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A BATALHA DOS
DUZENTOS SÓIS
Autor
KURT BRAND

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os laurins atacam o Mundo dos Duzentos Sóis...
E os homens não conseguem detê-los!

Estamos no ano 2.114 do calendário terrano. Portanto, menos de


um século e meio se passou para os habitantes do planeta Terra, desde
o momento em que o primeiro foguete de propulsão química conseguiu
pousar na Lua, ato que representou o prelúdio da verdadeira
navegação espacial.
É um lapso de tempo incrivelmente curto, se medido pelos padrões
cósmicos. Mas o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan já
conseguiu transformar-se numa das vigas mestras do poder galáctico.
A maior parte dos povos da Via Láctea já aprendeu que é melhor
ser amigo que inimigo dos terranos. Até mesmo os pos-bis, nome dado
aos seres positrônico-biológicos, que atacavam com uma fúria cega
todas as formas de vida da Galáxia, já suspenderam seus ataques!...
Provavelmente isso aconteceu porque, depois da eliminação da
programação do ódio, levada a efeito pelos terranos, o centro de
plasma, que é amigo dos homens, assumiu o poder no Mundo dos
Duzentos Sóis.
As lutas fulminantes que de repente irromperam entre os pos-bis
preocupam os dirigentes da Aliança Galáctica. Afinal, os pos-bis
representam um trunfo valioso para enfrentar o perigo dos laurins. Por
isso, Perry Rhodan resolve apostar todas as chances numa única carta.
Todas as reservas técnicas são mobilizadas, e uma grande frota
comandada por Reginald Bell arrisca o Salto no Intercosmo.
Por pouco a frota não chega tarde, pois A Batalha dos Duzentos
Sóis já começou...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan e Atlan — Dois imortais que juntamente com 3
mil terranos aguardam ansiosamente a chegada da frota
de Bell.
Reginald Bell — Cuja viagem ao Mundo dos Duzentos Sóis é
atrapalhada por inúmeras panes.
Ras Tschubai — Um teleportador que age como fornecedor de
armas.
Van Moders — Um jovem robólogo, cujo pensamento segue
trilhas que são completamente estranhas aos humanos!
Gucky — O rato-castor que não gosta de levar “vida de
reservista”.
Owen de Soto — Inspetor-chefe da Teodorico.
Menke Laas — Um técnico de montagem que é usado como
rastreador de panes.
1

Owen de Soto, o inspetor-chefe encarregado das usinas energéticas da Teodorico,


era um homem de quarenta e três anos que só parecia ter vinte. Seus antepassados haviam
emigrado da Terra para o planeta Siga, um mundo semelhante ao nosso. Foi um dos
primeiros a pertencer ao Império Solar.
Quando Siga foi liberado para a colonização, os biólogos, especialistas de radiações,
analistas e muitos outros técnicos terranos nem desconfiavam de que, apesar dos
resultados favoráveis das investigações, aquele planeta na verdade era um dos mundos
proibidos.
Durante quinze anos, tudo correu normalmente em Siga, mas um belo dia os
pediatras puseram em alarma os geneticistas... Naquela época o planeta colonial terrano
já tinha mais de três milhões e meio de habitantes, e sua indústria funcionava a toda
potência.
Os pediatras e os geneticistas viram-se diante de um mistério. Nos últimos dois
meses haviam nascido oito crianças que tinham o tamanho de pigmeus. A Terra enviou
seus especialistas mais competentes para Siga. Porém eles voltaram sem terem
conseguido nada. As notícias que trouxeram foram inquietantes. Em Siga, nascia um
número cada vez maior de crianças anãs.
A Terra interditou Siga.
Durante trinta anos, o planeta pertenceu ao número dos mundos proibidos. Mas não
havia mais como impedir a estranha evolução dos acontecimentos naquele mundo.
Quatro quintos de todos os recém-nascidos eram pigmeus. Todas as tentativas de
estimular o crescimento dos mesmos por meio de medicamentos, hormônios e outros
recursos biológicos resultaram em fracasso. Nem mesmo os médicos galácticos, os aras,
encontraram solução para o mistério. No planeta isolado a vida continuou. Em Siga,
qualquer pessoa que tivesse noventa centímetros de altura era considerada muito grande.
Mas foi só na terceira geração dos anões de Siga que se descobriu que a mutação não lhes
dera apenas o tamanho de pigmeus, mas de certa forma compensara a desvantagem,
concedendo-lhes um tempo de vida extremamente longo.
O inspetor-chefe Owen de Soto tinha vinte e um centímetros de altura. Já estava
acostumado a andar entre os gigantes terranos. A natureza dotara os anões siganeses de
uma autoconfiança exagerada, motivo por que não sabiam o que era complexo de
inferioridade. E a posição de inspetor-chefe das usinas energéticas da Teodorico não
permitia que De Soto tivesse complexos.
De Soto viu Menke Laas, um jovem mecânico vindo da área de Antuérpia,
ajoelhado diante dos circuitos de distribuição, onde estava examinando as diversas fases.
O último controle entre as unidades 1 e 4 revelara uma perda insignificante no
desempenho. Segundo as indicações dos instrumentos, o defeito só poderia estar nos
distribuidores.
“Esse Laas está doido”, pensou De Soto apavorado.
Esteve a ponto de gritar: Será que o senhor está doido ou cansado de viver? Por que
não desliga a força?
Mas não teve tempo.
Um raio da grossura de um braço humano, provocado por um curto-circuito, passou
junto à sua cabeça e fez estragos na parede atrás dele. Owen de Soto viu Menke Laas
cambalear e cair ao chão. Alcançou-o com alguns saltos. O pequeno siganês ajoelhou-se
ao lado do mecânico desmaiado. Não deu atenção aos chiados e ao crepitar do conjunto
distribuidor, montado segundo os princípios arcônidas. O lado esquerdo do rosto de Laas
apresentava queimaduras gravíssimas. Owen de Soto lembrou-se do curso de
enfermagem que havia feito. Haviam-lhe ensinado que as queimaduras devem ser
tratadas imediatamente com o preparado tola-tolgen, um remédio dos aras. Qualquer
pessoa que trabalhasse no sistema elétrico era obrigada a ter sempre esse remédio. Owen
de Soto, que era o inspetor-chefe, pertencia a esse grupo de pessoas.
Enquanto a mão esquerda erguia ligeiramente a cabeça de Laas, a direita segurava o
spray com tola-tolgen. Dirigiu-o sobre a parte queimada do rosto e espalhou o remédio.
Uma camada cinza-pálida cobriu a parte queimada. Owen de Soto sabia que, no dia
seguinte, o mecânico já poderia barbear o lado esquerdo do rosto, desde que recuperasse
os sentidos.
O curto-circuito acionara automaticamente o alarma.
Quatro homens entraram na pequena sala de controle. Eram dois enfermeiros e dois
médicos pertencentes à unidade. Sua tarefa consistia em arrancar da morte as pessoas que
fossem atingidas por descargas elétricas.
O siganês afastou-se. Finalmente ouviu os chiados e o crepitar das instalações, que
ainda estavam recebendo carga. Virou-se e desligou o suprimento de energia. A ligação
entre os circuitos energéticos 1 e 4 não existia mais.
— Ele foi apanhado em cheio! — disse um dos médicos. — Regule a máquina
cardíaca para a potência máxima.
De Soto compreendeu o sentido da última frase. O estado de Menke Laas era
desesperador. Além de paralisar o coração do mecânico, o choque elétrico crispara todos
os músculos cardíacos.
A máquina cardíaca dotada de uma unidade energética autônoma tinha o tamanho
de um pequeno estojo. Passou a emitir um zumbido forte e agudo. Menke Laas, cujo
peito estava descoberto, não sentiu os choques elétricos de elevada potência com seu
efeito de descontração, irradiados pela placa de sucção presa ao tórax.
— Avise o hospital de bordo! — ordenou o outro médico.
Isso significava que resolvera suspender o tratamento do mecânico.
O intercomunicador chamou:
— O que está acontecendo com as unidades energéticas um e quatro?
O inspetor-chefe De Soto viu-se obrigado a cuidar de seus deveres. Cabia-lhe
providenciar para que os geradores energéticos 1 e 4 voltassem a funcionar. O siganês
moveu alguns contatos e inseriu o conjunto distribuidor sobressalente número um, que
era uma cópia fiel do original, entre os circuitos energéticos 1 e 4.
Nos dois salões contíguos, onde estavam instalados os gigantescos geradores,
algumas luzes acenderam-se, transmitindo a ordem de fazer funcionar os conjuntos a
título experimental. De Soto examinou atentamente as indicações dos instrumentos.
Mexeu nas chaves do pequeno painel de controle e fez os geradores funcionarem à
potência máxima. O indicador de perdas, um aparelho complicado que controlava
automaticamente as fases principais no interior do distribuidor, acendeu o campo verde.
No painel geral de comando, instalado na sala central da Teodorico, também se acendeu
uma luz que indicava que tudo estava em ordem. Dessa forma, De Soto não teve
necessidade de avisar pelo interfone que as unidades 1 e 4 estavam em ordem.
O controle demorou menos de um minuto. O siganês voltou a dedicar sua atenção a
Laas, que continuava desmaiado.
Os enfermeiros já o haviam colocado na maça antigravitacional. A pequena
máquina cardíaca que trabalhava a toda potência estava ao lado do corpo de Laas. Um
dos médicos usava o mini comunicador para manter contato com os colegas que se
encontravam no hospital de bordo.
— Já estamos a caminho — informou. Nesse instante um dos enfermeiros tocou-o
com a mão e fez um gesto nervoso em direção a Menke Laas.
O mecânico começara a respirar.
— O pulso volta a bater — leu o outro médico, num instrumento embutido na
máquina cardíaca. — Desapareceu de novo. Continua desaparecido. Parece que foi o fim.
Acho que terei de tentar com o pectobastão.
No curso de enfermagem, Owen de Soto aprendera o que vinha o ser o pectobastão.
O médico que fizera uma preleção sobre o aparelho o comparara a uma granada de mão
que se usa para abrir uma porta. Era perigosíssimo.
— Deixem o pectobastão para lá! — gritou um enfermeiro que estava com a ponta
do dedo encostada ao pulso de Laas.
O médico baixou a pistola de injeção que já mantinha apontada para a veia do braço
de Laas.
— O que está fazendo, Flibus? — perguntou o médico, em tom áspero.
O enfermeiro sabia o que estava fazendo.
— Ponha o dedo aqui, doutor. O pulso está batendo.
Era verdade.
Se bem que a máquina cardíaca nada indicasse.
— Não é possível! — exclamou o médico em tom exaltado, pois sentiu que o pulso
de Laas batia cada vez mais forte.
Para os médicos e enfermeiros, o gemido fraco, mas inconfundível do mecânico, era
um som muito agradável.
— Obrigado! — disse o médico ao ajudante, que impedira no último instante que
ele injetasse o pectobastão em Laas. — Da próxima vez pode berrar mais alto.
— Dou-dou-tor — gaguejou o homem, perplexo. — Não sei como isso me escapou.
Queira desculpar.
O médico não concordou.
— Não tenho nada para desculpar. Fui eu que cometi um erro grave, não o senhor.
Confiei mais na tecnologia médica que nos meus conhecimentos. Garanto que o incidente
me servirá de lição. — Dirigiu-se a um colega. — Acho que daqui em diante o mecânico
poderá receber seu tratamento na enfermaria de bordo. De acordo, colega?
O outro médico confirmou com um gesto e fez um sinal para que os enfermeiros
levassem Menke Laas. Quando estavam saindo, o siganês respirou profundamente e
enxugou o suor da testa. Lembrou-se da jovem esposa de Menke Laas e da filhinha que
nascera há quinze dias...
***
Reginald Bell soube do acidente por acaso. Esteve a ponto de exaltar-se, mas
conseguiu controlar-se no último instante.
— Que idiotice desse Laas! — disse, contrariado.
Era de se espantar que, em meio aos preparativos do destacamento especial da frota,
Bell ainda tivesse palavras para isso. Fitou Deringhouse com uma expressão pensativa.
— Será que o homem vai escapar?
— Está fora de perigo, mister Bell. A culpa não foi dele. Por pouco não foi morto
por nossa supertecnologia. Pelo que diz De Soto, em Árcon III instalaram um conjunto
distribuidor que combina com um cruzador pesado, mas não com uma nave da classe
Império! Laas desligou a corrente, mas nem desconfiava de que o cabo mestre ainda
estava conduzindo energia. Quando aconteceu a catástrofe, Laas teve sorte, pois a
irrupção energética só o atingiu de raspão.
Bell abanou a cabeça.
— A viagem está começando muito bem, Deringhouse. Tomara que na Teodorico
não passemos por outras surpresas deste tipo, pois assim nunca chegaremos ao Mundo
dos Duzentos Sóis.
Três camarotes adiante estava reunida uma equipe. Na nave, costumavam ser
chamados de coordenadores. Cabia-lhes cuidar da decolagem do destacamento especial
da frota. Há vinte minutos chegara uma mensagem de hiper-rádio expedida pela Gauss,
que se encontrava no espaço intergaláctico. Segundo essa mensagem, nas proximidades
do Mundo dos Duzentos Sóis fora constatada a presença de naves-pingo dos laurins.
Por alguns segundos Bell ficou imobilizado atrás da escrivaninha. Jefe Claudrin, que
lhe entregara pessoalmente a folha com a mensagem gravada, vira inúmeros pinguinhos
de suor porejarem em sua testa. Mas Bell logo se controlou e disse com a voz firme:
— A contagem regressiva será iniciada às dezenove horas e trinta e cinco minutos.
Mande transmitir a informação às outras naves.
Depois disso solicitara o comparecimento de Deringhouse. Este lhe perguntara,
perplexo:
— Gostaria de saber como os laurins descobriram nosso projeto Mundo dos
Duzentos Sóis...
— Pois eu lhe direi, Deringhouse. Foi Perry que chamou os invisíveis para o
Mundo dos Duzentos Sóis, por meio dos raios-vetores transmitidos pela Gauss. E
agora os laurins já sabem como encontrar o planeta situado no espaço vazio. Gostaria de
saber por que ninguém se lembrou de que esse perigo existia...
Bell nem desconfiava de que Perry Rhodan acabara de formular a mesma pergunta.
A equipe de coordenadores chamou. Nas três mil naves estavam sendo tomados os
últimos preparativos da decolagem. Alguém indagou se o vôo para o Mundo dos
Duzentos Sóis não poderia ser “abreviado” por meio da redução de uma etapa.
— Sir, dispomos dos dados necessários para isso.
Bell berrou a resposta para dentro do microfone.
— Nem quero saber que dados o senhor reuniu. Realizaremos oito etapas pelo semi-
espaço. Que coisa! Será que o senhor ainda não compreendeu que existe uma diferença
entre o espaço intergaláctico e o espaço galáctico? Basta! Final.
— Isso é resultado da sobrecarga nervosa, mister Bell! — disse Deringhouse para
desculpar o procedimento da equipe.
— Já? — respondeu o gorducho. — Como não deverão estar quando tivermos
penetrado duzentos mil anos-luz no espaço sem estrelas! Desde quando um membro da
Frota Solar pode ter nervos “frouxos”? Afinal, não somos arcônidas.
— O senhor não compreendeu o sentido de minha observação. — Deringhouse não
queria dar-se por satisfeito. — A exposição que o chefe fez em Árcon III está circulando
em todas as naves.
Desta vez Bell falou em termos ásperos para Deringhouse.
— Faça o favor de explicar-se melhor. Que exposição é essa? Nas últimas horas,
Perry proferiu inúmeros discursos. Faça o favor!
— Estou aludindo à exposição durante a qual informou os comandantes de nosso
destacamento de que, no vôo de ida e volta para o Mundo dos Duzentos Sóis, devemos
contar com a perda de cinqüenta por cento da frota. Os cinqüenta por cento já se
transformaram em oitenta, e chega-se a falar em pesadas perdas humanas...!
O rosto de Bell assumiu uma expressão sombria. Inclinou-se para a frente e
cochichou:
— Por que fico sabendo disso só agora, Deringhouse?
— Havia algum motivo para que soubesse antes? Enfrentei os boatos com uma
declaração lacônica e precisa, pondo fim ao falatório. Mas a inquietação, provocada pelos
boatos, ainda durará algum tempo.
A sala de comando chamou. Jefe Claudrin estava do outro lado da linha. Faltava
pouco para o início da contagem regressiva, e Claudrin anunciou que as diversas
unidades começavam a reunir-se em grupos e aguardavam a decolagem.
A frota estava espalhada por um trecho de dez minutos-luz. Bell pediu que lhe
passassem o hipercomunicador. Voltou a dirigir-se a todos os comandantes e ordenou-
lhes que, em todas as unidades, sua fala fosse transmitida pelo sistema de
intercomunicação de bordo. Todos os homens deveriam ouvir o que tinha a dizer.
Preferiu não formular frases bonitas. Falou pela forma que estava acostumado, em
termos simples, mas claros.
— Todos estamos assumindo o mesmo risco. E esse risco será diminuído se cada
um de nós puder confiar em todos os outros. Pouco importa que, durante o vôo para o
mundo do plasma, percamos cem ou duzentas naves. O importante é que não tenhamos
de lamentar a perda de vidas humanas. Fizemos tudo para evitar que isso acontecesse. E
não podemos permitir que aconteça. Não devemos esquecer-nos de que o chefe e seu
comando especial encontram-se em situação perigosa no Mundo dos Duzentos Sóis,
motivo por que pediu que fôssemos para lá o mais depressa possível. Esse pedido de
socorro fala por si, motivo por que, de minha parte, também não tenho mais nada a dizer.
Na sala de rádio da Teodorico foi interrompida a ligação de hipercomunicação com
as outras naves. Os tripulantes dessa nave também começavam a preparar-se para a
decolagem, quando a Gauss, que se encontrava a um ano-luz do Mundo dos Duzentos
Sóis, voltou a chamar.
Mas a mensagem não foi muito bem recebida, o que era incompreensível face à
potência de transmissão da Gauss. Só se entenderam alguns fragmentos.
— Afastamo-nos... Forte ataque de na... Armamento muito... Impacto na... Fugimos
para a zona de libração e...
O computador positrônico recorreu ao cálculo das probabilidades para completar a
mensagem mutilada e deu-a a conhecer na mesma fita perfurada:
— Afastamo-nos. Forte ataque de naves-pingo dos laurins. Armamento muito fraco.
Impacto na (não há como completar a passagem). Fugimos para a zona de libração e...
Bell viu a fita perfurada em sua tela e leu o texto. Precisou de um forte autodomínio
para não abandonar de vez o plano de viagem ao Mundo dos Duzentos Sóis. Por alguns
segundos Bell brincou a idéia de tentar alcançar o planeta do espaço vazio em quatro
etapas em vez de oito. Dessa forma poderia ganhar muitas horas. Talvez a frota até
chegasse um dia mais cedo ou... nunca chegasse.
A última alternativa, que nem era tão improvável, foi o fato decisivo na resolução de
Bell.
Manteve o plano de viagem já fixado.
***
A essa altura Perry Rhodan já tinha certeza de que os objetos estranhos localizados
pela Gauss eram naves dos laurins. Mas não sabia explicar por que não atacavam a Gauss
nem tentavam aproximar-se do Mundo dos Duzentos Sóis. A distância que as separava do
planeta continuou inalterada.
Depois da primeira mensagem passaram-se várias horas sem que acontecesse nada.
O contato de rádio com a Gauss não foi interrompido mais. Representava o posto
avançado e, com seus instrumentos, observava o grupo de naves dos laurins.
Perry Rhodan e Atlan aproveitaram o tempo. Acharam que haviam sido favorecidos
pela sorte, pois, naquelas horas, o centro de plasma dominava completamente o cérebro
hiperimpotrônico, motivo por que ao menos desse lado não tinham nada a recear. Era
bem verdade que ninguém deixou de dar atenção à advertência dos entendidos, segundo
os quais a situação poderia inverter-se num tempo brevíssimo.
A unidade especial composta de três mil homens, dotados de equipamento especial,
colocou-se de prontidão espalhando-se entre as oitenta gigantescas abóbadas de plasma.
Tal estratégia era bastante desfavorável sob o ponto de vista militar... Os alojamentos que
um willy havia oferecido aos terranos eram excelentes posições de defesa, onde seria
muito mais fácil rechaçar um ataque dos robôs positrônico-biológicos!
Os jatos espaciais transformaram-se em veículos de socorro. Sua tarefa consistia em
sempre que se tornasse necessário, levar unidades de combate a todos os pontos do centro
de plasma, a fim de evitar que a biossubstância fosse danificada.
A nave esférica X-l também mudou de posição. Encontrava-se nas proximidades do
núcleo do centro de plasma, que tinha a forma de gasômetro. As torres de canhões da
nave de cem metros de diâmetro ficaram ininterruptamente de prontidão. A X-l também
era a base de operações dos técnicos e cientistas, que não permitiam que houvesse
sossego em seu interior. Nos camarotes que lhes haviam sido destinados, o ambiente era
bastante agitado. As opiniões chocavam-se violentamente, e os interlocutores não
regateavam as palavras ásperas. Rhodan sabia disso, mas nem pensou em intervir na
discussão.
— Deixe que arranquem os cabelos uns dos outros, arcônida — disse, dirigindo-se a
Atlan.
Este fitou-o com uma expressão desconfiada. Conhecia o terrano, e sabia que este
não conseguiria esconder mais nada.
— Quanto tempo deverá durar a briga? Até que sejamos agarrados pelos laurins ou
pela hiperimpotrônica, bárbaro?
A palestra estava sendo travada no camarote de Rhodan.
— Os cientistas sempre foram um tipo especial de gente. São teimosos, cheios de
manias, alérgicos e esquentados ao extremo. Em resumo, são um pouco loucos.
— Nosso destino está ligado ao de um grupo de loucos. Isso é um belo consolo!
Rhodan deu uma risada.
— Não acho que nossos especialistas sejam loucos, pois, nesse caso, já poderíamos
ter começado a cavar nossa própria cova. Os cientistas não devem ser avaliados pelos
nossos padrões.
Atlan demorou algum tempo para responder. Finalmente disse:
— Há quatrocentos anos ainda não havia uma única estrada de ferro na Terra. Na
Rússia ainda reinava o regime da servidão e grandes partes do planeta permaneciam
inexploradas. E hoje, que são passados trezentos anos, os terranos procuram lidar com a
hipertóictica e a hiperimpotrônica. E, o que é pior, os especialistas de vocês muitas vezes
fazem de conta que tudo isso foi criado por eles. Não é de admirar que, muitas vezes, a
carga mental prejudique o cérebro dos cientistas... Rhodan voltou a rir.
— Você já passou dez mil anos conosco, mas ainda lhe causamos pavor, não é
mesmo, Atlan? Quem sabe se nos próximos dez mil anos você se acostumará?
— Se é que você ainda me conhecerá quando estiver governando o Universo, Perry
Rhodan fez como se não tivesse ouvido a alusão irônica. E nem teve tempo para
responder. O grupo de Moders, que estava à procura da fonte hipertóictica do erro,
chamou do interior do cérebro. Mas o robólogo não teve tempo para falar. Um jato
espacial que patrulhava o espaço aéreo do Mundo dos Duzentos Sóis chamou de outro
continente. A tripulação notara que os pos-bis voltavam a travar batalhas aniquiladoras.
— Ouviu, Moders? — perguntou Rhodan pelo telecomunicador.
— Ouvi, chefe. As informações fornecidas pelo jato espacial combinam
perfeitamente com aquilo que observamos. As reservas energéticas do centro de plasma
diminuem com uma rapidez apavorante, e o grau de independência do cérebro
hiperimpotrônico cresce ininterruptamente. Em virtude disso tivemos uma recepção nada
amistosa. De repente todas as paredes começaram a cuspir robôs. Pretendia solicitar
reforços. Mas, na situação em que nos encontramos, será preferível que nos retiremos.
— Não assuma nenhum risco, Moders.
— É impossível que o risco ainda aumente... Final, chefe!
O último som transmitido pelo aparelho foi um grito do robólogo. Depois disso o
telecomunicador manteve-se em silêncio.
Rhodan imediatamente entrou em contato com o plantão de blindados. Este
confirmou o recebimento da ordem, mas Perry logo foi informado de que esta não
poderia ser executada.
— Sir, nossos blindados conseguem avançar até a segunda barreira da
hiperimpotrônica. Dali em diante, o corredor fica tão estreito que os veículos não
passariam.
Atlan já se encontrava junto à porta.
— Reunirei um comando e avançarei até o lugar em que está o grupo de Moders,
Perry.
— Não! No atual estado de coisas não convém, arcônida. O grupo terá de sair do
cérebro com suas próprias forças.
— Vai abandonar seus cientistas mais competentes, bárbaro? São homens que não
têm a menor idéia da técnica do combate.
— Moders tem uma idéia, certo? Ras Tschubai também. Se os dois não conseguirem
abrir caminho, qualquer grupo de resgate vindo da superfície chegará tarde.
Atlan não dissimulou o desassossego.
— Por que não esperamos até que um dos willys se oferecesse a conduzir-nos pelo
labirinto subterrâneo?
— Porque não podemos perder tempo, almirante. Acho que você conseguirá
compreender isso. É possível que todos os willys se recusem a levar-nos à
hiperimpotrônica. E então? Nesse caso nos recriminaríamos por termos perdido tanto
tempo.
Sem que os homens percebessem, a situação no Mundo dos Duzentos Sóis tornava-
se cada vez mais crítica. Sofreram vários ataques, depois de terem pousado no planeta do
espaço vazio, vindos em duas naves fragmentárias. Praticamente não se notava nenhum
sinal do poder do centro de plasma. A hiperimpotrônica recorrera a um golpe de força
para interromper o suprimento de oxigênio das quantidades gigantescas de
biossubstância. Se os terranos tivessem demorado mais algumas horas, o centro de
plasma desse mundo já teria deixado de existir e o cérebro hiperimpotrônico, que
raciocinava com base numa lógica estranha, seria o senhor absoluto dos pos-bis e das
naves fragmentárias. Moders concebeu a idéia de que deveria haver um controle
recíproco que controlasse o dispositivo hiperimpotrônico. E aconteceu aquilo que ele
mesmo quase não ousara esperar. Encontrou o controle e voltou a ativar o suprimento de
oxigênio das gigantescas quantidades de plasma guardadas nas bolhas metálicas.
Mas nem por isso foram eliminadas as oscilações no desempenho da biossubstância.
Naquele momento estava em curso mais uma vez a estranha alteração, e o poder de
comando passava progressivamente para o cérebro hiperimpotrônico.
E a hiperimpotrônica só poderia trazer a destruição para os três mil terranos que se
encontravam no Mundo dos Duzentos Sóis.
Bem no interior do cérebro, o grupo de Moders lutava com os robôs que de repente
surgiam em toda parte.
A única esperança de Rhodan era Ras Tschubai, o teleportador, se bem que soubesse
dar o devido valor às qualidades combativas de Moders. Enquanto Tschubai não
aparecesse no camarote em que estava Rhodan e pedisse desesperadamente que
mandassem reforços, as coisas não poderiam estar tão ruins para Moders e seus
colaboradores.
Dez dos trinta jatos espaciais que haviam trazido controlavam a área adjacente ao
mundo do plasma.
De repente transmitiam de toda parte notícias sobre o reinicio da luta entre os robôs
amigos e os inimigos. Naquele momento mais uma notícia estava chegando. Também
aludia a lutas, mas seu tom era diferente.
Um número cada vez maior de pos-bis juntava-se ao grupo dos robôs hostis. Isso
significava que os contatos com o centro de plasma estavam totalmente interrompidos. E
significava ainda que o poder era exercido exclusivamente pela hiperimpotrônica.
Além disso quatro naves dos invisíveis circulavam à distância de um ano-luz,
preparadas para precipitar-se a qualquer momento sobre o Mundo dos Duzentos Sóis.
Ninguém sabia dizer por que ainda não haviam atacado.
A Gauss chamou.
A X-l recebeu quase a mesma mensagem mutilada que a Teodorico, que se
encontrava nas proximidades de Frago.
— Afastamo-nos... ataque de na... armamento muito fraco... pacto na... fugimos para
a zona de libração e...
O receptor emitiu alguns estalidos. Depois tudo ficou em silêncio.
O rosto do oficial que comandava o plantão de blindados apareceu na tela.
— Sir, os robôs hostis estão desfechando outro ataque contra nós. De uma hora para
outra, todos os pos-bis passaram a desenvolver atividades hostis! Dei ordem para abrir
fogo!
— Mantenha-me informado. — Foi só o que Rhodan disse.
Os canhões da X-l começaram a disparar. As unidades energéticas da nave esférica,
que estavam trabalhando em ponto morto, saltaram para a potência máxima. Em todos os
compartimentos da nave ouvia-se o zumbido da aparelhagem pesada. O interfone
transmitiu o alerta:
— Atenção! Os campos defensivos da X-l voltaram a ser ativados.
Rhodan continuou sentado em sua poltrona. Não fez menção de levantar-se.
— E agora? — perguntou Atlan em tom áspero, quase provocador.
Rhodan sorriu.
— Qual é sua sugestão, almirante? Eu não tenho nenhum comentário sobre a
situação atual.
— Nem eu, Perry. Pensei...
Calou-se por um momento, mas logo se pôs a praguejar.
O casco da X-l vibrava ligeiramente. Os dois homens se entreolharam.
A X-l foi obrigada a disparar para todos os lados. O espantoso era que a sala de
comando ou o centro de controle de tiro não oferecessem nenhum relato da situação.
— Sinto-me como se fosse uma avestruz que enfia a cabeça na areia, bárbaro.
— Pois quanto a mim não estabeleço esta comparação. Só estou curioso para ver de
que forma evoluirá a situação.
— Ah, é? Apenas está curioso? Só isso? Prefere nem pensar na possibilidade de a
Gauss já ter sido destruída, não é?
O arcônida começou a apavorar-se diante da calma de Rhodan.
— Não foi destruída, arcônida — objetou Perry Rhodan, com a maior calma. — Hal
Mentor é um comandante muito experimentado. Ele provou na luta travada com os pos-
bis em torno de M-13. Atlan, você deve confiar muito mais em meus homens. Em certas
situações de emergência, cada um deles é chefe de si mesmo, mas nem por isso o
indivíduo perde a visão do objetivo comum. Eu...
Alguma coisa tilintou às suas costas. Um armário fora aberto repentinamente.
— Ras Tschubai! — disse o arcônida, com um gemido.
O teleportador africano estava parado à frente do armário em que achavam-se
guardadas as armas de Perry Rhodan. Não reagiu diante da exclamação do arcônida. Ras
pegou dois desintegradores pesados e disse rapidamente.
— Chefe, não temos mais com que atirar!
E desapareceu no mesmo instante!...
— É um relato breve, mas muito elucidativo — comentou Rhodan diante da
informação lacônica do teleportador, que acabara de apoderar-se das armas de Rhodan,
sem pedir licença ao homem mais poderoso do Império Solar.
Atlan pôs a mão no ativador celular que trazia sobre o peito. Naquele momento
sentiu as batidas fortes do aparelho que lhe prolongava a vida. Mas a atividade do
mecanismo também constituía uma prova de que a situação atual representava um peso
muito maior para Atlan que para Perry Rhodan.
Os dois homens, e o pessoal de serviço na sala de rádio da X-l, ouviam as
mensagens que chegavam. Mais um receptor entrou em atividade. Era a faixa de ondas da
Gauss.
— Sofremos impacto leve na sala de geradores. A perda foi compensada pelo
equipamento sobressalente. A frota de Frago decolou há um minuto e trinta segundos,
tempo padrão. A ação Grande Escala será realizada em oito etapas. Final. Mentor.
Rhodan e Atlan estavam preocupados. Sabiam perfeitamente quanto tempo
demoraria até que Reginald Bell e as três mil unidades de seu destacamento especial
aparecessem na área do Mundo dos Duzentos Sóis.
O que encontraria por ali quando as naves procurassem pousar?
De repente Brazo Alkher chamou pelo rádio.
— Chefe, todos os jatos espaciais foram reunidos sobre o conjunto de abóbadas. A
coordenação com os blindados é excelente. O trabalho em conjunto com o oficial de
comando de tiro da X-l funciona muito bem. O perigo que os robôs representam no
interior do centro de plasma tornou-se insignificante. Não conseguimos localizar as naves
fragmentárias. Voltarei a chamar.
— Acontece que não temos notícias do grupo de Moders, que se encontra no interior
da hiperimpotrônica, bárbaro.
Rhodan demonstrou compreensão diante da observação que acabara de ser feita.
Afinal, Atlan era e sempre continuaria a ser um arcônida, embora tivesse vivido durante
dez mil anos na Terra, na condição de refugiado.
— Eles encontrarão um meio de sair de lá.
Mas dali a uma hora, quando a prontidão foi suspensa no interior da X-l, o grupo de
Moders ainda não havia dado nenhuma notícia. Não respondia aos chamados pelo rádio.
Rhodan também começou a preocupar-se com os homens que se encontravam nas
profundezas do cérebro. Andava com a idéia de pedir a um telepata que procurasse
estabelecer contato em base paranormal. Mas não seria uma irresponsabilidade retirar um
dos telepatas que foram mandados para apoiar com suas energias mentais o centro de
plasma debilitado?
A porta do camarote abriu-se abruptamente. O comandante da X-l entrou correndo:
— Sir, acabo de surpreender o teleportador Tschubai saqueando meu estoque de
armas. Quando lhe dirigi a palavra nem sequer olhou para mim. Eu...
Calou-se, apavorado. Atlan deixara-se cair numa cadeira e ria a bandeiras
despregadas. Riu do comandante exaltado e acabou dizendo:
— Pelos deuses de Árcon. Acho que, se uma coisa dessas acontecesse numa nave
arcônida, meu império já teria desaparecido há alguns milhares de anos.
Era claro que o comandante da X-l não sabia o que estava acontecendo. Depois de
tentar várias vezes, desistiu de entender o sentido da graça e gaguejou:
— O que quer di-di-zer com isso?
Rhodan respondeu no lugar de Atlan.
— Tschubai pertence ao grupo de Moders. Os homens têm problemas com o
cérebro. Tschubai já veio buscar minhas armas antes das suas e lançou mão dos mesmos
recursos. Mande trazer outras armas para o senhor e para mim.
O comandante compreendeu. Quer dizer que o chefe aprovava o procedimento de
Ras Tschubai. Recapitulou a ordem que Rhodan acabara de dar e, com um ligeiro
cumprimento, retirou-se do camarote tão rapidamente como havia entrado.
***
A uns oitocentos metros de profundidade, cinco homens encontravam-se num
labirinto e aguardavam o regresso do teleportador. A arma de Van Moders era a única
que ainda estava em condições de ser usada. Nos outros desintegradores, as câmaras
energéticas estavam vazias. Não poderiam disparar mais um único tiro.
— Atrás do senhor, à direita! — berrou o professor Gaston Durand, que, até o
momento em que fora iniciada a missão no Mundo dos Duzentos Sóis, era adversário
ferrenho de Moders.
Este estava deitado numa plataforma de três metros de altura. Embaixo dele
estendia-se alguma coisa que, à falta de uma palavra mais adequada, só podia ser
chamada de corredor. Aquela área angulosa, absurda, não correspondia a nenhum
conceito preciso.
Atrás do robólogo estendia-se a negridão, o desconhecido.
Os homens levavam desvantagem face aos robôs do cérebro. Não tinham o poder de
percepção em base infravermelha. Para eles, a escuridão realmente era escura. Já os robôs
do cérebro não se importavam nem um pouco com o negrume. Enxergavam através das
irradiações térmicas, e, para eles, os homens com seus trajes de combate estavam muito
bem iluminados.
Foi só graças aos faróis de grande alcance que os homens ainda não haviam sido
destruídos pelos guardas da hiperimpotrônica.
Diante do grito de alerta do professor, Moders fez meia-volta, sempre deitado de
barriga. Seu rosto não prometia nada de bom, quando mirou ligeiramente pelo dispositivo
ótico de sua arma, fazendo-a expelir o raio destruidor.
— Três robôs estão subindo!
Moders não deixou que estas palavras o perturbassem. Só poderia mirar um alvo de
cada vez.
Mais um ser mecânico desfez-se a oitenta metros dali.
Moders fez meia-volta, deitado de barriga. Abaixou-se instantaneamente. Agiu no
último instante. Pouco acima de sua cabeça estavam passando raios disparados por robôs
que obedeciam às ordens da hiperimpotrônica.
— Não se mexa, Moders!
Um dos robólogos soltara o grito de alerta em meio à confusão de formas bizarras,
onde cinco homens se mantinham escondidos.
Mas outro gritou:
— O terceiro robô está se aproximando! Moders manteve-se obstinadamente
imóvel.
“Nem o diabo me fará levantar a cabeça”, pensou. “Por que será que o teleportador
está demorando tanto?”
Dali a um segundo ficou sabendo onde estava Ras Tschubai.
Uma luz fulgurante surgiu à sua frente. Uma onda energética escaldante passou por
ele. Em parte era formada por uma elevada dose de radiações. Era o que indicava o
dispositivo de alerta de seu traje de combate.
Houve outra explosão. Os microfones externos, ligados para o volume máximo,
transmitiram o ruído da explosão com força redobrada.
— Moders — disse de repente a voz controlada de Ras Tschubai. — Como está a
reserva energética de seu desintegrador?
— Que pergunta! — retrucou o robólogo pelo rádio de capacete. — Mais dois ou
três tiros prolongados, e estará...
A palavra “vazia” foi abafada por uma terceira explosão. Os três robôs que estavam
escalando a plataforma onde Moders estava deitado haviam sucumbido diante dos tiros
de Tschubai.
Este executou um salto de teleportação e foi parar ao lado de Moders. Sem dizer
uma palavra, entregou ao robólogo uma arma carregada até o limite máximo de sua
capacidade. Moders colocou a arma usada no chão.
— No momento não há nenhum perigo? — perguntou pelo rádio.
Ras Tschubai já desaparecera, para distribuir as armas restantes entre os melhores
atiradores.
Os raios azulados dos faróis traçavam faixas de vários metros de largura em meio à
escuridão. Sempre que os raios batiam em algum material, iluminavam cantos,
reentrâncias, saliências e ângulos retorcidos.
— Não vejo nenhum robô.
Ouviu pela quarta vez as mesmas palavras.
— Tomara que estes homens-máquinas não saibam voar! — disse Moders com um
gemido.
Só neste instante deu-se conta de que nos últimos trinta minutos não se haviam
encontrado com um único pos-bi voador.
Há trinta minutos ainda se achavam mais uns mil e duzentos metros abaixo da
superfície, e ainda estariam travando um combate desesperado com os robôs que se
encontravam por lá, se Ras Tschubai não tivesse descoberto o poço estreito de um
elevador antigravitacional.
Todos viram em Moders o chefe do grupo combatente. O teleportador, que já
participara de centenas de operações, mantinha atitude discreta.
— Vamos descer! Cuidado para vocês não quebrarem seus pescoços — avisou
Moders.
Foi o primeiro a descer para o corredor. Agachou-se num nicho e deu cobertura aos
outros. Para o teleportador, as coisas eram mais fáceis. Colocou-se do lado oposto do
corredor e, olhando para além de uma saliência, vigiou a área.
Moders desenvolvera um instinto combativo. De repente regulou seu farol para um
número de lúmenes vinte por cento superior ao permitido. No lugar que lhe parecera viu a
cintilância metálica de uma pele de robô. O desintegrador superpesado estava bem seguro
na mão de Moders. Dali a meio segundo, a hiperimpotrônica teve de registrar a perda de
mais um ser mecânico.
— São como a areia no mar! — disse Moders, amargurado.
O professor Gaston Durand parou a meio caminho, durante a descida. Ficou de
costas para a parede, pôs o desintegrador sob o braço direito e abriu fogo ininterrupto. Foi
girando o cano para a direita, voltou para a esquerda e novamente dirigiu-o para o outro
lado.
“Em que estará atirando o professor?”, indagou-se mentalmente Ras Tschubai.
Quando se encontravam em situação quase desesperada, a mil e duzentos metros
abaixo da superfície, Durand revelara subitamente uma nova faceta de sua personalidade.
Investira com uma coragem quase suicida contra os robôs-voadores. Até parecia que não
passavam de pombos. Durante uma refrega, Tschubai e Moders lhe haviam recomendado
que não se expusesse ao abrir fogo, mas Durand se limitara a fazer uma observação:
— Nunca se desaprende uma coisa que já se aprendeu. Quando tinha quatorze anos,
eu quis ser campeão de tiro!
Tschubai se lembrou desta passagem, quando de repente se viram envoltos por uma
luminosidade ofuscante. Só então notaram que se encontravam numa gigantesca catedral.
Conjuntos gigantescos de máquinas enfileiravam-se. Gigantescos arcos, feitos de
condutos retorcidos, subiam a alturas superiores a cem metros. As pontes assim formadas
tinham um vão superior a trezentos metros. Pareciam constituir os elementos de ligação
hiperimpotrônicos.
Os revestimentos bizarros tinham uma cor preto-cinza, que logo cansava a vista.
Sob as cascatas luminosas que surgiram mais atrás, no lugar para o qual o professor havia
atirado, o horrível preto-cinza adquiriu pela primeira vez uma tonalidade mais viva, se
bem que irreal.
Tschubai ouviu pelo rádio de capacete a pergunta que Moders dirigiu ao professor:
— O que é isso que está “explodindo”, professor?
O cientista, que não era muito jovem, respondeu em tom de triunfo:
— É um bando de robôs. São coisas grandes e feias. Nunca vi nada igual. Já estou
curioso para saber quantos tipos de robôs existem neste cérebro hiperimpotrônico.
— Bem que eu gostaria de ser tão curioso quanto o senhor! — disse Moders, num
gemido.
Atirou-se ao chão. Mais uma vez seu instinto o prevenira de que havia algum
perigo. No lugar em que pouco antes estivera sua cabeça abrigada sob um capacete de
visão total, surgiu um raio. A parede começou a derreter-se e iluminou-se numa
incandescência rubra.
O seres mecânicos atacavam sem a menor contemplação. Pouco lhes importava que
danificassem ou destruíssem as instalações hiperimpotrônicas.
Moders não se atreveu a fazer o menor movimento. Achou que sua hora estava
soando. Só a saliência larga do conjunto de máquinas que se encontrava à sua frente
impedia os pos-bis de estreitarem ainda mais seu ângulo de tiro.
Nem notou o desaparecimento de Ras Tschubai.
O teleportador saltou para uma das pontes arqueadas mais próximas. Viu três caixas
do tipo que Gaston Durand acabara de descrever. Sentiu-se dominado pelo pavor. Mas
este não conseguiu paralisá-lo. Controlou-se, levantou a arma, fez pontaria com a mão
tranqüila e abriu fogo permanente.
No ponto em que se encontrava, a ponte arqueada era muito mais estreita do que
calculara. Por isso a onda de pressão desencadeada pela explosão atingiu-o com tamanha
força que desceu turbilhonando. Foi só a parafaculdade da teleportação que o salvou do
impacto mortal.
Quando voltou a sentir chão firme sob os pés, foi ofuscado pela torrente de luz
produzida pela explosão.
— Moders — gritou para dentro do microfone. — Se o cérebro enviar mais robôs
desse tipo, poderemos fazer nosso testamento.
Os outros também o haviam ouvido.
— Será que a direção é correta? — perguntou Moders, depois que o grupo se havia
unido e Ras Tschubai voltara a surgir à sua frente.
— Temos de seguir três graus mais para o norte — gritou para o homem que
acabara de recorrer à peça de equipamento mais importante. A tal peça era um velhíssimo
artefato arcônida, usado pelos técnicos de Árcon III naqueles tempos remotos em que o
gigantesco cérebro positrônico começara a tornar-se cada vez maior e mais complicado.
O aparelho de registro fora criado para que ninguém se perdesse no labirinto, pois
mostrava o caminho certo a qualquer pessoa que se aventurasse a andar em seu interior.
Os homens do grupo só tinham em seu poder esse equipamento e as armas. Quando
se encontravam no pavimento situado a 1.200 metros de profundidade, o ataque
inesperado dos robôs-voadores obrigara-os a deixar o resto para trás.
— Iremos buscar o resto! — afirmou Moders, se bem que ele mesmo não
acreditasse muito nisso.
Avançaram o mais depressa que podiam. O homem que segurava a registradora
mantinha-se à direita do robólogo. Ras Tschubai ia no fim.
— Será que passamos pelo elevador antigravitacional? — perguntou Moders, depois
de iluminar inúmeras vezes a parede do lado esquerdo com seu farol, sem descobrir o
menor sinal do respectivo poço.
— Ainda faltam cem metros, mister Moders! — disse o homem que se encontrava a
seu lado.
Chegaram ao poço do elevador pelo qual haviam descido. O sistema
antigravitacional não estava funcionando. Fora desligado pela hiperimpotrônica. Até
mesmo o professor Durand pôs-se a praguejar que nem um vagabundo estelar. Por alguns
segundos todos sentiram-se perplexos. Ras Tschubai abriu caminho para a frente e
Moders virou o rosto para ele.
— Tschubai, será que o senhor pode teleportar todo o grupo para cima em dois
saltos?
Para cima — essa expressão significava que ainda se encontravam no interior da
hiperimpotrônica, a uma profundidade de 350 metros.
— É fácil — disse o teleportador. — Mas... — hesitou um pouco — ...dessa forma
nos dividiremos por algum tempo em dois grupos. Tomara que o cérebro não deseje
exatamente isso.
Van Moders tinha uma capacidade toda especial de desvendar as linhas de
raciocínio de um cérebro positrônico ou hiperimpotrônico.
— Um momento — disse, sem perceber que de repente se encontrava no centro do
grupo, já que os outros formaram um círculo que o protegia de todos os lados.
De repente uma série de processos intelectuais, que se ativeram a um padrão
puramente lógico-matemático, desenvolveram-se no cérebro de Moders. Os sentimentos
e a experiência humana foram deixados de lado.
Pensar em algarismos e fórmulas! E chegar a um resultado! No Império Solar e no
Império de Árcon não havia ninguém que possuísse essa faculdade no mesmo grau que
Moders.
O resultado que o robólogo alcançou por este meio disse-lhe que nunca sairiam
vivos da hiperimpotrônica.
Eram prisioneiros do cérebro do Mundo dos Duzentos Sóis!
— Qual foi o resultado, Moders? — perguntou Durand.
— Estamos presos. As chances de sair daqui são iguais a zero. Foi ao menos o que a
hiperimpotrônica calculou. Acontece que ela já errou nos seus cálculos, quando cortou o
ar da biossubstância. Qual é a situação atual?
— No momento está tudo calmo — respondeu Tschubai, enquanto seis faróis de
grande alcance iluminavam as formas bizarras das máquinas e os homens procuravam
localizar os robôs que eventualmente se encontrassem nas proximidades.
Os seres mecânicos que se achavam no interior do cérebro eram diferentes dos
outros pos-bis, pois não possuíam nenhuma biossubstância e não dispunham de qualquer
engaste hipertóictico. Obedeciam exclusivamente ao cérebro gigante, sem jamais terem
atendido às ordens do centro de plasma.
Moders fizera essa chocante descoberta no pavimento onde se viram obrigados a
fugir precipitadamente, deixando para trás o que tinham consigo.
— É a calma antes da tormenta! — constatou Moders, com certo humor fúnebre. —
Está na hora de ter uma idéia, pois todos vivem me chamando de “pavor ideológico”.
Acontece que não tenho a menor idéia de como poderíamos pregar uma peça ao cérebro.
Será que alguém tem uma sugestão aproveitável?
Um silêncio deprimente reinou entre os membros do grupo.
2

De repente Owen de Soto, o inspetor-chefe, teve de segurar-se. O chão não estava


cedendo sob seus pés, mas Owen se achava convencido de que afundava lentamente.
Olhou para a porta, onde Menke Laas, o mecânico, estava rindo para ele.
— Será que o senhor está...?
— Não, inspetor-chefe, não estou doente. Até já me deram alta para voltar ao
serviço. Aliás, fico-lhe muito obrigado por ter aspergido o tola-tolgen na pele queimada
do meu rosto. Quase não se nota mais o menor sinal da queimadura. Mas agora já não
precisa ficar olhando para mim.
O siganês soltou um gemido.
— Há uma hora estava mais morto que vivo, e agora diz que está em condições de
voltar ao trabalho! Já não compreendo mais nada. Afinal, como se sente, Laas?
— Sinto-me muito bem, De Soto. Já descobriu a causa do curto-circuito nos
distribuidores?
O siganês engoliu em seco e iniciou seu relato. À medida que prosseguia a
exposição de De Soto, os olhos de Menke Laas se arregalavam.
— Que coisa! — exclamou o mecânico. — Por pouco não mando o bloco dos
distribuidores daqui para outra melhor. Já estamos a caminho, De Soto?
O inspetor-chefe passara a gostar do jovem mecânico desde o momento em que este
subira a bordo da Teodorico. Menke Laas era um ótimo trabalhador, possuía uma elevada
sensibilidade e merecia toda confiança. De Soto não poderia dar o mesmo conceito para
todos os mecânicos que trabalhavam nas grandes instalações dirigidas por ele.
Nesse setor do supercouraçado, o rugido do kalup era abafado pelo zumbido forte
dos conjuntos de máquinas. De Soto informou que, há alguns minutos, a frota penetrara
pela segunda vez na zona de libração do semi-espaço.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Laas. — Há várias semanas só ouço falar
em manifestações de fadiga do material Às vezes tenho a impressão de que muita gente
acredita que os fantasmas andam soltos no espaço intergaláctico.
O siganês admirou-se da excelente capacidade de observação de Laas. Até então não
falara com ninguém sobre isso, mas também tinha a impressão de que muita gente sentia
uma antipatia instintiva contra o espaço intergaláctico.
Depois de trocarem mais algumas palavras, Menke Laas voltou ao seu posto. Puxou
a poltrona e sentou-se à frente dos controles. Oitocentos metros acima de sua cabeça
ficava o coração da Teodorico, que era a sala de comando. Naquele momento nem
desconfiava de que, dentro em breve, também estaria lá em cima.
Menke Laas era muito jovem para ficar refletindo sobre o acidente que sofrerá. Não
havia o risco de qualquer lesão permanente, e era só isso que importava.
Observava atentamente os instrumentos.
O ponteiro do indicador de intensidade do campo magnético tremulou de forma
quase imperceptível. Laas teve a impressão de que aquilo era devido ao cansaço de suas
pálpebras. Dali a alguns minutos voltou a examinar o ponteiro e compreendeu que o
motivo do tremor devia ser outro. Os graus Oersted já não eram estáveis.
— Hum... — resmungou.
Inclinou-se para a frente e fitou prolongadamente o aparelho. Usou um dos traços da
escala como ponto de referência. Logo reconheceu que, além de serem instáveis, os graus
Oersted caíam lentamente.
Menke Laas estendeu a mão em direção à tecla do alarma. Mas, de repente, deteve-
se em meio ao movimento... Empurrou a poltrona articulada para trás, levantou-se e
colocou-se diante da parede dos fundos. Esta possuía um revestimento. Eram quatro
chapas de aço do mesmo tamanho que cobriam os controles existentes sob a parede. Nela
se lia em letras vermelhas a seguinte legenda, escrita em terrano, em intercosmo e em
arcônida:

Perigo de vida! Antes de retirar o revestimento,


coloque a chave da fase principal na posição zero.

Menke Laas não deu atenção à advertência. Comprimiu com uma das mãos o
mecanismo eletromagnético de travamento de uma das chapas, pegou com a outra, firme,
as duas alças que saíram da superfície e, após dar um ligeiro puxão tirou a chapa dos seus
suportes, colocando-a no chão ao seu lado.
Viu à sua frente um sistema complicado de controles, que fora aperfeiçoado na
Terra com base num modelo arcônida.
— Hum... — voltou a dizer Menke Laas.
Tornou a olhar para os instrumentos. Fitou intensamente o medidor de intensidade
do campo magnético e constatou que nesse meio tempo baixara ainda mais.
Laas colocou a poltrona à frente dos controles expostos e passou os olhos pelos
mesmos. Por um instante desejou que o inspetor-chefe estivesse ali. De Soto entendia
muito mais do assunto que ele. Em sua opinião o motivo primordial da queda de
intensidade do campo magnético deveria estar ali mesmo.
Achava-se tão concentrado em suas observações que não ouviu Owen de Soto
entrar. O inspetor-chefe estava fazendo sua ronda costumeira. Quando viu Laas sentado
diante dos condutores desguarnecidos, por pouco não soltou um grito. Ficou com os
olhos vidrados. Procurou em vão o fio que permitiria fazer a ligação-terra do setor
exposto. Antes de dar o passo seguinte, hesitou. Quanto mais se aproximava dos
controles, maior se tornava o risco de vida. E esse jovem, que acabara de escapar da
morte, “brincava”, agora, de suicidar-se.
A posição tensa de Menke Laas deu o que pensar a De Soto. Sem dúvida o
mecânico não se teria exposto a tamanho risco se não houvesse um sério motivo. Quando
suas reflexões chegaram a este ponto, o siganês começou a combinar os dados. Num
movimento instintivo virou a cabeça para os instrumentos. Na distância em que se
achava, não podia ver nada. Chegou mais perto. Laas ainda não tomara conhecimento da
presença de De Soto. Este passou os olhos pelos instrumentos. De repente viu o ponteiro
do indicador de intensidade do campo magnético. O número de Oersteds era
surpreendentemente baixo. Foi quando o siganês compreendeu por que Laas havia
removido apenas a quarta parte do revestimento. Mas não compreendeu o que o mecânico
esperava encontrar nos controles. O fato de que ele mesmo também estava arriscando a
vida não o incomodava mais.
— O que houve, Laas? — perguntou em tom de curiosidade.
Menke Laas estremeceu, mas não virou a cabeça.
— São os Oersteds...
— Espera localizar o defeito por aqui? Por quê, Laas?
De Soto colocou-se a seu lado e fitou os complicados controles.
— Que distância já percorremos no espaço intergaláctico, De Soto?
— Que diabo! Antes de mais nada quero saber por que está interessado nisso? —
indagou o siganês em tom exaltado.
— Por nada! — disse Laas com a maior tranqüilidade e apontou para um
entroncamento de condutores. — Não está vendo a manifestação de fadiga do material...
a mudança de coloração, De Soto?
— O senhor está sonhando! — respondeu De Soto em tom grosseiro. — Acho que
ainda está sob os efeitos do choque.
— Que distância já percorremos no espaço vazio, De Soto? Será que o senhor pode
descobrir? Rápido!
De Soto pegou o interfone, chamou a sala de comando da Teodorico e fez a
pergunta.
O rosto de Reginald Bell apareceu na tela. O fato de o pequeno siganês formular a
pergunta não o deixou nem um pouco admirado, mas quando ouviu o nome de Menke
Laas espantou-se.
— Não é o homem que sofreu um acidente em seu setor pouco antes da decolagem,
De Soto?
— Sim senhor.
— E este mesmo homem quer saber que distância já percorremos no espaço vazio?
Um momento...
Bell pediu a informação. O interfone transmitiu a pergunta dirigida a um de seus
oficiais. Reginald Bell forneceu o número de anos-luz percorridos, mas quis saber por
que haviam pedido essa informação. Quando ouviu falar em fadiga do material,
interrompeu seu interlocutor em tom áspero.
— Tolice! A Sosata penetrou muito mais profundamente no espaço intergaláctico, e
não houve nenhuma manifestação de fadiga do material. Menke Laas deveria estar no
hospital, não em seu posto.
Quando voltou a dirigir-se a Laas, o rosto juvenil de De Soto tinha uma expressão
zombeteira.
— Ouviu? — perguntou.
O mecânico confirmou com um gesto, mas não disse nada.
O inspetor-chefe ficou nervoso.
— Pare com isso! Coloque o revestimento, seu suicida.
— O senhor também se encontra na área de perigo, De Soto — respondeu o
mecânico.
O siganês estremeceu. Recuou apressadamente.
— Quando voltar quero ver esta parede fechada. Entendido, Laas?
De Soto era a autoridade responsável pelo setor. Por ali, uma ordem sua tinha o
mesmo peso de uma ordem que Bell desse na sala de comando. Quando fechou a porta,
tinha certeza de que Laas estava prestes a recolocar o revestimento dos controles.
Mas Laas continuou sentado na poltrona articulada, totalmente imóvel. A
descoloração progressiva do entroncamento deixava-o cada vez mais fascinado. Nunca
vira uma coisa dessas. Não sabia se aquilo era o estágio inicial de um processo de
alteração do material.
De repente ouviu a voz de Reginald Bell saída do alto-falante. Por certo a suspeita
do mecânico deixara-o mais preocupado do que quisera confessar no início.
— Olá, Laas! Algo de novo por aí?
Naquele instante o entroncamento desmanchou-se em pó!
Menke Laas sabia que sua suspeita fora bem fundada. Deu um salto para retirar-se
da área de perigo, colocou-se no ângulo de visão da objetiva e permitiu que Bell o visse
correr para os instrumentos.
O medidor de intensidade do campo magnético estava na posição zero.
O mecânico virou-se no mesmo instante, olhou para a tela que mostrava a cabeça de
Bell em tamanho natural e disse:
— Um instante, sir.
Em movimentos rápidos, mas não apressados, comprimiu alguns botões. O
dispositivo automático cuidou do resto. Um conjunto sobressalente passou a exercer as
funções do bloco avariado.
— A intensidade do campo magnético voltou ao normal, sir. Está interessado em
conhecer o resultado das minhas observações? Vi um entroncamento de condutores
desmanchar-se em pó. Não sei explicar como isso pôde acontecer.
Bell interrompeu-o apressadamente.
— Avise seu inspetor-chefe e compareça imediatamente à sala de comando.
E foi assim que Menke Laas se viu na sala de comando da Teodorico, à frente do
segundo homem mais poderoso do Império Solar, onde teve de apresentar seu relato a um
grupo de homens que ouviam atentamente.
Dali a pouco foi ao seu local de trabalho acompanhado pela tal equipe. Mostrou o
lugar onde o condutor se havia desmanchado em pó. Um dos homens recolheu as
partículas e retirou-se apressadamente. Laas teve de responder a uma porção de
perguntas. De Soto, que se mantinha discretamente em ponto mais afastado, ficou
satisfeito ao notar a habilidade com que o mecânico respondia.
Reginald Bell usou o interfone para participar da palestra. Quis ouvir alguma coisa
sobre os resultados das investigações. Quando lhe pediram que esperasse um pouco, disse
sem rebuços que deviam andar depressa.
Dali a pouco o laboratório transmitiu uma informação. O resultado era desanimador.
Tratava-se de manifestação de fadiga do material.
A suspeita de um simples mecânico fora confirmada por um analista. A informação
foi transmitida imediatamente a Reginald Bell. Toda a frota foi avisada pelo
hipercomunicador. Por algum tempo o silêncio reinou em todas as faixas de hiper-rádio.
Mas, depois disso, seis comandantes informaram que em suas naves haviam sido
observados os mesmos fenômenos, que resultaram na desintegração de um
entroncamento de condutos do circuito do campo magnético.
Bell mandou que os especialistas comparecessem à sala de comando e interpelou-os.
Os homens procuraram esquivar-se às perguntas. Bell não se conformou com isso.
Finalmente um cientista disse:
— Sir, encontramo-nos na zona de libração do espaço extragaláctico. Não sabemos
se esta zona é igual à do espaço galáctico, ou se representa um território desconhecido.
Bell dispensou os homens. Uma das pessoas que se encontravam a bordo recebeu
uma incumbência especial: Menke Laas.
— Preste atenção, Laas — disse Bell pelo interfone. — A única coisa que o senhor
terá que fazer, até que voltemos às nossas estrelas, é dirigir-se aos lugares onde há
suspeita de ocorrência das manifestações de fadiga do material. Pouco importa que o
senhor não entenda nada da parte técnica das respectivas instalações. O senhor tem uma
visão toda especial para esse tipo de fenômeno. Nada de objeções. O senhor sabe fazer
isso. Não me decepcione. Final.
Era uma atitude típica do gorducho. Sugerira a Laas ser ele o homem capaz de
executar a tarefa, e realmente estava convencido de que o técnico daria conta da missão.
Jefe Claudrin parecia menos otimista.
— Não gostaria de estar no couro desse pobre-diabo — disse.
Bell passou a mão pelos cabelos ruivos muito curtos. Aborreceu-se com a
desconfiança de Claudrin.
— Espere para ver, Jefe. De resto tudo bem?
— Por enquanto, sim. Acontece que não percorremos nem a quarta parte dos anos-
luz que devemos vencer. Se agora as naves já estão estalando, o que não nos esperará
quando penetrarmos pela última vez no semi-espaço, nas proximidades do Mundo dos
Duzentos Sóis? Tenho a impressão de que esta viagem não é nenhum passeio.
— O senhor vem dizer isso logo a mim? — resmungou Bell, mas no mesmo instante
mudou de assunto. — Ainda não temos notícias da Gauss?
A Gauss mantinha-se em silêncio.
***
Hal Mentor, comandante da Gauss, e seus tripulantes não tinham mãos a medir nos
seus esforços de escapar à desgraça.
E a desgraça assumiu a forma de milhares de gigantescas naves-pingo dos
invisíveis.
O setor espacial intergaláctico foi forçado até o limite pelos inúmeros abalos
estruturais. Assim sendo, o sistema de rastreamento estrutural da Gauss deixou de
funcionar. A nave-rádio procurou fugir para o semi-espaço a fim de escapar às naves dos
laurins, que se aproximavam velozmente, vindas de todos os lados. Mas outro grupo
gigantesco de naves-pingo saiu do semi-espaço, justamente na direção em que Mentor se
afastava com sua nave.
O oficial de artilharia da Gauss atirava com todos os canhões de radiações. A nave
não dispunha de muitos armamentos. Por ocasião de sua adaptação, realizada em Árcon
III, ninguém contara com a possibilidade de a nave-rádio se ver envolvida numa batalha
espacial de grandes proporções.
O oficial de artilharia, que participara da batalha de M-13 do primeiro ao último dia,
não perdeu a calma quando seis naves-pingo se aproximaram em grande velocidade. Até
teve tempo para cuidar do dispositivo automático de controle de tiro. Depois disso agiu
instintivamente. Usou o mesmo procedimento que salvara sua nave da destruição durante
a batalha de M-13.
Ajustou as duas torres de canhões polares para o fogo de desintegração, enquanto os
canhões menos fortes existentes no interior do envoltório esférico foram regulados para
disparos intermitentes de raios térmicos e de impulsos. Essa forma de tiro nunca
constituíra objeto de aula na Academia Espacial Solar.
O próprio Hal Mentor pilotava a Gauss. Era de opinião que numa situação
praticamente desesperadora como esta, o homem adequado para enfrentá-la seria ele
próprio. Mas o quadro oferecido pelo localizador, que tornava visíveis as naves dos
laurins, fez com que se esforçasse desesperada-mente para descobrir uma saída. A Gauss
estava cercada de todos os lados por grandes grupos de naves dos laurins. Se não estava
muito enganado, outras continuavam a sair do hiperespaço...
Mentor usou o interfone para gritar com seu oficial de artilharia:
— Por que não abre fogo?
Medira a distância e constatara que a nave-pingo mais próxima se encontrava a
menos de um minuto-luz. E a distância diminuía vertiginosamente, pois as duas naves
corriam uma em direção à outra.
O oficial de artilharia compreendeu o raciocínio de Mentor. Queria que tentasse
enganar os laurins por meio dos disparos prematuros, levando-os a efetuar uma manobra
tática. Provavelmente o comandante esperava ganhar um pouquinho de tempo com isso...
o tempo de que precisava para levar a Gauss ao semi-espaço.
— Major, a nave está pronta para abrir fogo. Faça o favor de manter de qualquer
maneira a rota em direção ao grupo de seis naves.
— O que pretende...?
Mentor não chegou a completar a frase. Acabara de descobrir uma coisa
inacreditável, medonha, no painel com os inúmeros instrumentos. A capacidade
energética dos campos defensivos que cercavam a Gauss diminuía rapidamente. Há
pouco ainda estivera em noventa por cento e agora, segundo os instrumentos, estava
baixando para oitenta por cento. Logo passou por essa marca e aproximou-se ainda mais
depressa dos setenta por cento.
Nesse momento, o oficial de artilharia calcou o botão de comando geral dos
canhões. De repente um conjunto confuso de feixes de raios térmicos, de desintegração e
de impulsos cortou o espaço escuro em cores feéricas e atingiu a primeira nave dos
laurins com uma força fulminante.
“A mistura foi correta”, pensou o oficial de artilharia, satisfeito.
No interior da nave, todos os conjuntos energéticos começaram a uivar. O casco da
Gauss retumbou que nem um sino rachado. O oficial de artilharia passara o comando para
o dispositivo automático. Viu três das cinco naves dos laurins romperem a nuvem
alaranjada espalhada em torno do centro da explosão, sem tomar conhecimento da
destruição da nave-comando. Numa fração de segundo, a mira automática atingiu mais
uma nave-pingo.
Será que também explodiria? Ou teria resistido ao primeiro impacto dos tiros
disparados pela nave terrana?
O oficial de artilharia ainda conseguiu ver as cinco naves dos invisíveis abrirem
fogo ao mesmo tempo contra a Gauss, enviando seu inferno de radiações de encontro à
pequena nave da classe Cidade!
Mas o momento em que as naves abriram fogo coincidiu com aquele em que Mentor
moveu o comando que arrastou a Gauss para o semi-espaço, fazendo com que os veículos
dos laurins desaparecessem de um instante para outro.
A Gauss prosseguiu velozmente em vôo linear, em direção ao Mundo dos Duzentos
Sóis. Mentor inclinou-se para o microfone, a fim de instruir a equipe de rádio a informar
o chefe sobre a aproximação duma gigantesca frota dos laurins. Porém, naquele
momento, ouviu o kalup emitir um rugido que ainda não conhecia.
A sala de máquinas chamou.
O kalup não estava funcionando como devia.
Mentor entrou em contato com o engenheiro-chefe.
— Major, temos de sair do semi-espaço, senão o kalup explodirá à nossa frente.
A Gauss corria pela zona de libração, desenvolvendo cento e dez vezes a velocidade
da luz. No rastreador de relevo o distante Mundo dos Duzentos Sóis tornava-se cada vez
maior e mais nítido.
— Quanto tempo ainda agüenta o kalup? — perguntou Mentor.
A calma que irradiava transmitiu-se aos homens que trabalhavam na sala de
máquinas. Ouviu o engenheiro-chefe pigarrear.
— Provavelmente uns cinco ou dez minutos. Mas não garanto nada.
— Isso basta. Daqui a três minutos desligarei o kalup.
O aparelho poupou-lhe esse trabalho. Deixou de funcionar.
A Gauss voltou a penetrar no Universo einsteiniano.
O localizador antifletor entrou em funcionamento. Os contornos projetados na tela
logo se estabilizaram.
— Era exatamente o que eu esperava! — resmungou Mentor, em tom mordaz.
As naves dos laurins também se encontravam nas proximidades do Mundo dos
Duzentos Sóis.
— Caramba! Ainda é muito longe — disse Mentor de si para si.
Não deu atenção ao olhar espantado do co-piloto. Entrou em contato com o
comando de tiro.
— Será que pelo menos aí tudo está em ordem?
— Infelizmente não, major. Acredito que fomos atingidos. Não consigo mais a força
necessária para meus canhões.
Teve de encerrar a transmissão, pois a sala de máquinas acabara de entrar na linha.
As notícias transmitidas pelo engenheiro-chefe também eram alarmantes.
— Major, a Gauss tem um rombo de um metro de largura e pelo menos vinte metros
de comprimento. Os comandos preliminares do kalup foram atingidos. E o primeiro
estágio do hiper-rádio foi totalmente destruído. Como pôde acontecer uma coisa dessas?
Não percebemos o impacto.
Hal Mentor lembrou-se do que observara pouco antes da nave penetrar na zona de
libração. Os campos defensivos da Gauss haviam ficado sem energia. As cinco naves dos
laurins tinham desfechado o ataque no mesmo instante em que o cruzador foi arrastado
para o semi-espaço. A potência dos campos defensivos devia ser pouco inferior a sessenta
por cento. Por isso o dispositivo protetor do cruzador da classe Cidade perdera um terço
de sua força. Dificilmente poderia resistir a um impacto direto.
Era de admirar que a Gauss ainda existisse e fosse capaz de deslocar-se por meio
dos jatos-propulsores. Mentor compreendeu por que nenhuma das pessoas que se
encontravam a bordo haviam notado o impacto. Este ocorreu no mesmo instante em que a
nave mergulhou na zona de libração. Mentor ordenou uma inspeção geral. — Rápido,
minha gente! O primeiro grupo dos laurins já nos localizou e aproxima-se. Todos os
defeitos deverão ser informados ao setor de máquinas, ao comando de tiro ou ao rádio.
Dali me será fornecido um relatório global. Certo?
O impacto do primeiro estágio do hipercomunicador fizera com que a carreira da
nave-rádio Gauss tivesse chegado ao fim. O objetivo de Mentor consistia exclusivamente
em chegar quanto antes ao Mundo dos Duzentos Sóis. O fato de ainda se encontrar a dois
meses-luz do planeta não o preocupava. Poderia recorrer à técnica antiquada da transição
para chegar lá num único salto. Restava saber se os jatos-propulsores ainda estavam em
boas condições.
Na sala de comando da Gauss, não se notava o menor sinal da tensão crepitante que
reinava na nave. Mentor teve tempo para refletir. Seus oficiais olhavam ininterruptamente
para o localizador antifletor, no qual as naves-pingo que se aproximavam cresciam a
olhos vistos. Era bem verdade que ainda se encontravam a três horas-luz de distância.
Isso deixava os homens um pouco mais tranqüilos. Na opinião dos invisíveis, a pequena
nave esférica devia ser uma presa fácil. Provavelmente era este o motivo por que não
acharam necessário percorrer as três horas-luz num salto.
— Acho que neste ponto a lógica dos laurins apresenta uma falha — disse um
oficial às costas do Major Mentor, dirigindo-se a um colega.
Acabara de cometer um engano.
Apesar dos esforços de três técnicos, os rastreadores estruturais da Gauss ainda não
estavam em ordem, motivo por que não foi possível constatar o abalo estrutural ocorrido
nas imediações da nave. No entanto, o localizador antifletor funcionava perfeitamente.
Duas naves-pingo corriam velozmente para a Gauss, vindas do nada!
— Os canhões estão em ordem? — perguntou Mentor pelo interfone. — Já está
recebendo energia suficiente?
— Por aqui tudo bem!
A resposta foi tranqüilizadora.
Mentor não deu muita atenção à mesma. A observação que acabara de fazer era
mais importante. Mais uma vez assistia a um fenômeno temível: a energia dos campos
defensivos diminuía assustadoramente.
Será que os invisíveis haviam descoberto uma nova arma voltada em primeira linha
contra os campos relativistas das naves fragmentárias, mas que não se revelava menos
eficiente na luta contra as naves terranas?
O homem sentado diante dos controles, na sala de máquinas, chamou.
— Major, há algo de errado com nossos campos defensivos?
Mentor não sabia o que responder. Não tinha explicação para a queda da energia.
A Gauss começou a disparar um instante depois da primeira nave-pingo. O campo
defensivo debilitado da nave-rádio foi atingido de raspão e esfacelou-se. O veículo dos
laurins não teve tempo de disparar de novo. O fogo concentrado da nave terrana
transformou-o num pequeno sol ofuscante.
Mentor modificou abruptamente a rota da Gauss. Os jatos-propulsores foram
solicitados ao máximo e uivaram fortemente. A velocidade da nave era de 0,45% da
velocidade da luz. Seria muito perigoso entrar em transição numa velocidade tão baixa.
Poderia haver lesões orgânicas.
A Gauss afastou-se pela coordenada verde. Deixou que o distante Mundo dos
Duzentos Sóis desaparecesse embaixo dela e acelerou ininterruptamente. O ponteiro do
velocímetro foi subindo lentamente pela escala. Naquele momento estava passando pela
marca correspondente à metade da velocidade da luz. Mas a segunda nave dos laurins era
mais rápida que a Gauss. Aproximava-se pela rota de colisão.
Assim que foram ativados, os campos defensivos da nave-rádio perderam a energia.
— Que arma infernal será esta? — perguntou Hal Mentor e calcou a tecla de
transição.
A Gauss desapareceu num vôo realizado em tempo zero, para rematerializar-se nas
proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis. Não havia ninguém a bordo que não
gemesse sob o efeito do choque de transição e esfregasse a nuca dolorida. Em todos os
lugares os homens praguejaram contra a técnica antiquada. Mentor não teve tempo para
controlar seu estado físico.
Oito naves-pingo do tipo mais pesado aproximaram-se da Gauss!...
O anel solar semelhante ao de Saturno estava bem à frente da nave. Um grupo ainda
mais numeroso de naves dos laurins aproximou-se, passando entre dois sóis artificiais.
Ao ver nos instrumentos que os campos defensivos da Gauss já haviam deixado de
existir, Hal Mentor nem chegou a estremecer.
Nestas condições a espaçonave era apenas uma esfera metálica fácil de ser
destruída. Fatalmente haveria de desintegrar-se com o primeiro impacto.
Mentor deu ordem para abandonar a nave.
Ainda se encontravam a 247 mil quilômetros do Mundo dos Duzentos Sóis.
Naquele momento a nave sofreu o primeiro impacto. As instalações da
protuberância equatorial foram esfaceladas. Os tripulantes que se encontravam na sala de
rádio saíram correndo. Mentor esperou que o último homem saísse da sala de comando.
Não acreditava que ainda conseguisse chegar a um dos planadores espaciais.
Mais um impacto retumbou pela nave. Quando o ribombo cessou, já não se ouviram
os zumbidos vindos da sala de máquinas. Mas parte do sistema de suprimento energético
interno ainda estava funcionando. O poço principal do elevador antigravitacional se
achava em condições de ser usado. Mentor foi o último a descer por ele em direção ao
hangar em que estavam guardados os planadores espaciais.
Correu pelo convés, entrou no hangar e viu um oficial que se encontrava junto ao
interfone e realizava um controle sobre os tripulantes que se achavam presentes. O
interfone permaneceu em silêncio.
— Major, faltam setenta e três homens.
— Vamos abandonar a nave! — respondeu Mentor.
— Repetirei a chamada.
Não teve tempo para isso. Algumas das naves dos laurins que se aproximavam já
haviam regulado os canhões para a Gauss. Só por milagre o hangar dos planadores
espaciais ainda não fora atingido.
A nave estalava em todos os cantos.
Finalmente a Gauss partiu-se em vários pedaços. A escotilha externa do hangar de
planadores espaciais não abria mais.
— Atenção, ocupantes do primeiro planador! Saiam e abram a eclusa por meio dos
controles manuais! — berrou Mentor pelo rádio de capacete.
Era a única chance de escapar.
Os homens que se encontravam no primeiro planador não haviam perdido o sangue-
frio. Correram para fora do barco de salvamento como se estivessem realizando um
treino, foram até a eclusa, acionaram o dispositivo mecânico e começaram a abrir a
gigantesca escotilha de duas partes centímetro por centímetro.
O anel de Saturno do Mundo dos Duzentos Sóis brilhava nas profundezas,
iluminando o hangar.
A Gauss estava ardendo. O alerta de radiações dos trajes espaciais deu o sinal. A
desintegração atômica se iniciava no interior da nave. Os destroços poderiam explodir a
qualquer momento.
Os homens que procuravam abrir as duas metades da eclusa lutavam pela vida.
Mentor, que os contemplava de junto do interfone, sabia que estavam fazendo o possível.
Não havia motivo para dar-lhes ordens.
A Gauss girava cada vez mais depressa.
De repente pareceu cair de lado. A nave abriu-se acima das cabeças dos homens,
sob um ribombo contínuo provocado pela explosão. Mentor teve poucas esperanças de
que alguém conseguiria sair vivo dali.
Finalmente os ocupantes do primeiro planador abriram a eclusa o suficiente para
que os pequenos aparelhos espaciais pudessem atravessá-la.
O planador número um logo o conseguiu. Os outros barcos seguiram-no de perto.
Três barcos de salvamento deixaram de ser usados.
Havia setenta e três mortos a bordo da Gauss.
Ao equipar o destacamento especial da frota, a Administração do Império Solar não
fizera questão dos dez milhões de solares gastos. Também para os planadores espaciais
levados pelas naves só servia o melhor.
“Conseguiremos passar”, pensou Hal Mentor depois de cinco minutos, quando a
Gauss já havia deixado de existir.
A pequena tela mostrava os outros planadores passando pelas fileiras de naves dos
laurins numa série de manobras arrojadas. Os barcos de salvamento eram muito mais
lentos que as naves dos invisíveis, mas compensavam a lentidão por meio da
extraordinária agilidade. Os laurins que se encontravam atrás das miras óticas já deviam
estar assustados, pois não conseguiam atingir os minúsculos objetos com os raios
disparados por suas armas. Quando chegavam a disparar, o lugar em que antes estivera
um barco espacial se achava vazio, pois a pequena embarcação já havia mudado de rota.
Mentor fez passar seu planador perigosamente perto de um dos duzentos sóis
artificiais. Sabia que estava assumindo um risco, mas calculava que as fortes radiações do
sol artificial não deixariam de provocar pequenos desvios nas medições telemétricas dos
laurins. Ele e seus homens já haviam colocado todos os filtros, contudo a intensidade da
luz ofuscante era tamanha que esses dispositivos mal conseguiam absorvê-la.
O propulsor, solicitado ao máximo de sua potência, uivava. Mentor descobriu uma
nave-pingo que estava seguindo seu planador.
— Se não fossem os localizadores anti-fletores, os laurins já nos teriam derrubado
— disse com um leve triunfo na voz.
Voltou a seguir em direção ao espaço vazio, porém conservou a rota apenas por
alguns segundos. Viu a nave dos laurins descrever uma curva gigantesca, girou
rapidamente o planador e colocou-o de cabeça para baixo, a fim de disparar em direção
ao planeta, auxiliado pela gravidade.
— Major, somos os últimos! — gritou um homem.
Apontou para uma série de pontinhos reluzentes, que já se encontravam perto da
superfície do Mundo dos Duzentos Sóis.
3

— A hiperimpotrônica é um monstro! — disse Atlan, em tom exaltado.


— É verdade — respondeu Rhodan com uma calma que despertou a atenção do
arcônida. — Se não conseguirmos submetê-la ao controle do plasma, farei o centro de
computação voar pelos ares.
Atlan inclinou ligeiramente o corpo.
— Perry, permite que lhe pergunte por que tomou essa decisão justamente agora?
Um brilho irônico surgiu nos olhos cinzentos de Rhodan.
— Procure você mesmo a resposta a essa pergunta, almirante.
Os dois entendiam-se muito bem.
— Quer dizer que você também já descobriu que a hiperimpotrônica se aliou às
frotas dos laurins. Infelizmente não consigo ver nenhuma lógica nessa decisão.
— Nem eu. Talvez não tenhamos captado algumas das mensagens trocadas entre os
invisíveis e o cérebro. Talvez a hiperimpotrônica seja de opinião que o aparecimento dos
laurins reforça seu poder. Por que acha que o centro de computação está agindo de
comum acordo com os invisíveis?
— É por causa do silêncio dos fortes planetários. Nenhuma posição de canhões de
radiações entrou em atividade. Até parece que as naves-pingo não existem.
— Raciocinei pela mesma forma. Para . o centro de computação os invisíveis não
são inimigos.
— Em compensação nós somos! Quando penso no grupo de Moders, sinto um frio
na espinha.
Rhodan resolveu informar o arcônida sobre o que o telepata Marshall lhe
comunicara há trinta minutos sobre o grupo de Moders.
— Estão todos bem, mas ficaram presos. Enquanto Ras Tschubai não aparecer para
pedir auxílio, não vejo nenhum motivo para enviar um comando de busca.
— Conseguiram alguma coisa? — perguntou o arcônida.
— Não conseguiram nada. Tiveram de largar o equipamento para salvar a vida. Isso
significa que não temos outra alternativa senão recorrer aos willys. Se eles não nos
servirem de guia, ficaremos até o dia do juízo final naquele labirinto subterrâneo, à
procura do controle que garantirá a predominância do centro de plasma.
— Sejamos francos, bárbaro. Fomos nós que demos causa a isso por termos
eliminado a programação do ódio. Foi só depois disso que se verificou a oscilação na
intensidade do engaste.
— Vejo que você endossa a suposição de Moders, arcônida. Minha opinião é outra,
mas infelizmente não posso prová-la. Não acredito que você e eu tenhamos dado origem
a tudo isso. A causa deve ser outra; é uma coisa de que nenhum humano se lembraria,
uma coisa que talvez seja inconcebível para nós.
— Quer dizer que você ainda deposita suas esperanças no centro de plasma que está
praticamente inativo?
— Não acha que é exatamente o que devo fazer? Se não pudermos contar com o
auxílio do plasma, então estaremos liquidados no Mundo dos Duzentos Sóis. A frota de
Bell ainda levará alguns dias para chegar aqui. Até lá as naves dos laurins terão
transformado o Mundo dos Duzentos Sóis num inferno chamejante. Mas há uma coisa
que não compreendo. Por enquanto as naves-pingo não dispararam nenhum raio de
destruição contra o planeta. Não acha isso estranho?
Atlan soltou uma risada amarga. — Estranho para cá, estranho para lá. Já desisti de
compreender qualquer coisa dos laurins. Acho...
Um tremendo solavanco sacudiu a superfície do Mundo dos Duzentos Sóis. A X-l
balançou. Suas colunas telescópicas de apoio estenderam-se e encolheram-se. Os copos
que se encontravam sobre a mesa, à frente de Rhodan e Atlan, caíram ao chão.
A segunda onda de abalo não demorou. Foi ainda mais forte. Por pouco os dois
homens não caíram das poltronas. O solavanco foi acompanhado de um indescritível
rugido subterrâneo.
Os dois homens entreolharam-se, perplexos. A X-l desceu num movimento elástico,
mas o sistema de colunas telescópicas de apoio logo a recolocou na posição anterior. O
alarma não soou no interior da nave. Os interfones permaneceram mudos. Seria um
tremor de terra? Acontece que os estudiosos haviam informado que a estrutura geológica
do Mundo dos Duzentos Sóis praticamente não apresentava tensões.
— Sir — disse um oficial da sala de comando da X-l. — Poderia fazer o favor de
comparecer até aqui? Não compreendemos o que está acontecendo lá em cima...
— Lá em cima?... — perguntou Rhodan. Levantou-se tão rapidamente que, quando
Atlan começou a erguer-se para segui-lo, já estava fora da cabine.
Encontrou Rhodan diante da tela panorâmica, cuja ampliação estava regulada para o
máximo. Todos os filtros disponíveis haviam sido sobrepostos ao aparelho. Os
processadores magnéticos uivavam fortemente, o que provava que tinham de lidar com
irrupções luminosas extremamente intensas.
Atlan olhou por cima do ombro do terrano. Quase no mesmo instante recuou,
apavorado.
— Malditos laurins! — gritou.
Rhodan virou lentamente a cabeça. Fez um gesto para Atlan.
— Provavelmente eles nunca teriam tido essa idéia. Mas agora já sabemos o que
pretendem fazer aqui. — Respirava pesadamente. — Como estão as coisas lá fora?
Um oficial modificou o enfoque da tela panorâmica.
Não se via mais o menor sinal das oitenta bolhas metálicas. Tempestades violentas
rugiam em rajadas, tangendo grossas nuvens de pó. A luz dos numerosos sóis artificiais
não conseguia rompê-las. Árvores e arbustos arrancados apareceram por alguns
segundos, enquanto subiam e desciam em meio ao furacão. A X-l era o único objeto que
não podia ser atingido pela tormenta, cujas forças esbarravam nos campos defensivos da
nave.
— Obrigado — disse Rhodan.
A porta que dava para a sala de rádio abriu-se violentamente.
— Chefe — disse um tenente. — O Major Hal Mentor acaba de informar que a
Gauss foi destruída. Houve setenta e três mortos. Pretende esperar até que o furacão
diminua um pouco para apresentar-se aqui o mais depressa possível. Ainda aludiu a uma
nova arma dos invisíveis.
Todos os homens da sala de comando esperaram que Rhodan formulasse algumas
perguntas ligadas às informações que acabavam de ser transmitidas. Mas tiveram uma
decepção. O administrador limitou-se a fitar o comandante da X-l e disse:
— Coloque a nave em estado de prontidão e chame de volta todos os jatos espaciais.
Quero que esta ordem seja cumprida em quinze minutos.
Quando Rhodan e Atlan já se encontravam no convés, a caminho de sua cabina, o
segundo disse:
— Será que às vezes você não exige demais dos seus homens, bárbaro?
Rhodan preferiu ficar calado.
Quando entraram na cabina, Ras Tschubai levantou-se da poltrona. O afro-terrano
estava radiante.
— Chefe, daqui a pouco Moders e os homens de seu grupo estarão novamente a
bordo da X-l.
Rhodan teve de raciocinar instantaneamente.
— Um momento, Ras! Quando foi que a situação se modificou no interior da
hiperimpotrônica? Depois do tremor de terra?
— Houve um tremor de terra, chefe? Quando? — perguntou o teleportador, em tom
de espanto.
Atlan fez que sim.
— As instalações do centro de computação estão muito bem protegidas contra
abalos. Os seres de Mecânica eram excelentes construtores. Já não me admiro com mais
nada do que exista por aqui.
Rhodan informou Ras Tschubai sobre o forte tremor de terra e explicou suas causas.
O rosto do africano assumiu uma tonalidade cinzenta. Apoiou-se no encosto da
poltrona.
— O que, chefe? Os laurins estão destruindo os sóis artificiais?
— É o que estão fazendo. Já conseguiram destruir um deles. Se os invisíveis
destruírem todos os sóis artificiais, roubarão a vida do centro de plasma. Para subsistir,
precisa de luz e de temperaturas razoáveis. A falta de luz e de calor o matará mais
depressa que a privação de oxigênio. O centro de computação deve ter percebido as
intenções dos laurins muito antes de nós. Por enquanto não deu ordem a qualquer um dos
fortes espaciais para que disparasse contra uma nave-pingo. Se os dados do Major Mentor
forem corretos, devemos contar com a presença de três a quatro mil naves dos laurins
sobre o Mundo dos Duzentos Sóis. Ras, teleporte-se imediatamente de volta para o grupo
de Moders e traga os homens para a nave. Moders deverá vir em primeiro lugar, pois
quero fazer-lhe algumas perguntas.
Ras desapareceu imediatamente. Atlan pigarreou.
— Será que minha presença é necessária, bárbaro?
O arcônida confessara francamente que o robólogo não era seu amigo. Simpatizava
com ele como homem. Mas, como cientista, ele o assustava um pouco.
O brilho irônico voltou a surgir nos olhos de Rhodan.
— Desde quando posso dar ordem ao imperador de Árcon, majestade?
Quando estavam a sós, usavam exclusivamente a língua terrana. De início Atlan
parecia perplexo, mas depois mostrou-se aborrecido. Finalmente disse em tom
amargurado:
— Acho que nunca existiu um arcônida que se aborrecesse tanto de brincar de
imperador como eu. Se você voltar a me chamar de majestade, nós nos separaremos. Mas
está bem... Enquanto você conversar com seu “pavor ideológico”, ficarei aqui.
— Não quero obrigá-lo, almirante... Atlan interrompeu-o.
— É claro que não, bárbaro. Você nunca força ninguém a fazer qualquer coisa.
Acontece que seus desejos quase chegam a ser ordens. Bem, já estou preparado para
ouvir o que Moders tem a dizer.
***
Uma das pessoas que se encontravam a bordo da Teodorico ameaçava sucumbir sob
o peso da responsabilidade que lhe fora atribuída. Era o mecânico Menke Laas.
Reginald Bell supunha nele uma capacidade que esse homem não possuía.
Laas sentia-se como uma criança de três anos perdida nas ruas de uma metrópole.
Afinal, o fato de ter notado a desintegração do cruzamento de condutores resultará de um
simples acaso. Naquele momento estava passando pela gigantesca sala dos conversores,
onde se ouvia um terrível borbulhar.
“Vamos sair o quanto antes”, pensou Laas e apressou o passo.
Um homem dobrou a esquina do corredor e desviou-se no último instante. Laas
estremeceu.
— O senhor não é o novato? O “farejador”? É claro que sim... — disse o homem.
Já lhe haviam dado um apelido. Mas não gostou de ser chamado de “farejador”.
— Venha comigo. É bom que conheça isso.
Laas sentiu-se agarrado pelo braço e arrastado para junto de dois conjuntos
gigantescos.
Seu acompanhante desconhecido parou.
— Olhe.
— O que é isso? — perguntou Laas, perplexo.
— Um acelerador de partículas — respondeu seu interlocutor prontamente. — Mas
será que isso ainda é normal?
Se naquele momento conseguisse distinguir o normal do anormal, Laas seria o
homem mais feliz a bordo da Teodorico.
— Parece que sim.
Afinal, tinha que dizer alguma coisa. Agachou-se, para dissimular a ignorância.
Tirou a chave de fenda isolada que trazia e pôs-se a raspar a superfície metálica que o
outro lhe mostrava. Nem notou que seu acompanhante o deixara só...
O mecânico Laas sempre tivera um interesse todo especial pela Metalurgia. Foi
justamente por causa de seus conhecimentos nessa área que resolveram transferi-lo para a
Teodorico. Espantou-se ao constatar que o metal podia ser cortado pelo fio de sua chave
de fenda de tensão.
Os pensamentos começaram a atropelar-se em sua mente. Bateu com o dedo no
metal. O som era normal. Mas, quando chegou mais perto de um certo ponto, o tom
tornou-se estranho.
— Quem dera que esse som borbulhante parasse — disse à meia voz.
De repente teve a impressão de estar só. Virou a cabeça.
Seu companheiro desaparecera.
Qual era mesmo o nome do aparelho à frente do qual estava ajoelhado? Acelerador
de partículas? O conjunto media mais de dez metros de aresta. O tamanho parecia irradiar
uma ameaça. Antes que Laas compreendesse o que estava fazendo, saiu correndo. Atrás
dele a escotilha controlada por um comando positrônico fechou-se ruidosamente.
Encontrava-se numa sala de controle. Viu à sua frente o desconhecido, que o deixara só.
— Pronto — disse o estranho. — A terceira etapa já...
Naquele momento houve uma explosão na sala dos conversores. O alarma uivou em
todos os recantos da gigantesca Teodorico. Uma fileira de luzes vermelhas acendeu-se na
sala de comando. O homem que Laas não conhecia calcou vários contatos.
— Mova a chave que está à sua esquerda! — berrou o homem para Laas.
Falha do Mecanismo Positrônico, estava escrito em letras luminosas sobre a chave.
Uma vez acionada a mesma, o texto se modificou para Unidade Positrônica de
Emergência.
O alarma continuava a uivar.
— O que houve? — indagou Laas, confuso.
— Você ainda pergunta?! — admirou-se o homem em meio ao alarma. — O
acelerador de partículas foi pelos ares. Cara, seu faro foi ótimo.
Menke Laas não pôde evitar a desgraça. O homem que era o encarregado da sala de
conversores falou com a sala de comando. Mencionava constantemente o nome de
Menke Laas. Seu relato culminou numa frase final:
— Infelizmente o mecânico Laas não conseguiu desligar o acelerador. Escapou à
explosão no último instante.
Laas teve vontade de esganar aquele sujeito. Só agora compreendeu que ele o
deixara entregue a um certo destino... Recriminou-o seriamente por isso. Mas o outro não
teve tempo para ouvi-lo.
Os robôs entraram em ação. Os passos retumbantes dos seres mecânicos soaram no
corredor.
— Temos de sair daqui — disse o companheiro de Laas. — Senão seremos assados
pelas radiações.
Acompanhou-o. Espremeram-se junto a um comando de robôs, que se mantinha à
espera junto à escotilha atrás da qual ficava a sala dos conversores. Entraram numa
grande sala de controle, em cujo interior oito homens observavam os instrumentos.
Quando a porta maciça fechou-se atrás deles, viram-se em segurança. No mesmo
instante, a grande escotilha da sala dos conversores abriu-se diante dos robôs, e o
comando positrônico de reparos penetrou na área devastada.
Na sala de comando do supergigante a explosão praticamente não provocara
nenhum alvoroço. Os especialistas já haviam previsto a ocorrência de falhas misteriosas
das máquinas, à medida que a frota penetrasse no espaço intergaláctico.
— Gostaria de saber uma coisa — disse Reginald Bell, dirigindo-se a Jefe Claudrin.
— Por que isso não aconteceu antes? Quando nossas naves viajaram para Frago nunca
ocorreram panes...
O epsalense esfregou o queixo.
— Acontece que Frago não fica muito longe do ponto mais próximo da Galáxia. É
bem verdade que a distância de M-13 é grande. Por ocasião do último controle tive um
pouco de tempo e marquei a rota da Sosata. A mesma também não havia penetrado tão
profundamente no espaço intergaláctico como nós.
Jefe Claudrin não conseguiu prosseguir. A frota chamou por todas as ondas de
hiper-rádio disponíveis.
— Deste jeito ficarei com os cabelos brancos — disse Bell com um gemido, quando
as notícias sobre avarias pareciam não terminar.
Três cruzadores de cem metros tiveram de ser abandonados, por falta do dispositivo
positrônico, que era o coração de qualquer espaçonave. Bell não perdeu tempo.
— As tripulações passarão para as unidades mais próximas. Antes de abandonar as
naves, coloquem cargas explosivas. A freqüência do detonador será avisada à Teodorico.
Avisem assim que a ordem tenha sido cumprida.
— É uma pena que tenhamos de perder essas lindas naves — disse Claudrin.
— Também acho, mas prefiro que sejam destruídas a vê-las cair nas mãos dos
laurins. Como estamos de peças sobressalentes?
Claudrin fez um gesto de pouco-caso.
— Por enquanto tudo bem. Resta ver como estarão as coisas quando chegarmos ao
Mundo dos Duzentos Sóis.
Bell preferiu não responder. Levantou-se, atravessou a sala de comando e dirigiu-se
à sala de rádio. Queria obter as informações de primeira mão. O que mais o interessava
era entrar em contato com a Gauss. Queria tentar pessoalmente.
Ao examinar a pilha de folhas de plástico, deu-se conta de que as falhas de peças de
máquinas nas diversas naves eram muito mais extensas do que haviam previsto os
especialistas mais pessimistas.
Quando a Teodorico usou a potência máxima de seus transmissores para expedir sua
mensagem destinada à Gauss em direção ao Mundo dos Duzentos Sóis, Bell ainda estava
trabalhando.
O hiper-rádio permaneceu em silêncio.
— Vamos repetir. Chame ininterruptamente nos próximos trinta minutos — ordenou
Bell.
Acontece que a Gauss se manteve em silêncio.
Quando voltou a sentar-se ao lado de Jefe Claudrin, falou com o epsalense sobre
aquilo que o preocupava.
— Desconfio de que a Gauss não exista mais, Claudrin.
— Será que foram os laurins?
— Quem poderia ter sido se não eles? De repente lembrou-se do mecânico.
— É uma pena — disse com a voz triste — que Laas não tenha tido tempo para
desligar o acelerador. Já notou que esse homem “fareja” as manifestações de
desintegração do material?
Claudrin encarava o caso sob um ângulo mais realista que Bell.
— Mister Bell, será que o senhor não está atribuindo uma importância excessiva à
capacidade desse mecânico?
Mas Bell tinha certeza do que estava dizendo. Ao responder, ergueu instintivamente
o corpo.
— Aposto que, em cada etapa, Menke Laas descobrirá conjuntos mecânicos prestes
a entrarem em pane.
— É apenas um homem nesta caixa gigantesca... — disse Jefe Claudrin, que não
pensava como Bell. — Sugiro que o mecânico volte ao setor do siganês. Não notou que
Laas não se sentiu nada bem quando o senhor lhe confiou a tarefa especial?
— Pois ele continuará a desempenhar essa tarefa especial! — disse Bell, em tom
resoluto.
Depois disso não teve mais tempo para pensar no caso.
Os controles de cada nave consumiam o triplo do tempo normal. Bell parecia estar
de pé sobre brasas, pois a mensagem de Rhodan parecia espicaçá-lo para que chegasse o
quanto antes ao Mundo dos Duzentos Sóis. Apesar disso não estava disposto a prosseguir
imediatamente na viagem, sem dar a devida atenção às perdas sofridas.
De um momento para o outro, Gucky atravessou-se em seu caminho. O pequeno
penetrara nos pensamentos de Bell e percebera o estado de ânimo do gorducho. Gucky
teve bastante inteligência para não dizer uma única palavra. Dava vazão às suas
faculdades telepáticas por puro tédio. Mas, fossem quais fossem os pensamentos que lia,
infringindo uma proibição, todos eles giravam em torno dos perigos do espaço vazio.
De repente estacou. Por acaso encontrara a freqüência mental de Menke. Um sorriso
malicioso apareceu no rosto de Gucky. E o que o teórico pensava dizia respeito ao
gorducho, que confiava tanto em sua descoberta e achava que Menke Laas era um gênio.
“Ora essa!”, pensou o rato-castor. “Vou debochar dele na frente de Perry.”
Mas logo resolveu outra coisa.
Esse mecânico não era um homem igual a qualquer outro. Será que chegava a ser
um mutante num campo até então desconhecido?
“Não”, pensou Gucky. “Laas não é um mutante, mas apenas um pobre-diabo ao
qual foi confiada uma tarefa de que nunca conseguirá desincumbir-se. Sabe disso, e
também sabe que o gorducho o julga capaz de coisas muito especiais. Laas quase fica
doente com isso. Santo Deus! Mas... o que foi que ele descobriu?”
Gucky, que até então estivera confortavelmente deitado em seu sofá, ergueu-se
abruptamente. Irradiou suas paraenergias com a intensidade máxima. No mesmo instante
teleportou-se para junto de Menke Laas, e segurou-o. O técnico sentia-se incapaz de dar
um passo, pois via a morte diante dos olhos. Então Gucky, com mais um salto,
teleportou-se a um lugar seguro, levando o mecânico.
Atrás dele o comando automático de um banco de energia entrou em pane. Toda a
energia foi liberada de um instante para outro.
Gucky saltou com Menke Laas para a sala de comando. Bell ouviu a pequena
criatura piar nervosamente:
— Se neste momento este homem estivesse morto, o culpado seria você, Bell.
Menke Laas não é nenhum “farejador” de panes. É um pobre-diabo do qual você exigiu
demais quando lhe confiou aquela tarefa.
Reginald Bell enfrentou o ataque violento do rato-castor com uma pergunta:
— Como foi que Laas notou que o comando de um banco energético estava prestes
a entrar em pane e ainda conseguiu avisar-nos? Será que também foi por simples acaso,
seu superinteligente? Não acontecem tantos acasos em seguida. Então?
Gucky estava com vontade de arrancar os braços, porque não sabia o que dizer
diante das perguntas de Bell. Concordava com o gorducho de que tantos acasos não
aconteciam em seguida. Fitou o mecânico, que estava parado sem dizer uma palavra.
O que havia de especial nesse homem? Gucky não conseguiu descobrir. Bell não
deu maior atenção a Laas. As novas avarias que acabavam de ocorrer na Teodorico
exigiriam pelo menos duas horas de trabalho para serem reparadas, e isso representava
um atraso igual na decolagem para a próxima etapa do vôo.
Reginald Bell disse, em voz preocupada, dirigindo-se a Jefe Claudrin:
— Se os acidentes continuarem a ocorrer na mesma proporção, levaremos vários
dias para chegar ao Mundo dos Duzentos Sóis. Quem dera que ao menos a Gauss
respondesse às nossas mensagens!
***
O Major Mentor entrou juntamente com Van Moders na cabina de Perry Rhodan.
Apesar do furacão, conseguira chegar à X-l com seu planador espacial.
Moders apresentou seu relato, e depois dele o comandante da antiga nave Gauss. Os
dois já sabiam que os laurins haviam começado a destruir os duzentos sóis artificiais.
Moders, o “pavor ideológico”, teve mais uma idéia. Começou a desconfiar por que
o cérebro hiperimpotrônico de repente não oferecera mais nenhuma resistência em seu
interior e não mobilizou nenhuma máquina de guerra contra eles, para cortar-lhes a
retirada para a superfície.
A idéia de Moders foi expressa numa pergunta. Quis saber a hora exata em que os
laurins haviam começado a destruir os sóis artificiais.
Devia haver alguma espécie de entendimento entre os laurins e a hiperimpotrônica.
Quando Rhodan lhe forneceu a hora exata em que o primeiro sol artificial fora destruído,
Moders ficou com o rosto zangado.
— No mesmo instante, o cérebro tornou-se pacato, chefe — disse. — É um monstro
frio e calculista. Deve ter percebido muito bem o que devemos esperar dos laurins. No
momento vê nos laurins um aliado que o ajudará a destruir o plasma celular que tanto o
tem incomodado. Nós seremos liquidados juntamente com ele. Por que a
hiperimpotrônica haveria de esforçar-se para destruir-nos por meio das máquinas de
guerra que obedecem exclusivamente a ela? Um monstro hiperimpotrônico não sabe o
que vem a ser aquilo que nós chamamos de tempo.
— Muito bem pensado, Moders — disse Rhodan, em tom de elogio. — Sou da
mesma opinião que o senhor. Mas, daqui em diante, devemos pensar e agir em conjunto.
Nossos telepatas acham-se próximos ao esgotamento psíquico. Dificilmente estarão em
condições de usar suas energias mentais para reforçar os impulsos extremamente débeis
do centro de plasma. Dentro de uma hora terei de pôr fim à sua atuação. Assim que eu der
ordem para isso, Tschubai e Kakuta saltarão com uma superbomba arcônida para o centro
da hiperimpotrônica. Ainda não posso dizer quando detonarei a bomba... O senhor esteve
a ponto de interromper-me, Moders. O que tem a dizer?
— Chefe, não estou gostando de seu plano com a bomba.
— Nem eu — respondeu Rhodan. — Uma bomba como um meio para atingir certo
fim nunca foi do meu gosto, mas para nossa Galáxia a sobrevivência do centro de plasma
é mil vezes mais importante que a existência da hiperimpotrônica, que fará tudo que
estiver ao seu alcance para subjugar-nos. Moders, não devemos pensar exclusivamente
nos terranos. Assumimos a tarefa de proteger a vida de todos os outros povos da Via
Láctea, inclusive a do centro de plasma, que guarda certa relação com essa vida. Tem
mais alguma coisa a dizer?
— Está bem. Vamos manter o plano que prevê a utilização da bomba, chefe, mas
peço-lhe que me dê tempo para descobrir o motivo dessas oscilações na intensidade do
engaste. Sempre chego automaticamente à conclusão de que as mesmas têm uma relação
causal com a destruição da programação do ódio. Nunca mais conseguiremos encontrar o
lugar em que o senhor e mister Atlan estiveram. Agora a hiperimpotrônica resolveu tomar
cuidado. Gostaria de saber o seguinte: qual é a relação entre a programação do ódio e o
engaste hipertóictico, que é o elemento de ligação entre a biossubstância e a
hiperimpotrônica? Talvez seja tolo demais para dar resposta a esta pergunta.
Moders pôs-se a refletir. Rhodan fez um sinal para Atlan e Mentor para que não
dissessem nada, a fim de não perturbar as reflexões do jovem e genial robólogo. Van
Moders sabia pensar em termos positrônicos e até mesmo hiperimpotrônicos. Naquele
momento seu cérebro transformou-se num elemento hiperimpotrônico. Era um nada em
comparação com o cérebro cujas instalações chegavam a dois mil metros de
profundidade, mas em muitos pontos podia equilibrar-se com ele. A capacidade de
Moders tinha bases naturais, enquanto a hiperimpotrônica representava uma obra de arte
dos seres de Mecânica, que já pertenciam ao passado. Fora equipado com o saber dos
mesmos, mas também carregava seus erros.
Durante a pausa, Mentor lembrou-se do que acontecera com os campos defensivos
da Gauss quando as naves-pingo atacaram-na.
— Não consigo descobrir! — disse Moders, com um gemido. — Que tipo de
relação pode existir entre a programação do ódio e as oscilações na intensidade do
engaste?
O robólogo parecia perplexo.
Mais um tremor de terra sacudiu o planeta do centro de plasma. Quando a sala de
comando da X-l anunciou que os laurins acabavam de destruir o segundo sol artificial,
ninguém se surpreendeu. A X-l balançava sobre as colunas de apoio elásticas que nem
um navio em mar agitado.
— Se os laurins continuarem a destruir os sóis na mesma velocidade, levarão menos
de uma semana para dar cabo de todos os duzentos — disse Atlan, em tom contrariado.
— Devemos usar os jatos espaciais e a X-l para dificultar o trabalho dos invisíveis...
— Acho que isso não é possível — interrompeu Mentor.
E diante do olhar indagador de Rhodan apresentou seu relato.
— Isso representa uma surpresa nada agradável — constatou Rhodan. Voltou a
olhar para o robólogo. — Ouviu, Moders? Vejo-me obrigado a entregar o coringa
novamente ao senhor. Descubra a causa da oscilação na intensidade do engaste. Verifique
por que os impulsos do plasma guardado nas oitenta bolhas metálicas ficaram tão débeis.
Conte com a possibilidade de a frota de mister Bell chegar hoje ou amanhã. Se não
encontrar a solução do enigma nos próximos dois ou três dias, Bell não encontrará um
terrano vivo por aqui.
Moders sorriu.
— Isso não é comigo, chefe. Permite que me retire?
— O que pretende fazer, Moders?
— O que poderia fazer, chefe? Refletir! Quero voltar a ser aquilo que dizem de
mim: o “pavor ideológico”. Será que Ras Tschubai poderia teleportar-me para o núcleo
do centro de plasma?
Rhodan fez que sim.
Van Moders retirou-se.
O comandante da X-l chamou. A nave e os trinta jatos espaciais estavam prontos
para decolar. Além do veículo de Brazo Alkher, Rhodan pediu mais dois jatos espaciais
para sua missão. Os outros caças continuariam a sobrevoar o centro de plasma para
protegê-lo, até que recebessem novas ordens.
— E a bomba destinada ao cérebro? — lembrou Atlan.
Com essas palavras deixou claro que nunca seria amigo da hiperimpotrônica. Tinha
uma repugnância muito enraizada contra um poder de comando tão gigantesco. O enorme
centro de computação de Árcon III, que governara o Império durante alguns decênios,
causara muitas preocupações a ele e a Rhodan. Quando foi destruído, sentiram-se
aliviados.
E a hiperimpotrônica era um monstro ainda mais gigantesco que o centro de
computação de Árcon III.
Há algum tempo as informações do centro de plasma haviam proporcionado a
Rhodan e Atlan uma boa visão de conjunto do cérebro. Fora construído pelos seres de
Mecânica, de forma a dividir-se em oito partes autônomas. Cada uma dessas partes era
protegida por campos defensivos, mas era provável que estes só reagissem aos laurins.
Mesmo que um dos setores fosse totalmente destruído, isso não afetaria o setor vizinho.
Apesar disso, o cérebro tinha seu ponto nevrálgico, que consistia na técnica da
hiperimpotrônica.
Os oito setores eram independentes, mas transmitiam sinais de controle a um
minúsculo centro, que se limitava a armazená-los. Enquanto tudo corresse normalmente,
não interferia. Mas sempre que houvesse alguma destruição de proporções graves num
dos setores, o centro deveria avisar os demais sobre a ocorrência. Isso significava que no
interior do cérebro havia um lugar do qual os oito setores podiam ser atacados pelo
caminho mais curto.
Era para esse lugar que Ras Tschubai e Tako Kakuta deveriam teleportar a
superbomba!
Tako era pequeno e franzino enquanto Ras era alto e forte. Os dois desapareceram
do depósito de armas da X-l juntamente com a bomba e rematerializaram-se no recinto do
cérebro que Rhodan lhes descrevera detalhadamente.
Quando chegaram com sua carga perigosa, os dois entreolharam-se com uma
expressão de perplexidade.
Será que estavam no lugar certo? Pela descrição do chefe o centro era diferente.
Falara num recinto muito pequeno.
Acontece que se encontravam num recinto gigantesco.
— Estou certo de que não estamos no lugar correto — disse o teleportador japonês
ao lembrar-se dos detalhes que o chefe descrevera.
— Estamos no lugar certo, sim — contestou o afro-terrano. — Este lugar me faz
lembrar a central do planeta Mecânica. Se partirmos do pressuposto de que a máquina
tradutora da biossubstância cometeu um erro ao converter as medidas indicadas pelo
centro de plasma em medidas terranas, concluiremos que o simples deslocamento de uma
vírgula para uma casa decimal transformará um lugar pequeno num lugar grande.
Os dois não se viam. Os campos estavam regulados para a potência máxima. A
bomba também estava resguardada por campos. Só mesmo um acaso infeliz faria com
que o cérebro localizasse a superbomba. Um neutralizador de alta potência evitava que
qualquer radiação energética atingisse o exterior.
Só agora, quando já se dispunham a saltar de volta, os teleportadores notaram que a
gigantesca sala onde se encontravam estava iluminada, enquanto os outros setores
achavam-se mergulhados na escuridão.
O chefe ressaltara este ponto. E a lembrança disso fez com que tivessem certeza de
terem colocado a bomba no lugar certo.
Quando se encontravam novamente à frente do chefe e apresentaram seu relato, este
não se admirou com o fato de terem encontrado uma sala gigantesca, enquanto o centro
de plasma havia dito a ele e a Atlan que a central ficava num minúsculo recinto.
— Que nem a programação de ódio! — observou Atlan laconicamente. — Também
era muito maior do que o plasma havia descrito, bárbaro.
Nesse instante, a X-l ergueu-se do solo, acompanhada por três jatos espaciais. As
colunas telescópicas de apoio foram encolhidas. A nave transformou-se numa esfera
perfeita, com exceção da protuberância equatorial em cujo interior rugiam os jatos-
propulsores. Estes liberaram as forças que impeliram a X-l para o espaço adjacente ao
mundo de plasma em direção ao sol artificial que estava exposto ao fogo de radiações de
numerosas naves dos laurins.
Os invisíveis empenhavam-se na destruição do terceiro sol artificial.
***
Moders usou o rádio para entrar em contato com John Marshall e seu grupo de
telepatas.
O robólogo fazia exigências desumanas a esses homens, que estavam próximos ao
esgotamento total. Moders sabia. Assim mesmo insistiu em que se unissem mais uma vez
num bloco mental. Queria que irradiassem suas paraenergias em direção ao centro de
plasma, a fim de que este ficasse em condições de responder às perguntas de Moders.
— O senhor tem de fazer isso, mister Marshall! — disse Moders, em tom enfático.
— O senhor e os outros homens de seu grupo têm de voltar a mobilizar suas forças. Sem
isso não conseguirei nada. Ainda não sei onde deverei procurar para localizar essa
oscilação na intensidade do engaste. Marshall, o senhor tem de ajudar!
John Marshall mal conseguia ficar com os olhos abertos. As palavras de Moders não
o impressionaram. Todos os telepatas, inclusive John Marshall, estavam exaustos.
— Marshall! — gritou Moders pelo rádio.
O chefe dos mutantes não respondeu. Não ouvira o chamado de Moders. Estava
dormindo. A tela mostrou a Moders o chefe do Exército de Mutantes todo encolhido, com
a cabeça apoiada sobre os braços cruzados. Estava dormindo à frente da objetiva.
O cientista não fez mais nenhuma tentativa de acordar Marshall. Lembrou-se de
certas oportunidades em que também entrará em colapso.
Não estava em Condições de sair do edifício em forma de tacho. As perturbações
atmosféricas eram tão intensas, que qualquer tentativa de mover-se em meio à tempestade
seria puro suicídio. A desgraça que desabara sobre o Mundo dos Duzentos Sóis devia ter
deixado um rastro de destruição por toda parte. Moders não se lembrava de jamais ter
visto tempestades titânicas como esta. Admirou-se de que o edifício central e as
gigantescas abóbadas do plasma tivessem resistido a tudo sem sofrer danos.
Seu rádio portátil chamou. Era um dos três grupos de cientistas, que se encontrava
no interior de uma bolha metálica. Os especialistas em plasma queriam falar com ele.
— Está na hora de falar — disse Moders a contragosto.
Prestou atenção. Arregalou os olhos. Seu rosto assumiu uma expressão sombria.
— Ora, o senhor enlouqueceu! — gritou para dentro do microfone, sem pensar em
nada.
Seu colega afirmava seriamente que os impulsos de plasma, saídos da bolha
metálica em cujo interior se encontravam os cientistas, estavam fluindo novamente a toda
intensidade. Haviam realizado medições complicadas para determinar a intensidade dos
impulsos, e os resultados foram sempre os mesmos.
O colega reagiu de modo brusco à expressão impulsiva de Moders. O receptor deste
deu um estalo e a ligação com a abóbada do plasma foi cortada.
Moders ficou matutando. Estava zangado consigo mesmo e a afirmação absurda do
especialista em plasma deixara-o aborrecido.
— Que tolice! — exclamou em voz alta.
Naquele momento recebeu um chamado do professor Gaston Durand, que pertencia
ao mesmo grupo do especialista em plasma que há pouco fizera aquela incrível
afirmativa.
— Caro colega — disse Durand. — Compreendo sua incredulidade, mas o fato é
que aquilo que o senhor acaba de ouvir corresponde à verdade, ou então nossos
instrumentos nos pregam uma peça. Desde o momento em que o suprimento de oxigênio
voltou a funcionar perfeitamente...
Até ali Moders conseguiu ouvi-lo calmamente. Mas, de repente, quase chegou a
explodir. Engoliu em seco e, fazendo um esforço para controlar-se disse:
— Professor, será que o senhor quer afirmar que nossos telepatas são mentirosos?
Eles nos confirmaram repetidas vezes que os impulsos do centro de plasma se tornam
cada vez mais débeis. Os telepatas se desgastaram tanto, física e psiquicamente, que no
momento não se pode falar com eles. John Marshall adormeceu enquanto estava falando
comigo. Dali se conclui...
— Endosso tudo que o senhor já disse, Moders, mas quero formular uma pergunta.
Algum dos telepatas se lembrou de medir o fluxo de impulsos biológicos que sai de
qualquer das bolhas de plasma?
De repente Moders teve sua atenção despertada.
— O que quer dizer com isso, professor?
Moders lembrou-se de que em Árcon III, pouco antes de iniciarem o vôo para o
Mundo dos Duzentos Sóis, o professor Gaston Durand ainda fora seu inimigo ferrenho.
— Acho que todos cometemos um erro ao não darmos a devida atenção ao que era
mais evidente. O plasma propriamente dito encontra-se num estado biológico de
completa sanidade e seus impulsos são fortes. Apenas acontece que não chegam ao
centro. E os telepatas irradiaram suas paraforças para esse centro. Nesse ponto quero
fazer uma pergunta. A última afirmativa que acabo de fazer é correta?
— É, sim.
— Obrigado, Moders. Neste caso nosso raciocínio não leva à conclusão final de que
as perdas de intensidade dos impulsos se verificam na ligação entre as diversas abóbadas
e o centro?
Van Moders manteve-se calado. Refletiu intensamente. Vez por outra o estouro de
uma perturbação atmosférica chegava a ele. Quanto ao mais, tudo permaneceu em
silêncio em sua faixa de ondas.
Naquele momento nova mensagem foi transmitida em outra faixa. Também vinha
de uma abóbada de plasma. Moders regulou o receptor de tal maneira que o professor
podia ouvir a palestra.
Os mesmos resultados foram fornecidos ao robólogo. Os biólogos e especialistas em
plasma que se encontravam em outra bolha metálica afirmavam que a biossubstância
emitia fortes impulsos.
— Então, Moders, já concorda comigo? — perguntou o professor.
Van Moders não era fácil de ser convencido a submeter-se ao raciocínio de outra
pessoa. Teve a sensação de que algo não estava certo, ou então não se dera a necessária
atenção a algum fator. Não conseguia esquecer os telepatas. Por que é que eles não teriam
notado os poderosos fluxos de impulso com suas fantásticas paraforças?
Moders achou que isso era impossível, portanto a conclusão final de Durand não
podia ser correta. Se realmente as oitenta porções de plasma estavam organicamente
sadias e fortes e transmitiam seus impulsos sob essa forma ao centro, restava saber onde
ocorria a misteriosa perda de intensidade desses impulsos.
— Professor, antes de pronunciar-me sobre sua suposição terei de conversar com os
telepatas. Acho que o senhor compreende, não compreende?
O professor Gaston Durand não teve a menor compreensão para com a atitude
hesitante de Moders. Tinha certeza absoluta de que suas suposições eram corretas. E foi
com base nessa segurança que deu à sua voz um tom inconfundível de sarcasmo quando
disse:
— É claro que compreendo, caro colega. Já sinto prazer diante da expectativa de seu
próximo chamado.
Moders foi bastante inteligente para só fazer uma careta depois de ter sido cortada a
ligação com os dois grupos que se encontravam em abóbadas diferentes.
O robólogo estava preso no lugar em que se encontrava. E os dois teleportadores
estavam a bordo da X-l.
— Tenho de encontrar um meio de acordar Marshall!
Procurou entrar em contato pelo rádio com o chefe dos mutantes.
Mas suas tentativas não deram resultado...
4

Rhodan fitou o Major Mentor e disse:


— O senhor tem razão. Os invisíveis possuem uma nova arma. Os laurins subtraem
dos nossos campos defensivos um volume maior de energia do que nós conseguimos
suprir. As perspectivas não são nada boas.
O piloto da X-l transformara-se em co-piloto. Perry Rhodan, o chefe, voltara a agir
como nos tempos antigos: estava pilotando a nave esférica.
— Olá, amigo — disse pelo interfone, dirigindo-se ao oficial de artilharia. — Não
me decepcione. Procure adaptar-se à rota por mim escolhida. Se entre as diversas
investidas tiver alguma pergunta, fique à vontade. OK?
O Administrador do Império Solar conseguia com poucas palavras cativar os
homens que o cercavam. Raras vezes assumia o papel do chefe obstinado. Nunca perdia
nada de sua autoridade ao tratar os outros de igual para igual. Continuava a ser ele
mesmo, enquanto as pessoas às quais se dirigia nesses termos passavam a sentir-se
estreitamente ligadas a ele.
O homem que costumava pilotar a X-l arregalou os olhos, quando a nave esférica
saiu do semi-espaço e mergulhou no Universo normal, bem atrás de três naves-pingo.
Estava à distância de tiro das mesmas e voava em sua direção.
Sem que o quisesse, o homem exclamou:
— Sir, estamos seguindo uma rota de colisão!
— Não diga! — respondeu Rhodan, com um ligeiro sorriso.
O oficial de artilharia adaptou-se imediatamente à tática de Rhodan. Não dirigiu
mais nenhuma pergunta ao chefe. Agiu sem pensar nas conseqüências.
Disparou as torres de canhões dos pólos do costado da X-l para a nave dos laurins
que se encontrava mais próxima. Dispunha de três segundos. Quatro segundos depois,
Rhodan fez a X-l voltar ao semi-espaço.
— Muito bem, chefe! — berrou o oficial de artilharia, entusiasmado, pelo interfone.
O rastreador de relevo reproduziu o espaço normal. O localizador antifletor
acoplado ao mesmo tornou visíveis as naves invisíveis dos laurins. Hal Mentor não
exagerara ao falar em três ou quatro mil naves-pingo.
— Brazo, onde está o senhor? — perguntou Rhodan pelo rádio, dirigindo-se ao
jovem oficial de artilharia que se encontrava num jato espacial.
O co-piloto não compreendia como uma pessoa podia fazer tanta coisa ao mesmo
tempo.
— Um momento, chefe — disse a voz saída do receptor.
Perry Rhodan não se impacientou. Se Braço Alkher pedia que lhe concedesse algum
tempo era porque precisava.
A tela de imagem indicou o motivo por que Alkher não pudera responder. Acabara
de derrubar uma nave dos laurins com seu pequeno jato espacial.
— Não se arrisque demais, Brazo! — advertiu Rhodan pelo hiper-rádio.
O jato espacial de Alkher surgiu no semi-espaço, ao lado da X-l.
— Saberei cuidar-me, chefe. Eu... Naquele instante o jato espacial voltou a
desaparecer. Dali a alguns segundos, a X-l também mergulhou novamente no espaço
normal. Perry Rhodan nem deu tempo para que os invisíveis usassem seus perigosos raios
de sucção de energia.
— Meu caro, o senhor está fazendo um trabalho excelente! — gritou para o oficial
de artilharia, que aproveitara os dois segundos de permanência no espaço de três
dimensões para destruir mais uma nave-pingo.
O oficial respondeu num misto de orgulho e modéstia.
— Sir, o senhor dirige a X-l diretamente para o alvo. Com essa manobra de
aproximação o impacto é a coisa mais natural deste mundo.
Uma leve inquietação se fez sentir entre os laurins. Mais de quinhentas naves
haviam cercado um sol artificial de duzentos metros de diâmetro e concentravam seu
fogo sobre o mesmo. Por meio do forte afluxo de energia pretendiam provocar a
supersaturação energética do processo atômico, o que causaria a explosão do sol.
Pelo menos um terço das naves-pingo, que eram muito maiores que as que Rhodan
conhecera até então, afastaram-se. O aparecimento e desaparecimento instantâneo da X-l
deixou-as preocupadas.
— Ah! — disse Rhodan.
Voltou ao espaço normal entre o sol artificial e a nave dos laurins que avançara mais
longe. Estava em posição ligeiramente lateral. Mas o oficial de artilharia da X-l não teve
tempo para disparar. Um pequeno jato espacial disparara uma fração de segundo mais
cedo e atingira em cheio a nave-pingo, que se desmanchou num repuxo energético.
No mesmo instante, o casco da X-l estremeceu. Foi só graças aos potentes campos
defensivos que o tiro não atingiu seu envoltório esférico.
Com a maior calma Rhodan colocou a nave em segurança no semi-espaço. O vôo
linear permitiu-lhe descrever um círculo completo e voltar ao espaço no mesmo lugar.
Ainda desta vez o oficial de artilharia não pôde abrir fogo. Um dos três jatos
espaciais fora derrubado. Brazo Alkher transmitiu a informação. Enquanto oferecia o
breve relato, o segundo jato espacial explodiu.
— Retirar! — ordenou Rhodan.
Perry percebera que os invisíveis se haviam adaptado à sua tática.
O Major Mentor manifestou sua preocupação.
— Sir, não vamos tentar mais nada para impedir que os laurins façam explodir um
sol artificial atrás do outro?
— Vamos, sim, major, mas não agiremos mais como temos feito até aqui. Os jatos
espaciais não me preocupam tanto como as perdas humanas. Devemos pensar depressa
para descobrir outra tática de ataque.
A X-l e o jato espacial que a acompanhava contornaram o Mundo dos Duzentos
Sóis pela zona de libração, a fim de sair a mil quilômetros de altura sobre o continente no
qual se encontrava o centro de plasma.
O serviço de vigilância de rádio da X-l captou a tentativa frustrada de Van Moders,
que pretendia entrar em contato com John Marshall.
Rhodan foi informado a este respeito. O administrador virou a cabeça. Tschubai e
Kakuta encontravam-se num lugar mais afastado.
— Ras, salte para onde está Moders.
Na X-l só ficou um teleportador, pois Tschubai desapareceu.
No mesmo instante, os filtros de luz magnéticos da tela panorâmica fecharam-se.
Mais um sol artificial explodira a cem mil quilômetros de altura sob o fogo de radiações
das naves dos laurins. Apesar dos filtros fechados, a sala de comando foi inundada por
uma luminosidade excessiva. O co-piloto cobriu os olhos com as mãos. Quando voltou a
enxergar, ficou perplexo ao notar que, nesse meio tempo, o chefe fizera descer a X-l num
vôo arriscado, levando-a para perto da superfície.
Será que os olhos do chefe eram diferentes? Esta pergunta estava escrita no rosto do
homem que ocupava o assento do co-piloto.
O oficial de artilharia reconheceu no mesmo instante que o perigo vinha de baixo.
Uma das numerosas fortificações subterrâneas do cérebro saíra à superfície e estava
dirigindo sua antena de radiações para a pequena nave esférica.
O oficial de artilharia transmitiu a ordem de atirar ao dispositivo positrônico que
controlava o armamento. O feixe concentrado de mais de trinta peças de radiações da X-l
atingiu o forte em meio ao movimento das antenas. A uma distância de menos de mil
metros os raios concentrados tinham a força de uma bomba atômica. Rhodan não
conseguiu desviar a nave a tempo para escapar à nuvem ofuscante levantada pela
explosão. Um fogo de artifício surgiu no mesmo instante em torno dos campos
defensivos da nave. Mas não foi só a energia que bateu contra os campos energéticos.
Estes também sofreram o impacto de blocos metálicos de várias toneladas, que antes
haviam sido aparelhos pertencentes à fortaleza hiperimpotrônica.
Dali a alguns segundos, o local devastado pelo gigantesco cogumelo de fumaça
ficou bem atrás da nave. A X-l voltou a pousar no lugar de onde havia decolado, em
direção aos sóis artificiais ameaçados. A nave não sofreu qualquer solavanco, por leve
que fosse, quando o anel de colunas telescópicas de apoio tocou o solo.
— Santo Deus! — exclamou o homem que costumava pilotar a X-l. — Como o
senhor sabe pousar!
Rhodan voltou a ligar a chave mestra sincronizada ao controle positrônico.
Levantou-se. Deu uma risada ao ver o homem que se sentia embaraçado por causa das
palavras “petulantes” que acabara de proferir.
— Quando o senhor tiver decolado e pousado cem mil vezes, fará tão bem quanto
eu.
Rhodan parou junto ao interfone. Dirigiu-se ao oficial de artilharia.
— Meus parabéns. Se um dia voltarmos a Terrânia, apresente-se a mim. O senhor
fez um serviço excelente.
Depois disso fez um sinal para que Atlan o acompanhasse.
O arcônida teve a impressão de ser o homem menos importante no comando.
Contrariado com isso, acompanhou Rhodan até o camarote.
***
Bell chamou o rato-castor pelo interfone da Teodorico. Gucky não respondeu.
Bell repetiu o chamado. Não aconteceu nada. Mister Bell deu ordem para que o
pequeno fosse chamado até que o encontrassem. Nem desconfiava de que, ao ouvir o
primeiro chamado, o Tenente Guck desligara o interfone de sua cabina.
Não tinha tempo para comparecer à presença do gorducho. Havia coisa mais
importante a fazer.
Deitado em seu sofá, Gucky testava Menke Laas por via telepática. Para ele, o
jovem mecânico era um mistério. Havia algo de especial nele. Mas, por mais que se
esforçasse, Gucky não descobriu o que era.
“É um ‘farejador’ de panes”, pensou o rato-castor. “Mas como é que Laas fareja as
panes?”
Com o tempo a leitura dos pensamentos de Laas tornava-se menos interessante.
Gucky arrependeu-se e pôs-se a tatear outros cérebros. De repente sentou-se.
O que era isso que estava captando? Penetrara nos pensamentos do homem que
deixara Menke Laas só, diante do acelerador de partículas que estava prestes a explodir.
O homem soltou um grito.
Gucky surgiu à sua frente, vindo do nada. O rato-castor, que mal atingia o peito do
homem, segurava com sua mão o tecido resistente do traje de combate deste, esforçando-
se para fazê-lo descer até onde estava ele. O homem ainda se achava paralisado pelo
susto provocado pelo súbito aparecimento de Gucky, aliado a uma consciência pesada.
Todas as pessoas que se encontravam a bordo sabiam que o rato-castor era capaz de ler
pensamentos.
O homem resistiu.
O pequeno logo desistiu de sua tentativa de usar a débil força muscular.
— Ora, amiguinho! — limitou-se a dizer e recuou um passo.
No mesmo instante o homem dobrou os joelhos, pois sentiu um peso insuportável
sobre os ombros.
Naquele momento, Gucky era apenas um tenente da Frota Solar.
— Ora, amiguinho — principiou, em tom ameaçador. — Por que contou a mister
Bell essa história mentirosa logo após a explosão? Quem você procurou limpar com isso?
Será que não foi você mesmo, meu caro?
— Sir...
— Tenente! — piou Gucky.
— Tenente Gucky...
Imediatamente aquele homem totalmente perplexo esperneava junto ao teto.
— Quem lhe deu licença para me chamar de Gucky? Mas não é o que interessa.
Vamos logo! Conte a verdade. Quais foram as mentiras que andou contando? E o que
quis esconder com a história mentirosa que contou a mister Bell?
Gucky usou um de seus truques psicológicos para facilitar a confissão.
Ouviu-se um grito. O homem caiu vertiginosamente. Teve a impressão de que iria
arrebentar-se de encontro ao chão. Mas, no último instante, uma força invisível freou a
queda. Flutuou no ar a um palmo do chão.
— Muito obrigado, amigo! — piou Gucky, furioso.
Acabara de ler os pensamentos do técnico. Já sabia de tudo. A explosão do
acelerador de partículas poderia ter sido evitada se esse homem tivesse realizado os
controles prescritos. Além de tudo, esse sujeito deixara Menke Laas covardemente
exposto ao perigo, quando o mesmo estava ajoelhado à frente de acelerador, embora
desconfiasse de que o aparelho iria explodir.
De repente o homem sentiu chão firme sob os pés. Mas o Tenente Guck tinha
desaparecido.
Depois de fazer um outro homem passar alguns minutos desagradáveis, o rato-castor
teleportou-se para junto de Bell.
— Você nos fez esperar bastante, Gucky! — resmungou o gorducho, quando
finalmente apareceu o rato-castor.
O pequeno interrompeu-o com um gesto grandiloqüente.
— Não vim em atenção ao seu chamado, representante. Vim para delatar duas
ovelhas negras que se encontram entre a tripulação. Um deles era o encarregado do
controle de um acelerador de partículas, enquanto a outro cabia supervisionar um banco
energético. Ambos falharam. E, para os dois, Menke Laas apareceu na hora exata. Afinal,
você mandou espalhar pela nave que ele era um “farejador” de panes. Esses dois sujeitos
traiçoeiros pegaram-no, sem que ele de nada desconfiasse, e...
— Bem que eu gostaria que você levasse umas boas! — interrompeu Bell, que já
imaginava o fim do relato.
— Não tenho dúvida de que você gostaria, meu caro — respondeu Gucky em tom
arrogante.
Depois prosseguiu:
— Pois bem. Menke Laas foi levado conscientemente por dois homens para os
locais de perigo ou de pane. Não é de se admirar que não tenha percebido que se
aproveitaram dele. Menke Laas é apenas um mecânico que, dentro de sua área de serviço,
descobriu sozinho uma pane, mas jamais será um “farejador” de panes. Os dois homens,
com os quais alguém deveria falar umas palavras enérgicas, atendem pelos nomes de
Opta e Lasur. Mas por que mandou chamar-me, Bell?
Penetrando nos pensamentos do gorducho, Gucky logo descobriu.
— Essa não! — exclamou. — Foi só por isso? Ora. representante-chefe, não se pode
exigir que um tenente da Frota Solar execute uma tarefa desse tipo. Permita que me
retire.
— Gucky... — gritou Reginald Bell, indignado, e tentou segurar o pequeno, mas sua
mão só atingiu o ar.
O rato-castor já estava confortavelmente refestelado em seu sofá e disse em tom
furioso:
— Não sou nenhum trabalhador braçal. O que será que esse sujeito pensa? Por certo
acha que é fácil liberar as forças telecinéticas. Para que servem as plataformas
antigravitacionais e os robôs-gigantes que temos a bordo?
Mas, à medida que prosseguia no solilóquio, mais se acalmava. Depois de algum
tempo chegou à conclusão de que na verdade Bell não exigira demais.
— Bem, vou dar uma olhada lá embaixo.
Dizendo estas palavras, teleportou-se.
Lá embaixo, era o estágio preliminar número um do kalup, instalado num salão de
cento e vinte metros de comprimento, setenta e cinco de largura e quarenta de altura. Três
gigantescos conjuntos de máquinas ocupavam quase todo o espaço disponível. Entre os
dois maiores encontrava-se o estágio preliminar número um. Os técnicos terranos haviam
informado que ele agüentaria uma eternidade.
Acontece que apesar disso acabara de falhar. E estava instalado num lugar tão
infeliz que era impossível ou extremamente difícil trabalhar com plataformas
antigravitacionais ou robôs-gigantes, que levantavam as peças mais pesadas como se
fossem bolas.
Gucky fora parar na borda de um. dos aparelhos muito altos e olhou para baixo. O
estágio preliminar estava sem revestimento. E o que aparecia ali só podia ser considerado
um montão de destroços.
“Não demorarei em tirar isso dali”, pensou o pequeno.
Naquele momento teve uma ardente lembrança do pedido de socorro que Perry
Rhodan enviara do Mundo dos Duzentos Sóis, no qual pedira que a frota viesse o mais
depressa possível.
— Tenente Guck — disse a voz retumbante de Jefe Claudrin pelo interfone. —
Compareça imediatamente à sala de comando. Isto é uma ordem, tenente!
Os homens e robôs que se encontravam diante do montão dos destroços, lá embaixo,
não deram atenção a estas palavras. Embaraçavam-se uns aos outros. Era quase
impossível desmontar o estágio sem demolir grande parte dos gigantescos conjuntos de
máquinas instalados ao lado.
Gucky leu seus pensamentos como se estivesse folheando um livro aberto. Antes de
mais nada, sem sair do lugar, usou suas forças telecinéticas e afastou os homens e robôs.
Sua atuação provocou confusão entre os homens. A voz de Gucky era tão fraca que não
conseguia fazer-se ouvir. Para fazer com que notassem sua presença, fez subir a peça
maior dos destroços a um metro de altura e deixou-a cair ao chão. lias de trinta homens
levantaram os olhos pai» Gucky. Compreenderam seus sinais. Os robôs desapareceram.
O rato-castor encontrou a faixa de freqüência de seus rádios de capacete e conseguiu
comunicar-se com os homens.
— A peça sobressalente tem revestimento? — perguntou.
— É claro que tem — respondeu alguém.
— Pois então coloquem o revestimento em torno do montão de destroços, para que
possa pegar tudo “embaixo do braço” — disse o pequeno, em tom presunçoso.
Ouviu alguém cochichar no rádio de capacete. A palavra telecineta foi mencionada.
Os robôs apareceram com as chapas de revestimento. Bell berrou pelo interfone. Estava
chamando o Tenente Guck. O rato-castor não se abalou nem um pouco.
— Como foi feita a fixação da base? — perguntou pelo rádio. — Não quero abrir
buracos na Teodorico.
Às vezes Gucky sabia gabar-se desavergonhadamente.
— Do lado de baixo o estágio preliminar está completamente solto.
— OK. — Por enquanto foi a última palavra de Gucky.
Continuou sentado conforme estava, com uma perna cruzada sobre a outra, o
capacete jogado para trás, o braço aberto em ângulo, o cotovelo apoiado no joelho e a
mão segurando o queixo.
Nem se notava que estava liberando tremendas energias telecinéticas. Mas via-se
pelo estágio preliminar defeituoso. Começou a subir, como se estivesse sendo levantado
por mãos de fantasmas. Efetuou um giro de sessenta graus e inclinou-se para a esquerda.
Ouviam-se os destroços baterem uns nos outros atrás do revestimento.
O pequeno estava realizando uma experiência eficientíssima. Teve de fazer passar a
peça desajeitada junto a condutores muito sensíveis e agora teve de fazê-la deslizar entre
duas veias energéticas. Já a deslocara numa extensão de quarenta metros.
Sentado na borda de uma máquina, Gucky parecia assistir a tudo. O interfone voltou
a chamar o rato-castor.
Um dos homens que se encontravam lá embaixo atendeu e informou o que Gucky
estava fazendo no momento.
O estágio preliminar defeituoso planava a trinta e cinco metros de altura, em direção
à escotilha alta e larga.
O rato-castor teleportou-se, mas a peça a ser trocada não se moveu nem um
centímetro. Flutuava bem embaixo do teto.
Parado na escotilha aberta, Gucky fez descer a peça, deixou-a passar por cima de
sua cabeça e de repente viu-se cercado por um grupo de homens que o fitavam,
fascinados.
— Um de vocês tem de mostrar-me o caminho do depósito de peças sobressalentes.
Pode caminhar uns dez metros à minha frente.
Ninguém queria arriscar-se a isso, pois dez metros à frente de Gucky a peça que
pesava algumas centenas de toneladas flutuava a cinco metros de altura. Todos
imaginavam a sorte terrível que teriam se a peça caísse...
Dez minutos depois da primeira intervenção telecinética de Gucky a peça foi
entregue no depósito de partes sobressalentes. Dali a mais quinze minutos, um grupo de
robôs estava firmando a base da peça que substituiria a defeituosa. Efetuavam as últimas
ligações.
Gucky despediu-se em silêncio. Estava deitado no sofá, onde descansava do
“grande esforço” que fizera.
Lembrou-se do chamado de Bell. Nem pensava em apresentar-se na sala de
comando. O trabalho que acabara de concluir era exatamente a tarefa que recusara,
indignado, diante do gorducho.
O pequeno não se sentia nada satisfeito. Lembrou-se de Perry Rhodan, que não o
levara em sua viagem ao Mundo dos Duzentos Sóis.
— Perry — disse a meia voz. — Se você continua a proibir que eu atue no mundo
do plasma central, tenho de arranjar alguma coisa a fazer.
A porta da cabina foi aberta. Bell entrou. Já se esquecera do incidente que houvera
na sala de comando.
— Pequeno — disse. — Captamos uma mensagem da X-l. Os laurins estão
derrubando os sóis do mundo do plasma. Concentraram cerca de quatro mil naves-pingo,
que estão azedando a vida de Perry.
— Não é de admirar que essa gente esteja passando mal. Por que o chefe não me
levou? — perguntou o pequeno, convencido.
Bell fez como se não tivesse ouvido. Conhecia Gucky e sabia perfeitamente que, por
trás das palavras presunçosas, ele apenas ocultava o medo de que algo pudesse acontecer
a Perry Rhodan.
— Pequeno, em hipótese alguma poderemos chegar antes de vinte e quatro horas.
Até lá os laurins extinguirão os duzentos sóis. Depois disso teremos de enfrentar os
invisíveis e a hiperimpotrônica, que é mil vezes pior do que costumava ser o centro de
computação de Árcon III.
— Por que veio me contar isso, gorducho? — Gucky sacudiu o corpo. — Por que a
cada etapa que vencemos, alguma coisa nestas caixas gigantescas quebra? Quem...
Calou-se. Os jatos-propulsores entraram em funcionamento. Era um sinal de que a
penúltima etapa iria ter início. Dentro de algumas horas venceriam também este trecho do
espaço intergaláctico.
— Por que levaremos vinte e quatro horas para chegar ao destino, Bell? —
perguntou Gucky, em tom de espanto.
Reginald Bell fez um gesto de pouco-caso e deixou-se cair numa poltrona.
— Gucky, o diabo está solto em nossas naves. O número de defeitos é trezentos por
cento maior que as previsões mais pessimistas.
— Mas por enquanto não tivemos a perda de dez por cento das naves que se previa,
Bell.
— É verdade — admirou Bell a contragosto. — Acontece que se temos uma
vantagem de um lado, essa é compensada por uma desvantagem de outro. Os reparos
pequenos e médios em centenas de lugares consomem o que temos de mais precioso:
tempo! É o tempo, sempre o tempo! Por isso gastaremos nada menos de vinte e quatro
horas entre o fim da sétima etapa e a chegada ao Mundo dos Duzentos Sóis. Afinal, não
posso sair com as naves que estão em boas condições e dizer às unidades defeituosas que
sigam depois. Umas quatro mil naves-pingo estão circulando em torno do mundo do
plasma. Pelo que dizem, são muito maiores que as que vimos até agora. Será que você já
compreende por que tenho de esperar até que, concluída a sétima etapa, todas as naves
estejam em condições de voar?
— Não — disse Gucky. — Não compreendo.
Sem dizer uma palavra, Bell tirou do bolso uma folha de plástico e entregou-a a
Gucky. O rato-castor pegou-a sem muita vontade e pôs-se a ler os sinais codificados
positrônicos. Não simpatizava com os robôs nem com os lampejos mentais dos
computadores positrônicos.
O computador de bordo da Teodorico transmitia uma informação lacônica: a relação
de forças entre a frota dos laurins e as naves terranas seria de dezessete para um.
— A máquina ficou maluca — piou Gucky.
Seus olhos chamejaram. Devolveu a folha de plástico.
— Infelizmente não, Gucky. Os laurins possuem uma nova arma. Devem ter criado
raios de sucção supervelozes ou coisa que o valha, por meio dos quais subtraem a energia
aos nossos campos defensivos. É só o que sei dizer a este respeito. A mensagem da X-l
inclui uma advertência explícita contra a nova arma.
— Que belas perspectivas — disse Gucky, em tom de desânimo. — Quantos sóis já
foram derrubados pelos invisíveis?
— Mais de cinqüenta, o que corresponde a mais de vinte e cinco por cento.
— Bem, gorducho, se é assim acho que você tem razão. Caso arriscássemos tudo,
deixando as naves defeituosas para trás, chegaríamos com um potencial debilitado e os
laurins teriam um jogo fácil conosco. Isso não adiantaria para ninguém. Nem para nós, e
muito menos para Perry. Quer saber de uma coisa, gorducho? Sinto-me satisfeito por não
estar no seu couro.
***
Acompanhada por vinte jatos espaciais, a X-l realizava ininterruptamente vôos de
ataque contra os laurins.
Era uma pequena nave esférica, de cem metros de diâmetro, contra quatro mil
naves-pingo. Não havia a menor esperança de êxito. Se bem que de certa forma alcançou
certo resultado. A derrubada dos sóis artificiais passou a ser feita num ritmo bem mais
lento. Muitas vezes os laurins não podiam agir calmamente para fazer explodir os
artefatos de duzentos metros de diâmetro.
A missão desesperada não deixou de trazer suas perdas. Rhodan partira com vinte
jatos espaciais. As oito unidades restantes realizariam vôos de patrulhamento sobre o
centro de plasma, a fim de evitar que os robôs hostis destruíssem as abóbadas cheias de
biossubstância.
Dos vinte veículos espaciais velozes restavam doze. Apenas a tripulação de um
deles conseguira descer e chegar ao Mundo dos Duzentos Sóis. As outras haviam perdido
a vida.
Rhodan e seus homens não tinham de lutar apenas contra desumanos laurins. O
cérebro mecânico também se transformara em inimigo. Dessa forma os terranos se viram
envolvidos numa guerra de duas frentes.
A arma mais perigosa eram os novos campos de sucção dos laurins, que faziam
desmoronar a estrutura dos campos defensivos terranos.
Apesar de tudo Rhodan não desistiu. Não poderia nem deveria fazê-lo. Tinha de
travar a luta desesperada até que Bell chegasse com a frota. Era necessário salvar o
plasma. No futuro poderia desempenhar um papel muito importante nos planos de
Rhodan. Face à sua disposição amistosa para com as inteligências da Galáxia, era um
importante fator de força. As lutas entre os robôs haviam causado a destruição da maior
parte dos centros dos pos-bis, mas os planetas e satélites que ainda restavam no espaço
intergaláctico representavam um baluarte contra os invisíveis de Andrômeda. A cada hora
que passava, aumentavam as alarmantes notícias vindas do Mundo dos Duzentos Sóis. Os
milhões de robôs existentes submetiam-se em escala cada vez maior ao comando da
hiperimpotrônica. As lutas entre os pos-bis diminuíam com uma rapidez surpreendente.
No entanto, neste lugar, situado a uns trezentos mil anos-luz dos limites da Galáxia, não
era de se esperar uma evolução caótica como a que se verificara em Frago. Ao que
parecia, o destino do centro de plasma estava definido.
Naquela altura não passava de uma massa de biossubstância, guardada em oitenta
recipientes gigantescos e incapacitada para qualquer tipo de ação.
Há uma hora, Rhodan entrara em contato com seu robólogo.
— Moders — dissera. — Mande que Ras o leve a um lugar seguro juntamente com
seus colaboradores. Uma vez cumprida esta ordem, a hiperimpotrônica irá pelos ares.
Colocarei uma bomba no cérebro.
Moders pronunciara-se contra esse propósito de Rhodan.
— Espere mais um pouco, chefe. Estamos na pista do mistério. É possível que essa
pista não leve a lugar algum, mas não devemos abandonar nenhuma chance.
Rhodan hesitou um pouco e concordou. — Está bem! Concedo-lhe seis horas,
Moders. Se até lá não conseguir nada, farei explodir a hiperimpotrônica. Já notou que os
laurins demonstram um grande interesse na conservação do cérebro?
Esse diálogo fora há duas horas.
Moders voltou a olhar para o relógio, Ras Tschubai estava de pé a seu lado. O
africano modesto sentia o nervosismo do cientista. Tinha uma simpatia enorme pelo
jovem especialista, em cuja mente muitas vezes borbulhavam idéias grandiosas. Foi essa
simpatia que o fez dizer:
— Não perca a calma, mister Moders. Quatro horas são um tempo muito longo.
Moders respondeu com um olhar agradecido.
Encontravam-se no círculo de tráfego. Moders dera o nome original ao setor.
Precisava-se de uma boa dose de fantasia para imaginar o que o mesmo designava.
Uma profusão de tubos retorcidos vindos de todos os lados dirigia-se para uma área
em que se ligava a um anel oco de vinte metros de grossura. Apesar de suas formas
bizarras, esse conduto tinha uma semelhança remota com um anel fechado. Para Moders,
esse anel representava o círculo de tráfego. O anel passava sobre o pavimento de aço, a
quarenta metros de altura. O furacão rugia furiosamente sobre o Mundo dos Duzentos
Sóis, mas a gigantesca figura não se deslocava por um centímetro que fosse. Era um
verdadeiro milagre, face à grande área que oferecia à atuação da tormenta.
Moders seguiu os fortes impulsos sobre os quais fora informado por vários
especialistas em plasma. O robólogo despertara John Marshall de um sono profundo e
pedira-lhe que verificasse a exatidão das informações fornecidas pelos especialistas.
As declarações de John Marshall levaram-no a perguntar:
— Quem foi que enlouqueceu por aqui? Eu ou os especialistas em plasma?
Marshall continuava a afirmar que as massas de biossubstância guardadas nos
oitenta recipientes, estavam mais próximas da morte que da vida. Não notou o menor
sinal de qualquer impulso.
Ras Tschubai usou a teleportação para levar o robólogo aos lugares que este
desejasse. Face à turbulência reinante na superfície do Mundo dos Duzentos Sóis, a
teleportação era o único meio de transporte digno de confiança.
Depois de ter falado com Marshall, Moders foi teleportado para junto do professor
Gaston Durand, cujo grupo se encontrava nos corredores de uma das bolhas metálicas.
Por ali havia impulsos! E John Marshall acabara de contestá-los...
Van Moders começou a duvidar da própria inteligência. Sabia que um telepata que
trabalha em parabase era incapaz de enganar-se.
Nesse meio tempo Ras Tschubai desaparecera para fazer uma visita-relâmpago ao
cérebro. Face às ordens de Rhodan, teria de certificar-se de que a superbomba continuava
no interior da hiperimpotrônica, no mesmo lugar em que Kakuta a havia deixado.
Ao voltar, Ras Tschubai encontrou um robólogo que olhava para o chão e sacudia a
cabeça.
— Vamos repetir todas as medições! — pediu Moders de repente.
Alguns colegas iam protestar, mas Moders desprezou seus protestos.
Mais um solavanco sacudira as camadas superiores do solo do mundo
extragaláctico. Mais um sol artificial explodira a cem mil quilômetros de altura. Tal qual
acontecia na hiperimpotrônica, os abalos não foram notados no interior do centro de
plasma. As instalações haviam sido construídas à prova de terremotos.
— Acho que sou mesmo um tapado — disse Moders com um gemido e verificou
mais uma vez todos os aparelhos de medição, dispostos numa longa fileira.
Naquele momento, Moders e Ras Tschubai encontravam-se no círculo de tráfego.
Os raios de seus faróis caíam sobre um conjunto confuso de coisas que não poderiam ser
descritas por qualquer palavra terrana. As ordens de Moders foram lacônicas:
— Dirija o raio mais para a direita. Agora, para a esquerda e para cima. Desça
lentamente pela Impo-P, Ras.
Uma de suas discussões com Gaston Durand girara em torno do bloco Impo-P que
fazia parte do engaste.
— Pare! — gritou Moders para o teleportador, quando seu farol estava iluminando o
trecho desejado.
— Santo Deus! O que será isso? — disse o robólogo com um gemido e coçou a
cabeça.
Aproximou-se. As peças apresentavam-se sem qualquer revestimento. Ras Tschubai
não fazia o menor movimento. Não tinha a menor noção da tecnologia dos seres de
Mecânica.
Mas Moders soube dizer alguma coisa sobre aquilo que estava vendo. Ras ouviu-o
cochichar.
— Onde será que já vi coisa parecida?
Sem virar a cabeça, perguntou:
— Ras, trouxe a ferramenta?
— Sim.
Mas Moders nem chegou a usá-la. De repente estremeceu, virou-se abruptamente e
pediu que Ras o levasse ao setor de suprimento de ar do centro de plasma.
Tschubai teleportou-o para lá. Tudo continuava como era no momento em que os
terranos se haviam retirado da sala, depois de Moders ter restabelecido o suprimento de
oxigênio que fora desligado pela hiperimpotrônica.
— Ah! Foi aqui que eu vi.
Quando o cientista lhe pediu que o levasse novamente ao círculo de tráfego, Ras
Tschubai espantou-se e fitou o robólogo com uma expressão estranha.
O teleportador fez-lhe este favor. Moders parecia ter esquecido a presença de
Tschubai. Ras chamou sua atenção para o fato de que mais de uma hora se passara.
Moders não lhe deu a menor atenção. Nem, se dava conta de que estava violentando seu
cérebro. Obrigou-o a pensar exclusivamente em termos de tecnologia de Mecânica.
— Ras, arranje-me uma bebida que seja boa, pois, do contrário, ainda acabarei
enlouquecendo. — Depois de ter proferido essas palavras, a presença de Moders voltou a
ser exclusivamente física. Seus pensamentos vagavam por paisagens espirituais em que
até então nenhum humano se aventurara.
Ras refletiu desesperadamente sobre como faria para arranjar uma bebida alcoólica
no Mundo dos Duzentos Sóis. Talvez valesse a pena tentar junto a um dos comandos de
superfície. Quando voltou, Moders lhe perguntou em tom áspero:
— Que diabo! Por onde foi que o senhor andou, Ras?
— O senhor não pediu uma bebida? Faça o favor.
O robólogo bebeu distraído. Depois disse:
— Traga Durand com seu conjunto de aparelhos. Deixe os outros onde estão.
Com três saltos o africano trouxe o que Moders havia pedido. Depois disso começou
a sentir tédio. Não entendia uma palavra do que os dois cientistas diziam, e além disso
não havia nada de interessante para ver.
Depois de bastante tempo voltou a olhar para o relógio. Levou um susto. Do prazo
de seis horas que o chefe havia marcado ao robólogo já haviam passado cinco horas e
trinta minutos.
— Mister Moders, o senhor ainda dispõe de trinta minutos — observou.
O especialista respondeu com o maior sangue-frio:
— Procure entrar em contato com o chefe. Ele tem de conceder mais algumas horas.
Ras sobressaltou-se.
— Desse jeito, mister Moders? Acho que não será possível.
— Qual será o jeito? — perguntou Moders, aborrecido. — Preciso de mais algumas
horas. É indispensável que eu as receba.
Ras teleportou-se ao edifício central de plasma, onde estava instalado um pequeno
hipertransmissor. Levou um tempo relativamente longo para estabelecer contato com
Perry Rhodan. Expôs a solicitação de Moders ao chefe. E insinuou que o robólogo exigira
o prazo adicional em termos bastante enérgicos.
— Concedido, Ras. Não tenho qualquer...
A ligação de hiper-rádio foi interrompida. Naquele segundo, a X-l conseguira,
depois de mais uma hora, destruir mais uma nave dos laurins.
Quando voltou ao círculo de tráfego, Tschubai teve de sair à procura de Moders e
Durand. Um deles estava lá em cima, em meio à confusão de objetos, enquanto o outro se
encontrava mais de cem metros à direita. Comunicavam-se aos gritos.
— Aqui também! — gritou o professor. — Para onde quer que olhe, é a mesma
coisa, colega.
— Aqui também, professor. O senhor também descobriu? — gritou Moders lá do
alto.
— Mais alguma coisa, Moders? Não. Afinal, o que foi?
— Um momento. Vou descer. Também vai voltar?
Ao ver Ras Tschubai, nem perguntou qual fora a resposta de Perry Rhodan. O
teleportador disse:
— O chefe concedeu a prorrogação do prazo.
Moders sorriu.
— Se não o tivesse feito, eu lhe teria dado ordem para tirar a bomba do interior do
cérebro. Por aqui não vai explodir coisa alguma. Em compensação dentro em breve
voltaremos a colocar a brida na hiperimpotrônica.
Ras Tschubai procurou não querer compreender o que Moders dizia. Este estava
sentado à frente de um instrumento de medição. Fez um gesto para que Durand se
aproximasse.
— Veja só! São cifras bonitas e estáveis. Não há nada de errado com as massas de
plasma. Absolutamente nada! Basta pensar na capacidade dos supercondutores. Foi uma
coisa parecida que nos pregou a peça. Os impulsos circulam nesta parte dos condutores,
até as abóbadas de biossubstância. Mas aqui... — levantou-se e apontou para certa parte
— ...não passa mais nada. Tal qual nos outros lugares, o isolamento dos campos
energéticos do bloco de biopom foi interrompido. Se não tivéssemos imaginado o engaste
com base no mesmo quadro esquemático que já conhecíamos nos pos-bis e pensado uma
única vez na possibilidade de o mesmo ter uma forma diferente, nós nos teríamos
lembrado disso mais cedo. O senhor é da mesma opinião, professor?
Durand acenou com a cabeça. Parecia abalado. Era difícil, muito difícil concordar
com as palavras do colega. Nos últimos minutos percebera nitidamente que o jovem
colega lhe era infinitamente superior.
— Um momento, preciso descobrir mais uma coisa. — Não havia quem segurasse
Moders.
Arrastou três aparelhos, os pôs a funcionar e fez a ligação de áreas de rastreamento e
realizou medições.
— Logo descobrirei suas manhas! — Sentiu o olhar indagador de Durand e virou a
cabeça. — Professor, são estas interrupções no isolamento dos campos energéticos que
causam as temíveis perdas de impulsos ou oscilações na intensidade do engaste. Foi isso
que causou o esgotamento do centro do plasma. Todos os projetores dos campos
protetores estão defeituosos, e por isso a ligação com a hiperimpotrônica foi totalmente
interrompida. Este trecho abrangido pelo teste não se desloca nem para o lado
hipertóictico nem para o lado hiperimpotrônico. Sabe lá que ligação é esta? Santo Deus!
Quem seria capaz de imaginar uma coisa destas? O chefe e Atlan fizeram explodir a
programação do ódio a alguns quilômetros deste lugar, e, no mesmo instante, tudo se
quebrou por aqui. Andamos à procura deste lugar nas profundezas do cérebro.
— Não é possível! — objetou Durand, em tom exaltado. — Na época o centro de
plasma informara o chefe e Atlan de que a destruição da programação de ódio não
poderia trazer outras conseqüências.
— E daí? — respondeu Moders com a maior tranqüilidade. — Continuo a afirmar o
contrário. E afirmo mais uma coisa, se bem que no momento não tenha condições de
prová-lo. Deve haver uma relação causal entre o súbito desaparecimento dos campos
relativistas das naves fragmentárias e os fenômenos que acabamos de descobrir.
O professor Gaston Durand cresceu para além de si mesmo. Fizera um esforço
tremendo para alcançar uma objetividade inigualável e reconheceu integralmente a
capacidade extraordinária de Van Moders. Limitou-se a dizer com uma ponta de ironia:
— Seu “pavor ideológico”!
— Antes ser isso que nunca ter uma idéia. Mas acho que está na hora de
começarmos a trabalhar. Ras, quer fazer o favor...?
Naquele momento, Ras Tschubai já se encontrava no edifício central, à frente do
hipertransmissor, onde informava Rhodan sobre a descoberta que Van Moders acabara de
fazer.
5

O octogésimo quinto sol estava explodindo quando a frota de Reginald Bell saiu do
semi-espaço nas proximidades do Mundo dos Duzentos Sóis e mergulhou no espaço
normal. Sofrerá perdas que chegavam a um total de duzentas e dezoito naves antes de
chegar ao destino, no espaço intergaláctico. Mas em vez de ver um anel grandioso
semelhante ao de Saturno em torno do planeta, deparou-se com o fogo de radiações das
naves dos laurins que atacavam furiosamente.
Jefe Claudrin pilotava a nave capitania, Bell estava sentado a seu lado. A projeção
da imagem sobre a gigantesca tela panorâmica provinha do localizador antifletor. Era só
por meio dele que se tornava possível reconhecer as naves-pingo invisíveis, se bem que
cada membro da expedição possuía um par de óculos antiflex.
Desde o início da batalha as naves esféricas terranas ficaram em desvantagem. Os
campos de sucção dos laurins atingiam os campos defensivos das naves terranas,
subtraíam-lhes a energia e provocavam seu desmoronamento. No momento em que um
campo desaparecia, o inimigo começava a atirar.
Ao ver explodir três naves da classe Cidade, Bell ficou apavorado.
— Retirar para o semi-espaço! — gritou pelo hipercomunicador, dirigindo-se a
todos os comandantes.
A gigantesca frota desapareceu tão de repente como havia aparecido. Encontrava-se
na zona de libração de um universo diferente, mas os homens assistiram pelo rastreador
de relevo à explosão do octogésimo sexto astro artificial que fornecia luz ao planeta.
Bell dirigiu-se a todos os comandantes.
— A frota B atacará quando as naves da frota A constatarem a perda de energia nos
campos defensivos. Assim que isso acontecer, nenhuma nave da frota A permanecerá no
espaço normal por um segundo que seja. Todas as unidades retirar-se-ão imediatamente
para a zona de libração. A frota C penetrará no Universo einsteiniano quando a frota B se
retirar. Espero que tenham compreendido o esquema. Os laurins deverão ser atacados
com todas as armas. Devem aprender que é muito perigoso meter-se conosco. Nunca
deverão esquecer a lição que lhes vamos dar. Alguma pergunta?
O comandante da frota D pediu a palavra. Acabara de perder uma nave da classe
Cidade, destruída pelo fogo disparado da superfície. Bell não deixou que concluísse.
— Não tenho nenhuma receita para isso. Só em caso de extrema emergência
deverão dar ordem para abrir fogo contra os fortes hiperimpotrônicos. Sei perfeitamente
que a ordem que acabo de dar não servirá para muita coisa, mas afinal não viemos para
destruir o Mundo dos Duzentos Sóis.
Bell transmitiu a hora exata em que a frota A iniciaria o ataque. O resto seria feito
segundo a evolução dos acontecimentos. Comandou pessoalmente o grupo A.
O momento zero chegou. Bell penetrou na estrutura espacial comum com pouco
menos de oitocentas naves e foi parar bem no meio de três gigantescos grupos de naves
laurins que se dispunham a destruir mais um sol.
A Teodorico ocupava a posição mais avançada. Podia disparar à vontade para todos
os lados, sem correr o risco de atingir uma nave terrana. Algumas naves dos invisíveis
abandonaram a frente de luta com graves avarias. Mas cada nave que se afastava logo era
substituída.
Ao notar que a estabilidade dos gigantescos campos defensivos da Teodorico ia
enfraquecendo cada vez mais, Bell ficou apavorado. Jefe Claudrin, o epsalense, não disse
uma palavra quando o kalup começou a rugir no interior da nave. No último instante, Jefe
levou a Teodorico ao semi-espaço, onde estava a salvo.
O grupo C avisou Bell de que o grupo B substituíra o A no momento adequado.
Finalmente vieram as notícias das perdas. Duas naves haviam sido destruídas.
Reginald Bell e Jefe Claudrin fitaram-se prolongadamente. Se as coisas
continuassem assim, suas chances não seriam muito boas.
O grupo B permaneceu no Universo einsteiniano durante três minutos e procurou
impedir as naves-pingo de destruírem os sóis artificiais. Depois disso o grupo C penetrou
no Universo normal. O grupo B perdera uma nave da classe Cidade.
O grupo C anunciou a perda de quatro naves!
Bell suspendeu o ataque. Procurou entrar em contato com Rhodan. Por um instante
teve a impressão de ver a X-l na tela. Os potentes transmissores da Teodorico chamaram
o chefe por várias faixas de ondas.
A X-l não respondeu.
Sofrera um impacto quando estava voando em direção ao planeta. Pusera fora de
combate um forte do cérebro instalado no planeta e, depois disso, arrastara-se a custo até
o campo de pouso. O único consolo era que não houvera perdas entre os tripulantes. Mas
a perda do hiper-rádio poderia trazer graves conseqüências. Rhodan imaginava que Bell o
estaria chamando.
Este não perdeu tempo. Ficou satisfeito ao saber que Gucky penetrara em seus
pensamentos. O pequeno apareceu à sua frente. Envergava um enorme traje de combate.
— Está bem, gorducho, já sei de tudo. Saltarei para onde está Perry. Apenas lhe
peço o favor de penetrar no Universo normal por um segundo.
— Faça o que puder, pequeno — disse Bell, enquanto Jefe Claudrin fazia a
Teodorico precipitar-se na estrutura espacial da terceira dimensão.
Gucky desapareceu no mesmo instante.
O rato-castor rematerializou-se no interior da sala de comando da X-l, que numa
altura de dois mil metros enfrentava a uma velocidade de mach 5 os furacões que rugiam
ininterruptamente sobre o mundo do centro de plasma. Jogou para trás o capacete de
visão total e arrastou os pés em direção a Perry Rhodan, que se encontrava junto ao
painel de instrumentos e o fitava atentamente.
— Olá, chefe, foi Bell que me mandou...
A pequena criatura irradiou o resto da mensagem por via telepática. Era mais rápido,
e além disso não havia a possibilidade de um mal-entendido.
Sem rebuços, Rhodan disse ao rato-castor que não havia uma solução definitiva para
os campos de sucção dos laurins... Gucky interpretou estas palavras como uma ordem de
voltar para a Teodorico, mas não estava com vontade. Antes de entreter essa idéia
protegeu sua mente e inventou uma desculpa:
— Perry, não posso teleportar-me para junto de Bell. Não sei onde está; pode ser no
Universo normal ou no semi-espaço. Será que...
Rhodan fitou-o com uma expressão enérgica.
— Nada disso, pequeno. Não me venha com truques. Localize a nave e salte. Diga a
Bell que deve trazer o quanto antes armas pesadas. Aqui embaixo, os pos-bis se
organizaram, em três continentes, com exércitos de muitos milhões. Parece que, dentro
em breve, pretendem atacar-nos.
Enquanto Rhodan falava, Gucky foi arregalando os olhos. Já não pensava mais em
continuar na X-l.
— Está bem, chefe. Mas, quando o gorducho não precisar mais de mim, posso vir
para cá, não posso?
Não esperou a resposta de Perry Rhodan. Localizou a Teodorico e saltou no mesmo
instante.
Quando se rematerializou, o supergigante parecia arrebentar com o ribombar de seu
casco. O tiro de radiações de uma nave-pingo acabara de romper os campos defensivos
da nave capitania, debilitados por um raio de sucção. Mas, felizmente, este perdera tanta
energia que já não conseguira destruir o envoltório da nave.
Bell ficou furioso com o impacto que a nave acabara de sofrer e transmitiu novas
ordens a todos os comandantes. Cada unidade só deveria permanecer no Universo normal
por dez a vinte segundos.
Até então dezessete naves haviam sido postas fora de combate. Quatorze delas
representavam perdas totais.
— O que é que você está dizendo? — Bell ficou com o queixo caído.
Gucky acabara de falar-lhe nos milhões de pos-bis hostis que, na opinião de
Rhodan, se preparavam para o ataque aos três mil terranos.
— Você deve levar canhões de radiações lá para baixo o mais depressa possível,
gorducho. Perry não pode falar com você. O hiper-rádio da X-l foi destruído.
Reginald Bell recuperou o autocontrole no mesmo instante. Fez uma ligação
coletiva e falou com todas as unidades ao mesmo tempo. Os compartimentos de carga de
quatrocentas das quase três mil naves estavam cheios até o teto com canhões de radiações
superpesados. Essas quatrocentas naves separaram-se dos grupos a que pertenciam,
contornaram o Mundo dos Duzentos Sóis sob a proteção do hiperespaço e prepararam-se
para pousar no planeta.
Antes da partida, todos os comandantes haviam sido prevenidos contra os fortes
planetários que obedeciam exclusivamente ao cérebro.
Foram recebidos por um terrível fogo de artilharia. Duas naves foram destruídas.
Mas as unidades logo revidaram com todas as armas. Ao mesmo tempo espalharam-se
para todos os lados, desenvolvendo a velocidade máxima. Um grupo de quatro naves
avistou uma gigantesca concentração de pos-bis. O oficial de artilharia da primeira nave
não perdeu tempo para solicitar permissão de abrir fogo. Os robôs desfizeram-se sob a
violência dos raios desintegradores. As naves que tinham armas superpesadas a bordo
pousaram próximas à X-l, que estava quase impossibilitada de voar. Os tripulantes
ficaram perplexos com as condições atmosféricas do planeta. Quase não conseguiam
compreender que os furacões haviam sido causados pela destruição dos sóis artificiais.
De qualquer maneira a tormenta não impediu a descarga dos pesados canhões de
radiações.
Atlan elaborara um plano para a utilização das armas. Posições de artilharia foram
montadas nos três continentes. A operação foi realizada sem incidentes. Até parecia que
os homens já a haviam treinado centenas de vezes.
A falta de mais de oitenta sóis artificiais fazia-se sentir principalmente nos
momentos em que o mundo do plasma chegava, durante sua rotação de trinta e duas horas
e vinte minutos, ao ponto do céu em que faltava uma fileira ininterrupta de trinta
luminárias atômicas. Quando isso acontecia, o mundo do centro de plasma era coberto
pelo crepúsculo. Não havia nada que melhor caracterizasse a situação catastrófica que a
luz mortiça do dia.
Rhodan e Atlan esperavam ver aparecer a qualquer momento grupos de naves
fragmentárias, mas as caixas feias em forma de cubo não foram vistas em lugar algum.
Será que não se haviam submetido ao comando da hiperimpotrônica porque cada
nave levava quantidades consideráveis de plasma, que continuavam a comandar as
unidades? Ninguém seria capaz de responder a esta pergunta.
No interior da X-l desenvolvia-se uma atividade febril. Os técnicos e os robôs
trabalharam nos destroços das instalações de hiper-rádio. As avarias dos propulsores já
haviam sido reparadas. O rádio comum transmitiu as primeiras informações dizendo que
os canhões haviam sido colocados nos lugares previstos. As notícias sempre falavam em
gigantescos exércitos de robôs, que se deslocavam em direção ao continente onde ficava
o centro de plasma.
Quatro naves esféricas da frota de Bell romperam as linhas dos laurins,
precipitaram-se em direção ao Mundo dos Duzentos Sóis e levaram ao planeta os
técnicos e especialistas que o robólogo Moders solicitara pelo pequeno hipertransmissor
instalado no centro da biossubstância. De surpresa, as posições de artilharia do cérebro
abriram fogo cerrado contra essas unidades. Apesar disso as mesmas alcançaram sem
maiores avarias a área onde se erguiam oitenta bolhas metálicas gigantescas.
Nos céus já se traçava o quadro de um êxito parcial. Nas últimas horas, os invisíveis
só haviam feito explodir três sóis artificiais. A primeira mensagem que Rhodan recebeu
pelo novo hiper-rádio da X-l veio de Bell. Este informou, sem rebuços, que só poderia
manter sua posição por mais algumas horas, se as naves dos laurins continuassem a surgir
do nada. Perguntou em termos ásperos o que era feito do fogo de radiações dos canhões
que haviam sido levados ao Mundo dos Duzentos Sóis.
Acontece que Rhodan e Atlan não podiam fazer milagres.
Nem Moders. Antes de mais nada teve de instruir os novos técnicos. Os biólogos e
especialistas em plasma já estavam trabalhando. Fariam o possível para conservar vivo o
biomaterial que estava morrendo.
Para os colegas de Moders, os blocos de biopom descobertos por este eram um
mistério completo. O robólogo explicou aos cientistas que esses blocos estabeleciam a
ligação entre o plasma e o cérebro. Em outras palavras, eram o engaste hipertóictico que
convertia os impulsos orgânicos em fluxos energéticos e convertia os comandos elétricos
em comandos orgânicos.
— Isto são os projetores dos campos defensivos. Ali fica o isolamento dos campos
energéticos. O centro de plasma entupiu-o com seus impulsos. Em vez de transformar-se
em unidades de comando energéticas, os impulsos orgânicos dirigiram-se ao exterior,
romperam o isolamento dos campos energéticos e encontraram nos projetores dos
campos defensivos, danificados com a destruição da programação do ódio, um caminho
de fazer retornar os impulsos com toda força para as massas de plasma.
“Em outras palavras, o centro de plasma machuca constantemente a si mesmo.
Quanto mais se esforça para submeter a hiperimpotrônica novamente ao seu comando,
mais se arruína. Enquanto isso tornava-se cada vez mais difícil as unidades de comando
convertidas em energia chegarem ao cérebro hiperimpotrônico. Já conhecemos a
confusão que resultou disso. Basta lembrar o destino de Frago, onde milhões de robôs
destruíram a si mesmos e ao próprio planeta. Não sei se conseguiremos realizar os
reparos antes que o plasma se transforme numa massa biologicamente morta. Isso
depende exclusivamente da sensibilidade dos senhores, que lhes permitirá reparar os
complicados blocos de biopom. E, o que é mais importante, qualquer pessoa que não
tenha nada a fazer no círculo de tráfego deve dar o fora.”
Alguém puxou a manga do uniforme de Moders. Este esteve a ponto de irritar-se,
quando viu Gucky parado a seu lado.
— Será que também devo dar o fora? — perguntou o rato-castor.
No mesmo instante, Gucky pareceu prestar atenção a uma voz em seu interior...
Moders sabia o que significava isso. Algum telepata estava falando com Gucky.
Esse telepata era Perry Rhodan, que procurava o rato-castor com suas débeis
paraenergias.
— Sinto muito, mas tenho de ir embora, Van — disse Gucky em tom triste e
desapareceu.
Encontrou John Marshall reunido com Rhodan. O chefe do Exército de Mutantes
estava totalmente exausto.
— Preste atenção, pequeno! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Gucky. — Temos
necessidade absoluta dos willys. Sabe onde encontrá-los?
— Naturalmente — disse Gucky.
— Está bem, Gucky. John e seus telepatas estão completamente esgotados. Por isso
você vai procurar entrar em contato com os willys. Faça com que compreendam que só
eles, com suas faculdades mentais, poderão evitar a morte do plasma. A maneira de fazer
isso é problema seu, pequeno, Gucky, traga os willys. Muita coisa depende disso!
***
Reginald Bell, o homem que se encontrava na direção da Administração Solar, era
do tipo colérico. Mas quanto mais perigosa se tornava a situação de sua frota, mais calmo
parecia ficar.
Os laurins traziam constantemente novos reforços vindos das profundezas do espaço
intergaláctico. Nas últimas horas a relação de forças, computada em termos de números
de naves, sofrera uma modificação de 7:3 para 11:2,5 contra os terranos. Bell poderia
calcular pelos dedos a hora em que teria que dar ordem de retirada, se quisesse evitar uma
situação em que nem uma única nave jamais voltaria à Galáxia.
A todas essas desgraças juntou-se um fato novo, totalmente inesperado. Os kalups
estavam esquentando!
Quem primeiro trouxe a notícia a Bell foi o engenheiro-chefe da Teodorico. Bell
sentiu-se desesperado. Dentro de alguns minutos, a mesma notícia veio de todas as outras
naves.
Será que o aquecimento dos kalups tinha algo a ver com os potentes campos de
sucção dos laurins?
O problema ameaçava pôr fim à tática de combate de Bell. Acontecesse o que
acontecesse, não poderia abandonar Perry. Há meia hora o administrador anunciara uma
invasão de robôs no continente em que se encontrava. Bell enviara dez espaçonaves ao
Mundo dos Duzentos Sóis, a fim de evitar que os exércitos formados por milhões de
seres-máquinas avançassem até a área onde se encontrava o centro de plasma.
Bell perguntava constantemente aos engenheiros-chefes das naves por que os kalups
estavam esquentando. Ninguém soube informar.
Todas as naves receberam novas instruções. Deveriam penetrar isoladamente no
espaço normal, disparar todas as peças é voltar a mergulhar no semi-espaço.
Era uma série ininterrupta de idas e vindas. As espaçonaves só permaneciam no
campo de batalha por uma questão de segundos. Dessa forma os invisíveis não tinham
tempo para usar sua nova arma.
— Como estão os kalups? — perguntou Bell.
Ao ouvir que estavam esfriando, soltou uma risada amarga. O aquecimento
realmente era provocado pelos campos de sucção dos invisíveis.
A tarefa de dez naves esféricas consistia exclusivamente em realizar observações
por meio dos rastreadores de relevo e localizadores antifletores, a fim de verificar se os
laurins estavam trazendo reforços e, em caso afirmativo, qual era o volume dos mesmos.
Essas dez naves transmitiam quase ininterruptamente pelo rádio, a fim de comunicar
o resultado de suas observações à Teodorico. A cada minuto que passava, a relação de
forças modificava-se em desfavor da frota terrana.
— Agüentem! — ordenou Rhodan, que continuava no Mundo dos Duzentos Sóis.
A primeira grande batalha entre espaçonaves da Galáxia e naves-pingo dos
invisíveis de Andrômeda transformava-se progressivamente numa derrota da Terra.
A Teodorico irrompeu no Universo de três dimensões. Jefe Claudrin era um mestre
em sua especialidade. Uma nave-pingo arrebentou a quarenta quilômetros do veículo
terrano. O tiro de todos os canhões do costado do supergigante pusera fim nela.
Dali a dois segundos, quando os potentes campos defensivos da grande nave
esférica começaram a se enfraquecer, esta desapareceu na zona de libração do semi-
espaço.
— Ainda bem que os laurins não podem seguir-nos para cá — disse Claudrin, com
um suspiro de alívio.
Nos próximos trinta segundos perderam-se mais nove naves terranas. Quando
souberam que os laurins haviam feito caça a um único homem que, em seu traje voador,
procurava pôr-se a salvo no Mundo dos Duzentos Sóis, os tripulantes ficaram irados.
— Isso não é normal! — esbravejou Bell, muito indignado. — Santo Deus! Que
presente não estamos recebendo da outra galáxia!
A D-185 explodiu sob o efeito de um impacto. Conforme os relatos de outras naves,
metade da tripulação conseguiu pôr-se a salvo em direção ao mundo do centro de plasma.
Mas ninguém chegou lá. Grandes grupos de naves laurins preocupavam-se em matar
até o último terrano.
Bell ouviu Jefe Claudrin soltar um gemido. Antes que o epsalense levasse a nave ao
espaço normal, Bell gritou pelo interfone para seu oficial de artilharia:
— Cuidado!
Dali a um segundo duas naves-pingo esfacelaram-se sob o fogo concentrado da nave
capitania.
Mas isso não adiantava nada.
— Um grupo de trezentas a quatrocentas naves dos laurins está penetrando no
Universo normal! — anunciou uma das dez naves cuja tarefa consistia em verificar as
chegadas dos barcos inimigos.
Dali a um minuto veio outra notícia:
— Três sóis artificiais acabam de explodir!
Bell segurou o microfone do hipercomunicador com um gesto que exprimia cansaço
e desânimo. Chamou o Mundo dos Duzentos Sóis:
— Perry, nossa situação é desesperada. Descerei daqui a meia hora. Até lá todos os
homens deverão reunir-se junto à X-l e...
A voz vinda do Mundo dos Duzentos Sóis interrompeu-o:
— Espere mais duas horas, Bell. É possível que até lá Moders consiga.
— Está bem. É possível que consiga sepultar-nos no espaço intergaláctico. Final.
O epsalense fitou-o com uma expressão em que havia uma ligeira recriminação.
— O senhor não deveria ter dito isso, mister Bell.
— O que deveria ter dito? — esbravejou o gordo, cujos nervos estavam forçados ao
máximo. — Sabe quantas naves perderemos nas próximas duas horas? Não gosto de
enviar homens para a morte somente porque o “pavor ideológico” manifestou uma vaga
suposição.
***
Gucky encontrou os willys. A pequena criatura conduziu-se com uma habilidade
extraordinária no papel de diplomata de Perry Rhodan. Comunicou-se telepaticamente
com os willys.
Gucky se encontrou com os principais representantes dessa raça extremamente
pacata e inteligente num recinto subterrâneo que era uma espécie de auditório. O tremor
de terra que sacudira as formações rochosas superiores do Mundo dos Duzentos Sóis
também deixara seus rastros nesse lugar. Gucky olhou por acaso para o teto e viu uma
gigantesca placa de pedra desprender-se. Sem que o quisesse soltou um pio estridente. Os
willys ergueram seus olhos proeminentes para o teto. Depois disso ninguém fez o menor
movimento. Encontravam-se exatamente na área de perigo.
Enquanto se desprendia do teto, a superfície grande e maciça rangeu. Mas não caiu
mais de um metro... Gucky segurou-a por meio de suas energias telecinéticas, manteve-a
suspensa e dirigiu uma pergunta telepática aos willys perplexos:
— O que devo fazer com isso?
Teve de explicar-lhes que era ele que estava evitando a desgraça. Para facilitar a
compreensão dos willys, o rato-castor fez girar a peça que pesava pelo menos cem
toneladas.
Finalmente colocou-a no lugar indicado pelos willys.
A telecinese de Gucky tornou-se ainda mais impressionante quando libertou os
pontos de ruptura da rocha solta. Nem uma única peça caiu ao chão.
Isso fez com que os willys se decidissem de vez. O porta-voz dessa raça
extremamente simpática prometeu todo auxílio possível a Gucky. Quase chegou a
envergonhar-se quando salientou não ter possibilidade de atravessar a tormenta para
chegar ao centro de plasma.
— Deixem isso por minha conta, willys. Daqui a pouco estarei de volta com dois
amigos.
Falando isto, desapareceu.
Um minuto depois, Gucky voltou com Ras Tschubai e Tako Kakuta. Os willys
usaram seus sentidos telepáticos para dar a entender que estavam dispostos a ajudar os
terranos, mas não confiavam muito nas forças desconhecidas da teleportação. Porém,
quando num instante se viram no interior daquilo que Moders chamava de círculo de
tráfego, sua desconfiança desapareceu de vez.
— Ainda é cedo — disse Moders. — Não estamos conseguindo nada, Gucky. O que
direi ao chefe? Os blocos biopônicos e seus projetores são muito mais complicados do
que eu pensava.
Gucky fez de conta que estava familiarizado com o engaste hipertóictico. Inclinou
ligeiramente a cabeça de rato-castor, fitou Van Moders com a expressão mais ingênua
deste mundo e disse:
— Você conseguirá, Van. Não é por nada que o chamam de “pavor ideológico”.
Era uma maneira de encorajar um homem que começava a duvidar de sua
capacidade.
— Gucky — disse Moders, com um sorriso. — Você é um sujeito formidável. —
Até encontrou tempo para acariciar o pêlo do rato-castor.
No círculo de tráfego havia mais de cem blocos biopônicos, mas só três assumiam
importância vital para o centro de plasma. Era verdade que os outros também teriam de
ser reparados para garantir o funcionamento normal do conjunto, mas a tarefa mais
urgente consistia em colocar em funcionamento um desses três blocos.
Gucky olhou para os willys. Ao que tudo indicava, o ambiente em que se
encontravam não lhes era estranho. Introduziu-se em seus pensamentos e, ao constatar
que só esperavam a oportunidade de ajudar os terranos, ficou satisfeito.
Além de Moders trabalhavam no bloco biopônico dois homens que haviam reparado
o equipamento de suprimento de oxigênio. Vez por outra o robólogo transmitia instruções
lacônicas. Todo mundo lhe fazia perguntas. Não perdeu a calma e a visão de conjunto.
Além de uma memória incrível possuía o dom de identificar-se com a técnica dos seres
de Mecânica.
— Ainda não consigo compreender por que a explosão no interior da programação
do ódio danificou todos os blocos biopônicos que se encontram por aqui — disse o
professor Gaston Durand.
Moders respondeu com uma santa paciência:
— Já tive oportunidade de fazer esta constatação. As criaturas em quem os seres de
Mecânica confiavam menos eram eles mesmos. E isso também acontece com sua
tecnologia. Ao contrário do que dizia o plasma, a programação do ódio dispunha de um
controle alternativo que a colocava em contato com os outros blocos. Quando a
programação do ódio explodiu, parte da energia excedente chegou aos blocos. Do lado
oposto vieram os impulsos reforçados do centro de plasma. Será que o senhor ainda não.
compreendeu, professor? Ao reforçar cada vez mais os seus impulsos, o centro de plasma
dava ininterruptamente pontapés em sua própria espinha dorsal. Não consigo explicar a
coisa de forma mais clara... Oh, como sou idiota!
O professor Durand não sabia o que estava acontecendo quando Van Moders,
radiante, bateu em seu ombro, riu a bandeiras despregadas e transmitiu algumas
instruções aos dois colaboradores. Van Moders imaginara que a solução do problema
fosse mais fácil. Os três blocos biopônicos principais teriam de funcionar perfeitamente.
Depois de algum tempo, os projetores dos campos defensivos estavam funcionando, e as
medições dos potentes isoladores de campos energéticos revelaram uma eficiência de
cem por cento.
Moders e seus dois colaboradores desceram de oito metros de altura. Moders fez um
sinal para Gucky. Este compreendera seus pensamentos e transmitira seu sentido aos
willys.
Será que estavam formando um bloco mental que nem os telepatas dirigidos por
John Marshall, a fim de irradiar seus impulsos conjugados para o plasma moribundo?
Gucky fez um grande esforço para descobrir, mas não conseguiu.
Moders estava agachado à frente do hipercomunicador portátil e falava com o chefe.
Não sabia como estavam as coisas a cem mil quilômetros acima do Mundo dos Duzentos
Sóis, e muito menos imaginava que por lá se esboçava o quadro de uma catástrofe.
Rhodan não comentou a situação. Sabia o que podia esperar de seus colaboradores.
— Quando poderemos contar com uma modificação total das condições reinantes no
Mundo dos Duzentos Sóis, Moders? — perguntou.
— Não posso dizer, chefe. Ninguém sabe se o plasma ainda voltará a entrar em
atividade — respondeu Moders.
— Obrigado. Avise-me assim que haja qualquer modificação, quer seja ela
favorável, quer seja desfavorável.
Moders desligou o aparelho sem desconfiar de nada. Só conhecia uma tarefa:
concluir o quanto antes os reparos de mais de cem blocos biopônicos. Não poderia saber
que, no mesmo instante, Reginald Bell berrou para dentro do microfone:
— O lugar desse sujeito é no hospício!
Rhodan não deu tempo para que Bell continuasse a esbravejar.
— Concentre os ataques de suas naves exclusivamente nas naves-pingo que
tentarem fazer explodir os...
Achou que não havia necessidade de concluir a frase.
Mais uma nave dos laurins acabara de ser destruída.
Dali a dez minutos Bell voltou a falar com Perry Rhodan.
— Daqui a trinta minutos estarei aí. Eu...
Depois disso o hiper-rádio transmitiu o estertor de um homem e os gritos de muitos
outros.
— O que houve, Bell? — perguntou Rhodan em tom de alarma.
Repetiu a pergunta.
Mas, na sala de comando da Teodorico, ninguém o entendeu. Suas palavras foram
abafadas pelos gritos...
***
O Mundo dos Duzentos Sóis transformara-se num monstro que cuspia raios.
Isso de um instante para outro!
De repente os homens, que estavam sentados atrás dos canhões de radiações e nem
sabiam mais contra qual das naves-pingo deveriam disparar, viram a terra abrir-se em
todo lugar; as posições de artilharia saíam da superfície.
Os visores infravermelhos, que ignoravam a tormenta e as massas de areia tangidas
pela mesma, pareciam exibir-lhes um espetáculo infernal. Junto ao embasamento de um
pesado canhão de impulsos saltou um raio de quase cinqüenta metros de diâmetro e
avançou pelo espaço, em direção ao lugar onde ainda se viam alguns sóis.
— Alvejar a terra! — berrou o chefe de uma posição de artilharia e logo comprimiu
pessoalmente a tecla vermelha que separava seu canhão do suprimento energético.
O localizador antifletor permitiu que, a uma altura de cem mil quilômetros, vissem
uma coisa que ultrapassava sua capacidade de compreensão.
De novo! Mais uma vez! E mais uma vez! As posições de artilharia do planeta, que
há alguns segundos ainda eram desconhecidas, golpeavam com seus raios.
Outra vez!
À direita, à esquerda, em toda parte!
O bramido dos raios era mais forte que o ruído do furacão desencadeado pelas
explosões em grandes altitudes.
Uma após outra, as posições de artilharia dos terranos foram suspendendo o fogo.
Não adiantava.
Eram impotentes diante do poder concentrado dos fortes hiperimpotrônicos.
Cada um desses fortes tinha a força combativa de um supergigante. A união dos
raios começou a agir como uma barreira contra o furacão. E a barreira penetrava
profundamente no espaço vazio.
O furacão foi cortado em pedaços e desviado. Subia juntamente com os raios. A
cada segundo que passava, perdia parte de sua força destrutiva.
Finalmente, depois de muitos segundos, ouviu-se um grito. Um grito, dois e...
finalmente todos berravam num júbilo frenético.
Por mais de uma vez, homens que costumavam ser um modelo de autocontrole
caíam nos braços uns dos outros.
O Mundo dos Duzentos Sóis estava golpeando, mas obedecia às ordens do centro de
plasma. Também a hiperimpotrônica, o gigantesco cérebro, estava submetido às ordens
da biossubstância. A potência fulminante dos fortes abria clareiras nas fileiras das naves
dos invisíveis.
Mas não foram só os canhões estacionários que travaram combate com as naves-
pingo. Naves fragmentárias surgiram, vindas do nada, disparando seus terríveis raios
conversores com todos os canhões dos costados.
Uma luminosidade cada vez mais forte surgiu em torno do Mundo dos Duzentos
Sóis.
Milhares de naves dos laurins desfizeram-se sob o processo de desintegração
atômica.
Todos os receptores de hipercomunicação deram o sinal de chamada. Era o chefe
que estava entrando em contato com seus homens. Disse tudo numa única frase:
— O centro de plasma voltou a assumir o controle do cérebro hiperimpotrônico.
O rosto sorridente de Bell apareceu na grande tela.
— Isso é uma fábula, Perry! — disse. Rhodan respondeu prontamente:
— E olhe que você queria ver trancado no hospício o homem que nos trouxe esta
fábula. Quando é que você aprenderá a confiar nos nossos colaboradores?
— O quê! — exclamou Bell, fora de si. — Perry, você realmente acreditava que
Van Moders conseguiria? Acreditava mesmo?
Perry Rhodan respondeu imediatamente, sem tirar os olhos de Bell:
— Se não fosse o homem que atende pelo nome de Van Moders, eu nunca teria
arriscado o vôo ao Mundo dos Duzentos Sóis.
***
Só algumas naves-pingo resistiam ao inferno e conseguiram pôr-se a salvo, fugindo
para as profundezas do espaço intergaláctico. Com o auxílio inesperado das naves dos
pos-bis, os humanos saíram vitoriosos da batalha mais importante da História Galáctica.
O centro de plasma, que começou a recuperar-se com uma rapidez surpreendente e
controlava firmemente a hiperimpotrônica, não se esqueceu da grande dívida de gratidão
que havia assumido para com os humanos. O tratado celebrado entre ele e Rhodan,
consistente apenas numa série de acordos verbais, foi um dos poucos que nunca
chegaram a ser rompidos.
O plasma cedeu prontamente os dados sobre os raios conversores que lhe foram
solicitados. Sem demonstrar a menor desconfiança, aceitou a sugestão de Rhodan. Iria
instalar, com o auxílio de Van Moders, uma segurança entre o engaste hipertóictico e a
hiperimpotrônica, segurança esta que só funcionaria na direção do cérebro. Dessa forma
se evitaria para todo o sempre que o gigantesco mecanismo voltasse a assumir o poder.
Os teleportadores retiraram a superbomba das profundezas da hiperimpotrônica,
pois o gigantesco centro de computação, dotado de uma inteligência impotrônica era de
valor inestimável, caso não se tornasse independente.
Quando interpretaram os dados sobre as bases pos-bis que ainda existiam no espaço
intergaláctico, os especialistas chegaram à conclusão de que só restavam dez por cento. A
grande massa dos planetas e satélites artificiais fora destruída nas lutas entre os robôs. Os
terranos ficaram chocados ao tomarem conhecimento de que, em virtude da destruição da
programação do ódio, as naves fragmentárias não estavam mais em condições de criar os
campos relativistas atrás dos quais podiam transportar-se até dez horas no futuro.
Rhodan recebeu a notícia com uma calma surpreendente.
— Nem mesmo para nós, as árvores crescem até o céu — disse.
Nem mesmo Bell compreendeu seu sorriso. Mas Gucky conhecia o motivo. Mais
uma vez introduzira-se nos pensamentos de Rhodan. E aquilo que leu deixou-o perplexo.
O que estava pensando Perry Rhodan?
— A conquista do Universo não deve tornar-se muito fácil para nós, pois, nesse
caso, existe o perigo de nos cansarmos muito antes de atingirmos nosso objetivo — disse
o administrador, pensativo.
Rhodan recebeu mais um pedido de comparecer ao edifício central do plasma. A
frota terrana, que passara por uma revisão completa, já estava pronta para decolar em
direção à Galáxia.
Rhodan não se surpreendeu ao receber um pedido do centro de plasma.
— Procure o mundo de plasma do qual eu vim, Rhodan. Procure-o e liberte-o dos
laurins, que são os inimigos da verdadeira vida.
Rhodan pediu dados, mapas estelares.
Acontece que o centro de plasma não possuía dados nem mapas. Só tinha uma vaga
suposição quanto ao lugar de que havia vindo. Viera do outro lado do abismo
intergaláctico, da nebulosa de Andrômeda.
Rhodan não se limitou a dizer algumas palavras vazias.
— Por enquanto ainda não posso prometer nada. Nossas naves não estão em
condições de atravessar o grande abismo. Quando chegar o dia em que os terranos
alcançarem o distante oceano de estrelas, eu me lembrarei do pedido que você acaba de
fazer e sairei à procura do mundo que é o seu. Prometo!
Ao sair da sala de tradução, ouviu estas palavras:
— À verdadeira vida pertence o Universo.
Perry Rhodan nunca mais se esqueceu desta frase. Mas também não se esqueceu de
indagar-se: “Quem corporifica a verdadeira vida?”

***
**
*

Este volume representa o fim de mais


uma etapa do grande ciclo Perry Rhodan.
Os acontecimentos narrados no volume
jubileu 150 passam-se no ano 2.326 do
calendário terrano, e oferecem aspectos novos
e surpreendentes...
Os Especialistas da USO — é este o
título do próximo volume da série Perry
Rhodan.

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