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Winnicott aconchego e proteção do cobertorzinho: o objeto transicional

(Por Fernanda Amaral)


Winnicott abraça a ideia de que a personalidade de um indivíduo é feita
através das vivências da infância. O psicanalista Donald Winnicott teve
experiências laborais com crianças distanciadas de suas famílias em
consequência da Segunda Guerra Mundial. Nesse período encontrou um
interessante campo de estudo que lhe permitiu conceber sobre etapas
fundamentais do desenvolvimento do sujeito. Donald Winnicott constatou a
importância do brincar e da primeira infância na construção da identidade
pessoal. As conclusões obtidas são fundamentalmente ricas para profissionais
da educação e demais profissionais que trabalham com crianças.

Uma parcela considerável dos conceitos de Winnicott se refere ao


"desenvolvimento emocional primitivo", cujos efeitos são de vital importância
para o indivíduo por se estenderem por toda a vida. Diversas problemáticas e
até traumas da fase adulta das pessoas poderiam ter vinculações com
disfunções que aconteceram entre a criança e o "ambiente", representado em
geral pela mãe.

Dentre as diversas contribuições que Winnicott deixou, a frase "não


existe essa coisa chamada bebê", foi uma das mais ricas. Frente a essa fala
Winnicott quer dizer que não há criança sem uma mãe (não precisando ser,
necessariamente a mãe biológica). Desse discurso vem a o ideal de "mãe
suficientemente boa", aquela que entrega ao seu bebê aquilo que ele demanda
de acordo com as necessidades da etapa de vida deste bebê ou criança.
Grosseiramente, seria dizer que a mãe vai adaptando a entrega de acordo com
o que a criança necessita. Fazendo com que exista um ambiente chamado por
Winnicott de holding (cuja melhor tradução para o português seria "colo")
favorável a um processo de concepção de um indivíduo independente. "O
holding é o somatório de aconchego, percepção, proteção e alegria fornecidos
pela mãe", diz ele. Principia por algo vital, como o oxigênio e a alimentação, e
se dilui conforme a criança/bebê cresce.

De acordo com estudiosos da educação que se baseiam nas teorias de


Winnicott os educadores deveriam (dentro da escola) propiciar aos alunos um
acolhimento/holding adequado a cada aluno, ou seja, deveriam tratar as
crianças com a individualidade merecida. Para que, por exemplo, a inclusão
nas escolas fosse, de fato e de direito, existente, onde o termo “inclusão”
fizesse sentido, ou seja onde o “holding” acontecesse. A adoção de posturas
mais tolerantes pode propiciar que a criança se sinta compreendida e diante da
criação de maiores condições de se libertar a criança possa ser mais “ela
mesma” porque mesmo assim e justamente por estar sendo “ela mesma”, ela
se verá acolhida.

A alcunha mais conhecida de Winnicott é a de "objeto transicional", esse


objeto comumente representado pelo cobertorzinho, “paninho”, “fraldinha” a
que muitas crianças se apegam numa determinada fase da primeira infância. É
o objeto que existe subjetiva e objetivamente. Objetivamente, pois ora o
cobertor/fraldinha/paninho realmente existe em um mundo dividido, partilhado
com os demais seres ao redor do bebê. E existe subjetivamente para a criança,
seu dono, pois faz parte de suas fantasias, possuindo inclusive vida própria. O
objeto transicional é algo que não está definitivamente nem dentro nem fora da
criança, ele serve para que o indivíduo possa experimentar com essas
situações, e ir demarcando seus próprios limites mentais em relação ao externo
e ao interno.

Para exemplificar o objeto transicional, Winnicott reflete sobre o primeiro


vínculo da criança com o mundo externo, sua relação com o seio materno. No
início da vida a criança tem uma ilusão de ser a toda poderosa, onipotente,
vivenciando a experiência dela e do seio serem um só indivíduo, como se o
seio materno fosse parte do seu próprio corpo. Posta essa onipotência ilusória,
o ideal é que a mãe deva ir desconstruindo na criança tal ilusão fazendo com
que o bebê adquira a noção de que o seio é uma “posse”, no sentido de um
objeto, mas que não é ele, algo como ele pertence-me, mas não sou eu. O
objeto transicional ocupa para um lugar contrário do seio, que não está
disponível constantemente. O objeto transicional está ali ocupando o lugar da
ilusão, onde a criança é quem decide a distância entre ela e tal objeto.

A união e o afastamento do objeto transicional deixa em cada ser um


sinal: fica na mente do ser humano uma lacuna que, assim como o objeto
transicional, é o meio caminho entre o interno e o externo. Por conseguinte é
nessa lacuna que é produzida inúmeras das atividades de potencial criativo do
ser humano, como artes plásticas, visuais, cênicas, a música, coreografias de
dança, etc. que de certa forma simbolizam o mundo interno para o exterior.
Winnicott indica que algumas características são comuns aos objetos
transicionais: o objeto é carinhosamente ninado e excitadamente amado e
também destroçado; deve resistir ao ódio, ao amor, e aos ataques. É muito
importante que o objeto sobreviva aos ataques de agressão, permitindo que a
criança coloque o objeto numa posição neutra, para então ter um fim
construtivo, ao notar que ela não tem a capacidade de destruir os objetos.

Posto isso, o objeto transicional faz com que o período em que o bebê
se sente o “todo poderoso” seja aumentado. Esse é o período em que o bebê
está se adaptando à aceitação de uma situação a qual ele não tem controle e
não pode mudar como pensamento ou imaginação: a realidade. Por alguns
períodos o bebê acredita ter poderes mágicos e depois percebe a ilusão. Com
as brincadeiras e aprendizado daquilo que lhe cerca o bebê, depois criança,
adolescente e por fim adulto retêm o poder de criar e se adequam às
possibilidades reais. Tal teoria instiga-nos a pensar que a fantasia é uma
especificidade do ser humano, é inata, enquanto a objetividade não é inata, ela
é uma capacidade aprendida tal qual se aprende outra língua que não a
“materna” ou mesmo aprendemos a tocar um instrumento.

Nascido na Inglaterra em 1896, numa família de ricos comerciantes


Donald Woods Winnicot, nem bem entrou na faculdade de Medicina e já foi
convocado ao serviço militar como enfermeiro na Primeira Guerra Mundial,
onde iniciou suas observações sobre o comportamento humano em
circunstâncias de trauma. Diante de tantas descobertas a especialização em
Pediatria foi inevitável, trabalhando depois por 40 anos no Hospital Infantil
Paddington. Paralelo a isso, preparou-se para ser psicanalista e foi consultor
psiquiátrico do governo, usando a psicanálise em crianças afastadas dos pais
na Segunda Guerra Mundial. Seu divórcio da primeira esposa, artista plástica
Alice Taylor, ocorreu em 1949, dois anos depois casou-se com psicanalista e
organizadora de seus trabalhos Clare Britton, e se elegeu presidente da
Sociedade Britânica de Psicanálise, pouco mais de 20 anos depois morreu em
Londres, em 1971.

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