sua própria aprendizagem, ouviram que eles não
tudantes – muitas pessoas acreditam que existe eram capazes de aprender matemática ou que a
uma etapa de desenvolvimento que os estudan- matemática não era para eles. Muitos ensinam
tes precisam passar antes de estarem preparados matemática com seu próprio medo da matéria.
para certos temas matemáticos. Mas essas ideias A pesquisa que compartilhei com eles ajudou a
também são antiquadas, pois os estudantes estão banir esse medo e a colocá-los em uma trajetó-
tão prontos quanto as experiências que tiveram. ria matemática diferente. Em um estudo impor-
E, se não estiverem prontos, podem facilmente tante, Beilock et al. (2009) constataram que o
tornar-se prontos com as experiências certas, as grau de emoções negativas que os professores do
ensino fundamental tinham em relação à mate-
mática predizia o desempenho das meninas em
*  N. de R.T.: Charter schools são escolas que surgiram nos suas classes, mas não o dos meninos. Essa dife-
Estados Unidos a partir de 1990. Nessas escolas, a gestão é rença de gênero provavelmente ocorre porque
feita, geralmente, por entidades privadas e financiadas pelo as meninas se identificam com suas professoras,
sistema público. A matrícula é gratuita e independe do lu- sobretudo no ensino fundamental. As meninas
gar de moradia. rapidamente absorvem as mensagens negativas

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das professoras sobre matemática, do tipo que talidade, espero que os dados e as ideias expostas
com frequência é transmitido generosamente, neste livro ajudem você e seus alunos a verem a
como: “Sei que é muito difícil, mas vamos ten- matemática – qualquer nível dela – como aces-
tar fazer” ou “Eu era ruim em matemática na sível e prazerosa. Nos próximos capítulos, com-
escola” ou “Nunca gostei de matemática”. Esse partilharei as diversas estratégias que reuni du-
estudo também destaca a ligação entre as men- rante anos de pesquisa e experiências práticas em
sagens que os professores passam e o desempe- salas de aula para encorajar uma mentalidade de
nho de seus alunos. crescimento em relação à matemática. São estra-
Onde quer que você esteja em sua trajetória tégias para proporcionar experiências que permi-
pessoal de mentalidade, quer essas ideias sejam tam aos alunos desenvolver mentalidades mate-
novas para você ou você seja um perito em men- máticas vigorosas.

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