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Anais do XI Encontro Regional da Associação Nacional de História – ANPUH/PR

”Patrimônio Histórico no Século XXI”

HISTÓRIA E ENSINO FUNDAMENTAL: FORMANDO OS FUNDAMENTOS

Jean Carlos Moreno

Resumo: A presente comunicação tem por objetivo apresentar alguns apontamentos e


reflexões em torno da nossa experiência com a formação de professores de História, entre
os anos de 1998 e 2008, especialmente como professor de Metodologia do Ensino de
História na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e, mais recentemente, na Universidade
Estadual do Norte do Paraná (UENP). A argumentação parte da constatação de que o peso
da tradição escolar, ou melhor, de uma cultura escolar que estabelece, antes de tudo, „o
que, como e porque‟ se estuda, permanece sendo um grande desafio a enfrentar por aqueles
que trabalham com o ensino de História. Neste sentido, a História escolar que se propõe a
fazer uma ampliação qualitativa da consciência histórica (que, para o historiador e filósofo
alemão Jörn Rüsen, é inerente à ação humana no mundo) vê-se confrontada,
constantemente, com questões que giram em torno de como melhorar a relação que os
estudantes desenvolvem com o saber histórico, na direção da construção de estruturas
históricas úteis para se orientar no tempo. É nesta perspectiva que propomos que a
formação de professores deve estar atenta à trajetória percorrida por crianças e adolescentes
durante todo o processo de escolarização (Ensino Fundamental e Médio). O objetivo central
é pensar a possibilidade de se construir estratégias, especialmente para a segunda fase do
Ensino Fundamental (6 o ao 9o ano), que guardem alguma relação plausível com a
maturidade cognitiva ou sócio-cultural dos alunos. A preocupação com a progressão do
pensamento histórico dos estudantes do ensino fundamental nos impõe construirmos
metodologias que possibilitem, no avançar de uma série (ou ano) para outra, rearticular os
conceitos e as habilidades desenvolvidos, acrescentando novos saberes, estabelecendo,
assim, uma espiralidade do conhecimento e possibilitando uma ampliação da sua
„consciência histórica‟.
Palavras-chave: Ensino de História, Consciência Histórica, Cultura Escolar.


Professor de Didática e Metodologia do Ensino de História do Departamento. de História da UENP. Mestre
em História e Historiografia da Educação (UFPR) e Especialista em Linguagens, Imagens e Ensino de
História (UFPR).

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Situando o ensino de história

O ensino de História - seus métodos, seus objetivos, seus conteúdos - vem sendo
discutido de longa data. No Brasil, o debate se acentuou com as reformas curriculares na
década de 1980. No entanto, percebe-se ainda, passados quase vinte anos, apesar de visíveis
avanços, uma intensa insatisfação quanto aos resultados produzidos pela História escolar
tanto por parte de alunos, pais, professores como da comunidade acadêmica. Muitos
autores, analisando currículos, livros didáticos e práticas dos professores, têm demonstrado
que houve muito mais permanências do que rupturas nas propostas concretizadas a partir do
final da década de 1980.
O problema não é somente brasileiro. Em diversos países, as pesquisas sobre a
aprendizagem em História têm apontado que, depois de passarem vários anos pelos bancos
escolares, a maioria dos estudantes não consegue estabelecer uma relação do que
aprenderam sobre História com a vida prática. Em geral eles enquadram este componente
curricular entre as “disciplinas de memorização” (PRATS, 2006), como um tedioso
encadear de fatos, nomes e datas. Na Grã-bretanha, constata-se a apreensão de fragmentos
esparsos (“Eu sei sobre os Vikings e sobre a Segunda Guerra”, afirmaria um aluno ao ser
questionado sobre o que aprendeu em História), um saber útil para concursos (LEE, 2006).
Na Espanha, a utilidade atribuída pelos alunos para o seu aprendizado de História é „ter
mais cultura‟ ou „saber falar em público‟ (MORENO, 2006). Mesmo entre os que afirmam
gostar dos estudos de História a associam como uma narração de aventuras, assemelhando-
se a um entretenimento, um descanso para o espírito. Não por acaso, historiadores do porte
de um Eric Hobsbawn constatam que a sociedade contemporânea vive sob a idéia de um
presente contínuo, sem relação orgânica com o passado (HOBSBAWN, 2002).
As origens desta situação são múltiplas e complexas. Inegavelmente têm relação
com a concepção da disciplina, em como se concebe o seu aprendizado e seus objetivos.
STEPHANOU (1998, p. 16) nos dá alguma pista disto:

“...a História invariavelmente apresenta-se como algo externo ao aluno, algo


exótico ou como espetáculo, que não lhe diz respeito. Resta aos estudantes, uma

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vez que se situam numa posição de não-saber, memorizar, assimilar este


conhecimento acumulado, cujos depositários fiéis são os manuais didáticos e a
autoridade do professor”.

Em perspectiva

O peso da tradição escolar, ou melhor, de uma cultura escolar que estabelece, antes
de tudo, „o que, como e porque ‟ se estuda permanece sendo o grande desafio a enfrentar
por aqueles que trabalham com o ensino de História. A decisão de ensinar História nas
escolas, de maneira semelhante à que conhecemos hoje, é concomitante ao processo de
“invenção” da escola, que se deu na Europa, a partir do início do século XIX. A intenção
explícita do ensino desta disciplina era criar um sentimento coletivo de pertença a uma
Nação, cuja origem mítica, confirmava o porvir brilhante destinado a todos que se
engajassem nesse projeto.
No Brasil, principalmente a partir da Proclamação da República, o caminho foi
semelhante. No ensino primário demonstravam-se as qualidades e os feitos dos grandes
homens, celebravam-se datas, os marcos fundamentais da nação e os seus símbolos. Nos
níveis mais avançados, apresentava-se a História da “civilização”, cujo ápice seria a
Europa, da qual o Brasil recebera a herança dos costumes civilizados e à qual se igualaria,
mantendo a caminhada rumo ao progresso.
Embora nesse período já se constituíssem inúmeros debates em torno dos métodos
de ensino, a ênfase na transmissão de saberes prontos e acabados acabou se estabelecendo.
Uma tradição, de longa duração, de conceber as aulas de História como monólogos do
professor - e do livro didático – em torno de verdades que seria preciso “passar” aos alunos
se perpetuaria, pois os objetivos do ensino também pouco mudariam. O papel esperado do
aluno neste contexto seria a repetição e a memorização. Tendo por objeto a política oficial e
as batalhas, a História ensinada acabava por despertar aos alunos, em médio prazo, atitudes
de distanciamento, indiferença e passividade.
Pois bem, entre nós a idéia de "cidadão participante" começou a substituir a de
"cidadão-súdito", com maior intensidade, somente a partir do início da década de 1980,
com o final da ditadura militar. Neste período, buscaram-se teorias e discursos e
reformularam-se currículos com o intuito de formar consciências, denunciar a realidade

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injusta e superar a alienação que a censura dos militares aos meios de comunicação
proporcionava. A partir daí algumas conquistas quanto ao conteúdo formal se fizeram,
revelou-se a problemática ideológica presente no ensino de História e incluíram-se novas
perspectivas, além das tradicionais, para explicar os fatos.
No entanto, estabelecendo uma espécie de “história-denúncia”, que se pretendia o
inverso do ufanismo, a vulgarização de muitas propostas “renovadas” manteve a
organização estruturada no século XIX, com suas temporalidades, seus objetos, seu
eurocentrismo. O foco permaneceu na macro-política, embora pudéssemos encontrar aqui
ou lá, algumas questões sociais ou econômicas. Kazumi MUNAKATA (2001, p. 280),
assim se refere ao conteúdo dos livros didáticos produzidos sob a égide da vertente
engajada ou crítica: “... Valeram-se de uma História consolidada, com seus temas, períodos
e personagens bem assentados, mas invertendo-lhes o significado ou reorganizando-os
mediante certos conceitos como modo de produção (...) a História do vencedor com sinais
trocados, continua sendo a História do vencedor”.
Assim, a permanência se deu com mais força, nas concepções de „o que é aprender‟
e „como se aprende‟. A armadilha se revelou, como diz STEPHANOU (op. cit.), na simples
“substituição de verdades”. Continuou-se a perceber a História como mera descrição do
passado. Em geral, quando se observam os resultados, mantém-se a constatação de que
“ficam os retalhos, mas não se forma a colcha” (MENANDRO, 2001, p. 49). O objetivo
mínimo, qual seja o de possibilitar ao aluno uma leitura histórica do mundo, ainda
continuaria muito distante.
Contudo, a partir da década de 1990, conquistas importantes começaram a
amadurecer. Por um lado, as discussões em torno da LDB, dos Parâmetros Curriculares e
dos Programas de avaliação de livros didáticos (PNLD) acabavam por trazer à tona a
problemática e os desafios que envolviam a equalização de novas propostas para
professores e alunos na lida diária com o ensino de História. Concomitantemente,
congressos, encontros e simpósios, nacionais e regionais, começaram a reunir
pesquisadores ligados à Didática, Metodologia e Prática de Ensino de História. Uma
comunidade nacional de pesquisadores passou a debater e trocar experiências em torno da
História ensinada. Um número maior de professores de Ensino Fundamental e Médio

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passou a freqüentar os cursos de pós-graduação. A quantidade de dissertações e teses em


torno do ensino de História multiplicou-se. Discutiram-se as organizações curriculares, a
utilização de novas linguagens, as relações entre memória e História, os usos dos manuais
didáticos, novas metodologias, etc.
Embora ainda vivamos um tempo de insatisfação, insegurança e instabilidade,
progressos vêm sendo colhidos. Relatos de ricas experiências, com estratégias de
motivação e, principalmente, de concretização de aprendizagem, têm ganhado espaço em
revistas especializadas. Novas pesquisas sobre como se dá a formação e a progressão da
consciência histórica dos alunos têm lançado novas luzes sobre a relação ensino-
aprendizagem. É também esta perspectiva de renovação que norteia a reflexão que faremos
adiante.

Propondo

Apresentamos aqui alguns apontamentos em torno da nossa experiência com a


formação de professores de História, entre os anos de 1998 e 2008, especialmente como
professor de Metodologia do Ensino de História na Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e, mais recentemente, na Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP).
Trata-se de um conjunto de reflexões que ainda não tomaram corpo como uma pesquisa ou
projeto consolidado, mas que, em processo de sistematização, norteiam algumas ações
pedagógicas e projetos que viemos desenvolvendo.
Tomamos com ponto de partida uma constatação: a intensa dificuldade que
encontram nossos graduandos no trato com os alunos mais jovens da segunda fase do
Ensino Fundamental (6o ao 9o ano). Algumas pesquisas, como a tese de doutorado de
Ubiratan ROCHA (2001), indicam que estas dificuldades não são apenas próprias do
período de formação inicial. Professores de História entrevistados apontam como principais
problemas para o trabalho com este nível da escolarização: déficits de alfabetização dos
alunos, a falta de preparo pedagógico para entender como funciona o pensamento de
crianças e adolescentes e a conseqüente dificuldade para a concretização da aprendizagem
da linguagem e dos conceitos próprios do pensamento histórico.

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No mesmo caminho, professores e graduandos, ao iniciar seu trabalho com alunos da 1ª


série do Ensino Médio, invariavelmente, retornam nos trazendo a seguinte afirmação:
“parece que eles não aprenderam nada de História no Ensino Fundamental”. A questão que
se coloca, então, é: “o que se esperava que eles aprendessem?”. A tradição de uma
organização cronológica com foco na transmissão de informações históricas criou uma
ilusão que se perpetua com relação à aprendizagem dos estudantes. É como se fosse
possível a uma criança ou adolescente guardar uma grande quantidade de informações
históricas, a maioria delas desconectadas entre si, na memória. Esta situação se agrava
ainda mais quando falamos de 5ª a 8ª série (6º ao 9º anos).
Para o historiador e filósofo alemão Jörn Rüsen (2001) a „consciência histórica‟ é
inerente à ação humana no mundo. Neste sentido a História escolar se propõe a fazer uma
ampliação qualitativa desta consciência, melhorando a relação que os estudantes
desenvolvem com este saber, na direção da construção de estruturas históricas úteis para se
orientar no tempo. É nesta perspectiva e a partir das constatações acima, que propomos que
a formação de professores deve estar atenta à trajetória percorrida por crianças e
adolescentes durante todo o processo de escolarização (Ensino Fundamental e Médio).
Especialmente, há que se dedicar um tempo especial na formação inicial a uma didática
voltada para o Ensino Fundamental, sem perder de vista a progressão do pensamento
histórico.
Dentro deste contexto temos desenvolvido com nossos graduandos e pós-graduandos na
Didática e Metodologia do Ensino de História quatro eixos de ação na formação inicial:
a) Aprender a diagnosticar. Segundo a professora Lana Mara SIMAN (2005, p. 96) no
ensino de História “lidamos com conhecimentos que são banhados em crenças e valores
políticos, culturais, religiosos, guardando, em geral, complexas e inevitáveis ligações com
as idéias, comportamentos e atitudes que circulam e se propagam na vida social (...)”. Quer
dizer, a formação histórica dos alunos depende apenas em parte da escola; existe um papel
desempenhado pelos meios de comunicação, da família, do meio imediato onde vivem
(CERRI, 2001).
A primeira atividade, então, ao iniciar qualquer trabalho no ensino básico, é mapear
o pensamento histórico destes alunos: o que e como pensam historicamente quanto aos

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conteúdos/objetos a serem estudados. Saber elaborar algumas questões para investigar os


saberes pré-existentes dos estudantes torna-se fundamental. A idéia é ajudar a organizar o
processo de ensino e dar espaço aos alunos, apreender seus pontos de vista, ajudá-los a
progredir com autoconfiança (BARCA, 2006). Evidentemente, que isto só acontecerá se os
graduandos aprenderem a ler as informações coletadas, utilizando-as para construir os seus
projetos.
Nem sempre as representações sociais preexistentes facilitam a aprendizagem.
Visões históricas que circulam na mídia ou são fruto de uma História escolar pretérita por
vezes estão tão sedimentadas que funcionam como um obstáculo para as novas
aprendizagens. Como um ato eminentemente intencional é possível ao professor mobilizar
o conhecimento proposto com o intuito de colocar em xeque valores ou idéias pré-
concebidas e superar pensamentos simplistas ou autoritários.
É preciso considerar também que os alunos, como todos, os seres humanos,
apropriam-se dos conhecimentos conforme sua trajetória de vida e os valores culturais
inerentes aos grupos sociais aos quais pertencem. A dimensão da apropriação, da
reelaboração dos conhecimentos, possibilitada pela aquisição da linguagem, não pode ser
negligenciada. Se temos como princípio que mente e mundo são enativos (VARELA, apud
DEMO, 2002), quer dizer, formam-se ao mesmo tempo e um não prescinde do outro, é
preciso considerar que cada ato de percepção é ato de criação e cada ato de memória é ato
de imaginação (idem).
Desta forma, com o diagnóstico, o professor pode decidir sobre a inclusão ou a
reordenação de atividades, no início do trabalho, a partir das necessidades e das
possibilidades de sua turma. Pode também avaliar o que se conseguiu ampliar e tentar
resgatar o que ficou para trás. É possível, assim, ter professores e alunos como co-autores
deste conhecimento que estará sempre em construção.
b) Realizar uma reflexão sobre onde se quer chegar com o ensino escolar de História.
O peso da tradição escolar, ou melhor, de uma cultura escolar que estabelece, antes de
tudo, „o que, como e porque‟ se estuda, permanece sendo um grande desafio a enfrentar por
aqueles que trabalham com o ensino de História. Aprender a perceber esta cultura escolar,
fruto de uma trajetória que os alunos já trazem consigo quando iniciam a 5 a série (6o ano) é

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muito importante. Contudo é ainda mais fundamental que os graduandos consigam pensar
que outras organizações didáticas metodológicas, curriculares são possíveis conforme os
objetivos que traçarem para o seu trabalho.
O conteúdo informativo não pode ser um fim em si mesmo. Se continuarmos
mantendo o foco apenas no conteúdo informativo, no „saber coisas‟, continuaremos
plantando para o efêmero. Os alunos até podem devolver nos exames as informações
transmitidas, no entanto, como indicam pesquisas realizadas, especialmente, na Europa,
eles as esquecerão em um tempo breve. Para o ensino fundamental, a constatação de Peter
LEE (2006, p. 135), faz-se, assim, extremamente necessária, “para conhecer ou
compreender um acontecimento histórico, necessitamos receber informação histórica, mas
os componentes desta informação não são a finalidade [do trabalho] (...)”..
Por questões que não cabem discutir neste texto, o ensino de 5ª a 8ª séries, na área
de História, foi se constituindo ao espelho do que hoje chamamos de Ensino Médio,
incorporando sua organização, disciplinas, seus métodos e até seus conteúdos. Na
atualidade, em inúmeras escolas, públicas e particulares, em diversas regiões do país,
encontramos a impressionante organização curricular do ensino de História: na 1ª a 4ª série
vê-se a História regional e do Brasil de maneira cronológica; na 5ª a 8ª série trabalha-se
toda a História da humanidade, organizada cronologicamente; e, finalmente, no Ensino
Médio estuda-se toda a História da humanidade “da pré-História aos dias atuais”.
Evidentemente, que por trás desta organização, há muitas diferenças de abordagem,
métodos e atitudes pedagógicas. Contudo, tal organização dá poucas pistas sobre o que se
espera da progressão do pensamento histórico dos estudantes.
Além da repetição do elenco de conteúdos curriculares, a principal dificuldade da
organização cronológica para o ensino de História é que ela não guarda nenhuma relação
plausível com a maturidade cognitiva ou sócio-cultural dos alunos. O único critério de
anterioridade é a relação cronológica/causal da informação histórica. A priori não há nada
que justifique que um aluno na 5ª série deva estudar História antiga e o da 8ª série, História
contemporânea. O esperado seria que na 6ª série nosso aluno fosse capaz de rearticular os
conceitos e as habilidades que aprendeu na 5ª série, acrescentando novos saberes,

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estabelecendo uma „espiralidade‟ do conhecimento e possibilitando assim uma ampliação


do seu pensamento histórico., com níveis mais amplos de abstração e generalização.
Sem a pretensão de esgotar o conhecimento histórico sobre qualquer período ou
tema, é possível construirmos reflexões com os alunos de graduação com a intenção
explícita de colaborar para a transformação do ensino de História de 5ª a 8ª séries em
ensino fundamental, qual seja aquele que forma os fundamentos. Olhando para a trajetória
escolar como um todo, estabelece-se a continuidade da construção de habilidades,
procedimentos e conceitos de base com a 1ª fase do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) e,
além de todos os aspectos de formação para a cidadania, pensa-se na progressão do
pensamento histórico dos alunos, possibilitando que no Ensino Médio se amplie e
aprofunde os estudos dos diferentes contextos e da evolução social, política ou econômica
das sociedades estudadas.
c) Ampliar a noção de o que se entende por conteúdo. Uma das conquistas das
discussões pedagógicas mais recentes é a concepção de que as habilidades cognitivas,
comportamentais e organizacionais também são “conteúdos”, quer dizer, também se
ensinam e se aprendem e são, portanto, objeto de avaliação. Neste sentido é preciso deixar
claro que a apreensão de uma linguagem histórica, compatível com o desenvolvimento
cognitivo dos estudantes, é também um dos objetivos do trabalho com o ensino básico.
Apropriar-se de uma linguagem não passa por uma simples memorização, e sim pela
aprendizagem das operações intelectuais que permitem a construção de um discurso
(BORNE, 1998).
Assim, intentamos desenvolver na formação inicial dos futuros professores de
História experiências significativas e diversificadas, procurando ajudar a mudar a imagem
do “dar aula” e de “o que é aprender História” para alunos e professores. O final do
processo mira na autonomia, quer dizer, na independência de pensamento, na iniciativa e na
responsabilidade individual e social.
Definindo uma perspectiva de ensino de História que visa, em última instância, o
auto-conhecimento (RÜSEN, 2001) - ou seja, entender a si mesmo e à sua sociedade de
maneira mais ampla - não é possível continuar a perceber este ensino como mera descrição
„verdadeira‟ do passado. Se aprender significa “pensar sobre”, desenvolver a capacidade de

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relacionar, de comparar, analisar, em suma, de fazer interpretações próprias fundamentadas,


o trabalho há de ser outro. O ensino de História deve construir conceitos, habilidades,
procedimentos e uma leitura de processo histórico, com vistas a instalar possibilidades de
interpretação da realidade. Isso significa direcionar o trabalho para que o aluno também
produza, re-elabore, processe os conteúdos selecionados.
Em uma metáfora sugerida pela professora Alícia FERNÁNDEZ (2001), aprender
assemelha-se a alimentar-se. Como professores, oferecemos a maçã. O aluno precisa
mordê-la, mastigá-la, triturá-la, mudá-la, agregar a ela seus próprios líquidos, saboreá-la,
sabê-la. Utilizamos, então, da idéia de aula-oficina proposta por Isabel BARCA (2006), não
como um método, mas como um princípio, onde o aluno é visto sempre como um sujeito
ativo e reflexivo frente ao conhecimento histórico.
d) Melhorar o diálogo com a produção historiográfica, especialmente com a teoria e a
prática da pesquisa histórica. Aqui vivemos uma contradição explícita da formação
acadêmica: temos graduandos que ao final do curso sabem falar razoavelmente bem de
teorias e teóricos da História e que, no entanto, não conseguem fazer uma relação desta
leitura com a sua vida e, muito menos, com a sua vida profissional como professores.
A relação entre o saber ensinado nas escolas e a pesquisa das academias tem sido
estudada sob o conceito de transposição didática (CHEVALLARD, 1991). Indo além, no
campo da Didática da História, alguns autores têm preferido falar em uma interpelação
(ALLIEU, 1995), mais do que transposição, salientando a seleção cultural, a axiologização
realizada por quem assume a tarefa de educador.
Os saberes a ensinar não são uma mera adaptação dos saberes acadêmicos. Contudo,
inegavelmente, a produção acadêmica recente da área de História tem trazido questões
essenciais para pensar o mundo atual e tem muito a contribuir para quem pensa a educação
escolar. Numa troca de legitimações, o diálogo com a academia torna-se, dessa maneira,
fundamental para quem quer construir novas possibilidades para o ensino de História.
A história acadêmica tem ampliado suas reflexões no sentido da consciência da
presença do sujeito que escolhe, recorta e seleciona os seus objetos de estudo. Se esta
História acadêmica produz um excedente teórico, para além da necessidade dos sujeitos
atuantes (RÜSEN, 2001), entendendo a educação como um ato eminentemente político e

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intencional, cabe-nos orientar os graduandos a apropriarem-se não de toda a produção, mas


do que há de melhor no consenso historiográfico, que tenha relação com as finalidades do
ensino e possa ajudar a construir uma compreensão histórica relevante para a vida
contemporânea. Há como manter um bom diálogo entre o ensino e o que é próprio da
ciência histórica: as formas de ler e interpretar os dados, de abordar os objetos do
conhecimento, etc.

Enfim, estamos na fase inicial da análise de relatórios de estágio para perceber como
os graduandos estão se apropriando desta proposta de curso em diálogo com a realidade
escolar concreta. Toda esta tarefa a que nos propomos implica uma mudança cultural.
Quando desejamos formar um cidadão que seja capaz de “decodificar a sociedade da qual
faz parte, localizando-se e inserindo-se nela, estabelecendo conexões com a realidade mais
imediata e aprendendo a olhar horizontes mais amplos” (PADRÓS, 2002, p. 64), temos que
admitir que aprender e ensinar implicam “a produção ativa de subjetividades, ou maneiras
de ser, conhecer e interpretar o mundo e a si próprio” (STEPHANOU p.1). A aprendizagem
histórica se efetiva, então, quando o conhecimento passa a ser experiência para o
estudante, no sentido de que ele se apropria do que aprendeu para ler e explicar o seu
mundo.
Para assumir este caminho torna-se preciso rejeitar, prioritariamente, aquela História
que enfatizava apenas o “universo de monstros grandiosos que decidem o caminho da
humanidade e o papel de cada um de nós” (PINSKY, 2003, p. 22), que, valorizando apenas
o macro-econômico e a macro-política, causavam a impressão de que só se transforma a
realidade através de grandes eventos e que a dimensão micro (acessível a maior parte do
tempo a todos), não seria espaço de luta e transformação. Faz-se necessário mostrar que o
conhecimento de que tratamos diz respeito à vida de cada um e à vida de todos e que o
desejado comprometimento com seu tempo e com o outro se vive no dia-a-dia.
Com este compromisso, resta-nos ir aprimorando, refletindo, experimentando,
investigando e, quiçá, comemorando cada pequeno passo dado na direção da melhoria da
formação inicial e continuada que podemos oferecer aos professores de História.

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Jacarezinho, dos dias 21 a 24 de Maio de 2008. ISSN: 978-85-61646-01-1Página 13

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