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Professor de Didática e Metodologia do Ensino de História do Departamento. de História da UENP. Mestre
em História e Historiografia da Educação (UFPR) e Especialista em Linguagens, Imagens e Ensino de
História (UFPR).
O ensino de História - seus métodos, seus objetivos, seus conteúdos - vem sendo
discutido de longa data. No Brasil, o debate se acentuou com as reformas curriculares na
década de 1980. No entanto, percebe-se ainda, passados quase vinte anos, apesar de visíveis
avanços, uma intensa insatisfação quanto aos resultados produzidos pela História escolar
tanto por parte de alunos, pais, professores como da comunidade acadêmica. Muitos
autores, analisando currículos, livros didáticos e práticas dos professores, têm demonstrado
que houve muito mais permanências do que rupturas nas propostas concretizadas a partir do
final da década de 1980.
O problema não é somente brasileiro. Em diversos países, as pesquisas sobre a
aprendizagem em História têm apontado que, depois de passarem vários anos pelos bancos
escolares, a maioria dos estudantes não consegue estabelecer uma relação do que
aprenderam sobre História com a vida prática. Em geral eles enquadram este componente
curricular entre as “disciplinas de memorização” (PRATS, 2006), como um tedioso
encadear de fatos, nomes e datas. Na Grã-bretanha, constata-se a apreensão de fragmentos
esparsos (“Eu sei sobre os Vikings e sobre a Segunda Guerra”, afirmaria um aluno ao ser
questionado sobre o que aprendeu em História), um saber útil para concursos (LEE, 2006).
Na Espanha, a utilidade atribuída pelos alunos para o seu aprendizado de História é „ter
mais cultura‟ ou „saber falar em público‟ (MORENO, 2006). Mesmo entre os que afirmam
gostar dos estudos de História a associam como uma narração de aventuras, assemelhando-
se a um entretenimento, um descanso para o espírito. Não por acaso, historiadores do porte
de um Eric Hobsbawn constatam que a sociedade contemporânea vive sob a idéia de um
presente contínuo, sem relação orgânica com o passado (HOBSBAWN, 2002).
As origens desta situação são múltiplas e complexas. Inegavelmente têm relação
com a concepção da disciplina, em como se concebe o seu aprendizado e seus objetivos.
STEPHANOU (1998, p. 16) nos dá alguma pista disto:
Em perspectiva
O peso da tradição escolar, ou melhor, de uma cultura escolar que estabelece, antes
de tudo, „o que, como e porque ‟ se estuda permanece sendo o grande desafio a enfrentar
por aqueles que trabalham com o ensino de História. A decisão de ensinar História nas
escolas, de maneira semelhante à que conhecemos hoje, é concomitante ao processo de
“invenção” da escola, que se deu na Europa, a partir do início do século XIX. A intenção
explícita do ensino desta disciplina era criar um sentimento coletivo de pertença a uma
Nação, cuja origem mítica, confirmava o porvir brilhante destinado a todos que se
engajassem nesse projeto.
No Brasil, principalmente a partir da Proclamação da República, o caminho foi
semelhante. No ensino primário demonstravam-se as qualidades e os feitos dos grandes
homens, celebravam-se datas, os marcos fundamentais da nação e os seus símbolos. Nos
níveis mais avançados, apresentava-se a História da “civilização”, cujo ápice seria a
Europa, da qual o Brasil recebera a herança dos costumes civilizados e à qual se igualaria,
mantendo a caminhada rumo ao progresso.
Embora nesse período já se constituíssem inúmeros debates em torno dos métodos
de ensino, a ênfase na transmissão de saberes prontos e acabados acabou se estabelecendo.
Uma tradição, de longa duração, de conceber as aulas de História como monólogos do
professor - e do livro didático – em torno de verdades que seria preciso “passar” aos alunos
se perpetuaria, pois os objetivos do ensino também pouco mudariam. O papel esperado do
aluno neste contexto seria a repetição e a memorização. Tendo por objeto a política oficial e
as batalhas, a História ensinada acabava por despertar aos alunos, em médio prazo, atitudes
de distanciamento, indiferença e passividade.
Pois bem, entre nós a idéia de "cidadão participante" começou a substituir a de
"cidadão-súdito", com maior intensidade, somente a partir do início da década de 1980,
com o final da ditadura militar. Neste período, buscaram-se teorias e discursos e
reformularam-se currículos com o intuito de formar consciências, denunciar a realidade
injusta e superar a alienação que a censura dos militares aos meios de comunicação
proporcionava. A partir daí algumas conquistas quanto ao conteúdo formal se fizeram,
revelou-se a problemática ideológica presente no ensino de História e incluíram-se novas
perspectivas, além das tradicionais, para explicar os fatos.
No entanto, estabelecendo uma espécie de “história-denúncia”, que se pretendia o
inverso do ufanismo, a vulgarização de muitas propostas “renovadas” manteve a
organização estruturada no século XIX, com suas temporalidades, seus objetos, seu
eurocentrismo. O foco permaneceu na macro-política, embora pudéssemos encontrar aqui
ou lá, algumas questões sociais ou econômicas. Kazumi MUNAKATA (2001, p. 280),
assim se refere ao conteúdo dos livros didáticos produzidos sob a égide da vertente
engajada ou crítica: “... Valeram-se de uma História consolidada, com seus temas, períodos
e personagens bem assentados, mas invertendo-lhes o significado ou reorganizando-os
mediante certos conceitos como modo de produção (...) a História do vencedor com sinais
trocados, continua sendo a História do vencedor”.
Assim, a permanência se deu com mais força, nas concepções de „o que é aprender‟
e „como se aprende‟. A armadilha se revelou, como diz STEPHANOU (op. cit.), na simples
“substituição de verdades”. Continuou-se a perceber a História como mera descrição do
passado. Em geral, quando se observam os resultados, mantém-se a constatação de que
“ficam os retalhos, mas não se forma a colcha” (MENANDRO, 2001, p. 49). O objetivo
mínimo, qual seja o de possibilitar ao aluno uma leitura histórica do mundo, ainda
continuaria muito distante.
Contudo, a partir da década de 1990, conquistas importantes começaram a
amadurecer. Por um lado, as discussões em torno da LDB, dos Parâmetros Curriculares e
dos Programas de avaliação de livros didáticos (PNLD) acabavam por trazer à tona a
problemática e os desafios que envolviam a equalização de novas propostas para
professores e alunos na lida diária com o ensino de História. Concomitantemente,
congressos, encontros e simpósios, nacionais e regionais, começaram a reunir
pesquisadores ligados à Didática, Metodologia e Prática de Ensino de História. Uma
comunidade nacional de pesquisadores passou a debater e trocar experiências em torno da
História ensinada. Um número maior de professores de Ensino Fundamental e Médio
Propondo
muito importante. Contudo é ainda mais fundamental que os graduandos consigam pensar
que outras organizações didáticas metodológicas, curriculares são possíveis conforme os
objetivos que traçarem para o seu trabalho.
O conteúdo informativo não pode ser um fim em si mesmo. Se continuarmos
mantendo o foco apenas no conteúdo informativo, no „saber coisas‟, continuaremos
plantando para o efêmero. Os alunos até podem devolver nos exames as informações
transmitidas, no entanto, como indicam pesquisas realizadas, especialmente, na Europa,
eles as esquecerão em um tempo breve. Para o ensino fundamental, a constatação de Peter
LEE (2006, p. 135), faz-se, assim, extremamente necessária, “para conhecer ou
compreender um acontecimento histórico, necessitamos receber informação histórica, mas
os componentes desta informação não são a finalidade [do trabalho] (...)”..
Por questões que não cabem discutir neste texto, o ensino de 5ª a 8ª séries, na área
de História, foi se constituindo ao espelho do que hoje chamamos de Ensino Médio,
incorporando sua organização, disciplinas, seus métodos e até seus conteúdos. Na
atualidade, em inúmeras escolas, públicas e particulares, em diversas regiões do país,
encontramos a impressionante organização curricular do ensino de História: na 1ª a 4ª série
vê-se a História regional e do Brasil de maneira cronológica; na 5ª a 8ª série trabalha-se
toda a História da humanidade, organizada cronologicamente; e, finalmente, no Ensino
Médio estuda-se toda a História da humanidade “da pré-História aos dias atuais”.
Evidentemente, que por trás desta organização, há muitas diferenças de abordagem,
métodos e atitudes pedagógicas. Contudo, tal organização dá poucas pistas sobre o que se
espera da progressão do pensamento histórico dos estudantes.
Além da repetição do elenco de conteúdos curriculares, a principal dificuldade da
organização cronológica para o ensino de História é que ela não guarda nenhuma relação
plausível com a maturidade cognitiva ou sócio-cultural dos alunos. O único critério de
anterioridade é a relação cronológica/causal da informação histórica. A priori não há nada
que justifique que um aluno na 5ª série deva estudar História antiga e o da 8ª série, História
contemporânea. O esperado seria que na 6ª série nosso aluno fosse capaz de rearticular os
conceitos e as habilidades que aprendeu na 5ª série, acrescentando novos saberes,
Enfim, estamos na fase inicial da análise de relatórios de estágio para perceber como
os graduandos estão se apropriando desta proposta de curso em diálogo com a realidade
escolar concreta. Toda esta tarefa a que nos propomos implica uma mudança cultural.
Quando desejamos formar um cidadão que seja capaz de “decodificar a sociedade da qual
faz parte, localizando-se e inserindo-se nela, estabelecendo conexões com a realidade mais
imediata e aprendendo a olhar horizontes mais amplos” (PADRÓS, 2002, p. 64), temos que
admitir que aprender e ensinar implicam “a produção ativa de subjetividades, ou maneiras
de ser, conhecer e interpretar o mundo e a si próprio” (STEPHANOU p.1). A aprendizagem
histórica se efetiva, então, quando o conhecimento passa a ser experiência para o
estudante, no sentido de que ele se apropria do que aprendeu para ler e explicar o seu
mundo.
Para assumir este caminho torna-se preciso rejeitar, prioritariamente, aquela História
que enfatizava apenas o “universo de monstros grandiosos que decidem o caminho da
humanidade e o papel de cada um de nós” (PINSKY, 2003, p. 22), que, valorizando apenas
o macro-econômico e a macro-política, causavam a impressão de que só se transforma a
realidade através de grandes eventos e que a dimensão micro (acessível a maior parte do
tempo a todos), não seria espaço de luta e transformação. Faz-se necessário mostrar que o
conhecimento de que tratamos diz respeito à vida de cada um e à vida de todos e que o
desejado comprometimento com seu tempo e com o outro se vive no dia-a-dia.
Com este compromisso, resta-nos ir aprimorando, refletindo, experimentando,
investigando e, quiçá, comemorando cada pequeno passo dado na direção da melhoria da
formação inicial e continuada que podemos oferecer aos professores de História.
Bibliografia