Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ricardo DF - O Camp e o Lindo No Cinema Queer Brasileiro Contemporâneo - 2015
Ricardo DF - O Camp e o Lindo No Cinema Queer Brasileiro Contemporâneo - 2015
Resumo: O seguinte artigo almeja analisar as novas configurações estéticas do cinema queer
brasileiro que vêm se destacando por fugir ao realismo da filmografia mundial contemporânea.
Serão analisados quatro filmes, “Estudo em Vermelho” (Chico Lacerda, 2013); “Doce
Amianto” (Guto Parente, 2013), “Batguano” (Tavinho Teixeira, 2014) e “A Seita” (André
Antônio, 2015). Dedicaremos uma maior atenção ao último por vermos nele a interseção dos
conceitos explanados ao longo do artigo como possíveis chaves de leitura dos elementos
estéticos e narrativos presentes nesses filmes, a saber: o camp, o lindo e a superficialidade. A
hipótese aqui levantada é de que ler esses elementos estéticos como novas possibilidades
políticas queer, indo de encontro ao assimilacionismo e normatização através da estetização e
da ludicidade.
Abstract: This paper aims to analyze Brazilian’s queer cinema new aesthetics, which are on the
spotlight for denying the hegemonic realism predominant in contemporary cinema. Four films
will be analyzed in this article: “Estudo em Vermelho” (Chico Lacerda, 2013); “Doce
Amianto” (Guto Parente, 2013), “Batguano” (Tavinho Teixeira, 2014) and “A Seita” (André
Antônio, 2015). A more focused view is going to be given to the last one, since it is seen as a
natural intersection between the aesthetics and narratives concepts discussed in this paper:
camp, pretty and superficiality. These elements are going to be portraited as new queer’s
political possibilities that contest politics of assimilationism through aestheticism and
playfulness.
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Introdução
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
novo caminho estético, sendo ponto de encontro de discussões presentes ao longo do artigo.
Tal como o paradoxo levantado pelo dândi e sua simulação de atitudes aristocráticas, essa
filmografia preocupada com o estilo pode ser considerada subversiva e política? A hipótese
que defendemos é que esses filmes, utilizando-se de elementos muitas vezes considerados
fúteis, subvertem e criticam a interpretação compulsiva da obra artística e do utilitarismo
exigido da arte de forma muito mais ambivalente através do camp , do lindo e da
superficialidade.
O queer e o lindo
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
“Doce Amianto” em relação a esse escape do real através de uma estética artificial e camp
, ainda que de forma mais contida que o anterior. O filme deixa entrever essa tensão entre o
real e o artificial nas cenas em que os protagonistas (versões de meia-idade dos
super-heróis americanos Batman e Robin) passeiam no seu carro enquanto são projetadas,
ao fundo, imagens fora de sincronia com o automóvel. Essas remetem às técnicas de filmes
clássicos que filmavam os personagens dirigindo e inseriam o cenário posteriormente, o
que, muitas vezes, acarretava em uma artificialidade não planejada, uma vez que tais filmes
almejavam uma estética realista. Já em “Batguano” esse efeito de estranhamento é
claramente proposital, até mesmo chegando a mostrar o equipamento da projeção: o carro
fixo e a tela da projeção ao fundo.
Imagens 1 e 2: "Batguano"
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Eles são unidos por um estilo comum (...). Há traços em todos esses
filmes de apropriação, pastiche e de ironia (...). Definitivamente
rompendo com abordagens humanistas antigas e com os filmes e fitas que
acompanhavam políticas da identidade, essas obras são irreverentes,
enérgicas, alternadamente minimalistas e excessivas. Acima de tudo, elas
são cheias de prazer. Elas estão aqui, elas são queer. (RITCH, 2015: 20)
Podemos ver que os dois autores vêem certos traços estéticos nesses filmes de
períodos tão distintos que possuem certa conexão entre si, como a irreverência e a energia. O
que poderia então conectar os filmes do “New Queer Cinema” com o profícuo cinema queer
nacional que vem surgindo nos últimos anos, se é que existem elementos de conexão? De onde
vêm essas novas estéticas dissonantes, que utilizam do artifício, da afetação, do pop e do camp
como forma de sacudir o realismo dominante no audiovisual contemporâneo? Embora tenham
contextos históricos bastante diferentes (Estados Unidos da década de 1990 e Brasil da década de
2010), podemos tirar desse entrelaçamento histórico e estético alguns diálogos frutíferos.
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
até então criticados pela militância, mas que ganham força com os estudos queers e os novos
grupos ativistas influenciados por eles, como o ACT UP e o Queer Nation. É nesse período de
agitação política e social, com a disseminação alarmante do vírus HIV, espalhando ainda mais o
preconceito contra os “dissidentes sexuais” e gerando uma censura ao sexo não-heterossexual e
reprodutivo, que “aos grupos ativistas queer , que já se utilizavam do deboche camp como
estratégia de luta, juntou-se um grande número de artistas, que aderiram às expressões mais
radicais do estilo, com vistas a uma arte eminentemente política” (LACERDA, 2011: 11). Assim,
as características atribuídas pejorativamente aos homossexuais, como o exagero, a frivolidade e a
afetação, até então retraídas e condenadas pela militância, tornam-se elementos estéticos políticos
de autoafirmação e ganham força nos movimentos artísticos, concomitante com o surgimento do
novo campo de estudos queer.
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
por Moreno, o filme onde podemos ver o surgimento uma nova forma de representação queer no
Brasil, ao politizar “a homossexualidade e o cross-dressing, incorporando questões de classe,
etnia, condição periférica, sem aderir a narrativas hollywoodianas nem a hetero e
homonormatividades” (Lopes, 2015: 126) e ao ter um protagonista que “não é exemplar, nem
uma imagem positiva nem negativa. Sua complexidade não é tanto psicológica mas feita pelo
jogo de imagens e pelo corpo, pela superfície da pele.” (LOPES, 2015: 127).
Mesmo que outros filmes anteriores como “A República dos Assassinos” (Miguel
Faria Jr) e “Anjos da Noite” (Wilson Barros, 1987) já tragam o camp, o artifício a afetação, é
com o filme de Aïnouz que esses elementos tornam-se potências de mudança, pois impulsionam
a transformação do próprio personagem: suas relações com o palco, suas performances de
cross-dresser e sua inspiração das divas americanas são o que o leva a transformar-se em algo
para além de sua realidade subalterna, o transformam no personagem-mito que dá título ao filme
e marcou a história da boêmia carioca. “Assumir o nome num desfile de Carnaval, no fim do
filme, é um gesto de afirmação de uma identidade pela máscara, pelo jogo constante na vida e no
palco” (LOPES, 2015: 127). Embora o filme tenha uma estética predominantemente realista, que
apenas dá espaço à afetação nas cenas onde o protagonista performa seus espetáculos, coberto de
ornamentos, roupas coloridas e maquiagem carregada, é nele que vemos primeiramente o uso do
camp, do artifício e do lindo como agentes que podem romper a realidade e o realismo, chave
para uma leitura da estética dos filmes discutidos no artigo. Por sua utilização desses elementos
de forma política como agentes de ruptura e mudança, o filme de Aïnouz noa mostra sua
importante contribuição para o cinema queer brasileiro contemporâneo. Em “Madame Satã” essa
mudança dá-se dentro de sua narrativa e diegese ao transformar, literalmente, o personagem em
sua nova persona, já nos filmes contemporâneo, discutidos nesse artigo, a estética camp e o
artifício marcam também a própria estética.
Podemos traçar algumas linhas que conectam essa estética camp com movimentos
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
artísticos como “o Barroco (...) e estilos próximos, como o Maneirismo, o Rococó, o Preciosismo
e, por extensão, o Neo-Barroco e (...) o art nouveau” (LOPES, 2002: 73-74), onde o exagero e o
artifício são valorizados em detrimento da sobriedade e naturalismo. Também possui relações
estreitas com o dandismo do século XIX, e a presença constante dessa figura emblemática em
vários estudos [4] sobre o camp reforça esses laços. Os dândis iam de encontro aos ideias
burgueses predominantes da sua época ao emularem comportamentos aristocráticos, ao não
seguir os ideias da modernidade de praticidade em detrimento da estética, transformando, assim,
“seu modo de vida numa espécie de paradigma estético, (...) a possibilidade de uma nova forma
de vida, uma nova maneira de se relacionar com o mundo.” (BARBOSA, 2015: 4). Ao focarem
em atividades consideradas contra-produtivas pelo pensamento capitalista e no elogio do frívolo
e da superficialidade, “o dândi põe em cheque o que é sério e o que é irrelevante, embaralha o
que é considerado produtivo e inútil pela ordem econômica e social” (BARBOSA, 2015: 5). É
através dessa “estética da existência” dândi, cujo objetivo era a “elaboração de sua própria vida
como uma obra de arte pessoal” (FOUCAULT, 2006: 290), vista no elogio da superficialidade e
da frivolidade e na busca de um comportamento aristocrático, que podemos fazer uma conexão
entre o dândismo e a estética camp, pois essa segunda “redimensiona o espaço público através do
ludismo das massas, do gosto pela fantasia no cotidiano e da valorização da beleza; nesse
sentido, é um dos herdeiros de uma atitude aristocrática na sociedade de massas.” (LOPES,2002:
70).
É com essa vasta bagagem de referências e precedentes históricos que o camp “sai
do armário” nas discussões acadêmicas através do texto canônico de Susan Sontag, “Notes on
Camp”, cuja ideia diferencial e instigante é a de colocar o camp dentro da esfera do esteticismo.
A autora o define como “uma maneira de ver o mundo como um fenômeno estético. Essa
maneira, a maneira do Camp , não se refere à beleza, mas ao grau de artifício, de estilização.”
(SONTAG, 1964: 2). A autora vê no elogio da artificialidade e do exagero a marca mais
definitiva desse esteticismo ao afirmar que a “essência do camp é sua predileção pelo inatural:
pelo artifício e pelo exagero.” (SONTAG, 1964: 1) e que “todos os objetos e pessoas camp
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
contêm um grande componente de artifício.” (SONTAG, 1964: 3), estabelecendo assim a forte
conexão entre o camp e o artifício. Embora levante vários pontos que hoje são considerados
canônicos, algumas das ideias que Sontag defende nesse texto foram bastante debatidas e
criticadas posteriormente, especialmente pelos estudos queer surgidos com o pós-estruturalismo,
muitos dos quais começaram a discutir a estética camp dentro da esfera queer.
Embora Sontag ressalte brevemente o camp como uma “espécie de código pessoal”
(SONTAG, 1964: 1) e menciona sua ligação com os homossexuais, ao escrever que eles foram
sua vanguarda, a autora também ressalta que “o gosto camp é muito mais do que gosto
homossexual.” (SONTAG, 1964: 12). É com teóricos como Richard Dyer que as fortes ligações
da estética camp com a cultura homossexual começam a ser motivos de preocupação e pesquisa.
Ao contrário de Sontag, Dyer foca nessa conexão entre o camp e o homossexual em um dos seus
ensaios mais conhecidos, ressaltando essa ligação desde o título do texto (It’s Being So Camp as
Keeps us Going). O autor defende uma ideia política do camp bastante divergente da levantada
por Sontag, pois onde essa afirma que “a sensibilidade Camp é descompromissada e
despolitizada — pelo menos apolítica” (SONTAG, 1964: 2), Dyer vê um forte potencial
progressista na estética camp, e embora ressalte que “nem todo camp seja em fato progressista”
(DYER, 2002:60), logo em seguida afirma que “ainda assim ele tem o potencial de sê-lo”.
(DYER, 2002:60). O autor também define esse potencial político e progressista do camp
posteriormente, ao argumentar que:
Essa ideia discutida por Richard Dyer é um importante ponto de partida para se
discutir as estratégicas estéticas desses novos filmes queer experimentais que vemos surgindo no
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Dyer sugere essa relação ao se indagar o porquê de uma estética fortemente ligada à
cultura gay seja definida pelo artifício e então, afirma "que os gays são extremamente adaptáveis
, ou seja, nós tendemos a achar fácil nos encaixarmos em qualquer ocupação ou círculo de
pessoas” (DYER, 2002: 59). Nessa constante “atuação”, os gays vivem em um constante jogo de
máscaras, de constantes devires e num limiar eterno entre o ocultar e o revelar. Assim, por seu
papel como “atores sociais” constantes, os homossexuais teriam desenvolvido uma percepção
apurada sobre os códigos sociais e sua artificialidade, pois “as possibilidades do jogo que
vivificam a subjetividade pelo uso de máscaras reside na compreensão da natureza imagética da
sociedade atual” (LOPES, 2002: 49).
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Esse traçado do camp e do artifício, que perpassa por movimentos artísticos tão
diversos, constantemente ressalta esse embate que almeja a não sedimentação da arte em um
conceito binário de realidade e artifício. Essa abertura e diálogo entre os limites do real acabam
por suscitar dúvidas sobre o conceito ontológico de realidade, expondo a sua construção como
calcada em interesses sociais e políticos e também excludente ao contrapor a realidade com o
artifício, a afetação, o exagero e a frivolidade e assim julgar a primeira como modelo a ser
alcançado e os outros conotações negativas, presente até mesmo nas suas significações
gramaticais. Sontag já ressalta essa característica do camp como elogio ao artifício no seu ensaio
ao escrever que “o Camp introduz um novo modelo: o artifício como ideal, a teatralidade.”
(SONTAG, 1964:10) e Denilson Lopes aponta que esse artifício não funciona como negação do
real, mas “um dissolvente da dualidade real versus irreal.” (LOPES, 2002. P:77-78).
Assim, o cinema queer que vem sendo produzido no Brasil nos últimos anos
utiliza-se do artifício e do camp como forma de contestar esse binarismo entre o real e o artifício,
entre a sobriedade e a afetação, conectando-se a uma longa tradição artística que também
problematizam essa ideia, como o barroco, o dandismo e o “New Queer Cinema”. Buscam,
através do artifício, da ludicidade e jogo que empreendem com o público, “sacudir o consenso
empoeirado” e descobrir “as novas desordens que a suposta ordem totalizada encobria”
(PELBART, 2013: 18).
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Para Bollon, essa superficialidade é “uma arte de sentir e viver que conserva às
coisas e ao mundo exterior sua natureza inexplicável e, por consequência, seu sabor, sua beleza,
sua cintilação de enigma insondável, intocado” (BOLLON, 1997: 169). Ela é uma celebração do
mundo como pura aparência:
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Embora Rosalind Galt diga que o camp comumente seja uma apropriação irônica do
lindo como forma de ironizá-lo, em “A Seita” esse uso dá-se como forma de realçar seus
objetivos de ater-se à superfície e contrapor o belo à estética sóbria hegemônica de matriz
patriarcal, heterossexual e européia. Galt afirma que essa estratégia da utilização do lindo contra
essa ideologia reacionária é vista em artistas como Adriana Varejão e que, embora não tão
proeminente quanto nas artes plásticas, também pode ser vista em vários filmes do World
Cinema contemporâneo. Acreditamos que em “A seita” e nos outros filmes aqui discutidos, a
utilização do camp segue essa estratégia discutida pela autora e também ligada à ideia da
estetização do mundo requerida pela superficialidade defendida por Patrice Bollon.
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
personagem e do filme, pois a película traz a superficialidade que almeja representada pelo
próprio personagem. O dândi “transforma a elegância e o supérfluo na própria razão de existir”
(AGAMBEN, 2007: 82) e cria a si mesmo ao realizar uma espécie de ascese de uma
superficialidade moral e estética.
O protagonista de “A Seita” cria para si essa máscara impassível através uma rotina
fixa e ao demonstrar poucas emoções ao longo da película. Ele recebe um tratamento ambíguo
durante o filme, pois, embora possua uma atração inegável, também vemos suas ideias e ações
serem contestadas por outros personagens, afetando-o e fazendo assim cair sua máscara,
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
entretanto entramos assim num paradoxo: o que acontece ao cair a máscara de alguém que já se
tornou a própria máscara? Após uma discussão com um dos seus parceiros sexuais, que questiona
se ele crê que seu fetiche por Recife o faz diferente dos outros moradores das colônias espaciais,
a rotina do personagem se quebra juntamente com as cenas e planos repetidos ao longo da
projeção. O longo plano sequência fixo em que o vemos inicialmente tentando ler e, após desistir,
revirar-se e refletir no sofá é um indicador dessa mudança no personagem e na estratégia estética
da repetição. Quando sua própria essência é destruída juntamente com sua máscara e sua
impassibilidade diante de tudo, o personagem então parte em busca de algo novo, encontrando
então a seita, numa das últimas sequências do filme: um grupo clandestino que desenvolveu uma
fórmula que permite com que as pessoas voltem a sonhar, possibilidade que fora extirpada da
população através de uma injeção obrigatória aplicada pelas colônias espaciais que
impossibilitava o sono em busca de uma maior produtividade.
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
narrativas e de seus personagens-máscaras, esses filmes demonstram que “nesse desejo de vida
total que se expressa paradoxalmente por essas formas tênues e superficiais que são as
aparências, uma voz tenta nos sussurrar uma verdade surpreendente: nada é mais fútil do que
nossos esforços para tornar tudo sério, útil, racional; nada mais sério do que o fútil...” (BOLLON,
1997: 14). Esses filmes mostram então um possível novo caminho estético do cinema queer
nacional para além do realismo, o camp e o lindo como possibilidade estética-política queer.
Notas
[1]
O artigo usa a expressão “queer” no lugar de “bicha” ou “veado” por sua referência não ligada estritamente à
homossexualidade, como dito por Halperin, mas a uma forma não-normativa de ver e representar o mundo. Pois “o
queer não é uma defesa da homossexualidade, é a recusa dos valores morais violentos que instituem e fazem valer a
linha da abjeção, essa fronteira rígida entre os que são socialmente aceitos e os que são relegados à humilhação e aos
deprezo coletivo” (Miskolci, 2012. P:25)
[2]
Importante ressaltar que ao falar dessa estética experimental do cinema queer nacional dos últimos anos, não
englobo todos os filmes com temáticas LGBT em um único bloco fixo, pois dentro dessa produção existem diversas
formas de expressões estéticas, onde muitos filmes queers contemporâneos buscam uma estética realista e não-afetada,
como “Hoje eu quero voltar sozinho” (Daniel Ribeiro, 2014) e “Na Sua Companhia” (Marcelo Caetano, 2012). O
jornal norte-americano The Guardian, em um artigo publicado em 2012, ressalta essa nova onde de realismo no
cinema queer. Para a publicação o seu diferencial seria “utilizar o naturalismo – muitas vezes com câmera na mão e
com performances que beiram a improvisação – para contar histórias com especificidades psicológicas, mas com
ressonância universal”. (WALTERS, 2012).
Referências
AGAMBEN, G. Estâncias: a palavra e o fantasma na cultura ocidental. Belo Horizonte: UFMG, 2007.
BABUSCIO, Jack. Camp and the Gay Sensibility. In: Queer Cinema – The Film Reader. Editado por BENSHOFF,
Harry; GRIFFIN, Sean. Nova York: Routledge, 2004.
BARBOSA, André Antônio. “Um gosto pela superfície no cinema brasileiro queer contemporâneo”. In: MURARI, Lucas;
NAGIME, Mateus (Orgs.). New Queer Cinema: Cinema, Sexualidade e Política. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2015.
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos V - Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
GALT, Rosalind. Lindo: teoria do cinema, estética e a história da imagem incômoda. Revista ECO-Pós, v 18, n 3, 42-65.
2015
HALPERIN, David M. Saint Foucault: Toward a Gay Hagiography. Oxford: Oxford University Press, 1995.
LACERDA, Luiz Francisco Buarque. Camp e cultura homossexual masculina. Intercom 2011. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-2287-1.pdf. Acesso: 10/09/2015
LOPES, Denilson. O homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002
_______________. Ou feia ou bonita, ninguém acredita na vida real. 2013. Disponível em:
http://cineesquemanovo.org/expandido/guto-parente-artigo/, Acesso: 13/10/2015.
_______________. Madame Satã. In: MURARI, Lucas; NAGIME, Mateus (Orgs.). New Queer Cinema: Cinema,
Sexualidade e Política. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2015.
MILSKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte: Autêntica Editora,
2012.
PELBART, Peter Pál. Avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: N-1, 2013.
RITCH, B. Ruby. “New Queer Cinema”. In: MURARI, Lucas; NAGIME, Mateus (Orgs.). New Queer Cinema: Cinema,
Sexualidade e Política. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2015. SONTAG, Susan. Contra a Interpretação . Porto
Alegre: P&PM, 1987
WALTERS, Ben. New-Wave Queer Cinema: “Gay Experience in all it’s complexity”. The Guardian, 2002. Disponível
em: http://www.theguardian.com/film/2012/oct/04/new-wave-gay-cinema. Acesso em: 10/10/2015
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016
Trabalho apresentado no GT COMUNICAÇÃO E EXPERIÊNCIA ESTÉTICA ,no XXV Encontro Anual da Compós, Universidade Federal de Goiás, 07 a 10 de junho
de 2016