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ESTAÇÃO DAS CHUVAS: REPENSANDO A HISTÓRIA ATRAVÉS DA

LITERATURA
Autor(es): COLLARES, Paula Renata Lucas; MANDAGARÁ MARTINS, Aulus
Apresentador: Paula Renata Lucas Collares
Orientador: Aulus Mandagará Martins
Revisor 1: João Manuel dos Santos Cunha
Revisor 2: Renata Azevedo Requião
Instituição: UFPel

ESTAÇÃO DAS CHUVAS: REPENSANDO A HISTÓRIA ATRAVÉS DA


LITERATURA

COLLARES, Paula Renata Lucas1; MANDAGARÁ MARTINS, Aulus2.

1Acadêmica do curso de Letras - Português Francês da Universidade Federal de Pelotas. Integrante


do Grupo de Pesquisa “Utopias, Ruínas, Hipóteses de Nação: a literatura africana de língua
portuguesa e o pós-colonialismo”, coordenado pelo Prof.º Doutor Aulus Mandagará Martins.
paulacol@pop.com.br
2Doutor em Letras. Professor de literatura da Faculdade de Letras/UFPel/. aulus.mm gmail com

1. INTRODUÇÃO

Não há como falar de literatura africana sem mencionar a relação exercida


entre discurso histórico e discurso literário, devido, sobretudo, ao recente processo
de descolonização pelo qual ainda passam esses países. No caso particular dos
países africanos de língua portuguesa (PALOP), verifica-se o relevante papel
desempenhado pela literatura nesse processo de descolonização e construção do
imaginário social nesse novo contexto histórico.
Embora literatura e história pertençam a campos epistemológicos diferentes,
é possível um entrecruzamento entre elas. Literatura e história articulam-se na
tentativa de refigurar o tempo e reconstruir as experiências vividas. Por muito tempo
acreditou-se que somente o discurso histórico dava conta da reconstrução do
passado. Nessa perspectiva, a literatura, por tratar “daquilo que poderia ter
acontecido”, na célebre observação de Aristóteles, não detinha legitimidade na
narrativa dos eventos históricos. Naturalmente que a distinção entre literatura e
história foi superada e é consenso a diluição e contaminação mútua entre essas
duas modalidades de narrativa, a literária e a histórica.
2. HISTÓRIA X LITERATURA
Tendo a história a tarefa de retratar as ações do homem, ela trabalha no
campo da veracidade. Todos os fatos históricos precisam ser aceitos pela
sociedade, é necessário que o ocorrido seja tacitamente convencionado nas
relações sociais. A verdade histórica é uma convenção aceita por determinado
grupo. O historiador pretende representar o que já foi representado.
Já a literatura trabalha no campo da verossimilhança. Walter Mignolo afirma
que “a frase do romancista não precisa passar pelo teste da realidade, não precisa
passar pelo teste da verificação, não precisa passar por nenhum teste convencional
(...)”. (MIGNOLO, 1993:138)
Ainda com a resistência de alguns historiadores, hoje já se sabe que não
somente a literatura se aproximou da história, mas a história se aproximou da
literatura. Pois todo relato histórico é uma narrativa, visto que todo historiador conta
uma história que ele aceita, é um relato subjetivo. Embora haja essa relação entre
essa duas ciências, elas não são sinônimas. O Historiador deve permanecer
rigidamente ligado ao tempo vivido e ao tempo cósmico. Já o romancista é livre para
“utilizar” o tempo de acordo com a sua imaginação, tendo como limite apenas a
verossimilhança interna do texto. Além disso, o romancista tem uso exclusivo dos
fenômenos interiores, totalmente subjetivo.
Alfredo Bosi assim comenta a observação de Mignolo, trazendo para a sua
análise a relação aristotélica entre poesia e história:

[…] Um campo que tem pela frente o que realmente


aconteceu, o acontecido, o real; isto é, o domínio da memória
histórica, o domínio da experiência histórica de que se tem ou
testemunha ocular ou o depoimento de terceiros; nesse caso, a
história realmente é mimeses, é representação das ações
humanas. E há um outro campo: o mundo das possibilidades,
quer dizer, da arte. Aristóteles, sobretudo ao tratar da poesia,
trabalha com o possível; ora, o possível inclui o real, em termos
de lógica; o possível inclui o que aconteceu; que aconteceu
porque podia acontecer; e inclui aquilo que não aconteceu,
mas poderia ter acontecido. Então, a poesia vai mais além que
a história, no sentido de que ela trabalha não só com a
memória, mas também com a imaginação […].
(BOSI,1993:139)

Para Aristóteles, a poesia trabalha com a universalidade, por falar de


verdades possíveis ou desejáveis. A história trataria de verdades particulares, não
universais. O encontro da literatura com a história (e desta com aquela), na
modernidade, vem abalando esses rígidos limites.

3. METAFICÇÃO HISTORIOGRÁFICA

A literatura sempre recorreu aos fatos históricos para contar as suas estórias.
Porém, antigamente o escritor apossava-se da história apenas como um mero pano
de fundo para a narrativa principal, isso acontecia no inicio do século XIX com
Romance Histórico Clássico. Nessa concepção de romance, a história não era
jamais contestada e, sim idealizada.
Entretanto, a partir da segunda metade do século XX, com a intenção de
revelar toda a complexidade da existência humana, a Metaficção Historiográfica ou o
Novo Romance Histórico propõe novos rumos para articulação entre literatura e
história. Nessa concepção de romance, o passado histórico surge não como
verdade absoluta, mas como uma possibilidade de questionamento. Fato e ficção
confundem-se, com isso há um menor distanciamento entre verdade e
verossimilhança. Isso faz com que o leitor muitas vezes entenda a história como
ficção ou a ficção como a história.
Nessa concepção de romance está inserido o escritor José Eduardo Agualusa
e a grande parte das narrativas africanas de língua portuguesa escritas após o
período colonial.

4. ANGOLA E O PÓS-COLONIALISMO

Angola tornou-se colônia portuguesa a partir do século XV e foi tornar-se


independente em 1975, após quase quinze anos de intensa guerra de libertação.
Durante todo o período de colonização, milhares de angolanos foram massacrados;
sua cultura, religião, língua, hábitos e costumes foram completamente desprezados.
O poder hegemônico europeu foi aos poucos excluindo e marginalizando a
cultura africana num processo de perda de identidade (achatamento e tentativa de
apagamento). Com isso, aos poucos, esse povo foi sendo aculturado, sendo imposto
um paradigma, um modelo a ser seguido. O ponto de vista europeu impunha-se na
medida em que sua cultura e valores apresentavam-se superiores à cultura e
valores dos “nativos”. Nesse contexto, tudo que era africano foi posto à margem. O
colonizado é desqualificado, transformado em objeto. Relação entre colonizado e
colonizador é vertical e hierárquica. Nas palavras de Bosi:

A colonização é um processo ao mesmo tempo material


e simbólico: as práticas econômicas dos seus agentes estão
vinculadas aos seus meios de sobrevivência, à sua memória,
aos seus modos de representação de si e dos outros, enfim
aos seus desejos e esperanças. Dito de outra maneira: não há
condição colonial sem um enlace de trabalhos, de cultos, de
ideologias e de culturas. (BOSI apud CHAVES, 2004:160)

Com a saída dos portugueses do território angolano oportunizou-se a


retomada ou reflorescimento daquelas culturas e valores longamente regregados
pelo sistema colonial, evidenciando os processos de transculturação das sociedades
híbridas.

5. LITERATURA E A REPRESENTAÇÃO DA NAÇÃO NA CONSTRUÇÃO


DE UMA IDENTIDADE NACIONAL: O ROMANCE ESTAÇÃO DAS CHUVAS.

A literatura, através das chamadas “narrativas de nação”, desempenha um


papel indispensável na consolidação dessas nações emergentes. Uma das formas
para que um povo se reconheça enquanto nação é através da literatura. É preciso
escrever-se para reconhecer-se. Visto que a independência dos PALOP é
extremamente recente, cabe aos escritores desses países voltarem o olhar para o
passado no intuito de abordar questões que precisam ser explicadas, revisadas,
entendidas e desmistificadas. Nesse diálogo com a história, escritores voltam ao
passado na tentativa de melhor compreender o que está acontecendo e também no
intuito de descobrir ou redescobrir as suas raízes.
A literatura na África no período anterior à descolonização servia apenas para
enobrecer a cultura do colonizador. A partir da descolonização, a literatura passa a
ser veículo da nacionalidade dos países jovens. Não se trata, evidentemente, de
pensar a literatura como espelho da nação, mas como um espaço privilegiado, em
que as contradições e os impasses do processo de colonização e descolonização
assumem formas narrativas.
A narrativa escrita em 1996 focaliza os anos pós-independência de angola
até 1990 (ressaltando o processo sofrido de extensa guerra civil). O romance é
dividido em nove partes (O Princípio, A Poesia, A Busca, O Exílio, O Dia Eterno, A
Euforia, O Medo, A Fúria, O Fim), cada uma dessas partes é composta por capítulos
enumerados.
A protagonista da narrativa é Lídia do Carmo Ferreira, poeta, intelectual,
historiadora e fundadora do MPLA (Movimento pela Libertação da Angola) participa
ativamente do processo de descolonização e guerra civil de seu país. Lídia
representa a nação angolana que não entendia muito bem o que estava
acontecendo naquele momento de independência.
O romance começa no primeiro dia de independência angolana (11 de
novembro de 1975) enquanto o povo comemora a liberdade, Lídia está em seu
quarto sofrendo com maus presságios que eram nada mais que indicio de um tempo
extremamente difícil que chegava.
Esses presságios vão confirmando-se ao longo da narrativa, a personagem
assiste de perto as desavenças entre os diversos partidos, é exilada, sofre traições.

6. CONCLUSÕES

Nessa tentativa de resgatar o passado a literatura, muitas vezes, ocupa o


lugar de verdade histórica onde fato e ficção confundem-se. Isso no romance é mais
evidenciado pela presença de personagens que representam pessoas que
contribuíram de forma decisiva para a história da independência de Angola. O
romance é dedicado ao grande poeta, intelectual, ativista político e um dos
fundadores do MPLA (Movimento pela Libertação de Angola) Mário Pinto de
Andrade. O poeta aparece como personagem da narrativa ao lado de outros
personagens de cunho histórico, tais como: Viriato da Cruz e Agostinho Neto ambos
também fundadores do MPLA.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGUALUSA, José Eduardo. Estação das Chuvas. Rio de Janeiro: Gryphus, 2005.
CHAVES, Rita. O passado presente na literatura africana. Revista Via Atlântica,
n.7, out. 2004.
MIGNOLO, Walter. Lógica das diferenças e política das semelhanças da literatura
que parece história ou antropologia, e vice versa. - Literatura e História na
América Latina. São Paulo: EDUSP, 1993.

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