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Memórias e odores

Memórias e odores: experiências curriculares


na formação docente

Maria Inês Petrucci Rosa


Tacita Ansanello Ramos
Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação

Memória é algo quente, memória é algo antigo, trabalho em relação à pesquisa em formação docente
é algo que faz rir, que faz chorar, que a gente se que levam em conta esses outros aspectos: a memória
lembra, que vale ouro... e as histórias de vida (Nóvoa, 1992; Goodson, 1992;
(Cunha, 2007, p. 99) Oliveira, 2004, entre outros).
Ivor Goodson, em seu artigo “Dar voz ao pro-
Introdução fessor: as histórias de vida dos professores e o seu
desenvolvimento profissional”, questiona a extrema
Na literatura acadêmica brasileira há uma tradição valorização das investigações sobre a prática pedagó-
de investigação sobre processos de formação de pro- gica em processos de formação, que de certa forma
fessores que se referem prioritariamente aos saberes apaga a dimensão pessoal da constituição profissio-
docentes, saberes da prática, processos reflexivos, nal docente (Goodson, 1992). Argumenta a favor da
formação do professor pesquisador, pesquisa-ação etc. revitalização do olhar para as histórias de vida dos
(Geraldi et al., 1998; Nunes, 2001; Lelis, 2001; Bor- professores, que revelam dilemas, contradições e
ges, 2001; Lüdke, 2001; Gauthier et al., 1998; Tardif, ambigüidades importantes para a compreensão dos
2002; Rosa, 2004, entre muitos outros). As raciona- fazeres no cotidiano escolar. Em suas palavras:
lidades e suas formas de produção de conhecimento
são o que prepondera nessa tradição de pesquisa em Em suma, do que afirmo não deve advir a convicção
formação docente. No entanto, também na literatura, lógica ou psicológica de que para melhorar a prática se deva
há provocações que nos levam a pensar em outros as- inicialmente e imediatamente incidir sobre a prática. Ao
pectos que parecem ser merecedores de investimento, invés, defendo o ponto de vista oposto. [...] Devemos, em
tendo em vista sua relevância e pertinência no que minha opinião, recordar como a maior parte de nós se sente
se refere à formação. Sem nos estender muito nesse profundamente inseguro e ansioso acerca do nosso trabalho
ponto, podemos citar pelo menos duas vertentes de como professores, quer nas salas de aula, quer nos anfiteatros

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universitários. Estes são, muitas vezes, os locais de maior com o mundo vivo da instituição educativa, em que
ansiedade e insegurança – bem como, ocasionalmente, de o constituir-se professor vai acontecendo à medida
realização. (idem, p. 68-69) que experiências vão tomando formas e significados.
O estágio aproxima-se da idéia de experiência, na
Tal argumento nos inspira especialmente nas medida em que:
investigações relacionadas com currículo e formação
inicial docente.1 Nesse contexto, as experiências A experiência é o que nos passa, o que nos acontece,
curriculares relativas aos estágios em instituições o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou
escolares são muitas vezes decisivas e cruciais na o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao
formação da identidade docente. Em nosso grupo de mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo
pesquisa na Faculdade Educação da Universidade o que se passa está organizado para que nada nos aconteça.
Estadual de Campinas (UNICAMP), o trabalho de (Larrosa, 2002, p. 21)
Corradi (2005) mostra como o estágio nas licencia-
turas marca intensamente a formação de múltiplas Nesse sentido, a pesquisa aqui relatada traz
identidades docentes no entrecruzamento das várias possibilidades formativas oportunizadas pelo estágio
culturas em jogo, em especial a escolar e a científica curricular da licenciatura, compreendido como ex-
(Rosa & Corradi, 2007). periência, como acontecimento que pode marcar a
Ainda considerando a cultura como ponto de constituição dos sujeitos docentes a partir de processos
partida, em nossa experiência docente na univer- de rememoração.
sidade na supervisão de estágios nas licenciaturas,
observamos com freqüência a insegurança e o receio O contexto da pesquisa
dos professores em formação inicial ao se depararem e a questão de investigação
com a complexidade do cotidiano da escola (Rosa &
Tosta, 2005). Temos como hipótese que é possível Nesse cenário constituído pela valorização das
refletir sobre tais sentimentos no contato com essa histórias de vida como aspecto essencial de seus pro-
complexidade através da rememoração das histórias cessos de formação, procuramos investigar como as
de vida, principalmente, as escolares. No entrecruza- memórias escolares de alunos de licenciatura podem
mento entre histórias de vida e memória na formação ser compartilhadas na experiência do estágio, tendo
docente, concordamos com os questionamentos: em vista uma aproximação mais significativa com os
fazeres do cotidiano escolar.
Que lembranças têm os professores do cotidiano das Metodologicamente, aproximamos o foco da
escolas que fizeram parte de sua formação? Que práticas pesquisa de uma perspectiva que questiona a clássica
e que modelos lhe acionaram dispositivos de produção abordagem de produção de conhecimentos a partir do
do ser professor? Que professores e que performances olhar, da observação. O olhar, viés próprio da ciência
são lembradas através do trabalho da memória? (Oliveira, moderna, de certa forma restringe possibilidades ou-
2004, p. 14) tras de conhecer e produzir realidade. Como aponta
Veiga-Neto:
Como já discutimos em Rosa e Corradi (2007),
o estágio é o tempo/espaço de contato do licenciando As metáforas ligadas à visão têm sido muito importantes
na nossa tradição cultural na medida em que a visão tem sido
celebrada enquanto sentido privilegiado capaz de fazer uma
1
Chamamos de formação inicial docente aquela que se dá
mediação acurada e fidedigna entre nós e a realidade, ou seja,
em programas de graduação, seja licenciatura ou pedagogia, em
mostrar como é mesmo o mundo. (2002, p. 24)
instituições universitárias.

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No contexto do estágio, cenário de nossa pesqui- Essa proposta aconteceu logo após o início
sa, é usual nos currículos de formação de professores a das atividades de estágio em diferentes instituições
idéia de que as atividades devam sempre ser registradas escolares. Os estagiários estavam ainda em fase de
em diário de campo a partir de um olhar extremamente estabelecer uma rotina de trabalho dentro dessas es-
apurado sobre os acontecimentos da escola. Nesse colas, ou seja, encontravam-se ainda num momento
caso, a visão é o sentido que prepondera no contato de reaproximação desses contextos, onde antes foram
com os ambientes, participando dos processos de estudantes e agora voltavam na condição de profes-
produção de conhecimentos profissionais docentes. sores em formação. Participaram desta pesquisa dez
Como afirma Fujikawa: estagiários de cursos de licenciaturas da UNICAMP.

Os registros podem gerar mudanças na prática – a análise Memória e currículo


do que foi registrado (e, portanto, teorizado, sentido, prati- as contribuições teóricas de
cado) permite um distanciamento do autor com sua “obra”. W. Benjamin e de I. Goodson
Na medida em que analisa, avalia, tenta enxergar a teoria que
“iluminou” as suas ações... (2005, p. 250, grifo nosso) Entendendo a memória como cenário para o
entrecruzamento de espaços e tempos, é através dela
Ainda em nossa trilha metodológica, ao recu- que nos tornamos sujeitos da experiência coletiva – por
sarmos a visão como acionadora de memórias esco- ser vivenciada sempre na relação com os outros  –
lares, aproximamo-nos da provocação expressa por mas também individual  – pois cada acontecimento
Peter Burke em seu artigo “Uma história cultural dos é produtor de diferentes significados para os que os
odores”. Nesse trabalho, Burke levanta um conjunto vivenciam.
de contextos, situações e elementos da cultura que
se expressam a partir de um panorama de odores. O A rememoração articula a dimensão sensível da memó-
olfato como sentido e os odores como sensibilidades ria ao ato de lembrar, o que torna comunicável a experiência.
transmutam-se em expressões da memória, que pode Na rememoração as lembranças estão sujeitas a atualizações,
entrecruzar tempos e espaços re-significando expe- releituras e reelaborações, fruto de reflexões sobre o acon-
riências. tecimento lembrado. (Pérez, 2003, p. 5)

Ainda lembro vivamente de um odor da minha infância, Para o filósofo Walter Benjamin, a memória não
o cheiro azedo que impregnava as ruas dos bairros pobres por significa apenas acontecimentos e lembranças, mas
onde eu passava a caminho da escola. Marcel Proust, como sim experiência, afetividade, sensibilidade, subjeti-
não poderia deixar de ser, dava muita atenção aos odores vidade, esquecimento, entrecruzamento de sujeitos
assim como ao sabor de sua célebre madeleine, e alguns e, principalmente, experiências vividas. O ato de
anos, caminhando por Hong Kong, tive o que se poderia rememorar possibilita que dimensões pessoais que
chamar de experiência proustiana. (Burke, 2004, p. 1) foram perdidas com o avanço do mundo moderno
e capitalista sejam recuperadas na relação temporal
Nessa perspectiva e com a intenção de exercitar- entre passado, presente e futuro. Rememorar é partir
mos a possibilidade da escrita de histórias narrativas de indagações e trazer o passado como possibilidade
a partir dos odores, foram propostas as seguintes de construir rumos atentos para presente e futuro.
questões aos alunos estagiários de uma turma de A pessoa que rememora, para Benjamin, é mais
licenciatura: que odores são sentidos no ambiente da inteira, possui sensibilidades, esquecimentos e incom-
escola onde se realiza seu estágio? Que memórias são pletudes e se percebe como portadora de experiências e
acionadas a partir desses odores? como sujeito que se constrói sempre na relação com o

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outro. Dessa forma, trabalhar a memória não é tomá-la de laranja, e na São Paulo dos anos de 1980, quando havia
como ferramenta de pesquisa, mas como cenário. Para mais carros movidos a álcool do que hoje, era possível sentir,
Benjamin, a “memória constitui uma viagem no tempo, já no aeroporto, um cheiro doce inconfundível – a ponto
até as impressões ‘matinais’ da pessoa humana, com de eu não ter a menor dúvida de que, mesmo se chegasse
direito à ida e à volta” (Galzerani, 1999, p. 102). de olhos vendados, saberia em que cidade me encontrava.
Ainda numa perspectiva benjaminiana, na so- (Burke, 2004, p. 1)
ciedade capitalista, com o intenso transitar entre as
pessoas e a mecanização de nossos atos pelo tempo, Ainda na perspectiva de Benjamin, o ato de narrar
muitas vezes nos esquecemos de observar o lugar por não é relatar algo com saudosismo, mas trazer as expe-
onde passamos, as pessoas com as quais conversa- riências no plural e trazer à tona as antigas narrativas
mos e deixamos de experienciar odores exalados nos do ponto de vista cultural. A arte da narrativa está em
diferentes ambientes, nos quais costumamos estar evitar explicações sobre o dito. O leitor é livre para
cotidianamente. interpretar o narrado como quiser, podendo este atingir
Em outras palavras, as ações mecânicas passam uma amplitude que não existe na informação.
a tornar o mundo pobre no narrar das experiências. Para Michel de Certeau, ao falarmos ou ao
Absorver tudo sem pensar no que está sendo visto e narrarmos, estamos praticando uma arte, e essa arte
feito, sem tirar disso experiência, mas apenas vivên- produz efeitos. Assim, o narrar não seria um retorno
cia e reprodução, é o modo que vivemos hoje, num à descrição, mas um ato que procura, distanciando-se
sistema maquinário que nos impele a partir para a cautelosamente da realidade, provocá-la. Nas pala-
frente, a começar de novo, a contentar-se com pouco, vras do autor: “mais que descrever um ‘golpe’, ela (a
a construir com pouco. narrativa) o faz” (Certeau, 1994, p. 153). E ao fazer
o golpe, ao praticar a astúcia, essa arte pode assumir
Pobreza de experiência: não se deve imaginar que os múltiplos desdobramentos. Sendo arte, exige criação;
homens aspirem a novas experiências. Não, eles aspiram sendo astuta, pode se engendrar com ousadia.
a libertar-se de toda experiência, aspiram a um mundo em Dessa forma, o narrador benjaminiano traz consi-
que possam ostentar tão pura e tão claramente sua pobreza go a característica do saber aconselhar, que é entendida
externa e interna, que algo de decente possa resultar disso. menos como uma forma de saber responder perguntas
(Benjamin, 1989, p. 118) do que dar sugestões. No entanto, Benjamin também
ressalta que no mundo em que vivemos o aconse-
Cada escola, cada casa, cada cidade possui deter- lhamento está se apagando e tornando-se antiquado,
minados odores para quem ali vive – alguns sentidos de visto que as experiências estão sendo cada vez menos
forma particular e outros num contexto coletivo. Essa comunicáveis.
condição possibilita que memórias sejam revividas e
re-significadas à medida que o sujeito da experiência A narrativa, que durante tanto tempo floresceu num
possa, de olhos fechados, identificar determinado lugar meio de artesãos  – no campo, no mar e na cidade  –, é
por seus odores característicos. ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
comunicação. Ela não está interessada em transmitir o
É possível escrever uma história dos odores? Que certos “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou
lugares e períodos são marcados por diferentes “panoramas um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para
de odores” é algo que muitos de nós, ao menos os que têm em seguida retirá-la dele. Assim se imprime na narrativa
mais de 50 anos, sabem por experiência própria. Cada cidade a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do
ou cada agrupamento regional de cidades possui odores ca- vaso. (Benjamin, 1989, p. 205)
racterísticos: em Araraquara, por exemplo, sobressai o cheiro

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Neste trabalho, defendemos a idéia de que a for- cente e memórias, passamos a apresentar as narrativas
mação docente passa também pelas memórias, muitas dos estagiários envolvidos nesta pesquisa, buscando
vezes inusitadas, pelas experiências comunicáveis e tessituras e brechas que possibilitem saber mais sobre
pelas sensibilidades dos professores em formação. seus processos de profissionalização.
Nesse sentido, currículo não é aquilo que se programa,
que se prevê e se controla nas atividades de formação Experiências narradas a partir dos odores
que ocorrem tanto no âmbito da universidade, como sentidos nos campos de estágio:
nos cenários dos campos de estágio. Isso amplia a a expressão através de mônadas
noção de currículo que abandona a restrita noção de
currículo prescritivo, dirigindo-se para outra: a apren- Os estagiários de licenciatura que participaram
dizagem narrativa. desta pesquisa foram levados a revisitar seus campos
de estágio, percorrendo as dependências da escola,
A mudança de currículo que estamos analisando é a visitando diferentes ambientes, com a sensibilidade
passagem de uma aprendizagem primária e de um currículo focada nos odores. A partir dos odores sentidos, es-
prescritivo para uma aprendizagem terciária e um currículo creveram textos narrativos em que relacionaram o que
narrativo. Tal mudança se acelerará rapidamente à medida sentiram no campo de estágio e as memórias acionadas
que ocorra a mudança para uma organização econômica a partir disso.
flexível. A inércia contextual de um currículo prescritivo, As narrativas produzidas pelos estagiários são
baseado em conteúdo, não resistirá às rápidas transforma- apresentadas, neste trabalho, na forma de mônadas.
ções da nova ordem do mundo globalizado. (Goodson, Numa perspectiva benjaminiana, mônadas são pe-
2007, p. 251) quenas crônicas que guardam consigo fragmentos de
histórias mas que, juntas, exibem a capacidade de dar
E ainda: sentidos a um contexto maior.3 Trabalhar com mônadas
potencializa, do ponto de vista metodológico, a pro-
No novo futuro social, devemos esperar que o currículo dução de um espectro de significados. Tal assunção é
se comprometa com as missões, paixões e propósitos que as inspirada também no que Galzerani aponta:
pessoas articulam em suas vidas. Isto seria verdadeiramente
um currículo para empoderamento. (idem, ibidem) No que diz respeito à produção de memórias ou produção
de conhecimento histórico em Walter Benjamin, passamos a
Concordamos aqui novamente com Goodson mergulhar em algumas “mônadas” ou miniaturas de significa-
quando traz a noção de um currículo narrativo e essa dos – conceito que o pensador ora focalizado coloca em ação
assunção é o que nos move. No caso dos estágios nas no diálogo com o físico Leibnitz. Tais centelhas de sentido [...]
licenciaturas, o currículo narrativo pode expressar-se podem ter a força de um relâmpago. (2002, p. 62)
também em um leque de experiências vividas e entre-
tecidas no diálogo com os formadores, principalmente, Perfume de mulher
supervisores de estágio e professores tutores.2 Senti um cheiro bastante agradável de perfume feminino,
Nesse contexto, ao assumir tais noções e sensibi- bem parecido com o que eu sentia quando me aproximava
lidades a respeito de currículo narrativo, formação do-
3
  No texto Infância em Berlim – por volta de 1900, Benjamin
2
  Chamamos professores tutores àqueles professores ex- apresenta memórias de sua infância em forma de mônadas, com
perientes que recebem estagiários nas escolas, abrindo as portas uma escrita cheia de sensibilidade e de entrecruzamento de tempos
de suas salas de aulas, compartilhando experiências e orientando e sujeitos que consegue retratar o cenário sócio-histórico de seu
atividades relacionadas com o próprio estágio. país no início do século XX. 

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da professora de língua portuguesa na sexta série. O odor mática já ultrapassada para casa. E os tenho até hoje. E
não só me fez relembrar dela como até mesmo as cores de havia o cheiro de poeira daquela biblioteca bagunçada, e
sua roupa, sua voz, sua aparência sempre cuidada; parecia sujeira na minha mão por ter mexido naqueles livros – assim
até que eu sentia sua presença ao meu lado, ao mesmo tem- como havia acontecido no porão da minha avó, assim como
po que sentia uma saudade muito forte daquela época em aconteceu essa semana.
que brincávamos eu e meus colegas, e eu tinha bem menos Nesse ponto é que me deparei com o terceiro momento: o
preocupações do que hoje. de agora. Que é que estava eu fazendo na biblioteca da
Um outro odor que senti foi o da borracha apagadora. O escola? Procurando livros para meu projeto de estágio. E
cheiro em si foi idêntico ao que sinto nos meus estudos os encontrei: sujos e empoeirados como das outras vezes. A
atuais; no entanto o ambiente cercado de jovens, da pro- diferença é que agora eu realmente vou utilizá-los para dar
fessora e da matéria, que antigamente era tão difícil, me fez uma aula – mas dessa vez será de verdade. (Moira)
voltar à época em que eu era um aluno do Ensino Médio e
senti a dificuldade de compreender a matéria da época, já O giz
que antigamente eu sabia bem menos do que atualmente, Foi quando, de repente, ali estava, bem diante de mim na
mas a dificuldade era compensada pelo forte vínculo de ami- lousa, aquele pedaço calcário de história, nostálgico... Sim,
zade que agora não há mais entre os colegas. (Adriano)4 muito tempo se passou, mas um detalhe ainda persiste: o giz
de lousa. Quem diria que aquele toco branco me traria tão
Poeira, sujeira e livros boas lembranças? Pois é, trouxe, e com ele veio um gancho
Poeira. Sujeira. Livros. Isso foi o que encontrei – e de certa para o cheiro de pó de giz que sempre ficava na sala de aula
forma, me lembrei – ao retornar à biblioteca de uma escola quando a professora apagava a lousa. As finas partículas
pública. O cheiro da poeira me fez pensar em três momentos em suspensão no ar pairavam até que algum pobre aluno
distintos da minha vida, e todos eles, com suas respectivas as captava com o nariz. Todos odiavam; alguns, como eu,
ressalvas, relacionavam-se à questão do ensino. começavam um ataque, em conjunto, de espirros, quase
Ao sentir meu nariz coçar dentro da biblioteca, me revi me- que como em um campeonato em que participavam apenas
xendo nos livros de matemática dos meus tios, que estavam pessoas alérgicas. (Pedro)
encaixotados no porão da casa velha da minha avó, mais
ou menos aos sete anos de idade. Resolvi levá-los para casa Aroma adocicado e cheiro de comida
para usá-los quando eu me tornasse professora de Matemá- Um dos odores que senti foi o do perfume de uma garota que
tica, assim como eles. Acredito que este tenha sido um dos estava conversando com um rapaz na entrada do prédio. Era
primeiros momentos em que eu tomei consciência do que um aroma floral bem adocicado que me lembrou o perfume
eu queria ser quando crescesse: professora. Tais livros me que as meninas da minha turma de ginásio usavam. Esse
acompanharam por muito tempo em minhas brincadeiras perfume também me fez lembrar do meu primeiro namoro
de escolinha com as minhas bonecas. com uma colega de escola, pois ela usava um perfume que
A sujeira me lembrou de que, mais tarde, quando eu já esta- também era doce, no entanto, mais suave.
va no ginásio, a escola estava doando os livros antigos da Outra lembrança que me veio à mente está ligada ao chei-
biblioteca para que houvesse lugar para acomodar alguns rinho gostoso da cantina da escola, pois na época em que
novos títulos, e eu, num ímpeto inocente da vontade ensinar, estudei na Etecap (Escola Técnica Estadual Conselheiro
pensei: “Ah, vou lá buscar alguns livros pra eu usar quando Antônio Prado)5 fazendo o curso técnico em Química, sem-
for professora”. Na época, eu ainda queria ser professora
de Matemática, e por isso levei uns cinco livros de Mate-
5
  A Escola Técnica Estadual Conselheiro Antônio Prado é
mantida atualmente pela Fundação Paula Souza, em São Paulo, com
4
  Os nomes utilizados para identificar os estagiários de verbas públicas e oferece cursos técnicos nas áreas de bioquímica,
licenciatura são fictícios. química e meio ambiente, além do ensino médio.

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pre ia direto do trabalho para a escola e parava na cantina Solidão


para comer alguma coisa e bater um papo com o pessoal Outro cheiro que me despertou atenção foi o de giz, e isso
do curso. Aquele cheiro gostoso de lanche esquentado na me remete aos momentos de auto-exclusão que vivi. Quan-
chapa não tem como esquecer, assim como as conversas do sentava na primeira carteira para assistir à aula, o giz
que tínhamos naquele lugar. (André) entrava na minha garganta, que ficava bem ressecada. No
entanto, tive até momentos bons com todo esse giz, pois foi
Os momentos mais gostosos de graças a ele que hoje eu tenho vontade de dar aulas.
minha adolescência O principal odor, e o que me fez lembrar dos piores momentos
Na semana seguinte voltei à escola totalmente desligada da minha estada no colégio, foi o dos lanches na cantina. Eles
do trabalho que deveria fazer, pensava apenas no estágio e me lembravam o quão solitários eram os meus recreios. Eram
no que iríamos conversar com a professora. Sem perceber, os momentos do dia em que eu tinha vontade de me esconder,
assim que entramos na escola me lembrei de como era a de ir embora daquela escola. Passava todo o intervalo comen-
entrada na sala de aula durante meu Ensino Fundamen- do o meu lanche (com muito sacrifício, pois para comprá-lo
tal. Só então associei que aquela lembrança tinha vindo tinha que enfrentar uma fila onde todos se empurravam),
à tona devido ao cheiro de produto de limpeza que estava vendo aquele “mar de gente” andando e, aproveitando o
sentindo, o qual era parecido com o cheiro que a minha único momento de diversão na escola, sozinho. (Danilo)
antiga sala de aula tinha quando chegávamos logo pela
manhã. O retorno à escola de origem
Nesse dia, a professora estava aplicando prova para os A ETECAP, meu local de estágio, reaviva em mim algo de
alunos e nos pediu para conversar sobre o projeto do estágio adolescência, um momento ótimo da minha vida, já que por
fora da sala de aula. Sentamos próximo à cantina e come- três anos estudei lá. O cheiro dos laboratórios me faz lembrar
çamos a conversar. O cheiro dos salgados me fez relembrar de episódios de molecagem, como quando saíamos para o
intermináveis conversas que mantinha com minhas amigas intervalo sem tirar o avental branco e, sem a inspetora ver,
na lanchonete da escola no Ensino Médio. Acredito que subíamos na amoreira. Quando voltávamos para o labora-
a situação na qual eu me encontrava conversando com a tório, estávamos todos roxos por causa das amoras. O cheiro
professora e outra estagiária no pátio da escola contribuiu, da terra, da grama molhada me lembra um mês de julho que
junto com os odores do ambiente, para que me lembrasse fez muito, muito frio, e ia todo mundo “encapotado”, com
de conversas ocorridas há seis anos. direito a luvas e touca. Ao chegar pela manhã e ir para o
Então as faxineiras da escola começaram a lavar a quadra pátio, vi aquele campo de futebol branquinho que parecia
da escola, muito próxima de onde estávamos conversando. neve. Foi irresistível não ir até lá, tirar a luva e pegar na
Comecei a sentir um cheiro que eu adoro até hoje: cheiro de grama. O cheiro da cantina e do marmiteiro me lembrou que,
terra molhada. Eu adoro esse cheiro devido a um episódio por vezes, pedia carona até o centro da cidade. Isso fazia
que aconteceu comigo e com minhas amigas no Ensino com que eu economizasse o dinheiro da passagem, que na
Médio, o qual eu considero um dos momentos mais gostosos sexta-feira, eu usava para almoçar um “lanche no prato” com
da minha adolescência. Nós estávamos brincando de “mãe o pessoal, na cantina. Os vestiários e o cheiro de sabonete
da rua” na quadra de vôlei de areia da escola e começamos me lembram as aulas de Educação Física. Tínhamos que
a sentir aquele cheiro de terra molhada indicando que dar umas vinte voltas na pista de atletismo, sob um sol “de
começava a chover. Naquele dia, sem pensar em nada, rachar”, com tempo medido para ganhar nota! Era terrível!
continuamos a brincar, mesmo com a chuva. Depois fomos Ah! A professora Lúcia! E quando a gente estava debaixo do
obrigadas a ficar, durante todas as aulas seguintes fora da chuveiro com os cabelos cheios de xampu, os meninos fecha-
sala, pois não podíamos assistir à aula naquela situação: vam o registro da água que era fornecida para os banheiros
molhadas e sujas. Aquela tarde de cumplicidade foi o ápice femininos e a gente ficava gritando debaixo dos chuveiros e
de nossa amizade. (Helena) xingando... (Amanda)

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Uma escola feita de madeira era parecido com a do colégio do Ensino Fundamental (que
Ao freqüentar a escola, tive algumas lembranças da época nem era uma cantina, mas um bar sujo que ficava de frente
em que fiz o Ensino Fundamental. Estudei em um colégio para a escola) e da biblioteca, que cheirava a pó como
de padres: o Liceu. Era um colégio bastante grande e re- qualquer outra que conheço.
lativamente antigo. O colégio tinha sido fundado há mais Nem mesmo o banheiro, que pelo menos tinha o mesmo
de um século e a maioria das salas de aulas possuía chão aspecto, tinha um odor parecido. Por fim, me dei por venci-
de madeira. O cheiro de madeira nas salas de aula era, do; apesar de minhas inúmeras experiências olfativas, das
portanto, bastante acentuado. O chão da sala de aula do quais ainda me recordo, infelizmente não fui contemplado
colégio que estou freqüentando é de madeira. Esse cheiro em revivê-las. Espero que outros tenham tido a felicidade
de madeira me faz lembrar das aulas que eu tinha no Liceu. de reviver esses momentos. (Luciano)
Quando me recordo das aulas do Ensino Fundamental, me
vem à memória a imagem das salas, as quais eram muito Combinação que desperta saudades
grandes e possuíam um aspecto bastante antigo. Outra me- Odores da escola... A escola em que estou estagiária é a
mória que tenho relacionada com odores é produzida com mesma em que cursei o Ensino Médio. Trata-se de uma
o cheiro da cantina. Quando, na minha infância, os alunos escola técnica de Química; por isso, andando pela escola,
iam para o recreio, todos compravam lanche na cantina da sentindo o cheiro próximo aos laboratórios, foi inevitável
escola e depois se reuniam no campo de futebol para lanchar lembrar-me das minhas aulas práticas. Ah! O tempo em
juntos. Esse momento de entrosamento e recreação com os que eu, curiosa e ao mesmo tempo confusa (será que gosto
meus amigos era muito marcante. Uma curiosidade é que mesmo de Química?), queria saber o que iria ocorrer dentro
os alunos sempre pediam um mesmo salgado específico na daqueles tubos de ensaio das aulas de Química Orgânica.
cantina, cujo cheiro me veio à mente na cantina da escola O tempo em que os colegas de turma também não sabiam
que eu visitei como estagiária. (Nara) e nos reuníamos aos sábados para “decifrar” o que era
“aquilo” tão misterioso...
Memórias olfativas não revivenciadas Boa época. Etapa importante na decisão profissional de
Os odores característicos da minha infância e adolescência cursar Química na universidade.
no ambiente escolar são incontáveis. A escola onde cursei o Continuando a caminhada pela escola, chegando perto da
Ensino Fundamental guarda minhas melhores lembranças cantina... Ah, a cantina... Lugar onde não apenas eram feitas
olfativas: o cheiro da merenda que inquietava os últimos as refeições mas também onde me sentia mais à vontade.
minutos antes do intervalo, o sufocante odor da poeira O cheiro agradável dos salgados, o ambiente com amigos
que subia nas peladas improvisadas em um “campinho” muito me fizeram lembrar a casa da minha avó, ambiente
( um terrão atrás da escola com traves feitas de mochila igualmente aconchegante e cheio de amigos.
), o insuportável cheiro do banheiro masculino no final de Os odores da escola despertam várias memórias. O andar
intervalo e o inesquecível cheiro da goiabeira que jogava pelos corredores arborizados remeteu-me à infância. Épo-
de centroavante em nossas peladas e que fornecia as ca sem responsabilidades, sem preocupações, que subia e
“munições” das lendárias guerras de goiaba (tudo isso descia de árvores em velocidade incrível, em que podia,
acontecia no intervalo). sem exagero, passar a tarde inteira em cima das árvores
O colégio onde cursei o Ensino Médio não me traz tantas pensando na vida. Ou dormindo, mais provável. O cheiro
lembranças, mas existe uma explicação convincente: ele daquelas árvores fez-me lembrar também dos meus colegas
ficava do lado de uma fecularia e o cheiro de farinha im- e eu, no Ensino Médio, fazendo piqueniques sob as árvores e
perava na escola. estudando, com um pouco de desespero, na hora do almoço,
Ao retornar para esta última escola, parece frustrante, mas, a nomenclatura de ácidos inorgânicos.
apesar de me esforçar, não consegui encontrar um odor que Odores da escola. Lembrança de várias etapas da minha
lembrasse aqueles tempos, salvo o cheiro da cantina, que vida. Lembranças da escola, com meus amigos e professores,

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Memórias e odores

memórias da infância. Memórias... Escola... Combinação fessor. Essa opção parece residir na memória, que não
que desperta saudades. (Melissa) é puramente racional ou do campo dos conhecimentos,
mas sim pertencente à sensibilidade e à estética.
As memórias de escola produzidas em forma de O olfato oferece uma via alternativa de sensibi-
narrativa pelos estudantes estagiários não nos levam a lidade, de contato sensorial com o mundo material.
generalizações, tampouco a explicações. O exercício Esse contato propicia inusitadas e ricas reflexões nos
de adensamento das narrativas não deve ser feito com professores em formação inicial, que se encontram
a finalidade de apontar erros ou acertos, mas como desafiados a entrar nas escolas não mais como estu-
forma de trazer vivências e rememorações cheias dantes, mas como docentes.
de significados, que possuem o entrecruzamento de Nesse sentido, as memórias produzidas pelos
tempos, espaços e visões. Mesmo nesse contexto de odores nos possibilitam apontar quão significativo
considerações, é possível tecer alguns argumentos a pode ser esse trabalho aparentemente banal, concor-
partir das mônadas aqui explicitadas. dando com Burke, quando ele afirma:

Formação docente e memória: Seja como for [...] um tema aparentemente tão frívolo
que cruzamentos? e superficial quanto o do odor pode nos ajudar na tarefa de
compreender as mentalidades e sensibilidades do passado.
Nas memórias declaradas através de brechas nas (Burke, 2004, p. 2)
mônadas, é possível perceber a escola como lugar de
amizade, de encontro, de diferentes possibilidades e De fato, podemos também ir além do que Burke
oportunidades em termos de socialização. Há quase afirma ser a compreensão das mentalidades e sensibi-
um tom de nostalgia nas narrativas que contam, por lidades do passado, pois, à medida que a rememoração
exemplo, de uma professora de “aparência sempre acontece, o entrecruzamento de tempos e espaços se
cuidada”, seu perfume e sua voz. Ou ainda as sensa- intensifica, não numa simples reconstrução do passa-
ções produzidas pelo pó de giz pairando no ar “até que do, mas numa elaboração do presente e do futuro a
algum pobre aluno as captava com o nariz” ou entrasse partir daquilo que é rememorado. As mentalidades e
“na garganta, que ficava bem ressecada”. sensibilidades do passado estão guardadas nas memó-
É interessante também notar, nas memórias rias dos sujeitos estudantes da escola básica: crianças
relacionadas com odores presentes em ambientes es- e jovens que experienciaram diferentes situações
colares, as narrativas que trazem o cheiro da cantina, próprias e constitutivas do cotidiano escolar. Tantas
a alimentação, os momentos de encontro com colegas cenas, tantos lugares – salas, pátios, corredores, qua-
ou ainda a cantina como cenário da constatação da dras de esporte; tantos “outros” –, professores, colegas
solidão, a possibilidade de ter a escola como espaço estudantes, inspetores de corredor... Todos esses são
de socialização e de intensificação de vínculos, sejam elementos e atores da cultura escolar que intensificam
ligados a amizades, sejam ligados a namoros. A escola as relações desses sujeitos-professores-em-formação
fica na memória como lugar de vida acontecendo em com a instituição e com as possibilidades do exercício
suas múltiplas aproximações e entrecruzamentos. profissional docente. Essas crianças e esses jovens do
Ao rememorar encontros e desencontros, os pro- passado tornaram-se professores em formação inicial
fessores em formação, imersos no ambiente escolar no presente e hoje passam pelos estágios em seus
na perspectiva do estágio, passam pela experiência de cursos de formação. As memórias acionadas pelos
um outro encontro. O encontro consigo mesmo, com odores trazem, como já mencionamos, esses encontros
o estudante em instituições escolares de ensino básico com os sujeitos crianças-jovens-estudantes, agora em
que, a partir dessa experiência, optou um dia em ser pro- processo de constituição de sujeitos-docentes.

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Maria Inês Petrucci Rosa e Tacita Ansanello Ramos

Podemos lembrar de Josso que, ao assumir as Referências bibliográficas


histórias de vida como constitutivas da formação
docente, afirma: “para que uma experiência seja BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas I – Magia e técnica, arte e
considerada formadora, é necessário falarmos sob o política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. 4. ed. São
ângulo da aprendizagem” (Josso, 2002). Isso implica Paulo: Brasiliense, 1989.
dizer, como Souza, que: BORGES, Cecília. Saberes docentes: diferentes tipologias e
classificações de um campo de pesquisa. Educação & Sociedade,
A organização e construção da narrativa de si implicam Campinas, v. 22, n. 74, p. 59-76, 2001.
colocar o sujeito em contato com suas experiências formado- BURKE, Peter. Uma história cultural dos odores. Folha de S.Paulo, 15
ras, as quais são perspectivadas a partir daquilo que cada um fev. 2004. Caderno Mais. Disponível em: <www.http://www1.folha.
viveu/vive e das simbolizações e subjetivações construídas uol.com.br/fsp/mais/fs1502200405.htm>. Acesso em: 10 abr. 2008.
ao longo da vida. (Souza, 2004, p. 405) CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. 9.
ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
A formação identitária docente – tema central das CORRADI, Dulcelena Peralis. Estágio supervisionado: cultura(s)
atuais pesquisas de nosso grupo – é permeada por essas e processos de identificação permeando um currículo de forma-
aprendizagens e experiências formadoras que, como ção de professores de química. 102 f. Dissertação (Mestrado em
já afirmamos, pouco se relacionam com um currículo Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
prescritivo, e muito se imbrica com aspectos estéticos Campinas, Campinas, 2005.
dessa formação. CUNHA, Renata C. O. B. Lembranças de escola na formação inicial
Ainda lembrando Josso, concordamos com Souza de professores/as. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo; CUNHA,
quando aponta: Renata C. O. Barrichelo (Orgs.). Percursos de autoria: exercícios
de pesquisa. Campinas: Alínea, 2007. p. 97-112.
Descortinar contextos, histórias e memórias através das
FUJIKAWA, Mônica Matie. A escrita como pretexto de reflexão da
narrativas implicadas dos sujeitos em formação, frente ao
prática pedagógica e como estratégia de intervenção na formação
projeto de uma “abordagem experiencial” (Josso, 2002) de
de professores. In: PRADO, Guilherme do Val Toledo; SOLIGO,
narrativas de histórias de vida, leva-me a caminhar no sentido
Rosaura (Orgs.). Porque escrever é fazer história. São Paulo:
de apreender marcas e implicações do itinerário escolar,
Gráfica da FE, 2005. p. 229- 243.
da vivência escolar e suas relações com a(s) escola(s) e o
GALZERANI, Maria Carolina Bovério. Percepções culturais do
papel exercidos por esses lugares/instituições na formação
mundo da escola: em busca da rememoração. In: ENCONTRO NA-
dos atores da pesquisa. (Souza, 2004, p. 414)
CIONAL DE PESQUISADORES DO ENSINO DE HISTÓRIA,

No caso desta pesquisa, o elemento inovador fica 3., Campinas, 1999. Anais... Campinas: Gráfica da Faculdade de

localizado na articulação entre a valorização de um Educação da UNICAMP, 1999. p. 99-108.

caminho sensorial pouco usual (o olfato) e as memó- . Imagens entrecruzadas de infância e de produção de co-

rias acionadas a partir dele, trazendo pistas de marcas nhecimento histórico em Walter Benjamin. In: FARIA, Ana Lúcia Goulart

importantes da constituição da identidade docente no et al. (Org.). Por uma cultura da infância: metodologias de pesquisa com

contexto da formação inicial em atividades de estágio crianças. Campinas: Autores Associados, 2002. p. 49-68.

curricular. Em termos de conhecimentos produzidos, GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia. Pesquisas

fica a assunção de que processos de formação do- contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: UNIJUÍ, 1998.

cente podem ser currículos que propiciem encontros GERALDI, Corinta Maria Grisólia et al. Cartografias do trabalho

“consigo mesmo” que, oportunizados pela memória, docente. Campinas: Mercado das Letras, 1998.

não são exclusivamente do campo das racionalidades GOODSON, Ivor F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos pro-

ou dos conhecimentos, mas sim potencializados pela fessores e o seu desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, António

sensibilidade e pela estética. (Org.). Vidas de professores. Portugal: Porto, 1992. p. 63-78.

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Memórias e odores

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LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Educação da mesma universidade e membro do Grupo de Estudos e
Revista Brasileira de Educação, n. 19, p. 20-28, jan./abr. 2002. Pesquisas em Educação Continuada (GEPEC). Publicações recen-
LELIS, Isabel Alice. Do ensino de conteúdos ao saberes do pro- tes: “Experiências interdisciplinares e formação de professore(a)
fessor: mudança de idioma pedagógico? Educação & Sociedade, s de disciplinas escolares – imagens de um currículo – diáspora”
Campinas, v. 22, n. 74, p. 43-58, 2001. (Pro-Posições, v. 18, n. 2, p. 10-25, 2007); Investigação e ensino:
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Ijuí: UNIJUÍ, 2004. física da rede pública de ensino do estado de São Paulo e membro
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lugar na formação de professores: a reinvenção da escola como uma
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2003, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd, 2003. 1 CD-ROM.
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ROSA, Maria Inês Petrucci. Investigação e ensino: articulações
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rizontes, Bragança Paulista, v. 25, n. 1, p. 66-79, 2007.
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SOUZA, Elizeu Clementino. O conhecimento de si, as narrativas de
Petrucci, “A disciplina escolar química e seu lugar no cotidiano da
formação e o estágio: reflexões teórico-metodológicas sobre uma abor-
escola – ampliando o debate” (In: ENCONTRO NACIONAL DE
dagem experiencial de formação inicial de professores. In: ABRAHÃO,
ENSINO DE QUÍMICA, 13., 2006, Campinas. Anais... Campinas:
Maria Helena Menna Barreto (Org.). A aventura (auto)biográfica: teoria
s.ed., 2006). Pesquisa em andamento: “Cultura(s) escolar(es): o
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Resumos

implementado en Brasil por Getúlio tendo como princípio de formação uma perceived in the school environment
Vargas. La sustentación teórica del aproximação mais significativa com os where you did your placement? What
estudio se encuentra en el campo de la fazeres do cotidiano escolar. Metodolo- memories were triggered by these
etnomatemática – constituido mediante gicamente, a investigação questiona a odours? We defend the idea that teacher
los entrecruzamientos de las teorías clássica abordagem de produção de co- training is also transmitted by the often
post estructuralistas, en especial el nhecimentos a partir do olhar, trazendo unusual memories, communicated by
pensamiento de Michel Foucault, y como elemento inovador a articulação the experiences and the sensibilities of
de las ideas formuladas por Ludwig entre a valorização de um caminho the teachers in training.
Wittgenstein en su obra Investigações sensorial pouco usual – o olfato – e as Key words: teacher training;
filosóficas. El material de investigación memórias acionadas a partir dele. Na supervised placement; memories;
examinado en el artículo consiste intenção de exercitar a possibilidade da narratives; smells
en narraciones producidas por siete escrita de histórias narrativas a partir
Memorias y olores: experiencias
colonos que estudiaron en aquella de odores, foram propostas aos alunos
curriculares en la formación docente
escuela en el período enfocado y as seguintes questões: que odores são
Este artículo trata de memorias
en un texto elaborado por uno de sentidos no ambiente da escola onde
escolares de estudiantes de
los participantes de la pesquisa. se realiza seu estágio? Que memórias
licenciatura compartidas en la
El ejercicio analítico realizado, são acionadas a partir desses odores?
experiencia de la práctica, teniendo
mostró que: la matemática escolar Defendemos a idéia de que a formação
como principio de formación una
practicada en aquella institución fue docente passa também pelas memórias,
aproximación más significativa con
siendo constituida como un conjunto muitas vezes inusitadas, pelas expe-
los hechos del cotidiano escolar.
de juegos de lenguaje marcados por riências comunicáveis e pelas sensibili-
Metodológicamente, la investigación
la escritura y por el formalismo; dades dos professores em formação.
cuestiona la clásica abordaje de
las matemáticas generadas en Palavras-chave: formação docente;
producción de conocimientos a
las actividades cotidianas de los estágio supervisionado; memórias; nar-
partir de la mirada, trayendo como
participantes del estudio, pueden ser rativas; odores
elemento innovador la articulación
significadas como ajustando juegos de
Memories and smells: curricular entre la valorización de un camino
lenguaje regidos por otra gramática,
experiences in teacher training sensorial poco común – el olfato – y
que utilizaba reglas como la oral,
This article deals with the shared las memorias accionadas a partir
la desorganización, la estimativa y
school memories of undergraduate de él. Con la intención de ejercitar
arredondando las cifras, constituyendo
students during placement experience, la posibilidad de escribir historias
criterios de racionalidad diferentes de
promoting a more meaningful narrativas a partir de olores,
aquellos presentes en los juegos que
approximation with the daily life of fueron propuestas a los alumnos las
engendraban la matemática local.
the school as a principle of teacher siguientes cuestiones: ¿qué olores son
Palabras clave: matemática escolar;
training. Methodologically the sentidos en el ambiente de la escuela
etnomatemática; teorías post
investigation questions the conventional donde se realiza su práctica? ¿Qué
estructuralistas
approach to the production of memorias son accionadas a partir
knowledge based on looking, and de esos olores? Defendemos la idea
Maria Inês Petrucci Rosa e Tacita introduces as the innovative element de que la formación docente pasa
Ansanello Ramos the link between the promotion of that también por las memorias, muchas
unusual sensory path – the smell – veces inusitadas, por las experiencias
Memórias e odores: experiências and the memories triggered by it. The comunicables y por  las sensibilidades
curriculares na formação docente following questions were put to the de los profesores en formación.
Este artigo trata de memórias escolares students with the intention of exercising Palabras clave: formación docente;
de estudantes de licenciatura com- the possibility of writing stories based práctica supervisionada; memorias
partilhadas na experiência do estágio, on these smells: what smells were narrativas; olores

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