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Horizonte Perdido
Anne Mather
CAPITULO I
Lucia Ventura ,era uma criança adorável. Aos quatro anos de idade, apesar
de ser pequena e delicada, Lucia era a meiguice em pessoa e passava a maior
parte do tempo na companhia dos adultos. Como Santino viajava
freqüentemente é era difícil achar uma companhia da mesma idade nos
arredores do castelo, Lucia contentava-se em conversar e brincar com os
empregados da casa.
Ela estava no quarto dos brinquedos com Maria Vitali quando Santino abriu a
porta e espiou para dentro. Ela largou imediatamente o que estava fazendo
e correu atirar-se nos seus braços.
Santino pegou-a no colo, balançou-a no alto e apertou-a contra o peito,
enquanto Lucia dava gritinhos de alegria com os braços passados em volta do
seu pescoço.
- Olhe só, Lucia, quem veio fazer uma visita a você! - disse Santino,
colocando a menina no chão. - Você não vai dar um beijo no tio Pietro?
Lucia levantou a cabeça e piscou o olho para Pietro.
- Bom dia, tio Pietro. Você veio para ficar?
- Por algum tempo - disse Pietro, olhando de relance para Santino.
- Você está muito bonitinha com esse vestido novo, Lucia.
Lucia olhou para ó 'vestidinho estampado de algodão.
- Foi Maria que fez para mim. Não foi, Maria?
Maria Vitali, que se levantara quando Santino entrou no quarto dos
brinquedos, observava a cena em silêncio, de braços cruzados, sorrindo
benevolentemente. Santino fez um gesto com a cabeça indicando que ela
podia se sentar de novo. A babá obedeceu em silêncio.
- E suas lições, Lucia? Você estudou tudo direitinho?
Lucia torceu o nariz.
- Já, papai.
- Você está falando a verdade, filha?
A menina apertou os lábios com força.
- Ah, papai, é tão difícil! Eu não consigo aprender todas essas letras de cor.
Pietro interveio na conversa.
- Você não acha que Lucia é muito pequena para aprender a ler e a fazer as
quatro operações?
- De jeito nenhum. Os exercícios que dei são muito fáceis. Minha filha não
devia encontrar dificuldade em fazê-los.
- E quem está ensinando a ela?
- Eu ou Maria, quando estou fora. Maria em geral toma as lições que eu
ensinei - explicou Santino. - Ah, Pietro, não faça essa cara de pouco caso!
Lucia necessita de alguma coisa para se distrair. Em muitos países, crianças
de sua idade vão à escola maternal.
- Mas Maria não está qualificada para ensiná-la - observou Pietro.
- Se Sancha estivesse viva. . .
- Não vamos conversar sobre isso agora - interveio Santino, com o rosto
repentinamente fechado.
Lucia, que ouvira a conversa em silêncio, resolveu tomar parte.
- Posso ir brincar, papai, em vez de fazer a lição? Só hoje, porque o tio
Pietro está aqui...
- Está bom, Lucia. Vamos dar um passeio agora de manhã. Você, o tio Pietro
e eu. Está contente?
- Ah, papai, que beleza!
- E nosso negócio? - perguntou Pietro, em voz baixa.
- Vamos deixar para amanhã. Venha Pietro, vamos aproveitar essa manhã
ensolarada de verão.
- Estou indo - disse Pietro, com um sorriso.
Ótimo. Vamos pedir a Sophia para preparar um lanche.
Foi somente no fim da tarde, quando o iate estava ancorado nas águas
tranqüilas da baía, que Santino voltou novamente a abordar o assunto da
companhia aérea. Enquanto Lucia brincava com o salva-vidas passado em
volta do peito, os dois homens conversavam no deck sentados em cadeiras
de lona.
- Diga uma coisa, Pietro, o que você faria com Robert McMaster?
Pietro deitou-se de bruços e apanhou o maço de cigarros caído no chão.
Hesitou um instante antes de responder.
- Sinceramente, eu não sei.
- Vamos examinar os fatos, Pietro. Esse homem levantou um empréstimo
usando meu crédito e agora acha que pode tocar o barco sozinho:
- Ele está há muito tempo nesse ramo - observou Pietro, tentando desculpar
a ação de Robert McMaster. - Ele acredita sinceramente no esforço
individual.
- Concordo! - exclamou Santino, com impaciência. - Mas ele não tem
capacidade para se virar sozinho.
Não, não tem.
- Há anos que essa crise vem se anunciando. . .
- Eu sei disso. Mesmo assim, é triste constatar que um homem isolado não
pode sobreviver no mundo de hoje.
- Pietro, você está completamente louco! - exclamou Santino, com
impaciência. - Você sabe perfeitamente qual é o motivo dessa crise!
O motivo único e exclusivo é a companhia ser pequena demais. Ela não tem
capital nem crédito suficiente para enfrentar as despesas crescentes.
Ninguém quer afastar Robert McMaster do negócio. Isso está acontecendo
por culpa única e exclusiva dele.
- Eu sei, eu sei - disse Pietro, correndo os dedos entre os cabelos.
- Você tem toda a razão. Não há nada mais verdadeiro que isso.
Santino observou-o em silêncio durante um instante.
- Há momentos em que eu também critico minha maneira de agir.
Mas, quando isso acontece, não me esqueço que Robert McMaster não
hesitaria em me passar para trás se estivesse numa posição de
superioridade. Essa é a maneira como todos agem, sem exceção. Eu levei
algum tempo para aprender isso e você ainda é muito moço, Pietro. Você
precisa primeiro suprimir a fraqueza de seu caráter. No fundo, tudo se
resume nisso.
- Pode ser. Mas às vezes eu me assusto com essas jogadas violentas.
Pietro voltou a atenção para Lucia, que estava deitada de bruços na beira do
iate, enchendo o balde com água e tentando apanhar algum peixinho
distraído.
- Diga uma coisa, Santino. Você nunca pensou em casar de novo?
Santino voltou-se surpreso e hesitou alguns segundos antes de responder.
- Não, nunca pensei - disse por fim, com a voz glacial.
- Por quê? Já faz quatro anos que Sancha morreu e Lucia precisa
urgentemente de uma mãe.
A expressão de Santino se endureceu repentinamente e Pietro arrependeu-
se de abordar esse assunto delicado.
- Lucia tem Maria e a mim. Isso basta.
Pietro balançou a cabeça na dúvida.
- Maria é velha, Santino, e você está sempre viajando.
- Pietro, eu sei que você diz isso com boas intenções. Você é meu cunhado e
meu amigo. Mas esse assunto já foi discutido uma vez e definitivamente
resolvido. Eu gostava muito de Sancha e fiquei desatinado quando ela
morreu. Não preciso de nenhuma mulher em casa, nem de uma companhia
para a velhice. Sei me virar sozinho. E quando meus apetites naturais
querem satisfação, vou a Palermo. O que posso querer além disso?
- Pense em Lucia - insistiu Pietro, com paciência. - À medida que os anos
passam, aumenta a necessidade de uma companhia feminina.
Você acha que pode substituir o carinho de uma mãe?
- Você está me aborrecendo com essa conversa, Pietro! - explodiu Santino,
com impaciência, encarando o cunhado com uma expressão dura. - Primeiro
você me enche com a história de Robert McMaster. . .
depois me vem com essa história de carinho maternal! Você está se
comportando como as tias velhas, Pietro. Por que não vê isso, em vez de me
dar esses conselhos?
CAPITULO II
CAPITULO III
CAPITULO IV
Stephanie estava diante do espelho da penteadeira observando
atentamente sua imagem refletida ali. O vestido longo de tafetá branco
acentuava o brilho dourado dos cabelos e os olhos, pintados por um
maquilador de renome, pareciam enormes no rosto pequeno. O vestido de
soirée era lindo, feito com rendas italianas, modelava os seios e os quadris
como uma luva, e era certamente a roupa mais cara que ela já vestira na
vida.
Mesmo assim, ela o odiava!
Afastou-se do espelho com a mão na garganta e procurou regularizar as
batidas aceleradas do coração. Ao fazer isso, a aliança de diamante que
usava na mão direita prendeu nos fios do véu. Soltou-a com cuidado, alisando
a superfície facetada da pedra. Brilhava no dedo com uma elegância
incomparável, mas lhe parecia pesada demais! A sensação de peso era
conseqüência da palavra que empenhara e Santino sabia disso,
provavelmente, quando lhe dera esse presente de noivado.
Santino!
Afundou o rosto entre as mãos. Dentro de uma hora seria sua mulher e
depois... Prendeu a respiração. Ah, Deus do céu, por que fora empenhar sua
palavra?
Acalmou-se com dificuldade, foi até a janela e respirou fundo o ar fresco da
manhã. Não podia entregar os pontos agora. Não deixaria o pai desconfiar
que havia algo profundamente errado no casamento. Santino o convencera
que o namoro começara há algumas semanas e que o tinham ocultado por
causa da união das companhias e do possível transtorno que podia decorrer
disso. Robert McMaster deixara-se convencer pela conversa de Santino mas
Jennifer, pelo jeito, não acreditava numa palavra da história, embora não
pudesse fazer nada para impedir o casamento.
Ao contar primeiro a decisão a Robert McMaster, Santino evitara que
Stephanie mudasse de idéia no último momento. O plano era perfeito em
todos os detalhes. Ela se tornara uma simples boneca nas mãos dele.
O que podia alegar quando o pai abordasse o assunto diretamente? Não
podia dizer, evidentemente, que Santino a convidara para ser babá da filha
pequena. Isso destruiria a confiança que Robert depositava ,no futuro
genro. Santino fora muito arguto ao envolver os dois numa situação sem
saída.
Ela tremeu ao se voltar para a penteadeira. Era fácil considerar as
alternativas, mas não podia escolher nenhuma delas. Se desistisse,
arruinaria a oportunidade que o pai tinha de se recuperar economicamente.
Santino não sugerira o casamento na noite em que se encontraram no
restaurante italiano porque tinha certeza que Stephanie recusaria
terminantemente a proposta, impossibilitando a execução de seu plano. Ao
sugerir a viagem na condição de babá, ele preparara o caminho para obter o
consentimento dela.
Santino tinha certeza que Stephanie não voltaria atrás na palavra dada.
Ela, por sua vez, estava furiosa diante da total falta de respeito de seus
sentimentos. Mesmo agora, não podia acreditar que Santino abusara de sua
confiança para obter o consentimento do pai. E nem mesmo a afirmação dele
de que o casamento era uma simples questão de conveniência tranqüilizava
sua mente. Na opinião dela, fora o maior erro de sua vida.
Santino não gostava dela e não tinha feito o menor segredo disso. Para <alar
a verdade, abandonara-a nas mãos de Pietro e de um outro homem de
confiança, Mario Vecchi, que fazia parte de sua comitiva. Mesmo assim,
Santino insistira no casamento, sabendo de antemão que ela abominava a
idéia de embarcar para a Sicília na condição de pajem de sua filha. No
fundo, nada fazia sentido.
Stephanie sentou-se diante da penteadeira e apoiou o queixo na mão.
Era possível haver alguém mais desumano que Santino? Ou será que ele não
era, no íntimo, tão impiedoso quanto parecia à primeira vista? Pietro gostava
dele e lhe votava uma lealdade total, se bem que o temesse. Luigi, garçom do
restaurante italiano, também gostava dele, embora não ocultasse o medo
que Santino lhe inspirava. E ela?
Stephanie deu um suspiro de desânimo. Sentia apenas medo, mais nada.
Santino não era um homem que inspirasse afeto. O que havia por trás da
máscara implacável que exibia aos outros? Não fraquejava nunca? Sentia
ternura pela filha pequena? Ou era ela, como Stephanie seria em breve,
apenas um brinquedo que usava e do qual se descartava quando se cansava
dele? Afundou o rosto entre as mãos e os ombros estremeceram de
ansiedade. Fosse qual fosse a resposta a essas perguntas, Santino não
fizera o menor esforço para tranqüilizar o pai e Jennifer de suas justas
apreensões. Não tivera o menor gesto de carinho na presença dos outros,
embora Stephanie tivesse certeza que era apreciada e desejada pelo
italiano.
Ouviu uma batida na porta e levantou-se bruscamente do banquinho.
Quem é? - perguntou assustada.
Sou eu - respondeu o pai de fora.
Pode entrar. A porta está aberta.
Ah, minha filha! - exclamou Robert McMaster ao entrar no quarto e avistar
a beleza do vestido branco de noiva. Havia lágrimas nos olhos quando a
contemplou embevecido e Stephanie controlou-se para não desatar
igualmente no choro. - Você está linda com esse vestido! - disse, balançando
a cabeça. - Linda e muito parecida com sua mãe. Eu não
quero pensar que você vai nos deixar dentro de algumas horas. É isso
realmente que você quer, minha filha?
Não era a primeira vez que o pai fazia essa pergunta. Ela dera a entender
antes que estava perfeitamente feliz com o casamento mas, naquele
momento, a questão produziu uma repercussão mais profunda na sua
lembrança. Esforçou-se para não explodir no choro e contar tudo ao pai.
- Você sabe que sim, papai. Por que haveria de me casar com Santino se não
desejasse isso?
- Ah, eu não sei. Fiz a mim mesmo essa pergunta uma dezena de vezes na
última semana. Por falar nisso, eu não sabia que você conhecia Santino há
mais tempo. Ele me disse que vocês se encontraram aqui na ocasião das
primeiras negociações.
Stephanie abaixou a cabeça sem jeito.
_ Nós não comentamos nada com ninguém - disse, seguindo a recomendação
de Santino. - Queríamos que você decidisse primeiro a união das duas
companhias antes de anunciarmos nosso propósito. Foi somente depois que
achamos conveniente comunicar o fato a você.
Robert balançou os ombros.
- Bem, se foi assim, está tudo certo. Mas você podia ter comunicado sua
decisão com mais antecedência ao Allan. O rapaz está desconsolado, como
você pode imaginar.
- Faço idéia - disse Stephanie, mordendo o lábio. - Infelizmente, não foi
possível agir de outro modo. Eu sei que me conduzi mal com ele, mas tenho
certeza agora que nós dois não seríamos felizes no casamento.
- Eu pensava que sim, que vocês se davam muito bem.
- Tudo não passou de amizade. Sentíamos prazer na companhia um do outro.
Só isso.
Stephanie dizia a verdade, num certo sentido. Desde a ruptura com Allan,
sentira um certo alívio.
- Quer dizer que você espera ser feliz nesse casamento? .
- Claro que sim, papai - disse Stephanie, procurando ocultar seus
sentimentos verdadeiros.
- Faço votos que esse casamento seja a decisão mais certa para você minha
filha. Se bem que Santino seja mais velho que você e já tenha sido casado
antes. Aliás, você não conhece ainda a filha dele.
- Lucia tem apenas quatro anos, papai.
- Eu sei, mas você já pensou nas exigências normais do casamento. Lembre-
se que Santino não é nenhum rapaz inexperiente... Ele é um homem vivido.
Robert começou a andar nervosamente de um lado para o outro do quarto,
como se a situação delicada atormentasse sua mente.
- Eu também não sou mais criança. Sei como essas coisas são, não me
assuste.
- Você pode saber na teoria, mas na prática é outra coisa. Você tem certeza
do que está fazendo?
- Absoluta. Você não precisa se preocupar. Estou perfeitamente consciente
de minha decisão.
O pai passou os dedos entre os cabelos ralos.
- Nesse caso, desejo sinceramente que vocês dois sejam felizes! Santino vai
ajustar contas comigo, se você sair ferida desse casamento...
Stephanie tocou no rosto cansado do pai com a ponta dos dedos.
- Você é um amor papai. Muito obrigada por tomar minha defesa.
Robert McMaster afastou-se e assuou o nariz ruidosamente. Voltou-se em
seguida e perguntou com uma inflexão mais calma na voz:
- Você está pronta? O carro vai passar para nos pegar dentro de meia hora.
Stephanie olhou mais uma vez para seu reflexo no espelho.
- Eu estou pronta. Mas por que temos que ir no carro de Santino?
Não podíamos ir no seu?
- O Mercedes dele é maior e vai levar quatro pessoas, sem contar claro o
motorista. Você. Jennifer, Mario Vecchi e eu. - Robert fez um gesto de
impaciência. - Não entendo por que Santino anda com um guarda-costas para
todo lado!
Stephanie corou ao ouvir as palavras do pai.
- Talvez ele se preocupe comigo - disse sem jeito. .
- Nesse caso, por que não concordou com uma cerimônia na igreja, em vez
desse casamento civil? Podia ter esperado mais uma semana...
Stephanie passou os dedos sobre a pequena coroa de pérolas que fora da
sua mãe e que prendia o véu na cabeça. O casamento civil era o único ponto
fraco no plano de Santino. Como não estavam casados na igreja, podiam
separar-se quando bem entendessem. Não tinham nenhum compromisso um
com o outro. Mas ela não podia dizer isso ao pai; contentou-se por isso em
dar um sorriso sem graça e segurou-o pelo braço.
Olhando em direção à porta. - Vamos descer papai. Eu gostaria de tomar
alguma coisa antes de sair.
- Boa idéia. Vamos preparar um coquetel.
Jennifer estava na sala quando entraram de braços dados. Os únicos
convidados eram Harold Mortimer e a mulher Evelyn, a irmã de Robert,
encontrar-se com eles no registro civil. Stephanie tinha receio que sua tia
não fosse áo casamento, sobretudo porque Jennifer estaria presente mas
pelo visto. a idéia de rever a sobrinha levou Evelyn a Jazer uma concessão
dessa vez.
Quanto a Santino, fazia três dias que Stephanie não o via. Pietro disse que
não iam convidar ninguém a não ser alguns amigos Íntimos.
Stephanie respirou aliviada quando Mario Vecchi entrou na sala e anunciou
que o carro estava lá fora à espera da noiva e dos pais. Alto, de cabelos
grisalhos, Mario Vecchi era mais velho que os outros homens da comitiva de
Santino e, em outras circunstâncias, Stephanie teria apreciado sua
companhia. No momento, porém, sua presença não era muito benquista.
Afinal, Mario lembrava a ela o que a aguardava na ilha. O casamento civil foi
tão rápido que Stephanie teve a impressão de não estar casada. Mas a
aliança de ouro na mão esquerda era real, bem como a pressão dos dedos de
Santino no momento em que se inclinou para beijá-la publicamente no
encerramento da cerimônia. Era certamente o casamento mais estranho que
já presenciara na vida e ficou contente quando todos entraram novamente
nos carros e rum aram para o hotel onde Santino estava hospedado e onde
os aguardava uma pequena recepção.
Santino sentou-se ao lado de Stephanie no banco de trás, enquanto Mario
Vecchi ia na frente, ao lado do motorista. Separados dos dois homens por
um vidro espesso, Santino tomou a liberdade de conversar com Stephanie
num tom mais íntimo.
- Pronto, o casamento está consumado! - disse com um sorriso irônico nos
lábios. - Você se comportou muito bem.
- Isso é um elogio?
- Não seja amarga. Stephanie. Acredite em mim. Essa foi a melhor, solução
para todos.
Para você talvez. Mas não para mim.
- E seu pai, não conta?
- Ah Sim, não posso me esquecer dele. Você deve estar se sentindo um
herói!
- Mais ou menos. Por que você fala comigo nesse tom agressivo?
Para ocultar o medo que lhe inspiro?
- Eu não tenho medo de você e nunca tive! - explodiu Stephanie com raiva.
- Ah, não? Então por que você me trata com tanto respeito?
- Eu não me habituo a tratá-lo com intimidade, só isso.
Ele balançou os ombros e tirou o maço de cigarros do bolso.
- Não vamos discutir esse assunto agora. Temos tempo de sobra, mais
tarde.
Stephanie afastou o rosto e olhou fixamente pela janela do carro. Tinham
tempo de sobra, pensou furiosa. Tempo para acordar e tempo para dormir,
tempo para sonhar e para pensar no que esse siciliano podia querer dela.
Um almoço suntuoso foi servido aos convidados no salão do hotel.
Entretanto, embora Stephanie procurasse se conduzir naturalmente, não
conseguiu apreciar nenhum dos pratos divinos que o garçom lhe serviu.
Tomou diversas taças de champagne, porém e começou a sentir-se
ligeiramente tonta quando a sobremesa foi servida. Santino percebeu isso a
m1po e conduziu-a discretamente para o bufê de salgados e de frios.
- Coma alguma coisa! - disse com firmeza.
Stephanie estendeu a mão, apanhou um canapé e levou-o à boca.
- Não estou com fome - murmurou, com a voz meio arrastada. Você não pode
forçar uma pessoa a comer sem fome. Já basta ter me obrigado a casar sem
vontade. . .
- Comporte-se! - murmurou ele, com o rosto sério. - Não faça nenhum
comentário como esse, mesmo que não tenha ninguém por perto, está
ouvindo?
- Você está me machucando, seu bruto! - disse Stephanie, tentando soltar-
se dos dedos que agarravam seu braço com força.
- É para você aprender a ser obediente no futuro.
Nesse momento, felizmente, um conhecido aproximou-se de Santino e ele
soltou seu braço com uma palavra casual. Stephanie continuou perto da mesa
de frios, aterrada com a idéia de viajar com esse italiano grosso para a
Sicília. Notou que havia alguém ao seu lado e levantou a cabeça sem jeito,
enxugando uma lágrima que rolou pelo rosto. Era apenas Pietro, no entanto,
e ele fingiu que não tinha percebido seu gesto.
- Sua tia está perguntando por você, Stephanie.
- Tia Evelyn? Ah, que bom! - exclamou, enxugando os olhos com lencinho de
cambraia. - Onde ela está? Eu estou com os olhos vermelhos, Pietro?
- Não, você está linda, cara! - murmurou Pietro, com sinceridade.
Pela primeira vez, Stephanie apreciou a idéia de ter um admirador na pessoa
de Pietro.
- Muito obrigada. Pietro. Você é um anjo.
- Eu sempre vou estar ao seu lado... Se algum dia você precisar de mim,
basta fazer um sinal.
Stephanie sorriu com tristeza para ele e foi ao encontro de sua tia, que
estava conversando com o irmão. Evelyn Lacey era uma mulher de sessenta e
tantos anos, exuberante e simpática, que andava permanentemente com uma
bengala na mão. Sofria de reumatismo e fizera um grande esforço para ir ao
casamento da sobrinha.
- Então, minha querida? Está com mais juízo depois que casou?
- Você já foi apresentada a meu marido? - indagou Stephanie, - com um
sorriso.
- Santino? Mas claro! Somos velhos conhecidos. Robert me disse que ficou
surpreso com esse casamento. Pois eu não fiquei nem um pouco. Era
exatamente o que esperava de você, minha querida.
Stephanie olhou para a tia com os olhos arregalados.
- Você esperava isso? - repetiu espantada. - Por quê?
- Que dúvida! Santino é um homem irresistível. Se eu tivesse sua idade, o
pescaria para mim!
Stephanie caiu na risada com a idéia absurda da tia. Evelyn evidentemente
não podia imaginar o motivo que a levara a casar-se com Santino.
- Fico contente de saber que você simpatiza com ele - disse.. No momento
seguinte ela sentiu a presença de alguém ao seu lado e, embora não voltasse
a cabeça na direção do recém-chegado, tinha certeza que era Santino.
- Olhe só quem está ai! - exclamou Evelyn, com um sorriso. Estávamos
falando de você nesse momento. Meus parabéns pelo casamento. Você
conseguiu finalmente o que queria.
Santino deu um sorriso com o canto da boca e Stephanie percebeu um traço
de candura no rosto moreno.
- Muito obrigado por ter vindo ao nosso casamento, tia Evelyn disse Santino
beijando a mão da mulher de idade. - Você vai direto para o céu quando
morrer!
- E você vai direto para o inferno!- retrucou Evelyn, com uma gargalhada
descontraída. Voltou-se para o irmão. - Então, Robert? Onde está sua
mulher, que não estou vendo?
- Eu estou aqui, lia Evelyn - disse Jennifer, a dois passos dali. E você, como
está passando? Melhorou do seu reumatismo? Você está com boa
aparência...
- Não tão boa quanto você! - disse .Evelyn, com uma risada. E esse casaco de
pele que você está usando? Comprou para o casamento?
Não entendo como Robert pôde fazer uma- despesa dessas nas
circunstâncias atuais...
Santino aproximou-se nesse momento e segurou Evelyn pelo braço.
- Vamos tomar alguma coisa, tia Evelyn? Você não bebeu ainda desde que
chegou. Posso lhe oferecer uma taça de champagne? Vamos fazer um brinde
a sua sobrinha e ao nosso 'casamento. . .
Evelyn fixou-o no fundo dos olhos e sorriu encabulada.
- Está bem, está bem, eu sei que eu falo demais - disse, seguindo-o até a
mesa posta na outra extremidade do salão.
Stephanie hesitou um instante e depois foi ao encontro dos dois. Eles
estavam em pé ao lado do bufê, bebendo champagne e conversando em voz
baixa. Ela não sabia que Santino conhecia tia Evelyn com tanta intimidade.
- Sua mulher é muito bonita, Santino - disse Evelyn, no momento em que
Stephanie se aproximou dos dois. - Tome muito cuidado para não perdê-la.
Santino voltou-se e fixou-a com uma olhar enigmático, misto de admiração e
de ironia. Stephanie corou com as palavras da tia, mas Santino limitou-se a
balançar os ombros com indolência.
- O vestido também é muito bonito - disse, com a fisionomia impassível.
- Ah, deixe disso, Santino! Confesse que você está encantado com sua
mulher!
- Por favor, tia Evelyn! - suplicou Stephanie, corada como um pimentão.
Evelyn bebeu o último gole de champagne e devolveu a taça vazia Santino.
- Por favor, Santino, sirva-me outra taça enquanto troco uma palavra com
minha sobrinha.
Santino apanhou a taça e afastou-se com uma pequena inclinação da cabeça.
- Que bom encontrá-la aqui, tia Evelyn! - exclamou Stephanie, ao se viram
sozinhas.
- Você é uma ingrata. Você nunca mais foi lá em casa!
Slephanie deu um suspiro sem jeito.
- Ah, você sabe como é... Eu nunca tenho tempo para nada.
Anos atrás, quando as críticas de Jennifer atormentavam mais do que agora
seu coração sensível, Stephanie costumava refugiar-se na casa da tia. Nos
últimos meses, contudo, fora poucas vezes lá.
- Sim, eu sei como é. Na sua idade os programas não faltam, sobretudo
agora, que você é uma mulher casada. Como está se sentindo, filha?
Slephanie inclinou a cabeça antes de responder.
- Como devia me sentir, tia?
- Sou eu que estou perguntando.
- Estou contente, naturalmente.
- Está mesmo? Pois olhe, não é essa a impressão que você me dá.
Você me parece antes com o mosquito que foi apanhado na teia da aranha.
Se seu pai não enxerga isso é porque ele é mais cego do que imaginava. . .
- O que é isso, tia? - exclamou Stephanie, surpresa com o comentário
agressivo da mulher de idade.
- E não é verdade, por acaso?
- O quê?
- Que você se meteu numa boa?
- Juro que não estou entendendo...
- Ah, não se faça de sonsa, minha querida - disse Evelyn, olhando em volta e
inclinando-se para Stephanie, como se fosse dizer um segredo.
- Você não me engana, menina.
- Do que você está falando, tia? - perguntou Stephanie, com ansiedade na
voz.
- Eu sei o motivo verdadeiro do seu casamento.
CAPITULO V
As coisas pareciam girar em sua volta e ela segurou-se com força na beira
da mesa. Evelyn notou seu rosto lívido e assustou-se.
- O que é isso, Stephanie? As pessoas vão dizer que você bebeu demais, se
você desmaiar no meio do salão!
O comentário cru da tia foi uma ducha fria. Stephanie voltou a si e olhou
espantada para os lados.
- Então? - indagou Evelyn, após um momento. -É verdade ou não que esse
casamento não é uma união de amor?
- Como você sabe? - indagou Stephanie, com a voz sumida.
- Santino não é nenhum idiota. Ele não financiaria a companhia de seu pai se
não tivesse uma razão para agir assim, sobretudo nessas circunstâncias. . .
- Que circunstâncias, tia?
- Ah, nada, nada. Seja como for, a realidade é essa. O que você vai fazer
agora?
- Em que sentido você pergunta'?
- Ah, por favor, Stephanie, não se faça de ingênua comigo! Eu também já
passei por tudo isso... Como você não tem mãe para conversar esses
assuntos, eu me sinto na obrigação de comentar o caso com você.
- Se for com respeito à cegonha, você não precisa se preocupar,
titia - disse Stephanie, cruzando e descruzando os dedos. Ela percebeu que
Santino estava conversando com Pietro e Mario a alguma distância dali.
Evelyn fixou-a com impaciência.
- Não me venha com essa conversa só porque estou querendo ajudá-la!
Stephanie mordeu o lábio com nervosismo.
- Se você quer realmente me ajudar, devia ter impedido esse casamento? -
disse Stephanie, com franqueza, encarando-a nos olhos.
- Impedido o casamento? - repetiu Evelyn, balançando a cabeça. Eu não faria
isso de jeito nenhum!
- Por que não?
- Porque Santino é o homem certo para você. Só assim você vai saber o que é
obedecer e respeitar a vontade de um marido. Você sempre fez o que quis
com seus namorados. Santino não é um desses adolescentes que morre de
medo das mulheres! Ele é um homem de fato, o senhor de um castelo na
Sicília...
- Pode ser. Mas não foi por isso que ele casou comigo. Ele não precisa de
uma mulher, ele quer apenas uma companhia para a filha pequena.
- Talvez seja essa sua idéia. Mas você não mora na mesma casa com um
homem sem manter contatos íntimos com ele. O que você vai fazer quando
Lucia estiver dormindo? Quando suas funções de governanta não forem
necessárias?
Stephanie levou a mão à garganta.
-Não sei...
- Ah, que fim levou Santino com minha bebida? - exclamou tia Evelyn, de
repente. - Santino!
Santino aproximou-se das duas e estendeu a taça de champanhe a Evelyn.
- Então, trocaram muitas confidências?
Stephanie afastou a cabeça sem jeito.
- Pode ficar sossegado - disse Evelyn. - Eu sou a discrição em pessoa. Onde
está meu irmão? Preciso ter uma conversinha com ele...
- Você vai falar com ele a respeito do que conversamos? - perguntou
Stephanle, assustada.
- Não, não se preocupe! Por que haveria de estragar a alegria dele?
Deixo isso para Jennifer.
Evelyn afastou-se lentamente pelo meio da sala, apoiada na bengala que
levava sempre consigo, enquanto Stephanie permanecia parada e muda como
uma estátua.
Santino aproximou-se dela e fitou-a com o rosto preocupado.
- O que vocês duas conversaram? Por que você está com essa cara?
Stephanie passou a língua nos lábios secos.
- Ah, as fofocas de sempre...
- Eu imaginei - disse Santino, com frieza. - Queria avisar você que vamos
partir dentro de vinte e três minutos exatamente.
- Partir? Para onde? - indagou Stephanie, espantada.
- Você já esqueceu que vamos viajar hoje à tarde?
- Ah, sim! - disse Stephanie, levando a mão ao pescoço. - Minha mala! Eu
tenho que trocar de roupa.
Mario providenciou tudo. Há um quarto no hotel com suas coisas.
- Onde é? - perguntou Stephanie, com nervosismo.
- Mario vai acompanhá-la. - Santino voltou-se e estalou os dedos.
Mario Vecchi aproximou-se no mesmo instante. Santino deu as instruções
necessárias e voltou-se para Stephanie. - Você está bem? Não precisa de
nada? Não quer que eu a acompanhe?
Stephanie controlou com dificuldade o acesso de riso nervoso que
borbulhava na garganta. Imagine Santino acompanhando-a até o quarto de
dormir e vendo-a se trocar diante do espelho! Era só o que faltava!
Sobretudo agora, quando as palavras da tia estavam impressas na sua
imaginação.
- Não, muito obrigada. Não precisa. Eu vou sozinha!
Stephanie fez meia-volta e dirigiu-se para a porta do salão, seguida por
Mario Vecchi.
O quarto reservado para ela fazia parte da suíte de Santino e podia
acomodar facilmente umas dez pessoas. Atravessaram uma sala enorme
decorada de creme e verde-musgo, inteiramente atapetada. No momento em
que Mario abriu a porta do quarto, Stephanie deu uma exclamação de
surpresa diante do luxo do aposento. Ela nunca tinha visto nada igual na
vIda.
- Seu quarto é esse aqui - disse Mario, com um sorriso. - Deseja mais alguma
coisa?
- Não, muito obrigada - respondeu Stephánie, olhando em sua volta com a
boca caída. - Que quarto imenso!
Mario assentiu com a cabeça.
- Nós sempre ocupamos esta suíte. Sua mala está aqui. Todas as outras
bagagens foram mandadas para o aeroporto. Quando tiver terminado de se
vestir, basta me chamar que eu vou acompanhá-la de volta até o salão.
Stephanie agradeceu e fechou a porta por dentro. Despiu-se rapidamente,
tomou banho de chuveiro e vestiu as roupas limpas' que estavam na mala.
Depois de pronta, mirou-se com atenção no espelho da penteadeira.
Estava um pouco pálida, mas não quis pintar o rosto para disfarçar a palidez.
Na realidade, a brancura da face combinava com seu estado de espírito. Era
natural que estivesse apreensiva sobre o futuro.
Ouviu uma batida urgente na porta e voltou-se prontamente no banquinho da
penteadeira.
Quem é? - perguntou, com a voz ligeiramente trêmula.
- Signorina! Está em cima da hora! - disse Mario, do lado de fora.
- Num minuto.
Deu um suspiro e balançou a cabeça com desânimo. Que importância tinha se
Mario a chamasse de signorina em vez de signora? No fundo, ela não se
sentia casada. Não tinha a aparência de uma mulher casada. Na realidade,
em todos os sentidos da palavra, não estava casada com o italiano! .
Levantou-se do banquinho, abriu a porta do quarto e saiu no corredor.
- Desculpe o atraso, Mario. Eu me demorei mais do que devia no banho.
- Não foi nada, signorina. O patrão está meio impaciente.
Mario levou a mala onde ela guardara o vestido branco de noiva, abriu
a porta para ela passar e acompanhou-a pelo corredor comprido. Não havia
maneira de fugir do inevitável, pensou Stephanie, com um arrepio.
Todos os caminhos levavam ao salão verde-musgo onde Santino a esperava.
Ele estava andando impacientemente de um lado para o outro e amarrou a
cara quando os dois entraram.
- Onde vocês estavam? Estamos em cima da hora!
Mario fez um gesto expressivo com as mãos, à maneira dos latinos, e trocou
algumas palavras rápidas com Santino em italiano. Stephanie não entendeu o
que os dois conversaram. Robert e Jennifer estavam parados perto dali, na
companhia de Harold Mortimer e da mulher.
Robert aproximou-se da filha ao notar seu ar desconsolado.
- Você está pronta? - perguntou com carinho.
Stephanie sentiu uma vontade incontrolável de cair na risada. Pronta?
Ela nunca estaria pronta nem preparada para esse casamento!
Controlou com dificuldade o riso nervoso e despediu-se do pai.
- Adeus papai. Você vai me escrever?
- Sem falta! E, logo que puder, irei até lá para ver como você está.
Afinal, essa é a vantagem de possuir uma companhia aérea. Não falta
condução!
Stephanie sorriu sem graça e voltou-se para Jennifer. Sua madrasta falara
muito pouco durante o dia e sua reação ao casamento não fora em absoluto o
que Stephanie esperava dela. Jennifer despediu-se de Stephanie sem muito
entusiasmo e, no momento em que trocaram um beijo, ela comentou em voz
baixa, de maneira a não ser ouvida por ninguém:
- Você se sacrificou à toa, querida.
Stephanie ouviu o comentário em silêncio, sem esconder sua surpresa.
Jennifer sorriu com o canto dos lábios e se afastou dali, para que Harold e a
mulher se despedissem dela. Finalmente foi a vez de tia Evelyn. Sem fazer
nenhum comentário sardônico, como era seu hábito, ela deu um beijo na
sobrinha.
- Seja muito feliz, minha filha - murmurou com lágrimas nos olhos.
- Você tem tudo para ser.
Stephanie ouviu com emoção as palavras sinceras da tia e despediu-se dela
quando Santino fez um sinal indicando que estava na hora de partir.
Na calçada do hotel havia repórteres, fotógrafos, cinegrafistas. .Os dois
sentaram no banco de trás do Mercedes, ao lado de Pietro e de Mario,
enquanto Giulio ia no banco da frente, ao lado do motorista.
Stephanie teria preferido ir ao aeroporto com menos gente no carro.
Havia três pares de olhos que a observavam discretamente, com um misto
de curiosidade e de respeito, enquanto Santino examinava os papéis que
retirou de uma pasta preta que Pietro lhe estendeu. Nenhuma recém casada
fora tratada com maior indiferença pelo marido. Ela devia sentir-se à
vontade, mas não se sentia. Experimentava em vez disso um sentido imenso
de _ solidão, como se tivesse deixado para trás todas as pessoas queridas a
fim de partir com esse italiano frio e indiferente para uma ilha distante.
Nem mesmo o sacrifício que fazia por seu pai era suficiente para banir a
terrível impressão de isolamento.
Enquanto Santino estava absorto na -leitura dos documentos, Stephanie
aproveitou para examiná-lo detidamente, com o canto dos olhos. Notou os
pêlos negros que nasciam nas costas das mãos e que surgiam por entre as
abotoaduras de ouro no punho da camisa. Os dedos dele eram compridos e
morenos, e o único anel que usava tinha um brasão da família gravado em
baixo-relevo. Stephanie examinou-o com atenção e procurou visualizar sua
filha. Era morena como o pai ou era uma dessas italianas de pele clara e
cabelos alourados? Santino era um homem indiscutivelmente cativante e ela
não entendia como podia manter uma forma física impecável sendo uma
pessoa tão ocupada.
Ele levantou a cabeça em dado momento, mas não fez nenhum comentário ao
encontrar os olhares dos três homens voltados para os dois.
A impaciência porém estava visível na sua fisionomia, bem como uma espécie
de insolência, e Stephanie abaixou a cabeça sem jeito. Em seguida, voltou
deliberadamente sua atenção para a janela do carro. Naquele momento ela o
odiava de todo coração pelo que tinha feito consigo e quando ele percebesse
que ela não ia ceder um palmo, a mandaria de volta para a Inglaterra, com
um pedido de divórcio.
A chegada da comitiva ao aeroporto foi auspiciosa. No interior do avião,
todo o compartimento da frente fora reservado para Santino e sua
comitiva. Iam viajar diretamente para Palermo e, de lá, tomariam o carro
para o castelo de Strega.
Era gostoso poder andar de um lado para o outro durante a viagem e
Stephanie fiçou contente quando o jantar foi servido pela aeromoça porque
tinha alguma coisa com que se ocupar. Santino não estava sentado ao lado
dela. Tinha uma mesinha diante da poltrona e comeu o jantar delicioso com
uma mão enquanto com a outra fazia cálculos numa folha de papel. Stephanie
teve que se contentar com a companhia de Pietro.
Em Palermo, outro motorista de uniforme cinza os esperava no aeroporto.
Somente Mario os acompanhava dessa vez. Pietro e Giulio iam no outro
carro, atrás. Os dois automóveis eram pretos com frisos dourados e
Stephanie pensou com um misto de ironia e de amargura que davam a
impressão de um cortejo fúnebre. A noite tinha descido rapidamente e
Santino não podia trabalhar no interior escuro do automóvel. Aquele era o
momento oportuno para conversarem um pouco antes de chegarem ao
castelo, mas ele parecia absorto num assunto que o inquietava. Assim, o
longo trajeto transcorreu em silêncio, num clima de solidão e de tristeza.
Levaram duas horas exatamente para chegar. Nesse meio tempo, Stephanie
começou a sentir arrepios de frio e enroscou-se no seu canto como uma
gata, sem abrir a boca. Estava mental e fisicamente gelada. Não havia muito
o que ver. A escuridão era completa. Além das luzes dos faróis, não se
enxergava mais nada, a não ser alguns riachos que corriam à beira da
estrada. Os perfumes da ilha penetravam pelas janelas do carro e podia
reconhecer os aromas fortes dos limoeiros, dos pés de jasmins e das
laranjeiras em flor.
Deu um suspiro alto. Havia tanta coisa para ver, tanta coisa para conhecer
que preferia ter passado a noite em Palermo e viajar no dia seguinte para o
castelo. Sentia-se totalmente exausta para assumir suas funções de dona-
de-casa aquela noite. Estava realmente morta de sono.
Finalmente o carro começou a subir a ladeira Íngreme que levava ao castelo
no alto do morro. Ao perceber sua fisionomia abatida, Mario comentou com
animação:
- Estamos chegando, signorina. Esse é o castelo de Strega. Já estamos em
casa.
- Signorina não, signora - corrigiu Santino, com sua voz cortante.
- Seusi, padrone! - disse Mario, sem jeito.
Santino fez um gesto com a cabeça e endireitou-se no banco. Voltou-se em
seguida para Stephanie, que olhava pela janela aberta para as primeiras
luzes que se avistavam ao longe.
- Chegamos. Sophia está esperando por nós.
- Quem é Sophia? - perguntou Stephanie, com a voz cansada.
- A nossa caseira. Ela toma conta da casa na minha ausência. Deve ter
preparado o jantar em sua honra. Você está com fome?
Stephanie balançou a cabeça negativamente. Beliscara uns sanduíches c uns
salgadinhos no avião, e tomara alguns goles de vinho tinto, mas agora estava
sem nenhum apetite. Só a idéia de comer lhe dava náusea.
- Há mais alguém a nossa espera?
- A essa hora não - disse Santino, olhando para o relógio. - Já passa das dez.
Lucia deve estar dormindo. Você vai conhecê-la amanhã cedo.
Stephanie ouviu o comentário em silêncio. Agora que estavam praticamente
no castelo, estava transida de medo. Não tinha idéia do que Santino
esperava dela e preferia poder ir diretamente para a cama - sozinha.
O carro parou diante da escada que terminava numa porta dupla de madeira
de lei. Santino desceu e deu a volta para abrir a porta do lado dela.
Stephanie tropeçou com as pernas dormentes da longa viagem e Santino
estendeu a mão e segurou-a pelo braço. O contato físico foi rápido. Mesmo
assim, ela sentiu o perfume penetrante de sua pele e a musculatura rígida
das pernas. No momento seguinte, contudo, Santino soltou seu braço e
inclinou-se para o interior do carro, de onde retirou a pasta preta com os
documentos. Stephanie caminhou como uma sonâmbula em direção à luz que
vinha da porta aberta.
Uma mulher de idade estava de pé na soleira. Vestida inteiramente de
preto, à maneira dos antepassados, tinha a fisionomia distante e fria.
Stephanie hesitou um instante antes de subir os degraus que levavam à sala
da frente. Era aquela a caseira de que Santino falara? A mulher tinha a
aparência de poucos amigos.
Santino passou por ela nesse momento e cumprimentou de longe a
empregada.
- Buona sera, Sophia. Come stà lei?
- Graze, padrone, sto molto bene.
Stephanie entrou em pânico ao se dar conta de que precisava aprender
rapidamente italiano para se fazer entender no castelo. Até então os
membros da comitiva de Santino falavam inglês. Ao chegar no alto da
escada, Santino voltou-se e colocou a mão no ombro de Stephanie,
empurrando-a praticamente em direção à porta, enquanto Mario se ocupava
das bagagens. O outro carro chegara nesse meio tempo e havia mãos de
sobra para transportar as malas.
- Esta é minha mulher, Sophia - disse Santino, apresentando-a à caseira. -
Ela é inglesa e só fala um pouquinho de italiano. Você precisa ensinar a ela
nossa língua.
- Buona sera signora - disse Sophia, estendendo a mão a Stephanie.
- Bem-vinda ao castelo de Strega.
Stephanie deu um sorriso sem graça e respondeu ao cumprimento da mulher
em italiano, consciente de que Santino a observava atentamente.
Sophia afastou-se da porta para os dois passarem. Stephanie entrou
lentamente no hall do castelo e, no primeiro momento, ficou deslumbrada
com a beleza imponente do interior. A escuridão da noite acentuava a
aparência sombria do exterior do castelo, mas os lustres de cristal
lançavam faíscas de luz em todas as direções, banhando a sala de uma
claridade férrica. Para Stephanie, acostumada à pequena casa do pai na
Inglaterra, o castelo renascentista italiano parecia o cenário de um filme
fabuloso. Não podia acreditar que ia morar ali e ser a dona de tudo aquilo.
Era verdade que uma menina de quatro brincava nos azulejos do piso?
Que carregava as bonecas no colo na escada suntuosa de mármore? Que
andava pela casa de pés descalços e deixava marcas em cima do assoalho
brilhante? Era pouco provável que Lucia gozasse de tanta liberdade assim,
especialmente se levasse em conta a figura severa e silenciosa de Sophia.
Santino, pelo visto, estava perfeitamente à vontade naquele ambiente de
sonho. Atirou com displicência o sobretudo em cima da cadeira e atravessou
o vestíbulo em direção à sala situada na outra extremidade.
- Venha até aqui, Stephanie. Sophia vai nos servir um café com leite e uns
sanduíches.
- Si, padrone - disse Sophia, com uma pequena inclinação da cabeça.
Stephanie acompanhou o marido até a sala iluminada por um abajur de canto.
Havia um grande tapete persa que cobria parte do assoalho e cadeiras
macias de couro com almofadas estampadas de diversas cores. As paredes
cor de havana tinham pinturas que representavam paisagens típicas da
Sicília, como plantações de uvas e de laranjas, sem falar em algumas belas
marinhas. As cortinas que cobriam as janelas eram cor de vinho. A sala
refletia um bom gosto estupendo e Stephanie ficou curiosa em saber quem
era o responsável pela decoração do castelo. - Sente-se - disse Santino,
indicando uma das cadeiras. de couro. Stephanie afundou na almofada macia
com a impressão estranha de que as coisas seguiam seu curso inevitável.
Gostaria de tirar os sapatos de salto alto que incomodavam seus pés, mas
era tudo tão imponente em sua volta que ela ficou sem jeito, como se o
ambiente luxuoso lhe inspirasse um sentimento de respeito.
Santino porém desabotoou tranqüilamente o paletó e flexionou os músculos
doloridos do pescoço. Estava com a fisionomia cansada. O dia fora muito
exaustivo para os dois, pelo visto. Santino, apesar de toda sua tremenda
vitalidade, sofria como qualquer um os inconvenientes da fadiga muscular.
Stephanie observou-o um instante em silêncio, sem saber o que dizer para
iniciar a conversa, porque o silêncio estava começando a pesar entre os dois.
- Por que você está me olhando com essa cara? - perguntou Santino ao notar
a expressão ansiosa do seu rosto. - Eu não vou pular em cima de você e
exigir os direitos conjugais. Quando lhe pedi em casamento, deixei bem
claro meus inotivos. Eles não mudaram de lá para cá. Continuam sendo os
mesmos. É sua imaginação que é muito viva e pinta as coisas de uma forma
assustadora. - Ele deu alguns passos na sua direção, enquanto afrouxava o
nó da gravata. - Nós não tivemos oportunidade de conversar desde que nos
vimos pela primeira vez, mas agora temos tempo de sobra.
Stephanie ouviu o comentário com a cabeça ligeiramente inclinada.
As palavras dele eram frias e distantes, semelhantes às que empregara
àquela noite no restaurante italiano, quando a convidara para acompanha-lo
ao castelo de Strega.
- Por que você diz que eu tenho a imaginação viva? De onde você tirou essa
idéia?
- Como todas as mulheres que eu conheço, você supõe que a emoção seja
parte essencial das ações humanas. Mas isso não é verdade, pelo menos
comigo. Eu notei, desde nosso primeiro encontro, que você me observa com
um misto de curiosidade e de interesse. Conscientemente ou não, você
procurou descobrir algum motivo profundo para minha atitude, a fim de
descobrir meu ponto fraco.
- Você está sonhando!
- Não é verdade?
- Claro que não! - disse Stephanie, torcendo a alça da bolsa com nervosismo.
Ela odiou a ironia que estava visível no rosto dele. Como tinha a audácia de
imaginar que estava interessada nele, um homem que tentara arruinar
deliberadamente seu pai, um homem desprovido dos sentimentos mais
elementares? Outras mulheres podiam sentir atração por sua masculinidade
exuberante, mas ela não se contentava com um sensualismo superficial. -
Para seu governo, o único homem cuja opinião eu admiro mora na
Inglaterra... e não aqui, nesta ilha inculta e atrasada. - Ela levantou a cabeça
com insolência. - Ele é um homem culto e não um selvagem. . .
A escolha das palavras talvez fosse meio infeliz mas, naquele momento, seu
único desejo era atingi-lo. Ela foi bem-sucedida, aliás. Santino ouviu o
comentário agressivo com uma irritação visível e Stephanie congratulou-se
intimamente pelo alcance de suas palavras. Mas quando o silêncio se
prolongou de novo, ficou meio apreensiva com as possíveis represálias que
podiam ocorrer.
Felizmente Sophia entrou nesse instante com a bandeja de café.
- Ah, muito obrigada, Sophia. Pode deixar a bandeja em cima da mesinha que
nós nos servimos.
Sophia cruzou os braços em cima da cintura.
- O senhor deseja que acompanhe a senhora ao seu quarto?
- Não, não precisa, Sophia - disse Santino, com vivacidade, olhando com um
sorriso cruel para Stephanie. - Nós vamos subir juntos. Você arrumou as
camas?
Si, padrone. Fiz exatamente como o senhor mandou.
Bene, hene, Sophia, Você pode ir se deitar. Boa noite, Sophia.
Boa noite - disse Sophia, dirigindo-se para a porta.
Ah, um minuto, Sophia. Onde estão os outros?
O senhor Pietro e o senhor Francisco já foram dormir. O senhor Mario está
no quarto, - Bem, então fica para amanhã. Boa noite e muito obrigado,
Sophia, por ter preparado esse lanche fora de hora.
- Grazie, padrone. Buona noite, signora.
- Boa noite, Sophia - disse Stephanie, levando a mão ao pescoço. Depois que
a empregada saiu, ela levantou-se com nervosismo da poltrona.
- Pelo amor de Deus, fique sentada! - exclamou Santino, com impaciência. -
Prove pelo menos uma xícara do nosso café, É muito diferente do líquido
aguado que servem na Inglaterra, Puro ou com creme?
- Com uma colherinha de creme - murmurou Stephanie, Santino serviu o
café e estendeu a xícara para ela, Stephanie segurou-a cuidadosamente,
evitando tocar nos dedos dele e afastando o rosto dos olhos brilhantes que
pareciam se divertir com seu nervosismo.
- Algumas colheres de açúcar fariam bem a você no momento comentou
Santino, com ironia. - Você está precisando de mais energia no sangue. Está
branca como cera! Minha presença a incomoda?
-Como era inútil discutir com ele, Stephanie preferiu não responder.
Bebeu em vez disso o café em goles pequenos e manteve os olhos afastados.
Após terminar, colocou a xícara na bandeja e balançou a cabeça
negativamente quando Santino lhe ofereceu uma segunda xicara. Ela estava
terrivelmente consciente do italiano na sua frente, da força física do corpo
moreno, da energia que transpirava de sua pessoa. De repente, o castelo de
Strega se transformou numa prisão hedionda e Santino era seu carcereiro.
Sentiu um aperto no coração e começou a tremer. Santino percebeu seu
tremor e fitou-a com atenção.
- O que foi agora, Stephanie? Por que você está com essa cara de vítima? Eu
não sou o tal selvagem que você falou. Sou um homem civilizado. - Levantou-
se e caminhou até a porta. - Venha, vou acompanhá-la até seu quarto. Você
está cansada e eu também.
Stephanie levantou-se com dificuldade da poltrona e caminhou com
dignidade em direção à porta; passou por ele e atravessou o hall. Santino
fechou a porta atrás de si, apagou as luzes da sala e seguiu-a em direção à
escada de mármore iluminada por arandelas douradas.
Ela não notou na sua passagem o corrimão de ferro lavrado, nem apreciou os
nichos nas paredes, onde estavam diversas imagens antigas de santos.
Estava coro muito sono para poder desfrutar esses requintes de bom gosto.
No alto da escada havia uma galeria de onde se avistava o hall embaixo e
havia ali muitas pinturas a óleo penduradas nas paredes.
Homens de feições severas e mulheres de peles claras rivalizavam uns com
os outros em solenidade e graça. Nenhum deles porém possuía tanta
arrogância e orgulho quanto Santino, o atual senhor do castelo.
Santino foi na frente quando entraram na ala ocidental do castelo.
Parou diante de uma porta alta e esperou por ela. Depois de abrir a porta
trabalhada, em madeira de lei, fez sinal para ela entrar no quarto.
Stephanie obedeceu e deparou com um aposento enorme, imponente como
um pavilhão, no centro do qual avistou uma cama de dossel que não teria
destoado num palácio dó século dezoito. Tudo no quarto parecia construído
segundo uma escala grandiosa. A penteadeira com o espelho de várias faces,
a escrivaninha trabalhada a mão, os guarda-roupas imensos que cobriam as
paredes. Um carpete macio de lã branca era a única concessão ao gosto de
nossa época.
Stephanie voltou-se pata Santino, que estava apoiado na porta, com a
indolência atraente de um felino.
- Eu vou dormir aqui? - perguntou com a voz aflita.
Santino endireitou o tronco.
- Mandei arrumar este quarto especialmente para você. Foi nessa cama que
dormiram todas as antigas donas do castelo. - Ele franziu a testa. - Eu
também nasci nessa cama...
- E você?
- Não se assuste, não vou dormir aqui. Eu nunca usei este aposento.
Stephanie olhou em volta. A única luz vinha da lâmpada de cabeceira e era
insuficiente para banir a impressão terrível de solidão.
- Este quarto é grande demais para mim - murmurou, tomando coragem. - Eu
preferia dormir num quarto menor...
- Por favor, Stephanie, não complique as coisas! Há um minuto atrás você
disse que estava cansada e queria dormir. Agora, de repente, mudou de
idéia. - Passou os dedos com impaciência entre os cabelos negros. - Durma
hoje aqui. Amanhã nós conversamos com mais calma sobre isso.
Stephanie juntou as mãos numa atitude suplicante.
- Onde você vai dormir?
Ele soltou o nó da gravata e desabotoou a camisa.
- No quarto ao lado. Ah, antes que me esqueça. O banheiro fica ali - disse,
apontando para uma segunda porta.
Havia uma terceira porta em frente, como Stephanie percebeu.
- E a outra, de onde é?
- Do quarto de vestir. Está sempre fechado. Não é usado para nada.
- Stephanie sentiu um arrepio de apreensão. Santino dirigiu-se para a porta.
No momento em que virou a maçaneta, com a intenção evidente de deixá-la,
ela deu um passo à frente.
- Como eu faço se precisar de alguma coisa?
Santino encarou-a com impaciência.
- Você não vai precisar de nada, Stephanie. Durma bem.
Ao dizer isso, fechou a porta atrás de si com um movimento firme da mão. .
Stephanie ficou parada diante da porta, ouvindo os passos que se afastavam
pelo corredor. Lá embaixo, as ondas quebravam sobre as pedras.
Foi até a porta e saiu na sacada. Ao luar, podia enxergar vagamente as
rochas escarpadas que terminavam no mar. O ruído das ondas quebrando era
mais alto ali que no quarto. Debruçou-se um instante no parapeito e avistou
o abismo a seus pés. Com um arrepio de frio, tornou a entrar no quarto e
fechou a porta atrás de si.
Uma mariposa enorme, assustada com esse movimento brusco, voou
diretamente para cima dela. Stephanie abafou um grito de pavor e derrubou
a borboleta com a mão. Ela ficou um instante no chão, batendo as asas.
Stephanie fechou os olhos e pisou em cima dela com toda a força.
De repente, não se importou mais com o fato de Santino ser o responsável
por sua infelicidade. Desejava apenas que ele estivesse ali, ao seu lado, a
fim de que pudesse esquecer o ocorrido graças à energia contagiante de sua
personalidade.
CAPITULO VI
Foi fácil encontrar a escada que levava ao andar térreo no fim da galeria.
Estava a meio caminho quando ouviu um ruído que vinha de baixo. Um homem
acabara de entrar no hall e estava retirando as luvas e passando as mãos
nos cabelos diante do espelho. Era Pietro. Stephanie deu uma exclamação de
alegria ao vê-lo. Pelo menos havia alguém acordado com quem podia
conversar.
Pietro voltou a cabeça ao ouvir o ruído de passos e lhe dirigiu um sorriso
cordial.
- Olá! Você caiu da cama?
Stephanie desceu correndo os últimos degraus da escada.
- Foi Lucia que me acordou.
- Ela devia estar ansiosa para conhecê-la. Dormiu bem?
- Como uma pedra.
- Bom sinal. Pelo visto você vai gostar daqui...
- Quem sabe? - Olhou em volta de si. - Onde estão os outros?
- Mario está dormindo. Giulio está em Palermo e eu... eu vim mais cedo para
conversar um pouquinho com você.
- Ah, muito obrigada.
- Onde está Santino?
- Dormindo. Lucia está com ele.
- Ah, bom. Lucia é uma criança muito possessiva, como você vai perceber
mais tarde. Quando o pai está em casa. ela monopoliza sua atenção.
- Isso é natural numa criança criada sem a mãe.
- Pode ser - concordou Pietro. - Stephanie, eu queria lhe dizer uma coisa há
algum tempo, mas não tive a oportunidade. . .
Stephanie ouviu-o em silêncio, com a fisionomia intrigada. Esperava que
Pietro não insistisse num assunto que estava morto e enterrado. Já
bastavam seus problemas atuais para ter que se preocupar com mais um.
- Aquela noite no restaurante, quando Santino pediu para você vir morar
aqui, para fazer companhia a Lucia, eu desconfiei que havia alguma coisa
estranha no pedido. Não tinha certeza, naturalmente. Mais tarde, não quis
interferir em sua decisão, sobretudo porque eu também queria que você
viesse morar aqui... - Ele estendeu a mão e segurou a dela. - Estou muito
contente com sua presença nesta casa.
Stephanie retirou a mão com um gesto brusco e fixou-o nos olhos.
- Pietro, não vamos falar sobre esse assunto, por favor. Eu não desejo
manter uma relação ilícita com homem nenhum.
- Mas não é isso que estou sugerindo, Stephanie - disse Pietro, com um
suspiro. - Sei que você não é desse tipo. Mas nós podemos ser amigos. . .
- Nós somos amigos - disse Stephanie, com a cabeça baixa. Mas Santino não
vai gostar que sejamos muito íntimos.
Ah, esqueça Santino! Ele não gosta de você!
- Isso não é coisa que se diga, Pietro. Mesmo que seja verdade.
- Não me leve a mal, Stephanie, Santino sabe quais são os sentimentos que
tenho por você. Eu nunca fiz segredo disso. - Pietro apontou com a mão para
fora. - Você não se sente tentada a dar um passeio? O sol está quente e o
mar deve estar divino... O que você vai fazer em casa? Esperar que seu
marido trace o programa do seu dia?
Stephanie endireitou os ombros com um gesto de rebeldia.
- Eu não sou uma criada para obedecer às ordens de ninguém.
- Então venha tomar um banho de mar comigo!
- Agora? - exclamou Stephanie. - Onde?
- Na praia embaixo do morro. Você trouxe sua roupa de banho?
- Está no quarto - disse com animação. Ela desejava tomar banho de mar
com Pietro e estava ao mesmo tempo indecisa se devia aceitar o convite. -
Está bem, a que horas?
- Agora. A água está morna a essa hora do verão.
Stephanie hesitou um segundo. Balançou em seguida a cabeça e subiu
correndo a escada em direção ao quarto de dormir. Apanhou o biquíni na
mala aberta e voltou imediatamente para o andar térreo.
Pietro estava apoiado no corrimão da escada, conversando com Sophia.
A empregada não escondeu sua desaprovação quando avistou a toalha de
banho e o biquíni que Stephaoie levava na mão.
- Não vai tomar café? - perguntou Sophia, com o rosto sério.
- Não, muito obrigada, Sophia. Eu vou dar um mergulho com Pietro antes do
café. Se Santino acordar, diga que eu volto logo.
- Pois não - disse Sophia, com seu rosto severo.
Pietro afastou-se do corrimão e lhe deu o braço.
- Vamos, Stephanie, antes que você mude de idéia. O clima aqui está
visivelmente frio esta manhã.
Stephanie sorriu com o canto dos olhos 'e saiu com Pietro em direção à
porta da frente. Sophia observou os dois em silêncio, com a testa franzida.
Stephanie voltou-se com ansiedad~ para Pietro.
- Você acha que ela vai contar a Santino?
- É provável que sim - disse Pietro, abrindo a porta da frente. Por quê? Você
se importa com isso?
- Não, absolutamente. Santino disse para eu fazer o que bem entendesse.
Bolas, eu não vou ficar sozinha no quarto!
Pietro encarou-a surpreso.
- Como, sozinha no quarto?
Stephanie corou ao perceber o que tinha dito e tentou corrigir 'o efeito de
suas palavras.
- Ah, é toda uma história! Santino foi até o quarto procurar Lucia.
Eu estava acordada. Disse a ele que não queria dormir porque não estava
com sono. Aí ele disse para fazer o que tivesse vontade.
- Nesse caso, tudo bem - disse Pietro, fechando a porta da frente.
O Lancia esporte estava parado diante da escada., - Vou apanhar a toalha e
o calção no porta-malas.
Stephanie aproveitou o momento para admirar o castelo à luz do dia.
Afinal, seria sua casa durante algum tempo. Embaixo dos muros cinza,
rachados pelo tempo, o morro descia suavemente e terminava num vale, onde
estavam as plantações de laranjas, de limões, de oliveiras. As encostas do
morro, por sua vez, estavam cobertas de vinhas. Ao longe, avistavam-se os
rolos de fumaça que saíam das casas dos colonos. Pietro aproximou-se dela
com a toalha na mão e surpreendeu seu olhar animado.
- Gostou da paisagem?
- Ah, é linda e muito diferente do que imaginava! - exclamou com os olhos
brilhantes. - Aquelas plantações ao longe pertencem ao castelo?
- Sim. Santino é dono de tudo que sua vista alcança. Antigamente todas
essas terras eram áridas. Não se podia plantar nada. Santino introduziu os
métodos modernos de irrigação e o vale se tornou verdejante, como você
pode ver. Por que você fez essa pergunta? Está surpresa com a riqueza de
seu marido? .
- Não, não foi por isso. Estava curiosa para saber de quem eram essas
plantações tão lindas.
Pietro cobriu a vista com a mão, para percorrer toda a paisagem em volta.
- Você não imagina a pobreza que havia antes aqui. Esses colonos não tinham
absolutamente nada, nem recursos para explorar a terra. Deviam o pouco
que tinham ao padrone.
E você, Pietro? Faz muito tempo que você mora aqui?
- Desde que Sancha se casou com Santino.
Puxa, há quantos anos!
- Nossa família é do norte da Itália.
- Santino gostava muito de sua irmã? - perguntou Stephanie, sem poder
adiar sua curiosidade.
Pietro passou a mão no pescoço.
- Penso que sim, à maneira dele. Uma coisa é certa. Ele se desinteressou
completamente das outras mulheres depois da morte de Sancha.
- Como? Não entendo...
- Santino é homem, Stephanie. Os homens precisam de mulheres.
Stephanie corou e afastou a cabeça.
- Vamos? - sugeriu sem jeito, dirigindo-se para o carro.
Atravessaram o gramado ao lado da casa e passaram por um portão branco
que formava uma barreira no alto do morro. Um caminho estreito de
cascalho levava ao sopé do morro. Lá embaixo estava a baía de Fortezzo, um
dos pontos mais pitorescos da ilha. Stephanie descontraiu-se e olhou para
fora. Avistou o castelo do alto do morro, imponente e majestoso como
sempre. Parecia muito remoto e inacessível visto daquela distância. Pietro
desceu do carro e abriu a porta do seu lado.
- Vamos fazer o resto do caminho a pé.
Ele foi na frente por uma trilha aberta na encosta, de onde se avistava uma
extensão da praia que ia terminar na enseada. Não havia lugar para sentar
na areia, mas as pedras altas eram abrigos naturais contra o sol e o vento.
Stephanie olhou em volta e escolheu uma bem grande para trocar de roupa.
- Eu vou vestir meu calção aqui mesmo - disse Pietro, surpreendendo seu
olhar. - Vire o rosto. Stephanie se afastou com um risinho enquanto Pietro
desabotoava a camisa com a maior naturalidade desse mundo. Ela teve
alguma dificuldade no entanto em trocar de roupa na gruta apertada.
Quando terminou, avistou a cabeça dele surgir na superfície da água. Ele
acenou na sua direção, chamando-a para entrar na água. Stephanie levou as
mãos aos cabelos. Não tinha touca de banho e os cabelos iam ficar
encharcados. O que podia fazer? Seu único receio, no fundo, dizia respeito a
Santino.
Como podia esconder que fora à praia se voltasse para casa com os cabelos
molhados?
Tomando coragem, afastou os pensamentos negativos da cabeça e mergulhou
nas águas mansas da enseada e nadou em direção a Pietro.
Os dois passaram meia hora dentro da água. Nadaram, boiaram, pegaram
jacaré e se divertiram como duas crianças. Fazia muito tempo que Stephanie
não se sentia tão bem disposta. Quando saíram finalmente do mar e foram
sentar em cima das pedras, ela estava cansada mas imensamente feliz.
Pietro estendeu-se ao comprido ao seu lado. O sol queimava a 'pele com
intensidade e alguns minutos depois o biquíni estava completamente seco.
Pietro, deitado de bruços, com a cabeça apoiada no braço, observava-a com
o olhar indolente, enquanto ela protegia os olhos com o braço estendido.
- Está contente de ter vindo?
- Você sabe porque vim para a Sicília. Quanto à praia... estou muito contente
de ter vindo. Você teve uma idéia maravilhosa. - Ela olhou para o alto. - Que
horas são? Não está na hora da gente voltar?
- São nove e meia - disse, colocando o relógio no pulso.
- Já? - exclamou Stephanie assustada. - Meu Deus, faz mais de uma hora
que estamos aqui!
Pietro deu um suspiro, virou de costas e espreguiçou-se com indolência.
- Não se assuste. Santino não acorda antes das dez. Ele dorme sempre
muito tarde, E Lucia?
- Deve ter tomado café com Maria.
- Maria... quem é Maria?
- A babá. Você não a encontrou ainda?
- Não. Eu não sabia que Lucia tinha uma babá.
- Maria é uma velha que não sabe ler nem escrever. Ela só serve para fazer
companhia a Lucia. - De qualquer forma... - Stephanie apanhou a calça
comprida estendida na areia e vestiu-a por cima do biquíni. - Eu não sabia
que havia mais alguém na casa. Seria interessante você me contar como é o
sistema no castelo.
- Bem, é muito simples. Maria toma conta de Lucia. Dá banho nela, ajuda-a a
vestir-se e lhe faz companhia a maior parte do dia. No fundo, é uma
perfeita babá.
- E os outros empregados?
Pietro vestiu a calça.
- Não são muitos. Sophia você conhece. Depois tem Dominica, a cozinheira,
Carlos, o jardineiro, e uma mocinha que vem todos os dias da vila para ajudar
Sophia a arrumar a casa. São só esses. Sem falar em Mario, Giulio e eu que
fazemos parte da quadrilha permanente de Santino. Num certo sentido, nós
também somos empregados da casa. Mario é o mais dedicado de todos. Ele
tem verdadeira adoração por Santino.
- Entendo. Mas como é que Lucia e eu vamos conversar uma com a outra? Ela
não fala uma palavra de inglês e não entende meu italiano macarrônico. . .
- Eu ainda não ouvi você falar italiano. Diga alguma coisa para eu ver.
Stephanie apanhou a toalha caída no chão.
- Ah, eu tenho vergonha. Meu italiano é péssimo.
- Diga assim mesmo, só para eu ter uma idéia. O que você sabe falar?
- Uma meia dúzia de palavras.
- Eu vou ensinar a você uma porção frases, as mais usadas no cotidiano.
Enquanto isso, diga alguma coisa para mim. Por exemplo: "Bom dia, como está
passando?" Stephanie deu um sorriso sem graça.
- Está bom, vou tentar... Buon giorno, come stà lei oggi?
Pietro caiu na gargalhada.
- Sua pronúncia não é das melhores, cara, mas acho que você vai fazer
progressos rapidamente. Lucia vai entender o que tiver vontade de
entender. Morou?
- Morei.
- Bene. Vamos, então.
Caminharam por cima das pedras e pegaram a mesma trilha por onde tinham
descido. Chegaram ao castelo sem nenhum incidente. Quando entraram na
sala da frente, Santino estava sentado no canto da mesa, conversando ao
telefone. Havia ruídos de atividade pela casa inteira e Stephanie teve a
impressão de que se ausentara mais tempo do que seria normal no primeiro
dia que estava no castelo.
Santino despediu-se por fim do seu interlocutor e voltou-se para os
dois com o rosto interrogativo. Na calça creme de linho, bem justa no corpo,
a camisa azul-marinho, amarrada na frente com um cordão branco, ele tinha
um aspecto bem diferente do italiano bem-sucedido, impecavelmente
vestido que Stephanie conhecera em Londres. Embora a roupa esporte que
vestia aquela manhã fosse tão elegante quanto os ternos que usava
habitualmente na cidade. Santino olhou de relance para Pietro e fixou sua
atenção em Stephanie.
- Acho bom você tirar o biquíni molhado do corpo, Stephanie, para não se
resfriar no primeiro dia que passa aqui.
Stephanie corou como um pimentão, sentindo-se terrivelmente culpada por
ter ido à praia com Pietro. Tinha a impressão exata de que Santino vira os
dois em cima das pedras, que acompanhara de longe cada uma de suas ações.
A sensação era mortificante e humilhante ao mesmo tempo.
- Meu biquíni está seco! - disse com irritação. - Além disso, não sabia que
estávamos sendo vigiados.
Santino levantou-se da posição negligente em que estava e observou os dois
com um sorriso nos lábios.
- Você voltou de mau humor, querida? Foi Mario que me contou onde vocês
estavam. O que você faz me é completamente indiferente. Eu estava apenas
fazendo uma sugestão para seu próprio bem. Não podia imaginar que seria
mal recebida.
Stephanie não podia sentir-se mais humilhada na vida. Louca de raiva e de
frustração, fez meia-volta e subiu correndo a escada em direção ao quarto.
Após ter fechado a porta, atirou-se na cama e afundou o rosto no
travesseiro. Como ele podia falar com ela nesse tom? Por que a tratava com
tanta indiferença? Não tinha porventura nenhuma idéia de decência?
Por mais absurdo que fosse o casamento, os dois eram marido e mulher, para
todos os efeitos!
Levantou-se e foi ao banheiro. Tirou a roupa do corpo e entrou embaixo do
chuveiro, escorrendo os cabelos que estavam pegajosos da água salgada.
Era meio-dia quando saiu do quarto e desceu a escada em direção ao andar
térreo. Estava vestida com uma blusa amarela de algodão e uma saia creme.
Embora os cabelos não estivessem completamente secos, prendeu-os atrás
da cabeça, de modo que pareciam lisos e bem arrumados.
Não encontrou ninguém no hall. No entanto, ao dirigir-se à sala de estar,
ouviu vozes que vinham dali. Ao chegar à porta, avistou Santino e Lucia
deitados no tapete, brincando como duas crianças. Lucia empurrava o pai
para trás e Santino a levantava no alto com uma gargalhada.
Havia algo ao mesmo tempo comovente e inquietante naquela cena,
Stephanie os observou com uma emoção estranha. Era um misto de alegria e
de tristeza, e ela indagou consigo mesma como seria se Santino agisse
sempre com a mesma naturalidade.
No momento em que ele tornou a levantar a filha nos braços, avistou-a
parada junto da porta. Interrompeu a brincadeira e colocou a menina no
chão. Lucia ficou parada perto do pai, com o braço passado em volta de sua
cintura.
- Ah, você apareceu finalmente - disse Santino. - Então, está preparada
para assumir a condição de dona-de-casa?
Stephanie endireitou os ombros e passou a língua nos lábios secos.
- Eu não fazia idéia que você tinha urgência. Como você não dá nenhuma
importância ao que eu faço ou não faço. . .
- O que você queria? - interrompeu Santino com impaciência.
Que eu acompanhasse atentamente suas ações?
Stephanie torceu as mãos com nervosismo. Lucia acompanhava a conversa
com os olhos arregalados e ela não tinha vontade de discutir com Santino
diante da menina.
- Eu ainda não fui apresentada a Lucia - disse - Ah, desculpe esse
esquecimento da minha parte - disse Santino com ironia, voltando-se para a
filha pequena. - Mas isso vai ser remediado imediatamente. Lucia... essa é
sua nova mamãe. Questa e mamma, si.
Stephanie olhou sem jeito para Santino.
- Ela pode me chamar de Stephanie, se quiser.
- Por quê? - indagou Santino encarando-a com frieza. - Você vai ser a mãe
dela, em todos os sentidos da palavra.
- Eu sei, mas essa palavra implica uma certa permanência. . .
- E sua presença aqui não é permanente?
Stephanie sentiu um aperto no coração. Ela ia morar realmente naquela casa
a vida inteira? Não havia uma saída para esse acordo absurdo que aceitara?
Engoliu em seco, com uma impressão de ânsia no estômago.
Até aquele instante conseguira relegar todas as implicações de sua decisão
para uma parte remota da mente. Agora, no entanto, a realidade indiscutível
surgia na sua frente, sem nenhum disfarce e com da o sentido de
irremediável que pressentira na noite anterior.
CAPITULO VII
Ela não o avistou mais antes do momento da partida. Não sabia nem mesmo
para onde ele ia. Santino não dissera nada e ela não se dignara a perguntar.
Jantou sozinha na pequena sala de almoço. Santino estava muito ocupado e
comeu alguma coisa no escritório. Embora ela preferisse não ser obrigada a
discutir com ele durante a refeição, o jantar solitário foi mais insuportável
do que sua companhia. Acabou levando a bandeja para o quarto de dormir, a
fim de esquivar-se ao olhar interrogador de Sophia.
Sentou-se na pequena sacada e contemplou as ondas que quebravam nas
pedras, enquanto pensava consigo, tomada de tristeza e de desânimo, se ia
suportar por muito tempo a permanência no castelo.
Na manhã seguinte, dormiu até tarde. Passava das nove quando desceu ao
andar térreo. Encontrou uma moça que não conhecia no hall e imaginou ser
Teresa, a criada que vinha ajudar Sophia nas tarefas da casa.
- Buon giorno - disse Stephanie, com um sorriso.
- Buon giorno, signora. A vete fato colazione?
Stephanie balançou a cabeça tentando adivinhar o sentido da, pergunta.
Provavelmente a moça queria saber se ela desejava tomar café.
- Si, grazie - respondeu com um sorriso, sentindo-se muito feliz de ser
entendida pela rapariga.
Ao contrário do que podia esperar, contudo, a moça continuou a varrer e a
espanar a sala como se a resposta dela fosse negativa. Teresa entendera,
pelo visto, que Stephanie já tinha tomado café. Stephanie deu um suspiro de
impaciência. Foi só então que avistou Pietro perto da porta, com um sorriso
no canto dos lábios.
- Por que você está rindo? - ela perguntou com irritação. - Você também não
ia viajar com Santino?
- Você preferia que eu fosse?
- Ué, Santino disse...
- Santino viajou com Mario. Eu fiquei para tomar conta de você.
- Ah, é bom saber. Mas por que você está rindo?
- Porque você está morta de fome e ninguém lhe serviu café...
- Só podia estar! Acabei de acordar nesse minuto.
- Por que você não pede a Teresa para lhe trazer o café?
- Eu pedi! - exclamou Stephanie, com vivacidade. - Mas ela não entendeu e
continuou a varrer a sala.
- Claro. Ela perguntou se você tinha tomado café e você disse que sim.
- Ah, bolas! Eu entendi o contrário, se eu queria tomar café. Foi por isso que
respondi, sim, quero.
Pietro caiu na risada.
- Foi isso que pensei. Mas não há de ser nada. Vamos remediar essa pequena
confusão.
Deu alguns passos na direção do hall e chamou a empregada em voz alta.
Teresa apareceu e Pietro pediu-lhe que trouxesse o café da signora.
Teresa entendeu finalmente o que tinha ocorrido, sorriu encabulada e
dirigiu-se à cozinha.
- Bene. Está tudo resolvido - disse Pietro, voltando-se para Stephanie. - Ela
vai levar o café na biblioteca. Só assim eu lhe faço companhia.
Stephanie sorriu e acompanhou Pietro até a sala de trabalho de Santino.
Afundou numa poltrona com um suspiro de alívio.
- O que foi? .
- Ah, Pietro, como eu posso ensinar inglês a Lucia se não sei uma palavra de
italiano?
- Logo você vai aprender. Vou lhe ensinar alguma coisa nesses dias. Pietro
afastou os papéis da mesa e sentou-se no canto, na frente dela.
- Não é difícil como você está imaginando. Vamos inventar um sistema para
você aprender rapidamente algumas frases novas todos,os dias, frases que a
gente usa sempre na conversa. Por exemplo, "Eu estou morta de fome".
Stephanie deu uma risada sem querer. Pietro era realmente uma simpatia e
tirava qualquer pessoa da fossa.
- Onde está Lucia? - perguntou ela.
- Com Maria, acho. As duas tomam café as oito e depois vão para o quarto
dos brinquedos.
- Lucia brinca com alguém?
- As vezes. Teresa tem irmãos e irmãs de sua idade que vêm algumas vezes
ao castelo.
- Quando Santino está aqui?
-É.
- Acho que podemos alterar esse sistema - disse Stephanie,
pensativamente.
Teresa entrou nesse instante com a bandeja do café e a colocou na frente
de Stephanie. Ela serviu as duas xícaras e estendeu uma para Pietro. Provou
em seguida as rosquinhas amanteigadas feitas no, forno da cozinha. Estavam
uma delícia e Stephanie gostou mais dessa refeição matinal, na companhia
divertida de Pietro, que de todas as outras que tomara desde sua chegada.
Depois do café, Pietro acompanhou-a ao quarto dos brinquedos. Stephanie
teria preferido, naturalmente, que Pietro estivesse presente na primeira
aula para ajudá-la, mas não podia tomar todo seu tempo. Assim, com seu
livro de italiano embaixo do braço, ela entrou com um certo receio no quarto
dos brinquedos de Lucia.
Lucia tinha quatro aposentos no castelo. Um quarto grande onde estavam
todos os seus brinquedos e jogos, uma saleta menor onde ficava o aparelho
de televisão e o sofá, o quarto de dormir, inteiramente decorado com
motivos infantis, e, finalmente, a sala de banho, com uma pequena banheira
de louça esmaltada. Lucia acompanhou Stephanie em sua visita pelas
diversas dependências do castelo sem dizer uma palavra.
Quando voltaram ao quarto dos brinquedos, ela apanhou uma caixa e
mostrou a Stephanie seus brinquedos favoritos.
Stephanie ficou contente com esse gesto da menina. Era um bom sinal no
início do relacionamento que as duas pretendiam manter no futuro. Depois
de mostrar os brinquedos durante alguns minutos, Lucia ficou com ciúme do
ursinho de pelúcia um dos seus bichos preferidos - e o arrancou com
impaciência das mãos de Stephanie. Jogou-o com maus modos dentro da
caixa de papelão e foi refugiar-se no colo de Maria.
Stephanie sorriu e não fez nenhum comentário. Levantou-se em seguida da
cadeira onde estava sentada e dirigiu-se à porta. Não queria apressar as
coisas e fazer amizade com Lucia era uma tarefa mais difícil do qúe
imaginava, sobretudo porque a menina vivera até então uma existência
praticamente isolada. Pietro lhe fez companhia à hora do jantar e os dois
conversaram muito.
Debateram o problema de Lucia e do castelo, comentaram as viagens
freqüentes de Santino, riram às gargalhadas com alguns casos pitorescos
ocorridos na ilha. Pietro era um excelente contador de histórias e
Stephanie aprendeu muita coisa sobre Santino sem querer. Ficou sabendo,
por exemplo, que ele era adepto de inovações que melhoravam a condição de
vida dos colonos, como hospitais, escolas, centros de bem-estar social,
ambulatórios. Santino mandou vir de fora especialistas para tomar conta e
dirigir esses estabelecimentos. Ele tratava os colonos como criaturas
humanas merecedoras de toda simpatia e exigia de volta uma lealdade à
toda prova. Se era inflexível quando se tratava de negócios, era
extremamente humano com tudo que dizia respeito ao bem-estar dos
moradores da ilha. Mesmo assim, possuía uma certa arrogância que lhe era
natural, e ninguém podia dizer que ele se identificava intimamente com a
gente humilde. No fundo, era um grande proprietário de terras que
acreditava nos bens de raiz, embora tratasse os colonos com uma dedicação
extrema.
Essa pelo menos era a opinião de Pietro.
- O que você acha da vida no castelo, agora que a conhece um.
pouco mais? - perguntou Pretro, num intervalo da conversa.
Stephanie ficou indecisa. Segurou o copo de conhaque com as duas mãos
antes de responder. .
- Não sei. Ainda não tive tempo para examinar tudo em detalhe.
Passei a manhã com Lucia e à tarde dei uma volta pelo jardim.
- Sophia não se ofereceu para lhe mostrar os arredores?
- Que esperança! Sophia me trata como se eu não existisse. Mas eu vou dar
um jeito nisso. O que ela está pensando? Que eu vou abaixar a cabeça e
aturar seu mau humor?
- O que você vai fazer?
- Eu tenho meu sistema - disse Stephanie, com um sorriso misterioso.
Terminou de beber o conhaque e colocou o copo vazio em cima da mesa. -
Ah, fiquei encantada com o jardim, com os canteiros de flores. Eu fazia
idéia que a ilha fosse árida, por causa do vento e do ar marinho.
- Esse jardim era o orgulho de Sancha. Foi ela que mandou instalar água
encanada na varanda, para regar os canteiros de rosas. Ela adorava as rosas.
- E do que mais ela gostava? Fale-me um pouco sobre sua irmã, Pietro. Tenho
muita curiosidade em saber.. .
- Não há muito que contar.
- Como ela conheceu Santino?
- Os dois foram criados juntos. Eram quase da mesma idade. Sancha ia
fazer trinta e oito anos em agosto, se estivesse viva.
Trinta e oito anos!
- Que idade ela tinha quando Lucia nasceu?
- Uns trinta e poucos anos. Estava convencida que não podia ter filhos.
Quando finalmente ficou grávida, depois de muitos anos de casada, Sancha
passou muito mal e Santino consultou diversos médicos até levá-la para
Londres, onde foi internada numa maternidade. Foi uma época terrível na
vida do casal. Sancha não voltou mais a si depois do parto.
Santino quase enlouqueceu de dor.
Stephanie ouviu a história, comovida. A lembrança do caso ainda abalava
profundamente Pietro. Era natural que Santino dedicasse à primeira mulher
um verdadeiro culto.
- No início, Santino pôs a culpa nos médicos. Afirmava para quem quisesse
ouvir que deviam ter salvo a vida da mãe antes de mais nada.
Podiam ter feito uma operação cesariana, em último caso. Foi somente mais
tarde, porém, que Santino ficou sabendo a verdade. Sancha dera instruções
expressas no sentido de ter um parto natural. Ela queria ter a experiência
do parto em toda sua realidade e pediu aos médicos para não contarem nada
a Santino. Quando ele ficou sabendo disso, era tarde demais.
- Que horror!
Pietro balançou a cabeça em silêncio.
- Santino vai ficar uma fera se souber que contei essa história. Isso é
segredo na família...
- Fui eu que insisti para saber.
- Não há de ser nada. Eu agüento as conseqüências - disse Pietro, com um
sorriso.
CAPITULO VIII
- Não é possível!
Stephanie levou as mãos à boca, horrorizada com a notícia.
- Mas é! - disse Pietro, passando os dedos entre os cabelos. - Leve Lucia
embora, Maria.
Lucia porém não queria sair no meio da discussão. Maria tentou arrastá-la à
força, mas a menina correu na direção de Stephanie e agarrou-se nas pernas
dela como fazia habitualmente com as do pai.
- Se ela não quer ir embora, pode deixar - disse Pietro, fazendo sinal para
Maria se retirar da sala. - O que aconteceu exatamente? perguntou, depois
que a babá saiu.
Stephanie deu um suspiro de cansaço, soltou os braços de Lucia da sua
perna e lhe estendeu a mão.
- Pouca coisa, na realidade. Disse a Sophia que desejava tomar parte da
direção da casa.
- Você disse isso? - perguntou Pietro, perplexo.
- O que tem isso de mais? Eu não vou vegetar como um legume, alheia às
coisas que se passam aqui. Eu sou a mulher de Santino, bolas, pelo menos no
nome. Ele não pode querer decidir tudo sozinho. Eu também mereço um
certo respeito, ué!
Pietro passou com nervosismo os dedos entre os cabelos soltos.
Que confusão você aprontou, cara.
- Para onde eles foram? Não ouvi ninguém sair daqui.
- Eles simplesmente pegaram suas coisas e saíram. A vila onde moram é
perto daqui e todos eles, com exceção de Teresa, têm suas famílias.
Cario é o marido de Dominica.
- Sinto muito, Pietro, mas eu não podia prever essa reação por parte deles.
E agora, o que se pode fazer?
- A única solução é conversar com Sophia e dizer que ela compreendeu mal
suas palavras.
Stephanie fixou-o incredulamente.
- Você está sonhando! Eu pedir desculpas a Sophia? Contrato outros e
pronto!
- Quem vai trabalhar para você? - perguntou Pietro, com o olhar parado. -
Essa gente é terrivelmente leal. Eles não virão trabalhar aqui em hipótese
alguma se souberem que estão tomando o lugar de Sophia e dos outros.
- Nesse caso, a 'solução é procurar empregados numa outra parte.
- Não, isso não resolve. Sophia e os outros têm que voltar para aqui.
Você já imaginou o que Santino vai dizer? Sophia trabalha na casa há mais
de trinta anos. Santino era um moleque quando ela veio para cá.
Ela é uma espécie de mãe postiça. . .
- Eu não sabia disso - murmurou Stephanie, com um tremor nervoso. - De
qualquer forma, não vou me humilhar diante dos empregados.
Eu não fiz nada errado. Eu não despedi ninguém. Sophia sentiu-se ofendida
porque eu me conduzi como uma mulher emancipada e não como uma covarde.
Na Inglaterra, dona-de-casa inglesa que se ela trabalhar!
- Mas nós não estamos na Inglaterra, cara.
- Eu sei que não estamos, mas eu também não sou siciliana, caro. Como
ficamos, então?
Pietro mordeu o lábio com nervosismo.
- Só há uma solução. Eu vou conversar com Sophia.
- E o que você vai dizer?
- Não sei ainda. - Ele passou a palma úmida da mão na nuca. Posso tentar
convencê-la de que você tinha somente a intenção de supervisionar tudo do
alto, sem interferir em casa.
- Mas não é verdade. Eu disse a eles que tinha a intenção de trabalhar com
cada um para ver quais eram exatamente suas funções aqui. Eu posso fazer
esses serviços como qualquer pessoa. Fiz um curso de trabalhos domésticos
e passei com nota dez!
- Está bom, está bom, não vamos brigar por causa disso! Eu concordo que
você tem razão de sobra para se sentir entediada aqui sem fazer nada e que
seus motivos são legítimos. Mas isso não altera o fato de que Sophia goza de
uma situação privilegiada nesta casa. Você não pode simplesmente mandá-la
embora, sem mais nem menos. .
- Mas eu nunca pensei nisso! Pietro, procure entender. Eu quero assumir
minha função de dona-de-casa. Se vou morar aqui, é natural que assuma
certas responsabilidades.
- Mas quando Sancha estava viva. . .
- Ah, eu sabia que você ia dizer isso! Eu já sei. Sophia me falou.
Sancha deixava os empregados dirigirem a casa sem interferir em nada.
Mas o que ela fazia? Com o que ela se ocupava?
- Ela fazia muitas coisas.
- Quais, por exemplo? - perguntou Stephanie, com impaciência.
Fazia jardinagem ou bordados?
- Entre outras coisas. Você viu as pinturas que estão na sala? Foi ela que
pintou.
- Ah, é? Eu não sabia.
- Sancha levava uma vida muito retirada. Cuidava do jardim, bordava,
costurava e, quando estava meio deprimida, pintava naturezas mortas,
paisagens. . .
- Infelizmente, eu não sei fazer nenhuma dessas coisas. Sei quando muito
cerzir meias e arrancar ervas daninhas dos canteiros... Mas não tenho
nenhum talento artístico. Agora eu entendo por que Sophia se referia a
Sancha como uma perfeita dona-de-casa.
- Bem, isso não vem ao caso. Nosso problema no momento é fazer o jantar!
As pessoas acharam graça! Imagine só uma queixa porque os empregados
não deixam
Stephanie olhou para Lucia que parecia entediada com a conversa
interminável entre os adultos.
- Eu posso cuidar disso.
- Você? - exclamou Pietro, com os olhos arregalados.
Stephanie limitou-se a balançar a cabeça e atravessar a sala em direção à
cozinha. Ao chegar lá, deparou-se com uma cena desanimadora. A cozinheira
tinha ido embora no meio do jantar. Deixara os legumes descascados em
cima da pia e uma porção de panelas sujas em cima do fogão.
Atrás da porta, pendurado num cabide, estava um avental enorme que
Stephanie passou na cintura. Começou a limpar as panelas sujas e os pratos
empilhados na pia. Felizmente, o fogão de lenha estava aceso e tinha água
'quente à vontade. Por outro lado, a atmosfera da cozinha estava abafada e
Stephanie começou a suar profusamente.
Estava lavando uma panela quando Pietro entrou na cozinha e olhou
horrorizado para os braços e mãos cobertos de sabão.
- Dio mio, Stephanie, deixe isso pra lá. Vamos jantar fora!
Stephanie afastou um cacho de cabelos que caía em cima dos olhos.
Por quê? Será que eu não sou capaz de lavar essa louça?
Não é Ísso.
Ah, Pietro, vá dar uma volta no jardim enquanto termino isso aqui. Mais
tarde vamos conversar com calma, depois do jantar.
- O que você pretende fazer para o jantar?
Dominica deixou uma sopa pronta. Está guardada no forno. Eu vou esquentá-
la e podemos comê-la com pão e frios. Fora isso, há muitas frutas e queijos
na geladeira. Amanhã vou organizar o menu da semana.
Por hoje isso basta.
Stephanie voltou a limpar e arear as panelas. Não queria pensar nas reações
de Santino por enquanto. No momento havia outros problemas mais urgentes
para serem resolvidos, mil e uma coisas que até então tinham ficado a cargo
dos empregados. No dia seguinte, deveria limpar o fogão, fazer as camas,
espanar e varrer as salas e os quartos, preparar as refeições e comprar
mantimentos. Balançando a cabeça, esfregou com força o fundo da panela.
Primeiro uma coisa, depois outra. Uma de cada vez, sem correria nem
precipitação.
Nó momento, a coisa mais importante era fazer o jantar.
Acabaram comendo na copa, porque era mais prático. Pietro conversou com
Maria nesse meio tempo e a babá concordou em ficar. Stephanie respirou
aliviada ao ouvir a notícia. O que teria feito se tivesse que tomar conta de
Lucia, além de ocupar-se dos outros serviços do castelo?
Para Lucia, no entanto, tudo era novidade. Depois do jantar, Stephanie deu a
ela um pano de pratos e ensinou-a a enxugar os talheres.
Apesar de sua idade, Lucia fez o serviço com cuidado, sem derrubar nada no
chão, embora Maria a observasse com um certo nervosismo.
No momento em que Stephanie foi para a cama aquela noite, estava
completamente exausta. Mas tinha a satisfação de saber que o fogão estava
limpo, que a mesa estava posta para o café da manhã e que todos iam dormir
de barriga cheia. Sua única preocupação ao deitar na cama era não perder a
hora na manhã seguinte, porque tinha a impressão de que podia dormir uma
semana a fio.
CAPITULO IX
CAPITULO X
Estava escuro quando ela abriu os olhos. Permaneceu alguns segundos tonta,
sem saber onde estava e o que tinha acontecido. Em seguida, quando sua
mente voltou a funcionar normalmente, lembrou-se de tudo e uma sensação
insuportável de desânimo tomou conta de si. Fechou os olhos e tentou
mergulhar novamente no esquecimento, mas de nada serviu.
Estava desperta agora e o corpo jovem e saudável não queria sucumbir ao
sono.
Desceu da cama e foi até a porta, onde estava o interruptor da luz.
Em seguida, embrulhou-se no robe que deixara ao pé da cama e sentou-se no
banquinho da penteadeira. Mirou-se no espelho e ficou surpresa com a
palidez do rosto e com as olheiras fundas. Ela se lembrava vagamente de ter
chorado muito, encolhida no canto da cama.
Afundou o rosto nas mãos e apoiou os cotovelos na borda da penteadeira,
tremendo convulsivamente. O que faria agora? O que podia fazer?
Levantou a cabeça e viu no espelho o reflexo da porta do quarto de vestir.
Fazia apenas algumas horas que ela abrira aquela porta. Mordeu o lábio com
força, até doer. Por que tinha feito isso? Por que não procurara uma outra
ocupação, algo que não tivesse chamado a atenção de Santino?
Santino!
Os lábios inchados tremeram. Santino a humilhara muito além do que podia
imaginar. Agira com uma perfeita indiferença por seus sentimentos e a
recordação do que ocorrera horas antes era suficiente para fazê-la chorar
lágrimas amargas. Enxugou-as com as costas da mão. As lágrimas eram
inúteis agora. O que estava feito estava feito, e nada podia alterar isso.
Esfregou as mãos no rosto. Ele se conduzira como se quisesse puni-la.
Não tivera um gesto de ternura, nem antes nem depois. Os motivos de sua
ação estavam claros como o dia. Queria puni-la, humilhá-la, destruir as
ilusões românticas que conservava intactas. E tinha sido bem-sucedido, em
parte. Entretanto, a despeito de tudo, apesar da crueldade que
manifestara, a recordação mais amarga era ter sucumbido ao desejo, e não
havia nada que pudesse apagar essa lembrança de sua memória.
Levantou-se com um suspiro e foi ao banheiro. Tomou um banho demorado
de imersão com sais perfumados. Descansou o corpo e a mente na água
morna e esfregou o corpo vigorosamente com a esponja, na esperança de
apagar da pele todos os vestígios de seu contato. Depois enxugou os cabelos
e vestiu o roupão de banho. Era impossível descer até o andar térreo aquela
noite e correr o risco de encontrar-se novamente com Santino.
Ouviu a batida na porta com o coração apreensivo e hesitou um segundo
antes de atravessar o quarto e abrir. Era Sophia que estava do lado de fora,
com uma bandeja nas mãos. Ela entrou e colocou a bandeja ao lado da cama.
- Está passando melhor? .
- Estou, muito obrigada, Sophia - respondeu Stephanie sem jeito.
- O patrão pediu para não incomodá-la, mas eu pensei que podia estar com
fome, apesar de sua dor de cabeça.
- Onde está ele?
- Saiu há uma meia hora. Foi jantar com o senhor Marchesi e sua esposa.
- Ah, foi jantar fora. . .
- Ele não disse nada?
- Eu me esqueci completamente do que ele disse antes de sair. Essa dor de
cabeça. . .
- Ah, eu sei como é. Eu também tenho isso às vezes.. Deseja mais alguma
coisa?
- Não, muito obrigada, Sophia. Ah, antes que me esqueça... A porta do meu
quarto não tem chave?
Sophia ficou surpresa com a pergunta.
- Tem, sim senhora. Está no molho que lhe dei hoje à tarde.
- Ah bom, eu vou procurar. Até amanhã, Sophia, e mais uma vez muito
obrigada por ter me trazido o jantar.
CAPITULO XI
A carta de Pietro chegou três dias depois. Era breve e precisa, como se
fosse ditada pelo próprio Santino. Fora escrita no dia seguinte ao telegrama
e dizia tudo que era necessário saber. Santino fora operado do apêndice e
estava se recuperando rapidamente.
O resto da carta referia-se a assuntos gerais. O negócio em Nova Iorque
fora realizado satisfatoriamente mas Santino sofrera a crise de apendicite
antes de concluir as negociações em Tóquio. Devia por isso permanecer mais
duas ou três semanas lá, além do prazo previsto.
Stephanie recebeu a notícia com inquietação. Não tinha mais nenhuma
dúvida sobre sua condição e, segundo as previsões, somente daí a dois ou
três meses Santino estaria de volta ao castelo. Não podia esperar tanto
tempo. Os sinais da gravidez estariam evidentes no corpo esguio, sobretudo
para o homem que conhecia intimamente os contornos de seu físico.
Por outro lado, não podia partir do castelo e deixar Lucia sozinha.
A única solução seria encontrar alguém que a substituísse provisoriamente.
Confiou seus planos a Sophia, dizendo que precisava voltar para a Inglaterra
e que não podia esperar por Santino. Sophia ouviu com ansiedade a notícia e
foi difícil convencê-la de que a viagem de Stephanie era inadiável.
Finalmente, ela concordou com o inevitável e apresentou uma sugestão.
Camila, a irmã mais moça de Teresa, estava com doze anos e tinha terminado
o primário. Ela aceitaria o emprego de babá ou, se Stephanie preferisse,
podia ajudar na arrumação da casa enquanto Teresa tomava conta de Lucia
temporariamente.
A sugestão foi aprovada imediatamente. Lucia não teria que se habituar com
uma pessoa estranha. Conhecia Teresa há muitos anos e se dava muito bem
com ela. Muito em breve Santino estaria de volta e levaria Lucia consigo
para conhecer os países do continente. Lucia era muito pequena para se
apegar a alguém especialmente e logo se esqueceria de Stephanie.
Nesse meio tempo, Stephanie escreveu uma carta para Santino explicando
que seria mais fácil para os dois se não estivesse no castelo no momento de
sua volta. A carta era direta, fria, impessoal e ela hesitou algum tempo
antes de fechá-la no envelope e colocá-la pessoalmente em cima da sua mesa
de trabalho, para que ele a encontrasse logo que entrasse na sala.
O vôo para Londres transcorreu sem incidentes. Ela não avisou a ninguém
que estava de volta e seu desembarque no aeroporto internacional de
Londres foi um tanto melancólico. Tomou um táxi no portão do aeroporto e
rumou para o bairro onde seu pai morava.
Miller, a empregada da família há muitos anos, recebeu-a com uma
exclamação de surpresa, ao avistá-la sozinha na porta de casa.
- O que é isso, Stephanie? Você voltou sozinha? O que aconteceu?
- Pois é, Miller, eu voltei sozinha. Como estão todos em casa?
- Você não sabe? Seu pai está em Paris. Ele viajou para lá no mês passado.
- Em Paris? Eu não fazia a menor idéia - disse Stepbanie com a expressão
repentinamente desconsolada. - Quando vai voltar?
Miller balançou a cabeça lentamente.
- Pelo jeito, não vai voltar tão cedo. Seu pai agora é diretor de uma das
agências da companhia em Paris. Eu não sei como se chama exatamente, mas
sei que tem a ver com peças e equipamentos de aviões.
Stephanie sentou-se acabrunhada ao lado do telefone.
- Só faltava essa!
- Seu marido não falou nada? Foi ele que indicou seu pai para esse cargo.
-Eu não sabia de nada, Miller. Caso contrário não teria vindo aqui à procura
do meu pai.
Miller fitou-a em silêncio um instante.
- Que pena! E agora, o que você vai fazer?
Stephanie ouviu a pergunta com um nó na garganta.
- E Jennifer? Também foi para lá?
- Claro, ela embarcou no mesmo dia que seu pai. Estava muito animada com a
perspectiva de morar em Paris. Contou que tinham alugado um apartamento
muito lindo numa grande avenida, toda arborizada.
Stephanie sentiu uma ânsia de vômito. O que ia fazer agora? Embarcar para
Paris à: procura de seu pai?
- Eu venho aqui somente duas vezes por semana - explicou Miller. - Passo o
aspirador de pó e ventilo os quartos. Foi sorte você me encontrar aqui: O
resto do tempo a casa fica fechada.
Stephanie ouyiu a explicação com o rosto triste. Não podia morar sozinha
naquela casa fechada, evidentemente. Além disso, estava. com pouco
dinheiro e não queria hospedar-se num hotel.
Só havia uma única pessoa a quem podia recorrer num momento de
dificuldade: sua tia Evelyn.
Levantou-se, apanhou sua mala de mão e despediu-se da empregada.
- Vou andando, Miller. Vou dar um pulo na casa da minha tia. Você tem o
endereço de papai em Paris?
- Tenho sim. Um minuto que vou pegar.
Santino podia ter contado a ela, antes de embarcar para o Japão.
- Há quanto tempo papai está em Paris, MilIer?
- Umas três semanas, mais ou menos.
Após despedir-se de Miller, Stephanie tomou um táxi para a casa da tia.
Estava escurecendo rapidamente e o vento frio arrepiou seu corpo, apesar
da roupa grossa que usava. Apertou o casaco forrado em volta dos ombros e
afundou no banco do táxi.
As luzes da janela estavam acesas quando desceu do táxi. Tocou a
campainha na entrada e aguardou um minuto antes que alguém atendesse.
- Quem é? - perguntou uma voz de mulher pelo vão da porta entreaberta.
Stephanie reconheceu imediatamente a velha criada da tia.
- Betsy, sou eu, Stephanie. Titia está?
A porta se abriu mais um dedo e a empregada olhou para fora com
desconfiança.
- Stephanie! Que fim você levou, menina?
Como vai você, Betsy? Abra por favor que eu estou gelando aquifora!
- Betsy! Betsy! Quem é?
A voz estridente da tia ecoou pela sala da entrada. Betsy afastou-se e
Stephanie entrou no momento em que a tia acendeu a luz do hall.
- Stephanie, que surpresa agradável! - exclamou a tia. - Betsy, o que você
está fazendo parada aí? Convide minha sobrinha para entrar! Venha até
aqui, minha querida. Betsy, traga um chá e aqueles bolinhos que você fez
para o lanche. . .
- Pois não, dona Evelyn.
Evelyn examinou com atenção a fisionomia abatida de Stephanie e levou-a
pelo braço para o calor da sala de visita, onde a lareira estava acesa.
- Que surpresa é essa, minha querida? Eu pensei que você estava na Sicilia.
Santino veio com você?
Stephanie reclinou-se nas almofadas do sofá e desfrutou o bem-estar
aconchegante do ambiente familiar.
- Não, ele não veio comigo. Eu vim sozinha. Nós nos separamos.
- Não diga! - exclamou Evelyn espantada. - Vocês brigaram?
Por quê?
- Isso era de esperar. Nosso casamento foi um fracasso desde o primeiro
dia, como você sabia. Não é surpreendente que tenha chegado ao fim...
- E onde está Santino? Você sabia que seu pai está em Paris?
- Não, eu não sabia. Santino não me disse nada. Eu passei em casa e Miller
me contou as novidades.
- E Santino, onde está no momento?
- Em Tóquio. Ele sofreu uma crise de apendicite e foi operado lá mesmo.
Mas eu acho que já está quase bom.
- Mas você não tem certeza?
- Ah, titia, não seja implicante! Como posso saber se ele já ficou bom?
- Escrevendo para ele.
- Mas nós estamos separados, você não entende?
Evelyn ouviu a resposta em silêncio.
- Você não vai perguntar por que eu vim aqui? .
- Bem, imagino que seja porque seu pai está em Paris e você não tem mais
ninguém para procurar.
- Pois é. Você vai me receber em sua casa?
- Que dúvida! Eu sou sua tia, menina. Sou a primeira pessoa que você deve
procurar num momento de dificuldade.
- E papai, titia, por que ele foi para Paris? O que aconteceu com a
companhia?
Evelyn hesitou um instante antes de responder.
Eu sei que Jennifer e você venderam as ações. Santino me contou.
- Pois é. Imagino que seu pai aproveitou a oportunidade.
- Que oportunidade?
- Santino lhe ofereceu um bom emprego. Agora ele é diretor da agência,
sem ter que agüentar com as responsabilidades econômicas. A sugestão
agradou, a todo mundo, inclusive a Jennifer, que está adorando Paris.
- É bom saber que estão todos contentes...
Evelyn balançou a cabeça e fitou-a com atenção.
- E você, minha filha? O que aconteceu com você? Você está com o rosto
abatido. Não me diga que está grávida.. .
Stephanie engoliu em seco. Somente sua tia podia adivinhar as coisas com
essa rapidez. Ela acabara de dizer que se separara de Santino.
Queria ter a coragem de negar a verdade, mas a angústia estava visível nos
seus olhos e a expressão da tia se transformou de repente numa fisionomia
compreensiva. .
- Ah, pobrezinha... Eu sempre digo as coisas nos momentos errados. -
Apertou as mãos de Stephanie com ternura. - Mas é verdade, não é mesmo,
filha? Eu estou vendo no seu rosto. Mas por que você saiu de casa numa hora
dessas?
Vencida pela simpatia e compreensão que estavam visíveis nos olhos da tia,
Stephanie narrou entre lágrimas todos os sentimentos recalcados dos
últimos meses.
Era fantástico como tudo parecia mais bonito à luz do dia. Com o sol
atravessando as cortinas e os ruídos da rua que subiam até o quarto,
Stephanie continuou deitada algum tempo refletindo sobre seu futuro.
Na noite anterior, ela e a tia conversaram até tarde.. Evelyn achou que ela
agira precipitadamente ao sair de casa sem aguardar a volta de Santino.
Stephanie porém voltou a repetir que não desejava nada dele, muito menos
sua compaixão. Tudo no fundo não passara de uma aventura irresponsável.
Ao partir do castelo sem esperar sua volta, ela facilitara as coisas para
todos.
Num ponto, porém, Evelyn mostrou-se inflexível. Stephanie devia
permanecer algum tempo em sua casa até decidir o que pretendia fazer.
Quando Stephanie mencionou o assunto do dinheiro, Evelyn disse que ficaria
ofendida se voltasse a falar nisso outra vez.
Stephanie aceitou ficar provisoriamente em casa da tia. Estava contente, no
íntimo, com essa decisão. Era bom poder contar com alguém num momento
de aperto. Muito em breve teria que assumir de novo a responsabilidade por
suas ações e esse período passado em casa da tia seria uma espécie de
convalescença para recuperar as forças.
Ela descansou realmente nas semanas seguintes. Tia Evelyn era uma criatura
excepcionalmente - generosa que a deixava tão à vontade como se estivesse
na sua própria casa. Além disso, como passava a maior parte do tempo
ocupada com suas atividades, não interferia nos programas da sobrinha.
Jogava bridge com as amigas e fazia parte de diversas instituições de
caridade, além de ser presidente de uma sociedade de auxílio mútuo.
Stephanie, no entanto, raramente saía de casa. Perdera completamente o
contato com suas amigas de solteira. Certa noite pensou telefonar para
Allan, pata saber como ele estava, mas mudou de idéia no último momento.
Não adiantava reatar um relacionamento que fora insatisfatório na primeira
vez, sem falar que Allan contaria naturalmente aos conhecidos o que ela
desejava silenciar.
Preferiu por isso guardar o anonimato, saindo apenas o estritamente
necessário. Não escreveu nenhuma carta para Santino nem para qualquer
outra pessoa do castelo, embora pensasse freqüentemente em Pietro e em
Lucia. Durante o dia conseguia distrair-se, mas nas horas silenciosas da
noite seus pensamentos voltavam a atormentá-la. Com isso sua saúde
deteriorou.
Seguindo o conselho de sua tia, Stephanie marcou hora no médico.
Após o exame clínico geral, ele constatou imediatamente sua gravidez.
- Onde está seu marido? - perguntou o médico ao ver o resultado dos
exames na sua frente.
- Nós estamos separados - disse Stephanie sem jeito.
- Seu marido é inglês?
- Não, é siciliano.
O médico ouviu a resposta com surpresa.
- Siciliano? Curioso... E não há possibilidade de uma reconciliação entre os
dois?
- Não, não há - respondeu Stephanie com firmeza.
- Bem, nesse caso, vou lhe receitar uns comprimidos para dormir.
Além disso, você deve comer mais e fazer força para engordar um
pouquinho. Você está abaixo do seu peso e isso não é muito aconselhável
durante a gravidez. . .
- Mas eu estou me sentindo muito bem - disse Stephanie.
- Acredito. Você está bem de saúde, mas um pouco magra para sua altura.
Espero que da próxima vez que vier aqui você esteja dormindo sem auxílio
desses comprimidos...
- Vou fazer o possível, doutor - disse Stephanie com um sorriso,
despedindo-se do médico.
Dezembro foi um mês horrivelmente frio. A neve caiu mais cedo do que nos
outros anos, a temperatura desceu alguns graus abaixo de zero, as estradas
estavam escorregadias e perigosas. Stephanie recebeu uma visita do pai no
início do mês. Embora conversassem sobre diversos assuntos ela não disse
nada sobre a gravidez. Disse que ficaria em casa da tia até as férias do
Natal e que depois pretendia alugar um apartamento. Seu pai, por sua vez,
estava muito contente com o trabalho em Paris e Jennifer estava
simplesmente adorando a vida que levava na cidade maravilhosa.
Faltavam apenas algumas semanas para o Natal e Evelyn passava a maior
parte do tempo organizando festas e comemorações para pessoas de idade
sem família. Outras noites, ia jogar bridge com as amigas ou assistir alguma
peça nova nos teatros. Stephanie estava se habituando a passar as noites
diante do aparelho de televisão. Vez por outra tinha a companhia de Betsy,
mas como as duas tinham preferência por programas diferentes, a
empregada preferia assistir aos programas favoritos na cozinha ou no seu
quarto.
Certa noite em que Stephanie estava sentada na sala diante do aparelho de
televisão, ouviu a campainha da frente tocar. Betsy tinha saído para visitar
uma amiga e Evelyn fora a um jantar beneficente e não ia voltar antes das
onze. Levantou-se surpresa do sofá e olhou instintivamente para o relógio.
Eram quase nove horas.
Ficou ligeiramente apreensiva com a perspectiva de atender sozinha a porta
da rua. Ouvira tantas histórias de assaltos ultimamente que sua cabeça
estava repleta de lembranças trágicas, sem falar que o romance policial que
estava lendo tinha também a descrição de um assalto a mão armada a uma
residência familiar.
A campainha tocou de novo, mais insistente dessa vez, e ela sentiu um
tremor nas pernas. Prendeu a respiração quando ouviu um ruído metálico no
silêncio da noite, como se alguém introduzisse uma chave na fechadura. Seu
coração começou a bater rapidamente. No instante seguinte, ouviu a porta
abrir silenciosamente e avistou um vulto recortado contra a luz do poste em
frente de casa. Ela levou a mão à boca, como se fosse dar um grito, mas sua
voz ficou engasgada na garganta, de medo.
Com a mão trêmula, procurou o interruptor da luz. No momento em que a
lâmpada elétrica iluminou a sala da frente, ela arregalou os olhos e avistou
perplexa a figura familiar de Santino. . .
CAPíTULO XII
FIM