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Copyright © 2020 – Lis Santos

Capa: Thais Oliveira – TG Design


Revisão: Hellen Caroline
Diagramação: Denilia Carneiro – DC Diagramações

1ª Edição

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa


obra, através de quaisquer meios ─ tangível ou intangível ─ sem o
consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e


punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Criado no Brasil
Sumário
Dedicatória
Playlist
Sinopse
Prólogo
Dylan
Capítulo 1
Dylan
Capítulo 2
Dylan
Capítulo 3
Dylan
Capitulo 4
Ayla
Capítulo 5
Dylan
Capítulo 6
Ayla
Capítulo 7
Dylan
Capítulo 8
Ayla
Capítulo 9
Dylan
Capítulo 10
Ayla
Capítulo 11
Dylan
Capítulo 12
Ayla
Capítulo 13
Dylan
Capítulo 14
Ayla
Capítulo 15
Dylan
Capítulo 16
Ayla
Capítulo 17
Dylan
Capítulo 18
Ayla
Capítulo 19
Dylan
Capítulo 20
Ayla
Capítulo 21
Dylan
Capítulo 22
Ayla
Capítulo 23
Dylan
Capítulo 24
Ayla
Capítulo 25
Dylan
Capítulo 26
Ayla
Capítulo 27
Dylan
Capítulo 28
Ayla
Capítulo 29
Dylan
Capítulo 30
Dylan
Capítulo 31
Ayla
Capítulo 32
Dylan
Capítulo 33
Ayla
Capítulo 34
Dylan
Capítulo 35
Ayla
Capítulo 36
Dylan
Capítulo 37
Dylan
Capítulo 38
Ayla
Capítulo 39
Ayla
Capítulo 40
Dylan
Capítulo 41
Ayla
Capítulo 42
Dylan
Capítulo 43
Ayla
Capítulo 44
Dylan
Capítulo 45
Ayla
Capítulo 46
Ayla
Dylan
Epílogo
Dylan
Bônus
Dylan
Agradecimento
Confira os outros livros da autora
Sobre a Autora
Você ainda pode ser
O que você quer
O que você disse que era
Tradução - Medicine – Daughter
Dedicatória

Para todos leitores, em especial a Beatriz, por


aguentar meus surtos e áudios durante a escrita. Obrigada

por todo apoio, carinho e ajuda.


Playlist

Medicine – Daughter
Perfect – Ed Sheeran
If i ain't got you - Alicia Keys
The Scientist – Coldplay
Kiss me – Ed Sheeran
Naked – James Arthur
Menina – Gusttavo Lima
Eu já te amava – Paula Matos feat Thaeme e Thiago
Take me home – Jess Glynne
Sinopse

Dylan é um ex-militar que carrega terríveis marcas emocionais. Sendo


incentivado pela mãe, ele aceita uma ajuda não tão convencional, um fórum
on-line.

Durante algumas visitas ao site, Dylan conhece a jovem e encantadora


Ayla, uma psicóloga que encontrou na internet uma forma de ajudar aqueles
que precisam.

Um homem com o coração e a mente machucados.

Uma doce mulher disposta a ajudar.

Entre medos e recomeços, uma forte ligação surge entre eles, e a paixão
é inevitável.
Prólogo

Dylan

DEZ DE MAIO DE DOIS MIL E DEZESSETE.

— ACORDEM, SEUS IDIOTAS! ESTAMOS SENDO


BOMBARDEADOS.

Levanto assustado do meu beliche.

Tudo estava seguindo tranquilamente, a equipe da noite nos garantiu


que poderíamos dormir por duas horas, que não corríamos nenhum perigo.
Calço minha bota, visto rapidamente minha camisa e pego minha arma,
correndo para fora da tenda. O barulho é assustador, tiros e mais tiros são
disparados a cada milésimo de segundo, seguidos por granadas e gritos de
dor.

Agora vejo que todos os treinamentos não serviram de nada. Em toda


minha vida, nunca vi um cenário tão cruel como esse a minha frente. Meus
colegas — aqueles que por um ano se transformaram em minha família —
estão caídos no chão, cobertos de sangue.

O fogo cruzado se intensifica, me obrigando a esquecer por um minuto

meus companheiros e atacar esses malditos miseráveis. Abrigo-me atrás de


um carro velho antes de abrir fogo contra os filhos de uma mãe.

— Me cobre, Dylan! Vou mostrar para esses idiotas quem é que


manda aqui. — Bryan, meu amigo e Sargento, diz, indo para a visão de fogo
dos inimigos.

Com minha arma pronta para qualquer imbecil que aparecer, cubro o
Bryan, que acerta em cheio alguns soldados rivais. Não sei de que buraco eles
estão saindo, parece que tem mais homem a cada minuto e, infelizmente,

estamos em desvantagem nesse momento. Olho para o lado e o cenário que


vejo faz meu estômago embrulhar. Muito sangue e partes de corpos nos
cercam.

Os filhos da mãe nos atingiram com uma granada de alta potência e só


não me acertou por um milagre.

Ao meu lado vejo o Greg, um dos soldados que entrou junto comigo
nessa missão e se tornou um irmão.

— Dylan... — O tom de voz dele é baixo e vem acompanhado de


muito sangue saindo de sua boca.

Arrastando-me pelo chão empoeirado, vou ao encontro do meu amigo,


que está coberto de sangue e um ferimento aberto na barriga. Eu queria não
demonstrar minhas emoções, afinal de contas, somos soldados treinados para

situações como essa. Na teoria é tudo muito fácil, difícil é se mostrar


indiferente com tanto sangue e partes do corpo expostos, sabendo que esses
homens possuem famílias que os esperam em casa.

— Não fala nada, Greg. Você vai precisar de toda força para sair
dessa, amigo. — Seguro firme a mão dele, tentando confortá-lo em um
momento como esse.

— Eu não vou sobreviver, amigo. — Uma lágrima misturada com


sangue desce por seu rosto. — A gente já sabia que isso poderia acontecer,

mas nunca estamos preparados para a realidade. Embaixo do me travesseiro


tem algumas cartas que escrevi para a minha mãe e para a Maya. Me promete
que essas cartas chegarão até elas?

— Claro, meu amigo. Entregarei em mãos.

O barulho dos tiros se torna mais alto, e sei que eles se aproximam a
cada minuto. Eu queria poder dizer que o tirarei dessa, mas tenho dúvidas se
conseguirei me salvar.

— Obrigado, Dylan. Diga a elas que eu... — Ele não consegue


terminar, pois somos atingidos por uma bomba.

Dói. Queima.

Meu corpo é projetado para alguns metros à frente e caio por cima de

algumas partes de corpos. Um zumbido atinge os meus ouvidos e eu quero


abrir os olhos, mas tenho medo do que posso ver.

Eu gostaria de poder cumprir com minha promessa, no entanto, não


conseguirei entregar as cartas do meu amigo.

Sinto uma dor forte em minha barriga e nesse momento só consigo me


lembrar da minha mãe. Há meses que não nos falamos e lamento por ela ter
que aguentar essa dor sozinha.
Capítulo 1

Dylan

Quase dois malditos anos se passaram e ainda não consegui que minha
vida voltasse ao normal. Naquele dia pensei que morreria, assim como todos
os meus companheiros de base. Já estávamos há um ano no Afeganistão e
nunca tínhamos sido atacados. Nós fazíamos diversos trabalhos de prevenção,

acabando de imediato com qualquer ameaça dos grupos extremistas.

No dia dez de maio de dois mil e dezessete, tudo corria perfeitamente


bem. As equipes de ronda tinham voltado com um balanço positivo, por isso
nossos superiores dispensaram alguns soldados para descansar e outros
assumirem o turno da madrugada. Eu era um dos que foram dispensados.
Talvez, se estivesse em campo, não tivesse sobrevivido, já que eles foram os
primeiros a receberem o bombardeio.

Os soldados que sobreviveram — cem de um total de dois mil homens


— puderam escolher entre, serem realocados para outros países, ou
dispensados. Quarenta escolheram a dispensa. Eu fui um deles. A ideia de
voltar para um campo de guerra me causava calafrios e agradeci por ter tido
essa opção.

Não fiquei com marcas físicas, mas o meu peito ainda sangra com tudo
isso que aconteceu. Não consigo tirar da cabeça a imagem dos meus amigos
destroçados, muitos deles só conseguiram ser identificados através do exame
de DNA. Estou tentando seguir a minha vida, mas por mais que eu tente, sinto
como se algo estivesse me prendendo. Hoje trabalho com a minha mãe no
restaurante da família. Essa foi a única opção que encontrei, já que a
ansiedade e o medo me impedem de trabalhar em outros lugares.

— Já estou cansada de te ver enfiado nesse porão, Dylan — minha

mãe diz, entrando no único lugar que me sinto seguro por completo.

— Não comece com esse assunto novamente, mãe. A senhora sabe o


motivo de eu ainda permanecer aqui. Pode apostar que, se estivesse ao meu
alcance, as coisas já teriam mudado — falo, esgotado, cansado desse assunto.

— Por isso que eu te trouxe isso aqui. — Ela joga um panfleto em


minha direção. — Um cliente do restaurante deixou para você. Disse que
pode ser o começo da ajuda que tanto precisa. Eu dei uma olhada e achei
ótimo. Não quero uma resposta agora. Só me prometa que vai analisar com

muita atenção.

O panfleto é sobre um fórum on-line de conversas. A intenção é que


pessoas que possuem algum tipo de trauma desabafem e coloquem para fora
toda a dor. Os depoimentos são colocados em uma espécie de mural, as

pessoas respondem ali mesmo, e podem conversar em particular através do


inbox.

— Sério isso, mãe? A senhora quer que eu conte meus problemas para
um monte de estranhos? — pergunto, incrédulo.

— Essa foi a única opção que encontrei para te ajudar, já que se recusa
a procurar um psicólogo, Dylan. Você vive enfiado nesse porão, saindo
apenas quatro vezes na semana para me ajudar no restaurante. Eu já estou
cansada de ver o meu filho nesse estado. Quase dois anos se passaram e você

continua igual ou pior. Sei que a situação foi traumatizante, mas tá na hora de
seguir sua vida... e eu preciso viver!

— Estou atrapalhando sua vida, mãe?

— Não dessa forma que está pensando. Você é meu único filho, se
sente dor eu também sinto. Se você sorrir eu também irei sorrir, mas se
chorar eu secarei suas lágrimas, e as minhas ao mesmo tempo. — Se
aproxima e me puxa para um abraço forte. Eu não sabia que ela sofria tanto.
Minha mãe sempre se mostrou forte ao meu lado. — Eu sei que não deve ter

sido fácil, por isso que seria uma boa ideia procurar por ajuda profissional. O
fórum pode ser o início da sua cura, filho. Suas feridas estão expostas e
precisam de cuidado.

Ouvir essas palavras me machucam. Eu pensei que estava apenas me

enterrando em minhas dores, mas pelo visto sempre estive errado. Pensar na
hipótese de minha mãe estar sofrendo por minha causa me deixa com mais
raiva de toda essa fodida situação que estou preso.

Não prometerei participar ativamente desse fórum, mas pela minha


mãe farei um esforço para conhecer. Ela é a pessoa que mais amo na Terra,
não me perdoaria por deixá-la sofrendo por minha causa.

— Vou fazer um esforço pela senhora. Prometo que darei uma olhada
em como funciona.

— Já é alguma coisa, meu filho.

Ela beija minha bochecha e já vai se retirando quando eu digo:

— Eu te amo, mãe. Obrigado!

— Eu também te amo, filho.

Nunca fui um cara de demostrar os sentimentos, a ideia de parecer


frágil nunca me agradou. Mas com a minha mãe é diferente. Eu seria capaz

de morrer por ela.

Minha mãe se retirou e fiquei sozinho com meus pensamentos.

Tem tanta coisa ainda sem explicação. Ainda me custa acreditar que
fomos atacados de surpresa. Nosso campo tinha mais de dois mil homens,
não é possível que ninguém percebeu a chegada dos inimigos. Ou pior,

imaginar que a equipe de ronda deixou isso passar.

Naquela noite perdi três dos meus melhores amigos, restando apenas o
Bryan, que era meu sargento na época. Ele não aceitou a dispensa, por esse
motivo não conversamos há um bom tempo. Bryan está em uma missão
secreta e contatos fora da base estão estritamente proibidos.

Assim como prometido ao meu amigo Greg, fui até sua casa e dei a
triste notícia a sua mãe e mulher. Elas tinham esperança de encontrá-lo com
vida, até minha chegada.

Quando saí do hospital, fui até o que restou da nossa base e em meio
aos escombros encontrei as cartas.

Foi doloroso.

Torturante.

Como se eu tivesse dado um replay naquele maldito e inesquecível dia.


Impossível esquecer a expressão de dor e sofrimento do meu amigo/irmão.

Lembro da nossa última conversa e de como ele estava ansioso para ir para

casa. Infelizmente, meu amigo morreu sem saber que seria pai.

— Ele amava muito vocês, estava ansioso para voltar para casa. Era
admirável o amor que ele sentia, não tinha como não se emocionar ao vê-lo
carregar uma foto de vocês no bolso — falo, segurando a mão de Maya,

mulher do meu amigo.

— Ele tinha pedido dispensa, mas por causa de toda burocracia, teria
que terminar a missão e só assim estaria livre. Infelizmente, as pessoas não
sabem como os soldados e seus familiares sofrem — Maya diz, limpando o
rosto molhado de lágrimas.

— Greg era uma pessoa maravilhosa. É nisso que nos apegamos


quando a saudade nos atinge. Ele era como um irmão para mim, com certeza
ficaria muito feliz de saber que seria pai.

Passo a mão pelo ventre de seis meses da Maya, que engravidou no


último encontro que teve com o Greg. Como estávamos incomunicáveis, ela
não teve como falar para o meu amigo.

— Já sabe qual será o nome?

— Sim, será Greg como o pai. Ele crescerá sabendo que o pai era um
herói, farei questão de manter o Greg presente em sua memória — diz,
emocionada.

Quando saí da casa delas eu desabei. Tentei a todo custo me manter


forte na frente delas, que já estavam sofrendo demais, não precisavam de
mais um motivo para isso. Meu amigo com certeza seria o homem mais feliz
desse mundo, era triste saber que todos os planos que eles fizeram não iriam
se cumprir.

— Vocês vão morrer, seus miseráveis! Quero que aprendam que nossas
terras não são para vocês, americanos idiotas — um dos sequestradores diz,
acertando minha cabeça em cheio com sua arma.

Não sei ao certo como aconteceu. Eu estava andando no Centro da


cidade quando escutei meu nome ser chamado. Olhei para trás e um carro
preto me seguia, tentei correr o máximo que pude, mas fui capturado em um

beco sem saída.

— Vocês pegaram o homem errado — reúno forças para dizer,


cansado de tanto apanhar. — As pessoas que vocês querem estão bem longes
daqui. Eu sou apenas um ex-soldado.

— Não venha com esse discurso porque não teremos piedade de você.
A ordem foi clara, então é isso que faremos — cospe as palavras em meu
rosto, em seguida me acerta em cheio com um tapa. — Prepare-se para
morrer.

Ele engatilha sua arma e fecho os olhos, me preparando para o pior.

Que inferno!

Minha respiração está acelerada e meu corpo encharcado de suor.

Acordo assustado. Todos os dias esse maldito pesadelo me persegue. Eu sei


que as chances de eles virem atrás de mim são nulas, mas não consigo tirar
isso da minha cabeça. Não são todas as noites que consigo dormir, e quando
finalmente consigo, acordo na madrugada.

O relógio marca exatamente quatro e dez da manhã. Acompanho


milimetricamente o ponteiro trabalhar, sem ter muito o que fazer.

Visto um shorts e desço para o porão, o único lugar nesse mundo que
realmente me sinto seguro. As paredes são de madeira, no próprio estilo

rústico. Uma cama velha, meu computador, duas cadeiras e alguns livros, isso
é tudo que tenho aqui. Sento-me e ligo o computador, rapidamente meu olhar
é direcionado para o folheto que minha mãe me entregou há uma semana.
Todos os dias ela me pergunta sobre, e desconverso em todas elas.

Sem muita expectativa, acesso o site e leio um pouco mais a respeito.


Decido que, para o bem da minha mãe, darei uma chance para esse site idiota.
Sei que não vai adiantar nada, no entanto, acalentará o coração da pessoa que
mais amo nessa vida.

Leio alguns relatos e me pego pensando em quantas pessoas sofrem


por aí. Nacionalidades, idade e até etnias diferentes. Mas, todos ligados por
uma questão: seus malditos fantasmas.

Preencho todas as informações necessárias e coloco um breve resumo


sobre o meu “problema”.

Meu nome é Dylan Collins, tenho trinta anos e sou um ex-soldado


americano. Minha vida seguia perfeitamente, até que passei por um dos
piores dias da minha vida, no qual presenciei uma verdadeira carnificina e
perdi quase todos os meus companheiros de batalha.

Faz mais de um ano que isso aconteceu, mas todos os dias sou
assombrado por malditas lembranças. Não sei o que é ter uma vida normal,
já que o medo de fazer uma simples caminhada me paralisa.

A pessoa que mais amo pediu para que eu entrasse nesse site, então
serei sincero ao dizer que estou aqui pela minha mãe.

Termino de escrever e fecho a aba do site. Agora, se minha mãe


perguntar, posso dizer que finalmente acessei esse bendito.

Alguns dos relatos mexeram, realmente, comigo. Como ler que uma
jovem teve o corpo queimado pelo próprio pai, pelo simples fato de ela não
aceitar mais os abusos sexuais. Também me embrulhou o estômago ao ver
um rapaz que foi torturado pelo tráfico de drogas. Pensei que eu estava na

merda, mas pelo visto tem gente muito pior.

É o meu dia de tomar conta do restaurante e não posso deixar que essas
merdas estraguem mais ainda o meu dia. Em menos de uma hora terei que
abrir as portas. Aos fins de semana, por conta dos caminhoneiros que chegam
na cidade, o movimento fica altíssimo.

Perco as contas de quantas pessoas passam pelo restaurante hoje. Ao


que tudo indica, um evento está acontecendo na cidade, o que movimenta
ainda mais o número de clientes. Um aumento de quase duzentos por cento.
Estou tentando ser o mais simpático possível, mas a cada homem que entra
por essa porta, um arrepio toma conta do meu corpo. Ainda não consigo agir
normalmente, tenho medo de que a qualquer momento aqueles malditos
venham a minha procura, mesmo sabendo que a possibilidade é quase nula.

De longe do balcão, observo o entra e sai das pessoas. Alguns rostos

alegres, já outros nem tanto. Não sei explicar bem, mas depois que passamos
a enxergar a vida de um outro ângulo, julgar as pessoas se torna detestável.
Ninguém é obrigado a ficar vinte e quatro horas sorrindo. Chorar às vezes faz
parte da criação do nosso interior.

— Dylan, meu filho! — Tônia, uma das clientes mais antigas, diz. —
Fiquei sabendo que você aceitou dar uma olhada no site. Fico muito feliz por
isso.

— Então foi você que entregou o panfleto a minha mãe? — questiono,


inexpressivo. Não sou adepto a fingir sentimentos.

— Sim, minha sobrinha tem acessado muito, ultimamente, pensei que


seria uma boa ideia você também dar uma olhada. — Ela tem um olhar
delicado, eu diria quase maternal. — Não quero que me entenda mal. Eu

apenas pensei que estaria te ajudando.

— Obrigado, Tônia. — Seguro em suas mãos, depositando um beijo.


— Assim como eu disse a minha mãe, não prometo nada, mas darei uma
olhada no site. Agradeço por se preocupar comigo.

Depois da nossa breve conversa, suas amigas e companheiras de chá


chegam. Minha mãe abriu o restaurante há dez anos, e pelo menos três vezes
na semana a Tônia aparece por aqui. Por esse motivo não fico chateado com
sua intromissão, pois sei que é preocupação, já que nos conhecemos há algum

tempo.

O relógio marca pouco mais de seis da tarde e respiro aliviado por ter
vencido mais um dia. Fecho as portas do restaurante logo depois de me
despedir dos funcionários.

Agradeço por morar a duas casas do restaurante, assim não preciso


ficar muito tempo andando pelas ruas cheias e barulhentas.
Antes de todo acontecido, morávamos um pouco distante. Depois de
conversar com a minha mãe, decidimos que seria melhor comprar uma casa

mais perto do restaurante, e aqui estamos nós, nesse bairro de classe média-
alta.

Minha mãe quando não está no restaurante, está no orfanato, no qual


ela é diretora e não é muito distante daqui, então ela sempre está por lá. Me

orgulho muito da mulher que me criou, principalmente por ter me criado


sozinha, já que meu pai morreu quando eu tinha cinco anos. Não tenho
muitas lembranças dele, mas ela sempre fez questão de mantê-lo presente em
nossas vidas. Talvez seja esse o motivo de ela nunca ter arrumado um
namorado.

A casa ainda está silenciosa, sinal de que minha mãe ainda não chegou.
Retiro minhas roupas com cheiro de fritura e entro debaixo do chuveiro,
deixando que a água gelada tire todo estresse e complicações que me

assolam. Eu queria ter o poder de mudar tudo.

Qual a razão para eu ter ficado vivo?

Não seria mais fácil ter morrido, assim como o Greg, naquela
explosão?

Sinto como se minha essência tivesse ido embora naquele dia. Nunca
mais fui o mesmo, não posso nem ser um homem digno. Minhas noites se
resumem a malditos pesadelos, não posso sair de casa que o medo toma conta
de mim.

Estou tão seco por dentro, que não tenho lágrimas para molhar o meu
rosto em um momento de desespero e dor. Meu peito se contrai, minha
respiração me abandona em alguns momentos.

Como posso seguir minha vida quando falta um pedaço de mim?


Capítulo 2

Dylan

Acordar depois de um pesadelo.

Tomar um banho gelado.

Pegar uma xicara de café.

Me enfiar dentro do porão.

Todos os dias é a mesma rotina. Acho que minha vida entrou em modo
automático e estou apenas fazendo um pouco de hora extra. Os remédios
passados pelo médico do exército não estão fazendo mais efeito. Eu posso até
dormir por duas horas, no entanto, todos os dias, quatro da manhã, sou
acordado com esse maldito pesadelo.

Nos últimos meses, o sentimento de impotência só tem aumentado. O


ar abandonou meus pulmões por muitas vezes. A sensação é horrível e eu não

desejaria para o meu pior inimigo. Daria tudo para ter uma única noite de

sono com mais de oito horas.

Ligo o computador e aguardo por uns minutos, até que ele inicie por
completo. Ultimamente venho pensando na hipótese de procurar um
psicólogo, sinto como se minha vida estivesse passando entre meus dedos.

Mas, como procurar um médico, se pensar na ideia de sair de casa me deixa


apavorado? O único lugar que consigo ir — mesmo com algumas ressalvas
— é o restaurante.

Mesmo contrariado, acesso o fórum e me deparo com algumas


mensagens de apoio. Como eles podem escrever essas coisas para uma
pessoa que não conhecem? Não sei se fico mais assustado ou surpreso. É
difícil de entender como as pessoas conseguem colocar tão facilmente suas
dores para fora, e o pior, em um site onde centenas de pessoas terão acesso.

Seja bem-vindo, Dylan. No começo também fiquei receoso, mas com o


tempo esse fórum se transformou em minha segunda casa. Acredito que você
deve ter lido alguns relatos, então saiba que não está sozinho.

Quando tiver pronto e quiser conversar, me manda mensagem, será


um prazer ser seu ouvinte.

- Angel1009
Leio e releio essa simples mensagem algumas vezes, assim como as
outras dez que eu recebi. Confesso que não estava esperando essa

receptividade, se é que posso chamar assim. Essas pessoas possuem


problemas piores que o meu, como conseguem tirar forças para ajudar o
outro? Li mais algumas mensagens, até que me deparei com uma em especial.

Oi, Dylan. Tudo bem com você? Apesar das circunstâncias, espero

que esteja bem. Meu nome é Ayla, e diferente de todos aqui presentes, não
tenho nenhum trauma. Minha presença é para ajudar pessoas que querem
conversar.

Sou psicóloga, então se você estiver precisando de alguém para


conversar, me manda mensagem. Não importa a hora, estarei a sua
disposição.

- Ayla2016

Essa mensagem seria uma resposta de Deus para minhas orações e

pensamentos?

Sempre pensei que ele tivesse desistido de mim, já que não tenho sido
uma pessoa muito agradável, muito menos sociável. Ainda não tenho certeza
do que quero, mas pensarei na ideia de mandar mensagem para eles. Talvez
desabafar com pessoas tão, ou mais ferradas que eu, me ajude. Até porque,
não adianta conversar com minha mãe. Ela tenta, porém, não entende o
inferno que passei naquele lugar.

Só de lembrar, malditos flashes tomam conta da minha mente. Gritos.


Sangue. Tiros. Dor. Desespero. E amor.

Sim, por mais que estivéssemos em uma situação caótica, era possível
sentir o amor quando eles pediam para entregar cartas as suas famílias, ou
simplesmente dizer um “eu te amo”. Depois de tudo que vivi, não passo um

dia sem dizer o quanto amo a minha mãe, a única pessoa que me impede de
desabar por completo.

Leio mais alguns relatos antes de desligar o computador. Por mais


simpáticos que eles possam parecer, ainda não me sinto pronto para me abrir
com estranhos. Nunca saberemos por completo quem é a pessoa atrás da tela.

— Bom dia, mãe. — Caminho na direção dela, beijando sua testa.

— Bom dia, filho. Acordou tarde hoje — diz com um sorriso

acolhedor.

— Não, mãe, acordei no mesmo horário de todos os dias. Estava no


porão vendo algumas coisas no computador — explico e sirvo-me de um
pouco de café.

Cafeína no meu sangue nunca será demais.

— Ahhh... — Ela tenta disfarçar, mas a decepção é visível.


Sei que ela sofre comigo desse jeito, mas infelizmente ainda não posso
dizer que estou recuperado.

— Dei uma olhada no fórum hoje — conto, obtendo sua atenção. —


Recebi algumas mensagens de apoio.

— Que maravilha, meu filho! Como você se sentiu? Eu sei que é tudo
muito recente, mas pode ser sua chance de recomeçar, Dylan — admite,

olhando fixamente em meus olhos.

— Confesso que fiquei um pouco surpreso. Aquelas pessoas não me


conheciam, mas ainda assim me mandaram mensagens de consolo. Por um
momento elas deixaram seus problemas de lado e se preocuparam comigo.

— Isso se chama empatia. Elas se colocaram no seu lugar. Você estava


receoso, confuso e com medo. Tenho certeza de que muitas pessoas passaram
pela mesma coisa. Sabemos que não é fácil admitir que precisa de ajuda. —
Segura minha mão por cima da mesa, me passando um pouco de conforto. —

Você já deu o primeiro passo, e isso é extremamente elogiável, meu filho. Eu


quero apenas a sua felicidade, estarei ao seu lado em todos os momentos.

— Eu agradeço muito por isso. Sei que não gosta quando eu falo, mas a
senhora é o único motivo pelo qual ainda me mantenho de pé. Se as dores
fossem físicas, acredito que eu já teria seguido o rumo da minha vida.

— Mas o que dói é seu coração...


— Sim, mãe. É uma dor que eu não desejo a ninguém. Meu peito dói,
as batidas do meu coração parecem falhar... eu queria recomeçar, seguir

minha vida, mas não consigo, é como se algo estivesse me segurando,


impossibilitando-me de viver.

Minha mãe se levanta e caminha em minha direção, abraçando-me bem


apertado.

— Dói, mãe, dói tudo aqui dentro, sabe? — Bato no peito, sentindo
raiva de tudo. — Por que eu não morri junto com meus companheiros? Qual
a lógica de me manter vivo, se parte de mim foi junto com aquela explosão?

— Meu filho, eu imagino o quanto deve ser doloroso para você. E por
mais que eu diga, nunca saberei ao certo o que você está sentindo e até
mesmo passando. — Seu rosto está banhado em lágrimas, e as minhas, que
eu tentei controlar, descem desenfreadas por minha face. — Se eu pudesse,
trocava de lugar com você, só para não vê-lo sofrendo, meu filho.

— Eu só queria ter uma vida normal, ir à padaria sem ter medo,


trabalhar, te acompanhar no orfanato. Só de pensar na possibilidade de sair de
casa, um aperto atinge o meu peito. É sufocante. Quase torturante. — Minha
voz sai quase como um sussurro, sendo abafada pelos soluços.

Abraço minha mãe pela cintura, sentindo as batidas desenfreadas do


meu coração. Choro de dor. Alívio. Medo e, principalmente, raiva. Raiva por
chegar a esse extremo, e por fazer a minha mãe sofrer.

— Desculpa, mãe...

— Não me peça desculpas, Dylan. — Com suas mãos delicadas, limpa


minhas lágrimas. — Eu estarei ao seu lado em todos os momentos. Enxugarei
suas lágrimas e não o deixarei desistir. Você é o meu menino. Por mais que
seja egoísmo da minha parte, agradeço a Deus por tê-lo entregado vivo para

mim.

— Eu te amo, mãe. — Me aperto em seus braços, aproveitando cada


segundo do seu carinho materno.

E mais lágrimas descem de forma desenfreada. Eu pensei que estava


seco por dentro, mas acho que ainda tenho sentimentos. Sei que é egoísta da
minha parte, até porque, minha mãe sofreria muito com a minha morte. Eu
não morri fisicamente, mas minha mente se perdeu.

E mais lágrimas descem sem parar.


Capítulo 3

Dylan

Como parte da minha exaustiva rotina, acordo às quatro da manhã com


o mesmo maldito pesadelo. Essa noite tentei ir para a cama mais tarde, na
tentativa de ficar tão cansado que conseguiria ter uma noite de sono
completa.

Estava enganado.

Estou há quase uma hora olhando para essa tela de computador, acessei
o tal fórum “SOS ajuda” almejando ter alguma luz, qualquer tipo de resposta
que pudesse me ajudar. Termino de ler um dos milhares de relatos, e é
incrível como sempre tem alguém com problemas piores que os nossos.

Sendo vencido pela razão, escrevo uma mensagem na página inicial.


“Agora são exatas 05 horas, 25 minutos e 10 segundos de uma quarta-
feira. Minha rotina basicamente se resume a isso, já que todos os dias acordo

pontualmente às quatro da manhã, com malditos pesadelos me assombrando.”

Não demora dez minutos e diversos comentários surgem em minha


postagem.

“Você faz uso de algum medicamento? Depois que o médico me

receitou um calmante, passei a dormir tranquilamente. – Camil098”

“Infelizmente, os remédios não fazem mais efeito. Além do mais, não


tenho o menor interesse de ficar enchendo meu organismo com essas coisas.”

“Sei bem como se sente, passei cinco anos da minha vida dessa mesma
forma. Eu queria te dizer que tomar remédios vai resolver, mas estarei
mentindo. Vai chegar um momento que seu organismo se acostumará com
ele e não fará mais efeito. – Marcelo1975”

Respondo alguns comentários e me surpreendo com o fato de muita


gente me responder a essa hora. Fico tentado a mandar mensagem para a
psicóloga, mas é preciso dar um passo de cada vez. Falar com estranhos já é
um avanço, coisa que pensei nunca ser possível.

O despertador toca às sete em ponto, preciso me arrumar para ir até o


restaurante. Tomo um banho rápido e visto um moletom cinza já que o dia
amanheceu bem frio. Chego ao restaurante e cumprimento alguns
funcionários e os poucos clientes. Coloco um avental e sigo entre as mesas,
pegando os pedidos. Passo para a cozinha e aguardo, aproveito para tomar

uma xicara de café. Fiquei tão concentrado no fórum, que não comi
absolutamente nada.

— Dylan, meu filho, bom dia — Cris, um senhorzinho, diz.

Ele sempre vem aqui, acho que é tão assíduo como a Tônia.

— Bom dia, senhor Cris. Como vai?

— Levando como Deus quer. A idade vai chegando e você já sabe


como funciona.

— O senhor está novo, velho é o mundo. — Dou um fraco sorriso antes


de me afastar e pegar seu costumeiro café preto com cinco pingos de leite.

— Sabe a minha neta? Você acredita que essa menina fugiu de casa?

— São consequências da idade. Todos nós já passamos por essa fase

rebelde, Cris. — Sorrio de forma contida. Acho engraçadas todas as


reclamações que ele faz sobre a neta.

— Ei, bonitão, eu já estou pronta para fazer meu pedido.

Uma mulher chama minha atenção, ela está a três mesas de distância.

— Já volto, Cris.

Aproximo-me da mulher, que está vestida com roupas bem


provocantes, a maquiagem forte não passa despercebido também.

— Bom dia, senhora. O que vai querer?

— Bom dia, bonitão — fala, passando a língua pelos lábios. Isso não
vai funcionar comigo. — Eu quero uma panqueca, ovos mexidos e café preto.

— Certo. O tempo médio de espera é de dez minutos. — Eu já ia me

afastando quando ela me segura pelo pulso.

Por instinto, puxo rapidamente meu braço, mas, infelizmente, uso força
demais, o que faz com que ela quase caia da cadeira.

— Nunca mais toque em mim. — Olho firme em seus olhos e


rapidamente a expressão dela se fecha.

Volto para o caixa e passo o pedido para a cozinha. Meu coração está
acelerado, as batidas frenéticas me fazem suar frio. Sei que foi uma besteira,
mas não consigo fazer minha mente e corpo entenderem isso.

— Não se preocupe, eu levo o pedido dela — Jonathan, um dos


funcionários, avisa.

— Obrigado.

Depois desse pequeno episódio meu dia segue tranquilamente, o


movimento no restaurante vai caindo e logo já estamos fechando as portas.
Me despeço dos funcionários e sigo para casa. Minha mãe manda uma
mensagem avisando que sairá para jantar com uns amigos e fico feliz por ela

aproveitar bem a vida. Diferente de mim, ela não tem motivos para ficar

presa dentro de casa.

Pego um resto de comida e esquento no micro-ondas, descendo logo


em seguida para o porão. Passo tanto tempo aqui embaixo que me sinto parte
dos poucos móveis. Ligo o computador e me surpreendo ao acessar o SOS.

Muitos comentários sobre a minha postagem, ainda fico surpreso em como


essas pessoas tiram tempo para ajudar um estranho.

Respondo algumas pessoas e uma mensagem em especial me chama


atenção.

Ayla2016.

“Dylan, eu entendo perfeitamente o que você está passando. Não posso

chegar aqui e falar para você tomar algum tipo de remédio, infelizmente o
que funciona com uma pessoa, não necessariamente vai funcionar com outra.

Você já tentou fazer um exercício físico? Talvez ajude a dispersar a


adrenalina do seu corpo.”

Sempre gostei de esportes, mas as circunstâncias me fizeram deixar


essa paixão um pouco de lado. Gosto da sinceridade dela ao falar comigo,

acho que talvez isso me ajude.

“Qual esporte posso praticar no porão da minha casa?”

Pesquiso na internet algumas opções e não encontro nenhuma. Todos


os sites que entro, mostram que a ioga pode ajudar. Não consigo imaginar um
homem com quase um metro e noventa fazendo esse tipo de exercício. Isso

vai para o final da lista, vou começar com o Box Jumps, que consiste em
pular em um objeto resistente na posição de agachamento. Isso vai ajudar a
manter os batimentos do meu coração bem acelerados.

Pela internet compro o equipamento necessário e um aparelho para


praticar boxe. Acho que vai me ajudar, pelo menos por enquanto.

Meus dias seguem da mesma forma de sempre. Pesadelos. Porão.

Trabalhar no restaurante e agora acessar o fórum. Converso com algumas


pessoas e passo a entender muita coisa. Pensei que era o único que sofria com
essa crise de pânico ao sair de casa, mas tem muita gente que passa pelo
mesmo problema. Encontrei alguns colegas de farda, mas ainda não me
decidi se fico feliz ou triste por eles também sofrerem com isso.

Muita gente acha que é frescura, e eu já escutei algumas pessoas


falarem isso no restaurante. Por diversas vezes saí de casa para fazer a
simples tarefa de comprar pão, e a sensação que senti foi horrível. Os

batimentos do meu coração ficaram demasiadamente acelerados, comecei a


suar frio, além de olhar loucamente para todos os lados com medo que
estivesse sendo seguido. Tudo que eu mais queria era chegar em casa. Nesse
dia eu desabei no banheiro, chorando sem nem fazer ideia do tamanho da dor

que ainda habitava o meu peito.

Eu tenho ciência que o mais correto a se fazer é procurar um médico,


mas ainda não me sinto pronto para esse passo.

Encerro meu expediente no restaurante mais cedo, tomo um banho


quente, pego uma fatia da pizza que sobrou de ontem e sigo para o único
lugar em que me sinto seguro.

O porão.

Ligo o computador e observo a tela azul carregando. Tenho trinta anos

e estou vendo minha vida passar diante dos meus olhos. Mas o que posso
fazer?

Já no modo automático, coloco meus dados e acesso o site. Tem uma


mensagem no meu privado, abro e vejo que é da Ayla2016.

Ayla: Oi, Dylan. Como vai hoje?

Não sei se viu meu comentário, mas não custa nada perguntar. Decidiu
fazer algum exercício físico?

O mais perto de um sorriso brinca em meus lábios e fico surpreso com


seu interesse, por isso respondo:

Dylan: Oi, Ayla.

Estou igual a todos os dias, com exceção do frio absurdo que está

fazendo aqui.

Pensei bastante e vi que a ideia dos exercícios seria uma boa, optei por
Box Jumps e boxe, só estou aguardando os equipamentos que comprei
chegarem.”

Envio a mensagem e volto para a página principal. Comento algumas


postagens, leio alguns relatos e quase duas horas depois fecho o site. Minha
mãe me mandou uma mensagem avisando que dormiria no orfanato, então
como não tenho nada para fazer, decido assistir a um filme.

Sempre fui amante de filmes de guerra, no entanto, não consigo assistir


mais nenhum. Os gritos, explosões, armas, bombas, todos esses elementos me
deixam com um aperto no peito, uma angústia que me sufoca.

Acabo optando por uma comédia e me permito sorrir um pouco. As


cenas são bobas, porém, arrancam uma boa risada. Coloquei na cabeça que
preciso tomar uma iniciativa, a escolha de fazer um exercício já foi um passo,
o próximo é tentar sair de casa mais vezes, mesmo que seja apenas uma volta
no quarteirão.

Pesquisei um pouco na internet e vi que muitos colegas sofrem com


problemas semelhantes. Eles não têm cura, mas é possível amenizar os
estragos. Se eu pudesse sair de casa sem achar que estou sendo seguido, já
seria um alívio.

Por volta das duas da manhã desliguei a televisão, nesse momento

estou deitado na minha cama, olhando o teto preto e sem vida. Sei que me
restam apenas duas horas de sono antes que o maldito pesadelo me acorde, no
entanto, não consigo pregar o olho. Acho que é efeito da cafeína. Preciso me
lembrar de amanhã não tomar tanto café.

Fecho os olhos e me obrigo a dormir, quero amenizar um pouco essas


horríveis olheiras.

— Mãe, como vão as coisas no orfanato?

Fui ao orfanato pela última vez há três anos, quando aproveitei que
recebi folga de uma semana. Minha mãe sempre gostou desse lugar, ela me
falava que as crianças precisavam de amor, mesmo que as condições
financeiras não fossem tão favoráveis.

— Um pouco complicada, para falar a verdade. A prefeitura encascou


com a ideia de cassar nossa licença de funcionamento. Se isso acontecer, para

onde as crianças vão? — Ela parece esgotada, imagino que não deve ser uma

situação fácil. — Hoje temos mais de cinquenta crianças com idades entre
três meses e quatorze anos. Estabelecemos um vínculo familiar, não sei como
elas reagiriam se fossem separadas.

— Eles estão alegando o quê? — questiono, curioso, porque se me

lembro bem, as coisas no orfanato sempre foram muito bem cuidadas.

— O prefeito alega que não temos espaço suficiente, e que o melhor


seria dividir as crianças entre os orfanatos da cidade e vender o prédio. —
Passa as mãos no cabelo, nervosa. — Eu sei que isso é apenas um pretexto,
pois semana passada recebemos uma proposta de compra do imóvel, e
magicamente a prefeitura inventou essa história.

— Então não resta duvidas, é apenas uma jogada da parte deles. —


Seguro suas mãos por cima da mesa. — Eu não posso fazer muito, mas se eu

puder ajudar em alguma coisa, mãe, pode me falar.

— Você poderia tirar um dia para ensinar defesa pessoal para as


crianças, elas iriam gostar. — Seus olhos brilham ao fazer o pedido, e estou
realmente cogitando essa ideia.

— Vou pensar sobre isso, mãe. Eu prometo.

— Obrigada, meu filho.


Ela caminha em minha direção e me abraça, beijando meu rosto logo
em seguida. Se tem uma pessoa que me incentiva diariamente, é a dona Lucy.

Essa mulher guerreira e que admiro muito.

O café da manhã transcorre de forma agradável, conversamos mais um


pouco a respeito do orfanato e também sobre o restaurante. Minha mãe
inventou de querer abrir mais um restaurante, dessa vez mais próximo do

centro comercial da cidade. Sei que não tenho o poder de fazê-la mudar de
ideia, então apenas dou meu apoio.

Vejo em sua expressão o quanto ela está cansada, por esse motivo me
ofereço para ficar em seu lugar no restaurante. Minha mãe precisa descansar,
não seria justo eu ficar aqui enquanto ela trabalha duro.

— Você tem certeza, filho?

— Sim, mãe. Pode ficar tranquila que dou conta, a senhora precisa
descansar. Nos falamos mais tarde. — Beijo sua bochecha e sigo para o

restaurante.

Que Deus me ajude em mais um dia.


Capitulo 4

Ayla

— Perdendo tempo de novo nesse site idiota, Ayla? — Susan, minha


amiga, pergunta, revirando os olhos.

— Eu já te falei que não é um site idiota. Faz parte do meu trabalho.

— Seria seu trabalho se essas pessoas estivessem em seu consultório.

Você fica perdendo tempo com esse povo. Boa parte desses supostos traumas
são apenas frescuras.

— Vou fingir que não escutei isso, Susan. Não é frescura. Essas
pessoas sofrem por conta de eventos traumáticos em suas vidas. É por
pensamentos mesquinhos como os seus, que muita gente tem receio de
procurar ajuda médica e medo do que as pessoas vão pensar.
Toda vez que falamos sobre isso nós discutimos. Apesar de ser uma
pessoa estudada, minha amiga tem esse pensamento idiota. Faz tempo que

acompanho esse fórum de ajuda on-line, e posso dizer que já ajudei muita
gente. Não é frescura, nem brincadeira, são vidas que estão em jogo.

— Você sabe muito bem minha opinião sobre isso.

— Sei e discordo completamente. — Levanto e abro a porta para que

ela se retire. — Acho melhor você ir almoçar sozinha. Não estou muito afim
de olhar para sua cara nesse momento.

Susan não diz uma palavra, pega sua bolsa e sai da minha sala batendo
a porta. Às vezes me pergunto como posso ser amiga de uma pessoa
completamente diferente de mim.

Sempre me interessei por traumas e transtornos, e em como isso tem


ligação com nosso cérebro. Tenho um consultório no centro de San Diego,
atendo pacientes individualmente e também em grupos. Encontrei no SOS

uma forma a mais de ajudar as pessoas, e mesmo não ganhando um centavo,


me sinto bem em fazer isso. Não é uma consulta ou coisa do tipo, apenas dou
dicas e converso, indicando, assim, a necessidade de procurar um
profissional.

É incrível como muita gente sofre com TEPT, que é um transtorno de


estresse pós-traumático. Alguns dos meus pacientes são ex-militares, portanto
tenho a noção de que não é fácil a vida de um soldado no campo de guerra.
Alguns deles demoram anos para se recuperarem, e mesmo assim não

ficaram cem por cento.

Olhando o site esses dias, me deparei com um novo usuário. O nome


dele é Dylan e ele é um ex-soldado. Senti em seu relato que ele precisava de
ajuda, mas não forçarei, aos poucos irei conversando e indicarei um

profissional.

Muitos colegas não gostam quando falo sobre o site, mas estou pouco
me lixando. Às vezes a pessoa precisa apenas de uma mensagem de consolo e
uma saída, nem tudo envolve dinheiro.

Sou tirada de meus pensamentos com batidas na porta.

— Ayla, seu paciente das quinze horas já chegou. Posso mandá-lo


entrar? — minha secretária pergunta.

— Ótimo! Eu pensei que ele nem viria, mande-o entrar, por favor.

Assumo minha posição profissional e aguardo meu paciente. Carlos é


um homem de trinta e cinco anos que sofre com crises de ansiedade, passou a
desenvolver esse transtorno depois de ser duramente espancado em um beco,
e nesse mesmo evento perder a esposa.

— Carlos, fico feliz de vê-lo hoje — digo, sorridente.


— Eu até pensei em não vir, doutora, mas precisava contar uma coisa
que vem me atormentando.

Senta-se no sofá, de frente para mim.

— Pois então, sou toda ouvidos, Carlos.

— Minha família não compreende o motivo de eu continuar gastando

dinheiro com nossas sessões, minha irmã disse que psicólogos são para
loucos. Eu estou louco, doutora, é isso?

— Você se considera um louco, Carlos?

Não entendo como as pessoas podem julgar dessa forma. Por acaso
uma pessoa só vai ao médico se estiver doente? Que mania de associar
psicólogo com loucura! Nossa mente precisa de cuidados, assim como nosso
corpo.

— NÃO — ele responde, um pouco alterado.

— É nisso que você precisa se apegar. Não importa o que as pessoas


pensem ou deixem de pensar. Você não está vindo às minhas consultas
porque é louco, e sim por ter passado por um trauma. — Faço algumas
anotações em meu tablet. — Como estão as suas noites de sono, Carlos?

Nossa sessão transcorre de forma tranquila, conversamos por uma hora


e fico feliz por ajudá-lo. Quando ele chegou aqui, praticamente não abria a
boca, hoje, um ano depois, é perceptível a mudança em seu comportamento.

Não é nada fácil perder a esposa de maneira tão brutal.

Hoje não tenho mais nenhum paciente, então posso ir para casa e
descansar um pouco a mente. Por trabalhar com a mente das pessoas, preciso
deixar a minha intacta. No caminho para casa, passo em um restaurante e
peço uma comida para viagem. É um lugar bem agradável e a comida é

deliciosa.

— Oi, Ayla — Lucy, a dona do restaurante, me cumprimenta.

— Oi, dona Lucy. Tem dias que não vejo a senhora.

— Estava ocupada com o orfanato, menina. Aquele lugar tá uma


verdadeira zona de guerra.

— Nossa, mas por qual motivo?

— A prefeitura está querendo revogar nossa licença para

funcionamento. O pessoal do jurídico está correndo atrás disso. Se aquele


lugar fechar, imagine o que será das nossas crianças...

— Que situação complicada. Tem horas que a prefeitura só nos causa


dor de cabeça. Se precisar de qualquer coisa, já sabe, me liga que tento
ajudar.

— Vai lá fazer uma visitinha. As crianças perguntam sempre por você.


— Pode deixar que farei isso. Vou procurar uma vaga na minha
agenda.

Um funcionário avisa que precisa da ajuda dela na cozinha, então nos


despedimos, pego minha comida e vou para casa. Se tem uma coisa que amo
fazer, é visitar as crianças do orfanato Salles. Como não posso oferecer um
lar para elas, tento dar todo meu carinho e atenção.

Pela primeira vez em muito tempo, queria que o despertador não


tocasse. Tudo que eu estou precisando é de um bom e belo descanso.
Trabalhei praticamente todos os dias dessa semana, minha agenda estava
mais cheia que o normal. Minha secretária achou que não teria nenhum
problema marcar tantos pacientes.

Combinei de sair à noite com a Susan, na verdade, eu daria tudo para

furar, só que já furei com ela outras vezes, é capaz de vir me buscar
amarrada. Já avisei a todos que não tenho a menor pretensão de sair no fim de
semana. Vou hibernar até a segunda.

Sem a menor disposição, levanto da cama e tomo um banho gelado


para despertar, mesmo que o dia esteja frio. Opto por um vestido na altura do
joelho e jaqueta por cima. Tomo um café rápido e sigo para o consultório. O
trânsito não colabora nada comigo e passo quase uma hora e meia presa no
engarrafamento.

— Bom dia, Joseph — cumprimento o segurança do prédio.

— Bom dia, dona Ayla. Muito trânsito hoje?

— Até demais! Acredita que fiquei mais de uma hora no


engarrafamento? Estava quase descendo do carro e vindo andando.

— Vi no jornal que houve uma batida na quinta avenida. Foi algo feio,
por isso o trânsito tão grande.

— Deveria ter imaginado. Se eu soubesse o motivo, não teria ficado


reclamando a cada minuto.

O elevador chega e sigo para o consultório. Joseph é um senhor muito


simpático. Ele trabalha aqui há anos e nunca o vi de mau humor, diferente de
boa parte do pessoal nesse elevador. Desço no meu andar, cumprimento
minha secretária e entro em minha sala.

Meu primeiro paciente é em dez minutos, só tenho tempo de sentar e


ajeitar todas as coisas para a sessão.

Minha manhã passa voando, e só percebo isso quando meu estômago


fala um pouco mais alto. Pela minha agenda, tenho pouco mais de uma hora
para almoçar, acho que será tempo suficiente.

Desligo o computador, pego minha bolsa e saio da minha sala, me


deparando com Steve, meu ex namorado.

— O que faz aqui?

— Pensei que seria uma boa ideia a gente almoçar. Se bem te conheço,
não deve ter comido nada até agora.

Steve e eu namoramos por cinco anos, até que descobri que ele tinha

me traído. Sempre pensei que ele fosse o meu príncipe encantado, me


apaixonei de imediato por seus lindos olhos verdes. Na época da faculdade
minhas colegas enchiam a minha bola, afinal, eu namorava o cara mais
popular. Se elas soubessem quem ele realmente é...

— Estou indo almoçar, sim, mas não preciso de companhia. Pode


voltar para o seu escritório e me deixar em paz.

— Não podemos ser bons amigos? Sei que cometi alguns pequenos
erros...

— Pequenos? Faça-me o favor, Steve. — Passo por ele, entrando no


elevador. — Você me traiu. Isso não pode ser considerado como um pequeno
erro. Não foi uma, nem duas vezes, e você sabe bem disso.

— Você nunca vai me perdoar, Ayla?

Entra também no elevador, que rapidamente é preenchido por seu


perfume marcante. Em outros momentos isso me afetaria, mas hoje só
consigo pensar no quanto fui cega e burra.

— Eu já te perdoei, Steve. Só não quer dizer que voltaremos a ser


namorados, muito menos amigos. O que tivemos foi bom, mas ficou no
passado. Você fez questão de jogar tudo fora por um rabo de saia.

Desço no estacionamento e entro rapidamente no meu carro, deixando-


o frustrado. Tem quase um ano que nos separamos, ele insiste em querer

voltar de onde paramos, mas não tenho estômago para isso.

Traição é uma escolha. Não é como se você fosse na feira comprar


maçã e descobrisse na primeira mordida que ela está estragada. Ele teve
opção, se escolheu a errada, agora não posso fazer nada por ele.

Chego ao restaurante e logo faço o meu pedido. A escolha de hoje é


comida brasileira. Fui uma vez para o país e me apaixonei pela culinária,
então sempre que posso venho ao Cantinho do Brasil, um restaurante
administrado por um casal de brasileiros.

Termino de comer a minha feijoada e volto para o consultório. São três


da tarde e ainda tenho mais duas sessões.

Estou morta de cansaço, não serei uma boa companhia hoje para
ninguém. Pensando nisso, pego meu celular e envio uma mensagem para a
Susan, dizendo que não poderei encontrá-la, mas se não tiver nenhum
compromisso, passo amanhã na casa dela e nós saímos. Minha amiga não
gostou muito de levar um bolo, no entanto, entendeu os meus motivos.

Conheço Susan desde a infância, nossos pais eram amigos e sempre


ficávamos uma na casa da outra. Estudamos juntas até o ensino médio, na
faculdade fomos para caminhos totalmente diferentes. Eu fui para a
psicologia e minha amiga fez engenharia mecânica. Enquanto lido com
mentes, Susan fica enfiada em números.

Passo por Keila, que me informa que meu próximo paciente já está me
aguardando. Peço cinco minutos antes que ela possa liberar sua entrada.

— Olá, Lisa, seja muito bem-vinda — cumprimento-a sorridente, para


quebrar qualquer gelo inicial.

— Oi, doutora. Tenho tanta coisa para te contar. A senhora não vai
acreditar no que consegui fazer — diz, empolgada, me deixando mais feliz.

Lisa tem dificuldade de se relacionar com outras pessoas. Apesar de

estar na faculdade, praticamente não tem amigos. Ela me procurou porque


sentia a necessidade de colocar isso para fora, e depois de escutar tudo que
tinha para dizer, recomendei que fizesse terapia em grupo, e depois de
algumas sessões, fico feliz que tenha surtido efeito.

— Quando quiser falar, pode ficar à vontade, sou toda ouvidos, Lisa.

E assim ela faz. Me conta todos os avanços e como ela está


conseguindo conversar com seus colegas de sala. Fazer trabalho em grupo era
quase impossível, e saber que ela está conseguindo me deixa extremamente

feliz. Lisa é jovem, tem muito que aproveitar dessa vida ainda. Como se não

fosse suficiente, ela aceitou ir em uma festa com seus novos amigos.

— Sei que é uma nova descoberta para você, mas acredito que seria
bom ir com calma. Se você está fazendo isso para provar alguma coisa, saiba
que não recomendo.

— Não é isso. Pela primeira vez quero realmente fazer algo. Estou
empolgada, já até comprei o meu vestido para a festa. — Seus olhos brilham
quando fala, e não tenho nenhuma recordação de tê-los visto dessa forma. —
A festa vai ser na segunda e eu já agendei uma nova sessão para terça-feira.
Quero que você seja a primeira pessoa a saber de tudo.

— Ficarei ansiosa aguardando. Acima de qualquer coisa, quero que se


divirta, Lisa.

Conversamos por mais alguns minutos, até que a sessão acaba. Pela

manhã o último paciente parecia tão distante, que fico feliz ao cumprimentá-
lo. A primeira coisa que farei quando chegar em casa é tomar um banho e
dormir. Nunca vi um dia tão longo como hoje.
Capítulo 5

Dylan

A manhã está bem fria, os termômetros marcam seis graus, por isso
opto por um conjunto de moletom. Acho que ainda assim não me parece o
suficiente. Mais uma vez minha mãe chega cansada, as coisas no orfanato
estão ficando pior a cada dia, por esse motivo decido ficar no restaurante.

O movimento ainda está fraco, acredito que a baixa na temperatura fez


o pessoal querer ficar mais tempo debaixo dos cobertores. Não posso culpá-
los. Nesse momento eu queria fazer o mesmo. Essa noite quase não consegui
dormir, uma sensação estranha se apossou do meu peito, não faço ideia do
que seja.

— Ei, Dylan. — Cris chama minha atenção, entrando pela porta da


frente do restaurante.

— Oi, Cris, como vai? — Tento ser simpático, já que ele se esforça
para conversar comigo.

— Melhor agora, vendo que você está aqui. Estava conversando ontem
com a sua mãe, você faz falta nesse restaurante, meu filho.

— Você sabe que as coisas não são tão fáceis.

Ele, assim como a Tônia, sabe pelo que passei. Como são pessoas
assíduas, praticamente fazem parte da família e por isso se preocupam tanto
comigo.

— Você já pensou em ir ajudar no orfanato? Agora, mais do que nunca,


eles precisam de toda e qualquer ajuda. Aposto que as crianças vão gostar de
você, elas são loucas pelos militares.

— Prometi a minha mãe que faria um esforço. Estou tentando, porém, o

momento ainda não chegou.

Um cliente sinaliza e vou em sua direção, deixando o Cris sozinho. Sei


que ele se preocupa comigo, acontece que esse assunto é extremamente
chato. Não preciso de mais uma pessoa me dizendo o que tenho que fazer.
Tenho plena ciência das atitudes que preciso tomar, mas não posso me forçar
a nada. Aposto que seria muito pior.
Ia voltar para conversar com o Cris, mas muitos clientes chegam ao
mesmo tempo, ocupando noventa por cento das nossas mesas. Com a ajuda

de um funcionário, pego o pedido de todos, passando para a cozinha.

A manhã passa tranquilamente e logo já estamos preparando tudo para


o almoço. Não vou ficar até a parte da noite, pois o entregador marcou de ir
em casa hoje. Finalmente os produtos que comprei vão chegar e colocarei em

prática o meu plano. Se a internet estiver certa, irei liberar adrenalina e talvez
isso me ajude a dormir mais que duas horas por noite.

Aproveito o tempo livre e pego meu celular, quando menos espero já


estou fazendo login no SOS. Por mais que eu não escreva todos os dias, se
tornou um hábito entrar e ler os relatos das pessoas. Quero tentar me
convencer de que tem gente em situações muito piores. Por mais que eu tenha
receio de sair na rua, estou saudável e nenhum impedimento físico me
atrapalha.

“Todos os dias penso que estou pronto, mas a ideia de sair de casa me
deixa apavorado e me sinto impotente por permitir essa situação. Durmo
apenas duas horas por dia, e os malditos pesadelos sempre me assombram e
não consigo levar muito tempo dormindo. A verdade é que só continuo
lutando para voltar ao normal por conta da minha mãe.

Me pergunto como deve ser difícil, depois de mais de vinte anos, ela
voltar a cuidar de um marmanjo.”

Aperto enviar.

Guardo o celular de volta no bolso e me concentro no restaurante.


Diferente da parte da manhã, fico apenas atrás do caixa à tarde. Muitos rostos
desconhecidos adentram o restaurante, fazendo meu coração bater mais
rápido.

Respiro fundo, fazendo meu cérebro entender que são apenas clientes e
não oferecem perigo algum.

Um. Dois. Três. Quatro.

Conto mentalmente várias vezes, ao mesmo tempo em que respiro cada


vez mais fundo.

Um calafrio atinge a minha espinha. Fecho os olhos forçadamente,


tentando esquecer onde estou e me projetando para o lugar que me sinto mais

seguro.

— Dylan... — Escuto uma voz longe me chamando. Eu quero


responder, porém, minha voz não sai. — Dylan.

Sinto-me sufocado, quero gritar e dizer que estou aqui. Deixo o caixa e
corro para o banheiro. Me olho no espelho e vejo apenas um vazio. Minha
barba está grande, as olheiras marcam bem o meu olhar e, principalmente,
não vejo nenhum brilho nos meus olhos.

Até quando viverei desse jeito?

Será que não posso ter uma vida normal como todos?

Por que o que eu tanto amava, me transformou nesse pedaço de ser


humano?

Fico um tempo olhando o meu reflexo, como se ele fosse capaz de me


dar uma merda de uma resposta.

DROGA!

Acerto em cheio o espelho, vendo seus pedaços caírem na pia e


também no chão. É dessa forma que me encontro, partido em vários
pedacinhos. O corte em minha mão não é nada comparado à maldita dor que
sinto em meu peito.

Da mesma forma que o espelho não pode ser consertado, será que

conseguirei voltar à minha rotina?

— Filho, abre a porta, por favor. — Escuto a doce voz da minha mãe.
— Os funcionários escutaram barulho de vidro se partindo, não faça
nenhuma besteira, eu te imploro.

— Mãe...

— Abre, Dylan, eu te imploro. — Percebo que ela chora e um aperto


toma conta do meu coração.

Dona Lucy é a pessoa que mais amo nesse mundo, aquela por quem eu
seria capaz de dar a minha vida. Como posso ser egoísta, a ponto de não
pensar em seu sofrimento? Tenho certeza de que não deve ser fácil para ela, e
por mais que eu me esforce, temo nunca conseguir voltar a ser como era
antes.

Caminho até a porta, destrancando-a. Minha mãe abre um fraco sorriso


quando me vê, focando rapidamente em minha mão. Não é por menos. Uma
poça de sangue mancha o piso branco.

— Não ia fazer nada, mãe. Só precisava colocar esse sentimento para


fora.

— E para isso precisava se machucar, Dylan?

— Perdoe-me, não era minha intenção fazê-la sofrer.

— E a você? Sua intenção também é de não se machucar?

— Mãe...

— Você não sabe a dor que senti ao imaginar o que poderia ter
acontecido dentro desse banheiro. Todos ficaram extremamente preocupados,
Dylan. Imaginar que você estava prestes a... — Não consegue terminar a
frase, pois seu corpo é tomado por uma onda de soluços.
— Mãe, eu não ia tirar a minha vida. — Puxo-a para os meus braços,
abraçando seu minúsculo corpo. — Por mais que essa situação seja

torturante, eu não seria capaz de tirar a minha vida. Não quando a pessoa que
mais sofreria, consequentemente, é a que mais amo nesse mundo.

— Me promete que vai procurar ajuda? Você precisa, filho. Sozinho


temo que você não vá conseguir.

— Vou pensar nisso, mãe.

Minha fala soa um pouco mais fria que o necessário.

— Nada de pensar. Vou procurar um psicólogo para você. Não te


levarei amarrado, mas te imploro que faça isso por mim.

— Tá bom, mãe. — Olho no fundo dos seus olhos. — Eu te amo, nunca


esqueça disso.

— Eu também te amo, meu filho.

Pela minha mãe, talvez esteja na hora de procurar, sim, um psicólogo.


Assim como a planta precisa de água para se manter viva, uma pessoa precisa
estar com a mente saudável, caso contrário as consequências são lastimáveis.

Essa noite foi diferente. Não houve pesadelos. Não porque eles
cessaram, e sim porque não consegui pregar o olho. Minha mente está a mil
por hora, meu corpo parece uma bomba de adrenalina que está prestes a

explodir. O relógio marca cinco da manhã, a chuva cai lá fora, e o cheiro de

terra molhada me parece convidativo.

Tomo um banho gelado, deixando a água anestesiar o meu corpo. Saio


do banheiro e visto um moletom preto, calço um tênis e faço o que minha
mente implora. Sem me importar com a chuva, cubro minha cabeça com o

capuz e corro pelas ruas desertas. A adrenalina no meu corpo está a mil,
quanto mais eu percorro por esse chão molhado, mais agitado me sinto.

O medo ainda é meu companheiro, e pela primeira vez tento deixar isso
em segundo plano. Um quilômetro ou dois percorridos, não tenho muita
certeza.

Trabalhadores passam por mim. Ônibus razoavelmente cheios a


caminho do centro e também os carros. Percebo que estou longe de casa, mas
isso não é um empecilho. Os pingos que antes eram grossos e constantes, se

transformam em finos pontos de água.

Com o tempo passando, as ruas vão começando a ficar mais


movimentada, ou seja, chegou o momento de ir para casa. A adrenalina que
eu estava sentindo parece ter adormecido e logo lembro da mensagem no
fórum, onde dizia que praticar esportes poderia me ajudar.

Não deixei de pensar no rosto aflito da minha mãe. Ela pensou que eu
iria tirar minha própria vida. Por mais que eu tenha pensado nisso em outro
momento, desisti da ideia por ela. Minha mãe é a pessoa que mais amo nesse

mundo, não gostaria de saber que uma decisão minha causou tanto
sofrimento.

Tenho plena certeza que preciso procurar um médico, eu prometi a


minha mãe que faria isso, então, assim como o fórum, também me esforçarei.

Passo pelo restaurante e vejo os funcionários se preparando para abrir.


Não cumprimento ninguém e sigo para minha casa. Não encontro a minha
mãe, mas ela deixou a mesa do café da manhã preparada. Dona Lucy, sempre
cuidadosa comigo, um marmanjo desse.

Entro no banheiro e deixo a água cair sobre meu corpo por alguns
minutos. Meu reflexo no box não é um dos melhores, minha barba está
enorme, meus cabelos só não seguem o mesmo ritmo porque ainda tenho a
decência de cortá-los.

Depois do que parece uma eternidade, saio do banheiro. Meu velho e


surrado moletom é meu companheiro da vez. Aproveitarei que não vou para o
restaurante e montarei os aparelhos que comprei. Preciso me exercitar. Hoje
tive uma prova de que quando libero adrenalina do meu corpo, me sinto um
pouco melhor.

Sento-me à mesa e degusto do café preparado pela minha mãe. Eu


sempre tento me alimentar bem, visto que com toda essa confusão na minha
vida, perdi dez quilos. Antes eu tinha uma rotina de exercícios puxada, até

porque, fazer parte do exército exigia uma boa forma. Não era nada fácil ir
para combate, então não podíamos vacilar.

Às vezes sinto falta dos meus companheiros, alguns ainda estão vivos,
mas algo me diz que se eu mantiver contato, estarei revivendo o trágico

momento que tanto tento esquecer. Nesses momentos não sei se agradeço ou
não, o fato de o meu melhor amigo estar em uma missão. Acho que faz mais
de um ano e meio que não o vejo, a última notícia foi de que estava no
Iraque.

Forço minha mente a parar de pensar nessas coisas, infelizmente é uma


parte do meu passado que preciso esquecer, mesmo que eu precise renunciar
às pessoas que tiveram importância na minha vida.

Termino de comer e limpo toda bagunça. O relógio marca pouco mais

de dez da manhã. O dia está apenas começando e tenho muita coisa para
fazer.

Abro as caixas e confiro todas as peças, leio as instruções e vejo que


não será tão fácil como imaginei. Pego meu celular e coloco um vídeo no
Youtube, tenho certeza de que será mais fácil.

Estou terminando de assistir quando meu celular começa a tocar.


Pondero antes de atender, já que o número é desconhecido.

— Alô?

— Dylan? Sou eu, o Jordan — diz, animado do outro lado da linha.

— Jordan, que surpresa essa sua ligação. Você não estava em missão?

Fazíamos parte do mesmo círculo de amigos, o que possibilitou uma

amizade entre nós. Sempre saíamos para beber e se divertir. Por sorte, ele
recebeu dispensa em nossa última missão para poder acompanhar o
nascimento da filha. Alguns falaram em sorte, outros em livramento de Deus.
Nunca iremos saber a real.

— Pedi dispensa definitiva há um ano. A Maria engravidou de novo.


Não consegui deixá-la sozinha cuidando das crianças. Antes éramos apenas
ela e eu, agora somos em quatro. — Escuto sua risada enquanto parece
brincar com alguém. — Liguei porque estou de volta a San Diego e pensei

que seria uma boa ideia a gente sair para relembrar os velhos tempos.

— Parabéns por suas filhas. Só não sei se é uma boa ideia sair...

— Você ainda tem aquele receio de sair de casa? Pensei que com o
passar do tempo você voltaria sua vida ao normal.

— Eu também pensei, Jordan. Mas acho que isso é praticamente


impossível, por mais que eu me esforce.
— Imagino. Fiquei sabendo de alguns colegas que passam pela mesma
situação que você. Infelizmente, eu não posso dizer que entendo, porque só

vocês sabem o que sentem. — Um silêncio toma conta da ligação. — Vamos


fazer assim, você me passa seu endereço e vou te fazer uma visita. Pode ser?

Penso por um tempo. Poderia dizer que não, mas se quero procurar
ajuda médica, tenho que começar a me socializar com outras pessoas. E ele é

um amigo, então não terá problema.

— Pode ser, desde que você não se importe em beber sozinho.

— Não tem problema, meu amigo. Me manda seu endereço que sexta-
feira estarei aí.

Encerramos o contato e faço como o combinado, encaminho por


mensagem o meu endereço. Confesso que essa ligação foi completamente
inesperada, ainda estou decidindo se foi o fato de o Jordan entrar em contato,
ou ele ter deixado de servir.
Capítulo 6

Ayla

Às vezes acho que preciso desacelerar um pouco o ritmo de trabalho.


Eu sinto que ao negar uma consulta, posso colocar uma pessoa em risco, e
escolhi psicologia justamente para ajudar o máximo de pessoas possíveis.
Entro no consultório às oito da manhã e encerro o expediente depois das oito

da noite. Sei que é uma rotina puxada, porém, não tenho outra escolha.

— Até que enfim você saiu daquele consultório, Ayla. — Susan diz
assim que o garçom traz nossas bebidas.

Depois de muita insistência da minha amiga, aceitei estender a noite em


um barzinho. Confesso que meu corpo só pede cama, mas já dei tantos bolos
nela, que me esforcei para passar um tempinho com Susan.
— Você sabe que tenho muito trabalho, amiga. Não é fácil tirar uma
noite para encher a cara.

— Eu acho que você poderia muito bem trabalhar menos, mas quem
sou eu para dizer o que você deve ou não fazer, não é mesmo?! — Toma um
gole generoso de sua cerveja.

Desde nossa última conversa, onde ela falou que eu perdia tempo

acessando o fórum, digamos que Susan pensa um pouco em suas palavras


antes de falar. Minha amiga nunca entendeu que meu lema é ajudar as
pessoas, mesmo que isso não envolva ganhar dinheiro. Não ficarei mais
pobre por isso.

— O Steve foi no consultório esses dias. — Mudo de assunto para


cortar esse clima estranho que ficou.

— O que aquele defunto foi fazer lá?

— Me convidou para almoçar, veio com uma história de sermos bons


amigos. A verdade é que não dei muita importância.

— Como você pode ser amiga do cara que te meteu um belo par de
chifre?

— Eu disse isso a ele. Não foi um pequeno erro. Traição é escolha, e


infelizmente ele tomou a decisão errada.
— Quando foi a última vez que você ficou com alguém, Ayla?

Sair com alguém? Depois que terminei com o Steve, minha vida tem
sido tão corrida que não tenho tempo para essas coisas.

— Não fiquei com ninguém depois do Steve — confesso e minha


amiga quase se engasga com a cerveja.

— Não acredito nisso! Vocês terminaram tem mais de um ano. Não é


possível que nem uns beijinhos você deu, amiga.

— Nunca foi uma prioridade, e estou bem sem ninguém.

— Vamos mudar isso logo. Tenho uns amigos que você vai gostar.
Antes que fale que não quer, já te aviso que não tem escolha. Semana que
vem vamos sair, aposto que lá embaixo deve estar cheio de teias de aranha.

Começa a rir, como se fosse a coisa mais normal do mundo falar algo
como isso.

— Nem vou te dizer nada, Susan. — A tentativa de não sorrir falha.

Susan sempre foi espontânea desse jeito, e por esse motivo já me


colocou em várias saias justas. A nerd e a popular, era assim que nos
denominavam na faculdade. Nós duas sempre fomos diferentes, acho que por
isso nos tornamos amigas. Apesar de alguns desentendimentos, não vejo
minha vida sem ela.
Encerramos a pauta da minha vida e minha amiga me atualiza sobre os
últimos acontecimentos. É incrível como eu pisco e ela já está com outra

pessoa. Por isso não faço questão de gravar nomes. Ela nunca fica mais de
um mês em um relacionamento.

Antes de a cerveja fazer efeito, me despeço da Susan e sigo para o meu


apartamento. Ela encontrou uma companhia, por esse motivo não questiona

minha saída.

Em quarenta minutos já estou em meu apartamento. Jogo a bolsa no


sofá e vou direto para o banheiro. Amanhã é sábado, vou me permitir acordar
perto do meio-dia. Meu corpo precisa de descanso, não posso cair doente.

Vendo esse apartamento vazio, bate uma saudade dos meus pais...

Meu irmão perdeu a esposa logo após dar à luz à minha sobrinha
Angelique. Como ele precisava de toda ajuda, meus pais se mudaram para o
Canadá. Tem quase dois anos que não os vejo, nosso contato é apenas por

telefone.

Visto um pijama e me deito na cama. Dou uma olhada rápida nas


minhas redes sociais antes de acessar o fórum. Há uns dois dias não faço
login, quero saber se o Dylan sentiu alguma mudança ao fazer exercícios.
Nem todos conseguem ter uma vida normal depois de ver coisas terríveis
nessas missões.
Já vi muita gente dizer que é bobagem. Esses milhares de homens e
mulheres deixam suas famílias e passam meses longe. Lidam com coisas

cruéis, bem como ver os companheiros morrerem. Não é fácil conviver com
tudo isso, e se nossa mente não está saudável, nada funciona.

Leio alguns relatos e é difícil não segurar a emoção. Saber que


mulheres estão lidando com dores emocionais fortíssimas me deixa com

raiva. Raiva porque não consigo fazer o possível para salvá-las. Em pleno
século vinte e um, ainda temos que lidar com homens que acham que são
nossos donos. Diferente de todos os outros membros, elas não revelam a
identidade, e nesses casos tudo que posso fazer é mandar uma mensagem de
consolo.

Depois de mandar mais de dez mensagens, chega o momento de


dormir. Estou quase deslogando quando recebo uma mensagem.

Dylan: Pensei bem antes de mandar essa mensagem. Como você me

incentivou a fazer exercícios, achei que o mais certo seria te dizer que está
funcionando.

Ainda é muito cedo, mas posso dizer que liberar a adrenalina do meu
corpo me fez dormir duas horas a mais.

Termino de ler com um sorriso enorme. Confesso que não imaginei que
ele fosse seguir o meu conselho. Não sei explicar, mas algo no seu relato me
faz entender que ele precisava urgentemente de ajuda. Consigo sentir o
tamanho da sua dor.

Ayla: Que bom saber disso, Dylan. Fico feliz de você ter seguido o meu
conselho, e principalmente de já perceber os resultados.

Aperto enviar.

Dylan: Os pesadelos ainda são meus companheiros, mas só o fato de


dormir por quatro horas seguidas já me deixa com um ânimo a mais.
Agradeço a dica.

Ayla: Isso é muito bom. Muita gente não sabe, mas adrenalina demais,
pode sim, fazer mal. E isso pode ser responsável por noites mal dormidas e
também por estresse. Sempre que puder faça exercícios, verá que a mudança
será muito maior.

Ele não responde mais, então aproveito para dormir. Dylan me parece

disposto a receber ajuda, e isso é um grande avanço.


Capítulo 7

Dylan

Antes de amanhecer eu já estava de pé. Tentei ocupar minha mente


com exercícios e funcionou. Minha semana passou tão depressa que só
percebi quando recebi uma mensagem do Jordan confirmando que viria hoje.
Termino meu expediente no restaurante e corro para casa. Tenho pouco

tempo para tomar um banho e descansar.

Olho em todos os cômodos e não encontro a minha mãe. Que estranho.


Ela disse que iria preparar o jantar, então só pode ter ido ao mercado. Não me
lembro de ela ter dito que iria para o orfanato.

Entro no banheiro e deixo a água cair sobre o meu corpo, tirando os


vestígios de um dia exaustivo de trabalho. Hoje o movimento de pessoas foi
grande, quase não consegui tirar um tempo para respirar. Lugares com muitas
pessoas ainda me deixam apreensivo, no entanto, estou me esforçando para

mudar um pouco essa situação.

— Cheguei, filho.

Escuto minha mãe gritar.

— Tá certo, mãe — grito de volta.

Fico olhando essa situação e penso se não chegou o momento de voltar


para a minha casa. Um ano depois que entrei no exército eu comprei um
apartamento com o dinheiro de uma poupança que meu pai deixou. Com tudo
que aconteceu, acabei achando melhor vir morar com a minha mãe. Enquanto
isso o apartamento está trancado, apenas acumulando poeira.

Paro de contribuir para o desperdício de água e saio do banheiro. A


noite não está tão fria, então opto por uma calça jeans e camisa social

dobrada até o cotovelo. Olho-me no espelho e vejo que minha barba está
maior. Tenho que lembrar de cortar um pouco, fará bem para a minha
aparência.

— Percebi que faltava um ingrediente fundamental para preparar o


jantar, fui correndo comprar antes de o mercado fechar — minha mãe diz
assim que me aproximo da cozinha. — Jordan disse a hora que chegaria?

— No máximo às oito, mãe.


— Então tenho pouco tempo. Pode me ajudar cortando esses temperos?

— Claro.

Pego a faca das mãos dela e faço o que me pediu. Não vou dizer que
sou um chef de cozinha, porém, me arrisco um pouco. De fome eu não
morro. Minha mãe conta como foi seu dia no orfanato e rapidamente
terminamos o jantar.

Cada dia fico mais convencido de que preciso fazer uma visita ao
orfanato. As crianças sentem que as coisas ao redor não estão boas. Afinal, o
prefeito não tirou da cabeça a ideia idiota de fechar o local.

Batidas na porta chamam nossa atenção.

— Eu abro.

Abro a porta, dando de cara com o meu amigo. Ele está mudado, a
imagem que eu tinha dele era completamente diferente. O rosto antes coberto

por uma barba, deu lugar a uma pele lisa, marcada por uma cicatriz grossa no
queixo. Com os cabelos amarrados em um rabo de cavalo, Jordan me dirige
um sorriso sincero.

— Que bom te rever, amigo. — Puxa-me para um abraço, que


facilmente é retribuído.

— Digo o mesmo, Jordan. — Sinalizo para que ele entre. — Você


mudou muito.

— Quase cinco anos em missões faz isso com a gente. O tempo tende a
ser mais desgastante. O importante é estar vivo, não é mesmo? — desabafa,
indo cumprimentar a minha mãe.

Para que a comida não esfrie, vamos direto para a mesa. Minha mãe
preparou nachos de carne seca. É só uma das minhas comidas prediletas do

mundo. Para acompanhar, Jordan trouxe um vinho, mas apenas eles beberam.
Minha mente já é uma loucura, se eu acrescentar bebida alcoólica, ficarei
muito pior.

Meu amigo fala um pouco das suas filhas, e de como está lidando com
o fato de ser pai de duas meninas.

— E como você está lidando com a paternidade? — minha mãe


pergunta.

— Sinceramente, não sei muito bem. É muito complicado cuidar de um


bebê, eles choram, sentem fome o tempo todo e ainda preciso trocar a fralda.
Acho que é muito mais fácil liderar cem homens no Iraque — admite.

— Eu nunca fui para uma missão, mas sei como cuidar de um bebê
pode ser bem puxado. ─minha mãe diz.

— Tem notícias do Bryan?


Ele direciona a pergunta a mim.

— Não nos falamos desde minha última missão, mas soube que ele
estava no Iraque, só não tenho certeza.

— Você teve um livramento ao receber dispensa, talvez não tivesse a


oportunidade de pegar suas filhas no braço — minha mãe diz, pensativa.

— Não acredito em livramento. Deus é tão misericordioso, por que eu


merecia mais que os meus amigos? Naquele dia perdi pessoas que eu gostava
muito, outros estão vivos, porém, com marcas que não são perceptíveis aos
olhos humanos.

— Tem coisas que nem Deus, com toda sua misericórdia, pode
impedir. Você já imaginou como sua esposa cuidaria das suas filhas sem
você? Como ela lidaria com a dor do luto? — Já me questionei várias vezes
sobre as decisões de Deus, não cheguei a nenhuma conclusão. — Eu imagino
como as mães e esposas devem ter sofrido. Dylan não é o mesmo de antes,

mas agradeço todos os dias por ter o meu único filho ao meu lado.

Seguro a mão dela por cima da mesa, tentando passar um pouco de


consolo.

— Para mim, o mais importante é que você consiga seguir sua vida sem
medos. Quero vê-lo saindo com seus amigos, namorando e futuramente me
dando netos lindos. Sei que não é fácil, mas eu sempre estarei aqui do seu
lado.

Levanta-se da cadeira e vem em minha direção, beijando meu rosto.

— Agora que estou de volta à cidade, pode ter certeza de que ajudarei o
seu filho, dona Lucy. Mesmo que ele não queira ajuda.

O celular do Jordan toca e agradeço por mudar um pouco de assunto.

Terminamos de jantar e mamãe insiste para que aproveitemos também a


sobremesa.

Por volta das onze meu amigo se despede, com a promessa de


marcarmos outro encontro, dessa vez na casa dele. Não prometo, mas digo
que pensarei na possibilidade.

— Boa noite, mãe. Bom descanso. — Beijo sua testa.

Sigo para o meu quarto e tomo um banho rápido. Visto uma calça de
moletom e desço para o porão. A primeira coisa que faço é acessar o fórum.

Esses dias conversei com algumas pessoas, até conheci um ex-militar, que,
por coincidência, passa por uma situação semelhante à minha.

Na página inicial, vejo relatos de pessoas novas por aqui. É incrível


como todos os dias me deparo com traumas e dores diferentes. É por isso que
nunca podemos julgar a dor do outro. Para você pode ser bobeira, mas para
ela pode ser capaz de lhe causar o pior sofrimento do mundo.
Quase duas horas depois, recebo uma mensagem da Ayla. Tem uns dias
que disse a ela sobre os exercícios, eles realmente estão funcionando.

Ayla: Ainda acordado? Que horas são aí?

Dylan: É cedo ainda. Quase duas da manhã.

Ayla: Então não é cedo. Eu já queria estar no décimo sono, mas a

insônia tomou conta de mim hoje. Me diz, os exercícios estão fazendo efeito?

Dylan: Sim, meu corpo até sente falta quando não faço. Ainda não
consigo dormir por oito horas seguidas, mas já é um grande avanço. Você
disse que está aqui apenas para ajudar, por quê?

Lembro de ela ter dito que estava aqui apenas para ajudar, e como
psicóloga gostava disso. É estranho. Hoje as pessoas pouco se importam com
as outras.

Ayla: Quando decidi cursar psicologia, eu tinha em mente que queria

ajudar as pessoas. Diferente do que muitos pensam, nem tudo envolve


dinheiro. Conheci esse site por acaso, ao me deparar com mensagens
carregadas de dor e sofrimento, senti que precisava ajudar.

Dylan: Há quanto tempo você faz isso?

Ayla: Cerca de um ano e meio. Já conversei com muita gente, umas


mantenho contato até hoje. Já outras, não tenho notícias.
Dylan: Ao ler tantas mensagens, fico me perguntando se não estou
fazendo tempestade em copo de água. Tenho uma vida inteira pela frente,

nenhum impedimento físico, e mesmo assim fico praticamente trancado


dentro desse quarto.

Ayla: Os problemas da mente são piores do que os machucados


visíveis. Você, mais do que ninguém, sabe de tudo que já passou e vem

passando. Tudo tem um tempo certo para acontecer, e no momento certo, se


você quiser, poderá voltar a sua rotina.

Eu queria acreditar que ela tem razão, mas as dúvidas me assombram.


Será que eu terei minha vida de volta?

O medo de sair de casa vai me abandonar? Ou pelo menos, me


permitirei caminhar no parque sem medo?
Capítulo 8

Ayla

Chego a casa depois de um longo dia de trabalho, tomo um banho


quente e espero o sono chegar. Dá dez, onze, uma da manhã, e nada desse
bendito aparecer. Por esse motivo pego meu notebook e entro no fórum.
Estou pronta para responder algumas mensagens, quando vejo que o Dylan

está on-line.

Ele nunca mais colocou nenhum depoimento, e isso estava me


deixando intrigada. A dúvida paira em minha mente. Será que ele está bem?

Não pensei que ele fosse responder minha mensagem, fiquei feliz pelo
avanço. Tem quase cinco minutos que mandei a última mensagem, porém,
ainda não obtive resposta.
Dylan: E se eu nunca voltar ao normal?

Ayla: Isso pode acontecer, mas o que vai fazer a diferença é você
aprender a conviver com isso. O medo sempre vai existir, mas se você souber
lidar com essas situações, poderá voltar a sua rotina. Sair de casa, ir a um
barzinho com os amigos.

Dylan: Sinto falta desses momentos, acontece que o receio ainda é meu

maior inimigo. Um frio atinge minha espinha só de imaginar.

Ayla: Você não vai mudar da noite para o dia, é até impossível. Se
você tiver força de vontade e uma boa ajuda médica, com certeza terá bons
resultados.

Dylan: Prometi a minha mãe que procuraria um psicólogo, não faço a


menor ideia de onde procurar.

Ayla: Posso ajudar com isso. Eu devo conhecer algum psicólogo na

sua cidade. Onde você mora?

Dylan: San Diego.

Nossa! Que coincidência! Não esperava que morássemos na mesma


cidade.

Ayla: Moramos na mesma cidade hahahaha. Vai ser fácil eu preparar


uma lista para você, tenho vários amigos que podem te ajudar.
Dylan: Isso sim é uma coincidência. Ficarei no aguardo da lista. Bom
descanso, Ayla.

Ayla: Igualmente, Dylan.

Pelo visto minha insônia me ajudou em algo. Estou feliz de o Dylan


aceitar a minha ajuda. Nesses casos nunca indico a mim mesma, procuro
passar o contato de colegas. Não acho que seria ético da minha parte.

Desligo o notebook e me preparo para dormir. Amanhã não tenho


nenhuma consulta, então aproveitarei para colocar meu apartamento em
ordem. Parece que um furacão passou nele. Se eu não estiver tão cansada,
acho até que chamarei a Susan para sair.

— Quase não acreditei quando recebi sua mensagem. — Susan diz,


animada. — Que mosquito te mordeu para sair assim de casa?

— Não posso mais sentir vontade de sair com minha amiga e tomar uns
drinks?

— Pode, só é muito estranho vindo da Doutora Ayla Mitchel. Vamos


focar no que realmente interessa. Beber e dançar.

A escolha da boate fica por conta dela. Digamos que eu não seja muito
conhecedora desses lugares. Assim que mandei mensagem convidando-a,
minha amiga só faltou surtar. Segundo ela, eu seria a última pessoa a fazer

um convite.

Por ser sábado, o lugar está bem cheio. As pessoas bebem e dançam de
forma animada, me contagiando com a alegria que esboçam. Caminhamos até
o balcão e pedimos um drink à base de fruta, para começar.

— Se o Steve te visse gata desse jeito, o idiota ficaria com mais raiva

ainda por te perder — cochicha ao meu ouvido.

A roupa escolhida de hoje foi um vestido vermelho, que fica no meio


da minha coxa, e uma jaqueta preta. Não sou muito fã de usar saltos, mas o
look ficaria incompleto sem ele. Meus cabelos castanhos estão soltos,
completando o ar de menina rebelde.

— Fica quieta, amiga. Daqui a pouco esse traste aparece por aqui. Não
quero ter que terminar minha noite mais cedo por conta dele.

— Você tem razão, vamos dançar.

Ela me puxa pelo braço e rapidamente chegamos à pista de dança.


Dançamos ao ritmo de uma batida eletrônica e deixo a música comandar meu
corpo, me permitindo esquecer por um momento toda rotina puxada do meu
trabalho. Tomo todo o líquido do meu copo, sentindo a bebida descer
queimando em minha garganta.

Um grupo de rapazes não para de olhar em nossa direção, agradeço o


fato de minha amiga não ter visto, pois conhecendo-a bem, seria capaz de ir

até eles. Não vejo nenhum problema nisso, mas no momento quero apenas

curtir com a minha amiga.

A música é substituída por um ritmo latino, quando percebo uns


rapazes caminham em nossa direção.

— Acho que teremos companhia — cochicho no ouvido da Susan.

Foi o tempo de terminar a frase para que os dois rapazes se aproximem.

— Boa noite, garotas — um dos rapazes diz, com um enorme sorriso.

Ele é alto, tem cabelos curtos, olho verdes e um corpo musculoso.


Muito bonito, não posso negar.

— Oi, bonitão, boa noite. — Susan praticamente se joga nos braços do


outro rapaz. Esse tem cara de badboy. Deve ter pouco mais de um metro e
oitenta, cabelos grandes, olhos escuros e uma tatuagem de fênix no pescoço.

— Eu sou o Kalel — o moreno de olhos verdes diz —, e esse é o meu


amigo Julian. Será que poderíamos fazer companhia para vocês?

Olho discretamente para a Susan e ela praticamente me implora com o


olhar. Eu vim para me divertir, não é mesmo?

— Claro, será um prazer — confirmo, tentando ser o mais simpática


possível. — Meu nome é Ayla, e essa é a minha amiga Susan.
Passada as apresentações, pedimos outra bebida e os meninos nos
acompanham. Enquanto dançamos, descubro que o Kalel é médico e trabalha

em um dos maiores hospitais de San Diego. À medida que o álcool vai


fazendo efeito, começo a ficar mais solta e me deixo levar pelo momento.
Uma música mais lenta começa a tocar, Kalel me puxa pela cintura, colando
nossos corpos.

Olho ao redor e nem sinal da Susan e do Julian. Conhecendo o histórico


da minha amiga, deve ter ido para um lugar mais privado. Com ela não tem
tempo ruim. Se gostou do cara, ela vai e pega.

Deixo o ritmo guiar meus passos enquanto tenho o corpo colado ao de


Kalel, sentindo toda sua rigidez.

Olhando fixamente em meus olhos, ele se aproxima lentamente,


colando nossos lábios. O contato inicial me choca um pouco, mas logo
aproveito e exploro cada pedacinho de sua boca. Em uma espécie de batalha,

nossas línguas se encontram e o beijo que era delicado, muda completamente


o rumo. Kalel desce beijando meu pescoço, e sinto toda minha pele se
arrepiar.

Nos afastamos e vejo o desejo gritar em seus olhos. Por mais que eu
queira aproveitar, sexo com um estranho é um nível mais elevado.

— Eu adoraria ficar mais tempo com você, mas meu plantão começa
em cinco horas. Vou tentar descansar um pouco e tirar o álcool da minha
corrente sanguínea.

— Tudo bem. Foi um prazer conhecê-lo, Kalel.

Beijo o canto de seus lábios.

— Será que a Doutora Ayla me daria seu número de celular?

— Não sou tão má assim. Quem sabe futuramente não marcamos um


jantar? — Pego um cartão de visita na bolsa e entrego a ele. Gostei do Kalel,
então não vejo motivos de não passar o meu número.

— Então nos veremos em breve. — Puxa-me pela cintura, beijando-me


novamente.

Nos despedimos e como não encontro nenhum sinal da minha amiga.


Pago nossa comanda e sigo para a minha casa. Amanhã tirarei o dia para
descansar, pois necessito.
Capítulo 9

Dylan

Sinto o meu coração bater de forma desenfreada. Meu sangue pulsa em


minhas veias e consigo sentir a adrenalina correr por meu corpo. Meu rosto
vai de encontro ao vento gelado e o choque inicial me faz paralisar por uns
segundos. Mas logo volto a correr. Acordei às cinco e meia da manhã, o dia

estava amanhecendo e me pareceu tão convidativo que calcei os tênis, peguei


meu celular e saí de casa.

Ao som de Earned It - The Weeknd , corro por volta de três quilômetros,


parando em um parque. Sento-me em um banco e admiro por uns minutos o
belo lago a minha frente. Um filme passa em minha mente, lembro que
quando eu era pequeno minha mãe me trazia nesse lugar. A vida era tão fácil,
não tinham preocupações, estresses, as únicas dores eram dos machucados
que ganhávamos ao cair.

Quase dois anos se passaram desde a missão e não fiz nada da minha
vida. Apenas fiquei enfiado dentro de casa, com medo de algo que sei que
não pode me atingir.

O primeiro passo para o novo Dylan eu já dei, correndo entre essas

estradas. É meio contraditório a tudo que venho dizendo, mas aceitarei a


ajuda da Ayla. Assim que me enviar a lista com os consultórios, entrarei em
contato e verei a melhor alterativa para mim.

Ela é psicóloga, por que não aproveito logo esse passo a mais que já demos?

Olho ao redor e percebo que chegou o momento de voltar para casa. As ruas
estão mais movimentadas e as batidas do meu coração estão frenéticas, mas não pelo
exercício em si. Em tempo recorde chego em casa, passo no quarto da minha mãe e ela
ainda dorme. Tomo um banho gelado, deixo o café dela pronto e sigo para o restaurante.

Prometi que faria uma visita amanhã ao orfanato. Como ela já falou para as
crianças, e elas estão animadas com a minha presença, não poderei furar dessa vez.

Entro no restaurante e cumprimento todos na cozinha, em alguns minutos iremos


abrir. Tem dias que esse lugar fica lotado, já em outros nem tanto. Por esse motivo,
nunca sabemos antecipadamente o número exato de pessoas, mesmo com todos os fiéis
clientes.
— Está tudo bem com a dona, Lucy? — Thomas, um dos nossos
funcionários, pergunta.

Hoje seria o dia dela, mas como amanhã estaremos no orfanato, resolvi
adiantar o meu turno e deixei que ela descansasse mais um pouco.
Infelizmente, com toda essa perseguição da prefeitura, minha mãe tem
trabalhado mais do que o normal e o cansaço é perceptível em sua face.

— Sim, só achamos melhor ela descansar um pouco. — Sorrio,


tentando ser simpático.

Abrimos as portas e os primeiros clientes logo adentram. Com um


sorriso tímido, tento atender o máximo de mesas. Estamos com um a menos e
parece que o movimento será grande.

Cumprimento a Tônia e o Cris rapidamente, porque ainda não consigo


parar e conversar com eles. Acho engraçado o fato de eles virem tomar café
aqui todos os dias. Por isso digo que são praticamente da família. Eles são os

únicos, tirando alguns funcionários, que sabem o que aconteceu comigo.

Depois de passar a manhã inteira atendendo, finalmente tenho um


tempinho para me sentar e respirar um pouco.

— Ei, Dylan. — Tônia senta-se ao meu lado.

Estava tão agoniado, não percebi que ela ainda estava por aqui.
— Oi, Tônia. Como vai?

— Tirando a idade que vem chegando, estou ótima. — Sorri, tomando


um pouco do seu café. — Sua mãe comentou que você aceitou ir até o
orfanato. Não imagina como fiquei feliz de saber disso.

— Há tempos eu vinha prometendo isso a ela, chegou o momento de


parar de fugir. Além do mais, acho que será bom para as crianças, e para mim

também.

Confesso, tentando me convencer do que estou falando.

— Eu tenho certeza que sim. Aquelas crianças conseguem melhorar o


dia de qualquer um. Mesmo com tão pouco, elas encontram um motivo para a
felicidade. Da última vez que fui até lá, estava triste com alguns
acontecimentos. Bastaram alguns minutos e a tristeza foi embora.

— Já tem uns anos que fui até lá, mas tenho uma leve recordação de

como eles eram felizes. Na verdade, na fase em que eles estão, tudo é mais
fácil. Não tem tanta preocupação, dor de cabeça e muito menos sofrimento.

— Você tem certeza, Dylan? — indaga, olhando fixamente em meus


olhos. — Boa parte das crianças já moram no orfanato há anos, uma grande
parcela chegou até lá depois que foram abandonadas pelos pais. Por mais que
elas não tenham as mesmas preocupações dos adultos, não vivem em um
conto de fadas infantil.
Ela tem razão. Lembro de minha mãe contar histórias horríveis, de
como as crianças chegaram até eles. Em caixas de sapato, enroladas em sacos

e até em caçambas de lixo. Por mais que sejam novos, admito que passaram
por coisas que deixariam qualquer um abatido.

— Você tem razão. Essas crianças são verdadeiros guerreiros.

— Vá até elas de coração aberto, você verá como elas possuem um

poder de cura inexplicável — disse, olhando o relógio. — Agora preciso ir.


Lembrei que tenho uma consulta médica. Fica com Deus, filho.

Beija minha testa e segue na direção da porta de saída.

Tenho um profundo respeito pela Tônia. Apesar de morar sozinha e


passar por alguns problemas de saúde, nunca a vi deixar de sorrir. Sua
animação é capaz de contagiar qualquer um, até mesmo a mim.

Volto e já estamos prontos para o segundo round de trabalho. Pego um

bloquinho e sigo para uma mesa, na qual três garotas olham o cardápio.

— Boa tarde, senhoritas. O que vão pedir?

— Boa tarde — uma loira diz, depois de levar um tempo me


analisando. — Vamos querer macarrão com queijo, suco de laranja com
hortelã, e de sobremesa, torta de maçã.

— Certo. Alguma sinalização a respeito dos ingredientes?


— Sim, o meu suco é sem hortelã — a morena responde, com um
sorriso simpático.

— Em dez minutos trarão o pedido de vocês. Com licença.

Passo o pedido para a cozinha e vou até o caixa dar uma ajuda.
Precisamos ampliar essa parte com urgência. Tem horas que a fila fica
grande, já que o cliente precisa vir até aqui quando o pagamento é cartão.

Com o movimento mais fraco, chega o momento de ir para casa.


Despeço-me dos funcionários, mas antes de sair o Cael me chama.

— Uma das moças da mesa vinte deixou esse papel para você. Disse
que foi uma pena não ter tido a oportunidade de se despedir.

Ele me entrega e dá as costas, entrando na cozinha.

Não sei se você tem namorada, mas caso seja solteiro, será um prazer
receber uma ligação ou mensagem sua.

Beijos, Briana.

Sorrio ao terminar de ler. Já recebi alguns desses bilhetes, e todos


possuem o mesmo destino. A lata de lixo. Não tenho a menor pretensão de
me envolver, mandar mensagem seria o mesmo que dar falsas esperanças.

Amasso o papel e jogo no lixo, dando por encerrado meu expediente


por hoje.
Essa noite não consegui pregar o olho, a ansiedade foi minha
companheira, o que me fez revirar na cama centenas de vezes. Antes do dia
amanhecer, já tinha tomado banho e preparado o café. O trânsito colaborou
conosco e chegamos até antes do horário marcado.

— São apenas crianças, filho. Não tem nenhum perigo por aqui, fique
tranquilo — minha mãe diz assim que descemos do carro.

— Eles parecem muitos — confesso, olhando diversas crianças


correndo de um lado para o outro, um tanto assustado com a quantidade.

— Só umas setenta crianças, fique tranquilo — zomba, me puxando


pelo braço e indo em direção ao grupo.

Assim que percebem nossa presença, eles se sentam no chão e


aguardam ansiosos que falemos. É perceptível o olhar curioso deles, atentos

ao que pode vir. Minha mãe começa a fazer as devidas apresentações, e claro
que não tenho condições de gravar todos os nomes, mas capto alguns. O
número de meninas é bem maior, elas devem ter no máximo dez anos de
idade.

— Oi, crianças — digo depois de alguns minutos em silêncio. — Eu


sou o Dylan, é um prazer falar com vocês.
— Muito prazer, Dylan — gritam em uníssono.

— Não sou muito experiente em lidar com crianças, mas acho que
consigo me virar com a ajuda de vocês. Alguém poderia me ajudar?

Várias mãos sãos levantadas, olho atentamente e escolho um menino


franzino, que não aparenta ter mais de dez anos.

— Qual o seu nome?

— Heitor.

— Então, Heitor, por onde você acha que devo começar?

— Tia Lucy disse que você foi do exército, tenho muitas perguntas e
meus amigos também — sugere, sentando-se ao meu lado no banco de
madeira.

— Começaremos com perguntas, então. Você pode ser o primeiro.

Tinha em mente que eles fariam perguntas, só não pensei que fosse tão

rápido. Quem está na chuva é para se molhar, agora não tenho como correr.

— Por que você decidiu virar soldado?

— Eu sempre ouvia falar sobre os soldados e como eles ajudavam o


nosso país. Desde pequeno eu já sabia que assim que tivesse idade, iria para o
exército americano.

— Eu vi no filme que eles ficam no meio do nada. Você não sentiu


saudades da sua mamãe? — uma menininha de cabelos loiro pergunta.

— Senti muita saudade. Eu carregava uma foto da minha mãe no bolso,


assim, toda vez que a saudade apertava no peito, eu olhava para ela e
lembrava o quanto a amava.

Olho para a minha mãe, que observa tudo atentamente.

— Você não sentia medo? — um menino perguntou. — Eu tenho medo


de ver todas aquelas armas.

Seu tom de voz sai baixo, quase imperceptível.

— Qual seu nome?

— Henry.

— Então, Henry, medo a gente sempre vai ter. Só que precisamos


aprender a lidar com ele. No começo eu fiquei assustado, era uma realidade
bem diferente da qual eu estava acostumado, porém, aos poucos o medo foi

sumindo e todas aquelas armas faziam apenas parte do meu trabalho.

— Você não pensou em fugir?

— Sim, mas coloquei na cabeça que um dia as pessoas precisariam de


mim, e eu só poderia ajudar daquela forma.

— Por que você não é mais soldado? — uma menina de aparência mais
velha questiona.
Olho para minha mãe mais uma vez, em uma espécie de pedido de
socorro, ela apenas maneia a cabeça, mandando eu continuar.

Como posso falar para uma criança o que aconteceu comigo?

Qual seria a parte menos dramática que eu poderia dizer?

— Chegou um momento que as coisas saíram um pouco do controle.

Eu acabei me machucando e achei melhor voltar para casa, por isso estou
aqui.

— E onde está o seu machucado? — Heitor pergunta, olhando para o


meu corpo.

— Bem aqui. — Aponto para o meu peito.

Machucados físicos são tão mais fáceis de serem curados... Quando a


mente ou o coração se machucam, as cicatrizes podem ser eternas e
extremamente dolorosas.

Minha mãe interfere e pede para que as crianças me mostrem o local.


Rodeado delas, caminhamos por todo lugar. Quartos, cozinha, área de lazer, e
por último a biblioteca. Os garotos me chamam para jogar futebol, mas tem
tanto tempo que não jogo, que é bem capaz de ter enferrujado.

Depois de receber uma aula de moleques de oito e dez anos, acabo


sendo convencido a ficar para almoçar com eles. Fico em uma mesa com o
Heitor, Henry e algumas meninas. Alguns me dizem que querem entrar no

exército, menos o Henry, que sonha em ser veterinário.

Quando tenho um tempinho livre, pergunto a minha mãe o motivo de o


Henry ter medo de armas. Ela me diz que a mãe dele era uma viciada, que
passava boa parte do tempo na boca de fumo, obviamente os traficantes só
andavam armados, sem se preocuparem com uma criança presente. Quando

ele tinha três anos, a mãe o deixou na porta do orfanato e sumiu no mundo,
cinco anos se passaram e nenhum sinal dela.

— Você vem nos visitar de novo? — Henry questiona, segurando


minha mão.

— Não posso te dizer uma data exata, mas me esforçarei para vir
visitá-los. — Sorrio, vendo os olhinhos dele brilhando.

Não me lembro a última vez que passei um dia tão bem. A alegria e
pureza dessas crianças é realmente contagiante. Em diversos momentos me

peguei sorrindo, e era um sorriso sincero, diria até que puro. Ver como eles
passaram por cima de tantos problemas, e ainda assim não perdem a
inocência, me faz enxergar o quanto estou deixando a vida passar pelos meus
olhos.

Despeço-me das crianças e sigo à procura da minha mãe. Estou


passando pela biblioteca quando uma cena me chama atenção. Uma mulher
está no meio de um círculo, lendo o que parece ser uma história para um
grupo de crianças menores. É a morena que estava no restaurante.

Apesar de tê-la visto apenas uma vez, reconheceria sua aparência


angelical em qualquer lugar. A diferença são seus cabelos que estão presos e
o óculos de grau. As crianças estão em silêncio, prestando atenção a cada
palavra que sai de sua boca.

Permito-me observar a cena por um tempo, até que minha mãe aparece.

— Estou pronta, filho. Podemos ir embora.

— Quem é ela, mãe?

— Essa é a Ayla. Ela sempre vem aqui passar um tempinho com as


crianças.

— Ayla?

Será possível essa coincidência?

— Sim, nos conhecemos lá no restaurante. Comentei sobre o orfanato,


na semana seguinte ela estava aqui. Adorável, não é mesmo?

Ayla. Esse não é um nome que encontramos em cada esquina. Será que
é a mesma Ayla do fórum de ajuda? Ela comentou que gostava de ajudar as
pessoas, então não fugiria muito de seu perfil.

Ela parece tão nova. Como pode dar conselhos tão relevantes?
Capítulo 10

Ayla

Tem uns dias que recebi uma ligação do orfanato. As crianças queriam
falar comigo, disseram o quanto estavam com saudades. Pedi que minha
secretária remarcasse todos os meus compromissos da parte da tarde, pois eu
precisava passar um tempinho com elas.

Minha tarde foi maravilhosa. É tão recompensador ver a felicidade em


seus rostinhos. Despeço-me de todos, com a promessa de uma visita o mais
breve possível, e não deixarei isso demorar muito.

Preparo toda minha agenda do próximo mês e encontro uns dias livres
para visitar os meus pais. A saudade esses dias está esmagando o meu peito,
sinto que preciso de um pouco de colo de mãe.
Chego a casa, tomo um banho quente e peço uma pizza. Acho que
assistirei alguma coisa na televisão, faz um tempo que não tiro um dia para

isso.

Em menos de meia hora o entregador já está na minha porta.

Com a caixa de pizza em uma mão e o notebook em outra, sento-me no


sofá e escolho o filme da vez. Como eu era antes de você. Algo me diz que

derramarei algumas lágrimas com ele.

Faço login no fórum e confiro as últimas mensagens. Converso com


umas meninas que não possuem condições de pagar por uma consulta com
um profissional, me proponho a ajudar e em breve iniciaremos nossa sessão.
Não costumo fazer isso, mas não poderia deixá-las sem amparo.

Meu inbox sinaliza uma mensagem do Dylan. Abro e fico intrigada


com sua pergunta.

Me diz que não era você hoje à tarde no orfanato Salles.

Não me lembro de ter visto ninguém diferente hoje. Espera, acho que
ouvi algo sobre um visitante que as crianças amaram.

Será que era ele?

Ayla: Sinto desapontá-lo, mas era eu, sim. Você estava lá?

Dylan: Sim, estava indo embora quando parei na biblioteca e vi que


você estava lendo para as crianças.

Ayla: Como sabia que era eu?

Dylan: Seu nome não é tão comum. Por mais que pudesse ser apenas
uma coincidência, achei melhor ter certeza.

Ayla: Por que não foi falar comigo? Eu adoraria ter te conhecido

pessoalmente.

Dylan: Claro, porque eu iria chegar e falar: oi, eu sou o maluco que
você vem dando conselhos na internet. Sem chances, Ayla hahahaha.

Ayla: Deixe de ser bobo. Você não é maluco, e se fosse, não vejo
problemas em ter ido falar comigo.

Então você era o soldado que deixou as crianças encantadas.

Dylan: Só não sei quem ficou mais encantado, elas ou eu. Estava bem
resistente com essa visita, acabou que saí revigorado. É incrível como elas

deixam qualquer um animado.

Ayla: Não tenho dúvidas. Todas as vezes que vou vê-las, saio com um
sentimento de esperança. Pois apesar de tudo que elas passaram, não tiram
o lindo sorriso do rosto.

Como você se sentiu ao sair de casa?

É bom saber que ele deu esse passo. Esse Dylan que está falando
comigo não parece o mesmo do primeiro relato. Lembro de ele ter dito que

sentia pânico ao ficar em lugares cheios, mesmo sendo crianças, não sabemos

o que pode acontecer.

Dylan: Eu estava tão ansioso que não consegui dormir à noite. Mas
quando cheguei e começamos a conversar, fui ficando mais à vontade e logo
já estava animado no meio das crianças.

Não sei se tem alguma relação com o fato de eu estar correndo


algumas vezes.

Ayla: Correndo? Isso é maravilhoso, Dylan. Seu corpo vai liberando


adrenalina, e aos poucos você vai conseguir dormir tranquilamente... Depois
de saber disso, até posso te perdoar por não ter me cumprimentado no
orfanato.

A ideia de assistir ao filme vai por água abaixo. Ficamos conversando


por tanto tempo, que quando vejo já passa da meia noite. Não sei explicar a

diferença, mas a conversa flui perfeitamente bem. Não falamos apenas sobre
os problemas, mas da vida em si. Nos despedimos e aproveito para dormir, já
que amanhã tenho que trabalhar.

Minha semana passou voando, quando noto já chegamos na sexta-feira.


Atendi pacientes antigos e recepcionei também os novos. Conversei com o
Dylan todos esses dias e estou feliz de saber que ele está seguindo os meus

conselhos. Os exercícios estão o ajudando, e isso é maravilhoso. Ainda não


falamos sobre sua ida ao psicólogo. Ele queria que eu fosse sua médica, mas
achei melhor encaminhá-lo para um colega.

Hoje foi sua primeira consulta. Confesso que estou ansiosa para chegar

em casa e saber como foi. Não posso afirmar com cem porcento de certeza
que seja TEPT, mas todos os seus sintomas indicam esse transtorno.

Não seria uma surpresa, muitos ex-soldados passam por isso. É um


distúrbio de ansiedade que se manifesta em decorrência da pessoa terem
passado por situações violentas e traumáticas. Muitos veteranos de guerra
relatam momentos horríveis já vividos. Não deve ser fácil se manter com a
mente sã. Não quando viveram o pior de suas vidas.

É por isso que discuto com todos que acham que TEPT é frescura. Um

estudo financiado pelo ministério da defesa britânico, que começou em 2003,


mostra que 17% dos que combateram no Iraque e Afeganistão, reportaram
sintomas indicativos do transtorno. Ou seja, é mais grave do que imaginamos
e merece, sim, total atenção.

Não existe uma cura, mas com terapias e medicação, essas pessoas
podem tentar ter uma vida normal.
Termino de atender o último paciente, despeço-me da minha secretária
e sigo para minha casa. Prometi que amanhã faria outra visita ao orfanato.

Vai ser bom passar o dia com a pureza das crianças.


Capítulo 11

Dylan

Tiros são ouvidos por todas as partes, gritos de socorro e também de


dor. Olho ao redor e o cenário me choca, meus companheiros de combates
no chão, com os corpos cobertos de sangue. Malditos miseráveis... não
tiveram pena de nos atacarem covardemente.

Com a respiração pesada e ofegante, abro os olhos e vejo que tudo não
passou de um maldito pesadelo. Eu estou no meu quarto, o único som que
pode ser ouvido é o da minha respiração. Levanto-me da cama, sigo para o
banheiro, retiro toda minha roupa e deixo a água cair sobre o meu corpo,
lavando um pouco da dor que sinto no peito nesse momento.

Tem uns dias que fui a minha primeira consulta com o psicólogo. Eu
queria ter escolhido a Ayla, porém, por questão de ética profissional, ela
achou melhor que eu fosse a um colega seu. Não foi fácil chegar e me abrir, o

medo me calou e apenas disse o básico. Nome, profissão e por que eu estava
naquele divã. O Doutor Andrew não me pressionou, e com isso marcamos
uma outra sessão para daqui uns dias.

Não sei explicar o que aconteceu, mas desde esse dia os pesadelos

voltaram com força, e sinto como se estivesse revivendo aquele momento dia
após dia. Vejo o chão molhado de sangue, meus colegas machucados e os
gritos de dor. Tudo parece tão vivo...

Fiquei tão afetado com tudo, que não consegui acessar o fórum,
consequentemente não conversei com a Ayla. Eu prometi que contaria como
foi minha sessão, só não tinha o que falar, já que não foi como imaginei.

O relógio marca quatro da manhã quando saio do banheiro. Visto uma


calça e desço para o porão. Com o local sendo iluminado apenas pela luz do

computador, sento-me na cadeira e faço login. Não leio nenhum novo relato,
sigo direto para o perfil da Ayla.

Dylan: Droga! Eu deveria ter contado sobre a minha sessão. Mas o


que falar, quando foi uma verdadeira negação?

Eu tinha noção de que não seria fácil, tive a prova quando apenas
disse o básico, boa parte da sessão ficamos em silêncio.
Minha mãe estava tão ansiosa... Cheguei a casa e ela já me esperava no
sofá, esperançosa de que eu falasse que correu tudo bem. Se não fosse por

ela, não voltaria naquele lugar. É difícil me abrir para um estranho, sendo que
já abri uma exceção para a Ayla e centenas de pessoas no fórum.

Ayla: Não me surpreende. Geralmente as primeiras sessões são dessa


forma, mesmo. Até que você se sinta à vontade e consiga se abrir. O Andrew

é muito bom, tenho certeza de que vocês se darão bem.

Dylan: Está com insônia?

Ayla: Não, viajo para o Canadá em duas horas, acordei cedo para não
me atrasar... Digamos que tenho um péssimo histórico em relação a isso.

Como se sentiu na primeira sessão?

Como me senti? Realmente essa é uma ótima pergunta. Sempre soube


que não seria fácil, mas não esperava me sentir como se o exército inimigo

me amarrasse e me torturasse em busca de informações importantes.

Dylan: Como se eu estivesse sendo torturado. Por mais que eu


soubesse que precisava falar, as palavras não saíam da minha boca. Senti
como se elas estivessem me sufocando.

Confesso que minha vontade é de não voltar, no entanto, não farei isso.

Ayla: Fico feliz que não desistiu. Não será fácil, Dylan, entretanto, com
esforço, você se sentirá à vontade para falar, como se estivesse conversando

com um amigo.

Dylan: Não tenho tanta certeza.

Ayla: Diferente de mim, você ainda pode dormir. Toma um chá e


descansa um pouco. Agora tenho que ir. Quando eu estiver instalada na casa
dos meus pais, envio uma mensagem para você.

Beijos e até breve.

Ela desconecta e eu faço o mesmo. Não sou adepto à chá, prefiro um


bom e forte café. Mas se eu tomar agora, o efeito será completamente o
contrário. Vou até a cozinha e encontro um suco de maracujá, talvez ele tenha
o mesmo efeito. Bebo um copo cheio e deito-me no sofá. Amanhã não iremos
abrir o restaurante, se eu não for até o orfanato com a minha mãe, vou
convidá-la para dar uma volta no parque, relembrar os velhos tempos.

— Tenho tantas lembranças boas desse lugar — minha mãe diz assim
que nos sentamos em um banco no parque.

— Também tenho, mãe. Lembro de vir aqui e correr por essa grama.
Não tinha preocupação, muito menos tinha noção do que me aguardava no
futuro — falo, pensativo.
Só tenho memórias boas desse lugar. Pelo menos uma vez por mês,
minha mãe trazia uma cesta com frutas, bolo, pães. Estendia uma toalha sobre

a grama e aproveitávamos uma tarde inteira. Olho ao redor e sorrio ao ver as


pessoas se divertindo, muitas crianças correm de um lado para o outro
enquanto seus pais apenas observam.

— Se eu pudesse voltar no tempo, viveria aquele momento com mais

intensidade. Infelizmente os filhos crescem e voam pelo mundo, então nos


resta apenas saudades.

— Eu estou aqui, mãe. — Sorrio, pegando sua mão e levando até os


lábios.

— Você não vai ficar aqui para sempre, chegará o momento de se


apaixonar, arrumar uma mulher e construir sua própria família. E me restará
apenas as ligações e visitas esporádicas.

— Mãe, se depender de mim, isso ainda vai demorar um tempo. Não

precisa se preocupar com isso. — Puxo-a para um abraço. — Eu sei que essa
não é a vida que a senhora imaginou para mim, mas enquanto eu puder,
estarei todos os dias ao seu lado. Mesmo que eu venha a me casar, nunca
deixarei de te dar atenção.

Ficamos abraçados por um tempo, até que meu estômago dá sinal de


vida. Lembro de ter visto um restaurante aqui próximo, e é para lá que nós
iremos. Mesmo morando sobre o mesmo teto, faz tempo que não fazemos um
programa de mãe e filho. Eu sei que ela sente falta disso, por isso me esforcei

para lhe proporcionar essa tarde.

— Já vai! Que inferno!

Estava tentando terminar de assistir um filme, mas a droga da


campainha não para de tocar. Só quero saber quem morreu para essa pessoa
ser tão insistente desse jeito.

— Que demora para abrir essa porta, Dylan — Jordan diz, entrando.

— Que diabos você faz aqui?

— Vim te buscar para bebermos alguma coisa. Estava cansado de ficar


em casa com as crianças, finalmente consegui uma folga delas.

— Quem te disse que quero sair, Jordan? Eu estava muito bem até você
bater que nem um louco na minha porta.

— Se você olhasse o celular, isso poderia facilmente ser evitado. —


Pego meu celular e vejo várias mensagens dele. — Só sairei daqui com você.
Hoje é feriado, meu amigo, precisamos sair um pouquinho.

— Você sabe muito bem que não estou bebendo, Jordan.


— Não tem problema, eu tomo minha cerveja e você fica no suco. O
importante é sair de casa. E aí, está esperando o que para trocar de roupa?

Senta-se no sofá, mudando o canal da televisão.

Que inferno! Sei que ele não vai me deixar em paz até conseguir o que
quer.

Sem ter para onde correr, dou-lhe as costas, entrando no meu quarto.
Tomo um banho rápido, visto uma calça jeans e camisa social dobrada até o
cotovelo. Passo a mão rapidamente pelos cabelos e estou pronto.

— Onde vamos? — questiono assim que retorno à sala.

— Tem um barzinho a uns três quilômetros daqui, é um lugar bem


tranquilo e o dono é meu amigo. — Bate no meu ombro. — Fique tranquilo,
não costuma ficar cheio e já me certifiquei que hoje a quantidade de pessoas é
mínima.

— Espero não me arrepender disso, Jordan.

Envio uma mensagem para a minha mãe, avisando que voltarei em


breve. Ela saiu com algumas amigas, é bem capaz de eu chegar antes dela.

Entramos no carro do Jordan e seguimos para o bar, passo o tempo todo


tentando controlar minha respiração. Eu disse que me esforçaria para voltar a
ter uma vida normal, e é isso que vou fazer. Chegamos e tento me convencer
que as pessoas ao nosso redor são amigas, e não tem a menor possibilidade de

dar alguma merda.

Nos acomodamos em uma mesa, o garçom se aproxima e fazemos


nosso pedido.

— Amo as minhas filhas, mas tem horas que eu gostaria que elas
ficassem em silêncio por um bom tempo — Jordan diz, passando as mãos

pelos cabelos. — Meu amigo, tenha apenas um filho, vai fazer bem para sua
sanidade.

— Deixa a Maria ouvir você falando desse jeito... Te coloca rapidinho


para dormir no sofá — zombo, rindo da aflição do meu amigo. — Você não
vive sem essas meninas, pare de falar besteira.

— Eu realmente não vivo sem elas, só queria ficar umas horinhas livre.
Nada demais.

O garçom traz nossas bebidas. Cerveja para o Jordan e refrigerante para


mim. Não tem nenhuma contraindicação a respeito da bebida, porém, sei os
meus limites e álcool no meu sangue poderia ter um efeito devastador.

Conversamos sobre muitas coisas, evitando falar ao máximo sobre o


tempo que servimos. Descubro que o Jordan pretende abrir uma academia e
vai ensinar defesa pessoal para mulheres. Ele me convidou para participar e
não neguei, só disse que pensaria na hipótese.
Apesar de ter sido resistente no começo, até que foi bom sair de casa. O
bar não está tão cheio, as pessoas conversam e se divertem de suas mesas

mesmo. O local é bem acolhedor, no meio entre o rústico e ao mesmo tempo


sofisticado. Uma música country surge no fundo e casais se animam a dançar
na pista de dança.

— Sabe quanto tempo tem que eu não danço? Muito tempo, meu

amigo. Acho que a última festa que fui estava no ensino médio, me
embriagando de cachaça — Jordan diz, sorrindo.

— Não me lembro de quando saí para dançar, mas a última vez que
enchi a cara foi logo depois de ser dispensado do exército. Tomei todas as
bebidas que tinham na geladeira, no dia seguinte não lembrava nem o meu
próprio nome.

Acho que por isso achei melhor não beber mais. A situação na qual
acordei no dia seguinte era digna de pena. Não tenho muitas recordações,

mas minha mãe fez questão de jogar na minha cara, além de dizer que não
permitiria que eu me afundasse na bebida.

Não adiantou muita coisa. Não me afundei na bebida, entretanto, deixei


o medo me dominar por completo.

— Vou ao banheiro, já volto — falo para o meu amigo, levantando-me


da mesa.
Caminho entre as pessoas, chegando ao local destinado. Jogo água no
rosto e vejo o cansaço estampado nele. Não é físico, é desgaste emocional.

Aquelas pessoas são inofensivas, digo para o meu subconsciente,


massageando minhas têmporas.

Pego meu celular e confiro a mensagem da minha mãe avisando que


não dormirá em casa, além de pedir para que eu a cubra amanhã no

restaurante. Apesar de não falar abertamente, tenho certeza de que ela está
com alguém. Só não vejo motivos para esconder. Acho que não tem outra
pessoa no mundo que queira mais a felicidade dela do que eu.

Passo por algumas mulheres que me dirigem um sorriso, em


cumprimento dou um fraco sorriso. Três anos ou mais, é o tempo que não
fico com uma mulher. Quando estávamos no Afeganistão, chegamos a ficar
vários e vários meses em missão, então tirar um tempo para conhecer alguém
era quase que impossível.

Volto para minha mesa e continuamos nossa conversa, até que a Maria
manda uma mensagem, praticamente exigindo que Jordan volte para casa.
Sem ter como correr, meu amigo obedece. Nos despedimos e eu pego um
táxi. Ele queria me levar, mas não achei necessário.

Da janela do carro, observo as ruas movimentadas de San Diego. Hoje,


além de ser sexta-feira, é feriado, então muita gente aproveitou para sair com
os amigos, aproveitar a dois e até mesmo sozinho. Passo por um grupo de
jovens, eles dançam, bebem e parecem se divertir bastante. Sabe quando um

filme passa na sua cabeça? É assim que estou me sentindo nesse momento.

Comparar as fases da minha vida chega a ser cruel. Claramente, agora


estou em desvantagem. Seguirei a minha vida mesmo com os medos? Ou a
deixarei passar diante dos meus olhos?
Capítulo 12

Ayla

A pior parte é sempre a despedida. Meu fim de semana foi


maravilhoso, matei a saudade da minha sobrinha Angelique, coloquei a
conversa em dia com o meu irmão e recebi muito colo dos meus pais. Se eu
pudesse, ficaria mais alguns dias, só que o trabalho me chama.

Por ter reagendado algumas consultas, deixei o meu número pessoal,


para caso quisessem alguém para conversar. Fiquei feliz de terem me
mandado mensagem, isso mostra que estão realmente empenhados.

Pensei que conversaria mais com o Dylan, fiquei surpresa com o fato
de ele ter sumido do fórum. Cheguei a pensar que alguma coisa de ruim teria
acontecido. Se esse fosse o caso, como eu saberia? Não tenho nenhum
contato fora do site.

Marquei de encontrar a Susan assim que eu voltasse, minha amiga está


de caso novo — nenhuma novidade — e pretende me apresentar o dito cujo.
Fico chocada, ainda, com a rapidez dela. Outro dia estava entregando o
número para o cara do restaurante, agora aparece com outra pessoa.

Como não poderia ser diferente, minha mãe me cobrou mais uma vez

um neto. É obrigatório uma mulher ter filho só porque já tem trinta anos?
Minha vida é muito corrida, eu terei filhos no momento certo, de preferência
quando eu não tiver tanto trabalho. Além do mais, meu sonho sempre foi
adotar uma criança, e não tenho exigência por um bebê, ele só precisa tocar o
meu coração.

— Você precisa mesmo ir embora, filha? — minha mãe pergunta assim


que coloco minha mala na sala.

— Sim, mãe. O trabalho me chama e a senhora sabe como os meus

pacientes são importantes para mim.

— Nós não somos importantes para você, Ayla Mitchell? — contesta


com seu costumeiro drama.

— Mãe, eu tenho uma vida em San Diego, não posso jogar tudo para o
alto e ficar aqui no Canadá. Prometo que assim que tiver um tempo eu venho
correndo visitar vocês. — Respiro fundo, abraçando-a em seguida. — Minha
casa está de portas abertas, sempre que a saudade apertar, a senhora sabe que
pode muito bem ir me ver.

— Eu sei, filha. É apenas saudades de mãe. Tenho orgulho da


profissional que você se tornou, claro que não gostaria que jogasse tudo que
conquistou para o alto.

— Obrigada por entender. Eu te amo, mãe. Nunca se esqueça disso.

Beijo sua bochecha e subo as escadas, a caminho do quarto do James,


meu irmão. Bato na porta, entrando logo em seguida.

— Vim me despedir.

— Eu te levo ao aeroporto. Não vou deixar que pegue um táxi.

— Não precisa, não quero te dar trabalho.

— Desde quando levar a minha irmã caçula até o aeroporto é trabalho?


— Caminha em minha direção e me puxa para um abraço. — Obrigado por

ter vindo, Ayla.

— Se eu pudesse viria mais vezes, você sabe disso. — Me aperto em


seus braços, já sentindo saudades do meu irmão. — Você não pensa em
voltar para San Diego?

— Não descarto essa possibilidade, mas o tempo dirá a resposta. Se


isso vier a acontecer, você será a primeira a saber, pode ter certeza.
— Sinto tanta saudade de vocês. Principalmente da minha sobrinha
linda.

— Claro que ela é linda, puxou ao pai aqui — brinca, bagunçando os


meus cabelos.

Não posso negar, lembro que na época do ensino médio todas as


minhas amigas ficavam loucas por ele. Nossa diferença de idade é de cinco

anos, então elas ficavam deslumbradas pelo meu irmão mais velho. Seus
olhos castanhos e os cabelos alinhados faziam muito sucesso.

— Eu te fiz uma pergunta e você fugiu, quero uma resposta, dona


Ayla.

— Que pergunta?

— Eu te perguntei se o seu coração está ocupado por alguém.

Afasto-me, sentando-se em sua cama.

— Meu coração sempre esteve ocupado, você sabe disso. Mas no


quesito paixão, estou tranquila. Não tenho tempo para conhecer ninguém,
muito menos me apaixonar.

— Não é bem a resposta que eu gostaria de ouvir, mas já é melhor do


que quando me disse que estava com o Steve. Eu nunca gostei daquele
babaca idiota. Você deveria ter me deixado quebrar a cara dele.
Como sempre fomos amigos, assim que descobri a traição, liguei para o
meu irmão. James queria pegar o primeiro voo e quebrar a cara dele, e por

mais que fosse bem tentador, não deixei que ele fizesse isso.

— Não deixaria que você sujasse suas mãos, ele não valia o esforço. —
Me deito com a cabeça em seu colo enquanto ele brinca com os meus
cabelos. — E você, meu irmão, já está pronto para um novo amor?

Angelique tem três anos, e não lembro de ele ter mencionando uma
paquera ou coisas do tipo. Ele e a Melissa estavam juntos desde a época da
faculdade, o amor deles era perceptível de longe. Por isso meu irmão sofreu
tanto com sua morte. Todos sabiam que esses dois eram almas gêmeas.

— Eu nunca esquecerei a Melissa, ela sempre terá um espaço no meu


coração. E eu tenho medo de assim que me entregar a um novo amor, esse
espaço seja preenchido por completo.

— Seguir sua vida não significa esquecer a Mel. Ela sempre estará com

você, até porque, a Angelique é prova do amor de vocês. Aposto que ela
gostaria que você seguisse adiante, um novo amor te fará bem, meu irmão.

— Eu saí algumas vezes com a professora da Angelique — confessa,


sem olhar nos meus olhos. — A gente se dá bem, mas ainda tem algo que me
trava e não consigo dar nenhum passo. Semana passada nós jantamos e eu a
levei em casa. Eu entrei, começamos a nos beijar, e quando estávamos
praticamente pelados, fui embora.

— Não acredito nisso, James! Você tirou o doce da boca da criança...


Isso não se faz — zombo do meu irmão.

— Por favor, Ayla. — Levanta e começa a andar de um lado para o


outro. — Ela me mandou algumas mensagens, mas não tive coragem de
responder. Não sei nem como olhar na cara dela depois dessa cena.

— Ela sabe que você perdeu a sua esposa?

— Sim, contei tudo para ela.

— Então, se ela te mandou mensagem, é porque entendeu o seu lado.


Se essa mulher não quisesse conversar com você, teria te bloqueado e
mandado à merda.

— Obrigado, querida irmã, você é ótima com as palavras.

Foi impossível não rir da cara dele. Nunca pensei que, logo eu, estaria

dando conselhos amorosos ao meu irmão mais velho.

— Você sabe que estou te zoando, James — esclareço, indo em sua


direção. — Você precisa ser feliz, a fase do luto já passou e sabemos muito
bem disso. Se essa mulher desperta o menor dos interesses em você, siga seu
coração.

Olho o relógio e vejo que se eu não sair agora, irei perder o meu voo.
— Na próxima vez que nos encontrarmos, quero conhecer a sortuda
que conquistou seu coração. — O abraço pela cintura. — Eu te amo e nunca

se esqueça disso.

— Eu também te amo, maninha. — Sorri, usando o apelido que há


muito tempo eu não ouvia.

Saímos do quarto e me despeço mais uma vez da minha mãe,

Angelique e o papai. Como não poderia ser diferente, é um chororô danado,


mas consigo sair a tempo e não perco o meu voo. Não faz nem duas horas e
já estou morrendo de saudade deles.

Depois de um dia longo de trabalho, não estou com a menor paciência


de chegar a casa e fazer comida. Como o trânsito parece colaborar, vou
passar no Collins e comprar alguma coisa para comer em casa.

Chego em um dos meus restaurantes prediletos, cumprimento algumas


pessoas e logo faço o meu pedido. Sento-me em uma cadeira perto do balcão,
à espera da minha comida.

Tem tempo que não vejo a Lucy, nem mesmo quando fui até o
orfanato. Com essa história de desapropriação, ela deve estar ficando louca,
com medo de as crianças serem despejadas. Mas, quem não ficaria?!
— Ayla, quanto tempo... — Parecendo ler meus pensamentos, Lucy
aparece.

— Estava agora pensando em você. Faz tempo que não nos


encontramos. — A cumprimento com um beijo no rosto e um abraço.

— Tanta coisa aconteceu, quase não tenho tempo de respirar, menina.


Mas uma coisa boa tem saído de tudo isso. Parece que o prefeito está

desistindo da ideia de desapropriar o orfanato. A pressão na cabeça dele foi


grande.

— Nossa, não imagina como fico feliz de saber disso! Seria muito
desumano fechar o orfanato, ainda bem que alguém tocou o coração dele.

— Estamos até pensando em fazer uma festa para comemorar. Claro


que não será nada grandioso, mas as crianças gostariam que você fosse —
comenta, empolgada, me contagiando com sua alegria.

— Claro que eu vou, é só me falar o dia que serei presença garantida.


— Sorrio, já imaginando a felicidade das crianças. — Se vocês precisarem de
qualquer coisa, sabe que pode me ligar e ajudo com o maior prazer.

— Pode deixar, se precisarmos de alguma coisa eu te aviso.

Conversamos mais um pouco sobre o orfanato, e cada dia tenho mais


certeza de que aquele lugar não poderia ter uma diretora melhor. Lucy faz de
tudo por essas crianças, o que é extremamente admirável.
— Não vai embora antes que eu te apresente o meu filho. — Muda de
assunto, sumindo rapidamente das minhas vistas.

Lucy não fala muito sobre o filho, parece que ele sofre com algum
problema, e com isso prefere ficar afastado das pessoas. Como não queria ser
indiscreta, nunca perguntei mais nada a respeito dele.

— Vem, filho, deixa eu te apresentar uma pessoa. — Olho para ele e

vejo que é o rapaz que me atendeu outro dia, o mesmo que a Susan deu o
número de telefone.

Apesar da expressão séria, ele é bonito. A barba grande cobrindo seu


rosto o deixa com um ar de mistério. Os cabelos castanhos são da mesma cor
que a barba. Ele não tem um porte de homem musculoso, porém, não parece
ser magricelo.

— Oi, Ayla. — Sua voz rouca invade os meus ouvidos. — Eu sou o


Dylan, muito prazer — diz, com um sorriso de canto.

— Dylan? — questiono.

— Sim, o mesmo que está passando em sua mente agora.

Fico olhando para ele que nem uma boba, sem acreditar na grande
coincidência. Quantas vezes eu já vim a esse restaurante? Como pode a gente
nunca ter se cruzado por aqui antes?
— Vocês se conhecem? — Lucy questiona, olhando do Dylan para
mim.

— Uma longa história, mãe — ele responde sem que a gente desvie o
olhar.

— Como vocês já se conhecem, vou deixá-los sozinhos. Nos vemos


depois, Ayla.

Ela beija minha bochecha e se afasta.

— Ainda estou sem acreditar nessa coincidência, Dylan. Sabe quantas


vezes eu venho nesse lugar? Eu sabia que a Lucy tinha um filho, mas não
sabia o nome.

— Vamos sentar ali. — Caminhamos para uma mesa em um canto


reservado. — Essa também foi minha reação quando descobri que você era a
Ayla. Primeiro nos encontramos aqui, depois a vi lendo para umas crianças

no orfanato. Minha mãe comentava comigo sobre uma moça muito simpática,
só nunca imaginaria que pudesse ser você — confessa, sério, brincando com
a toalha de mesa.

— Fico feliz de a gente finalmente se conhecer, Dylan. Como você


está?

— Igual a sempre, levando um dia de cada vez. Amanhã tenho uma


nova consulta com o Doutor Andrew.
— Isso é ótimo! Tenho que te confessar que pensei que você fosse
desistir logo de cara, fico feliz que vá tentar outra vez. — Sorrio, passando

para ele um pouco de confiança. — Sabemos que não será fácil, é preciso de
muita persistência e eu estarei aqui, caso precise de ajuda.

— Como foi a visita aos seus pais? — questiona, me deixando confusa


com sua mudança repentina de assunto.

— Tão boa que eu queria estender mais um pouco, não fiz por conta do
meu trabalho. A pior parte foi a despedida, não tenho dúvidas.

— Por que não se mudou também para o Canadá?

— Por dois motivos: eu estava em um relacionamento e tinha recém


aberto o meu consultório, não poderia jogar tudo para o alto. Eu sinto muita
falta deles, mas a minha vida está toda aqui em San Diego.

— Você disse “estava”, por que não está mais?

— Porque ele me traiu. Assim que descobri, terminei tudo.

— Só sendo muito burro para trair uma mulher como você — fala
baixinho, mas consigo escutar.

— E o que seria “uma mulher como eu”, Dylan? — Fixo meus olhos
nos dele, aguardando ansiosamente por sua resposta.

— Linda e encantadora.
Eu ia responder, quando um garçom se aproxima e traz meu pedido,
cortando completamente o clima entre nós. Como chegamos nesse ponto

mesmo? Dylan até pouco tempo não tinha rosto para mim, agora consigo ver
em sua face todas as dores que me descreveu.

— Eu preciso ir — diz, se levantando. — Nos falamos em outro


momento, Ayla. Foi um prazer conhecê-la.

E assim como um foguete, Dylan vai embora, sem me dar qualquer


chance de me despedir. Sem ter mais o que fazer, pego minha comida e sigo
para casa. Quando eu contar tudo que acabou de acontecer para a Susan, nem
minha amiga vai acreditar.
Capítulo 13

Dylan

Com as luvas de boxe em punho, me preparo para o meu treino, quando


minha mãe me chama dizendo que quer me apresentar uma pessoa. Eu só não
esperava que fosse a Ayla, não estava pronto para conhecê-la. Na verdade,

não faço ideia do que pensar. É estranho dar um rosto para ela e não preciso
mais imaginá-la de mil e uma maneiras, agora eu sei o quanto Ayla é linda e
tem uma aparência angelical. Dessa vez seus cabelos estão soltos e os óculos
não a acompanham.

— Só sendo muito burro para trair uma mulher como você — digo
baixinho, na expectativa de ela não ter escutado.
É difícil acreditar como um homem consegue trair uma mulher como a
Ayla. Ela é linda e me parece tão encantadora... Não costumo ser tão

sociável, mas com Ayla é diferente. Por mais que tenhamos nos falado
através da internet, sinto como se nos conhecêssemos há anos e isso é muito
estranho.

— E o que seria uma mulher como eu, Dylan? — Me olha

intensamente, aguardando uma resposta.

— Linda e encantadora.

A resposta sai de supetão antes que eu consiga filtrar.

Ela não tem tempo de responder, somos interrompidos pelo Cael


trazendo seu pedido.

— Eu preciso ir — digo, me levantando. — Nos falamos em outro


momento, Ayla. Foi um prazer conhecê-la.

Confesso que sua beleza me deixou um pouco hipnotizado. Ela me


parece ser o tipo de mulher que não é apenas bonita por fora, mas por dentro
também. Não é todo mundo que se disponibiliza a ajudar o outro, ainda mais
sem ganhar absolutamente nada em troca.

— Agora você pode me contar de onde conhece a Ayla — minha mãe


diz assim que nos sentamos à mesa.
Eu sabia que ela ia querer saber, só não imaginei que fosse ser tão
depressa.

— Sabe o fórum de ajuda? — Acena que sim. — Então, foi lá que nos
conhecemos. Depois que deixei o meu primeiro depoimento, ela me chamou
e passamos a conversar.

— Não me surpreende, Ayla é uma menina de ouro, está sempre

disposta a ajudar os outros — admite ela, sorridente.

— Ela tem me ajudado ultimamente, foi seguindo os conselhos dela


que comprei os equipamentos de boxe. Conversar com a Ayla tem me feito
bem, mãe.

O que é muito estranho.

Sabemos que o meu histórico de sociabilidade não é muito bom, ainda


me surpreendo com o fato de ter entrado no fórum.

— Agora faz sentido. Você nunca se importou em saber nome de


ninguém, achei estranho quando perguntou lá no orfanato. Se eu soubesse,
tinha apresentado vocês naquele dia.

— Não sei o que me levou a perguntar, mas à noite confirmei que era
realmente ela.

Quando minha mãe falava sobre ela, não levava muito em


consideração. Na verdade, não acreditava que uma pessoa pudesse ajudar o

outro sem querer nada em troca. Agora sei que é possível.

— Você deveria aproveitar e chamá-la para sair — sugere. — Ayla é


uma moça tão encantadora...

— Mãe, minha vida é uma verdadeira confusão, não seria certo trazer
ninguém para essa loucura. — Levo um pouco de comida à boca. —

Concordo que ela é encantadora, por esse motivo merece um homem melhor
que eu.

— Você é um homem muito bonito, filho. Qualquer mulher ficaria feliz


de encontrar uma pessoa como você. E com relação a confusão em sua vida,
talvez esteja precisando de uma mulher para te ajudar a se organizar —
admite, com um sorriso de canto.

Não estou acreditando que minha mãe quer dar uma de cupido. Ayla
está apenas me ajudando, e tenho muito respeito em relação a isso.

Mudo de assunto e passamos a falar do orfanato. As crianças gostaram


da minha presença, acho até que farei uma outra visita a elas. Terminamos o
nosso jantar, ajudo minha mãe a tirar a mesa e desço para o porão. Faço login
no SOS e leio alguns novos relatos. Fico chocado como todos os dias
centenas de pessoas relatam os seus problemas. Infelizmente, em certos casos
precisamos ter sangue de barata.
“Vocês já devem ter me visto por aqui, queria chegar e falar que
minha vida melhorou, porém, não sei se um dia isso será possível. É uma luta

diária, e infelizmente eu perdi mais essa batalha.

Ontem eu tentei tirar novamente a minha vida, não aguentei ver o


canalha do meu pai. Não sei de que inferno ele saiu, mas estava em frente a
minha casa, me observando.

Sabem o que me impediu? Minha filha de três anos. Ela bateu na porta
do banheiro pedindo colo, quando a vi tão indefesa, eu sabia que não teria
coragem de seguir adiante.”

Lembro perfeitamente de seu primeiro relato. Ela tem vinte anos e


apanhou do pai quase a vida toda. As agressões eram todas sem fundamento,
ele chegava em casa e batia sem pena nenhuma. Em uma dessas sessões de
tortura ela foi encaminhada para o hospital, quando descobriu que estava
grávida. Assim, foi acolhida por um centro de ajuda e começou a ter uma

vida digna.

Não entendo. As pessoas que mais deveriam dar amor, são aquelas que
machucam e causam muitos sofrimentos. Respondo esse e mais alguns
relatos, quando meu corpo começa a dar indícios de cansaço.
Como não poderia ser diferente, antes de o dia amanhecer eu já estou
de pé. Por esse motivo, chego com quase uma hora de antecedência para a

sessão com o psicólogo. Confesso que a ansiedade é a minha companheira.

— Então, Dylan, que tal me falar como tem sido seus dias? — Doutor
Andrew sugere.

No caminho até aqui, senti como se meu coração fosse sair pela boca.

Mesmo sendo cedo, as ruas estavam demasiadamente movimentadas, o


simples ato de sair do táxi e entrar no prédio me causou calafrios.

— Não mudou muita coisa desde a última vez que nos falamos. Todos
os dias acordo antes do sol nascer, acho que meu corpo se acostumou com
essa rotina, tem alguns dias que não tenho pesadelos.

— Como são esses pesadelos?

— São sempre iguais. Sonho com o dia que fomos atacados e parece

que os eventos ficam cada vez mais reais, sinto as dores, ouço com exatidão
todos os gritos e vejo a imagem dos meus amigos feridos.

— Você costuma reviver esses momentos apenas quando dorme? —


questiona, pensativo, analisando sua prancheta.

— Nas poucas vezes que me arriscava em sair, era como se tudo


voltasse com força em minha mente. Passei a evitar lugares cheios, sair de
casa e até ir em barzinho com amigos. Acho que o único lugar que frequento
é o restaurante da família.

— Consegue me descrever o que sente ao sair de casa?

— As batidas do meu coração ficam frenéticas, começo a suar frio. Na


minha mente, a qualquer momento os extremistas podem me encontrar e
terminar o que começaram. Fora a ansiedade, que em muitos momentos me
paralisa. — Sou sincero, resolvendo me abrir para esse estranho.

— Compreendo, Dylan. Situações como as vividas por você são mais


comuns do que se pode imaginar. Pessoas que passaram por situações
traumáticas costumam desenvolver traumas que acabam impactando em suas
vidas. — Ele troca de posição, levantando-se da cadeira. — Ainda é cedo,
mas é possível identificar traços de TEPT em você.

— TEPT? — questiono, confuso.

— Transtorno de estresse pós-traumático. É um distúrbio de ansiedade

caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e


emocionais, em decorrência de situações traumáticas. Quando se recorda,
através de flashbacks ou pesadelos, é como se o momento vivido estivesse
ocorrendo naquele momento.

Senta-se novamente, de frente para mim, me encarando seriamente.

— E existe alguma cura para isso?


— Não existe. Com o uso de medicamentos e terapias, como a
psicoterapia, será possível notar a redução dos sintomas, frequência das

situações traumáticas e pode ajudar a manter uma vida mais equilibrada sem
tantos abalos emocionais.

— Se eu fizer essa terapia, poderei voltar a ter uma vida normal?

— Relativamente, sim. É preciso manter uma regularidade com a

terapia, geralmente com três meses já é possível notar as diferenças. Porém, é


aconselhável evitar circunstâncias que lembrem a situação traumática.

— Posso pensar a respeito? — questiono, tentando não transparecer


tanto a confusão que está a minha mente.

Nunca pensei que tivesse que recorrer à terapias. Sempre pensei que
isso fosse coisa de gente doida. Pelo visto, terei que passar o resto da minha
vida de forma limitada. É difícil de entender certas situações. Eu já estava
fazendo uso de medicamentos, o que me garante que essas terapias terão

algum sucesso?

— Claro que sim! Na próxima sessão podemos conversar mais a


respeito. — Sorri e sei que jogou isso para que eu volte na próxima semana.
— Se a mente está ruim, todo o corpo fica também. Lembre-se disso, Dylan.

— Até mais, Doutor.

Despeço-me dele com um aperto de mão. Antes de sair do prédio,


chamo um táxi que não demora a chegar. No carro, aproveito para pesquisar

um pouco sobre TEPT e fico chocado com o número de militares e pessoas

comuns que sofrem com esse problema. Eu sabia que alguns colegas
enfrentavam problemas semelhantes ao meu, só não pensei que esse fosse um
transtorno cientificamente comprovado.

Eu quero voltar a minha rotina. Sair de casa normalmente, trabalhar no

restaurante sem o medo de alguma merda acontecer. E, principalmente, quero


seguir minha vida sem nenhum problema.

Se a mente está ruim, todo o corpo fica também. Essa bendita frase não
sai da minha cabeça. É difícil não pensar em como ela se encaixa
perfeitamente em minha vida. Talvez, se meu problema fosse físico, tudo
poderia ter se resolvido rapidamente.

Acho que perder uma perna teria sido melhor do que minha saúde
mental.

Meu celular sinaliza uma mensagem, abro e vejo um número


desconhecido.

Número Desconhecido: Desculpa mandar mensagem para o seu


celular, mas estou ansiosa para saber como foi a sessão.

Antes mesmo de ver a assinatura no final, já sabia que se tratava da


Ayla. Nossas conversas ultimamente estão se tornando constantes, com isso
um sentimento estranho tem dado as caras no meu peito.

Seria muita coisa para falar por mensagem, uma ligação faria bem
nesse momento. Disco o número e ela atende no primeiro toque.

— Oi, Dylan — fala com sua voz doce e delicada.

— Oi, Ayla. Como está?

— Curiosa. Caso você esteja se perguntando como consegui seu


número, eu pedi à dona Lucy.

Não me surpreendo de a minha mãe ter passado o meu número.

— Eu já deveria ter imaginado. — Esboço um sorriso, mesmo que ela


não possa ver.

— Pare de me enrolar, Dylan. Como foi sua sessão? Conseguiu


conversar com o Andrew?

— Sim, conversamos e contei tudo que estava me acontecendo. Falei

sobre os pesadelos, a sensação ruim que sinto ao sair na rua, e me surpreendi


com o diagnóstico.

— TEPT, não foi?

— Eu ia perguntar como adivinhou, mas aí lembrei que você é


psicóloga. — Escuto-a rir do outro lado da linha. — Ele disse que todos os
sintomas apontam para isso. Eu ser ex-militar, as crises de pânico, os
pesadelos... Tudo isso alinhado ao atentado, indicaram o TEPT.

O motorista para o carro em frente a minha casa, pago pela corrida,


agradeço e entro rapidamente.

— Logo em seus primeiros relatos eu tinha percebido, mas não


estávamos no meu consultório, então eu não poderia diagnosticar nada.
Infelizmente, esse transtorno acomete muitos militares. — A escuto falar com

alguém. — Não se preocupe, com os medicamentos certos e o bom uso das


terapias, você conseguirá ter uma vida tranquila.

— Ainda não tenho certeza se quero fazer terapia — confesso,


pensativo.

— Como assim, Dylan? Sei que é tudo muito novo para você, mas
tenha certeza de que vai te ajudar bastante. Vou desligar antes que a minha
secretária venha me arrastar pelos cabelos. Tenho uma sessão em cinco
minutos. — Sorrio com seu jeito espontâneo. — Pense bem nas opções

oferecidas pelo Andrew, ele quer apenas o seu melhor, assim como eu.
Tchau, Dylan.

Encerramos a ligação e vou direto para o porão. Preciso aliviar essa


tensão do meu corpo. Um pouco de boxe jumps vai me fazer bem. Tenho
uma semana para decidir se faço ou não essa terapia.
Capítulo 14

Ayla

Passo por algumas vitrines e nada me agrada. Em alguns dias será a


festa no orfanato e gostaria de levar alguns brinquedos para as crianças, a
questão é que uns são caros demais e outros não me agradam muito. Minha
semana está corrida, aproveitei o horário de almoço para dar uma passada

rápida no shopping.

Olho no relógio e ainda tenho meia hora. Tempo suficiente para comer
alguma coisa, então opto por um hamburguer e fritas. Não é sempre que
como essas coisas, mas uma vez na vida não pode fazer mal.

Sento-me na praça de alimentação e aprecio o meu lanche. Tenho muita


coisa para fazer esses dias, mas prometi que seria a última vez que lotaria a
minha agenda. Por mais que eu queira ajudar todo mundo, preciso pensar em
mim também. Não posso me dar o luxo de cair doente.

— Que surpresa deliciosa — alguém fala e busco a voz, encontrando o


Kalel. — Só assim para encontrar a ilustre doutora Ayla Mitchell.

— Oi, Kalel. — Levanto e o cumprimento com um beijo no rosto. —


Realmente é uma surpresa você me encontrar no shopping. Confesso que não

sou muito fã.

— Então me enganei feio. Pensei que você fizesse a linha patricinha de


Beverly Hills.

— Nossa, não sabia que você me achava uma patricinha fútil — falo,
ofendida, pois não é essa imagem que eu passo.

— Você fica muito linda brava. — Sorri de canto, me deixando


confusa. — Estou brincando contigo. Patricinha passa longe da imagem que

tenho de você.

— Agora você me deixou realmente chateada. Pode me comparar com


qualquer outra coisa, menos patricinha.

— Você não me ligou, esperei sua mensagem e ela nunca chegou.

Por mais que minha agenda estivesse cheia, eu poderia muito bem ter
mandado uma mensagem para ele, mas não senti vontade de seguir com o
que tivemos na boate.

— Me desculpe. Se eu te falar o quanto minha semana está corrida... —


justifico com pesar, vendo que tenho apenas cinco minutos. — O que vai
fazer no sábado?

— À noite estarei de plantão, durante o dia estou livre. Vai me convidar


para um encontro?

— Não necessariamente. Sabe aquele orfanato que comentei contigo?


— Acena que sim. — Então, como o prefeito desistiu de vender o local, eles
estão organizando uma festa em comemoração e será no sábado. Se você não
tiver nada para fazer e não se importar de ficar rodeado de crianças...

— Será um prazer.

Ele dirige-me um lindo sorriso. Tinha esquecido o quanto o Kalel era


bonito. Sua expressão transmite felicidade, bem diferente do Dylan.

Espera. Em que momento o Dylan se encaixou nisso mesmo?

— Mando o endereço para você. Queria ficar e conversar, mas tenho


uma consulta daqui a dez minutos. — Levanto e me despeço com um beijo
no rosto dele.

Antes que eu me retire por completo, Kalel puxa-me pelo braço e me


beija. A princípio fico em choque, no entanto, acabo abrindo passagem para
sua língua. O beijo é delicado, mesmo que ele esteja explorando minha boca.

Nos afastamos e ele tem um sorriso de canto, deixando-me um pouco

envergonhada.

— Até mais, Ayla.

Sem dizer uma palavra, sigo até a saída do shopping.

Depois de quase dez minutos de caminhada, chego ao meu consultório,


onde meu paciente já me espera.

— Oi, Carlos. Como vai? — Tem algo diferente nele, só não consigo
identificar ainda o que é.

— Oi, Doutora. Pela primeira vez em meses, posso dizer que estou
bem. — Esboça um sorriso tímido.

— Isso é maravilhoso, Carlos. O que aconteceu para mudar isso?

— Talvez a senhora não entenda, ou me ache até precipitado. Em uma

das nossas últimas sessões, decidi voltar para casa de ônibus. Nesse dia
conheci uma mulher, conversamos durante todo o caminho e trocamos nossos
números de telefone — admite, pensativo, olhando para o nada. — No
começo fiquei receoso em mandar mensagem, até que ela mandou.
Começamos a nos falar com regularidade, depois de um mês decidimos nos
encontrarmos.
— E como foi esse encontro?

— Rimos bastante, coisa que há muito tempo eu não fazia. Ela é uma
mulher encantadora, divertida, linda, e tem me conquistado um pouco mais a
cada dia.

— Fico muito feliz em saber disso. Eu sabia que chegaria o momento


certo de você seguir em frente. Não adianta forçar nada, tudo acontece no seu

devido tempo. — Sorrio, mostrando o quanto fiquei feliz. — Como você está
se sentindo em relação a isso? Seus pesadelos cessaram?

— Sim, e isso é o mais chocante. Há um mês não sonho com aquele


maldito dia, parece que esse episódio da minha vida chegou ao fim.

Ficamos conversando por quase uma hora, até que Carlos recebe uma
ligação e precisamos encerrar mais cedo. Como ele estava apresentando
ótimos resultados, mudamos as sessões para apenas uma vez por mês, desde
que ele me ligue se precisar de qualquer coisa.

Por volta das dezoito horas dou por encerrado meu dia de trabalho.
Dispenso minha secretária e fico mais alguns minutos no consultório.

Recebo uma mensagem do meu irmão, nela tem uma foto da Angelique
em sua apresentação na escola. É tão bom ver a minha sobrinha feliz,
principalmente saber que o James está tentando seguir adiante. Não foi fácil o
que ele passou, mas já estava na hora de ser feliz novamente, ele merece.
Sorrio ao lembrar da dona Lucy.

Liguei para ela e pedi o número do Dylan. Ela não soube disfarçar e
ficou me jogando para cima do filho. Não entendo essa mania de mãe, não
podem ver os filhos solteiros que já querem uma nora. Dylan e eu somos
apenas amigos, mesmo que eu o ache muito bonito.

Quero ajudá-lo a voltar a ter uma vida normal.

Ainda não contei para a Susan sobre ele, já que minha amiga anda tão
ocupada com o novo boy, que nem se dá mais ao trabalho de me torrar a
paciência.

Acho que passarei no restaurante para comprar o meu jantar, mas isso
não tem a menor relação com o Dylan trabalhar lá. Pelo menos eu acho que
não.

(...)

Chego ao restaurante e logo avisto o Dylan. Ele está atrás do caixa e


seus lábios curvam-se em um sorriso assim que me vê. Caminho até o balcão,
cumprimento um funcionário simpático que sempre me atende, e faço o meu
pedido. Dessa vez, optando por filé e purê de batatas. Pego a ficha e sigo para
fazer o pagamento.

— Oi, Dylan. — Sorrio para ele, que retribui.


— Oi, doutora Ayla. Decidiu não sujar as panelas hoje? — pergunta,
divertido, me surpreendendo com seu senso de humor.

— Basicamente isso. Sem paciência para cozinhar qualquer coisa hoje.

Ele ia falar algo, quando um cliente chato fica me apressando. Faço o


pagamento e me dirijo para uma mesa, mas não sem antes revirar os olhos
para o idiota. Não entendo essas pessoas que não conseguem esperar cinco

minutinhos, tudo precisa ser da forma deles.

Enquanto aguardo a comida, aproveito para checar o meu e-mail.


Mandei algumas mensagens importantes e estou ansiosa pela resposta.
Durante esse tempo que trabalho no consultório, acabei fazendo amizade com
pessoas importantes e sempre soube que chegaria o momento em que eles
poderiam me ajudar. Fiquei pensando nas crianças do orfanato, não
conseguiria presentear todo mundo, então estou arrecadando brinquedo para
todas elas.

Não tem nada mais gratificante do que ver o sorriso no rosto de uma
criança.

— Vejo a fumaça saindo da sua cabeça. — Dylan senta-se a minha


frente.

— Não é bem fumaça, só umas ideias que não param de rodar na minha
mente. Só não tenho certeza se elas vão funcionar de fato.
— E o que seriam? Talvez eu possa te ajudar.

Será? Por que não tentar?

— Você deve saber da festa que terá no orfanato. Eu queria muito levar
presentes para as crianças, mas não conseguirei arcar com todos. — Ele
meneia a cabeça, prestando atenção no que falo. — Pensei em juntar com
algumas pessoas e conseguir comprar presente para todas as crianças, a

questão é que nem todos responderam ao meu e-mail.

— Quantas crianças são no total? — questiona, curioso.

O garçom nos interrompe, trazendo o meu pedido, agradeço e volto


minha atenção para o homem de expressão seria a minha frente.

— Se não me falha a memória, setenta crianças ao todo.

— Posso ajudar. Me comprometo a comprar e mandar entregar


brinquedos para vinte crianças. Não é muito, mas já ajuda em alguma coisa.

— Como assim mandar entregar? Você não vai na festa?

A mãe dele é a diretora do orfanato, pensei que ele fosse comparecer à


festa também.

— Minha mãe comentou comigo, mas ainda não tenho certeza se irei.
Pra ser sincero, é mais provável que eu não apareça.

— Posso saber o motivo?


— Ela sempre fala coisas boas do orfanato, então não acredito que seja
uma festa para poucos convidados. Quando foi apenas as crianças, até que

consegui ficar, mas não sou adepto a lugares com muita gente, você sabe
disso.

Droga! Tinha esquecido desse detalhe muito importante. Se fosse em


outras circunstâncias eu insistiria, mas não no caso do Dylan. Ele precisa se

sentir preparado para esses avanços.

— Vou perdoar dessa vez, mas com uma condição.

— Qual?

— Que você prometa que vai fazer uma visita às crianças. Passar um
tempinho com elas vai te fazer bem, não tenho dúvidas.

— Não vou dizer uma data, mas eu prometo. — Ficamos nos


encarando por uns segundos, até que uma senhora aparece, quebrando o

clima.

Clima? Que diabos eu tenho na cabeça? Não posso esquecer que meu
intuito é ajudar o Dylan. Não vai acontecer nada além disso.

— Quem é essa moça bonita, Dylan?

— Oi, Tônia. — Ele levanta e a cumprimenta com um beijo na testa. —


Essa aqui é a Ayla, uma amiga.
Sorrio enquanto me levanto para cumprimentá-la também.

— Oi, senhora. Muito prazer.

Estendo a mão, porém, ela me puxa para um abraço.

— Se você é amiga do Dylan, certamente será minha também — fala,


com um sorriso acolhedor. — Sabe que nunca vi esse menino com uma

amiga? Fico feliz de você ser a primeira. Uma moça tão linda e simpática...

— Tônia... — Dylan chama sua atenção, mas não consegue esconder o


sorriso no canto dos lábios.

— Calma, filho, não vou falar nada que coloque a moça para correr —
ela se defende, então se aproxima e diz, próximo ao meu ouvido: — Ele tem
essa aparência de menino mau, mas é apenas uma fachada, caso você queira
saber.

Olho para ela sem entender, mesmo que eu tenha gostado de certa

forma dessa informação.

— Tchau, crianças. — Beija o Dylan e segue seu caminho.

— Seja lá o que ela tenha dito, não leve em consideração. — Meneia a


cabeça negativamente. — Tônia é uma das clientes mais antigas que temos,
virou uma pessoa da família.

— Gostei dela. É uma senhora bem simpática.


— A Tônia entregou a minha mãe um folheto do fórum, ela disse que a
sobrinha tinha acessado e estava gostando. Lembro como fui resistente à

ideia de acessar esse fórum. Na minha cabeça não haviam condições de me


abrir para completos estranhos.

— Então ela sabe de tudo que você passou? — pergunto, curiosa.

— Sim, por se tratar de uma amiga, ela sabe de tudo que eu passei e

vive tentando me ajudar, mesmo que eu não precise de ajuda. — Fixa os


olhos nos meus e fico um pouco confusa com o final de sua frase.

— Se você não precisa de ajuda, qual o motivo de continuar acessando


o fórum?

Ele desvia o olhar, brincando com os molhos em cima da mesa.

— Boa pergunta. — Dá um sorriso fraco. — Ainda não tenho essa


resposta, assim que eu tiver você será a primeira a saber.

— Não se preocupe, farei questão de cobrar.

Ele tem uma expressão séria, bem diferente do Dylan que brincou
comigo há alguns minutos. Seus olhos estão fixos nos meus e a intensidade
do seu olhar me deixa desconcertada.

— Acho melhor eu ir — digo, me levantando. — Foi bom encontrar


com você, Dylan.
Surpreendendo a nós dois, me aproximo e beijo sua bochecha, sentindo
o choque da minha pele em sua barba áspera. Ele me olha de forma confusa,

e antes que possa falar qualquer coisa, pego minha bolsa e saio do
restaurante.

Por que diabos sinto como se borboletas estivessem no meu estômago?


Capítulo 15

Dylan

Enquanto eu corro pelas estradas, colocando para fora toda a adrenalina


do meu corpo, lembro da última conversa que tive com a Ayla e me
comprometi a comprar brinquedos para vinte crianças. Como farei isso sem ir
ao shopping? Se tem um lugar que detesto, é esse. As pessoas andam

apressadas, desfilando seus egos, e não se importam em esbarrar em outras.

No banheiro, com a água caindo sobre o meu corpo, lembro do sorriso


doce da Ayla. Não sei o que está acontecendo comigo, desde que nos
conhecemos a imagem do seu rosto de menina não sai da minha mente.
Como eu queria tê-la conhecido em outro momento, quando eu tinha o que
oferecer a ela.
Como posso me envolver com alguém, sendo uma pessoa com tantos
receios?

Ela vai querer ir ao cinema, passear no shopping, ir a shows. Nada


disso é uma realidade para mim. Só aceitei acompanhar o Jordan até o
barzinho, porque ele prometeu que estaria vazio. Caso eu chegasse lá e a
realidade fosse outra, na mesma hora iria embora.

Forcei minha mente a parar de pensar besteira, nesse momento tenho


apenas que resolver a questão dos brinquedos.

Já sei!

Jordan vai me ajudar, nem que seja forçado.

Saio do banheiro com uma toalha enrolada na cintura, pego meu celular
e disco o número do meu amigo.

— Preciso da sua ajuda — digo assim que ele atende.

— Oi pra você também, Dylan — fala com seu jeito divertido.

— Preciso que você vá às compras para mim, Jordan. É por uma boa
causa, pode apostar.

— Que boa causa seria essa?

— Vai ter uma festa no orfanato nos próximos dias, a Ayla pediu
minha ajuda para levar alguns presentes, porém, não tenho como ir até o
shopping comprar. Totalmente fora de cogitação.

— Quem é Ayla?

— Sério que você só ouviu essa parte, Jordan? — pergunto, sem


acreditar.

— Ouvi tudo e você sabe que pode contar comigo. Agora me diga

quem é Ayla. — Sorrio ao escutá-lo brincando com as crianças.

— Uma amiga que tem me ajudado ultimamente.

— Quando vou conhecê-la?

Meu Deus! Às vezes acho que o Jordan deveria ter nascido mulher,
nunca vi gostar tanto de uma fofoca.

— Se depender de mim, nunca. — O escuto rindo baixinho. — Vou


mandar para você a lista das coisas que quero, você compra com o seu
dinheiro, quando chegar aqui te pago.

— Precisa ser hoje?

— Não, pode comprar tudo amanhã ou depois. Só preciso que os


presentes estejam aqui no sábado. — Penso no porquê não o arrastar para
essa festa. — Detalhe importante, você também vai à festa. Pode levar a
Maria e as crianças, será um bom entretenimento.

— Me mande a lista e o local do orfanato por mensagem. É a minha


vez de trocar a fralda. Nos falamos depois, amigo.

Ainda é tão estranho conversar sobre essas coisas com o Jordan.

Antes falávamos sobre armas, munições, inimigos e tudo que pudesse


ter relação com nossa missão. Agora falamos sobre crianças, choros, fraldas e
medos.

Paro de ficar pensando besteira, visto um moletom preto, coloco meus


tênis e sigo para o restaurante. Hoje não é meu dia, mas quando passei estava
cheio, uma mão a mais vai ser bem-vinda.

Entro, cumprimento os funcionários, beijo o rosto da minha mãe e


começo a atender as mesas. Hoje é o típico dia lotado, sem que saibamos o
motivo. Os rostos conhecidos estão presentes, assim como pessoas que nunca
vi na minha vida. Andando de um lado para o outro do salão, pego o máximo
de pedidos que posso, passando em seguida para o pessoal da cozinha.

— Obrigada pela ajuda, filho. Acho que precisaremos contratar mais


alguém, não tem como dar conta do movimento — minha mãe diz assim que
me aproximo.

— Por enquanto pode ficar despreocupada, mãe. Não tem por que
gastar dinheiro, sendo que eu posso ajudar.

Ela me olha, chocada, mas não a culpo, eu também estou surpreso.


Não vou dizer que não sinto medo, ou que um arrepio não me atinge só
de imaginar esse lugar lotado, porém, preciso ajudá-la e não posso ficar lá em

cima sem fazer nada. Se quero voltar a ter uma vida normal, preciso dar os
primeiros passos.

— Tem certeza, filho? Não quero que você se sinta mal, não estou
preparada para reviver aquele episódio.

Sei que ela se refere ao dia que quebrei o espelho do banheiro, e não
vou prometer que isso nunca mais vai acontecer, no entanto, estou tentando,
não só por mim, como por ela também.

— Fique tranquila, dona Lucy. Se alguma coisa começar a me


incomodar, encerro meu expediente e vou para casa. — Puxo-a para um
abraço. — Não quero que a senhora volte a me ver naquele estado, tenha
certeza de que estou me esforçando para mudar isso.

— Eu te amo, filho — admite, passando a mão pelo meu rosto. — Fico

feliz de saber que está se esforçando. Você é jovem e ainda tem toda uma
vida pela frente. Quem sabe com essa mudança, não aproveita para conhecer
alguém...

— Mãe, de novo essa história?

Mãe é um bicho complicado, viu?! Colocou isso na cabeça e não tem


quem faça ela esquecer. Ela não falava sobre isso, até saber que Ayla e eu nos
conhecíamos. Será que ela não enxerga o óbvio? Uma mulher linda, jovem, e
com um futuro brilhante pela frente, não iria querer se envolver com uma

pessoa como eu.

— Claro que sim. Você é jovem, bonito, inteligente, e um bom partido.

— Só esqueceu de dizer: fraco, cheio de medos, e uma bomba prestes a


explodir. — Olho fixamente em seus olhos. — Mãe, relacionamentos não

fazem parte do meu vocabulário. Não enquanto meus medos dominarem os


meus passos.

Não deixo que ela fale, aproveito que uma mesa me chamou e encerro
o assunto. O melhor que eu faço é focar no trabalho e tentar tirar um pouco
minha atenção dos problemas, que não são poucos.

O dia da festa chega e com ele minha ansiedade aumenta. Assim como

o combinado, Jordan comprou todos os brinquedos. Contratei uma entrega e


pedi para levarem até o orfanato. Minha mãe vai cedo, pois como diretora
precisa terminar de organizar tudo.

Quando disse que iria, minha mãe só faltou chorar de emoção,


deixando-me bem confuso. Entendo que, para ela, todas essas minhas atitudes
sejam novas, não é só a minha mãe que fica em choque, eu também fico. Essa
noite não dormi nada, mas acordei, de uma certa forma, animado.

A festa vai começar às duas da tarde. Como é caminho do Jordan, meu


amigo passará aqui para me dar uma carona. Infelizmente, uma das meninas
acordou doente, por esse motivo a Maria não vai, mas o meu amigo ficou
encarregado de levar a pequena Ava com ele. O que não falta é criança, tenho
certeza de que ela se dará bem.

Falei pouco com a Ayla esses dias. Além do trabalho, ela ainda corria
atrás dos brinquedos que estavam faltando. Confesso que esse seu jeito me
deixa encantado. Como se já não ajudasse muita gente, ainda se compromete
a levar mais sorrisos para as crianças.

Tenho acessado com mais frequência o SOS, e pode ser até cômico,
mas acabei fazendo uma certa amizade com alguns frequentadores. Todos
nós temos problemas, e ainda assim, tiramos um tempinho para dar consolo
aos outros.

Ontem decidi que seguirei o tratamento indicado pelo Dr. Andrew. Não
sei como vai ser essa tal de psicoterapia, mas se ela vai me ajudar, chegou a
hora de tentar.

Tomo um banho rápido, e me olhando no reflexo do espelho, vejo que


minha barba está enorme. Pego uma tesoura e me analiso por alguns minutos.
Quando eu era mais novo, não deixava a barba crescer, gostava de manter o
meu rosto liso. Tanta coisa mudou, hoje não me vejo mais sem ela. É como
se fizesse parte da minha identidade. Como parte do novo Dylan. Corto

apenas dois centímetros, jogo água no rosto e vejo a diferença. Pode ser
pouco, no entanto, enxergo como muito.

Saio do banheiro e vejo uma mensagem do meu amigo. Ele está a dez
minutos daqui, acabei perdendo tempo demais, agora preciso correr. Visto

uma calça jeans preta, camisa social da mesma cor dobrada até o cotovelo, e
um tênis esporte fino. Um pouco de perfume e pronto.

Escuto-o buzinando, pego meu celular e desço ao encontro do Jordan.

— Olha só, finalmente tomou banho, né? — zomba, abrindo a porta do


passageiro por dentro.

— Não me darei ao trabalho de te responder, Jordan. — Meneio a


cabeça negativamente. Nem sendo pai ele deixa de ser desse jeito. — Oi,
pequena Ava, como vai?

— Oi, tio. Eu estou bem. Meu pai disse que estamos indo em um lugar
que tem muitas crianças para eu brincar. É verdade?

— Sim, o que não faltará são companheiros para as brincadeiras. Tenho


certeza de que você vai gostar muito.

Sorrio ao ver a felicidade dela.


Crianças... Tão novas e inocentes. Se elas soubessem como é ser
adulto, não cresceriam nunca.

Com uma música alta tocando no carro, seguimos para o orfanato.


Assim que chegamos, de imediato noto o número de carro no
estacionamento. Minha mãe disse que seriam poucas pessoas, agora tenho
minhas dúvidas em relação a isso.

Descemos do carro e fico por uns minutos decidindo se entrarei ou não,


até que Ava me puxa pelo braço, ansiosa para entrar.

Respiro fundo, sentindo meu coração acelerar. O lugar está cheio. Além
das crianças, acredito ter uma média de cem pessoas. Enquanto caminho
entre os convidados, cumprimento algumas funcionárias que me reconhecem.
Com a Ava segurando em minhas mãos, tento me convencer o tempo todo de
que essas pessoas são inofensivas, todas estão aqui com um objetivo.

— Tio, não estou vendo tantas crianças — Ava diz, chamando minha

atenção.

— Vem aqui, vou te apresentar a algumas. — Pego-a no colo e sigo em


busca do Heitor, Henry e a Mel.

Depois de rodar o salão, os encontro na biblioteca fazendo uma espécie


de atividade de pintura. Fico na porta esperando que eles notem a minha
presença, até que o Heitor me vê.
— Dylan... — Corre em minha direção, abraçando-me pela cintura.

— Oi, garotão. — Bagunço seus cabelos. — Deixe-me te apresentar


uma pessoa.

Coloco Ava no chão, ela olha a nossa volta com curiosidade, consigo
ver seus olhinhos brilhando.

— Essa aqui é a Ava, ela é minha sobrinha e está ansiosa para brincar
com vocês. Pode apresentá-la para o resto das crianças?

— Claro, ela pode até brincar com a gente.

De mãos dadas, eles seguem para o grupo de crianças. Heitor, como um


bom anfitrião, a apresenta para todos.

Fico um tempo olhando eles brincarem. Sei que aqui a Ava está segura,
então decido rodar um pouco pela festa. Jordan se perdeu assim que
entramos, depois ele vai se dar conta de que trouxe a filha.

Os convidados parecem se divertir, conversam e dançam de forma


animada. É bom saber que eles sabem aproveitar uma festa.

Pego um pouco de refrigerante e me recosto em uma pilastra,


observando o entra e sai das pessoas. Fico feliz que tudo esteja dando certo,
afinal, minha mãe batalha dia e noite para que esse lugar funcione de forma
correta. Acho que ela ficaria doente caso alguma coisa acontecesse a uma
dessas crianças.

Vejo o exato momento em que Ayla chega, acompanhada de um


homem.

Ela tem um sorriso estampado, tão linda e angelical. Seus cabelos estão
soltos, trazendo um ar de leveza para o seu rosto.

Eles caminham entre as pessoas e o homem coloca a mão na cintura


dela, essa atitude me deixa confuso. Não lembro de ela ter comentado a
respeito de um namorado, e saber disso me deixa chateado. Sim, chateado.

É claro que uma mulher como ela não ficaria sozinha por muito tempo.
Era o mais óbvio de se imaginar, Dylan.
Capítulo 16

Ayla

Passei a semana ansiosa para essa festa e Graças a Deus consegui


arrecadar muitos presentes. Imagino a carinha de felicidade das crianças.
Enquanto eu puder, farei de tudo para deixar a vida deles melhor. Chamei
Susan para me acompanhar, mas como era de se esperar, minha amiga correu,

assim como o diabo foge da cruz.

Como o combinado, mandei o endereço para o Kalel, mas não pensei


que ele fosse aparecer. Fiquei surpresa ao encontrar com ele na porta do
orfanato.

Adentramos e fiquei feliz em ver o lugar cheio. Seria perfeito se um


dos convidados despertasse o desejo de adotar uma das crianças. Não tem
nada que me faria mais feliz. Indiretamente, corro os olhos pelas pessoas.
Não sei o que estou procurando, até meus olhos cruzarem o Dylan encostado

em uma pilastra.

Sua expressão é séria, a intensidade do seu olhar é tanta que sinto como
se enxergasse a minha alma. Sorrio, e em troca recebo um meneio de cabeça.
Sem sorrisos ou qualquer simpatia.

Onde está o Dylan de alguns dias?

— Você está bem? — Kalel pergunta, chamando minha atenção.

— Estou bem, sim, por quê?

— Você parou de andar do nada, como se estivesse vendo um


fantasma.

— Só lembrei de uma coisa, mas já passou. Vem, vou te apresentar a


algumas pessoas.

E assim eu faço, o apresentando para Lucy e alguns conhecidos que


estão presente. As crianças o amam, deixando-me feliz por ter acertado na
escolha. Kalel tem um jeito brincalhão e as crianças adoram isso.

As horas passam em um pulo. Distribuímos todos os brinquedos e é


maravilhoso ver a felicidade no rostinho deles. Lucy faz um pequeno
discurso e é difícil não me emocionar. Esse lugar é a única coisa boa que as
crianças têm, não seria justo separá-los, e foi por esse motivo que a Lucy

lutou.

Brinco, danço e me divirto muito com os meninos, situação que há


muito tempo eu não vivia. Ultimamente minha vida tem se resumido a
trabalho, diversão não costuma fazer parte da minha lista de tarefas.

Kalel se despede de todos e eu o acompanho até a saída. Ele tem

plantão daqui a pouco. Foi divertido passar esse tempinho com ele, as
crianças curtiram também.

— Obrigada por ter vindo.

Fico na ponta dos pés e beijo sua bochecha.

— Estou sempre às suas ordens, Dra. Ayla. — Seus lábios curvam-se


em um sorriso. — Eu escolherei o lugar do nosso próximo encontro, e não
vai demorar muito.

— Hoje tivemos um encontro? — questiono, divertida, tentando


imaginar como isso se parece com um encontro.

— Sim, mesmo que estejamos rodeados de crianças correndo de um


lado para o outro. Deixe-me correr, antes que me atrase — diz e beija o canto
da minha boca.

O espero entrar em seu carro e volto para o orfanato. Grande parte das
pessoas já foi embora, e sorrio ao lembrar do sucesso que foi a festa. Lucy

tem um sorriso enorme estampado, sua felicidade também é a minha.

Passo por algumas crianças, indo em direção ao terraço. Gosto de


sentar e admirar a lua, a vista desse lugar é simplesmente esplêndida. Apesar
de estar escuro, reconheceria aquela barba de longe.

É o Dylan.

— Vejo que descobriu o meu lugar predileto — falo, chamando sua


atenção.

— Se eu soubesse que a vista daqui era tão bonita, já teria vindo antes.
— Sento-me ao seu lado no banquinho de madeira. — Perdi a noção de
quanto tempo estou aqui.

— Agora entendo por que não te encontrei. Pensei que você tivesse ido
embora.

— Vontade eu tive, mas decidi explorar um pouco o lugar. Cheguei


aqui o sol estava se pondo. Uma paisagem perfeita para colocar a mente em
ordem.

— Como você está se sentindo? — Ele sabe que não me refiro ao


agora.

— Melhor que ontem, se assim posso dizer. Estou tentando, Ayla. —


Meu nome soa de uma forma diferente em sua voz. — Não é, e muito menos

será fácil. Quando vi o lugar começando a encher, só conseguia pensar em ir

embora o mais rápido possível. Me esforcei para ficar, nem que fosse um
pouco mais. O salão foi enchendo cada vez mais, com isso minha respiração
foi ficando acelerada e...

— Não precisa reviver o que você sentiu. Eu entendo perfeitamente

como deve ter se sentido. É egoísmo da minha parte, mas fiquei feliz de saber
que enfrentou esse medo. É um grande passo, Dylan, e você está indo muito
bem.

— É o seu namorado? — Fico um pouco surpresa com sua pergunta.

— O Kalel? Não. Nos conhecemos em uma boate, trocamos nossos


números, mas não entrei em contato. Esses dias, por acaso, o encontrei no
shopping e o convidei para a festa.

— Ele parece gostar de você — diz ele, pensativo, olhando para a lua.

— Talvez. Gosto dele também, mas não no sentido que você está
imaginando. — Por que estou me explicando tanto? — Estou feliz que você
tenha vindo, aposto que a Lucy ficou radiante.

— Sim, minha mãe ficou até emocionada. — Vira-se em minha


direção, olhando fixamente em meus olhos. — Você está linda, Ayla.

Pego-me presa ao olhar dele, sem saber o que falar nesse momento. Sua
expressão continua séria, ainda assim tem algo de diferente, e não faço a

menor ideia de como decifrar.

Não sei dizer em que momento ele se moveu, mas está tão perto que
seu perfume marcante invade minhas narinas. Seu hálito quente vem de
encontro ao meu rosto e, mesmo sem saber o que vai acontecer, não quero
quebrar seja lá o que esteja acontecendo aqui.

— Eu não deveria fazer isso... — fala baixinho, deixando-me confusa.


— Mas eu preciso fazer, Ayla.

Suas mãos quentes e ásperas seguram meu rosto. Ele parece travar uma
batalha interna, até que cola seus lábios nos meus. O contato inicial me deixa
paralisada e Dylan morde meu lábio inferior, deixando todo o meu corpo em
alerta. Se inicia um beijo demorado, intenso e delicado ao mesmo tempo. Me
entregando ao momento, coloco minhas mãos entre seus cabelos, puxando
seu corpo para mais perto, mesmo quando a razão diz para eu me afastar.

— Tio, Dylan. — Nos afastamos assim que escutamos a voz de uma


menininha.

Olho em sua direção e não a reconheço. Ela não é uma das crianças do
orfanato, tenho certeza.

— Oi, pequena Ava. — Dylan caminha em sua direção, pegando-a nos


braços.
O que foi que aconteceu aqui? Em um momento estávamos nos
beijando, e agora não sei como o encarar. Não tenho como descrever o beijo.

Apenas que foi tão intenso, como o olhar que ele me dirige nesse momento.

— Eu preciso ir. — Beija minha bochecha e vai embora, sem dar


qualquer chance de me despedir.

Fecho os olhos e sinto como se ele ainda estivesse aqui, beijando-me

novamente. Eu deveria ter escutado a minha razão. Mas como fazer isso
quando ele me beijava tão intensamente?
Capítulo 17

Dylan

Com a água caindo sobre minha pele, fecho os olhos e logo o beijo vem
em minha mente. Macios, deliciosos, arriscaria até dizer que viciantes. É
assim que consigo definir os lábios da Ayla. Ela estava tão perto, os minutos
iam passando e eu só conseguia pensar em beijá-la. Deveria ter parado

quando a razão falou mais alto. Talvez eu não estivesse me amaldiçoando


nesse momento por ter sentido um pouco do seu gosto.

Droga, onde eu estou com a cabeça?

Quando penso no que teria acontecido caso a Ava não tivesse


aparecido... Antes de Ayla surgir no terraço, passei boa parte do tempo
pensando na possibilidade daquele cara ser namorado dela. Ela é jovem,
bonita, e o sonho de qualquer homem, não seria nenhuma surpresa. A questão
é que eu não queria aceitar, mesmo que nossa relação fosse apenas de

amizade.

Enrolo-me em uma toalha e saio do banheiro. Em frente ao espelho,


meu reflexo me deixa confuso. Minha aparência não é das melhores, as
olheiras marcam bem os olhos, igual a todos os dias. Exceto por esse

sentimento novo em meu peito. Pela primeira vez em meses, sinto-me vivo,
mesmo que eu não saiba, há tempos, o que seja isso.

Beijá-la foi uma atitude impensada, tenho que admitir. Só espero que
ela não se afaste, não quero ter estragado a amizade que estamos construindo.

Depois de muita insistência, concordei em encontrar o Jordan no


restaurante, o mesmo que fomos em outra noite. Se dependesse de mim,

nesse momento eu estaria em casa, mas o meu amigo sabe ser bem
convincente quando quer.

— A mulher que você estava beijando é a mesma que está te ajudando?


— Jordan pergunta, enquanto toma um pouco de sua cerveja.

Pensei que Ava não comentaria nada, mas o que esperar de uma criança
cujo pai é um fofoqueiro de carteirinha?
— Era isso que você tinha de urgente? — Acordei com sua mensagem
dizendo que precisava falar comigo. — Se eu soubesse que era isso, não teria

me dado ao trabalho de sair de casa.

— Não é sobre isso, mas não muda o fato de que ainda estou curioso
para saber sobre a mulher misteriosa. — O garçom traz nosso pedido, nachos
e alguns tacos. — Ava disse que ela era muito bonita, parecia até um anjo.

— Sim, Ayla tem uma aparência encantadora. Um verdadeiro anjo.

Ainda não nos falamos depois da festa, é bem contraditório vindo da


minha parte, no entanto, não sei o que falar com ela.

Agir como se nada tivesse acontecido? Ou pedir desculpas pelo beijo?

Certamente, ela deve estar chateada comigo, com certeza não deveria
ter misturado as coisas.

— Está acontecendo alguma coisa entre vocês?

Nego com a cabeça e sinto uma pontada em meu peito. Não está
acontecendo nada entre nós, e tenho medo de ter estragado a amizade que
estava começando. Eu queria dizer que me arrependo de tê-la beijado, porém,
estaria mentindo.

— Não acredito em você, mas deixarei que me conte quando se sentir à


vontade. — Dou de ombros, tentando ser o mais indiferente possível. —
Ainda tenho contato com alguns dos nossos antigos colegas, fiquei sabendo

que o Bryan pediu dispensa. Ele não entrou em contato contigo?

— Não, também nem sei se ele ainda tem o meu número. Bryan vivia
perdendo o celular.

— Fiquei surpreso ao saber da dispensa. Pensei que ele só sairia do


exército quando fosse se aposentar. A não ser que ele tenha conseguido

cumprir sua missão.

— Que missão? — Tem tanto tempo que não nos falamos, que não faço
a menor ideia de que missão ele esteja participando.

— Depois do atentado que vocês sofreram, Bryan ficou revoltado com


tudo que passaram. Ele prometeu que se vingaria de todo mundo, nem que
fosse a última coisa que fizesse na vida.

— Ele não comentou nada a respeito.

Puxo na mente e não lembro de nenhuma menção sobre isso,


certamente tentaria fazê-lo mudar de ideia.

— Claro que ele não comentaria contigo, vocês são melhores amigos, o
Bryan sabia que você se oporia. Então, para evitar possíveis
desentendimentos, ele ficou em silêncio — admite Jordan, pensativo,
tomando um pouco de sua cerveja. — A volta dele para San Diego me faz ter
a certeza de que a missão foi concluída com sucesso.
Será possível que Bryan tenha sido tão tolo a ponto de colocar sua vida
em risco? Todo mundo sabe que esses terroristas não brincam em serviço.

Eles não tiveram pena de nos atacarem, tenho até medo do que poderiam ter
feito com ele.

— Se ele entrar em contato, falo com você.

Encerramos o assunto “Bryan” e passamos a conversar sobre assuntos

diversos. Jordan não desistiu de me fazer dar aula em sua academia. Eu sei
que disse que iria pensar, mas confesso que esqueci completamente desse
assunto.

— Vou ao banheiro e já volto — Jordan diz, levantando-se e


caminhando entre as pessoas.

Apesar de ser terça-feira, o número de pessoas é considerável. Muitos


jovens parecem se divertir, e rapidamente lembro da minha fase de
adolescente. Nunca fui de dar trabalho a minha mãe. Como ela me criou

sozinha, sempre tive consciência de que não seria uma boa ideia dar mais
trabalho para ela.

Bons tempos... Pena que o tempo não volta.

Sendo atraído por uma voz feminina, olho para trás no exato momento
em que Ayla entra no restaurante, ela está acompanhada da mesma mulher do
outro dia.
Elas trocam algumas palavras com a recepcionista e acredito que
estejam aguardando uma mesa, visto que estão todas ocupadas nesse

momento.

Tão linda e sedutora...

A roupa justa marca bem as curvas acentuadas de seu corpo, seus


cabelos estão soltos e os óculos são seus companheiros. Deus, por que essa

aparência angelical passou a mexer tanto comigo?

— Dylan, você está bem?

Estava tão concentrado em meus pensamentos, que só agora percebo


que Jordan já está de volta.

— Sim, só acabei me distraindo com algo. — Tomo toda água em


apenas um gole.

— Por acaso esse algo tem cabelos castanhos e caminha em nossa

direção?

Viro-me e nossos olhares se cruzam. Ela não sorri. Apenas mantém sua
expressão séria. Será que realmente estraguei tudo com aquele beijo?

— Ayla — digo, firme, sustentando a intensidade de seu olhar.


Capítulo 18

Ayla

Minha agenda estava livre, por isso não achei nenhum problema
aceitar o convite da minha amiga. Dei o resto do dia de folga para a minha
secretária, porque ela também merece um pouco de descanso.

— Sério, você precisa provar a comida desse lugar, é maravilhosa,

amiga — Susan diz assim que entramos no restaurante.

Cumprimentamos a recepcionista, muito simpática, que pediu que


aguardássemos a liberação de uma mesa. Enquanto esperamos, meus olhos
cruzam com uma mesa em especial.

Dylan.

Não estava esperando encontrá-lo. Desde a última vez que nos


encontramos, não trocamos nenhuma palavra e isso estava me afetando,
mesmo que eu não saiba o motivo.

Ele me olha fixamente, deixando-me sem nenhuma reação. Sua


expressão séria me desconcerta um pouco.

— Ayla, aquele homem não é o garçom do outro restaurante? —


questiona Susan, chamando minha atenção.

— É sim, eu acho. — Tento soar indiferente.

Não tivemos tempo de conversar, então ela não sabe da minha história
com o Dylan, muito menos que nos beijamos na festa do orfanato.

— Vamos lá falar com ele — diz, animada, me deixando sem ter o que
fazer.

— Vimos o rapaz apenas uma vez, não vejo motivos para isso, Susan.
É melhor a gente ficar aqui, esperando nossa mesa.

— Isso não é um problema. Vamos nos aproximar e ser educadas.

Ela puxa-me pelo braço enquanto caminhamos em direção a ele, que


não desvia seu olhar.

Por que me sinto tão exposta quando ele me olha assim?

— Ayla. — Meu nome saindo da boca dele causa-me um arrepio.

— Oi, Dylan. — Desvio o olhar, não sustentando toda intensidade


desse homem.

Meu Deus, o que está acontecendo comigo?

Dylan necessita de ajuda, era nisso que eu deveria concentrar minha


atenção, não pensar em seus lábios colados nos meus.

— Vocês se conhecem? — Susan questiona, confusa.

— É uma longa história, depois te conto tudo — sussurro para que


apenas ela escute.

Ela me olha com desconfiança, mas acaba assentindo. Eu deveria ter


contado antes, evitaria essa saia justa.

— Eu sou o Jordan, amigo do Dylan, muito prazer.

O homem estende a mão em um cumprimento.

Sua aparência é de um homem rústico, cabelos grandes presos em um


coque. Olhos inexpressíveis e uma cicatriz no queixo. Eu diria que ele

também é militar.

— Muito prazer, Jordan. Eu sou Ayla, e essa é minha amiga Susan.

Susan o cumprimenta com um aperto de mão, na vez do Dylan ela fica


na ponta dos pés e lhe beija o rosto. Vejo o exato momento em que Dylan
contrai o corpo, em choque com a atitude da minha amiga. Olho para ela em
advertência, pois não pode chegar beijando os outros dessa forma.
Vê-la tão perto dele me deixa chateada. O pior de tudo é que não tenho
direito de fazer nada, nós não temos nenhuma relação.

Respiro fundo, me controlando ao máximo para não transparecer a


minha chateação.

Para minha salvação, a recepcionista nos informa sobre a liberação de


uma mesa. Nos despedimos deles e, antes que eu possa me afastar, Dylan

segura-me pelo pulso e diz:

— Posso falar com você?

— Claro. — Mais uma vez Susan me olha confusa, tenho certeza de


que tem um monte de suposições rodando em sua mente. — Te encontro
daqui a pouco, amiga.

— Você tem muita coisa para me explicar, mocinha. — Sorri,


caminhando até a mesa indicada.

Dylan caminha na minha frente, e com o coração parecendo que sairá


pela boca, sigo seus passos, indo parar no terraço. A vista desse lugar é
belíssima. Me lembrarei de querer uma mesa aqui da próxima vez.

Paramos em um canto discreto e cruzo os braços na altura do peito.


Dylan apenas me encara e fico mais confusa do que já estou.

— Eu queria me desculpar contigo — ele diz depois do que me parece


uma eternidade.

— Desculpar pelo quê?

Eu sabia, queria apenas que ele falasse em voz alta. Espero do fundo do
coração que ele não se afaste. É perceptível sua melhora e queria poder
acompanhar seu desenvolvimento.

Ele continua em silêncio, me fazendo encará-lo.

— Por ter te beijado. Eu não tinha o direito. Não quero estragar a


amizade que estamos construindo, prometo que isso nunca mais vai se
repetir.

Eu quero que se repita. Era isso que eu tinha vontade de dizer, bem
diferente do que saiu dos meus lábios.

— Tudo bem, já até esqueci do que aconteceu — minto.

— Posso te abraçar? — pergunta, receoso, olhando-me fixamente.

Não digo nada, apenas me aproximo, abraçando-o pela cintura,


sentindo a rigidez de seu corpo. De imediato, seu perfume forte invade as
minhas narinas, me deixando inebriada. As mãos dele passam em volta do
meu ombro, puxando-me para mais perto. As batidas do seu coração estão
aceleradas, o que não é muito diferente do meu.

— Obrigado — ele diz assim que nos afastamos.


— Estarei aqui sempre que você precisar. — Sorrio e recebo um
tímido sorriso em troca.

Antes de tomar qualquer atitude em relação ao Dylan, preciso entender


que diabos está acontecendo comigo. Eu nunca fui assim, já lidei com caras
como ele, cheios de problemas e que me pareciam quebrados por dentro.
Sabe qual a diferença? Nenhum deles me olhava com essa intensidade, não

pareciam enxergar minha alma com um simples olhar.

Obrigo-me a voltar à realidade, nos despedimos e vou ao encontro da


Susan. O olhar que ela me dirige já diz tudo. Tenho certeza de que não
conseguirei sair daqui, a menos que conte toda história para ela.

— Pode ir se sentando. Você só sai dessa cadeira quando me contar


tudo. Desde quando você conhece o Dylan, dona Ayla? Por que eu tenho a
impressão de que rolou alguma coisa entre vocês? — Desata a fazer uma
pergunta atrás da outra. — O que conversaram lá em cima?

— Não tenho pretensão de ir embora. Eu conto tudo, mas já te adianto


que não é nada disso que está pensando, somos apenas amigos.

Sou salva pelo garçom, que aparece para pegar nossos pedidos. Eu
tenho que ser sincera com ela, mas não falarei do beijo, muito menos que
gostei e daria tudo para repetir a dose.
Capítulo 19

Dylan

Como se já não bastasse ter encontrado a Ayla no restaurante, sou


surpreendido pela manhã com a ligação dela. Confesso que não estava
esperando, e o motivo me deixou mais intrigado ainda.

— Oi, Dylan — Ayla diz assim que atendo. — Te acordei?

— Oi, Ayla. Você sabe que não, já estava acordado faz tempo.

Apesar de acordar todos os dias no mesmo horário, isso já não me


incomoda. Descobri que queimar adrenalina no boxe tem me ajudado
bastante e fico com mais disposição.

— Você vai trabalhar no restaurante hoje?


— Não. Aconteceu alguma coisa? — pergunto, preocupado.

— Deixe-me parar de enrolar. — Escuto sua risada do outro lado da


linha. — Queria que você me acompanhasse até um estúdio de tatuagem.

— Vai fazer uma tatuagem?

Que pergunta idiota, Dylan, claro que sim.

— Sim. Tem um tempo que estou planejando, hoje tomei coragem, mas
preciso de um amigo para me dar apoio.

Amigo. É isso que tenho que colocar em mente.

— Tudo bem. Me passa o endereço que te encontro lá.

— Não vai ser necessário. Daqui a pouco estou passando para te


pegar. Me manda sua localização, chego em no máximo uma hora.

Se uma outra pessoa fizesse o mesmo pedido, negaria sem pensar duas
vezes. Mas não a Ayla. Não consigo explicar que diabos está acontecendo,

essa mulher de aparência angelical está mexendo comigo e isso não deveria
acontecer em tão pouco tempo.

Minha vida ainda continua uma merda. Todos os dias durmo e acordo
no mesmo horário, aquela sensação ruim permanece em meu peito, mas agora
tenho um incentivo para me sentir bem.

Conversei com o Dr. Andrew e aceitei fazer a tal terapia, semana que
vem será a primeira sessão. Estou ansioso e nervoso. Optei por não fazer uso

de medicamentos, passei mais de um ano tomando remédios para dormir, e

além de o meu corpo ter se familiarizado com ele, não quero encher meu
organismo com essas substâncias.

Mando meu endereço para Ayla. Tenho pouco tempo para tomar banho
e vestir uma roupa decente.

Deixo um recado para a minha mãe e saio de casa. Ela está curiosa para
saber com quem estou saindo, e por mais que eu fale que somos apenas
amigos, ela não acredita.

— Ayla — cumprimento a Ayla, entrando em seu carro.

— Oi, Dylan. — Beija o meu rosto, o contato de seus lábios macios


com a minha barba é diferente. — Fiquei tão feliz de você ter topado. Há

muito tempo eu tinha o desejo de fazer essa tatuagem. Estou tão ansiosa...

Sorrio com sua animação. Ela parece uma criança prestes a entrar em
uma loja de brinquedos.

— Não pensei que você gostasse de tatuagens.

— Sempre achei bonito, ficava babando nas tatuagens das minhas


amigas. Na época da faculdade era uma verdadeira febre.
— E vai tatuar o quê? — pergunto enquanto olho as estradas pela
janela.

— Vai ser surpresa. você só vai ver quando estiver pronta. — Me olha
sorrindo, antes de voltar sua atenção para a estrada.

Com uma música de Bruno Mars tocando na rádio, seguimos por mais
meia hora, até que chegamos ao estúdio. A fachada de imediato já chama

atenção, com as paredes grafitadas com cores chamativas, o nome Graffite


ganhou um enorme destaque.

Quando era mais jovem, tinha o desejo de fazer uma tatuagem, mas eu
tinha certeza de que minha mãe não aprovaria, então acabei deixando isso de
lado. Agora nada me impede, então por que não fazer uma?

Cumprimentamos a recepcionista, que simpática, pergunta se os dois


farão a tatuagem. Aceno que sim, recebendo um olhar surpreso da Ayla.

— O que vai fazer, Dylan? — pergunta com um sorriso de ponta a


ponta.

É engraçado como me sinto à vontade ao lado dela, é até difícil de dizer


o que mais me atrai na Ayla.

— Surpresa! — Sorrio, feliz de vê-la provar do próprio veneno.

Fazemos o pagamento e somos indicados para salas diferentes. Se


alguém me dissesse que hoje eu estaria fazendo uma tatuagem, lógico que

essa pessoa estaria louca.

Cumprimento o tatuador, explico a ele que quero uma fênix, e por alto
falo o motivo da minha escolha.

Renascer das cinzas.

Não poderia ser uma definição melhor para minha realidade. No meio
de toda aquela pólvora e areia do deserto, eu renasci, mesmo que não tenha a
vida dos sonhos.

Por se tratar de uma tatuagem demorada, vamos dividir em três sessões.


Confesso que já estou ansioso para ver o resultado completo.

Ajusto-me na cadeira e encaro a agulha furando a minha pele. O


traçado preto vai tomando forma e a dor ficando cada vez mais suportável.
Confesso que imaginei que doesse mais, mas a dor diária que sinto ao acordar

de um pesadelo é cem vezes pior. O desenho da fênix é enorme, indo do meu


peito até o ombro, deixando um pouco de suas penas próximo ao meu
pescoço.

Depois de muito tempo terminamos a primeira etapa e já deixamos


agendado um outo horário. Despeço-me do tatuador e sigo para a recepção,
onde Ayla já me espera.

— Vai me mostrar sua tatuagem agora, senhorita Ayla?


— Não mesmo. No momento certo você verá.

Dirige a mim um sorriso travesso, e mesmo tentando controlar, só


consigo pensar em beijar seus lábios novamente.

— Estou começando a pensar que essa tatuagem foi feita em um lugar


proibido — falo, analisando sua reação.

— Talvez. — Gargalha e acabo sendo contagiado por sua alegria.

Entre risadas, caminhamos em direção ao estacionamento. O celular da


Ayla toca e depois de alguns minutos falando ao telefone, ela diz que precisa
ir. Parece que alguma coisa aconteceu com sua amiga Susan, e ela terá que ir
ao seu encontro o mais rápido possível.

Depois de se desculpar várias vezes, Ayla se despede com um beijo em


meu rosto.

Ela parece bem preocupada, espero que nada de ruim tenha acontecido

com sua amiga.


Capítulo 20

Ayla

Hoje acordei decidida a ser o dia de fazer uma tatuagem. Tem muito
tempo que eu resolvi, só não tinha coragem. Achei que chamar o Dylan seria
uma ótima ideia, ele precisava sair de casa e eu de um companheiro.
Confesso que me surpreendi quando ele disse que também faria uma. No fim

das contas, acertei na escolha.

É tão bom vê-lo mais solto, sorrindo mais. O TEPT não tem cura, isso é
um fato, mas ele vai aprender a viver com ele e saberá controlar suas
emoções.

Eu tinha planos para depois que saíssemos do estúdio, só não contava


com a ligação da Susan. Ela parecia bem nervosa no telefone. Depois de
quase duas horas, estaciono o carro em frente à casa dela. Toco a campainha
e uma Susan com os olhos inchados atende.

— Amiga, o que aconteceu? — pergunto, preocupada, puxando-a para


um abraço.

— Aconteceu que eu fiz a maior merda da minha vida. — Começa a


chorar, me deixando sem entender.

— Respira fundo e me conta tudo.

Puxo-a pelo braço e nos sentamos no sofá.

— Eu estou grávida — sussurra, me deixando em choque com uma


simples frase.

— Não te darei os parabéns porque sei que, pelo seu desespero, não era
isso que tinha em mente.

Só de escutar a palavra “grávida”, minha amiga já ficava nervosa. Ela

sempre disse que uma criança arruinaria sua vida, motivo de termos brigado
tantas vezes, e por mais que seja uma gravidez indesejada, não é para tanto.

— Claro que não era isso, Ayla. Eu sempre tomei todos os cuidados
necessários, transar sem camisinha estava fora de cogitação.

— Então como isso aconteceu?

— Há dois meses eu fui até a minha ginecologista por conta dos fortes
efeitos colaterais que o anticoncepcional estava me causando. Entramos em

um consenso e mudamos para uma outra fórmula. — Escuto atenta a tudo

que ela diz, já imaginando o que aconteceu. — Ela me alertou que essa
mudança poderia ser perigosa, e o uso da camisinha seria indispensável.

— Mas você não usou — afirmo, sem acreditar que ela deixou isso
acontecer. — O que você vai fazer em relação a isso?

— Eu não quero ter um bebê! Você sabe muito bem disso, Ayla... —
Começa a soluçar e eu a abraço, única coisa que está ao meu alcance. — Não
nasci para ser mãe, amiga. Uma criança agora só atrapalharia meus planos.

Susan sempre disse que, caso isso viesse acontecer, ela não pensaria
duas vezes antes de fazer um aborto. Eu não concordo com essa decisão, mas
ela é maior de idade, capaz de fazer suas próprias escolhas, e eu preciso
apenas respeitar.

— Não importa qual decisão você vá tomar, saiba que estarei aqui do

seu lado, Susan.

— Obrigada, amiga — ela fala, limpando o rosto. — Você demorou


para chegar, estava no consultório hoje?

— Não, fui fazer uma tatuagem.

Estou encantada com a minha tatuagem. Ela é simples, mas tem um


significado enorme na minha vida.
— Você o quê? — berra, mudando completamente de posição.

— Agora não é o momento para falarmos sobre isso. Em outra hora te


conto tudo.

— Nada disso. Tudo que eu mais quero por um momento é esquecer


que tenho uma criança dentro de mim. — Dá de ombros. — Me conta tudo.
Por que você não me chamou?

— Um amigo me acompanhou, e como você só anda ocupada...

— Você não tem amigos. — Encara-me, pensativa. — Desembucha


logo, Ayla. Esse amigo por acaso tem barba e cabelos castanhos quase
ruivos?

— Sim, eu chamei Dylan para ir comigo. Ele precisava sair de casa,


então uni o útil ao agradável.

— Ah, sua safada, essa história de apenas amigos eu não engoli. Eu vi

o jeito que você olhou para ele no restaurante... Deveria investir no bonitão.

— Somos apenas amigos. Eu quero ajudá-lo, só isso.

É isso que falo todos os dias para mim mesma. Apesar de querer muito
ajudá-lo, a vontade de o beijar não me abandona. Essa semana sonhei duas
vezes com ele, e para o bem da minha sanidade, é melhor não lembrar como
foram esses sonhos.
— Já que vocês são apenas amigos, não será nenhum problema que me
passe o número dele. Eu adoraria desfrutar daqueles lábios por trás da barba

— sugere, me encarando.

— Claro, não tem problema — minto na cara de pau.

A quem estou querendo enganar? É claro que não quero a minha amiga
com o Dylan. Sei que ela se interessou primeiro por ele, mas é diferente.

— Coloca aqui o número dele, preciso de um pouco de consolo — diz,


me entregando o celular.

Não sei se é um teste, mas sinto que serei reprovada a qualquer


momento. Não tem a menor condição de eu passar o número para ela. Não
quando já desfrutei de seus lábios quentes.

— Você é uma filha da mãe mesmo, viu?! — Escondo o rosto em uma


almofada. — Nem em sonho te darei o número dele. Por mais que sejamos

apenas amigos, confesso que não consigo tirá-lo da cabeça.

— Imagine quando vocês se beijarem... Vai nem dormir, a coitada —


zomba e fico feliz de ver que seu humor está melhorando.

— Talvez já tenhamos nos beijado... e ele meio que pediu desculpas


por isso. — Susan me olha em choque e começo a rir de sua cara de espanto.

— Se você tinha algum compromisso, pode esquecer, quero saber tudo


e não me esconda nada.

Vamos para a cozinha preparar alguma coisa para comer, e enquanto


cozinhamos conto sobre o beijo e como ele se desculpou naquele dia no
restaurante. Eu sei que meu propósito é ajudá-lo, só preciso aprender a
enxergá-lo como um paciente, não um lindo homem que tem o coração
machucado.

Se surgir outra oportunidade, será que serei forte para afastá-lo? Tenho
certeza que não.
Capítulo 21

Dylan

Meus dias estão passando mais rápido que eu esperava. Tenho focado
minha atenção no boxe, tentando colocar para fora todos esses sentimentos
confusos que habitam o meu peito.

O dia da minha terapia chega e confesso que estava pensando em

desistir, até que uma conversa da minha mãe chamou minha atenção. Ela
falava ao telefone com alguém, escutei claramente quando disse que ficava
feliz com minha melhora, e que agora sentia que seria possível ter o filho de
volta.

Fiquei com isso na cabeça e essa foi minha motivação para estar nesse
momento sentado de frente para o Dr. Andrew.
— Quero que feche os olhos para um exercício de foco — diz depois
de um tempo em silêncio.

— Foco? — questiono, confuso.

— Sim, foque no dia em que foi atacado e perdeu seus amigos. — Sua
expressão é séria e o encaro em choque.

Eu quero esquecer esse momento, por que diabos ele está mandando eu
focar no pior dia da minha vida?

— Por que está me pedindo isso? A intenção da terapia não é minha


melhora? — falo, irritado, sentindo meus batimentos cardíacos aumentarem a
cada segundo.

— Pessoas que sofrem de TEPT tendem a evitar as memórias ruins. E


com isso o cérebro fica preso no trauma, por esse motivo fica revivendo
constantemente a experiência.

— Tenho certeza de que não estou pronto para reviver esse dia, uma
prova disso são as noites que acordo com pesadelos. Onde meu corpo
responde de imediato às dores.

— Quero que você feche os olhos e conte cada respiração até 10, isso
vai te ajudar a princípio. — Tem os olhos presos em mim, me deixando
desconfortável. — E não esqueça, deixe sua mente focada no atentado. Tente
lembrar dos detalhes.
Olho para o Dr. Andrew e vejo que não terei escolha. Sento-me no sofá
e faço o que ele pede. Fecho os olhos e começo a contar, minha mente que

antes era uma completa escuridão, me envia flashes daquele maldito dia.

— Um. — Conto a primeira respiração.

Flashes da promessa que fiz ao Greg aparecem em minha mente.

— Dois.

Um barulho alto, até que fomos atingidos por uma granada.

— Três.

Meu corpo é projetado para longe e a dor que sinto é quase que
insuportável.

— Eu não posso! É impossível, Doutor. — Levanto-me do sofá, saindo


de sua sala.

Minha respiração está acelerada e a dor em meu peito parece ter

aumentado. As imagens do acidente me atormentam apenas à noite, agora


esses malditos flashes não saem da minha cabeça.

Pego meu celular e procuro pelo nome da Ayla no Google, encontrando


o endereço do seu escritório. Chamo um táxi e sigo para a única pessoa que
acho que pode me ajudar.

Dentro do carro deixo que as malditas lágrimas molhem o meu rosto. O


corpo do Greg coberto de sangue é um tormento. Meu amigo sempre foi tão

cheio de vida, não merecia uma morte daquelas.

QUE INFERNO! Como um homem pode viver desse jeito?

Pensei que minha vida estivesse se ajeitando, tem alguns dias que
finalmente terminei a minha tatuagem, ela me representa. Ou pelo menos eu
achei que estava renascendo das cinzas.

— Senhor, senhor... — Volto minha atenção para o taxista. — Já


chegamos.

Ele me olha preocupado, aposto que não costuma transportar muitos


homens chorando.

— Obrigado. — Pago pela corrida e desço.

Com passos apertados, caminho para dentro do luxuoso prédio. Entro


no elevador, chegando rapidamente ao andar do consultório da Doutora Ayla

Mitchell.

— Boa tarde, senhor. Posso ajudá-lo? — pergunta a recepcionista, ou


pelo menos acho que seja isso.

— Eu preciso falar com a Dra. Ayla.

— O senhor tem horário marcado?

— Não — digo, firme, tentando controlar minha respiração. — Diga


que é o Dylan, ela sabe quem é.

— Um momento, por favor.

Dito isso, pega o telefone e disca alguns números, em seguida conversa


com a Ayla.

— Pode entrar, senhor Dylan. Segunda porta à esquerda.

Agradeço com um meneio de cabeça e sigo para o local indicado. Bato


na porta e entro em seguida.

— Dylan, aconteceu alguma coisa? — Nervosa, Ayla caminha em


minha direção.

— Eu não consigo, Ayla. Essa merda é mais forte que qualquer desejo
de melhora. — Sento-me no sofá, enterrando meu rosto entre minhas mãos.

— O que você não consegue?

Ela se senta ao meu lado e segura as minhas mãos, olhando-me

preocupada.

— Hoje foi a minha primeira sessão de terapia, ele pediu para que eu
focasse na droga do atentado. Tem noção da merda que minha mente está
agora?

— Entendo que pode ser difícil para você, mas também sei que é
necessário que enfrente o seu inimigo.
— E se esse inimigo for eu mesmo?

— Merece atenção em dobro, Dylan. Esse é mais perigoso, pois sabe


como você pensa, e o que tem no seu coração.

Por um momento me perco em seu olhar intenso em mim. Essa mulher


de aparência angelical é capaz de fazer com que meus medos desapareçam,
ou que ao menos fiquem em um canto.

— Eu não vou conseguir... — Meu olhar vacila entre seus olhos e


lábios.

— Sabemos que não é fácil. — Segura meu rosto com suas mãos
minúsculas — Eu estarei aqui com você, não se esqueça disso.

Sua aproximação está mexendo comigo, seu perfume doce me atinge


em cheio. Pela primeira vez desde que saí do consultório do psicólogo,
apenas flashes do nosso beijo rodam em minha mente.

— Não consigo.

Minha voz se torna mais sussurrada, pois o desejo de beijá-la fica


maior.

— Dylan... — interrompo-a, abrindo o jogo de uma vez.

— Não estou me referindo à terapia, mas essa louca vontade de beijar


seus lábios.
Ela me encara com os olhos arregalados.

Não a julgo, também estou surpreendido. Por um momento eu esqueço


do que estava pensando, só conseguindo imaginar como será sentir seus
lábios novamente.

Ayla não diz nada, então entendo como um incentivo. Seguro seu rosto
com as duas mãos, olhando fixamente em seus olhos castanhos. Me

aproximando lentamente, colo nossos lábios, sentindo um leve sabor de


menta com chocolate. Minha língua pede passagem e logo Ayla se entrega,
permitindo-me aprofundar o beijo.

Suas mãos seguram meu cabelo e sei que estou no caminho certo.

O beijo acalma a confusão da minha mente e os flashes antes


lembrados na sala do Dr. Andrew são totalmente cobertos pela doçura de seus
lábios, me fazendo viajar para o presente, onde eu a tenho em minhas mãos.
Meu coração se acalma após o beijo, enquanto outra coisa começa a se agitar,

e antes que eu perca a cabeça, encerro nosso beijo com um selinho.

— Você é tão linda.

Toco carinhosamente seu rosto, mas somos interrompidos.

— Ayla... — digo, mas precisamos nos afastar assim que a


recepcionista entra. Se ela bateu na porta, não escutei.
— Desculpa interromper, é que seu paciente das dezesseis horas está
aguardando — ela avisa, desconfortável.

— Me dê cinco minutos — fala Ayla em um fio de voz, e vejo que suas


bochechas assumem um tom rosado.

Ficamos a sós novamente, e diferente da primeira vez, não vou me


desculpar por esse beijo.

— Não pedirei desculpas. — Sorrio, me levantando.

— Eu não aceitaria dessa vez — ela afirma, com um sorriso tímido. —


Janta comigo na sexta?

A olho, surpreso com seu convite. Não estava esperando.

— Não se preocupe porque não iremos a nenhum restaurante. Se não


tiver problemas para você, podemos jantar em minha casa.

Ela se explica, olhando-me fixamente.

— Tudo bem. Mas... assim... vai ser um encontro? — questiono,


interessado.

— Não. Será apenas um jantar entre amigos.

— Amigos que se beijam? — provoco e a bochecha dela volta a ficar


rosada. — Me mande o endereço depois. Obrigado por ter me escutado, você
foi a primeira pessoa que veio em minha mente.
— Fico feliz por isso. — Rodeia seus braços em volta da minha cintura,
me abraçando. — Agora tenho que trabalhar. Fica bem, tá?!

Deixo um beijo casto em sua bochecha e saio da sala dela. Tudo que
preciso agora é de um banho gelado.

Passei a semana inquieto, ansioso para que a sexta-feira chegasse, e


finalmente ela chegou. Ayla e eu conversamos todos esses dias, é bom
conhecê-la mais um pouco, além de ter algo bom para ocupar minha mente.
Essa mulher consegue fazer o que pensei que não fosse possível, esquecer o
dia do atentado.

Ayla marcou o jantar para às oito da noite. Tenho que sair de casa
agora, caso contrário chegarei atrasado.

— Estou saindo, mãe — despeço-me de dona Lucy e dou um beijo em

sua testa. — Não precisa me esperar acordada porque devo chegar tarde.

— Nem irei te esperar, algo me diz que você só chegará amanhã. — O


sorriso malicioso está lá e fico sem acreditar nisso.

— Mãe, já te falei que somos apenas amigos. Fique tranquila, pela


manhã estaremos juntos no café.

— Divirta-se, filho. Não imagina como fico feliz. É bom saber que está
retomando a sua vida. — Me abraça forte. — Tenho que lembrar de

agradecer a Ayla, essa menina vale ouro.

Antes de me retirar, a puxo para um outo abraço, beijando o topo de


sua cabeça. Sei que é tudo muito confuso, mas saber que estou deixando
minha mãe feliz, ou pelo menos respirando aliviada, deixa-me contente por
estar indo no caminho certo.

Entro no táxi e passo o endereço da Ayla. Hoje ela me mandou umas


dez mensagens apenas para confirmar que eu realmente iria. Não posso
culpá-la, eu também estou me surpreendendo com algumas atitudes minhas
ultimamente. Algo me diz que tem relação com a mulher de aparência
angelical que não sai da minha cabeça.

Depois de quase uma hora o motorista estaciona em frente ao prédio da


Ayla. Pago a corrida e desço do carro. Cumprimento o porteiro, falo para
qual apartamento estou indo, e depois de mexer em alguma coisa em seu

computador, ele libera minha entrada.

O prédio é daqueles bem modernos, do tipo que tem poucos


apartamentos por andar. Pego o elevador e rapidamente estou em frente à
porta da Ayla.

Respiro fundo antes de tocar a campainha e uma Ayla de vestido


vermelho e óculos de grau aparece, me dando mais certeza do quanto essa
mulher é linda.

— Oi, Dylan. — Sorri, beijando minha bochecha.

— Você está muito linda — digo, segurando-a pela cintura,


depositando um beijo casto em seus lábios.

— Entra, a casa é toda sua. — Abre passagem, fechando a porta logo

em seguida.

O apartamento não nega ser de uma mulher. Tudo está devidamente


arrumado e as cores claras e delicadas chamam atenção. É estranho, mas
consigo ver um pouco da Ayla em cada canto.

— Confesso que pensei que você fosse me dar um bolo, fico feliz de
saber que eu estava errada.

— Não me passou isso pela cabeça. Eu não iria desperdiçar a chance de


desfrutar da sua presença. — Sorrio quando vejo as bochechas dela ficarem

rosadas.

— Vem, vamos jantar antes que a comida esfrie.

Ela segura minha mão e logo avisto a mesa posta.

Puxo a cadeira para que ela se sente e me acomodo logo em seguida ao


seu lado. Vejo uma variedade de nachos e lembro de ter comentado que essa
era minha comida predileta. Fico feliz que tenha memorizado isso.
Nos servimos e fico surpreso por não ter nenhum vinho. Sei que ela
gosta bastante.

— Não vai beber nada? — questiono, intrigado.

— Sim, te farei companhia no suco.

— Não precisa tomar suco apenas por minha causa. Não me importo

que tome um bom vinho.

— Eu te convidei para jantar, logo, preparei tudo que fosse do seu


agrado. Você não bebe, então não me sentiria bem bebendo. Não me importo
de tomar suco, fique tranquilo, Dylan.

Ayla abre um sorriso e vejo que ela está realmente sendo sincera.
Decido parar de ser um idiota e aprecio esse delicioso jantar.

— Você que cozinhou? — pergunto, dando mais uma mordida no


nacho de carne.

— Sim. Além de psicóloga, sou ótima na cozinha também — responde,


divertida, me arrancando uma gargalhada.

— Então você não é apenas um rostinho bonito... Isso sim é uma


novidade para mim. Psicóloga, contadora de histórias em orfanato, boa
ouvinte... Olha, essa sua lista só está crescendo.

— Fico lisonjeada. Pelos meus cálculos, ainda restam uns dez adjetivos
nessa sua lista. Eu sou uma pessoa maravilhosa, não tenho dúvidas.

— E muito convencida também. — Solta uma gargalhada, me fazendo


admirá-la que nem um bobo.

Em um clima descontraído, terminamos de jantar. Ajudo Ayla a limpar


toda a mesa, e mesmo sob fortes reclamações, limpo toda a louça. Ela
preparou esse jantar delicioso, não iria quebrar minha mão lavando os pratos.

Com tudo limpo, sentamo-nos no sofá um de frente para o outro. Tudo


que eu consigo pensar é em beijá-la, então isso é o que eu faço. Seguro seu
rosto com as duas mãos e mordo de leve o lábio inferior, provocando-a. Sem
pedir permissão, minha língua invade sua boca e exploro cada pedacinho. A
princípio o beijo é calmo, ficando intenso rapidamente.

Suas mãos vão para dentro da minha camisa e o contato de suas


pequenas mãos em minha pele me causam arrepios. Com delicadeza, deito-a
no sofá, ficando por cima. Abandono seus lábios por um momento, dando

atenção ao seu pescoço. Leves mordidas e beijos são deixados, quando vejo
seu corpo se contrair debaixo do meu.

Minha vontade é de tirar-lhe o vestido e possui-la aqui mesmo, porém,


não quero que pense que vim aqui apenas para isso, então me afasto, tomando
de volta o controle de minhas ações.

— Eu não deveria ter te beijado dessa forma, me desculpe. — Minha


voz sai baixa, mas carregada de desejo.

Mesmo que a vontade de tê-la seja enorme, preciso me controlar.

— Você precisa parar de me pedir desculpas. — Para em minha frente,


olhando fixamente em meus olhos. — Se eu não gostasse de ser beijada por
você, pode ter certeza de que falaria.

— Acho que está tarde, eu preciso ir.

— Fica! — pede, firme, sem desviar o olhar. — É isso mesmo que você
ouviu, Dylan. Não tem motivos para negar. Vejo desejo estampado em seu
olhar, e acredito ser possível enxergar o mesmo nos meus.

Essa mulher é extremamente sedutora. Eu estou tão necessitado de


prová-la...

Por que negar esse desejo que me consome?


Capítulo 22

Ayla

Não costumo agir dessa forma, mas com o Dylan é diferente. Tudo é
muito confuso na minha mente, a única certeza é de que preciso senti-lo e
esse desejo que me consome, fala mais alto a cada momento. Eu não poderia
deixar que ele fosse embora, não agora, não antes de sentir suas mãos em

meu corpo.

Meu corpo grita pelo seu toque. Parecendo ler meus pensamentos, seus
lábios tocam meu queixo, subindo até minha boca, onde morde meu lábio,
iniciando um beijo calmo. Suas mãos rodeiam minha cintura, colando nossos
corpos e o beijo que até agora era calmo, se transforma em uma atmosfera de
desejo.
Sendo dominada pelo desejo, seguro em seus cabelos, entregando-me
completamente ao momento e esse sentimento que me consome.

Como se estivesse carregando uma pena, Dylan me pega nos braços,


caminhando para o quarto.

— Você tem certeza, Ayla?

Ele me coloca no chão, passando a ponta dos dedos por meu rosto.

— Eu não tenho a menor dúvida. E você, Dylan? — Minha voz sai em


um sussurro, mostrando o quanto estou desejosa desse homem.

— Impossível voltar atrás agora. — Beija meu pescoço, fazendo meu


corpo inteiro se arrepiar. — Eu tentei ser forte e resistir a você,
principalmente porque não queria estragar a amizade que estamos
construindo. — Faz uma longa pausa, olhando-me intensamente. — Mas sua
aparência angelical me deixa fascinado, não consigo tirá-la da cabeça, a

vontade de tocá-la está me deixando louco.

— Você acha que para mim é fácil? — Passo a mão por sua barba
áspera, beijando-o. — Eu só consigo pensar em beijá-lo, quando deveria te
ajudar com seu problema.

— Pensar em você tem me ajudado com meu problema. Você é minha


terapia, Ayla. Com você em meus pensamentos esqueço completamente tudo.
Como agora, por exemplo, só consigo imaginar o que tem por baixo desse
vestido. — Sua mão sobe e desce por minha coxa nua, causando-me arrepios.

Não precisa mais nada ser dito. Se restava alguma dúvida, nesse
momento todas foram dissipadas. Com maestria, Dylan retira meu vestido e à
medida que suas mãos grandes e ásperas passam por minha pele, vou
sentindo uma queimação. Com posse, ele reivindica meus lábios, beijando-
me intensamente.

De calcinha e sutiã, sinto minhas bochechas esquentarem com a


intensidade que o Dylan me olha. Lentamente ele vai tirando a camisa,
dando-me uma bela visão de sua tatuagem. Uma fênix. Não poderia ter feito
escolha melhor. Ela toma boa parte de seu peito, chegando ao ombro.

— Combinou perfeitamente com você. — Me aproximo, passando a


ponta dos dedos pelo desenho, imaginando o quanto ela o representa.

Beijo seu peito enquanto minhas mãos desafivelam seu cinto. Ele me
ajuda a tirar a própria calça, ficando rapidamente de cueca preta. Eu sempre

disse que ele não era tão musculoso, agora vejo como aqueles moletons me
enganaram.

Fico na ponta dos pés, beijando lentamente seu pescoço, vendo seus
olhos se fecharem enquanto as mãos firmes apertam minha cintura. Estou tão
exposta em sua frente... Em segundos o meu sutiã é aberto e jogado no chão,
o mesmo fim tem a minha calcinha. Mordo meu lábio, sentindo o desejo me
consumir. Dylan me pega nos braços e me coloca sobre os lençóis pretos.

— O que significa? — pergunta, passando a ponta dos dedos por minha


costela, onde tatuei a palavra Ressignificar.

— Dar um novo sentido a algo ou alguém existente. Quando decidi


fazer uma tatuagem, essa palavra veio rapidamente em minha mente. Me
representa muito.

Sorrio, vendo seus olhos brilharem.

— Não poderia ter uma definição melhor sobre você.

Sorri, depositando beijos e pequenas mordidas em meu pescoço. Fecho


os olhos, apenas sentindo o delicioso toque de seus lábios sobre minha pele,
me causando arrepios por causa da barba.

Dylan beija cada parte do meu corpo, deixando-me completamente


extasiada.

— Na primeira gaveta à sua esquerda — falo, vendo a dúvida em seus


olhos.

Dylan não perde tempo e logo me preenche. Seus toques são intensos à
medida que ele vai se movendo, uma sensação gostosa vai surgindo.

Seus movimentos vão aumentando e meu corpo começa a dar sinais. Se


ele continuar nesse ritmo, em breve ondas de prazer atingirão meu corpo.
Parecendo ouvir meus pensamentos, Dylan inverte nossas posições,

deixando-me por cima. Segurando minha cintura com uma mão, ele aumenta

o ritmo e logo sinto meu corpo estremecer em cima do dele.

— Ahhh, Dylan.

Beija-me de forma delicada.

Como ele consegue ser intenso e delicado ao mesmo tempo?

Com os olhos fixos nos meus, Dylan aumenta seus movimentos e


percebo que ele também está atingindo o ápice.

Com nossos corpos suados e cansados, caímos na cama. Fico com a


cabeça encostada no peito dele, sentindo as batidas aceleradas de seu coração.

— Algo me diz que de agora em diante estarei ferrado. Se apenas


sentindo seus lábios já era um tormento, imagine agora que tive o prazer de
senti-la por completo.

— Você não pediu desculpas, então tenho certeza de que será fácil lidar
com isso. — Sorrio, admirando seus lindos olhos enigmáticos.

— O que você está mudando em mim, Ayla? — É a última coisa que


escuto antes de ser vencida pelo cansaço.
Acordo assustada com a voz do Dylan. O relógio marca quatro da
manhã. Ele está tendo um pesadelo. Droga, eu tinha me esquecido

completamente.

— Dylan, acorda. — Mexo em seu corpo, tentando acordá-lo com


delicadeza, qualquer movimento brusco pode trazer lembranças negativas.

Seu corpo está encharcado de suor, imagino como essa sensação deve

ser extremamente horrível.

— Dylan, acorda, por favor. — Tento mais uma vez, quando ele abre
os olhos e me olha com uma expressão confusa.

Com a respiração acelerada, ele olha assustado em volta do quarto, se


familiarizando com o lugar. Dylan coloca o rosto entre as duas mãos,
praguejando baixinho.

— Você está bem? — pergunto, passando a mão em seus cabelos.

— Me desculpe, não queria te acordar — ele fala, se levantando. — Por


um maldito momento cheguei a pensar que teria uma noite de sono normal,
mas me enganei feio. Acho melhor eu ir embora, não quero te incomodar
mais.

— É claro que não deixarei você ir embora. — Levanto-me da cama,


paro a sua frente e seguro suas mãos. — Você vai ficar aqui, Dylan. Pelo
menos até que amanheça. Eu tenho uma ótima receita de chá, sempre que
tenho insônia eu tomo, vai te ajudar a descansar por mais algumas horas.

— Chá não faz nenhum efeito em mim, Ayla. — Seu tom de voz é
baixo e sinto um aperto ao vê-lo dessa forma.

— Você vai tomar um banho quente enquanto eu vou preparar o chá.


Isso não está em discussão, Dylan. — Beijo os lábios dele rapidamente. —
Tem toalhas limpas no armário do banheiro. Já volto.

Pego sua camisa no chão e a visto. Sigo para a cozinha e preparo o chá,
vai ajudá-lo a dormir pelo menos por mais duas horas.

Eu sabia que os pesadelos eram difíceis para ele, mas presenciar foi
totalmente diferente. Era perceptível em seu olhar o quanto ele sofria com
isso, reviver todos os dias a pior experiência de sua vida não é fácil. Por isso
sempre digo que precisamos cuidar da mente. Se não tiver pulso firme as
pessoas se entregam à dor.

Em tempo recorde preparo o chá, entro no quarto e encontro Dylan


sentado na cama, com o rosto entre as duas mãos.

— Toma, vai fazer bem para você.

— Obrigado. De verdade — diz, pegando a xicara de minhas mãos.

Ele toma tudo em um único gole, colocando a xicara na mesinha.

— Agora vamos nos deitar e descansar. Temos pouco mais de duas


horas antes de o sol começar a nascer.

Seguro em suas mãos, puxando-o para a cama.

Dylan se deita, me puxa para seus braços e fico ali, com a cabeça no
peito dele, sentindo as batidas aceleradas de seu coração. Sua mão sobe e
desce em minha perna e ficamos assim por um tempo, até que ele pega no
sono. O relógio marca cinco da manhã, graças a Deus hoje é sábado e não

precisarei trabalhar. Agora que ele adormeceu, posso me permitir fazer o


mesmo.

— Eu estarei ao seu lado — prometo antes de pegar no sono.


Capítulo 23

Dylan

A noite passada foi maravilhosa. Ter Ayla em meus braços foi a


realização dos meus sonhos. Seus lábios deliciosos, a forma como seu corpo
reagiu aos meus toques... Não tenho a menor dúvida de que essa mulher vai
ferrar com a minha mente, e isso é perigoso, pois não posso ser o cara que ela

merece. Talvez seja esse o motivo que me fez sair de seu apartamento sem ao
menos me despedir.

Quando estou ao lado eu me esqueço completamente o mundo. Senti-


me tão bem, que por um momento pensei que fosse ter uma noite de sono
normal. Como eu fui idiota. Consegui estragar totalmente o clima.

No caminho para casa até pensei em mandar uma mensagem, mas achei
melhor deixar assim. Sei que é bem escroto sair sem avisar depois de termos
dormido juntos. Mas eu não saberia lidar, e o medo de ver arrependimento

em seu olhar falou mais alto e dominou meus passos.

Na garagem o carro da minha mãe chama minha atenção, sinal de que


ela ainda não foi para o orfanato.

Tentando fazer o máximo de silêncio, caminho até o meu quarto, dando

de cara com dona Lucy saindo do dela.

— Bom dia, mãe — digo, beijando sua testa.

— Muito bom dia, filho — provoca, com um sorriso de canto.

— Nem comece, mãe. Vou tomar um banho e descer para ajudar no


restaurante.

— Mas eu nem falei nada, Dylan. Pela sua cara, a noite não foi como o
esperado.

— Não vou conversar com a senhora sobre isso, pode ir tirando o


cavalinho da chuva, mãe.

— Até parece que não sei o que vocês fizeram na noite passada.
Quando quiser conversar e me falar o motivo dessa cara emburrada, grita que
venho correndo. — Beija meu rosto antes de se retirar. — E outra, um pouco
de sexo vai te fazer bem, olha como estou bem humorada.
Ela grita da cozinha, deixando-me em choque com sua afirmação.

Começo a rir, sem acreditar que minha mãe realmente me falou isso.
Eu suspeitava que ela estava saindo com alguém, mas escutá-la falando sobre
sexo é tão estranho...

Decidido a esquecer essa desastrosa conversa, retiro toda minha roupa e


entro no banheiro. Com a água caindo sobre minha pele, lembro do toque da

Ayla e como me entreguei por completo naquele momento, mesmo não tendo
noção do quanto eu estava necessitado. Sua aparência angelical foi um
complemento na cama, deixando tudo mais intenso e delicado.

Por que tudo não foi diferente? Por que minha vida teve que dar uma
merda, para que eu conhecesse a Ayla?

Maldita hora que entrei naquele fórum. Tudo que eu menos preciso é
trazer Ayla para essa confusão que eu vivo.

Saio do banheiro e visto a primeira roupa que encontro, meu bom e


velho moletom. Passo a mão rapidamente pelo cabelo e pronto. O restaurante
já abriu, hoje não é meu dia, mas eu preciso ocupar minha mente, caso
contrário, o resultado pode ser desastroso, já que essa menina não sai da
minha cabeça.

Com o entra e sai de pessoas, depois de um longo dia de trabalho,


chegamos ao fim do expediente. Despeço-me dos funcionários e vou para
casa, frustrado por não ter recebido nenhuma mensagem da Ayla.

Era isso que eu queria, então por que isso me incomoda tanto?

A verdade é que não queria machucá-la, longe disso. Só queria evitar


que minha confusão a atrapalhasse.

— Pensei que não fosse chegar nunca. — Dou de cara com o Jordan

encostado na porta.

— Você não tem casa mais não?

— Se você atendesse a merda do celular, eu não teria que pegar minha


moto e vir aqui o tempo todo.

Eu vi as dezenas de mensagens, se fosse algo urgente ele me ligaria,


por isso deixei para ler quando chegasse em casa.

— Qual é o assunto da vez? — questiono, abrindo a porta para


entrarmos.

— Já passou o prazo que te dei, quero saber se topa se aventurar


naquele projeto que falei — questiona, se mostrando ansioso pela minha
resposta.

Pensei realmente na sua proposta, e se fosse em outro momento,


negaria veementemente, mas algo mudou e sinto que topar pode ser uma boa
ideia por vários motivos, principalmente porque fará parte da construção do
novo Dylan Collins.

— Eu topo, mas com algumas condições.

— Quais? — questiona, com um sorriso de ponta a ponta.

— Quero uma turma pequena, não pode passar de quinze mulheres.


Não vou trabalhar todos os dias, apenas quarta e sexta.

— Estou de acordo com tudo. Só estava esperando sua confirmação,


amanhã já vou abrir inscrições para sua turma. Vamos lá conhecer o local?

— Deixa só eu tomar um banho. Pode ficar à vontade, deve ter alguma


coisa para comer na geladeira.

— Precisa nem falar duas vezes — diz, se dirigindo à cozinha.

Rindo, deixo meu amigo na sala e sigo para o meu quarto. Antes de
entrar no banheiro, pego meu celular para conferir as mensagens e nem sinal
da Ayla.

Droga!

Preciso parar de me martirizar desse jeito.

Faço login no fórum e leio rapidamente os novos depoimentos. Antes


de sair, respondo alguns comentários. Fico feliz de saber que alguns deles
estão superando seus traumas.

Deixo o celular de lado e sigo para o banho.


Meu amigo soube escolher bem o lugar. O prédio é bem rústico,
combina perfeitamente com uma academia. As paredes possuem um tom de
marrom, fazendo uma alusão à madeira, e na parte de cima, espelhos deixam
um toque mais lúdico às salas. Se tudo correr do jeito que ele planejou, em

breve esse lugar será aberto e tem tudo para bombar.

Terminamos de ver tudo e eu estou pronto para ir embora quando


Jordan me chama para uma cafeteria que tem aqui ao lado. Com cinco
minutos de caminhada, chegamos ao local. Uma garçonete simpática pega o
nosso pedido e se retira.

— Posso saber o motivo de você estar tão longe?

— Não sei do que você está falando, Jordan. Eu sempre fui desse jeito,
esqueceu?

— Isso é verdade, mas tem algo de diferente. Perdi as contas de quantas


vezes você pegou o celular e ficou frustrado por não ter o esperado.

— Você por acaso está me espionando? — pergunto, irritado. Não com


ele, mas comigo, por ter deixado transparecer.

— Não estou te espionando, apenas sou um bom observador. — Somos


interrompidos pela chegada dos nossos pedidos, agradecemos e ela se retira.
— Por acaso tem relação com a Ayla?

— Já te falei o quanto você é irritante, Jordan?

— Só umas milhares de vezes. — Sorri e eu dou de ombros. — Pare de


enrolar e fale logo. Essa mulher mexeu com você, não foi?

— Só vou te falar porque preciso colocar essa confusão em minha

mente para fora. — Tomo um pouco do meu café. — Não me lembro de ter
te falado, mas nos conhecemos no fórum de ajuda. A gente trocava algumas
palavras e ela me dava dicas para melhorar. Resumindo, passamos a
conversar e descobri que ela ajuda lá no orfanato. Eu me desculpei por tê-la
beijado, pois não queria estragar a amizade que estávamos construindo.

Respiro fundo e continuo.

— Depois da merda que foi a minha primeira terapia, me peguei indo


para o seu consultório e depois de colocar o que estava me incomodando para

fora, nos beijamos mais uma vez. — Lembrar de seus lábios é perigoso, pois
me faz enxergar como eu faria tudo para beijá-la novamente. — Fui jantar em
seu apartamento ontem...

— Se você brochou, amigo, fique tranquilo, todo homem passa por isso
pelo menos uma vez na vida — zomba, rindo que nem um idiota.

— Como você é engraçadinho... É claro que eu não brochei, mas seria


melhor se tivesse acontecido. Assim eu não teria sentido o corpo dela reagir
ao meu, e nem teria ido embora antes de ela acordar. — Cubro os olhos com

as duas mãos, sentindo a frustração me dominar. — A todo o momento pego

esse maldito celular na expectativa de ter alguma mensagem.

— Pela lógica, acredito que ela esteja esperando uma mensagem sua. Já
pensou em se desculpar por ter sido um idiota?

— Não posso fazer isso pelo celular, mas também é perigoso eu fazer

pessoalmente.

— Perigoso por qual motivo?

— Se eu a ver em minha frente, não conseguirei resistir aos encantos


dela. Quando estou ao lado da Ayla, consigo esquecer completamente o
mundo ao nosso redor, e até me acho uma pessoa normal.

— Então, por que diabos está agindo como um adolescente?

— Porque a vida me mostrou que nunca conseguirei ser normal. Depois

de passar um momento excepcional, eu acordei às quatro da manhã com o


mesmo maldito pesadelo. Você tem noção de como me senti?

— Qual foi a atitude da Ayla? Não acredito que ela tenha te tratado
como uma aberração.

— Ela preparou um chá e me ajudou a voltar a dormir, a questão é...

— A questão é que você está sendo um idiota — fala, me


interrompendo — Não vejo um motivo válido para você fugir. Porra, ela te

conheceu em um fórum de ajuda para pessoas com traumas, é claro que ela

tem ciência de onde está se metendo. Acho que você foi um completo idiota.
Ter ido embora do apartamento foi bem escroto. Se fosse eu no lugar dela,
não ia querer te ver nem pintado de ouro.

— Obrigado, amigo, você é ótimo em conselhos — digo, sendo irônico.

— Deixe de besteira e vá procurá-la. É a primeira vez que você se


interessa por alguém, já deixou o medo interferir em sua vida, vai permitir
que isso aconteça de novo?

Ayla me fascina de todos os jeitos. Essa mulher me proporcionou um


dos melhores momentos, se não o melhor momento dos últimos dois anos da
minha vida. Seu sorriso, sua aparência angelical...

Será que é certo trazê-la para essa confusão que sou?


Capítulo 24

Ayla

De uma certa forma, já esperava não encontrar o Dylan ao amanhecer,


mas estaria mentindo se falasse que não doeu. Quando tateei a cama a sua
procura, constatar que ele não estava foi duro. Sei que as coisas são
complicadas para ele, por esse motivo darei tempo ao tempo, mesmo que

minha mente não pare de pensar nesse homem dos olhos enigmáticos.

Forço-me a parar de pensar no Dylan.

Esse fim de semana dedicarei minha atenção ao fórum, pois tem dias
que não o acesso. Com um pote de sorvete em mãos, sento-me no sofá e
começo a ler os depoimentos. É inacreditável como tanta gente passa por
problemas, e muitas vezes passa despercebido por outras pessoas. A mente é
nossa principal aliada, logo, se ela não está boa, todo resto fica ruim.

Respondo diversos depoimentos e fico feliz em saber que alguns


membros estão tendo avanços em seus tratamentos. Se for comparar quando
elas chegaram aqui com o agora, a mudança é totalmente perceptível.

Vendo essas coisas, não tenho a menor dúvida de que escolhi a


profissão certa. Não me vejo exercendo nada além da Psicologia. Por mais

que às vezes seja bem corrida a minha agenda, é isso que amo fazer.

Estou me preparando para sair quando o feed atualiza com um


depoimento do Dylan.

“Vocês já se sentiram confusos a ponto de não conseguirem pensar em


nada coerente?

Eu sempre falei aqui sobre os malditos pensamentos que me assolam e


finalmente estou conseguindo deixá-los de escanteio (pelo menos durante o

dia), mas tem um porém, não quero trazer a dona dos meus pensamentos
para essa confusão que é a minha vida.

Quero afastá-la e ao mesmo tempo correr em sua direção.”

Leio o depoimento dele e, por mais egoísta que seja, me pego sorrindo.
Ele sabe que tenho acesso ao SOS, mesmo assim colocou essa mensagem. Eu
imagino a confusão que deve estar em sua mente. Não nego, nesse momento
eu gostaria que ele estivesse aqui, daria tudo para beijá-lo.
Penso por uns minutos, por fim decido responder.

“Todos nós passamos por isso, uns sabem como agir, outros preferem
fugir. Acredito que você deva colocar na balança, só assim saberá o que é
melhor e mais viável para você.

Se precisar conversar, sabe que estou aqui.”

Fecho a página e foco minha atenção em minha agenda da semana.


Meus pensamentos têm nome e sobrenome, por isso tenho que ocupar minha
mente.

O que esse homem tem de tão diferente?

Seus olhos enigmáticos, a barba cobrindo boa parte do seu rosto, ou seu
sorriso tímido. Antes eu queria apenas ajudá-lo, agora quero desfrutar de seus
lábios. Se eu fecho os olhos, consigo sentir suas mãos percorrendo meu
corpo.

Santo Deus! Preciso parar de pensar essas coisas.

O sábado passa em um piscar de olhos e com isso o domingo chega


com tudo. Decido passar no orfanato, aposto que ficar na companhia das
crianças me fará bem.

Susan não atende minhas ligações e estou começando a ficar


preocupada com minha amiga. Desde nossa conversa sobre a descoberta da

gravidez, que ela anda sumida e como disse que não queria a criança, tenho

certeza que fez o aborto. Eu não concordo, pois o feto é um ser inocente, mas
não posso obrigá-la a seguir os meus princípios. Meu papel de amiga é lhe
dar conforto, mas todo esse sumiço me preocupa.

Depois de um percurso de meia hora de carro, chego ao orfanato e sou

recepcionada por algumas crianças. Cumprimento algumas funcionárias, e no


caminho para a biblioteca, encontro com a Lucy.

— Que surpresa, Ayla. Por que não me avisou que viria? — diz, me
cumprimentando com um beijo no rosto.

— Decidi de última hora. O que faz aqui em pleno domingo?

— O Dylan está impossível. Seu mau humor está maior que todos os
meses. Algo me diz que tem relação com você.

— Comigo? — pergunto, me fazendo de desentendida.

Não entendo. Eu que deveria estar frustrada, afinal, ele saiu como um
fugitivo do meu apartamento, fora que não mandou uma única mensagem.

— Sim, ele ficou assim depois que chegou do jantar que tiveram. Dylan
não quis me falar nada, mas tenho certeza de que foi isso.

— Não sei do que você está falando, Lucy.


Faço-me de desentendida de novo. É tão estranho saber que o filho dela
é o mesmo que habita meus pensamentos.

— Já entendi que você também não quer falar sobre o assunto. Só


espero que não estejam sendo cabeça dura. Vocês jovens adoram fazer essas
loucuras. — Sorri, me deixando envergonhada.

Uma funcionária aparece, dizendo que precisa de ajuda na

administração, e eu respiro aliviada. Não estava sabendo lidar com essa


conversa.

Sigo para a biblioteca e encontro um pequeno grupo de crianças.

Graças a Deus a ameaça de fechar foi completamente dissipada. Não


saberia ficar sem as minhas crianças. Por mais que eu não venha tanto como
gostaria, me apeguei a esses pequenos. Confesso que cada vez que venho
aqui, a vontade de adotar um deles cresce em meu peito.

— Será que tem espaço para a tia? — pergunto, animada, chamando


atenção deles.

— Tia Ayla — falam em uníssono, correndo para me abraçar.

— Quem aí quer que eu conte uma história?

Todos levantam as mãos, deixando-me contente com a alegria deles.


Sento-me no chão e escolho “Alice no país das maravilhas”. Com os olhinhos
atentos, eles escutam, encantados, a minha leitura. E como não poderia ser

diferente, me transformo em diversos personagens, levando as crianças à

gargalhada.

Entre gargalhadas e olhinhos brilhando, passamos um bom tempo


lendo. A hora do lanche chega e todas as crianças correm, exceto o Heitor,
que me parece bem abatido.

— Meu amor, você está bem? — pergunto, me aproximando.

— Não muito, tia.

— O que aconteceu? Está sentindo alguma dor? — questiono,


preocupada, olhando minuciosamente à procura de um machucado.

— Sim, aqui, ó. — Coloca a mão no peito e sinto um nó na garganta.


— É verdade que ninguém nunca vai me adotar, tia? — Sua voz é baixa e me
parte o coração ver a tristeza em seu olhar.

— De onde tirou isso, pequeno? É claro que isso não é verdade. Tenho
certeza que vai aparecer uma família linda para te adotar.

— Eu já tenho dez anos, as pessoas só gostam de adotar bebês. Meus


colegas estão certos, eu passarei toda minha vida aqui. Se nem a minha mãe
me quis...

Senhor, não tenho emocional suficiente para vê-lo falando dessa forma.
Heitor é uma criança meiga, prestativa e um encanto, o sonho qualquer pai e

mãe.

— Olha pra mim, pequeno. — Seguro em suas mãos. — Qualquer


pessoa ficaria muito feliz de tê-lo como filho. Esses meninos que disseram
que só bebês são adotados, estavam apenas zoando você. Não se preocupe, no
momento certo chegará alguém para adotá-lo e essa pessoa vai te amar muito.

— Promete, tia Ayla?

Tem os olhos fixos em mim, ansioso por uma resposta. Sei que é bem
arriscado, mas não posso fazer outra coisa que não seja prometer.

— Prometo, pequeno. — Abraço seu corpo minúsculo.

Acho que eu tive a resposta para as minhas perguntas silenciosas.


Heitor é um amor de criança e eu não me importaria de ser sua mãe. Será que
chegou o momento de dar esse passo em minha vida?
Capítulo 25

Dylan

Perdi as contas de quantas vezes peguei esse maldito celular. Já digitei


várias mensagens para a Ayla, todas apagadas com sucesso. Eu sabia que
tinha uma grande chance de ela ler o meu depoimento e ver que seu
comentário realmente me surpreendeu.

Droga! Passei todo o fim de semana pensando e não cheguei à


conclusão nenhuma. Amanhã tenho outra sessão de terapia, preciso fazer um
esforço por vários motivos, entre eles ser alguém melhor para conquistar a
Ayla.

O horário do almoço passa e o movimento do restaurante fica mais


fraco. Depois de um entre e sai intenso de pessoas, uma em especial me
chama atenção.

Ayla.

Mas ela não está sozinha. O mesmo cara do orfanato a acompanha. Eles
se sentam em uma mesa reservada e rapidamente nossos olhares se cruzam.

Tento não transparecer o ciúme que estou sentindo, mesmo que seja

impossível a cada segundo. Quero olhar para ela de perto, então pego o
bloquinho e vou até eles.

— Boa tarde. Já sabem o que vão pedir? — pergunto, sério, olhando


diretamente para Ayla.

— Oi, Dylan. — Sorri, olhando-me fixamente. — Vou querer o mesmo


de sempre, por favor. E um suco de laranja para acompanhar.

— Tenho certeza de que Ayla tem um bom gosto, vou querer o mesmo.
— Arqueio uma sobrancelha, sem acreditar que esse idiota está dando em

cima dela.

— Ok! Os pedidos estarão prontos em vinte minutos — falo, me


retirando, tentando controlar a vontade de reivindicar algo que não é meu.

Eu não deveria sentir ciúmes, ela não é minha e talvez nunca seja.

Passo a comanda para a cozinha e atrás do balcão continuo os


observando. Eles conversam de forma animada e o idiota não perde a chance
de passar a mão nos braços da Ayla. Percebo seu desconforto e a vontade de

ir até eles e tirá-la de perto desse idiota é maior a cada instante.

— Disfarça essa cara, patrão. Não sei como eles ainda estão vivos —
Cael diz, chamando minha atenção.

— Essa é a única cara que tenho, Cael. Ficou maluco? — Olho para ele
com cara de poucos amigos.

— Claro, até porque é supernormal fuzilar os clientes dessa forma —


fala com ironia, me fazendo olhá-lo de cara feia. — Ok, não está mais aqui
quem falou.

Rindo, se retira, me deixando sozinho novamente.

Por que esse ciúme louco dentro do meu peito? Vê-la com outro é
como um soco no meu estômago. Ela se entregou quando estávamos juntos,
imaginar que outro homem vai tocar seu corpo me deixa furioso.

Paro de ficar me martirizando e vou atender outras mesas, mesmo que


minha atenção esteja voltada apenas para uma. A dona dos meus
pensamentos. Quase uma hora depois, eles pagam a conta, se despedem com
um beijo no rosto e ele se retira.

Antes que Ayla possa ultrapassar a porta, a seguro pelo braço.

— Preciso falar com você — digo, próximo ao seu ouvido, fazendo sua
pele arrepiar.

— Sou toda ouvidos — ela concorda, olhando-me fixamente.

— Aqui não. Vem comigo.

Retiro o avental e seguro em suas mãos, caminhando para minha casa.

Abro a porta, dando passagem para que ela entre. Esperando que eu

fale, Ayla tem os braços cruzados na altura do peito, olhando-me


intensamente.

— Por que estava com aquele homem?

— É normal amigos almoçarem juntos. — Dá de ombros, me


encarando.

— Ele não quer ser seu amigo. Estava claro no jeito que ele te olhava e
não perdia a chance de passar a mão em você.

— Por mais que eu tenha muitas habilidades, ainda não posso interferir

nos sentimentos de outras pessoas. Eu quero apenas a amizade dele, se ele


não quer o mesmo, paciência.

— Você não imagina como me controlei. Minha vontade era de ir até a


mesa e tirá-la de perto dele. Toda vez que ele passava as mãos em você...

— E por que não fez? — indaga, olhando-me fixamente.

— Porque não tenho esse direito.


Saber que não tenho esse direito me corrói. Ayla é uma mulher
belíssima em todos os sentidos, claro que choveria caras atrás dela.

— Afinal de contas, o que você quer, Dylan? — sussurra, se


aproximando. — Você não pode chegar e exigir nada, não quando, até hoje,
espero sua bendita ligação.

— Você não imagina como está sendo difícil. Não consigo tirá-la da

cabeça, ao mesmo tempo que quero esquecê-la. Você domina diariamente


meus pensamentos. — Passo a ponta dos dedos por seu rosto. — Minha vida
é uma tremenda confusão, você não merece fazer parte disso.

— Eu acho que sou adulta o suficiente para saber o que quero da minha
vida. Quando decidi me envolver com você, eu já sabia de toda a carga que
vinha junto.

— É mais difícil do que parece, Ayla — falo com pesar.

— E você ainda complica tudo, Dylan. Por que não viver sem pensar
no amanhã?

— Por que você precisa ser tão especial? — pergunto, segurando seu
rosto com as duas mãos. — Não consigo tirá-la da cabeça. Seu lindo sorriso,
seus olhos cheios de vida... Olha nos meus olhos, como posso te arrastar para
essa confusão que sou?

— Já parou para pensar que eu posso querer entrar nessa confusão? —


Ela cola nossos lábios em um beijo calmo e delicado. — Você precisa me

deixar entrar, caso contrário, não pode ficar tendo esses ataques de ciúmes.

— Eu queria que você aparecesse em outra fase da minha vida. —


Coloco uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — Eu quero você, Ayla
Mitchell, mesmo que isso signifique ferrar mais ainda a minha mente.

Beijo-a, sentindo a maciez de seus lábios junto aos meus. Como se

fosse a última gota de água do deserto, me entrego completamente ao


momento, aproveitando cada segundo ao lado dessa maldita mulher que me
faz esquecer o mundo.

— Ainda não te perdoei por ter ido embora do meu apartamento — ela
fala assim que nos afastamos.

— Vou te compensar, eu prometo. — Beijo sua testa, puxando-a para


um abraço.

— Quero ver como vão negar agora.

Nos afastamos, assustados com a chegada repentina da minha mãe.

— Oi, mãe. Chegou cedo hoje.

— Sim, queria jantar com meu filho.

Ela deposita um beijo na minha bochecha e outro na de Ayla.

— Oi, Lucy. Acho melhor eu ir embora — diz, sem jeito.


— Claro que não! Você vai jantar conosco e não aceito negativa.

— Sério, não quero atrapalhar o plano de vocês... — Pega sua bolsa,


achando realmente que dona Lucy vai deixá-la ir.

— Você já não atrapalhava, agora que está com o meu filho, não
atrapalha mesmo. — Sorri, deixando Ayla cada vez mais vermelha. — Vou
tomar um banho rápido, espero te encontrar quando eu retornar.

Olho para ela, rindo, vendo como a doutora ficou vermelha igual um
tomate.

— Acho melhor você parar de rir, Dylan — ameaça, emburrada,


cruzando os braços.

— Vem aqui, anjo. — Puxo-a para meus braços, envolvendo seu corpo
minúsculo.

— Do que me chamou? — Dirige-me um lindo sorriso.

— Anjo. Meu lindo e doce anjo. — Beijo levemente seus lábios,


sentindo as batidas frenéticas do meu coração.

Meus planos eram outros, deixar Ayla livre sem trazê-la para essa
confusão. Eu planejava seguir, só não contava que ela aparecesse no
restaurante e um ciúme louco tomasse conta de mim. Eu não sei o que vai
acontecer de agora em diante, mas não posso negar o poder que essa mulher
tem sobre minha mente.
Capítulo 26

Ayla

Santo Deus! Estava tão cega que esqueci completamente que o Dylan é
filho da Lucy. Se eu tivesse lembrado desse detalhe importante, falaria para
conversarmos em outro lugar. Como posso olhar na cara dela? Antes
tínhamos contato no restaurante e também no orfanato. Não queria que ela

me visse nos braços de seu filho.

Dylan não disfarça o riso. Por mais que eu esteja amando vê-lo sorrir,
quero matá-lo por fazer hora da minha cara. Nesse momento não cai uma
ligação urgente.

— Estou vendo as engrenagens do seu cérebro daqui, não adianta


arrumar uma desculpa, minha mãe não deixará você sair antes do jantar —
Dylan diz enquanto ando de um lado para o outro. — Não entendo o motivo
da sua vergonha.

— Se ela perguntar o que nós temos, o que vou dizer? “Ah, Lucy, seu
filho e eu apenas dormimos juntos uma vez e ele foi embora do meu
apartamento, e esse era o motivo de ele ter ficado emburrado esses dias”. —
falo, irônica, revirando os olhos.

— Respira. Por mais que seja a vontade dela, dona Lucy não vai te
encher de perguntas, pelo menos não por agora. — Segura meu rosto,
forçando um contato visual. — Se ela perguntar se estamos juntos, basta falar
que estamos nos conhecendo. E não se preocupe, estarei aqui do seu lado.

— Ayla, me ajuda na cozinha? — Lucy pergunta, chegando na sala.

— Claro, ajudo sim.

— Quero ver quando chegar sua vez, senhor Dylan. — Sorrio e ele me

olha sem entender nada.

Confesso que nem eu entendi. Passei o fim de semana pensativa,


chateada por não ter recebido uma única mensagem sua. Agora estou aqui,
dando a entender que ele vai conhecer os meus pais.

Deus, eu só posso ter enlouquecido de vez!

Kalel me chamou para almoçar e sei que foi errado, mas sugeri irmos
para o restaurante da Lucy, queria ver o Dylan e quem sabe fazê-lo tomar

alguma iniciativa. Sinto muito por usar o Kalel dessa forma, da próxima vez

vou deixar bem claro que não vai rolar nada entre nós. Pelo menos não
enquanto o Dylan tomar conta de meus pensamentos diários.

Por que esse homem mexe tanto comigo? A cada encontro fico mais
sedenta de seus lábios, imaginando como seria sentir suas mãos passeando

por meu corpo.

Ayla, Ayla... Pare de pensar essas besteiras.

Forço minha mente a concentrar no agora.

— Respira, menina. Você sabe que não sou um bicho de sete cabeças.
— Lucy ri enquanto tira umas coisas da geladeira. — Não vou te colocar em
uma salinha e fazer um interrogatório.

— Isso é tão estranho, sabe? A gente passou meses conversando no

restaurante, eu ia até o orfanato e tudo mais, mas em nenhum momento


falamos sobre o seu filho, e por coincidência acabamos nos conhecendo em
um fórum de ajuda. — Dou um fraco sorriso. — E agora estou na sua casa
depois de você ter nos encontrado abraçados.

— Justamente por me conhecer. Você sabe que não serei uma sogra
ruim.

— Sogra? Nós não estamos namorando, Lucy. Apenas nos conhecendo.


— Quando meu filho disse que te conhecia, essa minha mente fértil já
imaginou vocês dois juntos. E falei isso várias vezes para ele. Você é uma

menina de ouro, Ayla. — Se aproxima, segurando minhas mãos. — Você é a


nora que toda sogra gostaria de ter. Além do mais, é notável a mudança do
Dylan depois que ele te conheceu.

— Eu apenas o ajudei como amiga. Meu intuito desde o começo era

ajudá-lo...

— Mas um outro sentimento nasceu — afirma, me deixando sem jeito.

— É tudo muito confuso, Lucy — confesso sem encará-la.

— Eu imagino, e não posso julgá-la por isso. Só te peço que não desista
do Dylan. Ele já sofreu muito e é difícil voltar a se abrir com uma pessoa. —
Dá um fraco sorriso. — Ele gosta de você, não tenho dúvidas.

— É. Eu também gosto do seu filho. — Sorrio, olhando para ele, que

me dirige um tímido sorriso em troca.

Eu gosto do Dylan, não posso negar. Se eu tinha alguma dúvida de que


estava ferrada, agora se dissipou totalmente.

— O que vocês tanto conversam? — Dylan pergunta, se aproximando


da cozinha.

— Nada. Estávamos apenas resolvendo o que fazer para o jantar. —


Lucy me dirige um sorriso maroto. — Daqui a pouco estará tudo pronto.

— Você está bem? — pergunta próximo ao meu ouvido.

— Sim, melhor do que antes. — Sorrio, beijando seu rosto e voltando


minha atenção para os preparativos.

Dylan não pareceu muito convencido, mas assentiu e voltou para a sala,

concentrando sua atenção em um jornal que passava na televisão. Tem tanta


coisa rodando em minha mente, por ora focarei no jantar e o resto resolvo
depois.

— Oi, Lisa. Como vai? — pergunto assim que entro na sala.

Me acomodo na cadeira, pegando o tablet para conferir as últimas

anotações sobre a Lisa. Lembro que ela estava feliz, pois pela primeira vez
estava fazendo amigos na faculdade.

— Oi, doutora, pela primeira vez me sinto bem por completo, sabe? —
Sorri, me deixando feliz por sua mudança.

— Isso é maravilhoso, Lisa. Quer me contar o que aconteceu?

— Lembra que te falei sobre a faculdade? — Aceno que sim. — Então,


depois de alguns trabalhos em grupo, meus colegas passaram a me chamar

para sair. Fomos para o cinema, barzinho, e até fizemos uma reunião na casa

da Cameron. Pela primeira vez estou me sentindo inclusa. Eles não me olham
torto e conversam comigo igual a todas as outras pessoas.

— Eu te disse que isso aconteceria. Você é uma menina encantadora, se


fosse na minha época de faculdade você seria o tipo de amiga que eu andaria.

— Sorrio e vejo que ela esconde algo. — Tem mais alguma coisa
acontecendo?

— Eu acho que estou apaixonada — fala de supetão, enterrando o rosto


na almofada.

— E por que não tem certeza?

— Tudo é tão confuso, sabe? Eu penso nesse menino o tempo todo,


quando estamos juntos sinto como se meu coração fosse sair pela boca. As
batidas do meu coração ficam frenéticas e penso o tempo todo em beijá-lo

mais e mais — ela conta, pensativa. — Eu me sinto tão bem quando estou ao
lado dele. Nunca me apaixonei, mas acho que seja assim.

Meneio a cabeça, concordando. Vê-la falar desse jeito lembra a mim


mesma. Quando estou com o Dylan é assim que me sinto, quando trocamos
mensagens é com um sorriso bobo que fico nos lábios. As batidas do meu
coração ficam aceleradas, sinto como se tivesse borboletas no estômago, e o
principal, passo boa parte dos meus dias pensando naqueles olhos
enigmáticos e lábios tão viciantes.

Deus! Sem perceber, me apaixonei por ele.

— Doutora? — Vejo Lisa estalando os dedos na frente do meu rosto.

— Desculpe, acabei me deixando levar por meus pensamentos.

— Percebi. Levei um tempo chamando sua atenção. — Sorri de um


jeito travesso. — Mas então, a senhora acha que eu estou apaixonada?

— Pela experiência que tenho, sim. Talvez você esteja apaixonada por
esse garoto. Só resta saber se é recíproco.

— Ele disse que estava apaixonado por mim, no entanto, eu surtei e saí
correndo — diz, envergonhada.

— Não esperava outra reação. Mas se ele gosta mesmo de você, vai
entender e em breve estarão juntos. Você é uma menina linda, Lisa, nunca se

esqueça disso.

Sorrio, sendo sincera com ela.

Já acompanho Lisa há um ano. Lembro da menina tímida e retraída que


chegou aqui nas primeiras sessões. Aos poucos ela foi se abrindo e fico
contente de ver seu avanço. Lisa merece ser feliz e seu momento finalmente
chegou.
Terminamos a sessão e com um sorriso iluminado ela diz que irá
procurar o garoto para confessar seus sentimentos. Vê-la tão confiante e

decidida me deixa com um pouco de inveja. Eu deveria dizer ao Dylan a


minha recém descoberta, mas tenho medo de uma reação negativa. Por mais
que ele tenha progredido bastante, ainda preciso dar um passo de cada vez.

Eu estou apaixonada por ele, não tenho dúvidas a respeito disso. Esse

homem chegou de mansinho em minha vida, despertando um sentimento que


não fazia parte do combinado.

Dylan Collins, como não me apaixonar?


Capítulo 27

Dylan

Eu precisava colocar um pouco dessa adrenalina para fora, por esse


motivo optei por vir correndo até o consultório do Doutor Andrew. Foram
apenas cinco quilômetros de distância. Minha mente está fervilhando de
informações, os dias estão passando e a certeza de um sentimento mais forte

toma conta de mim.

Eu tentei resistir. Me apaixonar pela Ayla poderia ser muito perigoso,


não conseguiria me afastar e isso infelizmente aconteceu. Essa menina doce
me encantou, conseguiu mexer em algo que eu pensei não existir mais.
Minha vida ganhou um sopro diferente, um motivo para me arrancar um
sorriso.
Seu lindo sorriso, seus beijos, a forma como seu corpo reage de
imediato quando estou perto. No momento que a tive em meus braços, sabia

que estava fodido.

Será que devo contar que me apaixonei por seus lindos olhos?

— Oi, eu sou o Pedro — um garotinho diz, chamando minha atenção.

— Eu sou o Dylan — apresento-me, aguardando o horário da minha


sessão.

— Você é paciente do meu papai?

— Quem é o seu pai? — questiono, visto que são três médicos nesse
andar.

— Andrew. Ele disse que atende pessoas que precisam de ajuda. Você
também precisa? — O menino parece interessado, me olhando por trás dos
óculos de grau.

— Sim, eu sou paciente do seu pai. No começo eu achava que não


precisava, mas estava enganado. Será que seu papai consegue me ajudar?

— Claro, ele é o melhor — fala, orgulhoso, me arrancando um sorriso.

— Pedro, eu estava igual uma louca te procurando. — Uma mulher


loira aparece, pegando o menino pelos braços.

— Eu estava aqui conversando com meu novo amigo, mãe. Ele é


paciente do papai.

— Desculpa. Um minuto de distração e ele sumiu. Espero que não


tenha incomodado.

Ela abre um fraco sorriso.

— Não se preocupe. Como ele mesmo disse, somos novos amigos. —

Dou uma piscada para ele, que me retribui com um sorriso. — Seu filho é
uma criança encantadora. Parabéns!

— E muito tagarela também. — Doutor Andrew aparece, beija os


lábios da mulher e deposita um beijo na testa do Pedro. — Pronto, Dylan?

— Foi um prazer, Pedro. — Sorrio, caminhando para a sala.

Acomodo-me no divã e logo em seguida o Doutor entra, se acomoda


em sua poltrona e diz:

— Olá, Dylan, como você está? — Ele me parece tão calmo que às

vezes me irrita.

— Estranhamente bem, apesar de tudo. — Sou sincero, porque


realmente me sinto bem, eu diria até que... feliz.

— Por que seria estranho?

— Por mais que eu levantasse da cama todos os dias, um sentimento


ruim tomava conta de mim. O medo, receios e flashes me atormentam vinte e
quatro horas por dia, agora posso dizer que os pesadelos são meus únicos

problemas.

— O que mudou na sua vida?

— Talvez a presença de um anjo. — Me olha, confuso, fazendo


algumas anotações.

— Como você descreveria esse anjo, Dylan?

— Um metro e sessenta, cabelos castanhos, olhos da mesma cor, uma


aparência angelical e a dona dos meus pensamentos diários.

— Então esse anjo é uma mulher.

Vejo um vislumbre de sorriso no rosto dele.

— Sim — limito-me a dizer.

— Vocês se conhecem há muito tempo?

— Não muito, só alguns poucos meses.

— Ela sabe dos seus problemas?

— Sabe. Na verdade, nos aproximamos justamente por causa deles. Ela


é psicóloga, estava me ajudando, até nos conhecermos pessoalmente e tudo
mudar.

— Como você se sente em relação a tudo isso?


— Confuso pra caramba. Quando estou com ela, esqueço
completamente o mundo, só consigo pensar em beijá-la e desfrutar de sua

presença. Ainda tenho receios de muitas coisas, mas sinto como se eu


estivesse vivo de novo, sabe?!

Sentir-me vivo novamente é estranho, porém, bom. Essa mulher não


tem noção de como me faz bem. Uma simples mensagem de bom-dia já me

alegra. Talvez tenha sido nessas pequenas coisas que me apaixonei


perdidamente por Ayla.

— Então, se eu te perguntar agora sobre o atentado, qual a primeira


coisa que vem em sua mente?

— Dor.

— E qual o tamanho dela?

— Suportável.

Olho confuso para ele. Diferente de todas as vezes, a dor está presente,
no entanto, completamente suportável. Uma parte da minha mente lembra
com detalhes do atentado, tiros, gritos e muito sangue. A outra parte tem um
lindo e doce sorriso, estamos deitados em sua cama e Ayla tem a cabeça
encostada em meu peito.

— Consegue me descrever uma lembrança boa dos seus companheiros?


Fico um tempo em silêncio, refletindo. Eles eram meus amigos e todas
as lembranças que vinham em minha mente eram ruins. Eu não conseguia

pensar nas vezes que aproveitamos um barzinho ou quando fomos fardados


para uma boate e a mulherada ficou louca. Agora é diferente, pensar nessas
situações faz um sorriso sincero despontar em meus lábios.

— Janeiro de dois mil e dezesseis, um dia antes de voltarmos para

nossa missão, Bryan conseguiu algumas entradas para uma badalada boate.
Não íamos ter tempo de voltar para casa, então deixamos nossas malas no
carro e fomos fardados. Nunca vi tanta mulher em um lugar só. — Sorrio,
com flashes desse dia em minha mente. — Bebemos tanto que apagamos e no
dia seguinte chegamos atrasados. Bryan, Greg, Luca, Jordan e eu ficamos
uma semana pagando punição por isso.

— Se arrepende desse momento?

— Não, só gostaria que ele tivesse durado mais tempo — falo com a

voz embargada. — Infelizmente, Greg e Luca morreram no atentado, e nosso


grupo nunca mais foi o mesmo.

Sinto um aperto no peito, lembrando dos meus amigos. Ser militar foi
algo que sempre sonhamos, é doloroso saber que eles não estão mais aqui. As
lembranças das nossas saídas, do jeito brincalhão do Greg... dói que a última
imagem que eu tenha deles seja cruel. Acho que essa ferida nunca vai se
curar, estará sempre aberta em meu peito.

— Na última vez que nos encontramos foi difícil para você, porém, era
necessário fazer aquele exercício de foco. TEPT é uma doença que não tem
cura, acontece que você aprende a viver com ele. Não será um caminho fácil,
mas você tem um aliado nessa caminhada, a mulher que você intitula como
anjo. O amor em algumas situações serve como remédio e até terapia — ele

explica, olhando fixamente em meus olhos. — Confesso que me surpreendi


com sua evolução, e por mais que você ache que já está curado, não deixe de
vir as sessões.

— Talvez me apaixonar seja como uma terapia mesmo, e finalmente eu


consiga ter uma vida normal.

Doutor Andrew não diz nada, apenas balança a cabeça positivamente.


Não vou negar, pensar em desistir da terapia passou pela minha cabeça, mas
ainda não é o momento. Apesar de me sentir vivo, não me sinto bem por

completo. Essa foi apenas a primeira etapa, tenho muitas outras pela frente
para vencer.

A sessão termina, nos despedimos com um aperto de mão e a promessa


de uma nova consulta em duas semanas. Ao sair do prédio, pego meu celular
e mando uma mensagem para Ayla.

Dylan: Ainda no consultório?


Ayla: Sim. Vou começar agora na última sessão.

Dylan: Quanto tempo ela costuma durar?

Ayla: Essa em questão será quarenta minutos. Posso saber o motivo


desse interrogatório, senhor Dylan?

Dylan: Nada. Só estou com saudades da doutora Ayla.

Ela não responde mais, acredito que o paciente tenha chegado. Pego um
táxi e sigo para seu consultório. Eu preciso vê-la, sentir como seu corpo se
encaixa em meus braços, como as batidas do meu coração aceleram quando a
vejo. Tudo que eu preciso nesse momento é sentir seus lábios macios colados
ao meu.

Encostado em uma pilastra, vejo o exato momento em que Ayla sai do


elevador, me dando uma belíssima visão de como está linda. Seus cabelos

estão presos, seus olhos, que tanto amo, estão por trás dos óculos. Tão bela e
delicada.

Como pode ser tão linda?

Ela estava passando apressada quando eu digo:

— Com pressa para algum compromisso, anjo? — Um sorriso surge de


imediato em seus lábios.
— Dylan. — Me abraça e sou atingido em cheio por seu doce perfume.
— Que surpresa maravilhosa! Eu estava indo até o restaurante.

— Você não respondeu minha mensagem.

— Meu celular descarregou e justo hoje não trouxe o bendito


carregador.

Revira os olhos. Percebi que ela faz isso quando está chateada, ou é
contrariada.

— Está de carro? — questiono assim que nos afastamos.

Acho que chegou o momento de tirar meu carro da garagem. Por conta
de toda situação, achei que era melhor evitar dirigir. Mas agora as coisas
estão mudando, ficar andando de táxi não tem mais sentido.

— Sim, para onde vamos?

— Ao parque perto do restaurante. Depois jantamos, pode ser?

— Perfeito para mim. — Sorri, segurando minha mão enquanto


caminhamos.

Em um clima completamente leve, chegamos ao parque em meia hora.


Como está perto do pôr do sol, o lugar está começando a encher, mas
conheço uma parte mais sossegada. Caminhamos por volta de cinco minutos,
quando paramos em frente a uma árvore onde a visão do sol é perfeita.
— Uau, Dylan, esse lugar é maravilhoso — Ayla exclama, encantada,
com um sorriso enorme.

— Quando eu era criança vinha muito aqui. Simplesmente me sentava


e admirava o pôr do sol. A paz desse lugar é indescritível.

Sento-me encostado na árvore, puxando Ayla para ficar entre minhas


pernas. Ficamos assim por um tempo, apenas admirando a linda obra de arte

a nossa frente. Com ela em meus braços, esquecer dos problemas parece o
mais certo. Como eu poderia imaginar que essa menina iria mexer tanto
comigo?

— Com certeza esse lugar acabou de entrar na minha lista de


prediletos. Todo esse verde ao nosso redor completa essa paisagem
maravilhosa do pôr do sol. — Vira-se, beijando-me rapidamente.

— Tio. — Um menino franzino aparece, carregando uma cesta com


rosas. — Compra uma rosa para me ajudar?

— Claro, garotão, quanto é?

— Dez cada uma.

— Eu quero uma vermelha e outra branca. — Entrego o dinheiro em


suas mãos, pegando as flores. — Pode ficar com o troco.

— Obrigado, tio. Tchau, moça bonita. — Vai embora, oferecendo as


rosas para outras pessoas no parque.

— Aqui, são para você. — Fico na frente da Ayla, entregando as rosas.

— Obrigada. Elas são lindas.

Leva as flores ao nariz, inalando o aroma delicado das rosas.

— Sabe por que escolhi uma de cada cor?

— Não, por qual motivo? — questiona, sorridente, alternando o olhar


entre mim e as rosas.

— Essa rosa vermelha representa o meu coração nesses últimos meses.


Vermelho de sangue... sangue dos meus amigos e de todos que perderam suas
vidas naquele ataque. Carregado da dor que não desejo nem ao pior inimigo.
Antes de nos conhecermos eu vivia em minha bolha, mesmo que fosse difícil,
era a minha realidade, eu precisava aceitar, mas tudo mudou com sua
chegada.

Seguro sua minúscula mão entre as minhas.

— Essa rosa branca representa você, um doce anjo que chegou em


minha vida. Talvez você não tenha noção do quanto me faz bem, Ayla. Você
é doce, delicada, encantadora, linda, e a dona dos meus pensamentos. —
Levo sua mão ao peito, para que sinta as batidas do meu coração. — Antes,
aqui só tinha dor, hoje divide espaço com um sentimento que pensei não ser
possível. Você me conheceu em uma das piores fases da minha vida, e ainda

assim me apaixonei por você, anjo.

— Ai, senhor...

— Eu sabia que no momento que a tivesse em meus braços eu estaria


fodido. Foi o que aconteceu. Não consigo tirá-la da cabeça, e mesmo não
sendo reciproco, quero que saiba que estou perdidamente apaixonado por

você, Ayla.

Ela não diz nada, apenas cola nossos lábios, beijando-me de forma
delicada, como se quisesse me dizer algo. Seguro seu rosto com as duas
mãos, aprofundando mais o beijo, sentindo meu corpo reagir de imediato,
desejando que estivéssemos apenas nós dois.

— Como você pode pensar que não é recíproco? — Ayla diz assim que
nos afastamos. — Dylan, não é segredo que meu intuito no fórum é ajudar as
pessoas e com você não era diferente. Mesmo sem nos conhecermos, eu já

sentia algo diferente, porém, não sabia explicar. Quando nos conhecemos
pessoalmente, seus olhos enigmáticos logo me chamaram atenção. Tentei a
todo instante me convencer de que você era meu paciente, talvez assim
conseguisse frear o sentimento que tentava habitar meu peito.

Olho fixamente em seus olhos, preso em sua imensidão.

— Não estava em meus planos, mas me apaixonei por você, mesmo


quando minha intuição dizia que era errado.

— Errado por quê?

— Porque eu deveria te ajudar, não trazer mais complicações para sua


vida. — Dá um fraco sorriso, seguido de uma respiração profunda.

— Não, pelo contrário. Estar com você tem me ajudado. Quando estou

ao seu lado esqueço tudo e me concentro apenas no lindo anjo a minha frente.
Ayla, você é minha terapia, o melhor remédio que existe é sentir a maciez de
seus lábios.

Colo nossos lábios mais uma vez, me entregando por completo a essa
mulher.

— Você disse que me queria, mesmo que isso ferrasse de vez sua
mente. Como isso pode ser bom?

— É de uma forma boa, pode apostar. — Puxo-a para um abraço. —

Namora comigo, Ayla?

— Você ainda tinha dúvidas quanto a isso, senhor Dylan? — Sorri, se


jogando em meus braços.

— Eu vou errar em alguns momentos, terei medos e receios bobos, mas


não desista de mim.

— Impossível eu desistir de você. Essa é a vantagem de te conhecer em


um fórum de ajuda, sei todos os seus medos. — Levantamos e ela rodeia os

braços em volta da minha cintura. — Que tal se fôssemos comer? Estou

morrendo de fome.

— Vamos logo! Não quero deixar minha namorada com fome. —


Sorrio, segurando em suas mãos.

— Namorada. Gostei de como soa em sua voz.

Sorri e caminhamos de mãos dadas pelo parque.

Meus dias se resumem a recomeços, saber que Ayla estará ao meu lado
me dá ânimo para enfrentar os dias de tempestades que podem surgir.
Capítulo 28

Ayla

Dois meses se passaram desde o dia em que Dylan me pediu em


namoro. Sabe quando você está tão feliz a ponto de sorrir o tempo inteiro? É
assim que estou me sentindo. Dylan é uma verdadeira montanha russa, não
posso negar, mas é a adrenalina mais gostosa que eu já vivi.

Não ficamos juntos intimamente depois da nossa primeira vez, porque


infelizmente minha agenda está me sufocando, também por ele ter começado
a trabalhar na academia, então acabamos nos desencontrando. Poderíamos
dormir juntos, mas ele ainda tem receio, acha que vai me incomodar se
acordar de madrugada. Eu nunca tive dúvidas de onde estava me metendo, e
se fosse possível, acordaria todos os dias às quatro da manhã para ficar com
ele.
Todos os dias, ao desligar uma chamada de vídeo, a vontade de dizer
“eu te amo é grande”. Amo seu tímido sorriso debaixo daquela barba, amo o

jeito carinhoso que ele me trata. Dylan me surpreende sempre, talvez o amar
já seja a coisa mais certa que eu poderia fazer.

Contei aos meus pais sobre ele e todos ficaram felizes por me verem
em um relacionamento, exceto o James. Meu irmão sempre foi protetor

demais, quando erámos adolescentes isso me incomodava bastante. Eles estão


tão ansiosos para conhecerem o Dylan e a minha sogra, que até já
conversaram através de chamada de vídeo.

Aproveito meu intervalo de dez minutos e mando uma mensagem para


o causador dos meus sorrisos.

Ayla: Tem planos para essa noite, senhor Dylan?

Dylan: Sim, pretendo jantar com a mulher mais linda desse mundo.

Ayla: Que sortuda! Além de ser linda, namora um homem muito


galanteador. Jantar lá em casa hoje?

Dylan: Claro que sim. Estou morrendo de saudades da minha


namorada preferida hahahaha.

Ayla: E quantas namoradas você tem mesmo? Cuidado, viu?! Sua


namorada é bem ciumenta.
Dylan: Não percebi, sua aparência angelical não transparece.

Ayla: Bobo! Meu intervalo está acabando. Nos vemos mais tarde.

Beijos, amor.

Dylan: Até breve, meu anjo. Muitos beijos.

Desligo o celular e fico à espera do próximo paciente. Esse é o último

do dia, tudo que eu quero é chegar em casa, tomar um banho e curtir um


pouco com o Dylan. Preciso lembrar de passar no mercado, acho que tenho
pouca coisa na geladeira.

Carlos chega e nossa sessão corre perfeitamente. Ele está se


desenvolvendo tão bem, que nosso encontro passará a ocorrer uma vez a cada
dois meses. Fico tão feliz quando isso acontece, esse é meu objetivo, ver as
pessoas felizes.

Nos despedimos e começo a arrumar minhas coisas para ir embora.

— Ayla, tem um rapaz querendo falar com você — Keila diz, entrando
na minha sala.

— Marca para outro dia, não vou atender mais ninguém hoje. Além de
estar cansada, tenho um compromisso.

— Não é um paciente, ele disse que é seu amigo. O nome dele é Kalel.

Droga! Que diabos ele faz aqui?


Kalel me mandou várias mensagens, todas elas foram ignoradas com
sucesso. Eu disse a ele que estava namorando, logo, se não fosse para sermos

amigos, eu não queria nenhum tipo de contato, só que parece que ele não
aceitou muito bem.

— Mande-o entrar, mas deixa a segurança em alerta.

Vou acabar me atrasando, que droga!

Pego meu celular e envio uma mensagem para o Dylan, pedindo que
passe no mercado e compre os ingredientes que faltam.

— Está me evitando, Ayla? — Kalel diz, entrando e fechando a porta


atrás de si.

— Não, você que já deveria ter parado de me procurar. Ficou bem claro
que não quer a minha amizade, e infelizmente é apenas isso que terá — digo,
sincera, sustentando o olhar dele.

— Eu não entendo... A gente estava tendo um lance.

— Por favor, Kalel. Você uma pessoa tão inteligente, não posso
acreditar que se iludiu a esse ponto. Nós ficamos apenas aquele dia na boate,
depois disso apenas nos encontramos. Não percebeu que não rolou mais
nada?

— Pensei que estivesse se fazendo de difícil. Ninguém consegue


resistir aos meus encantos. — Sorri, achando que tem algum efeito sobre

mim.

— Era isso que tinha para falar? Se é só, acho melhor se retirar, tenho
um compromisso daqui a pouco.

— Só me responda uma coisa. — Se aproxima, ficando perto demais,


me obrigando a dar dois passos para trás. — Seu namorado é o cara do

restaurante?

— Sim, ele mesmo.

— Sabia que tinha alguma coisa. Aquele babaca não tirava os olhos da
gente. Muito me admira, você, uma mulher tão linda, namorar um simples
garçom de restaurante.

— Vai embora, Kalel. Aproveita e exclui meu número de sua agenda,


porque agora nem minha amizade você terá.

Sou grossa. Não gostei da forma como menosprezou o Dylan.

— Nos encontraremos por aí, Doutora Ayla — fala com desdém,


saindo furioso da minha sala.

Era só o que me faltava. Se já não bastasse o Steve, que voltou a me


infernizar, ainda tenho que aguentar o Kalel no meu pé. Meu Deus, por que
esse dedo podre para homens?! Só de saber que o Dylan não é assim, respiro
aliviada.

Despeço-me da Keila e vou embora. Dylan mandou uma mensagem


avisando que está indo para o meu apartamento, com certeza ele vai chegar
antes de mim.

Kalel tentou, mas não tirou o meu bom humor. Estou ansiosa para
encontrar o meu amor, isso é tudo que importa.

Quase quarenta minutos depois, estaciono, encontrando Dylan


encostado em seu carro. Com um capuz cobrindo uma parte do rosto, meu
coração começa a palpitar ao vê-lo tão enigmático. À medida que vou me
aproximando, meu corpo reage a essa aproximação e as benditas borboletas
no meu estômago estão inquietas.

Não digo nenhuma palavra e fico na ponta dos pés, beijando-o


ferozmente. Ele me agarra pela cintura, colando nossos corpos. Dylan suga
minha língua, enquanto sua mão invade por dentro da minha blusa,

acariciando-me. Ofegantes, e antes de fazermos qualquer besteira, nos


afastamos.

— Por Deus, anjo — Dylan diz, com a testa encostada na minha. — Eu


preciso loucamente de você, anjo.

— Então, por que se privar, Dylan? Meu corpo queima só de imaginar


suas mãos me acariciando, seus beijos...
Minha voz sai sussurrada, carregada de desejo.

— Vem, vamos subir.

Como se fosse caso de vida ou morte, entramos no elevador e os


segundos nunca me pareceram tão demorados como hoje. Chegamos ao meu
andar, abro a porta, jogo minha bolsa no sofá e paro em sua frente, ansiando
para que ele me toque.

— Você me deixa louco, anjo. Não imagina como foi torturante não
poder tocá-la, sentir seus beijos e não poder aprofundar. — Seus lábios
trilham um caminho de beijo por meu pescoço, chegando no queixo.

— Eu estou aqui, completamente entregue, para você.

— Você está com fome? — pergunta, olhando para as sacolas que pedi
para ele trazer.

— Sim, de você. — Mordo o lábio inferior, olhando intensamente em

seus olhos.

Seus olhos enigmáticos servem como um reflexo nesse momento, em


que consigo enxergar perfeitamente o desejo estampado neles.

— Ayla — sussurra enquanto afasta a alça da minha blusa, deixando


uma trilha de beijos.

Seguro em suas mãos e vamos para o meu quarto. Lentamente vou


retirando minha blusa, em seguida a saia, ficando apenas de salto e lingerie.

Seus olhos percorrem meu corpo e essa exposição está me deixando mais

necessitada. Dylan retira sua roupa, ficando apenas de cueca box vermelha,
uma visão de tirar o fôlego.

— Vem, vamos tomar um banho.

Retiramos as últimas peças que cobrem nossos corpos e vamos para o

banheiro

Ligo o chuveiro e, enquanto nos beijamos, a água cai sobre nossos


corpos e nem isso é capaz de nos afastar. Eu preciso desse homem, nunca me
senti tão necessitada como nesse momento.
Capítulo 29

Dylan

Todo autocontrole que eu vinha tendo, se esvaiu quando Ayla me


beijou no estacionamento. Eu via em seus olhos o quanto ela estava
necessitada, o que não era em nada diferente de mim. Sua atitude foi como
um combustível e todo meu corpo entrou em combustão.

Agora, com ela completamente nua em minha frente, controlo o desejo


de jogá-la contra essa parede. Por mais que meu corpo grite de prazer, ela
merece ser tratada de outra forma.

A pego nos braços e caminhamos de volta para o quarto. Sobre os


lençóis vermelhos deposito seu corpo, louco para senti-lo se encaixando ao
meu.
Me afasto um pouco, admirando a linda mulher tão entregue em minha
frente. Eu a amo como um louco. Imaginar que ela é toda minha faz com que

eu me sinta um puta sortudo.

— Será que pode parar de me olhar desse jeito?

— Por quê? — pergunto, me aproximando, beijando seu pescoço.

— Porque fico envergonhada, me sinto tão exposta.

— Não se sinta. Não tem nada no seu corpo que eu ainda não tenha
visto. — Sorrio, fazendo uma trilha com a ponta dos dedos por seu corpo. —
Sei que você merece ser tratada com todo amor e carinho, mas preciso entrar
em você agora.

— Não tem nada que eu mais queira. — Me prende pela cintura,


colando mais nossos corpos.

Recebendo seu sinal verde, encaixo nossos corpos. Devagar, começo a

me movimentar, enquanto Ayla finca as unhas em minhas costas. Tomando


seus lábios de forma feroz, aumento meus movimentos, sentindo-a arquear o
corpo debaixo de mim.

Nos entregamos à paixão de nossos corpos, deixando que o desejo nos


guie. Percebo que Ayla está perto, então aumento a velocidade enquanto
beijo seus lábios.
— Eu te amo loucamente, Ayla Mitchel — falo, entregando-me por
completo.

Ayla atinge o ápice, e encantado com sua carinha de satisfação, me


entrego, sentindo o prazer dominar meu corpo. Cansados e ofegantes, caímos
na cama com um sorriso de satisfação.

— Talvez tenha sido coisa da minha cabeça, mas repete o que falou há

poucos minutos — Ayla pede, colocando a cabeça em meu peito.

— Eu disse que te amo, doutora Ayla Mitchel. — Sorrio, invertendo


nossas posições, ficando por cima.

— Por um momento pensei ser um delírio. Eu amo você, Dylan... te


amo loucamente. — Sorri, me deixando mais encantado por ela.

— Pronta para um segundo round?

— Sempre — diz, prendendo as pernas ao redor da minha cintura,

puxando-me para um beijo.

Agora vejo por que foi fácil me apaixonar por essa mulher. Ela,
definitivamente, é o meu encaixe perfeito.

Abro os olhos, dando de cara com a dona do meu coração.


— Oi. — Ayla me dirige um sorriso doce.

— Oi, anjo. — Sorrio, encantado com ela vestida apenas com minha
camisa.

Seus cabelos desgrenhados a deixam mais bonita. Como isso é


possível? Olho ao redor, me familiarizando com o local. Estou em seu quarto,
lembro de ter dormido, mas não de ter um pesadelo.

Deus! Pulo da cama, e através da cortina vejo o sol brilhar lá fora, e


isso me faz pensar...

— Sim, meu amor. — Ayla me abraça por trás. — São nove da manhã
e você não teve nenhum pesadelo. Passei a noite inteirinha em seus braços,
levantei e você estava tão sereno, não tive coragem de te acordar.

— Você tem noção do que isso significa, anjo? — questiono, com a


voz embargada, sentindo a emoção tomar conta de mim. — Essa é a primeira

vez em meses que durmo tranquilamente. Acordar às nove da manhã? Nem


em sonhos.

Puxo-a para um abraço, deixando que lágrimas molhem meu rosto. Em


todos esses meses, minha rotina tem sido sempre a mesma, os dias de
tempestades pareciam que nunca iriam me abandonar. Não tenho dúvidas, o
amor que sinto por Ayla me ajudou.

— Pode chorar, amor. — Ayla tem a voz embargada, me deixando


mais emocionado. — Essa é uma conquista emocionante, fico feliz de fazer

parte dela. Você acabou de subir mais um degrau rumo ao novo Dylan.

— Eu te amo. — Dou um beijo casto em seus lábios.

Depois desse pequeno momento emocionante, tomamos um banho e


vamos para cozinha preparar nosso café da manhã.

— Uma pena que eu tenha que trabalhar. Daria tudo para passar o dia
contigo. — Ela sorri, tomando um pouco de seu café.

— O fim de semana está logo ali, poderemos ficar juntos sem ninguém
para atrapalhar.

— Não esqueça do coquetel na sexta. Será às oito da noite.

Droga, eu tinha esquecido completamente.

Há uns dias ela me convidou para esse coquetel de inauguração, acho


que é de uma nova clínica. Pensei em negar, mas quero acompanhar minha

namorada, quero que todos vejam que ela é minha.

— Não esqueci, anjo — minto na cara de pau. — Passo às sete para te


buscar, aproveitamos e emendamos o fim de semana.

— Olha, amei essa ideia — diz, olhando no celular. — Droga! Vou ter
que ir, amor. Se eu não sair agora, me atrasarei para meu primeiro paciente.

— Sem problemas, anjo.


— Você não precisa sair às pressas. Deixarei com você uma chave
extra, é só fechar tudo quando sair. — Pega a bolsa e umas pastas que

estavam na mesa. — Aproveita e limpa isso pra mim, por favor?

— Só se você me der um beijo de recompensa.

— Dou até dois. — Beija meus lábios de forma delicada e eu amo essa
mistura de Ayla e café. — Tchau, amor.

Ayla sai praticamente correndo, deixando-me com um sorriso bobo.


Esse amor que sinto em meu peito não consigo nem explicar.

Começo a limpar a mesa, quando de repente chega uma mensagem no


meu celular.

Número desconhecido: Será que você ainda mora no mesmo lugar?

Leio a mensagem e fico confuso, não reconheço esse número.

Dylan: Quem é?

Aperto enviar, e enquanto aguardo a resposta, termino de limpar tudo.


Antes de sair deixo as coisas em ordem. Prometi a minha mãe que hoje iria
no orfanato, irei direto para lá. Até que senti saudade das crianças,
principalmente do pequeno Heitor.

Número Desconhecido: Que feio, não pensei que já tinha esquecido do


seu melhor amigo, Dylan.
Não acredito, é o Bryan. Faz mais de dois meses que fiquei sabendo
que ele tinha sido dispensado, como não tive nenhuma notícia, achei que se

passasse de um engano.

Dylan: Bryan, faz tempo que estou esperando seu contato. Por onde
anda?

Bryan: Cheguei hoje em San Diego. Você ainda mora no mesmo lugar?

Dylan: Sim. Ainda lembra onde é?

Bryan: Claro. Não poderia esquecer onde mora o meu melhor amigo.
Posso passar na sua casa à noite?

Dylan: Estarei a sua espera, amigo.

Ele não responde, mas só de saber que meu amigo está bem, já fico
feliz. Cheguei a duvidar de sua dispensa, visto que não houve nenhum
contato de sua parte. Temos muitas coisas para conversar, agora não posso

esperar para que a noite chegue, Bryan tem muito que me esclarecer.
Capítulo 30

Dylan

O trânsito colaborou, assim foi fácil chegar ao orfanato. Já da entrada


consigo escutar a gritaria, acho que se eu trabalhasse aqui ficaria louco.
Cumprimento os poucos funcionários que me reconhecem, e sigo para a sala
da minha mãe.

Bato na porta, entrando em seguida.

— Oi, mãe. — Cumprimento-a com um beijo no rosto. — Como a


senhora está?

— Oi, filho. Pensei que não fosse aparecer. Você não avisou que não
dormiria em casa.

— Eu não tinha planos de dormir fora, só acabei esquecendo de avisá-


la. Perdoe-me. — Sorrio, lembrando da noite que tive com Ayla.

— Pelo sorriso de bobo, aposto que sua noite foi melhor que a minha.

— Mãe... — falo em tom acusatório. Ainda é difícil discutir esses


assuntos com ela.

— Por mais que eu quisesse, não falei nada demais. — Sorri, segurando

meu braço. — Vem, as crianças estão ansiosas para te encontrar. Eu disse que
você ensinaria alguns golpes de defesa pessoal.

— Dona Lucy, não me lembro de ter dito isso — digo, sorrindo,


enquanto caminhamos na direção das crianças.

Assim que me veem, elas correm em nossa direção, abraçando-me.


Ainda me surpreendo em como elas podem ser tão carinhosas com pessoas
desconhecidas. As mesmas crianças da outra vez sentam-se em minha frente
e me encaram com os olhinhos ansiosos.

— Um passarinho me contou que vocês estão ansiosos para aprender


defesa pessoal. Isso é verdade? — questiono, me acomodando em um banco.

— Sim! — respondem em uníssono.

Explico como vai funcionar e deixo bem claro que irei dividi-los em
dois grupos. Não acho justo separar meninas de meninos, então farei um
grupo misto.
— Vai ser menina contra menino, né? — um garotinho diz, com um
sorriso travesso.

— Nada disso. Irei separar dois grupos mistos, tanto de meninas, como
de meninos também.

Eles são novos, logo, não posso seguir a mesma abordagem que uso
com minhas alunas, que são mulheres entre vinte e trinta anos. Opto por me

basear na prevenção para que eles saibam como se defender caso estejam
sozinhos e se deparem com uma situação de risco.

As horas vão passando, e depois de soar muito a camisa, encerro a aula.


Está quase na hora do almoço, eles precisam se alimentar. Percebo que Heitor
não está muito focado, não parecendo em nada com o menino que conheci.

— Heitor.

Chamo sua atenção antes que ele deixe o pátio.

— Oi, Dylan — fala, cabisbaixo.

— O que houve, garotão?

— Nada, só estou um pouco pensativo esses dias. A vida é difícil, né?


— Dá um longo suspiro.

— Realmente, mas você é criança, não tem tantos problemas assim na


vida. Quando crescer, perceberá que ser adulto é muito chato.
— Você tem muitos problemas?

— Hoje não tantos, mas um tempo atrás meu sobrenome era problema
— falo e ele ri. — O que está te incomodando?

— Eu tenho dez anos, sabe?! Tem uns dias que um casal veio aqui,
todas as crianças foram apresentadas a eles. Estava claro que procuravam um
bebê, escutei quando falaram que eu era muito velho. — Sua voz sai

embargada, cortando meu coração. — Eu nunca vou ser adotado.

— Isso não é verdade. Não é porque esse casal pensa desse jeito, que
todos os outros pensam da mesma forma. Você é uma criança encantadora,
quem não gostaria de tê-lo como filho?

— Tia Ayla falou a mesma coisa.

— Posso te contar um segredo? — peço, próximo ao ouvido dele.

— Sim, prometo não contar a ninguém.

— A tia Ayla é minha namorada. — Sorrio, vendo-o em choque.

— Sério? — Aceno que sim. — Tia Ayla é tão bonita... Quando eu


crescer quero arrumar uma namorada como ela.

— Não sei se você vai arrumar uma mulher tão linda quanto ela, mas
aposto que encontrará alguém que te faça feliz. — Dou um fraco sorriso,
bagunçando seu cabelo. — Me promete uma coisa?
— Sim, o quê?

— Que você vai parar de pensar essas coisas. Criança é para brincar, se
divertir, e não pensar nos problemas da vida. No momento certo você
encontrará uma família que vai te amar, não fique tão ansioso.

Puxo-o para um abraço, sentindo meu coração apertar com as dores


desse menino. Talvez seja movido pela emoção, ou até mesmo pelo

momento, mas algo dentro de mim desperta e o desejo de adotá-lo está bem
presente.

Saí do orfanato e vim direto para casa. Depois de conversar com o


Heitor, passei a tarde inteira com um aperto no peito. É incrível como minha
vida mudou de uns meses para cá. Antes eu achava que tinha todos os
problemas do mundo, mas com o fórum percebi que existem pessoas em

situações piores, e ao ver as crianças no orfanato, vejo que deixei muito


tempo da minha vida passar.

Essas crianças dariam tudo para ter uma família, e eu passei meses
fazendo a minha mãe sofrer com minhas dores. A melhor coisa que aconteceu
em minha vida foi o fórum, ocupei minha mente com coisas edificantes e
conheci minha Ayla.
Meu maior medo era de não ser homem suficiente para ela. Ayla é uma
mulher linda, encantadora, profissional exemplar e dona do meu coração.

Hoje vejo que meus medos estavam sobrepondo meus passos, evitando que
eu seguisse com minha vida.

Obrigo-me a parar de pensar nesses assuntos. Bryan deve chegar a


qualquer momento e estou ansioso para rever meu amigo. Minha mãe foi

jantar com o namorado. Sim, ela me confessou que está namorando e que em
breve me apresentará o sortudo. Não sei se estou preparado para isso, sei que
ela é uma mulher linda e merece ser feliz, mas tenho que ver se esse cara é
digno da dona Lucy.

Batidas na porta chamam minha atenção, a abro dando de cara com o


Bryan. Meu amigo está bem diferente, sua barba tem alguns fios brancos,
mostrando o quanto ele foi castigado pelo tempo. Uma pequena cicatriz no
supercílio também está presente.

— O tempo não fez muito bem para você, amigo — Bryan diz e vejo
que seu bom humor não mudou.

— E você continua um palhaço. — O puxo para um abraço, feliz por


vê-lo na minha frente.

— Nunca pensei que fosse falar isso, mas senti sua falta, Collins.

Entra e fecho logo em seguida a porta. Bryan fica em silêncio, me


encarando.

— Eu também senti sua falta. Faz quanto tempo que não nos falamos?
Uns quatorze meses?

— Praticamente isso. O tempo que estive no Iraque. Você fez falta na


minha equipe, era um dos meus melhores homens. — Seu olhar é distante,
bem diferente do brilho que existia quando ele falava do exército.

— Esse homem ficou no passado, morreu no dia do atentado — digo


em um fio de voz.

Bryan é como um replay daquele maldito dia. Ele estava lá, então sabe
de tudo que eu passei.

— Você está vivo, Dylan. Por mais que seja difícil e doloroso, você
tem a chance de viver a sua vida, bem diferente dos nossos companheiros.

— Não é tão fácil, Bryan...

— Fiquei sabendo de tudo que você passou, imagino que não foi nada
fácil. Para mim foi complicado, também, a diferença é que resolvi me
consolar de outra forma — fala pensativo, olhando-me fixamente. —
Matando todos aqueles que nos feriram.

— Como você sabe do que passei? — indago, pois não me lembro de


ter conversado com ele sobre isso.
— Estive com o Jordan mais cedo, ele me atualizou de tudo que eu
precisava saber.

— Tinha que ser. Nunca vi uma pessoa tão fofoqueira — falo,


divertido.

— Como você está? — ele questiona, interessado.

— Eu estou bem... pelo menos em boa parte.

Se fosse há uns meses a resposta seria negativa, a dor me dominava por


completo, evitando que eu seguisse adiante. Hoje é diferente, finalmente
consigo ver um outro sentido para a vida.

— Sei que esse conselho está chegando tarde demais, mas por
experiência própria, não deixe a vida passar diante dos seus olhos, amigo. Eu
fiz isso e posso afirmar que não me fez muito bem. Infelizmente, estava cego
em busca de vingança e acabei machucando a pessoa que mais amei nessa

vida.

Os pais dele morreram quando ele ainda era uma criança, então só pode
estar se referindo a uma mulher.

— Quem é ela?

— Lembra da López? — Aceno que sim. Ela era uma das poucas
mulheres em nossa equipe. — Depois daquele maldito ataque, acabamos nos
aproximando e, por mais que fosse errado, já que eu era sargento dela, nos

envolvemos. Meses depois ela foi dispensada, eu tinha a opção de pedir

dispensa e acompanhar a mulher que eu amava... o problema é que eu ainda


não tinha conseguido alcançar meu objetivo.

— Você deixou que ela partisse e foi em busca de vingança —


completo o que ele iria dizer.

— Exatamente. Megan não concordava com minha decisão, e entre a


mulher que eu amava e essa maldita vingança... — Fecha o punho, dando um
murro na almofada.

— Você escolheu a vingança.

Imagino que não deva ter sido uma situação nada fácil e eu não saberia
o que fazer.

— Eu cumpri minha missão, porém, perdi a mulher que eu amo. Então

eu te digo, não faça as mesmas besteiras que eu fiz.

— Digamos que chegou um pouco tarde esse conselho, amigo. Perdi


quase dois anos da minha vida, infelizmente fui diagnosticado com TEPT e
não foi nada fácil. Não conseguia sair de casa, ainda tenho medo de lugares
muito cheios e toda maldita noite sou acordado com pesadelos daquele dia.
— Só de falar, meu coração começa a palpitar de forma acelerada. — Agora
que as coisas melhoraram, conheci a Ayla e ela tem me ajudado a tentar ter
uma vida melhor.

— Muitos do nosso batalhão foram diagnosticados com esse transtorno.


É um trauma que vem assolando nossos companheiros de farda. Jordan me
disse que você passou por muitas tempestades, mas pelo brilho em seus
olhos, acredito que tenha entrado em tempos melhores. — Ele sorri,
acertando o meu ombro.

— Sim, além da terapia que estou fazendo, o amor que sinto pela Ayla
tem me ajudado bastante. — Sorrio também, lembrando do meu anjo.

— Sabe que quero conhecer essa mulher, né? Ela deve ser realmente
um anjo, só de aguentar seu mau humor diário.

Dá uma gargalhada, me contagiando a gargalhar de volta.

— Vejo que continua o mesmo idiota de sempre, Bryan.

— Sorrir é um ótimo remédio para a vida, amigo. Você deveria

experimentar sorrir mais vezes — diz, sério.

Por mais que minha curiosidade de saber sobre sua missão seja grande,
não tenho tanta certeza se quero saber do que aconteceu. Reviver momentos
de guerra, mesmo os que eu não estava presente, é como dar murro em ponta
de faca, e infelizmente não estou pronto para me machucar.

Deixamos de lado o assunto “guerra” e passamos a conversar sobre a


vida em si. Descobri que meu amigo veio em busca da amada, mesmo depois

de descobrir que Megan está namorando. Bryan parece que não vai desistir.

Pedimos pizza e ele fica até quase duas da manhã. Nos despedimos
com a promessa de nos encontrarmos no sábado, porque digamos que meu
amigo está louco para conhecer Ayla.
Capítulo 31

Ayla

Chega o dia do coquetel depois de eu ter passado a semana inteira


ansiosa. Essa é a primeira vez que aparecerei em um evento com o Dylan.
Confesso que estou um pouco preocupada, Doutor Paul me disse que seria
um evento para poucas pessoas, e só por esse motivo convidei o meu

namorado.

Não sei explicar como, mas a cada dia amo mais esse homem e isso é
tão estranho, porque sinto como se nos conhecêssemos há anos.

Ele me mandou mensagem avisando que já está chegando. Opto por um


vestido azul que fica um pouco acima do joelho e tem um decote generoso
nos seios. Essa noite tem tudo para dar certo, espero realmente que seja
assim.

Estou preocupada com a Susan. Ela não atende minhas ligações,


tampouco responde minhas dezenas de mensagens. Amanhã vou até a casa
dela, espero que nenhuma merda tenha acontecido.

Meu celular sinaliza com uma mensagem do Dylan.

Dylan: Estou aqui embaixo, anjo.

Se tem uma coisa que amo, é quando ele me chama de anjo. Essa
pequena palavra soa tão bem saindo de seus lábios, com certeza o meu som
predileto.

Pego minha bolsa e saio de casa, entrando do elevador. Alguns


segundos depois, já estou no estacionamento e dou de cara com o Dylan
encostado no carro. Minha nossa! Ele conseguiu ficar mais lindo, coisa que
achei ser impossível.

O terno e a gravata preta lhe caíram perfeitamente bem, criando um


contraste com a cor de sua barba que tanto amo.

— Foi aqui que pediram um motorista? — Sua voz é suave, me


fazendo sorrir como uma boba.

— Com certeza, foi. Você está um verdadeiro pecado — falo, me


aproximando e beijando seus lábios.
— Você está querendo me matar? Como pode ser tão linda desse jeito?
— Segura-me pela cintura, passando a ponta dos dedos por meus lábios. —

Algo me diz que terei que me controlar muito essa noite. Uma mulher tão
linda e gostosa, é impossível passar despercebido.

— Sabe que pensei o mesmo quando te vi? Acho bom ninguém ficar
cobiçando o meu namorado. — Sorrio, antes de ele tomar meus lábios em um

beijo delicado. — Sou uma pessoa bem ciumenta.

Sorrio, ainda admirando o homem lindo a minha frente.

— Acho melhor entrarmos logo nesse carro — diz assim que nos
afastamos. — Estou me controlando para não te jogar nos meus ombros e
subir para o seu apartamento.

— Por mais que seja extremamente tentador, é melhor irmos logo.

Como um bom cavalheiro, abre a porta do carro para que eu me

acomode no banco do passageiro, em seguida entra no lado do motorista. Ao


som de medicine – Daugther, seguimos para a clínica, que fica a uns dez
quilômetros daqui.

Essa música me lembra muito o Dylan. Toda vez que escuto, lembro de
sua dor e de como ele foi forte por não ter se entregado completamente.

O caminho todo foi feito com a mão do Dylan em minha perna. O


contato com minha pele me causa arrepios, imaginar suas mãos percorrendo
o meu corpo é muito perigoso para minha sanidade.

— Tem certeza de que é aqui? — Dylan pergunta, parando em frente a


um prédio luxuoso.

— Sim, não tenho dúvidas.

Estacionamos e o número de carros já ligou meu alerta, algo me diz que

esse “poucos amigos” não foi bem verdade. Caminhamos até a recepcionista,
passo nossos nomes e ela rapidamente libera nossa entrada. O lugar está
cheio, acabando assim com todas as minhas dúvidas. Dylan aperta minhas
mãos, deixando-me preocupada.

— Amor, se quiser podemos ir embora, depois mando uma mensagem


para o Paul. — Paro na frente dele, vendo seus olhos percorrerem o salão.

— Não é necessário, anjo. Podemos ficar um pouco por aqui.

— Você tem certeza, amor?

Ele segura meu rosto com as duas mãos e diz:

— Não vou dizer para você que estou tranquilo, mas prometi que iria
enfrentar mais esse desafio. Você está ao meu lado, não tenho motivos para
temer — garante e me dá um selinho.

— Eu te amo, tá?! Na hora que quiser ir embora, me avisa e vamos na


mesma hora.
Ele segura minha mão e caminhamos novamente. Cumprimentamos o
anfitrião da festa, que rapidamente nos direciona para uma mesa, e agradeço a

Deus por ela ser em um canto mais discreto. Uma música eletrônica começa a
tocar e as pessoas que estavam quietas em suas mesas levantam-se para
dançar. Ficamos um tempo apenas observando, quando uma batida romântica
invade o salão.

— Dança comigo, anjo? — Com um sorriso encantador, Dylan estende


a mão em minha direção.

— Será uma honra, senhor Dylan. — Sorrio e nos direcionamos para a


pista de dança.

Ao som de Alicia Keys - If I Ain't Got You, Dylan me conduz. Suas


mãos seguram-me pela cintura, colando nossos corpos. Sentindo a letra da
música, nos entregamos ao momento, sentindo cada vibração, cada batida,
cada emoção passada pela doce voz da Alicia. Encosto a cabeça no peito

dele, sentindo as batidas frenéticas de seu coração. Não consigo imaginar o


que se passa em sua mente, mas o que depender de mim, estarei sempre ao
seu lado.

— Se eu não tivesse você ao meu lado, talvez tudo fosse diferente —


fala baixinho, próximo ao meu ouvido. — Enquanto algumas pessoas querem
bens materiais, riqueza e fama, eu quero apenas a chance de ser eu de novo.
Sem medos, receios e angústias.

Fala em resposta à letra da música, deixando meu coração apertado.

— Talvez você nunca tenha a chance de conhecer o antigo Dylan


Collins, aquele garoto cheio de sonhos que tinha o exército como seu bem
mais precioso. — Afasto-me, olhando em seus olhos marejados. — Aquilo
que eu mais amava se transformou em minha maior dor. Sabe o que eu quero

dizer com isso?

Controlando a vontade de chorar, aceno que não.

— Tenho duas vertentes em minha vida. Uma parte está manchada,


carregada de dor. Mas na outra está você, com sua aparência angelical, com o
sorriso que tanto amo. É egoísta eu falar isso? Sim. Mas foi você que deu um
novo rumo em mim. — Ele segura meu rosto com as duas mãos. — Eu amo
você, Ayla. E amo a pessoa que estou me tornando ao seu lado.

Eu não tenho palavras, não consigo esboçar um único raciocínio nesse


momento. Dylan não é perfeito, até porque nenhum de nós somos, mas suas
imperfeições o tornam especial. Amá-lo é tão certo... Eu vejo suas feridas e
farei o possível para que se tornem apenas cicatrizes.

Beijo seus lábios, como se eu conseguisse passar todo o meu amor


através deste simples contato. Sem me importar com o lugar onde estamos,
me entrego ao momento, sentindo cada pedaço do meu corpo reagir a esse
beijo.

— Eu amo tanto você — falo assim que nos afastamos, passando a


ponta dos dedos por sua barba. — Você pode achar que não, mas o antigo
Dylan ainda existe, ele está bem aqui. — Coloco a mão em seu peito,
sentindo seu coração acelerado.

O abraço e ficamos assim por uns minutos, até que escuto alguém

chamar meu nome.

— Por um momento não acreditei, pensei que estivesse brincando


quando falou do garçom — Kalel diz, cortando todo o momento perfeito que
estávamos tendo.

Reviro os olhos. Ele é a última pessoa que eu gostaria de encontrar.

— Que surpresa desagradável. Não sabia que você também tinha sido
convidado.

— Pois é, nós médicos temos esses privilégios.

Ele é tão idiota que dá uma entoação à palavra médico.

— O que te levou a namorar um simples garçom? Esse cara não tem


como te dar um futuro, bem diferente de mim — fala de forma presunçosa.

— Vamos, amor, é melhor deixar esse idiota falando sozinho. —


Seguro na mão do Dylan, e antes de nos afastarmos, Kalel diz:
— Quando se cansar desse idiota, sabe bem onde me procurar.

Eu vi pela cara de poucos amigos, que Dylan estava tentando se


controlar, porém, acho que essa foi a gota que faltava para que ele
transbordasse.

— Escuta aqui, seu idiota. — Dylan fica com o rosto rente ao dele. —
Pode falar quantas bobeiras quiser de mim, mas te aviso uma coisa: se você

tiver a cara de pau de chegar perto da minha namorada, não pensarei duas
vezes antes de quebrar sua cara.

Dylan fala de uma forma que até eu fico com medo. Nunca o tinha
visto desse jeito. Seu rosto está vermelho e não é de vergonha, mas sim raiva.

— O que um simples garçom pode fazer comigo? — Kalel começa a


rir, e vejo o exato momento em que Dylan fecha o punho.

As veias do seu pescoço estão alteradas, realmente o Kalel está

mexendo com ele de uma forma extremamente negativa.

— Amor. — Seguro em seu braço. — Ele não merece que você suje
suas mãos, vamos embora.

— Não que faça diferença, mas esse garçom aqui serviu no Afeganistão
e também no Iraque. E caso você não saiba, sei muito bem como manusear
uma arma — cospe as palavras, fazendo Kalel arregalar os olhos. — Então,
pela última vez, se afaste da minha namorada — ele diz a última frase
pausadamente.

Dylan dá um passo para trás, segura em minhas mãos e caminhamos


para o estacionamento. Ele não diz nenhuma palavra, deixando-me
completamente preocupada.

— Dylan... — falo assim que chegamos no carro.

— Não diz nada, Ayla. — Sua voz rouca faz o meu corpo inteiro se
arrepiar.

Dylan prensa meu corpo na porta do carro, segura meu rosto com as
duas mãos e beija-me de forma feroz. Sua língua pede passagem, explorando
cada pedacinho da minha boca. Ele suga minha língua, em seguida morde
meu lábio inferior, fazendo-me ansiar por um momento a sós com ele.

Ofegantes e quase sem fôlego, nos afastamos.

— Você é minha, anjo! — afirma com posse, olhando-me

intensamente.

— Não tenho dúvidas a respeito disso, amor.

— Não imagina como me controlei. Minha vontade era de quebrar a


cara dele. Desde que o vi no restaurante, sabia que era um idiota. Não faz a
menor ideia de como tratar uma mulher.

Dylan puxa-me para seus braços.


— Por isso não tenho dúvidas de que escolhi certo. Eu te amo, senhor
Dylan. — Sorrio, o abraçando pela cintura.

— Eu preciso sentir como seu corpo reage ao meu toque — sussurra


em meu ouvido. — Eu te quero tanto, anjo.

— Então não vamos perder tempo. Não vejo a hora de ver o que tem
por baixo desse terno. — Dou um sorriso malicioso, provocando-o.

— Ayla...

Entramos no carro e a atmosfera muda completamente. O Kalel pensou


que iria estragar nossa noite, se enganou feio.
Capítulo 32

Dylan

Ontem precisei colocar todo meu autocontrole em prática. Aquele


idiota merecia uma boa surra, mas não iria estragar nossa noite por conta
dele. Chegamos no apartamento da Ayla e nos entregamos ao desejo que nos
consumia. A cada dia tenho mais certeza de que escolhi a mulher certa. Não

sei se isso é possível, mas sinto como se me apaixonasse todos os dias e esse
sentimento vai aumentando.

O fim de semana era para ser apenas nosso, mas tinha esquecido que
combinei o barzinho com o Jordan e o Bryan, e por sinal já estamos
atrasados.

— Meu anjo, seremos os últimos a chegar — grito da sala. Já tenho


quase uma hora esperando que ela termine de se arrumar.

— Eu vou conhecer os seus amigos, não poderia sair de casa de


qualquer jeito. — Sorri, dando uma volta em minha frente. — Estou
aprovada?

— Amor, se você saísse enrolada em um saco preto, ainda assim


continuaria linda. — Seguro em sua cintura, beijando rapidamente seus

lábios. — Você é linda de qualquer jeito.

— Você é meu namorado, claro que vai dizer que estou linda. — Me
presenteia com o sorriso pelo qual me apaixonei.

— Espera só a gente chegar no bar. Terei que controlar a vontade de


socar todo homem que olhar para você.

— É um bobo, mesmo. Vamos, amor, estou ansiosa para conhecê-los.

Perdi as contas de quantas mensagens o Jordan mandou. Entramos no

carro e respondo que já estamos a caminho. O bar não fica muito longe, nos
fazendo chegar rapidamente.

Cumprimentamos a recepcionista, que nos indica a mesa dos nossos


amigos. O lugar não está tão cheio e agradeço por isso. De longe avisto o
Jordan, Maria e Bryan.

— Por um momento achei que tínhamos marcado para amanhã —


Bryan fala, divertido.

— Desculpe, a culpa foi toda minha — Ayla diz timidamente.

— Então você é a famosa Ayla? Escutei falar muito a seu respeito. Eu


sou o Bryan, muito prazer. — Se cumprimentam com um abraço e beijo no
rosto.

— Agora fiquei um pouco preocupada. Espero que tenham falado bem


a meu respeito. — Sorri, se familiarizando um pouco. — Confesso que estava
ansiosa para conhecê-lo, Bryan.

— Tudo que Dylan falou sobre mim, é mentira. Sou um verdadeiro


anjo que caiu do céu — ele brinca, nos fazendo gargalhar.

— Não sei quem andou te convencendo. — Cumprimento-o com um


abraço. — Anjo, esse é o Jordan, que você conheceu outro dia, e essa é a
esposa dele, Maria.

Apresentações e cumprimentos feitos, o garçom se aproxima e fazemos


nosso pedido. Fico feliz que Ayla logo se dê tão bem com todos. Não dá
cinco minutos, ela e Maria já conversavam como se fossem amigas há anos.

A noite vai passando, e em clima descontraído, aproveitamos ao


máximo a presença dos meus amigos.

— Ganhou na loteria com a Ayla — Bryan diz assim que as meninas se


afastam para ir ao banheiro.

— Já disse isso a ele. Uma mulher encantadora — Jordan completa,


sorrindo.

— Não tenho a menor dúvida a respeito disso, é por isso que me


apaixonei tão rapidamente.

— Só não seja burro de deixá-la escapar — Bryan declara e toma um


pouco de sua bebida.

— Megan não quis saber de você? — questiono, bebendo meu


refrigerante.

— Nem se eu fosse pintado de chocolate, coisa que ela é viciada — ele


responde com pesar. Imagino que deva ser difícil para meu amigo.

— Se ela te ama, é bem provável que acabe te perdoando. Talvez esteja


apenas magoada — opina Jordan e meneio a cabeça, concordando.

— Do que vocês estão falando? — Maria pergunta, se aproximando.

— Bryan fez merda, a mulher que ele ama não quer vê-lo nem pintado
de chocolate. — Jordan faz um resumo perfeito, nos fazendo rir.

— Eu amo chocolate, então se Dylan chegasse pintado de chocolate, eu


certamente o perdoaria.

Ela pisca para mim, fazendo-me sorrir.


— Ela já te deu uma dica, fica esperto, amigo — Bryan diz com um
sorriso de canto.

Em um clima completamente descontraído, ficamos por mais duas


horas no barzinho. Perto da meia noite nos despedimos e vamos para casa.
Amanhã dedicarei todo o meu dia para minha linda namorada. Ela merece.

Depois de um fim de semana maravilhoso, volto a minha rotina. Esses


dias trabalhei no restaurante, e como minha mãe vai se dedicar mais ao
orfanato, conversamos e achamos melhor contratar outra pessoa para ajudar.
Como estamos com nossas agendas lotadas, minha mãe acabou desistindo da
ideia de um segundo restaurante. Pelo menos por enquanto. Estou tão
ocupado ultimamente, que não encontrei tempo para as lembranças que tanto
me assombram. Ainda não tenho uma explicação para isso, mas quando

durmo com Ayla os pesadelos praticamente somem. Já quando estou em casa,


volto a acordar quatro da manhã.

— Ei, Dylan. — Mariah, uma das alunas, chama minha atenção.

— Precisa de ajuda?

— Na verdade, sim. Estou fazendo esse movimento certo? — Inclina o


corpo, com a bunda em minha direção.
Eu sabia que corria esses riscos em uma turma composta apenas por
mulheres. Claro que alguém poderia dar em cima de mim.

— Sim, só não precisa se inclinar tanto desse jeito.

Afasto-me, não dando ousadia.

Foco minha atenção em ajudar outras alunas. Muitas mulheres estão

aqui por que já passaram por problemas, e se tivessem conhecimento de


defesa pessoal poderiam ter sido evitados. É inacreditável como muitos
homens são difíceis de aceitar um não como resposta.

Meu celular sinaliza uma mensagem, abro e um sorriso surge em meus


lábios.

Ayla: Olhando esse pôr do sol da janela do meu consultório, só


consigo lembrar de um certo pedido de namoro.

Dylan: Se fosse preciso, repetiria o pedido mil vezes, só para ter a

chance de ver aquele seu lindo sorriso.

Ayla: Já disse que sou apaixonada por você?

Dylan: Acho que hoje, não.

Ayla: Não seja por isso. Eu sou completamente apaixonada por você,
senhor Dylan.

Dylan: Eu sou louco por você, anjo. Não vejo a hora de te ver, estou
com saudades dos seus doces lábios.

Ayla: O dever me chama. Beijos, meu amor.

Guardo meu celular e volto a dar atenção às alunas. Uma hora depois
encerramos a aula, me despeço das meninas e sigo para o vestiário. Tiro a
roupa molhada de suor e entro debaixo do chuveiro, deixando que a água
gelada tire todo cansaço do dia. Fecho os olhos e imagino a minha Ayla. Sou

completamente viciado nessa mulher. Quanto mais eu a tenho, mais quero


ter.

Sinto mãos tocarem meus ombros e abro os olhos, assustado, dando de


cara com a Mariah.

— O que você está fazendo aqui? — Enrolo-me rapidamente em uma


toalha.

— Pode parar de fingir. Eu sei que você também me quer. — Tenta me

beijar, mas logo a afasto.

— Ficou maluca, garota? — esbravejo, saindo do vestiário. — Em


momento nenhum te dei liberdade para isso. Eu sou comprometido e muito
bem, por sinal.

— Não me importo com isso, quero apenas transar com você. Não o
estou pedindo em casamento.
Começa a tirar a roupa, ficando somente de calça e sutiã.

— Não quero ser grosso com você, então é melhor sair logo daqui,
Mariah. Tenho certeza das minhas atitudes, em momento nenhum dei a
entender que queria alguma coisa contigo — falo de forma dura. — Um
pouco de dignidade te faria bem. Eu tenho namorada, não trocaria minha
Ayla por ninguém, ainda mais por uma mulher que não se dá ao respeito.

Ela arregala os olhos com minhas palavras. Detesto agir dessa forma,
mas é necessário.

— Agora, por favor, vista a camisa e saia daqui.

— Você é um idiota, não sabe o que acabou de perder — afirma com


raiva, saindo do vestiário.

Existe maluca para tudo, por isso vim para a área dos armários, o único
lugar onde tem câmeras. Caso ela invente alguma coisa, ficou gravado que

não encostei um dedo na Mariah.

Eu sou louco pela Ayla, por que colocaria tudo a perder por causa de
um rabo de saia? Ela não gostará nada de saber disso, no entanto, o melhor é
contar o que aconteceu.

Amanhã mesmo conversarei com o Jordan. Não quero mais a Mariah


na minha turma. Quero distância de dor de cabeça, já basta os meus
problemas, que não são poucos.
Capítulo 33

Ayla

Cansei de esperar um sinal de fumaça da Susan, e foi isso que me


trouxe até sua casa nesse exato momento. Toco mais uma vez a campainha,
sei que está em casa, o porteiro me garantiu que ela não saiu. Bato algumas
vezes, até que escuto o barulho de chave.

— Posso saber por que diabos você está fugindo de mim? — falo assim
que uma Susan descabelada abre a porta.

— Não estou fugindo. Só não estava pronta para conversar contigo.

— Pronta para o que, Susan?

Entro e me acomodo no sofá. Só saio dessa casa depois de ela me


contar tudo.
— Mais cedo ou mais tarde você saberia. Sei que vai me odiar, mas
peço que escute tudo antes de tomar uma decisão precipitada.

— É por causa do bebê? Amiga, eu estou aqui para te apoiar, não vou
te odiar se você optou por abortar...

— Para de ser tão compreensiva, Ayla. — Respira fundo, olhando-me


fixamente, emocionada. — Eu não abortei.

Respiro aliviada por ouvir isso. Se minha amiga precisar de ajuda com
o filho dela, ajudarei sem nenhum problema.

— Você conhece o pai dessa criança.

— Se for um dos caras que você ficou, confesso que não lembro de
nenhum deles, desculpa.

— Eu estou grávida do Steve.

Olho para ela em choque. Eu devo ter ouvido errado, só pode ser isso.

— Engraçado, tive a impressão de ter escutado você falar que estava


grávida do Steve. — Sorrio de nervoso, olhando para minha amiga. —
Escutei errado, não foi?

— Não, Ayla, é isso mesmo que você ouviu. Há uns quatro meses nos
encontramos em uma boate, a gente bebeu além da conta e acordei na manhã
seguinte no apartamento dele — fala sem me encarar, fitando o chão. — Eu
tentei não repetir a dose, mas nos encontramos novamente e você já sabe o

que aconteceu.

— Então por isso você estava tão estranha... — Levanto do sofá e


começo a andar de um lado para o outro. — Por que não me contou antes?
Esperou uma gravidez para me contar que está transando com o meu ex-
namorado, aquele que me traiu diversas vezes?

Apesar de não sentir nada pelo Steve, sua confissão foi uma verdadeira
apunhalada em minhas costas. Ela viu tudo que passei com ele, ouviu todo
meu sofrimento quando descobri sua traição. Não posso acreditar que ela fez
isso, e ainda está grávida daquele filho da mãe.

— Eu sabia que você não ia gostar...

— E achou que esconder de sua melhor amiga seria o mais correto? Por
Deus, Susan! Você dizia ter asco dele. Agora tenho minhas dúvidas. Será que
você já não estava interessada nele antes?

— NÃO! — fala, alterada, caminhando em minha direção. —


Aconteceu depois que vocês já tinham terminado. Você está namorando,
então não faz diferença.

— Não o amo, muito menos sinto qualquer coisa por ele. A questão é
que somos melhores amigas, você mais do que ninguém sabe de tudo que
passei com o Steve. Então não venha querer que eu entenda isso, Susan. — A
decepção com aqueles que amamos é inexplicável. — Se você tivesse sido
sincera comigo desde o começo, talvez a decepção pudesse ser menor.

— Steve me pediu em casamento e eu aceitei. — Sua voz é baixa, estou


quase acreditando que ela se importa comigo.

— Oh, Deus! — Começo a rir. Isso é um pesadelo, não tem outra


explicação. — Fico feliz pela criança, só tenho pena de ela ser filha das duas

pessoas que mais me decepcionaram na vida. Seja muito feliz com o Steve.
Você ganhou um filho e um marido, pena que acabou de perder uma amiga.

Estou saindo, quando ela diz:

— Não pedirei perdão, até porque não mandamos nos sentimentos. Se


você for madura o suficiente para aceitar, sabe onde é minha casa.

— Talvez eu não seja tão madura para essas modernidades. Adeus,


Susan. — Bato a porta, seguindo para o estacionamento, entrando logo no

meu carro.

De todos os motivos para a Susan recusar minhas ligações, esse foi o


único que nunca passou pela minha cabeça. Lembro de todas as vezes que
falei do Steve, ela não perdia a oportunidade de falar mal dele. Como pode ter
mudado de opinião de uma hora para outra?

É decepcionante descobrir que minha melhor amiga está grávida do


meu ex-namorado. Se eu contar, acho que ninguém acredita. Deus! Eu me
preocupando e Susan aproveitando bem a vida.

Mando uma mensagem para o Dylan, porém, não obtenho resposta. Eu


preciso desabafar e ele será um bom ouvinte. A academia não fica muito
longe daqui, espero que o trânsito colabore comigo.

Meia hora depois, estaciono o carro na frente da academia.


Cumprimento o segurança, que me indica a sala em que o Dylan está. Eu já

tinha vindo aqui antes e fiquei encantada com toda decoração. Jordan acertou
na escolha.

— Com licença. Essa é a sala do Dylan? — pergunto a um grupo de


mulheres que estavam conversando.

— É aqui mesmo. Você é aluna nova? — uma mulher ruiva questiona,


me olhando de cima abaixo.

— Não, sou namorada dele. — Ela retorce a boca, deixando-me

confusa.

— Então foi por você que ele me dispensou.

— Como é? — questiono, confusa.

— Isso mesmo que você ouviu. Não sei o que ele viu em uma magrela
como você, mas tem gosto para tudo — fala com desgosto.

Hoje não é um bom dia para mim, não é possível. Primeiro a Susan,
agora essa louca para me encher a paciência.

— Escuta aqui, garota... — Me aproximo, ficando rente a ela. — Não


sei de onde diabos você saiu, e não faço ideia do motivo de falar dessa forma
do meu namorado. Mas vou te avisar, fique longe do Dylan! Eu tenho essa
carinha de anjo, mas sei muito bem como quebrar essa sua cara.

— Anjo, que surpresa boa! — Dylan se aproxima, beijando-me. —

Está acontecendo alguma coisa?

Ele olha de mim para a ruiva falsificada. Talvez, se eu não estivesse tão
estressada, nem daria bola para esse tipo de provocação. Só que,
infelizmente, ela me encontrou em um péssimo dia.

— Não, amor. Eu estava indo te procurar.

— Vem, vamos para um lugar reservado. — Segura em minha mão e


subimos alguns lances de escada, chegando no terraço. — Como foi a

conversa com a Susan? — questiona ele, me abraçando.

— Ela está grávida — digo, com a cabeça encostada no peito dele.

— Isso você já havia me contado, anjo.

— O pai é o Steve, meu ex.

— Nossa! Isso é tipo aqueles episódios chocantes de final de série —


ele fala enquanto me faz cafuné.
— E tem mais. Eles vão se casar.

— Como você está se sentindo com isso?

— Decepcionada. Sim, essa é a palavra certa. Meu problema não é


pelo Steve, e sim porque ela era minha amiga. Juro que não esperava. Se eu
não fosse até a casa dele, acho que Susan nem se daria ao trabalho de me
contar — esclareço, com a voz embargada. Ainda me custa acreditar nessa

situação.

— Coloca tudo para fora, anjo. Estou aqui para te escutar.

— Você não se importa de me escutar falando do meu ex? — Fixo os


olhos nos dele.

— Eu me garanto. Sei que você me ama, então não vejo problemas


nisso. Antes de ser seu namorado, sou seu amigo e você pode me contar o
que quiser.

Me mostra seu lindo sorriso por baixo da barba.

— Eu vou contar, depois quero saber tudinho sobre aquela ruiva


falsificada — falo e ele sorri.

Nos acomodamos em um banco, deito a cabeça em seu colo e conto


toda minha conversa com a Susan. Como bom ouvinte, Dylan apenas me
observa enquanto toda minha frustração é colocada para fora. Não vai ser
fácil superar essa decepção, mas uma hora esse momento vai chegar.
Capítulo 34

Dylan

Os dias estão passando na velocidade da luz, me fazendo enxergar cada


vez mais o quanto deixei minha vida passar diante dos meus olhos. Ontem
tive mais uma sessão com o Dr. Andrew, voltamos a fazer o exercício de foco
e, surpreendentemente, não senti dor ao lembrar daquele maldito momento,

pelo contrário, lembrei de todas as situações que passei com os meus amigos.

As coisas na academia estão caminhando bem, conversei com o Jordan


e trocamos a Mariah de turma. Tenho problema demais para arrumar mais
confusão para minha cabeça. Falando em confusão, Bryan meio que
desapareceu. Meu amigo está tentando de todas as formas buscar o perdão da
Megan, até agora está bem difícil.
— Ei, menino Dylan — Tônia me grita de sua mesa.

Saio de trás do balcão e caminho em sua direção, sentando-me ao seu


lado.

— Oi, Tônia. — Sorrio, beijando o rosto dela.

— Faz tempo que não te vejo. Sua mãe disse que você está namorando

— ela fala com um enorme sorriso. — Não imagina como fiquei feliz quando
soube. Eu sabia que aquele fórum iria te ajudar, meu filho.

— E ajudou mais do que você imagina. Foi lá que conheci a Ayla. No


começo erámos apenas amigos, quando dei por mim já estava apaixonado —
confesso, sorrindo timidamente.

É tão estranho falar para as pessoas que estou apaixonado. Não é por
vergonha ou qualquer coisa do tipo, e sim pelo simples fato de que essas
pessoas viram como eu estava há alguns meses, então é uma mudança que até

mesmo eu me surpreendo às vezes.

— Posso saber por que ainda não conheci essa menina?

— Você já a conheceu, é a mesma que estava comigo aqui no


restaurante outro dia. — Sorrio, lembrando de como fiquei receoso com a
pequena conversa entre elas.

— Ahhhh, lembro daquela garota adorável. Eu sabia que tinha alguma


coisa rolando, estava perceptível na forma que se olhavam — diz, divertida,

me deixando surpreso. — Pode me colocar na lista de convidados do

casamento. Você que ouse não me chamar.

Apesar de termos apenas alguns meses de namoro, casamento já passou


por minha cabeça algumas vezes. Não tenho a menor dúvida dos meus
sentimentos por Ayla, seria uma grande honra tê-la oficialmente como minha

esposa. Apesar de todos os meus medos, sei que ela também me ama e isso é
o mais importante. Não tem nada que eu mais ame do que acordar e velar o
sono dela. Seu rosto sereno se transformou em uma das minhas paisagens
mais bonitas.

Talvez seja egoísmo pensar desta forma, mas agora entendo por que
passei tanto tempo recluso na minha bolha. Ninguém seria como a Ayla, eu
não teria o seu sorriso, seus beijos, muito menos me sentiria tão normal
quando estou com ela em meus braços.

— Pode deixar. Quando esse momento chegar, você será uma das
primeiras a saber — digo, deixando um pouco de lado os meus pensamentos.

— Lembro que era uma moça muito bonita.

— A mais bela de todas as princesas. Ayla tem os olhos mais lindos


que já vi, seu sorriso doce é o meu alento nas noites frias. Os lindos cabelos
castanhos completam tanta beleza — confesso que nem um bobo, pensando
em como tirei a sorte grande. — Sou suspeito para falar, mas quando você a
rever, verá que tenho razão.

— É, meu filho, não tenho a menor dúvida. Você parece doidinho por
essa menina. — Sorri, tomando um pouco do seu café. — A cada minuto que
você fala sobre ela, tenho mais vontade de conhecê-la melhor.

— Vamos fazer assim, marcarei um dia para que ela venha até aqui.

Ficamos conversando por mais alguns minutos, até que preciso levantar
para atender algumas mesas. Tônia é uma pessoa muito especial. Por mais
que em alguns momentos no passado eu tenha achado ruim ela ter entregue o
folheto do fórum, agora serei grato eternamente.

Meu celular sinaliza com uma mensagem.

Ayla: É normal essa saudade tão grande que estou sentindo?

Termino de ler e um sorriso bobo brota em meus lábios. Tem uns dias

que não nos vemos, consigo entender perfeitamente esse sentimento, pois é o
mesmo que sinto todos os dias.

Dylan: Não posso confirmar se é normal, porém, me sinto da mesma


forma. Os segundos vão passando e a saudade em meu peito fica cada vez
maior.

Aperto enviar e guardo o aparelho no bolso, seguindo para pegar um


pedido. Alguns minutos depois, caminho de volta para a cozinha e entrego a

comanda. Com o movimento mais fraco, me acomodo em uma mesa discreta.

Ayla: Me sinto tão dependente de você e isso é muito intrigante.

Leio a mensagem e disco o número dela, que atende no segundo toque.

— Intrigante por qual motivo?

— Sei lá, é como se nos conhecêssemos há anos, quando isso não é


bem verdade. Eu não imaginava que iria conhecer o amor da minha vida no
fórum. O intuito sempre foi ajudar, não estava buscando por alguém. —
Escuto seu suspiro do outro lado da linha.

— Me pego pensando nisso. Minha vida deu um giro de trezentos e


sessenta graus. — Um pequeno filme passa em minha mente. — Nesses
quase dois anos, minha rotina era sempre a mesma. Você chegou e bagunçou
tudo, me deixando confuso com os sentimentos que tentavam se apossar do

meu peito.

— Eu te amo, Dylan — ela declara e no fundo escuto a secretária falar


com ela. — Eu preciso ir agora, amor. Nos vemos mais tarde?

— Sim, te esperarei na saída do consultório. Eu te amo, anjo.

— Tchau, amor.

Desliga e sinto um aperto no peito.


Estranho. Isso costuma acontecer quando estou em situações de perigo,
será que está tudo bem com a minha mãe? Mando uma mensagem para o seu

WhatsApp, não demora um minuto e ela responde que está tudo bem, só
muito ocupada mesmo.

Tento tirar isso da cabeça porque deve ser apenas uma má impressão.

Volto minha atenção para o trabalho, em algumas horas estarei com o

meu anjo e com certeza isso me fará bem.

(...)

O tempo mudou completamente, trazendo um friozinho. Visto meu


moletom preto, pego as chaves e sigo para a garagem, entrando logo em
seguida no carro da minha mãe. O caminho é feito em um completo silêncio,
exceto pela minha mente, que está uma verdadeira montanha russa de
informações, deixando-me completamente confuso e atordoado.

Chego ao prédio onde Ayla trabalha, saio do carro e fico encostado em


uma pilastra. Ayla mandou mensagem avisando que está descendo e estou à
espera dela quando vejo um homem de capuz preto entrar na recepção, no
exato momento em que a vejo sair do elevador. Apesar da distância, consigo
ver perfeitamente o momento em que ele saca uma arma, apontando para
todos que ali estão.

As batidas do meu coração estão aceleradas, lembranças do atentado


são jogadas aos montes em minha mente, me fazendo fechar os olhos com
tamanha riqueza de detalhes. Gritos. Sangue. Dor e muito sofrimento, é isso

que consigo sentir nesse momento.

Eu quero ir até Ayla, porém, me sinto travado. Minhas malditas pernas


não me obedecem, impossibilitando que eu vá em sua direção. O assaltante
sai correndo pela porta de vidro sem levar nada, provavelmente se assustou

com a chegada dos seguranças.

Com lágrimas molhando o meu rosto, vejo Ayla caminhar em minha


direção. Eu deveria tê-la protegido. Mas fui um covarde, não tive forças para
me movimentar e ser o homem que ela precisava. Antes que possa chegar
perto, entro no carro e saio cantando pneu. Não sou digno de olhar em seus
olhos e ver a decepção estampada neles.

— Dylan...

Escuto meu nome ser gritado ao fundo.

A costumeira dor já conhecida parece ter me atingido com forças. Ver o


desespero no rosto da Ayla é demais para mim. Se o bandido não tivesse ido
embora, ela correria mais riscos e eu não fui capaz de ajudar a mulher que eu
amo.

Chego em casa em um tempo recorde e sigo direto para o porão.


Apesar do frio que está lá fora, a adrenalina que corre em minhas veias é
capaz de me esquentar. Fico apenas de calça e com somente a luz do abajur
acesa. Começo a socar o aparelho de boxe, sentindo uma corrente de

eletricidade passar por meu corpo. Passo a bater com mais força e sinto uma
leve ardência em minhas mãos. Essa dor não se compara em nada com o
maldito aperto que sinto no peito.

Ayla não vai me perdoar. Talvez, se eu tivesse reagido, aquele maldito

não teria apontado uma arma para aquelas pessoas.

Com suor escorrendo por meu corpo, soco tanto o maldito aparelho,
que se ele pudesse falar, pediria clemência.

Mesmo com tantos flashes em minha cabeça, o velho questionamento


vem em minha mente: com esses medos idiotas, será que serei suficiente para
ela?
Capítulo 35

Ayla

Eu sei que deveria estar preocupada com a tentativa de assalto, mas só


consigo pensar no Dylan e como essa situação deve ter sido difícil para ele.
Partiu meu coração ver seu rosto molhado de lágrimas, por esse motivo entrei
no primeiro táxi e segui para sua casa.

Não me importo de estar correndo no meio da rua, tudo que eu preciso


é abraçá-lo e garantir que está tudo bem, mostrando para ele que nada me
aconteceu.

Para minha surpresa a porta está aberta, entro e sigo para o porão. O
único lugar que ele se sente seguro.

Desço as escadas silenciosamente, sentindo as batidas do meu coração


falharem a cada degrau. Ele já tinha me falado sobre o porão, mas ver com os
meus próprios olhos é diferente. O lugar é pequeno, tem um computador

sobre uma escrivaninha, uma cama pequena demais para o Dylan, e a pouca
iluminação completa tudo.

Dylan está em um canto pouco iluminado, desferindo socos


descontrolados no aparelho de boxe. Com passos calmos, me aproximo, o

abraçando pela cintura. Seu corpo molhado de suor estremece, e por um


instante penso que ele vai me afastar, acontece que sou surpreendida com
Dylan pegando uma de minhas mãos e levando aos lábios.

— O que faz aqui? — Sua voz sai em um fio.

— Você saiu tão rápido, imaginei que quisesse companhia.

— Você que sofreu uma tentativa de assalto, eu deveria te consolar,


não o contrário.

— Eu estou bem. No fim das contas ele não levou nada, o importante é
que estou aqui. — Asseguro, para que tenha certeza de que nada de ruim me
aconteceu.

O assaltante se assustou com a chegada do segurança, em questão de


segundos ele saiu correndo. Eu vi que Dylan estava encostado na pilastra,
imaginei que aquela cena não deve ter sido nada fácil para ele. Por isso,
quando entrou no carro e saiu, fiz o que meu coração mandava, vim o mais
depressa para lhe fazer companhia.

— Eu deveria ter te ajudado, mas quando vi aquela arma apontada para


você... todo maldito episódio voltou à minha mente. As batidas do meu
coração começaram a se descontrolar, eu queria ir até seu encontro, mas
minhas pernas não obedeciam.

Sinto dor na voz dele e isso me deixa com raiva. Não queria ter lhe

proporcionado essa situação.

— Desculpa, não queria te fazer passar por isso. — Me aperto mais em


seu corpo.

— Não peça desculpas. — Vira-se, segurando minhas mãos na altura


do peito. — Eu que tenho que me desculpar. Como seu namorado eu falhei,
pois deveria te defender e não o fiz.

— Eu nunca deixaria que se colocasse em risco por minha causa. —

Seguro seu rosto com as duas mãos, olhando fixamente em seus olhos.

— Quero tanto te beijar... — Coloca uma mecha de meu cabelo atrás da


orelha. — Quero tanto provar seus lábios, seu gosto, me sentir eu de novo...
— A voz dele é apenas um murmúrio, carregada de desejo.

— Então por que não faz, Dylan?

— Porque não sou digno de você, anjo. No fundo, nós sempre


soubemos disso. Você merece um homem por inteiro, não um cara como eu,

cheio de medos, receios e cicatrizes que não sei quando serão curadas.

— Eu não quero um homem perfeito. Eu quero você, Dylan. Com todos


os seus medos e cicatrizes. Se você deixar, te ajudarei a curá-las.

Ele não diz nada e ficamos em silêncio por uns minutos, até que Dylan
cola nossos lábios, beijando-me com desespero. Sua língua está em uma

batalha com a minha, deixando o beijo mais intenso. Com nossas respirações
aceleradas, nos afastamos e, de surpresa, Dylan me pega nos braços. Enrolo
minhas pernas em sua cintura e caminhamos até a minúscula cama, onde ele
me coloca deitada, beijando meu pescoço logo em seguida.

De forma feroz, Dylan abre os botões de minha camisa de uma única


vez. Minha saia rapidamente é tirada do meu corpo, o que acontece também
com minha lingerie.

Seus toques são intensos, quando dou por mim Dylan já está me

preenchendo. À medida que ele vai se movendo, uma sensação gostosa vai
surgindo.

Seus movimentos vão aumentando e meu corpo começa a dar sinais. Se


ele continuar nesse ritmo, em breve ondas de prazer atingirão meu corpo.
Segurando minha cintura com uma mão, ele aumenta o ritmo e logo sinto
meu corpo estremecer em cima do dele.
— Ahh, anjo. — Beija-me de forma delicada.

Com os olhos fixos nos meus, Dylan aumenta seus movimentos e


percebo que ele também está prestes a atingir o ápice.

Com nossos corpos suados e cansados, caímos na cama e fico com a


cabeça encostada em seu peito, sentindo as batidas aceleradas de seu coração.

— Eu a amo tanto, Ayla. Te amo tanto que chega a doer em meu peito
— fala enquanto acaricia meu rosto. — Quando te vi saindo do prédio com
uma expressão de desespero, meu mundo veio abaixo. Eu tive medo de ver
decepção em seus olhos.

— Decepção por que motivo? — questiono, confusa.

— Porque eu não fui capaz de protegê-la. Se eu tivesse entrado...

— Nada disso. Se você tivesse entrado ele poderia se assustar. Não


posso ficar viúva, ainda nem demos um neto para sua mãe — falo, brincando.

— Você quer mesmo ter filhos comigo?

— Claro que sim! Um casal está de bom tamanho. — Sorrio,


tamborilando em seu peito.

— Seria perfeito ter uma mini Ayla correndo pela casa.

— E um mini Dylan com esses olhos azuis. — Levanto a cabeça, o


encarando. — Eu amo você, não tenha dúvidas. Não imagina o quanto me
doeu vê-lo daquela forma. Eu vou errar, e posso até decepcioná-lo, mas saiba

que se depender de mim, estarei sempre ao seu lado.

— Me perdoa por ser tão fraco. Pensei que os pesadelos fossem meus
únicos problemas, mas hoje tive a certeza que não. — Dá um beijo rápido em
meus lábios. — Eu te amo, anjo. Não tenho dúvidas de que quero passar o
resto dos meus dias ao seu lado.

— Isso por acaso é um pedido de casamento? — pergunto, olhando nos


olhos dele.

— Ainda não. Você merece um pedido digno, de preferência quando


não estivermos nesta cama minúscula. — Sorri, fazendo algumas batidas do
meu coração falharem.

Eu sabia que o melhor a se fazer era vir ao encontro dele. Por mais que
ele se ache um fraco, todos os seus medos, receios, só me fazem amá-lo mais
e mais. Dylan erra como qualquer pessoa, e sabe reconhecer seus erros, isso é

o mais importante.

— Vamos sair daqui?

— Aqui está tão bom. — Me aperto mais em seu peito. — Podemos


ficar mais um pouco?

— Claro, você que manda, anjo. — Sorri e fico feliz que ele já esteja
voltando ao normal, se assim posso dizer.
Não consigo descrever o tamanho do amor que sinto por esse homem, e
isso realmente me assusta muito.
Capítulo 36

Dylan

Seu rosto sereno me transmite uma paz absurda. Ayla dorme


tranquilamente em meus braços e isso me acalma. Sinto como se a tivesse
usado ontem, mas eu precisava senti-la em meus braços, só assim acalmaria a
tempestade em minha mente. Enquanto seu corpo reagia ao meu, eu forçava

meus pensamentos a esquecerem o que tinha acontecido minutos antes. A dor


ainda está presente, no entanto, quando estamos juntos, todos os problemas
são colocados em escanteio.

Não consegui dormir essa noite, não tive pesadelos ou coisa do tipo. Eu
tinha a sensação de que, ao dormir, poderia deixar Ayla em risco e não é isso
que eu quero. Por volta de três da manhã, com ela nos braços, vou para o meu
quarto. A cama do porão é pequena demais para nós dois.

Eu amo tanto essa mulher. Não nos conhecemos de maneira


convencional, porém eu não mudaria nada, exceto o começo, que fui tão
resistente para esse sentimento que arrebatou meu coração.

Ontem foi a primeira vez que falamos sobre filhos. Eu não tenho a
menor dúvida de que Ayla é a mulher que quero passar todos os dias da

minha vida. Uma casa com quintal grande e nossos filhos correndo e se
sujando de lama. Esse nunca foi um sonho, até conhecê-la.

Olhando para o passado, posso dizer que mudei bastante e posso


afirmar com todas as letras que o amor contribuiu. Tanto meu amor pela
minha mãe, que sofreu muito comigo, como o amor de um homem para uma
mulher.

— Posso saber o que tanto você pensa? — Ayla pergunta, me trazendo


de volta para a realidade.

— Em como eu sou um grande sortudo, de ter uma mulher incrível ao


meu lado — digo, sorridente, dando um beijo casto em seus lábios.

— Com certeza não tem sorte maior do que acordar nos braços do
homem que amo.

— Discordo plenamente. Acordar com sua cabeça em meu peito é mais


do que eu poderia imaginar. Se alguém me dissesse que aquele fórum me
traria um lindo e gostoso resultado, teria entrado há mais tempo — brinco,

com um pouco de verdade no meio.

— É um bobo mesmo. — Ele sorri, fazendo uma trilha com os dedos


por minha barriga. — De todas as coisas que eu poderia imaginar, encontrar
um amor não estava na lista. Eu já disse que te amo hoje?

— Acho que não. — Inverto nossas posições, ficando por cima.

— Eu te amo, senhor Dylan.

— E eu te amo, futura senhora Collins. — Ela me olha em choque, e eu


apenas sorrio.

— Estou começando a acreditar que você quer se casar comigo. —


Sorri, beijando meus lábios.

— O que posso fazer para que acredite nisso? — indago, olhando em


seus olhos.

— Primeiro você pode me beijar. Depois a gente toma um banho juntos


e por último, mas não menos importante, preparar algo para comermos. Estou
morta de fome.

— Santo Deus! Sou um péssimo namorado — falo e ela começa a rir,


me levando a fazer o mesmo. — Esqueci completamente que não jantamos
ontem. Eu vou até a cozinha preparar algo para comermos, depois a gente
toma um banho e passamos o dia deitados na cama. O que acha da minha

proposta?

— Tão tentadora que não seria maluca de me opor. — Levanto e visto


um shorts. — Alguém já disse que você é um pedaço de mau caminho?

— Não, essa é a primeira vez. — Dou um sorriso, admirado com a


linda mulher vestida com minha camisa.

A definição de perfeição acabou de ser atualizada com sucesso. Ayla


vestida com minha camisa e de cabelos bagunçados... Não tem nada que eu
ame mais.

— Detesto quebrar esse clima, mas estou morrendo de fome, amor. —


Enterra o rosto no travesseiro. — Ultimamente parece que tem um buraco no
meu estômago.

— É melhor eu ir logo. Não quero aparecer nas manchetes dos jornais

amanhã — provoco, caminhando para fora.

— Ei, como assim manchete? — pergunta antes que eu saia.

— “Homem de trinta anos é morto pela namorada, pelo simples fato de


não a ter alimentado. Mesmo com a experiência militar, não foi capaz de
conter a irá da jovem mulher.”

Ayla arqueia as sobrancelhas e começo a rir de sua cara.


— É melhor sair daqui, Dylan. — Joga um travesseiro em minha
direção, desvio a tempo.

— Te amo. — Gargalho, saindo do quarto.

É assim que minha vida deveria ser, alegre e descontraída. Tento


aproveitar todos esses momentos ao seu lado, pois sei que nem sempre essa
será minha realidade. O amor é uma verdadeira incógnita, tem situações que

ele faz bem, já outras machuca.

Ayla é meu recomeço, seus lindos olhos, sua força de vontade... Se eu


já tive o melhor dela, por que teria dúvidas de que a quero para o resto da
vida?

— É com esse sorriso no rosto que gosto de vê-lo — minha mãe diz
assim que entro na cozinha.

Ontem quando cheguei ela não estava em casa, ainda não tinha

retornado do restaurante.

— Oi, mãe. Bom dia. — Dou um beijo em sua testa. — Também


gostaria que fosse assim sempre.

— Eu já gostava muito da menina Ayla, agora tenho uma dívida eterna.


Só de saber que ela contribuiu para você voltar a viver e trouxe de volta esse
lindo sorriso.
— Mãe, a senhora também me ajudou bastante. Se eu não desisti da
vida foi porque a senhora estava sempre ao meu lado. Me dando apoio, sendo

meu ombro amigo e mostrando o quanto eu sou amado.

— Promete que nunca mais vai deixar a dor tomar conta de você, filho?
— questiona, segurando em minhas mãos.

— Farei o que estiver ao meu alcance, mãe. Infelizmente, o tept não

tem cura, mas tudo que eu puder fazer para não voltar ao antigo Dylan, eu
farei. — Sou sincero, pois é isso que eu realmente quero. — Vou precisar de
ajuda, mãe. Seu apoio é fundamental.

— Eu nunca soltarei sua mão e sei que Ayla estará ao seu lado também.

Sorri, me puxando para um abraço.

— Vou pedi-la em casamento, mãe — comunico baixinho,

certificando-me de que Ayla não escute.

— Que maravilha, filho! Isso me deixa muito feliz. Ayla é uma mulher
incrível, a nora que eu pedi a Deus.

Nos afastamos e coloco algumas coisas em uma bandeja. Café, suco,


bolo e melão, a fruta predileta da Ayla. Minha mãe deixou a mesa posta, já
economizou boa parte do meu tempo.
— Não sei explicar, e pode até soar muito sentimental. Mas sinto como
se Ayla fosse minha metade. Se eu não a tivesse ao meu lado, tenho certeza

de que as coisas seriam diferentes. Eu amo tanto essa mulher, mãe. E ela me
aceita com todos os meus defeitos.

— Difícil seria não se apaixonar por você, filho. Por trás dessa barba de
homem mau, existe um menino em busca de um recomeço. Você merece ser

feliz, ela é a mulher certa para isso.

— Mãe, eu já sou um homem. Faz tempo que deixei de ser um menino.


— Pisco para ela, que balança a cabeça negativamente. — Deixa eu levar isso
para o quarto. Não jantamos ontem à noite — falo, sem graça.

— Posso nem imaginar o motivo. Estavam muito ocupado, né? — ela


opina, me deixando mais sem graça ainda.

— Mãe... — falo, envergonhado.

Acho que chegou a hora de fazer uma visita ao meu antigo


apartamento. Por mais que eu ame a minha mãe, ter um pouco de privacidade
com Ayla será bom e evitará situações constrangedoras.

— Não está mais aqui quem falou. — Levanta as mãos em sinal de


rendição. — Não esqueça, amanhã vamos jantar com o Carlos. Será às oito,
Ayla também está intimada.

Eu orei para que ela esquecesse essa história de me apresentar ao


namorado. Fugi o máximo que pude, mas vejo que agora não terei

escapatória.

— Tudo bem, mãe. Estaremos lá. — Pego a bandeja, voltando para o


quarto.

Agora preciso pensar em como pedir a Ayla em casamento. Ela é muito


especial, merece algo à altura, mesmo que eu não possa levá-la no restaurante

mais chique de San Diego.


Capítulo 37

Dylan

— Acho melhor disfarçar essa cara, amor — Ayla diz assim que
chegamos ao restaurante.

— Por que essa situação é tão estranha? O certo seria minha mãe
conhecer minhas namoradas, não o contrário.

— Vou fingir que não ouvi esse pensamento machista, Dylan. Sua mãe
merece ser feliz, seria egoísta da sua parte pensar desse jeito.

— Desculpe, eu só quero protegê-la.

Aperto a mão dela.

— Olha para mim. — Para em minha frente, segurando firme em


minhas mãos. — Sua mãe é uma mulher inteligente, não iria se relacionar

com um homem de personalidade duvidosa. Você vai colocar um sorriso

nesse rosto e vai ser simpático.

— Hum — falo, contrariado.

— Me promete, amor? — pede e cola os lábios nos meus.

— Sim, anjo, prometo.

Respiro fundo e voltamos a caminhar. O restaurante escolhido parece


bem acolhedor, minha mãe soube escolher e agradeço por isso. Acho que
saber que meus sogros chegam no fim de semana aumentou ainda mais o meu
nervosismo.

E se eles não gostarem de mim?

Não quero ter nenhum problema com eles, pelo contrário, quero que
vejam que a filha está com uma boa pessoa e será muito feliz ao meu lado.

— Boa noite — falo assim que nos aproximamos. — Mãe...

Beijo a bochecha dela.

— Oi, boa noite — Ayla diz, simpática, cumprimentando minha mãe e


o namorado. — Eu sou a Ayla, muito prazer.

— Eu sou o Carlos, muito prazer, Ayla — ele diz, sendo simpático, ou


pelo menos fingindo ser.
— Carlos, meu amor, esse aqui é o meu filho, Dylan. — Sorri de mim
para ele.

— Muito prazer.

O cumprimento com um aperto de mão.

— Sua mãe me falou muito a seu respeito.

— Vem, sentem-se aqui — minha mãe pede, indicando nossos lugares.

Nos acomodamos e logo o garçom aparece para pegar nossos pedidos.


Opto por uma massa e Ayla me acompanha na escolha. Os minutos vão
passando e Carlos começa a contar sobre sua vida. Descubro que ele é
policial aposentado, tem dois filhos e ficou viúvo há cinco anos. Ainda não
entendi muito bem onde eles se conheceram, mas tenho que dar o braço a
torcer, pois ele parece gostar de verdade da minha mãe.

O tempo vai passando, quando menos espero estou gargalhando das

piadas do Carlos. Talvez eu tenha exagerado um pouco, porque minha mãe


está feliz e esse sempre foi o meu desejo. Que ela encontrasse a felicidade.

— Viu que não é nenhum bicho de sete cabeças? — Ayla sussurra


próximo ao meu ouvido.

— Sim, você tinha razão. — Pouso minha mão em sua coxa nua.

— Estou surpresa, você admitiu mais fácil do que imaginei. — Sorri,


apertando minha mão. — Posso saber por que mudou de ideia rapidamente?

— Olha para eles que você vai perceber. Minha mãe está feliz, isso é a
única coisa com que deveria me preocupar.

— Fico feliz que tenha enxergado isso. Não precisou que eu usasse o
meu plano B.

— Plano B? — questiono, confuso.

— Ia fazer greve até que você parasse de agir como um idiota — diz
ela baixinho, apenas para que eu escute.

Arqueio uma sobrancelha, sem acreditar que ela realmente teria


coragem de fazer isso.

— Você não teria coragem — falo, desafiando-a.

— Tenta para você ver. — Toma um pouco de sua bebida com a cara
mais lavada.

— Duvido que seu corpo resistiria ao meu toque. — Faço uma trilha
em sua coxa com a ponta dos dedos, indo para dentro de seu vestido.

— Dylan...

Segura minha mão, impedindo que ela chegue ao seu destino final. Eu
não iria adiante, pelo menos não aqui, de maneira tão exposta. É satisfatório a
forma como seu corpo reage ao meu toque. Beijo seu pescoço e sua pele
arrepia. Sorrio, satisfeito, enquanto suas bochechas assumem um tom rosado.

— Então, Dylan... — Carlos chama minha atenção. — Lucy disse que


você está dando aula de defesa pessoal. Está gostando dessa área?

— Sim. Estou gostando de dar aulas, é mais fácil do que eu imaginei.


Minhas alunas são bem esforçadas. — Tomo um pouco do meu suco. — Se
eu tenho alguns conhecimentos, por que não ensinar a outros, não é mesmo?

— Com um professor bonitão, difícil seria não prestar atenção —


minha mãe brinca, sorrindo.

— Elas dão atenção até demais, sogra.

— Dão em cima dele? — pergunta dona Lucy.

— Não sei se todas são assim, mas uma em especial estava pedindo
para levar uns tapas. Além de dar em cima dele, teve a audácia de falar na
minha cara que não entendia como ele poderia ter escolhido uma magrela ao

invés dela. Vê se eu posso com uma coisa dessas?! — Ayla solta um longo
suspiro.

— Mariah não é mais minha aluna, fique tranquila — a tranquilizo,


beijando sua mão.

Carlos me salvou falando sobre outro assunto. Eu não gostaria de ter


tomado uma medida tão drástica, porém, ela pediu por isso. Fiquei pensando
em todas as minhas atitudes, nenhuma delas deu a entender que eu queria

alguma coisa com a Mariah. Traição é uma questão de escolha, nunca faria

isso com o meu anjo.

(...)

Terminamos de jantar por volta das onze da noite. Amanhã Ayla tem
paciente nas primeiras horas da manhã, e como minha casa é mais perto do

seu consultório, vamos passar em seu apartamento e pegar uma muda de


roupa. Hoje ela vai dormir comigo.

Nos despedimos de minha mãe e do Carlos, eles vão para a casa dele.
Foi muita informação para minha mente, mas fiz de conta que era a coisa
mais normal desse mundo. No estacionamento, abraço Ayla por trás, inalando
o delicioso cheiro dos seus cabelos.

— Não vejo a hora de ter você em meus braços. — Viro-a, encostando


no carro. — Beijar seu pescoço, trilhando um caminho para seus lábios,

vendo seu corpo inteiro se arrepiar.

— Você tirou a noite para me provocar, não foi? — Sua voz sai em um
sussurro, enquanto suas mãos entram por baixo da minha camisa.

— Talvez um pouquinho.

Tomo seus lábios, beijando-a de forma delicada, explorando cada


pedacinho de sua boca, sentindo uma deliciosa mistura de Ayla e vinho. Suas
unhas descem por minhas costas, fazendo com que eu aperte mais seu corpo

contra o meu.

Quase sem fôlegos, nos afastamos, bem a tempo de ouvir alguém bater
palmas. Viro-me, tendo o desprazer de encontrar o Kalel.

— Que mundinho pequeno... Quase não acreditei quando vi você e esse


garçom passando.

Nos dirige um sorriso debochado.

— Pequeno até demais. Com tantas pessoas, tínhamos que encontrar


logo um babaca como você — rebato, sem me intimidar.

— Vamos sair daqui — Ayla diz, segurando meu braço.

— Podem ir, esse restaurante já foi melhor frequentado.

— Qual é a sua? Tudo isso é por que a minha namorada te dispensou?


— Me aproximo, ficando rente a ele. Nossa diferença de tamanho não é tão

grande. — Você deveria aprender a levar um não. Tem várias mulheres, vai
procurar alguém que esteja realmente interessada.

— Você se acha muito, né? Não duvido nada que esteja com você por
pena. Também, o que esperar de um homem que frequenta psicólogos —
cospe as palavras, pensando ele que vai me atingir.

— Você deveria tentar, quem sabe assim aprende a ser um homem de


verdade. Muito me admira, um médico com atitudes tão infantis.

Viro para ir embora, quando ele diz:

— Quando você não quiser mais ela, estarei ansioso esperando minha
vez.

Isso é a gota que faltava. Aceito que falem de mim à vontade, só não

toquem ou fale do meu anjo.

— Amor, vamos embora — Ayla implora, segurando minha mão.

Com raiva correndo em minhas veias, acerto em cheio o rosto dele, não
dando chance para que esse babaca continue falando merda. Sei que ele quer
apenas me provocar, mas não tenho sangue de barata.

— A verdade doeu, não foi?

Cospe sangue, mas não tira o sorriso idiota do rosto.

Sem conseguir me conter, lhe acerto outro soco, que o derruba no chão.

Minha vontade é de chutar essa cara de convencido, no entanto, uma


minúscula mão toca o meu braço, trazendo-me de volta para a realidade.

Ayla está trêmula e me amaldiçoo por isso. Não queria deixá-la desse
jeito. Esse idiota precisava tirar o maldito sorriso do rosto e não encontrei
outra forma a não ser usar violência.

— Não cai no jogo dele, Dylan. Kalel quer justamente isso, que você
suje suas mãos — fala, puxando-me para o carro.

Fecho o punho, controlando a vontade de acertar outro soco nesse


babaca. Com as batidas do meu coração aceleradas, fecho os olhos, tentando
me acalmar.

— Desculpe — falo, encostando a testa na dela.

— Vamos embora. Eu dirijo. Você não tem a menor condição.

— A gente se esbarra por aí, garçom — ele diz, limpando o sangue na


barra da camisa.

— E eu estarei ansioso, esperando por esse momento.

Entramos no carro e seguimos em silêncio. Os planos que eu tinha para


essa noite eram bem diferentes. Infelizmente, dessa vez Kalel conseguiu
estragar tudo.
Capítulo 38

Ayla

Santo Deus! Levanto-me correndo para o banheiro e coloco todo o


jantar para fora. Alguma coisa que comi não me fez bem, e tem uma semana
que, constantemente, só falta eu colocar os bofes para fora. Se eu continuar
desse jeito, vou bem perder uns dez quilos — o que não seria uma má ideia

—. Meus pais chegaram ontem. Estava ansiosa para revê-los, a saudade de


todos estava enorme.

Há alguns dias tivemos o desprazer de encontrar o Kalel, e não entendo


como uma pessoa pode ser tão irritante a ponto de não aceitar um não de uma
mulher. Se eu deixasse, seria capaz do Dylan arrebentar a cara dele, e não era
dessa forma que eu gostaria de encerrar nossa noite.
Forço-me a parar de pensar nessa história. Escovo os dentes, tomo um
banho demorado e sigo para a cozinha, encontrando todos reunidos.

— Bom dia, família — saúdo e cumprimento cada um com um beijo no


rosto. — Dormiram bem?

— Sim, filha. Como se estivéssemos em nossa própria casa — minha


mãe diz, me servindo com um pouco de café.

— Tia, posso morar aqui? — Angelique pergunta, deixando todos de


boca aberta.

— Vai me abandonar, filha?

Meu irmão finge estar chorando. Um ótimo ator, tenho que admitir.

— Por que quer abandonar o seu papai, Angel?

— Ele disse que vai me trocar de escola, então não quero mais morar
com o papai. — Cruza os braços, emburrada. — Eu gosto dos meus

amiguinhos e da minha professora.

Olho para ele, intrigada. Será que o motivo é a professora? Não posso
acreditar que meu irmão seja idiota a esse ponto.

— Depois conversamos — James fala sem produzir som.

— Se seu pai não resolver isso, prometo que vou buscá-la para morar
aqui. Pode ser?
— Pode sim, tia.

Meu pai apenas observa tudo calado. Por essa de Angelique ninguém
esperava. Sei que meu irmão estava tendo um rolo com a professora, só
espero que ele não esteja punindo a filha por uma besteira dele.

Enquanto termino de comer um pedaço de bolo, sinto meu estômago


embrulhar. Levanto-me e corro para o banheiro, colocando todo o café da

manhã para fora.

Tento puxar na mente, mas não lembro de ter comido nada de diferente.
Tenho que lembrar de marcar um médico. Faz tempo que não faço um exame
de rotina, talvez seja isso.

— Você está bem, maninha? — James pergunta, entrando no banheiro.

— Sim, só comi alguma coisa que não me fez bem.

Escovo os dentes para tirar o gosto ruim da boca.

— Há quanto tempo você está assim?

— Uma semana, eu acho — respondo sem dar muita importância para


seu questionamento.

— Sua menstruação está em dia?

— Que pergunta é essa, James?

Ele só pode ter enlouquecido. Isso lá é pergunta que se faça?


— Foi assim que Melissa descobriu que estava grávida da Angelique.
— Sento-me na cama, assustada com essa possibilidade. — Tem alguma

chance de você estar grávida, Ayla?

Puxo na mente e lembro que teve uma vez que não nos prevenimos. O
desejo era tanto que acabamos esquecendo desse detalhe tão importante. Só
agora percebo que minha menstruação está atrasada. Esses vômitos e o

maldito enjoo...

Oh, Deus! Não posso acreditar nisso!

— Pela sua cara de desespero, a possibilidade é grande — diz meu


irmão, com um enorme sorriso.

— Como eu não percebi isso, James? — Passo a mão de forma


desesperada pelo rosto. — Como eu deixei passar uma coisa tão importante
como essa?

— Paixão, maninha. Ela costuma deixar as pessoas cegas. Vocês já são


bem grandinhos, sabem que prevenção é fundamental...

— Por favor, James! Não temos mais idade para esse tipo de sermão. O
que eu vou fazer, meu Deus?!

— Que tal começar por um teste de farmácia? — Respiro fundo,


encarando-o. — Vou lá comprar para você. Se alguém perguntar, fala que fui
comprar um remédio para enxaqueca.
Beija minha testa e sai do meu quarto.

Droga! Como será que o Dylan reagirá a isso? Falamos sobre ter filhos,
mas não em uma realidade tão próxima.

Não vou surtar.

Depois que eu fizer o teste, penso no que fazer desse momento em

diante. Por mais que seja tudo muito novo, carregar uma mini cópia minha e
do Dylan seria uma experiência incrível. Eu tenho meu próprio negócio, uma
casa, a única mudança seria diminuir minhas sessões, e o fato de o meu corpo
se modificar inteiro para receber um bebê.

Por que eu estou surtando se ainda não fiz o teste?

Respiro fundo antes de voltar para a cozinha. Hoje Dylan vem jantar
aqui em casa, é nisso que preciso concentrar minha atenção. Depois eu penso
na grande possibilidade de ser mãe.

— Para de enrolar, sai logo desse banheiro, Ayla — James grita da


porta.

James me trouxe dois testes para não correr o risco de um dar errado.
Tenho dez minutos encarando as duas linhas vermelhas, me dando a
confirmação de que estou grávida. Tentei não surtar quando meu irmão mais
velho — trágico, para não dizer cômico — levantou essa hipótese. Agora que

não restam dúvidas, só consigo pensar se serei uma mãe tão boa como a que

eu tive. Com a mão em meu ventre, deixo que lágrimas molhem meu rosto,
em uma mistura de emoção e medo do que me espera.

— Se você não abrir essa porta agora, serei obrigado a arrombar.

Levanto-me do chão e abro a porta, dando de cara com um James

praticamente descabelado.

— Toma, é todo seu. — Entrego os dois testes em sua mão, sentando-


me na cama.

— Droga, Ayla, isso aqui está molhado ainda. — Faz cara de nojo,
como se nunca tivesse encostado em xixi. — Como você está se sentindo?

— Confusa, assustada, e ao mesmo tempo emocionada — falo com o


olhar vago, sem encarar meu irmão.

— É, não é muito diferente do que você costuma ser. — Olho para ele
de cara feia. — Como está se sentindo ao saber que será mãe?

— É estranho, eu não estava preparada. Na verdade, em momento


nenhum essa hipótese passou pela minha cabeça. Namoro com o Dylan há
pouco tempo, nós tínhamos planos de ter filhos, só não esperava ser agora. —
Respiro fundo, deitando a cabeça em seu ombro. — Não sei como contar para
ele.
— Não é nenhum bicho de sete cabeças. Você vai chegar e dizer que
está grávida, caso tenha uma atitude idiota, vou até ele e quebro-lhe a cara.

— Sabe que Dylan é bem maior que você, né?

— Tamanho nunca foi sinônimo de nada, maninha. — Sorri e meneio a


cabeça negativamente.

— Eu sempre quis ser mãe — digo, com a mão em meu ventre.

— E eu sempre soube que você seria uma mãe maravilhosa.

— Será?

— É só olhar a forma como trata a Angelique, ou até mesmo as


crianças do orfanato. Se você consegue ser tão amorosa, cuidadosa e
atenciosa com outras pessoas, imagine seu próprio filho. Sei que o medo é
normal, eu me senti assim quando soube da gravidez da Melissa. — Segura
minha mão entre as suas. — Você encheu seu namorado de elogios, então

não tenho a menor dúvida de que ele ficará radiante de ter um filho com a
mulher que ama.

Meu único receio é de Dylan surtar por não se achar capaz. Sei que ele
ainda tem muitos medos e receios, espero que minha gravidez não piore tudo,
pelo contrário, quero que ela traga coisas boas. Assim como esse sentimento
louco que está tentando se apossar do meu peito. Eu acabei de descobrir que
tem um ser crescendo em meu ventre. É possível amá-lo de forma
instantânea?
Capítulo 39

Ayla

— Oi, amor. — Beijo seus lábios, o abraçando logo em seguida.

Quando eu penso que esse homem não pode ficar mais bonito, ele me
aparece com essa calça preta e camisa social vermelha dobrada até o
cotovelo.

É tão bom ver esse brilho em seus olhos. Dylan é tão intenso e ao
mesmo tempo apaixonante... Tenho certeza de que ele será um ótimo pai e
espero que pense dessa forma.

— Oi, anjo. Desculpa o pequeno atraso. Estava meio que consolando o


Bryan.

Ele circula os braços em minha cintura, colando nossos corpos.


Fecho os olhos, sentindo seu perfume invadir minhas narinas. A cada
dia fico mais viciada nele, se é que isso é possível. A vontade de contar sobre

a minha gravidez é imensa, estou com medo de sua reação e ao mesmo tempo
ansiosa.

Santo Deus! Eu já era uma pessoa confusa, agora parece que só piorou.
Será que serei uma boa mãe? Essa pergunta não parou de rodar em minha

mente, mesmo que o meu irmão tente o tempo todo me convencer do


contrário.

— O que houve com o Bryan? — pergunto, curiosa, enquanto


caminhamos para o meu apartamento.

— Descobriu que a Megan está de casamento marcado. — Paro de


andar, olhando em choque para ele. — Chegou lá em casa bêbado e eu nunca
tinha visto o meu amigo daquela forma. Bryan realmente ama essa mulher.

— Nossa, deve ter sido um baque enorme. Você o deixou sozinho?

— Não necessariamente. O ajudei a tomar um banho e dei um café bem


forte. Depois de o meu amigo colocar tudo para fora, apagou no sofá. Só deve
acordar amanhã, de qualquer forma. Minha mãe disse que iria me manter
informado.

Ele sorri e sinto as batidas do meu coração falharem.

— Espero que ele fique bem e se resolva com a Megan. — Dylan acena
positivamente e voltamos a caminhar.

Chegou o momento tão aguardado, impossível voltar atrás.

Entramos e todos estão reunidos na sala, seus olhares rapidamente são


direcionados para nós. Dylan aperta minha mão e, digamos que com mais
força que o necessário.

— Vai dar tudo certo. Eles vão amar você, amor — digo apenas para
que ele escute.

— Boa noite — Dylan fala, com um sorriso contido.

— Oi, filho, seja bem-vindo. — Minha mãe se aproxima, o puxando


para um abraço.

— Obrigado, senhora Michele.

Tento conter a vontade de rir vendo Dylan tenso nos braços da minha
mãe. Acho que ele não esperava por um abraço e eu esqueci de falar que ela é

a rainha dos abraços.

— Larga ele, mulher, vai acabar assustando o rapaz — papai diz,


cumprimentando Dylan com um aperto de mão, seguido de um abraço. — A
casa não é minha, mas pode ficar à vontade.

— Obrigado, senhor Gregório.

Sorri de canto.
— Essa é minha princesinha, Angelique.

Pego-a no colo.

— Oi, princesa. — O sorriso dele é radiante.

Ele se transforma quando vai falar com as crianças e acho isso tão
encantador...

— Você é o namorado da minha tia? — Angelique pergunta com sua


voz doce.

— Sim, eu sou. Ela me disse que você é a sobrinha predileta, sabia


disso?

— Oh, tia, você tem outra sobrinha além de mim que eu não sei? —
questiona, emburrada.

— Não, princesa. Você é o meu docinho de abacaxi. — Ela sabe que é


minha sobremesa predileta, logo, não terá dúvidas de que é minha preferida.

James observa tudo calado e olho para ele sem entender, mas meu
irmão apenas dá de ombros.

— Muito prazer, sou James, irmão dela. — Se aproxima e eles se


cumprimentam com um aperto de mão.

Eles se encaram e fico sem entender essa atitude do James. Nós não
somos mais adolescentes para ele dar uma de irmão superprotetor.
Depois dessa pequena apresentação, nos dirigimos à mesa e
desfrutamos de um delicioso jantar preparado pela minha mãe. O clima dá

uma melhorada, rimos bastante com as piadas do meu pai.

— Então, Dylan... — James chama atenção do meu namorado. —


Minha irmã disse que você serviu no Afeganistão.

— Isso mesmo.

— Como foi por lá?

Sério isso? James sabe de tudo que aconteceu ao Dylan, fui bem clara
ao falar sobre todos os problemas que ele passou e como esse assunto mexe
bastante com ele.

— Não precisa falar, amor — falo apenas para que ele escute.

— Não tem problema, anjo. — Leva minha mão aos lábios, beijando-a.

— Não é como se fosse uma colônia de férias. Os filmes não retratam

quarenta por cento do que realmente se passa. Precisávamos ficar alertas o


tempo todo, já que os grupos inimigos poderiam atacar a qualquer momento.
— Sua voz está firme, mas percebo a emoção.

— Por que saiu, Dylan? — meu pai pergunta.

— Certa noite fomos atacados, quase todos os meus amigos morreram


nesse dia...
— Desculpe, filho, eu não sabia — diz meu pai, com pesar.

— Não tem problema, senhor Gregório. — Dá um fraco sorriso.

Agradeço ao céus quando Angelique traz outro assunto. Estou com


muita raiva do meu irmão, ele não tinha o direito de tocar nessa ferida, não
quando deixei bem claro o quanto machucava o Dylan.

Terminamos de jantar e enquanto Dylan brinca com Angelique, perco-


me em pensamentos. Preciso pensar em uma forma de contar sobre a
gravidez. Vê-lo tão entretido com minha sobrinha não me deixa dúvidas de
que ele será um ótimo pai. De forma discreta, acaricio minha barriga,
passando um pouco de alento para o meu bebê.

Será uma menina ou menino?

Terá os lindos olhos do pai?

E o gênio, será uma mistura de nós dois?

Sorrio com tantas perguntas em minha mente. No fundo, tudo que


importa é ele nascer saudável.

O jantar foi uma maravilha. Meus pais gostaram do Dylan, e o James,


apesar de ter sido um imbecil, sei que também gostou do meu namorado.
Acredito que Dylan, assim como eu, tirou um grande peso de cima dos
ombros, já que esse era um receio muito grande.

A noite está linda, por isso saímos para caminhar, parando em um


pequeno parque próximo ao meu prédio.

— Anjo, aconteceu alguma coisa? — Dylan pergunta, abraçando-me


por trás.

— Sim, e eu estou com medo.

Meus olhos que estavam cheios de lágrimas, transbordam.

Ele vira-me, limpando meu rosto com a ponta dos dedos.

— Eu estou aqui, anjo. Me fala o que aconteceu.

Eu pensei que conseguiria ficar calada, mas sinto a necessidade de


gritar que estou grávida. Pensei em contar em outro momento, acontece que
não estou conseguindo guardar isso apenas para mim. Quanto antes ele
souber, será mais fácil de lidar.

— Anjo... — suplica, levantando meu rosto, forçando o contato visual.

— Eu estou grávida — digo, encostando a cabeça no peito dele.

Dylan não diz nada, e o medo de encontrar decepção em seu rosto me


impede de encará-lo. Faz algumas horas que descobri que serei mãe, porém,
um sentimento inexplicável me atingiu, e posso dizer que já amo esse
serzinho que está em meu ventre.
— Anjo... — sua voz sai rouca entre um soluço.

Ele está... chorando?

Levanto o olhar e dou de cara com lágrimas descendo pelo rosto dele.
De todas as possíveis reações que passam em minha mente, por essa eu não
estava esperando.

Amor. Emoção.

É isso que vejo em seus olhos.

— Você não está decepcionado? — reúno coragem para perguntar.

— E por que eu ficaria decepcionado? — Envolve minha cintura,


colando nossos corpos.

— Tudo é tão recente entre nós, pensei que não estivesse preparado
para uma gravidez. É certo que eu também não estou, mas.... — Limpo suas
lágrimas, mesmo sem conseguir conter as minhas.

— Nada me faria mais feliz do que ter um filho com o amor da minha
vida. — Ele beija rapidamente meus lábios, antes de se ajoelhar a minha
frente, no meio do parque, beijando minha barriga. — Oi, sei que ainda é
cedo para você me ouvir, mas eu só quero que saiba o quanto é sortudo. Sua
mamãe é a mulher mais linda e especial do mundo, não poderia ter escolhido
uma barriga melhor. Seu papai é complicado, mas vai te amar
incondicionalmente.

Sorrio entre as lágrimas que teimam em descer.

— Imaginei que você fosse surtar e começar a dizer que não é capaz de
ser pai e outras coisas mais.

— Você não imagina a confusão em minha mente nesse momento. —

Levanta e segura meu rosto entre as mãos. — Merda, é claro que estou com
medo. Não tive uma figura paterna para me espelhar, não faço a menor ideia
se serei um bom pai. Eu fui para o Afeganistão enfrentar terroristas e estou
com medo de um serzinho que ainda nem nasceu. Tem noção disso?

Essa é a primeira vez que ele se refere ao Afeganistão sem perder o


brilho no olhar. O Dylan com olheiras enormes e aparência cansada, não se
parece em nada com o homem diante de mim. O mesmo que se emocionou ao
saber que será pai.

— Eu estava bem assustada. Não pensei em momento nenhum que


pudesse estar grávida.

— E como descobriu?

— Eu já tinha uma semana vomitando, pensei que alguma coisa que


havia comido tinha me feito mal. Mas aí o James viu e perguntou sobre a
minha menstruação. — Dou um fraco sorriso, ainda sem acreditar que meu
irmão suspeitou da minha gravidez, não eu.
— Você não me falou sobre isso — diz em tom acusatório.

— Era só uma besteira, não queria te preocupar, amor.

Sorrio e ele arqueia a sobrancelha.

— Dessa vez eu te perdoo, mas se você sentir qualquer coisa, não


hesite em me ligar.

Caminhamos até um banco, onde nos sentamos.

— Eu vou ser pai — Dylan fala, colocando a mão em meu ventre. —


Ainda estou sem acreditar.

— Não posso julgá-lo, ainda estou me familiarizando com a ideia. —


Deito a cabeça em seu ombro, sentindo-me bem em meu lugar predileto. Seus
braços.

— Eu te amo, anjo. Obrigado por ter dado um rumo a minha vida. —


Vira-se, me encarando. — Você foi o melhor que me aconteceu em anos. Seu

sorriso, seu olhar encantador, a forma como acha um lado positivo em tudo...
Eu sei que ainda vou errar, e você vai sentir vontade de me matar, mas saiba
que eu te amo loucamente, e farei de tudo para estar sempre ao seu lado.

— Oh, Deus, agora eu sou uma mulher grávida, precisa ter cuidado
com minhas emoções — sussurro, soluçando. — Eu amo tanto você.

Jogo-me nos braços dele, colando nossos lábios. Nos levantamos e


Dylan me pega nos braços, rodando-me no ar. Ele me coloca no chão e em

um encontro de sentimentos, minha língua invade sua boca, e a deliciosa

mistura de Dylan e suco de laranja me parece bem apetitosa.

— Me leva para sua casa — peço, desejosa. — Mostre-me como meu


corpo reconhece o seu toque... Ama-me com a delicadeza e intensidade que
só você sabe.

— E os seus pais?

— Não vão se importar.

— Vamos para o meu apartamento, ele não fica muito longe daqui. —
Segura em minhas mãos, caminhando até seu carro. — Filho, em alguns
instantes o seu papai vai desfrutar do corpo da sua mamãe, amando cada
pedacinho dela. Prometo não balançar muito.

— Dylan... — repreendo, deixando um sorriso escapar. — Ainda bem

que ele ainda não escuta.

— Eu quero tanto você, anjo — ele declara, com uma mão em minha
perna.

— Compartilho do mesmo sentimento, amor.

Sorrio, encantada.

Essa noite está terminando melhor do que o imaginado. Dylan não


surtou e agradeço por isso, pois, além de me mostrar que realmente ficou

feliz com a gravidez, mostra sua evolução e, em um futuro não tão distante,

ele conseguirá controlar os sintomas do tept.


Capítulo 40

Dylan

O dia amanhece frio e ainda assim me parece bem convidativo. Deixei


Ayla dormindo e decidi correr um pouco. Enquanto a adrenalina é liberada do
meu corpo, com um sorriso contagiante, lembro de quando descobri que seria
pai. Confesso que não esperava por isso. Minha vida mudou tanto depois que

conheci o meu anjo.

Dois meses se passaram e eu não poderia estar mais feliz. Ela está
grávida de três meses e não vejo a hora de descobrirmos o sexo do nosso
pequeno grão de feijão.

Não pensei que fosse possível sentir tanta emoção. As lágrimas que eu
tentava segurar, molham meu rosto de forma desenfreada. Eu só consigo
pensar em como um homem tão quebrado, que por um momento desacreditou
da vida, foi capaz de gerar um pequeno ser. Não sei explicar, mas desde o

momento que descobri sua existência, um amor inexplicável tomou conta do


meu peito.

Sei que não sou um homem perfeito. Pelo contrário, sou imperfeito e
vou errar pra caramba. Porém, a ideia de ser pai acendeu em mim um forte

desejo desconhecido.

Não vou dizer que voltei a ser cem por cento normal. De vez em
quando os pesadelos ainda me atormentam, assim como evito qualquer lugar
que tenha muita gente. Mas eu sinto em meu peito que algo mudou, talvez o
amor que sinto pela Ayla e o meu filho estejam me curando, mesmo não
sendo por completo.

Os pingos de chuva começam a cair, molhando todo o meu corpo.


Inspiro fundo, sentindo o vento gelado me atingir, causando-me arrepios.

Paro debaixo de uma proteção e pego meu celular, sorrio ao ver uma
mensagem da Ayla.

Ayla: Posso saber por que acordei sem o calor de seu corpo?

Essa mulher é tão intensa e encantadora, não tenho dúvidas de que a


quero para o resto da minha vida. Por esse motivo, hoje mesmo irei comprar
a aliança. Preciso que a Doutora Ayla Mitchel seja oficialmente minha.
Dylan: Você não imagina como foi difícil deixá-la dormindo de forma
tão serena. Eu precisava correr, minha bomba relógio de adrenalina estava

prestes a explodir.

É possível nosso coração bater fora do peito por outra pessoa? O amor
pelo exército me trouxe a dor mais cruel da minha vida, em contrapartida me
deu um recomeço. Eu estava perdido, e posso afirmar com todas as letras que

encontrei um novo rumo.

São sete da manhã, o movimento nas ruas já se intensificou. Hora de


voltar para casa. Faço todo o percurso de volta, chegando em casa
rapidamente.

Com passos contidos, entro no quarto e encontro Ayla dormindo. Ela já


era dorminhoca, a gravidez só intensificou.

Me aproximo e beijo seus lábios, passando a ponta dos dedos pelo


rosto.

Tão linda... e toda minha!

Como eu amo essa mulher. Carregando nosso filho no ventre, ficou


mais linda ainda.

Retiro o lençol que cobre seu corpo, alisando a barriga levemente


avantajada. Deixo pequenos beijos, falando com minha menina. Não sei
explicar, mas algo me diz que serei pai de uma linda menininha.
— Oi, pequena — falo com a boca encostada na barriga da Ayla. —
Está frio aí dentro? Hoje o dia amanheceu com uma frente fria.

Não vejo a hora de pegá-la em meus braços. Acho que será um dos dias
mais felizes da minha vida, só vai perder para o casamento.

— Sua mamãe é uma dorminhoca, me mandou uma mensagem e


dormiu. Pode isso?

Falo isso e Ayla desperta, me encarando com seus lindos olhos


castanhos.

— Não é que ela acordou, filha?

— Como pode ter tanta certeza de que é uma menina? — pergunta com
a voz sonolenta.

— Eu apenas sinto. — Levanto e beijo os lábios dela. — A senhorita


não tem que trabalhar hoje?

— Sim, mas só depois das dez da manhã. Deita aqui comigo, preciso
sentir seu corpo, só assim consigo ter um bom dia.

— Eu estou todo molhado, anjo. Vou tomar um banho primeiro.

— Não é necessário. Tira esse moletom e se deite aqui, por favor.

Ela me olha de forma tão apaixonante. Tem como resistir a isso?

— Você sabe que não resisto quando faz essa cara. — Retiro toda a
roupa, ficando apenas de cueca.

Deito-me ao lado dela, puxando-a para meus braços. O contato de seu


corpo quente com o meu gelado é delicioso. Meu coração começa a bater de
forma acelerada, tê-la em meus braços me acalma, além de me transmitir uma
paz invejável.

— Teve pesadelos hoje?

— Sim, mas não foi como das outras vezes. Sonhei com o Greg, o
momento exato em que ele pediu para que eu entregasse suas cartas.

Nunca mais tive contato com a Maya. Na minha cabeça, eu precisava


me manter longe, pois ela era uma lembrança viva do meu amigo e isso me
doía.

— Amor, você deveria ter me acordado.

— Você dormia de forma tão tranquila, não era preciso. — Coloco uma

mecha de seu cabelo atrás da orelha, beijando sua testa. — Por isso fui correr,
precisava colocar essa sensação ruim que eu estava sentindo para fora.

— Você deveria visitá-la, agora que as coisas estão melhorando. Seria


bom encontrar com mais alguém do seu passado.

— Talvez você tenha razão. Vou pensar nisso, certo? — Inverto nossas
posições, ficando por cima, mas sem colocar peso. — Quanto tempo temos
até você sentir fome?

— Fome eu estou desde que acordei. — Dou uma gargalhada com sua
confissão. — Mas para ficar com o dono dos meus pensamentos, acho que
aguento uma hora.

Morde o lábio inferior, puxando-me para um beijo calmo e carregado


de sentimentos.

Será que um dia deixarei de ser viciado nessa mulher? Acho pouco
provável.

(...)

Hoje estou mais decidido do que nunca, não tenho a menor duvida de
que quero pedir Ayla em casamento. Por conta da gravidez, acabei adiando
esse momento.

— Olha só, quem é vivo sempre aparece — Jordan diz assim que

atende o telefone.

— Até parece, Jordan. Nos vimos semana passada.

— Faz tanto tempo, nem lembro mais. — Escuto sua risada do outro
lado da linha. — O que o novo papai do ano quer?

— Preciso que me acompanhe até uma joalheria...

— Vai finalmente pedir Ayla em casamento?


— Sim. Não vejo a hora de ela ser oficialmente minha. Odeio quando
dormimos separados, quero dormir e acordar todos os dias com ela ao meu

lado. — Sorrio, lembrando do seu doce sorriso quando a deixei em frente ao


consultório.

— Oohh, desde quando meu menino ficou tão romântico?

Começa a gargalhar. Idiota!

— Vai comigo ou não, Jordan?

— Claro que sim. Passa aqui para me pegar, minha moto está na
oficina e a Maria vai sair com meu carro.

— Esteja pronto, chego em meia hora.

Desligo e dou partida no carro, seguindo até à casa dele.

Mando mensagem para a minha mãe, porém, ela não responde. Tenho
consulta com o Doutor Andrew às dezesseis horas. Assim que sair, irei direto

para o orfanato. Preciso ter uma conversinha com a dona Lucy e ver o
pequeno Heitor. Espero que ele já tenha tirado aquela história da cabeça.

O trânsito estava tímido, assim chego mais rápido na casa do Jordan.

— Chegou até rápido, amigo — diz, entrando no carro.

— Oi, garotas. — Aceno para a Maria e as crianças, que acenam de


volta. — Como é ser pai de três meninas?
Dou partida e seguimos para a joalheria.

— No começo foi complicado, às vezes é difícil ser o único homem da


casa, mas acabei me acostumando. Não trocaria minhas meninas por nada,
mesmo que me deixem de cabelo em pé boa parte do tempo. — Sorri,
deixando-me pensativo.

Sei que criar um filho não é fácil, mas também sei que eles alegram

nossa vida e nos enchem de amor.

— Você se arrepende de ter casado?

— Jamais. A vida a dois não é perfeita, tem brigas e desentendimentos.


Por mais que em alguns momentos eu queira sumir, não trocaria minha vida
por nada. — Toca em meu ombro. — Eu sou louco pela Maria, não tenho a
menor dúvida a respeito disso. Entendo que esteja confuso, mas você e Ayla
se amam, tenho certeza que serão muito felizes.

Sorrio, assentindo.

Vamos brigar, ela vai sentir raiva de mim em alguns momentos, mas
não a deixarei escapar de maneira alguma.

Vinte minutos depois, estaciono em frente à joalheria.

— Já sabe como quer a aliança? — questiona assim que entramos.

— Quero que seja único, assim como a minha Ayla.


A vendedora se aproxima e falo mais ou menos o que quero. Ela nos
deixa sozinhos por cinco minutos, voltando com alguns modelos em mãos.

Quase uma hora depois, com a ajuda do meu amigo, escolho um anel que é a
cara da minha mulher. Ainda não me decidi como farei o pedido, mas de uma
coisa eu tenho certeza: dessa semana não passa.
Capítulo 41

Ayla

Sabe quando a pessoa transborda felicidade? É assim que estou me


sentindo nesse momento. Eu não imaginei que pudesse ser tão feliz.
Descobrir sobre a minha gravidez foi um bônus, já que o Dylan contribuiu
70% para tudo isso que eu estou sentindo. Acordar ao seu lado é, sem sombra

de dúvidas, a melhor parte do meu dia. Sentir o calor do seu corpo, suas mãos
passeando por minha pele... com certeza eu não trocaria isso por nada nesse
mundo.

Meu dia hoje no consultório foi tranquilo, os meus pacientes estão em


desenvolvimento, tendo um bom resultado, e eu fico extremamente feliz por
isso. Principalmente em relação ao Carlos e Lisa. Eles chegaram aqui em
situações complicadas, hoje fico orgulhosa de como estão bem.
Todas essas situações só me deixam mais felizes, e lembro do Kalel.
Não sei bem o que aconteceu, mas fiquei sabendo que ele foi transferido para

uma outra unidade do hospital, e para o azar dele, fica em outra cidade. A
gente poderia ser amigos, bastava ele aceitar esse fato.

Paro de pensar nisso e lembro de algo mais importante. Está marcada


para sexta-feira a minha ultrassonografia e estou confiante de que saberemos

o sexo do nosso bebê. Dylan a todo instante diz que seremos pais de uma
menina. Eu não tenho uma preferência, quero apenas que venha com saúde.
Mas isso não quer dizer que reclamaria se estivesse esperando uma
menininha.

Meus pais quase surtaram quando contei sobre a gravidez. Todos estão
ansiosos para saber o sexo. Mamãe queria vir me fazer companhia, mas
depois de mostrar que não estou sozinha, e além do Dylan, tenho a minha
sogra, ela mudou de ideia. Pelo menos por enquanto.

Agora que estou grávida, não consigo parar de pensar na Susan. Esse
seria um momento para vivermos juntas se ela não tivesse engravidado do
Steve. Com tantos homens no mundo, precisava ser logo ele?

Será que um dia conseguiremos voltar a ser amigas?

— Grávida mais linda de San Diego — minha secretária diz,


sorridente, entrando na sala.
— Estou começando a ficar convencida. — Aliso minha barriga de três
meses por cima do vestido.

Sorrio, imaginando quando começarei a sentir os movimentos do meu


bebê.

— Tenho uma notícia não muito boa. O Steve está aí fora, disse que
não vai embora até falar com você.

— Era tudo que eu precisava. — Reviro os olhos. — Mande-o entrar,


Keila.

— Tem certeza? Posso pedir para o segurança retirá-lo.

— Não, vou resolver isso de uma vez.

— Qualquer coisa grita. Venho correndo tirá-lo daqui. — Me dirige um


sorriso acolhedor, saindo da sala.

Respiro fundo, esperando a pessoa que eu menos gostaria de ver. Não

demora e o Steve entra, sua forma imponente de andar não o abandona. Seu
terno impecável virou uma marca registrada.

— Obrigado por me receber, Ayla — diz, sentando-se a minha frente.

— Estou surpresa com sua visita. O que veio fazer aqui?

— Decidi que viria me explicar. Não quero que Susan seja a única
culpada dessa história.
— Em que momento eu disse que ela era a única culpada? Os dois
estavam envolvidos, a diferença é que ela era minha amiga, já você...

— Ela sente sua falta, mas é orgulhosa demais para procurá-la. Você,
mais do que ninguém, sabe disso.

Sei que isso é verdade, mas não vejo um motivo válido para ir atrás
dela. Susan errou, e se fosse eu, claro que faria de tudo para minha amiga me

perdoar e tentarmos retomar a amizade.

— Sinto desapontá-lo, Steve, mas apenas perdeu seu tempo vindo até
aqui. — Resolvo abrir o jogo de uma vez. — Fiquei muito chateada, ou
melhor, decepcionada com essa história de vocês dois. Ela, como minha
amiga, não poderia esperar uma gravidez para me contar que estava dormindo
com o meu ex-namorado. Desejo do fundo do meu coração que vocês sejam
felizes, no entanto, não posso fazer mais que isso.

— Confesso que no começo eu queria apenas me divertir, sexo na hora

que eu quisesse, sem a menor cobrança. Mas as coisas foram tomando um


rumo diferente, passamos a nos encontrar sempre e quando menos esperei, a
notícia da gravidez veio.

Sua voz está firme enquanto me encara.

— Eu não deveria, mas me apaixonei pela Susan. Por isso a pedi em


casamento, era o melhor para o nosso filho.
Vê-lo falar em filho é tão estranho... Não parece em nada com o Steve
que conheci.

— Fique tranquilo, não guardo nenhuma mágoa em relação a vocês.


Sejam felizes, é nisso que precisam se concentrar.

Se a Susan tivesse vindo me procurar, eu perdoaria a minha amiga. Mas


como ele mesmo disse, seu orgulho fala mais alto e não posso fazer nada. O

erro não foi cometido por mim. A única coisa que me compete é desejar toda
felicidade do mundo para eles.

— Queria te entregar isso aqui. — Estende-me um envelope, abro e


vejo um convite de casamento. — Não precisa dar a resposta agora, apenas
aceite.

Levanto-me, caminhando até a janela. Respiro fundo, pois não quero


que meu bebê sinta essa minha energia negativa.

— Você está grávida... — Seus olhos são direcionados para minha


barriga.

— Sim, estou de três meses. — Dou um fraco sorriso.

— Você deve estar feliz, sempre sonhou em ser mãe.

Isso é verdade, e também era um dos motivos que nos fazia brigar. Ele
não queria filhos.
— Ter um filho com o homem que amo é a realização de um grande
sonho. Esse bebê veio em um ótimo momento. — Aliso minha barriga,

sentindo-me um pouco emotiva.

Benditos hormônios.

— Sei que já falei isso algumas vezes, porém, agora é de todo o meu
coração. — Caminha em minha direção, parando a poucos centímetros. —

Me perdoa por tê-la feito sofrer, infelizmente eu era imaturo, apesar da minha
idade.

Um homem de trinta e três anos imaturo... Infelizmente isso é o que


mais existe. Confesso que ele me parece sincero. Mesmo que eu queira
acreditar que Steve está mentindo, sei que não é verdade.

Por que vou ficar remoendo essa traição o tempo todo? O que tivemos
já passou, agora estou com o homem da minha vida e esperamos um bebê. O
melhor a se fazer é dar o perdão que ele tanto pede, e esquecer por completo

essa história.

— Tudo bem, Steve. Eu te perdoo do fundo do meu coração. — Sorrio,


sendo sincera.

— Obrigado, Ayla. Você é uma mulher maravilhosa, te desejo toda


felicidade do mundo. Pelo brilho que vejo em seus olhos, sei que encontrou a
pessoa certa.
— Sim, eu encontrei. — Sorrio, lembrando do Dylan.

Meu menino, tão machucado e ainda assim deu a volta por cima.
Apaixonante, intenso e dono de todo o meu amor. Ainda fico chocada com as
surpresas da vida. Se alguém me falasse há alguns meses que essa seria
minha realidade, claro que acharia que essa pessoa tinha enlouquecido. O
fórum sempre foi uma forma de ajudar as pessoas, só não imaginei encontrar

nele o amor.

— Vou deixá-la sozinha. Obrigado mais uma vez por ter me recebido,
Ayla. — Beija minha bochecha e começa a andar.

Antes que ele saia da minha sala, pergunto:

— Menino ou menina?

— Os dois. São gêmeos. — Abre um largo sorriso e vejo o quanto ele


está feliz.

Assinto e ele se retira. Susan nunca quis ser mãe, aposto que surtou
quando descobriu que teria gêmeos. Eu queria estar ao seu lado, mas
infelizmente a vida sempre muda, seja ela positivamente ou não.
Capítulo 42

Dylan

— Como se sente hoje, Dylan? — Dr. Andrew pergunta enquanto se


acomoda.

— Feliz.

Limito-me a dizer.

— Posso saber o motivo da sua felicidade? Exceto o fato de ser pai, é


claro. — Sorri de forma acolhedora.

Tive uma sessão poucos dias depois de descobrir que Ayla estava
grávida, eu estava radiante, não me controlei e quase gritei para os quatro
cantos que seria pai. Essa é uma realidade que há alguns meses eu não
imaginava. Na minha cabeça, minha vida se resumiria ao restaurante e o
porão, perspectiva de melhora não fazia parte dos meus pensamentos.

— Vou pedi-la em casamento. Antes de chegar aqui, estava na joalheria


escolhendo o anel.

— Fico feliz por isso. Tenho certeza que vocês serão muito felizes. —
Sorri, anotando algumas coisas. — Seus pesadelos cessaram?

— Não por completo. Quando estou com a Ayla, consigo dormir


tranquilamente. Mas ultimamente passei a sonhar com o Greg, o momento
exato em que ele pede para que eu entregue suas cartas.

— Se eu pedir para você me descrever esse momento, acha que é


possível?

— Talvez — digo, pensativo.

Todos esses acontecimentos ainda me causam dor, lembrar dos meus


companheiros e da forma como eles morreram é doloroso. No entanto, é

diferente agora. Consigo relembrar esses momentos sem que as batidas do


meu coração acelerem e o ar falte em meus pulmões. Lugares cheios ainda
são um problema. Posso até entrar, desde que não leve mais que cinco
minutos. E ainda não consigo assistir filmes de guerra, acho que nunca
conseguirei, na verdade.

— Vamos fazer assim, você vai me dizer qual sua última lembrança
com o Greg.
Conto até dez, respirando fundo.

— Estávamos conversando sobre a vida, o sono falou mais alto e


decidimos dormir, já que em algumas horas seria o nosso turno na ronda.
Dez, vinte, trinta minutos depois, escutei gritos e todos começaram a calçar
suas botas e pegar as armas. O cenário fora da tenda era chocante, o barulho
de tiros e granadas era estarrecedor.

Fecho os olhos, lembrando dos rostos aflitos dos meus companheiros.

— Em um certo momento nos separamos e comecei a atirar, mas


quanto mais eu olhava, mais homens apareciam. — Inspiro fundo, evitando
que as lágrimas que encheram meus olhos se derramem. — Depois de um
tempo encontrei o meu amigo caído no chão, ele tinha um ferimento feio na
barriga. O que mais me doeu foi seu olhar de desespero. Greg estava ansioso,
pois em breve veria a esposa. Não foi o que aconteceu.

— Foi nesse momento que ele falou das cartas?

— Sim, ele me disse onde encontrá-las. Olhei ao redor e soube que


seria difícil, pois o lugar estava completamente destruído. A última
lembrança que tenho do meu amigo, é de uma lágrima molhando seu rosto,
minutos antes de sermos atingidos e meu corpo ser projetado para longe.

Minha voz sai embargada, o nó que sinto na garganta é um sinal de


que preciso parar.
— Tudo bem, Dylan. Não precisa falar mais nada. — Aceno, limpando
rapidamente uma lágrima que insistiu em cair. — Você mantém contato com

a esposa dele?

— Não, depois que entreguei as cartas nunca mais nos encontramos.

— Seja sincero comigo e também com você, pode ser? — ele pede e
assinto. — Acha que poderia fazer uma visita à viúva do seu amigo?

Penso por um tempo. Depois de conversar sobre isso com a Ayla,


passei a cogitar essa possibilidade. Talvez, fazer uma visita à Maya possa me
ajudar a colocar um ponto final no antigo Dylan.

— Sim. — Olho fixamente em seus olhos.

— Essa é a próxima tarefa que tenho para você. Nossa sessão será em
um mês, quando retornar quero que me conte como foi encontrar com a
esposa do seu amigo. Temos um acordo, Dylan?

— Sim, farei o que estiver ao meu alcance.

Trocamos mais algumas palavras e encerramos a sessão. Tenho que


admitir, no começo pensei que essa história de terapia seria uma verdadeira
furada, eu apenas iria perder meu tempo, falando com um cara que achava
que me entendia. Hoje, vejo que não é bem verdade. Doutor Andrew tem
umas abordagens duras, pode ser difícil de entender, mas no fim das contas
funciona. E me ajudou bastante.
Entro no carro e sigo para o orfanato, preciso conversar com minha
mãe.

O caminho foi feito em silêncio, os termômetros marcam dez graus. Ir


para casa e me enfiar debaixo das cobertas com Ayla me parece bem
convidativo.

Chego ao orfanato, cumprimento algumas pessoas e sigo direto para a

sala da minha mãe. Bato na porta, entrando assim que escuto sua liberação.

— Só assim para nos encontrarmos, né, mãe?

Aproximo-me, dando um beijo em sua bochecha.

— Não sabia que você era dramático, filho. — Sorri, me abraçando. —


Está tudo bem com você?

— Sim, mãe, vim aqui porque estava preocupado com a senhora. Tem
três dias que não nos vemos.

— Estava apenas fazendo o mesmo que você, namorando.

— Mãe, não quero saber dessas coisas — reclamo.

— É a única coisa que tenho para falar, filho. Estava com o Carlos, por
isso não nos encontramos. Isso vai acontecer mais vezes, então vá se
acostumando.

— Ok, mãe. Pelo visto a senhora está ótima. Vou falar com o Heitor,
nos vemos depois, tá?

— Tá tudo bem com a minha nora e neto? — pergunta quando eu já


estou na porta.

— Sim, e na sexta-feira vamos fazer a ultrassonografia. Estou ansioso


para confirmar que é uma menina. — Dou um largo sorriso, confiante de que
estou certo.

— Como pode ter tanta certeza?

— Eu apenas sei, mãe. Nos vemos depois. Beijos. — Saio da sala, indo
em direção ao pátio.

No caminho encontro algumas crianças, brinco um pouco com elas e


sigo o meu caminho. Heitor está brincando com uns meninos, ele corre em
minha direção assim que me vê.

— Dylan. — Abraça-me pela cintura.

— Oi, garotão — falo, bagunçando seus cabelos. — Como você está?

— Estou bem! Hoje brinquei muito com os meus amigos — fala com
um sorrisão.

— Viu só? Eu disse que vocês iriam se acertar. — Sento-me em um


banco. — Criança é para brincar e se divertir, é isso que você precisa fazer.

Não tirei da cabeça a ideia de adotá-lo. Acontece que com a gravidez,


acabei não conversando com Ayla a respeito. Mas vou mudar isso o mais

breve possível. A cada visita, sinto meu coração bater mais forte. Acho que

por isso quero tanto uma menininha. Meu coração já escolheu o nosso
garotão.

— Eu pensei que você e a tia Ayla pudessem me adotar. Não vai


acontecer, né?

— Por que pensa isso?

— Vocês já estão esperando um bebê. — Aponta para a entrada, onde


vejo Ayla entrando com a mão em sua linda barriga, que ainda não cresceu
muito, mas já começa a apontar.

— Oi, amor. — Beija-me rapidamente. — Não vai falar comigo,


Heitor?

Estende os braços, esperando um abraço.

Com uma expressão de tristeza, ele a abraça. Nos pegando de surpresa,


Heitor começa a chorar, partindo o meu coração.

— O que houve, meu amor? — Ayla pergunta, limpando as lágrimas


dele.

— Quando você prometeu que eu seria adotado, logo pensei que você e
o Dylan pudessem ser os meus novos pais. Mas agora vejo que não vai
acontecer.

— O que te faz pensar isso?

— Você já tem um bebê, tia. Por que ia querer uma criança velha?

Engulo em seco, sem acreditar que ele pense dessa forma. Eu não sabia
dessa promessa da Ayla, se eu fizesse ideia, talvez já teríamos entrado com o

processo de adoção.

— Ei, garotão, sente-se aqui — peço e chego para o lado, para que ele
fique entre Ayla e eu. — Já conversamos uma vez, lembro de ter falado que
você não estava velho para ser adotado. Existem casais loucos atrás de uma
criança encantadora como você.

— O fato de a gente ter um bebê não muda em nada o que sentimos por
você. — A voz dela é doce, e pela forma com que Ayla o trata, sei que
embarcará comigo nessa.

— Então vocês ainda vão gostar de mim? — questiona, olhando de


Ayla para mim.

— Sim, com toda certeza — digo, bagunçando seus cabelos.

Ayla segura minhas mãos, olhando fixamente em meus olhos. Não faço
a menor ideia de como, mas sei o que ela está prestes a fazer, então aceno,
concordando.
— Fala pra gente, Heitor. Você gostaria que o Dylan e eu fôssemos
seus pais?

— Claro, tia. Vocês brincam comigo, são carinhosos. Eu gosto muito


de vocês dois.

Sorrio, encantado com esse moleque.

— Você está preparado para ser um irmão mais velho? — pergunto,


fazendo um carinho em seu ombro com meu polegar, para que ele sinta que,
de nós, sempre deve esperar conforto.

— Não sei bem como funciona, mas acho que posso tentar — ele fala,
pensativo, encarando a barriga dela.

— Fique tranquilo, a gente te ensina. — Ayla beija a testa dele. —


Vamos falar com a Lucy sobre você, tá bom?

— Eu posso contar para os meus amigos? — indaga ele, todo contente.

— Acho melhor você esperar um pouquinho. Consegue fazer isso?

Agora é minha vez de falar.

— Consigo sim. — Sorri, levantando-se. — Vou lá brincar com os


meus amigos. Tchau.

Nos abraça e sai correndo em seguida. Não esperava que isso fosse
acontecer hoje.
— Acho que ganhamos um garotão — Ayla diz, encostando a cabeça
em meu ombro.

— Sim, ele vai me ajudar a cuidar de nossa menina — concordo,


contente.

— Estou começando a me convencer de que é uma menina. — Sorri,


colocando a mão na barriga.

— Eu tenho certeza. Não é verdade, filha?

Levo as mãos à barriga da Ayla e arregalo os olhos quando percebo que


já é possível notar seu abdômen ficando mais arredondado. É incrível como
tudo acontece tão depressa, como se fosse uma mágica, mas na verdade é o
milagre da vida.

Ali dentro cresce um pedaço de mim e da mulher por quem sou


apaixonado.

— Ela está crescendo — comento, encantado.

— Sim, crescendo e se fortalecendo para encontrar o papai em alguns


meses — ela diz e sorri entre as lágrimas.

Limpo suas lágrimas e colo nossos lábios em um beijo calmo e


delicado. Nos afastamos e eu a abraço, sentindo uma paz ao tê-la em meus
braços.
— Algo me diz que essa menina vai te amar mais do que eu. Preciso
fazê-la mudar de ideia — ela fala, divertida.

— Impossível, anjo. Eu sou uma pessoa totalmente amável, claro que


com nossa filha não poderia ser diferente.

— Que tal levar sua namorada para jantar? Estou morrendo de fome —
diz, se levantando.

— Quando você não está, anjo? — Dou uma gargalhada, recebendo


dela um revirar de olhos.

— Ei! — Acerta um tapa em meu braço. — Eu como por dois, agora,


então é claro que sempre estou com fome.

— Eu te amo, minha comilona.

— Eu também te amo, mas amarei mais quando estiver de barriga


cheia. — Abraça minha cintura e caminhamos em direção ao estacionamento.

Mando uma mensagem para minha mãe, avisando que estamos indo
embora por motivo de força maior: a fome da minha namorada, futura noiva.

Eu não sei o que o futuro me reserva, mas com Ayla ao meu lado, tudo
ficará mais fácil.
Capítulo 43

Ayla

— Amor... — Chamo sua atenção, tamborilando no peito dele.

— Sim, anjo.

— Você acha que estou sendo muito dura com a Susan?

Depois que saímos do orfanato, passamos em um restaurante e

compramos comida para viagem. Está muito frio, eu só queria me enfiar


debaixo das cobertas e ficar nos braços do Dylan. Ainda estou sem acreditar
no que aconteceu no orfanato. Não gostei de saber que a minha gravidez, de
uma certa forma, machucou o Heitor. Eu tinha planos de adotá-lo, só não
tinha encontrado o momento de falar com o Dylan. Fico feliz que ele também
estava com esse pensamento. Não poderíamos ter escolhido criança melhor.
— Na verdade, não. Eu faço parte do time da verdade. Por mais que
doa, ela é sempre a melhor opção. Sei que você tem um coração bom, no

momento certo vai perdoá-la.

— Steve esteve no consultório hoje. — Dylan me olha desconfiado. —


Calma, ele foi apenas explicar a história com a Susan e também me entregou
o convite do casamento deles.

— E você pretende comparecer? — Sua mão sobe e desce por minhas


costas nuas, arrepiando-me.

— Não sei, é mais provável que não. Eu sei que vou perdoá-la, a
questão é que não teremos como voltar à mesma amizade. — Levanto a
cabeça e o encaro. — A confiança nunca mais será a mesma, sabe?

— Você deveria ir a esse casamento, encerrar de vez essa página da sua


vida. Se um dia a amizade de vocês voltar, ótimo. Mas não precisa forçar
nada por agora.

— Você vai comigo, né?!

— Ainda tinha dúvidas? Quero conhecer o maluco que a deixou


escapar. — Inverte nossa posição, ficando por cima.

— Eu te amo, sabia?

— Eu também te amo, anjo. — Me beija, devorando meus lábios.


Dylan se afasta, falando com minha barriga.

— Filha, desculpa qualquer movimentação brusca, é que o seu papai


não consegue se controlar quando está do lado de sua mamãe. — Beija minha
barriga e volta a tomar meus lábios, beijando-me intensamente.

Viciada nesse homem? Sem sombra de dúvidas.

Finalmente chega o dia da ultrassonografia, estou nervosa, ansiosa,


assustada e também com medo. Uma mistura louca de todas essas emoções.
Dylan segura em minha mão, tentando me acalmar. Ele está tão tranquilo,
juro que não entendo.

— Por que você está tão tranquilo, amor? — questiono enquanto


aguardamos na recepção da clínica.

— Você já está bem nervosa, preciso ser o seu apoio.

Nem a voz dele é capaz de me acalmar.

— Não pensei que eu fosse ficar tão ansiosa. Estou quase roendo as
unhas que não tenho.

— Fique calma, daqui a pouco será a nossa vez. Respire e lembre-se de


não passar nervosismo para o bebê.
Ele beija minha testa, segurando minhas mãos em seguida.

Dylan está certo, preciso me acalmar. Estresse não faz bem para o bebê,
e minha maior preocupação nesse momento é ele.

A recepcionista chega e diz que chegou a nossa vez, com passos


apressados adentramos a sala de ultrassom, dando de cara com uma médica
aparentemente simpática.

— Olá, casal. Estão ansiosos para saber o sexo do bebê? — pergunta,


sorridente.

— Sim, estamos. A minha namorada até um pouco demais. — Dylan


sorri, apertando a minha mão.

— É normal, geralmente isso acontece com as mamães. Vem, vamos


acabar logo com sua ansiedade.

Dylan me ajuda a deitar na cama, a doutora levanta um pouco minha

blusa e coloca o gel. Sinto o líquido gelado sobre minha barriga. Ela coloca o
aparelho e em questão de segundos o som de batimentos cardíacos invade a
sala. Imediatamente meus olhos enchem de lágrimas, sentindo a emoção de
ouvir meu bebê.

Olho para o Dylan e vejo que ele também está emocionado. Com
lágrimas descendo de forma desenfreada por meu rosto, escuto cada vez mais
alto os batimentos do nosso bebê.
— Não tem nada de errado com o bebê. Ele está crescendo saudável.
Você está de 12 semanas e 5 dias. Tá vendo aqui no meio? — Mostra uma

mancha pequena na tela. Não tem mais o tamanho de um feijão. — Esse é o


bebê de vocês. Estão prontos para saber o sexo?

— Desde o primeiro dia — falamos ao mesmo tempo.

— Olha só, temos uma menininha por aqui... — fala a médica,

sorridente.

— Eu estava certo, anjo. Algo me dizia que era uma menina. — Dylan
beija meus lábios e sinto o salgado de nossas lágrimas.

— Nossa menininha, amor. — Beijo seus lábios, deixando a emoção


tomar conta de mim.

— Tenho certeza que será uma menina linda e muito amada. Está na
cara que os papais estão bem ansiosos para a chegada dela. — Sorri, se

levantando. — Vou buscar a imagem e já volto.

— Você estava certo, amor. Não vejo a hora de ter nossa menina nos
meus braços. Será que ela terá o meu ou os seus olhos?

— Se tiver os olhos da mãe, será perfeita. — Me ajuda a sentar,


olhando-me fixamente.

— Tá tudo bem, Dylan? — pergunto depois de ele ficar sério do nada.


— Sabe, eu tinha planejado um jantar à luz de velas, iria preparar sua
comida predileta, colocar uma música suave e aproveitar a noite ao lado da

mulher que amo. Mas como tudo no nosso relacionamento é fora do


convencional, eu sei que não poderia escolher um lugar melhor para fazer
esse pedido.

Levo a mão à boca, vendo-o se ajoelhar a minha frente.

— Há meses minha realidade era outra, eu ia do restaurante para casa,


passava horas enfiado dentro do porão. Até que um folheto mudou tudo. Eu
estava decidido a não entrar no fórum, mas decidi dar um voto de confiança.
Não poderia ter tomado melhor decisão — fala com a voz embargada. — Por
muitos dias eu senti o ar abandonar os meus pulmões. Não tinha sentido eu
continuar minha vida, quando o meu peito estava vazio. No começo eu fui
resistente, em uma noite dormi com você em meus pensamentos, na outra
tentei imaginar como seria a jovem que se dispôs a ajudar desconhecidos.

Tentar segurar as lágrimas para quê? Meu rosto está encharcado e tento
a todo instante conter os soluços. Vê-lo tão entregue diante de mim, com
certeza é uma lembrança que levarei para sempre comigo.

— Sabe quando um novo sentimento vai se moldando, deixando a


gente confuso? — Aceno que sim. — Pois é, foi assim que me senti. No
momento que provei de seus doces lábios, tive certeza de que estava ferrado,
pois eu iria querer mais e mais de você, e foi justamente o que aconteceu.

— Se sua intenção é me desidratar de tanto chorar, está conseguindo,


amor. — Sorrio entre as lágrimas.

— Longe de mim, anjo. — Levanta-se um pouco, enxugando meu rosto


com as mãos. — Minha mãe sempre foi a mulher que mais amei nesse
mundo, ou melhor, a única pessoa que me mantinha de pé. Hoje você divide

esse lugar com ela, seguido da nossa filha. Eu não tenho palavras para
explicar o tamanho do meu amor. Você me amou em uma fase que nem eu
conseguia enxergar algo de bom em meus olhos... você acreditou em mim e
me mostrou que, sim, eu estava vivo e pronto para amá-la.

Todos os seus medos e receios só me fizeram amá-lo mais. Dylan é


uma montanha russa de sentimentos, e isso o torna único. Ele é meu... meu
amigo, companheiro de caminhada, meu amante e amor.

— Ayla, sei que vou errar bastante, te deixarei com raiva, chateada e

com vontade de me matar. — Sorri, limpando uma lágrima que molha seu
rosto. — Você deu um novo sentido a minha vida, e é com você que quero
passar cada segundo, até que a morte nos separe. Então, Doutora Ayla
Mitchel, aceita casar-se com esse homem falho, mas que te ama mais que
tudo?

— Depois de uma declaração como essa, não tenho nem palavras para
expressar meus pensamentos. — Me jogo em seus braços com cuidado. —
Eu te amo, senhor Dylan. Não tem nada que eu mais queira, do que me casar

com você.

Beijo seus lábios, deixando que ele transmita um pouco do nosso amor.

— Eu também não sou perfeita, mas as nossas imperfeições nos


completam e eu não trocaria por nada nesse mundo. — Enrolo meus braços

em volta do seu pescoço.

Levantamos e Dylan tira uma caixinha do bolso, mostrando uma linda


aliança com uma pedra delicada no centro.

— Você comprou hoje?

— Não, mas algo me fez colocá-la no bolso. — Tira o anel e coloca em


meu dedo, beijando-o em seguida. — Te amo, anjo.

— Olha, parece que a emoção estava grande nessa sala... — A médica

retorna com um envelope nas mãos.

— Eu acabei de ser pedida em casamento pelo homem mais lindo,


intenso e fofo desse mundo.

Mostro minha aliança para ela.

— Felicidades ao casal! É nítido o quanto se amam — diz com um


sorriso enorme.
— Como não amar a grávida mais linda desse mundo? — Dylan
segura-me pela cintura. — Estou louco para ficar a sós com você, futura

senhora Collins.

Sinto minha bochecha esquentar, e por mais que ele tenha falado
apenas para que eu escutasse, certeza que a doutora entendeu.

Quando a felicidade não cabe no peito, ela transborda? Talvez esse

sorriso bobo que não sai do meu rosto seja uma prova viva disso. Ter uma
filha com o Dylan já estava sendo uma alegria inexplicável, mas saber que
em pouco tempo eu serei oficialmente sua esposa me faz entender que
finalmente encontrei o meu lugar no mundo.

Ao lado de Dylan Collins.


Capítulo 44

Dylan

Dois meses se passaram desde que pedi Ayla em casamento, tomado


pela emoção de saber que seria pai de uma menina. Não poderia escolher
momento mais apropriado. Não consigo enxergar minha vida sem que ela
esteja ao meu lado, e hoje, posso afirmar com todas as letras, que sou o

homem mais feliz desse mundo, mesmo com todos os meus problemas.

Minha mãe só faltou soltar fogos quando contei sobre o casamento. Ela
me acompanhou desde o começo, sabe de tudo que passei.

— Filho, não imagina como estou feliz nesse momento. — Puxa-me


para um abraço, beijando meu rosto. — Quando você sofria, eu sofria junto,
pois não aguentava ver o meu filho passar por tudo aquilo todos os dias.
Chegou um momento que me vi de mãos atadas, pois nada que eu fazia ou
pensava te ajudava.

— Mãe, a senhora não imagina como eu me amaldiçoava por fazê-la


sofrer. E foi por isso que insisti no fórum. Eu não aguentava a ideia de a
senhora chorar por minha causa.

Não fazer minha mãe sofrer foi um dos meus maiores incentivos.

— Eu sou sua mãe, choro com suas dores e me alegro com suas
conquistas. — Sorri, segurando minhas mãos. — Você vai se casar com uma
mulher maravilhosa, e será pai em poucos meses, saberá como eu me senti.
Pois tudo que vai importar é a felicidade e bem estar da sua menina.

— Acho que já sei como é. Desde o momento que soube que Ayla
estava grávida, um amor inexplicável surgiu em meu peito. Sou capaz de
fazer tudo pela minha menina. Não vejo a hora de tê-la em meus braços.

Depois de falar com minha mãe, decidi que estava na hora de virar
mais uma página da minha vida. Talvez por isso, me encontro em frente à
casa da Maya, tomando coragem para sair do carro e tocar a campainha. Em
quatro meses será o meu casamento, quero que ela esteja presente, será como
se meu amigo estivesse lá.

Com a cabeça encostada no volante, respiro fundo. Eu já cheguei até


aqui, não posso voltar atrás. Escuto o bip do meu celular, abro e vejo uma
mensagem da minha mulher.

Sei que você deve estar sentado no carro, pensando em dar meia volta.
Mas saiba que estamos com você. Nós te amamos, papai.

É possível amar mais e mais essa mulher? A cada dia ao lado da Ayla
vejo o quanto sou um filho da mãe sortudo. Saber que em pouco tempo ela
será oficialmente minha me faz sorrir como um idiota.

Amo vocês, anjo.

Envio e saio do carro. Dou alguns passos, tocando a campainha. Estou


nervoso, parece que meu coração sairá pela boca.

— Dylan? — Maya me atende com uma enorme barriga de grávida.

Olho em choque para ela. Confesso que não estava esperando por isso.

— Oi, Maya — falo, me recuperando do susto inicial. — Você está


belíssima.

Sorrio, sendo sincero.

— Obrigada! Vem, vamos entrar.

A casa continua da mesma forma que lembrava, até mesmo as fotos do


Greg espalhadas pelos cômodos.

— Desculpe aparecer assim de surpresa, eu deveria ter ligado. Espero


que seu marido não se incomode.
É claro que ela iria seguir sua vida, já se passaram mais de dois anos
desde a morte do Greg.

— Eu não sou casada. — Dá um fraco sorriso. — Antes de completar


sete meses de gravidez, acabei perdendo o filho do Greg que carregava no
ventre. Sofri muito, pois não teria mais um filho com o homem que eu
amava. Por um acaso, descobri que Greg tinha congelado seu sêmen. Um

tempo depois a clínica entrou em contato comigo, e no começo eu não sabia o


que fazer, mas decidi que teria, sim, um bebê do homem que sempre amei. E
aqui está ele. Greg Parker, em homenagem ao pai.

Alisa sua enorme barriga.

— Por essa eu não esperava, mas fico contente de saber que você está
feliz. Pode ter certeza, meu amigo ficaria muito feliz de saber que seria pai.

— Não posso tê-lo ao meu lado, mas tenho um pedacinho dele — diz
com a voz embargada. — E você, a que devo a honra de sua visita?

— Não foi fácil me recuperar daquele dia. Depois de muito ficar preso
na minha bolha, fui diagnosticado com tept. No meio dessa triste e longa
caminhada, encontrei um anjo e com sua ajuda eu pude me sentir vivo de
novo, sabe?

Sorrio, lembrando da minha Ayla.

— Eu decidi virar mais uma página do meu passado, então vim aqui
por dois motivos. Ver se você estava bem...

— Como você pode ver, apesar de todas as circunstâncias, consegui


seguir a minha vida.

Se adianta em responder.

— A outra foi te entregar isso aqui. — Lhe estendo o convite do meu

casamento.

— Não acredito! Você vai se casar? — questiona com um enorme


sorriso. — Por Deus, vem aqui me dar um abraço.

Com sua barriga entre nós, lhe dou um abraço, sentindo um peso
enorme sair dos meus ombros.

— Eu encontrei a mulher da minha vida, vamos nos casar em quatro


meses. Faço questão da sua presença, nem que eu precise vir te buscar —
brinco, alisando a barriga dela.

— Não vai ser necessário. Não perderia esse momento por nada. Quero
muito conhecer a mulher que roubou o seu coração.

— E me deu uma filha também — conto com um sorriso bobo.

— Ai, estou tão feliz por você, Dylan. Qual o nome dela?

— Mia. Nossa pequena estrela.

Ayla escolheu o nome, não tive nem o que questionar. Combina


perfeitamente com nossa pequena que ainda não veio ao mundo.

— Ayla está de cinco meses, não vejo a hora de pegá-la em meus


braços.

— Então o casamento vai ser bem perto do parto?

— Duas semanas antes da data prevista. Por conta da agenda da Ayla,

que é psicóloga, não conseguimos marcar o casamento para mais cedo.

— Ahh, sim, entendo. — Com um pouco de dificuldade, estendo minha


mão para ajudá-la a se levantar do sofá. — Enquanto eu preparo algo para
comermos, que tal me atualizar de todos os acontecimentos? Fiquei sabendo
que Bryan voltou...

Coloquei em minha mente que tudo acontece em um tempo certo, e


talvez, se eu tivesse vindo aqui antes, só nos causaria mais dor e sofrimento.
Agora as coisas são diferentes, nós mudamos a página de nossas vidas e o

meu amor pela Ayla e Mia me deu um recomeço, assim como o amor que ela
sente pelo Greg Jr.
Capítulo 45

Ayla

— Estou esquecendo alguma data importante, anjo? — Dylan pergunta


enquanto se acomoda na mesa.

Nosso casamento é na semana que vem. Eu queria apenas aproveitar


mais um tempinho ao lado do meu namorado, que em alguns dias será

marido.

— Não posso mais cozinhar para o meu noivo?

— Pode, só não é muito comum. Você odeia cozinhar, anjo. — Sorri,


me fazendo revirar os olhos.

Não é que eu odeie cozinhar. Apenas não é a minha praia.

— Nos casamos em poucos dias, queria apenas aproveitar com você.


Meus pais chegam depois de amanhã, quase não teremos tempo de ficarmos

juntos. — Levo um pouco de comida à boca.

Pensei que fosse passar os noves meses de gravidez enjoando, mas,


graças a Deus, quando completei vinte e seis semanas eles cessaram. Só
assim consegui dormir em paz, mesmo com o peso da barriga.

— Tinha esquecido completamente dos meus sogros. Vai ser muito

complicado ficar longe de você, Ayla. — Beija meu rosto, alisando em


seguida minha barriga de nove meses.

O nascimento da Mia está previsto para duas semanas depois do


casamento. Espero que essa pequena não se adiante, pois deu um pouco de
trabalho organizar esse casamento. Se eu não tivesse minha sogra e a Keila ao
meu lado, com certeza teria surtado.

Optamos por uma cerimônia íntima, com apenas nossos familiares e


amigos. Estamos no verão, então claro que optei por um casamento ao ar

livre. Vou realizar o meu sonho de princesa, casar-me com um lindo vestido
branco.

— Já parou para pensar no giro que nossa vida deu, amor?

— Todos os dias. Meu passado tem duas faces. Antes do SOS, onde era
cinza e carregado de dor. E depois de você, quando minha vida ganhou um
significado. Os dias nublados foram substituídos por férias de verão. — Vira-
se, ficando de frente para mim. — Sem você, talvez eu não conseguiria...

— Tanta coisa aconteceu. Pensei que o Steve era o homem da minha


vida. Nossa, como eu me enganei feio! Depois teve toda história com a
Susan. A única parte boa de tudo isso, é você e nossa filha. Os grandes
amores da minha vida. — Lhe dou um selinho.

— Eu nunca pensei que pudesse amar tanto uma pessoa como amo

você. — Segura minha mão entre as suas. — Eu sempre disse que queria
voltar a ser normal... Normal para quê? O que eu vivi foi doloroso, mas
precisou acontecer e agradeço por nossos destinos terem se cruzado.

— Eles praticamente se chocaram, né, amor?! — Sorrio, lembrando de


tudo que já vivemos. — De uma coisa eu tenho absoluta certeza.

— O que, anjo?

— Você é o único homem da minha vida. Não tem nada que eu anseie

mais do que passar todos os dias ao seu lado.

Com a barriga entre nós, enrolo meus braços em seu pescoço, beijando-
o de forma lenta, sentindo a deliciosa mistura de Dylan e suco de laranja.
Minha combinação predileta.

Terminamos o jantar em um clima totalmente descontraído. Minha


médica disse que eu deveria tomar cuidado, mas nesse momento, tudo que eu
quero é estar nos braços do Dylan, sentindo meu corpo reagir ao seu toque.
Paro no meio do quarto e digo:

— Me faça sua, Dylan — peço, olhando fixamente em seus olhos.

Como estou com essa barriga enorme, pensei que ele não fosse se sentir
atraído por mim. Passei um tempo com isso na cabeça, até que me entreguei
em seus braços e tudo mudou.

— Ayla... não quero te machucar.

— Você não me machuca. E conhecendo o homem que vou me casar,


tomará todo cuidado. — Me aproximo, desabotoando os botões de sua
camisa. — Quando você fez essa tatuagem?

Olho em choque para as duas tatuagens abaixo do cotovelo dele. Onde


eu estava que não reparei nelas?

— Era para ser uma surpresa, mas a senhorita acabou de estragar tudo.
— Sorri, colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — São as

duas datas mais importantes e marcantes da minha vida. Essa aqui foi o dia
do atentado. — Mostra-me o braço esquerdo. — A outra, quando nos
conhecemos. O doce recomeço da minha vida.

— Elas são uma representação perfeita de você. — Beijo as duas,


sorrindo com toda mudança do Dylan.

O tempo está sendo um ótimo remédio para ele.


— Será que um dia esse desejo louco que sinto por você pode acabar?
— pergunta, beijando meu pescoço. — Nunca imaginei que você pudesse

ficar mais linda e gostosa, isso até vê-la com esse barrigão. Só de estar ao seu
lado, meu corpo grita para que te toque.

À medida que vai falando, ele retira minha roupa, deixando-me apenas
de calcinha.

— Sabe o que mais admiro em nós? — Aceno que não, desejosa por
seu toque. — A forma como nos conectamos tanto na cama, como fora dela.
Esse desejo que vejo estampado em seus olhos, que é o mesmo que é
transmitido nos meus agora.

Beija meu pescoço e meu corpo inteiro se arrepia.

— Seu cheiro. Seus beijos. O jeito que se entrega, como se fosse a


primeira vez que a tenho em meus braços. — Beija-me de forma lenta, quase
como se fosse uma tortura. — Seu rosto de prazer é a visão mais bela dos

meus dias, assim como seu lindo e doce sorriso.

Mesmo com o peso da barriga, pega-me nos braços, colocando-me


sobre os lençóis brancos. Ele retira toda roupa, deitando-se ao meu lado.

— Você é minha, anjo — sussurra próximo à minha orelha, e fecho os


olhos, sentindo um arrepio em meu corpo.

Dylan retira minha calcinha e conecta nossos corpos. De olhos


fechados, deixo que meus sentidos me mostrem o poder de ser amada e

desejada. Não tem outro lugar que eu gostaria de estar, sem ser nos braços do

homem que amo.

— Te amo tanto que você não faz ideia, anjo. — Seus movimentos são
cautelosos por causa da barriga.

— Acho que eu faço ideia, pois me sinto da mesma forma. Eu te amo,

senhor Dylan.

Puxo seu rosto em minha direção, beijando seus lábios lentamente. Eu


sempre soube que duas pessoas conseguiam se conectar através do beijo, só
não tinha experimentado essa sensação antes. Pelo menos até conhecer Dylan
Collins.
Capítulo 46

Ayla

Finalmente o grande dia chegou. Quase não consegui dormir essa noite,
estava nervosa e bastante ansiosa. Desde que meus pais chegaram, não tive a
chance de encontrar com o Dylan. Minha mãe disse que seria bom para
aumentar a saudade. Eu não concordo, pois tudo que eu mais quero nesse

momento é estar ao lado dele.

Olho-me no espelho e gosto do resultado. O vestido branco é bem


delicado, a parte de cima é em renda, marcando bem o busto e deixando
minha barriga de nove meses em evidência. Eu nunca abriria mão do vestido,
o que é bem diferente dos saltos. Meus pés incharam bastante, por isso optei
por uma sandália de pedrarias.
Minha maquiagem é leve, marcando apenas meus lábios com um batom
vermelho. Deixei os cabelos soltos e uso uma tiara para incrementar.

— Você está a noiva mais linda desse mundo — meu pai diz, entrando
no quarto.

— Obrigada, papai. Não só a mais linda, como a mais feliz também. —


Sorrio, o abraçando.

— Estou muito feliz por você. Dylan é um rapaz de ouro, você não
poderia ter feito escolha melhor, filha.

— Estou tão feliz que essa felicidade não cabe no peito. Obrigada por
fazer parte desse momento, pai — falo, emocionada. Essa gravidez me
deixou igual uma manteiga derretida.

— Não poderia estar em outro lugar. — Beija minha testa.

— Será que eu poderia falar com a noiva por cinco minutos? — James

aparece, impecável em seu terno e gravata azul.

— Claro, ela é toda sua. — Papai beija minha bochecha. — Nos vemos
daqui a pouco, filha.

— Você está tão linda, mana. — Me abraça James, beijando o topo da


minha cabeça.

— Você também está lindíssimo, irmão.


— Se quiser mudar de ideia, te ajudo a fugir agora mesmo — brinca,
assim que nos afastamos.

— Nem amarrada. Tudo que eu mais quero é me tornar esposa do


Dylan. Não vai ser dessa vez, irmão. — Sorrio, dando um último retoque na
minha maquiagem.

— Se ele pisar na bola com você, não hesite em me ligar. Pego o

primeiro voo e quebro a cara dele.

— Sei que você sonha com esse momento, mas não vai acontecer. Eu
amo aquele homem, e assim como diz nos votos, só a morte será capaz de nos
separar.

— Eu fiz minha parte de irmão mais velho, agora não tem mais volta.

Rimos de seu jeito bobo. Uma batida na porta chama nossa atenção e
cerimonialista avisa que chegou o momento.

— Chegou a hora.

Respiro fundo, dando uma última olhada no espelho.

— Sim, de me tornar esposa do homem da minha vida.

Pego o buquê de rosas brancas e vermelhas — claro que eu não poderia


escolher diferente —, e saio do quarto, encontrando o meu pai. De braços
dados, caminhamos para o local da cerimônia, o jardim da nossa futura casa.
Com o coração batendo de forma descontrolada, começo a caminhar ao som

de Ed Sheeran, sorrindo para os rostos conhecidos que me encaram. Jordan e

Maria são padrinhos do Dylan, eu escolhi o James e a Keila, que se mostrou


uma grande amiga durante esses meses.

Em um terno impecável, Dylan sorri em minha direção, sustentando o


meu olhar. As lágrimas que tentei segurar, molham meu rosto de forma

desenfreada.

Minha mãe e sogra são apenas lágrimas, diferente da Angelique, que


tem um sorriso doce estampado. Susan e Steve também estão presentes, eu
decidi que o melhor era perdoar e apagar esse capítulo da minha vida. Não
seremos melhores amigas como antes, mas também não seremos inimigas.

Fico feliz dos amigos do Dylan estarem presentes. Mesmo depois de


meses longe, Bryan veio para o casamento, e sei que meu noivo ficou
contente com isso.

— Cuide bem da minha menina, Dylan. — Meu pai aperta a mão dele
assim que paramos em sua frente.

— Com minha própria vida, se for necessário.

Dylan beija minha testa, segurando em minhas mãos.

— Você é a noiva mais linda desse mundo, não tenho dúvidas. — Me


dirige um lindo sorriso, o mesmo que eu me apaixono perdidamente todos os
dias.

— Você também não está de se jogar fora, senhor Dylan. — Sorrio


entre as lágrimas.

O Juiz começa a cerimônia, e por conta da minha enorme barriga,


achamos melhor ficarmos sentados até os votos. O senhorzinho não
economiza nas palavras, me deixando mais emocionada do que já estou.

Depois de quase meia-hora, chega a hora dos votos.

Assim como o combinado, o segurança das alianças começa a caminhar


em nossa direção.

Nosso pequeno Heitor.

Foram meses lutando por sua guarda, até que dois dias atrás finalmente
conseguimos. Agora ele é nosso filho. Heitor Mitchel Collins.

Sobre olhares emocionados, ele chega até nós, entregando as alianças.

— Você está muito linda, tia.

— Obrigada. Você está um verdadeiro príncipe. — Dou um beijo em


sua bochecha.

— Eu não estou bonito, garotão? — Dylan pergunta, com uma falsa


cara de chateação.

— Talvez um pouquinho — ele fala antes de se afastar, envergonhado.


— Agora sim, podem começar os votos.

— Primeiro as damas, por favor. — Dylan se inclina um pouco, como


se estivesse fazendo uma reverência.

Respiro, tentando dissipar as lágrimas para falar.

— Eu tinha o SOS como uma segunda casa. Ninguém entendia por que

eu passava tanto tempo em um site tentando ajudar desconhecidos. Após


quase um ano, eu não imaginei que conheceria o amor em um lugar que era
tão carregado de sofrimento. No começo era apenas uma amizade, mas a cada
troca de mensagem, um sentimento que até então era desconhecido, passou a
se apossar do meu peito.

Paro um pouco por conta das lágrimas.

— Aquele homem de olhos enigmáticos aos poucos foi se mostrando


um homem maravilhoso e me apaixonar por ele foi a coisa mais fácil desse

mundo. — Sorrio, vendo que não sou a única chorando. — Ele é imperfeito,
tem medos, receios e seus monstros, mas nada disso me impede de amá-lo
mais e mais a cada dia. A gente se completa, e nossas imperfeições nos
tornam únicos e especiais. Nosso relacionamento não começou de forma
convencional, aliás, nada entre a gente foi assim.

Dylan leva minha mão aos lábios, beijando-a.

— Eu estarei ao seu lado em todos os momentos, com seus medos,


ansiedades, derrotas e vitórias. Prometo te amar eternamente, até que a morte

nos separe. — Dou um beijo casto nos lábios dele.

— No momento que eu mais precisava, um doce e delicado anjo


apareceu em minha vida. Seu sorriso encantador e olhos brilhantes me
conquistaram de imediato, mesmo que eu tentasse resistir ao sentimento que
tentava se apossar do meu peito. Todos que estão aqui, ou pelo menos a

maioria, sabem de tudo que passei. Teve uma fase da minha vida que me
entreguei, estava apenas vivendo, sem nenhuma perspectiva de futuro.

O Dylan que ele se refere ficou no passado, e por mais que eu também
o ame, não gostaria de vê-lo novamente. O vazio de seus olhos foi substituído
por um brilho que espero nunca perder.

— No começo eu tentei resistir, não queria trazê-la para a confusão que


era minha vida. Mas eu não resisti, o amor falou mais alto e eu soube que não
tinha para onde correr. Ayla me conquistou e esse amor era um caminho sem

volta.

À medida que as palavras vão saindo de sua boca, flashes daquele


homem machucado passam em minha mente. O sorriso tímido por trás da
barba, a voz contida. Ele estava se desintegrando, até que o amor e a força de
vontade o trouxeram de volta.

— Eu vou te proteger de tudo, nem que para isso precise dar a minha
vida. Serei seu amigo, confidente, companheiro e também amante. Anjo, eu
quero você até o final de nossos dias. Obrigado por ser o meu recomeço, o

doce anjo que me tirou do fundo do poço. Eu amo você, Ayla Mitchel.

Meu corpo treme com os soluços. Assim como quando nos


conhecemos, eu quero abraçá-lo e não soltar nunca mais.

Dylan se aproxima e segura meu rosto com as duas mãos, beijando-me

de forma doce.

Sinto uma pontada na barriga, o que me faz levar, de imediato, minha


mão até ela. Respiro fundo, voltando minha atenção para o Juiz. Não está na
hora da Mia nascer, ela precisa esperar um pouco.

— Depois de votos tão emocionantes, vamos à parte final. — O Juiz


sorri para nós dois. — Ayla, aceita Dylan como seu legítimo esposo, para
amá-lo e respeitá-lo, até que a morte os separe?

— Com todo o meu ser. — Sorrio, tentando disfarçar a dor.

Minha médica me explicou sobre isso, tenho quase cem por cento de
certeza que são as malditas contrações.

— Dylan, aceita Ayla como sua legítima esposa, para amá-la e respeitá-
la, até que a morte os separe?

— Sim, até os últimos dos meus dias.


Dylan me olha sem entender nada quando aperto sua mão com um
pouco mais de força.

— Pelo poder investido a mim, eu os declaro marido e mulher. Pode


beijar a noiva.

Nossos convidados começam a aplaudir. Dylan se aproxima e beija-


me, eu queria aproveitar o meu primeiro beijo de casada, mas só consigo me

concentrar nessa dor, que fica mais forte a cada segundo.

— Anjo, você está bem?

— Sim... — Outra maldita contração. — Não, nossa filha apressada


está querendo vir ao mundo.

Dylan

— E o que fazemos agora? — pergunto, preocupado, vendo a cara de


dor da Ayla.

— Vamos para o hospital. Droga, nem vou conseguir aproveitar meu


casamento direito. Desejei tanto comer esse bolo. — Ela faz cara feia, se
contraindo um pouco.

— Meu Deus, anjo, até em um momento como esse você só pensa em


comer. — Tento não rir, uma tarefa difícil. — Fique tranquila, vão guardar
tudo para você.

— Aconteceu alguma coisa? — Jordan pergunta, se aproximando.

— Ayla está entrando em trabalho de parto. — Apresso-me em


responder. — Um minuto da atenção de vocês, por favor.

Nossos amigos que estavam vindo nos cumprimentar, param no meio


do caminho.

— Infelizmente, os cumprimentos terão que ficar para outra hora. Ao


que tudo indica, eu tenho uma filha apressada, que resolveu esperar apenas o
“sim” para vir ao mundo. — Todos nos olham em choque. — Vamos para o
hospital agora. Mas não se preocupem, aproveitem a festa por nós.

Meus sogros e minha mãe correm em nossa direção. Não tem nada que
eles possam fazer. Só preciso levar Ayla para a maternidade o mais rápido
possível.

— Quer que eu te leve no colo, anjo?

— Não precisa, andar vai me fazer bem — fala com a voz baixa, dando
pequeno passos.
Uns cinco minutos depois, entramos no carro e corro para a
maternidade onde ela fez todo acompanhamento na gestação. Estou nervoso,

mas minha maior preocupação é com ela, sua carinha de dor parte o meu
coração.

— Dói muito, anjo? — Sei que é o tipo de pergunta que não deve ser
feita, porém, não resisti.

— Juro por Deus, essa foi a primeira e última vez que você me
engravidou, Dylan. Por mais que eu ame a minha pequena, essa dor
insuportável está me deixando louca.

— Falta pouco para chegarmos. — Tento confortá-la de alguma forma.

Chegamos ao hospital e viramos o centro das atenções, o que já era de


se esperar. Impossível uma grávida vestida de noiva não chamar atenção.
Diante do estado dela, logo é direcionada para uma sala, enquanto fico aqui
fazendo sua ficha.

Graças a Deus todo quarto da Mia já está pronto, lembro até que Ayla
deixou uma bolsa preparada. Pego o celular e envio uma mensagem para o
meu cunhado, informando onde ele pode pegar a bolsa.

A médica se aproxima e pergunta se eu quero assistir o parto. É claro


que digo que sim. Sou encaminhado para uma sala, coloco uma roupa
apropriada e vou para a ala cirúrgica.
Fico o tempo todo segurando a mão da Ayla, tentando dar um pouco de
consolo para minha esposa. Com lágrimas escorrendo, ela coloca mais força,

até que um choro invade a pequena sala.

Mia Mitchel Collins, nossa pequena estrela, acaba de vir ao mundo.

— Parabéns, papais, é uma menininha linda.

A médica entrega nossa pequena nos braços da Ayla. Ela é tão


pequena e cabeluda. Beijo sua minúscula mão, sentindo a emoção transbordar
em forma de lágrimas por meu rosto. Não pensei que pudesse ser tão feliz em
um único dia, hoje com certeza ficará marcado para o resto da minha vida.

— Ela é tão linda, anjo. — Beijo sua testa, olhando admirado para as
duas mulheres da minha vida.

— Ela tem seus olhos enigmáticos, amor. Nossa pequena estrela — fala
com a voz embargada, carregada de emoção. — Obrigada por me

proporcionar essa experiência maravilhosa. Além de ter me tornado sua


esposa, sou mãe do bebê mais lindo desse mundo.

— Obrigado por não ter desistido de mim, anjo. Obrigado por essa
familia linda. Tenho certeza de que você, Mia, Heitor e eu seremos muito
felizes.

— Eu te amo, senhor Dylan. — Me dirige seu lindo sorriso.


— Amo você, Doutora Ayla Mitchel.

Com um sorriso bobo, admiro a mulher mais linda desse mundo


segurando minha pequena estrela nos braços. Eu sempre me questionei: como
posso seguir minha vida quando falta um pedaço de mim?

Hoje estou completo, ou melhor, sou um homem completo. Tenho uma


esposa linda, encantadora, e aquela que eu daria a vida para proteger. Dois

filhos lindos, uma mãe perfeita e amigos que posso contar. Recomeçar foi
difícil, meus medos e ansiedades por pouco não me dominaram por completo.

Assim como disse ao Doutor Andrew, o amor é meu remédio e será


sempre a minha melhor terapia.

FIM.
Epílogo

Dylan

Não tenho dúvidas de que sou um filho da mãe sortudo.

Sentado nessa cadeira, só consigo admirar minha esposa brincando com


nossos filhos. Um ano se passou desde o nosso casamento e nascimento da

Mia. Posso dizer que foram os melhores dias da minha vida. A gente briga e
se desentende como qualquer casal, a diferença é que não deixamos o dia
amanhecer para fazer as pazes.

Heitor se adaptou superbem à nova rotina, ele se sente em casa e esse


sempre foi o nosso objetivo desde o começo.

Não sei se tem uma explicação para isso, mas hoje amo Ayla mais do
que ontem, e do que um ano atrás. Todos os dias ela me lembra o motivo de
amá-la tanto. Não importa o quão cansada esteja, sempre tira um tempo para

os nossos filhos e nós dois.

— Posso saber o que tanto pensa, marido? — Ayla se aproxima,


sentando-se em meu colo.

— Apenas pensando em como eu sou feliz, tenho a mulher mais linda

desse mundo e dois filhos maravilhosos. — Beijo rapidamente seus lábios.

— Temos uma família linda, né? — fala, admirada, olhando Heitor


brincar com Mia.

— Se você tivesse desistido de mim na primeira vez, quando fui


embora da sua casa, talvez essa não fosse nossa realidade. Eu estaria
amargurado, enfiado no porão, e você de repente teria se casado com o Kalel.

Pensar nessa possibilidade me dá calafrios. Não gosto nem de imaginar

meu anjo com aquele babaca.

— Desistir de você nunca passou pela minha cabeça, mesmo quando


você me deu um banho de água fria depois da nossa primeira vez.

Ri, me deixando envergonhado da minha atitude.

Não vou dizer que me curei completamente do TEPT. Eu ainda tenho


terapia, mas elas foram reduzidas para uma a cada três meses. Meus receios
ainda estão presentes, a diferença é que aprendi a conviver com eles.

Continuo com a academia, na verdade, eu agora a administro, já que


Jordan resolveu se mudar para o Brasil. Meu amigo queria experimentar
outros ares, só não precisava ir para o outro lado do oceano. Bryan sumiu do
mapa, meu amigo está empenhado em reconquistar a Megan.

— Eu amo você, anjo. — Volto a me concentrar no que é importante.

— Eu também te amo, amor. — Beija-me, me fazendo ansiar por um


toque mais íntimo.

Desde que viramos pais, digamos que privacidade não é algo tão fácil.
Tudo que eu queria era tocar seu corpo, desfrutando de cada pedacinho.

— Eu sei o que você está pensando, pode ir parando. — Ayla tem um


tom rosado nas bochechas.

Nem parece que já é mãe, vive ficando envergonhada com essas coisas.

— O que acha de termos outro filho?

— Pode ir esquecendo, daqui não vai sair nada pelos próximos anos,
senhor Dylan — fala de um jeito engraçado.

Sei que a dor do parto é grande, não quero que ela passe por isso, pelo
menos não por agora.

— Podemos pelo menos ir tentando? — Sorrio, mordendo seu lábio


inferior.

— Até que sentir suas mãos passeando por meu corpo não seria um
problema, posso me sacrificar tranquilamente por isso.

Cola seus lábios nos meus, mordiscando e chupando minha língua.


Minha vontade nesse momento é de pegá-la nos braços, trancá-la no quarto e
aproveitar cada pedacinho de seu corpo, que ficou mais gostoso depois da

gravidez.

— Mãe, pai, vem brincar com a gente — Heitor grita.

A primeira vez que ele nos chamou assim de pai e mãe, foi uma
emoção que não cabia no peito. Ayla sempre foi tia e eu apenas Dylan. Por
mais que ele não seja do nosso sangue, é filho do coração e o amor é o
mesmo.

— Pronta, senhora Collins? — Levanto, trazendo Ayla comigo.

A puxo pela cintura, colando seu corpo ao meu. Seus olhos brilhantes
me encaram com desejo, e não vejo a hora da noite chegar para tê-la em meus
braços.

— Sempre, marido. — Beija meus lábios e corre para os nossos filhos.

Corro para eles, pegando Mia nos braços. Jogados no jardim,


admirando nossos filhos, vejo o quanto eu sou feliz. O velho Dylan não existe
mais e eu não trocaria essa vida por nada nesse mundo.
Bônus

Dylan

— Respira fundo, anjo. Posso saber por que você está desse jeito? —
pergunto assim que adentramos o orfanato.

— E se Heitor não quiser mais ser adotado por nós dois?

— Você acha que isso pode acontecer, anjo? Nós estamos aqui toda

semana, damos carinho, brincamos e deixamos bem claro qual é nossa


intenção. — Paro em sua frente, segurando seu rosto com as duas mãos. —
Heitor sabe que adoção demora, o importante é que agora ele será nosso
filho.

Dou um beijo casto em seus lábios.

Nos casaremos em alguns dias e a notícia da guarda do pequeno Heitor


não poderia ter vindo em boa hora. Foram meses de entrevistas, até que
finalmente ele será nosso filho.

— Você tem razão. Eu tenho que parar de surtar por qualquer coisa.
Mia não para de mexer com os hormônios da mamãe. — Acaricia sua enorme
barriga de nove meses.

Posso dizer que esses foram os melhores meses da minha vida. Eu

sempre busquei uma vida normal. Mas o que seria esse normal? Ainda tenho
medo de lugares cheios, assim como qualquer situação que me transporte
para o atentado. No entanto, consigo fazer coisas do dia a dia, ir à padaria,
frequentar um cinema com minha noiva...

Não sei explicar, mas posso dizer que me sinto vivo novamente. Com
Ayla ao meu lado, tudo fica mais fácil, sua aparência angelical, o doce som
de sua voz, ou até mesmo como nossos corpos se encaixam perfeitamente em
busca do prazer. Amo-a com todo meu ser, e posso dizer que essa sempre

será minha terapia.

Beijo rapidamente seus lábios e seguimos para o pátio. Minha mãe


viajou com o Carlos, eles estão em uma espécie de lua de mel. Hoje, vejo que
por pouco não estraguei a vida da minha mãe. Ela não poderia ter escolhido
pessoa melhor.

Cumprimentamos os poucos funcionários, logo avistando o Heitor.


— Ei, garotão. — Corre rapidamente em nossa direção. — Sentiu
saudades?

— Claro que sim, Dylan. — Beija a barriga da Ayla. Não sei quando
ele passou a fazer isso, mas ficamos igual dois bobos admirando a cena. —
Tudo bem, tia Ayla?

— Sim, meu amor. Só estou um pouco emotiva ultimamente.

— Confesso que estou ansioso. Nunca fui em um casamento — ele


fala, sentando-se entre a gente no banco.

— Eu já fui, mas nunca como um noivo.

Acabo gargalhando com meu próprio comentário.

— Temos uma coisa muito importante para falar com você, pequeno —
Ayla diz, segurando nas mãos dele.

— É algum problema?

Ele pergunta e a olha com preocupação.

— Lembra que te falamos que sua adoção poderia demorar? E que tudo
iria depender do juiz achar que poderíamos ser bons pais para você? —
pergunto, sentindo as batidas do meu coração acelerarem.

— Eles não deixaram vocês me adotarem, né? — questiona com os


olhinhos cheios de lágrimas.
— Pelo contrário, pequeno. Depois de vários meses, finalmente o juiz
viu que poderíamos ser seus pais — Ayla comunica, com a voz embargada.

— Isso quer dizer que... — Não consegue terminar de falar, pois


começa a chorar, e não consigo controlar minhas próprias lágrimas.

— Não chora, garotão. — Limpo suas lágrimas. — É só questão de


tempo para você ir morar conosco. Agora você será nosso filho. Heitor

Mitchel Collins.

Puxo o corpo minúsculo dele para um abraço. Meu filho. Nem em


todos os meus sonhos, imaginei que isso pudesse acontecer.

— Agora você é oficialmente o irmão mais velho da Mia — meu anjo


diz, tocando a barriga.

— Ei, Mia — Heitor fala com a boca encostada na barriga da Ayla. —


Sabia que eu sou seu irmão mais velho? Finalmente não terei mais que ver as

outras crianças serem adotadas, eu também ganhei um papai e uma mamãe.

Sorri, nos encarando com os olhinhos brilhando.

O corpo de Ayla treme de tanto que ela soluça. Definitivamente, ela se


transformou em uma manteiga derretida. É capaz de chorar até se matar uma
formiga.

— Você é o nosso pequeno. Não imagina como estamos felizes, Heitor.


Em breve seremos quatro, uma linda familia — Ayla diz, limpando suas

lágrimas.

Levanto-me e puxo os dois para um abraço. Claro que por conta da


barriga, não é tão fácil, mas o que vale é a intenção.

— Posso contar para os meus amigos agora?

— Pode sim.

— Não vão embora, vou lá e volto daqui a pouco. — Deixa um beijo


estalado em nossas bochechas e corre em direção ao grupo de garotos.

— Essa felicidade é tanta que quase não cabe no meu peito — Ayla diz
e eu a abraço por trás, pousando minhas mãos em sua barriga.

— Compreendo perfeitamente, anjo. Não imaginei que pudesse ser tão


feliz como hoje.

Viro-a com cuidado, colando nossos lábios. Desfrutando do gosto

delicioso de minha noiva grávida.

Depois de passar uma tarde com o Heitor, passamos no restaurante,


compramos nosso jantar e agora estamos aqui, deitados apreciando a
presença um do outro.
— Como você se imagina daqui a dez anos? — Ayla pergunta
enquanto faz uma pequena trilha com a ponta dos dedos por minha tatuagem.

— Casado com a mulher mais linda desse mundo, com um negócio


próprio e, quem sabe, quatro filhos.

— Como assim quatro filhos? — questiona ela, assustada, me fazendo


rir.

— Já temos a Mia e o Heitor. Por que não ter mais dois? — Inverto
nossas posições, ficando por cima, tomando todo cuidado com sua barriga.

— Totalmente fora de cogitação, senhor Dylan. Não tenho paciência


para ser mãe de quatro crianças, duas já está de bom tamanho.

— Você ama crianças, anjo...

— Realmente, mas não precisamos de tantas correndo pela casa. —


Olha-me assustada e só consigo rir. — Pode ir parando, Dylan. E trate de

esquecer essa história de mais filhos.

— Mesmo que não tenhamos mais filhos, podemos ir tentando? —


Beijo seu pescoço, vendo-a se arrepiar.

— Dylan... — fala, sussurrando, mordendo o lábio inferior.

— Por acaso a doutora deixou alguma restrição em relação a sexo?

— Só em caso de desconforto — ela diz, pensativa.


— Se eu passar a mão aqui... — Faço uma trilha por suas pernas nuas,
indo para entre suas pernas — você sente algum desconforto?

— Nenhum.

— E se eu fizer isso, acha que devo parar? — Deixo uma trilha de


beijos por seu pescoço, chegando em seu decote generoso.

Puta merda! Ayla ficou ainda mais gostosa com essa gravidez.

— Continua... por favor — pede, necessitada, se contorcendo embaixo


de mim.

Com delicadeza, beijo toda parte desnuda de seu corpo, sentindo o


toque da pele macia com minha barba. Linda e extremamente gostosa. Ela
está tão entregue... Pode passar anos, mas sempre a reivindicarei com posse.
Seu corpo reage ao meu de forma instantânea, me deixando louco.

Lentamente retiro seu sutiã, seguido de sua calcinha.

Tão perfeita.

— Para de me olhar desse jeito, amor. — Cobre o rosto com um


travesseiro.

— E por que eu deixaria de admirar minha linda noiva? — Fixo os


olhos nos seus, controlando minha vontade de possui-la da forma mais quente
e intensa que se passa em minha mente.
— Não sou a mais bela das mulheres. Minha enorme barriga tira toda
minha sensualidade.

— De onde tirou essa bobagem? Você não imagina como me controlo,


anjo. Você ficou gostosa pra caramba. Sua barriga a deixou perfeita.

Deixo leves beijos em sua barriga, então levanto um pouco, retiro


minha calça, levando a cueca junto.

— Olha como você me deixa. Acha mesmo que não é sexy?

Tomo seus lábios de forma feroz, desfrutando de cada pedacinho de sua


boca.

— Eu quero tanto você, anjo. Não imagina como só de chegar perto,


meu corpo entra em combustão. — A preencho lentamente, sentindo a
conexão de nossos corpos. — Quando Mia nascer, passarei uma semana
trancado dentro desse quarto com você.

— Isso é uma promessa, senhor Dylan? — sussurra, fincando suas


unhas em minhas costas.

— Sim, e estou loucamente ansioso para cumpri-la.

Sorrio, aumentando meus movimentos com cautela.

— Eu te amo, senhor Dylan. — Puxa-me para um beijo calmo e


delicado.
— Eu também te amo, anjo.

Nos entregamos à paixão, e da forma mais pura e carnal, deixamos que


o desejo guie nossos corpos. Essa mulher é o meu vício, acho que nunca me
cansarei de seu corpo, seus beijos...
Agradecimento

Gratidão por mais uma obra concluída, com satisfação e sensação de


dever cumprido. Dylan foi um desafio e amei essa experiência.

Agradeço à Deus, pelo dom da escrita. À minha família, por toda


paciência, pois sei que me aguentar não é nada fácil.

Enquanto assistia o filme 12 Heróis, toda história do Dylan surgiu em


minha mente. Agradeço a Bia, por embarcar comigo nessa loucura. Denilia,
por todas as vezes que me escutou, as conversas, leituras, críticas e também
elogios.

Todos aqueles que são meus leitores assíduos ou que estão me lendo
pela primeira vez, gratidão. Nos vemos em uma próxima aventura...
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Último Lançamento
UMA NOVA CHANCE
SINOPSE:

Rhuan Guilherme é um empresário de sucesso no ramo de cosméticos.


Em sua vida profissional não há motivos para reclamar, já a amorosa... essa
merece um pouco mais de atenção. Aversão a relacionamentos não era
problema, mas sim o interesse ambicioso de algumas mulheres.
Tudo muda quando Jade, uma linda e independente mulher, surge em
sua vida. Traída por aqueles que mais confiava, Jade se vê disposta a tentar

de tudo, mesmo que não seja seu habitual.

Um forte sentimento surge de imediato entre eles, mas o senhor destino


ama pregar peças.

Quando dois sentimentos caminham em uma única direção, nada é

capaz de atrapalhar.

O destino seria o vilão ou mocinho dessa história?


Sobre a Autora

Lis Santos é natural de Salvador- Ba, tem 23 anos e se define como


leitora compulsiva. Por um acaso resolveu se arriscar na escrita. Assim, deu
início a sua primeira obra denominada Permita-se Amar. Não imaginava que

as pessoas leriam sua história, ficando imensamente surpresa com a


receptividade, e encantada com as 60 mil leituras no wattpad. Uma grande
característica de suas histórias é a superação e o poder do destino. Pois
podemos calcular milimetricamente nossa vida, porém, o destino não fica em
nossas mãos.

INSTAGRAM: @autoralissantos

https://www.instagram.com/autoralissantos/?hl=pt-br

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