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Presidência da República

Secretaria de Relações Institucionais


Secretaria do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social

ATA DA 15ª REUNIÃO ORDINÁRIA DO PLENO

CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (CDES)

Pauta: Política Externa.

1. LOCAL, DATA, HORA


Palácio do Planalto, Salão Oeste, Brasília, Distrito Federal, dia 01 de dezembro de 2005 às
9h20’.

2. REGISTRO DE PRESENÇAS
Ministros e Secretários-Executivos: Luiz Fernando Furlan; Luiz Marinho; Patrus Ananias.
Ministros Convidados: Celso Amorim.
Conselheiros Titulares: Adilson Ventura; Alceu Nieckarz; Amarílio Macêdo; Antoninho
Trevisan; Avelino Ganzer; Clemente Ganz Lúcio; Daniel Feffer; Frank Svensson; Gabriel Jorge
Ferreira; Gisela Gorovitz; Gustavo Lemos Petta; Gustavo Marin Garat; Horácio Lafer Piva; Ivo
Rosset; João Felício; Jorge Gerdau Johannpeter; Jorge Nazareno Rodrigues; José Carlos Bumlai;
José Luís Cutrale; José Mendo M. de Souza; Joseph Couri; Juçara Dutra Vieira; Laerte Costa; Luiz
Aimberê Freitas; Luiz Carlos Delben Leite; Luiz Gonzaga Lessa, Gen.; Luiz Otávio Gomes; Maurílio
Biagi Filho; Miguel Jorge; Nilson Fanini; Oded Grajew; Paulo Safady Simão; Paulo Skaf; Paulo
Vellinho; Pedro de Assis Ribeiro Oliveira; Sérgio Haddad; Sônia Fleury; Viviane Senna; Waldemar
Verdi; Zilda Arns.
Conselheiros Suplentes: Ana Lucia Gazzola; Antonio Fernando de Franceschi; Arthur
Peralta; Fernando Dall'Acqua; Fernando Perez; Flamarion Nunes; Francisco Antonio Dória; João
Carlos Borges Martins; Josmar Verillo; Jurandir Pereira da Silva; Luiz Cláudio Marcolino; Luiz
Fernando Emediato; Manoel Cabral de Castro; Martha Lassance; Nelson Bizzacchi Spinelli; Pedro de
Freitas; Ramon Belisário; Vantuil Gonçalves Junior.

3. COMPOSIÇÃO DA MESA
Ministro Jaques Wagner e Ministro Celso Amorim.

4. CONVOCAÇÃO
Realizada em acordo com o artigo 6 do Regimento Interno do CDES, a reunião foi
convocada por e-mails, faxes e telefonemas aos membros do Conselho.

5. INFORMES E EXPOSIÇÕES

Ministro Jaques Wagner: Bom dia a todos. Quero cumprimentar a todos os conselheiros
e conselheiras e dizer da minha alegria de mais uma vez estarmos juntos em uma reunião do
Conselho. Agradeço a presença do Ministro Celso Amorim, que está chegando de viagem.

Ministro Celso Amorim: Estou chegando e partindo.

Ministro Jaques Wagner: Chegou e já vai partir à tarde, o que é próprio da sua função.
Não está muito bem de saúde, está com amidalite, mas veio nos brindar com a sua exposição
sobre o trabalho que o País está fazendo sobre a batuta do Presidente Lula, na área de relações
internacionais. Eu estava brincando aqui quando cheguei que não podíamos ter escolhido uma data
melhor para essa reunião de fim de ano. Fomos brindados na segunda-feira, terça-feira e quarta-
feira com o noticiário, que tenho certeza que esquentou os corações e as mentes de todos.
Primeiro, tivemos o resultado da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Depois,
tivemos notícias não tão boas, como o resultado do PIB do terceiro trimestre. Por fim, tivemos a
notícia, respeitadas as opiniões de cada um, mas que acho sempre traumáticas para a democracia,
que foi o processo de cassação do deputado José Dirceu, do ex-deputado José Dirceu, ontem. Eu
tenho uma opinião muito clara. O Brasil em algumas coisas é ímpar e também é ímpar nesse
processo. É o único país no mundo que a própria Casa cassa os seus. Nos outros países, a Casa
instrui o processo e remete para a Justiça julgar porque é sempre complicado quando se é julgado
em um ambiente em que,claramente, há algum tipo de torcida. Dessa maneira, já se entra no
processo com um grau de contaminação. Não quero fazer juízo de valor dos que votaram, até
porque o voto é secreto e eu respeito o processo, mas achei pertinente fazer este comentário
porque nós realmente somos o único país no mundo em que a Casa que instrui o processo também
é responsável pelo julgamento. Reconhecendo que são estabelecidas relações no Parlamento, onde
se faz amigos e inimigos, amigos e adversários, em tese todo o processo de julgamento não
deveria estar tão próximo destes aspectos subjetivos. Estou muito à vontade para comentar este
fato porque dizia isso quando era oposição também e quando não tinha ninguém do PT cassado.
Eu acho que esse é um processo complicado. Não estou aqui fazendo, repito, nenhum juízo de
valor dos que votaram nem do episódio em sim, mas faço esse comentário com o propósito de
melhorar a nossa democracia.
Evidentemente que acho que as notícias da semana aqueceram os corações. Eu entendo
que o resultado da PNAD é extremamente expressivo do ponto de vista daquilo que o próprio
Conselho, na Agenda Nacional de Desenvolvimento, escolheu como ponto número um, que é a
questão da desigualdade. Dizemos no texto da Agenda Nacional de Desenvolvimento que o
primeiro elemento de qualquer política pública deve ser o combate à desigualdade, independente
se é pequeno, médio ou grande. Eu acho que essa notícia de diminuição da desigualdade, de
retirada de alguns milhões de brasileiros da miséria é, sem dúvida, positiva. Mas, a vida é assim.
No dia seguinte tem o resultado do PIB trimestral, que apresentou queda, o que, evidentemente,
não é uma notícia boa e vai esquentar o debate sobre as causas dessa queda. Alguns alegarão que
é o juro, outros que é o câmbio, outros que é a turbulência política, que de alguma forma impacta
também no PIB. Acho que esse debate vai ser aberto na sociedade e, evidentemente, internamente
no governo já está sendo avaliado para que possamos garantir que o País continue crescendo, que
eu acho que é o elemento fundamental.
Dentro do Ministério do Trabalho não há política melhor que a geração de emprego e
renda. Essa para mim é a grande política social porque é a política da cidadania. Todas as outras
são bem-vindas num país que tem um drama social como o nosso, mas a política definitiva é essa
que permite que as pessoas, como cidadãos e cidadãs, possam viver do fruto da sua produção.
Isso é que faz o cidadão se sentir integrado.
O tema de hoje que o Ministro Celso Amorim vai abordar, e que depois será
complementado pelos três conselheiros debatedores em sete minutos antes da continuidade do
debate com o restante do Pleno, é um tema que considero extremamente importante e reflete em
várias áreas, seja na posição do Brasil no cenário internacional, seja no aspecto comercial ou na
própria geopolítica da América Latina, a importância que a nossa diplomacia e o Presidente Lula
vêm assumindo torna o País uma espécie de mediador reconhecido até fora da América Latina. Eu
acho que este é um tema importante e tem uma conexão com o Conselho. Desde a última reunião
plenária, estive acompanhado da Dra. Esther Bemerguy, Secretária do CDES, em Cochabamba, na
Bolívia, atendendo a um convite das Organizações das Nações Unidas, por conta da turbulência,
vou chamar assim, política daquele país. E o aspecto mais interessante do encontro é que não se
tratava de uma reunião governamental. Era a sociedade civil boliviana procurando se organizar e
pedindo que levássemos a experiência do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)
para pudesse servir de arcabouço para algum grau de organização, na medida em que a sociedade
civil boliviana quer ser mais proativa nas questões da política nacional, principalmente agora que se
avizinha um processo eleitoral.

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Também estivemos na Argélia numa das mesas-redondas que foi organizada pela
Associação Internacional dos Conselhos Econômicos e Sociais e Instituições Similares (AICESIS). E
em janeiro estaremos promovendo essa mesma mesa-redonda aqui no Brasil. Chamo atenção,
portanto, que esse tema da política externa também está relacionado com o Conselho na medida
em que o CDES é convidado a tomar parte de eventos internacionais de grande relevância. Eu
estive no Conselho Econômico Europeu a convite deles para falar da participação da sociedade civil
como parceira dentro da Organização Mundial do Comércio.
Eu quero aproveitar para falar, até porque estamos fazendo a última reunião do ano, que a
SEDES está propondo a organização de um grupo de trabalho para a avaliação desse ano de
trabalho que passou. A própria equipe está produzindo elementos através de análises nossas e têm
estudiosos de universidades que também produziram trabalhos sobre o Conselho. Mas o mais
importante é que os próprios conselheiros, através de um Grupo de Trabalho participem dessa
avaliação. Eu aproveito para comunicar para aqueles que desejem participar que as inscrições já
estão abertas. A equipe já consultou alguns conselheiros que se colocaram à disposição para que
possamos fazer um processo de avaliação olhando para o futuro com o objetivo de melhorar o
trabalho do Conselho.
Voltando ao tema internacional, que ressalto que tem a ver conosco, eu queria dizer para
os conselheiros que o Conselho também é elemento de divulgação positiva fora do País. Ou seja,
ele é olhado como elemento de amadurecimento da democracia brasileira. Com todos os problemas
que temos, com todas as reclamações que tenho ouvido de que pouca coisa do que se decidiu aqui
está implementada, quero dizer que dentro do relatório de micro e pequenas empresas, aspectos
do que foi debatido e recomendado por este Conselho foi aproveitado, como por exemplo a subida
do teto para micro e pequenas empresas. A Lei Geral está em processo de discussão e sempre será
difícil determinar a paternidade de tudo que ele conterá, mas quero garantir aos conselheiros que o
trabalho desenvolvido aqui foi levado em consideração. É óbvio que não somos os pais exclusivos
deste tema, até porque esse debate é nacional, como tudo o que acontece aqui. Mas coisas que
tratamos aqui são encaminhadas e eu insisto em dizer que esse é um elemento de
amadurecimento da nossa democracia, o que na minha opinião é muito valorizado na vida. Aliás, a
graça da vida é nada ser perfeito porque estamos sempre estimulados a melhorar. Então, eu acho
que o instrumento que temos é importante e podemos melhorá-lo através desse processo de
avaliação.
Passo a palavra agora ao Ministro Celso Amorim.

Ministro Celso Amorim: Bom dia Sr. Presidente, colega e amigo Jaques Wagner.
Senhores e senhoras conselheiros, dentre os quais tenho tantos amigos e conhecidos, e tantas
pessoas com quem tenho colaborado e que têm colaborado conosco em tantas atividades. Até
porque, hoje em dia, a atividade internacional não é uma atividade que pode ser conduzida
somente pelo Ministério das Relações Exteriores, nem mesmo só pelo Executivo, nem mesmo só
pelas organizações do Estado. É preciso a participação da sociedade civil. Vejo aqui a Dra.
Professora Zilda Arns que, por exemplo, nos ajuda a fazer um trabalho de grande importância e de
sentido humanitário profundo em lugares como o Haiti. Para mencionar apenas um exemplo, a
CUT, que tem estado presente nas reuniões internacionais. Sem falar dos empresários, que já têm
uma participação um pouco mais tradicional, pelo menos nos aspectos mais relacionados ao
comércio exterior.
Eu quero, sem me demorar muito, ecoar o que o Ministro Jaques Wagner disse no início da
sessão. Não vou entrar em detalhes, mas posso dizer que compartilho dos mesmos sentimentos
dele, tanto com relação às notícias boas, quanto com as preocupantes e as traumáticas. Creio que
todos esses fatos são para nós motivo de profunda reflexão.
Eu acho que no plano político, mas também no plano social, é um fato novo e importante
no Brasil: a melhora na distribuição de renda. A melhora na distribuição de renda ajuda o
crescimento e o crescimento, por sua vez, também ajuda a distribuição de renda. Então, como dizia
o Ministro Jaques Wagner, é preciso que os dois caminhem juntos. Menciono isso porque esses
objetivos e essas atitudes que dizem respeito à política interna e à evolução interna do país

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também inspiram a política externa. A mesma preocupação humanista, eu diria, e com a justiça
social que o governo do Presidente Lula tem procurado imprimir no plano interno - com o êxito que
cada um julgará, mas de qualquer maneira com o mesmo empenho -, tem-se refletido na esfera
internacional. Ressalto, também, o esforço em prol do aprofundamento da própria democracia na
esfera internacional. Nós sabemos que isso não é simples, não é fácil.
A relação internacional é muito diferente, a chamada comunidade internacional é ainda,
digamos sim, um ser em evolução, diferentemente dos Estados. Encontra-se em estágio muito mais
atrasado do que os Estados Nacionais. Portanto, tratar de processos democráticos e inclusivos na
sociedade internacional é uma tarefa ainda mais complexa e cujo objetivo será alcançado ,
provavelmente, em momento ainda distante. Mas nem por isso devemos deixar de lutar.
Eu diria que um aspecto importante da política externa do Presidente Lula, desde o
primeiro momento - e que tem a ver também, creio eu, com a mesma atitude psicológica da
política interna -, é uma busca de conferir ao povo brasileiro a oportunidade de se sentir orgulhoso
do seu país. Eu acho que o país se sentirá orgulhoso de si mesmo, que os brasileiros se sentirão
orgulhosos de si mesmos quando a chaga da desigualdade social, que é brutal, uma das maiores
do mundo, tiver sido diminuída de maneira substancial. Eu não diria que é inútil o PIB crescer 10%,
porque sempre é útil, sempre sobra algo para alguém. Mas eu me recordo de períodos, ainda no
regime militar, no auge do crescimento econômico no Brasil, em que o país crescia a taxas
milagrosas de 8% ou 10% mas o índice de distribuição de renda piorava e era um dos piores do
mundo. Então, nós temos que cuidar, creio eu, para que as coisas não ocorram dessa maneira.
E na política internacional eu acho também que, sem nenhuma jactância, é muito
importante, usando uma expressão que o deputado João Herrmann Neto empregou há poucos dias
numa apresentação que fiz na Câmara, “é importante que o Brasil dispute o jogo dentro da sua
liga”. E a impressão que temos, não só nós, mas muitos observadores internacionais da política
brasileira, ou seja, que o Brasil era como um time que jogasse abaixo da sua liga. Eu já fui ministro
outra vez, de modo que posso comentar isso sem nenhuma crítica a nenhum antecessor, ou
nenhuma crítica antecipada a algum sucessor, mas comparando com o meu próprio período como
ministro, um período interessante também do Governo Itamar Franco. O Brasil é um país grande,
de grande população, de grandes recursos, em processo de consolidação democrática, grande
dinamismo demográfico e econômico, apesar dos percalços das últimas décadas, mas na hora de
se colocar no plano internacional, se colocava de maneira sempre humilde, sempre modesta, quase
pedindo licença pra entrar nos lugares. Eu acho que isso é algo que mudou de maneira substancial.
Claro que não se pode atribuir todas as mudanças só ao que o Governo do Presidente Lula fez,
muito menos ao que seu ministros fizeram, porque há, evidentemente, uma série de fatos que
contribuiu pra isso: a estabilidade econômica, que veio se construindo ao longo dos últimos anos; a
estabilidade democrática, da qual, infelizmente, fatos traumáticos como esse a que se refere o
ministro Jaques Wagner fazem parte. Quer dizer, a democracia está funcionando dentro das regras
que ela tem. Em muitos casos nós lamentamos os resultados, dependendo da opinião de cada um,
mas de qualquer maneira é um processo democrático em funcionamento. Temos ainda uma política
de Direitos Humanos que, embora não tenha conseguido todos os resultados que esperamos,
credencia o País a falar de maneira desassombrada perante o mundo. Eu acho que o Presidente
Lula, pela sua própria trajetória, pela maneira laboriosa com que trabalhou para chegar ao poder
representando o povo brasileiro como um todo, emergindo de uma classe social excluída, contribuiu
muito para que a política do Brasil não só tivesse essas características humanistas, de busca da
justiça social, do aprofundamento da democracia, mas também procurasse refletir esse desejo do
povo brasileiro de aumentar a sua auto-estima. E eu creio que, ainda falando desse ponto de vista
muito geral, isso se exprime de várias formas.
Primeiro, lutando pelo nosso interesse, sempre que esse interesse é legítimo, sem
necessidade de nenhum tipo de ação mais, digamos, excessivamente humilde - a humildade é uma
virtude, certamente, mas todos os excessos são errados -, e ao mesmo tempo demonstrando
independência e julgamento independente diante dos fatos. Eu mencionava outro dia na Câmara, e
volto a mencionar aqui, que a política externa do Presidente Lula teve que aparecer de maneira
muito clara, independentemente da própria figura do Presidente, desde o primeiro dia. Porque

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entre Porto Alegre e Davos, a personalidade do presidente aparecia como uma possibilidade de
estabelecer um diálogo entre dois mundos que, ou se ignoravam ou se confrontavam. Mas, além
disso, como a política externa não é feita somente pela agenda que nós mesmos traçamos, mas
das nossas respostas aos fatos da agenda internacional, foi com a Guerra do Iraque, com a
intervenção no Iraque, que o Presidente Lula tomou uma posição coerente com os princípios que
ele sempre defendeu. E tomou-a com altivez, coragem e não apenas com uma atitude de quem
quer marcar uma posição, e sim tentando, efetivamente, contribuir. E tanto assim que naqueles
primeiros dias de governo, nos primeiros meses de governo, a troca de encontros e telefonemas do
Presidente Lula com outros líderes, como o Presidente Jacques Chirac e o Secretário-Geral da ONU,
Kofi Annan, foi intensa. Até mesmo para o Papa eu tive a grande honra de ser portador de uma
carta do Presidente Lula, numa tentativa de ver se podíamos, num primeiro momento, evitar a
intervenção armada, que todos sabemos, tem custado muitíssimo, e, no segundo momento,
tentando fazer com que ela durasse o mínimo possível.
Eu costumo dizer que em política externa temos princípios básicos de Estado, que têm uma
certa permanência, como a defesa de solução pacífica de controvérsias, o respeito à soberania dos
povos, a não-intervenção, o apoio ao diálogo, ao multilateralismo. Eu servi a muitos governos e
raras vezes vi deslizes com relação a esses princípios básicos. Não vou dizer que não tenha visto
nenhum, mas raras vezes os vi. Talvez no início do governo militar. Mas o que diferencia uma
política não são os princípios, e sim a intensidade com que se luta para que esses princípios se
tornem realidade. E eu acho que neste ponto, realmente, o Governo do Presidente Lula tem
marcado uma mudança importante na política externa. Além disso, o Presidente definiu prioridades
de maneira clara. Eu me recordo de ter ouvido um discurso, já faz tempo, de um antecessor meu,
que listava vinte prioridades. O Presidente Lula soube definir claramente as prioridades da sua
política externa, soube definir que atitude deveríamos tomar em relação aos grandes temas
internacionais. Há um fato que eu gosto de mencionar, porque o considero muito revelador. Eu
tenho 40 anos de carreira diplomática, sou ministro pela segunda vez, fui embaixador em alguns
lugares, e eu raras vezes tinha visto um programa, traçado com a síntese que é necessária para um
discurso de posse, ser realizado com tanta proximidade em relação àquilo que foi estabelecido.
Quem se der ao trabalho de pegar o discurso de posse do Presidente Lula - são duas ou três
páginas - e se tiver mais paciência ainda e quiser ler o meu, que é um detalhamento do dele, vai
verificar que há uma enorme correspondência entre o que foi anunciado e o que foi feito.
Eu acho que as pessoas podem criticar muitos aspectos da política externa do Presidente
Lula, e é claro que a crítica e o debate democrático são essenciais para todas as políticas. Mas
dificilmente duas coisas poderão ser ditas: primeiro, que ele não seguiu - claro que com as
adaptações inevitáveis, porque o mundo não é controlável e há fatos inesperados – aquela linha
que traçou. E, segundo, que não o tenha feito com enorme intensidade. Eu realmente participei de
muitos outros momentos da diplomacia brasileira e a história julgará se eles foram melhores ou
piores. Dificilmente terei visto em toda a minha vida diplomática, em qualquer momento, mesmo
levando em conta as condições de época, porque a tecnologia vai mudando e vai facilitando, de
certa maneira, uma maior intensidade dos contatos, uma intensidade tão grande envolvendo o
próprio Presidente.
E dentro disso ele procurou salientar algumas prioridades essenciais. A maior de todas é a
América do Sul. E ontem, dentre os fatos bons e importantes da semana, um acabou sendo
abafado pelos outros: o encontro do Presidente Lula com o Presidente Néstor Kichner, num
momento de grande relevância para as relações entre Brasil e Argentina. Numa revitalização da
parceria estratégica, foram anunciados 24 acordos de muito conteúdo. Não tenho aqui a lista
completa, mas eles vão da colaboração na energia nuclear, que é exemplar (um processo que
começou entre o Presidente José Sarney e o Presidente Raúl Alfonsín), passando pela cooperação
espacial, o controle e monitoramento do meio ambiente por satélite, até o trânsito das populações
fronteiriças e questões de vistos de trabalho que interessam diretamente às populações, enfim, as
coisas mais variadas. Comércio também, naturalmente, mas não apenas comércio. Em geral as
pessoas olham a política externa só pelo ângulo comercial. O ângulo comercial é importante, sem
dúvida, e eu vou me referir a ele. Então, houve essa prioridade muito grande para a América do Sul

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que eu acho muito importante, e ontem isso ficou muito claro. Creio que o Presidente Lula saiu
muito satisfeito da reunião e tenho a sensação de que o Presidente Kichner também. Durante tanto
tempo se falou na turbulência da relação com a Argentina. Os atritos existem, são atritos
comerciais, como não pode deixar de haver entre parceiros que têm uma relação intensa. É
impossível que não haja. Até na vida privada, individual, nós sabemos disso. Nós temos uma
relação intensa com o outro sócio, com outro parceiro, e de vez em quando temos um atrito. Não
é? O Brasil não tem atritos comerciais com Myanmar, por exemplo, não conheço nenhum caso
comercial, nenhuma pendência comercial entre o Brasil e Myanmar. Agora, com a Argentina tem,
como os Estados Unidos tem, com o Canadá tem, com a União Européia tem. Isso é fruto da união
intensa.
O que eu notei é que depois de meses e meses em que prevaleceu essa visão de atrito - eu
não vou dizer que não tenha havido fatos que até a tenham justificado - a percepção de quem
assistiu tanto à reunião privada como à parte pública e à assinatura dos acordos, é que o clima não
podia ser outro senão o de uma relação verdadeiramente estratégica. Eu estava presente nos
discursos dos dois presidentes. O Presidente Lula reafirmou o seu apoio à Argentina nos mais
variados campos, inclusive no Fundo Monetário Internacional, e eu repito aqui uma observação que
fez o Presidente Sarney, que estava presente: “nós estamos trabalhando no sentido de que as
fronteiras não sejam mais do que referências cartográficas”. Então, é um elevado nível de
integração. Os presidentes não falam isso gratuitamente. Quando o fazem, é para inspirar as suas
populações, inspirar as suas sociedades civis, porque essa é uma das funções de um líder. Não é só
governar, é liderar. E liderar por inspiração, também. Então, achei que foi um momento
extraordinário, infelizmente ficou um pouquinho abafado pelos outros acontecimentos, mas foi um
momento extraordinário e eu estou mencionando-o porque se insere em todo o processo de
fortalecimento do Mercosul, em todo o processo de integração da América do Sul. Diziam, por
exemplo, que a Argentina era contra a Comunidade Sul-Americana de Nações. O Presidente
argentino a tem citado em todos os seus discursos, citou-a inclusive no seu discurso em Mar del
Plata, e nos tem apoiado muito nesse sentido. E as questões difíceis que existiram e continuam
existindo na área comercial têm sido discutidas de boa fé, sempre com a perspectiva de procurar
soluções e não com a perspectiva de exacerbar rivalidades, o que não tem mais cabimento na
nossa época.
Sem entrar em detalhes, falando de Mercosul e de América do Sul, é impossível não notar
que tem havido um avanço muito grande. Eu acho muito curioso porque eu leio sempre que o
Mercosul está em crise, e me lembro um pouco de quando eu era criança e que diziam que o Brasil
vivia em crise, o Brasil vivia à beira do abismo. Só que, ou o abismo se afastava, ou o Brasil era
maior do que o abismo, ou então, nunca ia ao abismo. Com o Mercosul acontece algo parecido,
porque a cada ano as cifras do comércio melhoram, sobretudo do ponto de vista do comércio
brasileiro. Nós precisamos é dar um pouquinho mais de atenção aos outros, sobretudo os mais
pobres, como o Paraguai e o Uruguai. Mas, do ponto de vista brasileiro, em 2004 por exemplo,
nossas exportações para a Argentina, nosso maior parceiro no Mercosul, foram recordes: R$ 7,5
bilhões, aproximadamente. Em cima desse recorde cresceram 30%. Então, se há queixas vamos
administrá-las, vamos tratá-las devidamente, mas não magnificá-las. A importância da relação
Brasil-Argentina, e eu fico contente que isso não seja uma percepção só do governo - o Paulo Skaf
tem trabalhado intensamente com os seus colegas argentinos e eu tenho certeza de que o mesmo
ocorre com os sindicatos e com outras entidades -, vai continuar a se fortalecer. Eu vejo que o
Mercosul tem avançado muito, conseguimos dar passos importantes.
Eu não quero ser excessivamente técnico, mas há duas ou três coisas que é preciso
mencionar em relação ao Mercosul. Nós conseguimos aprovar um processo, como dizem em inglês,
um “road map”, um mapa do caminho, que é o término da dupla cobrança de tarifa interna
comum. Não se pode ter uma união aduaneira e ao mesmo tempo uma situação em que um
produto que entra no Brasil paga tarifa e ao sair do Brasil para o Uruguai paga tarifa de novo. Isso
é um desestímulo inclusive à integração das cadeias produtivas, que é um dos objetivos. Sabemos
que não é fácil. Sabemos que os países pequenos dependem muito da arrecadação de aduana para
suas próprias contas públicas. Mas temos que encontrar compensações para isso. Nós demos um

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grande passo, levamos anos discutindo isso. O Mercosul tem 10 anos. Criamos também um fundo
de convergência estrutural do Mercosul, que é fundamental para os países pequenos. Países como
o Uruguai, mas sobretudo o Paraguai, que é o mais frágil do Mercosul. Eles têm que ter alguma
compensação.
Uma das coisas que o Mercosul não fez até hoje foi demonstrar, na prática, sua capacidade
de ajudar o desenvolvimento dos países menores. Todos sabem, nos vários setores, da importância
do mercado do conjunto do Mercosul, mais especificadamente da Argentina, e quando nós olhamos
para as cifras de importações brasileiras do Paraguai e do Uruguai, vemos que elas não aumentam.
Então, é natural que sempre ressurjam críticas e dúvidas sobre o Mercosul. E nós temos que fazer
algo. Temos que fazer algo e temos que agir como parceiro maior. Isso também vale, digamos,
como um recado para dentro do governo. O Mercosul hoje não pode mais ser uma política do
Itamaraty, nem do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio), nem do
Ministério da Fazenda. Tem que ser uma política que envolva todos os ministérios. Não se pode
mais pensar em uma política industrial para o Brasil e depois se perguntar o que fazer com o
Mercosul. Não dá para fazer dessa maneira, nós temos que introjetar o Mercosul e crescentemente
a América do Sul nas nossas discussões. Nos nossos planos, é claro que o Brasil tem que ser
sempre o elemento central, mas é preciso introduzir isso na própria definição de política industrial,
porque criar um apêndice depois é muito mais difícil.
Porque é que hoje a Europa tem condições de concorrer? Porque um consórcio europeu
produziu o Airbus, que é hoje o avião tecnologicamente mais avançado do mundo? Nós temos a
Embraer, mas faltam projetos regionais desse tipo. Se não forem aviões, que sejam navios, que
sejam outras coisas. Porque isso é um desafio para os empresários. Nós temos que trabalhar dessa
maneira e temos que trabalhar integradamente. Temos que abrir nossas contas prioritariamente
para o Mercosul. Não tem sentido tratarmos o Mercosul como qualquer outro fornecedor
estrangeiro. Você quer dar uma prioridade ao nacional, dá. Mas que o Mercosul tenha prioridade
com relação a outros fornecedores me parece extremamente necessário. Há muita resistência
burocrática nisso, há muito paroquialismo. É muito difícil avançar nessas questões. E eu tenho dito
que esse tipo de questão é fundamental. Nós temos que resolver. Nós não vamos resolver os
problemas comerciais que existem no Mercosul se não resolvermos problemas como o das
compras governamentais, que tem um impacto muito grande na indústria. Haja vista o que está
ocorrendo com a indústria naval atualmente no Brasil, e que ocorre na merenda escolar e até na
indústria farmacêutica. Aliás, eu deveria ter recordado este Conselho que, sendo hoje o dia de
combate à AIDS, é muito apropriado lembrar que a política externa tem estado muito atenta a esse
aspecto e à preservação do espaço de política social, entre outras coisas, para ajudar a combater
endemias, como a AIDS.
Temos que ter uma atitude mais generosa, temos que resolver um problema de
funcionamento. Eu leio, por exemplo, que o BNDES tinha 60 bilhões para gastar e só usou 40. Por
que nós não podemos usar um pouco deste dinheiro que não pode ser gasto em investimento em
outros países do Mercosul, inclusive em empresas brasileiras? Eu sei que há investimentos na
indústria siderúrgica na Colômbia, há investimentos em vários setores na Venezuela. Uma parte é
até possível que já esteja tendo ajuda do BNDES, mas devíamos ampliar um pouco essa
possibilidade.
Agora passo do Mercosul para a América do Sul. Hoje, só a América do Sul absorve
praticamente 17% das nossas exportações, e grande parte são manufaturas. Mas há um grande
desequilíbrio nas nossas relações. Nós temos que comprar mais deles, mas, às vezes, quem sabe
comprar mais até mesmo de empresas brasileiras que estejam investindo nesses países e ajudando
a equilibrar o comércio. Mas não quero ficar falando demais sobre comércio porque acho que isso
desvirtua o que disse no início, que é o sentido humanista da relação. Mas, infelizmente, o
comércio é que nos dá cifras mais imediatas de como as prioridades se refletem. E há um fato
muito importante que tenho mencionado e que não tem sido compreendido suficientemente, que é
o surgimento de uma nova geografia comercial. Isso está se passando, na realidade, sem que o
Brasil tenha procurado em nenhum momento substituir os seus parceiros tradicionais por novos
parceiros. Independência hoje é não depender de um único parceiro, é ter uma relação

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diversificada. E o Brasil está tendo essa relação. Já tinha e está tendo cada vez mais. O dado que
eu acho mais impressionante, vamos ver se ele se confirma até o final do ano, e não tenho
nenhuma razão para crer que mude porque a tendência tem sido sempre nesse sentido, é o fato de
que a América Latina, que inclui México, Caribe e América Central, é hoje o principal parceiro
comercial do Brasil. É o primeiro ano que isso acontece. À frente da União Européia e à frente do
EUA. Isso é algo notável. Então porque se perguntar por que o Brasil tem tanto interesse na
América do Sul? Há muitas razões: políticas (que o Jaques mencionou e às quais vou voltar),
sociais, humanas e de solidariedade. Mas até do ponto de vista comercial isso é verdade. Quer
dizer, nós temos hoje na América Latina o nosso principal mercado, um mercado para o qual nós
vendemos muito e que absorve principalmente produtos manufaturados (91% das vendas) . Então,
há alto valor agregado. Mas volto a insistir que é preciso que os empresários também entendam
que é preciso importa,r porque nenhum país vive só de exportação. Sobretudo numa economia
aberta como deseja ser a nossa.
A mesma coisa acontece com a África, não na mesma escala. Mas lembro também, citando
até um dado que li em um jornal, que por incrível que pareça, a África hoje é responsável por 10%
do superávit Brasileiro. Eu digo essas coisas porque é bem verdade que o Brasil tem expandido as
exportações, num esforço notável dos empresários lutando com dificuldades, como câmbio, juros.
Mas ainda assim conseguindo exportar muito e também investir no exterior, o que também é muito
importante. Talvez esta seja uma vantagem do câmbio: permitir uma inversão no exterior. O fato é
que não apenas temos exportado muito, mas temos exportado de maneira diversificada. Se
olharmos o mapa das exportações brasileiras hoje e compararmos com 20 anos atrás, por exemplo,
os países em desenvolvimento deviam representar 30% a 35% do total das nossas exportações.
Houve o primeiro salto quando o Mercosul foi criado e agora um novo salto. Os países em
desenvolvimento - estou incluindo a Rússia nesse contexto - são 54% ou 53% do total das nossas
exportações. É uma mudança notável. É importante dizer porque isso está acontecendo num
contexto em que nós estamos crescendo nos Estados Unidos e na União Européia. E eu acho que a
política externa não é alheia a esse fato.
Quando o Presidente Lula vai à Nigéria, à Índia, à China, à Rússia, ou recebe aqui os
respectivos governantes, sem falar na América do Sul, que teve todos os seus governantes
recebidos no primeiro ano de governo e no segundo ele tinha visitado todos os países da América
do Sul, isso não é um esforço pequeno. Isso não é colocar a política no papel e esperar que os
burocratas a realizem automaticamente, porque os burocratas não realizam. Primeiro, os
burocratas são conservadores por natureza, faz parte. Eu não sou sociólogo, mas quem aqui for
provavelmente saberá, faz parte da definição weberiana da burocracia, que ela é conservadora.
Pode até ser nacional, mas ela tende a ser conservadora. Faz parte de um certo instinto de
preservação: quem sempre defende uma certa linha não vai querer evidentemente mudar. Mas o
Presidente Lula, eu me recordo, foi a um congresso da Sociedade Israelita em São Paulo e tomou o
avião à uma da manhã e às oito da manhã ele foi para a Colômbia; descansou algumas horas e às
10 horas da manhã já estava se reunindo com o Presidente Álvaro Uribe. Além disso, ele já esteve
três vezes na Colômbia, mais tantas vezes no Peru. É uma coisa que não existia. Quem for olhar
para a história vai ver que isso não existia. É um velho dito hegeliano, depois tomado pelos
marxistas, mas é um dito muito verdadeiro: “a quantidade altera a qualidade”. Quer dizer, a
intensidade com que certas políticas são seguidas faz a diferença nas próprias políticas. Porque
uma coisa é você anunciá-las na teoria, outra coisa é realizá-las. Bem, eu acho que nós temos
conseguido essas coisas de uma maneira notável.
Vou citar aqui dois ou três exemplos também de diversificação das nossas relações
internacionais. Uma foi a criação deste grupo novo: Índia – Brasil - África do Sul. Três grandes
democracias em três continentes, países em desenvolvimento, objeto de admiração, às vezes até
de um certo ciúme de outros países, que gostariam de pertencer ao grupo. Mas nós fizemos
questão de manter os três porque são três democracias estabelecidas, três países que têm,
inclusive, a característica de serem multi-étnicos. Quem for olhar dados de nosso comércio com
esses três países vai notar que há um crescimento notável, totalmente inesperado. Com a Índia,
cresceu 100% entre 2005 e 2004. E não é só isso, tem possibilitado ações conjuntas de grande

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mérito também na área social. O IBAS (Índia – Brasil – África do Sul) criou um fundo para ajudar
os países mais pobres e o 1º projeto do IBAS é em Guiné-Bissau.
Então, o que estamos vendo é um exemplo, porque é a primeira vez que temos países em
desenvolvimento demonstrando que ser pobre não quer dizer que não se possa ser solidário, que
não se possa ajudar àqueles que são ainda mais pobres e precisam mais do que você. Nós estamos
tentando fazer no Haiti, eu não vou entrar em delongas, quem tiver perguntas específicas poderá
fazer e com prazer eu responderei. É o que nós procuramos fazer em Guiné-Bissau. Além disso,
nossos investimentos no exterior têm aumentado.
Outro dia recebi um pedido para criarmos um consulado honorário em Ulam Bator, na
Mongólia. E o consulado honorário, como sabem, não tem custos para o País. Em geral, é um
empresário local que tem interesse. Isso é interessante porque é a sociedade reclamando. E eu fico
espantado que durante anos e anos, com a comunidade brasileira no exterior crescendo, com os
interesses das empresas brasileiras se diversificando, nós estivéssemos fechando embaixadas e
consulados, quando o mundo inteiro fazia o contrário. O Brasil tem hoje talvez menos consulados -
eu não fiz as contas e não quero ser injusto -, mas é possível que tenha menos consulados do que
tinha há 20 anos. Isto porque foi economizando por causa do déficit público. Naquela época havia
cerca de 300 mil brasileiros no exterior e hoje, os cálculos variam, mas há quem fale em até 4
milhões. Não temos cálculos precisos porque há os imigrantes que não têm situação regular, então
nós temos apenas estimativas. Eu sei, por exemplo, que os empresários falam muito da
necessidade de cortar os gastos públicos, mas temos que ter cuidado porque o gasto público não
está ali para servir o burocrata, ele está ali para servir o empresário, servir o cidadão, a saúde
pública, não é? No caso do Itamaraty, é para servir o interesse nacional, que às vezes é uma coisa
um pouco difusa, porque projeta até a dignidade nacional. Por exemplo, um voto sobre a questão
como a do Iraque, não é uma coisa específica. Mas para o povo brasileiro se sentir mais orgulhoso
com as atitudes que o seu governo toma é parte do processo de desenvolvimento. O Brasil ter feito
uma campanha de combate à fome no mundo inteiro, é algo também notável. Tem algum lucro
para o Brasil? O Presidente Lula foi o primeiro a dizer que nós não queremos nada para nós. Nós
queremos ajudar para que os países mais pobres melhorem. Algumas coisas têm andado
rapidamente e outras não tão rapidamente porque são mais complexas, como impostos sobre
armas, transações financeiras. Mas o fato é que o tema da fome e da pobreza entrou na agenda
internacional de uma maneira inédita. Ele era meio apêndice, as pessoas não gostavam muito de
falar. Usava-se muito a expressão “alívio à pobreza”, ou algo assim. Miséria era uma palavra nunca
usada, a palavra fome não aparecia nunca, como se fosse algo que não existisse. Então, o fato de
ter recolocado o tema no plano internacional, de ter começado a adotar iniciativas nessa área, tudo
isso tem reflexo, creio eu, não só na política externa diretamente, mas também na imagem. Eu não
posso me esquecer de um dia em que estávamos entrando nas Nações Unidas, por acaso o
Presidente Lula foi na frente, se encaminhando para o pódio e eu entrei um pouquinho depois. Eu
estava junto com a delegação, imagino que fosse francesa porque estavam falando em francês e
pareciam franceses, mas poderiam ser canadenses de Quebec. E a expressão que eu ouvi um
diplomata dizer para outro, em francês, foi “o Brasil abraça o mundo”. E não havia nada de irônico
porque era uma atitude positiva, uma atitude de indiscutível liderança do Presidente Lula. Ao
mesmo tempo essa liderança foi assumida de maneira generosa com a repartição da paternidade,
porque, na realidade, o Presidente Lula começou essa história de combate à fome mundial na
primeira reunião que foi em Davos, mas prontamente repartiu a paternidade com o Presidente
Jacques Chirac, com o Presidente Ricardo Lagos e mais tarde com o Presidente Zapatero. Eu diria
que esses fatos, esse princípios que inspiram a política interna, inspiram também a política
internacional.
Não quero me alongar muito, mas vou falar um pouco mais da questão da diversificação
das relações, especificamente dos países árabes. Nós realizamos aqui em Brasília a Cúpula América
do Sul- Países Árabes, que foi absolutamente notável. Internamente recebemos críticas, algumas
preocupações justificadas, outras menos. A União Européia, eu não sei se seguiu o nosso exemplo
ou se já tinha pensado nisto antes, acaba de realizar uma reunião entre os países europeus e os
países mediterrâneos. Mas foram muito menos Chefes de Estado lá do que vieram à reunião no

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Brasil, apesar da distância muito mais curta. E foi muito menos significativa no conjunto das ações
do que a que foi realizada no Brasil. Então, isso é um exemplo de abertura de novos horizontes.
Você passar a atuar na política tem reflexo no comércio. Nosso comércio tem crescido numa base
de 40%. Eu visitei Israel e a Palestina e dos dois lados ouvi que o Brasil pode desempenhar um
papel importante, claro que tendo noção do seu poder e da sua capacidade de influir no processo
do Oriente Médio. Aliás, devemos enviar observadores eleitorais à Palestina em breve e se houver
necessidade, por exemplo, dar até um apoio a esse grande progresso que é a abertura das
fronteiras de Gaza. Eu acho que o Brasil estará pronto a participar, pronto a ajudar num esforço de
realmente colaborar para a paz. Até para mudar um pouco essa idéia de que só as super potências
e os países geograficamente mais ligados é que estão lá. E esse mesmo espírito tem também
prevalecido na parte política. É um espírito de diálogo. Eu creio que a política externa procura
nesse ponto espelhar um pouco o que o próprio Ministro Jaques Wagner simboliza dentro do
governo, que é o diálogo sempre, com as variadas facções e com variadas posições. Um diálogo
que não pode ser nunca preconceituoso. Isso tem se revelado extremamente positivo. Eu acho que
foi muito positivo no caso da Venezuela, não vou recapitular tudo porque todo mundo conhece.
A nossa ação militar no Haiti é não só autorizada, mas pedida pelas Nações Unidas. Não se
presta a comparações com outros casos do nosso passado, como o da República Dominicana. Mas
o diálogo que ajudamos a criar dentro do Haiti e do Haiti com os países do Caribe, que tinham num
primeiro momento rompido todas as conversas, foi de extrema importância. São coisas que passam
desapercebidas no dia-a-dia, mas são atitudes positivas. Em várias situações aqui na América
Latina, seja no Equador, na Bolívia, sempre que somos solicitados, sempre podemos ajudar.
Sempre que podemos fazer isso sem nos intrometermos em questões que não nos dizem respeito,
temos procurado fazer. O Presidente Lula recebeu os candidatos a presidente na Bolívia que o
procuraram, fossem de direita ou de esquerda. No Equador, temos procurado ajudar no
restabelecimento da institucionalidade política depois da crise que houve com a queda do
Presidente Gutierrez. Fomos sempre fiéis ao princípio da não-intervenção. Mas a não-intervenção
tem que ser combinada com a não-indiferença, isto é, nós estamos ali, estamos vendo e se
pedirem nosso apoio e considerarmos que poderemos ser úteis, nós trabalharemos.
Uma rápida palavra, já que estou passando do tempo, mas é que a política externa é muito
complexa. Vou falar um pouco mais sobre relações comerciais, porque não posso deixar esse
aspecto de lado. Mas não vou ficar nas relações com Mercosul, América do Sul e países em
desenvolvimento, porque estas têm sido relativamente tranqüilas, politicamente falando. Embora
tenham exigido muito trabalho. Ninguém podia imaginar que num curto espaço de tempo nós
conseguiríamos que o Mercosul e a Comunidade Andina formassem uma Zona de Livre Comércio.
Isso é uma coisa extraordinária para quem acompanha a política externa há uns 20 ou 30 anos, é
um sonho da antiga ALALC, na época antes da ALADI, que hoje está realizado no espaço da
América do Sul. Quando iniciamos o Governo do Presidente Lula, nas grandes negociações
comerciais, encontramos a situação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), a negociação
com a Comunidade Européia e a negociação da OMC (Organização Mundial do Comércio)
encavaladas e muitas outras polêmicas em vários aspectos. Eu não vou me estender muito sobre
elas em virtude do tempo, mas eu diria que o Brasil teve clareza para estabelecer como principal
objetivo neste momento o fortalecimento da OMC e do sistema multilateral. O Brasil é um país
grande demais e, se contar o Mercosul, mais ainda. Grande demais para caber exclusivamente
numa área regional. Nós temos nossas prioridades, temos que trabalhar nelas. Mas as nossas
necessidades repercutem pelo mundo inteiro. A distribuição do nosso comércio é extremamente
diversificada. Eu já citei a América Latina que hoje tem 23%, a Europa com 22%, os Estados
Unidos com 18%, a Ásia com quase 16% e a África somada aos países árabes, com 9%. Então, nós
não podemos colocar todos os ovos em uma única cesta. E menos ainda se nessa cesta não vão ser
tratados os problemas que menos nos interessam. Então - para resumir e já entrar um pouquinho
na OMC - qual é o grande problema hoje? As questões normativas, como o dumping e os subsídios
agrícolas. Nós nunca resolveríamos esses pontos no âmbito da ALCA, nem nunca resolveríamos no
âmbito de um acordo bilateral com a UE. Nós podemos ter outras vantagens que podem ser
importantes, mas esses objetivos fundamentais não podem ser obtidos lá. Além disso, os temas de

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natureza sistêmica normativa têm que ser definidos para o mundo. Eu não posso negociar uma
regra de propriedade intelectual na ALCA e uma outra regra de propriedade intelectual no Japão.
Isso não faz sentido, e aliás, nem pode ser feito. Nem um acordo tríplice permite que isso
aconteça. Aliás, eu estava em Miami, era ministro do Presidente Itamar Franco, quando foi lançada
a ALCA e eu fiz os primeiros memorandos dos acordos entre a União Européia e o Governo Itamar
Franco, entre a União Européia e o Mercosul. Mas naquela época não se falava em uma nova
rodada da OMC, isso ocorreu depois. Agora, na medida em que ocorre, ganha prioridade. E não é
prioridade só do Brasil, é prioridade dos EUA, é prioridade da UE, é prioridade da Índia, é
prioridade da China, prioridade de qualquer país. Então, é preciso entender isso. Nós demos a
prioridade nesse aspecto com estes objetivos: de corrigir as maiores distorções que existem nessa
área internacional, de preservar um espaço para novas políticas públicas, sejam elas política de
desenvolvimento industrial, sejam de desenvolvimento tecnológico, sejam da área social. Porque
políticas como a de remédios genéricos, por exemplo, não estão sendo aceitas em alguns países
andinos. A possibilidade de produção de genéricos, segundo relatos jornalísticos, é a maior
dificuldade no Peru. Na Colômbia, a maior dificuldade é que os EUA, dentro do acordo comercial,
querem vender produtos subsidiados agrícolas para a Colômbia sem nenhuma dificuldade. Esse tipo
de questão tem que ser resolvida na OMC. Então, a OMC tem uma prioridade muito grande. É por
isso que na semana passada eu estava em Genebra e depois irei, acompanhado de várias pessoas
que estão aqui, a Hong Kong.
Eu acho que o essencial que eu queria dizer é isso. Haveria muitos outros temas para tratar
na área multilateral, como o esforço de reforma do Conselho de Segurança a longo prazo. A própria
atuação em relação a temas variados, específicos da agenda internacional. No dia em que o
Presidente Lula anunciou o convite que havia formulado para uma reunião pública, justamente o
embrião deste Conselho, naquele momento mencionei, talvez até de maneira simplificada, que a
política brasileira externa seria, sem arrogância, altiva e ativa. E eu acho que isso o Presidente Lula
tem feito. Eu acrescentaria, também, solidária. Ela é uma política que tem estado sempre ao lado
dos mais pobres e sem esquecer o interesse brasileiro, porque isso é totalmente compatível. Então
tem sido para mim, sinceramente, motivo de orgulho trabalhar sob a direção do Presidente Lula,
com a compreensão de um homem de origem simples, mas que tem total desembaraço em
qualquer situação, o que é algo que me impressiona muito. Eu já vi muitos líderes brasileiros e ele
não se deslumbra com carruagem, não se deslumbra pelo fato de entrar na Casa Branca, não se
deslumbra por estar falando no pódio da ONU. Deslumbra-se até menos do que outros que teriam
até menos razão para se deslumbrarem. A verdade é que tem sido um exemplo de simplicidade,
mas também de objetividade, determinação e, para mim, é motivo de imensa satisfação. E eu acho
que a política externa, na medida em que ela possa ter também algum reflexo na política interna,
será lembrada no futuro.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado, Ministro Celso Amorim. Não tem nada melhor, do
ponto de vista do trabalho de cada um, quando fazemos acreditando, com a energia que você faz.
Chegou ontem de viagem, está aqui e já vai viajar daqui a pouquinho. Das poucas vezes que eu
acompanhei você e o Presidente Lula em algumas viagens, realmente acho que mudou a qualidade
do desembarque brasileiro em qualquer país do mundo. Eu nunca gosto de personalizar, mas desse
conjunto de tarefas eu acho isso fundamental. Digo isso porque recentemente em uma reunião de
Conselho de uma empresa da qual participo, um membro que é de uma instituição financeira
extremamente importante no Brasil me disse: “depois de dois anos de governo de vocês, eu quero
lhe dizer que mudou substancialmente a situação para mim, que trabalho na área internacional via
iniciativa privada”. Ele dizia que se lembrava que quando chegava em países estrangeiros, muitas
vezes era olhado sempre com um grau de desconfiança e 2 anos depois ele me disse que ao invés
de olhares de desconfiança sempre encontra um grupo de pessoas querendo conversar e saber de
possibilidades de investimento. Eu vou passar a palavra imediatamente aos conselheiros. Eu só
quero dizer que o Presidente Lula está numa reunião importante aqui no Palácio e às 11h30 é a
previsão de chegada dele, e evidentemente falará para todos nós. Então eu queria chamar o
primeiro conselheiro, com o tempo de sete minutos, Daniel Feffer. Aqui, ministro Celso, falam

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primeiro três conselheiros por sete minutos e depois abrimos a inscrição para falas menores, de
três minutos.

Conselheiro Daniel Feffer: Caro Ministro Jaques Wagner, Ministro Celso Amorim e
Ministro Luís Marinho. Na história da diplomacia brasileira cada governo tem investido na política
externa com estilo e ênfase próprios. O atual governo assim o tem feito; com o carisma do
Presidente Lula tem mantido as características essenciais e alavancado a posição do Brasil no
cenário internacional.
A América do Sul, como a diplomacia brasileira reconhece desde os tempos do Barão do Rio
Branco, representa nossa maior vocação natural de integração com outros países. É onde o
exercício de nossas relações exteriores se desenvolve com maior vigor. As Américas são
responsáveis por 60% das exportações de nossos produtos manufaturados; portanto, o hemisfério
ocidental deve ser prioritário em nossos esforços. É fundamental manter as condições desse
dinamismo, conquistado ao longo de décadas de trabalho de empresário e diplomatas.
Essa situação pode ser ameaçada pelos acordos bilaterais de comércio que os EUA vêm
celebrando com vários países da região desde que o projeto da Alca entrou em período de impasse.
Por isso, merecem elogio todas as iniciativas que busquem preservar o espaço de negócios do
Brasil na América Latina e ampliar o acesso de produtos brasileiros aos mercados das nações do
hemisfério, inclusive e principalmente os EUA.
Além disso, é preciso reconhecer que o Brasil tem desempenhado importante papel na
preservação das instituições democráticas na região, por meio de uma ação construtiva – sem
constituir interferência indevida na soberania de outros países – em diversas situações de crise e
atuado como mediador quando interesses de nações da região se chocam.
É louvável o esforço que a diplomacia brasileira tem realizado no estreitamento das nossas
relações com países em desenvolvimento e com características similares às nossas como a China, a
Índia, a Rússia e a África do Sul.
Não podemos deixar de mencionar o trabalho missionário e eficaz do Ministro do
Desenvolvimento Furlan e sua equipe.
O ponto alto desse período é a atuação do G20, que se converteu em instrumento
absolutamente decisivo na resolução de impasses na rodada de Doha. Foi graças à habilidade e
competência de nossos diplomatas, liderados pelo Min. Celso Amorim, que se formou o G20 e o
papel de liderança do Brasil no processo é reconhecido consensualmente.
Mas, em função dos escassos recursos materiais e humanos de nossa diplomacia, há o
risco de a grande atenção dedicada a esses atores vir a redundar em prejuízo à evolução de nossas
relações com os maiores mercados para nossos produtos, especificamente União Européia e EUA.
Esse é um risco que devemos evitar.
O Brasil deve ampliar a agenda positiva com esses mercados, sob pena de, no vácuo
deixado pela inexistência de fatos novos, perdermos espaço, inclusive e principalmente para os
próprios países de quem nos aproximamos, que devem ser nossos aliados, mas também são nossos
concorrentes.
A presença cada vez mais marcante do Brasil na comunidade internacional reforçou sua
condição de candidato natural a uma vaga de membro permanente no Conselho de Segurança da
ONU, em caso de ampliação desse órgão.
Desde a fundação da ONU o Brasil tem sido visto como um dos prováveis integrantes do
Conselho; sua proeminência atual faz mais evidente seu favoritismo.
Quando pareceu possível atingir esse objetivo o governo investiu na oportunidade. As
articulações desenvolvidas pelo país foram bem-sucedidas, como atesta a criação do G4.
Infelizmente, a realidade política internacional provavelmente impedirá a ampliação do Conselho no
curto prazo.
A rodada de Doha é fundamental para os interesses nacionais. Na questão da agricultura
gostaríamos de destacar o fundamental reconhecimento da assimetria das relações. Apesar de
alguns avanços já terem sido feitos, é necessário reconhecer que as ofertas atuais dos países
desenvolvidos no setor agrícola estão muito aquém das expectativas.

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As concessões no campo da indústria têm de ser feitas levando-se em conta limitações
estruturais impostas por fatores relacionados à competitividade sistêmica relacionada com a política
macroeconômica, tais como dificuldades de custos de acesso ao capital, altos juros, câmbio volátil e
super valorizado, carência crítica de infra-estrutura, alta carga tributária (inclusive onerando
investimentos), entre outros. Todos esses problemas já foram superados por nossos concorrentes.
As concessões devem ser feitas pari passu com a efetiva superação dessas dificuldades.
Acreditamos que, seguindo esses princípios, o Brasil superará as atuais dificuldades e
manterá sua atuação de sucesso nas diversas ações de nossa Política Exterior, que compõe uma
agenda coerente com as aspirações e dimensões de nosso país. Bem Ministro este foi assim o
discurso que eu preparei e o tempo que sobrou ofereço para os meus colegas João Felício e
Maurílio Biagi.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado conselheiro Daniel. Eu convido, então, o conselheiro


João Felício.

Conselheiro João Felício: Ministro Jaques Wagner, Ministro Celso Amorim, conselheiros e
conselheiras. Inicialmente queria expor a profunda admiração que nós da CUT temos pela política
externa do governo brasileiro. E corro o risco de começar com elogios e acabar com críticas. Mas
sempre em reuniões com o movimento sindical latino americano e com o movimento sindical
europeu, nós ouvimos muito sobre a admiração, o respeito pela soberania com que o governo
brasileiro tem desenvolvido a sua política externa. Inclusive facilitando, que para nós é motivo de
satisfação, o deslocamento dos movimentos sociais, a organização de eventos, que com certeza
contribuem enormemente para avançar a democracia nesse continente, que nós sabemos que
ainda não é uma questão consolidada. Mas eu queria centrar minha fala, mais nas questões
comerciais. Na primeira metade da década de 90, o Brasil passou por uma importante abertura
comercial, através da abertura unilateral de sua tarifa comercial externa. A medida teve
repercussões muito sérias para a estrutura produtiva brasileira e para o conjunto das empresas que
atuam no país. Quadro que se agravou posteriormente com a sobrevalorização cambial que
aumentou mais as desvantagens da produção doméstica em relação à concorrência internacional.
Uma das principais conseqüências foi a elevação do desemprego.
Também nos anos 90 o Brasil iniciou, através do Mercosul, seu processo de integração
econômica e comercial regional, um projeto positivo que não conseguiu se viabilizar como um
instrumento de promoção de um novo modelo de desenvolvimento, pois foi condicionado pelas
regras de abertura da OMC e das negociações comerciais externas (ALCA, União Européia).
Com a eleição do governo Lula houve uma mudança importante da política externa
brasileira, que passou a ser norteada pelo princípio da soberania e o objetivo de construção de um
arco de alianças e associações comerciais voltadas para a complementação econômica e produtiva,
fatores decisivos para o desenvolvimento de nosso país.
Uma perspectiva, que em grande parte, tem se concretizado através da política de
priorização do Mercosul e construção da Comunidade Sul-americana de Nações; da liderança
brasileira na criação do G-20 na OMC e com o aprofundamento das relações sul-sul (principalmente
com a Índia e África do Sul). Iniciativas que, não isolaram o país (como alguns têm afirmado), mas
sim criaram as condições para a não aceitação de acordos de livre comércio prejudiciais ao país,
como a ALCA, os termos impostos pela União Européia e às propostas dos países desenvolvidos na
OMC.
Mas, apesar do balanço positivo que se pode fazer, quero ressaltar alguns aspectos que
comprometem a plena concretização desses objetivos. O principal deles é a manutenção da atual
política macroeconômica direcionada a garantir a “estabilidade” e defende que sua plena execução
requer, o aprofundamento da liberalização financeira (para atrair mais investimentos e gerar mais
divisas) e uma nova redução tarifária (para aumentar a competição entre o mercado interno e as
importações e, desta forma, pressionar pela baixa de preços).
Concepção que gerou duas iniciativas recentes desse Ministério que nós nos opomos
frontalmente. A primeira delas foi a retomada, em 2004, do debate na CAMEX para a

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implementação dos Acordos de Proteção de Investimentos Externos, assinados por governos
anteriores e nunca ratificados pelo Congresso brasileiro. Iniciativa felizmente rechaçada por outros
ministérios.
A outra foi no mês de setembro, quando fomos surpreendidos pelas notícias que o
Ministério da Fazenda estava propondo uma alteração da posição negociadora brasileira na OMC , a
qual implicaria uma forte redução tarifária de bens não agrícolas, gerando resultados desastrosos
para vários setores. Alguns ensaios feitos demonstravam que a aplicação da fórmula defendida
pela Fazenda levaria a reduções de até 70% nas tarifas de setores importantes como os das
indústrias automobilística, farmacêutica, siderúrgica, etc,
Imediatamente mandamos uma carta ao ministro, nos opondo à proposta, pois seus
resultados poderiam condicionar a sobrevivência da produção industrial que pôde ser salva da onda
da liberalização unilateral dos anos 90. Temos a certeza que as tarifas comerciais externas não são
instrumentos de arrecadação e sim a base para a escolha de uma política industrial e agrícola mais
conveniente ao país. Não podem, portanto ser conceituadas como instrumento de política de preços
e arrecadação.
Posteriormente mandamos à CAMEX um documento com análise dos impactos sobre os
empregos e nossas propostas para a OMC. Nunca tivemos alguma resposta ou convite para debater
nossas colocações, mas foram feitas várias consultas aos setores empresariais.
Mercosul. O Presidente Lula tem reafirmado a vocação integracionista do Brasil e da nossa
responsabilidade, como a maior economia da região. Creio que essa responsabilidade passa por
reconhecer as assimetrias de nossos parceiros no Mercosul, aceitando, portanto uma flexibilização
parcial e temporária nas regras comerciais, para que os conflitos setoriais não paralisem o
aprofundamento da integração.
A CUT e as demais centrais sindicais do Mercosul acompanham e intervêm nesse processo
desde o seu início. A partir de 2003, passamos a ter mais participação e muito mais expectativas. É
certo que temos sido mais ouvidos pelos governos atuais que os anteriores, mas a grande maioria
de nossas críticas e propostas não tem sido considerada, não só as que se referem ao plano
macroeconômico e político, sejam as que se referem às questões produtivas e trabalhistas. Por isso
quero resumidamente apresentar o que temos defendido.
Aspectos econômicos e produtivos. Temos defendido que o Mercosul adote políticas
estruturais que permitam consolidar um bloco não só comercial mas de complementaridade
econômica; promova a integração das cadeias produtivas e crie mecanismos de apoio e
financiamento à Reconversão produtiva- não se pode desconhecer que até hoje as empresas
transnacionais que determinem o grau de especialização comercial e produtiva de cada país e
quem participa ou não do intercâmbio comercial, quem integra ou não as cadeias produtivas
lideradas por elas na região.
Sobre o Emprego. Atualmente temos mais de 12 milhões de desempregados e mais de 60
milhões em condições precárias de emprego. Os salários têm baixo poder aquisitivo, a
concentração de renda aumenta e o crescimento da produção vem sendo sustentado com muitas
horas extras e poucas novas contratações. Isto não pode continuar.
E como esse tema vem sendo tratado no Mercosul? As propostas que se aprovarão pelo
Grupo de Alto Nível de Emprego (cuja existência é um avanço) não ultrapassarão o plano
declaratório já que não existem políticas tributarias e fiscais voltadas a esta prioridade, as
propostas foram feitas sem uma interconexão necessária entre as diferentes políticas de
investimentos, industrial, agrícola, etc. As propostas em debate no Grupo de Alto Nível de
Emprego não foram precedidas de uma avaliação mínima dos impactos das medidas comerciais e
econômicas sobre o mercado de trabalho. Outro exemplo, a solução dos desequilíbrios comerciais,
que têm se sucedido entre nossos países, têm sido enfrentados com medidas temporárias
negociadas entre os governos e as empresas. E, apesar dos impactos que estas decisões podem ter
sobre os empregos e os salários os sindicatos nunca fomos chamados a opinar.
Como pode ser que depois de 11 anos de funcionamento, o Mercosul não tenha um estudo
e uma avaliação dos impactos positivos ou negativos das decisões tomadas sobre os empregos e as
condições de vidas dos trabalhadores e trabalhadoras?

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FOCEM. Para cumprir seus objetivos é fundamental que o Fundo de Convergência
Estrutural - FOCEM priorize o financiamento de projetos que incluam as pequenas e micro-
empresas, cooperativas, a agricultura familiar e outras iniciativas da economia solidária.
No plano institucional defendemos um permanente aprofundamento da transparência nas
negociações e acesso a informações; a criação do Parlamento Mercosul; o fortalecimento da
participação das organizações da sociedade civil e defendemos uma estrutura de negociações que
permita mais agilidade de decisões, mas fundamentalmente propicie a adoção de políticas comuns
na área econômica, produtiva e social.
América do Sul. Nós apoiamos e defendemos o aprofundamento e consolidação do
Mercosul e a construção da Comunidade Sul-americana de Nações, e entendemos que para
construir um bloco com essas dimensões e para que o mesmo seja a base de relacionamento com
os países mais desenvolvidos, é preciso ir além de um acordo de livre comércio e de investimentos
em infra-estrutura. É claro que esses aspectos conformam a base material de uma associação como
essa, mas se não houver uma integração política, produtiva, cultural e social, não teremos força
para fazer frente à estratégia dos Estados unidos de isolar o Mercosul e principalmente o Brasil,
através da realização de acordos bilaterais como os que vem sendo negociados com os países
andinos. Nós temos disposição de contribuir e apoiar essas propostas que dependem
fundamentalmente da vontade política dos governos.
ALCA. Desde o princípio desse processo, em 1995, a CUT tem alertado para as
desvantagens econômicas e sociais da Área de Livre Comércio das Américas para o Brasil e para o
continente e cada vez fica mais claro a impossibilidade de se aceitar as imposições dos Estados
Unidos. Por isso apoiamos a posição do Mercosul em Mar del Plata sobre a inviabilidade da
retomada de negociações da ALCA e confiamos que essa postura será mantida.
OMC. A CUT tem buscado acompanhar as posições e propostas do governo brasileiro nas
negociações na OMC, mas até o momento nossas análises sobre as propostas que o governo
brasileiro apresentou ao G-20, têm se pautado pelas informações de imprensa ou que nos foram
transmitidas individualmente por algum funcionário.
Nós defendemos um posicionamento agressivo do Brasil e do G-20 na OMC, contra as
regras que hoje regem o comercio internacional. E temos claro que qualquer tentativa de acordo
que negocie a suspensão dos subsídios agrícolas ou o aumento de cotas de importação pela
liberalização nas "áreas sensíveis" resultará numa perda de autonomia, na inviabilização de uma
política de desenvolvimento e de produção e mais uma vez será uma abertura unilateral em troca
de um quase nada.
Reiteramos nossa reivindicação que as definições da posição negociadora brasileira, para as
negociações da OMC, sejam transparentes e que resultem de um amplo debate com todos os
atores econômicos , políticos e sociais envolvidos.
Direitos sociais e trabalhistas. Temos defendido que a elevação da competitividade
exportadora brasileira não pode se dar à custa do descumprimento dos direitos fundamentais dos
trabalhadores, dos baixos salários e do desrespeito à diversidade cultural e ao meio ambiente. Esse
é um princípio que não pode ser condicionado pelas variações da conjuntura internacional e o
governo brasileiro não pode ter receio dessa discussão. É certo que os direitos sociais e ambientais
correm o risco de serem utilizados como moeda de troca na mesa de negociação - em especial na
relação com os EUA e a União Européia – e se transformarem em mais barreiras protecionistas e
discriminatórias. O Brasil não pode aceitar este tipo de manipulação, mas deve adotar mecanismos
que penalizem as empresas e setores exportadores que não cumpram com os direitos
fundamentais sociais, culturais e ambientais básicos. De outra maneira, estaremos sujeitos a
negociar sempre em posição desfavorável e o desempenho do comércio exterior poderá ser um
instrumento para melhorar o superávit, mas não contribuirá para a melhoria de condições de vida
dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros. Obrigado.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado conselheiro João Felício. Conselheiro Maurílio Biagi
Filho.

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Conselheiro Maurílio Biagi Filho: Bom dia a todos. Meu prezado Ministro Jaques
Wagner. Eu acho que a gente tem que prestar atenção na proposta da Sônia Fleury, que nos foi
encaminhada por e-mail. Acho que vale a pena olhar um pouco aquilo. Prezado Ministro Celso
Amorim, prezado Luís Marinho, meus senhores, meus amigos conselheiros. Ministro Celso Amorim,
eu gostei muito do que o senhor falou, e na linha que o senhor colocou, eu queria comentar que
depois de nove anos, o Brasil conseguiu reverter e conquistar uma posição favorável na balança
comercial com a Argentina. No Mercosul, fomos tolerantes demais com eles, a ponto de não
surpreender se trocassem o obelisco que marca a Avenida Nove de Julho por uma estátua do
Fernando Henrique. O que ele não conseguiu, ou permitiu que perdurasse tanto tempo, este
governo inverteu a nosso favor em um ano! Particularmente, acho que ainda somos tolerantes com
os argentinos – vide o caso do açúcar...
Essa sua linha de ação comprova que, mesmo lutando contra gigantes do comércio
exterior, mesmo que a OMC empurre para o ano de 2010 decisões justas que nós pleiteamos e
ganhamos, devemos espernear sempre. Criticar é fácil, difícil é fazer - e o senhor tem feito. Esse
caso da OMC é emblemático: mostra a força da união do governo com iniciativa privada por uma
causa justa.
Nos últimos dias, a imprensa noticiou a polêmica entre a linha adotada pelo Ministro Celso
Amorim e os argumentos do meu colega e amigo Pedro de Camargo Neto, da Sociedade Rural
Brasileira. A divergência é pequena. Os dois querem avanços nas duas frentes: acesso a mercados
e redução de subsídios.
O Ministro Celso Amorim atua em aliança com o EUA na pressão por maior abertura da
União Européia. O Pedro entende que a pressão deveria ser nos EUA pela redução de subsídios. Ele
argumenta que a proposta norte-americana não reduz de fato os subsídios e unicamente
reclassifica o mesmo montante que vem pagando a seus produtores em categorias diferentes. A
ordem dos fatores não altera o produto. Precisamos tanto da redução dos subsídios como do
aumento de acesso.
Vale a pena, ministro, verificar algumas recomendações que a Câmara Temática de
Negociações Internacionais do Ministério da Agricultura produziu em sua reunião de 22 de
novembro último. Esta Câmara conta com a participação das entidades do setor privado e dos
diversos Ministérios interessados no tema. Destaco a importância que representa para a iniciativa
particular ver suas propostas defendidas pelo nosso governo. São as empresas e agricultores que
vivem dramaticamente as restrições de acesso ou por causa dos subsídios no mercado
internacional. São eles que melhor conhecem a realidade.
Podemos confiar na maioria das decisões tomadas pelo nosso governo no âmbito interno,
mas o mesmo não podemos fazer diante das medidas anunciadas com estardalhaço pela OMC.
Enquanto sua comissária européia de Agricultura, Mariann Fischer Boell, comemorava “um grande
dia”, ao divulgar a reforma do regime do açúcar até 2010, o Itamaraty, em atitude correta,
recomendava cautela. De fato: falta saber se os europeus cumprirão integralmente as
determinações da OMC. Ou se pretendem valer-se delas como moeda de troca em Hong Kong.
O quadro é promissor – temos uma oportunidade de exportações adicionais de cerca de
US$ 1,2 bilhão, só com exportações para países que importavam da União Européia com subsídios
da própria UE. O que custa US$ 740 ela vende por US$ 200.
Todos sabemos que o comércio de produtos agrícolas é tolhido por obstáculos impostos
pelos países desenvolvidos, que restringem o acesso aos seus mercados.
Utilizo o açúcar, produto com o qual trabalho desde o nascimento, para melhor exemplificar
as restrições. A União Européia era a maior exportadora de açúcar até dez anos atrás. O
crescimento do Brasil desbancou sua posição de líder e hoje é a segunda colocada. Exportam em
números redondos cerca de pouco mais de 6 milhões de toneladas. O preço interno do açúcar na
Europa é de cerca de US$ 740 a tonelada. O nosso é de US$ 170 a 200. Todas as suas exportações
têm elevados subsídios. Protegem seu mercado com altíssimas tarifas, o que torna impeditivo nosso
acesso – o mesmo ocorre com os Estados Unidos.
Hoje, são quase 400 mil produtores de beterraba na Europa e, com as mudanças, pelo
menos 120 mil deverão deixar o mercado. Ao mesmo tempo, como resultado das medidas

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anunciadas pela OMC, vemos parte considerável do capital envolvido no negócio na Europa
migrando para o Brasil.
Então, agora, devemos ser proativos, oferecendo nossa tecnologia para que fabriquem
álcool combustível, inclusive, sugerindo que transfiram os subsídios para manter os plantadores de
beterraba, mas fazendo álcool localmente. Afinal, depois dos EUA, são os maiores poluidores do
mundo e a maioria deles assinou o Protocolo de Kyoto e tem um discurso conservacionista.
Não sendo possível chegar a um acordo consistente em Hong Kong, vamos continuar
negociando e lutando, para que a Europa cumpra sua parte e pesando como fazer que os Estados
Unidos cumpram a resolução do algodão.
O obstáculo maior é esse jogo de interesses das grandes nações no mercado internacional,
que reprime nossas exportações, justamente em produtos que somos líderes mundiais e somos os
mais competitivos do mundo – nesse item, competitividade, estamos em 52º lugar, enquanto
respondemos pela 14ª economia mundial e somos a décima força industrial. Portanto, algo está
errado.
Nossa força industrial, traduzida no agronegócio, exibe uma agropecuária moderna que
produz quase 35% da economia brasileira. Na Europa, essa presença é de 2,1%. Daí resulta,
naturalmente, a agressividade brasileira na luta pela abertura do mercado agrícola das nações
desenvolvidas. É natural a resistência e a preocupação deles, e é justa a nossa insistência, porque
produzimos com qualidade e a preços menores. Os nossos produtos agrícolas farão a agricultura
mundial se expandir além dos 9% que ela ocupa hoje na economia internacional. Como se vê,
precisamos exportar, e o agronegócio é a via mais rápida para avançarmos nessa área.
A grande oportunidade, Sr. Ministro, é agora, porque dentro do agronegócio, temos
produtos importantíssimos e disputadíssimos pelos países importadores, e entre esses produtos, o
açúcar, o álcool, o suco de laranja, a soja, a carne e os calçados, detentores da melhor e mais
competitiva tecnologia de produção do mundo. Eles sabem disso, daí essa mobilização em torno do
açúcar, e essa cobiça deles pelo nosso know how para produzirem um pouco de álcool que seja,
para compensar o que terão de importar de nós.
Como o Sr. sabe, o agronegócio abriga 35% da força de trabalho do Brasil e representa
40% de nossas exportações. Já somos a terceira potência agrícola, só atrás dos EUA e da Europa, e
essa diferença diminui a uma velocidade cada vez maior.
As exportações do setor sucroalcooleiro, por exemplo, representaram um impacto favorável
de US$ 9,57 bilhões só de janeiro a outubro deste ano, que serão US$ 12 bilhões até o fim deste
ano, considerando-se os 270 mil barris diários de petróleo equivalente.
Por curiosidade e pela grandiosidade dos números, é importante saber que o Brasil
economizou, só em 30 anos do Proalcool, US$ 126,4 bilhões com importação evitada de petróleo,
acrescidos da dívida e dos juros não incorridos.
O sucesso da balança comercial brasileira tem exibido dados cada vez melhores. São dados
positivos da política de exportações que refletem o êxito das viagens do presidente, dos ministros,
do chanceler Celso Amorim e dos ministros Furlan e Roberto Rodrigues, por exemplo, por países
que jamais importaram nada do Brasil e hoje freqüentam normalmente nossa pauta de
exportações.
Como bem assinalou aqui meu amigo Daniel Feffer, o Brasil guarda uma tradição rara de
coerência e continuidade em sua diplomacia, mantendo, ao longo do tempo, alguns princípios
superiores a questões ideológicas ou partidárias. É assim pelo menos desde o início do século
passado.
Atenção, Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Conselheiros, no agronegócio brasileiro está o
menor investimento por emprego gerado, e a maior gama de produtos de que o mundo precisa.
Pensemos nisso. Eu só queria encerrar, hoje é a última reunião do ano. Eu queria desejar a todos
os conselheiros feliz natal e um ano muito feliz. Muito obrigado.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado conselheiro Maurílio. Eu vou passar aos já inscritos.
Conselheiro Paulo Skaf. Lembro que são nessa rodada o tempo é de três minutos.

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Conselheiro Paulo Skaf: Ministro, o meu assunto é outro. Teria problema?

Ministro Jaques Wagner: Aqui o espaço é livre.

Conselheiro Paulo Skaf: Bom dia a todos. Ministro Jaques Wagner, ministro Celso
Amorim, Luís Marinho. A situação é a seguinte: em relação ao tema de comércio exterior,
realmente é um tema que nós temos muito que conversar e debater. Seria muito interessante ter
oportunidade para isso. Mas depois das brilhantes apresentações do ministro, dos companheiros,
eu abro mão desse tempo para usá-lo em outro assunto. O nosso Conselho chama-se Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social. Ontem foi anunciado o crescimento do PIB do terceiro
trimestre do ano – 1,2%, o que reflete que o crescimento do ano deve ficar em torno de 2% a
2,5% quando o mundo, em média, vai crescer o dobro disso. Quando a média dos países
emergentes vai ser três vezes isso. Quando a nossa vizinha Argentina vai crescer quatro vezes isso.
Este é um tema que sinto vontade de comentar aqui na nossa reunião do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social. Estamos perdendo uma grande oportunidade. Há uma
teimosia tremenda em não se ajustar a política econômica. Eu não critico a política econômica
como um todo, mas que há necessidade de ajustes e correções, há necessidade. Aqui nesse
Conselho nós concluímos, votamos com unanimidade e propomos ao Presidente da República, a
ampliação do Conselho Monetário Nacional, que seria uma forma de se discutir de uma forma mais
ampla estas questões da política econômica, as metas inflacionarias. Tem na nossa pasta um
trabalho sobre TJLP, a revisão da TJLP. Não sei como esse assunto ficou, pelo menos nunca mais
foi ventilado no Conselho. Então eu sinto, ministro Jaques Wagner, que nós estamos num momento
muito importante. Essa questão do crescimento, da falta de crescimento. Não há nada mais
importante para o Brasil neste momento. E nós entendemos que houve algum reflexo, ou está
havendo algum reflexo da crise política na economia. Mas também entendemos que não é mais
possível permitir que um grupo comande o país e que não esteja na direção do interesse da
sociedade, do povo brasileiro e dos interesses maiores do País. Eu entendo que esse é um tema
para o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social. Na última segunda-feira fizemos um
seminário na internacional na Fiesp, convidamos dez ilustres palestrantes, professores,
especialistas, jornalistas, empresários de vários países e o reflexo desse seminário e também do
pensamento da Fiesp está resumido no manifesto que está aqui. Eu gostaria de pedir licença ao
senhor para ler esse manifesto e eu creio que não vamos ter grandes problemas no tempo não
porque o manifesto é auto-explicativo. O senhor me permite a leitura ao manifesto?

Ministro Jaques Wagner: Paulo, eu não quero adotar uma posição impositiva. O tema,
evidentemente, é candente, mas tenho que respeitar o direito dos outros inscritos.. Se for o texto
que você me remeteu é curto.

Conselheiro Paulo Skaf: É o que eu remeti.

Ministro Jaques Wagner: Foi distribuído para todos ou não?

Conselheiros Paulo Skaf: Não, não foi não.

Ministro Jaques Wagner: Tudo bem, pode ler. Eu só quero registrar, Paulo, para que
fique claro para os conselheiros, que a nossa agenda é preparada previamente, então eu não tinha
como saber do resultado do PIB. Só para não ficar a impressão de que a gente está querendo
evitar esse debate.

Conselheiro Paulo Skaf: Não tenho dúvida.

Ministro Jaques Wagner: Eu preparo uma agenda em função do ano.

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Conselheiro Paulo Skaf: Eu sei senhor ministro. A única coisa que nós discutimos, essa
questão de juros estratosféricos, e agora há um resultado. Então, se há um resultado, tem que
pegar esse resultado e ver quem responsável por isso. Não vamos falar que seja a crise política
porque não é. E nem coisas que não estejam ligadas à influência direta dos resultados concretos
que estamos assistindo. Realmente, perdemos a oportunidade desse ano e o que é pior, se alguma
coisa não for feita em termos de mudança, de aceleração da queda de juros imediatamente, vamos
comprometer o próximo ano. Nós vamos ter no próximo ano um crescimento igual ou pior do que o
que tivemos nesse ano.
Manifesto pelo o desenvolvimento do Brasil. Os países em desenvolvimento sabem que,
para alcançar as condições de vida e de bem estar das nações desenvolvidas, precisam assegurar
taxas de crescimento econômico significativamente superiores à média mundial.
Desejo de muitos, sucesso de poucos. Os vitoriosos se impõem diante dos que fracassam
por sua tenacidade na construção de um projeto nacional de desenvolvimento, mediante a
aplicação de políticas adequadas, pela busca de uma inserção qualificada à economia internacional
e pela capacidade gerencial de seus governos.
Nas duas últimas décadas, o Brasil se alinhou entre os que não conseguiram acompanhar o
ritmo de expansão e o grau de modernização da indústria e dos serviços, marca registrada dos
processos de evolução dos países emergentes de maior dinamismo.
Vivemos momento histórico em que rápidas transformações econômicas estão posicionando
as economias emergentes em dois grupos distintos: as propulsoras do crescimento futuro — e que,
nessas condições, estarão credenciadas a superar o subdesenvolvimento —, das que ficarão para
trás.O declínio da posição relativa do Brasil no cenário mundial, a ampliação da distância que nos
separa dos mais agressivos protagonistas na corrida para o desenvolvimento, serão fatais e
definitivas se não nos mostrarmos capazes de reorientar nossa estratégia econômica em favor do
crescimento acelerado.
O projeto brasileiro de desenvolvimento tem que definir, com clareza, seus eixos de
expansão.O território, a população e o grau de urbanização não concedem ao Brasil alternativa
senão o dinamismo sustentado da indústria, enquanto motor do crescimento econômico e das
transformações sociais.
Para retomar taxas elevadas de crescimento industrial, o Brasil conta com o enorme
potencial: sua agropecuária, seu invejável manancial de recursos naturais, mercado interno amplo,
além da comprovada capacidade de seus empresários e trabalhadores para empreender, inovar e
participar competitivamente da economia global.
Falta clareza a nossos governos quanto às condições necessárias para realizar um projeto
de desenvolvimento. Por isto, a gestão da economia tem privilegiado a estabilidade da moeda – o
que também queremos – em detrimento da produção e do emprego – que lamentamos. É falso o
dilema entre estabilização e crescimento econômico, mas a verdade é que os instrumentos para a
promoção do crescimento transformam-se, freqüentemente, em um mero subproduto das políticas
de estabilização.
O seminário "Industrialização,Desindustrialização e Desenvolvimento" pretendeu mostrar
que desindustrialização, entendida como a perda relativa do vigor do setor produtivo, já ocorre em
nosso país. É crucial reverter este processo, promover uma imediata retomada do dinamismo da
indústria e, junto com ela, a marcha acelerada para o crescimento.
A indústria necessita, assim como os demais setores produtivos, de um ambiente adequado
para seu crescimento.No Brasil os juros altos, a carga tributária excessiva, o câmbio valorizado e
volátil, a carência de investimentos e de infra-estrutura configuram um quadro macroeconômico
absolutamente hostil e na contramão das experiências bem sucedidas de desenvolvimento.
Imaginar uma economia capaz de sobreviver e crescer sob tais condições é não só apostar no
improvável, como olhar com indiferença para as perspectivas de desenvolvimento futuro.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP e o Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial - IEDI – vêem com preocupação os rumos que estão sendo impostos ao
processo de desenvolvimento brasileiro.Decididamente, por esses caminhos, os anseios legítimos
do conjunto da sociedade brasileira não serão alcançados. Por isso, reafirmamos nossas

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convicções: é indispensável ter um verdadeiro projeto de desenvolvimento, assumir o papel
preponderante da indústria nesse projeto e cuidar das condições macroeconômicas que a estimule.
Não haverá desenvolvimento, com equilíbrio interno e externo, como deseja o povo
brasileiro, sem as condições adequadas para uma indústria forte, moderna e competitiva. Assinam
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP e Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial – IEDI. Muito obrigado, ministros, muito obrigado aos conselheiros.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado Paulo. Só registro que o senhor utilizou 15 minutos.
Mas, tudo bem. Sônia Fleury.

Conselheira Sônia Fleury: Eu não vou ler a carta que mandei, mas agradeço ao Maurílio
por ter feito menção a ela e peço à Mesa que coloque essa carta como parte da Ata dessa reunião
que é uma prerrogativa que tem no estatuto que é de incluir documentos. Peço que a Mesa faça
isso. A carta que encaminhei demorou muito a ser divulgada pela SEDES e eu acho que a SEDES
sobre-valorizou a capacidade de uma mera professora universitária de desestabilizar o Ministro da
Economia, levando dez dias para finalmente divulgá-la. Depois de muito esforço ela foi divulgada e
vocês tiveram acesso a ela. E eu quero fazer um link entre as coisas que eu falei com a colocação
que foi feita pelo Ministro. Primeiro, expressando a minha admiração profunda pelo trabalho do
senhor e toda a sua equipe. E acho que todos nós brasileiros temos orgulho da política externa
brasileira. No entanto, a minha pergunta para o ministro é se o País pode ter e manter um papel
protagônico no cenário internacional sem ter uma capacidade interna de desenvolvimento num
momento em que ele se distancia dos outros países que estão se desenvolvendo, e que ele não
apresenta uma capacidade de desenvolvimento sustentável autodeterminado e que tenha uma
inserção na economia globalizada que lhe permita resolver os seus problemas internos do próprio
desenvolvimento econômico e social ou se os revezes que nós já começamos a sentir na política
internacional são decorrentes da falência dessa incapacidade nossa de nos desenvolvermos? O
Brasil, com o seu projeto de continuísmo nessa política macro econômica, não tem sido capaz de
apontar o sinal de um projeto autônomo de desenvolvimento e de transcender esse momento de
mero exportador de capital a partir do pagamento de juros para um papel realmente de inserção
produtiva econômica na economia mundial. Esse Conselho tem se dedicado a essa questão, se
perguntando como sair dessa armadilha, como sair desse moinho satânico que quanto mais
pagamos, mais devemos e não sobra para as outras coisas. E a nossa proposta acordada no
Conselho, encaminhada por mim e acordada por todos, foi mexer na estrutura de governança da
área macro-econômica e condicionar todas as outras políticas, através dessa proposta de mudança
na composição do Conselho Monetário Nacional para que ele fosse mais permeável à burocracia
conservadora, para que ele fosse mais permeável aos anseios da sociedade.
No entanto, sequer respostas nós tivemos. Pode ser que o Presidente não concorde com a
gente, mas ele deveria nos dizer que não concorda ou que não vai levar adiante essa proposta.
Porque nós fizemos muito esforço para isso. Ao contrário, há uma outra resposta sendo armada
que é essa agenda consensual ou impacto de longo prazo, uma transição de longo prazo. Por que
isso está sendo proposto? Ontem, no jornal, o Ministro do Planejamento volta a dizer que vai levar
adiante essa proposta. A proposta é aumentar a desvinculação da União da área social de 20%,
que hoje já desestabiliza a seguridade social e a previdência social, retirar dinheiro da educação,
assistência e saúde para outras áreas que não são constitucionalmente definidas. Aumentar de
20% para 35%. Hoje, nós tínhamos que nos perguntar quantas mortes isso vai gerar, quanta
violência isso vai gerar, quanta miséria isso vai gerar, quanta ingovernabilidade isso vai gerar. Nós
estamos no dia internacional da AIDS e eu vou dar o exemplo da saúde. Porque o passo seguinte,
além de tirar o dinheiro de 20% para 35%, é mexer na forma que constitucionalmente os recursos
são definidos. Eles são definidos em relação ao PIB. Hoje, o país destina menos de R$ 1 por dia por
habitante para a área de saúde, valor menor que todos os nossos vizinhos da América Latina. A
Argentina destina três vezes isso, o Uruguai duas vezes isso. Nós temos um orçamento baixíssimo
em saúde. Qual é a proposta que está sendo feita? Que se mantenha isso e tenha crescimento

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vegetativo, apenas a inflação e o aumento da população. E assim só seria reajustado, quando nós
tínhamos que fazer algo para aumentar estes valores.
Então, eu quero dizer que isso não está ocorrendo por acaso. Há uma lei complementar
que está no Congresso, a 01/2003, que pretende aumentar o orçamento da saúde em 1,2%, o que
dá 4%, mudando a forma de vinculação, enquanto está se propondo, do outro lado, a redução. Vai
ser terrível se nós tivermos que enfrentar um ano eleitoral no qual o governo do PT, assessorado
pelo conservador Delfim Neto, vier propor cortar gasto em saúde e tivermos do outro lado o seu
opositor propondo aumentar os recursos para a saúde. Será difícil, mas nós teremos que fazer
opções novamente.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado Sônia. Só para a gente manter a boa relação eu
quero voltar ao assunto que você mencionou no início da sua fala, porque eu acho que sobre
mérito discute-se tudo, sobre procedimento, sobre métodos, eu sou extremamente rigoroso. Então,
quero registrar que aqui não tem obstrução de divulgação de qualquer tipo de documento. Eu não
sei que falha houve, mas quero deixar isso muito claro que não houve nenhuma ordem de minha
parte para que este texto não fosse distribuído. Os que me conhecem sabem que eu não transijo
nesse aspecto. Eu não estou aqui para obstruir a discussão. Agora, sobre métodos de trabalho,
para preservar a nossa relação, quero dizer que eu não transijo. E, portanto, não há hipótese de se
obstruir a circulação de documentos por discordância do mérito. Só para deixar claro.

Conselheiro Ivo Rosset: Ministro Jaques Wagner, ministro Celso Amorim. Eu serei muito
breve porque alguns colegas já fizeram colocações bastante pertinentes. Como o tema envolve
exportação, vou me manifestar enquanto representante do setor de manufaturados, que está
sentindo dois problemas gravíssimos. O primeiro é a invasão dos produtos chineses. Eu sempre
tenho falado que o problema é a China, mas eu cheguei à seguinte conclusão, Ministro: o problema
não é a China, o problema somos nós. O que queremos do nosso setor de manufaturados? Todas
as colocações do Paulo Skaf sobre a questão dos juros, do câmbio, são discussões com tremendo
nível desgaste, sem solução. E o que eu venho propor é que se tente algum outro caminho, que
seja algum tipo de acordo bilateral com os Estados Unidos, como alguns outros países da América
Latina estão fazendo e estão tirando muita vantagem, principalmente no setor têxtil. Para poder
instalar empresas nesses pequenos países, como nós já fomos convidados para mudar a nossa
base para El Salvador, as vantagens com os Estados Unidos são tremendas. Eu sei que é um tema
complexo, eu sei que esses acordos são difíceis, mas nós já tivemos uma vez uma conversa a esse
respeito e eu volto a reiterar, porque me sinto frustrado em ter que demitir funcionários no Brasil e
ter que admitir funcionários em outro país que não é meu. Eu me nego a fazer isso. Eu acho que o
nosso país tem todas as condições de reverter essa situação. Nós temos uma carga tributária
enorme, nós temos uma carga de juros estratosférica e um câmbio extremamente desvalorizado.
Eu sei que não é um tema seu, especificamente, mas talvez um acordo bilateral com os Estados
Unidos possa dar uma mãozinha para o setor continuar vivo e no Brasil. Muito obrigado.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado conselheiro Ivo Rosset. Como ainda temos uma lista
de inscrições grande, vou interromper as falas dos conselheiros agora para que o Ministro Celso
Amorim possa comentar o que foi dito até agora. Eu optei por fazer isso porque é possível que o
Presidente chegue a qualquer momento e os seus comentários fiquem prejudicados por isso.

Ministro Celso Amorim: Eu não vou me concentrar apenas nas questões que envolvem
mais questionamentos. Vou juntar duas questões, que acabam de ser colocadas pelo conselheiro
Ivo Rosset, e também de certa maneira mencionadas pelo conselheiro Daniel Feffer, e que têm a
ver com a ALCA. Eu acho este Conselho muito interessante porque ele reflete a sociedade brasileira
e nós acabamos de ouvir aqui opiniões absolutamente opostas. E o governo tem que realizar, às
vezes, a difícil tarefa de tomar uma decisão, que não é simplesmente uma média aritmética, sobre
qual é o objetivo estratégico. Com relação à pergunta colocada anteriormente, não nos preocupa
que haja acordos bilaterais que possam tomar nossos mercados. Acho que os países da América

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Central, na realidade, competem relativamente pouco conosco. No caso dos países do Grupo
Andino, que são um grupo maior, o grande interesse deles é manter acordos de livre comércio, ou
pela ALCA ou pelo regime de preferências que eles já têm em função do regime de drogas. Todos
sabem disso. Em função do problema das drogas, eles gozam de preferências especiais nos Estados
Unidos. Isso para eles se tornou, nas palavras de uma pessoa da própria região que eu conheço
bem, cujo nome não vou mencionar para não criar nenhum embaraço, uma droga, no sentido de
ser viciante. Isto a tal ponto que hoje são obrigados a fazer um acordo de livre comércio que
contraria muitos interesses. Eu mencionei aqui, eu não sei se o conselheiro Maurílio Biagi Filho
ainda está aqui, um fato da área agrícola. Quem conhece os agricultores na Colômbia, no Peru ou
no Equador, na Colômbia, sabe que eles estão muito contra o TLC, porque eles não só terão que
abrir o mercado desrespeitando sensibilidades que no acordo do Mercosul com a Comunidade
Andina são respeitados, mas serão obrigados a comprar produtos subsidiados. Então, nós
reconhecemos que nesse jogo de interesses sempre tem um setor que está sendo afetado. No
caso, eu reconheço que o setor têxtil poderia se beneficiar de um acordo como o da ALCA, por
exemplo. Mas, no conjunto das questões que estavam colocadas naquele momento, o acordo era
desequilibrado. Nós poderíamos ter ganhado no setor têxtil, mas teríamos que encontrar outras
formas de compensar isso, sem fazer as concessões em propriedade intelectual, e sem aceitar
produtos agrícolas subsidiados entrando no nosso mercado, sem aceitar limitações à nossa
capacidade de compras governamentais que está sendo responsável pelo ressurgimento da
indústria naval brasileira. Então há uma série de coisas que precisam ser levadas em conta. Não
poderíamos aceitar limitações até na política de serviços, o que muitas vezes tem a ver com a
própria índole do país. Eu cito sempre o caso do México, que é gravíssimo. A Cidade do México
mudou o serviço de águas e uma empresa que havia investido considerou que foi prejudicada
porque a expectativa de investimento era maior, e levou o caso para o tribunal arbitral.
O que nós temos proposto e insistido há muito tempo com os Estados Unidos é um acordo
bilateral Mercosul e Estados Unidos, como aliás, eles estão fazendo com os outros. Outro dia eu vi
até um subsecretário dizer que o Mercosul não estava preparado para um acordo “quatro mais um”
com os Estados Unidos. Isso não é verdade. Quem não está preparado para um acordo “quatro
mais um” são os Estados Unidos. Agora, um acordo centrado em acesso a mercados, e isso pode
incluir até serviços, investimentos, não pode ser uma tentativa. A ALCA nasceu em 1994. A idéia da
ALCA nasceu em um momento em que não havia uma rodada multilateral, num momento em que
se vivia o auge do consenso de Washington, em que se vivia o auge da noção de que a
liberalização absoluta era o que deveria ocorrer, um momento histórico. Hoje em dia, eu estou
trabalhando na OMC para liberalizar o comércio, mas liberalizar de uma maneira negociada e
positiva. Teríamos muito interesse em ter um acordo bilateral com os Estados Unidos, para que
pudéssemos explorar até vantagens setoriais. Agora, como todos sabem, essas mecânicas são
complexas até do ponto de vista da legalidade perante a OMC. Mas eu estou pronto a continuar a
estudar e a trabalhar nesse sentido.
Com relação à China, eu digo o seguinte: é verdade que a China pode ser um risco, mas é
também uma oportunidade. Muita gente dizia, no início do ano, que teríamos um déficit comercial
com a China e vamos ter superávit, de novo. Nossas exportações passaram de US$ 5 bilhões. Eu
não sei exatamente a que número vai chegar. Eu sei que não é com o mesmo nível de sofisticação
de produtos, temos que continuar trabalhando. O Ministro Luiz Fernando Furlan, que acaba de
chegar, tem sido incansável no sentido de valorizar as nossas exportações, aumentar o valor
agregado.
Mas eu quero aproveitar, como se falou de alto risco, para falar que estou aqui com uma
lista de mercados onde as nossas exportações mais cresceram e eu vou ler o nome daqueles em
que as exportações ou dobraram, ou mais do que dobraram ou quase dobraram. Entre 2003 e
2005, são dados de janeiro a outubro, mas projetados eles darão o mesmo resultado. Países em
que elas dobraram ou mais do que dobraram: Argentina, Chile, Rússia, Venezuela quadruplicou,
Colômbia, África do Sul, Índia, Arábia Saudita, Peru, Egito e Tailândia. Todos são países em
desenvolvimento. Não se diga que isso é uma falácia da composição, porque em todos esses casos
ou ultrapassa em muito a marca do bilhão, ou está próximo dela. A menor que tem aqui é a

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Tailândia, em que as exportações devem chegar, imaginando que a projeção esteja correta, a 850
milhões esse ano. Então, é algo concreto, notável. Eu usaria aqui a frase de um outro amigo meu,
que diz o seguinte: “Por que é que o Brasil está se expandindo? Por que tem que diversificar?
Porque petróleo não dá na Torre Eiffel, nem manganês na Quinta Avenida”. Então, eu sei que
tecidos se vendem lá, mas a gente tem que trabalhar no mundo inteiro, tem que trabalhar de
maneira ampla, tem que trabalhar também com os Estados Unidos. O nosso comércio com os
Estados Unidos tem aumentado; aumentou mais de 20% no ano passado. Este ano aumentou
menos: 10%. Mas aumentou nos três anos do Governo Lula mais do que durante toda a primeira
fase do governo Fernando Henrique.
Agora, os problemas de câmbio, problemas de juros. Eu tenho as minhas opiniões como
cidadão, mas como ministro não é da minha pasta, de modo que eu prefiro não me pronunciar
sobre o assunto. Sobretudo num momento candente como hoje, embora compreenda, já entrando
na outra questão, que evidentemente há um inter-relacionamento entre a capacidade de atuação
externa de um país e o nível de desenvolvimento. Quero dizer também que muitos desses
problemas vêm de longe. Eu tive o privilégio ou a casualidade ter trabalhado no Ministério da
Ciência e Tecnologia nos anos 80, e desde então o Brasil vem perdendo competitividade na área
industrial porque o Estado investiu muito pouco em ciência e tecnologia, as empresas investiram
muito pouco. Hoje investem um pouco mais, mas não se ganha competitividade só com câmbio.
Câmbio é importante, mas tem que investir na tecnologia, tem que valorizar o produto. Muitas
empresas sabem disso e têm feito isso. Sei que hoje em dia há uma política industrial com forte
elemento tecnológico, e isso é absolutamente essencial, porque senão nós vamos perder mesmo.
Como já perdemos a corrida com a Coréia, estamos perdendo com a China, no futuro vamos perder
com a Índia. Por quê? Porque nós investimos pouco nas coisas que geram competitividade. O
Embaixador Rubens Ricúpero dizia, já em 1980, algo curioso - hoje talvez tenha diminuído um
pouquinho essa realidade – “o Brasil é competitivo nos produtos de pouco dinamismo no comércio
internacional e não é competitivo nos produtos que tem dinamismo no comércio internacional”. Por
quê? Porque investiu pouco na tecnologia.
Entretanto, quero dizer que não é diminuindo o Estado que se vai resolver esse tipo de
problema. Eu estou saindo um pouco da minha área, mas eu acho importante, já que é para
contribuir com um debate. Nos Estados Unidos, 50% dos gastos de ciência e tecnologia decorrem
de encomendas do Pentágono. Às vezes o Estado ajuda, muitas vezes atrapalha, e às vezes gasta
certo. O que nós temos que fazer é gastar certo.
Sobre o que o conselheiro Maurílio Biagi comentou, a questão do álcool e do etanol, eu
acho que é fundamental. Temos também um grupo de trabalho criado por uma decisão decorrente
da visita do Presidente Lula ao Japão, - o ministro Furlan também pode estar capitaneando isso -
para tratar deste assunto. Em conjunto com a ação empresarial, acho que isso nos dará grandes
frutos.
Sobre a divergência com Pedro Camargo Neto, da Sociedade Rural Brasileira, eu não
colocaria dessa maneira, porque na realidade o objetivo é o mesmo e eu não diria nem sequer que
a ênfase é diferente. Há uma pequena diferença de tática pelo momento que nós estamos vivendo
na Rodada de Doha. O objetivo principal, eu estou de pleno acordo com ele, é a eliminação dos
subsídios. Agora, às vezes, para você chegar lá, é preciso atuar de forma calculada naquela que é
uma engrenagem complexa. A bola da vez, digamos assim, seria a oferta da União Européia em
acessos a mercados e em agricultura, e isso não ocorreu. Então, nós estaríamos prontos a
concentrar as baterias, de novo, nos subsídios internos. É preciso que a União Européia, que é o
mercado mais fechado do mundo, dê esse passo, mas não deu. Então, não é uma divergência,
creio eu; é uma questão apenas de apreciação tática. Aliás, aprecio muito as observações que
Pedro Camargo me manda pela imprensa e pessoalmente.
Bem, direitos sociais e trabalhistas. Eu queria dizer rapidamente que me orgulho muito de,
ainda no governo do Presidente Itamar Franco, que era um governo de centro, digamos assim,
uma composição ampla, eu ter sido o primeiro Ministro das Relações Exteriores a receber o
Presidente da CUT, que à época era o Jair Menegheli, para discutir as questões sociais, sobretudo
no Mercosul. E concordo que, na realidade, se fez ainda pouco. Mas se está avançando. Temos o

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Fórum Social, esse programa do emprego, mas as coisas não ocorrem de um dia para o outro.
Ontem mesmo o Presidente Lula lembrava ao Presidente Néstor Kirchner que seria muito
importante que os representantes da sociedade civil, que incluem os sindicatos, pudessem ter um
momento para falar e que não fosse no fim da reunião. Com isso, queremos valorizar essa
participação.
Eu me esqueci de falar do G-20, talvez tenha sido uma das coisas mais importantes, que é
decorrência de toda essa articulação diplomática. Uma pergunta que foi feita é se nós vamos
conseguir manter essa liderança. É muito interessante, porque eu repito algo que eu disse outro
dia. Um país grande e muito desenvolvido que veio nos visitar disse assim: “como é que se explica
que o meu país é grande no comércio internacional e pequeno na OMC e o Brasil, que é pequeno
no comércio internacional, é tão grande na OMC?”. Parte disso se deve à liderança do Presidente
Lula, se deve à capacidade de articulação diplomática, e, evidentemente, ao dinamismo do País,
não só o econômico mas também o político, a capacidade de resolver problemas pelo diálogo, a
capacidade de enfrentar problemas sociais, raciais, étnicos. Tudo isso influi na imagem do País e na
capacidade de articulação internacional.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado ministro Celso Amorim. O Presidente está em


deslocamento, então vou chamar mais um inscrito, o conselheiro Luiz Aimberê Freitas.

Conselheiro Luiz Aimberê Freitas: Ministro Celso Amorim, Ministro Jaques Wagner, eu
vou voltar a uma questão técnica de relações exteriores, no que se às nossas fronteiras, que devem
ser referências cartográficas. Eu sei que na fronteira do Brasil com a Venezuela existem enormes
áreas ainda não demarcadas entre os dois países. A Comissão Brasileira de Limites, sediada em
Belém, enfrenta dificuldades para terminar esse trabalho que começou há muitos anos e isso,
evidentemente, tem trazido problemas sociais imensos para quem mora na fronteira no que se
refere por exemplo, à prisão de pessoas que não sabem se estão no Brasil ou se estão na
Venezuela e que são recolhidos pela guarda venezuelana. O que o Brasil e, notoriamente o seu
Ministério, está fazendo de concreto para que esta fronteira efetivamente seja demarcada, e que
possa, efetivamente, por um fim nessa questão social que aflige as pessoas que moram na
longínqua fronteira da Amazônia?

Ministro Jaques Wagner: Obrigado. Chamo mais um conselheiro inscrito, Sérgio


Haddad.

Conselheiro Sérgio Haddad: Obrigado ao Ministro Jaques Wagner, ao Ministro Celso


Amorim. Eu queria cumprimentar o trabalho que o senhor vem realizando no Ministério de Relações
Exteriores, particularmente, no sentido do equilíbrio de interesses que são representados pelo
Itamaraty, fazendo com que o Brasil possa estar sendo representado por inteiro, tanto em relação
aos setores produtivos, quanto em vários momentos, aos setores da sociedade civil. Na verdade, a
minha questão em parte já foi respondida, mas eu gostaria de insistir sobre um ponto que também
foi tocado pelo conselheiro João Felício e que diz respeito à Sexta Reunião Ministerial da OMC. O
senhor foi muito econômico na sua exposição, talvez até por questão de tempo, sobre o que vai
ocorrer em Hong Kong. Qual á a sua expectativa em relação a esta Rodada de Doha? Tudo indica
que, mais uma vez, não vamos chegar ao final desse processo de negociação e as pressões são
bastante fortes sob diversos setores. O que nos preocupa em relação a certos setores dos
movimentos sociais e das organizações não-governamentais diz respeito às pressões com relação
aos produtos agrícolas. Sabemos das dificuldades que vêm ocorrendo, particularmente, em relação
à posição da União Européia. O que nos preocupa é que isto possa reverter na abertura e
ampliação das áreas de bens industriais e de serviços do comércio internacional. Nos preocupa que
os meios e fórmulas de rebaixamento de tarifas e a imposição de parâmetros para a ampliação da
oferta de serviços possa, nesta moeda de troca, criar uma situação e de fato aumentar o
desemprego no país ou os prejuízos em relação aos setores públicos e serviços de qualidade ou
mesmo no aumento de tarifas dos setores de serviços que seriam fortemente privatizados. Então, a

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minha questão é sobre esta moeda de troca, uma pequena abertura nesta área agrícola que
poderia reverter sob o ponto de vista do setor de serviços industrial.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado. Conselheiro Francisco Dória.

Conselheiro Francisco Dória: Eu vou pedir licença para retornar ao tema que a Sônia
Fleury levantou, em particular, sobre a questão da Ciência e Tecnologia e desenvolvimento no
Brasil. Eu vou ler o texto e depois vou circulá-lo pela Internet.
Temos tido um sucesso, inesperado e certamente não desejado, noutro aspecto de nosso
comércio exterior: a exportação de cérebros. Não tenho números, mas posso contar dois episódios
bastante esclarecedores: 1) Um pesquisador, Doutor em física, 35 anos, brasileiro nato. Teve
sempre recusados seus pedidos de bolsa de pesquisa feitos ao CNPq. É, no momento, professor
visitante na Stanford University, por três anos, e aguarda a abertura de uma posição tenure-track,
uma posição permanente, para a qual deve se candidatar. Já tem o green card, e caminha rápido
para a cidadania norte-americana. Trata-se de um tipo de emigrante que os Estados Unidos não
recusam nunca. (Não é caso isolado; enfatizo). 2) Ninguém duvida que computação é área de
ponta, e de interesse estratégico para o Brasil. Que tal, então, sair uma revista no exterior,
publicada por grande editora internacional, sobre assunto na fronteira do conhecimento em
computação — e editada por um brasileiro, mas com a menção, “este trabalho não teve nenhum
apoio dos fundos brasileiros federais de pesquisa” ? Na verdade, e infelizmente, o CNPq está
ignorando soberanamente a destruição da área de lógica matemática, base da teoria da
computação. A gota d’água ocorreu há alguns meses, com um parecer ofensivo sobre projeto do
mais importante pesquisador brasileiro na área, o Prof. Newton da Costa. Sou, explicito, parte
interessada no caso, mas a ação negativa, ou o descaso, por parte daqueles órgãos, afeta muito
mais gente, mais capaz mesmo que eu.
Gostaria que essa minha nota fosse encaminhada ao Ministro de Estado da Ciência e
Tecnologia. Mas não gostaria apenas de servir aqui como Cassandra: prevendo o desastre futuro
sem que ninguém tome qualquer providência. Porque temos um precedente trágico: Peter
Medawar, o Prêmio Nobel cuja cidadania brasileira o Brasil cassou. Trata-se de evitar, daqui a dez
anos, um trágico apagão intelectual que vai afetar a fundo o desenvolvimento do Brasil.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado, conselheiro Francisco Dória. Conselheira Zilda Arns.

Conselheira Zilda Arns: Ministro Jaques Wagner, nosso querido amigo ministro Celso
Amorim. Foi para mim um prazer muito grande que o senhor viesse aqui, a esse Conselho tão
importante. Eu gostaria, de público, manifestar a admiração pelo seu grande esforço pelo País e
também porque o senhor dá apoio não somente àquilo que promove o desenvolvimento
econômico, mas também à transferência de metodologia da sociedade civil, como a Pastoral da
Criança. Graças ao apoio da ABC, que nos acompanhou tanto para Angola quanto para países da
América Latina, nós estamos agora em 16 países. Só em Angola estamos com 45 mil crianças, no
Paraguai com 10 mil, na Colômbia com 12 mil e assim por diante. Eu gostaria de dizer que
realmente o seu apoio foi muito grande e gostaria que cada vez mais a gente pudesse contar com
a ABC porque nós diminuímos a mortalidade infantil aqui no Brasil a 50% nas comunidades onde
atuamos e o mesmo resultado tem se visto nos outros países. Como a desnutrição, também temos
diminuído a violência dentro da família. Então, creio que seria uma pauta também do Ministério de
Relações Exteriores valorizar muito esse esforço que custa tão barato e dá tanto resultado.
Em segundo lugar, eu gostaria de dizer que estou muito preocupada com a biopirataria que
estou vendo no Brasil e gostaria saber o que está sendo feito para diminuir o problema. Gostaria de
também me juntar à Sônia Fleury, como conselheira do Conselho Nacional de Saúde há muitos
anos. Foram retirados R$ 1,2 bilhão da Saúde, que já estava com pouco dinheiro, para o Programa
Bolsa Família, que é um ganho social, mas não pode ser feito com a verba dos hospitais e dos
medicamentos, que já estão em falta. Muito obrigada.

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Ministro Jaques Wagner: Muito obrigado, conselheira Zilda Arns. Conselheiro Oded
Grajew.

Conselheiro Oded Grajew: Bom dia, Ministro Jaques Wagner, Ministro Celso Amorim,
conselheiras, conselheiros. Parabéns, Ministro Celso Amorim, pelo o seu trabalho. Eu gostaria de
fazer duas sugestões. No comércio internacional, uma das vulnerabilidades que temos é o grau de
risco a que o setor empresarial muitas vezes se expõe por causa da irresponsabilidade social. O
senhor sabe que para ingressar nos mercados é necessário ter determinadas condições ambientais
e sociais, que as empresas e os setores têm que preencher. E quanto mais entramos em
determinados mercados, mas ainda somos observados. O caso recente da carne, o senhor se
lembra, está sendo atribuído em vários países à existência de trabalho escravo na produção de
carne. Inclusive, no Pacto Contra o Trabalho Escravo, assinado por vários setores empresariais,
inclusive aqui no Conselho, um dos setores que se mostrou mais resistente foi o setor exportador
de carne. Tanto é que essa questão está sendo hoje explorada por vários jornais internacionais, por
várias organizações, que dizem que a nossa carne é de baixa qualidade por causa da existência do
trabalho escravo. Isso está rendendo uma vulnerabilidade para vários setores na questão ambiental
e na questão social. Na Inglaterra, o Ministério do Comércio e Indústria tem uma área da promoção
da responsabilidade social empresarial porque se provou que quanto mais socialmente responsável
a economia é, mais competitiva ela é. Tanto que em São Paulo está sendo lançado na Bovespa um
índice de sustentabilidade, à semelhança da Bolsa de Nova York e da Inglaterra, como atração para
os investidores, porque quanto mais socialmente responsável for a empresa mais lucrativa e mais
segura ela é. Então, uma sugestão é a promoção da responsabilidade social na nossa economia,
especialmente, àquela ligada ao setor exportador.
E, em segundo lugar, uma outra sugestão é ir na direção da consolidação da Comunidade
Sul-americana, a exemplo do que aconteceu e acontece na Europa, onde a criação do Parlamento
Europeu foi fundamental para a consolidação da União Européia. É importante que se avance na
direção da criação do Parlamento Sul-americano, mas não um parlamento que se reúna de vez em
quando, nós temos hoje o Palatino, mas um órgão à semelhança da União Européia, onde se
elegem os representantes. É uma instância legislativa e ao mesmo tempo executiva. E o Brasil
poderia liderar esse processo. O Ministério das Relações Exteriores e o Parlamento Brasileiro
poderiam convocar os parlamentos da América do Sul para pensar numa Carta, uma Constituição e
na formatação do Parlamento Sul-americano. Muito obrigado.

Ministro Jaques Wagner: Conselheiro Laerte Costa.

Conselheiro Laerte Costa: Ministro, a diplomacia brasileira sempre foi tida como
eficiente. Tanto internacionalmente como nacionalmente. É, talvez, uma das instâncias de governo
que tem os seus próprios conceitos, originários ainda do Brasil colônia, antes do país ter um sentido
de Estado ou de Nação. A diplomacia abrigou tradicionalmente as mais brilhantes inteligências
nacionais. No passado, principalmente poetas e escritores. Valorizou historicamente as carreiras
funcionais e as nomeações de caráter político, pode-se dizer, foram episódicas ou ocasionais. Se
nós considerarmos como marco a chegada da Família Real no Brasil, podemos dizer que a
diplomacia brasileira tem cerca de 200 anos. Eu pergunto ao senhor: não caberia, neste momento,
dar uma olhada para o Itamaraty e prepará-lo para as décadas vindouras? Gostaria de saber se
tem sido feito algo nesse sentido, sobretudo em relação aos novos conceitos de diplomacia que,
nas últimas décadas, evoluiu muito, especialmente em direção às trocas comerciais. Perguntaria
ainda se o Itamaraty teria capacidade, por exemplo, para construir cenários. Por exemplo, vejo a
discussão da ALCA e a sinto muito mais no sentido político e não no pragmático. O Brasil tem
condições de construir esses novos cenários de futuro e reagir a eles? Por último, gostaria de dizer
que em função dessas circunstâncias todas, nós temos sentido a falta de uma escola de relações
internacionais, pública, onde se conheça os costumes, as leis, produtos e carências de
determinados países. Resumindo tudo, o que o Itamaraty está fazendo para enfrentar o futuro?

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Ministro Jaques Wagner: Obrigado, conselheiro. Conselheiro Luís Otávio Gomes.

Conselheiro Luís Otávio Gomes: Bom dia ministro Jaques Wagner, bom dia ministro
Celso Amorim. Em primeiro lugar, parabéns pela bela exposição com relação à questão
internacional brasileira. Eu presido uma entidade internacional, a Associação Ibero Americana de
Câmaras de Comércio, e tenho andado um pouco pelo mundo, principalmente pela Ibero América.
Tive a oportunidade de discutir com quatro presidentes de república, do México, da Colômbia, da
Guatemala e do Uruguai, cinco questões fundamentais não só para a Ibero América, mas
principalmente para a América Latina e, infelizmente, o nosso país é quase que campeão em todos
os itens, que são: pirataria, informalidade, contrabando, taxas de juros e carga tributária. Nessa
discussão toda que tivemos, sempre vimos o seguinte: boa referência com relação ao Brasil,
principalmente com relação a sua política externa. Tudo que o senhor vem fazendo na liderança do
Itamaraty realmente nos deixa muito satisfeitos e o mesmo se dá quando o assunto é a presença
do Presidente Lula pelo mundo. Eu fiz toda essa explanação, para dizer o seguinte: que essa boa
impressão que existe lá fora não é essa mesma impressão que temos aqui. Eu vejo uma dicotomia
com relação a esse assunto e, portanto, pergunto o seguinte: de tanto ler na imprensa brasileira
que a política externa brasileira não está seguindo o rumo certo, que a política externa brasileira
tem sido até juvenil em alguns momentos, principalmente com relação ao Brasil querer ser tudo,
como no caso da OMC, como no caso do BID – tem até aquela brincadeira do Presidente Kirchner
que disse que o problema do Brasil era que até o Papa ele queria eleger -, existe uma má vontade
dos especialistas no assunto em relação à política externa que é adotada pelo Presidente Lula?

Ministro Jaques Wagner: Bom, só tem mais um conselheiro inscrito, o Gustavo Marin
Garat.

Conselheiro Gustavo Marin Garat: Ministro Wagner, Ministro Celso Amorim, parabéns
pela apresentação. Eu queria fazer dois testemunhos. Primeiro, um veiculado ao tema do Haiti, que
foi mencionado. O grupo financeiro que eu presido deve ser um dos poucos que tem presença ativa
no Haiti. Há mais de 40 anos nosso banco é haitiano, entrosado na sociedade. Outro dia um
membro me falou do trabalho fundamental que tem feito a Força de Paz liderada pelo Brasil para
restabelecer a paz e ordem no Haiti, afirmando que a Força tinha impacto, claramente, entre as
pessoas que menos podem se defender. E que isso tem sido fundamental para dar alguma
esperança a esse país que tanto precisa da solidariedade internacional. Então, os próprios haitianos
reconhecem, independente do que digam setores do próprios haitianos, o grande trabalho feito
pela Força de Paz brasileira.
Também queria dar o reconhecimento, por também estar presente em todos os países da
América Latina, do sucesso da política do Itamaraty de apoiar as empresas. Nós temos
acompanhado os grupos brasileiros se expandindo pela região, vendo a agressividade que eles
estão tendo, ganhando espaço, ganhando mercado. Também destaco o bom trabalho em conjunto
com o BNDES, apoiando esses grupos brasileiros que estão se expandindo na região, desde
Venezuela, Colômbia, Argentina, Peru e ressalto que ainda tem muito espaço para ser ganho.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado, Gustavo. Ministro Celso Amorim.

Ministro Celso Amorim: Foram feitas muitas colocações e muito diversas. Com relação a
Hong Kong, OMC e barganhas industriais agrícolas. Nós temos escutado muito todos os setores, o
setor industrial entre eles. Obviamente, numa sociedade as coisas são complexas, mas eu queria
dizer o seguinte: o único aceno que fizemos na área industrial, baseado na hipótese de que se
concretize uma oferta positiva de parte da União Européia e Estados Unidos no que diz respeito a
acessos a mercados e subsídios, é uma oferta significativa, porque representa um avanço com
relação ao nível das tarifas consolidadas hoje. Mas considerando-se as tarifas efetivamente
aplicadas, a nossa tarifa média é hoje 10,9%, 10,8%. Iria com a nossa oferta para 9,9%. Então, a
diferença não é tão grande. Haveria uma diferença maior na tarifa máxima, isso poderia afetar

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setores específicos. Mas para isso podemos nos valer das flexibilidades que estão previstas e pelas
quais lutaremos até o fim no acordo da OMC. De tal modo que possamos ter aqueles setores que
sejam mais sensíveis, e para os quais se justifique uma proteção maior, excluídos da redução
média que estaríamos aplicando aos outros produtos. Aqui foram mencionadas outras propostas
que foram ventiladas, mas essa não é a posição negociadora do Brasil. Nós estamos colocando
como parâmetro da nossa proposta que não é possível que a redução pedida em produtos
industriais para países em desenvolvimento seja maior do que a redução oferecida para produtos
agrícolas em países desenvolvidos. Por quê? Porque isso cria um duplo desequilíbrio, é uma dupla
injustiça. Essa rodada tem dois objetivos básicos, que são no fundo relacionados também. Um é
diminuir o hiato entre desenvolvidos e países em desenvolvimento, tanto que ela se chama rodada
do desenvolvimento. E outra, diminuir o hiato entre agricultura e indústria, porque a indústria já se
abriu muito mais, inclusive a nossa. Levando em conta, inclusive, que o nosso setor industrial
emprega aproximadamente 35% da população, enquanto que a agricultura nos países capitalistas
avançados emprega 2% da população. Mesmo na hipótese extrema que todos os 2% tivessem que
sair da agricultura, eles teriam 2% de desempregados, o que é muito diferente do efeito que pode
ter na indústria. Então, esses cuidados estão sendo tomados e eu acho que quando levamos em
conta não só as tarifas consolidadas, mas as efetivamente aplicadas (e hoje em dia tem uma certa
rigidez, porque elas são tarifas do Mercosul), eu acho que a nossa oferta é significativa, mas ela se
mantém nos níveis do razoável. Eu fui outro dia a um programa de televisão em que estava um
representante da área agrícola que achava que deveríamos abrir muito mais na área industrial e
com isso tentar forçar os europeus a abrirem mais na área agrícola, coisa que eu acho que não
ocorreria, nesse momento pelo menos. E ouvi a opinião contrária da indústria, é natural isso. São
tensões internas e eu acho que temos no governo órgãos como a CAMEX, além das reuniões para
ministeriais, onde procuramos ouvir a opinião de todos e fazer a média que seja mais conveniente
para o País.
Eu queria aproveitar para falar também da questão do trabalhador, dos direitos dos
trabalhadores. Eu acho que isso é muito importante. Eu só acho que a única coisa que seria errada,
mas não está em discussão no momento, é transferir isso para a OMC, porque isso seria dar a um
país determinado, seja os Estados Unidos ou a União Européia, o poder de retaliar quando bem
entendesse algum setor brasileiro por achar que teria havido algum descumprimento de norma
internacional. Ora, isso é particularmente absurdo quando se sabe que o país que mais defendeu
isso, os Estados Unidos, assinou pouquíssimas convenções da OIT, e o Brasil assinou sete das oito
convenções fundamentais. Temos que zelar por isso. E eu digo temos que zelar por isso porque eu
concordo plenamente com o que foi dito pelo conselheiro João Felício e por outro representante
também da área sindical. Porque se analisarmos historicamente, nenhum país se desenvolveu na
base do salário baixo e na base das más condições de trabalho. Isso pode até ter acontecido no
início, na chamada acumulação primitiva, mas depois dados mostram que uma das razões para a
deterioração dos termos de troca dos nossos produtos era a má remuneração e a má organização
dos nossos trabalhadores. Até do ponto de vista comercial é um contra-senso você não defender
uma melhora das condições de trabalho. Acho que temos que defender essa melhora nas condições
de trabalho. Não faz sentido abrir a possibilidade de a OMC nos dizer, e através de retaliação
comercial, aquilo que temos a obrigação de fazer, mas que depende fundamentalmente de uma
evolução da sociedade brasileira. Quando se fala de questões tipo trabalho forçado ou escravo ou
trabalho infantil, temos que olhar a impunidade. Esse é o problema mais sério. Muitas das coisas
que são mencionadas aqui, e que tem a ver com fiscalização, com polícia, com saúde, tudo isso se
refere a custeio. E eu ouço muitas vezes que a questão é gastar bem em custeio. A idéia de que
custeio é necessariamente uma coisa ruim é totalmente errada. Estado é investimento, mas
também é muito custeio. E se adotarmos uma ideologia pela qual tudo que é custeio pela máquina
do Estado é uma coisa negativa, evidentemente, vamos destruir a possibilidade de fiscalizar se tem
febre aftosa, se tem trabalho forçado e vamos destruir uma série de outras coisas, como a própria
ação diplomática, porque ela também depende de custeio. Se olharmos gastos com passagens,
veremos que são altos, mas foi preciso, e ainda é, gastar, senão o Brasil não teria a posição que
tem hoje.

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Alguém mencionou algo sobre a mídia internacional e a mídia nacional. Eu não gosto de
ufanismo, mas já que mencionaram, eu vou falar: nunca vi na minha vida diplomática uma frase de
um ministro de Relações Exteriores ser usada para começar um editorial do New York Times, de
maneira positiva. Negativa até poderia ter visto, de maneira positiva, nunca. Isso é uma projeção
que o Brasil conseguiu graças a uma união interna e graças à decisão de assumir plenamente o seu
papel nas relações internacionais. Acho que alguém havia mencionado essa diferença, mas eu acho
que é natural também porque é papel da mídia criticar e é nosso papel encontrar as soluções. E
isso é algo que não estamos explicando bem, é preciso explicar melhor.
Sobre o parlamento sul-americano, estamos totalmente de acordo. Nós hoje temos um
pouco do que em francês chamam de embaraço de escolha. Como a integração na América do Sul
está caminhando muito rapidamente em vários níveis ao mesmo tempo, como já vínhamos
evoluindo em vários níveis ao mesmo tempo e como vínhamos evoluindo no Parlamento do
Mercosul, talvez tenhamos que avaliar como avançaremos em um e estenderemos em outro. Eu
concordo que temos que ter um parlamento que seja verdadeiramente operacional, e creio até que
seja mais fácil no âmbito da América do Sul do que no âmbito estrito do Mercosul porque os
desequilíbrios, que são uma das razões que impedem o avanço, talvez desapareçam ou diminuam.
Além disso, na América do Sul o Brasil continua a ser muito importante, mas evidentemente, o peso
relativo é menor do que só no Mercosul. Eu não sei se vamos criar o parlamento do Mercosul antes
ou depois de estendê-lo ou se vamos fundir depois o parlamento do Mercosul e da Comunidade
Andina, mas concordo plenamente que o Parlatino é muito útil. Nós queremos um parlamento que
tenha representatividade efetiva.
Fico muito feliz com a referência ao Haiti, algo de que nos orgulhamos pelo gesto de
coragem e ousadia do Presidente Lula com sua política externa, e que tem dado resultado. Hoje em
dia sempre surge uma dificuldade ou uma denúncia porque é natural, isso ocorre numa ação
policial dentro do país. Eu estive três vezes no Haiti. Eu não sei se antes algum ministro do exterior
esteve no Haiti. A primeira vez com o Presidente Lula e depois fui outras duas vezes. E o que eu
noto de todas as forças políticas, inclusive as mais de esquerda, é que a situação de segurança
melhorou. As eleições provavelmente não serão as ideais, mas serão as melhores que jamais foram
realizadas no Haiti. Então é isso, o perfeito é inimigo do bom, mas estamos caminhando.
O Brasil deve ter hoje uns dez ou doze projetos de cooperação técnica, apóia também
ações como a Pastoral da Criança, o Viva Rio, enfim, nos valemos de todos aqueles instrumentos
que a sociedade civil oferece. Temos motivado a Comunidade Internacional a colocar mais euros
também no Haiti.
A questão da fronteira Venezuela – Brasil. Voltamos ao problema do custeio. Nós temos
uma antiga, tradicional e muito atuante imposição de limites com a Venezuela e temos um trabalho
de demarcação de fronteiras no Itamaraty, em geral feito por militares, e assessorado por
diplomatas. Nós temos procurado dar o máximo de assistência a brasileiros em todas essas
situações e que muitas vezes tem a ver com a demarcação - às vezes até transcendem a questão
da demarcação. Por exemplo, hoje em dia há grandes comunidades brasileiras no Suriname, na
Guiana, na Venezuela, na Guiana Francesa e temos ampliado a nossa rede consular. E em todas
essas coisas esbarramos naquelas dificuldades que não são únicas do nosso ministério, mas
procuramos nos desdobrar dentro do que podemos, mas repito que hoje estamos tentando
recuperar a nossa rede consular.
Nós falamos sempre muito de comércio e comércio é muito importante, é um instrumento
de desenvolvimento, mas a política externa vai muito além disso. A política externa é também a
personalidade da nação, do país no plano internacional. A sua capacidade de tomar decisões
internacionais. O que estamos procurando fazer no Haiti é uma coisa nova: é tirar o Haiti daquele
ciclo em que havia intervenções eventuais, inspiradas pelos Estados Unidos ou por outra grande
potência, como a França, que depois abandonavam o país e este voltava às suas condições
anteriores. Na Venezuela agimos da maneira que todos conhecem, com um grupo de amigos
garantindo uma solução que foi constitucional, eleitoral e democrática. As pessoas não gostarem do
resultado é outro problema, mas ele foi democrático, pelo voto. E isso tem que ser defendido. Da
mesma forma temos procurado ajudar na Bolívia, no Equador.

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A respeito do Conselho de Segurança, eu queria dizer uma palavra. A reforma do Conselho
de Segurança não é uma aspiração do Brasil, que deseja mais prestígio no cenário internacional. A
reforma do Conselho de Segurança é uma necessidade das Nações Unidas e é hoje reconhecida por
todos. E nós chegaremos lá. Não sei se será no curto ou médio prazo mas chegaremos lá. Muito
obrigado.

Ministro Jaques Wagner: Bom dia, Presidente. Nós estamos perto de concluir, mas
queria aproveitar a sua presença e pedir ao Ministro Furlan, apesar da pauta hoje ser política
externa, que fale um pouco a respeito dos números da balança comercial.

Ministro Luis Fernando Furlan: Primeiramente, eu queria fazer um comentário que


concordo com aqueles que fazem uma reflexão que o Brasil vive hoje uma situação paradoxal. Um
exemplo disso é o comércio exterior. Nós saímos de uma média mensal de 5 bilhões em 2002 para
um pouco mais de 6 bilhões mensais em 2003. Demos um salto para 8 bilhões mensais em 2004, e
estamos caminhando para uma média mensal de 10 bilhões em 2005. Se for seguir essa seqüência,
nós certamente chegaremos rápido aos 150 bilhões, que é o horizonte que o Presidente Lula nos
deu. Ocorre que esse crescimento acontece numa situação bastante estranha, que aqui já foi
mencionado durante a manhã. Nós somos o país que tem o custo financeiro mais alto do mundo e
que tem o câmbio mais valorizado em relação a qualquer país do mundo, inclusive a zona do Euro,
Estados Unidos, Inglaterra e outros. Eu acho que esse paradoxo que passa pela cabeça de todo o
setor produtivo e lembra um pouco um ditado do sul que diz “dia de muito, véspera de pouco”. Nós
estamos num dia de muito, o emprego mostra isso, o crescimento, a economia, as exportações.
Apesar do índice divulgado ontem, tem razão o Ministro Palocci de dizer que talvez sejam um ponto
fora da curva. Mas, certamente, é também um ponto fora da curva a taxa de câmbio do Brasil e a
taxa de juros. Para quem lê a última página da Revista The Economist, e a segunda página do
caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo, vê uma tabela que mostra uma curva e permite enxergar a
posição brasileira.
Bom, finalizando, como disse o Wagner, boas notícias. Esse é o paradoxo, boas notícias.
Nós tivemos em novembro a melhor média diária de exportação da história do Brasil, 539,5 milhões
por dia. E tivemos também a melhor média diária de importações da história do Brasil, com 353
milhões por dia. Como é possível isso? Vocês têm que explicar porque vocês são os produtores, os
exportadores e o saldo comercial do mês foi o terceiro maior saldo mensal da história,
ultrapassando mais uma vez, 4 bilhões de dólares. Isso nos coloca numa situação de 40 bilhões e
400 milhões de dólares de saldo acumulado em 11 meses, o que nos dá um saldo acumulado de 12
meses, portanto acumulando com dezembro do ano passado, 43.940. Em exportações acumuladas
em 11 meses o valor é de 107.412 , e em 12 meses, 116,06, portanto, estamos nos aproximando
fortemente da meta anual que é de 117. São números que eu deixo para reflexão porque eles
mostram concretamente a situação que vive o setor produtivo hoje, onde os balanços mostram
números consistentes. O investimento do ano mostra números consistentes para o setor de
máquinas, equipamentos. As importações de bens de capital, financiamentos bancários, todos
indicam positivamente o que passou nesse ano. Mas existe um componente psicológico na cabeça
de cada um dos que estão aqui sobre o que acontecerá no ano que vem. Quase como o caso do
Corinthians, cujo campeonato desse ano está ganho, agora o nosso desafio, como diz Presidente, é
o campeonato de 2006. Obrigado.

Ministro Jaques Wagner: Obrigado, Ministro Furlan pelas suas colocações. Antes de
passar a palavra ao Presidente Luís Inácio, eu quero fazer algumas lembranças, já que o Presidente
fará a fala de encerramento.
Eu quero dizer que o Estado brasileiro, por meio de minha pessoa, assumiu a Presidência
da RIAD - Rede Interamericana de Descentralização e Desenvolvimento, que é uma rede dentro da
OEA (Organização dos Estados Americanos) constituída, portanto, por todos os países da
Organização. E como a presidência é rotativa, a partir desse ano, nós a assumiremos. Eu acho que
alguns dos fatores que pesaram nesta escolha do Brasil são trabalhos que vêm sendo realizados no

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País, como os diálogos locais e o trabalho de aumento do poder local, empreendido pelo Ministério
da Integração Nacional, capitaneado pelo Ministro Ciro Gomes e que foi concebido pela nossa
conselheira Tânia Bacellar.
Eu chamo a atenção para o fato de estarmos enfrentando momentos de instabilidade
política, algo que acontece também em outros países, mas nos faz enxergar que as instituições
brasileiras estão cada vez mais sólidas. Para mim este é o fato mais importante e que é a ponta de
um processo de superação. Não há caminhada sem turbulência, sem tropeço. É preciso,
evidentemente, inteligência para medir os resultados e redirecionar a caminhada.
Na minha opinião a escolha deste tema, política externa, para a última reunião plenária do
ano é extremamente positiva porque nos mostrou também um pouco do olhar externo sobre o
Brasil. E este olhar tem sido extremamente positivo, o que é fruto de um trabalho de política
externa que vem sendo desenvolvido com determinação pelo Ministro Celso Amorim, sob a
orientação do Presidente da República.
Queria aproveitar o tempo para lembrar aos conselheiros que teremos um GT de Avaliação,
que deverá trabalhar de dezembro deste ano a março de 2006. Alguns conselheiros já se
inscreveram, mas eu gostaria de ressaltar a importância destes trabalhos feitos em grupos
menores, em que cada conselheiro tem mais tempo para falar. A intenção é fazer uma avaliação do
trabalho do CDES nos últimos três anos, sob uma perspectiva de adensamento institucional.
Nós ficamos devendo a Conferência do Desenvolvimento. Isso foi dialogado com um grupo
de conselheiros, mas neste segundo semestre uma série de assuntos urgentes acabaram
atropelando as nossas prioridades. Mas está mantido o compromisso de realizar um seminário
sobre desenvolvimento em março de 2006.
Por fim, eu lembro que no dia 19 de janeiro, estaremos organizando em Brasília uma Mesa-
Redonda internacional sobre a questão dos objetivos do milênio sob a perspectiva educacional. Eu
acho que esse evento chega em boa hora, quando os dados da PNAD ainda estão recentes e
mostram que conseguimos antecipar algumas metas e avançar em algumas outras. No momento
oportuno vocês receberão todas as informações a respeito do evento.
Desejo a todos os conselheiros e conselheiras um feliz natal, que espero que seja muito
pungente para compensar os números do terceiro trimestre e dizer que eu tenho convicção de que
2006, por tudo que estamos construindo, será um ano melhor para o Brasil, especialmente para os
brasileiros que conseguimos tirar da linha da pobreza, aproximadamente 3 milhões esse ano. É
claro que esta não é uma obra unicamente do governo, e conta com trabalhos importantes como o
da Pastoral da Criança, dos sindicatos, das entidades do empresariado, dos programas de
responsabilidade social e das empresas. Mas eu tenho convicção que o Bolsa Família tem uma
parcela importante nessa trajetória. A geração de empregos, sem dúvida nenhuma, também deve
ter sua parcela de responsabilidade por esses indicadores que mudaram.
Quero, ainda, pedir desculpas a algum conselheiro ou conselheira que eventualmente não
tenha sido atendido plenamente, apesar da dedicação de nossa equipe. Eu confesso que o
Presidente Lula me convocou para uma tarefa que tem tomado um pouco de tempo, mas a
dedicação e o carinho ao Conselho continuam os mesmos, porque esse é um exemplo de
amadurecimento da democracia brasileira.
Espero que em 2006 o Conselho continue contrapondo idéias com o objetivo de construir
um Brasil melhor. Eu acho que a interação entre esse mosaico tão rico da sociedade brasileira, sem
dúvida nenhuma, vai deixando cada um de nós cada vez mais rico interiormente. Essa é uma outra
contribuição que o Conselho dá para todos nós.
Com a palavra o Presidente Luís Inácio Lula da Silva.

"Carta Conselheira "Discurso PR 15º "Paulo Skaff Texto


Sônia Fleury.pdf" Pleno - 01.12.2005.pdf"
para Circulação.pdf"

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