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O que é um sermão?

É um discurso que se prenuncia em público sobre um assunto religioso. Tem um fim moral ou virtuoso,
com o intuito de convencer algo ou alguém. Faz-se num tom severo, fundamentado na bíblia. É de
natureza argumentativa.
O Sermão de Santo António foi pregado no dia 13 de junho de 1654, na cidade S. Luís do Maranhão, três
dias antes de Padre António Vieira partir ocultamente para Portugal de modo a denunciar o modo como os
índios estavam a ser tratados pelos colonos portugueses. Nesta época, existiam grandes lutas entre
colonos, índios e jesuítas.
Após a restauração da independência de Portugal face à coroa espanhola (1640), Padre António Vieira
vem a Lisboa interceder junto do rei para que fossem criadas leis que garantissem um conjunto de direitos
básicos aos índios brasileiros, vítimas da exploração e da ganância por parte dos colonos brancos.
O sermão é alegórico porque o autor ilustra determinados conceitos abstratos como os vícios dos
homens, recorrendo aos peixes. Os peixes são a personificação dos homens.

Razões do nome do Sermão:


Padre António Vieira tomou Santo António como modelo e no dia 13 de junho de 1654, celebra-se o dia
de Santo António.
Estrutura do sermão:
-Externa: 6 capítulos; -Interna: partes do sermão.

1. Exórdio – Apresentação do tema do sermão de forma breve, iniciando-se com o conceito predicável:
“Vós sois o sal da Terra”, retirado da Bíblia, onde “Vós” remete para os pregadores, “sal” para a mensagem
evangélica (a doutrina) e “Terra” faz referência aos ouvintes. É apresentado como sendo uma verdade
para de seguida, desenvolver a afirmação inicial, servindo assim de mote ao sermão. É de grande
importância pois é o primeiro passo para captar a atenção e benevolência dos ouvintes.

2. Exposição – Momento necessariamente breve em que se apresenta o plano a seguir. Neste sermão a
exposição corresponde aos dois primeiros parágrafos do segundo capítulo.

3. Confirmação – Trata-se do momento mais longo do sermão, correspondente ao desenvolvimento. É


neste segmento textual que se apresentam os argumentos e a respetiva fundamentação (exemplos), no
sentido de persuadir o auditório. Corresponde aos Capítulos II, III, IV e V, em que são apresentadas as
virtudes dos peixes no geral e em particular e os vícios dos peixes no geral e em particular,
respetivamente.

4. Peroração – Corresponde à parte final do sermão (capítulo V), que se trata de uma síntese do que fora
defendido, procurando ter um forte impacto no auditório para assim mudar a mentalidade e alterar
comportamentos.

Objetivos do sermão:
1. Docere (ensinar/educar) – Função informativa do sermão, conseguida através das citações bíblicas, dos
dados da história natural e dos conceitos explicitados. Pretendia assim transmitir ensinamentos ao seu
auditório.
2. Delectare (agradar/deleitar) – Vieira queria que os ouvintes ouvissem o sermão com prazer. Serve-se da
função emotiva da linguagem e é conseguida através de frases exclamativas, das interjeições,
interrogações, gradações, hipérboles, comparações, metáforas e todas as outras figuras de estilo de modo
a embelezar o seu texto.
3. Movere (persuadir/convencer) – Vieira queria que os ouvintes modificassem a sua maneira de pensar e
agir e então, através da função apelativa da linguagem expressa em situações bíblicas, usou frases
imperativas, vocativos e interrogações retóricas.
Capítulo I– Exórdio
Padre António Vieira começa por se dirigir aos pregadores (“vós”) e dizer que eles são o “sal da terra”,
pois têm a mesma função – impedir a corrupção, no sentido metafórico, ou seja, têm de impedir a
corrupção das almas dos homens.
Propriedades do sal: conservar o bom e evitar a corrupção.
Propriedades dos pregadores: louvar o bem e impedir o mal.
Ele constata que a terra está corrupta, apesar da existência de muitos pregadores. E aponta duas
causas: ou o sal não salga (culpa dos pregadores) ou a Terra não se deixa salgar (culpa dos ouvintes).
Estabelece-se assim um paralelismo entre o sal e os pregadores, pois têm as mesmas propriedades.
Se o sal não salga é porque: os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; há incoerência entre
palavras e atos e pregam-se a si mesmos e não a Cristo.
A Terra não deixa salgar porque: os ouvintes não querem receber a doutrina cristã, ainda que verdadeira;
preferem imitar comportamentos invés de seguirem conselhos; servem apetites pessoais em vez de servir
Cristo.
Seguidamente, afirma que, infelizmente, tudo isto é verdade pois não cumprem as suas funções. Tenta
então apontar soluções para o problema anteriormente referido, através de argumentos de autoridade:
- Para o problema de o sal não salgar quem dá a solução é Cristo, que diz para tratar com desprezo os
maus pregadores e com estima, admiração e respeito os bons pregadores (“lançado fora como inútil e
pisado por todos”).
- Para o problema da terra não se deixar salgar quem deu a solução foi St. António, que mudou de
auditório/púlpito mas não de doutrina e foi pregar aos peixes, que são tudo o contrário dos homens, são
organizados e interessados.
O orador cita Cristo para conferir autoridade ao seu sermão, uma vez que as suas palavras sempre serão
sinónimo de verdade absoluta.
A crítica é bem forte. A palavra de Deus não está a fazer fruto, o mal não está só do lado dos homens
que não ouvem, tal como dos pregadores, que não pregam a verdadeira doutrina.
Por fim, Padre António Vieira elogia Santo António, e diz que ele foi sal da Terra – pregou aos homens –
e sal do mar – pregou aos peixes. Apresenta-o como um modelo e um exemplo a seguir. Também mostra
a sua semelhança com Santo António, pois ambos pregaram aos homens sem efeito e seguidamente,
Padre António Vieira imita-o pregando aos peixes e pedindo inspiração a Virgem Maria, invocando-a para
expor o assunto do sermão, terminando assim o exórdio.

Aspetos importantes:
-Utiliza conjunções coordenativas disjuntivas “ou” e conjunções subordinadas causais “porque” para
procurar as causas que impedem que a terra se deixe salgar. A conjunção coordenativa adversativa “mas”
introduz uma clarificação do que foi anteriormente referido.
-Repetição sistemática de certas palavras é com a finalidade de vincar determinadas ideias.
-Enumeração usada para dar a ideia de continuidade das ações.
-Utiliza argumentos lógicos e sucessivas interrogações retóricas para atingir a inteligência dos ouvintes.
-Para atingir o coração do auditório, usa interjeições e exclamações.

Capítulo II–Louvores dos peixes em geral (exposição- 2 primeiros parágrafos)

É introduzido por uma interrogação retórica que apresenta o destinatário do sermão (os peixes).
Retoma o conceito predicável quando inicia a exposição do seu sermão. Começa por referir que tal como o
sal tem duas propriedades (conservar o são e preservá-lo), o seu sermão também se organiza em dois
momentos: louvar o bem e elogiar as virtudes dos peixes e repreender o mal e criticar os seus vícios.
Confirmação
Elogia os peixes no geral quando ouviram St. António como sendo obedientes, tranquilos e atentos,
funcionando como críticas aos homens, pois os últimos perseguiram-o, em vez de o ouvirem e seguirem.
A história de “António” realça a natureza distinta dos homens e dos peixes. Por outro lado, não incluindo
referências explícitas a Santo António, pode entender-se que o orador se serve do nome próprio e do
relato que produz como uma narrativa autobiográfica, na qual, dada a semelhança da sua situação no
Brasil com a do santo em Itália, realça a incompreensão de que é vítima.
Os peixes são melhores que os Homens, pelo que, quanto mais longe destes tiverem, melhor. A distância
face aos homens (exibida através da anáfora) garante aos peixes a liberdade que os outros animais não
têm. São assim animais independentes, livres da submissão aos homens. Os exemplos dados comprovam
que os animais que vivem perto dos homens são subjugados por eles.
Fala de dois tipos de virtudes dos peixes, aquelas que dependem de Deus: os peixes foram os primeiros
seres a serem criados por Deus; foram os primeiros a terem nome; são os mais numerosos e os maiores e
são também obedientes, ordeiros, calmos e
atentos/interessados e aquelas que dependem da natureza dos peixes: não se deixam domar, não se
deixam domesticar e escaparam todos do dilúvio porque não tinham pecado.
Evidencia-se que os animais que convivem com os homens foram castigados, estão domados e
domesticados, sem liberdade. O discurso torna-se variado pois umas vezes dirige-se aos peixes na
segunda pessoa, como na terceira pessoa. Isto não obscurece a mensagem mas aumenta a capacidade
de denúncia.
Conclui-se assim que os homens não são amigos de ninguém e que a melhor terra do mundo era a mais
deserta, porque nela não existem homens, segundo um filósofo.
Termina o capítulo com o exemplo de Santo António, que deixou Lisboa, Coimbra e Porto para se afastar
dos homens e aproximar-se de Deus.

III Capítulo – Confirmação – Virtudes Particulares


Fala de alguns peixes e das suas virtudes, representativos de determinado tipo de homens.
Capítulo IV - Confirmação - Repreensões em geral

Neste capítulo, Padre António Vieira, fala dos vícios gerais dos peixes. Fala, mais precisamente de dois
vícios:
-O primeiro é o facto dos peixes se comerem uns aos outros e, sobretudo, os maiores aos mais pequenos,
pois se fosse ao contrário dava um grande para satisfazer muitos pequenos, mas assim são precisos muito
pequenos para satisfazer um grande. Comem-se vivos e também depois de mortos; comem-se
desesperadamente, ou seja, quase que devoram; comem-se como pão, ou seja, todos os dias.

-O segundo vício é a ignorância e a cegueira. Neste capítulo, apesar de se continuar a dirigir aos peixes,
Padre António Vieira fala directamente para os homens, pois eles matam-se por serem vaidosos. Mostra
que os homens, para conseguirem coisas materiais, arriscam a sua vida. Dá o exemplo dos homens do
Maranhão que empenham todo o seu trabalho para poderem receber roupas, roupas que vêm de Portugal
e até já estão fora de moda. Mostra que muitas vezes isto leva á morte, como nas ordens religiosas, onde
ele compara o isco com que o peixe é pescado, por vaidade, com o hábito (veste que usam nas ordens
religiosas) que leva á morte em batalhas.
Dá como modelo St. António, pois ele fugiu á vaidade, ele despojou-se de todos os bens. Passou dos
fatos de gala, para a loba de sarja e correia, e por fim para o burel e corda.
Através dele, Vieira constrói um paralelismo: os índios eram comidos pelos clonos, que eram comidos
pelos da metrópole, que eram comidos pelos holandeses. Os mais fracos (índios, clonos portugueses e
portugueses da metrópole) têm que se unir para derrotar os mais fortes (holandeses). Dá a ideia de um
grande banquete em torno de uma pobre vítima.
Faz assim uma crítica direta aqueles que iam de Portugal para o Brasil para enriquecerem, por isso
“comiam” sucessivamente os índios e, quando voltavam ao Reino, era a sua vez de serem comidos pelos
seus superiores.

Capítulo V - Repreensão em particular - Confirmação

A apóstrofe “Voador”, “Peixes”, entre outras, interpelando diretamente os peixes, recupera e mantém na
lembrança os destinatários do discurso, aos quais são apontados defeitos que, por meio da alegoria, se
recordam aos homens.
Capítulo VI - Peroração

Neste último capítulo Padre António Vieira conclui o sermão contando aos peixes as razões para
louvarem Deus. Ele tem a noção que estas últimas palavras são aquelas que ficam mais presentes no
espírito do auditório.
Começa por mostrar que os peixes devem pedir a Deus por não serem escolhidos para os sacrifícios,
pois os outros animais podem chegar vivos e eles já chegam mortos. Mesmo alguns homens também já
chegam mortos ao altar, pois já vão em pecado mortal.
Depois acaba por mostrar que têm inveja dos peixes, pois os homens tomam Deus indignamente, os
homens ofendem Deus com as palavras, com a memória, com o pensamento e com a vontade e os
homens não cumprem o fim para que foram criados. Enquanto os peixes não ofendem Deus e atingem o
fim para que foram criados.
O orador conclui que os peixes podem sentir orgulho e satisfação e os homens devem sentir culpa e
vergonha.
Termina com o hino Benedite, encerrando o sermão, com um tom festivo à comemoração de Santo
António, cuja festa se celebrava.

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