Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A BATALHA DOS
DUZENTOS SÓIS
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os laurins atacam o Mundo dos Duzentos Sóis...
E os homens não conseguem detê-los!
Menke Laas não deu atenção à advertência. Comprimiu com uma das mãos o
mecanismo eletromagnético de travamento de uma das chapas, pegou com a outra, firme,
as duas alças que saíram da superfície e, após dar um ligeiro puxão tirou a chapa dos seus
suportes, colocando-a no chão ao seu lado.
Viu à sua frente um sistema complicado de controles, que fora aperfeiçoado na
Terra com base num modelo arcônida.
— Hum... — voltou a dizer Menke Laas.
Tornou a olhar para os instrumentos. Fitou intensamente o medidor de intensidade
do campo magnético e constatou que nesse meio tempo baixara ainda mais.
Laas colocou a poltrona à frente dos controles expostos e passou os olhos pelos
mesmos. Por um instante desejou que o inspetor-chefe estivesse ali. De Soto entendia
muito mais do assunto que ele. Em sua opinião o motivo primordial da queda de
intensidade do campo magnético deveria estar ali mesmo.
Achava-se tão concentrado em suas observações que não ouviu Owen de Soto
entrar. O inspetor-chefe estava fazendo sua ronda costumeira. Quando viu Laas sentado
diante dos condutores desguarnecidos, por pouco não soltou um grito. Ficou com os
olhos vidrados. Procurou em vão o fio que permitiria fazer a ligação-terra do setor
exposto. Antes de dar o passo seguinte, hesitou. Quanto mais se aproximava dos
controles, maior se tornava o risco de vida. E esse jovem, que acabara de escapar da
morte, “brincava”, agora, de suicidar-se.
A posição tensa de Menke Laas deu o que pensar a De Soto. Sem dúvida o
mecânico não se teria exposto a tamanho risco se não houvesse um sério motivo. Quando
suas reflexões chegaram a este ponto, o siganês começou a combinar os dados. Num
movimento instintivo virou a cabeça para os instrumentos. Na distância em que se
achava, não podia ver nada. Chegou mais perto. Laas ainda não tomara conhecimento da
presença de De Soto. Este passou os olhos pelos instrumentos. De repente viu o ponteiro
do indicador de intensidade do campo magnético. O número de Oersteds era
surpreendentemente baixo. Foi quando o siganês compreendeu por que Laas havia
removido apenas a quarta parte do revestimento. Mas não compreendeu o que o mecânico
esperava encontrar nos controles. O fato de que ele mesmo também estava arriscando a
vida não o incomodava mais.
— O que houve, Laas? — perguntou em tom de curiosidade.
Menke Laas estremeceu, mas não virou a cabeça.
— São os Oersteds...
— Espera localizar o defeito por aqui? Por quê, Laas?
De Soto colocou-se a seu lado e fitou os complicados controles.
— Que distância já percorremos no espaço intergaláctico, De Soto?
— Que diabo! Antes de mais nada quero saber por que está interessado nisso? —
indagou o siganês em tom exaltado.
— Por nada! — disse Laas com a maior tranqüilidade e apontou para um
entroncamento de condutores. — Não está vendo a manifestação de fadiga do material...
a mudança de coloração, De Soto?
— O senhor está sonhando! — respondeu De Soto em tom grosseiro. — Acho que
ainda está sob os efeitos do choque.
— Que distância já percorremos no espaço vazio, De Soto? Será que o senhor pode
descobrir? Rápido!
De Soto pegou o interfone, chamou a sala de comando da Teodorico e fez a
pergunta.
O rosto de Reginald Bell apareceu na tela. O fato de o pequeno siganês formular a
pergunta não o deixou nem um pouco admirado, mas quando ouviu o nome de Menke
Laas espantou-se.
— Não é o homem que sofreu um acidente em seu setor pouco antes da decolagem,
De Soto?
— Sim senhor.
— E este mesmo homem quer saber que distância já percorremos no espaço vazio?
Um momento...
Bell pediu a informação. O interfone transmitiu a pergunta dirigida a um de seus
oficiais. Reginald Bell forneceu o número de anos-luz percorridos, mas quis saber por
que haviam pedido essa informação. Quando ouviu falar em fadiga do material,
interrompeu seu interlocutor em tom áspero.
— Tolice! A Sosata penetrou muito mais profundamente no espaço intergaláctico, e
não houve nenhuma manifestação de fadiga do material. Menke Laas deveria estar no
hospital, não em seu posto.
Quando voltou a dirigir-se a Laas, o rosto juvenil de De Soto tinha uma expressão
zombeteira.
— Ouviu? — perguntou.
O mecânico confirmou com um gesto, mas não disse nada.
O inspetor-chefe ficou nervoso.
— Pare com isso! Coloque o revestimento, seu suicida.
— O senhor também se encontra na área de perigo, De Soto — respondeu o
mecânico.
O siganês estremeceu. Recuou apressadamente.
— Quando voltar quero ver esta parede fechada. Entendido, Laas?
De Soto era a autoridade responsável pelo setor. Por ali, uma ordem sua tinha o
mesmo peso de uma ordem que Bell desse na sala de comando. Quando fechou a porta,
tinha certeza de que Laas estava prestes a recolocar o revestimento dos controles.
Mas Laas continuou sentado na poltrona articulada, totalmente imóvel. A
descoloração progressiva do entroncamento deixava-o cada vez mais fascinado. Nunca
vira uma coisa dessas. Não sabia se aquilo era o estágio inicial de um processo de
alteração do material.
De repente ouviu a voz de Reginald Bell saída do alto-falante. Por certo a suspeita
do mecânico deixara-o mais preocupado do que quisera confessar no início.
— Olá, Laas! Algo de novo por aí?
Naquele instante o entroncamento desmanchou-se em pó!
Menke Laas sabia que sua suspeita fora bem fundada. Deu um salto para retirar-se
da área de perigo, colocou-se no ângulo de visão da objetiva e permitiu que Bell o visse
correr para os instrumentos.
O medidor de intensidade do campo magnético estava na posição zero.
O mecânico virou-se no mesmo instante, olhou para a tela que mostrava a cabeça de
Bell em tamanho natural e disse:
— Um instante, sir.
Em movimentos rápidos, mas não apressados, comprimiu alguns botões. O
dispositivo automático cuidou do resto. Um conjunto sobressalente passou a exercer as
funções do bloco avariado.
— A intensidade do campo magnético voltou ao normal, sir. Está interessado em
conhecer o resultado das minhas observações? Vi um entroncamento de condutores
desmanchar-se em pó. Não sei explicar como isso pôde acontecer.
Bell interrompeu-o apressadamente.
— Avise seu inspetor-chefe e compareça imediatamente à sala de comando.
E foi assim que Menke Laas se viu na sala de comando da Teodorico, à frente do
segundo homem mais poderoso do Império Solar, onde teve de apresentar seu relato a um
grupo de homens que ouviam atentamente.
Dali a pouco foi ao seu local de trabalho acompanhado pela tal equipe. Mostrou o
lugar onde o condutor se havia desmanchado em pó. Um dos homens recolheu as
partículas e retirou-se apressadamente. Laas teve de responder a uma porção de
perguntas. De Soto, que se mantinha discretamente em ponto mais afastado, ficou
satisfeito ao notar a habilidade com que o mecânico respondia.
Reginald Bell usou o interfone para participar da palestra. Quis ouvir alguma coisa
sobre os resultados das investigações. Quando lhe pediram que esperasse um pouco, disse
sem rebuços que deviam andar depressa.
Dali a pouco o laboratório transmitiu uma informação. O resultado era desanimador.
Tratava-se de manifestação de fadiga do material.
A suspeita de um simples mecânico fora confirmada por um analista. A informação
foi transmitida imediatamente a Reginald Bell. Toda a frota foi avisada pelo
hipercomunicador. Por algum tempo o silêncio reinou em todas as faixas de hiper-rádio.
Mas, depois disso, seis comandantes informaram que em suas naves haviam sido
observados os mesmos fenômenos, que resultaram na desintegração de um
entroncamento de condutos do circuito do campo magnético.
Bell mandou que os especialistas comparecessem à sala de comando e interpelou-os.
Os homens procuraram esquivar-se às perguntas. Bell não se conformou com isso.
Finalmente um cientista disse:
— Sir, encontramo-nos na zona de libração do espaço extragaláctico. Não sabemos
se esta zona é igual à do espaço galáctico, ou se representa um território desconhecido.
Bell dispensou os homens. Uma das pessoas que se encontravam a bordo recebeu
uma incumbência especial: Menke Laas.
— Preste atenção, Laas — disse Bell pelo interfone. — A única coisa que o senhor
terá que fazer, até que voltemos às nossas estrelas, é dirigir-se aos lugares onde há
suspeita de ocorrência das manifestações de fadiga do material. Pouco importa que o
senhor não entenda nada da parte técnica das respectivas instalações. O senhor tem uma
visão toda especial para esse tipo de fenômeno. Nada de objeções. O senhor sabe fazer
isso. Não me decepcione. Final.
Era uma atitude típica do gorducho. Sugerira a Laas ser ele o homem capaz de
executar a tarefa, e realmente estava convencido de que o técnico daria conta da missão.
Jefe Claudrin parecia menos otimista.
— Não gostaria de estar no couro desse pobre-diabo — disse.
Bell passou a mão pelos cabelos ruivos muito curtos. Aborreceu-se com a
desconfiança de Claudrin.
— Espere para ver, Jefe. De resto tudo bem?
— Por enquanto, sim. Acontece que não percorremos nem a quarta parte dos anos-
luz que devemos vencer. Se agora as naves já estão estalando, o que não nos esperará
quando penetrarmos pela última vez no semi-espaço, nas proximidades do Mundo dos
Duzentos Sóis? Tenho a impressão de que esta viagem não é nenhum passeio.
— O senhor vem dizer isso logo a mim? — resmungou Bell, mas no mesmo instante
mudou de assunto. — Ainda não temos notícias da Gauss?
A Gauss mantinha-se em silêncio.
***
Hal Mentor, comandante da Gauss, e seus tripulantes não tinham mãos a medir nos
seus esforços de escapar à desgraça.
E a desgraça assumiu a forma de milhares de gigantescas naves-pingo dos
invisíveis.
O setor espacial intergaláctico foi forçado até o limite pelos inúmeros abalos
estruturais. Assim sendo, o sistema de rastreamento estrutural da Gauss deixou de
funcionar. A nave-rádio procurou fugir para o semi-espaço a fim de escapar às naves dos
laurins, que se aproximavam velozmente, vindas de todos os lados. Mas outro grupo
gigantesco de naves-pingo saiu do semi-espaço, justamente na direção em que Mentor se
afastava com sua nave.
O oficial de artilharia da Gauss atirava com todos os canhões de radiações. A nave
não dispunha de muitos armamentos. Por ocasião de sua adaptação, realizada em Árcon
III, ninguém contara com a possibilidade de a nave-rádio se ver envolvida numa batalha
espacial de grandes proporções.
O oficial de artilharia, que participara da batalha de M-13 do primeiro ao último dia,
não perdeu a calma quando seis naves-pingo se aproximaram em grande velocidade. Até
teve tempo para cuidar do dispositivo automático de controle de tiro. Depois disso agiu
instintivamente. Usou o mesmo procedimento que salvara sua nave da destruição durante
a batalha de M-13.
Ajustou as duas torres de canhões polares para o fogo de desintegração, enquanto os
canhões menos fortes existentes no interior do envoltório esférico foram regulados para
disparos intermitentes de raios térmicos e de impulsos. Essa forma de tiro nunca
constituíra objeto de aula na Academia Espacial Solar.
O próprio Hal Mentor pilotava a Gauss. Era de opinião que numa situação
praticamente desesperadora como esta, o homem adequado para enfrentá-la seria ele
próprio. Mas o quadro oferecido pelo localizador, que tornava visíveis as naves dos
laurins, fez com que se esforçasse desesperada-mente para descobrir uma saída. A Gauss
estava cercada de todos os lados por grandes grupos de naves dos laurins. Se não estava
muito enganado, outras continuavam a sair do hiperespaço...
Mentor usou o interfone para gritar com seu oficial de artilharia:
— Por que não abre fogo?
Medira a distância e constatara que a nave-pingo mais próxima se encontrava a
menos de um minuto-luz. E a distância diminuía vertiginosamente, pois as duas naves
corriam uma em direção à outra.
O oficial de artilharia compreendeu o raciocínio de Mentor. Queria que tentasse
enganar os laurins por meio dos disparos prematuros, levando-os a efetuar uma manobra
tática. Provavelmente o comandante esperava ganhar um pouquinho de tempo com isso...
o tempo de que precisava para levar a Gauss ao semi-espaço.
— Major, a nave está pronta para abrir fogo. Faça o favor de manter de qualquer
maneira a rota em direção ao grupo de seis naves.
— O que pretende...?
Mentor não chegou a completar a frase. Acabara de descobrir uma coisa
inacreditável, medonha, no painel com os inúmeros instrumentos. A capacidade
energética dos campos defensivos que cercavam a Gauss diminuía rapidamente. Há
pouco ainda estivera em noventa por cento e agora, segundo os instrumentos, estava
baixando para oitenta por cento. Logo passou por essa marca e aproximou-se ainda mais
depressa dos setenta por cento.
Nesse momento, o oficial de artilharia calcou o botão de comando geral dos
canhões. De repente um conjunto confuso de feixes de raios térmicos, de desintegração e
de impulsos cortou o espaço escuro em cores feéricas e atingiu a primeira nave dos
laurins com uma força fulminante.
“A mistura foi correta”, pensou o oficial de artilharia, satisfeito.
No interior da nave, todos os conjuntos energéticos começaram a uivar. O casco da
Gauss retumbou que nem um sino rachado. O oficial de artilharia passara o comando para
o dispositivo automático. Viu três das cinco naves dos laurins romperem a nuvem
alaranjada espalhada em torno do centro da explosão, sem tomar conhecimento da
destruição da nave-comando. Numa fração de segundo, a mira automática atingiu mais
uma nave-pingo.
Será que também explodiria? Ou teria resistido ao primeiro impacto dos tiros
disparados pela nave terrana?
O oficial de artilharia ainda conseguiu ver as cinco naves dos invisíveis abrirem
fogo ao mesmo tempo contra a Gauss, enviando seu inferno de radiações de encontro à
pequena nave da classe Cidade!
Mas o momento em que as naves abriram fogo coincidiu com aquele em que Mentor
moveu o comando que arrastou a Gauss para o semi-espaço, fazendo com que os veículos
dos laurins desaparecessem de um instante para outro.
A Gauss prosseguiu velozmente em vôo linear, em direção ao Mundo dos Duzentos
Sóis. Mentor inclinou-se para o microfone, a fim de instruir a equipe de rádio a informar
o chefe sobre a aproximação duma gigantesca frota dos laurins. Porém, naquele
momento, ouviu o kalup emitir um rugido que ainda não conhecia.
A sala de máquinas chamou.
O kalup não estava funcionando como devia.
Mentor entrou em contato com o engenheiro-chefe.
— Major, temos de sair do semi-espaço, senão o kalup explodirá à nossa frente.
A Gauss corria pela zona de libração, desenvolvendo cento e dez vezes a velocidade
da luz. No rastreador de relevo o distante Mundo dos Duzentos Sóis tornava-se cada vez
maior e mais nítido.
— Quanto tempo ainda agüenta o kalup? — perguntou Mentor.
A calma que irradiava transmitiu-se aos homens que trabalhavam na sala de
máquinas. Ouviu o engenheiro-chefe pigarrear.
— Provavelmente uns cinco ou dez minutos. Mas não garanto nada.
— Isso basta. Daqui a três minutos desligarei o kalup.
O aparelho poupou-lhe esse trabalho. Deixou de funcionar.
A Gauss voltou a penetrar no Universo einsteiniano.
O localizador antifletor entrou em funcionamento. Os contornos projetados na tela
logo se estabilizaram.
— Era exatamente o que eu esperava! — resmungou Mentor, em tom mordaz.
As naves dos laurins também se encontravam nas proximidades do Mundo dos
Duzentos Sóis.
— Caramba! Ainda é muito longe — disse Mentor de si para si.
Não deu atenção ao olhar espantado do co-piloto. Entrou em contato com o
comando de tiro.
— Será que pelo menos aí tudo está em ordem?
— Infelizmente não, major. Acredito que fomos atingidos. Não consigo mais a força
necessária para meus canhões.
Teve de encerrar a transmissão, pois a sala de máquinas acabara de entrar na linha.
As notícias transmitidas pelo engenheiro-chefe também eram alarmantes.
— Major, a Gauss tem um rombo de um metro de largura e pelo menos vinte metros
de comprimento. Os comandos preliminares do kalup foram atingidos. E o primeiro
estágio do hiper-rádio foi totalmente destruído. Como pôde acontecer uma coisa dessas?
Não percebemos o impacto.
Hal Mentor lembrou-se do que observara pouco antes da nave penetrar na zona de
libração. Os campos defensivos da Gauss haviam ficado sem energia. As cinco naves dos
laurins tinham desfechado o ataque no mesmo instante em que o cruzador foi arrastado
para o semi-espaço. A potência dos campos defensivos devia ser pouco inferior a sessenta
por cento. Por isso o dispositivo protetor do cruzador da classe Cidade perdera um terço
de sua força. Dificilmente poderia resistir a um impacto direto.
Era de admirar que a Gauss ainda existisse e fosse capaz de deslocar-se por meio
dos jatos-propulsores. Mentor compreendeu por que nenhuma das pessoas que se
encontravam a bordo haviam notado o impacto. Este ocorreu no mesmo instante em que a
nave mergulhou na zona de libração. Mentor ordenou uma inspeção geral. — Rápido,
minha gente! O primeiro grupo dos laurins já nos localizou e aproxima-se. Todos os
defeitos deverão ser informados ao setor de máquinas, ao comando de tiro ou ao rádio.
Dali me será fornecido um relatório global. Certo?
O impacto do primeiro estágio do hipercomunicador fizera com que a carreira da
nave-rádio Gauss tivesse chegado ao fim. O objetivo de Mentor consistia exclusivamente
em chegar quanto antes ao Mundo dos Duzentos Sóis. O fato de ainda se encontrar a dois
meses-luz do planeta não o preocupava. Poderia recorrer à técnica antiquada da transição
para chegar lá num único salto. Restava saber se os jatos-propulsores ainda estavam em
boas condições.
Na sala de comando da Gauss, não se notava o menor sinal da tensão crepitante que
reinava na nave. Mentor teve tempo para refletir. Seus oficiais olhavam ininterruptamente
para o localizador antifletor, no qual as naves-pingo que se aproximavam cresciam a
olhos vistos. Era bem verdade que ainda se encontravam a três horas-luz de distância.
Isso deixava os homens um pouco mais tranqüilos. Na opinião dos invisíveis, a pequena
nave esférica devia ser uma presa fácil. Provavelmente era este o motivo por que não
acharam necessário percorrer as três horas-luz num salto.
— Acho que neste ponto a lógica dos laurins apresenta uma falha — disse um
oficial às costas do Major Mentor, dirigindo-se a um colega.
Acabara de cometer um engano.
Apesar dos esforços de três técnicos, os rastreadores estruturais da Gauss ainda não
estavam em ordem, motivo por que não foi possível constatar o abalo estrutural ocorrido
nas imediações da nave. No entanto, o localizador antifletor funcionava perfeitamente.
Duas naves-pingo corriam velozmente para a Gauss, vindas do nada!
— Os canhões estão em ordem? — perguntou Mentor pelo interfone. — Já está
recebendo energia suficiente?
— Por aqui tudo bem!
A resposta foi tranqüilizadora.
Mentor não deu muita atenção à mesma. A observação que acabara de fazer era
mais importante. Mais uma vez assistia a um fenômeno temível: a energia dos campos
defensivos diminuía assustadoramente.
Será que os invisíveis haviam descoberto uma nova arma voltada em primeira linha
contra os campos relativistas das naves fragmentárias, mas que não se revelava menos
eficiente na luta contra as naves terranas?
O homem sentado diante dos controles, na sala de máquinas, chamou.
— Major, há algo de errado com nossos campos defensivos?
Mentor não sabia o que responder. Não tinha explicação para a queda da energia.
A Gauss começou a disparar um instante depois da primeira nave-pingo. O campo
defensivo debilitado da nave-rádio foi atingido de raspão e esfacelou-se. O veículo dos
laurins não teve tempo de disparar de novo. O fogo concentrado da nave terrana
transformou-o num pequeno sol ofuscante.
Mentor modificou abruptamente a rota da Gauss. Os jatos-propulsores foram
solicitados ao máximo e uivaram fortemente. A velocidade da nave era de 0,45% da
velocidade da luz. Seria muito perigoso entrar em transição numa velocidade tão baixa.
Poderia haver lesões orgânicas.
A Gauss afastou-se pela coordenada verde. Deixou que o distante Mundo dos
Duzentos Sóis desaparecesse embaixo dela e acelerou ininterruptamente. O ponteiro do
velocímetro foi subindo lentamente pela escala. Naquele momento estava passando pela
marca correspondente à metade da velocidade da luz. Mas a segunda nave dos laurins era
mais rápida que a Gauss. Aproximava-se pela rota de colisão.
Assim que foram ativados, os campos defensivos da nave-rádio perderam a energia.
— Que arma infernal será esta? — perguntou Hal Mentor e calcou a tecla de
transição.
A Gauss desapareceu num vôo realizado em tempo zero, para rematerializar-se nas
proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis. Não havia ninguém a bordo que não
gemesse sob o efeito do choque de transição e esfregasse a nuca dolorida. Em todos os
lugares os homens praguejaram contra a técnica antiquada. Mentor não teve tempo para
controlar seu estado físico.
Oito naves-pingo do tipo mais pesado aproximaram-se da Gauss!...
O anel solar semelhante ao de Saturno estava bem à frente da nave. Um grupo ainda
mais numeroso de naves dos laurins aproximou-se, passando entre dois sóis artificiais.
Ao ver nos instrumentos que os campos defensivos da Gauss já haviam deixado de
existir, Hal Mentor nem chegou a estremecer.
Nestas condições a espaçonave era apenas uma esfera metálica fácil de ser
destruída. Fatalmente haveria de desintegrar-se com o primeiro impacto.
Mentor deu ordem para abandonar a nave.
Ainda se encontravam a 247 mil quilômetros do Mundo dos Duzentos Sóis.
Naquele momento a nave sofreu o primeiro impacto. As instalações da
protuberância equatorial foram esfaceladas. Os tripulantes que se encontravam na sala de
rádio saíram correndo. Mentor esperou que o último homem saísse da sala de comando.
Não acreditava que ainda conseguisse chegar a um dos planadores espaciais.
Mais um impacto retumbou pela nave. Quando o ribombo cessou, já não se ouviram
os zumbidos vindos da sala de máquinas. Mas parte do sistema de suprimento energético
interno ainda estava funcionando. O poço principal do elevador antigravitacional se
achava em condições de ser usado. Mentor foi o último a descer por ele em direção ao
hangar em que estavam guardados os planadores espaciais.
Correu pelo convés, entrou no hangar e viu um oficial que se encontrava junto ao
interfone e realizava um controle sobre os tripulantes que se achavam presentes. O
interfone permaneceu em silêncio.
— Major, faltam setenta e três homens.
— Vamos abandonar a nave! — respondeu Mentor.
— Repetirei a chamada.
Não teve tempo para isso. Algumas das naves dos laurins que se aproximavam já
haviam regulado os canhões para a Gauss. Só por milagre o hangar dos planadores
espaciais ainda não fora atingido.
A nave estalava em todos os cantos.
Finalmente a Gauss partiu-se em vários pedaços. A escotilha externa do hangar de
planadores espaciais não abria mais.
— Atenção, ocupantes do primeiro planador! Saiam e abram a eclusa por meio dos
controles manuais! — berrou Mentor pelo rádio de capacete.
Era a única chance de escapar.
Os homens que se encontravam no primeiro planador não haviam perdido o sangue-
frio. Correram para fora do barco de salvamento como se estivessem realizando um
treino, foram até a eclusa, acionaram o dispositivo mecânico e começaram a abrir a
gigantesca escotilha de duas partes centímetro por centímetro.
O anel de Saturno do Mundo dos Duzentos Sóis brilhava nas profundezas,
iluminando o hangar.
A Gauss estava ardendo. O alerta de radiações dos trajes espaciais deu o sinal. A
desintegração atômica se iniciava no interior da nave. Os destroços poderiam explodir a
qualquer momento.
Os homens que procuravam abrir as duas metades da eclusa lutavam pela vida.
Mentor, que os contemplava de junto do interfone, sabia que estavam fazendo o possível.
Não havia motivo para dar-lhes ordens.
A Gauss girava cada vez mais depressa.
De repente pareceu cair de lado. A nave abriu-se acima das cabeças dos homens,
sob um ribombo contínuo provocado pela explosão. Mentor teve poucas esperanças de
que alguém conseguiria sair vivo dali.
Finalmente os ocupantes do primeiro planador abriram a eclusa o suficiente para
que os pequenos aparelhos espaciais pudessem atravessá-la.
O planador número um logo o conseguiu. Os outros barcos seguiram-no de perto.
Três barcos de salvamento deixaram de ser usados.
Havia setenta e três mortos a bordo da Gauss.
Ao equipar o destacamento especial da frota, a Administração do Império Solar não
fizera questão dos dez milhões de solares gastos. Também para os planadores espaciais
levados pelas naves só servia o melhor.
“Conseguiremos passar”, pensou Hal Mentor depois de cinco minutos, quando a
Gauss já havia deixado de existir.
A pequena tela mostrava os outros planadores passando pelas fileiras de naves dos
laurins numa série de manobras arrojadas. Os barcos de salvamento eram muito mais
lentos que as naves dos invisíveis, mas compensavam a lentidão por meio da
extraordinária agilidade. Os laurins que se encontravam atrás das miras óticas já deviam
estar assustados, pois não conseguiam atingir os minúsculos objetos com os raios
disparados por suas armas. Quando chegavam a disparar, o lugar em que antes estivera
um barco espacial se achava vazio, pois a pequena embarcação já havia mudado de rota.
Mentor fez passar seu planador perigosamente perto de um dos duzentos sóis
artificiais. Sabia que estava assumindo um risco, mas calculava que as fortes radiações do
sol artificial não deixariam de provocar pequenos desvios nas medições telemétricas dos
laurins. Ele e seus homens já haviam colocado todos os filtros, contudo a intensidade da
luz ofuscante era tamanha que esses dispositivos mal conseguiam absorvê-la.
O propulsor, solicitado ao máximo de sua potência, uivava. Mentor descobriu uma
nave-pingo que estava seguindo seu planador.
— Se não fossem os localizadores anti-fletores, os laurins já nos teriam derrubado
— disse com um leve triunfo na voz.
Voltou a seguir em direção ao espaço vazio, porém conservou a rota apenas por
alguns segundos. Viu a nave dos laurins descrever uma curva gigantesca, girou
rapidamente o planador e colocou-o de cabeça para baixo, a fim de disparar em direção
ao planeta, auxiliado pela gravidade.
— Major, somos os últimos! — gritou um homem.
Apontou para uma série de pontinhos reluzentes, que já se encontravam perto da
superfície do Mundo dos Duzentos Sóis.
3
O octogésimo quinto sol estava explodindo quando a frota de Reginald Bell saiu do
semi-espaço nas proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis e mergulhou no espaço
normal. Sofrerá perdas que chegavam a um total de duzentas e dezoito naves antes de
chegar ao destino, no espaço intergaláctico. Mas em vez de ver um anel grandioso
semelhante ao de Saturno em torno do planeta, deparou-se com o fogo de radiações das
naves dos laurins que atacavam furiosamente.
Jefe Claudrin pilotava a nave capitania, Bell estava sentado a seu lado. A projeção
da imagem sobre a gigantesca tela panorâmica provinha do localizador antifletor. Era só
por meio dele que se tornava possível reconhecer as naves-pingo invisíveis, se bem que
cada membro da expedição possuía um par de óculos antiflex.
Desde o início da batalha as naves esféricas terranas ficaram em desvantagem. Os
campos de sucção dos laurins atingiam os campos defensivos das naves terranas,
subtraíam-lhes a energia e provocavam seu desmoronamento. No momento em que um
campo desaparecia, o inimigo começava a atirar.
Ao ver explodir três naves da classe Cidade, Bell ficou apavorado.
— Retirar para o semi-espaço! — gritou pelo hipercomunicador, dirigindo-se a
todos os comandantes.
A gigantesca frota desapareceu tão de repente como havia aparecido. Encontrava-se
na zona de libração de um universo diferente, mas os homens assistiram pelo rastreador
de relevo à explosão do octogésimo sexto astro artificial que fornecia luz ao planeta.
Bell dirigiu-se a todos os comandantes.
— A frota B atacará quando as naves da frota A constatarem a perda de energia nos
campos defensivos. Assim que isso acontecer, nenhuma nave da frota A permanecerá no
espaço normal por um segundo que seja. Todas as unidades retirar-se-ão imediatamente
para a zona de libração. A frota C penetrará no Universo einsteiniano quando a frota B se
retirar. Espero que tenham compreendido o esquema. Os laurins deverão ser atacados
com todas as armas. Devem aprender que é muito perigoso meter-se conosco. Nunca
deverão esquecer a lição que lhes vamos dar. Alguma pergunta?
O comandante da frota D pediu a palavra. Acabara de perder uma nave da classe
Cidade, destruída pelo fogo disparado da superfície. Bell não deixou que concluísse.
— Não tenho nenhuma receita para isso. Só em caso de extrema emergência
deverão dar ordem para abrir fogo contra os fortes hiperimpotrônicos. Sei perfeitamente
que a ordem que acabo de dar não servirá para muita coisa, mas afinal não viemos para
destruir o Mundo dos Duzentos Sóis.
Bell transmitiu a hora exata em que a frota A iniciaria o ataque. O resto seria feito
segundo a evolução dos acontecimentos. Comandou pessoalmente o grupo A.
O momento zero chegou. Bell penetrou na estrutura espacial comum com pouco
menos de oitocentas naves e foi parar bem no meio de três gigantescos grupos de naves
laurins que se dispunham a destruir mais um sol.
A Teodorico ocupava a posição mais avançada. Podia disparar à vontade para todos
os lados, sem correr o risco de atingir uma nave terrana. Algumas naves dos invisíveis
abandonaram a frente de luta com graves avarias. Mas cada nave que se afastava logo era
substituída.
Ao notar que a estabilidade dos gigantescos campos defensivos da Teodorico ia
enfraquecendo cada vez mais, Bell ficou apavorado. Jefe Claudrin, o epsalense, não disse
uma palavra quando o kalup começou a rugir no interior da nave. No último instante, Jefe
levou a Teodorico ao semi-espaço, onde estava a salvo.
O grupo C avisou Bell de que o grupo B substituíra o A no momento adequado.
Finalmente vieram as notícias das perdas. Duas naves haviam sido destruídas.
Reginald Bell e Jefe Claudrin fitaram-se prolongadamente. Se as coisas
continuassem assim, suas chances não seriam muito boas.
O grupo B permaneceu no Universo einsteiniano durante três minutos e procurou
impedir as naves-pingo de destruírem os sóis artificiais. Depois disso o grupo C penetrou
no Universo normal. O grupo B perdera uma nave da classe Cidade.
O grupo C anunciou a perda de quatro naves!
Bell suspendeu o ataque. Procurou entrar em contato com Rhodan. Por um instante
teve a impressão de ver a X-l na tela. Os potentes transmissores da Teodorico chamaram
o chefe por várias faixas de ondas.
A X-l não respondeu.
Sofrera um impacto quando estava voando em direção ao planeta. Pusera fora de
combate um forte do cérebro instalado no planeta e, depois disso, arrastara-se a custo até
o campo de pouso. O único consolo era que não houvera perdas entre os tripulantes. Mas
a perda do hiper-rádio poderia trazer graves conseqüências. Rhodan imaginava que Bell o
estaria chamando.
Este não perdeu tempo. Ficou satisfeito ao saber que Gucky penetrara em seus
pensamentos. O pequeno apareceu à sua frente. Envergava um enorme traje de combate.
— Está bem, gorducho, já sei de tudo. Saltarei para onde está Perry. Apenas lhe
peço o favor de penetrar no Universo normal por um segundo.
— Faça o que puder, pequeno — disse Bell, enquanto Jefe Claudrin fazia a
Teodorico precipitar-se na estrutura espacial da terceira dimensão.
Gucky desapareceu no mesmo instante.
O rato-castor rematerializou-se no interior da sala de comando da X-l, que numa
altura de dois mil metros enfrentava a uma velocidade de mach 5 os furacões que rugiam
ininterruptamente sobre o mundo do centro de plasma. Jogou para trás o capacete de
visão total e arrastou os pés em direção a Perry Rhodan, que se encontrava junto ao
painel de instrumentos e o fitava atentamente.
— Olá, chefe, foi Bell que me mandou...
A pequena criatura irradiou o resto da mensagem por via telepática. Era mais rápido,
e além disso não havia a possibilidade de um mal-entendido.
Sem rebuços, Rhodan disse ao rato-castor que não havia uma solução definitiva para
os campos de sucção dos laurins... Gucky interpretou estas palavras como uma ordem de
voltar para a Teodorico, mas não estava com vontade. Antes de entreter essa idéia
protegeu sua mente e inventou uma desculpa:
— Perry, não posso teleportar-me para junto de Bell. Não sei onde está; pode ser no
Universo normal ou no semi-espaço. Será que...
Rhodan fitou-o com uma expressão enérgica.
— Nada disso, pequeno. Não me venha com truques. Localize a nave e salte. Diga a
Bell que deve trazer o quanto antes armas pesadas. Aqui embaixo, os pos-bis se
organizaram, em três continentes, com exércitos de muitos milhões. Parece que, dentro
em breve, pretendem atacar-nos.
Enquanto Rhodan falava, Gucky foi arregalando os olhos. Já não pensava mais em
continuar na X-l.
— Está bem, chefe. Mas, quando o gorducho não precisar mais de mim, posso vir
para cá, não posso?
Não esperou a resposta de Perry Rhodan. Localizou a Teodorico e saltou no mesmo
instante.
Quando se rematerializou, o supergigante parecia arrebentar com o ribombar de seu
casco. O tiro de radiações de uma nave-pingo acabara de romper os campos defensivos
da nave capitania, debilitados por um raio de sucção. Mas, felizmente, este perdera tanta
energia que já não conseguira destruir o envoltório da nave.
Bell ficou furioso com o impacto que a nave acabara de sofrer e transmitiu novas
ordens a todos os comandantes. Cada unidade só deveria permanecer no Universo normal
por dez a vinte segundos.
Até então dezessete naves haviam sido postas fora de combate. Quatorze delas
representavam perdas totais.
— O que é que você está dizendo? — Bell ficou com o queixo caído.
Gucky acabara de falar-lhe nos milhões de pos-bis hostis que, na opinião de
Rhodan, se preparavam para o ataque aos três mil terranos.
— Você deve levar canhões de radiações lá para baixo o mais depressa possível,
gorducho. Perry não pode falar com você. O hiper-rádio da X-l foi destruído.
Reginald Bell recuperou o autocontrole no mesmo instante. Fez uma ligação
coletiva e falou com todas as unidades ao mesmo tempo. Os compartimentos de carga de
quatrocentas das quase três mil naves estavam cheios até o teto com canhões de radiações
superpesados. Essas quatrocentas naves separaram-se dos grupos a que pertenciam,
contornaram o Mundo dos Duzentos Sóis sob a proteção do hiperespaço e prepararam-se
para pousar no planeta.
Antes da partida, todos os comandantes haviam sido prevenidos contra os fortes
planetários que obedeciam exclusivamente ao cérebro.
Foram recebidos por um terrível fogo de artilharia. Duas naves foram destruídas.
Mas as unidades logo revidaram com todas as armas. Ao mesmo tempo espalharam-se
para todos os lados, desenvolvendo a velocidade máxima. Um grupo de quatro naves
avistou uma gigantesca concentração de pos-bis. O oficial de artilharia da primeira nave
não perdeu tempo para solicitar permissão de abrir fogo. Os robôs desfizeram-se sob a
violência dos raios desintegradores. As naves que tinham armas superpesadas a bordo
pousaram próximas à X-l, que estava quase impossibilitada de voar. Os tripulantes
ficaram perplexos com as condições atmosféricas do planeta. Quase não conseguiam
compreender que os furacões haviam sido causados pela destruição dos sóis artificiais.
De qualquer maneira a tormenta não impediu a descarga dos pesados canhões de
radiações.
Atlan elaborara um plano para a utilização das armas. Posições de artilharia foram
montadas nos três continentes. A operação foi realizada sem incidentes. Até parecia que
os homens já a haviam treinado centenas de vezes.
A falta de mais de oitenta sóis artificiais fazia-se sentir principalmente nos
momentos em que o mundo do plasma chegava, durante sua rotação de trinta e duas horas
e vinte minutos, ao ponto do céu em que faltava uma fileira ininterrupta de trinta
luminárias atômicas. Quando isso acontecia, o mundo do centro de plasma era coberto
pelo crepúsculo. Não havia nada que melhor caracterizasse a situação catastrófica que a
luz mortiça do dia.
Rhodan e Atlan esperavam ver aparecer a qualquer momento grupos de naves
fragmentárias, mas as caixas feias em forma de cubo não foram vistas em lugar algum.
Será que não se haviam submetido ao comando da hiperimpotrônica porque cada
nave levava quantidades consideráveis de plasma, que continuavam a comandar as
unidades? Ninguém seria capaz de responder a esta pergunta.
No interior da X-l desenvolvia-se uma atividade febril. Os técnicos e os robôs
trabalharam nos destroços das instalações de hiper-rádio. As avarias dos propulsores já
haviam sido reparadas. O rádio comum transmitiu as primeiras informações dizendo que
os canhões haviam sido colocados nos lugares previstos. As notícias sempre falavam em
gigantescos exércitos de robôs, que se deslocavam em direção ao continente onde ficava
o centro de plasma.
Quatro naves esféricas da frota de Bell romperam as linhas dos laurins,
precipitaram-se em direção ao Mundo dos Duzentos Sóis e levaram ao planeta os
técnicos e especialistas que o robólogo Moders solicitara pelo pequeno hipertransmissor
instalado no centro da biossubstância. De surpresa, as posições de artilharia do cérebro
abriram fogo cerrado contra essas unidades. Apesar disso as mesmas alcançaram sem
maiores avarias a área onde se erguiam oitenta bolhas metálicas gigantescas.
Nos céus já se traçava o quadro de um êxito parcial. Nas últimas horas, os invisíveis
só haviam feito explodir três sóis artificiais. A primeira mensagem que Rhodan recebeu
pelo novo hiper-rádio da X-l veio de Bell. Este informou, sem rebuços, que só poderia
manter sua posição por mais algumas horas, se as naves dos laurins continuassem a surgir
do nada. Perguntou em termos ásperos o que era feito do fogo de radiações dos canhões
que haviam sido levados ao Mundo dos Duzentos Sóis.
Acontece que Rhodan e Atlan não podiam fazer milagres.
Nem Moders. Antes de mais nada teve de instruir os novos técnicos. Os biólogos e
especialistas em plasma já estavam trabalhando. Fariam o possível para conservar vivo o
biomaterial que estava morrendo.
Para os colegas de Moders, os blocos de biopom descobertos por este eram um
mistério completo. O robólogo explicou aos cientistas que esses blocos estabeleciam a
ligação entre o plasma e o cérebro. Em outras palavras, eram o engaste hipertóictico que
convertia os impulsos orgânicos em fluxos energéticos e convertia os comandos elétricos
em comandos orgânicos.
— Isto são os projetores dos campos defensivos. Ali fica o isolamento dos campos
energéticos. O centro de plasma entupiu-o com seus impulsos. Em vez de transformar-se
em unidades de comando energéticas, os impulsos orgânicos dirigiram-se ao exterior,
romperam o isolamento dos campos energéticos e encontraram nos projetores dos
campos defensivos, danificados com a destruição da programação do ódio, um caminho
de fazer retornar os impulsos com toda força para as massas de plasma.
“Em outras palavras, o centro de plasma machuca constantemente a si mesmo.
Quanto mais se esforça para submeter a hiperimpotrônica novamente ao seu comando,
mais se arruína. Enquanto isso tornava-se cada vez mais difícil as unidades de comando
convertidas em energia chegarem ao cérebro hiperimpotrônico. Já conhecemos a
confusão que resultou disso. Basta lembrar o destino de Frago, onde milhões de robôs
destruíram a si mesmos e ao próprio planeta. Não sei se conseguiremos realizar os
reparos antes que o plasma se transforme numa massa biologicamente morta. Isso
depende exclusivamente da sensibilidade dos senhores, que lhes permitirá reparar os
complicados blocos de biopom. E, o que é mais importante, qualquer pessoa que não
tenha nada a fazer no círculo de tráfego deve dar o fora.”
Alguém puxou a manga do uniforme de Moders. Este esteve a ponto de irritar-se,
quando viu Gucky parado a seu lado.
— Será que também devo dar o fora? — perguntou o rato-castor.
No mesmo instante, Gucky pareceu prestar atenção a uma voz em seu interior...
Moders sabia o que significava isso. Algum telepata estava falando com Gucky.
Esse telepata era Perry Rhodan, que procurava o rato-castor com suas débeis
paraenergias.
— Sinto muito, mas tenho de ir embora, Van — disse Gucky em tom triste e
desapareceu.
Encontrou John Marshall reunido com Rhodan. O chefe do Exército de Mutantes
estava totalmente exausto.
— Preste atenção, pequeno! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Gucky. — Temos
necessidade absoluta dos willys. Sabe onde encontrá-los?
— Naturalmente — disse Gucky.
— Está bem, Gucky. John e seus telepatas estão completamente esgotados. Por isso
você vai procurar entrar em contato com os willys. Faça com que compreendam que só
eles, com suas faculdades mentais, poderão evitar a morte do plasma. A maneira de fazer
isso é problema seu, pequeno, Gucky, traga os willys. Muita coisa depende disso!
***
Reginald Bell, o homem que se encontrava na direção da Administração Solar, era
do tipo colérico. Mas quanto mais perigosa se tornava a situação de sua frota, mais calmo
parecia ficar.
Os laurins traziam constantemente novos reforços vindos das profundezas do espaço
intergaláctico. Nas últimas horas a relação de forças, computada em termos de números
de naves, sofrera uma modificação de 7:3 para 11:2,5 contra os terranos. Bell poderia
calcular pelos dedos a hora em que teria que dar ordem de retirada, se quisesse evitar uma
situação em que nem uma única nave jamais voltaria à Galáxia.
A todas essas desgraças juntou-se um fato novo, totalmente inesperado. Os kalups
estavam esquentando!
Quem primeiro trouxe a notícia a Bell foi o engenheiro-chefe da Teodorico. Bell
sentiu-se desesperado. Dentro de alguns minutos, a mesma notícia veio de todas as outras
naves.
Será que o aquecimento dos kalups tinha algo a ver com os potentes campos de
sucção dos laurins?
O problema ameaçava pôr fim à tática de combate de Bell. Acontecesse o que
acontecesse, não poderia abandonar Perry. Há meia hora o administrador anunciara uma
invasão de robôs no continente em que se encontrava. Bell enviara dez espaçonaves ao
Mundo dos Duzentos Sóis, a fim de evitar que os exércitos formados por milhões de
seres-máquinas avançassem até a área onde se encontrava o centro de plasma.
Bell perguntava constantemente aos engenheiros-chefes das naves por que os kalups
estavam esquentando. Ninguém soube informar.
Todas as naves receberam novas instruções. Deveriam penetrar isoladamente no
espaço normal, disparar todas as peças é voltar a mergulhar no semi-espaço.
Era uma série ininterrupta de idas e vindas. As espaçonaves só permaneciam no
campo de batalha por uma questão de segundos. Dessa forma os invisíveis não tinham
tempo para usar sua nova arma.
— Como estão os kalups? — perguntou Bell.
Ao ouvir que estavam esfriando, soltou uma risada amarga. O aquecimento
realmente era provocado pelos campos de sucção dos invisíveis.
A tarefa de dez naves esféricas consistia exclusivamente em realizar observações
por meio dos rastreadores de relevo e localizadores antifletores, a fim de verificar se os
laurins estavam trazendo reforços e, em caso afirmativo, qual era o volume dos mesmos.
Essas dez naves transmitiam quase ininterruptamente pelo rádio, a fim de comunicar
o resultado de suas observações à Teodorico. A cada minuto que passava, a relação de
forças modificava-se em desfavor da frota terrana.
— Agüentem! — ordenou Rhodan, que continuava no Mundo dos Duzentos Sóis.
A primeira grande batalha entre espaçonaves da Galáxia e naves-pingo dos
invisíveis de Andrômeda transformava-se progressivamente numa derrota da Terra.
A Teodorico irrompeu no Universo de três dimensões. Jefe Claudrin era um mestre
em sua especialidade. Uma nave-pingo arrebentou a quarenta quilômetros do veículo
terrano. O tiro de todos os canhões do costado do supergigante pusera fim nela.
Dali a dois segundos, quando os potentes campos defensivos da grande nave
esférica começaram a se enfraquecer, esta desapareceu na zona de libração do semi-
espaço.
— Ainda bem que os laurins não podem seguir-nos para cá — disse Claudrin, com
um suspiro de alívio.
Nos próximos trinta segundos perderam-se mais nove naves terranas. Quando
souberam que os laurins haviam feito caça a um único homem que, em seu traje voador,
procurava pôr-se a salvo no Mundo dos Duzentos Sóis, os tripulantes ficaram irados.
— Isso não é normal! — esbravejou Bell, muito indignado. — Santo Deus! Que
presente não estamos recebendo da outra galáxia!
A D-185 explodiu sob o efeito de um impacto. Conforme os relatos de outras naves,
metade da tripulação conseguiu pôr-se a salvo em direção ao mundo do centro de plasma.
Mas ninguém chegou lá. Grandes grupos de naves laurins preocupavam-se em matar
até o último terrano.
Bell ouviu Jefe Claudrin soltar um gemido. Antes que o epsalense levasse a nave ao
espaço normal, Bell gritou pelo interfone para seu oficial de artilharia:
— Cuidado!
Dali a um segundo duas naves-pingo esfacelaram-se sob o fogo concentrado da nave
capitania.
Mas isso não adiantava nada.
— Um grupo de trezentas a quatrocentas naves dos laurins está penetrando no
Universo normal! — anunciou uma das dez naves cuja tarefa consistia em verificar as
chegadas dos barcos inimigos.
Dali a um minuto veio outra notícia:
— Três sóis artificiais acabam de explodir!
Bell segurou o microfone do hipercomunicador com um gesto que exprimia cansaço
e desânimo. Chamou o Mundo dos Duzentos Sóis:
— Perry, nossa situação é desesperada. Descerei daqui a meia hora. Até lá todos os
homens deverão reunir-se junto à X-l e...
A voz vinda do Mundo dos Duzentos Sóis interrompeu-o:
— Espere mais duas horas, Bell. É possível que até lá Moders consiga.
— Está bem. É possível que consiga sepultar-nos no espaço intergaláctico. Final.
O epsalense fitou-o com uma expressão em que havia uma ligeira recriminação.
— O senhor não deveria ter dito isso, mister Bell.
— O que deveria ter dito? — esbravejou o gordo, cujos nervos estavam forçados ao
máximo. — Sabe quantas naves perderemos nas próximas duas horas? Não gosto de
enviar homens para a morte somente porque o “pavor ideológico” manifestou uma vaga
suposição.
***
Gucky encontrou os willys. A pequena criatura conduziu-se com uma habilidade
extraordinária no papel de diplomata de Perry Rhodan. Comunicou-se telepaticamente
com os willys.
Gucky se encontrou com os principais representantes dessa raça extremamente
pacata e inteligente num recinto subterrâneo que era uma espécie de auditório. O tremor
de terra que sacudira as formações rochosas superiores do Mundo dos Duzentos Sóis
também deixara seus rastros nesse lugar. Gucky olhou por acaso para o teto e viu uma
gigantesca placa de pedra desprender-se. Sem que o quisesse soltou um pio estridente. Os
willys ergueram seus olhos proeminentes para o teto. Depois disso ninguém fez o menor
movimento. Encontravam-se exatamente na área de perigo.
Enquanto se desprendia do teto, a superfície grande e maciça rangeu. Mas não caiu
mais de um metro... Gucky segurou-a por meio de suas energias telecinéticas, manteve-a
suspensa e dirigiu uma pergunta telepática aos willys perplexos:
— O que devo fazer com isso?
Teve de explicar-lhes que era ele que estava evitando a desgraça. Para facilitar a
compreensão dos willys, o rato-castor fez girar a peça que pesava pelo menos cem
toneladas.
Finalmente colocou-a no lugar indicado pelos willys.
A telecinese de Gucky tornou-se ainda mais impressionante quando libertou os
pontos de ruptura da rocha solta. Nem uma única peça caiu ao chão.
Isso fez com que os willys se decidissem de vez. O porta-voz dessa raça
extremamente simpática prometeu todo auxílio possível a Gucky. Quase chegou a
envergonhar-se quando salientou não ter possibilidade de atravessar a tormenta para
chegar ao centro de plasma.
— Deixem isso por minha conta, willys. Daqui a pouco estarei de volta com dois
amigos.
Falando isto, desapareceu.
Um minuto depois, Gucky voltou com Ras Tschubai e Tako Kakuta. Os willys
usaram seus sentidos telepáticos para dar a entender que estavam dispostos a ajudar os
terranos, mas não confiavam muito nas forças desconhecidas da teleportação. Porém,
quando num instante se viram no interior daquilo que Moders chamava de círculo de
tráfego, sua desconfiança desapareceu de vez.
— Ainda é cedo — disse Moders. — Não estamos conseguindo nada, Gucky. O que
direi ao chefe? Os blocos biopônicos e seus projetores são muito mais complicados do
que eu pensava.
Gucky fez de conta que estava familiarizado com o engaste hipertóictico. Inclinou
ligeiramente a cabeça de rato-castor, fitou Van Moders com a expressão mais ingênua
deste mundo e disse:
— Você conseguirá, Van. Não é por nada que o chamam de “pavor ideológico”.
Era uma maneira de encorajar um homem que começava a duvidar de sua
capacidade.
— Gucky — disse Moders, com um sorriso. — Você é um sujeito formidável. —
Até encontrou tempo para acariciar o pêlo do rato-castor.
No círculo de tráfego havia mais de cem blocos biopônicos, mas só três assumiam
importância vital para o centro de plasma. Era verdade que os outros também teriam de
ser reparados para garantir o funcionamento normal do conjunto, mas a tarefa mais
urgente consistia em colocar em funcionamento um desses três blocos.
Gucky olhou para os willys. Ao que tudo indicava, o ambiente em que se
encontravam não lhes era estranho. Introduziu-se em seus pensamentos e, ao constatar
que só esperavam a oportunidade de ajudar os terranos, ficou satisfeito.
Além de Moders trabalhavam no bloco biopônico dois homens que haviam reparado
o equipamento de suprimento de oxigênio. Vez por outra o robólogo transmitia instruções
lacônicas. Todo mundo lhe fazia perguntas. Não perdeu a calma e a visão de conjunto.
Além de uma memória incrível possuía o dom de identificar-se com a técnica dos seres
de Mecânica.
— Ainda não consigo compreender por que a explosão no interior da programação
do ódio danificou todos os blocos biopônicos que se encontram por aqui — disse o
professor Gaston Durand.
Moders respondeu com uma santa paciência:
— Já tive oportunidade de fazer esta constatação. As criaturas em quem os seres de
Mecânica confiavam menos eram eles mesmos. E isso também acontece com sua
tecnologia. Ao contrário do que dizia o plasma, a programação do ódio dispunha de um
controle alternativo que a colocava em contato com os outros blocos. Quando a
programação do ódio explodiu, parte da energia excedente chegou aos blocos. Do lado
oposto vieram os impulsos reforçados do centro de plasma. Será que o senhor ainda não.
compreendeu, professor? Ao reforçar cada vez mais os seus impulsos, o centro de plasma
dava ininterruptamente pontapés em sua própria espinha dorsal. Não consigo explicar a
coisa de forma mais clara... Oh, como sou idiota!
O professor Durand não sabia o que estava acontecendo quando Van Moders,
radiante, bateu em seu ombro, riu a bandeiras despregadas e transmitiu algumas
instruções aos dois colaboradores. Van Moders imaginara que a solução do problema
fosse mais fácil. Os três blocos biopônicos principais teriam de funcionar perfeitamente.
Depois de algum tempo, os projetores dos campos defensivos estavam funcionando, e as
medições dos potentes isoladores de campos energéticos revelaram uma eficiência de
cem por cento.
Moders e seus dois colaboradores desceram de oito metros de altura. Moders fez um
sinal para Gucky. Este compreendera seus pensamentos e transmitira seu sentido aos
willys.
Será que estavam formando um bloco mental que nem os telepatas dirigidos por
John Marshall, a fim de irradiar seus impulsos conjugados para o plasma moribundo?
Gucky fez um grande esforço para descobrir, mas não conseguiu.
Moders estava agachado à frente do hipercomunicador portátil e falava com o chefe.
Não sabia como estavam as coisas a cem mil quilômetros acima do Mundo dos Duzentos
Sóis, e muito menos imaginava que por lá se esboçava o quadro de uma catástrofe.
Rhodan não comentou a situação. Sabia o que podia esperar de seus colaboradores.
— Quando poderemos contar com uma modificação total das condições reinantes no
Mundo dos Duzentos Sóis, Moders? — perguntou.
— Não posso dizer, chefe. Ninguém sabe se o plasma ainda voltará a entrar em
atividade — respondeu Moders.
— Obrigado. Avise-me assim que haja qualquer modificação, quer seja ela
favorável, quer seja desfavorável.
Moders desligou o aparelho sem desconfiar de nada. Só conhecia uma tarefa:
concluir o quanto antes os reparos de mais de cem blocos biopônicos. Não poderia saber
que, no mesmo instante, Reginald Bell berrou para dentro do microfone:
— O lugar desse sujeito é no hospício!
Rhodan não deu tempo para que Bell continuasse a esbravejar.
— Concentre os ataques de suas naves exclusivamente nas naves-pingo que
tentarem fazer explodir os...
Achou que não havia necessidade de concluir a frase.
Mais uma nave dos laurins acabara de ser destruída.
Dali a dez minutos Bell voltou a falar com Perry Rhodan.
— Daqui a trinta minutos estarei aí. Eu...
Depois disso o hiper-rádio transmitiu o estertor de um homem e os gritos de muitos
outros.
— O que houve, Bell? — perguntou Rhodan em tom de alarma.
Repetiu a pergunta.
Mas, na sala de comando da Teodorico, ninguém o entendeu. Suas palavras foram
abafadas pelos gritos...
***
O Mundo dos Duzentos Sóis transformara-se num monstro que cuspia raios.
Isso de um instante para outro!
De repente os homens, que estavam sentados atrás dos canhões de radiações e nem
sabiam mais contra qual das naves-pingo deveriam disparar, viram a terra abrir-se em
todo lugar; as posições de artilharia saíam da superfície.
Os visores infravermelhos, que ignoravam a tormenta e as massas de areia tangidas
pela mesma, pareciam exibir-lhes um espetáculo infernal. Junto ao embasamento de um
pesado canhão de impulsos saltou um raio de quase cinqüenta metros de diâmetro e
avançou pelo espaço, em direção ao lugar onde ainda se viam alguns sóis.
— Alvejar a terra! — berrou o chefe de uma posição de artilharia e logo comprimiu
pessoalmente a tecla vermelha que separava seu canhão do suprimento energético.
O localizador antifletor permitiu que, a uma altura de cem mil quilômetros, vissem
uma coisa que ultrapassava sua capacidade de compreensão.
De novo! Mais uma vez! E mais uma vez! As posições de artilharia do planeta, que
há alguns segundos ainda eram desconhecidas, golpeavam com seus raios.
Outra vez!
À direita, à esquerda, em toda parte!
O bramido dos raios era mais forte que o ruído do furacão desencadeado pelas
explosões em grandes altitudes.
Uma após outra, as posições de artilharia dos terranos foram suspendendo o fogo.
Não adiantava.
Eram impotentes diante do poder concentrado dos fortes hiperimpotrônicos.
Cada um desses fortes tinha a força combativa de um supergigante. A união dos
raios começou a agir como uma barreira contra o furacão. E a barreira penetrava
profundamente no espaço vazio.
O furacão foi cortado em pedaços e desviado. Subia juntamente com os raios. A
cada segundo que passava, perdia parte de sua força destrutiva.
Finalmente, depois de muitos segundos, ouviu-se um grito. Um grito, dois e...
finalmente todos berravam num júbilo frenético.
Por mais de uma vez, homens que costumavam ser um modelo de autocontrole
caíam nos braços uns dos outros.
O Mundo dos Duzentos Sóis estava golpeando, mas obedecia às ordens do centro de
plasma. Também a hiperimpotrônica, o gigantesco cérebro, estava submetido às ordens
da biossubstância. A potência fulminante dos fortes abria clareiras nas fileiras das naves
dos invisíveis.
Mas não foram só os canhões estacionários que travaram combate com as naves-
pingo. Naves fragmentárias surgiram, vindas do nada, disparando seus terríveis raios
conversores com todos os canhões dos costados.
Uma luminosidade cada vez mais forte surgiu em torno do Mundo dos Duzentos
Sóis.
Milhares de naves dos laurins desfizeram-se sob o processo de desintegração
atômica.
Todos os receptores de hipercomunicação deram o sinal de chamada. Era o chefe
que estava entrando em contato com seus homens. Disse tudo numa única frase:
— O centro de plasma voltou a assumir o controle do cérebro hiperimpotrônico.
O rosto sorridente de Bell apareceu na grande tela.
— Isso é uma fábula, Perry! — disse. Rhodan respondeu prontamente:
— E olhe que você queria ver trancado no hospício o homem que nos trouxe esta
fábula. Quando é que você aprenderá a confiar nos nossos colaboradores?
— O quê! — exclamou Bell, fora de si. — Perry, você realmente acreditava que
Van Moders conseguiria? Acreditava mesmo?
Perry Rhodan respondeu imediatamente, sem tirar os olhos de Bell:
— Se não fosse o homem que atende pelo nome de Van Moders, eu nunca teria
arriscado o vôo ao Mundo dos Duzentos Sóis.
***
Só algumas naves-pingo resistiam ao inferno e conseguiram pôr-se a salvo, fugindo
para as profundezas do espaço intergaláctico. Com o auxílio inesperado das naves dos
pos-bis, os humanos saíram vitoriosos da batalha mais importante da História Galáctica.
O centro de plasma, que começou a recuperar-se com uma rapidez surpreendente e
controlava firmemente a hiperimpotrônica, não se esqueceu da grande dívida de gratidão
que havia assumido para com os humanos. O tratado celebrado entre ele e Rhodan,
consistente apenas numa série de acordos verbais, foi um dos poucos que nunca
chegaram a ser rompidos.
O plasma cedeu prontamente os dados sobre os raios conversores que lhe foram
solicitados. Sem demonstrar a menor desconfiança, aceitou a sugestão de Rhodan. Iria
instalar, com o auxílio de Van Moders, uma segurança entre o engaste hipertóictico e a
hiperimpotrônica, segurança esta que só funcionaria na direção do cérebro. Dessa forma
se evitaria para todo o sempre que o gigantesco mecanismo voltasse a assumir o poder.
Os teleportadores retiraram a superbomba das profundezas da hiperimpotrônica,
pois o gigantesco centro de computação, dotado de uma inteligência impotrônica era de
valor inestimável, caso não se tornasse independente.
Quando interpretaram os dados sobre as bases pos-bis que ainda existiam no espaço
intergaláctico, os especialistas chegaram à conclusão de que só restavam dez por cento. A
grande massa dos planetas e satélites artificiais fora destruída nas lutas entre os robôs. Os
terranos ficaram chocados ao tomarem conhecimento de que, em virtude da destruição da
programação do ódio, as naves fragmentárias não estavam mais em condições de criar os
campos relativistas atrás dos quais podiam transportar-se até dez horas no futuro.
Rhodan recebeu a notícia com uma calma surpreendente.
— Nem mesmo para nós, as árvores crescem até o céu — disse.
Nem mesmo Bell compreendeu seu sorriso. Mas Gucky conhecia o motivo. Mais
uma vez introduzira-se nos pensamentos de Rhodan. E aquilo que leu deixou-o perplexo.
O que estava pensando Perry Rhodan?
— A conquista do Universo não deve tornar-se muito fácil para nós, pois, nesse
caso, existe o perigo de nos cansarmos muito antes de atingirmos nosso objetivo — disse
o administrador, pensativo.
Rhodan recebeu mais um pedido de comparecer ao edifício central do plasma. A
frota terrana, que passara por uma revisão completa, já estava pronta para decolar em
direção à Galáxia.
Rhodan não se surpreendeu ao receber um pedido do centro de plasma.
— Procure o mundo de plasma do qual eu vim, Rhodan. Procure-o e liberte-o dos
laurins, que são os inimigos da verdadeira vida.
Rhodan pediu dados, mapas estelares.
Acontece que o centro de plasma não possuía dados nem mapas. Só tinha uma vaga
suposição quanto ao lugar de que havia vindo. Viera do outro lado do abismo
intergaláctico, da nebulosa de Andrômeda.
Rhodan não se limitou a dizer algumas palavras vazias.
— Por enquanto ainda não posso prometer nada. Nossas naves não estão em
condições de atravessar o grande abismo. Quando chegar o dia em que os terranos
alcançarem o distante oceano de estrelas, eu me lembrarei do pedido que você acaba de
fazer e sairei à procura do mundo que é o seu. Prometo!
Ao sair da sala de tradução, ouviu estas palavras:
— À verdadeira vida pertence o Universo.
Perry Rhodan nunca mais se esqueceu desta frase. Mas também não se esqueceu de
indagar-se: “Quem corporifica a verdadeira vida?”
***
**
*