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COPYRIGHT © 2021 LALA CAVINATO

REVISÃO PRIMÁRIA:
P AT SUE
REVISÃO FINAL E DIAGRAMAÇÃO :
CINT HIA A.P.

O LEGAD O D E T IZIAN O
M áfi a c o mp ag n i
Liv ro 1

ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO. NOMES, PERSONAGENS, LUGARES E ACONT ECIMENT OS DESCRIT OS SÃO
PRODUT OS DA IMAGINAÇÃO DA AUT ORA. QUALQUER SEMELHANÇA COM FAT OS REAIS É MERA
COINCIDÊNCIA.

NENHUMA PART E DESTA OBRA PODE SER UT ILIZADA OU REPRODUZIDA POR QUAISQUER MEIOS EXIST ENT ES
SEM A AUT ORIZAÇÃO PRÉVIA E EXPRESSA DA AUT ORA. A VIOLAÇÃO DOS DIREIT OS AUT ORAIS É CRIME
ESTABELECIDO NA LEI N° 9.610/98, PUNIDO PELO ART IGO 184 DO CÓDIGO P ENAL.

T ODOS OS DI RE I T OS RE SE RVADOS
EDIÇÃO DIGITAL | CRIADO NO BRAS IL
SUMÁRIO

SINOPSE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
EPÍLOGO
AMOR E OBSESSÃO
UMA TAÇA DE CHÁ
CONTATOS DA AUTORA
SINOPSE

Como filho mais velho e sucessor do título de seu pai, Tiziano Pellegrini foi doutrinado,
desde menino, para chefiar a Compagni, a maior máfia da Itália, com mãos de ferro.
Quando esse momento chegou, ele criou suas próprias regras e ficou conhecido em todo
submundo, não apenas por alavancar os negócios, mas também por ser implacável.
Agnes Sforza era uma moça religiosa e sonhadora, sedenta por viver uma história de amor
igual as dos livros que tanto amava ler. Infelizmente, as coisas não aconteceram como
sonhou e ela teve que remodelar seu futuro de acordo com suas possibilidades.
Por um acaso do destino, a doce jovem conheceu o pecado em forma de gente, mas será que
Agnes deixaria para trás todas suas convicções para entrar em um universo contrário a tudo
o que ela acreditava?

Atenção, este é um livro para maiores e 18 anos onde o leitor vai


encontrar temas como violência, dependência química e cenas de sexo.
PRÓLOGO

O aniversário de uma criança, geralmente, era sinônimo de um dia


festivo para todos da família. Na maioria das vezes, os pais organizavam a
festa com muito amor e carinho, independentemente do poder aquisitivo,
pois não existia nada que quisessem mais do que ver um filho feliz.
Aquela não era a realidade da família Pellegrini. Naquele dia o
primogênito chegava a mais um ano de vida, mas o cenário era totalmente
diferente do normal, afinal, o que eles sabiam sobre normalidade?
Absolutamente nada!
Ele e seus irmãos já nasceram predestinados a uma trajetória sofrida
e sem nenhum tipo de afeto, além do que existia entre eles mesmos.
A sala de aula que frequentavam era a biblioteca da residência onde
moravam, nada de escolas para eles, era ali que aprenderiam tudo o que o
patriarca da família gostaria que aprendessem, sem a lavagem cerebral que
as instituições da Itália infundiam na mente das pessoas sobre religião e
ética. A seu ver, quanto menos envolvimento com Deus e a ensinamentos
sobre o bem e o mal, melhor, assim, os negócios não seriam atingidos por
lapsos morais.
Vito Pellegrini sempre exigiu de seus filhos atitudes condizentes ao
posto de futuros representantes da maior máfia do país. Por isso, desde cedo,
Tiziano aprendeu a ser forte e doutrinado a nunca expressar sentimentos para
quem quer que fosse.
Entre os irmãos, os desejos de seu pai eram notórios. Embora fossem
crianças, conseguiam perceber que ele explorava coisas diferentes em cada
um. Tiziano, por ser o mais velho e futuro Don, estava sendo treinado para
ser implacável. Leonello, o irmão do meio, ocuparia o cargo de subchefe e
deveria ser leal ao seu Don acima de tudo e Simona, a caçula, estava sendo
educada pela tutora para ser uma verdadeira dama da sociedade e futura
esposa de algum associado influente, com o intuito de gerar alianças
vantajosas para a famiglia.
Ludovica, mãe deles, era uma figura inócua, que se deixava ser tratada
como um bibelô pelo marido. Em sua infelicidade, a matriarca nunca foi
capaz de dar amor e nem mesmo atenção à prole. Além disso, estava
ocupada de mais tentando agradar a quem mais lhe judiava para perder seu
tempo com a educação de três crianças. Sua vida miserável era resumida a
fazer tudo o que o marido mandava. Mesmo assim, não ficava livre das
surras que Vito lhe infringia sempre que estava bêbado ou frustrado com
alguma coisa.
O pai moldava toda a família à sua maneira, mas a personalidade de
cada um estava lá, reservada dentro deles, urgindo como uma panela de
pressão prestes a explodir. Eram indivíduos completamente distintos entre
si, porém, por mais que o pai tentasse colocar um contra o outro, o amor
fraternal os mantinha unidos.
Tiziano sempre fora um menino divertido e brincalhão, Leonello era
mais rebelde e detestava cumprir ordens, já Simona era uma verdadeira
princesa de cuja boca ninguém nunca tinha ouvido qualquer desaforo. Além
do laço fraterno, a única coisa que tinham em comum era o fato cruel de
terem nascido no berço de ouro da máfia, em meio a homens sem coração,
todos envoltos em um dinheiro amaldiçoado e sujo de sangue.
— Parabéns, Tizi — sussurrou Simona para o irmão mais velho,
jogando-se ao lado dele na sua cama com cuidado para não chamar a atenção
do quarto ao lado.
A pequena fez questão de ir até ele assim que acordou e ser a primeira
a lhe desejar parabéns.
— Cadê meu presente? — brincou ele, envolvendo-a em um abraço.
Os olhos azuis da pequena se encheram de lágrimas.
— Quando eu me casar com alguém muito rico, vou te dar tudo o que
você quiser — declarou Simona, inocente.
— Ei, ei, ei... Eu estou brincando. E para de falar besteiras, você só
tem seis anos — disse Tiziano, sentando-se.
— Mas o papai falou...
— Esquece o que ele fala; você vai se casar quando quiser e por amor.
Eu te prometo — assegurou com o coração apertado.
A irmã lhe respondeu com um abraço, mas apesar de retribuir, Tiziano
não conseguia se alegrar; tinha ideia do destino atroz que seu pai reservava
para sua pequena princesa, mas já sabia que seria capaz do impossível para
livrá-la disso.
— Protegidos — disseram os dois juntos com os polegares unidos.
Aquela foi a forma que os irmãos encontraram para se sentirem
blindados na bolha que criaram para si. Lá dentro, não havia espaço para
maldade, somente amor e companheirismo.
— Que merda é essa? Será que não posso mais dormir em paz? —
protestou Leonello, esparramando-se na cama. — Parabéns, chefe —
zombou batendo na cabeça do irmão.
— Fiquem quietos ou o Vito vai escutar. Acho melhor vocês irem para
o quarto...
— Acabei de chegar, nem olhei suas revistas.
Pais de meninos que nasciam dentro da organização, costumavam dar
revistas ou fotos de mulheres peladas aos filhos e na família de Tiziano eles
já deveriam estar prontos para terem a primeira relação sexual ainda na pré-
adolescência, por isso eram bombardeados com aquele tipo de conteúdo
desde muito novos.
— Cale a boca, Leonello, respeite sua irmã.
— Mas eu quero ver também, não aguento mais só ler os livros que a
senhora Donatella me obriga.
— Mas estas não servem... — respondeu de imediato com um olhar
raivoso para o irmão do meio. — Vão para os quartos de vocês, quem sabe
Alessandro não possa trazer um bolo escondido à noite.
— Isso! — comemorou Leonello.
— Hmm. Faz tempo que não como bolo de aniversário — pontuou a
caçula. — Tomara que ele consiga, um bem gostoso com muito chocolate e
chantilly.
— Certo, mas só vai comer uma fatia a mais quem trocar o açúcar pelo
sal na mesa do café da manhã — provocou Tiziano. — Agora vão... —
disse, empurrando os dois para fora de sua cama.
Até aquele dia, em seu aniversário de onze anos, Tiziano não
conseguia ver nada de bom em ter nascido em uma família mafiosa, mas logo
aquela percepção se tornaria muito mais clara e da pior forma possível.
De manhã, a família tomou o café da manhã, como sempre faziam,
todos reunidos à mesa, cada um em seu mundo particular e sem conversas
desnecessárias.
De repente, Vito cuspiu o café que acabara de colocar na boca e olhou
furioso para Leonello, que na hora soube que ganharia um olho roxo ou teria
um dente quebrado. No entanto, o prazer de ver o pai sujando o terno Armani
impecável, valia a surra.
Tiziano já deveria saber que não era uma boa ideia desafiar o irmão,
pois era claro que o pestinha não pensaria duas vezes em executar qualquer
plano que servisse para provocar o pai. Por outro lado, Leonello não
precisava de ninguém para elaborar traquinagens, já que era o reitor da
faculdade de travessuras.
Depois que o irmão e o pai subiram para o segundo andar da casa,
Tiziano não os viu mais, porém, sabia que Leonello ficaria trancado no
quarto, de castigo, e que o pai ia cuidar dos negócios. O mesmo aconteceu
com Simona, que tinha saído com a mãe, restando apenas os soldados que
faziam a segurança do casarão, o que não fazia muita diferença, pois era
como se Tiziano fosse invisível para eles.
Apesar da idade, ele sabia exatamente como era o meio em que vivia,
contudo, ainda não estava contaminado com o cinismo e falta de empatia que
existia entre os homens feitos e todo ano esperava que algo diferente
acontecesse, nem que fosse receber os parabéns de alguma tia velha que só
aparecia em dias de festa.
Mas para sua infelicidade, nem mesmo Alessandro, o mais antigo e
fiel soldado de seu pai, lhe dirigiu a palavra, o que deixou Tiziano mais
chateado do que não ouvir felicitações de seus próprios pais, uma vez que
Sandro era a única pessoa que mostrava carinho e preocupação para com as
crianças dentro daquela casa.
A escuridão da noite já tomava o céu quando o rapazinho notou uma
movimentação maior que a de costume.
Vito era um homem sádico e muitas pessoas queriam a cabeça do
miserável, por isso estava sempre cercado de muitos soldados, mais do que
qualquer chefe já teve. Só que naquela noite parecia haver o dobro.
Curioso, Tiziano foi escondido até o escritório do pai. Pela fresta da
porta, viu as feições enraivecidas que ele e seus irmãos conheciam tão bem.
— Não quero saber... A guerra com os russos acaba hoje —
esbravejou Vito ao celular. — Você não precisa saber o que eu fiz, contente-
se em ficar feliz por não termos mais nenhum russo cheirando nossas bolas.
Conforme falava, o homem gesticulava com as mãos e andava pela
sala, visivelmente inquieto.
— O caralho do Don sou eu, e se eu disse que resolvi, está resolvido e
se você não quiser levar um tiro na cabeça, simplesmente feche a porra da
boca; o negócio está feito — declarou, desligando e jogando o aparelho em
cima da mesa.
Tiziano mal respirava. Sabia que não deveria estar espiando, porém, a
curiosidade falava mais alto.
— Alessandro — chamou Vito e o garoto viu o soldado sair do canto
da sala e se colocar em frente ao chefe —, traga o aqui — exigiu,
tranquilamente.
Embora quisesse ficar a par do que ele estava falando, Tiziano sabia
que se o pai o visse ali, estaria morto, por isso correu em direção ao seu
quarto.
Quando Alessandro apareceu, alguns minutos depois, um lampejo de
felicidade surgiu em seu rosto, achando que o amigo tinha ido lhe desejar os
parabéns, isso até ver a cara com que o homem o encarava.
— Seu pai está te chamando no escritório — comunicou, mas parecia
um pouco apreensivo.
— Será que ele preparou um bolo de pólvora pra mim? — perguntou,
irônico. — Ou talvez brigadeiros de cianeto?
Desde pequeno Tiziano já tinha um senso de humor apurado, foi o jeito
que encontrou para dar um pouco de leveza à sua rotina tão regrada.
Alessandro nada respondeu, apenas lhe deu passagem e ambos
desceram as escadas.
— Me chamou, papa?
— Já falei para me chamar de chefe.
Tiziano colocou-se em frente ao pai e viu outros dois soldados que não
estavam ali antes.
— Hoje você vai ser iniciado.
— Hoje, chefe? — perguntou, sério.
— Agora!
Um frio percorreu seu corpo, pois sabia exatamente o que teria que
fazer quando esse momento chegasse.
Vito falara repetidas vezes sobre o ritual, porém, o menino não
esperava que fosse tão cedo, afinal, as iniciações começavam após os doze
anos. Mesmo assim, assentiu.
— Muito bem — disse Vito e depois chegou mais perto, para que só o
filho escutasse: — Se me decepcionar... Já sabe.
Naquela hora, entraram dois homens que ele não conhecia. Ambos se
colocaram de cada lado do menino e um deles começou a falar:.
— Num dia tão sagrado para nossa organização, quando um novo
soldado é iniciado, mais um elo se forma em nossa corrente. Em nome da
famiglia e de todos os membros da Compagni, repita comigo: juro ser leal a
esta organização.
Tiziano engoliu em seco e fez como exigido. O homem continuou:
— Juro proteger meus companheiros, a quem considerarei a partir de
agora como verdadeiros irmãos, com meu próprio sangue.
Tiziano repetia tudo o que o homem dizia com a inocência do garoto
que era.
— Se eu for pego, tirarei minha própria vida antes de entregar
qualquer um de meus irmãos e se alguém perguntar minha ascendência,
responderei: meu pai é o universo e minha mãe, a terra — prosseguiu o
homem sendo acompanhado pelo menino. — Para completar a primeira fase
da iniciação, repita o lema da famiglia: se optar pela deslealdade, de uma
cova não escapará.
As palavras eram ditas em um tom baixo, como se tivessem dentro de
uma igreja professando a santa missa, mas Tiziano acreditava que Deus não
estava ali naquele momento.
Após este último juramento, ele estava ciente do que viria, mas não
estava preparado. Contudo, sabia que não poderia falhar, seus irmãos
dependiam dele, mesmo Leonello, que se achava autossuficiente e queria
fazer parte da máfia, pois estava em seu sangue, no fundo, era um garoto
perdido e influenciável, lutando por atenção, sem falar da caçula, que
precisava mais que qualquer pessoa de seu apoio. Como futuro Don, ele
poderia lhe fornecer isso, o que, a seu ver, era a única coisa boa em tudo
aquilo.
— A missão que fará em sua iniciação será mais que especial. Você
vai eliminar um traidor da pior espécie — declarou o pai, animado; então,
olhou para um de seus soldados que prontamente segurou Alessandro pelo
braço e o levou para perto deles.
— O que é isso, chefe? — desesperou-se o homem.
— Você vai pagar por sua traição.
O velho foi até a mesa, pegou uma faca e a deu na mão do primogênito.
A arma de 28 centímetros, com uma lâmina fina e cabo de prata fora
confeccionada especialmente para ele e para ser usada naquele dia, em sua
iniciação.
O garoto ficou maravilhado.
— Mas eu nunca traí a famiglia, chefe, eu juro — gritou o soldado,
chamando a atenção para si novamente.
— Vito — disse Tiziano, hesitante —, o Alessandro está com nossa
família há anos, jamais nos trairia.
— E o que você sabe, moleque? Se estou falando que ele nos traiu é
porque traiu, não discuta e faça o que mandei.
Tiziano hesitou. Ele sabia que teria que matar alguém em sua
iniciação, mas Alessandro? A única pessoa que os tratava com o mínimo de
decência era o homem que estava sendo amarrado a uma cadeira,
implorando por sua vida.
Nem em seus piores pesadelos imaginou que Vito o obrigaria a fazer
aquilo, afinal, o pai sabia exatamente o que Alessandro significava para seus
três filhos.
— Exijo saber qual foi a traição — determinou Tiziano. O menino de
dois minutos atrás parecia ter ganhado dez anos.
Vito se aproximou do filho e com ar pesaroso, disse:
— Ele matou sua irmã.
— Não, eu não fiz isso! — gritou Alessandro, mas o garoto não o
escutava.
As palavras de seu pai haviam injetado um caminhão de adrenalina em
sua artéria central e ao tirar a vida do homem a quem considerava um pai,
ele se tornou Tiziano, o impiedoso.
CAPÍTULO 01

Vinte e cinco anos depois...

Não tinha ninguém no mundo que gostasse de uma festa mais do que
Tiziano Pellegrini. Quando não estava desempenhando o dever que lhe foi
incumbido desde jovem, ele certamente estaria marcando presença em algum
evento ou boate da famiglia, quase sempre acompanhado de lindas mulheres,
diversificando para não enjoar.
Todavia, não era por ser o mafioso mais influente e conhecido da Itália
que se dava tão bem com o sexo oposto, mas tão somente por ter se tornado
um homem lindo que, junto ao carisma que possuía, conseguia chamar a
atenção em todos os ambientes que entrava, como se um holofote o
acompanhasse o tempo todo.
As pessoas de seu convívio já estavam acostumadas com o ser
espaçoso e divertido que habitava a carcaça musculosa e repleta de
tatuagens, e sabiam que seu lado oculto era mostrado somente para os
traidores e inimigos de sua organização.
Tiziano não deixou que o sofrimento do passado influenciasse em sua
essência. Ele carregava marcas irreparáveis e seguia comandando a
organização com punhos de ferro, porém, esconder seus ferimentos era tão
natural para ele quanto matar. Com o tempo, convenceu-se de que essa era a
vida que teria e nunca poderia escapar dela. Por isso, manteve-se atento às
explicações do seu pai nos seus anos de aprendiz, no intuito de proteger o
irmão. A cruz que carregava por não ter conseguido cumprir a promessa que
fez a Simona ainda lhe pesava sobre os ombros.
Ele a eternizou para nunca se esquecer de manter o seu foco na
vingança contra aqueles que levaram sua irmã. A tatuagem de crucifixo preto
e cheio de espinhos, indo da nuca ao cóccix, foi feita aos quinze anos, idade
em que já havia matado mais homens que as mãos juntas poderiam
contabilizar. Depois dela, muitas outras tatuagens vieram e atualmente
preenchiam parte de seu corpo, cada uma com um significado diferente,
feitas em momentos distintos e memoráveis.
Ele era o Don mais distinto que já havia passado pela famiglia e, ao
contrário de todos os outros, não se vangloriava pelo número de homens que
matou ou pelos negócios estarem dando o maior lucro de todos os tempos,
pois, para ele, estar em ascensão não queria dizer nada, já que no fim sabia
que ninguém era insubstituível e, naquele meio, menos ainda.
— Vamos, pequenos — ordenou Tiziano aos seus seguranças.
Apesar de estar se sentindo bem naquele ambiente e de ter visto
algumas mulheres interessantes, não poderia ficar muito tempo no
aniversário de casamento de Paolo, pois tinha outro compromisso.
Ainda não acreditava que já fazia cinco anos que o casal de amigos
havia se casado. Gostou, contudo, de ter ido desejar felicitações e deixar um
presentinho singelo pelas bodas de madeira, além de pegar o telefone da
cantora que se apresentou na festa.
Logo estava de volta ao galpão onde um traidor da famiglia esperava
para que terminassem o trabalho que haviam começado, três dias atrás.
— Boa noite, Lauro. Acredita que estava com saudades, velho amigo?
— ironizou ao adentrar o grande galpão, já com a faca na mão.
Obviamente Tiziano possuía muitas armas de fogo à sua disposição,
mas a faca foi amor à primeira vista. Foi com ela que matou Alessandro e a
carregaria para sempre, como uma forma de nunca esquecer o dia em que a
maldade nasceu dentro de si.
— Vamos começar? — indagou, querendo iniciar o interrogatório.
— Nada ainda? — perguntou Edoardo, entrando no galpão algum
tempo depois.
— Ele poderia ter sido leal assim conosco, não é? — disse Tiziano,
rindo. — Posso contar em uma mão quantas pessoas já me traíram e ela
precisa ser muito burra para fazer isso.
— Ele é do tipo traidor leal — declarou o subchefe, passando a mão
pelos cabelos grisalhos.
O soldado já estava desfigurado, aproveitando o fiasco de respiração
ainda presente.
Tiziano era um homem paciente e sabia jogar, como ninguém, o jogo
sujo do submundo e Lauro ficaria sabendo, naquele minuto, quem era que
mandava.
— Podem vir — comandou Tiziano, sentando-se em uma cadeira e
acendendo um charuto.
No instante seguinte um outro soldado entrou carregando uma mulher
encapuzada.
— Torturar mulheres não está entre as minhas práticas preferidas, em
vez disso, eu as mato logo, mas posso abrir uma exceção. O que acha, vai
pagar para ver ou me falar para quem você se vendeu?
Quando viu o soldado tirar o capuz marrom, o homem arregalou o olho
que não estava inchado demais ao reconhecê-la.
E, como um milagre, o quase morto ganhou vida.
— Achou que eu não iria descobrir que era casado? Lauro, Lauro, não
tem como esconder algo assim da máfia, amigo, parece até que não me
conhece — falou, levantando-se, e posicionou a faca na jugular da moça
histérica. — Ela já perdeu o fio há muitos anos — declarou, referindo-se a
arma branca em sua mão. — Mas sabe de uma coisa? Assim fica melhor.
Deixa eu te mostrar.
— Por favor — implorou. — Ela não tem nada com isso.
— Isso se chama vida na máfia, meu caro. A partir do momento em
que resolveu me trair, deveria saber que eu iria até o inferno atrás de quem
te importa.
— Se você não a matar, eles vão...
— Se você não está preocupado — debochou, enfiando a faca na
garganta da mulher sem piedade —, quem sou eu, não é?
O silêncio foi quebrado pelos soluços do homem misturados com os
da mulher que se afogava no próprio sangue.
Tiziano sabia que dali ele não conseguiria mais nada.
— Podem terminar, pequenos, aqui já deu — declarou, limpando a
faca na blusa do rapaz amarrado no chão.
Edoardo se levantou e acompanhou seu Don em direção ao carro sem
demonstrar nenhum tipo de sentimento.
— Vamos passar no Mc Donalds no caminho — disse Tiziano,
tranquilamente.
O subchefe o olhou com as sobrancelhas erguidas.
— O que foi? Não tive tempo de comer. Quer ir comigo ou prefere
voltar para casa a pé?
Edoardo era o tipo de homem que prezava pelo silêncio, para ele, era
a melhor opção em qualquer ocasião; raramente se envolvia em brigas e não
tinha esposa ou qualquer parente próximo ainda vivo, segundo ele.
Por questão de logística, morava com Tiziano, na edícula que ficava
nos fundos da casa, de forma que parecia de serviço vinte e quatro horas por
dia, sete dias por semana.
Ele não ligava.
O subchefe era de uma pequena família do sul da Itália e suas
principais atuações na organização eram o tráfico de drogas via porto, pois
seu pai era despachante aduaneiro. Um dia, muito tempo atrás, contudo,
todos foram pegos em uma emboscada, menos Edoardo, que se destacava
bastante em suas atividades, chamando a atenção do Don, e em menos de
dois anos ocupava o segundo cargo mais almejado na organização, por puro
merecimento.
O homem acompanhou algumas das coisas que Tiziano passou, pelo
pouco que ele relatava, e sabia o peso que a casa de Vito representava a ele,
por isso o Don fez questão de sair de lá assim que foi nomeado chefe; não
aguentava mais as loucuras do pai, a submissão desenfreada da mãe e as
merdas do irmão mais novo.
Ao contrário dele, Leonello não aprendeu nada do que o pai quis lhe
ensinar e tinha sido expulso de casa algumas vezes. Vito, todavia, sempre o
fazia voltar, pois sabia da ameaça que ele representava para a organização,
caso ficasse solto pelo mundo.
Embora quisesse, Tiziano não pôde nomeá-lo como subchefe devido à
inconstância do rapaz, ele não tinha discernimento nem responsabilidade
para ocupar tal cargo e só causava dor de cabeça a todos. Ele sequer tinha
terminado os estudos e as únicas coisas que o animavam eram álcool, drogas
e mulheres.
Talvez por ser mais novo, Leonello sempre esteve em segundo plano
para Vito. Em sua revolta, não desejava fazer parte dos negócios da famiglia
e quando foi obrigado, acabou descontando toda a frustração no maldito pó
branco. Vito já havia perdido qualquer esperança de incluí-lo como membro,
então, pouco se importava com o vício do filho, para ele, quanto antes fosse
encontrado morto em uma vala, melhor. Ainda não entendia por que o pai
não fizera isso ele mesmo, só podia supor que mesmo a maldade dele tinha
limites.
Tiziano, ao contrário, tentava incansavelmente dar um rumo ao único
irmão que lhe sobrara. Aquela noite, de anos atrás, havia mudado a vida de
todos de uma maneira perturbadora. Cada um de sua forma e ele jurara a si
mesmo que jamais o deixaria na mão.
Deixando seus devaneios de lado, chegou a sua casa e deu de cara com
Antônia.
— Não posso nem transar em paz? — perguntou Tiziano.
— Não estou vendo ninguém com você.
— Está chegando — afirmou e deu um beijo na testa da prima e
conselheira.
— Vim para jantarmos, já comeu?
— Na verdade, sim, mas posso te fazer companhia.
— Ótimo, quero saber de Lauro.
— Então vem. Mas é pra comer rápido. Como disse... Tenho planos.
— Acho que vai me dar indigestão — falou a prima, séria como
sempre. Nem quando fazia uma brincadeira ela perdia o ar austero.
Antônia era a mulher mais poderosa da máfia. Desde a infância, ela e
Tiziano tinham uma ligação diferenciada e foi por confiar nela que ele a
colocou como sua conselheira assim que assumiu o cargo.
Alguns Capos ainda eram avessos à escolha do Don, mas com ele no
comando, algumas coisas haviam mudado e essa era uma delas. Seu pai foi o
primeiro a se opor, contudo, ele já não estava mais em seu estado normal,
oscilava momentos de lucidez e outros de total obscuridade.
Após alguns atentados e diversas ameaças na época em que ocupava o
cargo, Vito ficou paranoico com a própria segurança o que acabou afetando
diretamente sua saúde mental, fazendo-o tomar decisões infundadas e
prejudiciais à organização. Após muita pressão de seus capitães, ele cedeu o
lugar ao filho mais velho. Não esperava deixar o cargo tão cedo, contudo,
era isso ou enfrentar uma interdição, pois praticamente ninguém o respeitava
mais.
Quando sóbrio, Vito tentava se inteirar do que ocorria, mas Tiziano
não facilitava sua vida e o mantinha o mais longe possível. Sua presença, na
infância, já havia sido tóxica de mais e de forma alguma o manteria por perto
em sua vida adulta.
— Como assim ele não falou? Tinha que ter matado o filho ao invés da
esposa.
— Até no submundo existem regras e uma delas é não matar crianças,
acho que sabe disso — declarou observando a prima preparar um macarrão
como se tivesse em sua própria cozinha.
— Você sabe que isso é coisa dos Massimos e eles não tiveram
misericórdia de Simona, tiveram? Afinal, Alessandro não agiu sozinho, foi
somente uma ponte.
— Vingança é um prato que se come frio. Quem tem pressa, corre e se
fode.
— Você e suas tiradas...
— O único que entende o conceito é o Edoardo, ele, sim, sabe o que
quero dizer, por isso é o subchefe, não você.
— Comentário desnecessário.
— Nunca falo nada que não seja necessário. — Riu. — Ao invés de se
estranharem, deveriam fazer muito sexo.
Tiziano notava que sua conselheira e seu subchefe não eram fãs um do
outro e pouco se importava, desde que não transferissem essa animosidade
para o trabalho.
— Ele não faz meu tipo.
— Vou te dar um conselho, sabe que sou ótimo em aconselhamentos,
não é? Cai fora — disse o rapaz. — Pois Fabrizio é gay.
— Por isso nos entendemos — comentou ela, colocando o macarrão
ao alho e óleo no prato. — Além disso, não existe nenhuma cláusula dizendo
que não posso dar para o meu soldado.
— Verdade. A boceta é sua, pode dar para quem quiser.
— Vou me lembrar disso...
— Coloca logo um prato dessa gororoba pra mim — brincou com água
na boca.
— Sabia que não resistiria.
A campainha tocou um minuto antes da última garfada de Tiziano.
— A porta está aberta — ele gritou.
Sua casa era uma fortaleza e ninguém teria chegado até a porta sem
autorização, por isso só podia ser Virna. Sempre que estava sem paciência
para flertes, ligava para a moça. Conheceram-se em um dos bordéis da
famiglia e após um tempo, Tiziano resolveu tirá-la de lá, acomodando-a em
um apartamento próximo à sua casa. Isso já tinha seis meses e a única e
exclusiva obrigação da loira era estar disponível sempre que ele precisasse,
significando que não podia chegar perto de outro homem. O mesmo não se
aplicava a ele, é claro. Tiziano era um homem muito viril, mas às vezes
estava cansado demais para ir atrás de diversão, de modo que ter a loira ao
seu dispor era bem útil. Em troca, ela não precisava se preocupar com
nenhuma despesa.
A moça apareceu na cozinha usando um tubinho preto e muito
provavelmente sem nada por baixo, já que o tecido era fino e não havia
marca alguma de lingerie.
— Boa noite, Tiziano, Antônia.
— Pode ir esquentando a cama, lindinha, já estou indo — instruiu ele
com uma piscadela.
— Claro — retrucou com uma voz sexy.
A moça virou as costas e sumiu das vistas dos primos.
— Bom, sinto ter que ir... — começou, levantando-se —, mas o dever
me chama.
— Descarado, não vai arrumar sarna para se coçar, hein? Está saindo
de mais com ela.
— Eu saio com quem quiser, a quantidade de vezes que eu quiser,
então... Tchau, prima, e deixa minha cozinha limpa.
Com essas palavras Tiziano lhe deu as costas, deixando Antônia rindo,
pois se tinha alguém que conhecia bem o mafioso era ela.
CAPÍTULO 02

Tiziano foi direto para o quarto destinado às suas acompanhantes e se


sentou na poltrona em couro, localizada perto da sacada, que dava vista para
a piscina.
O cômodo era vermelho e preto com spots de luz amarela espalhados
em diferentes pontos do teto, proporcionando uma iluminação intimista e
sexy. Para completar o cenário, um mastro de pole dance ficava em frente à
enorme cama.
O cômodo foi elaborado pelo próprio Tiziano, especialmente para
ocasiões como aquela. Ele encontrou no sexo um refúgio para seus dias mais
sombrios, o alívio momentâneo que sentia, o deixava mais relaxado e
disposto a pensar melhor.
Virna já conhecia cada canto do quarto como se fosse seu, mas o
homem não permitia que ela deixasse nenhum tipo de pertence seu ali, pois
isso significaria criar vínculo e ele fugia de relacionamentos como um gato
se esquiva do banho.
Com a camisa semiaberta e um charuto entre os dedos, Tiziano a
observava rodopiar no mastro, completamente nua, embalada por uma
música de fundo suave.
— Trouxe uma coisa diferente para nós — anunciou ela sem parar de
dançar.
— O quê? — perguntou, malicioso. — Por acaso há uma de suas
amigas gostosas dentro da sua bolsa? — brincou.
A mulher caminhou até o recamier, tirou um pacotinho da carteira e,
animada, sacudiu-o no ar.
— Que porra é essa? — inquiriu Tiziano, desfazendo o sorriso do
rosto.
Virna ficou branca e percebeu que talvez não tivesse sido uma boa
ideia levar cocaína para um dos homens que mais traficava a droga no
mundo.
A moça nunca havia conversado com ele sobre o assunto, pois sempre
quando se viam, era somente sexo, jamais tiveram uma interação, contudo,
percebeu que Tiziano não gostava de consumir.
Ele caminhou em sua direção e sentiu a moça gelada quando segurou
levemente seu maxilar.
— Eu não quero essa merda na minha casa. Quer se drogar? Vá em
frente, não sou seu pai, mas não aqui dentro. Entendeu?
Os rostos estavam quase colados e uma lágrima solitária e nada bem-
vinda correu pelo rosto da mulher.
— Desculpa, eu não... Não trago mais, achei que... Não faça nada
comigo — gaguejou, implorando.
— Não ache nada, lindinha — reiterou, depositando um beijo na
bochecha da mulher e pegando o saquinho de sua mão.
Tiziano foi até o banheiro e despejou todo o pó branco no vaso
sanitário, dando descarga logo em seguida.
— Desculpa, Tizi...
— Pare de falar e faz o que você sabe fazer de melhor...
Imediatamente Virna avançou em direção ao homem mostrando todo o
desejo que sentia e o quanto estava arrependida pelo que fez. Em questão de
segundos ambos estavam nus.
A moça se posicionou de quatro na borda da cama e ele permaneceu
em pé enquanto recebia um sexo oral mais que profissional. Ela engolia seu
membro grosso até onde podia, sem deixar de encará-lo.
Tirou a atenção de seu rosto e a dirigiu às bolas, sugando e
massageando, fazendo a excitação aumentar.
Com eles, era sempre assim, tesão à flor da pele do começo ao fim.
Nenhuma das mulheres com quem já havia fodido fizera um boquete melhor
que Virna, com direito a garganta profunda e tudo mais, perícia adquirida
após muitos anos de prática.
Tiziano observou a mulher engolir cada gota de seu sêmen e se afastou
para se de servir mais uma dose de uísque. Quando retornou, ela estava
esparramada no meio da cama, tocando-se, instigando, louca por mais uma
rodada de sexo e o belo homem não se fez de rogado.
Desta vez, ele a colocou de quatro, com a bunda bem empinada, para
que pudesse ter a visão de seu pau entrando e saindo daquele rabo apertado.
Ela não titubeou, já estava mais que ciente de que o mafioso não fazia sexo
convencional com mulher alguma.
Tiziano era gato escaldado e desde os dezoito anos não sabia o que era
comer uma boceta. Tinha consciência de que tudo o que as ardilosas com
quem fodia desejavam era ter um filho bastardo do Don, Virna então, era a
pior delas e já tentara enganá-lo algumas vezes.
Mas jamais deixaria aquilo acontecer. A única boceta que comeria
seria a de sua esposa.
No auge do prazer, seu celular começou a tocar e quando recebia
ligações àquela hora da noite, nunca era algo bom.
Saiu de dentro da moça e pegou o aparelho em cima da mesa.
— O que foi, Edoardo?
— Perdemos a Sicília.
— Ligue pra Antônia, quero todos no meu escritório em dez minutos.
Tiziano não precisou falar para Virna que a noite havia acabado, todos
sabiam que assuntos relacionados à famiglia vinham sempre em primeiro
lugar.
Enquanto Tiziano jogava uma água no corpo, a moça se vestiu, ainda
assim, perguntou quando ele voltou a aparecer:
— Não quer que eu fique? Quem sabe mais tarde...
— Não. Você conhece as regras. Quando eu precisar, entro em contato
— respondeu com um sorriso malicioso que amolecia qualquer coração.
Cabisbaixa, a moça foi embora na esperança de receber uma ligação
ainda de madrugada, pois sempre estaria à disposição do homem que amava.
— Quem vai começar a me explicar? — perguntou Tiziano, entrando
no escritório.
— A carga que estava vindo da Sicília foi roubada — manifestou-se
Antônia.
— Isso eu já sei, quero informações novas, por isso mandei que
viessem.
— Não temos nada, ainda — explicou a moça abatida.
— A 17425?
Todas as cargas, fossem de armamento ou de drogas, eram
classificadas por números e acompanhadas pelo satélite por um hacker em
tempo real e Tiziano conhecia cada uma.
— Sim — respondeu o subchefe.
— Nós temos mais soldados e associados no país do que habitantes
comuns e está me dizendo que ninguém sabe de nada? — inquiriu,
tranquilamente.
— Todos que estavam no transporte foram mortos, primo, não
sobraram testemunhas.
— Quem fez isso tinha conhecimento do rastreador — constatou
Edoardo.
Tiziano andou até a janela e observou a lua cheia no céu, como se a
única testemunha do roubo pudesse lhe falar algo. Voltou-se para a mesa,
pegou um de seus charutos Dona Flor[1] e o acendeu, com o intuito de se
concentrar.
— E o Domênico? Deixei claro a ele que quando houvesse alguma
intercorrência, era para me comunicar na hora.
— Ele me ligou — informou Edoardo —, disse que tentou te ligar, mas
seu celular deu fora de área.
— Faltou energia na central, ele ficou sem imagens do caminhão por
cinco minutos, quando voltou, já era tarde — acrescentou Antônia.
— Malditos! Vamos ter que começar uma carnificina porque alguns
idiotas acharam que podiam fazer isso — declarou Tiziano e depois tragou
de seu charuto, fechando os olhos quando o sabor invadiu sua boca.
— Tem alguma dúvida de que foram os Massimos? — acusou a
conselheira.
— Não dá para ter certeza — respondeu Edoardo para a mulher.
— Eu tenho — desafiou. — Aqueles desgraçados estão sempre se
intrometendo em nossos negócios.
— Não se precipite, Antônia, o peixe morre pela boca — falou o Don,
soltando a fumaça. — Vou pegar quem quer que tenha tido a audácia de
roubar minha mercadoria.
— Como vamos fazer isso? — indagou ela, inquieta.
Um pesado silêncio dominou o cômodo.
— O que você fez? — perguntou o subchefe quando Tiziano continuou
calado.
Edoardo gostava mais de observar do que especular e conhecia o Don
muito bem para saber que, por várias vezes, ele trabalhava tomava decisões
sem que ninguém tivesse conhecimento.
— Vocês vão ver.
— Meu Deus! Pra que tanto mistério? — quis saber a moça.
— Já falei que você precisa trabalhar sua ansiedade, talvez seja
interessante marcar uma consulta com o psicólogo.
Antônia revirou os olhos, já Edoardo ergueu um canto da boca,
mostrando o esboço de um sorriso, coisa rara do homem.
— Senhor — chamou um dos soldados na porta —, seu irmão está lá
fora.
— Mais um para nossa festinha... Deixe ele entrar — ordenou
cruzando as pernas, o charuto preso na boca. — Edoardo, quero Domênico
aqui assim que amanhecer, assim como todos os chefes das famiglias. Prima,
marque um psicólogo.
Antes que ela pudesse retrucar, ele continuou:
— Tchau para os dois.
Satisfeito, Edoardo se levantou e saiu do escritório acompanhado por
Antônia que, visivelmente, tinha muitas coisas entaladas na garganta, mas
preferiu se calar.
— Está rindo do quê?
— Não estou — revidou o subchefe.
— Vá à merda, Edoardo — despejou, indo em direção ao seu carro.
— O negócio aqui está quente, hein? — disse Leonello entrando no
casarão, ao passo que Edoardo saía e seguia para a edícula.
— O que está acontecendo? — perguntou ao entrar no escritório do
irmão.
— Roubaram uma carga — respondeu Tiziano, virando a cadeira
tranquilamente. — Se estiver drogado, dê meia-volta e saia da minha casa.
— Que porra de hipocrisia é essa? Você vende essas merdas, mas não
admite que a gente usufrua? — zombou o rapaz.
Tiziano o encarou e não precisou falar nada para dar seu recado.
— Só estou querendo ajudar — murmurou Leonello.
— Vindo à minha casa cobrar como comando a organização? Mesmo o
traficante mais idiota sabe que não deve usar o que ele vende. Se até agora
você não entendeu isso, é melhor ir embora. E só volte quando estiver
disposto largar esse vício imbecil — bradou, enchendo um copo com gelo e
uísque.
— Você sabe que eu respeito a organização e sempre quis fazer parte.
Me deixe ajudar.
Tiziano voltou a se sentar e tomou um longo gole do líquido âmbar sem
tirar os olhos do irmão.
— Eu não vou te aceitar enquanto for um viciado de merda. Nossa
criação foi uma bosta, mas eu sempre te aconselhei a absorver as poucas
coisas boas que aquele miserável falava e dispensar o resto, mas nem para
isso você serviu.
— Era para eu estar no lugar do Edoardo — lamentou.
— Exatamente. Se tivesse me escutado, teria alguma coisa além do
desprezo de todos, mas no momento você não presta nem para soldado.
— Eu... Vou provar meu valor, nem que para isso...
— Cuidado, Leonello, não prometa nada que não possa cumprir. É
melhor ir embora antes de falar mais besteiras. Não sou homem de dar
segundas chances, nem mesmo para você, irmãozinho.
Tiziano já havia perdido as contas de quantas vezes tentou tirar o
irmão do vício, já tinha até mesmo providenciado uma internação
compulsória, mas nada foi capaz de mantê-lo afastado do pó; a dependência
sempre falava mais alto e vencia as batalhas internas do rapaz.
Na infância deles, após a morte de Simona, Tiziano teve que ser forte
para enfrentar tudo o que Vito lhe mandava fazer, desde transar com
mulheres na frente de aliados para mostrar que já era um homem, até matar e
esquartejar pessoas a sangue-frio sem nem saber o motivo. Mas Leonello
sempre teve o pavio curto e a cabeça fraca e, mesmo com o irmão mais
velho ao seu lado tentando dar-lhe o apoio que não tivera para si, o garoto se
afundou no próprio pote de ouro.
Nomear Edoardo como subchefe foi o estopim para ele se afundar de
vez no mundo ilícito. Vivia na noite e não tinha uma prostituta dos bordéis
com a qual ele não tenha fodido, algumas até já haviam abortado filhos dele,
porque quando estava muito chapado, Leonello se recusava a usar camisinha.
Elas, por sua vez, não poderiam questioná-lo, então, por medo, apenas se
submetiam.
Por tudo isso, ele não tinha cargo algum na organização, sobrevivia
com o dinheiro que Tiziano lhe dava e usufruía dos privilégios de ser irmão
do Don sem a menor prudência. Todavia, sua verdadeira vontade era estar
ao lado do irmão, comandando a máfia com ele, sonho que tinha desde
menino.
Leonello saiu do escritório mais frustrado do que entrou e aquilo era
um perigo para ele.
Tiziano não sabia, mas ele já estava “se limpando”, contudo, ainda não
queria alardear.
Por muito tempo, a única coisa que injetava um pouco de endorfina em
seu cérebro era o pó branco, seu velho companheiro que nunca o deixava na
mão. Todavia, desde que resolveu parar, ele vivia no limite; mesmo tendo
trocado a euforia das drogas pela que sentia após uma intensa série de
exercícios, em dias como aquele, quando o estresse ia às alturas, seu
controle era quase nulo.
Ciente de que teria uma longa noite pela frente, foi diretamente para a
academia, onde encontraria alívio para as vontades indesejadas de seu corpo
e só sairia de lá quando estivesse tão cansado, que tudo o que conseguisse
fazer seria se jogar na cama e dormir.
CAPÍTULO 03

Depois da noite agitada, Tiziano não teve disposição para outra


rodada de sexo com Virna ou qualquer outra; tudo o que queria era cair na
banheira de sua suíte tendo somente um uísque como companhia, para esfriar
a cabeça e refletir sobre uma melhor estratégia para pegar quem ousara lhe
roubar.
Havia muitas pessoas com potencial para tal ato e se esforçaria para
manter as ideias no lugar e não agir por impulso, como acontecera com
outros Dons, que perpetravam uma retaliação antes de pensar. Totalmente
diferente de Tiziano, cuja estratégia era estar sempre à frente dos outros.
Não era a primeira vez que tentavam roubar uma carga sua, por isso
pediu para o engenheiro químico da famiglia desenvolver um corante que
pudesse ser adicionado à droga, sem interferir em sua puridade para, assim,
identificar sua mercadoria onde quer que ela estivesse.
E não foi nada complicado para o profissional desenvolver o pigmento
vermelho. Estava disposto a receber questionamentos dos compradores
sobre a pureza da sua droga, somente para saber quem era o traidor
miserável. Apesar de ter se prevenido, não esperava que algo assim
ocorresse, mas acabou que a carga foi roubada sem os ladrões terem a
mínima ideia daquele pó vermelho.
O itinerário foi estrategicamente divulgado para todos capitães,
juntamente ao horário em que o caminhão percorreria o trajeto, e era questão
de tempo até agirem.
Burros gananciosos. Era como Tiziano não se cansava de repetir: o
peixe sempre morre pela boca.
Deitado na enorme banheira preta, com a hidromassagem estimulando
cada músculo tenso de seu corpo, Tiziano sorriu, não de felicidade, mas
devido às ironias da vida. Ele fora criado para fazer e supervisionar as
coisas mais erradas possíveis. Só que, mesmo sendo um dos homens mais
poderosos da Itália, não tinha escolhas sobre a própria vida. E,
ironicamente, era muito bom no que fazia.
Uma simples alternativa de ir ou não passar o fim de semana em Ibiza
e aproveitar tudo o que a vida de solteiro poderia lhe proporcionar, assim
como andar pela Itália sem ser reconhecido, ou temido, não era possível.
Claro que também não era hipócrita, ele usufruía dos inúmeros
benefícios que o poder de seu cargo lhe outorgava, porém, era inevitável
imaginar como teria sido se tivesse feito escolhas diferentes no passado e
seu irmão era um dos motivos por estar pensando sobre o assunto.
Mesmo antes de degradar a própria vida, o maior sonho de Leonello
era fazer parte daquele mundo, tinha isso como objetivo de vida. Tiziano
ficava aborrecido ao pensar que tudo o que o irmão almejava, não havia se
realizado, todavia, o destino os fez assim, ou melhor, seu pai os moldou
desta forma e nada os faria voltar a ser aqueles dois meninos que se
escondiam atrás de uma redoma imaginária para se protegerem, junto a
Simona, da realidade nefasta em que viviam. Entretanto, tudo havia
escorregado ralo abaixo quando a caçula foi brutalmente assassinada.
Por causa daquilo, Vito entrou em sua mente e o obrigou a matar
Alessandro, transformando aquela ação em um divisor de águas. Talvez, se
fosse qualquer outro soldado, o trauma não tivesse sido tão grande, mas ele
era a única pessoa que demonstrava amor para as três crianças dentro
daquela casa amaldiçoada. Era aquele soldado que levava bolos em seus
aniversários, que dava conselhos, que os elogiava; tudo isso escondido do
Don, pois se suspeitasse, certamente o mataria.
Depois do que foi obrigado a fazer, os pesadelos passaram a visitá-lo
nas madrugadas e não conseguiu se olhar no espelho por anos a fio. Para
piorar, teve que aprender sozinho a superar o trauma, pois dentro da vida do
futuro Don não havia espaço para aquele tipo de frescura.
Mas o pior de tudo era a incerteza.
Quando Vito falou o que havia acontecido com a filha mais nova,
Tiziano acreditou, pois sentiu em seu âmago que ela não estava mais entre
eles. Mas sobre a culpabilidade de Alessandro, bom, quanto a isso ele nunca
teve certeza. Contudo, nunca havia questionado o pai sobre os detalhes da
morte da irmã, o tema Simona era um tabu em sua casa, ninguém mencionava
o nome da menina, era como se nunca tivesse existido.
Mas o assunto nunca saiu de sua mente, então, quando assumiu como
Don, resolveu investigar e acabou descobrindo que ela fora sequestrada e
encontrada morta horas depois, tudo isso quando estava sob a
responsabilidade de Alessandro. Além disso, encontraram ligações do
celular dele para os Massimos naquela mesma manhã e isso foi motivo
suficiente para ser condenado.
Para Tiziano, no entanto, a história estava muito mal contada. Por
conhecer Alessandro, não conseguiu engolir tudo o que foi dito, pelo
contrário, achou que havia muitas peças faltando naquele quebra-cabeça.
Isso lhe deu mais um motivo para continuar de cabeça erguida, pois não
ficaria em paz enquanto não encontrasse a verdade para, assim, cumprir a
promessa que fez à irmã pouco antes de seu caixão ser enterrado.
Ainda se lembrava de quando, aos quatorze anos, conseguiu se infiltrar
na casa do chefe dos Massimos e, como vingança, o matou. Mas ao contrário
do que ele imaginou, isso não lhe trouxera alívio, mas a ira já fazia parte de
quem era e se viu em um círculo vicioso.
Voltou de suas lembranças dando-se conta de que já estava há tempo
de mais embaixo da água e que o gelo de sua bebida havia derretido,
deixando o uísque aguado. Decidiu se enfiar no escritório e planejar seus
próximos passos até o dia raiar, uma vez que desde o seu aniversário de
onze anos ele não havia conseguido dormir uma noite inteira sequer e,
certamente, aquela não seria a primeira depois de anos.
Sentou-se em sua cadeira e sua mente astuta não conseguia parar de
elaborar estratégias, mas precisava de alguém para compartilhar, não
poderia deixar para depois o que seu raciocínio mandava resolver na hora.
— Bom dia — saudou com um sorriso, mesmo sabendo que a pessoa
do outro lado não veria.
— É sério isso? São quatro horas da manhã, mal saí daí, Tizi.
— Os inimigos nunca dormem, minha cara. Ligue para o Edoardo e
venham ao meu escritório, precisamos resolver o lance da carga.
Mesmo que eles tivessem saído da lá menos de três horas atrás, o
dever não tinha hora oportuna, principalmente para Tiziano. Ele estava
sempre com a cabeça fervilhando, nunca tinha espaço para descanso.
Antônia e Edoardo já estavam mais do que acostumados a receber ligações
de madrugada para resolverem algum problema ou simplesmente para
discutir alguma questão da famiglia.
— Vai me dizer o que está planejando?
— Estou esperando — declarou, desligando.
Sua prima era a pessoa em quem mais confiava na vida depois de seu
subchefe. Ela tinha um amor enorme pela famiglia e vivia em função disso,
assim como todos que tinham um cargo de tamanha importância. Era
conhecida como mulher de gelo, pois a frieza como tratava traidores nas
raras vezes em que esteve em ação se tornara notória, e suas ações eram
sempre comentadas entre os corredores da organização.
Edoardo, por sua vez, não era parente direto, mas filho de um dos
chefes da família Cavagnoli, subordinada a Tiziano, todavia, sempre fora
muito próximo e mostrou, sucessivas vezes, sua lealdade. Por causa disso se
tornara o segundo em comando.
Dez minutos haviam se passado e Tiziano já estava impaciente. Por
que raios Edoardo tinha que demorar tanto se morava dentro de seu terreno?
Mal finalizou o pensamento e ambos entraram no escritório.
— Achei que precisaria ir atrás de vocês — reclamou, levantando-se
da poltrona e acendendo um charuto.
A bela mulher se jogou em uma das cadeiras, enquanto Edoardo
permaneceu de pé, com a cara levemente amassada do travesseiro.
Tiziano expôs para eles o que havia pedido para o engenheiro fazer, e
o plano que seguiriam para pegar o maldito que teve coragem de o
confrontar.
Antônia estava com a boca aberta, sem acreditar no que seus ouvidos
escutavam, já Edoardo apenas tinha uma das sobrancelhas arqueadas. Ele
vivia para esperar uma nova cartada do chefe, mas viu ali que sempre
poderia se surpreender.
— Você é um gênio filho da puta — bradou Antônia.
— Eu sei — respondeu com uma piscadela.
— Quem vai envolver nesse plano? — inquiriu Edoardo.
— Os soldados que sempre usamos em operações mais sigilosas;,
quanto menos homens melhor... Vamos espalhá-los nessas regiões — falou,
apontando para o mapa esticado na mesa. — De acordo com o que
Domênico viu pelas câmeras de segurança, o carregamento não saiu da
região sul. É lá que vamos encontrar nossa mercadoria.
— Claro — disse, animada. — Vamos pegar esses traficantezinhos de
merda um por um até chegarmos no mandante de tudo.
— Vai ser difícil achar alguém que fale — declarou Edoardo.
Antônia estreitou os olhos para ele.
— Qual o problema? Está querendo dar pra trás, seu maricas? —
alfinetou.
Tiziano observava o embate dos dois sem dar palpite, instigando até
que chegassem onde ele gostaria.
— Temos que usar a inteligência, Antônia. Tiziano fez tudo perfeito até
agora, não podemos meter os pés pelas mãos. Qual a sua ideia? Pegar esses
traficantes de rua? Eles nem sabem a verdadeira origem do que vendem —
observou o subchefe. — Quem chefia aquela região?
— Exatamente — manifestou o Don. — É Franco quem comanda
aquela região e é nele que precisamos ficar de olho; se nossos homens virem
que o pó vermelho está sendo comercializado, acabou para ele.
— E se eles não venderem? — questionou Antônia.
— Nem que demore uma eternidade, eles vão vender, o corante é
irremovível e eles investiram muito no roubo, precisam do retorno.
— Também acho — disse Edoardo. — Eles não deixarão a
mercadoria parada, nem que precisem vender em outra região ou até mesmo
país.
— Tenho informantes em todo lugar do mundo e garanto, vou achá-lo.
Mandar a droga para outro lugar seria um risco alto, fora o tamanho do
investimento, é claro, por isso tenho certeza de que em algum momento o pó
vermelho vai aparecer por aí.
Edoardo fixou o olhar em seu chefe. Como sempre, estava resoluto,
certo de que muito em breve o ladrão estaria jogado em alguma sarjeta, com
a bala saída da arma do chefe no meio da testa.

O sol já estava sorrindo do lado de fora do escritório quando Rita, a


governanta, foi a avisá-los que o café da manhã estava servido.
Enquanto eles comiam, os chefes de cada família subordinada
começaram a chegar de toda a Itália.
Assim que Tiziano terminou seu desjejum, Domênico chegou e o
acompanhou até seu escritório. Vinte minutos depois, o hacker saía de lá com
a cabeça baixa, tentando esconder o pavor que sentiu de ser morto.
Mas aquilo não aconteceria, o Don sabia reconhecer e dar a culpa a
quem realmente pertencia e jamais descontava sua frustração nos serviçais.
Em vez disso, subiu para seu quarto e foi se preparar para a reunião
em que garantiria a seus capitães que em duas semanas, no máximo,
encontraria o responsável pelo roubo.
CAPÍTULO 04

A semana passou em um piscar de olhos e Tiziano não conseguia


esconder as constantes olheiras que o acompanhavam. Revezava-se em
resolver questões da famiglia, frequentar suas boates e fazer sexo, muito
sexo.
A sexta-feira chegou, mas para ele, não fazia diferença, todo dia era
dia e não esperava o fim de semana para ser feliz, pois na posição que
ocupava, não dava para saber quando seu fim chegaria.
Na terça-feira recebeu uma ligação de um amigo convidando-o para
almoçar. Paolo possuía uma vinícola e sua esposa, Chiara, tinha um
charmoso restaurante no mesmo terreno. Sempre que tinha uma oportunidade,
ele lhes fazia uma visita e aproveitava para saborear os maravilhosos pratos
que a chef elaborava.
No início, a esposa de seu amigo não conseguia nem permanecer no
mesmo ambiente que ele, por receio – ou talvez porque Paolo não gostasse
–, todavia, com o tempo, as coisas se normalizaram e os três acabaram
desenvolvendo uma amizade verdadeira e à parte da realidade em que
Tiziano vivia todos os dias.
Quando estavam juntos não existia o Don, ele era um homem comum
aproveitando uma refeição com seus amigos “normais”.
Colocou uma polo branca, um jeans escuro e o Ray Ban preferido para
compor o look casual. Porém, devido a sua beleza, charme e confiança, a
roupa mais simples se transformava em peça de alta costura.
— Irei no Aperta — avisou aos guarda-costas, referindo-se à sua
Ferrari conversível. Queria aproveitar a linda vista e o ar fresco daquele dia
maravilhoso.
— Sim, Sr. Pellegrini — respondeu o chefe de segurança que sempre o
acompanhava.
— Chefe — chamou Antônia antes que ele abrisse a porta do carro.
— Hum... — respondeu, virando-se para ela.
— Uau, parece um daqueles modelos bem malvadões.
— Veio aqui me falar o que já sei? — perguntou rindo e tirando os
óculos.
— Não.
— Então o quê? Descobriram algo sobre a carga roubada?
— Ainda não, mas estamos chegando perto.
Antônia parecia apreensiva, ainda na dúvida se devia falar o que
estava em sua cabeça.
— Continuo esperando...
A conselheira olhou para os lados, confirmando que os seguranças não
poderiam escutá-los, e disse:
— Acho que devemos ficar de olho no Edoardo.
Ouvir aquilo o pegou de surpresa e Tiziano respirou fundo antes de
questionar:
— O que está querendo dizer com isso?
— Ontem ele estava tendo uma conversa sussurrada ao telefone.
Infelizmente não consegui escutar nada, pois assim que me viu, desligou.
— Edoardo sempre foi reservado, tem os contatinhos dele.
— Sei lá, achei estranho — disse ela.
— Semana passada você estava ao telefone e desligou assim que
cheguei e não é por isso que desconfiei — falou Tiziano, aproximando-se.
— Vocês dois são as pessoas em quem mais confio nesse mundo. Se eu tiver
qualquer motivo para desconfiar de um ou de outro, tomarei minhas
providências, o que não admito é esse tipo de picuinha. Se você não gosta
dele o problema é seu e eu esperava uma atitude mais madura da sua parte.
— Não quis...
— Vá resolver seus problemas com ele de outra forma e sem me
envolver.
Sem esperar resposta, ele colocou novamente os óculos, entrou em seu
carro e saiu da propriedade.
Até aquele momento, seu subchefe nunca havia dado indício de ser
suspeito, Edoardo sempre foi mais calado e até um pouco misterioso, porém,
era como um irmão para ele, mesmo assim, Tiziano começaria a ter outro
olhar, pois confiança de mais nunca era muito bom.
Mandou o sentimento de desconfiança embora e focou na paisagem que
o cercava, outra sensação, esta agridoce, o invadiu. Sempre que via algo
bonito lembrava-se de sua irmãzinha e isso o enchia de saudade, mas, ao
mesmo tempo, acalentava momentaneamente seu coração de pedra.
Foi com esse misto de emoções que dirigiu até a Vinícola Castelli.
Estacionou em frente à casa principal e quando saiu do carro, teve as
pernas agarradas em um abraço apertado.
— Oi, primeira-dama — saudou Tiziano a Maria, filha de Paolo.
— Oi, tio príncipe, sabia que vou ter mais dois irmãos? — apressou-
se em contar assim que se afastou. — Mamãe tá grávida de mais dois bebês
e o papai quase desmaiou. Acho que o fluxo menstrual dele estava muito
intenso.
— Uau — declarou, extasiado com a desenvoltura da garotinha e a
pegou no colo. — Seu pai precisa de um ginecologista.
— Maria, a visita vai começar, não vai acompanhar o Lorenzo? —
gritou Chiara, saindo na varanda.
— Tio, eu preciso ir, nada funciona aqui se eu não estiver de olho,
sabe como é, né?
Com essas palavras, a pequena se desvencilhou do colo de Tiziano e
saiu apressada em direção ao parreiral.
— Oi, Tiziano — cumprimentou Chiara, dando-lhe um abraço.
— Quer dizer que está grávida?
— Essa Maria é faladeira. Mas, sim, de gêmeos novamente —
respondeu com um largo sorriso.
— Meu Deus! Vocês acham que estão na arca de Noé e precisam
repovoar a terra?
— Engraçadinho — disse, apertando a bochecha do rapaz. — Vá indo
lá para o restaurante. O Paolo está terminando um telefonema e já nos
juntaremos a você.
Tiziano acenou para os seguranças ficarem por ali e caminhou para o
restaurante, que ficava a poucos metros da casa grande. Acomodou-se à
mesa preferida e ficou observando as dezenas de hectares de plantação que
se descortinava à sua frente.
— Ainda não se acostumou com a vista? — perguntou Paolo alguns
minutos depois, apontando para o parreiral.
— Nunca irei — respondeu Tiziano, pegando o amigo num de seus
abraços, coisa que Paolo parou de reclamar há muito tempo. — Mais dois
catarrentinhos, hum! Acho que vou precisar trocar o carro que te dei por um
ônibus.
Ambos se sentaram no instante em que o garçom se aproximou e servia
uma taça do vinho predileto do mafioso a cada um.
— Para quem não queria nem um relacionamento, acho que estou me
saindo muito bem, não é?
— Depende do ponto de vista. Na minha opinião, já está passando dos
limites...
— Não podemos fazer nada se você não encontra ninguém que te
aguente — alfinetou Chiara, juntando-se aos homens.
— É aí que você se engana, eu é que não as aguento por muito tempo.
Chiara revirou os olhos, divertida.
— Aham...
— Como anda sua vida? — perguntou Paolo, mesmo não querendo
saber exatamente a resposta.
O casal conhecia a vida de Tiziano e tentava se manter afastado dos
assuntos da máfia o máximo que conseguiam. Para eles, já bastava o passado
de Paolo.
— Não acho que esteja querendo saber que roubaram uma de minhas
cargas ou que meu irmão continua se acabando de tanto cheirar, não é? —
objetou com um sorriso.
— Não, poupe-nos dos detalhes.
— Então não tenho nada de interessante para contar — concluiu,
recostando-se na cadeira.
— Posso fazer uma pergunta? — inquiriu Chiara. — Curiosidade.
— Fique à vontade.
— Cuidado com o que vai perguntar — alertou Paolo à esposa. —
Senão vai ouvir o que não quer...
— Vocês, os chefes, não precisam se casar?
— Sim, faz parte. Assim como ter herdeiros para perpetuar os
negócios.
— E...
— E já estou sofrendo algumas pressões, mas não me renderei tão
fácil. Não sou homem de uma mulher só, então, minha cara, vou protelar o
máximo que puder.
— Me chamou, Chiara? — perguntou Agnes, secretária do casal,
aproximando-se da mesa.
Diferente da maioria das pessoas, e como de praxe, ela ignorou o
convidado esquisito dos patrões, era como se nem estivesse ali.
Em oposição, sempre que a via, ele era incapaz de tirar os olhos da
bela jovem. Agnes era linda com seus longos cabelos castanhos e traços
angelicais, totalmente diferente das acompanhantes às quais o homem estava
habituado. Talvez por isso ela lhe chamava tanta atenção.
— Chamei, sim. Será que você poderia dar uma olhada naqueles dois
danadinhos lá no parreiral? O Lorenzo fica louco com eles lá.
— Claro — respondeu com um sorriso, olhando rapidamente para o
homem com sua visão periférica. — Com licença.
— Nossa... Para uma religiosa você é bem mal-educada — alfinetou
Tiziano antes que ela saísse.
— Boa tarde, Sr. Pellegrini — respondeu a contragosto, irritando-se
ao ver o esboço de um sorriso no rosto dele.
Agnes não era uma mulher grosseira e não costumava ter esse tipo de
atitude com as pessoas, porém, havia algo meio nebuloso nele, sem contar a
forma desrespeitosa como a encarava; costumava se sentir nua em sua
presença e extremamente incomodada.
Ele, por sua vez, não fazia questão nenhuma de esconder o interesse
que tinha pela moça desde a viu a primeira vez em que a viu, no casamento
do amigo.
— Que tal um abraço? — perguntou, atrevido, com os braços abertos.
— Pode ir, Agnes, obrigado — intrometeu-se Paolo e a moça se
apressou em sumir dali. — Será que você pode parar?
— Parar? Não estou fazendo nada, só pedi um abraço. Sou carente,
fazer o quê?
— Já falei que ela não é para o seu bico.
— Não mesmo! Mantenha esse pau dentro das calças quando estiver
perto dela, ouviu? — ameaçou Chiara, levantando-se. — Vou até a cozinha
ver como as coisas estão — avisou, mas, antes de sair, deixou um beijo na
testa do amigo e outro na boca do marido.
— Sua mulher tem mais culhões que você — debochou. — Gosto
disso.
— Nós estamos falando sério, Agnes é como se fosse da família.
— Eu também. E só para você saber, meu coração se despedaça
sempre que ela me ignora desse jeito — reclamou com a mão no peito e uma
careta no rosto, como se tivesse sido ferido.
— Você pode falar sério uma vez na sua vida? Não dê uma de Charlie
para cima dela.
— Charlie? — perguntou, curioso.
— Nunca assistiu Two and a Half Men? O Charlie ama beber, fumar e
dá mole para qualquer coisa que use saias.
— Mas aposto que sou muito mais bonito — gracejou.
Como se o companheiro não tivesse dito nada, Paolo continuou:
— Sem contar o tanto de doenças que deve ter tido por enfiar isso aí
— apontou para o meio das pernas do amigo — em qualquer lugar.
— Qualquer lugar, não... Só em bundinhas apertadinhas.
— Você é nojento.
— Apenas verdadeiro, amigo.
— Paolo — chamou Agnes —, o Andrea foi pegar um cacho de uva
para uma visitante e acabou caindo da escada.
— Onde ele está? — perguntou o vinicultor, levantando-se num pulo.
— Calma, ele está em casa, só machucou um pouco o braço, mas ficou
manhoso.
— Certo. Não conte à Chiara para preocupá-la à toa — declarou e
olhou para Tiziano. — Já volto.
Dizendo isso, saiu em direção à sua casa, deixando Agnes sozinha com
o rapaz, que abriu o sorriso costumeiro e encarou a moça.
— Tenho certeza que ele quis impressionar alguma visitante mirim,
esse menino ainda tem muito que aprender. Não é assim que se conquista
uma moça.
Agnes estava visivelmente nervosa, louca para sair dali, mas quando
fez menção de se virar para fazer exatamente isso, o homem disse:
— Nossa, vai me deixar aqui sozinho? Por que não me faz companhia
enquanto o Paolo não volta? Juro que não mordo — garantiu,
despreocupadamente, apoiando uma perna sobre a outra.
— Não é minha função ser sua dama de companhia.
Tiziano não pôde evitar que uma risada alta saísse de sua boca.
— Não falei isso, só não quero ficar sozinho.
— Chame seus capangas.
— Eles não são tão boas companhias.
— Tenho certeza de que te tratam bem melhor do que eu.
— Esse seu jeito carinhoso me deixa cada dia mais apaixonado,
sabia? — confessou, todo galanteador.
— Você não me viu sendo grossa ainda.
— É disso que eu estou falando! — Gargalhou. — Você me faz rir
mais do que qualquer outra pessoa.
— Sim, sou a comédia em pessoa. Bom, com licença...
— Não, espere! — chamou, fazendo a moça de virar novamente. — O
que acha de sair comigo?
— Não.
— Nem se formos a uma missa?
Agnes lhe dirigiu um olhar furioso.
— Você não se cansa de troçar de mim?
— E você não se cansa de quebrar meu coração?
— Olha — disse ela, sentando-se na frente dele com os cotovelos
apoiados no tampo da mesa —, eu não sei quem você é e você também não
me conhece, mas vou te falar uma coisa: eu sou uma pessoa tímida, o
completo oposto das mulheres que te atraem e com quem você costuma se
envolver, e não gosto desse tipo de brincadeira.
— Como sabe o tipo de mulher que me atrai?
Uma das sobrancelhas de Agnes se arqueou e elas desceu o olhar pelo
corpo longilíneo do homem, como se a resposta fosse óbvia.
— Não julgue o próximo — advertiu ele com aquele sorriso não saía
de seu rosto nem quando estava torturando alguém.
— Então pare de zombar da minha crença.
— Não estou zombando — afirmou, jogando o corpo para frente e
ficando na mesma posição da moça. — Eu só quero... Te conhecer melhor.
— Sem chance. Acha que não conheço seu tipo? O fato de ser
religiosa não me transforma em uma alienada.
— Uma apunhalada atrás da outra — protestou, levando a mão ao
peito novamente.
Agnes suspirou pesadamente e se pôs de pé.
— Passar bem, Sr. Pellegrini.
Com um largo sorriso, Tiziano observou a maravilhosa mulher se
afastar.
No instante seguinte, viu Paolo se aproximando com cara de poucos
amigos.
Já vou levar outra bronca, pensou, sorrindo amplamente.
CAPÍTULO 05

Após ser recriminado pelas investidas em Agnes, o assunto foi


esquecido e os três amigos apreciaram o delicioso almoço feito por Chiara.
Ao chegar à sua casa, extremamente relaxado, Tiziano se deparou com
Edoardo e Antônia o esperando em sua sala.
— Adoro recepções calorosas — zombou. — Quem vai começar a
dizer o que houve? — inquiriu e foi até o bar onde se serviu de um copo de
uísque.
— Pegamos o maldito — iniciou Antônia, vitoriosa.
— Foi mais rápido do que imaginávamos. Que bom, enfim uma notícia
boa para se comemorar. Levaram-no para o galpão?
— Não é o nosso cara ainda — respondeu Edoardo olhando irritado
para Antônia —, mas é por meio dele que vamos chegar ao mandante.
— Estamos esperando o quê? Vamos nos divertir — declarou Tiziano,
virando o restante do líquido garganta abaixo.
Em menos de cinco minutos ele já estava de volta em seu esportivo. A
conselheira e o subchefe foram juntos no carro de trás acompanhados dos
demais soldados.
O caminho até o galpão era relativamente longo, pois este se
encontrava no outro extremo da cidade, longe da área urbana. Tratava-se de
uma fábrica de colchões desativada que a família Pellegrini comprou em um
leilão alguns anos antes.
Logo após a compra, os trabalhos dentro do galpão foram retomados
para que ficasse acima de qualquer suspeita, mas também para lavar
dinheiro. Tiziano juntou dois problemas e resolveu com uma solução.
No fundo da construção havia um acesso para uma área escondida. Era
para lá que homens e mulheres eram levados a fim de serem “interrogados”.
— Boa tarde, pessoal — saudou o Don, alegremente.
O homem amarrado na cadeira arregalou os olhos quando avistou
Tiziano e, naquele momento, o mafioso soube que não iria se demorar muito
por ali.
— Ah, é, você não pode responder, que cabeça minha.
Ele colocou uma cadeira em frente à do homem e antes de se sentar,
tirou a fita que tampava sua boca em uma puxada só.
— Eu só vendo, senhor... Por favor, não sei de nada — afirmou ele,
desesperado.
— Você é afobado de mais — respondeu, recostando-se na cadeira e
cruzando as pernas.
Sua faca, conhecida de muitos cadáveres, foi retirada da bainha que
ficava no cós da calça e Tiziano começou a alisar o fio tranquilamente.
— Está bem... Eu falo — gritou o prisioneiro ao ver aquilo.
Além de afobado, é frouxo, pensou o mafioso.
— Que ótimo, porque eu sou um cara paciente, mas a Gina — ergueu a
arma à guisa de apresentação — não é tanto assim...
— Quem me vendeu foram os Dal Ri.
— Os Dal Ri? Tem certeza disso? — perguntou, intrigado.
— Sim, eu juro. Por favor, não me mate, não tenho por que mentir.
— Qual seu nome?
— Carlo — disse com a voz trêmula.
— Sabe, Carlo, eu tive um dia tão bom hoje — começou, levantando-
se —, não queria estragá-lo com sangue, então vou pedir um favorzinho, será
que posso contar com você?
O rapaz olhou para Tiziano, incrédulo com as palavras que ouvia;
achou que talvez estivesse delirando pelos inúmeros tapas que levou na
orelha, mesmo assim respondeu:
— Claro. Qualquer coisa que o senhor quiser.
— Quero que vá até os Dal Ri e mande esse presente para eles.
— O quê?— inquiriu o rapaz, esperançoso. — Qual pre...
Antes que ele terminasse de falar, Tiziano amputou dois de seus dedos,
em uma velocidade recorde.
— Avise que estou dando doze horas para me contarem quem vendeu
minhas drogas a eles — disse enquanto o homem gritava e colocou os dedos
em seu bolso. — Se isso não acontecer, eu vou atrás das famílias deles. Está
me entendendo? — Quando Carlo assentiu, ele continuou: — E se abrirem o
bico para alguém, a promessa se cumprirá da mesma forma.
Apesar da dor, o homem assentiu.
— Compreendeu o que falei? — inquiriu, sério.
— S-sim — respondeu, choroso.
— Ótimo — disse, levantando-se. — Larguem-no em frente à
rodoviária.
— Chefe — chamou Antônia, assustada, enquanto dois soldados
começavam a soltar o prisioneiro. — Vai deixar ele ir?
— Foi o que eu falei, não foi?
Alguns minutos e o galpão já estava vazio, somente com Tiziano,
Antônia, ainda incrédula, e Edoardo, indiferente como sempre, além de dois
soldados.
— Não estou entendendo. Por que não matou o infeliz?
— Ele é um traficantezinho de merda, que na primeira oportunidade
foi pego, Antônia, não vai nos causar nenhum problema. Além disso,
precisamos que ele envie o recado.
— Mas ele disse que foram os Dal Ri.
— Não foram eles que me roubaram.
— Como sabe? — inquiriu Edoardo, soando levemente apreensivo.
— Simples. Eles atuam na região norte, minha carga foi roubada no sul
e não saiu de lá. Os Dal Ri compraram do cara que procuramos, entendem?
— Foi uma organização do sul — constatou o subchefe.
— Sim. Vamos esperar que logo receberemos um telefonema.
— Isso não vai atrapalhar a festa?
— Claro que não, a festa é só na sexta-feira, amanhã já estaremos com
esse problema resolvido.
A festa a que Antônia se referia, seria oferecida no fim de semana
seguinte a membros da famiglia criteriosamente escolhidos. Os convites
para tais eventos se mostravam disputadíssimos, uma vez que eram
conhecidos por todo o submundo da máfia como um grande acontecimento,
regado a muita bebida, pessoas bonitas e diversão.
Como de costume, seria a governanta de Tiziano quem organizaria, por
isso ele não estava preocupado. Pelo contrário. Na certeza de que algo
decisivo aconteceria nas próximas doze horas, ele aguardou pacientemente
em seu escritório, entre charutos e bons destilados, até que seu telefone
tocou.
— Ainda faltam seis horas, mas gostei de saber que vocês têm bom
senso.
— Foram os Palmieri que nos venderam, jamais compraríamos se
soubéssemos que a droga era sua.
Silenciosamente, Tiziano ficou esperando uma explicação mais
plausível.
— Don, a gente tá junto... Somos nós que ajudamos sua droga a
transitar da Lombardia para a Suíça e de lá para outros lugares, nunca demos
motivos para desconfiança.
— Exato, mas aquele seu merdinha estava vendendo minha droga
dentro da cidade.
— Você sabe que não fomos nós que a roubamos, ou não teria apenas
cortado o dedo do Carlo.
— É, eu sei. Quanto aos dedos, foi um aviso para você verificar
direito a origem da mercadoria que compra.
— Farei isso — disse o líder dos Dal Ri.
— É sempre um prazer fazer negócios com vocês.
Com essas palavras, Tiziano, desligou o celular, tomou um gole de seu
uísque e se recostou na poltrona para digerir aquela informação.
Os Palmieri eram velhos conhecidos da Compagni. As duas famílias já
haviam tido alguns conflitos relativos à tomada de territórios, de forma que a
história fazia sentido.
Levou alguns minutos para traçar um plano. Com isso feito, ligou para
Edoardo, que dedicaria sua madrugada para se certificar que não sobraria
um miserável daquela família.
O dia amanheceu já com Tiziano aguardando, ansiosamente, por seus
ilustres convidados.
— Fazia tempo que não ficava ansioso para a chegada de alguém —
desdenhou ele no exato momento em que os soldados empurravam cinco
homens para dentro do galpão. — Ué... Cadê as bolas de vocês? Tiveram
culhão para me roubar e agora não conseguem nem me olhar nos olhos!? Que
desfeita — concluiu fingindo angústia.
— Eles mentiram, nós não temos nada com isso — dedurou um dos
homens.
— Além de acharem que eu não iria descobrir, ainda pensam que eu
sou burro — constatou o Don com falso pesar e respirou profundamente.
— Foi o Roberto — apontou o último homem. — O restante de nós
não tem nada com isso, não sabíamos que a droga era sua.
— Seu traidor, filho da puta — xingou Roberto, que puxava a fileira.
— Eita, que o show vai começar. Querem se sentar para assistir de
camarote? — perguntou Tiziano a Antônia e Edoardo, que assistiam tudo no
canto do cômodo.
— Nós recebemos todas as informações de mão beijada, só
executamos o plano — o acusado informou.
— Bom... Só para constar, já cobri meu prejuízo, com juros é claro, de
uma conta qualquer da família, então isso aqui é somente para diversão
mesmo, pois ninguém me rouba e sai ileso.
— Foi só o Roberto — choramingou outro rapaz.
— É, você está muito ferrado, Roberto — manifestou-se Antônia,
divertida.
— Devo concordar com ela — Tiziano comentou, levantando-se da
cadeira. — Que os jogos comecem — decretou, tirando Gina da bainha.
Após um banho longo o suficiente para tirar todo respingo de sangue
que ainda restava em seu corpo da carnificina ocorrida no galpão, há poucas
horas, decidiu ligar para Paolo e chamar os amigos pessoalmente para a
festa. Eles sempre eram convidados e nunca aceitavam, porém, tinha
esperança de que com a insistência, os amigos mudassem de ideia em algum
momento.
Obviamente o vinicultor tinha celular, contudo, Tiziano jamais
perderia a chance de ouvir a voz de Agnes, que atendeu na segunda chamada.
— Boa tarde, meu amor.
— Sr. Pellegrini, no que posso ajudar?
— Quanta formalidade, nem parece que virá à minha festa no fim desta
semana — declarou, rodando na cadeira do escritório.
— Nem em sonho. Não gosto desse tipo de ambiente.
— Tem certeza? Eu chamei o papa só para garantir a sua presença.
Agnes ficou calada como se cogitasse a possibilidade de ser verdade,
mas logo começou a se sentir uma tola por supor tal absurdo.
— Se soubesse que você tencionaria em vir se chamasse o papa, eu
mesmo ligaria para ele.
— Você não tem escrúpulos mesmo, né? Não sei por que ainda perco
meu tempo...
— Existe um ditado que diz assim: Quem desdenha quer comprar.
— Existe outro também: Antes só do que mal acompanhada.
— Ah, nem acredito que achei alguém que também gosta de ditados.
Você realmente é a minha cara-metade.
— Árvore que nasce torta, morre torta.
— Você quer mesmo me conquistar, não é? — perguntou, soltando a
fumaça do charuto e sorrindo abertamente.
— Quero que você pare de me cercar.
— Jamais, minha beata.
— Abusado, se estivesse aqui, te daria um belo tapa na cara.
— Já falei para não perturbá-la, você não sabe a hora de parar? —
repreendeu Paolo, pegando o telefone da mão da Agnes.
— Bom falar com você também — iniciou, como se não tivesse
levado uma bronca, recostando-se na cadeira. — Será que posso contar com
a presença de vocês em minha festa este mês?
— Não vai dar, a Chiara estará com tosse.
— É mesmo? Talvez seja melhor, assim não precisa trazer bolo para a
festa.
— Se ela te escuta, você é um homem morto. Chi não vai querer saber
se é o chefe da porra toda.
— Ainda tenho a esperança de um dia, quem sabe, conseguir sua
ilustre presença.
— Quem sabe...
— Tenho certeza de que Maria gostaria de vir para expandir os
negócios e Andrea, para azarar algumas gatinhas — declarou com uma
risada alta. — Na realidade, acho que ele parece mais comigo do que com
você, uma vez que desde que casou, está meio molenga, mas tenho uma
suposição. Acho que Chiara arrancou suas bolas.
Após mais algumas reprimendas de Paolo, eles falaram sobre
negócios, afinal, ambos tinham interesse no assunto e após o vinicultor
recusar de vez o convite para o evento, a ligação terminou, junto ao segundo
copo de uísque.
Antes de dormir, o último pensamento de Tiziano foi para “sua” beata
maravilhosa. Sabia que teria sonhos alucinantes com ela naquela noite e
estava certo de que iria para o inferno por aquilo – e tantas outras coisas; a
lista era tão grande, que já dava um pergaminho.
CAPÍTULO 06

Era a manhã do dia da festa e Tiziano estava animado em ver a


celebração tomando forma. Parecia que os problemas nos negócios haviam
dado uma trégua e depois do último incidente com a carga de drogas, que
logo foi resolvido com alguns litros de sangue derramados, as coisas
pareciam mais tranquilas. No fim das contas, o homem fez jus à posição que
exercia e provou, mais uma vez, que era um Don astuto e atento a tudo o que
acontecia ao seu redor.
No momento em que se tornou chefe, muitas coisas haviam mudado
dentro da organização e todos já sabiam que não era uma boa ideia traí-lo,
eram raros os homens que se atreviam.
Devido ao que aconteceu com sua irmã, Tiziano aboliu qualquer tipo
de maus-tratos a crianças, fossem elas meninos ou meninas, dentro da
organização. Junto a isso, decretou que nenhuma mulher fosse agredida ou
estuprada por qualquer homem da famiglia. Deixou claro que se algum caso
chegasse aos seus ouvidos, o responsável perderia, literalmente, o membro
utilizado para a agressão, independentemente de ser o pé, a mão ou o pau.
A mando dele, muitas das normas arcaicas que ninguém ousara mexer,
foram mudadas, fazendo com que nascesse uma nova era na máfia. E Tiziano
era duro com regras que fazia e muito mais com o cumprimento delas.
Aqueles que duvidaram viviam amargando as consequências de sua
desobediência.
Mas isso serviu para que os outros aprendessem e por causa disso,
nunca mais nenhuma criança ou mulher, independentemente de ser esposa ou
filha, foram agredidas, o que fez com que o novo chefe fosse muito bem
aceito pelas mulheres da organização, mas causando uma animosidade ainda
maior entre os homens.
Para completar, com o passar do tempo, ele resolveu redistribuir os
lucros, que estavam muito concentrados nas posições mais altas da pirâmide.
Isso fez com que diminuísse significativamente o número de traidores entre
os soldados, pois, uma vez que estavam todos recebendo a mais pelos
serviços que sempre fizeram, não tinham motivos para se venderem aos
opositores da famiglia.
Claro que ainda existiam aqueles mais ambiciosos, porém, não havia
comparação com os anos anteriores, onde os Dons tinham que cuidar de
algum traidor toda semana.
Nada daquilo, no entanto, fazia com que tivessem a ilusão de que
viviam em um conto de fadas, porque não era verdade. Ainda trabalhavam
no submundo com coisas ilegais, subornando, traficando e matando quando
necessário. Tudo o que queria era dar algum lampejo de decência para
aquele mundo cruel, pelo menos para as mulheres e crianças, exceto,
evidentemente, àquelas que traíam a famiglia de alguma forma, com essas, a
conversa era um pouco diferente e o tratamento era o mesmo dado aos
homens.
— A festa vai ser linda, primo — disse Antônia, animada.
— Como sempre — constatou ele, roubando um petisco da mesa já
pronta.
O andar térreo todo foi destinado à celebração do evento, e, naquele
momento, dezenas de pessoas iam e vinham a fim de decorar o ambiente e
deixá-lo impecável para a festa.
A mesa, que fora alocada no cômodo adjacente, continha as mais
variadas comidas, algumas em travessas, outras servidas em porções
individuais. Os vinhos e champagnes, como sempre, foram fornecidos pela
vinícola Castelli e as centenas de litros de uísque, por uma importadora
associada.
Os garçons já estavam apostos, com os smokings alinhados e as luvas
brancas calçadas, preparados para os convidados que logo começariam a
chegar.
— Você já está pronto?
— Claro que não. Nem tomei meu banho nem recebi minha massagem
com óleos essenciais ainda.
Ambos se locomoveram até o gigantesco sofá branco de couro e se
acomodaram.
— Você é pior que mulher, nem mesmo eu faço tudo isso.
— Você não conta, Antônia, ainda duvido que seja mulher.
— Assim me magoa — comentou, rindo.
— Não me surpreenderia se visse um pinto no meio de suas pernas.
— Idiota. Enfim, mudando de assunto... Acho que o Samuele vem, ele
está na cidade — disse meio sem jeito.
— Olha, que surpresa. Nunca mais vi seu irmão desnaturado.
— Ele só não quis...
— Eu sei, Antônia, não se preocupe, seu irmão é bem-vindo.
— Que bom... Estava preocupada com o que iria achar.
— Não precisa, já convive comigo tempo o bastante para me conhecer.
— Sim, inclusive estou te achando diferente.
— Sou um camaleão, estou em constante mudança.
— Nada disso, tem algo a mais...
— Tem, sim, estou ansioso para trepar esta noite.
— Porque deve fazer anos que não transa — zombou, revirando os
olhos. — Bom, deixa eu ir me arrumar, não faço o seu ritual de beleza, mas
mereço ao menos um tempinho para mim.
Antônia depositou um beijo na testa do primo e se levantou.
— Lave bem esse pinto — caçoou Tiziano quando ela se afastou e no
mesmo momento recebeu um dedo do meio em resposta.
O rapaz, subiu os dois lances de escada a fim de se arrumar.
O último andar da casa era todo destinado aos seus aposentos. O
ambiente, maior que muitas casas, era composto por uma pequena cozinha
com frigobar, um quarto enorme e um banheiro que mais parecia um spa.
Ali era sua fortaleza particular, uma espécie de santuário que não
dividia com ninguém, nem mesmo com suas acompanhantes, que eram
levadas a um cômodo anexo, restrito a ele.
Depois do ritual, Tiziano olhou-se no espelho e gostou do que viu.
Vestia uma calça jeans clara e justa e uma camisa branca que moldava os
músculos de seu peito e braços. Para completar, usava um cinto marrom e
sapatos italianos na mesma cor. Os olhos azuis, em contraste com os fios
negros e a barba por fazer, davam a ele um ar sedutor e despretensioso,
pronto para arrancar corações por onde passasse.
Os convidados não paravam de chegar, membros da famiglia,
políticos, juízes, ministro do vaticano e o primeiro-ministro. Todos estavam
associados com a organização.
Capos de toda Itália acompanhados por suas esposas também faziam
questão de marcar presença e, com uma pitada de sorte, conseguir
pretendentes para suas filhas. Ali era um evento perfeito para isso, pois os
nomes mais importantes do país estavam presentes.
— É por isso que o país está nas suas mãos — disse Edoardo,
pegando Tiziano em um raro momento de solidão. — Arrisco dizer que todos
as famílias estão aqui.
— Sim. Formenti, Gobbo, Lombardi... Até os Piccoli vieram dessa
vez.
— Não adianta ficar escondido, seja aqui ou na próxima reunião, o
conselho vai te cobrar uma posição sobre seu casamento.
Com essas palavras, Edoardo se retirou e caminhou em direção a um
grupo de homens próximo dali.
Aquelas palavras foram como um soco no estômago de Tiziano. Ele
bem que gostaria de eliminar essa tradição idiota de casamentos arranjados,
pois matrimônios que aconteciam por amor já eram difíceis, imagina com
quem não se tem intimidade alguma.
Mas isso era algo complicado de mudar, precisava assumir que
grandes alianças aconteciam devido a esse tipo de união. Ele poderia
protelar, mas, no fim, não teria como fugir de seu destino.
Só que aquele não era o momento de queimar os neurônios com a
futura prisão que o aguardava e sim de curtir a noite, pensaria nesse assunto
depois. E foi o que fez.
— Meu Don — disse Marco, um dos capitães, aproximando-se com os
braços abertos.
— Marco — respondeu sério, retribuindo o cumprimento com secura.
Tiziano nunca havia ido com a cara dele, simplesmente por ter sido um
grande amigo de seu pai.
— Que festa maravilhosa. Como estão as coisas?
— Ótimas, como pode ver — respondeu Tiziano.
— Sim, sim... Também devo dar os parabéns por sua gestão, os
negócios estão de vento em popa — falou, batendo no próprio bolso.
— Quando um peixe trabalha sozinho ele sobrevive, quando trabalha
em equipe, ele vive e vive bem.
— Bela observação — disse com um sorriso. — Bem... Vou
cumprimentar o restante das pessoas. Parabéns de novo, esta festa já vai
ficar para a história, tenho certeza.
Levemente incomodado, Tiziano não saiu do lugar, somente observou o
homem se afastar e se juntar a um grupo tão asqueroso quanto ele.
Pegou outro copo de uísque e voltou a circular entre os convidados, todavia,
não ficou muito tempo com ninguém. Como chefe, precisava parecer
acessível, mas não íntimo demais, e nisso ele era expert.
— Meu amigo — disse um homem baixo e carrancudo.
Tratava-se do Capo da família Zappa, na região da Sicília,
responsável pelo contrabando de armamento que chegava por seu porto. Era
um grande aliado e amigo de longa data.
— Os anos passam e você não muda — observou Tiziano com um leve
sorriso no rosto.
— Minha mulher está me levando ao dermatologista — esclareceu
quase em um sussurro.
— Olha só, então o que vemos aqui são litros de Botox e ácido
hialurônico. Achei que era a genética.
O velho gargalhou.
— Não, isso é fruto de tecnologia e um bom médico.
Ambos riram.
— E a família como vai?
— Muito bem, obrigado por perguntar. Como dever saber, minha filha
mais nova vai completar 18 anos no final do ano; uma bela e intocada jovem.
Estava demorando... Que fetiche esse povo tinha casamento!
— Que bom, meu amigo, estou torcendo para que encontre um ótimo
partido para ela.
— Zappa — saudou Vito, espalhafatoso, impedindo qualquer resposta.
Quem havia convidado ele mesmo?, pensou Tiziano
— Vito, quanto tempo não te vejo. Achei que já tinha ido dessa para
uma melhor — declarou o velho conhecido.
— É o que muitos desejam, mas não chegou minha hora ainda.
— Vaso ruim não quebra, meu amigo — disparou Tiziano, dando um
último gole no líquido em seu copo.
— Então somos todos eternos — afirmou Zappa numa tentativa de
anuviar o clima que se formou.
A insatisfação com a presença do pai estava nítida no rosto de Tiziano.
Era como se ele sugasse qualquer coisa boa que houvesse dentro dele.
Jamais conseguiu perdoá-lo pelo que ele e seus irmãos passaram quando
crianças e sabia que nunca conseguiria.
Ao ser perguntado a respeito da esposa, Vito disse que ela tinha ficado
em casa, o que não era novidade, pois a depressão havia pegado a mulher de
tal forma que mal conseguia sair da cama nos últimos anos e o marido pouco
se importava.
— Estava aqui conversando com seu filho sobre minha filha, ela está
linda e superprendada.
— Aposto que sim — falou olhando para Tiziano, que na mesma hora
entendeu o que o pai estava pensando.
— Quando eu escolher minha futura noiva, comunicarei a todos, não se
preocupem, mas obrigado pelo interesse — disse com um falso
agradecimento.
— E Leonello? — perguntou o siciliano mudando de assunto após
sentir que não era hora de oferecer sua filha formalmente.
— Está em uma operação — respondeu o patriarca prontamente.
— Operação de acabar com a própria vida, não é mesmo, Vito?
O clima pesado estava ficando cada vez mais palpável. Somente pelo
olhar que seu pai lhe direcionou, Tiziano viu que o pai o estava provocando
e sabia que, pela milésima vez, teria que colocar o velho em seu devido
lugar. Vito fazia questão de esquecer que não estava mais no comando, mas
seu filho mais velho sempre fazia questão de lembrá-lo.
Antônia apareceu na roda, dissipando um pouco da névoa pesada.
— Com licença — pediu o antigo chefe e se afastou, indo ao encontro
de Marco, que o recebeu com pompa, como se este ainda fosse o Don.
— Olha só, se não é a mulher mais linda e impiedosa dessa festa —
cortejou Zappa, desviando a atenção de Tiziano.
— São seus olhos — disse Antônia, nem um pouco lisonjeada.
Iniciaram uma conversa mais descontraída e Tiziano agradeceu por ela
aparecer no momento certo. Ele era um homem paciente, porém, quando se
tratava do velho escroto do seu pai, que não tinha o mínimo de consideração
por ninguém, qualquer paciência desaparecia.
Uma gritaria vinda do lado de fora interrompeu a conversa dos três e
de várias outras pessoas espalhada pela casa.
Na mesma hora Tiziano avistou Edoardo e viu que o homem já estava
em alerta, com a arma em punho, assim como Antônia.
Apesar de estar cercado por alguns dos homens mais cruéis da Itália,
recebeu múltiplos olhares amedrontados quando diversos disparos cortaram
o ambiente, aumentando o desespero.
— Todos ao chão — gritou Tiziano, correndo para a porta principal
acompanhado pelo subchefe.
Quando olhou procurou por Antônia, viu-a caída no chão e uma raiva
descomunal tomou conta da razão. Encarou alguns soldados e eles
entenderam o que era para fazer.
Enquanto a levavam para um dos quartos no segundo andar e ligavam
para o médico da famiglia, na parte inferior da casa, a pessoas corriam
tentando achar uma saída segura.
Do lado de fora, o barulho de motores e pneus derrapando competiam
com a balbúrdia que substituía o som-ambiente.
No caminho para o jardim, Tiziano viu alguns de seus soldados caídos
no chão e aquilo apenas aumentou a raiva que emanava de seus poros. Na
verdade, não havia melhor estímulo quando se estava atrás do inimigo.
Ao seu lado, três soldados e Edoardo lhe davam cobertura.
Assim que chegaram ao local de onde vinham os tiros, viram uma van
branca, com a placa, aparentemente, apagada, se afastar pelo portão dos
fundos.
Viu também que havia, pelo menos, oito homens desconhecidos caídos
pelo imenso gramado. Por sorte, um deles estava vivo. O maldito miserável
ficou apavorado ao vê-lo. E com razão, pois Tiziano o faria se arrepender
do dia em que concordou com a estupida ideia de entrar na fortaleza do
chefe e colocar seus convidados em risco.
— Não atirem — ordenou, indo rapidamente em direção ao fulano.
Antes que pudesse alcançá-lo, o infeliz recebeu um tiro certeiro na
cabeça.
Olhou para trás com sangue nos olhos, pronto para acabar com
Edoardo, quando viu Vito com a arma apontada.
— Seu filho da puta!
— Fiz o que tinha que ser feito.
— O caralho — bradou Tiziano, aproximando-se do bastardo que
chamava de pai. — Eu mandei não atirar.
— Você não...
— Cale a boca! — protestou, já em seu limite. — Você não é mais
porra nenhuma, não entende isso? Eu sou o Don e poderia muito bem acabar
com essa sua vida de merda aqui mesmo por desrespeitar uma ordem minha.
— Tiziano — alertou Edoardo —, Antônia precisa de nós.
— Isso não acabou — sentenciou o chefe para Vito e entrou na casa.
CAPÍTULO 07

Nas festas que o chefe da Compagni organizava semestralmente há


vários anos, nunca sua segurança tinha sido tão falha e isso era algo
inadmissível, principalmente pelo fato de terem conseguido abater sua
conselheira. Aquilo era grave e levava a situação para outro patamar, muito
mais complexo.
Quanto a Antônia, teve que ser levada para um hospital, pois
precisaria passar por uma cirurgia o quanto antes.
Tiziano fez questão de acompanhá-la e usou o sobrenome Pellegrini
para dar um jeito de a moça entrar sem questionamentos. Essa era uma das
inúmeras vantagens de ser da famiglia, para tudo eles arrumavam um
jeitinho.
Depois da cirurgia, ela iria para a unidade de terapia intensiva, de
modo que a única coisa que restava era ir embora e aguardar.
— A festa já acabou — revelou sem qualquer humor ao entrar em sua
casa, horas depois. Parou quando se deparou com Edoardo, Leonello e
Samuele sentados no grande sofá.
A ver o Don entrar, todos se levantaram, ansiosos por notícias.
— Como ela está? — inquiriu Samuele, o primo que não via há anos,
preocupado.
— Vai ficar bem, está na UTI agora — respondeu, esgotado. — Mas...
O que você está fazendo aqui se nem na festa estava — observou Tiziano.
— Infelizmente eu cheguei tarde para o espetáculo.
— Todos os soldados e o chefe da segurança estão na quarentena —
revelou Edoardo quebrando o clima tenso que ainda pairava no ar.
Quarentena era um lugar onde Tiziano mantinha as pessoas que
estavam sobre suspeita de traição ou com qualquer outro problema relativo à
famiglia. Localizava-se em um prédio afastado da cidade muito bem vigiado
por um sistema de vigilância supertecnológico, além de dezenas de
seguranças divididos em turnos para manter a ordem e garantir que não
houvesse risco de fuga antes do “julgamento”.
Talvez por tudo isso, nunca foi necessária nenhuma intervenção,
principalmente porque todos tinham seu destino definido em, no máximo,
trinta dias.
Diferente do galpão, lá havia vários quartos e cada pessoa que era
“hospedada” ali, ficava isolada, sem o direito de ir e vir. Em contrapartida,
eram servidos como em um hotel.
— Temos que conversar sobre o ocorrido — disse Leonello
quebrando o silêncio.
— Agora não. Tomar decisões de cabeça quente não nunca dá certo.
— Mas...
— Já falei que não vou fazer nada enquanto não tiver certeza de que
Antônia está bem e assunto encerrado, Leonello — declarou Tiziano
cortando a fala do caçula e indo se servir de um copo de uísque.
Embora tivessem tentado dar uma arrumada, ainda havia sinais da
confusão por todo lado, contrastando com a decoração da festa.
— Eu vi um amassado no lado direito da parte traseira do furgão
branco. Vamos gravar isso, porque a informação poderá ser útil em algum
momento — observou Edoardo.
— Tizi — falou Samuele, aproximando-se —, diz que ela vai ficar
bem... — implorou com uma lágrima escorrendo.
Tiziano deu um tapinha em seu ombro; era o máximo que receberia
como manifestação de afeto do homem.
— Ela é durona, vai sair dessa e sua vingança será servida como um
banquete.
— Prefiro não saber dessas coisas, primo, você sabe que me
distanciei porque não aguento matar uma mosca, nasci na família errada,
pois nada disso é para mim.
— Vou para meu escritório, quero ficar um pouco sozinho. Preciso
pensar e toda essa testosterona no ambiente não ajuda.
— Claro. Edoardo vai me abrigar esta noite — informou Samuele.
— Boa noite, então — disse e começou a se afastar, mas parou e
voltou-se para o rapaz. — Só mais uma coisa... A que horas você chegou,
não te vi na festa.
— Está desconfiando de mim?
— A partir do momento em que rebate minha pergunta com outra ao
invés de simplesmente responder, sim.
— Tizi, pelo amor de Deus, eu jamais faria mal a quem quer que fosse,
principalmente para Antônia... Eu amo minha irmã mais que tudo. Além
disso, eu nem mesmo gosto de arma.
— Continua sem responder — cutucou Leonello.
— Eu cheguei um pouco depois de você levar a Antônia para o
hospital. O voo atrasou, pode checar se quiser.
— Farei isso — disse e lhes deu as costas novamente.
Samuele, atônito pela desconfiança, ficou observando o primo se
afastar. Ele tinha renegado aquele mundo justamente por não se enquadrar
numa vida movida a violência e se ainda aparecia por ali, era por causa da
irmã, a coisa mais importante que ele tinha no mundo.
— Ele está nervoso, dê um tempo a ele — falou Edoardo e saiu do
casarão, sendo seguido pelo rapaz.
Em seu escritório, Tiziano voltou a encher o copo com seu uísque
favorito.
Precisava de alguma coisa ou alguém para o acalmar, mas daquela vez
o sexo não seria uma boa pedida, pois não estava com humor nem para isso.
Em sua agonia, a única pessoa que veio a sua mente foi Agnes. O
motivo ele não compreendia, mas ao se lembrar do quanto se sentia bem
sempre que falava com ela, teve vontade de ouvir a melodia suave de sua
voz.
Como não era homem de deixar seus desejos de lado, pegou o telefone
e ligou para a casa de Paolo. Era tarde da noite, mas pouco se importava, a
vontade era sólida demais para ignorá-la, principalmente porque sabia que
seria ela a atender, uma vez que permanecia na casa até tarde.
— Música para meus ouvidos — disse o rapaz após escutar a voz
dela.
— Não é possível, você sabe que horas são?
— Sim.
— E mesmo assim fica ligando na casa dos outros?
— Hoje não foi um bom dia...
— Sinto muito — disse depois de alguns segundos de silêncio. —
Quer que eu chame o Paolo?
— Não. Liguei para ouvir sua voz — declarou, recostando-se na
cadeira.
— Você deve ser muito sozinho para querer falar com alguém que mal
conhece.
— Na verdade, não, te escolhi pra me acalmar.
— Olha, não sei o que aconteceu, mas vou colocar você nas minhas
orações.
Tiziano riu alto.
— Viu? Já estou cinco por cento melhor.
— Hum... Acho que já é alguma coisa, não é?
— Com certeza. Devo dizer que estou impressionado, estamos
conseguindo manter um diálogo. Está vendo?
— Isso porque estou te dando um crédito por ter tido um dia ruim.
— Se for para você me deixar feliz, posso ter dias ruins pelo resto da
vida.
— Eu devo ter sido Judas na vida passada, só assim para merecer
tanta penitência.
— Você é bem afiadinha para uma beata, não? E desde quando os
cristãos acreditam em vidas passadas? — inquiriu, sorrindo.
— Foi modo de falar e não é porque creio em Deus que não tenho
boca, muito pelo contrário, sei me expressar muito bem e me defender de
homens como você.
— Eu é que preciso ser defendido de você.
A tática de Tiziano havia funcionado, pois, por um milagre, ele estava
tão envolvido na bolha que desenvolveu com Agnes, que se esqueceu por
alguns minutos o ataque que havia ocorrido em sua casa poucas horas atrás.
— Não vai aceitar mesmo sair para jantar comigo?
— Você não desiste nunca?
— Pode apostar que não.
— Então só tenho uma alternativa...
Tiziano pôs-se ereto, só de imaginar que ela aceitaria o convite feito
tantas vezes.
— Deixar que você morra tentando. Boa noite, Tiziano.
— Essa mulher vai me deixar maluco — rosnou para si ao perceber
que ela havia desligado, mas depois gargalhou.
Agnes, por outro lado, não estava achando muita graça. Paolo e Chiara
eram a família que Agnes tinha naquela cidade, foi neles que encontrou o
pilar para seguir em frente após a morte de seu marido.
Depois da tragédia que virou sua vida de ponta-cabeça, optou por se
mudar para a vinícola e se dedicar integralmente a cuidar da família
Castelli, não porque era sua obrigação, mas porque eles a faziam feliz e ter
algo para fazer distraía sua cabeça.
Agnes não era o tipo de mulher que costumava sair para conhecer
pessoas, nunca havia ido, sequer, a um bar, pois se casou nova demais e
antes disso, nunca tivera oportunidade, pois desde jovem os pais sempre
foram rígidos. Então seu círculo de amizades se limitava à família Castelli e
algumas poucas pessoas da igreja, mas para ela estava tudo bem.
O ex-marido foi o primeiro e único homem em sua vida e não se via
em outro relacionamento num futuro próximo. Mesmo com o que sentia
sempre que o amigo de seus patrões falava com ela, não pretendia ceder,
pois tudo o que homens como ele queriam era usar as mulheres para depois
descartá-las. Isso não aconteceria com ela, se fosse para viver um novo
amor, que fosse verdadeiro e não um jogo.
Agnes era uma bela mulher e não faltavam pretendentes para cortejá-
la; mesmo indo somente a mercados, farmácias e igreja, os homens sempre
davam um jeito de chegar junto e tentarem a sorte, todavia, nenhum havia
despertado seu interesse e o fato de Tiziano ter feito isso a deixava
extremamente irritada consigo mesma, o que fazia com que descontasse no
próprio demônio.
Mas por que ele tinha que ser tão lindo?
— Ele não é homem para você — repetiu assim que desligou o
telefone.
Esse era o mantra que repetia mais vezes do que gostaria. Também
aumentou a quantidade de vezes que rezava, procurando nas orações um
caminho para que o homem tatuado não a visitasse mais em seus sonhos.
Levava em consideração o fato de estar sozinha há muito tempo, pois
ele era um homem lindo e chamava atenção – até demais para o gosto dela.
Só que nem nos filmes mais românticos esse casal daria certo. A lenda de
que os opostos se atraíam poderia até ser verdade, porém, isso não queria
dizer que ficariam juntos no final.
Ela não sabia exatamente com o que ele trabalhava, no entanto,
suspeitava que fosse algo ilegal e isso a deixava com um peso maior ainda,
pois como uma mulher tão temente a Deus se renderia a um fora da lei?
Preferia não pensar naquele tipo de coisa, afinal não passava de
especulações.
— Quem era? — perguntou Paolo ao descer as escadas e ver Agnes
com o olhar perdido e o telefone na mão.
— O Sr. Pellegrini.
Ele suspirou e se aproximou dela.
— Agnes, eu te considero como uma irmã, sabe disso, não é? —
inquiriu e ela assentiu. — Por esse motivo não posso mentir para você.
— Não precisa me alertar. Eu já sei que ele não é homem para mim.
— Sorriu sem vontade.
— Ótimo.
— A verdade é que eu não pretendo me envolver com ninguém, muito
menos com um...
— Mas eu conheço esse olhar.
— Também não vou mentir para você; ele desperta meu interesse, mas
eu sou extremamente pé no chão e sei o que ele quer de mim.
— Ótimo, melhor assim. Mas o que ele queria, afinal?
— Falou que não teve um bom dia...
— E ele ligou para conversar com você?
— Aparentemente.
— Não estou gostando disso, ele está sendo insistente — comentou,
franzindo o cenho ao notar a insistência do amigo.
— Sim, mas não estou disposta a facilitar, vou manter meu foco —
afirmou ela, finalmente colocando o telefone sem fio no gancho.
— Eu sei. Você é tão madura que às vezes me esqueço de que tem
somente vinte e cinco anos e passou boa parte deles dentro de uma fazenda.
Ela riu.
— Bom, Sr. Castelli, eu já terminei tudo aqui e vou para os meus
aposentos. Boa noite.
— Aposentos? — disse ele, rindo também. — Boa noite, Agnes.
Com o assunto encerrado, cada um foi para seu quarto.
Paolo se aconchegou na esposa grávida e não demorou a dormir.
Mas o mesmo não aconteceu com Agnes, que ficou rolando de um lado
para o outro com o pensamento longe, sabendo que teria mais uma daquelas
noites de insônia.
CAPÍTULO 08

Cinco dias após ter sido alvejada, Antônia estava em casa, não na
dela, mas na de Tiziano que fez questão de acomodá-la até a recuperação
total da prima, com direito a cuidados de enfermagem vinte e quatro horas
por dia.
A moça deu sorte por estar viva e conseguindo se recuperar bem,
porque se não tivessem agido rápido, ela estaria a sete palmos do chão,
pagando sua conta em um submundo pior do que aquele em que viviam.
Os dias também foram intensos para quem não estava convalescendo
em um leito. O Capo dos Capos saía cedo e voltava tarde da noite na busca
pelo traidor. Por sorte, mantinha soldados e associados em cada canto da
Itália, entretanto, para sua infelicidade, ninguém soube lhe informar nada. O
único dado que possuía era o amassado na lataria da van branca e mais nada.
Se o seu sono já não era dos melhores, com o inimigo solto por aí ele
se tornou praticamente inexistente. Mas Tiziano nunca deixava se abater e se
havia algo que o rapaz tinha de sobra era paciência, ele sabia que, em algum
momento, vingaria a tentativa de assassinato de sua conselheira.
Em relação a Vito, o chefe baniu o velho de todos os assuntos
relacionados à famiglia, por ter descumprido a sua ordem, o que foi pouco
perto do que Tiziano desejava para ele. Contudo, como um bom subchefe,
Edoardo o convenceu de que não era o momento de entrar em uma guerra
interna na organização, pois ele ficara anos no poder e ainda tinha certa
influência, não sobre a maioria, mas o suficiente para dar mais dor de
cabeça para o filho.
Então decidiu guardar Vito em uma caixa dentro de seu cérebro para
cuidar em outro momento. Vinha acumulando caixas podres como aquela no
decorrer de sua existência e quando tivesse que acertar essa conta do mal,
não mediria esforços para sentir-se vingado, nem que tivesse que mandar o
próprio demônio de volta ao inferno com suas mãos.
Era a primeira vez, naquela semana, que Tiziano chegava em casa
antes das oito da noite.
Foi direto para o escritório rever alguns balanços de pagamentos das
boates pertencentes à Compagni e que foram erguidas exclusivamente para
lavagem de dinheiro, mas estavam lhe rendendo um lucro extremamente alto.
Ao menos uma coisa boa no meio da tempestade.
— Posso entrar? — perguntou Leonello, já com a cabeça para dentro.
Tiziano fez um gesto positivo e deixou a papelada de lado.
— Eu soube o que houve. Como está a Antônia?
— Querendo matar quem chega perto dela, então, acho que está bem.
Leonello riu, podia imaginar a prima querendo subir pelas paredes por
ter que ficar de repouso
— E já teve alguma novidade além da van?
— Não.
— Posso te ajudar em algo?
— Leonello...
— Estou limpo.
— Você já me falou isso antes.
— Mas agora é pra valer. Tem mais de dois meses que não uso nada.
Já passei pela fase mais crítica da crise de abstinência, agora é um dia de
cada vez.
— Não deveria estar internado?
Tiziano não queria demonstrar, mas estava emocionado por ouvir
aquilo. Esperava que, daquela vez, seu irmão conseguisse.
— Não. Eu tenho que conseguir me conter mesmo que esteja dentro da
fábrica de produção. Além disso, não estou sozinho, procurei ajuda de
especialistas. Vou te mostrar que sou capaz disso e de muito mais.
— Vamos ver. De qualquer forma, não vou te dar o cargo do Edoardo.
— Não quero o cargo dele... quer dizer, eu quero, mas vou lutar para
conquistá-lo.
— Está bem — falou, levantando-se e caminhando até o bar. — É a
última chance que te dou.
— Não vou precisar de outra.
— Ótimo. Quer? — perguntou, apresentando uma garrafa de The
Macallan.
— Não, parei também.
— Impressionante.
— Uma coisa leva a outra — deu de ombros —, prefiro não arriscar.
— Muito bem... Enfim, como estão as coisas em casa?
— Do mesmo jeito de sempre, Vito está louco por você tê-lo excluído
totalmente dos negócios e desconta em Ludovica.
— Eu já passei da fase de ter pena. Ela está lá até hoje porque quer, já
ofereci ajuda, mesmo ela não sendo digna, mas sempre negou, prefere
continuar fazendo o papel de esposa submissa. Não sei o que acha que vai
ganhar com isso.
— Também não entendo Por falar nisso, será que não posso vir para
cá?
— De um garanhão solitário, a um homem morando com o irmão e a
prima? — perguntou, sentando-se novamente na poltrona, o gesto fazendo as
pedras de gelo tilintarem no cristal. — Estou indo de mal a pior mesmo.
Ele sempre apreciou o fato de morar sozinho e em quatro dias tudo
havia virado do avesso.
— Preciso recomeçar e lá... Bem, é impossível. Você sabe tanto
quanto eu.
Assim que tomou o poder, uma das primeiras coisas que Tiziano fez
foi abominar e proibir a violência contra as mulheres dentro da organização.
Contudo, dentro da casa do próprio pai – e de outras, ele tinha certeza –,
isso ainda acontecia e pior de tudo, não podia tomar uma atitude porque a
mãe se recusava a falar qualquer coisa contra o marido e sem o parecer da
vítima, ficava impossível pegar Vito.
Na verdade, ela nunca tinha falado nem para eles a respeito do que
passava com o marido, por esse motivo, ficavam de mãos atadas. Leonello
poderia falar, contudo, não tinha credibilidade alguma pela fama de drogado
que já carregava nas costas. Mas ele, melhor do que ninguém, sabia o que
acontecia naquela casa.
No dia em que Tiziano baniu Vito da chefia, viu o velho bater na
esposa como nunca antes, porém, estava tão chapado que não pôde fazer
nada. Aquele foi o estopim que o fez perceber que se continuasse como
estava, acabaria pior que a mãe e decidiu procurar ajuda. Desde então teve
várias recaídas, mas isso não o fez desistir.
Principalmente porque queria estar sóbrio na hora em que seu
progenitor fosse dar o último suspiro. Quando esse dia chegasse, seus filhos
estariam observando de camarote enquanto ele agonizava até a morte.
Tiziano ficou admirando o líquido dentro do copo enquanto pensava.
— Se você não tivesse cancelado meu dinheiro... — reclamou
Leonello.
— Cancelei porque você é irresponsável.
— Era.
— Sei — respondeu e após pensar um pouco mais, disse: — Pode vir.
E se isso realmente for sério, eu volto a liberar o dinheiro para você pode
ter sua casa.
— Ótimo. Eu tenho uma ideia para conseguirmos ao menos uma pista.
— Qual?
— Vamos ver as câmeras da cidade, pegamos a placa e batemos na
porta de todo maldito que produz placas falsas na Itália.
— Pode ser.
Leonello deu um sorriso vitorioso.
— É bom saber que está comprometido.
— Eu realmente estou, e fiquei a noite toda pensando em uma forma de
pegarmos os filhos da puta.
— Ótimo, colocaremos em prática.
O que Tiziano não falaria ao irmão era que teve exatamente a mesma
ideia há dois dias, deixaria Leonello pensar que havia partido dele, afinal,
não tinha ninguém que o Don gostaria de ter mais ao seu lado do que o
caçula. A missão de cuidar do único irmão ainda corria forte em suas veias e
morreria tentando tirá-lo do poço em que se afundara há tanto tempo.
— Agora me deixa em paz. Preciso terminar isso aqui hoje — falou,
dispensando o rapaz, que nem era tão rapaz assim, uma vez que tinha apenas
dois anos a menos que ele.
— Já estava indo e, hum, vou providenciar minha mudança agora
mesmo — avisou, já saindo do escritório.
Tiziano respirou fundo e estava prestes a tomar mais um gole de sua
bebida quando o celular tocou:
— Sim — atendeu, sem paciência.
— Sr. Pellegrini — cumprimentou a voz do outro lado.
— Olha só se não é minha beata favorita. A que devo a honra de uma
ligação?
— A Chiara me pediu para verificar com o senhor se o lote de vinhos
que foi enviado esta semana a um de seus estabelecimentos chegou como
esperado.
Tiziano sorriu quando percebeu a situação.
Eles nunca faziam aquele tipo de ligação aos clientes, afinal, a
organização era freguesa há anos e certamente ligar para verificar se a carga
chegou não fazia parte do pacote, ainda mais uma ligação feita por Agnes.
O sorriso se alargou ao pensar que tinha uma aliada, muito embora não
conseguisse entender por que Chiara havia feito aquilo.
— Tudo perfeito, melhor se você viesse junto.
— Suas cantadas são péssimas, já te falaram isso?
— Sim — respondeu, acendendo um charuto. — Mas eu compenso de
outras formas.
— Bom... Já que a carga estava certa... Tenha uma boa noite.
— Já? Queria saber quando podemos conversar pessoalmente?
— Já falei que não vou sair com você. Pare de insistir.
— Acho que está com medo.
— Só tenho medo do diabo.
— E não é a mesma coisa? — zombou e a ouviu suspirar. — Olha,
podemos fazer um combinado. Jantamos uma vez e se você não gostar, nunca
mais te procuro.
— Nunca mais é muito pouco.
— Agora pegou pesado — falou com falso pesar.
— Não foi isso que quis dizer... Olha, não me leve a mal, sou mais
agressiva com você do que gostaria, então o melhor...
— É sairmos — interrompeu. — Vamos aos fatos. Se você é agressiva
comigo, significa que fica nervosa na minha presença, se fica nervosa, é
porque gosta de mim, então por que não saímos? Ir jantar comigo um dia não
vai te levar para o inferno, tenho certeza de que Deus te dará esse day off
para compensar a boa menina que foi a vida inteira.
— Como sabe que fui uma boa menina a vida inteira?
— Hum, isso quer dizer que não foi? Me conte...
— Tchau, Sr. Pellegrini.
Sem saber, a beata estava usando a pior estratégia para mantê-lo
afastado, pois quanto mais difícil, mais se sentia atraído, como um ímã. Se
ela aceitasse esse jantar de uma vez, era provável que o Don perdesse a
vontade de ter o impossível e a deixasse em paz.
Mas o que ele não sabia era que, dentro da carcaça durona e arredia,
Agnes era uma mulher sensível que ainda batalhava com o luto pelo marido,
assassinado a sangue-frio cinco anos antes. Mesmo não querendo, sentia-se
traindo o falecido simplesmente por pensar em Tiziano. Sair com ele seria
atestar sua infidelidade e isso lhe era inadmissível, então, seguiria firme no
propósito de se manter longe daquele homem alto, forte e cheio de tatuagens.
Mas até quando conseguiria se segurar, ela não tinha certeza...
Agnes não era burra e percebeu que Chiara mandou que ela ligasse
para o homem de propósito, afinal, nunca tinha feito aquele tipo de pedido.
Seria um complô? Lembraria de ter uma conversa franca com a patroa em um
momento oportuno, pois realmente não tinha intenção alguma de se envolver
com o satanás.
Além disso, intensificaria suas orações, pedindo a Deus para livrá-la
daquele tipo de pensamento.
CAPÍTULO 09

Tiziano colocou o telefone no gancho com amplo um sorriso no rosto.


Apesar dos constantes foras de Agnes, sabia que era questão de tempo até
conseguir dissolver aquela pedrinha de gelo que havia em seu coração.
Saiu do escritório depois das duas horas da manhã e foi até a cozinha
comer alguma coisa, pois, mais uma vez, tinha esquecido de jantar.
— O que está fazendo aqui?
— Vim tomar um leite pra ver se ajuda a dormir — retrucou Antônia.
— Um leite, é? Lembro da época em que você tomava vodca para
dormir.
— Eu não tinha levado dois tiros e não havia dois enfermeiros
brutamontes no meu encalço.
— Faz sentido — falou, apoiando-se no balcão. — Logo vou pegar
quem fez isso.
— Sei disso, chefe.
— E o Samuele?
— Ele me disse que você desconfiou dele.
— Todo mundo é suscetível a desconfiança, até que me provem o
contrário.
— Ele é meu irmão, minha única família, não faria isso comigo.
— Sua única família?
— Você me entendeu, é como sua ligação com o Leonello. Apesar de
todas as merdas, ainda está lá por ele.
— Acertou o alvo — brincou.
— A diferença é que Samuele não faz mal a uma mosca, ele foi morar
na Toscana por causa disso. Vive uma vidinha simples, sem ambições...
— Sei. Bom, vá descansar porque você não está em serviço ou agora
virou advogada do diabo?
— Tizi...
— Fica tranquila, eu sei cuidar dos meus negócios e nunca ajo de
forma impulsiva — disparou e lançou uma piscadela para a moça.
Pegou uma maçã na fruteira e subiu para o terceiro andar.
Deitou-se na cama, ainda usando as roupas com que trabalhara o dia
todo, e resolveu mandar uma mensagem para sua nova aliada.
Após alguns segundos, obteve o que queria; o telefone particular da
Agnes.
Agora sim a festa vai começar, pensou. Mas daria um tempo para não
parecer afoito. Aliás, fazia tempo que não ligava para Virna, ainda não havia
perdoado o que ela fizera na última vez em que se viram e estava repensando
o fato de mantê-la por perto. Contudo, estava com tesão, por isso resolveu
ligar para alguma outra mulher do seu imenso catálogo.
Após uma rápida ligação conseguiu duas acompanhantes para saciar
seus desejos. As duas mulheres, ambas negras e lindíssimas, chegaram em
menos de dez minutos com o motorista que Tiziano havia mandado para
buscá-las.
Era a primeira vez que se viam, porém, ele não tinha timidez alguma e
fez questão de deixar o ambiente leve e descontraído. Após poucos minutos,
elas já se sentiam relaxadas e do jeito que o homem gostava.
— Me bate — implorou uma delas, de quatro, enquanto a outra mulher
se encaixava embaixo dela para receber um oral.
Ele lhe deu um tapa na bunda, não tão fraco que não deixasse uma
marca, porém, não tão forte a ponto de machucar.
— Hum, me come bem gostoso.
— Vou enfiar meu pau dentro desse cuzinho enquanto esse meu
amiguinho aqui entra na sua bocetinha — provocou ele com um vibrador na
mão.
— Hum, que delícia — declarou, revirando os olhos quando ele
introduziu o pênis de borracha.
No instante seguinte Tiziano penetrou o orifício estreito e assim que
ela relaxou, começou a estocar sem dó.
— Me chame pelo meu nome, gostoso, quero ouvir ele saindo da sua
boca — disse a mulher, dando uma pausa no oral que fazia na colega.
— E qual seu nome, delícia? — perguntou, disferindo outro tapa.
— Agnes — sussurrou entre gemidos.
Sério?, perguntou ele a si mesmo, parando por um momento.
Não era possível que entre milhões de nomes, a mulher se chamasse
Agnes. Só poderia ser uma brincadeira de muito mau gosto. Ou talvez fosse
Deus mandando um recado.
Porém, se o objetivo era que ele recuasse... Bom, não iria acontecer.
Em segundos, transformou o espanto em algo proveitoso. Imaginou a
beatinha ali, deitada em sua cama, e o estímulo foi como fogo em brasa,
espalhando-se rapidamente.
Seu pau, que já estava duro, tornou-se uma rocha só de pensar na moça
recatada e, ele apostava, sem grandes experiências sexuais, totalmente
rendida e submissa a ele.
— Agnes — sussurrou, de olhos fechados, bem rente ao ouvido da
moça —, você é a mulher mais deliciosa que existe... Não sabe o quanto
esperei por isso, nunca vou me cansar de te comer.
Dizendo isso, voltou a meter com ainda mais vontade.
Os três continuaram em suas funções, dando e recebendo diversão até
o amanhecer, dentro do quarto do prazer, como ele costumava chamar.
Quando o sol começou a nascer ao longe, Tiziano as dispensou e foi
para seu quarto tomar um banho para descansar um pouco.
Uma hora depois desceu para o café na manhã e encontrou seus novos
companheiros de casa sentados à mesa, o observando descer as escadas.
— Não estou acostumado com tanta gente — declarou, juntando-se a
eles.
— Bom dia para você também, irmão.
— Bom dia, chefe — saudou Antônia.
Leonello esboçou um sorriso que foi perceptível mesmo com a xícara
do café na frente dos lábios.
Sabendo exatamente o motivo da risada maliciosa do irmão, disse:
— Na minha casa eu faço o que quiser. Se estiver incomodado com o
que poderá escutar de madrugada, melhor nem desfazer a mala.
— De forma alguma. Só acho que poderia ter me chamado para
participar da festa.
— Não curto biroscas, só rosquinhas femininas.
— Gente... Estou tomando café, poderiam me respeitar?
— Sério que você mata a sangue-frio, mas não aguenta conversar
sobre sexo?
— É o ponto fraco dela — observou Tiziano enchendo sua xícara.
— Hmm! Ponto fraco, é? — instigou Leonello. — Por quê?
— Não te interessa, babaca, a vida é minha. De qualquer forma,
agradeceria se não tivéssemos esse tipo de assunto no café da manhã.
— Nossa, pelo visto, hoje teremos um ótimo dia — disse Tiziano,
levantando-se. — Parem de discutir e vamos trabalhar.
— Ainda não perdeu essa mania? — indagou o caçula acompanhando
o irmão ao escritório.
Tiziano entrou no cômodo onde Edoardo já o aguardava, sentado em
uma das cadeiras.
— Alguma novidade? — perguntou.
— Não — respondeu o amigo olhando para Leonello. — O pessoal
está empenhado, mas existem muitos caras que fazem esse tipo de serviço,
então precisaremos ter paciência.
— Tenho paciência de sobra. Bom... Leonello vai estar mais presente
a partir de agora — afirmou Tiziano observando a forma como ambos se
encaravam.
Antônia entrou naquele instante e ao perceber o clima inamistoso,
pigarreou, chamando a atenção para si.
— Você ainda não está autorizada a voltar.
— Chefe, eu já...
— Só semana que vem. Tchau.
A moça saiu raivosa da sala, deixando Leonello satisfeito.
— Você não vai ficar no lugar dela — Tiziano deixou claro,
recostando-se na poltrona. — Edoardo, nós iremos ao galpão da química
resolver algumas pendências.
Este era, na verdade, um armazém localizado na área central de Roma
onde o engenheiro químico produzia a cocaína da organização. Lá havia um
maquinário de altíssima tecnologia que separava as porções e as ensacava,
restringindo, assim, o número de pessoas dentro do galpão.
Além disso, todos que lá trabalhavam eram obrigados a usar EPIs de
máxima segurança, a fim de garantir que não entrariam em contato com o
produto em nenhuma etapa, afinal, funcionário viciado era tão ruim quanto o
traficante que consumia o próprio produto.
— Claro — respondeu o subchefe, levantando-se.
— Quanto a você — disse, virando para Leonello —, vai ficar aqui.
— Sem problema, preciso resolver umas coisas mesmo — falou,
fuzilando Edoardo com os olhos.
Mesmo querendo provar que seria capaz de estar na linha de frente
sem cair em tentação, ainda não confiava em si mesmo. A verdade era que
ainda estava passando pela segunda fase da abstinência e se realmente
queria melhorar, teria que se manter forte e continuar indo às consultas com
o psiquiatra, só assim conseguiria o apoio e a confiança do irmão.
— Estão apaixonados? — perguntou Tiziano. — Não? Então por que
não param de se encarar? Estou cansado de bancar o pai de todos vocês...
— Com licença — disse um soldado entrando na sala. — Senhor, tem
uma mulher querendo falar com o senhor lá no portão.
Foi inevitável não pensar que pudesse ser a Agnes, ao menos era o que
gostaria.
— Quem é?
— Uma moça chamada Virna.
— Não acredito que ainda fode com ela! — exclamou Leonello, rindo.
— Não é da sua conta com quem eu transo ou deixo de transar —
sentenciou, enfático. — Diz que não estou. Vamos.
Tiziano preferiu usar seu próprio carro, contrariando a rotina usual.
Edoardo foi no banco do carona enquanto duas escoltas os acompanhavam,
um na frente, outro atrás. No meio no trajeto, enquanto os dois conversavam
despretensiosamente, com Andrea Bocelli de fundo, o veículo que tomava a
dianteira explodiu, soltando partes de lataria e corpos para todos os lados.
Tiziano freou bruscamente e, por instinto, jogou o automóvel para o
lado, acabando por bater fortemente em um carro que vinha na pista do
sentido contrário.
A colisão o fez bater a têmpora no vidro, mas a despeito da leve
tontura e do sangue que sentiu descer pelo rosto, ele acelerou o máximo que
pôde e saiu dali.
Pelo retrovisor viu que o segurança de trás o seguia e apenas quando
olhou para o lado foi que se deu conta de que Edoardo estava desacordado.
Quando achou que estava seguro, pegou o celular do bolso e ligou para
o soldado que vinha em seu encalço.
— Que merda foi essa? — bradou.
— Não sei, senhor — respondeu o homem, desnorteado. — Alguém
plantou uma bomba.
— Jura? Pensei que fosse um dispositivo que viesse de fábrica e eles
quiseram se matar, porra!
— Deixe que eu vou na frente, senhor — falou o rapaz. — Eu já
chamei reforços. Vamos seguir o caminho alternativo.
Tiziano desligou o telefone tomado por um sentimento pouco comum
para ele; a raiva.
Pegou novamente o aparelho e ligou para o médico da famiglia
mandando que este fosse até sua casa e ficasse a postos para atender seu
subchefe.
Apertou o volante e praguejou como nunca antes, completamente
incrédulo pelo que acabara de acontecer. Havia alguém realmente
interessado em matá-lo e a paciência que possuía estava chegando ao fim.
Mais do que nunca, era questão de honra pegar o filho da puta e fazê-
lo sofrer, muito.
CAPÍTULO 10

Uma das qualidades de Tiziano como chefe era estar sempre um passo
à frente e preparado para qualquer situação, por isso, ver-se fora do controle
o deixava furioso.
Só não se sentia pior porque seu subchefe já estava acordado e
totalmente lúcido quando saiu do carro. Mas enquanto o via brigar com o
médico que queria obrigá-lo a tomar um remédio, ele se sentia em ponto de
ebulição.
Não precisava ser muito inteligente para saber que tudo estava vindo
de uma pessoa, restava descobrir quem era o desgraçado que achou que tinha
o direito de o desafiar daquela forma.
Assim que o médico saiu, não se deu ao trabalho de ir até o escritório
para explodir. Começou o esculacho ali mesmo, no meio da sala, e
direcionou toda a sua ira a Sandro, o atual chefe da segurança.
— Eu te pago muito bem e não somente para me proteger todos os
dias. Gasto milhares de euros todo mês para prever esse tipo de coisa —
despejou o homem, mantendo o controle da voz.
— Me desculpe, senhor, eu...
— Por que a verificação dos carros não foi realizada? Por causa da
sua irresponsabilidade nós perdemos dois homens!
Tiziano estava corado pela raiva, mas sabia que perder a cabeça não
ajudaria. Por isso, sacou a arma e apontou para o homem. Alguém deveria
ser responsabilizado e ninguém mais adequado para isso do que Sandro. O
próprio Don o havia tirado da quarentena e dado uma nova chance após o
incidente da festa. E como ele retribuiu?
Edoardo, que geralmente era mais ponderado, não se intrometeu, ficou
apenas observando enquanto Tiziano acertava um tiro fatal no peito no rapaz,
oferecendo-lhe, apesar de tudo, uma morte rápida como reconhecimento
pelos serviços prestados.
— Mande limpar essa sujeira — ordenou, virando as costas e
seguindo em direção ao escritório.
Antônia, assustada com o barulho do disparo, saiu de seu quarto,
encontrando um Leonello igualmente alarmado no meio no caminho.
— Fique aqui, eu vejo o que é.
— Jamais — respondeu a moça acompanhando o rapaz.
O primo, por vezes, se esquecia de que a moça poderia ser tão sádica
e letal quanto qualquer homem.
Ambos passaram pelo corpo que era carregado para fora da sala e
caminharam até o escritório, certos de que Tiziano estaria lá. Encontraram-
no virando um copo de uísque enquanto Edoardo falava algo
incompreensível.
— O que está acontecendo?
— Sofremos um atentado, dois dos nossos foram abatidos —
esclareceu o subchefe.
— Não é possível — afirmou Antônia, incrédula. —, mas por que
Sandro?
— Ele era chefe da segurança e falhou pela segunda vez — explicou
Tiziano.
— Fez muito bem — declarou Antônia, referindo-se a Sandro. — Isso
já está se tornando muito comum, não pode ficar assim.
— Tem alguém bem empenhado — constatou Leonello.
— Preciso pensar, então, se me derem licença eu agradeço.
— Mas...
— Por favor, Antônia. Já disse que quero ficar sozinho. Eu penso
melhor desta forma, você sabe.
O primeiro a se retirar foi Edoardo, impulsionado pelo toque do
celular que estava em seu bolso, seguido por Antônia e Leonello.
Ao se ver só, Tiziano sentou-se em sua cadeira, inclinou-se para trás e
fechou os olhos. A cabeça ainda latejava, mas pelo menos a boca havia
parado de sangrar.
Permaneceu naquela posição por vários minutos, em busca de alguma
luz. Era um homem que pensava friamente nas situações, a fim de encontrar
uma solução inteligente. Por isso, espairecer um tempo sozinho com seus
pensamentos lhe faria bem. Muito embora desejasse mesmo era que um
milagre acontecesse e o nome do miserável que estava tentando acabar com
sua vida surgisse como mágica.
Como sabia que aquilo não aconteceria, precisaria pensar, mas logo
percebeu que não conseguiria nada ali e pegando o celular em cima da mesa,
saiu.
— Aonde vai? — inquiriu Antônia.
— Não se preocupem. Volto mais tarde.
Saiu do casarão e entrou em seu esportivo, acelerando para longe de
tudo e todos, sendo seguido por seus fiéis escudeiros.
Quanto mais o carro se afastava, mais leve ele se sentia. Estar à frente
da organização estava lhe cobrando um alto valor, sua paz.
Mas não adiantava lamentar se, no fim das contas, ele próprio
determinou seu destino. Mesmo sabendo da responsabilidade que tinha nas
costas desde que nasceu, poderia ter fugido e reescrito o futuro de uma forma
diferente, contudo, havia Leonello, a quem jamais deixaria para trás. Além
disso, jamais seria hipócrita de dizer que não gostava do que possuía. Era a
vida que todo mundo almejava, pelo menos a parte boa dela.
Carros caros, casas em todo canto do mundo, viagens, roupas de grife,
equipamentos de última geração e tudo mais que o dinheiro poderia
proporcionar, fora o poder que tinha nas mãos. Mas a liberdade e a paz de
espírito eram coisas que jamais poderiam ser compradas e em meio ao luxo
em que vivia, ele começava a sentir falta do que nunca teve, e pior, jamais
poderia ter.
Chegou ao destino, que foi determinado no meio do caminho, e parou
em frente a uma pequena casa branca, como de boneca, localizada pouco
antes do início da plantação de uva.
Observou atentamente a tranquilidade do local e imaginou, visto que
era a hora do almoço, que ela estava em casa. Bateu na porta e aguardou.
— Tiziano! — disse Agnes, abismada.
— Não vai me convidar para entrar?
— Não.
— Já falei que não mordo, não precisa ter medo de mim.
Agnes ficou parada como uma estátua, pensando se liberaria ou não a
entrada do homem. Ela gostaria que essa decisão tivesse saído da sua boca
mais rápido, mas ficou tempo demais quieta, demonstrando o quanto estava
indecisa.
— Se não me deixar entrar, vou achar que realmente estava certo.
— Certo em relação a quê?
— Quem desdenha quer comprar.
— Você e seus ditados arcaicos — comentou, dando passagem para o
rapaz.
Como não trabalharia no período da tarde, a moça estava totalmente
informal, vestindo calça jeans e uma blusa, ambas justas, delineando as
curvas que, até então, Tiziano só havia imaginado.
Através da carcaça de homem poderoso, Agnes conseguia ver alguém
que precisava de um ombro amigo e ela fora a escolhida para tal papel.
— Quer um café?
— Claro. Nossa, estou impressionado — falou olhando em volta.
A bela moça abriu um sorriso, pois sua casa era pequena, porém,
muito bem cuidada e organizada, tinha muito orgulho do lar que montou.
— Se eu der dez passos consigo atravessar toda a sua casa —
declarou, dando passos largos e retificando o que havia acabado de falar: —
Não, na verdade, nove são o suficiente.
Isso a fez fechar a boca em uma linha fina e revirar os olhos.
— Achei que Paolo fosse mais generoso.
— Ele é maravilhoso.
— Assim fico com ciúmes.
— Não me desrespeite, por favor. Chiara é como uma irmã para mim
— reclamou, colocando o pó na cafeteira italiana.
— E eu?
— É muito insistente. Afinal, o que faz aqui? O que aconteceu com a
sua boca? — indagou após reparar no homem com mais calma.
— Nada de mais. Queria conversar com você — respondeu sentando-
se em uma cadeira.
— Pode falar.
— Problemas no trabalho, só queria uma conversa distraída, colocar
as ideias no lugar.
— Trabalha com o quê? Está tendo muitos dias ruins ultimamente...
Agnes, por diversas vezes, se remoeu para fazer essa pergunta, no
entanto, não queria parecer muito interessada, mas ele estava na sua casa e,
pelo jeito, tinha uma consideração por ela, mínima que fosse então não viu
problema em sanar a dúvida que pairava há muito tempo em sua cabeça.
— Se eu te falar, você não me verá mais como um príncipe.
Ela riu tão alto e de forma tão natural, que até o assustou. Foi a
primeira vez que viu um sorriso sincero por parte da moça. No mesmo
momento seu membro pressionou a calça jeans e sua cabeça se encheu de
fantasias, dando-lhe ainda mais certeza de que a queria em sua cama.
— Foi a melhor piada que já ouvi na vida — comentou, colocando
café em duas xícaras. — A meu ver, você é, no máximo, o Shrek.
— Já é alguma coisa. Sem açúcar, por favor — disse, quando ela lhe
fez menção de adoçar o café.
— Quem sabe você me conte um dia — disse ela, apoiando a bandeja
na mesa de centro e sentando-se à sua frente.
— Já sei, vamos fazer um trato. Eu te conto isso no dia que sair
comigo para jantar.
— Minha curiosidade não vai tão longe assim.
— Tem certeza? Garanto que não vai se arrepender de sair comigo.
— Está bem.
Tiziano quase cuspiu o café. Estava tão habituado à palavra não, que
ficou surpreso com a brusca mudança de opinião da moça.
— Calma, porque também tenho uma condição. Se eu aceitar, você vai
me deixar em paz de uma vez por todas.
— Minha presença é tão indesejável assim?
— Você não é indesejável, mas eu vejo algo ruim ao seu redor e não
quero me envolver.
— Quem falou em se envolver? Só quero uma noite agradável com
uma linda mulher.
— Você concorda?
— Sim, eu aceito sua condição — respondeu, tomando um gole do
líquido quente —, mas só porque sei que você não vai mais conseguir ficar
longe de mim depois dessa noite.
— Tiziano, vamos ser sinceros?
— Teve alguma vez que não fui?
Ela revirou os olhos e continuou:
— Eu tive um único homem na minha vida inteira, então, não existe
isso de ficar com alguém só por uma noite. Mas o principal é que não estou
interessada em complicações e você é uma complicação ambulante... Não
entendo toda essa insistência.
— Uau. Bom — começou, levantando-se e indo em direção à moça —,
em relação à definição que me deu, infelizmente eu tenho que concordar —
disse ao pé do ouvido dela sem nenhum remorso. — Mas quanto ao resto, eu
prometo que não vou fazer nada que você não queira, porém, devo confessar
que tenho esperanças de que repense e se permita viver.
Agnes fechou os olhos, sentindo em seu ser que, se realmente fosse
àquele encontro, cairia na teia de Tiziano e isso acabaria tirando sua paz.
Um outro lado seu, contudo, ficou lhe dizendo que não faria mal algum se
arriscar.
A verdade era que tinha milhões de motivos plausíveis para desistir
daquela ideia maluca, só que àquela altura já não era a razão que respondia
por seus atos, mas as emoções.
Isso, contudo, não a deixava cega. Conseguia enxergar que o jogo da
conquista instigava o rapaz e que, quanto mais o desprezava, mais o
instigava. Também estava ciente de que quando ele conseguisse o que queria,
perderia a graça e nunca mais a procuraria.
Pela segunda vez teve sentimentos agridoces em relação ao jogo que
estavam fazendo. Mesmo assim, após pensar um pouco, resolveu mudar de
tática. Sabia que com isso estava arriscando se machucar como nunca antes,
mas não conseguiu se conter e disse:
— Vamos hoje.
— Gosto assim. Esteja pronta às sete — disse e saiu, deixando Agnes
meio tonta, bastante incerta e ao mesmo tempo eufórica pelo que viria.

Enquanto rumava para casa, Tiziano percebeu que metade de sua raiva havia
se dissipado e sentia a cabeça um pouco mais no lugar. Mesmo sem saber,
Agnes conseguiu tirar parte do peso que sentia sobre os ombros.
De repente, se pegou sorrindo. Nunca imaginou que ao ir vê-la sairia
de lá com um encontro marcado. Ele era um ser naturalmente invasivo que
conhecia suas qualidades e apostava nelas para conseguir tudo o que queria,
mas precisava confessar que estava surpreso e muito satisfeito.
O caminho de volta pareceu mais rápido, como se sua energia tivesse
sido recarregada.
— Quero falar com você — disse Antônia, que esperava por Tiziano
no escritório.
Ele foi até o bar, encheu o copo com gelo e uísque, pegou um charuto
na gaveta e apreciou, por alguns segundos, aqueles que, nos últimos anos,
vinham sendo seu refúgio.
— Não queria voltar a esse assunto, mas estou realmente preocupada.
— Que assunto, Antônia?
— Edoardo.
Tiziano revirou os olhos e respirou fundo.
— Só me ouve... — ela pediu. — Ele está escondendo algo, eu tenho
certeza. Hoje, quando você saiu, eu o vi em outro telefonema. Não consegui
ouvir, mas achei suspeito. Por favor, rastreie as chamadas, pelo menos para
tirar um peso das minhas costas, não custa nada.
— Está bem.
— Sério?
— Sim.
Antes que ela respondesse, alguém bateu na porta.
— Entra — disse o Don.
— Senhor, posso dar uma palavrinha? — pediu um dos soldados,
causando estranheza em ambos.
— Volto depois — disse Antônia entendendo o olhar do chefe e saindo
da sala.
Contudo, permaneceu por perto na intenção de ouvir algo.
— Chefe, acho que deveria saber que na noite do ataque, um soldado
viu o Sr. Pellegrini no jardim uns trinta minutos antes.
— E?
— Disse que ele estava agindo de forma estranha, que parecia
desconfiado.
— Por que só estou sabendo disso agora? E por você em vez do
soldado que o viu?
— Ele é novo e ficou com receio porque é o seu pai, só que achei
importante avisar, por isso vim assim que soube.
— Traga-o aqui.
Aquela conversa o fez se lembrar de que tinha que pensar em alguém
para substituir o chefe da segurança, e o quanto antes, levando em
consideração a situação em que se encontravam.
O nome de seu irmão lhe passou pela cabeça, no entanto, mesmo
achando que ele estava indo bem no processo de recuperação achava que
ainda era muito cedo para lhe incumbir tamanha responsabilidade. Não, o
caçula precisaria ter paciência até que estivesse apto para ocupar um cargo
de maior importância.
O soldado novato chegou e após quarenta minutos o questionando, ele
e o colega se retiraram, juntamente a Antônia, que fez questão de ouvir.
— Irmão — cumprimentou Leonello logo depois, entrando no
escritório.
— Sente-se.
— Alguma novidade?
— Talvez — disse e lhe contou o que acabara de saber.
— Eu não duvido nada que aquele filho da puta esteja por trás de tudo
o que anda acontecendo. Mas nós vamos pegar seus comparsas, sejam eles
quem forem.
— Ah, mas disso você pode ter certeza — falou com um sorriso
macabro no rosto.
— Mudando de assunto... A Antônia conversou com você sobre o
carcamano do seu subchefe?
— Se juntaram para fazer complô?
— Só temos uma opinião em comum e achamos que deveria ficar de
olho, só isso.
— Você nunca foi com a cara dele.
— E isso só me deixa mais desconfiado.
— Besteira, só não gosta de Edoardo porque ele ocupa o cargo que
era para ser seu, mas passou da hora de começar a separar as coisas,
Leonello, especialmente porque o único responsável por não estar nele é
você mesmo.
— Pode ser, mas ainda não consigo confiar, então, por via das
dúvidas, estou com a Antônia.
— Eu vou investigar, mas você ainda precisa amadurecer muito. Não
existe amizade verdadeira no nosso negócio. Quando o caldo engrossa, cada
um vai para o lado que lhe convém. Então, lembre-se que não importa de
quem você gosta ou não, o que interessa é a pessoa ser confiável e fiel ao
juramento feito à organização e aos seus irmãos. Um verdadeiro homem
feito, jamais trai sua organização.
— Sorte a sua que todos gostam de você.
— Eles gostam do que eu lhes proporciono, é diferente. Desde que
tomei o cargo, estão todos bem mais ricos. O que me deixa ainda mais
intrigado com tudo o que está ocorrendo.
— Sim, é estranho. Mas independentemente de quem for o traidor, a
punição tem que ser a mais severa possível, só pelos estragos que causou. Já
consigo pensar em algumas coisas...
— Então guarde-as para quando chegar a hora. Agora, vá sondar os
soldados, sem tocar no nome de Vito. Tenho certeza de que ele tem espiões
por aqui — disse Tiziano, levantando-se e dando a reunião por encerrada.
— Preciso ir me arrumar para sair.
Enquanto o chefe subia para o terceiro andar, Leonello saiu para fazer
o que lhe foi pedido.
Não era uma super responsabilidade, porém, não reclamaria. Juntaria
as migalhas até se reerguer.
CAPÍTULO 11

Leonello conversou com todos os soldados dispostos na mansão.


Sentia que, aos poucos, derrubava algumas das barreiras que havia
construído contra si mesmo, mas estava ciente de que haveria um longo
caminho até reconquistar a confiança do irmão e do restante da organização.
Porém, tinha uma meta e estava disposto a enfrentar tudo e todos para chegar
onde almejava.
Sua primeira guerra era contra a abstinência, a mais difícil e dolorosa
de todas as batalhas. Chegou a ter duas recaídas durante os dias mais
sombrios do percurso, porém, voltou ao foco, tendo em mente tudo o que
poderia perder sem o apoio do irmão mais velho, na verdade, o que já havia
perdido.
Foram noites e mais noites em claros, sem que ninguém tivesse a real
noção do quanto Leonello sofria em silêncio. O monstro que habitava em seu
interior era terrível e somente ele conhecia das armas certas para enfrentá-
lo. E não era fácil. Então desenvolveu um mantra que repetia sempre que
percebia o monstro vencendo: ele era forte e conseguiria sair daquela.
Claro que meia dúzia de palavras não faziam a vontade de consumir a
droga desaparecer como mágica, por isso tinha a sorte de ter o psiquiatra ao
seu lado, auxiliando-o a combater a vontade, Leonello tinha acesso ao
celular particular do médico e sempre ligava ou mandava mensagem quando
a abstinência estava insuportável.
As mudanças de humor, no início, eram constantes, por isso tentava se
manter afastado das pessoas o máximo que conseguia, porque demonstrar
fraqueza não era uma das opções. Queria aparentar, para todos, que estava
no controle da situação mesmo que não fosse totalmente verdade.
Naquele momento, o rapaz estava na fase dois da abstinência, dores
musculares lhe faziam companhia vinte e quatro horas por dia, tinha que lutar
bravamente para que nada no ambiente em que se encontrava remetesse à
droga da qual usufruíra por tanto tempo. Contudo, era impossível. Coisas
simples e cotidianas como espelhos, que só serviam para refletir sua
imagem, lembravam das inúmeras vezes em que enfileirou as carreiras antes
de consumi-las, o açúcar, que era usado apenas para adoçar o café, também
era tão branco quanto a melhor cocaína produzida, ainda havia as várias
pessoas que lhe lembravam de antigas companhias e até cédulas de dinheiro,
que usava para cheirar o pó.
Ver tudo aquilo todos os dias tornava o processo de desintoxicação e
desapego muito mais doloroso.
A primeira semana sem a droga, foi a mais difícil de toda a sua vida.
Enquanto estava sob efeito do pó, era tudo maravilhoso e ele se sentia o rei
do mundo, mas ao passar o frenesi, percebia o lixo de homem que havia se
tornado o que o fazia cheirar mais uma carreira. Assim, um círculo vicioso
se instalou em sua vida, com o intuito de não conviver com o fracasso.
O irmão mais velho sempre foi brilhante, mas desde que assumiu como
Don, sentia prazer em assistir o magnífico trabalho que ele desenvolvia no
cargo; poucos inimigos, negócios em crescente desenvolvimento, ótimo
faturamento, investimento em alta tecnologia entre outros.
Tudo aquilo o deixava extremamente feliz e envergonhado ao mesmo
tempo.
Todavia, o estopim para estar no fundo do poço foi o fato do irmão
não tê-lo escolhido como seu subchefe. Ninguém deveria ocupar o cargo que
era dele por direito. Naquela época, viveu sua pior fase e só não se rendeu à
heroína porque Tiziano o internou em uma clínica para dependentes
químicos.
Em seus devaneios, Leonello acreditava que ele havia feito aquilo
como uma forma de mantê-lo afastado dos negócios, não conseguia enxergar
que tudo o que estava acontecendo era por culpa dele, que não tinha forças
para parar de se drogar por si próprio e nem conseguia pedir ajuda. Era a
ovelha negra da família mais poderosa da Compagni e, para ele, estava tudo
bem.
Para sua sorte, os primeiros dias de internação o salvaram de si
mesmo e da ideia de se sujar com drogas ainda mais pesadas.
Infelizmente, permaneceu pouco tempo internado, pois não era somente
o pó branco que lhe fazia falta, o sexo era algo com o qual não conseguia
ficar longe, então deu um jeito de escapar da prisão em menos de um mês de
tratamento e sua aparência foi grande aliada nessa fuga.
Assim como seu irmão mais velho, Leonello tinha uma beleza natural
herdada dos Pellegrini e apesar da droga tê-lo deixado mais magro e com
profundas olheiras, ainda se via beleza por trás do estrago.
A maior parte dos homens da família eram altos, uma tez levemente
morena e hipnotizantes olhos claros, azuis ou verdes. Essa mistura deixava
mulheres apaixonadas por todos os lugares que passavam, não era à toa que
Ludovica ainda caía de quatro por seu homem, mesmo sendo o mais escroto
de todos.
Foi por causa do relacionamento tóxico dos pais que resolveu sair da
casa onde havia crescido e tentar recomeçar, almejando retomar o cargo que,
por direito, lhe pertenceria.
Passou pela porta da mansão e avistou uma linda mesa posta para dois.
— Para que tudo isso? — perguntou a Rita, observando a mulher
trabalhar com afinco nos detalhes da decoração.
— Ordens do Sr. Pellegrini.
— Desde quanto ele oferece jantares românticos?
A mulher deu de ombros.
Rita trabalhava para Tiziano desde que o homem comprou o casarão;
era discreta, nunca questionava uma ordem e falava somente quando
necessário, por esse motivo, dava-se muito bem no serviço e era querida por
todos.
Curioso, mas conformado com a falta de informação, Leonello subiu as
escadas na intenção de permanecer em seu quarto até amanhecer, pois o
período noturno, por enquanto, eram os piores no caminho da
desintoxicação.
— O que está acontecendo lá embaixo? — indagou Antônia,
abordando o primo no corredor.
— Você já não melhorou? O que ainda está fazendo aqui?
— Você consegue ser mais grosso do que seu irmão.
— É um dom.
Ela bufou.
— Respondendo sua pergunta, não vejo a hora de ir para a minha casa,
mas seu irmão não deixa, ainda — esclareceu, levantando a blusa para
deixar um extenso hematoma no abdômen aparente.
— Já vi piores — respondeu ele dando as costas à prima e abrindo a
porta de seu quarto.
— Ei, espera.
Leonello se virou mantendo a mão na maçaneta.
— Conversou com Tiziano sobre o Edoardo?
— Sim, ele disse que iria verificar as chamadas.
— Ótimo, assim ficaremos mais tranquilos — declarou, apoiando-se
no batente.
— Em partes, acho que ele tem razão, vocês são muito mal resolvidos.
Qual é o lance? Amor não correspondido?
— O sujo falando do mal lavado.
— Eu, pelo menos, tenho um motivo plausível.
— Eu também, meu sexto sentido me diz que tem alguma coisa nas
ligações misteriosas que ele faz, algo errado.
— Se tiver, pode ter certeza de que Tiziano vai descobrir e cuidar dele
direitinho.
— Quem cochicha o rabo espicha — caçoou Tiziano passando por
eles.
— Nossa, que cheiroso.
— Não se atrevam a descer aquelas escadas — advertiu o Don.
Todos entraram em respectivos quartos e não ousariam sair de lá até o
raiar do dia. Apesar de Antônia se roer de curiosidade para saber quem era
a moça que despertava tanto o interesse do primo, a ponto de lhe oferecer um
jantar romântico, ela não arriscaria irritar o chefe.
Tiziano foi para a sala de jantar e gostou do que viu, Rita havia
caprichado, como sempre. Havia arranjos de rosas espalhados em pontos
estratégicos da enorme mesa de mármore branco. Em uma das pontas, dois
lugares foram postos, um na frente do outro, com talheres de prata e taças de
cristal, aguardando para serem preenchidas com um ótimo vinho.
Estava tudo perfeito, porém, se tivesse se lembrado de que Agnes
morava a cerca de uma hora de distância de sua casa, teria pensado em outro
programa mais próximo a ela, ao invés de submeter a moça a uma viagem de
duas horas, somando ida e volta. Mas já estava feito e contaria com isso
para convencê-la a dormir por lá.
Riu com a ideia absurda, sabendo que Agnes jamais concordaria com
tal maluquice.
Adiantou-se em escolher um bom vinho de sua adega particular, pois,
naquela noite, o uísque não teria vez. Colocou uma música ambiente
tranquila e sexy com a intenção de despertar o lado romântico da moça e
torceria para sair tudo da forma como planejou.
Mais uma vez pegou-se rindo, sozinho, feliz por, enfim, ter o que
queria, pelo menos em parte. Como sempre dizia: não tinha nada que Tiziano
Pellegrini não conseguisse.
Entretanto, como também falava; o vencedor não era o que permanecia
em primeiro lugar a corrida inteira e sim, aquele que passava pela linha de
chegada na frente de todos.
O barulho de um carro chegando tirou-o dos devaneios nos quais
estava submergido. Por fim, o motorista havia chegado com Agnes. Todavia,
quando ele entrou, estava sem a Agnes.
O rapaz parecia aterrorizado, mas em um lampejo de coragem lhe
estendeu um bilhete:

Imagino que devo ter sido a primeira mulher a deixar Tiziano Pellegrini
esperando. Não foi por mal, apenas quero que entenda que não estou
interessada e desista.
“Quem muito quer, nada ganha.”
Boa noite.

Tiziano leu o bilhete duas vezes, mas em vez de se enfurecer, ele


sorriu. Somente Agnes teria coragem de fazer uma coisa daquelas com um
homem perigoso como ele.
— Essa mulher vai acabar comigo — disse ao motorista, que
esboçava uma aparência mais leve após ver que o chefe não quis matá-lo
pela mulher ter se recusado a entrar no carro.
Após guardar o bilhete no bolso, o mafioso pediu para Rita embalar o
banquete que havia feito.
Se Maomé não ia até a montanha, a montanha iria até Maomé.
CAPÍTULO 12

Tiziano, de fato, nunca havia sido rechaçado por uma mulher,


normalmente as pessoas o veneravam por terem ciência da posição que
ocupava no mundo. Ter a sensação de estar sendo tratado como uma pessoa
“normal”, como Agnes sempre fazia, o deixava motivado a querer mais.
Ele acreditava que, no fundo, ela o atiçava de propósito. A moça o
conhecia o bastante para saber que jamais aceitaria um bolo daquele sem ir
correr atrás do prejuízo. Talvez fosse exatamente isso que Agnes gostaria,
vê-lo correndo atrás como um cachorro miserável.
— Vamos para aonde, Sr. Pellegrini? — inquiriu o motorista, o mesmo
que havia voltado, há pouco, da casa de Agnes.
— O que você acha? Vou ter meu jantar de qualquer jeito — disse,
entrando no carro com a sacola de comida em uma mão e o vinho que havia
escolhido na outra.
Após se acomodar no banco de trás, pegou o celular. Iria aproveitar o
tempo do percurso para esclarecer assuntos pendentes com Edoardo.
— Aconteceu algo? — perguntou o subchefe à guisa de cumprimento.
— Estou ligando para saber se teve algum retorno do bode?
Bode era um codinome que usavam para pessoas infiltradas com algum
tipo de disfarce, a fim de conseguir qualquer informação que precisassem.
— Não. Ele me falou que assim que conseguir alguma coisa, entra em
contato.
— Que demora da porra!
— Nós sabíamos que demoraria, não é fácil achar uma agulha num
palheiro.
— Tanto faz... Espero o tempo que for necessário para colocar as
mãos nesse traíra, eles estão cada vez mais ousados.
— Você acredita que Vito tenha mesmo algo a ver com tudo isso?
— Não descarto de jeito nenhum. Mas preciso de uma prova, só uma,
para pendurar o corpo dele na Praça de São Pedro, como o lixo que ele é.
— Que assim seja. Ainda vai precisar de mim?
— Não, estou na rua.
— Por que não me disse, eu o teria acompanhado.
— Edoardo, você não é minha sombra e de forma alguma quero você
no meu pé esta noite.
— Então também vou sair.
— Faça o que quiser, desde que me avise assim que tiver um retorno
da procura pela placa da van. Tchau.
Desligou o telefone e reclinou cabeça contra o encosto, atrás de si,
quando um grande cansaço tomou conta de seu corpo. Fechou os olhos e se
permitiu alguns minutos a sós com seus pensamentos.
Não se importava com o que Agnes pensaria sobre ele ir atrás dela,
aliás, Tiziano não dava a mínima para o que os demais achavam de suas
atitudes, o importante era que, no fim, tudo saísse da forma que ele queria
estando no controle absoluto.
Não precisava da opinião alheia para determinar sua personalidade,
era extremamente bem resolvido em relação a isso.
No meio de seus devaneios sobre as suposições que pairavam na sua
cabeça o celular vibrou. O nome que apareceu na tela não o agradou nem um
pouco.
Checou as horas no relógio, não havia passado nem quarenta minutos
de estrada.
— O quê? — atendeu irritado.
— Quero saber das novidades.
— Caralho, Vito, você é surdo, burro ou apenas sonso mesmo?
— Fui Don por anos...
— Exato, foi, agora o cargo é meu e, diga-se de passagem, estou
fazendo um trabalho mil vezes melhor que o seu.
— Realmente, por isso está sofrendo tanto ataques — debochou,
irônico.
Tiziano já conseguia imaginar o pai sentado na cadeira de seu
escritório, o mesmo em que ele havia sido iniciado muitos anos atrás, com
uma taça de vinho na mão e um sorriso devasso no rosto.
— Bom você ter tocado nesse assunto porque quero te falar uma coisa:
se estiver envolvido nisso, de alguma forma, eu vou ser o homem mais feliz
do mundo, pois terei a oportunidade de fazer tudo o que sempre quis com
você, sem me preocupar com o que o conselho vai achar.
— É uma ameaça?
— Uma ameaça, um aviso, chame do que quiser, pouco me importo.
— Bom... — começou a falar quando, ao fundo, uma voz feminina
anunciou que um convidado havia chegado. — Tenho que ir, os negócios não
param.
— Imagino, deve ser a hora do seu remedinho, né?
Sem aguardar por despedidas, desligou o telefone, recostando
novamente a cabeça e rosnando involuntariamente. Uma ligação do seu pai
nunca era algo bom, o ambiente ficava tenso e pesado, mesmo com os
quilômetros de distância entre eles.
Pensou, por um momento, em mandar o carro voltar e pedir para Virna
ir à sua casa para poderem foder a noite inteira. Afinal, era daquilo que ele
gostava, sexo fácil e depravado sem ter que ficar correndo atrás como um
cachorro.
— Caralho, Tiziano, você precisa se controlar. Agnes não tem nada a
ver com o fodido que você é — tranquilizou a si mesmo.
Como se pudesse ler seus pensamentos o nome de Virna apareceu no
display.

Já faz tempo... Estou com saudades.

Será possível que não vou conseguir ter um minuto de sossego esta
noite?, pensou, chateado e desligou o aparelho.
Virna já estava sendo inconveniente, significando que seria necessário
dispensá-la de uma vez por todas.
Ficou irritando com esta insistência. Sempre fora sincero, deixava
claro, desde o começo, quais eram as suas intenções, mesmo assim elas
criavam o monstro da expectativa, alimentando-o diariamente com as ilusões
que os livros enfiavam em suas cabeças, o amor não existia e ponto final.
Tiziano nunca havia se apaixonado, de verdade, por ninguém, sempre
foi apenas sexo – e sempre nas suas condições –, mas elas sempre davam um
jeito de idealizá-lo como um príncipe que precisava ser resgatado da
escuridão.
Isso nunca aconteceria e por conta disso, teria achar uma mulher que
fizesse tudo que ele gostava, da forma que ele ordenava, pois Virna já era
carta fora do baralho.
Acendeu um charuto, para relaxar. O cheiro da fumaça se mesclou com
o aroma maravilhoso da comida que já havia impregnado o ar e o estragou
completamente. Que ideia idiota, o odor ficou péssimo e precisou abrir a
janela. Por sorte, estava chegando ao seu destino.
— Fique aqui e mande o outro carro se posicionar na parte de trás da
casa. Entre em contato caso veja qualquer coisa suspeita — ordenou Tiziano
para o motorista, que também era um soldado.
— Sim, chefe.
Tiziano desceu do carro e encontrou a porta entreaberta.
Franziu o cenho, achando aquilo estranho, e entrou, mesmo sem
convite.
— Boa noite — ouviu a voz melodiosa que não saía de sua cabeça.
Agnes se encontrava ao lado de uma mesa posta para dois, com cara
de quem sabia das coisas.
— Achou que eu ia cair naquela de ir até sua casa? O que pretendia?
Dizer que o motorista passou mal para eu ter que passar a noite lá?
Tiziano adorou a audácia da moça, não poderia dizer que ela não era
sagaz.
— Ele não iria passar mal, só iria embora mais cedo por um problema
familiar — confessou e voltou a olhar para a mesa. — Presumo que um
desses lugares é meu.
Agnes apontou para uma das cadeiras, autorizando-o a se sentar.
Ele se aproximou.
— Muito bom. Mas e se eu não viesse?
— Você se acha incrível e imprevisível, né? Pois saiba que é
justamente o oposto — declarou Agnes.
— E você acha que sabe mentir, mas é péssima nisso — constatou,
então mostrou a comida e o vinho: — Trouxe isso.
— Mas...
— Nada de mas — ele a interrompeu. — A Rita ficou algumas horas
preparando essa comida maravilhosa para a senhorita simplesmente não ir.
Você é uma beata sem coração.
E passando pela moça, foi em direção à cozinha.
Agnes sentiu o rosto pegar fogo, mas o seguiu.
— O que está fazendo?
— Vou desembalar nosso jantar.
— Mas eu fiz comida — declarou ela, finalmente.
— Então teremos um banquete.
Após suspirar dramaticamente, a anfitriã se rendeu e juntou-se a ele.
Enquanto ela ajeitava a comida nos pratos, o rapaz abria o vinho.
— O cheiro está maravilhoso.
— Pode ser, mas nenhum aroma se compara com o seu — galanteou,
chegando bem próximo e cheirando o pescoço da moça.
— Vamos? — chamou, desconsertada.
Agnes estava tensa, sem saber ao certo como se portar. No mesmo
momento em que parecia corajosa, desafiando Tiziano, sentia-se um bichano
acuado. Aquele homem era imponente e intimidador demais.
Somente aquela breve proximidade foi o suficiente para esquecer de
tudo que havia programado, começando pela parte de não beijá-lo, não
estava mais tão segura assim de que resistiria, afinal, um beijo não a
mandaria para o inferno. Ou mandaria?
— Você está bem? Parece um pouco aérea. É a minha presença? —
perguntou, sério.
— Na verdade, sim. Ainda não estou entendendo sua fixação nisso
tudo.
— Quero ser seu amigo.
— Amigo?
— Ficou decepcionada?
Agnes soltou uma risada nervosa.
— Você é ridículo... Quero dizer, claro que não.
Tiziano mudou de assunto, deixando-a mais tranquila e à vontade.
Logo, toda a tensão havia se dissipado e conversavam tranquilamente
sobre assuntos diversos.
Ao final do jantar, permaneceram à mesa, terminando a última taça de
vinho.
— Então... Vai me dizer no que trabalha? — ela quis saber.
— Vou sim, como te prometi, mas só quando eu for embora.
— Qual a diferença?
— Quero aproveitar o tempo que ainda tenho com você.
— Nossa, assim vou achar que é um mafioso — debochou, rindo alto.
— O mistério é a alma do negócio — respondeu ele após alguns
segundos, com uma piscadela.
— Sei — rebateu e se levantou, começando a recolher pratos e
talheres.
Tiziano a seguiu e quando ela se virou para voltar à sala, ele a
encurralou contra a parede. Ela arquejou, ele suspirou, porém, nenhum dos
dois avançou. Ficaram ambos parados, admirando-se mutuamente.
Ao redor, a única coisa se ouvia eram as respirações ofegantes,
embora Agnes tivesse certeza de que ele poderia ouvir as batidas de seu
coração, de tanto que galopava em seu peito.
— Nervosa? — inquiriu, pressionando levemente a mão no colo da
moça para sentir o quanto seu coração estava acelerado.
— Tire a mão daí — exigiu a jovem sem se mover.
Agnes vestia uma blusa branca rendada, com um decote em V e uma
calça preta justa. Nos pés, a moça fez questão de ficar descalça, pois a
verdadeira Agnes era assim, simples e livre para fazer suas próprias
escolhas.
Sentiu a necessidade de mostrar seu verdadeiro eu, para que o rapaz
não tivesse dúvidas de que ela não era como as grã-finas com quem
costumava sair.
— Sua pele parece uma seda — ele sussurrou.
Encabulada, a moça abaixou a cabeça.
— Você é uma caixinha de surpresa, não é? Por fora, uma leoa, mas
por dentro, não passa de um filhotinho tímido — provocou, levantando o
rosto da moça. — Vou te beijar — anunciou, deslizando a mão até a nuca,
agarrando os cabelos e puxando para si, acabando, por completo, com o
pequeno espaço que os separavam.
Tiziano invadiu a boca da moça sem delicadeza.
Ansiava sentir o gosto que tanto imaginou por tempos e não esperava
pela intensidade que veio somente de um beijo. Colou seu corpo no dela,
deixando evidente a ereção na barriga delicada da jovem.
Um não poderia sentir o quanto o outro estava molhado, mas era real o
desejo que somente suas peças íntimas tinham certeza.
As bocas eram como ímãs que não conseguiam se separar. Nunca,
Tiziano, apreciou tanto um beijo e apesar da vontade sólida de levá-la para
cama, se segu... Que se danasse o controle.
Quando fez menção de carregá-la o motorista entrou, atrapalhando
seus planos.
— Desculpe, senhor, mas temos uma emergência.
O rapaz respirou fundo e Agnes corou por completo, escondendo-se
por trás do corpo vultoso de Tiziano.
— Me desculpe por isso — falou se virando para sair.
— Espera — pediu a moça, chamando a atenção do homem. — Você
não me disse no que trabalha.
Não tinha mais o clima quente e descontraído de segundos atrás,
naquele momento, só havia tensão, pois a teoria de que talvez Tiziano fosse
uma pessoa ruim não era mais tão irreal assim.
— A noite não terminou, quem sabe no próximo encontro — declarou
deixando uma piscadela e saindo da casa.
CAPÍTULO 13

Quando Agnes planejou não comparecer ao encontro com Tiziano,


sabia que ele iria atrás, pois era mulherengo e orgulhoso de mais para não
fazer nada, e isso já estava no planejamento. O que não fazia parte de seus
planos era ter cedido ao seu charme, como uma boba apaixonada, na
primeira oportunidade que o rapaz encontrou de se aproximar.
E apesar de saber a possibilidade de aquilo acontecer seria grande,
contava com seu autocontrole que, obviamente, havia lhe deixado na mão.
Mas o ocorrido não era nada comparado a certeza que tomou seu
coração de que ele praticava atos ilícitos para ganhar dinheiro. Com a
resposta que o rapaz deu antes de ir embora, teve a certeza do que já
desconfiava; Tiziano não era homem para ela.
Ela não poderia se manter neutra, não poderia ficar ao lado de alguém
que, possivelmente, fazia o mal, seria totalmente hipócrita da sua parte.
Entretanto, como mandar o coração se desapaixonar? Uma fórmula
desejada por muitos e conquistada por ninguém.
Sua percepção era estar em um show de stand-up, contudo, não excluía
sua parcela de culpa, afinal mesmo com toda armadura que montou deixou
que ele se aproximasse e não tinha como dar certo.
De tantos homens no mundo, Deus havia lhe presenteado com Andrea,
anos atrás, mas por motivos maiores ele havia partido, deixando um
ensinamento enorme para a jovem viúva. Após a tragédia, encontrou na
família Castelli sua própria raiz já que seus pais a tiveram com uma idade
avançada e também a deixaram sozinha no mundo.
Tinha alguns parentes distantes espalhados pela Itália, porém, ninguém
que ela tivesse um contato muito grande, desta forma, não foi difícil se
apegar a Paolo e Chiara, que lhe deram a maior alegria quando geraram as
duas crianças que ela mais amava no mundo; Maria Marietta e Andrea
Mattia.
Apegou-se aos filhos do casal como se fossem seus e cuidava com
muito amor, afinal, seu ex-marido, mesmo sem saber, contribuíra para
estarem vivos. Esse foi o propósito de Deus para aquele momento que lhe
deu força para continuar em pé.
Sentada no sofá, uma ideia absurda lhe veio à mente. Será que os
recentes acontecimentos eram um sinal para ajudar Tiziano de alguma forma?
Ele mesmo já havia ligado e dado indícios de que não estava muito
bem, e as olheiras profundas eram prova disso. Também notou que o homem
gostava de tomar uísque, sentira seu hálito assim que chegou, fato que já
havia reparado em outras visitas.
Naquele momento, Agnes entendeu que tinha uma missão e, para ela,
pouco importava se iria machucar seus sentimentos, pois se alguém pedia,
secretamente, por ajuda, ela estava disposta a dar o melhor de si para
recuperar uma alma perdida.
Não sabia se a ideia era fruto do seu subconsciente apaixonado,
implorando para não se afastar, mas teria que arriscar, pois ela acreditava
que não existiam coincidências, tudo tinha uma razão e um estar presente na
vida do outro era um sinal que ela não deixaria para trás.
— Caralho, atrapalhou minha foda por quê? — rugiu para o motorista.
— Senhor... Parece que o Edoardo sumiu.
— Merda! Vamos para casa agora! — bradou, raivoso, entrando no
veículo.
Ao ligar o celular, foi bombardeado com inúmeras ligações e
mensagens de Antônia e Leonello, mas tudo o que respondeu foi que estava
chegando e conversaria com ambos no escritório.
O motorista acelerou o quanto pôde e refizeram o trajeto de volta na
metade do tempo.
Dirigiu-se direto para o escritório onde os dois já o aguardavam.
— Vamos ser francos. Ninguém some de uma hora para outra — disse
Tiziano, servindo-se de uísque. — Eu falei com ele há poucas horas, como
podem ter tanta certeza de que ele sumiu?
— Os soldados que faziam a escolta dele disseram que ele comunicou
que iria sair, o que já foi algo estranho vindo do Edoardo, mas, enfim... No
meio do caminho ele pediu para parar em um bar, despistou seus homens e
virou fumaça.
Tiziano andou até a janela, sorveu alguns goles pensando nas coisas
que havia escutado da sua conselheira, tentando encontrar alguma coisa que
fizesse sentido em tudo aquilo, mas a única coisa que pensou foi que Antônia
talvez tivesse razão na desconfiança que sempre teve, seria obrigado a
admitir, agora, que poderia ser real que o traidor fosse Edoardo, afinal
estavam chegando perto de descobrir e ele não seria tão idiota a ponto de
ficar para ver pessoalmente a cara do chefe quando descobrisse.
— Quero uma reunião de emergência com todos os chefes das famílias
associadas.
— Só pode ser ele — manifestou-se Leonello.
— Agora, nós vamos trabalhar com toda e qualquer hipótese.
— Eu sempre desconfiei dele, no entanto, nunca achei que realmente
fosse o traidor por trás disso tudo, mas quando encontrarmos ele vou...
— Você não vai fazer nada, Antônia, o chefe sou eu.
— Vou ajudar a encontrá-lo, irmão, pode contar comigo.
— Antônia, está esperando o que para convocar os homens?
— Vou entrar em contato com eles e volto — disse e saiu da sala.
— Me dê um voto de confiança e me coloca como chefe dos soldados,
agora, mais que nunca, eles precisam de alguém.
— Está bem, Leonello, mas preste atenção no que vou falar. A
primeira pisada de bola você está fora, inclusive da minha vida, para nunca
mais voltar.
— Você não vai se arrepender da escolha.
— É bom mesmo, porque você lembra o que aconteceu com o último,
não é?
— Lembro e teve meu total apoio. Não vou decepcioná-lo.
— Ótimo, já estou com problemas de mais na minha mão para
resolver.
— Posso te falar uma coisa?
— Fala — disse, acendendo um charuto.
— Eu acho que ele não fugiu, armaram para ele.
— Até ontem você estava fazendo a caveira dele, agora acha que
armaram?
— Pensei no que você me disse e você tinha razão...
— Sempre tenho — interrompeu, sentando-se em sua cadeira.
— Enfim... Meu sexto sentido diz que tem algo estranho nessa história
e a Antônia concorda comigo. Faremos de tudo para achá-lo.
— Está bem... Acho que você tem muito trabalho, não é mesmo? Vá
embora antes que eu me arrependa da sua última chance, tenho uma reunião
complicada para dirigir, quero estar tranquilo.
Leonello saiu do escritório deixando Tiziano sozinho com seus dois
companheiros inseparáveis; a bebida e o cigarro.
Surpreendeu-se ao ler uma mensagem de Agnes, enviada há alguns
minutos.

Espero que tudo esteja bem. Boa noite!

Por essa ele não esperava.


O beijo era somente o início da foda mais sensacional que ele teria,
mas claro que algo teria que dar errado, todavia, Tiziano era teimoso e não
desistiria de ter a beata rendida em sua cama.
Como jamais perdia a oportunidade de marcar presença, respondeu de
imediato.

Estaria melhor se eu ainda estivesse aí, de preferência, na sua cama.

Colocou o celular de lado, porque não era homem de esperar resposta


de quem quer que fosse, contudo, assim que o display acendeu ele não
resistiu e o pegou de volta rapidamente.

Não quero que entenda errado, nós nos beijamos, mas foi só isso. Tudo o que quero é a sua
amizade.

Tiziano não pôde deixar de esboçar um sorriso, porque no dia em que


ela estivesse sobre sua cama, Agnes sentiria vergonha de ter mandado essa
mensagem.
Mas não seria bobo de rechaçar seu pedido. Veria até quando essa
história de amiguinhos funcionaria, contudo, levando em consideração sua
experiência, não passaria do próximo jantar.
Durante o beijo, Tiziano se sentiu um adolescente prestes a gozar
apenas com o clima quente que havia se instalado na cozinha e o roçar de
seus corpos ofegantes, não se lembrava de ficar assim por mais ninguém,
entretanto, colocou a culpa, novamente, no ditado: o que é difícil é mais
gostoso.
No entanto, viu-se agradavelmente surpreso ao descobrir uma Agnes
carinhosa, tímida e preocupada, totalmente diferente da mulher espinhuda
que lhe dava um fora atrás do outro. O que mais aquela mulher estava
escondendo?
— Chefe — Antônia lhe chamou a atenção, após bater, entrar e Tiziano
continuar absorto em pensamentos.
— Fala.
— Amanhã cedo todos estarão aqui.
— Ótimo. Sente-se porque quero dar uma palavrinha com você —
informou, tirando as pernas de cima da mesa e se sentando corretamente. —
Leonello me disse que vocês acham que Edoardo não fugiu.
Tiziano gostava de ouvir o que cada um tinha a dizer, para só depois se
recolher com seus próprios pensamentos e chegar à própria conclusão.
Achava interessante como cada pessoa tinha uma visão completamente
diferente de uma mesma coisa, aquilo fazia a mente dele trabalhar com
outras possibilidades, o que era ótimo para o cargo que ocupava.
A escolha de Edoardo e Antônia, para estarem ao seu lado, foi pura
estratégica, pois ambos eram totalmente distintos, auxiliavam o Don a
enxergar o que não conseguia ver.
— O Leonello que veio com esse papo, apenas não descartei.
— Então você não concorda.
— Acho complicado dar uma...
— É sim ou não.
— Não.
— Ele deu o endereço de uma das boates da famiglia, pediu para o
motorista parar em um boteco qualquer e sumiu. Um dos soldados falou que
ele estava agindo de maneira estranha...
— Tudo bem. Já tenho o suficiente por hoje — disse, virando a
cadeira ficando de costas para a moça.
— Ah! Só uma curiosidade. Você foi atrás da mocinha religiosa?
Tiziano virou novamente e a encarou.
— Como disse... Só curiosidade — levantou as mãos em rendição.
— Fui. Mais alguma coisa?
— Não — respondeu, levantando-se. — Ah! Na verdade, sim. Virna
veio aqui atrás de você novamente.
— Ótimo — retrucou, virando outra vez a cadeira, ficando de frente
para a janela, ouvindo a porta se fechar.
Era um problema com o qual não queria lidar naquele dia, porém,
quanto antes resolvesse melhor, então pegou o telefone e ligou para seu
motorista.
— Michele — disse assim que o homem atendeu ao telefone —, vá
buscar a Virna.
— Agora, senhor?
— Não. Semana que vem... Claro que é agora.
— Sim, Sr. Pellegrini.
Enquanto a moça não chegava, aproveitaria para conversar com
Domenico. O hacker teria muito trabalho para aquela noite, sendo o
principal deles rastrear o telefone do Edoardo e invadir câmeras de
segurança da cidade, nas redondezas de onde o rapaz sumiu, Com sorte,
conseguiriam alguma informação.
Deixou Antônia encarregada do serviço que o subchefe estava
encabeçando, pois mesmo com todas as merdas, os negócios não paravam e
encontrar a placa da van era uma prioridade e não poderia perder o foco.
Decidiu checar os balanços das principais boates e achou irônico que,
mesmo com tudo desmoronando, os dígitos em sua conta não paravam de
aumentar, mostrando que havia luz no fim do túnel.
CAPÍTULO 14

Contrariando o esperado, Tiziano conseguiu dormir incríveis quatro


horas e acordou renovado. Levantou-se e aproveitou para tomar um banho de
banheira enquanto ainda restava um pouco de bom humor dentro de si e o
tempo antes de ter que entrar em uma sala cheia de homens com índoles
duvidosas, porém, ele também não era a alma mais pura dentro daquela
residência para julgá-los, então dava tudo na mesma.
Na noite anterior, o motorista não encontrou Virna no apartamento em
que residia e após uma tentativa infrutífera de contato via telefone, Tiziano
entendeu como um sinal de deixar aquele assunto para outro momento, pois
mais cedo ou mais tarde ela apareceria de volta, sem menor sombra de
dúvidas, aí ele conseguiria dispensá-la de uma vez.
Já vestindo seu terno Armani preto, camisa branca e o charuto na mão,
olhava por sua enorme janela, do terceiro andar, as dezenas de homens
chegando pensando que um deles, certamente, era a pessoa que estava
tirando seu sono.
Um traidor estava embaixo do seu próprio teto e isso o deixava
nervoso. Amaldiçoou internamente o ser que havia mandado ele nascer
naquela família e lidar com as mais inimagináveis situações que pessoas
normais não poderiam nem sonhar que aconteciam por aí.
Seus homens já estavam na sala de reunião, que ficava ao lado do
escritório do chefe, aguardando o início do encontro. Mantinham conversas
paralelas e aproveitavam aquele momento para trocar informações e
novidades do submundo enquanto o Don não chegava.
Tiziano respirou fundo, apagou o charuto e desceu, encontrando
Leonello à sua espera no escritório.
— Eu quero participar — anunciou o rapaz para o irmão mais velho.
— Sem problemas, mas para entrar naquele lugar precisa saber o
nome de nossos principais Capos e suas respectivas funções. É o caso?
— Leonardo Zappa, responsável pela seleção dos armamentos.
Ricardo Riina, substituto de Luigi Riina, pai da ex-mulher de Paolo, ponte de
ligação entre associados mais influentes da Itália...
— Não precisa ir tão a fundo comigo, afinal já sei de tudo isso —
interrompeu o primogênito. — Continue.
— Francesco Lombardi, os olhos mais apurados para encontrar as
moças que atendem nas boates. Ângelo Formenti, nosso contador,
especialista em finanças e investimento. Nino Leoni, encarregado dos
serviços sujos dentro da Itália. Marco Gobbo, responsável pelo treinamento
intensivo de todos os soldados e iniciação dos membros. Tommaso Gallo,
cuida dos assuntos internacionais. Armando Bacci, cuida da distribuição das
drogas entre todos os compradores e Filippo Piccoli, o homem da
tecnologia.
— Alguém andou empenhado... — comentou, ainda escondendo do
caçula o orgulho que estava sentindo.
— Eu estou levando isso a sério, Tiziano, quem sabe agora, com o
sumiço do Edoardo, eu não possa...
— Nem se dê ao trabalho de terminar — rebateu, fechando o
computador. — Enquanto ele não aparecer, nada muda, Leonello, não queira
se aproveitar da situação.
— Você precisa de alguém...
— Tenho Antônia para isso. Se o pior acontecer, vou me lembrar de
você, mas não coloque a carroça na frente dos bois, está bem? Agora,
vamos.
Os dois irmãos saíram do escritório e caminharam até a grande sala de
reuniões que havia na casa. Assim que entraram, todos se calaram e
colocaram sua atenção no chefe.
Sentou-se na cadeira da ponta colocou o anel do Don, com uma grande
esmeralda, cor da Compagni, e todos os membros o imitaram, cada um com
sua respectiva joia.
— Se optar pela deslealdade... — Tiziano iniciou.
— ...de uma cova não escapará — repetiram os outros em coro.
O Don observava cada um dos nove homens mais influentes da
famiglia, um por um.
Era notório que eles não tinham nenhum interesse em comum, fora os
negócios, poucos mantinham relações com outro membro e conversavam
somente o necessário, uma vez que antes de Tiziano assumir o cargo, muitos
deles brigavam entre si por território. Tudo isso teve fim quando o novo
chefe reorganizou toda a pirâmide, dando a cada família uma função
específica. Após isso os negócios alavancaram e os lucros triplicaram, no
entanto, ainda havia aqueles outro que não gostaram da troca de chefia,
contudo, não se atreviam a se manifestar.
Dentro da Compagni, cada qual era responsável por selecionar seus
soldados e, consequentemente, por eventuais traições que estes cometessem.
— Primeiramente, gostaria de agradecer a presença de todos. Acredito
que saibam o motivo dessa reunião extraordinária.
— Claro, há um lixo a menos entre nós — disse Nino, desdenhoso. Ele
nunca gostara de Edoardo.
— Morte para esse miserável! — tomou a palavra Armando.
— Don, com todo respeito, como não percebeu a cobra que tinha
debaixo do seu nariz?
— Ângelo, meu caro, não há nada que nos leve a crer que meu
subchefe é um traidor. Por enquanto o único problema foi que ele
desapareceu. Se tiver qualquer outra informação que corrobore com os
pensamentos de vocês, tomarei uma atitude em relação a isso — esclareceu
Tiziano.
— Edoardo sempre foi fiel à organização. Tenho certeza de que os
Massimos o sequestraram — manifestou-se Leonardo.
Um burburinho se iniciou na sala.
— Garanto a vocês — Tiziano começa a falar novamente em um tom
de voz elevado para ser ouvido — que logo descobriremos o que aconteceu
com ele.
— Assim com descobriu o mandante do atentado que quase matou a
Antônia? — inquiriu Marco.
— Perdeu a noção do perigo, miserável? — inquiriu a conselheira,
raivosa, colocando-se de pé num pulo.
— Estou apenas...
— Chega — esbravejou o Don. — Não sou a porra de um pedagogo
para lidar com crianças desobedientes.
Tiziano fez um gesto para Antônia se acalmar. O Don era experiente e
sabia lidar muito bem como lidar com os dois mais rebeldes do grupo; Nino
e Marco.
Como sempre, contava com a boa e velha paciência, sabia exatamente
a hora de agir nas mais diversas situações, e sabia que toda vez que
ocorriam reuniões como aquela, a diplomacia era o melhor caminho.
Contudo, de forma sutil, porém, categórica, deixava claro que era ele quem
mandava na porra toda.
— Eu chamei os senhores aqui por um motivo que vai além do sumiço
de Edoardo. Existe uma pessoa dentro dessa minha maravilhosa sala que não
está honrando com seu juramento.
— Como assim? — perguntou um deles.
— Isso é um absurdo — exclamou outro.
— Calados — ordenou Tiziano, deixando seu lado polido um pouco
de lado e obtendo a atenção de todos novamente. — Enfim... Eu não
perguntei a opinião dos senhores, simplesmente comuniquei o que está
havendo, então independentemente de quem for o traidor, Edoardo e quem
mais estiver no montante, vai sofrer as consequências. E elas serão as piores
possíveis. Porque um traidor desse nível merece ver seus entes queridos
sofrerem o diabo nas minhas mãos, para só então morrer, sentindo a pior dor
possível.
Pela primeira vez em horas, um silêncio sepulcral se instalou na sala.
— E para quem está se perguntando... Sim, é uma ameaça. Somos a
pior corja de homens que existe, então os senhores sabem que tudo o que
acabei de falar se concretizará.
Leonello encarava o irmão com olhos arregalados. Nunca tinha visto
Tiziano falar daquela forma, na verdade, foi a primeira vez que viu o Capo
dos Capos em ação.
— Don, todos aqui somos leais ao senhor — disse Ângelo, ponderado.
— Fale por você, querido amigo. Uma carga muito valiosa foi roubada
há algumas semanas, como é de conhecimento de todos, depois houve a
invasão da minha festa e, agora, o sumiço de Edoardo. Mas o que os
senhores não sabem é que forjei, junto ao nosso químico, uma forma de
rastrear a droga. Com isso, chegamos até um nome, porém, eles disseram que
receberam a informação de mão beijada, isto é, o itinerário foi entregue para
prejudicar a organização. E pode ter sido qualquer um aqui, pois todos
sabiam da carga.
— Exato. Todos sabiam o itinerário — defendeu-se Armando.
— Não apontei o dedo ao senhor — disse Tiziano ao velho barrigudo
—, porém, o senhor é responsável pela organização e distribuição da
mercadoria, então é natural que seja um dos primeiros nomes da lista.
Marco colocou as mãos na boca, em uma tentativa falha de disfarçar o
sorriso.
— Que insulto, meu Don, eu jamais trairia nossa organização.
Tiziano encarou o membro que estava rindo e somente aquele olhar foi
o suficiente para calar o homem.
— Bom... Quero aproveitar para reforçar que Vito está completamente
fora dos negócios.
— Desculpe, chefe, mas ele é meu amigo e me sinto... — começou
Marco, mas foi interrompido.
— Se ele é seu amigo ou não pouco me importa, seu dever é com os
negócios, isso está acima de qualquer coisa. Quando eu falei que não o
quero envolvido em nada, quis dizer absolutamente nada, fui claro?
Todos anuíram silenciosamente. A reunião estava encerrada.
Antes de tirar o anel do dedo, Tiziano deu um beijo na pedra e guardou
a joia dentro da gaveta. Ato contínuo, levantou-se e saiu.
Como já era quase a hora do almoço, solicitou que Rita servisse seu
almoço no quarto, e seguiu para o terceiro andar.
Enquanto aguardava, esticou o corpo em uma chaise de couro preta
que ficava próxima à janela, e tentou, pela vigésima vez, ligar no celular de
Edoardo, entretanto, mais uma vez estava desligado.
— Porra, Edoardo, o que você está aprontando?
Ao entrar no aplicativo de mensagem, viu a última vez que Agnes
havia enviado antes de ele entrar em reunião.
Ela não poderia nem imaginar o quão fodido ele era, pois se soubesse,
não teria se rendido ao beijo.
Mas por que raios estava filosofando tanto?
Merda! Precisava aliviar um pouco da tensão acumulada nas bolas.

Oi, Agnes, vou mandar meu motorista te buscar. Já prepara esse cuzinho, que vou meter meu pau a
noite inteira.

Infelizmente não era a Agnes que ele desejava, mas para aliviar o
estresse, estava de bom tamanho.
Sem conseguir resistir, enviou uma provocação para sua Agnes, afinal,
não seria ele se não o fizesse.

Oi, minha beata, quando vamos repetir a dose?

Foi muito mais polido do que gostaria, porque se fosse sincero, falaria
que ela o estava deixando louco de tesão, a ponto de contratar uma prostituta
com o mesmo nome só para fingir que era ela quem estava em sua cama.
Fecharia os olhos, enquanto comia o segundo buraco apertado da
profissional enquanto gemia seu nome...
Mesmo com o sangue concentrado no meio das pernas, um filete de
bom senso soou em sua cabeça, interrompendo seus devaneios eróticos, e foi
capaz de parar e pensar. Havia acabado de chamar uma prostituta e enviado
uma mensagem para sua beata... Puta que pariu, desde quando se importava
com esse tipo de coisa?
Era o Tiziano que nunca havia se apaixonado e transava com quem
queria sem compromisso e ponto final.
O aparelho acendeu, mostrando que sua beata havia respondido:

Sonhei com você noite passada.

Ah, caralho, ela realmente seria minha perdição.


CAPÍTULO 15

— Vamos passear, meninão lindo?


Diavolo, o cachorro da casa, latiu em resposta com o rabo balançando
no ar como um chicote.
— Até parece que vive preso, né? Vamos — determinou Agnes
deixando o cão espalhafatoso passar na frente antes que a atropelasse.
A moça preferiu subir a colina e aproveitar o sol que ainda
permanecia no céu naquele fim de tarde.
Nunca se cansaria de admirar a vista que tinha lá de cima, era digna de
um quadro. Voltou a atenção para o casarão branco, em frente ao parreiral,
ele, junto com o restaurante e a lojinha da família completavam a paisagem.
Sempre se lembrava, com muito carinho, de quando se mudou para a
vinícola. Sua vida estava de ponta cabeça, uma tristeza profunda dentro do
peito, mas a cabeça estava erguida, pronta para enfrentar as escolhas que
Deus havia feito para ela, pois Ele jamais lhe daria um fardo que não
conseguiria carregar.
Naquele lugar, deparou-se com uma nova vida e conseguiu enxergar o
futuro sob uma nova perceptiva.
Assim como os pais, seu marido era conservador, quase reacionário,
de forma que a vida de casada se resumia a deixar a casa impecável, fazer
comida e esperar o marido chegar. Sempre amou o mundo literário e se
imaginava dentro das histórias que sempre lia escondido do marido, pois na
cabeça dele era totalmente inaceitável uma mulher ler cenas eróticas, de
forma que só o fazia quando ele estava no trabalho.
Em seu íntimo, gostaria de poder explorar tudo o que lia na vida real,
contudo, jamais ousou tocar no assunto com Andrea por receio de ser
julgada ou mal-interpretada. Agnes nunca havia feito um sexo oral – nem
recebido – e só havia gozado por suas próprias mãos.
O sexo com o marido se resumia ao papai e mamãe, no máximo, uma
vez ao mês, todavia, se fosse por sua vontade, seria muito mais ativa do que
isso, e quando descobriu o auto prazer, nunca mais passou vontade.
Andrea era uma ótima pessoa e fazia tudo pela esposa, porém,
mantinha os pensamentos arcaicos da educação que teve.
O assunto sexo era um tabu e nunca haviam conversado das
preferências e gostos de cada um, porque pela criação que tiveram, o sexo
era para reprodução e não para o prazer.
Apesar de ser temente a Deus, Agnes não tinha esse tipo de
pensamento, achava-os obsoletos e acreditava que homem e mulher tinham
que ser, acima de tudo, confidentes para conseguirem desenvolver um
relacionamento de prazer mútuo na cama. Acreditava que o corpo humano
também havia sido feito para desfrutar de momentos a dois. Não achava que,
por isso, seria uma pessoa inferior a qualquer outra que frequentava a igreja.
Ela pensava em se casar novamente, afinal, era muito jovem ainda,
porém, faria essa escolha por conta própria. Almejava alguém que pudesse
ter a cabeça aberta para ensiná-la tudo o que sempre desejou.
Certa vez, assistiu a um filme pornô e no intervalo de uma hora
conseguiu gozar três vezes. Sentiu vergonha no início, mas precisava assistir
com os próprios olhos, pois sua imaginação era limitada, afinal, não viveu
nem um terço de tudo aquilo.
Quando Tiziano a beijou, sentiu o pulsar entre as pernas, exatamente
como era descrito nas cenas de sexo de seus livros, ou como acontecia
quando assistia a um filme adulto. Foi muito forte e teve vontade de guiar os
dedos até seu centro molhado, mas para sua sorte foram interrompidos.
O bom senso gritava em sua orelha para parar de pensar naquele
homem e ter juízo, pois mesmo querendo loucamente se entregar, ainda
possuía suas crenças. O fato de querer explorar o assunto não lhe dava
direito de ir para cama com qualquer um.
Teria que ser ao menos seu namorado, alguém por quem tivesse
sentimentos reais e vice-versa, o que não era o caso, pois o rapaz não era do
tipo que se casava.
Começou a entender o que sempre ouvira falar sobre pessoas que não
se amavam, mas tinham uma química enorme. Talvez fosse esse o caso dela
com Tiziano, porque, após a morte do marido, Agnes saiu com apenas um
rapaz da igreja, mas percebeu que não tinha a mesma vibração, era algo sem
tempero, então desistiu.
— Já procurei vocês em todo lugar — falou Chiara, aproximando-se.
Agnes estava sentada ao pé de uma grande árvore enquanto Diavolo se
deitava ao seu lado com o cabeção em seu colo.
— Vim passear com ele e acabei perdida em pensamentos.
— Sei bem como é — disse a chef de cozinha, sentando-se ao seu
lado. — Eu vinha muito aqui quando era solteira, pensar em um certo
grosseirão que me tirava o juízo.
Agnes riu e depois perguntou:
— Ajudou?
— Não, mas a vista é linda.
As duas riram daquela vez.
— Olha, você não me perguntou, mas vou falar. Paolo me contou que
Tiziano está marcando pesado em cima de você. Bom, ele é totalmente
contra, porque te considera uma boneca de porcelana.
— Você não? — inquiriu a jovem, olhando para a amiga.
— Não, você é uma mulher forte e uma pessoa maravilhosa e deve
aproveitar a vida, minha amiga. Andrea era um homem muito bom, mas como
marido, sabemos que deixava algumas coisas a desejar...
— Não posso buscar isso em Tiziano.
— Apenas se permita viver. Você só tem vinte e cinco anos e um corpo
de dar inveja a qualquer uma, aproveite o que a vida está te oferecendo.
— Devo ser uma pecadora muito grande para a vida me oferecer um
Tiziano, né?
As duas riram novamente, dessa vez, por mais tempo.
— Nós nos beijamos — admitiu.
— Sério? Gostou? — perguntou Chiara, entusiasmada.
— Bastante, esse é o problema. Minha vida inteira só tive Andrea, não
posso me envolver logo com ele, entende? Não sei exatamente o que ele faz,
mas sei que não é coisa boa.
— Vai ver você veio para mudar isso. Não vive dizendo que nada é
coincidência?
— Sim, mas...
— Mas o quê? — indagou a amiga, encarando-a.
— Eu pensei em ser a amiga dele, sabe, para ajudá-lo. Percebo o
quanto ele bebe e fuma. Também já notei que está sempre com olheiras...
Contudo, eu sei que eu não saberia dividir isso e, sinceramente, nem ele.
Chiara começou a gargalhar antes mesmo da amiga terminar a frase.
Depois de alguns segundos, falou:
— Amiga, não fica pensando no que pode ou não acontecer, faz o que
seu coração mandar, porque ele tem credibilidade de sobra para tomar uma
decisão como essa.
— Tenho receio de me machucar, Chi — assumiu Agnes.
— Faz parte, todo mundo já sofreu alguma vez por amor, Agnes, não é
só porque você é uma mulher linda que está livre disso, só não acho que
deveria se privar de viver uma coisa por medo, mas tem um porém, entre
sabendo onde está pisando.
— Como assim?
— Tiziano é o homem mais sincero que eu conheço, se você está com
alguma caraminhola na sua cabeça esclareça, porque ele não mentirá sobre
nada para você — declarou Chiara, sincera.
— Já percebi. Às vezes tenho até medo de perguntar, porque sei que
ele não tem sutileza em falar o que pensa.
— Sim, no entanto, quero que tenha cuidado, pense bem na sua
decisão...
— Ele me faz ser uma pessoa diferente.
— Em que sentido?
— No início, eu era arrogante com ele. Foi a maneira que encontrei de
me blindar daquela beleza me dando mole, agora ele conseguiu me desarmar
sem que eu percebesse. Hoje enviei uma mensagem falando que sonhei com
ele, acredita?
— Acredito, homens fazem isso. Deixam a gente meio idiota.
— Achei tão engraçado, porque eu não tinha passado meu telefone...
— falou Agnes, como quem não quer nada, observando a reação da amiga.
— Está bem — rendeu-se com as mãos para o alto. — Culpada.
Agnes cerrou o olhar e cruzou os braços.
— Assim como a ligação que você me pediu para fazer a ele.
— Só uma ajudinha...
— Advogada do diabo você, hein?
— Eu chamo de cupido.
— Mamãe — gritou Marietta do pé da colina. — Mande seu filho
parar de dar em cima das moças que vêm conhecer a vinícola?!
— Essas crianças vão me deixar doida — falou Chiara, levantando-se.
— Imagina quando vierem os outros dois — completou Agnes, rindo e
se levantando também.
— Obrigada — agradeceu, dando um abraço na amiga.
— Estaremos sempre aqui por você. Agora, vamos.
Após a refeição, Agnes foi para seu bangalô, mas parou de chofre
quando viu o carro de Tiziano parado à frente sua porta. O coração acelerou
só de pensar na hipótese de ele estar sentado em seu sofá esperando por ela.
Aproximou-se e viu o motorista do rapaz apoiado no veículo.
— Posso ajudar? — perguntou ,fingindo demência.
— Boa noite, senhora, o Sr. Pellegrini me mandou aqui...
Droga, isso queria dizer que ele não estava ali. Isso a deixou
desapontada.
— Senhora? — chamou o motorista ao notar que a mulher havia se
perdido em pensamentos.
— Oi? Desculpe... Não escutei.
— O Sr. Pellegrini pediu para lhe entregar isso.
O homem lhe estendeu uma caixa.
— Tenha uma boa noite, Sra. Sforza.
— Boa noite.
Entrou com a caixa em mãos e totalmente intrigada.
— O que será que ele aprontou desta vez? — perguntou-se fechando a
porta atrás de si, imaginando o que teria dentro daquele embrulho.
CAPÍTULO 16

Agnes ficou acordada a noite inteira lendo o presente que havia


ganhado na noite anterior.
Junto ao livro, Tiziano mandou um bilhete:

Reparei o quanto gosta de livros. Confesso que fiquei surpreso com o


conteúdo e resolvi dar mais um para sua coleção. Espero que goste.
Tiziano, seu maior pecado.

O danado sabia ser perspicaz como ninguém, além de muito


observador, bastou poucas horas dentro de sua casa para ver os livros que
ficavam na estante da sala e, pelo visto, se inteirar dos títulos.
No fundo, sentiu-se um pouco envergonhada por Tiziano conhecer seus
gostos literários, pois ainda tinha os próprios tabus para vencer.
Estava tão fundida ao livro que sequer pensou em enviar uma
mensagem agradecendo. Não tinha conseguido parar de ler até finalizar as
quatrocentas e noventa e sete páginas, apenas para descobrir que, no final, o
casal não ficava junto, pois o mocinho morria tragicamente em um acidente
de carro.
Agnes adorava ser surpreendida nos livros que lia, porém, o autor foi
cruel, fez os leitores se apaixonarem pelo casal, para partir seus corações
com a morte do homem. A vida já era dura demais para levar a tragédia para
os livros. Por isso a jovem preferia o clichê. Poderiam falar o que fosse,
mas, para ela, nada era melhor que o bom e velho felizes para sempre.
Enquanto Agnes decidia quantas estrelas daria ao livro, Tiziano
pensava no que poderia estar acontecendo.
Pela primeira vez em anos, Tiziano não conseguiu se divertir como
esperava. Estava com uma puta gostosa em cima da cama e ao invés de
comê-la a noite inteira como um animal faminto, mandou-a embora em menos
de duas horas de sacanagem.
Orgulhava-se de que, independentemente do problema que a
organização enfrentava, nada afetava seu desempenho sexual ou o aplacava
seu tesão. Não naquela noite.
Após uma única gozada, tardia e pouco satisfatória por sinal, liberou a
moça que foi embora decepcionada, pois achou que teria uma noite igual a
última, cheia de aventuras prazerosas, mas não foi o que ocorreu.
Tiziano estava mais inquieto que o normal, e não somente pelo fato de
seu subchefe estar sumido e ele precisar cogitar um novo nome para o cargo,
afinal não poderia ficar esperando por toda a eternidade, mas também pelo
fato de uma certa beata ter invadido a porra dos seus pensamentos a ponto de
atrapalhar uma foda fenomenal.
Sentou-se na poltrona e refletiu, com o charuto entre os dedos, que a
mulher nem ao menos lhe agradeceu o presente. Cadê a amizade que ela
disse que manteria?
Já era de madrugada, mas Tiziano não era homem de esperar por
qualquer coisa que fosse.

Achei que iria adorar o presente. Que amizade é essa onde a pessoa nem liga para agradecer?

Enviou e aguardou com a janela do aplicativo ainda aberta, esperando


o status mudar para on-line.
Digitando... Apagando... Digitando novamente.
Ela estava digitando a porra da bíblia?

Acontece que eu gostei tanto que fui obrigada a varar a madrugada lendo.

Abriu um sorriso ao ler aquilo.

Sabia que iria gostar. Você, geralmente, é previsível, mas tenho que admitir que fiquei surpreso
pelo seu gosto peculiar em ler sacanagem.

Chame como quiser, mas nunca julgue o livro pela capa. Ou pelo título.

Hum, o assunto estava ficando interessante e seu pau já estava dando


sinal de vida.
Enquanto ele digitava uma resposta, ela emendou outra mensagem.

Outra coisa, por acaso é fã também? Porque para saber o conteúdo, somente pelo nome é
impossível... A não ser que você tenha pesquisado. Foi isso?

Tiziano nunca se importou com rótulos, então não largou o celular da


mão enquanto respondia as mensagens imediatamente.

Sim, eu pesquisei e li antes de comprar para você.

É uma forma de me dizer para cair na real, por que contos de fadas não existem?

Realmente não existiam, mas ele ainda não iria quebrar a bolha em que
ela vivia, fazendo-a acordar para a cruel realidade, não tão cedo, deixaria
para depois.
Na verdade, os únicos e exclusivos motivos da escolha desse livro foram as cenas de sexo mesmo.
Não tem vontade de replicá-las?

Hora de dormir... Boa noite.

Droga de mulher que atiçava e depois saía correndo.


Foi obrigado a tomar um banho, àquela hora da madrugada, para
extravasar um pouco do tesão acumulado que, Tiziano percebeu, era
direcionado a ela.
Percebeu, com muito pesar, que, poderia transar com duzentas
mulheres, mas de nada adiantaria se não fosse com sua beata.
Depois de três punhetas, pensando nela, deu-se por vencido e foi
dormir, pois no dia seguinte teria que tomar uma importante decisão.
Leonello estava esperando para ocupar o cargo de Edoardo, tudo pelo
que estava passava passando tinha como objetivo aquilo. Por ironia, ou não,
o destino resolveu abrir aquela porta quando ele, finalmente, pudesse passar
por ela. E ninguém havia feito mais por merecer que ele.
Por mais que o irmão ainda despertasse certa desconfiança, não teria
outra pessoa para colocar no cargo, então era questão de tempo até ele ser
nomeado.

O irmão mais novo já estava trabalhando no escritório quando Tiziano


entrou, duas horas depois.
— Está morando aqui no meu escritório por acaso? — perguntou, com
uma xícara de café na mão, sentando-se à mesa.
— Estou me inteirando dos dados das boates — falou sem perder a
atenção dos papéis que analisava.
— Pois arranje um escritório para você, esse é meu e sabe como
aprecio ficar sozinho enquanto trabalho.
— Em breve.
— Bom... Comprei uma casa para você — lançou como se tivesse
adquirido um sofá.
— Fico feliz por meu esforço estar sendo reconhecido — falou,
deixando a papelada de lado e se recostando na cadeira.
— Será sua única oportunidade.
— Já deveria saber que, agora, estou de cabeça nos negócios.
— Excelente, que continue assim, não trabalho com incompetentes.
— Estou longe de ser incompetente, meu irmão... Você não vai
adivinhar quem me ligou.
— Não mesmo, porque não vou nem tentar — respondeu, sorrindo.
— Marco.
— O que ele queria? — perguntou com o cenho franzido.
— Ficou enchendo a porra do meu saco com um monte de nada.
Tiziano o encarava desconfiado.
— O quê? Ele é um babaca, sabe disso. Ia em casa direto quando
éramos crianças, nunca dei liberdade para me ligar, aliás, nem sei como ele
tem meu número.
— Também não vou com a fuça dele — assumiu.
— Enfim, mandei ele ir trabalhar e desliguei, porque não tenho
paciência para isso.
— Bom dia — saudou Antônia entrando.
A conselheira já estava recuperada dos dois tiros que sofreu na festa,
mas para ela, o melhor de tudo era estar na sua própria casa, fazendo
companhia para si mesma, como já era habituada. Após alguns dias na casa
do primo deliberou que já estava na hora de seguir em frente.
— Ótimo que estão aqui — iniciou Tiziano, colocando um pouco de
Anisete[2] em seu café. — Quero comunicar como as coisas vão ficar.
Antônia vai ficar no lugar de Edoardo, até resolvermos por completo.
— O quê? — perguntou Leonello, indignado.
— Algum problema? — perguntou o chefe, tranquilamente, enquanto
voltava a se sentar em sua cadeira.
— Olha... Por mim, pode colocá-lo, chefe, tudo bem.
— Isso foi um comunicado e não está aberto a negociações. Leonello,
já falei que você precisa trabalhar sua paciência, e você — disse olhando
para Antônia —, se não estiver satisfeita, eu...
— Não, chefe, não é isso. Para mim, é uma honra.
— Ótimo — declarou, ligando o computador.
— Chefe, eu estou me empenhando, fazendo de tudo para ter o cargo
que é meu por direito.
— Seu direito acabou quando escolheu se drogar até parecer a porra
de um indigente. A vida é feita de escolhas e você fez a sua.
— Isso é passado, porra.
— Que sempre vai refletir no seu futuro. Então, lhe resta duas opções,
espernear como uma criança de três anos ou aceitar que tudo tem seu tempo.
Leonello estava quieto com cara de poucos amigos, sentindo que
haviam acabado de jogar uma panela de água fervendo em seu rosto, de tão
quente que estava.
— Está bem — disse, saindo do escritório.
— Como foi o jantar com a moça?
— A beatinha? — falou o Don, rindo. — Se Edoardo não tivesse
resolvido sumir, teria terminado muito melhor.
— Beata?
— Sim, ela tem uns gostos peculiares.
— Por peculiares você quer dizer religiosa? — indagou Antônia,
horrorizada.
— Sim.
— Sério, Tizi? Uma religiosa? — perguntou, divertida. — Dessa vez
sua ânsia por conquistar o impossível foi longe demais, não acha?
— Nada... Nem cheguei onde queria ainda.
— Dê flores, menininhas assim adoram...
— Ainda bem que você parece um dos meus soldados, pois se fosse
uma mulher de verdade jamais falaria para mandar flores para alguém com
quem só quero trepar — concluiu, satisfeito, terminando sua bebida.
— Pois é, não sou uma mulher comum, já deveria saber — contrapôs
com uma piscadela.
— Agora chega de papo furado, não tem serviço?
— Na verdade, sim — começou Antônia enquanto Tiziano ainda
prestava atenção no computador. — Vou até o galpão, pegamos um homem.
Ele disse que fez uma placa para uma van nas mesmas características da
nossa.
— E você me fala assim? — inquiriu retomando a atenção em Antônia.
— Por que não soube antes?
— Fiquei sabendo agora cedo e vim direto para cá.
— Então vá... Se for quente, me avise imediatamente e deixe comigo.
Entendeu?
— Sim, chefe. Ah! Obrigada pela confiança, não vai se arrepender —
disse indo em direção à porta.
— Antônia... Você sabe que isso é provisório, não é? Muitas perguntas
ainda estão sem resposta, então não tem nada definitivo.
— Claro — respondeu com um sorriso contido.
A moça saiu do escritório deixando Tiziano a sós com seus
pensamentos.
Com um subchefe definido, poderia ficar mais tranquilo, sem a pressão
dos nove chefes mais influentes da famiglia. Considerava que era melhor
ficar um período sem conselheira do que com o segundo cargo mais
almejado da organização desocupado. Isso era inadmissível para a máfia,
demonstrava fragilidade e aquilo era a última coisa que Tiziano era; frágil.
CAPÍTULO 17

A semana transcorreu mais tranquila do que o mafioso poderia


imaginar, levando em considerações os últimos acontecimentos.
Faltavam duas coisas para se resolverem e tudo voltar à calmaria de
antes; o retorno de Edoardo e pegar a pessoa que estava querendo que ele
visitasse o diabo antes da hora. Mas ele tinha um plano, como sempre, e
esperava que ao menos um deles se resolvesse nos próximos dias.
Domingo era um dia que Tiziano aproveitava para visitar suas boates.
A cada semana visitava duas ou três delas com o intuito de acompanhar os
negócios, mas naquele dia em especial gostaria de fazer alguma coisa
diferente, como pegar sua Ducati e explorar alguns lugares da Itália com a
companhia dele mesmo.
Com isso em mente, designou a tarefa a Leonello. Apesar de o clima
ainda estar pesado entre eles, ordem era ordem e o caçula não era doido de
recusar.
Estava terminando de se arrumar quando Rita bateu em sua porta.
— Sr. Pellegrini.
— Pode entrar, Rita — autorizou Tiziano do closet.
— Com licença — disse a mulher. — Tem uma senhorita no andar de
baixo querendo falar com o senhor.
— Quem é?
— Virna.
— Ótimo, já estou descendo.
A senhora se retirou silenciosamente, como sempre.
Tiziano terminou de colocar seu jeans surrado levemente e justo com
uma camiseta do Guns N’ Roses, jogou uma jaqueta de couro por cima e se
olhou no espelho. Agora sim estava com cara de motoqueiro. Deixaria o
mafioso engomadinho de lado um dia e cairia na estrada.
— Vamos ao meu escritório — solicitou sem ao menos terminar de
descer os lances de escada.
— Oi, Tizi — saudou a moça, acompanhando o amante.
Tiziano fechou a porta e indicou a cadeira para ela sentar.
— Vai sair? Está tão cheiroso e bonito.
— Vamos direto ao ponto? Nossas transas não estão mais funcionando,
então vou te dar a opção de escolher para qual bordel quer ir.
— Como assim? Você não pode...
— Posso e vou. Eu disse direito ao ponto... Você tem me evitado esses
dias porque sabe que fez merda. Desde o começo te falei que não tenho
relacionamentos sérios e você passou dos limites.
— Queria conversar com você.
— Ficar vindo atrás de mim e mandando mensagem igual à porra da
namorada que você não é não te ajudou.
— Estou grávida.
— É mesmo? Seu útero fica na porra do intestino?
— Não sei como aconteceu, eu precisava de um tempo para...
— Olha, Virna, é o seguinte. Existe um motivo claro por que eu não
enfio meu pau em bocetas, por mais que sinta falta: não quero correr o risco
de engravidar nenhuma das putas com quem trepo. Se eu não quero uma
namorada quem dirá um filho!
— Você acha que eu quero ficar gorda igual a um hipopótamo e ser
mais menosprezada por você do que já sou?
— Só existe um jeito de esse filho ser meu e só de pensar que você
tenha sido baixa a esse ponto...
— Não. Eu não fiz o que você está imaginando, acha que seria tão
ingênua de achar que só porque estou grávida você iria me assumir?
— Ainda bem porque, Virna, minha querida — disse, levantando-se e
andando até a moça. —, fique feliz de poder permanecer viva!
— Você teria coragem de me matar?
— Não tem nada nesse mundo que eu não tenha coragem de fazer. Você
é uma puta de bordel e está cansada de saber o destino de vagabundas
espertinhas.
— Por favor...
— Deveria ter pensado antes de pegar uma camisinha do lixo e enfiar
meu esperma na sua boceta.
O rosto de Virna estava todo manchado pelo rímel retirado pelas
lágrimas que desciam em profusão.
— Fabrizio — gritou o Don.
— Sim, senhor — disse o soldado, entrando no escritório
rapidamente.
— Leve-a para a quarentena. Vou te dar a oportunidade de viver mais
alguns dias até decidir o que fazer com você.
— Eu te amo, Tizi... Por favor — implorava a moça sendo carregada.
— Que começo de domingo filho da puta.
O rapaz foi até o bar se serviu de uma dose de uísque, virou todo o
conteúdo e seguiu para a garagem.
Sua moto estava coberta, resultado de muito tempo sem utilizar.
— Eu vou sozinho — comunicou antes de subir no veículo de duas
rodas e sumir das vistas dos soldados.
Mesmo com o capacete ele adorava sentir a sensação de liberdade,
pois era algo que ele nunca teve na vida. Existia uma linha muito próxima
entre a prisão e independência, com a distância de um passo entre uma e
outra, mesmo assim era quase impossível atravessá-la, pois o destino o quis
ali servindo ao mal e ele não teve força para ir contra o furacão. Já havia
desistido de lutar, apenas seguia sua sina sem questionar mais.
O vento batia em todo seu corpo levando o frescor daquela manhã
ensolarada de domingo. Fazia tempo que não saía sem rumo e sem hora para
voltar, seguindo somente seu instinto.
Ele pilotava uma moto que era considerada a Ferrari das motocicletas,
uma belezinha daquela poderia atingir 300 km/h caso ele quisesse e a pista
permitisse, mas não ultrapassava os 150 km/h, uma velocidade
consideravelmente alta que lhe renderia algumas multas, porém, aquela
sensação, mesmo que durasse pouco, não tinha preço.
Continuou seu caminho, costurando o asfalto entre um carro e outro,
experimentando o sentimento ilusório de estar no controle de suas escolhas.
Parou em algum momento para abastecer e após checar o celular,
continuou o percurso sem destino. Não estava com paciência para responder
milhares de mensagens ou retornar as dezenas de ligações perdidas. Iria se
dar um dia de folga, algo que nunca havia acontecido, pois estava precisando
colocar as ideias em ordens e pensar em suas próximas atitudes.
Como se já não tivesse problema suficiente para resolver, Virna
resolveu lhe dar um golpe e ele caiu como um idiota. De todas as merdas que
Vito falava, havia uma, em especial, que não era tão absurda assim: nunca
confie em uma puta, ela sempre dará um jeito de se dar bem. Agora ele
conseguia entender...
Não era um completo filho da puta sem coração, porém, não poderia
ignorar a traição da moça e já tinha um destino traçado para ela.
Pensou que, talvez, o capacete fosse explodir de tanto que pensava,
não só em Virna, na verdade, era exatamente o oposto. Seus pensamentos
continuavam em Agnes. Como pensar tanto em uma pessoa sem nem mesmo
ter feito sexo com ela? Ele deveria estar ficando demente mesmo!
Cinco horas depois, voltou à sua casa e uma recepção calorosa já o
aguardava.
— Não tenho um dia de paz de vocês?
— Por que a Virna foi para a quarentena? — questionou Leonello.
— Isso não é um problema seu — respondeu, indo para o escritório.
Ele o seguiu, juntamente com Antônia.
— Chefe, o que está acontecendo? — inquiriu a mulher, preocupada.
— Já disse que não é problema de vocês. Mais alguma coisa?
Tiziano arremessou a jaqueta em cima da mesa e se serviu de uma
dose de seu uísque preferido.
— Acho melhor o deixarmos sozinho — declarou a subchefe.
— Eu quero que marque uma conferência com os membros para
amanhã no primeiro horário.
— Sim, chefe — respondeu Antônia, pegando no braço de Leonello
conduzindo-o para fora do cômodo. Ela já convivia o suficiente com ele
para saber a hora de tirar o time de campo.
Mesmo a contragosto o irmão mais novo seguiu o conselho da prima e
se retirou, percebendo que não iria conseguir nada do homem naquele dia,
pois era um daqueles dias que estava de ovo virado.
— Amanhã conversamos com ele — sugeriu ela enquanto se afastavam
do escritório.
— E o cara do galpão? — perguntou Leonello quando pararam no hall
de entrada.
— Não era nosso cara, mas mesmo assim dei um fim nele, só para
ficarem espertos...
— Tiziano sabe disso?
— Ele não precisa saber de todos os detalhes.
Leonello a encarou por alguns segundos.
— Isso é um problema seu — disse virando seguindo em direção à
saída.
— Ei... Soube de mais alguma coisa de Edoardo? — perguntou
Antônia.
— Sei exatamente a mesma coisa que você, mas vamos encontrá-lo —
afirmou, convicto.
— Sei disso, quero ser a primeira a olhar na cara dele.
— Tanto faz... Vou para casa, se precisar de algo, me ligue — pediu e
se despediu, indo para sua nova casa.
— Senhora Pellegrini? — chamou Rita alguns minutos depois.
— Sim... — respondeu Antônia.
— O Sr. Pellegrini chegou? Tem visita para ele.
— Quem é?
— Aquele amigo da vinícola.
— Ele está no escritório, pode ir lá... Estou indo embora, tchau, Rita.
— Tchau, senhorita.
Rita se dirigiu ao escritório para avisar sobre a visita e como em um
passe de mágica o humor do rapaz mudou da água para o vinho. E melhorou
ainda mais quando foi à área externa da casa e viu que com de Paolo
estavam Chiara, os filhos deles e Agnes.
Uma visita de peso e cheia de significado.
— Que surpresa.
— Tio príncipe! — saudou Marietta abraçando o homem.
— Oi, primeira-dama. Seu pai está se comportando?
— Depende, acho ele muito conivente com o Lorenzo.
— Oi, tio — disse Andrea, estendendo a mão para um toque antes que
a irmã desembestasse a falar.
— E aí, pequeno grande homem. Estão comendo adubo? Vocês não
param de crescer.
— Não seria adequado, já que adubo é bosta, né, tio?
— Olha o linguajar, menina — advertiu Chiara, aproximando-se para
dar um abraço no amigo. — Não queríamos atrapalhar, mas dissemos que
você morava aqui, as crianças não pararam de encher a paciência até Paolo
vir.
— Só minha primeira-dama mesmo para se lembrar de mim —
gracejou ao mesmo tempo que cumprimentava o amigo. — O que acham de
pedirmos pizza? — sugeriu Tiziano, vendo a animação nos olhos das
crianças.
— Não dá. Temos que ir, amanhã esses dois têm prova — explicou
Paolo no mesmo momento em que Marietta revirava os olhos.
— Existe um estudo que diz que não adianta você estudar na noite
anterior à prova, pois não é mais do que decorar — acrescentou Marietta em
uma tentativa de convencer o pai.
— Esse estudo deve ter sido feito com você, já que nunca estuda, né?
— alfinetou Andrea e saiu correndo em direção à fonte, sendo seguido pela
irmã. Logo, estavam espirrando água um no outro.
Tiziano ouvia Paolo falando com os filhos, mas não tirava os olhos do
carro, acompanhando enquanto Agnes saía para se juntar a eles lentamente.
Ou seu cérebro transformou aquele momento em câmera lenta, ou ela
fazia aquilo de propósito para, mais tarde, ele ter algum tipo de sonho
erótico com ela sexy daquele jeito.
Ajeitou-se para disfarçar a ereção que começava a aparecer.
— Por um momento achei que não viria me cumprimentar — sussurrou
no ouvido da moça no momento em que ela chegou perto dele. — Cheirosa
— observou, inspirando o delicado perfume.
— Sr. Pellegrini — disse somente.
— Sr. Pellegrini? Para que tanta formalidade? Achei que depois
daquele beijo iríamos esquecer as formalidades.
Todo sangue do corpo da moça deve ter se concentrado em suas
bochechas, pois não teria como ela ficar mais vermelha.
— Não vão entrar mesmo? — perguntou quando Chiara e Paolo se
aproximaram.
— Combinamos para o próximo fim de semana — deliberou o amigo.
— Viemos somente dar um oi mesmo.
— E você? Por que não fica? Eu te levo para casa mais tarde...
— Eu...
— Pode ficar, se quiser, querida — incentivou Chiara.
— Acho melhor não — manifestou-se Paolo.
— Você não é o pai dela — cochichou a esposa, disfarçadamente.
Antes que ele pudesse retrucar, Agnes disse:
— Estou um pouco cansada hoje. Quem sabe outro dia...
Talvez fosse sua imaginação, mas parecia estar usando uma roupa mais
provocante naquele dia, uma vez que conseguia ver o contorno do sutiã
branco de renda através do tecido da blusa. Ver a calça preta delineando as
curvas de seus quadris não estava ajudando sua ereção a desaparecer.
— Mas queria ir ao banheiro, posso? — ela continuou.
— Claro, eu mostro onde fica.
— Vamos te esperar no carro, querida — informou Chiara empurrando
Paolo, que estava com uma cara de poucos amigos.
Era a deixa que Tiziano precisava.
Conduziu a moça até o lavabo, localizado embaixo da escada.
— Sua casa é linda — elogiou ela.
— Quando você tiver tempo, eu te apresento cada canto.
Ele abriu a porta para Agnes e sem conseguir se conter, empurrou-a
para dentro e tomou a boca carnuda dela em um só golpe. Parecia um
adolescente extremamente excitado, implorando para que ela pudesse aliviar
um pouco do seu estado.
Agnes correspondeu o beijo à altura. Tomando a iniciativa, apoiou as
mãos na bancada atrás de si e se sentou no mármore frio, acomodando o
rapaz entre as pernas.
Fez questão de explorar cada centímetro das costas largas no rapaz e
também pelos gominhos de seu abdômen.
Enquanto isso, sentia a calcinha ficando cada vez mais molhada.
Tiziano, por sua vez, via que seu pau implorava para ser libertado da
calça jeans, mas não podia, nem por isso afastou-se dela. Pelo contrário,
intensificou o beijo e só parou porque Agnes, muito mais sensata do que ele,
desvencilhou-se de seus braços e desceu da bancada..
— Obrigada, pela recepção, nos vemos depois.
Com essas palavras, saiu do lavabo.
Maldita! Ela realmente havia ido embora? Sim e o deixando com o pau
mais duro que a porra de um diamante.
Aquela mulher não era obra de Deus para fazer uma coisa daquelas.
CAPÍTULO 18

Nos dias que se seguiram, Tiziano precisou bater algumas punhetas a


fim de aliviar o tesão que a beata lhe causou. Parecia, mesmo, a porra de um
adolescente tentando acalmar a ereção que insistia em aparecer nos
momentos mais impróprios.
Durante uma reunião, trabalhando, dirigindo ou fazendo coisas do dia
a dia, não interessava, o pensamento sempre viajava para os beijos que
trocaram e lá estava o sangue se concentrando na cabeça errada.
Era uma maldição, com certeza.
A moça que se dizia religiosa, na realidade, deveria ser uma feiticeira
fazendo todo tipo de magia para ele não conseguir tirá-la da cabeça.
Sabia que assim que tivesse o que queria, o feitiço sumiria como
fumaça. O problema era que, enquanto tivesse um pingo de bom senso dentro
de si, faria de tudo para expulsar a linda Agnes de sua cabeça, pois um
fodido como ele não teria nada a oferecer além de uma noite de prazer
inesquecível e ela merecia muito mais do que isso.
— Chefe, estamos prontos — avisou Antônia, entrando em seu
escritório.
Tiziano se levantou e a seguiu em direção à sala de reuniões. Uma
enorme tela, que descia do teto, mostrava com nitidez todos os principais
nomes da máfia, enquanto o Don não chegava para dar início à reunião por
videoconferência que mais uma vez, contava todo o alto escalão e aqueles
diretamente ligados ao transporte de drogas, armas e outros equipamentos.
— Meus caros — saudou, sentando-se na poltrona de sempre, a da
ponta. — Não vou tomar muito do tempo de vocês.
— Estamos à disposição, Don — disse Ângelo.
— Vamos lá — apressou Nino.
— Como é de conhecimento de todos, nós tivemos um problema com o
último carregamento, por isso, decidi mudar os trajetos. Assim que acabar
essa conferência, enviarei um e-mail com a nova rota de cada caminhão.
— Dos meus equipamentos também? — perguntou Leonardo,
responsável pelo armamento da organização.
— Sim. Tudo estará especificado no e-mail.
— Por que não fala logo? — sugeriu Ricardo, o jovem que entrou no
lugar do tio, Luigi Riina, que havia sido morto há alguns anos em uma
emboscada.
— Se vê que você acabou de sair das fraldas mesmo — observou
Nino, maldoso.
— Desnecessário esse tipo de comentário, meu caro — repreendeu
Armando.
— Como estava dizendo... — interrompeu Tiziano —, era um recado
rápido. Tenham um bom dia, irmãos.
Tiziano desligou a ligação e se voltou a Leonello e Antônia, que
estavam atrás dele.
— O e-mail também vai para vocês.
— Não sabia que iria dividir isso com todos, aliás, nem sabia que
havia mudado as rotas.
— Não tenho que compartilhar tudo com você, Antônia.
A moça levantou as mãos em rendição.
— Achei uma ótima iniciativa, penso que todos os membros da
organização precisam estar realmente por dentro — declarou Leonello.
— Ótimo, agora que já ouvi a opinião, não solicitada, diga-se de
passagem, de vocês, vou trabalhar e sugiro que façam o mesmo.
Tiziano permaneceu sentado na poltrona, na sala de reunião, devotando
a atenção ao computador.
— Esse Nino é muito prepotente, hein? — iniciou Leonello ignorando
o fora do irmão e se sentando ao seu lado.
— Sempre foi, mas é exatamente essa a qualidade — disse fazendo um
parêntese com as mãos para a última palavra — que se precisa para o cargo
que ele ocupa.
— Ele é um babaca — observou a subchefe.
— Como podemos confiar em um indivíduo desse? — inquiriu
Leonello.
— Como vocês sabem, o cargo é passado de pai para filho desde...
Desde a época Feudal, então... — falou Tiziano.
— Época o quê?
— Leonello, desiste, você ainda precisa estudar muito — observou
Antônia. —As máfias começaram a se formar na Época Feudal.
— Grande merda — observou o caçula.
Antônia revirou os olhos e saiu da sala.
— Também já vou, tive um problema com alguns soldados e preciso
resolver.
— Ótimo. Tchau — disse o chefe sem tirar os olhos do computador.
Desde que acontecera o desvio de sua mercadoria, mais de um mês
atrás, Tiziano ficou matutando um plano para pegar o traidor. Em uma de
suas noites de insônia, lhe veio a ideia das rotas. Depois de muito pensar e
pesar os prós e contras daquela ideia, traçou, sozinho, onze diferentes
trajetos para seus caminhões. O propósito era enviar, a cada um que
interessasse, um desses itinerários, cada um com um dia e horário distintos,
fazendo questão de enfatizar que acompanharia a viagem pessoalmente,
porque se a pessoa fosse tão burra quanto ele estava imaginando, cairia
como um pato na armadilha, afinal o objetivo do traidor estava bem claro e
não era pegar somente a droga, eles queriam o Capo morto.
— Que os jogos comecem — disse, apertando o Enter no teclado e
enviando a primeira rota.
Claro que estava dando um tiro no escuro, afinal, estava contando
apenas com o fato de eles conversarem entre si. Cada um habitava em um
canto do país e, no geral, viviam em seu próprio mundo para não serem
pegos, caso um deles caísse na mira da polícia. Fora isso, eram todos muito
arrogantes e um sempre queria parecer melhor do que o outro, de modo que
não se suportavam, especialmente quando alguém se sobressaía por algum
motivo.
Era como se dizia; dois bicudos não se beijam, e aquilo era a mais
pura verdade ali.
— A isca está jogada. Veremos no que vai dar — murmurou para si
mesmo e se recostou na cadeira.
Ele estava arriscando a própria vida para conseguir esse nome; se
desse certo, excelente, se desse tudo errado, ao menos poderia se gabar de
que perdeu a vida tentando.
A primeira das onze tentativas seria no dia seguinte e ele estava
preparado.
Imediatamente seu pensamento foi até Agnes e a família Castelli.
Precisava vê-la antes de toda a merda acontecer.
Como não era homem de deixar os anseios de lado, pegou o carro e foi
em direção à vinícola a fim de ter um almoço agradável no restaurante da
amiga e, quem sabe, levar uma beata de sobremesa.
— É sério isso? O que está fazendo aqui?
— Adoro recepções calorosas — disse Tiziano, pegando Paolo em um
abraço. — Já almoçou?
— Não.
— Ótimo, me faça companhia, então?
Paolo sabia muito bem o que o amigo tinha ido procurar.
— Você é um urubu.
Os amigos seguiram para o restaurante e se sentaram à mesa.
— Cadê os fedelhos?
— Escola.
— E a linda Chiara?
— Minha esposa?
— É... Chame como quiser...
— Foi à casa da irmã. Mais alguma coisa? — perguntou, impaciente,
servindo uma taça de vinho para cada.
— Na verdade, sim. Como minha beata está?
— Sua o quê?
— Não se finja de surdo.
— Você está parecendo um urubu na carniça...
— Prefiro gavião — interrompeu, bem-humorado
— ... continua em cima mesmo eu dizendo que ela não é mulher para
você. Por que está fazendo isso?
— Você gosta muito de supor quem é ou não mulher pra mim... Está
parecendo a porra do pai dela, ao invés de meu amigo.
— Acontece que ela é uma menina maravilhosa, não merece ser
contaminada com seu mundo podre.
— Amigos, amigos, negócios à parte. Não vamos misturar as coisas.
— Impossível, olha... — Paolo suspirou pesadamente antes de voltar a
falar: — Me desculpe, mas eu me preocupo com ela. Você só quer transar e
sumir e a Agnes não é como as garotas com quem está acostumado a sair.
Tiziano pareceu pensar, mas quando falou, não disse nada que
tranquilizasse o amigo:
— Não é com você que devo ter essa conversa, meu caro, e sim com
ela — falou suavemente, mesmo que já estivesse cansado daquela patrulha.
— E falando no diabo...
Agnes usava um vestido branco simples com uma bota marrom. Seus
cabelos castanhos estavam presos em um rabo de cavalo que balançava a
cada passo que dava.
A simpatia que dirigia aos clientes era de deixar qualquer marmanjo
de queixo caído.
Ela continuou avançando, mas quando seu olhar encontrou o de
Tiziano, seu sorriso se desfez.
Paolo assistia a interação de ambos, embasbacado. Como nunca havia
notado a energia que intercalava de um para o outro? Odiaria admitir, mas
Chiara tinha razão quando dizia que existia algo a mais naquilo tudo.
— Bom dia, linda — saudou Tiziano, levantando-se para
cumprimentar a moça.
— Vou até o galpão — disse Paolo, vencido.
Ao passar por trás da moça, lançou um olhar cheio de ameaças para o
amigo, como um último aviso.
— Almoce comigo? — convidou o rapaz, ignorando Paolo e sua
carranca que não assustava nem um coiote.
— Não vai almoçar com o Sr. Castelli?
— Ele teve um imprevisto — mentiu, dando de ombros.
— Entendi, mas infelizmente não vai dar, já fiz almoço na minha casa.
— Ótimo — disse, pegando o celular sobre a mesa. — Vamos então,
já sei o caminho.
— Eu não te convidei.
— Não se faz necessário.
— Mas... Ei, o que está fazendo? — reclamou quando foi praticamente
carregada dali.
Entraram no pequeno bangalô e foram presenteados com um delicioso
aroma. Tiziano não soube identificar o que era, mas só pelo cheiro soube que
sairia de lá satisfeito.
— Sente-se — apontou a moça.
Degustaram um risoto de funghi com queijo brie, acompanhado de um
vinho branco leve.
— Seu chefe não liga você de ingerir álcool durante o expediente? —
perguntou quando a viu se servir de mais um pouco após a refeição.
— Moro e trabalho em uma vinícola, para nós, o vinho é como água.
Aprendi com o passar do tempo.
— Quero transar com você.
Ela engasgou e tinha o rosto corado quando o encarou.
— Quando foi que mudamos de assunto mesmo?
— Pensei e falei, gosto de ser sincero.
— Acontece que eu não transo com homens para nunca mais os ver.
— Quem falou que não vamos mais nos ver?
— Para quem é sincero você adora se fazer de desentendido — disse a
moça, recolhendo os pratos.
— E, para uma beata, você é muito provocadora — falou, seguindo-a.
— Então estamos quites — declarou, virando-se e dando uma
piscadela.
Quando estava tudo dentro da pia, Tiziano a prensou contra a parede.
— Você está me deixando louco. Quero te ensinar tudo de mais
gostoso que existe — sussurrou, roçando a barba por fazer no pescoço da
jovem, o quadril roçando seu centro, mostrando o quanto estava excitado.
Por ela.
Totalmente entregue, com a cabeça pendendo para trás e os olhos
fechados, Agnes soube que a partir daquele momento não poderia contar com
mais nenhuma decisão razoável de sua parte. O juízo se foi junto ao pudor e
tudo o que restara era desejo.
— Vou ser uma aluna dedicada — falou, ofegante.
Tiziano se afastou o suficiente para olhá-la e ter a certeza de que as
palavras que ouviu não foram uma alucinação.
Agnes se pendurou no corpo forte do homem, roçando a intimidade
excitada contra a dureza de seu membro.
— Vamos ver se vai valer a pena — caçoou antes de ser carregada para o
quarto.
CAPÍTULO 19

Tiziano nunca havia perdido a esperança de conquistar Agnes; sabia


que mais cedo ou mais tarde atingiria seu objetivo. Mas confessava que a
decisão repentina o pegara de surpresa.
Por isso, antes que ela mudasse de ideia, pegou-a no colo e entrou na
primeira porta que encontrou no caminho. As bocas só se largavam quando
ele a colocou deitada na cama, com os lábios vermelhos e os olhos
anuviados de desejo.
Levou algum tempo apenas observando a deusa como sempre
idealizou. A saia do vestido havia subido, deixando à mostra as coxas
macias, mas era o olhar que ela lhe lançava que o estava tirando do sério.
Havia uma mistura de nervosismo com uma vontade imensa de desbravar
terras nas quais nunca havia pisado. Ali ele soube que aquela não seria uma
transa comum e se não estivesse com tanto tesão, teria ido embora naquele
exato momento.
Em meio ao turbilhão de emoções que os envolvia, Agnes estava
dividida em seguir seus anseios e recuar, agindo como sempre fez a vida
inteira. Antes de fosse levada por aquela dúvida, interrompeu a troca de
olhares e se sentou. Então, em um ato de coragem, mas com muita
tranquilidade, ergueu o vestido sob o olhar abrasivo de Tiziano, algo que a
moça jamais imaginou conhecer, pois seus devaneios não iam tão longe.
— Você é maravilhosa — declarou ele ainda assistindo a moça se
despir.
O conjunto de peças íntimas era da mesma cor do vestido e, sem tirar
os olhos dele, removeu cada uma.
E nada havia preparado o rapaz para a visão dos fartos seios da moça
lhe convidando para devorá-los. Desviou os olhos para o vértice entre suas
pernas e quase caiu de joelhos quando viu a boceta brilhando de excitação.
Em mais um ato motivado pela perturbação, aproximou-se na beirada
da cama, descalçou as botas e iniciou a retirada das roupas dele.
Tiziano estava em transe, hipnotizado e surpreso, com medo de mover
um músculo e perder o controle, coisa que raramente acontecia. Por isso,
tentou desfrutar de cada segundo sem parecer a porra de um moleque prestes
a gozar sem nem ao menos ter tirado a roupa. Mas era gostoso demais ver
aquela mulher, normalmente tão fechada, entregando-se daquela forma, sem
reservas.
Ele sabia que ela não era mais virgem, porém, até onde teria ido?
Pois, por tudo o que sabia, o ex-marido era um bronco que fazia sexo como
um dever, sem pensar muito em proporcionar prazer à parceira.
Diante daquilo, chegou à conclusão de que ela tinha pouca
experiência, mas uma visível vontade de aprender. Ao pensar nisso, nas
amplas possibilidades de mostrar a ela como o sexo poderia ser magnífico
para ambos, seu pau latejava, implorando por uma atitude de quem quer que
fosse.
A calça de Tiziano já estava no chão, bem como a camisa, restava
apenas a boxer branca, que mal prendia seu membro. Agnes pareceu hesitar
por um segundo, olhando fixamente para o meio de suas pernas, mas logo
continuou, deixando o membro livre à espera de um contato.
Contudo, seu parceiro interrompeu aquele que estava sendo o momento
mais erótico de sua vida e resolveu tomar as rédeas, começando por deitá-la
novamente e tomando sua boca em um beijo lascivo e cheio de... Bom, ela
poderia chamar de sentimento, mas ele definiria como tesão.
Mesmo desfrutando daquele momento, Tiziano deslizou a mão até a
parte interna da coxa de Agnes e gemeu ao escorregar os dedos sobre o
clitóris túrgido e molhado. Começou a fazer movimentos circulares,
aumentando a velocidade conforme a moça dava mais abertura à invasão do
rapaz.
— Preciso te experimentar — disse ele, ajoelhando-se e substituindo o
dedo pela língua.
Agnes já não conseguia se conter e expressava todos aquelas novas
sensações em forma de gemidos que ecoavam pelo quarto, fazendo aumentar
ainda mais o clima erótico que se instalava.
Nunca poderia imaginar que sexo oral era tão bom. Lia em seus livros
muitas cenas como aquela que estava vivendo, no entanto, nem todas as
palavras do mundo poderiam exemplificar, pois não tinha vivido nada que
pudesse comparar.
— Ai... Isso é muito bom — gemeu a moça.
Tiziano a sugava, mordiscava e lambia como se estivesse apreciando a
melhor das iguarias. Certamente não se comparava a nenhuma outra boceta
que já havia degustado. Poderia ficar ali o dia inteiro, mesmo sentindo o
membro lhe implorando para enfiá-lo em algo quente e molhado.
Ignorando-o, ele se concentrou em fornecer o prazer mais alucinante
que a linda moça sentia, pois os sons que saíam de sua boca era um ótimo
termômetro.
Agnes não estava se contendo e jogou a vergonha para longe quando o
primeiro orgasmo chegou, devastando-a por completo e a levando ao céu...
Não, ao inferno, aquela era a verdade.
Como não havia sentido nada aquilo antes? Por que se privou de viver
todo aquele prazer? Aquilo era bom demais para não repetir dia após dia.
Sentia o prazer sendo injetado nas veias e se espalhando por toda
extensão do corpo, ficou alguns segundos desligada e se permitiu usufruir da
luxúria pela primeira vez na vida.
Sem conseguir mais segurar, Tiziano ouviu os apelos de seu pau e com
ele devidamente encapado, colocou-se em cima de Agnes. Já havia sentindo
com os dedos como a moça era apertada e sabia que ela precisaria estar
muito excitada para seu membro não machucá-la. Por isso, voltou ao início e
resolveu a provocá-la com beijos que começaram no pescoço e foram
descendo até ele, finalmente, poder dedicar algum tempo aos peitos que o
tinham deixado hipnotizado.
Iniciou os estímulos com os dedos, apertando os dois montes perfeitos
de leve, ao mesmo tempo em que lambia o vale entre eles, quase chegando
ao umbigo. Ao voltar, abocanhou o seio esquerdo, mas manteve a mão
direita no outro, massageando e girando o mamilo entre os dedos, até trocar
os lados.
De repente, a mão de Agnes desceu e começou a masturbar seu eixo
firmemente.
Aquilo quase o levou ao limite e ele viu que não poderia mais esperar.
Desvencilhando-se dela, posicionou o pênis e pressionou a glande na
entrada apertada antes de começar a entrar.
Porra, parece uma virgem, foi o que pensou, enquanto brigava com a
necessidade de simplesmente se afogar dentro dela.
Mesmo com uma careta, Agnes subiu o quadril fazendo o membro ser
engolido quase por completo.
Tardiamente percebeu que estava quebrando a promessa de só fazer
sexo anal. Na verdade, assim que a viu nua, qualquer convicção caiu por
terra. Não apenas porque Agnes não era como suas putas que simplesmente
aceitavam o que ele exigia, mas porque não queria que o momento entre eles
fosse tão impessoal quanto era com as outras garotas.
— Calma, não quero te machucar — disse quando ela subiu mais um
pouco.
— Não, eu preciso... — afirmou num fio de voz, rebolando embaixo
dele.
Com um gemido Tiziano deslizou para dentro e deu apenas alguns
minutos para ela se acostumar antes de iniciar as estocadas, devagar no
início para não machucá-la, mesmo estando louco para meter fundo e forte,
como gostava.
Todavia, estava sendo difícil, pois ela não parava de rebolar aquele
rabo gostoso. Além disso, tinha tantos anos que não enfiava o pau em uma
boceta que, se pudesse, ficaria lá dentro para sempre.
Não que o fato de ter aberto aquela exceção significasse que a tornaria
um hábito, pelo menos não era o que pretendia, mas ele sabia muito bem que
Agnes era uma tentação e sentia, em seu âmago, que ela seria sua ruína.
Ainda assim não tinha intenção de parar.
Pelo contrário. Obedecendo aos apelos mudos da moça, Tiziano
acelerou o movimento do quadril e notou que não havia mais resistência,
então continuou e tudo o que se ouvia naquele quarto era o som dos corpos
se chocando misturados às respirações altas de duas pessoas que não se
desgrudariam antes de atingirem o prazer completo.
Para seu espanto, uma lágrima escorreu pelo rosto de sua parceira,
fazendo-o paralisar na hora.
— Agnes...
Enquanto a secava com o dedo, deu-se conta do que aquilo significava
e algo dentro dele o mandou sair de lá, correndo, e nunca mais voltar. Era a
segunda vez que aquele alarme surgia, porém, já era tarde demais, pois todas
as suas defesas estavam rendidas.
— Não, não é o que está pensando. Está maravilhoso, continua — ela
pediu, sem graça.
E foi o que ele fez, intensificando as estocadas e vendo as feições dela
mudarem gradativamente até ela explodir em um novo orgasmo, ainda mais
forte que o primeiro – se é que isso era possível.
Era extasiante vê-la gozando e ele não teve outra opção além de
acompanhá-la, extravasar todo o controle que ainda restava em suas
emoções.
— Uau.
— Isso é tudo o que vai dizer? — perguntou ele, deitado ao seu lado,
ainda tentando assimilar tudo o que vivera nos últimos minutos.
— Até que valeu a pena — assumiu Agnes, completamente satisfeita.
— Não existe rosa sem espinho.
— Hã? — murmurou com o cenho franzido, para a frase sem pé nem
cabeça, mas logo revirou os olhos. — Você e seus ditados.
— Você é uma rosa, mas cheia de espinhos — explicou ele, tocando
seu rosto carinhosamente.
— Espinhos, eu?
— Sim, espinhos que atingem somente a mim, que sou um fodido.
— Nunca é tarde para mudar — declarou a moça, posicionando-se de
lado e apoiando a cabeça na mão para o encarar.
— Se fosse verdade seria ótimo.
— Basta você querer.
— Minha vida é maior mais fodida do que você possa imaginar.
— O que ficou para trás não é possível mudar, mas o futuro só
depende de nós.
— Você é pura demais para o meu mundo.
— Pura demais? — perguntou, intrigada, mas um celular tocou em
algum lugar da casa e ele se levantou.
— Preciso ir — disse antes de pegar suas roupar e sair à procura do
aparelho.
Enquanto se vestia, tudo o que ele desejou foi poder voltar no tempo e
nunca ter ido para a cama com ela.
Que merda eu fiz, pensou, sabendo que sua teimosia lhe renderia muita
dor de cabeça, pois sentia que Agnes realmente apareceu para destruir a
muralha que ele havia levado anos para construir.
Nunca havia sentido nada além de prazer físico durante o sexo, mas ali
teve algo a mais e Tiziano sabia que não foi o único a sentir, a julgar pelo
brilho que viu nos olhos verdes e da lágrima que escorreu pelo belo rosto da
moça.
Aquilo era algo totalmente desconhecido para ele, mas como não era
homem de fugir de nada, deixaria rolar.
— A gente se fala — falou da porta do quarto, arremessando uma
piscadela e um beijo para ela.

Agnes permaneceu em sua casa tentando absorver tudo o que havia ocorrido.
Contudo, sabia que independentemente do que aconteceria depois, jamais se
arrependeria da decisão que tomou.
Durante aqueles momentos de paixão, viveu um turbilhão de sensações
que nunca imaginou algum dia experimentar.
Será que aquilo era uma regra ou a exceção?
Aquela era apenas uma das muitas perguntas que ficaram martelando
em sua cabeça. Perguntas estas que ela não sabiam se seriam sanadas.
Levaria tempo para o cheiro de Tiziano se dissipar do ambiente e
Agnes fez um pedido silencioso para que permanecesse ali, pois tê-lo em
seus braços foi a coisa mais incrível que já acontecera em sua vida.
— Agnes — chamou Chiara de sua varanda. — Você está bem?
Ela havia se deixado levar pelo momento sem perceber que seu
intervalo de almoço já havia acabado há mais de uma hora. Mesmo o casal
Castelli lhe dando total liberdade de horário, não gostava de se ausentar sem
uma boa explicação.
— Entra — solicitou Agnes, indo em direção à porta.
— Está tudo bem? — inquiriu desconfiada, entrando na sala.
— Tudo sim.
— Hmm! Vamos tomar um café?
— Claro.
Ambas foram para a cozinha e Chiara se sentou em uma das cadeiras
da bancada enquanto Agnes colocava a água no fogo e preparava a cafeteira.
— Então, como você está? — iniciou Agnes, sentando-se ao lado da
amiga.
— Estou ótima. E você, vai enrolar um pouco mais ou me contar como
foi?
— Como você sabe?
— Estou grávida, não cega.
O comentário a fez corar e após um suspiro, confessou:
— Foi incrível. Eu jamais pensei ser possível sentir as coisas que
senti hoje.
— Que mais? Quero saber tudo.
— Ele foi tão carinhoso e preocupado... Chi, eu nunca tinha chegado
ao orgasmo na vida e o Tiziano fez com que acontecesse duas vezes.
— Deve ter aprendido com o meu Paolindo.
As duas riram e Agnes foi preparar o café.
Ela adorava ver a paixão que existia entre o casal de amigos, com seus
olhares amorosos e apelidos carinhosos. Mesmo Paolo, sempre tão fechado
e polido na frente dos outros, deixava transparecer o quanto era louco pela
esposa.
Após dividir o líquido quente em duas xícaras, voltou a se sentar.
— E agora?
— Não sei. Senti que ele ficou um pouco perdido antes de ir embora.
Não sei se vai ter uma segunda vez.
— Você sabia das condições antes de mergulhar nessa, não é, minha
amiga? O que posso te aconselhar é para não esperar nada... Deixe as coisas
andarem no ritmo da correnteza.
— Eu sei... — disse, bebericando o líquido quente. — Me desculpe
pela ausência.
— Era seu período de almoço, não tem que se desculpar, fora que
você sabe que tem liberdade de horário, então não se preocupe. Só não deixe
Paolo ver essa sua cara de apaixonada — advertiu, rindo.
— Ei, vocês estão aí? — gritou o dito cujo do lado de fora.
— Vamos que ele deve estar doido atrás da gente. Não consegue ficar
dez minutos longe — declarou Chiara, divertida.
CAPÍTULO 20

Sentado em sua poltrona e fumando um charuto, Tiziano se sentia leve


como há muito tempo não acontecia. Até mesmo se esqueceu, por um breve
momento, do quão ruim sua vida havia se tornado ao longo dos anos e
apenas degustou do sentimento que deixava seu interior um pouco menos
contaminado.
Qualquer pensamento lógico, definitivamente, havia ficado na casa de
Agnes e no sexo incrivelmente simples e arrebatador que fizeram.
O sexo sempre fora usado como uma válvula de escape e ele nunca
soube o que era transar como um casal comum fazia, uma vez que sua
concepção de relacionamento estava ligada às putas que iam para sua cama.
Além disso, há muito tempo não comia uma boceta para não haver risco de
gravidez e perturbações futuras.
Tiziano fez uma careta por suas reflexões o terem levado até a
vagabunda da Virna.
Do céu ao inferno em questão segundos.
Anotou em sua agenda mental para resolver aquilo quanto antes e se
lembrar que dali para frente teria que se livrar do preservativo também.
Com sua aura de paz dissipada, resolveu se concentrar no que
precisava fazer e assim se seguiu pelos quatro dias seguintes. Como de
costume, eles foram agitados e, para sua infelicidade, sem grandes
resoluções.
Já que o trabalho ocupou muito de seu tempo, o único contato com
Agnes foi por meio de mensagens. A interação dos dois continuou do mesmo
jeito: ele provocando e ela revidando com toda a educação.
Saber que sua beata não ficou chateada após a forma tempestuosa com
que deixou sua casa, o animou, não apenas porque gostava de falar com ela,
mas porque tinha a intenção de repetir a dose, com mais prudência das
próximas vezes.
Deu o dia por encerrado e foi se arrumar. Naquela noite ele iria
acompanhar a primeira das onze rotas programadas. Como iria acompanhar
cada um dos carregamentos pessoalmente, de dentro de um dos carros que
escoltariam o caminhão, os próximos dias seriam frenéticos, sem lhe dar
muito tempo para nada, todavia, poder ver com os próprios olhos quem era o
maldito traidor, recompensaria qualquer coisa.
Antes de sair na calada da madrugada, armou-se até os dentes. Mesmo
tendo suas suspeitas, estaria prevenido em cada noite de vigilância.
Com Edoardo sumido, a única pessoa para quem contou todo esquema
foi Michele, seu soldado mais antigo que já havia levado três tiros – em
ocasiões diferentes –, para protegê-lo. Se existia alguém mais devoto,
Tiziano desconhecia. Era com ele que o homem compartilhava seus planos
mais mirabolantes para depois o acompanhar sem questionamentos, afinal,
era muito bem pago para tal serviço.
Devido a essa confiança, deixou-o pessoalmente responsável pela
escolta das cargas nos próximos onze dias, com o chefe em seu encalço.
A primeira rota era uma mercadoria que chegaria pelo porto de
Civitavecchia. Seguiriam o percurso pela costa até a carga ser entregue no
galpão onde Tiziano armazenava as drogas até sua distribuição.
O armazém ficava na província de Roma, em uma comuna afastada,
ideal para manter uma atividade como aquela sem levantar suspeitas, porém,
perto o suficiente da sua casa para estar de volta rapidamente, se fosse
necessário.
O trajeto até o local de partida levou pouco mais de uma hora e logo
Fabrizio, seu soldado, estava escoltando a carga. Tiziano permanecia no
banco de trás atento a toda e qualquer movimentação fora do comum, mas o
trajeto de volta foi tão pacífico quanto a ida e sem qualquer intervenção.
Isso queria dizer que Filippo Piccoli era uma carta fora do baralho.
O dia seguinte foi de Ângelo Formenti e também transcorreu
calmamente.
No terceiro dia, o contêiner sairia do Porto de Livorno na Toscana, e
como era um local mais afastado de Roma, em média quatro horas de
viagem, Tiziano e Michele saíram mais cedo a fim de não se atrasarem. No
fim, acabaram chegando um pouco mais cedo que o previsto e precisaram
aguardar a carga ser liberada.
Após os trâmites, seguiram o caminho pela rodovia que bordejava a
costa do país em direção ao destino final.
Embora estivesse acostumado com noites de insônia, Tiziano se sentia
extremamente cansado pelas viagens de carro, indo e vindo madrugada
adentro, mas não deixaria a fadiga atrapalhar seus planos. Havia chegado até
ali e não desistiria até chegar ao décimo primeiro dia com um nome. A sede
de vingança era maior que tudo.
Checou o celular para verificar se Agnes havia lhe respondido a
mensagem que enviou antes de sair de casa, mas não tinha resposta.
Conteve-se antes de enviar outra, não queria dar uma de perseguidor
apaixonado.
Estavam quase chegando ao depósito quando Michele gritou:
— Abaixe.
Tiziano se agachou e esticou o braço para alcançar a arma no console,
porém, não deu tempo. Houve uma explosão e a força do impacto o
arremessou para o outro lado do veículo.
Quando abriu os olhos, sua visão estava embaçada e não conseguia
ficar muito tempo com eles abertos. Ele os fechou e abriu alguma vezes na
tentativa de voltar ao normal, sem ter ideia de quanto tempo havia ficado
desacordado. Mas de uma coisa ele sabia: o carro estava de ponta cabeça e
se não fosse blindado, certamente não estaria mais vivo.
— Michele — chamou, mas quando não houve resposta, virou a
cabeça e viu a porta do motorista aberta.
Imaginou que ele tinha sido jogado para fora e sua raiva triplicou com
a possibilidade de seu fiel escudeiro ter morrido.
Respirando fundo, tentou se focar e ouviu um zumbido vindo do lado
de fora. Ao olhar pela janela, viu alguns clarões.
Ao tentar se mexer, sentiu uma dor alucinante, era como se cada
centímetro do corpo estivesse sendo torcido, espetado e queimado.
Olhou ao redor em busca de sua arma e foi mais fácil achá-la do que
abrir sua porta. Quando, por fim, conseguiu, levantou-se e, lentamente, foi
em direção aos homens que trabalhavam na sua carga.
Os malditos filhos da puta foram com tanta sede ao pote, que optaram
por roubar a carga antes de verificarem se o alvo havia realmente sido
abatido.
Bom, a hora da vingança chegou.
Com a raiva controlando suas ações, começou a abater um por um, sem
desperdiçar um tiro sequer. Tudo transcorreu de forma muito rápida e em
poucos minutos havia matado seis homens com sua arma e entrado em luta
corporal com dois, matando-os com Gina e Michele acabou com o último
Estava prestes a ser atacado por trás quando Michele apareceu e
matou o último traiçoeiro.
A despeito de tudo, conseguiu sorrir ao ver o amigo.
Mesmo com os ferimentos que ambos apresentavam, ficaram firmes até
a chegada de um carro que Michele solicitou para auxiliá-los a retornar em
segurança.
O médico já os aguardava de prontidão na mansão para atendê-los
assim que chegassem. Por sorte, nenhum dos ferimentos foi grave a ponto de
precisarem de alguma intervenção mais séria, somente alguns pontos, uma
tala e curativos.
Enquanto o médico cuidava de Michele, Tiziano pegou o telefone para
fazer uma ligação.
— O quê? — atendeu Leonello, mal-humorado por ser acordado antes
do sol nascer.
— Venha para cá agora.
Tiziano não precisou pedir duas vezes, pois conseguiu perceber a
gravidade da situação somente pelo tom de voz usado pelo irmão.
— Quinze minutos — avisou, desligando o aparelho e se levantando
da cama.
Tiziano fez a mesma exigência a Antônia e os aguardou inquieto.
Estava sujo de terra, machucado, com múltiplas escoriações por todo
corpo e um belo corte recém-costurado na barriga, visível pela blusa
rasgada. Ainda assim, não se deu ao trabalho de tomar banho ou trocar de
roupa, apenas andou de um lado para outro em seu escritório, com uma boa
dose de uísque puro no copo e a cabeça fervilhando.
— Mandou chamar, chefe? — perguntou Michele entrando no
escritório.
— Obrigado por tudo, mais uma vez — falou com um sorriso que não
chegou aos olhos, ainda estava irritado demais.
— É meu trabalho, senhor.
— Sei que está ferido, mas preciso de você aqui.
— Não tem problema, estou à disposição.
— Ótimo. Quero que permaneça no corredor e chame o Davide para
se juntar a você.
— Tudo bem, chefe — concordou e saiu, fechando a porta atrás de si.
Tiziano tomou dois grandes goles de sua bebida e continuou fumando
seu charuto.
Mesmo quando Antônia chegou, curiosa com o que tinha acontecido,
permaneceu do mesmo jeito, não queria ter que repetir a história duas vezes.
Conhecendo o primo, ela se serviu de brandy[3] com gelo e se postou
em frente à janela para aguardar.
— Puta que pariu, o que aconteceu? — inquiriu Leonello, ao abrir a
porta e ver o irmão.
— Sentem-se — convidou Tiziano. — Descobri quem foi o filho da
puta que me roubou — afirmou, encarando o caçula.
CAPÍTULO 21

— Quem é e como descobriu? Fale logo... — requereu Antônia, já


agoniada com aquele mistério.
— Está me olhando assim por quê? — inquiriu Leonello, com cara de
sono.
Tiziano apoiou o braço livre do enfaixamento na mesa, inclinando o
corpo sobre a mesa.
— Porque seus quinze minutos se transformaram em trinta e quando
digo que o assunto é sério não é para achar que está se arrumando para a
porra do seu casamento.
— O importante é que cheguei... Vai nos dizer quem é o miserável que
está com os minutos contados? Faço questão de estar junto quando for
arrancar a cabeça dele.
— Nino Leoni[4] — respondeu Tiziano, ajeitando-se, sem conseguir
frear a careta de dor pelo corte no abdômen. — E já tenho um plano.
— Calma aí — disse Antônia cortando o chefe. — Como descobriu?
Tiziano explicou rapidamente todo esquema que havia montado
sozinho, deixando os dois perplexos.
Todos já estavam acostumados a ver o Don trabalhando sozinho
enquanto arquitetava seus planos malucos, mas sempre eram pegos de
surpresa quando tomavam conhecimento dos detalhes.
— Não sei se fico feliz por você ser um filho da puta ardiloso ou puto
por ter desconfiado de mim — declarou Leonello.
— Ninguém está livre de suspeitas e não vou perder tempo agora com
resmungos a respeito de por que não confiei em vocês, e isso vale para
ambos — disse, apontando o charuto em direção aos dois. — Agora, vamos
deixar de conversa porque está na hora ir atrás dele.
— Ir atrás dele? — perguntou Antônia, nervosa.
— Sim.
— Acho que não é uma boa ideia.
— Nós vamos — sentenciou Tiziano, levantando-se. — Como eu
disse, já tenho um plano.
— Calma aí, só mais uma pergunta.
— Mas que porra, Antônia, não vê que temos que ser rápidos? —
irritou-se o primo mais novo, recebendo um olhar exasperado de volta.
— Como vai explicar isso aos Capos?
— Esse é menor dos nossos problemas, quando eu finalizar o serviço
com Nino, vou falar pessoalmente com todos eles.
— Tudo bem.
— Então, o que estamos esperando? — inquiriu Leonello, erguendo-se
também. — Hora da festa.
— Vamos lá...
Michele estava ao lado de fora quando os três saíram do escritório, e
os acompanhou sem a necessidade de uma ordem, sabia que estavam indo
atrás do traidor.
Antecipou-se em ligar para os soldados mais confiáveis, deixando-os
à disposição em frente à residência.
— Só isso de homens? — indagou Antônia, preocupada.
— Nem precisava de tanto — afirmou Tiziano passando por ela. —
Pode dispensar quatro, Michele. Quero apenas você e mais dois — ordenou
e se sentou no banco de trás do carro — Ah! E a maleta?
— Já está no porta-malas, senhor.
— Perfeito — respondeu, fechando a porta.
Michele escolheu dois dos seis homens disponíveis e seguiram para
Nápoles em dois carros. Ainda tinham, em média, uma hora de estrada, a
qual Tiziano usou para fazer algumas ligações e explicar para a subchefe e
seu irmão o plano completo.
Em uma de suas ligações, o Don descobriu que Nino estava na chácara
que pertencia à sua família, e que ficava um pouco afastada do centro da
cidade.
Melhor ainda, pensou enquanto seguiam para lá.
Ao chegar, a segurança estava reforçada, como era esperado, e os dois
carros foram barrados.
Mal os homens se aproximaram do carro, Tiziano saiu deixando os
homens sem saber o que fazer, pois ir contra o Don era a maior burrice que
poderiam fazer, contudo, eles respondiam a Nino, de forma que ir contra
qualquer um dos dois caminhos era morte na certa.
Leonello ameaçou acompanhar o irmão, todavia, foi impedido com um
levantar de mão e permaneceu no carro.
O chefe se aproximou dos soldados de Leoni e após algumas palavras,
inaudíveis para quem estava dentro dos dois veículos, a entrada foi liberada.
Ainda na dianteira, Tiziano adentrou a casa e seguiu em direção ao
escritório, enquanto o restante permaneceu do lado de fora, como combinado
previamente.
— Bom dia. Estava te aguardando — disse Nino com mais de dez
soldados em volta.
Como um dos Capos mais proeminentes na Compagni, ele era muito
ambicioso e não almejava menos do que o cargo mais alto da organização.
Por isso, quando recebeu a rota, adivinhou que havia algo por trás. De
alguma forma, sabia que Tiziano estaria escoltando a primeira remessa do
carregamento e não pensou duas vezes antes de planejar uma emboscada.
Mas seus homens não retornaram e não foi preciso ser muito
inteligente para supor que em questão de horas Tiziano iria até ele.
Poderia ter fugido, porém, achava que havia chegado o momento do
tudo ou nada e ele esperava que seu plano desse certo.
— Que bom, adoro quando sou bem-vindo — disse o Don,
tranquilamente, ajeitando-se em uma das poltronas disponíveis. — Tenho
que dizer que você é corajoso, amigo.
— É minha principal qualidade.
— Infelizmente, coragem não é sinônimo de inteligência.
— Bom, logo veremos quem é o esperto aqui. Você descaracterizou
trabalho de anos e quando eu tomar o controle da organização, muitas coisas
voltarão a ser como eram antes.
Tiziano riu alto e levou a mão à cintura.
— Nem pense — revidou o senhor ao mesmo tempo em que os dez
soldados apontavam suas armas para o Capo. — Você é jovem e fraco
demais, ficarei feliz em ser responsável por acabar com você e seus
companheiros.
Nino se levantou e separou as cortinas da grande janela, deixando à
mostra Antônia, Leonello e os dois soldados, todos rendidos por mais de
trinta homens armados até os dentes.
— Como está vendo, comigo, a coragem e a inteligência andam juntas.
— Tem razão, me desculpe, subestimei você. — O chefe soou
pesaroso.
— Sim — falou, vitorioso, com um sorriso nos lábios.
— É uma pena que esperteza não se passa de pai para filho — disse
Tiziano como quem não quer nada. — Se isso fosse verdade, seu filho não
teria sido pego em uma situação tão deplorável. Ele, além de burro, era
doente...
Nino já estava vermelho de raiva, pois seu calcanhar de Aquiles era o
filho, mas Tiziano estava espremendo propositalmente.
— Mas você já sabia, não é? Tinha total ciência do que o filhinho
aprontava e o acobertava. Isso faz de você tão doente quanto ele e, volto a
insistir, muito pouco inteligente, afinal, realmente achou que eu, o Don, viria
até aqui e ser rendido por um verme como você?
— Não é o que parece — disse o velho, apontando para os cinco do
lado de fora, ajoelhados no gramado.
— Me deixe te perguntar uma última coisa. Quer passar essa vergonha
no débito ou no crédito?
— Seu moleque filho da puta. Mate esse infeliz e os amiguinhos dele
de uma vez — ordenou para que todos os soldados escutassem.
Um dos homens que estava perto de Tiziano se aproximou ainda mais e
apontou a arma para a cabeça de Nino. Mesmo assim, o sorriso não saiu de
seus lábios, isso só ocorreu quando o soldado continuou sério. Em questão
de segundos realizou o disparo e o homem caiu no chão, sem vida, com um
tiro na cabeça.
— Eu te avisei, mas também não fazia questão de lhe provar que você
ia se dar mal — disse Tiziano, rindo e acenando com a cabeça para os
soldados que, com alguns incentivos, se debandaram para seu lado.
— Foi um prazer fazer negócio com o senhor — disse um deles.
— Igualmente, senhores.
Tiziano saiu da casa e todos o esperavam ansiosos.
— Graças a Deus deu certo — falou Antônia.
— A Deus? Nada disso, a mim mesmo — declarou o Don, nada
modesto.
— Era um plano arriscado.
— Perfeito — afirmou Leonello com um sorriso vitorioso. — Desde
quando você tem medo dessas coisas, Antônia?
— Fiquei com medo pelo Tiziano.
— Nino se achava demais, jamais me mataria sem fazer um show
antes. Agora vamos que ainda temos muito o que fazer... Michele distribua o
conteúdo da maleta para nossos amigos e depois me envia o vídeo, ok?
— Que vídeo? — indagou Leonello, curioso.
— Claro que ele filmou tudo — deduziu Antônia, admirada.
— E eu ia perder a oportunidade de mostrar o que acontece com
traidores? Jamais!
Leonello voltou para casa dirigindo com Antônia ao lado e Tiziano no
banco de trás. O clima estava mais leve, pois não teriam que se preocupar
mais com um traidor à espreita.
— Então foi ele quem roubou aquela carga? Que ordenou o atentado à
sua casa?
— Provavelmente, Leonello.
— Então não tem certeza — afirmou o caçula.
— Veremos mais para frente. Alguns dos soldados dele me informaram
que sim, porém, como você já sabe, não confio nem na minha sombra, então
temos que estar sempre em alerta. Além disso, há uma grande possibilidade
de que ele tinha um sócio que ninguém conhecesse a identidade. Alguém bem
mais esperto do que ele.
O celular da subchefe tocou e após alguns minutos na linha desligou,
preocupada.
— Samuele estava sendo seguido — contou.
— Por que alguém estaria seguindo um padeiro, Antônia? Ele não tem
nada a ver com os negócios.
— Vá se foder, Leonello.
— O que ele disse? — quis saber Tiziano ignorando a discussão.
— Disse que algumas semanas atrás reparou que estava sendo seguido,
mas estava conseguindo despistar, mas quase foi pego ontem.
— Desculpa, mas devo concordar com o Leonello; ele não faz parte
dos negócios e mal nos falamos. No que ele seria útil para os rivais?
— Não sei. De repente querem colocá-lo como moeda de troca para
algo... Sei lá.
— Se acalme, Antônia. Se ele está se sentindo ameaçado podemos
enviar alguns soldados para fazer sua segurança por um tempo.
— Não sei se ele aceitaria.
— Porra, então o que ele quer? — perguntou Leonello.
Tiziano olhou para o irmão de esguelha sem muita paciência.
— Independentemente de querer ou não fazer parte dos negócios,
Samuele é da nossa família, Leonello, então te aconselho a ter mais lealdade
com o próprio sangue — declarou e se voltou para a prima. — Diga a ele
que mandaremos três homens à paisana para ficarem com ele por um mês.
— Está bem, mas eu mesma gostaria de ir ficar com ele uns dois dias
só para garantir.
— Tudo bem — concedeu o Don —, as coisas devem ficar mais
tranquilas pelos próximos dias.
Assim que chegaram à mansão, Tiziano subiu para o terceiro andar e
foi imediatamente para o chuveiro a fim de relaxar um pouco embaixo da
água quente. Demorou um pouco mais que o previsto, pois ainda estava
sofrendo com as escoriações adquiridas na explosão. Dedicou um tempo
considerável para lavar cada uma delas, pois não queria que, futuramente,
precisasse tomar antibióticos por algo que poderia ter evitado.
Rita o ajudou nos curativos, já que fizera questão de que a governanta
tivesse, ao menos, um curso de primeiros socorros. Quando se olhou no
espelho, sentia como se tivesse voltado recentemente da guerra.
O braço estava enfaixado e preso com uma tipoia, havia arranhões e
queimaduras em várias partes do corpo, além de um corte na barriga, que lhe
rendeu doze pontos.
Mas apesar de tudo estava bem, com um leve sentimento de dever
cumprido.
CAPÍTULO 22

Os primeiros dias daquela semana custaram a passar.


Na primeira oportunidade reuniu pessoalmente os oito capitães
restantes e após explicar todos os fatos ocorridos naquela noite – com
direito a exibição do vídeo com a morte de Nino –, deu aquele assunto por
encerrado, provando que Tiziano não era qualquer Don. O rapaz, sagaz como
poucos, sabia exatamente o que fazer em todos os momentos e era
extremamente letal.
Após duas horas de reunião, o Don resolveu que o cargo de Nino, que
consistia em resolver problemas, não existiria mais. A partir daquele
momento, cada um ficaria responsável por sua própria sujeira e cuidaria das
traições que caírem em suas mãos, com a única exigência de não iniciarem
uma carnificina e deixarem o chefe ciente de tudo o que ocorria em seus
territórios.
Mas ainda tinha um assunto pendente que Tiziano estava sendo
cobrado, aliás, dois. O primeiro era o sumiço de Edoardo, ainda sem
resolução e o segundo, o fato de ainda não ter arrumado uma esposa. Pelos
padrões da máfia, já estava passando da idade de se casar. Para eles, era
para seu Don já estar concebendo futuros herdeiros.
Com muito jogo de cintura, Tiziano se esquivou do assunto afirmando
que enquanto não resolvesse a situação do subchefe, não pensaria em
casamento.
Obviamente um assunto não tinha relação com o outro e o motivo se
devia simplesmente por não querer casar nem nas próximas dez encarnações,
porém, usou o desaparecimento de Edoardo a fim de ganhar, ao menos, um
tempo para encontrar uma mulher que aceitasse um contrato de casamento de
fachada, uma vez que se casar por vias normais lhe era inadmissível.
No mesmo instante teve uma ideia absurda. Será que Agnes aceitaria?
Claro que não. Riu da própria fantasia, pois ela não servia para aquele
mundo. E se por um milagre ela concordasse com uma proposta como
aquela, estava certo de que jamais concordaria com o trabalho que Tiziano
fazia, trabalho este que era uma sina da qual só se livraria com a morte.
Mas uma coisa era real, estava maluco, louco para se enterrar em sua
beata. Já fazia quase duas semanas que não se viam, culpa da confusão que
era sua vida. Mas pretendia resolver a questão naquele belo sábado,
sabendo que ela tinha as tardes de folga. Porém, não sairia antes de dar uma
passada no prédio de detenção para resolver um problema chamado Virna;
quanto antes ela soubesse de sua decisão, melhor.
Mas se preocuparia com ela quando o momento chegasse. Em vez
disso, aproveitou a manhã para se dedicar a algo que somente ele tinha
conhecimento, pois não poderia dividir com ninguém. Via como uma forma
de se redimir de alguma forma, mesmo ciente de que seus pecados já lhe
garantiram a eternidade no inferno.
— Sr. Pellegrini.
— Pode falar, Rita — respondeu, fechando o notebook e erguendo o
rosto para encará-la.
— Desculpe interromper, mas o senhor virá jantar em casa?
Ele havia acabado de almoçar, mas a governanta estava sempre atenta
aos horários e rotinas para não deixar passar nada.
Assim que terminava uma refeição já estava pensando na próxima.
Gostava de deixar tudo organizado para não dar margem a imprevistos.
— Na verdade, não. Vou sair agora e não sei que horas volto. Pode ir
para casa.
— Tudo bem. De qualquer forma, deixarei algumas coisas prontas,
além de frutas frescas na geladeira se o senhor desejar comer quando chegar.
— Obrigado, Rita.
— Com licença — pediu e se retirou.
Tiziano sempre dava as tardes de sábado e os domingos de folga para
a senhora, exceto se houvesse algum tipo de evento, mas como não era o
caso, Rita iria embora para voltar somente na segunda-feira.
Pegou o celular no bolso e chamou Leonello para ir com ele até a
prédio de detenção, já que Antônia ainda estava na Toscana com o irmão.
Mesmo não tendo visto nada de suspeito, preferiu ficar alguns dias a mais do
que planejado, desta forma, ficaria mais tranquila.
Mas não era apenas pela falta de Antônia que Tiziano queria a
companhia do irmão. Ele estava se saindo muito melhor do que imaginara a
princípio e já pôde ver uma grande evolução em sua forma de ver e tratar as
coisas.
Enquanto ele não chegava, foi dar uma conferida nos jornais para ver o
que estava acontecendo em sua cidade e no restante do mundo. Descobriu
que naquele dia seria comemorado o aniversário de Di Vizzano, província
onde seus melhores amigos moravam.
A festa anual ocorria no estádio de futebol da cidade. Todo o vinho
era fornecido pela vinícola Castelli, ou seja, Paolo, e o cardápio era
preparado por Chiara, que há cinco anos deixara o requintado restaurante
onde trabalhara para comandar o seu próprio, localizado nas terras da
vinícola.
Há três anos o evento tradicional passou a durar três dias e era tão
animado que comovia pessoas das cidades vizinhas, o que o tornou muito
importante para a economia da região durante o período de festa.
Aquilo queria dizer que Tiziano já tinha planos para a noite.
Ele poderia usar aquela desculpa para se encontrar com sua beata
“sem querer”, em vez disso, como um cachorro que mija no poste para
marcar território, resolveu provocá-la.

Que tal nos vermos hoje? Quero tanto que topo até uma missa.

Enviou e sorriu ao imaginá-la lendo.


— E, aí? Vamos? — chamou Leonello trazendo o irmão de volta à
realidade.
Ele acenou e se levantou, guardando o celular no bolso.
— Vai me contar o que vai fazer com ela?
— No caminho.
Fizeram o percurso tranquilamente, escoltados por dois carros,
enquanto o irmão mais velho explicava meticulosamente seu plano.
Ao chegar, Tiziano subiu até o terceiro andar, onde Virna estava
hospedada, e parou em frente à porta por alguns segundos sem se mover.
— Essa é a coisa certa a se fazer — incentivou Leonello.
— Eu sei — falou, pressionando a digital no leitor biométrico e
entrando. — Olá, querida.
— Tizi — saudou animada, mas logo se assustou quando viu Leonello.
— Sente-se — ordenou o Don.
A moça obedeceu prontamente, acomodando-se na ponta da cama com
os olhos arregalados.
— É sua última chance de falar o que aconteceu.
— Você não entende...
— Se você explicar, tenho certeza de que entenderei.
— Esse filho é seu.
— Não duvido disso, afinal, você não seria idiota a ponto de mentir
sobre isso sabendo que facilmente eu descobriria a verdade.
— Só posso te contar tudo se você me tirar do país.
Leonello olhou de soslaio para o irmão, desconfiado daquilo.
— Do país? Está de brincadeira, não é?
— Tizi, acredite, eu não estaria pedindo se não fosse de extrema
importância.
— Não vai rolar.
— Olha... Coloque uma tornozeleira eletrônica em mim, implante um
rastreador, sei lá, faz o que você quiser, mas eu só conto tudo quando tiver
fora do país.
— Não acredito que o que tenha para dizer seja importante a ponto de
fazermos isso — decretou Leonello, sério.
— O que mais prezamos no mundo?
Os dois ficaram mudos.
— Nossa vida e a vida de vocês depende do que tenho para contar. É
sério — disse quando viu o olhar de suspeita dos dois —, garanto que vão
querer saber o que tenho a dizer.
— Ou então podemos te matar agora mesmo e acabar com essa
palhaçada.
Tiziano observava o irmão. Falando daquela forma, com tanta
propriedade, parecia até outra pessoa.
Parecia que, realmente, aquele moleque drogado havia ficado para
trás.
— Sim, eu sei, mas aí ficarão sem minha informação.
Os irmãos ficaram calados por vários segundos, cada um com suas
próprias dúvidas e indagações.
— Está bem — disse Tiziano por fim —, vou te mandar para um lugar
à minha escolha em troca do que tem a me dizer. Isso não quer dizer que está
livre, eu estarei monitorando cada um de seus passos e quando essa criança
nascer, ela vai ficar comigo e você nunca a verá, está ouvindo?
Virna concordou silenciosamente com lágrimas nos olhos, não pela
criança que crescia em seu ventre, mas por ver seu grande amor lhe virando
as costas e a deixando sozinha novamente, daquela vez, para sempre.
— Vou começar a preparar tudo.
— Será que ela não está blefando? — inquiriu Leonello, ao entrarem
no carro.
— Não. Virna tem alguma coisa importante para falar e está com medo
de ser morta.
— E o bebê?
— O que tem? — perguntou Tiziano ligando o carro.
— Como assim o que tem. Você vai cuidar? Criar?
— Sim, quero que cresça perto de mim. Nem que para isso eu tenha
que contratar alguém para ser mãe dele.
— Muito bem, está certo.
— Está a fim de ir a uma festa? — indagou ao irmão caçula.
— Você me chamando para uma festa? Estou dentro, jamais recuso
uma diversão.
— Não é exatamente o que você imagina, mas vai ser legal...
Pela hora que estavam saindo da prédio de detenção, chegariam com a
festa já acontecendo, por isso Tiziano acelerou o conversível, mesmo
sabendo que chegariam antes dos seguranças que os escoltavam, afinal,
estavam em um dos carros mais rápidos do mundo.
Acabou que não chegaram tão atrasados assim; na verdade, chegaram
na melhor hora, quando a banda iniciava a Tarantela[5].
— Sua concepção de diversão mudou bastante — afirmou Leonello,
olhando em torno, meio intimidado.
Havia famílias inteiras, idosos, casais de mãos dadas, crianças
correndo para todo lado... Aquilo era muito mais assustador do que ter uma
arma apontada para sua cabeça.
— Olha, ali estão eles!
Tiziano caminhou até Chiara e Paolo, que estavam em uma das tendas.
— Eita! Olha quem está aqui — anunciou Chiara, animada.
— Oi, linda — saudou, dando um abraço na moça.
— O que está fazendo aqui? — inquiriu o vinicultor.
— Vim curtir a festa.
— Aham — murmurou Paolo, nada convencido. — Não me lembro de
ter te visto nos anos anteriores.
— Com certeza eu deveria estar trabalhando.
— Sei — disse, sabendo exatamente o motivo da presença do amigo,
mas logo voltou a atenção para seu acompanhante. — Imagino que seja o
Leonello. Vocês são muito parecidos.
— Sim, bastante parecidos — ratificou a esposa. — Eu sou a Chiara e
é um prazer te conhecer.
Dizendo isso, ela puxou o caçula num abraço, pegando-o totalmente de
surpresa.
Os dois poderiam ser parecidos fisicamente, porém, diferente do
irmão, Leonello não era adepto a contatos físicos. Mesmo durante o sexo,
não havia intimidade entre ele e suas parceiras, eram apenas dois corpos
saciando o desejo do corpo, de forma que aquilo era muito, muito estranho.
— Hum, prazer — disse com um sorriso contido apenas para não
parecer mal-educado aos amigos do irmão.
— Eu sou o Paolo, muito prazer, Leonello.
— O prazer é meu — afirmou, apertando a mão do homem de aspecto
meio rude, sem entender o porquê de Tiziano manter amizades fora da máfia,
mesmo sabendo o quanto era perigoso.
Entretanto, nada que vinha dele era usual, então...
— Apresentações respectivamente feitas, agora vamos ao que importa.
Cadê a Agnes?
— Ah, eu sabia! — animou-se Chiara. — Você não dá ponto sem nó,
hein?
— Não, minha cara, nunca. E então, minha beata veio ou não? —
insistiu Tiziano, recebendo um olhar questionador do irmão.
— Sim, está por aí — comunicou Paolo de má vontade.
— O que faz aqui? — perguntou ela, como se tivesse sido evocada,
aproximando-se com cara de espanto.
Tiziano se virou e deu de cara com os belos olhos verdes e brilhantes
o encarando.
Ela não poderia estar mais linda em um vestido preto, botas marrons
de cano longo e cabelos soltos, esvoaçados pelo vento.
— Vim te ver, já que não me responde. Aquele dia que nós...
— Vem — interrompeu a moça, arrastando Tiziano e sua língua grande
para longe, antes que ele falasse o que não deveria. — Estou sem celular...
Estava ajudando a Chi com a festa.
— Estava com saudades.
— Eu também — confidenciou com o coração bobo dando galope.
Antes de ela terminar de falar, Tiziano a puxou pela cintura, deixando
os corpos unidos. Foi impossível para Agnes não notar um certo movimento
contra sua barriga. Direcionou o olhar para baixo, sem mover a cabeça, e
sorriu ao constatar o óbvio.
— Você me deixa assim — falou sem tirar os olhos dela. — Aposto
que se tivesse um pau, ele estaria tão aparente quanto o meu.
— Meu Deus, Tiziano, está todo mundo olhando...
— Não me importo. Quero te levar para casa e repetir tudo o que
fizemos da última vez.
— Acho que precisamos...
— Conversar? Não. Conversas, em momentos como este, normalmente
não terminam bem. Não estrague o que estamos tendo.
— Quem é aquele que veio com você? Seu irmão, vocês se parecem
muito.
— Sim.
— Acho que ele pensa que sou um E.T., porque não para de me olhar.
— Não ligue para ele — pediu, erguendo lhe o queixo e a obrigando a
olhar em seus olhos.
— Só me fale uma palavra que largamos tudo e todos aqui e vamos
para um lugar mais reservado.
— Comigo não vai ser assim, Tiziano — falou, afastando-se. — Desde
o começo eu falei que não sou esse tipo de mulher. Naquele dia eu me deixei
levar sim, mas isso não quer dizer que vou virar sua foda fixa.
— Foda fixa? — repetiu, rindo pela forma como a moça se expressou.
— Sim.
Tiziano respirou fundo e disse:
— Me ensine.
— Te ensinar o quê? — inquiriu ela, confusa.
— A ser alguém com quem você queira estar junto.
— Não posso ensinar alguém que não quer aprender.
— Eu quero.
— Mas... — disse Agnes, incentivando-o a continuar.
— Mas também não sou um homem comum, talvez não seja capaz de
aprender.
— Você só vai saber se tentar — afirmou, convicta.
— Chefe — disse Leonello, aproximando-se —, temos que ir.
Tiziano notou, pelo olhar de Leonello, que algo sério havia
acontecido.
Só para variar.
Agnes deu um passo atrás, dando passagem para o homem ir embora.
Ela realmente teria que dar um jeito de esquecê-lo, foi uma ideia
estúpida entrar naquele labirinto achando que sairia ilesa.
Ele se aproximou novamente, segurou suas mãos e disse:
— Não posso te prometer nada, a única coisa que posso afirmar é que
enquanto estivermos juntos, estaremos juntos.
— Talvez isso não seja suficiente pra mim.
— Não quero que me responda agora — disse, acariciando o rosto
macio. — Vou te mandar mensagem. Me responda.
E com esta imposição, Tiziano se afastou junto ao irmão caçula que
estava atônito com o que acabara de presenciar.
CAPÍTULO 23

— Como ele chegou aqui? — inquiriu Tiziano ao ver Edoardo


desacordado e coberto de sangue em seu sofá.
Ainda na festa, enquanto Leonello tentava iniciar uma conversa com os
amigos do irmão, seu celular vibrou no bolso da calça. Era um dos soldados
que ficaram na mansão informando que havia encontrado o ex-subchefe
desacordado e todo machucado em frente à porta de entrada.
Mesmo não gostando daquele idiota, Leonello mandou que ligassem
para o médico com urgência e avisou que estavam a caminho.
Fizeram o percurso muito mais rápido do que o usual e no caminho não
houve abertura para outro assunto, se não a volta de Edoardo. Por mais que
Leonello estivesse curioso para saber quem era a linda morena dos olhos
verdes com quem o irmão mais velho conversava tão intimamente, segurou-
se, pois teria que deixar para outro momento, afinal, tinham coisas mais
importantes para tratar.
— Não sabemos, chefe. Encontramos ele caído lá na porta —
respondeu um dos soldados.
— E, aí? Como ele está? — inquiriu ao médico quando este terminou
de examiná-lo.
— Múltiplas lesões, escoriações, fraturas... — iniciou após ter
realizado uma ausculta cardíaca enquanto outro profissional cuidava dos
ferimentos abertos. — Ele está muito desidratado, por isso o desmaio, além,
é claro, do esgotamento físico e, muito provavelmente, bastante dor. Pelos
ferimentos em seus pés, deduzo que ele andou muitos quilômetros para
chegar até aqui — declarou, mostrando o membro coberto de bolhas e
feridas sujas de terra.
— Ele vai sobreviver?
— Vai, sim, Sr. Pellegrini. Como eu disse, ele necessitará de muito
cuidado nos próximos dias, mas vai sobreviver.
— Leve-o para o quarto de hóspedes e faça tudo que tiver que fazer,
depois, quero que alguém fique responsável por ele vinte e quatro horas por
dia, até que se recupere — instruiu ao médico e aos dois enfermeiros
presentes no atendimento. — E você, Davide, quero que faça a segurança do
quarto, ninguém entra ou sai sem minha autorização. Entendeu?
— Sim, senhor.
Edoardo foi carregado por três seguranças até o andar superior,
deixando somente Tiziano e Leonello jogados no sofá da sala.
— O que será que aconteceu com ele? — perguntou Leonello, abrindo
uma Coca-Cola.
Tiziano observou o irmão e sentiu orgulho por ele estar se mantendo
sóbrio em todos os sentidos. Podia imaginar o quanto o caçula sofreu, no
início, para ficar longe do pó branco. Também podia imaginar que havia
alguns dias piores que os outros, mas a cada vez que conseguia dizer não,
mais o monstro dentro dele enfraquecia. Infelizmente, aquilo era algo que
Leonello tinha que fazer sozinho, por si mesmo, muito embora sempre fosse
estar ao seu lado para o que precisasse, pois sabia que ele teria que lutar
contra si mesmo até o último dia de sua vida.
— Não sei, vamos descobrir quando ele acordar.
— Será que é confiável? Quero dizer... De repente é tudo uma
armação.
— Eu não sei de mais nada, sinceramente. Preciso de um tempo para
pensar, não vou tomar nenhuma decisão sem antes ouvir o que ele tem a
dizer.
Tiziano estava com os pensamentos conturbados, teria que esperar
Edoardo acordar para saber o que realmente havia acontecido. Mesmo
assim, não sabia se poderia confiar nele, então contaria com seu instinto, que
nunca falhava.
Levantando-se, foi até o bar se servir de uma dose de uísque, o álcool
tinha um efeito calmante.
— Quem era aquela mulher?
— Estava demorando... Achei que não iria mais perguntar — declarou,
colocando gelo no copo.
— Vocês pareciam bem íntimos. Se eu não te conhecesse, diria que
está apaixonado.
— Apaixonado? — riu alto, despejando o líquido caramelo. — Não.
O nome dela é Agnes e estou pensando em oferecer um contrato nupcial para
ela, somente isso.
— Contrato nupcial? Nem sabia que estava pensando em se casar.
— Não quero, mas estou sofrendo pressões de todos os lados. Sabe
como é, né? Estou empurrando com a barriga, mas agora já está no limite,
preciso fazer alguma coisa... — alegou sentando no sofá.
— Casamento arranjado é uma droga, mas, por outro lado, ter uma
bocetinha quentinha todos os dias para agasalhar o pau... Não é das coisas
mais ruins do mundo.
— Sim — concordou, pensativo, degustando mais um gole da bebida.
— E ela vai aceitar?
— Eu sei ser bem insistente quando quero algo, mas eu não sei. Ela
não é do nosso mundo e ainda por cima... É religiosa.
— Religiosa? Puta que pariu — xingou, rindo. — Onde arranjou essa
aí? Não sabia que estava frequentando convento para desvirginar mocinhas
inocentes.
— Tanto faz... Preciso pensar o que vou fazer.
— Bom... Você não pediu, mas vou dar um conselho porque sou seu
irmão. Cai fora, as mulheres da famiglia já são complicadas o suficiente,
imagine alguém de fora?
— Gosto de desafios... Do impossível.
— Está disposto a sacrificar uma vida inteira por um capricho?
Por um momento, Tiziano se sentiu o irmão mais novo.
Esse era o tipo de coisa que ele mesmo diria como conselho a alguém.
Por mais que tentasse não conseguia colocar a cabeça no lugar, não
quando o assunto era Agnes.
— Sr. Pellegrini, telefone no escritório para o senhor — anunciou
Rita.
O rapaz se levantou, deixando o copo vazio na mesa de centro.
— E sem abrir a boca sobre isso — ameaçou, dando um tapa nas
costas do irmão ao passar por ele.
Leonello fez um movimento com os dedos, imitando um fecho de zíper,
de um canto ou outro da boca.
Enquanto o irmão andava em direção ao escritório, Leonello decidiu ir
para sua própria casa, afinal a festa havia terminado mesmo.
Ao entrar em seu carro sentiu o celular tocar.
— O quê? — atendeu o rapaz ao ver o nome de Antônia na tela.
— Que merda está acontecendo?
— Acha que está falando com quem? Não sou a porra do Edoardo não
viu? — jogou as palavras desligando na cara da mulher. — Folgada do
caralho.
Sentou-se no banco e, novamente, o celular tocou.
— Vai falar direito? — perguntou Leonello atendendo o telefone
novamente, sem ligar o carro, mas já se sentado no banco do motorista.
— Me fale o que está acontecendo. Fiquei sabendo que o Edoardo
voltou.
— Está bem inteirada dos assuntos para quem está longe.
— Fabrizio me contou.
— Fabrizio?
— Sim — respondeu, apressada.
— Por que o soldado iria te ligar para contar isso, Antônia?
— Depois, se você quiser, eu te conto todos os caras com quem já
transei. Agora, você poderia me falar o que aconteceu?
— Por que não liga para o Tiziano? Não sou pombo-correio.
— Ele não me atende.
— Vai ver, ele tem motivos.
— Como assim, Leonello? Me fala o que aconteceu.
— Edoardo voltou, mas não está bem, foi encontrado por alguns
soldados desacordado na porta da casa do Tiziano. Foi isso...
— Merda. Daqui a pouco estou por aí.
— Mais alguma coisa?
— Só isso.
— Ótimo, tchau — disse desligando o aparelho e, finalmente, indo
para casa.

Já havia se passado quarenta e oito horas desde que o homem foi encontrado
desacordado e até aquele momento nem uma palavra havia sido dita.
Edoardo não conseguia ficar mais que vinte minutos acordado e
quando, por um milagre, estava alerta, dizia coisas sem sentidos. Era um
pouco desesperador, mas segundo os médicos, o rapaz estava melhorando e
logo poderia esclarecer todas as dúvidas que Tiziano ansiava em saber. Até
lá, contudo, a paciência teria que ser uma grande aliada.
O Don ia até o quarto que destinou ao amigo todos os dias e
acompanhava de perto a evolução de seu estado geral, mas sem forçar,
estava deixando as coisas acontecerem no tempo dele, com a calma que
somente Tiziano possuía.
Após visitar Edoardo, Tiziano seguiu para o escritório, pois havia
algo pendente que precisava resolver.
— Você está sempre fugindo — disse Tiziano assim que Agnes atendeu
ao telefone, sem ao menos dizer oi. — Pensou no que te falei?
— Sim — respondeu a moça.
— Então... O que me diz? — quis saber, ansioso.
Estava tomando um chá de cadeira enquanto aguardava uma resposta
para algo simples. Eles iriam continuar se vendo, sim ou não?
Isso porque nem mencionei o contrato de casamento ainda, pensou.
Quando isso acontecesse, aí sim, testaria sua paciência de monge.
Mas era algo em que pensaria muito bem a respeito antes de qualquer
decisão definitiva, pois mesmo com um contrato cheio de cláusulas bem
definidas, aquilo era algo sério, ainda que não acreditasse em casamento ou
amor.
— Sim.
— Sério? Não vou precisar nem insistir mais? Ou ficar te perturbando
na sua casa? — perguntou, rindo.
— Não, mas com uma condição.
— E qual seria essa condição? — perguntou, divertido, recostando-se
na cadeira.
— Na verdade, são duas... Mas só te falo a segunda se concordar com
a primeira.
— Estou escutando.
— Quero saber sobre seu trabalho. Tudo...
Agnes sabia que Tiziano Pellegrini não estava do lado dos mocinhos.
Mas mesmo querendo ouvir de sua boca tudo o que ele fazia, estava certa de
ainda iria querê-lo.
Continuava temente a Deus, e isso não mudaria jamais, porém, o que
passara a sentir pelo rapaz entrou como um tornado em sua vida, destruindo
tudo o que via pela frente e mesmo que ele não admitisse, ela sabia que o
mesmo acontecia em seu coração. Bastava tempo para colocar as coisas no
devido lugar.
— Se eu te contar e você me largar, terei que te matar.
— E se eu não largar? — perguntou, tentando manter a voz estável
após aquela ameaça.
— Então ficarei feliz em não ter que eliminar uma linda mulher como
você.
— Ótimo, então lá vem a segunda...
Tiziano estava até se divertindo vendo a mulher fazendo exigências
para o homem mais poderoso da Itália.
— Quero exclusividade.
— Exclusividade? — perguntou com a sobrancelha arqueada.
— Sim, porque se eu não tiver outro em minha, você também não terá.
Golpe baixo, pensou.
Mas só de ouvi-la falar em outro na sua cama, já ficava irritando,
então, teria que ceder pelos dias que ficassem juntos.
— Exclusividade então.
— Ótimo, agora tenho que ir.
— Vou mandar o motorista te buscar. Esteja pronta às oito, minha beata
— disse desligando o aparelho com um sorriso desenhado no rosto.
— Desculpe, chefe — falou Rita, aflita, entrando no escritório —, mas
o Edoardo acordou e está chamando o senhor.
Tiziano se levantou e seguiu direto para o quarto onde encontrou o
amigo acordado e o encarando fixamente.
— Saiam — ordenou aos seguranças e enfermeiros.
Quando estavam sozinhos, o Don se sentou em uma poltrona ao lado da
cama e esperou até que ele estivesse pronto para se abrir.
— Não sei por onde começar... — disse Edoardo com a voz rouca e
fraca.
— Pelo início, de preferência.
CAPÍTULO 24

— Eu tenho uma filha — começou Edoardo. — A mãe dela morreu há


alguns anos e desde então ela mora com a avó materna. Apesar de não nos
vermos, pois elas moram em outro país, nós sempre nos falamos por telefone
e eu mando dinheiro todo mês para o sustento das duas.
Tiziano continuou na mesma posição, sem demonstrar qualquer
sentimento, apenas escutando e absorvendo todas as informações.
— Não sei como, mas descobriram a existência dela e começaram a
me chantagear. A intenção era que eu matasse você, mas falei que jamais
faria isso. Eles poderiam ter desistido e simplesmente a matado, mas eu era
a melhor aposta que tinham, por isso, um dia, quiseram conversar
pessoalmente e não tive outra alternativa a não ser ir. Bom, como você pode
imaginar não acabou muito bem. Me carregaram para um galpão onde fiquei
por todo esse tempo, sendo torturado. Quando me soltaram, deram o prazo
de cinco dias, até o fim dessa semana, para aceitar o acordo ou matariam
Carmella, mas consegui fugir. Fiquei andando por... Nem sei te dizer, foi
muito tempo, até chegar aqui... — declarou com a emoção contida.
— Se você escondeu a existência de uma filha, quer dizer que não
confia em mim.
— Isso não tem nada a ver com você, eu só não queria que ninguém
soubesse, para segurança dela.
— Você fugiu sem se preocupar que eles a pegariam? Porque é óbvio
que vão.
— Não vão... Tenho um acordo com elas, se eu passar três dias sem
dar notícia, as duas se mudam para um lugar que nem eu mesmo sei. Ambas
são espertas e deixam tudo organizado.
— Uau! Você realmente pensou em tudo — disse, desgostoso.
— Desculpe, chefe, mas não tinha escolha. Quando soube que a mãe
dela estava grávida eu, aceitei ajudar financeiramente, mas queria participar
de sua criação. Então ela nasceu e bastou ver seus lindos olhos brilhando em
minha direção para saber que a protegeria com a minha vida, se fosse
necessário.
Tiziano tentava compreender, contudo, era difícil visto que nunca teve
aquele tipo de amor dentro de casa de seus pais, exceto pelos irmãos. Mas
pelo que ouvia, o amor por um filho era algo incomparável.
— Eu realmente não entendo esse tipo de sentimento, e espero não
entender, porque assim que ele surge nós viramos alvos fáceis, como você
pôde comprovar.
— Não foi planejado, nós saíamos às vezes e acabou acontecendo.
Quando ela descobriu que estava grávida, foi morar com a mãe, e só quando
a menina nasceu foi que ela falou comigo novamente. Eu também não queria
uma filha, Tiziano, pois sei o quanto a família sofre com as escolhas que nós
fizemos, mas não tinha como voltar atrás.
— E você sabe quem são as pessoas que estavam te chantageando?
— Não, eles só entravam encapuzados no galpão e falavam muito
pouco. Teve uma vez que vi o rosto de um deles, por um descuido, mas só.
Tentava rastrear as chamadas, na época que estava recebendo as ligações,
porém, eles só ligavam de pré-pagos.
— Essa história não bate — comentou, pensativo.
— Você e minha filha são a única família que eu tenho. Vim pra cá
porque sabia que quando eu explicasse, você acreditaria em mim. Se tivesse
qualquer coisa a ver com essas merdas todas, não teria vindo.
— Nada faz sentido ainda — disse, levantando-se e caminhando pelo
quarto. — Por que eles ficariam com você por todo esse tempo sem te
matar?
— Como eu disse, sou a melhor opção que eles têm.
— Não. Existe bastante gente próxima a mim que também poderia ter
se comprada.
— Ninguém tão próximo quanto eu — falou, sentando-se com
dificuldade. — Fora que todos sabem que você confia em mim
incondicionalmente. Fora que eles tinham uma carta na manga contra mim e
mais, queriam que parecesse uma morte acidental.
— Eu acho que o Nino era somente uma peça desse quebra-cabeça.
— Nino? — inquiriu sem entender.
Tiziano havia se esquecido de que Edoardo não estava por dentro do
que havia ocorrido, então explicou, com detalhes, todos os fatos e a
expressão no rosto do homem à sua frente lhe dizia claramente que ele
realmente não tinha conhecimento de nada, e se o subchefe fosse um traidor,
já deveria ter conhecimento.
— Miserável — praguejou após o relato de Tiziano. — Temos que
pensar em quem se beneficiaria com sua morte.
— Você — declarou o Don, virando-se para encará-lo. — Se eu
morresse, você ficaria no cargo.
— Já disse que se fosse eu, simplesmente teria feito o serviço, ao
invés de estar aqui todo fodido, mijando na porra de uma vasilha.
— Tentaria fazer — corrigiu o Don. — Edoardo, se eu descobrir que
você tem algo a ver com qualquer uma dessas merdas, vou mandar cada
parte do seu corpo por correio para sua filha.
— Não vai ser necessário, acredite em mim, jamais contaria sobre a
Carmella se estivesse com o rabo preso. Tudo o que desejo é voltar o quanto
antes para meu posto, se você permitir, pois vou caçar esses miseráveis até
no inferno.
— E sua filha?
— Vou esperar ela entrar em contato comigo, mas tenho certeza de que
está bem, ela é muito inteligente — declarou, orgulhoso.
— Espero que não tenha puxado ao pai — alfinetou.
— Como é que você diz, mesmo? O fruto nunca cai longe do pé.
— Exato! — respondeu o Don, satisfeito. — Alguma ideia de por onde
começamos a caçada?
— Na verdade, sim. Seu pai.
— Por quê?
— Depois que me torturavam, eu geralmente caía desmaiado e só
acordava no dia seguinte, mas um dia lembro de ter visto certa
movimentação em volta, com conversas aleatórias, mas em algum momento
mencionaram o nome do seu pai, não sei o que exatamente, mas acho que é
um começo.
Tiziano nunca tinha ouvido Edoardo falar tanto como naqueles minutos
que conversaram. Cerca de dez anos mais velho que Tiziano, seu subchefe
era um cara bastante introspectivo que observava mais do que falava. Às
vezes, as pessoas até se esqueciam de que ele estava presente no mesmo
ambiente. O que era algo ótimo, pois assim, ele ver coisas que ninguém mais
via ou tinha noção de que estava expondo.
O Don teve que fazer uma escolha e naquele momento, optou por
acreditar no amigo, sabendo que se sua intuição falhasse, pagaria muito caro.
Porém, naquele meio, todas as escolhas eram difíceis e cheias de riscos; o
lado bom era que Tiziano raramente errava.
Quando estava prestes a sair do quarto, o celular do Edoardo tocou. O
rapaz o pegou depressa com os olhos brilhando e o Don sentiu uma pontada
de inveja do sentimento ao qual jamais teve contato. As feições do subchefe
mudaram em questão de segundos somente pela possibilidade de ouvir a voz
da filha. Nunca o tinha visto tão vulnerável.
— Carmela? — saudou, ansioso, aguardando uma resposta. — Graças
a Deus vocês estão bem, fiquei tão preocupado — declarou expelindo o ar
dos pulmões.
Enquanto ouvia o que a moça do outro lado da linha falava, os olhos
de Edoardo se encheram de lágrimas.
Quem era aquele? O que ele tinha feito com o meu amigo que nunca
expressava emoções? pensou chocado.
— Não quero saber onde vocês estão. Isso — afirmou. — Eles me
pegaram, mas agora está tudo bem, já estou no casarão. — Pausa para ouvir.
— Sim, ele já sabe — declarou, olhando para Tiziano. — Não se preocupe,
tudo vai ficar bem, ok? Melhor desligarmos agora. Me ligue amanhã, está
bem?
Após se despedirem e desligarem, o subchefe disse:
— Elas estão bem, minha menininha é demais... Você precisa conhecê-
la.
— Teremos oportunidade quando tudo isso passar — garantiu. Então
pareceu pensar melhor e sugeriu: — Por que não traz as duas para cá?
— O quê?
— Pense bem. Enquanto não pegarmos os desgraçados que fizeram
isso, você não vai sossegar, então é muito melhor que ela esteja aqui,
debaixo da sua asa.
— É, pode ser. Vou dar essa opção para ela e te aviso.
— Tudo bem, agora descanse, pois temos um longo caminho pela
frente até pegar esses miseráveis.
— Ei — chamou antes do Don sair do quarto —, acho que já vou para
casa, não gosto de babás.
O rapaz esboçou um sorriso e voltou para o escritório, deixando
Edoardo livre para fazer o que achasse melhor.
CAPÍTULO 25

Agnes ainda estava tentando digerir a conversa que teve com Tiziano,
pois tudo que ela tinha planejado, sobre não se envolver ou não cair na lábia
dele, já não valia de nada.
Quando foi trabalhar na vinícola ouvia, vez ou outra, o nome de
Tiziano em conversas específicas, sobre como ele era galanteador e outras
coisas relacionadas ao tema, mas nada a preparou para a visão dos céus que
teve quando o conheceu no casamento dos amigos.
Um bicho estúpido ficou voando loucamente no seu estômago quando
teve que se aproximar da mesa em que ele e Paolo conversavam, porém,
fingiu não se importar, apesar do olhar poderoso que lhe direcionava.
Convenceu-se de que ele lançava aqueles lindos olhos azuis para qualquer
coisa que estivesse usando vestido dentro do salão.
Com esse pensamento, simplesmente ignorou Tiziano e como punição,
pelas contemplações luxuriosas que teve com o rapaz, a moça sonhou com o
ex-marido naquela noite, a seu ver, era um claro sinal de que seus
pensamentos estavam indo longe demais.
Após a morte de Andrea, o tempo que passava lendo aumentou
consideravelmente, ela quase devorava um livro por dia, pois a única coisa
que a impedia de ler era o marido, e quando quis culpar alguém pelas
constantes aparições de Tiziano em seus pensamentos, apontou para autoras,
pois ninguém melhor para ser responsabilizada do que aquelas pessoas que
escreviam histórias maravilhosas com finais felizes.
Mal admitia aquilo para si, mas ao vê-lo pela primeira vez, sentiu que
foi amor à primeira vista, contudo, junto a esse sentimento tão lindo e puro,
veio algo a mais, um medo que não soube explicar, por isso optou pelo
distanciamento. Mas Tiziano era insistente e por mais que ela tentasse se
manter afastada, com o coração protegido, sabia que era questão de tempo
até se entregar, porque estava bem óbvio que o rapaz não iria parar enquanto
não conseguisse o que queria.
E lá estava ela, rendida a um amor que achou que seria platônico, mas
que estava se mostrando muito mais real do que poderia prever.
Mas isso tudo era em relação aos seus sentimentos, obviamente, mas e
os dele?
Ela não tinha um palpite, pois o rapaz possuía aquele jeito
descontraído, nunca falava que estava com problemas, mas ela conseguia ver
os sinais, como as constantes olheiras e o cheiro de bebida e cigarro já
impregnados nele.
A moça sabia que tudo girava em torno do seu trabalho, o qual ela
tinha apenas suspeitas a respeito do que era, porém, só iria ter a certeza
quando ouvisse da boca dele.
Ela queria, do fundo de seu coração, perdoar e passar por cima do que
ele que quer que ele tinha feito, mas ainda restava aquele medo de não ser
capaz de conviver com algo tão pesado, pois se ele realmente fosse quem ela
estava pensando, não tinha tanta certeza de que conseguiria relevar e seguir
em frente junto com ele.
— Oi, meu galã — disse Agnes para Andrea Mattia, que havia
acabado de chegar da escola.
— Oi, princesa — respondeu ele com um abraço apertado.
— Oi, senhorita — brincou Maria chegando logo atrás.
— Oi, minha pequena gênia. Como foram na aula?
— Ótimo. Não queria falar, mas o Andrea levou uma bronca da
professora hoje, porque estava andando de mãos dadas com uma menina.
— O quê? — perguntou, abismada.
— Você não consegue ficar calada mesmo, né? — retrucou o irmão. —
Não foi isso, quer dizer, não exatamente.
— Claro que foi. Vocês estavam se olhando igual o papai olha mamãe
e o tio príncipe à tia Agnes.
A mulher estava tomando água e cuspiu o líquido quando ouviu as
palavras da pequena. As duas crianças ficaram olhando, sem entender.
— Me desculpem... Vão tomar banho que sua mãe vai servir o jantar
de vocês. Vão, vão...
— Tudo que a senhorita quiser — falou o pequeno galanteador.
Os dois subiram as escadas com provocações e empurrões por todo
caminho.
Agnes pôde, enfim, rir da observação da ardilosa Maria Marietta e
limpar a bagunça de água que havia feito.
— O que foi? — perguntou Chiara, entrando na cozinha.
— Nada — respondeu sem jeito. — As crianças já chegaram e foram
tomar banho.
— Eu sei, dá para ouvir os dois se provocando lá do meu quarto —
declarou, rindo. — E você? Está maravilhosa. Sinto cheiro de Tiziano no ar
— palpitou despretensiosa.
— Pois é; ele vai mandar o motorista vir me buscar. Não vai mesmo
precisar de mim?
— Claro que não. Vá se divertir um pouco.
Naquele momento uma buzina soou no lado de fora.
— Vai lá, mulher, e aproveite!
— Pode deixar — disse, tímida, pegando a bolsa em cima do balcão e
saindo.
— Srta. Sforza — saudou o rapaz, abrindo a porta da Land Rover
preta e ela entrou.
O caminho foi tranquilo, exceto pela úlcera que se intensificava a cada
minuto que se aproximavam do destino.
Assim que o carro estacionou, Tiziano apareceu na porta de sua
fortaleza. Era tão lindo que chegava a ser ridículo.
— Bem-vinda, minha beatinha — saudou agarrado na moça.
O perfume dele era como uma injeção de endorfina, e ali, presa
naquele abraço, sentia que o mundo poderia desabar sobre eles que estava
tudo bem.
— Vamos entrar?
— Sim, claro, e pare de me chamar assim — repreendeu.
Tiziano a levou para a sala, enquanto o jantar não ficava pronto.
— Que bom que não me deu outro bolo, se não a Rita iria achar que
era pessoal.
Agnes riu sem jeito e se acomodou no grande sofá, mas só de senti-lo
perto, os pelos de seu braço já estavam eriçados.
Delicadamente, Tiziano passou os dedos sobre a penugem que revestia
seu braço.
— Adoro quando fica excitada só de ouvir minha voz. Me diga o que
você quer — pediu em um sussurro com uma mão na perna da moça.
— Você.
— Não. Quero saber exatamente o que e como você quer —
especificou, subindo chegando até a parte interna da coxa.
Agnes já não conseguia respirar normalmente, o coração estava
descompassado, porém, o que mais dava sinal de vida era seu sexo, já
ansioso para recebê-lo.
— Me toque — pediu um pouco sem jeito.
— Você pode melhorar — alegou, afastando a calcinha, indo ao
encontro de um clitóris excitado.
— Faça amor comigo, me come, me devore, me faça sua — suplicou
jogando a timidez para longe.
— Seu pedido é uma ordem — declarou Tiziano com um sorriso
debochado, pegou-a no colo e subiu até o segundo andar, para o quarto do
prazer, e fechou a porta atrás de si.
Foda-se, o jantar que esperasse, pensou e começou a tirar a roupa.
Quando Agnes se moveu para imitá-lo, ele a segurou.
— Não, eu gosto de fazer isso.
Tirou as botas da moça e, lentamente, subiu o vestido preto. Olhou
para Agnes, mas ela parecia absorta em um mundo paralelo.
Ao retirar a peça por completo, foi agraciado com um lindo conjunto
branco rendado.
— Se colocar uma asa em você, vai parecer um anjo de Deus, mas
com desejos lúbricos — disse, encostando todo o corpo no dela. — Gosto
assim — completou em seu ouvido.
No instante em que ela sentiu o membro duro fazendo pressão em sua
barriga, não pensou duas vezes e o tomou nas mãos. Com movimentos
firmes, começou a masturbá-lo, sem ter muita noção da quantidade força que
deveria empregar, estava apenas se deixando levar pelo desejo.
Assim que ele penetrou dois dedos no canal lubrificado e os gemidos
dos dois se unificaram.
De repente, os quadris de Agnes ganharam vida própria, estava
impossível se manter polida diante de tanto tesão. Os dedos longos entravam
e saíam sem a menor dificuldade e, sem perceber, Agnes estava totalmente
aberta para ele investir à vontade.
Mesmo a contragosto, ele parou o que estava fazendo e começou a
trilhar um caminho de beijos molhado, desde o pescoço até a boceta que
atormentava seus sonhos todas as noites.
— Nunca vou cansar de sentir seu gosto — disse, caindo de boca nela.
— Tiziano — ela gemeu, agarrada no lençol.
Os dedos já estavam brancos de tão forte que segurava o pano, como
se sua vida dependesse daquilo. Os olhos ainda permaneceram fechados,
para que pudesse desfrutar de todas aquelas sensações ao máximo.
Ele não se cansava, pois dar prazer para Agnes era como um vício e
vê-la tão entregue, satisfeita e feliz se tornava, cada vez mais, um caminho
sem volta.
Tiziano nunca acreditou em alma gêmea e toda essa baboseira, porém,
estava começando a ver de tudo aquilo sob uma nova perspectiva, pois
quando estavam ali, tão íntimos, ele sentia o quão ligados e perfeitos eram
um para o outro.
Os gemidos estavam mais intensos e o homem sabia que ela não
demoraria a gozar, por isso, rapidamente trocou a boca pelo pênis, que
estava latejando de excitação, e o movimento fez Agnes abrir os olhos, o que
o fez hesitar. Vendo aquilo, a moça iniciou movimentos com o quadril,
mostrando que queria mais, muito mais.
Ela queria senti-lo dentro de si e queria experimentar novas posições,
mas era muito tímida para pedir, contudo, ali, com o tesão falando por ela,
resolveu tomar uma atitude.
Parando os movimentos, segurou o quadril de seu parceiro para que
ele fizesse o mesmo, e se virou de costas.
Aquilo foi o suficiente para Tiziano entender e com um sorriso
travesso, ele a direcionou para que ficasse na posição correta.
— Apoie-se nas mãos, passa para os cotovelos... Isso, agora tenta
deixar o peito contra o colchão — explicou, segurando o quadril dela. — É
isso, que empinada gostosa.
Ia começar a meter, mas reparou que estava sem proteção.
Merda, onde estava com a cabeça? Olhou para a bunda da mulher,
excitada e pronta para ele.
Claro, bem ali, pensou.
Após encapar seu membro, entrou, bem devagarzinho, atento à
paisagem digna de quadro que estava tendo o privilégio de presenciar.
Agnes gemeu na primeira estocada e a cada gemido ela expressava as
descobertas sensoriais que Tiziano estava lhe proporcionando.
Não demorou para estar apoiada nos cotovelos, pois à medida que o
pau dele entrava e saía, mais necessidade sentia de empinar a bunda.
Estava começando a ficar bem difícil, para ele, se controlar. O tesão
estava em um nível estratosférico e quando sentiu a boceta dela se contorcer
e um grito poderoso sair de sua boca, Tiziano pôde mais segurar e encheu o
preservativo com sua porra.
Assim que ele saiu de dentro dela, ambos caíram satisfeitos na cama e
ficaram encarando o teto, esperando as respirações se normalizarem.
— Para quem é religiosa...
— Nem termine sua frase — alertou, divertida, arrancando uma risada
gostosa de Tiziano.
— Tizi.
Era a primeira vez que ela o chamava pelo apelido, embora já o
fizesse em pensamento.
O rapaz se virou para encará-la.
— Você é associado da máfia? — perguntou direta ao ponto.
— Não.
Agnes soltou o ar que estava preso no pulmão de alívio.
— Sou o chefe — declarou, também sem rodeios.
Ela engoliu em seco, mas não o afrontou, não teve coragem. Tiziano
estava sendo extremamente sincero, como ela pedira, e só naquele momento
entendeu por que evitou fazer a temida pergunta tantas vezes.
Só que em sua inocência, acreditava que ele fosse, no máximo, algum
associado, mas chefe? Aquilo jamais passou por sua cabeça. Estava sem
palavras e a tristeza que sentiu transbordou por meio de lágrimas.
— Vem aqui — disse o rapaz, puxando-a para si. — Não me orgulho
de ser o que sou, mas foi nessa família que nasci e eu não posso mudar o
passado.
— Mas pode mudar o futuro — disse em um sopro de voz.
— Não posso. Isso é o que sou.
Ela o encarou, com todo sentimento que carregava no peito, e percebeu
que mesmo sendo bombardeada com a verdade, seu íntimo ignorava o que
ele havia acabado de revelar. Só queria ficar dentro daquele abraço pelo
resto da vida.
— Vamos tomar um banho? — sugeriu limpando o rastro deixado
pelas lágrimas.
— Claro, vai indo que já vou — disse ela, levantando-se e viu Tiziano
fazer o mesmo e caminhar até o banheiro.
Olhando ao redor, franziu o cenho para a impessoalidade do local.
— Tiziano...
Ele parou e a encarou, aguardando pacientemente.
— Não é aqui que você dorme, é? Quer dizer, não tem armários, em
vez disso, tem um mastro bem no meio do quarto...
— Não, o meu fica lá em cima — respondeu, simplesmente.
— Hum! Está bem, já vou — respondeu com sorrindo forçado.
O peito de Agnes estava sangrando por mais de um motivo e o certo a
fazer era se vestir e sair do quarto que, ela adivinhou, ele usava para transar
com suas mulheres.
Ela estava com o homem mais poderoso da Itália, que poderia ter
qualquer mulher, e o fato de levá-la para seu quarto apenas mostrava que ela
não passava de mais uma entre tantas.
Constatar aquilo fez novas lágrimas descerem, prejudicando sua visão.
Mesmo assim pegou seu celular na bolsa e chamou um táxi. Não era de seu
feitio fugir de um problema, especialmente um que ela já previra, porém,
estava acima de suas capacidades manter aquele relacionamento.
Ela sabia que quando propôs que ficassem juntos, ele não a estava
pedindo em namoro – se é que um chefe da máfia namorasse –, mas ser
levada para o mesmo lugar onde ele transava com garotas de programa, a fez
cair na real e perceber que aquilo não tinha nada a ver com o que lia em seus
livros.
Foi por isso que se vestiu o mais rápida e silenciosamente que pôde e
saiu em disparada, deixando seu coração para trás.
CAPÍTULO 26

— Vai me deixar aqui sozinho? — resmungou, enxaguando o cabelo.


Era a terceira vez que perguntava e não obtinha resposta. Mesmo sem
ter finalizado, saiu do banheiro para encontrar um quarto vazio e a porta
aberta.
Em um primeiro momento achou que ela tinha descido para buscar uma
água, ou qualquer outra coisa, porém, cinco minutos se passaram e nada.
— Merda — esbravejou ao se dar conta do que havia acontecido.
Colocou a roupa rapidamente, desceu as escadas correndo e abriu a
porta, encontrando Michele em frente à garagem, passando um pano no carro.
— Você viu a Agnes? — perguntou ao se aproximar do motorista.
— Ela entrou em um táxi, senhor — respondeu, confuso.
— Caralho — bradou.
Michele o encarou, assustado.
— Desculpa, eu não sabia...
— Você não é pago para achar. Deveria ter impedido.
Pegou o celular no bolso e viu uma mensagem dela, enviada um minuto
atrás:

Por favor, não venha atrás de mim, porque não estou indo para a
vinícola, preciso de espaço.

Maldição. O que foi que eu fiz?


As mulheres realmente eram esquisitas, depois reclamam que os
homens não têm coração. Como ela podia ignorar o sexo sensacional que
eles faziam? Se a moça soubesse as barreiras que ele já havia derrubado
com ela, jamais o teria deixado.
Foi direto para o escritório tentar mudar os rumos de seus
pensamentos. Encheu o copo com uísque e gelo, ligou o computador e
começou a trabalhar, mas nada conseguiu fazê-lo se concentrar.
Depois de uma hora se obrigando a fingir que estava trabalhando,
Leonello entrou no escritório.
— Oi, chefe.
— O que você quer?
— Hmm, já vi que está azedo hoje. Mas eu vim em paz...
— Fale logo...
— Ok. Eu estava checando o livro caixa e... — disse, sentando-se. —
Você reparou que a Toscana passou Veneto na venda do pó?
— Vi, vão ter que colocar nariz de aço para aguentar tanto pó.
— Pois é, tem um traficante novo por lá dando duro — comentou,
recostando-se na cadeira.
Tiziano largou os papéis e também se recostou em sua cadeira com
uma sobrancelha erguida.
— Veio me falar isso?
— Na verdade, não. Queria saber sobre o Edoardo — assumiu o
caçula.
— O que quer saber?
— Você sabe...
— Eu confio nele e isso é tudo o que você precisa saber — declarou o
Don de maneira concisa o que aconteceu.
— Não pode me falar?
— Na verdade, não!
— Ok — disse Leonello, elevando as mãos em rendição. — Melhor eu
ir, porque seu humor está mesmo péssimo hoje.
— Melhor...
O rapaz se levantou e seguiu em direção a porta.
— Ei — chamou Tiziano antes do irmão sair. — Vamos começar uma
investigação interna em busca do cabeça por trás de tudo isso e a primeira
pessoa da lista é Vito. Quer ir comigo?
— Com certeza.
— Então esteja aqui amanhã cedo.
— Está bem.
Ao ficar novamente sozinho, os pensamentos de Tiziano se voltaram
para Agnes novamente.
Foda-se a mensagem que ela mandou, desde quando sou pau-
mandado?, foi o que pensou antes de pegar o telefone e ligar para Chiara,
que atendeu no segundo toque.
— O que aconteceu?
— Agnes está aí?
— Como assim? Não era para vocês estarem juntos?
— Ela foi embora de táxi...
— Porra, Tiziano, o que você fez?
— Não fiz nada, nós conversamos sobre... Hmm... Você sabe.
— Certo. Vou até a casa dela, já te ligo.
— Não, ela não voltou para casa. Ligue para ela e me liga de volta.
— Mas...
— Estou esperando — e desligou, nervoso.
Resolveu deixar o copo de uísque de lado e foi pegar um vinho em sua
adega. Abriu, degustou, encheu uma taça com a bebida e depois que a
finalizou, não aguentou e ligou novamente.
— Ela está bem, dê esse tempo para ela pensar — disse Chiara assim
que atendeu.
— Merda.
— Tiziano. Quer um conselho?
— Não.
— Ótimo, então, acorde! — alertou. — Você é o chefão da porra toda,
manda e desmanda, mas não consegue enxergar quando uma mulher está
apaixonada por você? E pior, trata alguém como a Agnes, uma pedra precisa
daquelas mais raras, como trata as suas prostitutas! É insensível até mesmo
para você, meu amigo.
Eita! As mulheres realmente contavam todos os detalhes, pensou. Mas
pelo menos as coisas faziam sentido agora.
— Eu achei que ela tinha ido embora porque contei quem sou.
— Viu como vocês, homens, são burros? Talvez isso a tenha abalado
um pouco, mas a questão toda é o que ela tem para te dar e o que você quer
oferecer, entende?
Tiziano ficou em silêncio tentando assimilar algumas peças.
— Está bem, de nada por abrir sua cabeça, agora, se você for atrás
dela, esteja certo sobre o que está disposto a oferecer, porque a promessa
que te fiz de arrancar seu pinto se a fizer sofrer ainda está de pé.
— Abusada — disse o rapaz desligando o telefone e seguindo para o
terceiro andar.
Foi dormir confiante de que Chiara estava certava certa e de que
jamais poderia dar a Agnes o que ela queria e merecia. Por isso tomou uma
decisão, tiraria seu time de campo e, pela primeira vez em sua vida, abriria
mão de algo que queria.
Sete horas da manhã já estava de pé, aguardando Leonello, mas quem
apareceu foi Antônia.
— Vai sair, chefe?
— Sim, mas preciso que você faça uma coisa — declarou Tiziano,
sem essas frivolidades de perguntar como tinham sido os dias de descanso e
nem ela esperava por aquilo.
— Pode falar.
— Vamos até o escritório.
Ambos seguiram até o cômodo.
— Você sabe que com o retorno de Edoardo, você volta a ser
conselheira, certo?
— Sim, já sabia — respondeu Antônia.
— Ótimo, com isso esclarecido, quero que você vá até a prédio de
detenção para instalar a tornozeleira da Virna e acompanhar, pessoalmente,
os trâmites para a viagem dela: documentação, embarque e, posteriormente,
desembarque o lugar de destino, assim como a chegada dela ao apartamento
onde vai ficar.
— Claro, já estou por dentro de algumas coisas.
— O voo dela sai em três horas, então... — disse, apontando para a
porta.
— Qualquer coisa eu te ligo — afirmou a conselheira saindo do
cômodo.
— Vamos? — perguntou Leonello, entrando no mesmo instante em que
Antônia saía.
— Vamos.
Os irmãos e Edoardo, que também iria, seriam escoltados até a
residência do antigo chefe por Michele, Davide e mais dois seguranças.
Como não era longe, chegaram em poucos minutos e foram recebidos pelo
próprio capeta.
— Que péssimo jeito começar o dia — desdenhou Vito, parado à porta
da casa.
— Poxa, papai — disse Tiziano com falso pesar. — Viemos para uma
visita agradável.
— Então fala, mas fala baixo porque sua mãe está descansando... Essa
gravidez está deixando ela doida.
Os irmãos se entreolharam. A cada dia o pai oscilava um pouco mais
entre o real e a fantasia.
— Não aqui fora, vamos entrar — disse tomando a frente, sendo
seguido por Edoardo e Leonello.
Quando estavam na sala, disse:
— Vito, hoje estou sem paciência, então vou ser direto. —
Aproximou-se pegando do velho pai pelo pescoço.
Os soldados do pai ameaçaram intervir, mas foram impedidos por
Michele e Davide, que se colocaram na frente.
— Você está gagá, mas não se tornou idiota, não é?
— Vai me dar um beijinho? — debochou Vito, voltando a si.
— Não brinque comigo, seu miserável — disse, apertando o pescoço
dele a ponto de o homem ficar vermelho.
— Vai matar seu próprio pai?
— Ficarei feliz em ter essa honra.
— Imagine se sua beata souber disso.
Tiziano era um homem controlado, mas ao ouvir as palavras cuspidas
pelo pai, tornou-se racional. O Tiziano paciente se foi e deu lugar a Tiziano,
o impiedoso.
Jogou o homem ao chão, no mesmo momento em que sua mãe aparecia
no alto da escada, gritando e implorando pelo marido.
Sem lhe dar ouvidos, Tiziano subiu em cima de Vito e desferiu socos
atrás de socos.
No auge do desespero seu pai falou em um fiasco de voz:
— Não tenho nada a ver com isso. Pare! — suplicou.
— Seu maldito — falou dando uma pausa, voltando à razão e se
levantou.
Vito se sentou com muita dificuldade e com o rosto coberto de sangue
enquanto Tiziano permanecia em pé ao seu lado, observando-o.
— Seu verme, maldito foi o dia em que você nasceu — expeliu
Tiziano, furioso.
— Fui eu quem te fiz, seu ingrato, eu te criei...
— Me criou? Você nos torturou, maltratou, deu os piores exemplos.
Essa é sua concepção de criar? E você — virou-se em direção à mãe,
sentada na escada aos prantos. — Também é uma condenada. Que tipo de
mãe não ama os filhos?
Leonello observava a situação sentindo orgulhoso do irmão e contendo
a emoção, pois tudo o que Tiziano falava estava entalado na garganta do
caçula há muitos anos.
— Nada deveria ser mais importante que os filhos, mas não para
vocês... Você, é um filho da puta sádico — disse apontando para o pai. — E
você — dirigiu-se novamente à Ludovica —, é uma coitada, dependente do
marido, que não apoiou os próprios filhos enquanto eles sofriam na mão de
um pai psicopata.
— Eles não valem a pena — manifestou-se Leonello. — Demorei anos
para perceber isso, mas enfim caí na real.
— Nunca mais se atreva a falar da Agnes — bradou, abaixando-se
novamente e colocando a faca na garganta do pai. — Você é um verme.
Ninguém dessa família presta por sua causa... Você pode até fingir estar
ficando senil, mas não me engana.
— Discordo — falou, sorrindo, mostrando os dentes cheios de sangue.
— Antônia é muito melhor que você, se ela não fosse mulher, eu a teria
colocado no seu lugar ao invés de você, seu moleque.
— E ia deixar o filhinho que criou com tanto descaso de fora?
— Ela é minha filha, seu cretino.
— O quê? — inquiriu, levantando-se atordoado.
— Isso mesmo. Ela é minha filha, eu fodia a mãe dela enquanto a
imprestável da sua mãe só chorava — disse Vito, venenoso.
— Ela estava depressiva, seu maldito — afirmou o Don, raivoso.
— Vamos embora — manifestou-se finalmente Edoardo. — Se fizer
qualquer coisa agora pode se arrepender.
— Não sei por que ainda me surpreendo com as coisas que você faz
— afirmou, Tiziano, por fim. — Aí está, homem que você tanto venera fodia
a sua irmã... — falou, direcionando-se a Ludovica.
A mulher já estava caída na escada se esvaindo de tanto chorar.
Leonello estava petrificado com o que havia acabado de escutar.
Tiziano se aproximou novamente do velho ao chão e murmurou:
— Vou ter um prazer imenso em te matar, mas não hoje e, mais uma
vez, se você falar ou mesmo pensar em Agnes de novo, seu fim chegará
muito antes do que imagina. E não vai ser bonito, vou dar um tiro no seu cu e
outro nesse pau broxa que você tem no meio das pernas.
Eles seguiram o caminho de volta para casa com um turbilhão de
pensamentos martelando suas cabeças.
Se não se acalmasse, voltaria matar aquele que, por anos, fez de sua
vida um inferno.
Por isso respirou fundo. Precisaria agir com inteligência e nada
melhor que um tempo sozinho com seu uísque para pensar.
CAPÍTULO 27

— Ela entrou no avião bem obediente — informou Antônia, sentando-


se em uma das cadeiras do escritório. — Assim que eles chegarem os
seguranças vão me ligar e a acompanhar até o apartamento que você
comprou.
— Ótimo, um problema a menos, pelo menos por enquanto.
— Logo ela vai falar... — afirmou Leonello. — Vamos ver se vai ter
valido a pena tanto esforço.
Edoardo, como sempre, somente observava.
— Alguém vai me explicar o que aconteceu e por que vocês a
mandaram para outro país — exigiu a prima, confusa. — Sim, porque algo
de grave deve ter acontecido...
— Eu explico, mas em outro momento. Agora precisamos ter outro
tipo de conversa — iniciou Tiziano. — Deixem-nos a sós — pediu para
Leonello e Edoardo que saíram imediatamente, sabendo qual seria o tópico
da conversa.
— Está me assustando. O que aconteceu?
— Não tem como eu falar de outro jeito, então lá vai... Parece que
somos irmãos.
Antônia começou a rir, pensando ser alguma brincadeira do primo,
mas o sorriso morreu quando Tiziano não esboçou cara de quem estava
tirando um sarro.
— Que brincadeira é essa?
— Fui à casa de Vito hoje e ele falou que tinha um caso com a sua
mãe...
— Como assim? Minha mãe com seu pai? Não... Não pode ser —
disse, indignada.
— Vamos fazer um teste de DNA para termos certeza, mas eu acho que
o miserável falava sério.
— Maldito — disse com lágrima nos olhos. — Por que ele tinha que
falar isso agora depois de vivemos tanto tempo sem saber... E o Samuele?
— Ele não falou nada do seu irmão, só de você.
— Com a própria cunhada? Traidor, filho da puta!
— Ele quer nos atingir, Antônia, e está usando as armas que tem
disponíveis. Precisamos ser inteligentes para não cair no jogo dele. Está
bem?
— Ainda bem que não fui, se não eu o teria matado com minhas
próprias mãos — vociferou, cerrando os dentes.
— Acredite... Era o que eu mais queria fazer, só que ainda não é a
hora, mas o dia dele chegará, aguarde.
Antônia não se lembrava da última vez que havia chorado, porém, se
permitiu derramar algumas lágrimas, todas elas de fúria, não de tristeza.
Sentia raiva pela traição da mãe, que não estava mais entre eles para
se justificar, pela deslealdade do tio e pela mentira que se perpetuou por
anos.
— Você sabe que vou atrás do meu pai para confrontá-lo, não é?
— Sei, é um direito seu, mas antes acho que devemos confirmar com
um exame de sangue. É o correto a se fazer antes de jogar a merda no
ventilador.
— Sabe... Nunca me achei parecida com nenhum deles, como o
Samuele é. Meu pai — disse fazendo aspas com os dedos —, sempre foi um
molenga, nem sei como fazia parte disso tudo, e minha mãe, pelo pouco que
me lembro, era igual. Pensando bem... Faz sentido.
— Bom... Já mandei o laboratório vir até aqui coletar nossas amostras.
Enquanto isso que tal almoçarmos? Rita fez almoço para todo mundo.
— Vamos — disse, recompondo-se. — Posso te abraçar?
— Não — disse, sério, mas abriu um os braços logo depois.
Os primos permaneceram abraçados até Rita os interromper.
— Com licença. O almoço está pronto.
— Estamos indo — informou Tiziano, desvencilhando-se de sua
conselheira e saíram.
Todos se sentaram à mesa, inclusive Edoardo e Leonello, que
aguardavam o término da conversa, entre os primos, na sala.
O clima estava pesado. Depois de uma manhã agitada e uma notícia
bombástica daquela, não poderia estar diferente, principalmente porque
Tiziano não fazia questão de aliviar a névoa densa que se formou.
Antes de se servirem, Rita apareceu novamente.
— Me desculpe, Sr. Pellegrini, mas tem alguém ao telefone querendo
falar com o senhor.
— Agora não, pede para retornar depois.
— É o Sr. Castelli — comunicou sabendo da importância do amigo
para o patrão.
Tiziano encarou Rita e levantou.
— Está bem. Podem comer que já venho.
Todos se entreolharam e, certamente, pensavam a mesma coisa.
O Don fez o caminho de volta ao escritório ouvindo Leonello lançar
uma frase de duplo sentido.
— Um soldado a menos — declarou referindo-se ao irmão mais velho
que, só pela possibilidade de ter notícias de sua beata, saiu correndo para
atender.
— Paolo — saudou, sentando-se.
— O que você fez?
— Ligou para tirar satisfação ou para me falar como ela está?
— Como ela está? Nada disso. Quero uma explicação. Pense em mim
como um pai quando descobre que um miserável fez sua filha sofrer.
— Você precisa parar de vê-la como uma criança, porque ela não é.
Desde o começo a Agnes sabia onde estava se metendo, não menti em
nenhum momento.
— Não foi o que eu soube.
— Ela só não sabia dos detalhes, como o fato de eu ser o Don, mas ela
sabia que meu trabalho tinha a ver com a máfia. Olha, eu já entendi e vou me
manter afastado.
— Afastado? Como diz a Chiara, você é o chefe da porra toda, mas
tem medo de uma coisa tão simples como essa.
— Medo?
— Sim, de amor, envolvimento, cumplicidade. Eu sei reconhecer
porque já fui igual a você.
— Meu mundo não é para ela, você sabe disso.
— Pois é, e você já sabia disso antes de agir feito gavião em cima de
uma caça. Olhe, a vida é sua, Tiziano, e nossa amizade não irá mudar por
conta disso, mas peço que reflita. E se falar para ela que te liguei, eu te
mato.
— Acontece que...
— Preciso ir, nos falamos depois — disse desligando o telefone.
Essa família é abusada mesmo e Tiziano os adorava por isso.
Pegou o celular no bolso, abriu o aplicativo de mensagem para
procurar a foto da Agnes, mas não havia nada.
Ela o tinha bloqueado. A filha da mãe o tinha bloqueado.
Inacreditável.
Aquilo só o instigou.
Resolveu mandar uma mensagem de SMS, assim não tinha como
ignorá-lo.

Por que me bloqueou? Ainda não aprendeu que quando quero uma coisa eu
arrumo um jeito de conseguir?

Já havia perdido a fome e, junto a ela, a promessa que fez a si mesmo


de nunca mais procurá-la. Jamais quebrara um juramento, por mais
insignificante que fosse, mas já estava se habituando a quebrar as próprias
regras quando o assunto era Agnes.
Enquanto vislumbrava o jardim pela janela de seu escritório, pensou
nos momentos intensos que vivera com sua beata e, pela primeira vez na
vida, decidiu ouvir seu coração. Ainda não era capaz de classificar o que
sentia, mas estava disposto a descobrir, junto a Agnes, pois de uma coisa
tinha certeza, ele a queria em sua vida.
Com aquela constatação, uma sensação estranha e desconhecida tomou
conta do seu estômago. Imaginou que fosse fome ou a gastrite que havia
voltado. Maldição de mulher que estava virando sua vida do avesso.
Depois de alguns minutos sem resposta, fez o que fazia de melhor,
depois de matar, ameaçou:

Se você me ignorar por mais cinco minutos, apareço aí na vinícola.

Demorou três até a moça responder, mas pareceu uma eternidade.


Desde quando ele havia se tornado ansioso mesmo?

Achei que tinha sido clara. Melhor mantermos distância.

Conversar por mensagem era coisa para jovens e Tiziano, no auge dos
seus trinta e seis anos, não tinha paciência para isso. Então pegou o telefone
e discou seu número.
Só que ela havia sido ligeira e desligou o aparelho antes que ele
ligasse.
Bom, se Agnes queria um tempo, ele respeitaria. Ela ainda teria uma
hora e meia até que ele chegasse à vinícola.
Tempo suficiente, refletiu e sem pensar duas vezes, largou todos em
sua casa e seguiu para vinícola.
Que se fodessem; ele não tinha que dar satisfação da sua vida para
ninguém.
CAPÍTULO 28

Durante o caminho, tomou ciência de que a conversa seria muito mais


complicada do que gostaria, visto que, além de tudo, ainda tinha a criança
que a Virna carregava. Se ia ser sincero, não poderia esconder isso de
Agnes, especialmente porque jamais largaria um filho no mundo, afinal era
sangue do seu sangue, mesmo que tivesse sido concebido após uma traição, a
criança não tinha culpa da mãe mau-caráter que tinha.
Suspirou. Como explicar uma situação tão complicada como a que se
encontrava? Sua vida era um novelo de lã todo engruvinhado, difícil de se
organizar.
Talvez não fosse merecedor dos sentimentos daquela linda mulher, mas
fazer o quê? Ele era um filho da puta egoísta, por isso, contra tudo o que ela
pediu e o que seu bom senso orientava, estava dirigindo para ir ao encontro
dela.
Seu telefone tocou e ele atendeu pelo bluetooth do carro:
— Não me diga que aconteceu alguma coisa?
— Não, chefe — afirmou Edoardo e continuou: — Só queria avisar
que a Carmela aceitou vir e deve chegar hoje ainda.
— Hum, tudo bem. Ótimo, na verdade, assim você foca sua atenção em
outras coisas.
— Sim. Outra coisa, prefiro que ninguém saiba que ela está aqui por
enquanto, pode ser?
— Claro, também acho melhor. Era isso.
— Sim.
— Então tchau.
E desligou.
Ao chegar, parou o carro em frente ao restaurante e saiu à procura da
moça pela propriedade, encontrando-a em cima da colina. Do ponto onde
estava, conseguia vê-la sentada com Diavolo ao seu lado.
O rapaz foi se aproximando devagar, e notou, pelo movimento de sua
boca, que a moça conversava com o cão. Contudo, antes de poder escutar o
que tanto ela falava, a quebra de um galho denunciou sua chegada.
— Você realmente é um homem muito mimado.
— Eu diria que sei o que quero. Mas sabe o que é ser mimada? É sair
correndo da casa dos outros sem mais nem menos e simplesmente sumir para
não ter que conversar.
— Veio aqui para me ofender?
— Vim aqui para termos uma conversa, será que podemos?
— Vamos, meninão — disse ao bichano e se levantou. — Podemos,
mas... Só depois do meu expediente.
Tiziano se aproximou e disse, bem próximo.
— Tenho certeza de que Paolo não vai se importar se você se ausentar
por alguns minutos.
Droga de feitiço! Era só sentir o cheiro daquele homem que já mudava
de opinião.
O aroma não vinha de uma loção importada, era algo próprio que a
atraía, como um Lêmure, que usava seu cheiro para atrair as fêmeas.
— Está bem — concordou, por fim. — Vamos descer.
Refizeram o caminho em silêncio e após deixar o cão com Chiara,
seguiram para a casa da moça.
— Por que você foi embora daquele jeito? — perguntou ele assim que
entraram.
— Acho que você...
— Agnes, vamos ter uma conversa franca, sem rodeios e sem
enrolação, pensou, falou.
— Está bem. Quer sinceridade? Lá vai... Eu gosto de você, gosto mais
do que pode imaginar e quando resolvo ceder, mesmo indo contra minha
razão, o que você faz? Me leva para o mesmo quarto que já levou milhões de
putas, mas você é tão cego, que achou que fui embora porque você falou que
era um chefe da máfia, não é? Não consegue enxergar um palmo à frente do
nariz.
— Bem...
— Pois é, e só de pensar que eu realmente estava disposta e ir contra
tudo em que acredito para tentarmos construir alguma coisa, já me sinto a
maior das idiotas. Você tem noção do que isso significa pra mim?
— Eu acho...
— Não, você não tem. Fui criada minha vida inteira dentro da igreja
católica. Meu primeiro beijo foi com meu ex-marido, assim como minha
primeira vez. Você é o segundo homem que beijo na vida... Vou te contar uma
coisa para você saber como foi minha criação. Um dia, quando eu era
criança, meus pais me levaram à missa, quando fui me sentar no banco,
encontrei uma bala e fiz o que qualquer criança faria, comi, pois meus pais
não tinham condições de comprar. Sabe o que aconteceu? Eu apanhei quando
cheguei à minha casa, fiquei de castigo o restante do mês e tive que rezar o
terço inteiro três vezes por dia. Tudo isso porque “roubei” uma bala.
— Agnes...
— Isso é só para você imaginar quantas barreiras e tabus eu estava
disposta a deixar de lado, para lutar contra o monstro interior que grita todos
os dias no meu ouvido que não devo ficar com você, que não devo viver
esse...
— Esse?
— Relacionamento — disse, porém, com o pensamento em outra
palavra.
Tiziano se aproximou e sentiu a pele sedosa do rosto da moça com as
pontas dos dedos.
— Você realmente não existe... Foi embora porque não te levei ao meu
quarto, mas ficaria mesmo sabendo o que faço para viver.
— Exato. Idiota, né? Bom, essa sou eu. Posso ser ingênua, mas sei
muito bem o que quero. Não vou dizer que me orgulho dessa escolha, pois
seria mentira, mas estava disposta a seguir meu coração e arriscar uma vez
na vida.
— Você é linda e eu... Um egocêntrico que mesmo sabendo que você
não pertence ao meu mundo, te quero junto a mim.
— Eu preciso te perguntar — disse, reclinado o rosto para ser
preenchido pela mão do rapaz. — Você largaria essa vida? Quer dizer...
Deixaria tudo isso para trás por um amor?
— Não é tão simples assim. Ninguém sai dessa vida só por que quer.
Quando se está ligado à máfia, só tem um jeito de sair dela... Morto, e eu
realmente não pretendo morrer tão cedo — disse, sincero. — Agora é com
você? Acha que conseguiria se relacionar com um mafioso?
— Não é essa pergunta que você tem que fazer — declarou, afastando-
se. — A questão é se você é capaz de ter um relacionamento.
— Sinceramente, não sei, mas estou disposto a descobrir.
— Está mesmo? Não tenho tanta certeza.
— Estou aqui, não estou? — disse com os braços levantados. — Não
sei o que sinto por você, beata, mas posso te afirmar que são sentimentos
novos, nunca sentidos antes.
A moça se aproximou e acarinhou a barba por fazer.
— Já que estamos falando sobre isso, há outra coisa que preciso dizer.
— O quê?
— A organização está me pressionando — prosseguiu, erguendo-a
pela cintura. — Preciso de alguém ao meu lado.
— Não estou entendendo.
— Preciso de uma noiva. E aí, está disposta a ser noiva do chefe da
máfia? Claro que haverá um contrato e podemos adicionar algum termo que
você exija...
— Contrato? Está de brincadeira? — disse, afastando-se.
— E lá vamos nós de novo — murmurou o rapaz. — É apenas uma
garantia de sigilo, mas que vai te beneficiar também, Agnes.
— Vá embora.
— Não.
— É melhor você ir, porque está na hora da missa e você não vai
gostar de estar aqui quando começar.
— Agnes — chamou a atenção.
— Antes só que mal acompanhada, vá... — ordenou a moça.
— Não — disse, sentando-se no sofá e cruzando as pernas com uma
feição divertida.
— Ótimo, está achando graça, né? Então fique. Quem sabe você não
aprende alguma coisa e pede perdão por ser um babaca?
Agnes ligou a televisão em um canal religioso e tratou de aumentar o
volume no máximo. Quando a missa começou, a jovem acompanhou a reza
em voz alta de propósito, no intuito de irritar o rapaz, que estava com uma
expressão divertida.
Apesar do som alto, ela conseguiu ouvir Tiziano bufar, porém, ao olhá-
lo através de sua visão periférica, viu que ele estava tranquilo, ora olhando
para ela, ora para a televisão.
Sorriu internamente quando viu que seu momento de brilhar estava
chegando e quando a música começou a tocar, elevou o tom da sua voz.
— Você canta mal pra caralho — observou ele, rindo, num momento
de intervalo da música.
Agnes pouco se importou com o comentário de Tiziano, pois o que ela
queria era irritá-lo com as músicas de Deus, mas só estava conseguindo ficar
mais irritada porque ele parecia se divertir cada vez mais com aquela
situação.
No auge da impaciência, desligou a televisão, bufando de raiva.
— Ué, estava bacana. Até filmei você cantando.
— Você fez o quê? Me dê isso aqui — exigiu, tentando pegar o
aparelho da mão do homem que já havia levantado do sofá e permanecia
com o aparelho o mais alto que conseguia.
— Isso é minha moeda de troca, você pode até subir no sofá, mesmo
assim não vai alcançar.
— Tiziano, me dê isso aqui agora — vociferou, enquanto o homem ria.
Ele a pegou no colo, ainda se debatendo, e a apoiou contra parede.
— Vou refazer minha pergunta — disse com o rosto bem colado ao
dela.
Foi o suficiente para domá-la, pois o feitiço entrou novamente em
ação.
Largando a moça no sofá, foi até cozinha pegar um guardanapo, quando
retornou, Agnes não estava entendendo absolutamente nada.
Ele cortou o pedaço de papel em três partes e as amassou até
parecerem três rolinhos finos.
— Esses dois aqui vou colocar no meu ouvido para quando você
cantar novamente, porque meu ouvido não é penico.
— Seu...
— Olha a boca — repreendeu, brincado. — E esse — completou
unindo as pontas —, é seu anel de noivado.
Tiziano colocou o “anel”, feito com um pedaço do guardanapo, no
dedo anelar da mão direita da moça.
— Estou longe de ser o homem perfeito, mas quem sabe, não
consigamos criar algo normal dentro do furacão que é minha vida. Você me
traz calmaria e é onde quero estar — falou, olhando-a nos olhos. — Em
todos os sentidos. — Terminou com uma piscadela, deixando-a atônita.
CAPÍTULO 29

Tiziano aguardou, pacientemente, até Agnes finalizar o serviço que


ainda restava fazer, para, então, carregá-la consigo até sua casa. Aproveitou
para conversar com Paolo e dar uma volta no parreiral, coisa que não fazia
há anos.
Saíram da vinícola com o sol se pondo e, por um milagre, sua casa
estava vazia, sem vestígios de Leonello, Antônia ou Edoardo.
Graças aos céus, porque não estava a fim de explicar que saiu de casa
solteiro e voltou comprometido.
— Vamos subir? — perguntou, conduzindo-a pela escada. Parou em
frente ao quarto do prazer e abriu a porta. — Damas primeiro.
Se Agnes tivesse uma visão a laser, certamente o rapaz estaria morto,
partido ao meio.
Tiziano riu alto.
— Ai, sou engraçado mesmo, não acha?
Depois de ganhar um tapa no braço, ele a guiou em direção a uma nova
escada no fim do corredor.
Aquele gesto era algo tão simples, mas, ainda assim, estava nervoso.
Ninguém, além de Rita, havia entrado em seu santuário, porém, Tiziano tinha
certeza de que estava fazendo a coisa certa. Rumo a uma nova vida.
— Agora sim, as damas primeiro... — falou, dando passagem para a
moça.
Agnes subiu os degraus que davam acesso ao terceiro andar e ficou
deslumbrada ao atravessar a porta que ele abriu no topo da escada.
Ao contrário do que imaginava, a decoração do cômodo era clara e
sofisticada e havia uma varanda magnífica.
— É um apartamento completo.
— Gostou? — perguntou, orgulhoso.
— É lindo.
— Precisamos conversar sobre algumas coisas... — disse ele
pensando em Virna.
Mas Agnes tinha outros planos. Aproximou-se, antes que ele pudesse
terminar de falar, e o beijou.
— Agora não — falou de modo sensual.
Inseriu a mão por dentro da camisa do rapaz, sentindo e memorizando
cada gominho que encontrava pela frente. Chegou até o umbigo
acompanhando o sentido dos pelos, desafivelou o cinto, abriu o botão e
desceu o zíper.
A calça caiu e foi jogada longe pelo rapaz, restando somente a boxer
preta, preenchida com um membro extremamente duro, e a camisa com
metade dos botões já abertos.
— Fique à vontade para fazer o que tiver vontade — disse ele com um
sorriso safado após ver a moça encarar seu pau.
Agnes ficou envergonhada, mas em um ímpeto de coragem desceu a
peça íntima do rapaz, ficando cara a cara com aquela parte do corpo
masculino que tanto temia, mas com a qual estava, aos poucos, se
familiarizando novamente.
Nunca tinha visto um tão de perto, observava cada detalhe, texturas,
veias, tamanho e comprimento, gravando para nunca esquecer como ele era
maravilhoso.
Antes de qualquer coisa, retirou a própria roupa, ficando somente com
um conjunto de lingerie vermelho que havia ganhado de Chiara, voltou à
posição em que estava anteriormente, ajoelhada à frente do homem, que
ainda a observava com um misto de tesão e divertimento.
Sentiu uma vontade palpável de experimentar o gosto dele em sua
boca. Nunca havia feito algo parecido, mas ao ler nos livros, ficava
imaginando como era fornecer prazer a alguém daquela forma, então, se
aproximou devagar, torturando o homem com sua lentidão, que só deixava
tudo mais sexy.
Segurou a base do membro e por instinto, iniciou lambendo a cabeça
em movimentos circulares e à medida que Tiziano gemia e movia o quadril,
acelerou, colocando o membro no limite que sua boca comportava, mas para
o tamanho dele, não chegava nem na metade, contudo, o rapaz não parecia
perceber visto que estava em transe com os olhos fechados aproveitando
cada segundo.
Tirou o pênis da boca e passou a língua em cada centímetro chegando
às bolas. Nos trechos que lia, os homens relatavam o quanto era gostoso
quando eram estimuladas, porém, as mulheres sempre esqueciam, então
abocanhou, uma delas. Chupou, lambeu e se deixou levar pelo momento, sem
deixar a vergonha interromper o momento erótico que estava vivendo.
Para o azar de Tiziano, enquanto brincava com suas bolas, Agnes o
encarava, e aquilo foi o fim para ele, não sabia se conseguiria mais suportar
tanto estímulo e não explodir de excitação.
— Quero gozar dentro de você — declarou, sentando-se na poltrona e
a puxando para si.
Agnes se encaixou sobre o rapaz, mas hesitou.
— Não devemos colocar camisinha?
Tiziano esticou o braço, alcançou um preservativo na gaveta da mesa
de cabeceira próxima a eles e em segundos o membro estava devidamente
encapado.
Segurando firme em sua cintura, ele a abaixou delicadamente até ela
estar preenchida.
E era exatamente assim que se sentia, preenchida em todos os sentidos.
Subindo e descendo, ela ditava o ritmo, enquanto ele mordiscava seu
pescoço e sussurrava palavras que a deixavam cada vez mais excitada.
Agnes não sabia há quanto tempo estava no comando, mas mesmo com
as pernas meio adormecidas, devido à posição desfavorável, só conseguia
sentir o desejo maravilhoso, afinal, analgésicos existiam para tirar a dor.
— Não consigo aguentar mais, vou gozar — declarou o rapaz em seu
ouvido.
— Goze então — ordenou, abusada.
Tiziano a obedeceu e se despejou, sendo seguido por Agnes.
Os dois permaneceram na mesma posição por alguns minutos, a moça
tentando se recompor ao passo que ele estava pleno, usufruindo do prazer de
ter se deixado ser dominado pela primeira vez.
— Por que você não para de mostrar os dentes? — perguntou ela,
ainda debruçada contra ele.
— Foi uma gozada sensacional. Não achou?
Antes de ter tempo de responder, um barulho soou de dentro do
estômago da moça, entregando a fome que ela sentia.
— Também estou com fome — disse ele —, comer você não foi
suficiente para saciar minha fome.
— Engraçadinho...
— Nunca vou me cansar de comer essa bocetinha — falou, passando o
dedo no clitóris da moça, já excitado. — Olhe só quem já está pronta para a
diversão, mas antes temos que comer para podermos passar a noite inteira
fodendo.
— Não gosto desse linguajar... — falou, rindo, logo após ver a careta
que Tiziano fazia. — Você tem quantos anos?
Agnes se levantou e após se limparem, colocarem as roupas, desceram
para assaltar a geladeira, por sorte, Rita ainda estava por lá e ofereceu para
fazer algo rápido, que, o casal, aceitou sem relutância.
Sentaram-se à mesa da cozinha a fim de saborear o sanduíche que a
governanta havia preparado e conversavam assuntos diversos e
descontraídos.
— Então o que você queria me falar antes... Do... Você sabe.
— De você ter caído de boca no meu pau? — completou. — Um dia
você consegue falar...
Agnes olhou para os lados com medo de alguém ouvir.
— Você não é a primeira nem vai ser a última a fazer isso no mundo,
não tem o porquê ter vergonha.
— Enfim... — disse, dando uma mordida no lanche. — O que você ia
me falar?
— Sim. São, realmente, coisas importantes...
— Chefe — chamou Antônia entrando na cozinha, agoniada. Seu olhar
vai diretamente para Agnes, que ficou tímida com a visita inesperada. — Me
desculpem, mas tem algo...
— Escritório — advertiu a prima. — Já volto — disse à sua
convidada jogando uma piscadela deixando o sanduíche para trás.
Agnes não falou nada, ainda estava sem palavras pelo flagra, aliás,
não era um flagra... Tiziano estava na própria casa e ele a convidou, não
tinha motivos para se envergonhar, porém, mesmo sabendo disso, a moça não
conseguia se soltar por completo. Tinha que ser em seu tempo e aos poucos,
sem apressar as coisas.
Em seu íntimo, ainda não havia se habituado com o fato de que estava
com o chefe da máfia. Junto não, noiva... Esse era outro fator totalmente
inusitado e assustador.
Um dia estava repelindo o homem como o Superman foge da
kryptonita, e algumas semanas depois estava noiva do próprio demônio.
Como explicar? Simplesmente não tinha uma resposta a não ser que estava
apaixonada e uma pessoa apaixonada fazia o impossível para ficar junto do
seu amor.
Sabia que se seus pais estivessem vivos jamais aprovariam essa união,
porém, ela era adulta e queria viver esse amor mais que tudo, estava farta de
ouvir o que tinha ou não que fazer, como se portar e tudo mais. Chegou a
hora de uma transformação, sentia-se como uma lagarta em mutação para
uma linda borboleta, livre para fazer as próprias escolhas.
— Vou precisar sair — afirmou Tiziano, entrando na cozinha sozinho.
— O que aconteceu?
— Não se preocupe, conversamos quando eu voltar... Pode ser?
— Claro.
Ela tinha que começar a se acostumar com aquele tipo de situação, não
era a primeira vez que ele tinha que sair apressado e, provavelmente, não
seria a última.
Como sempre, Tiziano estava com aquela cara de que algo grave havia
acontecido, mas ela não poderia fazer nada a não ser esperar.
— Vou tentar resolver o mais rápido possível, mas se precisar, chame
o Davide, ok?
Mordeu o sanduíche, deu um beijo na mão da moça e saiu.
Agnes terminou de comer, organizou a cozinha e subiu para o terceiro
andar.
Não estava com sono, então ligou a enorme televisão a fim de
encontrar algo para distraí-la. Procurou por alguns minutos até, por fim,
encontrar uma série da qual adorava.
Conseguiu maratonar todos os episódios e quando verificou o relógio
passava de uma da manhã. Sua vontade era enviar uma mensagem para
Tiziano, pois ele nem deu sinal de vida, mas não queria atrapalhar.
Bom... Uma mensagem não vai atrapalhar, ponderou pegando o
celular.

Está tudo bem? Quando puder mande notícias.

Deitou a cabeça no travesseiro e inalou o cheiro dele, fechando os


olhos, inebriada com a sensação maravilhosa de sentir a presença dele
mesmo com sua ausência.
Adormeceu com um sorriso desenhado nos lábios e o celular enrolado
em seu short e só despertou quando uma grande sombra se avolumou sobre
si.
Mais uma vez sorriu, e só notou que algo estava errado quando o
homem pressionou um pano branco em seu nariz, fazendo-a perder o sentido
imediatamente, sem chance para lutar.
CAPÍTULO 30

Antônia seguiu o primo até o galpão, onde um soldado interrogava o


segurança que acompanhou Virna no trajeto até a nova residência. Já estavam
há duas horas ali e Tiziano, claramente, estava dando um chá de canseira no
homem, porém, todos apenas aguardavam, pois tudo o que o Don fazia era
proposital e muito bem fundamentado, além de ter um pupilo bem empenhado
em agradá-lo, seguindo os passos do irmão mais velho.
Após Leonello o chamar em uma das salas particulares do galpão para
uma conversa a dois, o Don pareceu voltar decidido a pôr um fim naquilo
tudo; sua resignação já não era mais tão controlada assim.
A cara de poucos amigos denunciava o quão furioso ele estava e, a
partir daquele momento, tudo mudaria.
— Chefe, eu te imploro. Tenha misericórdia, eu não tenho culpa —
desesperou-se o homem amarrado.
Tiziano só o observava, enquanto Antônia mantinha um sorriso de
canto.
— Ela entrou no apartamento para desfazer as malas e eu fiquei do
lado de fora para dar mais privacidade. Quando não ouvi mais barulho vindo
de dentro, achei que tivesse dormido.
— Aí, depois de quatro horas você resolveu ir ver se ela havia fugido,
mas em vez disso a encontrou morta.
— Sim — assumiu de cabeça baixa. — Jamais achei que...
— Pois é... Esse é o problema, vocês sempre acham em vez de terem
certeza — completou. — Leonello, você já sabe o que fazer — disse com
uma piscadela.
Tiziano se virou e como uma cobra dando um bote, suspendeu Antônia
pelo pescoço.
No instante seguinte, Leonello a despia de suas armas.
Edoardo, que chegou no meio do interrogatório e permaneceu invisível
no fundo da sala, descruzou os braços e parecia perplexo com a ação do
chefe, todavia, não ousou questionar.
— Achou que eu não iria descobrir?
A moça se desesperou, tentando de todo jeito falar alguma coisa,
porém, o primo apertava seu pescoço com tanta força que era impossível
expelir qualquer palavra.
— Sua maldita, como pôde me trair assim?
O celular de Tiziano vibrou no bolso da calça, mas estava com muita
raiva para se concentrar no aparelho.
— Foi o Samuele quem envenenou a Virna, mas acho que você já sabe,
não é? Afinal ele jamais agiria sozinho. Só alguém daqui de dentro poderia
passar as informações para ele. O que não entendo é como vocês acharam
que eu não iria descobrir — avaliou, ainda segurando a moça pelo pescoço
sob os olhares atentos de todos, principalmente de Leonello e Edoardo.
O soldado que estava sendo interrogado parecia embasbacado, mas
também um pouco aliviado, talvez ele se safasse após aquela revelação.
— Minha própria família, meu sangue... — falou, rindo sem humor.
O celular não parava de vibrar e mesmo irritado com a intromissão,
Tiziano atendeu.
Largou-a de qualquer jeito no chão e a única coisa que a moça pensou
foi em avisar Samuele que eles haviam sido descobertos. Contudo,
permaneceu no mesmo lugar tentando recuperar o fôlego e professando
milhões de xingamentos.
— O quê? — atendeu o chefe, impaciente. — O quê? — vociferou,
assustando a todos.
De repente a cor sumiu de seu rosto.
— Como isso foi acontecer debaixo do seu nariz, porra? — gritou. —
Estou indo — disse, e para extravasar a raiva, jogou o aparelho longe,
quebrando-o em vários pedaços. — Merda!
Dominado por uma fúria descomunal, puxou a prima do chão sem
qualquer cuidado.
— Foram vocês, não é? — inquiriu tirando a faca de sua bainha e a
pressionando em sua barriga. — Tirem todos daqui — ordenou sem desviar
os olhos dela
Assim foi feito, restando somente Leonello e Edoardo no enorme
galpão, envoltos em um clima denso que só piorava a cada minuto.
— Você me conhece o suficiente para saber o que vai te acontecer,
então me fala logo para onde a levaram.
— Pode me matar, eu não ligo para mais nada — revelou com um
sorriso macabro.
Quando Antônia entrou no “esquema”, sabia dos riscos, pois todos
conheciam as dificuldades que enfrentariam até a conclusão do plano.
Contudo, se desse certo, o fim seria muito satisfatório.
Fora, obviamente, o fato de ter sido chantageada.
Mas esse era um detalhe, pelo menos era assim que a moça enxergava,
pois mesmo sem esse artifício teria sido convencida, só para ter a chance de
se tornar a primeira chefe da história da máfia italiana.
— Sabia que a culpa foi sua? — começou Antônia, querendo provocá-
lo. — Nós íamos pegar sua maldita beata na vinícola, já estávamos
esquematizando tudo. Mas aí você leva ela para sua casa e facilita as coisas
para nós. Obrigada.
— Eu vou acabar com você, pode ter certeza.
— Não, você precisa de mim para encontrá-la.
Antônia realmente contava com o sequestro para ganhar tempo até ser
resgatada. Sabia que não estava nos panos ser pega, principalmente tão cedo,
porém, jamais sucumbiria. Andou se preparando dias a fio para suportar o
máximo de dor possível e, pelo bem maior, teria que aguentar.
Seu primo pressionou um pouco mais a faca, fazendo o sangue escorrer
lentamente por sua barriga, mas ela nem cogitou ceder.
Tinha total conhecimento, pelas recentes atitudes do rapaz, que Agnes
era importante para ele. Antônia esperou anos pelo momento que isso
aconteceria para, enfim, conseguir um ponto fraco no Don.
— Parece que você não me conhece — constatou o rapaz calmamente.
— Eu não preciso de você para nada, sempre arrumo um jeito de conseguir o
que quero, mas vou deixar aqui uma ameaça bem explícita. Se alguma coisa
acontecer com ela, eu não vou te matar, em vez disso, vou te torturar todos os
dias da sua maldita vida.
A moça permaneceu calada, pois esperava qualquer atitude vinda dele,
mas o que ouviu foi totalmente diferente de todas as suas suposições. Isso,
todavia, não era motivo para baixar a guarda e demonstrar uma falha, teria
que seguir o combinado.
— Você acha que sabe de tudo, não é? Pois eu vou te contar um
segredo, chefe, você não sabe de merda nenhuma.
— Não agora, mas você sabe que é questão de tempo até eu descobrir.
Os rostos estavam tão colados que era possível sentir o hálito do
charuto recém-fumado.
— Sabe quem é o mais novo pica grossa da Toscana? — debochou
Antônia. — Pois é, seu priminho que não mata nem uma baratinha... Como é
que você diz? É por onde menos espera que se é atingido.
— Pois eu vou te falar uma coisa que você já cansou de ouvir... A
vingança é um prato que se come frio. Pode não ser hoje ou amanhã, mas
enquanto eu estiver vivo caçarei um por um dos que tramaram contra mim,
pode me aguardar.
Depois de jogá-la novamente no chão, Tiziano andou até Leonello.
— Já sabe o que tem que fazer, estou confiando em você — disse ao
irmão mais novo. — Vou pegar outro celular e te atualizo sobre o andamento
do resgate.
O jogo iria começar e se ficasse muitas horas sem notícias, ele
certamente mandaria reforços.
— Edoardo, preciso que você vá até a vinícola conversar com o Paolo
e a Chiara. Tranquilize-os, mas não esconda nada. Em contrapartida, mande-
os esperar por notícias, não preciso que ninguém me atrapalhe nesse
momento. Ah, e mande alguns soldados para cuidarem da segurança deles.
Antes de sair do galpão, Tiziano deu uma última olhada no fundo dos
olhos de Antônia e ela exultou por dentro ao ver a dor que ele carregava.
O Don havia encontrado o amor e estava sofrendo por ele. Alguns
acharam que isso jamais aconteceria e que era besteira esperar por algo
impossível, porém, como sempre, o Carrasco sabia exatamente o que estava
fazendo.
Antônia precisou de algum tempo até convencer o irmão a entrar para
o plano, mas como Samuele fazia tudo por ela, a moça se aproveitou disso e
o usou em seu próprio favor. Com o passar do tempo, conseguiu moldá-lo até
que o sangue Pellegrini falou mais alto.
Naquele momento, o rapaz estava adorando a nova vida e os luxos por
ela fornecidos. E quando a irmã estivesse no cargo mais alto, o céu seria o
limite para eles.
Não foi difícil transformá-lo no traficante número um da Toscana,
Samuele pegou o jeito dos negócios e em poucos meses parecia que já tinha
feito aquele trabalho a vida inteira.
Tudo foi muito bem planejado pelo Carrasco e todos obedeciam sem
hesitar.
As informações das cargas para os inimigos, o atentado da festa, onde
um soldado atirou em Antônia propositalmente para não levantar suspeitas...
Porém, o mais fácil foi plantar a sementinha do ódio em Nino, aquele tolo
ambicioso. Obviamente ele iria morrer e isso foi uma diversão à parte, pois
era uma maçã podre que não tinha lugar no futuro da máfia.
Divertia-se ao pensar que o primo nunca suspeitou que os pequenos
problemas que aconteciam aqui e ali foram causados de propósito.
Claro que todos os aliados sabiam que havia uma possibilidade grande
de a casa cair e que teriam que aguentar as consequências, tudo para um bem
maior: a volta da antiga máfia, aquela centralizada, onde uma pessoa
mandava e todos obedeciam sem qualquer tipo de conselho.
Para eles, se existia um chefe, todos tinham que confiar nas escolhas
dele. O Don deveria ter sua atenção total nos negócios e, principalmente, nos
lucros, se a mulher, ou o filho de um capo ou associado, eram espancados,
não deveria ser um problema relevante para o Don resolver.
Mas o principal objetivo era a volta de antigas práticas, que foram
extinguidas por Tiziano, inclusive, a venda internacional de órgãos. Um
negócio extremamente lucrativo e sem a necessidade de grandes
investimentos, visto que crianças poderiam ser facilmente raptadas.
Era questão de tempo até a organização ter sua antiga cara novamente.
CAPÍTULO 31

Com o rapto de Agnes, Tiziano deixou Leonello à frente da


organização.
Como Carmela estava hospedada na casa do pai desde que ele fugira
de seus sequestradores, restou ao irmão mais novo a responsabilidade de,
pela primeira vez, estar onde sempre quis e mostrar seu valor.
Ainda no galpão, o Don começou a elaborar um plano para encontrar
sua beata, e ele a encontraria, nem que fosse a última atuação de sua vida.
Havia acabado de entrar no automóvel, com a cabeça fervilhando de
ideias, mas tudo mudou quando recebeu uma mensagem vinda do celular
dela, no aparelho que seu subchefe lhe deu, já com seu próprio chip:

Alguém me levou de sua casa.


Estou no porta-malas de algum carro.
Não sei para onde estamos indo.
Me ajude!

Seu coração começou a galopar com uma vontade imensa de discar o


número da moça, tamanha era sua ansiedade, contudo, tinha que agir com
inteligência, se alguém ouvisse o celular tocar, acabaria destruindo o meio
de comunicação que tinham, além, é claro, do risco de a machucarem caso
descobrissem.
Por isso, entrou em contato com Domenico:
— Acabei de enviar um número por mensagem — disse sem esperar
que o rapaz dissesse alô. — Rastreia agora e fica de olho, é prioridade.
— Sim, senhor.
Enquanto aguardava, Tiziano respondeu a mensagem:

Estou rastreando a ligação. Mantenha o aparelho ligado e muito bem


escondido. Vou atrás de você até o inferno, se for preciso. Seja forte, minha
beata, prometo que logo vai acabar.

Tiziano apertou o botão de enviar com o coração ainda disparado e


uma sensação estranha que nunca havia sentido antes.
Sua vontade era voltar lá para dentro e acabar com a cara bonita de
Antônia Em vez disso, ligou o carro e saiu, sentindo-se completamente
frustrado.
Deu um soco no volante tentando eliminar aquele sentimento ruim de
dentro do peito, porém, não foi suficiente. Nem se derrubasse um saco de
boxe na pancada aliviaria sua angústia.
Para piorar, não tinha a quem apelar, pois foi criado ateu e nem mesmo
acreditava em Deus, mesmo assim fez uma prece silenciosa, ainda que não
se achasse digno de pedir nada.
Foda-se, a oração não era por ele e sim por ela, a beata que tinha uma
fé inabalável. A mulher que havia mudado seu jeito de pensar, agir e levar a
vida. A única que o fez querer um futuro diferente daquele em que vivia
desde o seu nascimento.
Sua razão repetia a todo instante que o interesse era pela descoberta
do novo e o lance de conquistar o impossível, no entanto, após ter
conseguido o que tanto cobiçava, o pretexto que sua cabeça usava para
convencê-lo de que não estava apaixonado caiu por terra.
Sim, o sexo era maravilhoso, mas, no fundo, Tiziano sabia que estava
acontecendo algo a mais e teve a certeza no momento em que recebeu a
ligação do soldado contando que haviam levado Agnes.
O chão se abriu sob os seus pés e, pela primeira vez na vida, não
soube o que fazer. Em suas ações, ele nunca se preocupava com as
consequências, mas ali tinha um bom motivo para tomar cuidado, pois a vida
dela estava em suas mãos e se falhasse, jamais se perdoaria.
Por mais que a moça soubesse a vida que ele levava, e o tivesse
aceitado com o mais puro amor que continha no coração, Tiziano foi egoísta
em envolvê-la em seu mundo podre mesmo sabendo que coisas assim
poderiam acontecer.
A razão gritava em seu ouvido sobre como fora egoísta enquanto o
coração tentava apaziguar, dizendo que tudo havia sido por amor.
Secou uma lágrima solitária que insistiu em descer pelo rosto no
mesmo instante que seu celular vibrou.
— Qual a localização? — atendeu, mantendo apenas uma das mãos no
volante.
— A direção é Veneto.
— Não desgrude a bunda dessa cadeira, quero que fique monitorando
para onde ela está indo e me mande atualizações a cada dois minutos.
Qualquer outra novidade, me ligue.
— Sim, chefe.
Tiziano desligou o telefone e acelerou o carro em direção à sua casa.
Seu plano era o mais simples possível, para isso, entretanto, precisaria
de mais homens para ir ao encontro de Agnes.
Em tempo recorde, juntou os soldados nos quais confiava e seguiram
em dois carros por um atalho que Tiziano conhecia bem, já que não havia
uma estrada sequer daquela Itália que o rapaz não conhecesse, afinal, passou
anos estudando cada pedaço de terra para determinar a melhor rota para as
mercadorias.
Enquanto Michele dirigia, ele se ocupou de pensar no que poderia
encontrar quando chegasse ao local. Além disso, de tempos em tempos
espiava o celular para ver se Agnes enviara alguma nova informação, mas
tudo o que chegava eram as atualizações de Domenico e pelo que informava,
ela estava avançando para o nordeste, em direção ao interior de Trentino.
Tiziano pensou, automaticamente, em duas possibilidades. A primeira
era de que havia uma pista clandestina de pouso e decolagem de
monomotores. A segunda era maluca, mas ultimamente as coisas estavam
totalmente fora do eixo, então decidiu que não poderia ignorar que, naquela
região, existia uma fazenda que pertenceu a sua família e que foi vendida
após uma batida da polícia há mais de dez anos.
Ou ele estava ficando maluco nas suposições ou o grupo de traidores
era bem maior do que ele estava supondo. Apertou o celular, até as juntas
ficarem brancas, ao sedar conta de que se seu pai deveria ser o cabeça de
tudo aquilo. Deveria ter acabado com a vida daquele miserável muitos anos
atrás.
— O quê? — atendeu bruscamente quando o celular tocou de repente.
— Senhor, acho que descobriram o celular, perdemos o contato.
— Merda — esbravejou socando o console do carro. — Me manda a
última localização e um mapa dos arredores. E não para de tentar localizar o
celular.
— Está bem...
— Outra coisa. Quero que verifique a quem pertence uma antiga
propriedade de minha família, a Fazenda Pellegrini, você deve encontrar a
informação nos arquivos — disse finalizando a chamada.
Antes de jogar o aparelho longe, tamanha a sua frustração, entrou no
aplicativo de mensagens, mas não havia nem sinal de Agnes.
Percorreram mais uma hora até chegarem ao ponto em que o celular foi
desconectado. Naquele meio tempo, Domenico já havia enviado o mapa
solicitado marcando tanto o aeroporto quanto a fazenda que ficavam
relativamente próximos um do outro.
Tiziano pediu para Michele parar o carro e o outro veículo fez o
mesmo. Todos os homens saíram e esperaram enquanto o chefe observava o
caminho que tinha pela frente. Optou por seguir seu infalível instinto e
retornou aos soldados.
— Aureliano, você e Enrico vão para aquele aeroporto clandestino
que fica aqui perto. Quero que reportem o que encontrarem lá e fiquem
atentos a tudo. Lembrem-se de que qualquer um pode estar fazendo parte
desse complô. Vão, pequenos, e mantenham seus telefones ligados para o
caso de eu precisar falar com vocês.
A dupla voltou para o carro e seguiu para onde foram designados.
— E nós, aonde vamos, chefe?
— Há uma antiga propriedade da minha família no caminho para o
aeroporto. Mandei o mapa para você.
— O senhor acha que estão levando a senhorita para lá?
— Talvez, não sei... Mas vou seguir meu instinto.
Dizendo isso, entrou no lado do motorista e deu partida no carro.
— Já convoquei mais homens. Mandei Davide com uma equipe para o
aeroporto e pedi para outra equipe esperar na bifurcação que fica entre a
fazenda e o aeroporto.
— Ótimo, muito bom — respondeu o chefe, satisfeito com a estratégia
de seu soldado mais antigo. Eles estavam em guerra, sem saber em quem
confiar, então, se Agnes estivesse mesmo na fazenda, era melhor que não
soubessem que aquele era o seu destino, exceto quando fosse estritamente
necessário.
Seguiu seu caminho em alta velocidade, mas logo precisou diminuir,
pois o asfalto havia ficado para trás, junto com os postes de iluminação.
Fazia anos que não percorria aquele trajeto e contava com sua
memória fotográfica para chegar até lá e não chamar atenção quando
estivessem próximos.
Depois de quase baterem o carro em um animal que atravessou a
estrada, chegaram nos limites da propriedade. Tiziano parou o carro longe
da entrada e ambos terminaram o percurso de dois quilômetros a pé,
equipados até os dentes com armas, granadas e munições extras.
Prontos para a guerra.
Ao se aproximarem do portão, Tiziano observou a casa... Era
exatamente como se lembrara, mas não tinha qualquer sinal de estar ocupada.
— Tem um celeiro nos fundos, vamos dar a volta — disse ao soldado.
— Senhor — sussurrou Michele apontando para uma sombra atrás da
propriedade.
— Vamos por aqui — instruiu o Don, pegando o caminho inverso.
Ao contornarem, chegaram perto do tal celeiro, porém, não havia mais
sombra de nada, somente uma van branca, ao fundo.
Ficaram alguns minutos parados aguardando se haveria qualquer tipo
de movimentação quando o celular vibrou com outra mensagem de
Domenico.

A propriedade está em nome de um laranja!

Tiziano colocou o celular no bolso, voltou à posição de ataque, e


aguardou mais alguns minutos.
Quando nada aconteceu, ordenou:
— Vamos chegar mais perto.
Assim que se aproximaram da borda do matagal, a porta do celeiro foi
aberta e um rosto conhecido entrou no campo de visão de Tiziano.
— Bingo! Liga para o Aureliano e diga para eles virem para cá.

CAPÍTULO 32

Agnes acordou com um forte gosto metálico na boca. Sem nem mesmo
abrir os olhos, cuspiu para se livrar daquilo antes que vomitasse.
O caminho até o lugar onde estava foi longo, pelo menos para ela
pareceu uma eternidade, porém, a realidade era que estava em poder dos
sequestradores há quatro horas e não há dez, como parecia.
A felicidade que sentiu quando abriu os olhos no meio da noite e
achou que Tiziano havia voltado antes do previsto, se foi quando notou que o
perfume não era o mesmo. Mas antes que pudesse fazer alguma coisa, o
homem pressionou um pano em seu nariz e a última coisa que viu antes de
desfalecer foi o rosto do desconhecido iluminado pela luz da lua.
Desde então tinha acordado e dormido algumas vezes. Na primeira, se
viu trancada dentro de um porta-malas. Como não adiantava se desesperar,
pois dificilmente alguém a escutaria àquela hora da madrugada, optou por
ficar quieta.
O plano era ganhar tempo até Tiziano encontrá-la. Mas mesmo
pensando racionalmente, foi impossível evitar que algumas lágrimas caíssem
e só de pensar que sua razão a tinha alertado sobre o que poderia acontecer
inúmeras vezes, ficou furiosa consigo mesma por ter se deixado envolver
àquele ponto.
Ela estava arrependida? Não, jamais! Faria tudo de novo, pois, apesar
do medo que sentia, algo dentro de si lhe dizia que Tiziano a caçaria onde
quer que fosse.
Em meio a um milhão de pensamentos, estava cansada, desconfortável
e ligeiramente tonta. Os braços e pés estavam amarrados, mas algo
pressionando sua perna lhe chamou a atenção. Dedicou muitos minutos para
tentar afrouxar as cordas e, para sua sorte, a pessoa que a amarrou não havia
botado muita fé de que a moça tentaria se soltar.
Quando levou a mão até a coxa, não acreditou no que sentiu. Como
havia se esquecido?
Antes de dormir havia colocado o celular no bolsinho do pijama, para
que sentisse vibrar caso Tiziano ligasse. O fato de seu celular não ser tão
grande e de o shortinho ser bem folgado, acabou disfarçando e o
sequestrador não notou.
Imediatamente enviou uma mensagem para o rapaz, mas antes que
pudesse ter uma resposta, o carro parou.
Agnes, mais que depressa, escondeu o aparelho novamente, amarrou as
mãos (da forma que conseguiu) e voltou à posição original, fingindo que
estava desacordada.
— Viu? Não falei, babaca? — disse Giordano quando abriu o porta-
malas.
— Eu ouvi um barulho sim.
— Deve ter sido sua barriga enorme...
— Vai se foder — respondeu Costa, observando a moça no pequeno
espaço. — Olha só... Você amarrou ela igual sua bunda.
— Prendi do jeito que sei, não sou a porra de um marujo.
— Até uma criança amarraria melhor que você — falou virando
Agnes, sem delicadeza, para apertar a corda.
Após ficar satisfeito, virou-a novamente para prender as pernas e viu a
ponta do celular saindo do bolso.
— Puta que pariu, Giordano, seu imbecil... Ela estava com um celular
esse tempo todo.
— Será que ela acordou? — inquiriu o homem puxando-a pelo cabelo
para ver se ela emitiria algum som. — Acho que não — constatou.
— mas o que a gente faz?
— Só joga essa merda fora e pronto.
— Ele já deve ter rastreado... Puta que pariu, que merda —
desesperou-se Costa.
— Foda-se, joga no mato. Ainda faltam algumas horas para chegarmos
e, daqui, poderíamos ir para qualquer lugar, não tem como ele saber...
— Temos que avisar o Carrasco.
— Comeu merda? Quer morrer? Finge que nada aconteceu e ninguém
vai ficar sabendo.
— Não sei não. Se eles descobrirem...
— É só você manter essa boca fechada. O mais difícil nós
conseguimos, agora é só entregar a mercadoria e pronto. Vamos logo.
O homem pegou o aparelho e antes de se livrar dele, pisou repetidas
vezes em cima, para ter a certeza de que havia quebrado.
Foi difícil para Agnes se manter inerte quando, na verdade, queria
chorar devido a dor que sentia no couro cabeludo pelo puxão que levou.
Porém, não poderia reclamar, pelo contrário, sentia-se agradecida por estar
com dois idiotas que não conseguiram nem ao menos desconfiar de que ela
havia acordado e conseguido contato com Tiziano.
— Dá o cheirinho para ela... Só para garantir o restante do caminho —
ordenou o homem que arremessava o celular no meio do matagal.
E aquela foi a última coisa que Agnes ouviu antes de acordar ali, com
aquele gosto metálico.
Após colocar todo o sangue acumulado na boca para fora, abriu os
olhos e olhou ao redor.
— Oi, lindinha, desculpa por isso — disse apontando para a poça de
sangue no chão. — Você é mais pesada do que aparenta e um daqueles
idiotas te deixou cair.
— O que estou fazendo aqui?
Ganhar tempo, repetia para si.
— Você não sabe? — perguntou o rapaz que aparentava ter sua idade.
— Não.
— Seu namoradinho precisa aprender uma lição e nada melhor que
você para ensinar isso a ele.
— Sou mais uma entre tantas... Por que acha que eu tenho algum valor?
O rapaz se aproximou...
— Não tente me enganar, lindinha, porque não sou idiota. Sabemos
mais do que imagina...
— Quem são vocês?
— Somos muitos.
— Você sabe que ele virá atrás de mim e acabar com vocês, não é?
O rapaz se afastou dela rindo alto.
— Sabemos, linda, é justamente por isso que está aqui — declarou
dando uma piscadela. — Você é a nossa isca, estamos nos preparando para
recebê-lo em breve.
Agnes pensou em um palavrão, mas se conteve para não verbalizá-lo.
Aquele era o plano desde o começo e, para piorar, mandou uma
mensagem pedindo para ir socorrê-la. Que idiota, acabou ajudando os
babacas sem querer... E sem seu aparelho não tinha como se comunicar e
pedir para não ir.
Quase riu daquele pensamento. Ela não conhecia Tiziano há muito
tempo, mas sabia que ele iria atrás dela de qualquer jeito, com ou sem
mensagem, então só lhe restava rezar, pedir a Deus que acabasse tudo bem.
— Acho que devo até agradecer por ter aparecido na vida dele —
continuou o rapaz.
— Agradeça me soltando.
Ele riu novamente.
— Não tão rápido... Você é nossa melhor chance de conseguir o que
queremos há tanto tempo.
— Por favor... Eu não tenho nada com isso — implorou Agnes.
— Tem sim, minha cara. Se não quisesse problemas, não deveria ter se
metido com um filho da puta como aquele... Bom, vou te deixar descansar um
pouco, pois logo, logo teremos grandes emoções.
E se virou em direção à saída.
Estava escuro e mal conseguia observar os detalhes em volta. A única
luz provinha de uma fraca lamparina localizada ao lado da porta.
Antes de a fechar lá dentro com cinco guardas, o homem se virou e
falou:
— A propósito, meu nome é Samuele — disse dando uma nova
piscadela. — Lembre-se disso.
Esse nome era familiar, porém, não fazia ideia a quem pertencia e para
ele ter falado, Agnes chegou à conclusão de que deveria ser alguém
conhecido em busca de vingança ou algo parecido. Isso ou ele tinha certeza
de que ela não sobreviveria para contar a alguém.
Suspirou pesadamente. Estava chateada por não poder fazer nada e
angustiada por saber que Tiziano apareceria ali a qualquer momento.
Ficou a sós com os cinco soldados mal-encarados.
Nem para ser os dos dois idiotas que a tinham levado para lá,
pensou, com eles, talvez conseguisse algo.
Mesmo assim tentou puxar assunto algumas vezes, arrancar alguma
informação, contudo, não obteve sucesso, ficou falando sozinha, até que
desistiu e resolveu economizar energias para o que estava por vir.
Dentro do casarão, sentado no sofá, Samuele falava tranquilamente ao
telefone, com a lareira acessa ao fundo, os pés sobre a mesa de centro e uma
taça de vinho na mão.
— Ela já está aqui, pode se tranquilizar.
— Não precisa me aconselhar, moleque. Tudo o que quero é que cuide
bem dessa vagabunda, pois, com os rastros que deixamos, ele deve aparecer
aí em, no máximo, setenta e duas horas.
— Estamos prontos, Carrasco.
— Eu quero só ver, você sabe como ele é cheio de armações.
— Não dessa vez, estamos na frente dele e com algo que ele deseja.
— Por falar nisso... Já teve notícias da Antônia?
— Não — vociferou, apertando a haste da taça. — Ele a pegou, tenho
certeza.
— Ótimo, assim podemos negociar...
— Vamos trocar a Agnes pela Antônia?
— Deixaremos ele pensar que sim, para no fim matarmos os dois.
— Não podemos colocar minha irmã em risco — disse preocupado.
— Ela ficará bem... Os acontecimentos não poderiam ter sido mais
sincronizados. Perfeito! — comemorou.
— Com todo respeito, estou preocupado com minha irmã. Ela...
— Ela sabe se cuidar, quem vê pensa que você não a conhece,
Samuele.
O rapaz tirou os pés da mesa e assumiu uma posição ereta,
demonstrando sua raiva e nervosismo, mas o Carrasco não poderia ver e
mesmo se pudesse, não estaria nem aí.
— Fica aí com seus pensamentos sórdidos — declarou sem
preocupação. — E se acontecer qualquer coisa fora do planejado... Já sabe,
não é? Estou observando as câmeras.
Desligaram a chamada, mas Samuele ainda estava apreensivo. Sua
irmã sempre foi um assunto delicado em sua vida. Muitos jamais
entenderiam a ligação que tinham. E se ele havia entrado naquela vida e feito
papel de idiota perante todos por anos, foi por ela e para ela. E continuaria
fazendo.
CAPÍTULO 33

Estava muito escuro, porém, se estivesse de dia, Michele conseguiria


ver a ira transbordando de seu chefe enquanto assistia Samuele sair do
celeiro e caminhar tranquilamente em direção ao casarão.
A vontade de Tiziano era sair correndo e acabar com ele na porrada
ao invés de só meter um tiro na cabeça daquele farsante desgraçado, mas foi
detido por seu soldado. Eles se encontravam sozinhos e pela quantidade de
homens que viu cercando a propriedade, precisariam ter cuidado. Estavam
visivelmente preparados para o que viesse.
Após pensar um pouco, disse:
— Eu vou para o celeiro e você para o casarão. Temos munição para
acabar com todos eles.
— Vamos nessa, senhor.
— Apenas lembre-se de que quero o Samuele vivo, se for possível —
falou olhando nos olhos do soldado.
— Vou fazer o possível, Sr. Pellegrini.
— Ótimo. Use o seu silenciador, vamos ficar invisíveis até onde
conseguirmos, tudo bem?
— Vamos juntos até o meio do caminho e nos separar ali — disse o
soldado apontando para uma cerca velha.
— Sim, pode ser — respondeu Tiziano. — Conseguiu falar com o
Aureliano e o Enrico?
— Sim, já fizeram o retorno, devem chegar em trinta minutos.
— Excelente, mas não vou esperar nem mais um minuto. Mas envie
uma mensagem para Davide contando o nosso plano.
Michele assentiu, fez o que o chefe pediu e eles começaram a se
preparar. Vestiram os coletes balísticos, deixaram algumas coisas que
estavam pesando e não seriam úteis naquele momento e colocaram o máximo
de armas, munições e granadas em volta da cintura para estarem à mão.
— Pronto?
Michele meneou a cabeça positivamente e começaram a se locomover
entre as folhagens altas até chegarem à cerca. De lá, cada um seguiu um
caminho diferente.
Tiziano foi sorrateiro até a parte posterior do galpão e pegou um
homem que fazia a ronda com um mata-leão. Usou toda a força que tinha e
em questão de segundos o rapaz não respirava mais. Sem emitir qualquer
som, o Don o arrastou para trás de um capinzal e continuou seu caminho,
olhando para todos os lados, com a arma em punho, pronta para ser utilizada.
O celeiro tinha somente uma janela que devia ficar a, pelo menos,
cinco metros do chão, impossível de alcançar.
Bom, terei que ir no escuro mesmo.
Mas antes de chegar à porta, precisaria acabar com todos os guardas
do lado de fora para, aí sim, pensar nos que estavam dentro do galpão.
Mesmo sabendo que suas chances de sair dali vivo beirava os vinte
por cento, nem por um segundo se arrependeu de ter ido. Faria o que fosse
necessário para resgatar Agnes com vida, pois se isso não acontecesse,
jamais conseguiria seguir em frente.
Dispersou os pensamentos sombrios e voltou o foco para sua missão.
Avistou outros dois homens mais ao longe, conversando
descontraidamente.
— Idiotas — disse, sabendo que daquela vez as coisas não seriam tão
silenciosas.
Pegou outra arma na cintura, apontou uma para cada um e disparou.
Ambos caíram ao mesmo tempo e, como previu, o baque dos corpos
tombando na grama ecoou na madrugada.
Deu um tempo para ver se alguém apareceria e quando isto não
aconteceu, escondeu os corpos o melhor que pôde e passou por eles,
mantendo-se agachado.
Observou que havia somente mais um homem à porta do celeiro, este,
mais atento que os últimos.
Com poucos movimentos, apontou a arma e deu mais um passo à
frente, mas o som de um graveto sendo esmagado por seu pé denunciou sua
presença. Sem tempo para pensar, Tiziano atirou, porém, antes de morrer o
miserável conseguiu gritar, chamando a atenção dos soldados do lado de
dentro do celeiro.
Só que não deu tempo de os guardas saírem para verificar, porque
como em um filme de ação, o Don entrou atirando nos dois homens que
estavam à sua frente antes de se esconder atrás de uma pilha de feno logo à
esquerda.
Os outros três atiraram, entretanto, estava bem protegido pela
forragem.
Deu alguns tiros pelo lado direito, a fim de despistá-los, e saiu pelo
esquerdo, atirando na perna de um deles que caiu gritando.
Faltam mais dois, refletiu e observou um deles correr até os fundos do
celeiro onde, ele imaginou, se encontrava Agnes.
Respirou fundo e comandado pela fúria, atirou nas costas do
vagabundo. Isso, contudo, deixou-o exposto para o outro guarda que lhe
acertou um tiro na panturrilha. Mas a adrenalina era tanta, que ele sequer
sentiu e continuou atirando até acertar o idiota remanescente que tentava sair
para pedir ajuda.
Quando olhou para trás, finalmente encarou Agnes, com os olhos
inundados de lágrimas e corada como se tivesse dentro de um forno muito
quente.
Aproximou-se, desamarrou-a rapidamente e assim que as cordas se
afrouxaram, ela o tomou em um abraço tão apertado, que o rapaz quase
perdeu o ar.
— É uma emboscada para você — disse ela depressa.
— Escalei montanhas, enfrentei dragões, duendes e bruxas para te
resgatar... Um obrigado seria ótimo.
— É sério... Vamos sair daqui, por favor — pediu sem paciência para
brincadeiras.
— Fica tranquila, está tudo bem, estou aqui — tranquilizou-a com um
beijo. — Acredita que eu já estava com saudades?
— Sim, porque eu também estava — confidenciou, finalmente se
rendendo.
Ficaram alguns segundos se contemplando, expressando, sem palavras,
a importância que um tinha para o outro.
O clima foi interrompido pela porta sendo aberta bruscamente, eram
Michele e Enrico que respiraram fundo ao ver seu Don e a amada bem.
— Viu? Tudo vai ficar bem...
— Sim, vai.
— Sabe, acho que a culpa foi minha, eu deveria ter...
— Você é péssimo com desculpas, Tiziano.
— E, para uma beata, você não tem coração — caçoou roubando um
beijo junto com um beliscão na bunda da moça. — Cadê o Aureliano?
— Está no casarão com o Samuele.
— Excelente. E o reforço?
Assim que Tiziano terminou a pergunta, dezenas de carros começaram
a se aglomerar no terreno, quebrando o silêncio e a escuridão da madrugada.
Saíram do celeiro e o chefe se surpreendeu ao ver que havia mais
homens caídos ao chão do que ele poderia contar.
Após ligar para Leonello e atualizar o irmão sobre os acontecimentos,
comunicou que logo teria alguém para fazer companhia a Antônia. Também
ligou para Edoardo, que levara a filha para a vinícola, a fim de conseguir
cuidar de todos, e Agnes pôde tranquilizar Chiara e Paolo, que estavam
nervosos aguardando notícias.
Deixou a moça com Michele e foi atrás de Samuele, estava ansioso
para olhar nos olhos do rapaz e ver até onde os culhões dele iriam.
O interior da casa havia sido reformado de maneira simples, mas os
móveis eram completamente diferentes dos que se lembrava.
Entrou mais um pouco e encontrou o primo caído no chão da sala, com
a boca sangrando e um dos olhos inchados.
— Oi, priminho — saudou Tiziano, irônico como sempre.
Samuele não respondeu, e nem precisava, sua cara denunciava o
quanto estava apavorado. Nunca imaginou que as coisas fossem dar tão
errado.
— Hum, que falta de educação... Aliás, devo dizer que estou
extremamente triste com você. Resolveu entrar nos negócios da família e
nem me avisou... Se tornou o, como foi que sua irmãzinha disse? Ah, o pica
grossa da Toscana, e ficou bem quietinho. Para completar, ainda sequestrou
minha mulher! Tsc, tsc, que coisa feia — disse com falso pesar, coçando a
testa.
— Você sabe por que fiz isso.
— Por que ou por quem?
— Fiz por ela, tudo o que faço é por ela — admitiu o rapaz com
amargura.
— Diga com quem andas que te direi quem és. Conhece essa frase?
— Sim e faria tudo de novo.
— Sei. Que relação estranha é essa que você tem com a sua irmã,
nunca consegui entender — disse o Don, realmente intrigado.
— Eu a amo... — revelou.
Tiziano estreitou os olhos e logo depois os arregalou.
— Entendi! Temos aqui um caso de incesto — disse, com nojo.
— Foda-se a nomenclatura. Não ligo para essas coisas — decretou
Samuele, olhando rapidamente para a câmera escondida, sabendo que o
Carrasco assistia a tudo sem poder fazer nada naquele momento.
— Então eu tenho uma notícia que vai te deixar feliz. Estou te levando
para o mesmo lugar que ela — anunciou andando em direção à saída. — Ah!
Mas já te adianto que não vai gostar da situação em que ela se encontra.
— Que porra vocês fizeram?!
— Enquanto eu não souber de toda a verdade, vocês vão sofrer muito.
Ela, de dor e você, assistindo a dor dela — ponderou em um sorriso,
deixando o primo esperneando lá dentro.
Samuele era fraco, não duraria dois dias no galpão, pois não
suportaria ver Antônia sofrer. E era isso que ele usariam para descobrir a
verdade.
Ele e Leonello não iriam parar enquanto não soubessem de tudo.
Voltou para Agnes e a abraçou como se o mundo inteiro dependesse
daquele enlace. Naquele dia teve certeza de que não iria suportar viver se
algo de ruim lhe acontecesse por sua culpa.
Enquanto rezava pedindo que ela permanecesse bem, percebeu como
sua vida era vazia, e jurou a si mesmo que não teria vergonha de assumir o
sentimento que explodia em seu peito.
— Eu quero ficar com você — disse a moça como se pudesse ler os
pensamentos dele.
— Eu te amo — declarou, sério. — Eu só falei essas palavras uma vez
na minha vida, para o caixão da minha irmã antes de ela ser enterrada e me
arrependo todos os dias por não ter falado antes, então quero que você saiba,
antes que acon...
Agnes calou sua boca com um beijo em que ele completasse a frase.
— Nada mais vai acontecer conosco. O que Deus uniu o homem não
separa e eu creio que foi Ele quem nos juntou.
CAPÍTULO 34

— Ela já sabe que você vai mandá-la para outro país? — indagou
Edoardo para Tiziano que olhava o jardim de sua casa através da janela do
escritório.
Quando chegaram em casa, pouco antes do amanhecer, as emoções
estavam escrachadas. Depois do que passaram, não havia mais espaço para
mentiras ou jogos entre eles, somente o mais puro e sincero sentimento sendo
descoberto e explorado por ambos em momentos ternos e outros de puro
desejo e desespero.
O medo de perdê-la foi real e palpável de todas as maneiras e não
poderia arriscar sentir aquilo novamente. Então, enquanto velava o sono da
amada, pensou que se ela continuasse ali, jamais ficaria segura. Foi quando
teve a ideia de mandá-la para outro país.
Somente ele iria saber a localização dela, até que conseguissem
resolver os problemas com os traidores da organização. Ela era seu ponto
fraco e todos sabiam disso, não poderia deixá-la à mercê dos inimigos.
Proteger a vida dela era sua nova missão.
— Não — respondeu, sorvendo o último gole de café de sua xícara.
— É, meu irmão, vai ser uma tarefa difícil convencê-la — previu
Leonello.
— Eu sei, mas vai ser melhor assim. Quando essa confusão acabar,
trago ela de volta.
Leonello riu sem humor.
— Isso nunca vai acabar — afirmou Edoardo, externando os
pensamentos do rapaz.
— Dessa vez sou obrigado a concordar com ele — disse o caçula a
contragosto.
Ele e Edoardo ainda não conseguiam se dar bem. Com o tempo, o
convívio melhorou, pois o subchefe via o esforço do irmão caçula para
vencera dependência, porém, a confiança era algo difícil de se construir.
E após a chegada de sua filha o clima havia ficado ainda mais tenso.
— Vou conversar com ela, tenho certeza de que entenderá... — afirmou
mais para si mesmo. — Enfim... Não quero que me levem a mal, mas nem
vocês saberão onde ela estará.
Leonello levantou as mãos em sinal de agradecimento e Edoardo
acenou afirmativamente com a cabeça.
— E a Antônia? — perguntou o subchefe olhando para Tiziano, mas a
pergunta era para Leonello.
— Eu estou aqui, Edoardo — chamou atenção o rapaz. — Quando
quiser saber alguma coisa que esteja sob a minha jurisdição, é só me
perguntar. E respondendo seu questionamento, ela vai sobreviver... Pelo
menos, por enquanto. Colocamos Samuele em outro local, mas é hoje que a
festa vai começar.
— Leonello, vamos agir com inteligência. Precisamos ter calma e
paciência, porque tenho certeza absoluta de que Samuele vai falar em pouco
tempo. Mas antes, vamos encaminhá-los para nosso outro galpão.
— Por que, chefe? — inquiriu Edoardo.
— Ontem, quando estava conversando com Samuele na sala, ele olhou
para um ponto no alto da parede, era uma câmera... Domenico não conseguiu
rastreá-la, mas tenho certeza de que o cabeça estava observando tudo e o
galpão onde eles estavam é bem conhecido, por isso, neste exato momento,
Michele, Davide, cada um com uma equipe, estão levando os dois,
separadamente, para outro lugar — declarou tranquilamente ainda em pé.
— Filhos da puta.
— Bom... Vou conversar com a Agnes e espero vocês lá fora em uma
hora.
Tiziano se retirou e subiu as escadas até seu quarto.
Agnes ainda estava dormindo com o lençol de seda dourado cobrindo
apenas parte de seu quadril.
Ele ficou ali, admirando-a, igual à porra de um cachorro babão.
Os pulsos e as pernas da moça ainda possuíam as marcas da corda e o
canto esquerdo de sua boca estava maculado por um corte.
Dos males o menor, disse a si mesmo diante do que poderia ter
acontecido.
Sentou ao seu lado e começou a afagar seus cabelos longos.
— Bom dia — Agnes cumprimentou, espreguiçando-se.
— Boa tarde — falou divertido. — Assim vai ser difícil conversar...
— falou, apontando para o corpo completamente nu, depois que o lençol
escorregou para o lado.
Agnes se considerava uma nova mulher. Abriu a visão para todos os
assuntos da sua vida, se permitiu arriscar, errar e tentar de novo se fosse
necessário, mas nunca desistiria ou passaria vontade.
Tiziano era seu grande aliado, lhe ensinava e mostrava tudo o que o
mundo poderia fornecer de bom e de ruim também.
A antiga Agnes jamais dormiria pelada ou pior, instigaria ao ponto de
ver seu companheiro em brasa.
— Posso ao menos me arrumar antes?
— Claro, mas se continuar a me provocar assim, vai ser difícil
concentrar uma quantidade de sangue suficiente na cabeça de cima.
— Controle seus instintos — provocou.
Agnes se sentou na cama, fez uma prece rápida, sob o olhar de Tiziano,
e foi ao banheiro pentear seus cabelos, escovar os dentes e colocar, ao
menos, um roupão.
Em menos de quinze minutos estava de volta, Tiziano permanecia na
sacada deixando o sol esquentar um pouco a pele.
— Está tudo bem? — perguntou a moça.
Tiziano sentou em uma das cadeiras dispostas na sacada e puxou a
moça para seu colo.
— Acho que não tem uma forma branda de falar, então serei direto.
Acho que aqui você ainda corre riscos... Penso que seria melhor você ficar
fora por um tempo.
— Fora? Como assim? Sozinha?
— Você sabe que não posso ir, mas irei te ver sempre que puder... Só
até as coisas esfriarem por aqui.
— Ir para aonde?
— Para um lugar que somente eu saberei. Também enviarei meu
soldado mais leal, o Michele, para cuidar de você.
— Meu lugar é ao seu lado.
— Se algo te acontecer... — disse acarinhando o rosto da moça. —
Jamais vou me perdoar. Você aceitou viver minha vida, indo contra tudo o
que acreditava, não é justo eu te colocar nessa posição de perigo.
— Eu sabia quando aceitei...
— Eu sei, mas essa não é sua vida, entende?
— Agora é — afirmou correspondendo ao carinho. — Mas se você se
sente mais seguro assim, tudo bem, eu vou. Mas quero que saiba que será por
um tempo determinado, somente até as coisas se tranquilizarem por aqui.
— Dois meses, no máximo, e tudo estará resolvido.
— Sem nem um minuto a mais... Outra coisa, uma visita a cada quinze
dias, nada mais do que isso.
— Você é boa demais pra mim sabia disso, minha beata? — declarou
apertando a bunda da moça.
— Será que algum dia poderemos ser um casal normal? — inquiriu
Agnes, esperançosa.
— Normal? Não, mas poderemos tentar chegar o mais próximo
possível disso. É o suficiente?
— Estar com você é tudo o que importa e se para isso vou ter que te
dividir com a organização, assim será. Mas posso escolher onde irei passar
os dois meses sabáticos? — perguntou divertida.
— Claro que sim, exceto por Ibiza.
Agnes fez beicinho, com um falso pesar.
Tiziano a fitou sério.
— Só você pode brincar com as pessoas? — inquiriu, deixando uma
piscadela maliciosa e entrando no quarto.
— Ei... Desde quando você é desaforada assim?
O rapaz a seguiu para dentro e após fazerem sexo debaixo do chuveiro,
chegou ao local combinado, com trinta minutos de atraso, onde Edoardo e
Leonello já o aguardavam.
Seguiram para o novo galpão onde Antônia e Samuele os esperavam
presos, um ao lado do outro.
A moça permanecia com o olhar esnobe e tinham que admitir que a
vagabunda era dura na queda, não deixava se abater mesmo suportando dias
das mais variadas torturas. Já o rapaz, estava com o olhar amedrontado que
se intensificou assim que os três entraram no cômodo.
— Boa tarde — disse Tiziano, animado. — Vamos direto ao assunto,
está bem? Samuele, priminho querido, seja bem-vindo.
O Don se aproximou de Antônia, retirou a faca do cós da calça e se
abaixou, mirando a arma branca na mão de sua ex-conselheira.
— Vou te explicar como vai ser a brincadeira... A cada pergunta que
eu fizer e você mentir ou não responder, vou arrancar um dedo dela. Está
bem? Devo avisá-lo de que sou bom nisso.
Leonello se sentou próximo, divertindo-se internamente com o
espetáculo, enquanto Edoardo permanecia com o olhar impassível,
observando de longe.
— Vamos lá... Quem está por trás de tudo isso? Sim, por que vocês
não acham que eu vou acreditar que orquestraram toda essa merda sozinhos,
não é?
Samuele estava com os olhos arregalados, olhando para Antônia que
fazia uma negativa com a cabeça.
— Você pode ter até tentar, primo, mas não faz parte desse mundo —
observou Leonello com um sorriso torto.
Tiziano pressionou a faca e extraiu o primeiro dedo da prima, o
arremessando, propositalmente, em cima de Samuele.
O garoto gritou e se contorceu mais que Antônia.
— Ainda tem dezenove chances e eu tenho todo o tempo do mundo.
Mirou no próximo dedo e pressionou o fio contra a pele úmida e
gelada da mulher.
— De quem vocês recebem ordens? — perguntou novamente.
— Do Carrasco, do Carrasco — expeliu aos berros.
— Tudo bem, imbecil, mas quem é o Carrasco? — inquiriu Leonello
sem paciência.
— É o Vito — disse, ainda chorando. — Pelo amor de Deus... É o
Vito.
— E surpreendendo um total de... Zero pessoas — debochou Tiziano
olhando para o irmão mais novo depois para Edoardo, que já estava ao
telefone mandando soldados para a casa de Vito.
— Ele prometeu a chefia para Antônia.
— Cala a boca — esbravejou a prima.
— Cala você, vagabunda — censurou Leonello.
— O que mais? — incentivou Tiziano pressionando daquela vez, a
mão inteira da moça.
— Nós iriamos matá-lo depois... — assumiu por fim desesperado.
— Não disse que seria moleza?
— Eu sempre soube que aquele desgraçado era meu pai, porque antes
de morrer minha mãe me deixou uma carta — confessou a moça em um
fiasco de voz. — Quando ele me sondou com a proposta eu aceitei, também,
como uma forma de me vingar dele.
Leonello riu sem humor.
— Não deu muito certo, não é?
— Sabíamos do risco — admitiu Samuele.
— Se vingar dele? — inquiriu Tiziano. — Você sempre foi ambiciosa
e, até certo ponto, eu achava isso um ponto positivo, mas jamais imaginei
que fosse tão burra a ponto de me trair. Se queria se vingar era só ir lá e
meter um tiro na cara dele, mas se prestar a esse papel? Vocês estão em um
nível abaixo da estupidez.
— Vamos? — incentivou Leonello, já se levantando. — Seria bom
pegar o Vito com nossas próprias mãos... Posso acabar com ele?
— Pode, estou tentando ser um homem melhor mesmo — gracejou
Tiziano, ouvindo uma gargalhada do caçula.
— Me mata no lugar dela, por favor... Ela é o amor da minha vida.
— Vão viver esse amor no inferno então — falou o caçula
empunhando sua arma.
Atirou primeiro na cabeça de Antônia e viu Samuele se jogar ao chão,
desistindo, de viver.
— Ela conseguiu enganar vocês direitinho, seus otários — afirmou
Samuele logo antes da bala perfurar seu crânio.
Os três homens se entreolharam.
— Merda — esbravejou Tiziano. — Tem alguma coisa nessa história
que eles não falaram.
— Ele deve ter falado da Antônia, não? — especulou Edoardo, se
aproximando.
— Não — concordou Leonello. — Também acho que tem algo a mais.
— Vamos logo — apressou Tiziano. — Temos que pegar Vito o quanto
antes.
CAPÍTULO 35

O Don fez questão de ir dirigindo para chegar o quanto antes na casa


do pai. O caminho foi preenchido com um silêncio pesado e inquieto por
todos.
Leonello, que era sempre o mais falante, se manteve calado, sentindo o
peso das constantes traições infringidas contra o irmão e com a mesma sede
de vingança contra o miserável que era seu pai.
Chegaram ao casarão e Tiziano reparou imediatamente que havia
menos soldados do que o costume.
Seus homens, que já tinham cercado a residência, garantiram que
ninguém havia entrado ou saído.
— Vamos pegar esse desgraçado — disse Leonello batendo a porta do
carro.
— Vão pela frente, vou entrar pelos fundos — sugeriu Edoardo.
Os dois anuíram com a cabeça e subiram as escadas em direção à
porta principal enquanto Tiziano deu a volta para entrar pela porta da
cozinha, que dava para o quintal dos fundos.
Ao adentrar ouviu uma voz feminina, alterada, vinda da dispensa.
— Você é burra ou o quê? Já estou cansada de te falar que não quero
um pó nessas estantes — dizia Ludovica enquanto Tiziano se aproximava,
ouvindo atentamente.
— Me perdoe, Sra. Pellegrini — respondeu a voz achoada.
— Te perdoar? Você não passa se uma miserável insignificante que
não consegue entender uma coisa simples dessas. Olha isso... — mostrou o
indicador com pó.
O rapaz estava parado à porta realmente impressionado, pois nunca,
em toda sua vida, havia visto a mãe falar mais que cinco palavras, sem
contar que eram todas de cabeça baixa, submissa a tudo e todos, mesmo
quando o marido não estava presente.
Nunca imaginou sua mãe naquela situação, humilhando uma
funcionária daquela forma.
Quando a empregada finalmente notou a presença do homem, Ludovica
se virou, assustada.
— Pode ir, Gina. Obrigada, querida — disse, sem jeito.
A jovem passou como um raio, contudo, as lágrimas que caíam do
rosto não passaram despercebidas por Tiziano.
— Uau, que show — afirmou, encostando-se no batente.
— Não sei o que você ouviu, meu filho — falou de cabeça baixa —,
mas não é exatamente o que parece.
— É exatamente o que parece. Que porra foi essa?
— Como eu disse, não é o que parece, só estou um pouco nervosa —
esquivou-se, deixando o rapaz sozinho na dispensa.
— Não vim aqui para isso... Onde está seu marido?
— Como assim, meu amor? Você sabe que nunca sei onde seu pai está.
— Primeiro, para de me chamar assim, porque você não consegue
amar nem a si mesma, quem dirá amar outra pessoa.
— Eu amo seu...
— Cala a boca, Ludovica, você não se cansa de passar vergonha, não?
Quero saber onde ele está. Agora!
— Não sei — respondeu com a cabeça baixa. — Ele saiu ontem à
noite e não voltou ainda. Aconteceu alguma coisa?
— Claro que aconteceu e se tem dedo daquele miserável, boa coisa
não é. Não se lembra de nada relevante para me falar?
— Não — declarou pensativa.
— Tem certeza?
— Sim... Quer dizer, ontem ele estava ao telefone com alguém, mas...
— admitiu sem ter certeza se deveria ou não falar.
— Quem? Fala, Ludovica.
— Marcio... Mauro — respondeu a mulher em dúvida.
— Marco? — inquiriu o filho mais velho.
— Isso, Marco.
— Desgraçados...
— O que está acontecendo? Você sabe que ele não está bem, Tizi, por
favor...
O choro da sua mãe não o comovia já há alguns anos, então não foi
difícil deixar a mulher sozinha na cozinha e ir ao encontro de Leonello e
Edoardo.
— Acharam? — inquiriu o Don.
— Não, chefe — respondeu Edoardo. — Ele não está aqui.
— Filho da puta, desgraçado — disse Leonello —, conseguiu fugir.
— Fugir? — inquiriu Ludovica, intensificando o choro.
— Aff, me poupe — desabafou Leonello. — Não é surpresa que ele
tenha ado deixou para trás.
— Me deixou? Não... Ele jamais faria isso.
Leonello conseguiu rir diante do caos.
— Você só pode ser...
— Chega — ordenou Tiziano.
O filho mais velho se aproximou da mulher, que aparentava mais que
seus cinquenta e quatro anos com uma raiz branca aparente, unhas malfeitas e
alguns quilos a mais.
— Se ele aparecer aqui pode avisá-lo de que é um homem morto,
porque minha paciência chegou ao fim. Diga que, finalmente, ele vai
conhecer o monstro que criou. — falou para a mãe em tom baixo. — Vamos
embora — decretou, ainda olhando para Ludovica.
Os três saíram e Tiziano ordenou para todos os soldados de seu pai
que, a partir daquele momento, ninguém mais respondia a Vito e que se
algum homem descumprisse essa ordem, seria considerado um traidor, assim
como o velho miserável.
Mesmo com a avalanche de merdas acontecendo, nada era tão
importante como a segurança de Agnes e era nisso que pensava
constantemente, porque com seu pai à solta, ela jamais estaria segura, sua
prioridade era mandá-la o quanto antes para o destino escolhido, mesmo
que, com isso, seu coração se quebrasse em milhões de pedaços.
Em toda a sua vida, nunca havia evitado o amor, na realidade, Tiziano
nem acreditava em tal sentimento, e se vendo naquela situação vulnerável,
entendia os motivos de Edoardo ter escondido a filha por tantos anos.
— Onde vamos procurá-lo? — perguntou Leonello assim que entraram
no carro.
— Vamos começar com Domenico, ele não pode estar muito longe... A
Ludovica comentou que ontem, antes dele sair, falou ao telefone com o
Marco.
— Com o Marco? Será que ele está envolvido nisso? — perguntou
raivoso.
— Não sei, temos que investigar isso... Mas se estiver, vou dar ele
para os cães comerem.
— Acho que você, como Don, poderia convocar os capitães e mandar
a mesma mensagem que deu para os soldados.
— Sim, claro — afirmou.
Se Tiziano não estivesse com Agnes na cabeça, certamente teria
observado o quanto o comentário do irmão foi pertinente e extremamente
importante naquele momento.
Mas o irmão mais velho estava absorto em pensamento, parecendo
nem reparar que estava dirigindo a mais de cento e vinte quilômetros por
hora.
— Você providencia isso? — perguntou a Edoardo, olhando-o pelo
retrovisor.
— Claro, chefe — concordou, desbloqueando o celular.
— Por que não me deixa ir atrás das pistas de Vito, junto com o
Edoardo, enquanto você cuida pessoalmente da viagem de Agnes. A gente
sabe que ela precisa ir o quanto antes.
— Você e Edoardo? — indagou, olhando o caçula de esguelha.
— Sim — afirmou, olhando pela janela. — Algum problema.
— Claro que não — declarou, satisfeito. — Pode ser. Mas eu quero
estar ciente de cada passo e se o encontrarem, quero estar junto, entendeu?
— Sim, chefe — respondeu seriamente.
Edoardo estava ao telefone, porém, se manteve atento a toda conversa
dos irmãos. Não entendeu a atitude de Leonello, mas desejou internamente
que ele realmente tivesse mudado.
Ao chegarem à mansão, o subchefe foi direto para sua casa, trocar
algumas palavras com a filha, enquanto os dois foram para o escritório.
— Conseguiu falar com o Domenico? — inquiriu Leonello.
— Sim... — rebateu Tiziano mexendo no computador.
— E aí?
— Desde o dia que ele atirou no único cara que ficou para trás, no
atentado da festa, pedi para o Domenico instalar um rastreador no celular
dele.
— Uau... Como?
— Alguns dos soldados que trabalham para ele, na verdade, trabalham
para mim...
— Então... Onde ele está?
— Aí que está o problema... Ele não levou a porra do celular... O
localizador mostra que ele está em casa.
— Será que não está?
— Não... Ele deve ter comprado outro, não é tão burro como
imaginávamos.
Entre conversas, à procura de pistas para encontrar Vito, faziam
ligações, mexiam no computador, olhavam papéis... Buscando um mísero
rastro.
— Vou buscar um café. Quer? — perguntou Leonello se levantando
cruzando com Edoardo que entrava no cômodo no mesmo momento.
— Não, vou ficar no meu uísque — respondeu erguendo o copo, mas
não a cabeça, sua atenção permanecia no computador.
— Já volto.
O caçula foi até a cozinha e observava cada processo do trabalho da
máquina, assim que ela começou a moer os grãos um aroma maravilhoso
tomou conta da cozinha.
Mesmo no breu fechou os olhos para saborear aquele momento, um
minuto de paz no meio do turbilhão.
— Achei que todos vocês só tomassem uísque — declarou uma voz
feminina vinda da mesa.
— E quem é você? — perguntou virando-se para ver a jovem que se
encontrava sentada à mesa, tomando um copo de água.
— Carmela, filha do Edoardo — falou levantando-se e deixando um
belo par de pernas à mostra. — Prazer.
Leonello fingiu não ter reparado nas coxas da garota, assim como nos
olhares que ela lhe direcionou.
Era um misto de admiração, afrontamento e tudo de mais proibido...
— E o que está fazendo aqui? — indagou, virando-se para o balcão.
— Não tem sua própria casa?
— Edoardo não me deixa sair da edícula, mas hoje ele me liberou e
resolvi conhecer o terreno. Só entrei para tomar água. Seu irmão me deu
liberdade para isso... Não costumo invadir a casa dos outros sem convidada.
— Ok, legal — falou pegando a xícara. — Tanto faz.
— Não vai se apresentar?
— Leonello — disse somente, apoiado na pia.
Seus olhos realmente não estavam colaborando e se perdiam a todo o
momento nas coxas bronzeadas.
— Quer tirar uma foto? — perguntou a moça sorrindo.
Leonello se aproximou e sussurrou em seu ouvido:
— Quando quero alguma coisa eu simplesmente tomo, não peço
permissão.
Os pelos do braço da moça se eriçaram imediatamente, impossível
para o rapaz não ter notado. A energia estava frenética e ambos sentiam.
— Ótimo, porque eu também não — respondeu à altura. — Até breve,
Leonello — despediu-se deixando o copo dentro da pia e o rastro de um
perfume fresco e delicioso para trás.
Em que momento o Edoardo comentou que ele tinha uma filha gostosa
pra caralho?
— Está tudo bem?
— Ah, merda... O quê...
Ao se virar, deu de cara com Agnes o encarando envergonhada.
— Desculpa... Não sabia que era você — disse Leonello sem jeito.
— Tudo bem... Eu vi a Carmela sair — comentou indo em direção ao
bebedouro. — Linda ela, não é?
— Linda? Não sei... Não consegui reparar.
— Aham.
Leonello pigarreou, pois até mesmo para ele sua fala foi ridícula.
— Tiziano está no escritório, se você quiser...
— Já fui até lá, vou deixar vocês trabalharem, amanhã será um longo
dia...
— Sim, claro. Sobre isso, sabe que ele está fazendo para seu bem, não
é?
— Claro, jamais iria se fosse por outro motivo — respondeu com um
sorriso simpático. — Boa noite, Leonello.
— Boa noite.
Ótimo! Agora, sua cunhada também deveria achá-lo um completo
idiota e mentiroso como um adolescente.
Merda! As idas à casa do irmão jamais seriam as mesmas com aquela
sereia enfeitiçadora rondando com passe livre.
CAPÍTULO 36

O dia amanheceu somente no relógio, porque o céu estava escuro e


cinzento, assim como seu interior. Tiziano não sabia exatamente por quanto
tempo sua amada ficaria longe, então resolveu aproveitar da melhor forma
possível.
Acabou indo para a cama mais tarde do que gostaria, mas nem por isso
deixou de curtir a noite, matando a saudade antecipadamente.
Amaram-se da forma mais genuína e aberta que duas pessoas podem se
amar.
Tiziano não tinha mais um muro envolto do seu coração, pelo menos
não para Agnes e daquela forma eram somente um casal que se desejavam,
em clima de despedida sem data para se verem novamente.
Na noite anterior ele, Edoardo e Leonello bolaram um plano, porém,
nada era dado como certo e enquanto o maldito não estivesse morto jamais
ficaria em paz.
O destino da moça era de conhecimento somente dos três homens que
estavam no escritório, Michele que acompanharia Agnes para fazer a
segurança dela. Nem mesmo Paolo e Chiara sabiam, o que gerou certo
desconforto com os amigos, entretanto, no final eles acabaram entendendo.
As malas já estavam prontas ao pé da cama e Tiziano as observava da
sacada, fumando um charuto, como se fossem dois alienígenas.
A jovem ainda dormia e mesmo sendo uns dos homens mais poderosos
da Itália, estava à mercê do inimigo, seu próprio pai, mudando a vida de
ambos para Agnes não ser pega.
Mas aquele desgraçado não perderia por esperar, pois Tiziano iria ao
inferno, se fosse preciso, somente para ter o prazer de acabar com a vida
dele com aquela mesma faca que ele o havia obrigado matar Alessandro.
— Faz tempo que você não fumava — observou Agnes parada na porta
da sacada com um roupão.
— Vem aqui — pediu o rapaz.
A moça se aproximou e se aconchegou em seu abraço.
— Esse é o melhor lugar do mundo, aqui dentro — falou a jovem.
— Me desculpa por tudo isso...
— Já conversamos. Eu sabia do seu meio, aceitei estar aqui por amor.
— Mas meu pai, aquele miserável...
— Seu pai vai pagar pelo mal que está fazendo — confortou ela.
— Que ele sempre fez — declarou, ainda segurando-a entre seus
braços. — Não sou um cara bom, matei a primeira pessoa quando eu tinha
onze anos após uma tragédia.
Agnes se afastou para prestar atenção à conversa.
— Minha irmãzinha, na época com sete anos, foi sequestrada e
encontrada morta do dia do meu aniversário. Meu pai falou que o culpado
era Alessandro e que eu deveria matá-lo para vingar Simona e como parte da
minha iniciação. Desde então eu era obrigado a transar com várias mulheres
na frente de muitas pessoas. Às vezes, eram crianças assim como eu. E eu
tinha que fazer, porque se não fizesse, Vito as mataria, na minha frente.
Alessandro foi o único homem que realmente se importou comigo e meus
irmãos.
— Deus!, Eu sinto muito. E isso já aconteceu? Quero dizer, ele já
matou alguma menina...
— Sim. Na primeira vez que ele trouxe uma garota eu recusei, ela
chorava muito e não tinha mais de treze anos, ele a matou com um tiro na
cabeça.
Agnes estava horrorizada com as confissões.
Ela sempre soube que havia algo de muito sombrio na história da
família de Tiziano, porém, nunca ousou perguntar, pois sabia que quando ele
se sentisse seguro acabaria contando. Todavia, jamais imaginou que existiam
pessoas tão ruins a ponto de fazer tamanha crueldade com os próprios filhos.
Seus pais sempre foram extremamente rígidos e exigentes, mas nunca
tocaram em um fio do cabelo dela, assim como nunca a desrespeitaram e
após ouvir tanta barbaridade, não era difícil entender do porquê do rapaz
não ter fé em nada e em ninguém.
Agnes nunca tinha ouvido falar que Tiziano já teve uma irmã, era muita
informação carregada que o rapaz parecia tirar das suas próprias costas.
— Todo mês eu era levado para o galpão e meu pai me torturava por
cinco dias, para me ensinar a aguentar para nunca dedurar a organização,
caso eu fosse pego por algum inimigo, por isso as tatuagens. Elas cobrem
todas as marcas que carrego por conta daquele... Maldito que se diz meu pai.
A moça o apertou em um abraço mais forte desejando de ter o poder
de tirar um pouco das tantas dores que ele carregava.
— Estarei sempre com você. Vamos construir uma nova história em
cima dessas... Apagar qualquer rastro de dor, sofrimento e amargura que
ainda resta aqui — disse com uma das mãos em seu peito. — Deus nunca dá
um fardo maior do que conseguimos carregar.
— A única coisa que me perseguirá o resto na minha vida é a
promessa que fiz a Simona de protegê-la. Eu falhei em minha promessa e
nunca vou me perdoar.
— Vocês eram crianças em um ambiente totalmente hostil e sem afeto,
você não poderia protegê-la do mal. Mas quem a pegou? Senti que você não
estava muito certo.
— Vito falou que Alessandro deu as informações de onde ela e minha
mãe estavam para quem a sequestrou... — declarou se afastando e apoiando
no parapeito da sacada. — Disse que depois a encontraram morta, mas antes
ela foi estuprada... Era uma menina delicada, totalmente absorta do mundo
que vivíamos.
— Tenho certeza de que ela era maravilhosa... Seus pais não merecem
os filhos que tiveram. Você é um homem forte e está sempre disponível para
tudo e todos, Leonello passou uma fase ruim, mas conseguiu encontrar a luz e
seguir seu caminho e Simona virou uma linda estrela que sempre estará
iluminando a vida de vocês dois.
— Você é tão delicada... — elogiou acariciando o rosto da moça. —
Muitas vezes me lembra ela com sua visão da vida.
— Sou o seu equilíbrio e estou aqui para te lembrar de que o mundo é
muito mais que a organização e coisas ruins.
— Tem uma coisa que preciso te falar... Era para ter contado aquele
dia que foi sequestrada.
— Sim, havia me esquecido... O que é? — perguntou, curiosa.
— Tinha uma mulher que estava grávida de um filho meu.
Agnes ficou pasma, com os olhos arregalados, sem reação, pois por
aquilo ela não esperava.
— Por conta da minha história eu não fazia sexo usual com as
mulheres, era pelo...
— Desnecessário — alertou a moça.
— Enfim, ela pegou uma camisinha do lixo e deu nisso... Eu ia te falar
porque tinha decidido ficar com o bebê, antes de decidirmos ficar juntos,
mas a mataram.
— Mataram? — inquiriu assombrada. — Meu Deus, quanta maldade.
— Ela, provavelmente, foi induzida a fazer isso por Antônia e estava
disposta a falar tudo o que sabia, mas não deu tempo, foi envenenada antes.
— Você deveria ter me contado — disse séria.
— Eu tentei... Mas não deu tempo.
— Em poucos meses estou vivendo coisas que jamais achei que fosse
viver, é tudo tão irreal — comentou se levantando.
— Está arrependida? — indagou acompanhando-a com o olhar.
— Sabe o que é pior? Não!
— O que passou, passou — falou levantando-se e indo até ela. — Tem
muitas coisas na minha vida que não me orgulho de ter feito, mas ter
insistido em nós foi a melhor dela, com certeza.
— Por mais que o seu objetivo tenha sido somente me co... co —
gaguejou a moça.
— Comer — completou o rapaz rindo da polidez da moça. — Porém,
te comer fez com que eu me apaixonasse. Olha, eu não ia virar a cara para
meu sangue, não sou tão algoz assim.
— Não esperava que fizesse isso, jamais te pediria para abandonar
uma criança.
— Ótimo! — afirmou Tiziano que a pegou em um beijo casto. — Mas
agora as únicas crianças que quero são as que virão daqui — reiterou com a
mão no ventre de Agnes.
As salivas se misturavam com uma lágrima solitária que desceu do
rosto de Agnes.
O rapaz a carregou para cama sedento pelo corpo dela. Brigando com
saudades precipitadas. Ela realmente era seu ponto de equilíbrio, a razão em
meio uma vida desregrada, o amor no coração de um mafioso, um copo de
água no deserto escaldante, tudo isso era o significado daquele pequeno ser.
Talvez Deus realmente existisse, pois somente ele poderia ser capaz
de colocá-la em sua vida, dando um rumo totalmente inesperado.
Ambos se devoraram com avidez, sem tempo para pensar em mais
nada, as roupas foram arrancadas com a mais rapidez que se beijavam e
Tiziano a penetrou. Mesmo molhada, Agnes sentiu uma pontada de dor que
logo foi substituída pelo tesão crescente.
Seus fluidos se uniram fazendo o membro do rapaz escorregar sem a
menor dificuldade.
Agnes virou seu vício e não conseguiria se imaginar tanto tempo longe
do seu porto seguro. Ali dentro era seu lar, logo ele que nunca soube o
significado dessa palavra, mas ela mostrou o quão bom era ter alguém pra
amar, mesmo com todos os riscos.
Não se arrependeu nem por um momento todas as investidas que teve
desde o início, mesmo que seu intuito naquele tempo era outro, a porra do
jogo havia virado, e ela era a rainha da sua vida perdida.
Entre gemidos, palavras de amor e suor, estavam fazendo o sexo mais
gostoso e intenso, como o da primeira vez.
Ele estava por cima e sentia a boceta dela ainda apertada, abraçando
seu pau bem gostoso.
Ele não aguentou ver aquele rosto angelical totalmente entregue ao
prazer, gemendo e se permitindo gozar bem gostoso, não teve outra opção a
não ser se entregar também.
Caíram, arrebatados, na cama, mas com um sorriso nos lábios.
— Nunca vou me arrepender de ter me entregue a você.
Independentemente do que for aconte...
— Xii... — disse ele com o dedo contra os lábios dela. — Nada vai
acontecer.
— Eu sei que vai, só queria que soubesse — falou se aconchegando no
corpo do rapaz.
— Você sabe que no começo eu só queria transar, não é?
A moça o olhou rapidamente com um olhar raivoso, aquele mesmo
olhar que ela dava quando o dispensava.
Maldita sinceridade!
— Minha beata — falou segurando seu rosto. — Mas tudo mudou e me
apaixonei por você. Aquele dia que transamos a primeira vez eu soube que
estava perdido, só não queria admitir.
— É para eu ficar feliz?
— Claro — respondeu com um sorriso grande.
A moça segurou suas bolas com força.
— Se você não tivesse se apaixonado eu teria que cometer meu
primeiro assassinato.
Tiziano se contorceu de dor, mas divertido.
— Você é muito malvada para quem crê tanto em Deus.
— Minha fé não muda o fato de eu ser uma mulher — comentou em
uma piscadela largando as partes baixas do rapaz, fazendo-o desprender a
respiração.
O celular de Tiziano acendeu, pegou para ler a mensagem.
— O que foi?
— Seu avião está pronto — declarou.
— Está bem, chegou a hora... — disparou. — Resolve isso tudo logo
para podermos viver em paz.
Tiziano gostaria de falar que jamais viveriam em paz, porque existiam
muitos Vitos por aí, mas preferiu se calar, pela primeira vez na vida.
— Quando você menos esperar estaremos juntos novamente.
— É bom mesmo, porque agora eu descobri que tenho necessidades e
se ficar sem... — falou indo em direção ao banheiro.
— Quê? Como assim? — indagou indo atrás dela.
O clima estava descontraído até entrarem no carro e seguirem em
direção ao aeroporto clandestino, que pertencia à sua família.
Naquele momento todo o clima leve foi substituído por nuvens densas
e sentimentos desconhecidos pelo rapaz.
Ao chegarem, Edoardo se despediu polidamente, seguido por
Leonello. Ambos foram para o carro a fim de dar espaço para a despedida
do casal.
Agnes sentia estar com o coração preso em uma caixa bem apertada
cuja chave pertencia a Tiziano e só o libertaria após todo esse inferno
passar.
Após um abraço apertado e demorado, lágrimas desceram pelo rosto
da moça, era como se fosse uma despedida eterna, uma sensação que era a
última vez que o veria.
— Tenha paciência. Apressado come cru e um banquete nos espera no
futuro.
— Eu sei. Deus escreve certo por linhas tortas.
Ambos riram.
— Quero que fique com isso — disse estendendo uma corrente com
um pequeno crucifixo, colocando no pescoço da jovem. — Era de Simona, é
muito especial...
— É lindo, vou ficar muito feliz e cuidar dele, estaremos ansiosas por
seu retorno.
Depois de mais um beijo a moça caminhou até a aeronave.
Lançou um último olhar para o amado e entrou sem demora o avião já
estava sobrevoando os céus a caminho de Palmarola, uma ilha paradisíaca
onde Tiziano havia mandado construir uma casa há alguns anos com o intuito
de praticar um hobby que mantinha oculto de todos.
Mandá-la para uma ilha relativamente perto era parte do plano, pois os
Dons geralmente mandavam seus entes amados para bem longe, quando eram
alvos, e como ninguém tinha conhecimento daquela propriedade, Agnes
estaria segura.
— Vamos pegar esse desgraçado logo — sentenciou raivoso, entrando
no carro.
CAPÍTULO 37

Leonello e Tiziano seguiram direto para o escritório. Queriam buscar


novidades sobre o paradeiro de Vito. Já Edoardo, foi para sua casa.
— Ei... Você conheceu a Carmela, né? — indagou Leonello
despretensioso.
Tiziano desviou a atenção do computador e olhou para o irmão.
— Sim.
— Hmm! Eu também.
— Ela é filha do Edoardo, não quero confusão dentro por causa de
mulher. Vocês já não se dão bem, então, fica na sua — alertou.
— O sobrenome dessa menina é confusão, você tem que falar isso é
para ela...
— Ela só tem dezenove anos, praticamente uma menina e com muita
raiva do pai. Inclusive, antes de conhecê-la, Edoardo só se referia a ela
como criança, quando a vi não acreditei... Jamais pensei que fosse maior de
idade, mas é o calcanhar de Aquiles dele, abre seu olho.
— Pois não me pareceu criança.
— Já você não é, portanto, se concentre... Precisamos de todo foco
para pegar Vito.
Tiziano tentava, ele mesmo, a todo custo manter o foco e se concentrar
sem ficar pensando em Agnes a todo minuto. Ela estava segura com Michele,
teria que confiar no plano e praticar aquilo que pregava; a paciência.
O soldado já estava treinado para, toda semana, comprar um celular
pré-pago e ligar para dar notícias, tudo em menos de trinta segundos para
evitar o rastreio.
— Estou com uma ideia, mas sei que é arriscado... — começou
Tiziano.
— Desculpa a demora — interrompeu Edoardo entrando no cômodo
carrancudo.
— Está tudo bem? — sondou Leonello.
— Sim — respondeu somente.
— Então, minha ideia é a seguinte. Há muito tempo os jornalistas
tentam arrancar uma entrevista minha, mas para preservar a organização,
nunca dei. Pensei em organizar um grande evento beneficente e convocar a
imprensa para comunicar pessoalmente. Tenho certeza de que Vito verá e
estará à espreita para me pegar. Ou à Agnes.
— Mas a Agnes não está aqui...
— É por isso, caro Edoardo, que você encontrará uma moça com as
características físicas dela para me acompanhar e todos acharão que é ela.
— Não é suspeito? Afinal estamos em uma crise fodida...
— Crise interna, Leonello, os negócios não podem parar...
— Achei uma boa ideia, arriscado, mas boa.
— Vamos precisar montar um esquema monstro — advertiu o caçula.
— Você sabe que estará em risco, né? Um alvo...
— Eu sei, mas não podemos ficar aqui sentados esperando ele
aparecer, temos que tomar uma atitude.
— E os capitães? — indagou Edoardo. — Falará com eles na reunião
de mais tarde?
— Sim, porém, nada a mais do que falarei a imprensa, não sabemos se
tem mais alguém ali com ele.
— Tenho conhecidos jornalistas, vou fazer o comunicado para hoje de
noite, pode ser?
— Pode... Vou pedir a Rita organizar o evento para o fim do mês.
— Apertado, não? — ressaltou Leonello.
— Serão mais de quinze dias para organizar, ela conseguirá e com o
anúncio na televisão, será um sucesso.
— Eu falo com ela — acrescentou o caçula levantando.
— Eu vou atrás dos jornalistas, volto para a reunião com os capitães.
— Eu também — disse Leonello.
Os dois homens saíram do cômodo cada um com sua missão.
Tiziano estava gostando daquele trio, o mais improvável de todos,
algo de bom em meio ao tornado. Há alguns meses jamais pensaria que isso
fosse possível.
Seu celular tocou, o nome do amigo apareceu no display.
— Ela já foi — anuncio.
— Oi, para você também. Eu sei que já... Queria, enfim...
— Fala logo — apressou.
— Como você está?
— Na verdade, estou uma merda, assim igual você.
— Se você não fosse meu amigo, eu juro que já tinha quebrado sua
cara.
— Você poderia tentar... Enfim, quero dizer que estou a porra de uma
menininha apaixonada.
— Bem-vindo ao clube — ponderou Paolo.
Tiziano não conseguia ver, mas poderia apostar que ele estava rindo.
— Bom... Se precisar, sabe onde me encontrar e, por favor, nos
mantenha informados sobre Agnes.
— Está bem — respondeu somente.
A reunião com os capitães aconteceu de forma satisfatória, a tirar
Marco com suas colocações desnecessárias, fora isso, Tiziano não teve
problemas.
Após o termino, quando todos já haviam saído, Marco permaneceu na
sala de reunião, a pedido do Don.
O homem assumiu ter conversado com Vito naquela noite, porém, uma
conversa informal de dois velhos amigos, pelo menos foi o que o membro da
organização declarou.
Tiziano já havia checado as ligações do último mês de Marco e
realmente não tinha nenhuma para Vito, então, apesar de querê-lo fora dali,
ainda não era o momento.
Todos os oito homens concordaram com o evento e confirmaram
presença.
Um pouco mais tarde, Michele entrou em contato, através de um
código previamente estipulado, confirmou a chegada deles à ilha e a
instalação satisfatória de Agnes na casa. Já estava com aquele aperto idiota
no peito, que não o abandonou o dia inteiro.
Os soldados arrumaram a sala, para a acomodação dos repórteres, e
deixaram tudo previamente organizado para a entrevista.
Tiziano se arrumou e colocou a máscara mais simpática e convincente
para persuadir a todos e nisso ele era bom, afinal sua vida inteira ele usou
ela.
— Boa noite a todos — cumprimentou se acomodando na poltrona no
meio da sala com um sorriso nos lábios.
Tinha, em média, trinta repórteres com seus celulares apontados para o
rapaz. As moças lhe direcionavam uma atenção diferenciada, afinal Tiziano
era um homem maravilhoso, que chamava atenção com sua postura
imponente.
Assim como combinado, o Don fez o anúncio do evento e depois de
mais de uma hora, respondendo perguntas e fazendo social, todos foram
embora satisfeitos, pois era a primeira entrevista que o rapaz dava, e não
havia sido por falta de insistência, mas ele nunca cedia. Deu a desculpa que
nunca quis que invadissem sua vida pessoal, mas que para um evento
beneficente ele abriu a exceção.
Edoardo acompanhou os repórteres até a saída, restando somente ele e
Leonello na sala. Foi até o bar e se serviu de uma dose de uísque, cansado,
se sentou no sofá, encostou a cabeça para trás e fechou os olhos.
O caçula pegou seu copo com água e sentou ao lado do irmão.
— Vai dar certo...
— Sim — respondeu o Don ainda com os olhos fechados.
— Ótimo, então... Já vou.
— Não, queria falar uma coisa para você.
Leonello se calou aguardando o irmão prosseguir.
— Você está se saindo muito bem...
— Não teria conseguido sem você — afirmou sem jeito.
— Está bem, agora pode ir senão daqui a pouco vai querer me abraçar
e dizer que me ama.
Leonello riu e foi embora, mas com um sentimento bom dentro do
coração.
Tiziano foi para seu quarto, mas o cômodo não era mais o mesmo.
Estava grande, vazio e sem vida.
Não precisou de um dia para o antigo Tiziano estar de volta com o
charuto em uma mão, um copo de uísque na outra e o sono que não dava as
caras de forma alguma.
Ficou horas na sacada, contemplando a vista, fumando e bebendo.
Já eram três da manhã e nada do sono aparecer, foi quando teve uma
ideia e quis compartilhar com Leonello.
Ligou para ele, que lhe atendeu no segundo toque.
— Espero que esteja sendo atacado para me ligar a essa hora.
— Você não está com voz de sono.
— Porque não estava dormindo, mas isso não quer dizer que não me
atrapalhou.
— Foda-se, preciso falar com você, é importante e tem que ser agora.
Te espero em cinco minutos.
— Cinco?
— Ia te dar dez, mas como você já estava acordado, cinco são o
suficiente...
— Estou indo.
CAPÍTULO 38

Tiziano se sentia exausto. Pelos últimos quinze dias ele procuraram,


mas todas as pistas que iam encontrando pelo caminho davam em um beco
sem saída.
A barba estava por fazer e a segunda garrafa de uísque estava no fim,
fora a nevoa de fumaça que já parecia impregnada em seu quarto.
Mas o pior era a saudade.
Michele lhe dava informações duas vezes por dia, mas não era o
suficiente para dar fim ao maldito aperto que sentia no peito por ter Agnes
longe de seus braços e de sua proteção.
O evento que vinham planejando com tanto afinco, aconteceria em dois
dias e os preparativos estavam a todo vapor. Em menos de um mês Tiziano
conseguiu itens valiosíssimos, com associados, para serem leiloados.
No fim, seria maior do que ele havia programado, mas ia ao encontro
de seus propósitos, que era atrair Vito para teia que armaram. Talvez o velho
não fosse pessoalmente, contudo, pegar alguns de seus soldados já seria de
grande valia.
Mas do jeito que o homem era vingativo e presunçoso, a chance de ele
aparecer era alta e contavam com isso, afinal Tiziano estava arriscando a
própria vida só para ter a oportunidade de, finalmente, acabar com o pai.
— O que os Massimos queriam? — perguntou Leonello.
Ambos estavam sentados à mesa de jantar, tomando o café da manhã.
— Uma carga deles foi roubada, vieram conferir se fomos nós —
declarou rindo.
— São muito soberbos, mesmo. O que aqueles malditos ganham em um
ano é o que tiramos em um mês e ainda acham que perderíamos nosso tempo
com eles? — disse Leonello comendo um pedaço do cannoli.
— Quando Dante era o Don, as coisas eram melhores para eles, mas
desde que ele morreu naquela emboscada e o Mario assumiu, tudo
degringolou — avaliou Tiziano.
— Pois é... Foram para um caminho mais obscuro da coisa e se deram
mal. Mas vem aqui... Estou para te perguntar uma coisa faz tempo e sempre
acabo esquecendo.
— O quê?
— E os russos? Na nossa infância lembro que vivíamos em guerra com
eles e, de repente, foi como se não fôssemos mais inimigos, e continua assim
até hoje. O que houve? — falou Leonello curioso.
O chefe deu de ombros.
— Mesmo depois que eu assumi eles continuaram na deles, tomando
conta de seus territórios e nós ficamos na nossa. Nunca tive qualquer
problema.
— Você não acha estranho?
— Sim, sempre achei, mas por conveniência deixei pra lá, não tinha
por que caçar pelo em ovo — assumiu Tiziano, completando a xícara com
mais café.
— Acho que tem alguma coisa que não sabemos.
— Penso o mesmo, mas não estou disposto a ir investigar. Não é hora
para isso — declarou.
— Sim, também acho. Só perguntei, porque sempre estranhei...
— Com licença, Sr. Pellegrini — falou Carmela entrando no cômodo.
— Meu pai pediu para avisar que não está muito bem e vai ficar
descansando um pouco mais. Se precisar de alguma coisa, ligue para ele.
— Claro.
— Leonello — saudou a moça, olhando para o caçula com um sorriso
quase imperceptível.
O rapaz acenou, olhando-a de forma desafiadora.
Assim que ela se retirou, Tiziano encarava o irmão, divertido.
— O que foi, porra? — inquiriu Leonello irritado.
— Já te falei que o Edoardo é importante para organização, não vai
foder tudo.
— Olha quem fala...
— Pois é — confirmou levantando. — Por isso eu te falo com
propriedade e só pelo jeito que ela te olhou... Essa aí não tem nada da minha
beata, muito pelo contrário.
— Se existisse uma mulher governando o inferno, certamente seria
essa aí — declarou o caçula rindo.
— Ah! Me esqueci de falar, vou hoje até a ilha ver a Agnes, volto
amanhã de noite.
— Manda lembranças para minha cunhada — acrescentou, debochado.
— Não vai desistir do nosso plano, hein! Porque assim como você, eu
também tenho contas para acertar com ele.
— Amanhã à noite estou de volta. Não levarei meu celular, vou
comprar um pré-pago e mando notícia.
— Está bem.
Tiziano precisava vê-la antes do leilão, não poderia garantir que o
plano daria certo, então não perderia a oportunidade de surpreendê-la com
uma visita surpresa.
Arrumou algumas poucas coisas e foi em direção ao aeroporto.
Preferiu ir sozinho, assim não levantaria suspeitas da sua ausência.
A ilha era paradisíaca, com alguns restaurantes e lojas que ficavam
localizados em um centro comercial, todos próximos uns ao outros. No geral,
tinham mais hotéis e pausadas à beira-mar do que comércio, pois o forte do
local era as belezas naturais.
Sua propriedade ficava no outro extremo da ilha, intencionalmente
afastada de tudo e todos.
Quando a comprou e construiu, jamais imaginou que seria útil em uma
situação como aquela, porém, estava feliz por ela cumprir este propósito
com excelência.
A casa tinha dois andares com quatro quartos, todos com vista para o
mar. Por possuir muito vidro, os ambientes eram claros e muito arejados,
permitindo que a brisa e o sol adentrassem livremente. A decoração fora
toda feita num estilo praiano, ornando perfeitamente com o clima do lugar.
O auge da imponência estava no deck gigantesco, construído
estrategicamente para se apreciar o pôr do sol, com um banco simples, de
ferro e madeira, especialmente esculpido para ser testemunha da beleza que
Tiziano apreciava naquele momento, de dentro de seu iate.
Somente Michele tinha conhecimento de sua visita, e, por ordem do
chefe, manteve segredo, inclusive da jovem.
Assim que atracou ao longo do deck, avistou Agnes ao longe, sentada
sobre uma toalha, na areia da praia. Desembarcou e deu sinal para o
soldado, que entendeu o comando para deixá-los a sós.
Quando a moça o viu, saiu correndo ao seu encontro. Quem visse de
longe, acharia parecido com uma cena de filme... O pôr do sol de fundo, o
barulho do mar e os o casal apaixonado, matando a saudade que corroía a
ambos durante aquelas duas semanas longe um do outro.
— Não acredito... Você está mesmo aqui ou já estou alucinando?
O rapaz deu um forte aperto em sua bunda, depois levou a mão dela até
seu pau, que já estava extremamente rígido somente por vê-la com aquela
saída de praia branca que não deixava nada para a imaginação.
— Viu? É real.
Ela apertou o membro com mais força e pulou em seu colo, agarrando-
o com as pernas.
— Estava com tanta saudade... — declarou, afastando as bocas por
alguns segundos.
— Eu também.
Tiziano a deitou delicadamente sobre a toalha de praia, desamarrou a
saída de praia, e, sem pressa, beijou a linha do pescoço, colo e vale dos
seios até chegar à barriga plana, mas totalmente feminina.
A respiração da moça estava ruidosa e ela soltava gemidos como uma
gata sendo afagada.
Estavam envoltos na bolha que criaram e Agnes não se importava de
estar em uma praia pública, afinal não havia nenhuma residência nem mesmo
próxima à deles. Quanto a Michele, já deveria estar longe dali.
Além disso, fazer amor na praia era uma vontade que carregava há
muito tempo, desde que leu em um livro, cujos protagonistas se amavam sob
a luz da lua. E ali estava a oportunidade lhe sorrindo e ela, sorrindo de
volta.
Tiziano se levantou para poder se livrar das roupas e Agnes apreciou
aquele diabo em forma de deus grego por alguns segundos, com o intuito de
memorizar cada detalhe.
Daria um belo quadro, pensou.
Ele se aproximou, com um sorriso sacana, de quem sabia exatamente o
efeito que tinha sobre as mulheres e a puxou para que se sentasse.
Ajoelhando-se na frente dela, Tiziano desamarrou a parte de cima do
biquini, deixando livres os seios que cabiam perfeitamente em suas mãos.
Antes de seguir em frente, dedicou alguns minutos massageando-os, beijando
e mordiscando, sabendo que todo estímulo produzido ali refletiria em seu
centro.
Descendo as mãos até as laterais da calcinha, ele as puxou fazendo
com que enfiasse tanto na bunda quanto na boceta. Logo em seguida, deslizou
dois dedos sobre os grandes lábios expostos e ela, instintivamente, abriu as
pernas para lhe dar total acesso.
Quando, por fim, desatou os dois laços laterais e juntou a peça à parte
de cima, introduziu o dedo médio no centro da moça, apenas para se
certificar de sua excitação.
Sem nem pensar em resistir, caiu de boca ali, atacando o clitóris rígido
para depois começar a fodê-la com a língua. Os gemidos tímidos deram
lugar a sons incompreensíveis com volume acentuado que o deixaram
alucinado.
Quando ela estremeceu, fez questão de sugar todo o seu mel, era o
melhor sabor que ele já havia provado na vida.
Com aquela etapa cumprida, pôs-se de pé, limpou a boca com o dorso
da mão e chupou o próprio dedo.
— Delícia!
Agnes saiu do torpor e com o tesão ditando suas atitudes, puxou
Tiziano até que ele estivesse deitado, subiu em cima dele e posicionou seu
pau na entrada encharcada. Desceu lentamente, sentido o impacto da cabeça
protuberante abrindo caminho para o corpo bem vascularizado, que entrava
com certa dificuldade, devido ao tempo que ficaram sem se relacionar. Já
era a segunda vez que transavam sem camisinha, porém, como estava
tomando contraceptivo, pouco se importava, tudo o que queria era sucumbir
aos seus instintos mais primitivos.
Assim que se adaptou ao tamanho de seu homem, intensificou os
movimentos até que se sentiu confortável para desempenhar uma verdadeira
e deliciosa cavalgada, enquanto ele massageava os seios cheios e apertava
os mamilos, empregando ainda mais prazer ao ato.
Inclinando-se para trás, apoiou as mãos na perna de Tiziano, dando
passagem para ele brincar com seu clitóris, no ponto certo para fazê-la
enlouquecer.
Sentia-se poderosa, viva e extremamente feliz, como se estivesse,
literalmente, em cima de um cavalo desgovernado e completamente livre.
Pela segunda vez chegou a um orgasmo transcendental.
Como não conseguia – nem queria – mais esperar, Tiziano liberou o
monstro que crescera dentro de si e a encharcou com sua porra.
— Isso sim é uma recepção de boas-vindas fodidamente maravilhosa
— disse o rapaz, pondo-se de pé. — A senhorita me concederia a honra de
sua ilustre companhia em um banho de mar?
Ofereceu a mão com aquele sorriso encantador e, como aconteceu
desde o início, ela apenas o seguiu.
— Sim, Sr. Pellegrini — gracejou, colocando a mão sobre a dele e
sendo puxada para cima. — Para todo o sempre — completou.
CAPÍTULO 39

— Não acredito que você já precisa ir... — lamentou-se Agnes,


sentando-se na cama.
Eles realmente aproveitaram aquele tempo juntos, explorando a si
próprios e cada canto da ilha. Agnes já conhecia algumas coisas, porém,
com Tiziano ali, tudo ficava melhor e mais emocionante.
De noite eles haviam jantado dentro da embarcação, somente os dois,
e foi uma experiência única para a moça, já que nunca havia entrado em um
iate antes, muito menos daquela forma romântica.
Voltaram para o casarão tarde durante a madrugada e se amaram mais
uma vez, dormindo menos de duas horas, já que o rapaz precisaria ir embora
no dia seguinte.
— Tenho um compromisso importante amanhã, se tudo der certo, logo
você poderá sair aqui.
— O que vocês estão tramando? Pelo amor de Deus, Tiziano — falou
a moça com as mãos unidas em oração. — Me diz que você não vai se
colocar em perigo.
— Minha beata — respondeu, sentando-se ao seu lado e acariciando-
lhe o rosto. — Minha vida é toda baseada no perigo.
— Eu sei que estava ciente de tudo isso antes de me deixar envolver
por você, mas...
— Mas o quê?
— Não sei se aguento essa sensação de te perder a todo o momento.
Queria poder brigar com você porque deixou a toalha molhada em cima da
cama ou porque não baixou a tampa do vaso depois de fazer xixi, ao invés
disso, eu sempre acabo sozinha, na cama, com o coração apertado, rezando
para que você volte em algum momento.
Tiziano ficou sem palavras, observando-a despejar toda angústia que
morava em seu coração e que não tinha conhecimento.
— Eu rezo para você voltar para mim todas as noites, mas, no fundo,
sinto que não tenho direito de pedir isso... Você sabe, por motivos óbvios —
assumiu sem jeito.
O rapaz a puxou para seu colo, acomodando a cabeça dela no peito nu.
— Deus desistiu de mim faz tempo... Não perca seu tempo pedindo por
mim.
— Não fala assim, Deus nunca desiste de alguém.
Tiziano gostaria de discutir aquele assunto, falando que Deus o havia
abandonado no dia em que completou onze anos, mas não quis prolongar o
assunto e não era algo que gostaria de perder tempo, afinal eram dois
extremos e nenhum estava disposto a abdicar do seu ponto de vista.
— O que acha de panquecas? — indagou o rapaz mudando de assunto
bruscamente. — Afinal, saco vazio não para em pé, no nosso caso,
acordado.
— Acho perfeito.
Os dois levantaram, ainda preguiçosos, e desceram a fim de iniciar os
preparativos do café. Tiziano optou por não levar nenhuma empregada, pois
tudo que agregava era um risco desnecessário, então ambos estavam
incumbidos do preparo.
Por sorte, Agnes sempre se virou muito bem na cozinha e, com aquele
tempo que estava passando sozinha, havia se dedicado mais a isso.
— Ei... Posso te fazer uma pergunta? — inquiriu a moça virando a
massa na frigideira.
— Achei que a essa altura já tivesse sanado todas as suas dúvidas...
— O que tem no porão?
— Acho que você não vai querer saber — respondeu sério.
Agnes se arrependeu de ter perguntado, até Tiziano soltar uma
gargalhada genuína.
— Você acha o quê? Que pego as pessoas na rua, trago-as aqui e
torturo até a morte? — disse se divertindo. — Bom... Não posso dizer que
nunca... Bem, deixe isso pra lá. Vamos — chamou, levantando-se da cadeira
e estendendo a mão para ela.
— Vamos aonde?
— Te mostrar meu santuário de tortura.
— Está falando sério? Não quero ver...
— Vamos logo, mulher — insistiu carregando-a.
Caminhou até a porta do porão, tirou um molho de chaves do bolso e
abriu o grosso cadeado.
Conforme iam descendo as escadas, Agnes ficava mais atônita com o
que seus olhos viam.
— O que é tudo isso? São peças maravilhosas.
Era um amplo cômodo, todo integrado e possuía os mais variados
maquinários de Forja. Forno elétrico, lixas, martelo pneumático, morsa e
tudo de mais avançado para forjar peças, em seu caso, os mais variados
tipos de facas, adagas e etc...
Havia muitos armários, que a moça logo imaginou estar escondendo
milhares de materiais e matéria-prima.
O grande espaço era subdividido em dois, o primeiro, o que passavam
assim que desciam as escadas, era um pouco mais requintado, destinado para
expor todas as peças que o rapaz já havia feito. Os mais bonitos e valiosos,
permaneciam em quadros de vidro, pendurados na parede, o restante,
igualmente lindos, ficavam expostos em prateleiras.
Após perder alguns minutos observando cada peça, avançou para o
local onde tudo acontecia e onde os maquinários estavam dispostos.
— Gostou?
— Como? São lindos... — observou a moça maravilhada.
— É meu hobby — falou andando pelo estúdio. — Esse mundo que
vivo me trouxe uma paixão, a cutelaria. Como disse, faço como hobby, mas
me traz uma grande satisfação.
— Você conseguiria uma fortuna com tudo isso, são peças realmente
únicas e lindas.
Tiziano riu.
— Minha beata, você é tão inocente...
— Eu sei que você é rico, mas...
— Não sou rico, sou trilionário.
Nem em mil anos Agnes poderia saber o quanto de dinheiro isso
realmente representava e preferiu nem tentar.
— Viu? Meu estúdio de tortura não é tão ruim assim, né?
— Sabia que tinha um talento especial aqui — falou abraçando-o.
— Tenho muito... — brincou.
O dia passou depressa e logo Tiziano já estava no deck, com o barco à
sua espera.
— Cuidado, por favor — suplicou a moça.
— Vou ficar bem — respondeu depositando um beijo casto na testa da
moça seguido por um tapa na bunda. — Ah! Esqueci de te falar, os gêmeos
da Chiara nasceram.
— O quê? — gritou a moça. — Como você não me falou antes? Eu
queria estar lá... Falar com ela... Como eles estão?
— Calma! É um casal e estão todos bem — disse se aproximando
novamente. — Vou pedir para Michele comprar um celular para você falar
com ela, mas tem que ser rápido, não esquece, está bem?
Perderam alguns minutos somente desfrutando do aconchego que era
estar nos braços um do outro.
— Me promete que você vai voltar?
— Que pergunta é essa? Claro que vou voltar... Antes tarde do que,
mais tarde — disse rindo.
— É sério, Tiziano.
— Eu volto — respondeu segurando o rosto da moça com as duas
mãos. — Você é minha e tudo isso que estou fazendo é por você, só por você
— declarou.
Logo estava no avião, fazendo o caminho de volta.
Chegou ao casarão tarde da noite, porém, ao passar para entrar em
casa observou o gramado externo já todo organizado para o evento, que
acontecerá no dia seguinte, alguns homens ainda trabalhava com Rita no
encalço ordenando algo que não conseguiu ouvir e sinceramente, pouco
importava desde que tudo ficasse perfeito.
Uma tenda foi erguida com inúmeras cadeiras espalhadas em seu
interior, um palco, na ponta, dispunha um móvel elegante de madeira onde
acomodaria o leiloeiro.
Sabia que não se arrependeria de deixar Rita responsável.
Ao passar pela porta, deparou-se com Leonello e Edoardo. Tiziano
notou um clima pesado, mas aquilo não era novidade, afinal, não poderia se
dizer que eram melhores amigos... Estavam mais para Bob Esponja e Lula
Molusco, em eterna guerra.
— Para que essa recepção? Estou meio cansado para abraços e tudo
mais...
— Nada, estávamos só... Conversando.
Tiziano estreitou os olhos, desconfiado.
— Conversando? Está bem — declarou subindo as escadas. — Mas
vocês têm casa, não precisam namorar na minha, está bem?
O Don ocupou seu tempo revendo o plano e deixando tudo
esquematizado, afinal não poderia ter falha.
Acordou... Quer dizer, não poderia dizer isso, afinal o rapaz nem
havia, sequer fechado os olhos. A adrenalina estava dando sinal que
aumentava cada vez mais em suas veias e, finalmente, a hora do evento havia
chegado.
O acontecimento pedia por uma vestimenta formal, então separou um
smoking todo preto, assim como os sapatos novos e ilustradíssimos. Olhou-
se no espelho e ficou satisfeito com o resultado, faltava somente uma coisa,
sua faca, aquela velha de guerra, onde o pesadelo havia começado e com ela
que, finalmente, poderia terminar com o miserável que desgraçou sua vida.
Tiziano desceu as escadas e encontrou Leonello parado, esperando por
ele.
— Preparado? — perguntou o caçula assim que o irmão desceu todos
os degraus.
— Como sempre.
Leonello ergueu o dedão, igual quando faziam quando crianças,
esperando Tiziano fazer o mesmo. Aquela atitude surpreendeu o homem.
— Por Simona — incentivou Leonello.
Tiziano se aproximou e colou o polegar junto ao do irmão.
Comovidos disseram juntos:
— Protegidos.
Cada um seguiu para um canto da festa.
Os convidados não paravam de chegar e logo sua acompanhante, que
se passaria por Agnes, também chegou. As duas eram, realmente, muito
parecidas e a moça não perdeu a oportunidade de tentar virar seu par de
verdade, mas Tiziano deixou bem claro qual era a função dela naquela festa,
colocando-a em seu lugar.
Tinham muitos soldados infiltrados, que estavam se passando por
convidados, observando, discretamente, qualquer movimentação diferente.
Via Leonello e Edoardo passar à paisana, ora ou outra, ambos fingiam
despreocupação, curtindo a festa e o som ambiente. Todos interagiam em si,
curtindo os comes, bebes e a música, sem terem real noção do porquê tudo
aquilo foi orquestrado.
Os repórteres espalhados pela casa capturavam cada movimento dos
convidados, principalmente do anfitrião. Alguns tiravam fotos, outros faziam
entrevistas, alguns produziam reportagem, enquanto outros entravam ao
vivo... Cobrir um evento como aquele era um furo jornalístico único que
todo repórter que se prezasse gostaria de estar presente, porém, os que
estavam ali foram escolhidos a dedo pelo próprio Tiziano.
As horas foram passando e tudo parecia estar mais tranquilo do que
nunca, o leilão estava prestes a terminar, mas teria que ter paciência, pois o
peixe morria pela boca.
Seu pai era um homem impaciente e afobado, sempre tomou decisões
sem pensar muito nas consequências e sofreu as implicações de seus atos,
então Tiziano tinha certeza que ele iria aparecer, cedo ou tarde.
Leonello herdou um pouco o temperamento de Vito, não era muito
resignado, porém, nos últimos tempos, estava aprendendo que não ser
precipitado tinha mais benefícios que desvantagens, pelo menos isso
conseguiu impor ao caçula, contudo, mesmo assim, via certa aflição no rosto
do irmão, quando o encontrava pela festa.
O leilão terminou e o evento continuou. Assim como no início,
serviram muitas comidinhas e bebida a todos. O som já estava um pouco
mais alto, as cadeiras haviam sido retiradas, fazendo as pessoas se soltarem
um pouco mais, e sua acompanhante não saía de perto.
Observou Leonello, do outro lado da tenda, os olhos se encontraram e
Tiziano fez um positivo com a cabeça.
O rapaz subiu no palco, chamando a atenção de todos. Os flashes
iniciaram uma onda frenética, a música cessou quando ele pegou o
microfone. Uma repórter entrou ao vivo para cobrir aquele momento épico
que Tiziano Pellegrini falaria em público.
— Boa noite a todos. Primeiramente, gostaria de agradecer a presença
de cada um nessa noite especial — iniciou o rapaz com a atenção de todos
em si. — Obrigado pelas doações, conseguimos, cerca de cinco milhões de
euros.
Uma chuva de aplausos tomou conta do espaço.
— Essa quantia — voltou a falar, finalizando as palmas —, será
inteiramente doada para a instituição Casa Tua, que cuida de crianças
abusadas sexualmente.
Mais um marouço de palmas se iniciou.
Olhou em volta e localizou Leonello em meio à multidão barulhenta,
encarando Edoardo. O homem estava com olhar assustado e os dois
correram no mesmo momento, para o mesmo lugar, na lateral direita da
tenda.
O caçula gritou para Tiziano se abaixar, porém, foi em vão. A
balbúrdia em volta impedia de entender qualquer coisa, o rapaz sabia que a
hora havia chegado, Vito estava lá, esboçou um singelo sorriso com a
possibilidade de o plano ter dado certo, mas antes de completar o
pensamento caiu no palco, o chão que era de madeira, rapidamente estava
sendo tomado pelo líquido vermelho e denso. Foi naquele momento que a
confusão iniciou.
A moça que filmava pegou o exato momento em que Tiziano foi
atingido no peito, mas preferiu não arriscar ficar no meio do fogo cruzado,
então saiu correndo, assim como os outros convidados.
— Vá atrás dele — bradou Leonello para Edoardo, enquanto ele
corria até Tiziano. — Um médico — vociferou ajoelhando-se ao lado do
corpo do irmão, gritando seu nome.
Não ligou quando lágrimas desceram por seu rosto. Era a segunda que
já aquilo acontecia; a primeira havia sido no enterro de Simona.
O destino era ou não era um filho da puta irônico?
O médico da família se aproximou correndo, contudo, mais nada
poderia ser feito.
— Filho da puta — estrondou dando uma bordoada no piso de
madeira, fazendo-o estremecer. — Dá um jeito, caralho, faz meu irmão
voltar...
— Desculpa, Sr. Pellegrini, não podemos fazer mais nada — declarou
abatido.
CAPÍTULO 40

Leonello rapidamente tratou de dar dignidade ao irmão, o cobrindo


com uma lona.
Acompanhou a retirada do corpo até o carro que o levaria para o
hospital onde o médico da famiglia era sócio. Tentando manter o mínimo de
alarde possível.
Havia somente algum resquício do que tinha sido uma festa, aquele
espaço enorme preenchido, agora, somente com a indignação e tristeza.
Edoardo estava encostado no palco, visivelmente abalado, com as
mãos na cabeça. Os demais soldados estavam igualmente comovidos, mesmo
tentando disfarçar.
Tiziano sempre fora um nome muito importante para a organização e
tentou mudar, pelo menos um pouco que fosse, algumas das mais arcaicas
regras. Por causa dele mulheres não eram mais espancadas em silêncio,
muitas delas até a morte, por seus próprios maridos, ele também foi
completamente contra o tráfico de mulheres e crianças, pois achava até
mesmo mafioso deveria ter o mínimo de dignidade e diversas vezes colocou
a vida de outras pessoas acima da própria.
Foi testemunhando todas essas coisas que Leonello conseguiu
enxergar, em meio ao caos, um motivo para não desistir de si mesmo.
E ali, vendo o carro com o corpo do irmão se afastar, uma enorme
fúria se apossou de seu corpo. Externou o sentimento gritando, para todos
ouvirem, que logo Vito estaria no inferno, prestando sua imensa conta com o
satanás.
Do mesmo jeito que veio, a fúria se foi e o caçula se recompôs,
voltando a ser frio como antes.
— Vamos... Temos trabalho no galpão para fazer — afirmou para
Edoardo.
No caminho até o galpão, Edoardo não disse uma palavra, pois não
tinha nada que ele pudesse dizer que ajudaria, então, como sempre, preferiu
o silêncio.
No tumulto que foi evento, uma coisa boa havia acontecido, eles
tinham pegado o velho miserável. Tiziano estava certo, o homem era
impaciente e jamais perderia a oportunidade de armar alguma confusão na
festa, ele nem tinha um alvo em mente, qualquer um que atingisse para ele,
estava de bom tamanho, fosse o filho mais velho ou a mulher por quem ele
estava apaixonado.
— Seu desgraçado — disse assim que entrou no depósito.
Vito riu de maneira forçada.
— E quem está me dizendo isso? O filho fracassado — respondeu,
completamente nu e amarrado a uma cadeira.
— Prefiro ser o filho fracassado a ser a porra de um pai que acaba
com a vida de todos os filhos... Sim, porque a sua existência se resume a
matar seus filhos e desgraçar a vida dos que te cercam. Mas para sua
desgraça eu consegui escapar e vou te fazer pagar por cada dor que infringiu
a um inocente, por cada humilhação que fez alguém passar sem necessidade,
enfim, por cada merda que você fez durante sua vida patética .
— Vocês acabaram com as próprias vidas, não eu — afirmou receoso
com a fúria que via nos olhos do filho a quem mais prejudicou.
Leonello riu macabramente.
O rapaz estava com o terno completamente manchado de sangue e com
suor se formando na testa.
— Eu quero fazer tantas coisas com o senhor, que apenas uma vida
não seria suficiente. Você teria que morrer vinte vezes para eu poder morrer
em paz.
— Mas, Tiziano, meu filho, nós somos a máfia, o que você queria que
eu fizesse? — declarou, confuso, mostrando que estava mesmo ficando
demente.
— Vá para a puta que te pariu... Acha que sou idiota com essa história
de “o que eu podia fazer”?
— Mas é a verdade. Eu não poderia ter criados vocês de outra forma,
se fosse frouxo, onde iria parar o respeito?
— No mesmo lugar onde está sua alma... No inferno.
— Sem respeito não se...
Leonello se aproximou e Vito, instintivamente, arqueou o corpo para
trás, até onde a cadeira permitia.
— Tudo isso porque Tiziano foi mil vezes melhor que você? Porque,
apesar de seus ensinamentos podres, ele conseguiu trazer um pouco de
dignidade para a organização?
Vito se calou.
— Chega de conversa — afirmou indo até o armário de utensílios. —
Hoje eu vou vingar a morte dos meus dois irmãos e você vai se arrepender
de ter nascido.
— Espera, Leonello...
— Bateu o medo, né? Lembrou quem sou? — perguntou retoricamente,
ainda de costas, escolhendo o que iria usar. — É normal, mas saiba que todo
esse medo que está exalando de seus poros são um combustível inflamável
pra mim.
— Você sabe que estou doente — afirmou tentando a última cartada.
— Você não está, você sempre foi!
Leonello pegou um ferro, que já estava aquecido no forno elétrico e se
aproximou de Vito.
— Sou uma peça, assim como você — disse em desespero.
— Vai querer jogar a batata quente em cima de quem? Tarde demais
— afirmou marcando o rosto do pai com o ferro em brasa.
Um cheiro de carne queimada se apossou do ambiente junto aos berros
desesperados do ex-Don.
Não satisfeito, Leonello marcou o outro lado do rosto e o movimento
se repetiu no peito, barriga e pernas.
Ver o homem agonizar em dor estava sendo prazeroso, porém, nada
faria o tempo voltar.
Vito estava prestes a desmaiar, mas o filho não iria deixá-lo se
entregar assim tão rápido. Jogou um balde de água fria do velho, a fim de
despertá-lo. Vito respirou profundamente, parecendo se afogar com o choque
do líquido no rosto.
— Não tão rápido...
Voltou a aquecer o pedaço de metal enquanto o médico o examinava,
no intuito de mantê-lo acordado para a tortura durar mais tempo.
Voltou com o pedaço renovado, pronto para mais uma seção de
marcação. Desta vez, Leonello mirou no pau murcho do velho, com suas
bolas quase batendo nos joelhos.
Vito, percebendo o que o caçula faria, começou a se debater e gritar
como nunca, como se toda a dor causada pelas queimaduras recentes não
tivessem valor.
Mas como o rapaz mesmo havia dito, todo aquele desespero era como
combustível perto do fogo.
Sem dó, pressionou o material no membro de Vito. Todos os homens
que estavam presentes no cômodo emitiram sons de agonia, como se
sentissem um pouco do que o homem sentia.
Infelizmente, ele desmaiou logo em seguida, tamanha foi a dor.
A noite foi longe. Leonello fez questão de torturá-lo a madrugada
inteira, sem misericórdia. Para a idade que tinha, até que ele havia aguentado
bem, pois sempre teve treinamento intensivo para o caso de algo assim
acontecer um dia.
Se Vito desmaiou com o ferro quente no pau, depois que Leonello o
arrancou com uma serra, o desgraçado quase morreu.
Mas, para seu azar, o médico estancou o sangramento, dando mais
algum tempo para o caçula fazer tudo que estava em seus planos.
Arrancou dedos, orelha e até a língua dele. Nunca houve uma morte tão
cruel e dolorosa como aquela. Foram muitas horas, ininterruptas,
despedaçando a carne e dignidade daquele que já foi o homem mais
poderoso da máfia italiana.
Quando tudo acabou, Leonello não sentia nada. Nem um fiasco de
culpa, sem dó, nem mesmo contentamento, era uma folha em branco.
— Senhor — chamou um soldado —, havia um celular com ele.
— Me dá — demandou Leonello entrando no galpão.
Seu estado era lamentável depois de passar horas torturando o pai.
— Leonello — manifestou Edoardo, finalmente. — Vamos?
Precisamos resolver algumas coisas.
O rapaz olhou o celular e quando o display acendeu não acreditou no
que os seus olhos liam.
— Filho da puta — esbravejou revoltado.
— O que foi? — perguntou Edoardo assustado.
— Olha isso — disse e esticou o celular para o rapaz.
Os olhos pequenos de Edoardo se arregalaram quando leu:

Carrasco
10 notificações.

— Esse desgraçado não era mesmo o mandante, não que ele não
tivesse merecido essa morte, mas...
— Calma, vamos pedir para Domenico rastrear.
— Claro, ele não ia ter capacidade de pensar nisso tudo, mas... Quem?
— Ainda tem os Massimos e alguns nomes influentes que gostavam da
forma que Vito gerenciava, todos eles são suspeitos...
— Vamos até o Domenico — ordenou.
— Não é melhor trocar de roupa? — perguntou vendo o quanto
Leonello estava desgrenhado e sujo de sangue dos pés à cabeça.
— Foda-se, vamos assim mesmo.
No caminho, o celular de Leonello tocou e o rapaz atendeu no viva-
voz, já que era ele quem estava conduzindo.
— O quê? — atendeu sem humor.
— Sr. Pellegrini, precisamos de alguém da família aqui no hospital,
tem uma papelada para assinar... — declarou o médico da famiglia.
O rapaz suspirou.
— Deixa que eu vou — afirmou Edoardo, querendo ser útil naquele
momento.
— Obrigado — disse sem jeito. — Assim que eu deixar isso com o
Domenico, vou direto pra lá.
— Claro — respondeu.
— Sr. Pellegrini — chamou o médico ainda na linha. — O senhor está
aí?
— Dez minutos — sentenciou desligando o telefone.
Leonello o deixou no hospital, enquanto ia pessoalmente levar o
aparelho para o hacker. Estavam, um a um, eliminando as peças daquele
tabuleiro xadrez, para, enfim, chegarem até a rainha.
CAPÍTULO 41

A maioria dos dias na ilha eram ensolarados, então, Agnes adorava


curtir o final de tarde em sua praia particular – como gostava de chamar.
Além disso, como tempo era algo que ela tinha de sobra, também aprimorou
as técnicas culinárias e aumentou significativamente a quantidade de leitura.
Quando Tiziano foi visitá-la, levou um iPad para a moça ter acesso
ilimitado a todos os livros que ela quisesse. Estava parecendo uma criança
que havia acabado de ganhar o melhor presente do Papai Noel, pois
realmente era, já que e-books poderiam ser lidos sem ter que carregá-los por
aí, e o melhor de tudo, havia tantos títulos que não era capaz de contar.
Mesmo sem querer, acostumou-se com a ideia de que a única pessoa
que veria regularmente seria Michele. Só que o homem mais parecia uma
estátua que pouco falava, mesmo quando Agnes lhe perguntava algo, o rapaz
fazia questão de ser monossílabo e distante.
Não sabia ao certo se era por receio do chefe não gostar de uma
interação mais amigável entre eles, ou simplesmente porque era uma
característica pessoal. Ela, particularmente, achava que tinha uma pitadinha
de cada.
Era ele quem fazia compra de comida, no outro lado da ilha, bem
como a mantinha informada, sempre que falava com Tiziano, em ligações
super-rápidas, para evitar ser rastreado.
O rapaz já tinha partido há dois dias e o soldado a estava evitando
mais que o normal, o que era um problema, pois queria falar com Chiara,
saber como ela e os gêmeos estavam, ter algum contato com o mundo
exterior, ter uma conversa decente com alguém...
— Michele — chamou da cozinha onde preparava o café da manhã. —
Quero ir ao centro hoje — determinou com a voz mais autoritária que
conseguiu alcançar.
— Desculpe, senhora, mas...
— Não estou pedindo, Michele, estou informando. O Tiziano falou que
eu poderia falar com a Chiara e até agora nada. Além disso, preciso comprar
algumas coisas pessoais — disse sem jeito.
O soldado pareceu pensar.
Ele já sabia da morte do chefe, soube na madrugada, porém, por ordem
de Leonello, o novo Don, não poderia falar nada, pois o rapaz queria contar
pessoalmente.
— Tudo bem — respondeu o soldado.
— Ótimo, vou me arrumar — comunicou tomando o último gole do
café.
Enquanto a moça subia as escadas, Michele pegou um celular reserva,
que sempre mantinha consigo, e ligou para Chiara dizendo que em breve ela
receberia uma ligação de Agnes, por isso, teria que manter segredo em
relação aos últimos acontecimentos.
Sem se prolongar muito, desligou o telefone e foi preparar o barco,
pois só assim conseguiriam chegar ao outro extremo da ilha.
Antes da moça subir a bordo, Michele jogou o aparelho na água.
— Vamos? — perguntou animada.
Agnes se sentia um pouco tola, afinal era somente uma ida até o centro,
que nada mais era que um aglomerado de, no máximo, dez lojinhas juntas,
mas fazer o quê? Ela estava sozinha ali fazia quase um mês, sentia falta de
contato humano, nem que fosse uma simples conversa com um desconhecido
na fila do caixa do supermercado.
Além de Tiziano, a moça estava morrendo de saudades da vinícola e
das pessoas com quem trabalhava e esbarrava no dia a dia. Mas de todos,
era das crianças que mais sentia falta. Maria Marietta com aquele jeito único
de ser e Mattia, seu menino encantador... Pegava-se pensando nas risadas,
broncas, brincadeiras e dos momentos que passavam juntos. Estava com
saudades até mesmo do babão.
Aqueles dois pequenos tinham um lugar mais que especial dentro do
coração da moça, que parecia um pouquinho menor sem eles por perto.
— Chegamos — anunciou Michele, vinte minutos depois, apontando
para o horizonte.
Agnes avistou algumas casinhas e movimentação de pessoas na praia,
onde havia alguns barcos ancorados.
Parece uma aldeia, ela pensou, rindo do próprio pensamento,
identificando-se imediatamente com o local e a população, que pelo pouco
que pôde ver, era simples, mas altamente receptiva e simpática. Ninguém a
conhecia, mas todos lhe davam bom-dia e perguntavam se estava tudo bem.
Caso sua vida não tivesse dado uma reviravolta completa, iria amar
morar em um lugar como aquele. Somente ela e seu amor... Tranquilidade
seria o nome e felicidade o sobrenome.
Em menos de duas horas conseguiu, finalmente, ir ao mercado,
farmácia, comprar algumas peças de roupas que precisava e o principal, um
celular.
Agnes voltou para casa com o ânimo renovado, pois se desse sorte,
talvez, conseguisse falar com Tiziano também.
Acomodou-se na rede disposta na varanda e, ansiosa, discou o número
da amiga. Após o cinto toque Paolo atendeu.
— Paolo — disse animada.
— Oi, Agnes, estávamos com saudades e preocupados. Como você
está?
— Estou ótima, quase ficando maluca aqui sozinha, mas bem. Aqui é
um paraíso, as crianças iam amar. Mas me conta, quero saber da minha
amiga, os gêmeos...
— Estão todos bem... O parto foi bem difícil, nasceram antes do dia
esperado, assim como a Maria e o Mattia, mas deu tudo certo.
— E cadê ela?
— Está descansando.
Agnes estranhou, elas não se falavam há quase um mês e Chiara não
poderia trocar algumas palavras?
— Ah, sim... Claro — respondeu sem jeito.
— Sinto muito, mas ela ficou a noite acordada com os bebês, não
dormiu nada.
— Claro, eu entendo — respondeu compreensiva, mas um pouco
decepcionada. — E as crianças? Como estão?
— Com saudades de você, perguntam bastante...
— Eu também... Fala que mandei um beijo enorme para eles e que
quando voltar, vou ir até aí vê-los.
— Eu mando, com certeza. Eles vão amar saber.
— Tem certeza de que está tudo bem? Você está estranho.
— Desculpa, mas as coisas aqui em casa andam tão corridas com
essas quatro crianças — respondeu disfarçando. — Acho que vou te mandar
dois para equilibrar um pouco as coisas.
— Eu iria amar — respondeu sorrindo.
— Senhora — chamou Michele apontando para o relógio em seu
pulso.
— Preciso ir, Paolo, mas vou tentar ligar de novo nos próximos dias
para falar com ela, está bem?
— Com certeza e... Se cuida, viu? Nossa casa estará sempre de portas
abertas, você é como uma irmã para nós.
— Eu sei, mas não quero que se preocupem, eu estou feliz —
respondeu com amor. — De verdade.
Paolo respirou pesadamente, pois sabia que a moça estava sendo
sincera.
— Bom... Preciso ir. Beijo a todos.
Desligou o aparelho e o devolveu a Michele.
— Vou ficar lendo aqui mais um tempo, está bem?
— Sim, senhora. Estarei ali na frente, na areia, treinando. Tudo bem?
— Claro, Michele, fica à vontade.
O rapaz se retirou e foi realizar os exercícios que já estava habituado
em fazer, pelo menos, três vezes por semana para manter a forma.
Da rede, a moça conseguia vê-lo, o que a fazia se sentir mais segura.
Ligou o IPad e antes de mergulhar nos livros, resolveu dar uma olhada
nos e-mails. N nem sabia ao certo o porquê, pois não poderia manter contato
com ninguém, mas abriu de forma automática, como fazia todos os dias.
Lá estavam milhares de mensagens de propagandas, descontos, vagas
de emprego – o que era extremamente curioso, já que nem currículo ela tinha
–, viagens e algumas matérias de um jornal local da Itália. Para ficar mais
fácil, foi marcando todos os e-mails, para desta forma, apagá-los de uma só
vez.
Foi até o Spam, a fim de fazer o mesmo procedimento, contudo, um
título chamou atenção: Vídeo Morte do Chefe da Máfia.
Seu coração acelerou, as mãos ficaram frias e de modo instantâneo
começou a hiperventilar. Ali ela já sabia que aquilo mudaria toda sua vida.
Quando clicou no arquivo, uma nova tela abriu e Tiziano apareceu
discursando. Ele estava maravilhoso. Com certeza era um evento, e a contar
pelo burburinho, estava cheio de gente. Também notou que era no gramado
do casarão, a contar pelo chafariz de fundo.
Ainda permanecia séria, atenta a cada palavra e movimento quando ele
anunciou a quantia que conseguiram arrecadar com o leilão. Uau, era muito
dinheiro e, por um milésimo de segundo sentiu o coração aquecido por
aquela quantia ir para as mãos certas...
Uma salva de palmas interrompeu sua fala, logo depois ele comunicou
a que instituição o dinheiro seria destinado e, então, o olhar dele se perdeu
entre a multidão.
Um aspecto aflito assumiu as feições do seu homem e em questão de
segundos ele se encontrava caído no palco. A câmera começou a tremer e
apontou para o chão, de modo que não se via mais nada, contudo, a gritaria
ao redor era nítida e permaneceu assim por vários e vários minutos até que
tudo foi interrompido, apenas para a imagem surgir novamente mostrando a
figura de um corpo sendo colocado dentro do carro fúnebre.
Era ele, seu amor, ela teve certeza somente pelo formato do corpo.
A última coisa que viu antes de ser engolida pela escuridão, foi
Michele correndo desesperado em sua direção.
CAPÍTULO 42

— Como que ela descobriu antes que eu chegasse? — bradou Leonello


ao telefone.
— Desculpe senhor, mas ela recebeu o e-mail anônimo com as
imagens do tiro — falou Michele, sentido.
— Puta que pariu — xingou. — Você fez bem em sedá-la, ela não
merecia saber dessa forma. — refletiu. — Merda... Bem, mantenha ela
dormindo até de noite, vou ai para conversar pessoalmente.
— Sim, senhor.
Leonello ainda não tivera duas horas de sono desde a festa. Entre
hospital, problemas e encheção de saco dos capitães, que não o deixavam
em paz, ele se sentia completamente exaurido, mas estava pouco se fodendo
para tudo isso. Tudo o que queria era que Domenico lhe desse um nome.
Sem paciência para aguardar o retorno do hacker, dirigiu até o
laboratório do rapaz.
No caminho, seu celular vibrou com um número desconhecido.
Resolveu atender, pois poderia ser Michele.
— Sim.
— Olá, irmão — disse Marco do outro lado da linha. Ele reconheceria
aquela foz fanhosa até no inferno.
— Agora não é uma boa hora.
— Queria dar meus pêsames e de toda a minha família, inclusive
minha filha está muito triste e gostaria de falar pessoalmente com você, dar
os sentimentos.
— Estou ocupado — respondeu ríspido.
— É que também... Precisamos ver como vai ficar essa situação.
— E qual situação seria essa, Marco?
— Não podemos ficar sem Don.
— Você está mal-informado, Tiziano já tinha deixado tudo por escrito
e eu estou no lugar dele.
— Uau, que conveniente.
— É o seguinte, eu não sou diplomático como meu irmão então vou
jogar a verdade: eu não te suporto e na primeira oportunidade que tiver, vou
te escorraçar da organização.
— Ah, é? Você pode tentar... — disse insolente.
— Então aguarde — falou desligando o telefone e jogando-o longe.
Ele não sabia que Tiziano havia feito um testamento que o citava como
sucessor. Claro que pela pirâmide de sucessão ele era o herdeiro por direito,
uma vez que Tiziano não deixou um filho, porém, com Edoardo ali, ele achou
que o irmão jamais tomaria aquela decisão.
Não podia fingir que não estava feliz com a confiança e a honraria até
sua morte, que talvez acontecesse antes do esperado, pois ele não tinha a
paciência de Tiziano. Mas enquanto estivesse no poder, todos teriam que se
habituar a seu modo de ser, começando por Marco, aquele filho da puta
insolente.
Cuidaria dele depois... Um problema por vez.
Observou o celular acender o display, mas não estava com saco para
nada, então o colocou no bolso e subiu, no cubículo, que era o apartamento
de Domenico, preenchidas de máquinas da mais alta tecnologia e uma
modesta cama no canto. De lá, o jovem fazia suas milagrosas descobertas.
— E ai? — perguntou, inquieto, assim que entrou no cômodo usando a
própria chave.
— Já ia ligar para o senhor.
Leonello se sentou em uma cadeira ao lado dele.
— Vamos...
— Achei estranho, pois o número...
— Seja direto.
— O número é da casa do seu pai.
— Como?
— Na verdade, ele tinha um programa para evitar rastreamento, mas
depois de muito trabalho, consegui desativar.
— Isso não faz... — começou pensativo. — Caralho — vociferou após
alguns segundos.
Domenico o olhava com pesar.
— Ludovica — disseram simultaneamente.
Como assim Ludovica era a cabeça por trás de tudo isso? Não era
possível, como ela pôde enganar a todos daquela forma?
Eram muitas perguntas pairando na cabeça do rapaz, mas só teria
respostas quando a encontrasse.
Leonello sentia muita raiva do pai, mas, diante daquilo, conseguia
sentir o dobro por aquela mulher dissimulada que nunca fora uma mãe para
eles.
Ligou para Edoardo e pela primeira vez viu algum sentimento vindo do
rapaz, pois nem o subchefe conseguiu disfarçar a incredulidade pela
informação que ouvia.
Ele queria muito ir até o casarão pegar a vagabunda, mas Agnes
precisava dele e jamais a deixaria na mão. Por isso mandou Edoardo ir
buscá-la com os melhores soldados, enquanto ele voava para a ilha.
Sentado na poltrona, finalmente olhou o celular. Estava cheio de
mensagens não lidas, ligações e notificações diversas, mas um número
desconhecido chamou a atenção no aplicativo de mensagem:

Eu sinto muitíssimo pelo que aconteceu, seu irmão me recebeu de braços


abertos e o mínimo que posso fazer é me colocar à disposição para o que
você precisar.

Clicou na foto, para reconhecer de quem era o número e aquele não era
um bom momento para ver a foto de Carmela de biquíni na praia e ainda se
colocando à disposição.
Achou melhor não responder por ora.
Logo em seguida o subchefe lhe encaminhou a foto de uma folha de
papel que ele encontrou em cima da cama de sua mãe, que dizia:

HÁ HÁ HÁ!

Maldita!
A vida de Leonello, a partir daquele momento, teria somente um
propósito, colocar as mãos em Ludovica, pois se ela achou que iria armar
um circo, influenciar um monte de cabeça fraca e sair empune, estava muito
enganada.
A hora dela chegaria e como diria seu irmão, a paciência era uma
virtude. Bom, ele teria que treinar mais isso para ser um Don pelo menos
parecido com Tiziano.
Quando o barco parou no píer do casarão, sentiu uma nostalgia
enorme. Lembrava-se vagamente de já ter estado ali em algum momento
quando era viciado.
Estava exatamente como se recordava, contudo, fora não estava ali
para admirar a paisagem ou tomar um banho de mar, por isso, seguiu para
dentro da casa e foi recepcionado por Michele.
— Cadê ela?
— No quarto, dei o último sedativo há algumas horas, logo ela acorda
— informou o soldado.
— Vou lá esperar.
— Sim, senhor.
Leonello subiu as escadas e se acomodou na poltrona. Ficaria ali o
tempo que fosse necessário.
Estava com tantas coisas na cabeça que ao se olhar refletido no
espelho próximo à onde estava sentado, não se reconheceu.
Roupa desgrenhada, barba por fazer, cabelo bagunçado e profundas
olheiras... Poderia, facilmente, ser confundido com um zumbi. Não percebeu
quando fechou os olhos e não soube por quanto tempo permaneceram
daquela forma.
Acordou assustado quando uma mão gelada caiu sobre a sua.
Quando abriu os olhos, deu de cara com Agnes abaixada ao seu lado,
segurando sua mão. O estado dela não estava muito diferente do seu, exceto
que os olhos da jovem estavam bem vermelhos, parecendo duas pimentas.
Leonello a abraçou, consolando-a. Naquele momento, nada não
precisou ser dito, o aconchego de seu abraço foi mais significativo que
milhões de palavras.
Ficaram ali, perdidos em lembranças e tristeza por alguns minutos.
Agnes tomou a iniciativa de se afastar para falar algo, mas quando
abriu a boca não saiu som algum.
— Tudo bem — disse o rapaz. — Estou aqui para te apoiar, você
nunca vai ficar desamparada, te dou minha palavra.
— Duas vezes — comentou finalmente.
Leonello não estava entendendo o que ela queria dizer, franziu o cenho
em confusão.
— Já é a segunda vez que fico viúva.
— Nossa, eu não sabia, você... Ele...
— Tudo bem — falou ela limpando as lágrimas. — Talvez,
futuramente, eu entenda tudo isso, mas agora... É impossível, só vejo dor.
Leonello não era bom em consolar ninguém, muito menos sentimental,
mas via sofrimento em cada pedaço dela e aquilo o comovia.
— Ele te amava.
— Eu sei e o que adiantou? Não consegui fazer com que saísse desse
mundo.
— Nascer na máfia é como ser marcado com ferro, nunca sai de nós
— esclareceu pegando as mãos dela. — Não temos escolha...
— As pessoas sempre têm escolhas.
— Não a gente — discordou. — Mesmo quando você sai, ela, de
alguma forma, volta.
— Ele merecia ser amado... — falou com mais lágrimas brotando nos
olhos.
— Ele foi, e me conforta saber que me irmão conheceu o amor antes
de morrer.
— Queria ter mostrado mais, porque o amor é algo lindo de ser
vivido, uma bênção de Deus.
Terreno perigoso, pensou ele.
Deus sempre fora um tabu em sua vida. Sofria há tanto tempo que
nunca acreditou nEle, afinal, se fosse tão bom assim, porque deixou que
tantas coisas ruins acontecesse com eles?
— Eu sei o que você está pensando, era o mesmo que ele pensava —
acrescentou a moça caminhando até a varanda, parando no batente e se
encostando.
— Nossa criação foi... Diferente.
— Sei disso — falou olhando compadecida para o rapaz. — Mesmo
assim eu agradeço. Esses últimos meses foram maravilhosos e sei que jamais
vou encontrar alguém como seu irmão, que me fazia rir e ficar furiosa na
mesma medida em questão de segundos. Jamais vou amar como o amei.
Mesmo tendo sido por pouco tempo, foi o suficiente para ser eterno.
— Posso imaginar — concordou, observando a moça, admirando sua
maturidade —, e tenho certeza de que você também foi única para ele.
Agnes de aproximou e pegou na mão do rapaz.
— Eu espero que você tenha sabedoria quando encontrar um amor,
pois esse sentimento é puro demais para deixá-lo partir por falta de interesse
ou medo. Tenho certeza de que ele está em um lugar ótimo, melhor que o
nosso, e apesar de sentir que morri um pouco também, vou cumprir meu
papel aqui na terra, independentemente do tempo que ainda tenho. Mas
passarei o restante dos meus dias com saudades, o desejando ao meu lado
com todo meu amor, imaginando o quanto nossa vida teria sido
maravilhosamente perturbada e contando os minutos para reencontrá-lo.
Agnes iniciou mais um ciclo de choro e nada, nem ninguém, conseguia
acalmá-la. Era algo triste de se ver, como se seu coração tivesse sido
arrancado do peito.
CAPÍTULO 43

Cinco meses depois...

Ficar sozinha naquela ilha já não era mais um problema para Agnes.
Com o passar do tempo, ela se ambientou completamente e começou a
apreciar sua própria companhia.
Percebeu que se sentia muito amada na vinícola, porém, lá não era seu
lar. Foi ali que encontrou o que procurava.
Michele a ensinou a pilotar o barco e ia toda semana ao centro buscar
mantimentos e qualquer outra coisa que precisava. Conseguia se virar muito
bem, porém, Leonello insistiu que Rita fosse morar com ela para ajudar com
a casa e outras coisas.
A mulher era muito reservada, contudo, podia-se dizer que estavam
começando a criar um vínculo ao conversarem sobre a vida pessoal da
governanta, afinal eram somente as duas fazendo companhia uma para outra.
Uma vez por mês recebia a visita de Leonello e da família Castelli.
Apesar de Tiziano ter aberto uma conta no nome de Agnes, dias antes
do leilão, e ter lhe deixado dinheiro suficiente para cem vidas, Leonello
queria estar presente e não apenas porque prometeu cuidar da moça, mas
porque eram a única família um do outro e já haviam criado um laço de
irmandade muito forte nos últimos meses.
Ele conseguia ver muito de Simona em Agnes, por isso, com ela,
conseguiu ser quem realmente era, e não o Don que precisou se tornar.
— Bom dia, Rita — saudou Agnes, animada.
— Bom dia, querida, que animação boa.
— Sim... Vai ser muito bom receber as pessoas que amo.
Tinha noites que a moça não dormia chorando com as lembranças de
Tiziano, mas estava em um processo e para ela, não tinha problema nenhum
em viver o luto, afinal a saudades seria eterna, então aprendeu a conviver
com a nostalgia.
— Que bom, senhora.
— Já falei para não me chamar assim — disse a moça após pegar uma
maçã da fruteira. — Os quartos estão prontos?
— Estão, acabei de terminar.
— Que ótimo, obrigada, Rita. Bom, vou até o centro buscar algumas
coisas. Quer algo em especial?
— Sozinha? Melhor não — disse olhando para minha barriga.
— Estou grávida, não doente.
Agnes estava com seis meses de gestação e toda semana Leonello
mandava um médico ir visitá-la acompanhado de aparelho de ultrassom e o
rapaz sempre voltava com amostras de sangue da moça.
Ela queria ter o bebê na ilha, por isso, já havia conhecido até uma
parteira que morava no centro e a velha senhora estava preparada para ser
chamada a qualquer momento, por sorte o marido era pescador, então
poderia estar no casarão em pouco tempo.
Mas Rita não escapou de uma aula sobre parto, afinal, nada era muito
garantido quando se dependia do mar. No início das aulas, a governanta
ficou horrorizada e fugiu das explicações; só voltou depois de Agnes
convencê-la com todo seu carisma.
Estava mantendo uma gestação muito saudável e sendo muito bajulada
por seus amigos.
Descobriu que estava grávida no dia que soube da morte de Tiziano.
Após sua menstruação atrasar alguns dias, foi até o centro com Michele e
comprou um teste de gravidez na única farmácia da ilha.
Quando viu que dera positivo, foi do céu ao inferno em questão de
segundos, mas logo percebeu que aquele bebê fora enviado por Deus para
que ela não desistisse de seguir seu propósito. Também foi depois disso que
decidiu ficar naquela casa, que era tão importante para Tiziano. Era lá que
tinha o santuário que ninguém conhecia, mas onde conseguia se sentir mais
próxima de seu amor.
— A maré está alta e não há previsão de chuva, não se preocupe —
pediu, rindo depois de receber um olhar reprovador da governanta.
Chegou ao vilarejo minutos depois e ao contrário da primeira vez em
que esteve ali, já conhecia a todos pelo nome, assim como todos a
conheciam.
Comprou todos os mantimentos que estavam em sua lista, em especial,
o antiácido que não poderia ficar sem. Para garantir, comprou dois, porque
aquele menino levado gostava de fazer a mamãe ficar com refluxo terrível.
Rapidamente voltou para casa, pois já estava quase na hora dos
convidados chegarem. Era a primeira vez que conseguiria reunir a todos:
Chiara, Paolo, as crianças e Leonello. até mesmo Edoardo estava a caminho.
Rita a aguardava, no deck, sentada no banco de ferro.
— Achou que eu ia fugir? — brincou descendo do barco com as
sacolas.
— Não, mas sabia que viria cheia de coisa... Me dá aqui.
— Acredita que o Sr. Giovanni quis se separar? — disse Agnes
ajeitando a corda da embarcação.
— Se separar? — perguntou pegando todas as sacolas para si.
— Sim.
— Velho safado — observou Rita.
Agnes riu, pois a governanta era bem radical em certos assuntos,
lembrando sua mãe em certos momentos.
— Se não estavam felizes... Qual o problema? Temos sempre que ir
em busca da nossa felicidade, Rita.
— Depois de velho? — inquiriu a mulher entrando pela cozinha. —
Coitada da esposa dele...
— Nunca é tarde para recomeçar — falou em uma voz saudosista e
uma onda de melancolia a atingiu.
— Nosso coração só pertence a uma pessoa, minha filha — disse a
senhora tocando no peito da jovem. — Se você conseguir recomeçar é
porque não tinha encontrado seu verdadeiro amor.
Uma lágrima escorreu do rosto da moça, mas ela logo a limpou.
— Bom... Vamos começar a preparar esse almoço? — disse para
mudar de assunto.
— Claro — anuiu Rita depositando um beijo em sua testa.
Fizeram o almoço juntas e logo o assunto foi deixado de escanteio,
pois Rita estava realmente chocada com o fato de o velho Giovanni ter se
separado de dona Brígida.
Estavam no meio crise de risada quando Agnes ouviu o barulho do
motor de um barco.
Animada, apressou-se em ir receber a todos no deck.
Chiara foi a primeira a descer, e depois de lhe dar um abraço
apertado, lhe acarinhou a barriga amorosamente.
— Que saudade de vocês — anunciou a amiga.
— Nós também — respondeu Agnes com a mão no ventre.
Em seguida, as crianças desceram frenéticas e a moça as agarrou,
demorando no abraço, tentando matar as saudades que sentia dos dois.
— Tia, você está bem gorda, né? Parece a mamãe antes dos pestinhas
nascerem — observou Maria Marietta.
Todos riram.
— Você é muito indiscreta mesmo. Ela está linda — cortejou Mattia.
— A tia está um pouco acima do peso mesmo — brincou Agnes
enquanto a pequena fazia uma careta para o irmão.
— A gente pode ir brincar no quintal?
— Claro que podem.
O casal de gêmeos saiu correndo em direção ao gramado, onde Agnes
havia instalado uma casinha de boneca, um balanço e um escorrega.
Por fim, Paolo desceu trazendo os bebês gêmeos, Piero e Amaele.
— Meu Deus... Como eles estão lindos — falou Agnes, apaixonada.
— E você? Como está? — inquiriu Paolo sempre preocupado.
— Estou bem — disse com um sorriso lindo.
— Dá licença para eu cumprimentar meu sobrinho — falou Leonello
abrindo passagem e se abaixando na frente da cunhada, sem escutar seu
cumprimento. — Olha quem chegou — disse ele para a barriga. — Exato,
seu tio preferido. Trouxe o marshmallow que eu sei que você adora.
— Você sabe que está ridículo falando sozinho, não é? — observou
Paolo olhando com o cenho franzido.
— Não liga, Leo — intrometeu-se Chiara —, ele também fazia isso.
— A cada dia que passa, o respeito se acaba um pouquinho mais —
observou o vinicultor, rabugento, indo em direção à casa.
— Oi, Agnes, como você está? — perguntou Edoardo sempre contido.
— Bem, obrigada por perguntar... Vamos entrar, pessoal? — chamou
no exato momento em que alguns soldados saíram de dentro do barco
carregando mais de dez caixas.
— O que é tudo isso?
— Presentes — respondeu Leonello.
— Que exagero — advertiu a moça. — Para que tanto?
— Você mora no meio do nada, precisa de reservas. Levem lá para
dentro — indicou aos soldados e a guiou para dentro.
O clima durante o almoço foi descontraído, preenchido com muita
risada.
Pouco depois de comerem, as crianças acabaram dormindo, cansadas
de tanto correr. Os gêmeos também estavam descansando no carrinho.
— Agnes, estava pensando em fazer a cerimônia de batismo dos bebês
aqui. Você se incomodaria?
— Está maluca? Seria uma honra — disse sinceramente feliz.
— Ótimo que concordou, porque em duas daquelas caixas já tem tudo
que precisamos — declarou Chiara com um sorriso convencido. — Vou
começar a arrumar tudo hoje, quero que seja no nascer do sol.
— Não seria no pôr do sol?
— Não... No nascer mesmo.
— Está bem, teremos que acordar bem cedo, hein?
— Sim, todos nós, já que vai ser a madrinha.
— Que honra. Mas e a madrinha do Piero?
— Vai chegar amanhã bem cedo.
— Ainda bem que concordei, né? — brincou Agnes caindo na
gargalhada. — Você é terrível, já veio com tudo armado.
— Claro, quero batizá-los antes de o Gianni nascer.
— Nossa, acho que nem tenho um vestido decente para usar.
— Eu também pensei nisso.
Agnes cerrou os olhos.
— Tem alguma coisa que você não pensou?
— Acho que não... Trouxe roupa para minhas duas madrinhas; iguais,
diga-se de passagem, assim como para os padrinhos. Quanto a comida, eu já
tinha falado com a Rita. Nós teremos um belo café da manhã.
— Mas, lindo, se bem te conheço — completou Agnes.
Chiara começou a arrumar o gramado para o batizado enquanto Rita
fazia uma deliciosa pizza caseira para jantarem e Paolo ficou incumbido de
olhar as quatro crianças, o que quase o deixou louco.
A noite terminou com todas as barrigas cheias e a promessa de uma
linda cerimônia, logo pela manhã, o que motivou que todos fossem dormir
cedo.
Agnes colocou o celular para despertar antes das cinco e por causa da
gravidez, foi difícil se obrigar a levantar.
Chiara já havia deixado seu traje separado e quando o colocou e se
olhou no espelho, ficou emocionada. Malditos hormônios que tinham que
agir apenas por se ver de branco, cor tradicional das madrinhas.
Depois de se recompor, desceu as escadas e encontrou todos na sala.
— Uau, nunca vi tanta gente reunida a essa hora — brincou juntando-
se a eles.
— A madrinha me ligou, está chegando com o padre — anunciou
Chiara animada. — Pega um que eu pego outro — completou, referindo-se
aos bebês.
— Vamos? — chamou Leonello tomando a frente.
Chiara realmente havia arrasado na decoração. Estava tudo lindo e
simples, com flores para todos os lados e uma linda casinha de madeira onde
o padre abençoaria os dois lindinhos.
Será que ela havia levado aquilo na mala também?
Encontrava-se sentada quando ouviu o som do motor do barco.
— Finalmente... Vou lá buscá-la — anunciou Paolo.
— Bem na hora, o sol está quase saindo.
Olhou para o horizonte onde o céu ganhava nuances amarelados. Logo,
um alaranjado sutil, mas muito brilhante, começou a se destacar na medida
em que o astro-rei despontava na linha entre o céu e o mar.
Agnes estava hipnotizada. Ainda que morasse ali, não era muito
acostumada a se levantar àquela hora. Muito embora achasse que jamais de
acostumaria com tamanha beleza.
Leonello parecia estar no mesmo transe, assim como Edoardo.
Maria e Mattia já tinham se livrado do mal humor matutino e não
largavam os brinquedos nem por um decreto divino. Então Chiara havia
desistido de chamá-los, tê-los perto somente na hora da foto já estava de
bom tamanho.
— Vamos começar, pessoal? — chamou Paolo ao seu lado.
— Vamos — falou Agnes, levantando-se.
Quando se virou, ela achou que estivesse alucinando e sua vista
escureceu.
Não tinha ideia de quantos segundos perdeu a noção de tempo e
espaço, mas quando tomou consciência novamente, estava sendo amparada
por ele.
— Tiziano? — falou com um misto de sentimentos.
Olhou ao redor para ter certeza de que todos viam a mesma coisa.
Edoardo parecia atônito e ao mesmo tempo inconformado. Já Leonello
tinha um sorriso malicioso no belo rosto. Paolo e Chiara também sorriam,
mas era de pura felicidade.
Tiziano, por sua vez, não conseguia tirar os olhos da barriga de sua
garota.
— É meu, né? — quis confirmar.
— Seu desgraçado — bradou ela aos prantos, dando seguidos tapas no
peitoral do rapaz. — Como você pôde fazer isso comigo? Tem ideia do
quanto eu sofri? Do quanto chorei?
— Calma — falou ele segurando suas mãos. — Depois que você foi
raptada eu percebi que nunca estaria segura e não poderia viver com esse
perigo te rondando, você não merecia essa vida.
— Por que não falou comigo? Por que tanto tempo?
— Não pude, por favor, me entenda, nem o Leonello sabia onde eu
estava. Fiquei esses meses como nômade, pulando de país em país para não
ser reconhecido, afinal, Ludovica ainda está por aí.
— Não vou sentir pena de você... Fiquei aqui sozinha, chorando sua
ausência quase todas noites desde...
— O que são algumas noites comparadas a vida que teremos juntos, e
o melhor, sem máfia ao nosso redor.
— Vocês armaram isso?
— Só assim para sair da máfia, lembra? — deu de ombros. — Só
Leonello sabia que eu estava vivo, mas nem com ele eu tinha contato.
Precisava sumir de verdade.
Agnes limpou as lágrimas que não paravam de descer e Tiziano a
pegou no colo em um abraço carregado de saudade.
— Todas as noites eu sonhava com seu cheiro, louco para voltar, mas
não podia.
— Como eu senti sua falta — admitiu, permitindo-se relaxar e
agradecer por Deus ter operado um milagre. — E, é claro que é seu, idiota.
— Não acredito que vou ser pai — falou como se só tivesse se dado
conta naquele momento. Acariciou a barriga quando o bebê chutou. — Eu
nunca mais vou embora — afirmou, ajoelhando-se e dando um beijo no
ventre de sua garota.
— Ei... Me desculpem, mas já deu o tempo e o sol já praticamente
nasceu por completo. Vamos começar? — sugeriu Chiara com lágrimas nos
olhos.
— Claro... Ei, você vai ser meu par? — perguntou Agnes animada. —
Ainda não estou acreditando que está comigo de novo.
— Eu te amo e nunca mais vou precisar ir embora — afirmou dando
outro beijo apaixonado nela.
— Eu também. Acho que te esperaria pelo resto da vida, mesmo sem
saber se você iria voltar.
— Eu contava com isso — falou o rapaz acariciando seu rosto.
Todos tomaram seus lugares.
— Vamos, minha beata?
— Vamos — falou com um grande sorriso estampando o rosto. — Mas
não pense que ainda não temos muito o que conversar...
O padre se posicionou no lugar e Agnes notou algo de estranho.
Quando se virou para trás estavam todos sentados nas cadeiras,
emocionados.
Parecia um... Casamento!
Quando se deu conta, já era tarde, estava no altar improvisado, com
sua mão grudada na de Tiziano e o olhar profundo do rapaz nela. Aquele
olhar pelo qual se apaixonou, com uma mistura de paixão, ironia e entrega,
tudo junto naquele mar azul.
De mãe solo, viúva pela segunda vez e mulher convicta de que viveria
para o filho, passou a ser a criatura mais realizada do mundo.
Eles começariam do zero e escreveriam um novo começo.
EPÍLOGO

O caminho até que Agnes e Tiziano ficassem juntos foi longo e


tortuoso.
Na madrugada anterior ao leilão, quando o rapaz estava sozinho em
seu quarto pensando como conseguiria viver esse amor sem a interferência
da organização, chegou à conclusão de que aquilo jamais isso iria acontecer,
pois os negócios sempre teriam prioridade para um Don.
Mas em seu coração, o máximo que poderia dar para a moça não era
suficiente, tinha que ser por inteiro, como jamais acreditou viver.
Desde que nasceu, foi treinado para ocupar aquele cargo e somente a
morte o tiraria daquele destino. E foi ao pensar nisso que uma luz se acendeu
diante de tamanha escuridão.
Chamou Leonello para compartilhar seu plano maluco, pois se tinha
alguém que o ajudaria sem piscar, era irmão o caçula.
Mesmo assim, Leonello ainda o advertiu, todavia, não foi contra e, no
fundo, ficou feliz pelo irmão ter encontrado algo que o fizesse acreditar que
poderia ser feliz, encontrar um caminho próspero longe daquele mundo
infortuno em que haviam crescido. Para um mafioso, se apaixonar por
alguém e ser correspondido na mesma medita era como ganhar na loteria.
Naquela noite, passaram o plano mais de dez vezes e, no final,
Leonello se pegou pensando que jamais sentiria qualquer emoção
semelhante, pois se Tiziano tinha um muro em volta do coração, o caçula não
tinha nada além da fortaleza de pedras envolvendo um espaço vazio, e estava
muito bem com aquilo.
Então, na noite do leilão, Tiziano inseriu, por debaixo de seu terno, um
colete a prova de bala, e em lugares estratégicos, colocou pequenas
bolsinhas com sangue, pois assim que o tiro batesse elas explodiriam.
Estavam contando com a sorte de Vito querer matá-lo e com um tiro no
peito, pois se ele resolvesse mudar o percurso e atirar na cabeça... Não teria
sido o melhor desfecho.
De qualquer forma, Davide, seu soldado, estava a postos, pois se nada
tivesse acontecido até o final do discurso, ele dispararia contra o próprio
Don, entretanto, quando o rapaz já estava com a arma mirada, pronto para
cumprir o dever que lhe foi incumbido, Vito resolveu entrar em cena, assim
como Tiziano havia antecipado.
Mais previsível impossível.
Para a sorte do rapaz, tudo havia saído exatamente como o planejado,
pois apesar do risco que correu, valeu a pena somente para se ver livre
daquela vida, que apesar de ter exercido com excelência, nunca almejou de
verdade, só lhe trouxera desgraça.
Após a parte mais difícil do plano ter dado certo, não foi difícil
comprar alguns funcionários do hospital e do serviço funerário, para dar
andamento no plano sem levantar suspeitas. O médico da famiglia sabia
exatamente o que fazer e como atuar para o teatro parecer verdadeiro.
O corpo de um sem-teto, com características similares, foi colocado
dentro do caixão, para o substituir. O cabelo de Tiziano foi raspado e
alocado no cadáver bem como seu anel, que pertencia a organização. Tudo
para encorpar veracidade à morte.
Vito foi um bônus maravilhoso que conquistaram com esse plano e
Tiziano já havia conversado com o irmão que era ele quem o sucederia, pois
acreditava na mudança do caçula e confiava que continuaria seu legado.
O ex-Don ficou todos aqueles os meses como um nômade, se mudando
a cada dez dias, sem criar vínculo com ninguém ou lugar algum, pois sabia
que Ludovica não havia acreditado em sua morte, visto que tinha indícios de
que ela estava procurando por ele. Por esse motivo, teve que se afastar por
tanto tempo.
A mulher estava foragida, contudo, não significava que estava ausente
dos negócios, muito pelo contrário, aquele demônio, que se manteve
escondido por anos, parecia ter olhos em cada canto do mundo.
Por causa dela, teve que engolir a ansiedade de ouvir a voz de sua
amada e saber como ela estava, se não fizesse isso, todo o sofrimento que
causou a Agnes seria jogado no lixo.
Nem mesmo com Leonello Tiziano manteve contato. O caçula
simplesmente confiou e prometeu cuidar de Agnes o tempo que fosse
necessário até seu retorno, por isso, após cinco meses, quando Leonello
recebeu a ligação tão esperada, ficou extremamente feliz em saber que o
irmão mais velho estava bem e tudo havia saído como o planejado, já que,
aparentemente, Ludovica havia dado uma pausa nas buscas, dando a entender
que, finalmente, havia acreditado da morte do filho mais velho.
A ideia da surpresa que fariam para Agnes, foi do próprio Tiziano, e
para tudo ficar ainda mais emocionante, Leonello optou por manter o
segredo da gravidez, queria ser testemunha da cara de idiota que o irmão
faria.
Todos tiveram uma parcela de ajuda para o casamento sair como o
planejado, Tiziano reconhecia que, talvez, não acontecesse como Agnes
sonhou, porém, o que realmente importava era poderem, finalmente, ficar
juntos.
— Você sabe que, até hoje não acredito em tudo o que aconteceu... Nas
reviravoltas da vida — ponderou Agnes, deitada sobre o peito de Tiziano.
Como sempre, a manhã na ilha estava maravilhosamente ensolarada. A
sacada estava com as portas abertas e o vento fazia a cortina branca dançar
ao som da natureza.
— O que eu sempre te falo? A pressa é inimiga da perfeição, temos
que ter paciência.
— Você realmente foi paciente, em relação a tudo.
— O que a vontade de comer essa bocetinha delicia não fez... Olha só
onde estamos — declarou com os braços abertos.
— Ridículo — repreendeu a moça dando uma mordida no peito do
rapaz.
— Você só não ganha uns tapas na bunda porque pode afetar meu bebê.
— Nosso.
— Sim, nosso — falou despretensioso, mas olhou para a barriga e
repetiu. — Meu filhão.
— Ai — gritou Agnes.
— Ei... O que foi?
— Vai nascer — disse rapidamente.
— Nascer? Agora? — perguntou em um rompante, já se levantando.
— Sim. Agora... Chama a parteira.
Durante a próxima hora, Tiziano se esqueceu da sua própria filosofia
de vida. Ver sua mulher ali, parindo seu filho, mandou a paciência ir dar uma
volta e voltar quando tudo tivesse terminado.
Apesar da moça nunca ter tido um filho, ela, obviamente, se saiu
maravilhosamente bem na função, pois além de dar à luz, tinha que acalmar o
marido, que estava prestes a explodir como um vulcão.
— Você consegue — incentivou Tiziano segurando sua mão.
— Eu sei — falou, forçando para o menino vir ao mundo.
— Vamos, minha filha, está quase — declarou a velha senhora.
— Isso mesmo, minha beata, vamos... — incentivou Tiziano. — A
união faz a força — completou, rindo.
Gianni veio ao mundo naquela linda e ensolarada manhã de verão,
porém, logo após seu nascimento foram surpreendidos com uma tempestade
sem igual.
— Ele é a sua cara — afirmou a moça, admirando o lindo menino em
seus braços.
— Lindo, não é? — zombou, abarcando os dois em um abraço. —
Nunca vou me arrepender do que fiz. Na verdade, faria tudo mil vezes se
fosse preciso. Eu te amo.
Agnes, que já estava emocionada por conta do nascimento de Gianni,
chorou ainda mais pelas palavras do marido.
— Eu também, você foi minha melhor escolha.
Os olhos do pequeno príncipe mais pareciam dois diamantes de tão
claros e enquanto sugava o leite com avidez, observava os pais com atenção,
como se reconhecesse suas vozes.
— Já percebeu que esse menino não veio para brincar, não é? —
observou Tiziano, apontando para a tempestade do lado de fora.
— Filho de peixe, peixinho é!

FIM
OUTROS LIVROS DA AUTORA
AMOR E OBSESSÃO
(L I VRO Ú N I CO )

Quando adolescente, Lucy Allen se apaixonou perdidamente por Hector Bullock, mas após uma
grande decepção, ela deixou tudo para trás e foi em busca de seus sonhos. Hector, por sua vez,
tinha inúmeras responsabilidades e não pôde se dar ao luxo de fazer o mesmo.

Muitos anos se passaram, ambos se tornaram profissionais bem-sucedidos, mas seus corações
nunca esqueceram o amor de sua juventude. E isso se torna visível quando eles se reencontram.

Contudo, antes de poderem viver esse amor, precisarão contar com a ajuda da destemida Amber
Carter, uma investigadora linha dura que não descansará enquanto não resolver os crimes que
surgiram em sua pacata cidade.

– DISPONÍVEL NA AMAZON –
TRECHO DO LIVRO

Prólogo

Preston Miller estava animado para iniciar mais um plantão noturno na


cidade de New Rondy.
Embora relativamente pequena, a cidade de belas paisagens possuía
tudo: bons restaurantes, uma universidade renomada, um hospital de
referência, além de um polo industrial que era o orgulho do atual prefeito,
uma vez que empregava mais da metade da população.
Ali, todos se conheciam ou, pelo menos, já haviam se encontrado em
algum supermercado, livraria, parque ou no famoso centro gastronômico
frequentado por famílias de toda região nos fins de semana.
Enquanto se encaminhava à delegacia central, observou as copas
amareladas das árvores e as folhas secas caídas pelas ruas. Era o anúncio da
chegada de mais um inverno.
Preston gostava muito da primavera que deixava a cidade, repleta de
parques e ruas arborizadas, tomada por flores de todos os tipos. Mas o
inverno, a seu ver, tornava tudo mais intimista e bucólico devido às lareiras
acesas dentro das casas.
Minutos depois, chegava a delegacia onde ficaria até a manhã seguinte.
Por volta das 2h da madrugada, ele e Grecco, seu parceiro, saíram
para fazer sua ronda.
Quando o ex-parceiro de Helton Grecco se aposentou, recomendou ao
delegado que colocasse Preston em seu lugar. Considerava-o um jovem
promissor que apreciaria os ensinamentos de um policial experiente, além de
achar que o temperamento de ambos combinaria.
E estava certo. Apesar da diferença de idade, os dois tinham muito em
comum e se deram bem desde o início.
Já se encontravam em uma rua próxima ao centro da cidade, quando
receberam uma chamada.
— Solicitação de viatura para o número 243 da Rua Robinson,
possível briga de casal. A pessoa disse ter ouvido o que pareceu ser um
tiro — disse a voz no rádio.
— Aqui é a viatura 4312, estamos a sete minutos do local e
respondendo ao chamado — disse Grecco imediatamente.
Durante os minutos seguintes, Preston sentiu um desagradável
presságio. Quando olhou para o parceiro, notou que ele parecia mais
compenetrado que o de costume e imaginou que deveria estar com o mesmo
pressentimento.
De maneira natural, seus lábios formaram uma linha rígida, o único
sinal de tensão que seu corpo deixou transparecer.
Grecco não falou uma palavra e Preston fez o mesmo, optando por
manter seus sentimentos para si.
Quando, por fim, chegaram a rua Robinson, ele diminuiu a velocidade
e ficou atento ao seu redor. A área domiciliar possuía casas grandes, de alto
padrão, e parecia tranquila, como se nada tivesse o poder de acabar com
aquela paz.
A viatura continuou avançando devagar, o farol baixo para não chamar
a atenção. O único som vinha do vento que fazia as copas das árvores
dançarem ordenadamente como se estivessem sendo orquestradas.
Assim que pararam o carro um pouco abaixo do número 243, a
primeira coisa que viram foi que a porta da casa estava entreaberta. Aquilo
não era um bom sinal e o oficial Miller sentiu um frio percorrer sua espinha
da nuca até a lombar de forma inelutável.
— Central. Aqui é a viatura 4312 solicitando reforços — falou Grecco
saindo do carro e tomando a frente, como sempre fazia.
Ele se posicionou diante da garagem com a Glock nas mãos para dar
cobertura a Preston que passou por ele e foi, abaixado, até a janela da sala
para ver se havia algum movimento. Ao constatar que estava tudo bem,
acenou para o parceiro que se posicionou ao lado da porta.
Quando Preston se colocou do outro lado, Grecco contou até três
silenciosamente e terminou de abrir a porta com o pé.
O rangido que ela gerou lembrou a ambos um filme de terror.
— Polícia! Tem alguém em casa? — inquiriu Grecco, a voz alta e
firme.
Após alguns segundos sem resposta, Preston entrou, pé ante pé,
seguido por seu parceiro e os dois, cuidadosamente, avançaram em meio à
escuridão que era quebrada apenas pelo foco de luz gerado por suas
lanternas.
Passaram pelo primeiro cômodo, uma sala de estar, e continuaram,
bem devagar, sem baixarem a guarda, cobrindo um ao outro. Chegaram à sala
de jantar e as lanternas iluminaram o imponente lustre que pairava sobre a
grande mesa de vidro branco fosco.
Encontraram outra porta entreaberta e ao se aproximarem, o cheiro
metálico e inconfundível de sangue foi ficando cada vez mais forte.
Embora tivessem esperança de que a pessoa do outro lado estivesse
apenas ferida, a experiência lhes dizia que a história era outra. O cheiro de
morte pairava no ar.
Dessa vez, Preston empurrou a porta para Grecco entrar. O cômodo,
uma biblioteca com incontáveis livros, dizia que a casa pertencia a alguém,
no mínimo, estudioso. Embora fosse bem provável que estivessem ali apenas
para agregar status.
Enquanto avançavam, foi possível detectar uma grande desordem no
ambiente com objetos pelo chão e uma cadeira caída, demonstrando que
havia ocorrido uma briga, como o vizinho havia relatado à central.
Após alguns passos, Grecco se deteve e Preston soube que ele havia
encontrado o que procuravam.
Embora houvesse uma grande mesa de madeira impedindo a visão da
maior parte do corpo, era possível ver as pernas e os pés ainda calçados em
uma sandália alta.
Quando se aproximaram da moça, a causa de sua morte estava nítida:
um tiro único e certeiro na testa.
— Acredito que não haja mais ninguém aqui, mas temos que verificar
a casa. Vou fazer uma varredura lá em cima e você termina de olhar aqui
embaixo — sugeriu Grecco, e acrescentou, enquanto saía do cômodo: — Vou
chamar a divisão de homicídios e solicitar uma equipe criminal.
— Tudo bem — respondeu Preston, os olhos ainda presos na vítima.
Mesmo tendo sido preparado para lidar com qualquer situação, era
sempre um baque se deparar com aquela cena. Quando ingressou na polícia,
ele desejou que pudesse passar seus anos de trabalho sem presenciar algo
como aquilo.
Sabia que seria impossível, mas ainda assim desejou.
Desviou o olhar da jovem, que ainda tinha os olhos abertos, e começou
a observar ao redor.
A primeira coisa que viu foi um caderno, ou algo do tipo, embaixo da
mesa, próximo à mão esquerda dela. Era pequeno e ao olhar mais de perto,
notou que poderia ser um diário ou um caderno de anotações.
Não ousou tocá-lo, em vez disso, olhou ao redor em busca de outras
evidências.
Já no andar de cima, Grecco encontrou três portas, todas abertas.
Conforme seus pés pressionavam o piso carpetado, um grunhido
irritante soava alertando sua presença.
No primeiro quarto, em frente à escada, havia apenas uma cama sem
lençóis e uma cômoda que, ele poderia apostar, estava vazia.
O segundo era uma espécie de escritório, com uma escrivaninha de
madeira.
O terceiro e último quarto, uma suíte, era o único mobiliado num estilo
provençal, cama king size arrumada e um guarda-roupa com uma dúzia de
roupas masculinas.
Estava prestes a abrir uma das gavetas quando um barulho vindo do
banheiro lhe chamou a atenção.
Sem hesitação, mas com bastante cautela, Grecco seguiu até lá.
Preston, por sua vez, saiu da biblioteca e se encaminhou à ampla e
clara cozinha com uma ilha no meio. À primeira vista, estava tudo em seu
devido lugar. Na verdade, era tudo tão novo, que parecia mal ter sido usada.
Lembrou-se que, tirando os livros, não tinha visto nada de pessoal na
casa... Isso o fez imaginar quem seriam os moradores.
Continuou andando até alcançar as portas francesas que davam acesso
ao quintal. Olhando mais de perto, viu que estava destrancada. Para não
apagar nenhuma impressão digital que pudesse ter ali, pegou uma caneta em
seu bolso e, com alguma dificuldade, conseguiu girar a maçaneta e abrir.
Lá fora, deparou-se com uma área de lazer completa, incluindo
churrasqueira e uma mesa com seis cadeiras sob um toldo branco que se
estendia até perto da piscina.
Assim como no interior, nada ali parecia ter sido usado nos últimos
tempos.
Quando voltou para dentro, deparou-se com Grecco entrando na
cozinha.
— A casa está limpa. Tudo o que encontrei foi um gato, mas acho que
ele não é daqui, porque saiu pela janela quando cheguei perto — informou o
parceiro.
— Aqui embaixo também não tem nada. Quer vistoriar a frente da casa
enquanto eu começo a fazer o relatório do que vimos quando entramos? —
perguntou Preston.
— Pode ser — disse Grecco, já se encaminhando para fora.
De volta à biblioteca, Preston iniciou seu relatório. Bons minutos
depois, voltou a se aproximar do corpo e seus olhos se voltaram para o
pequeno caderno abaixo da escrivaninha, sua mente curiosa e analítica
começou a conjecturar o que acharia naquelas páginas.
Será que encontrariam algo que ajudaria a descobrir quem havia
tirado a vida daquela jovem?, refletiu, analisando-a novamente.
Obrigou-se a desviar o olhar e prestar atenção a outros detalhes, mas
seus olhos sempre procuravam o corpo sem vida estendido ao chão. Ele não
se conformava com tamanho desperdício.
Por fim, voltou a anotar tudo o que havia de relevante na cena. De
repente, viu um movimento através de sua visão periférica e, instintivamente,
sacou sua arma da cintura.
— ATP, meu amigo — declarou Rufy, em um tom espirituoso, logo
atrás dele, assustando-o novamente, uma vez que não o tinha visto entrar.
— AT o quê? — retrucou Preston, ainda se recuperando.
— ATP, oficial, são moléculas que armazenam energia. A ausência
delas faz com que os filamentos dos músculos se unam, o que pode resultar
na movimentação brusca dos membros do falecido — explicou o perito
criminal, já começando a arrumar seu material de trabalho ao lado do corpo.
Ainda um tanto quanto apalermado, Preston respirou fundo, dizendo a
si mesmo que não havia passado de uma brincadeira de mau gosto da
biologia.
Logo o restante da equipe entrou e as evidências começaram a ser
coletadas.
Preston saiu da casa e andou até onde Grecco se encontrava,
conversando com a sargento Amber Carter, uma investigadora conhecida por
sua implacabilidade e competência.
Carter era alta, tinha um corpo atlético e devia estar com cerca de 30
anos. Sua postura alinhada e o semblante sério deixavam transparecer aos
oficiais a importância de suas conquistas no decorrer dos anos.
Ao se aproximar, Preston entrou na conversa que durou cerca de 10
minutos, tempo levado para que ele e seu parceiro recontassem seus passos
desde que chegaram ali.
— Obrigada, oficiais, espero o relatório de vocês amanhã —
completou a investigadora.
Antes de ir verificar a cena do crime, Amber esperou por Steve, seu
parceiro, que voltava da tarefa de conversar com os vizinhos que se
aproximaram para ver o que havia acontecido. Ambos desejavam encontrar
entre eles aquela senhora que sabia de tudo o que acontecia ao redor, embora
achasse que, pelo nível do bairro, algo assim seria difícil.
Naqueles lugares, cada um cuidava da própria vida, mal olhando para
os lados, porém, valia a pena tentar.
Mas foi em vão.
Todos os vizinhos pareciam até ter ensaiado, uma vez que falaram
basicamente a mesma coisa: quem morava ali era um homem com idade entre
35 e 40 anos que se mudara há pouco tempo e mal era visto. Já seu Mercedes
S300 preto, com películas escuras, foi citado mais de uma vez por eles.
Quando questionados a respeito de coisas específicas, foram enfáticos
sobre o fato de nunca terem visto festas nem ouvido som alto ou outro
barulho, também nunca viram cachorro, visitantes ou qualquer outra coisa,
uma vez que o vizinho sempre colocava o carro na garagem.
Enquanto entrava na casa, o olhar atento de Amber absorvia tudo ao
seu redor como um gravador portátil de última geração. Naqueles momentos,
todos ali sabiam que não deveriam interrompê-la sob nenhum pretexto.
A primeira coisa que anotou em sua agenda mental foi o quanto a casa
era impessoal, profissional e belamente decorada, mas sem nenhuma
individualidade.
Era uma residência padrão, masculina, sem qualquer toque feminino,
sem fotos ou objetos que pudessem delatar algum traço da personalidade do
morador.
— O que temos aqui, Rufy? — perguntou a investigadora ao perito,
calçando o par de luvas oferecido pelo assistente.
— Jovem entre 28 e 35 anos com um tiro na cabeça. Essa foi a
provável causa da morte, mas só poderei ter certeza após a necrópsia. Na
cena encontramos um cartucho, um diário e algumas impressões digitais.
Acredito que sejam da vítima, já que o resto da casa está limpo —
respondeu Rufy, sem se voltar para a investigadora. — Mas eu ainda não
olhei tudo.
Ao se abaixar para observar o corpo de perto, Carter notou que havia
um colar com um pingente de coração em seu pescoço. Poderia estar
enganada, mas achava que era de ouro, diferente dos demais acessórios, que
seguramente se tratavam de bijuterias. Sua primeira suposição foi de que ela
não pertencia àquela casa.
Também percebeu que a jovem sem vida no chão, com seu rosto
afetuoso e as roupas coloridas e ousadas, vivera intensamente, um grande
contraste à casa inóspita em que morrera.
— Só encontramos roupas masculinas no andar de cima, sargento —
disse alguém, como se pudesse ler seus pensamentos.
Amber continuou em silêncio, verificando cada detalhe, tentando
“escutar” o que ela poderia lhe dizer.
Estreitou os olhos ao notar o indício do que parecia ser uma folha de
papel sob suas costas. Com cuidado e certo esforço, ergueu o corpo da
jovem somente o suficiente para retirá-lo.
Pondo-se de pé, começou a ler.
— Carter — disse Steve, chamando sua atenção —, acabei de falar
com a vizinha que fez a ligação para a central. Segundo me disse, ela estava
voltando do passeio com o cachorro quando escutou uma discussão
acalorada, o que lhe chamou a atenção, pois não era algo que já tenha visto
aqui. Vários minutos se passaram até ouvir o que pareceu ser um tiro. Disse
que demorou a ligar porque estava com medo, mas, por fim, decidiu. Tinha
acabado de falar com a atendente quando viu a Mercedes preta sair da
garagem e se afastar em alta velocidade na direção leste.
“Ei, tudo bem? — perguntou, curioso, quando a investigadora
permaneceu em silêncio ainda encarando o papel.
Eles já trabalhavam juntos há seis anos e se conheciam o bastante para
saber quando algo incomodava o outro.
— Ela estava grávida — disse, estendendo o papel que segurava para
o parceiro.
Os olhares de quem se encontrava ali se voltaram para a
investigadora. Provavelmente, todos pensaram o mesmo que ela: aquele
poderia ser o motivo do crime.
— O exame está no nome de Lucy Allen.
— Sim, eu vi. Vamos descobrir quem ela é.
Todos assentiram.
— Mais alguma coisa? — perguntou Amber ao seu fiel companheiro.
— Não.
Ela assentiu e analisou cada detalhe do cômodo.
— Verifique mais. Uma casa desse padrão teria algo como um cofre,
por exemplo, e se o dono saiu com tanta pressa quanto imaginamos, talvez
tenha deixado algo para trás — cogitou a investigadora conhecida por ser
extremamente meticulosa nas cenas dos crimes. Nada escapava ao seu olhar.
— Esse é o Irises, do Van Gogh? — perguntou ao parceiro, a atenção em um
quadro na parede.
— Hum, não tenho a menor ideia. Vou verificar.
— Ele foi roubado do museu de Los Angeles há alguns anos —
continuou Carter, aproximando-se para ver mais de perto. — Se for uma
réplica, é uma das mais perfeitas que já vi. Mas se for verdadeiro, vale mais
de cem milhões de dólares — concluiu.
— Como sabe disso? — perguntou Steve.
— O legado do meu pai não se restringiu ao desprezo que começou a
sentir por mim desde que parei de fazer suas vontades — respondeu com um
discreto sorriso de escárnio.
Sua família era extremamente rica e seu pai, um amante da arte.
Quando criança, Amber visitou inúmeros museus em todo o mundo e foi
obrigada a ir a diversos leilões. Graças a isso, seus olhos já haviam visto
muitos quadros valiosos e devido à época em que trabalhou com crimes
relacionados a roubo e falsificação de obras de arte, em Nova York, se
deparou com várias réplicas. Não era uma especialista, longe disso, mas
tinha uma noção muito grande do assunto.
E embora não gostasse de admitir, ainda carregava consigo o gosto
pelas belas artes.
Enquanto seus homens trabalhavam ao seu redor, continuou parada em
frente ao quadro, a cabeça a mil tentando montar o quebra cabeça em seu
cérebro.
Sabia que o caminho seria longo, mas já havia dado a largada e só
pararia depois de resolver tudo.
— Chame o Eden, não há ninguém melhor para nos confirmar isso —
exigiu quando recebeu a confirmação do nome do quadro.
— Já estou fazendo isso.
Enquanto o parceiro ligava para o marchand que vivia em Nova York,
Amber fez uma rápida pesquisa sobre a obra em seu celular e em poucos
minutos constatou que tinha informações suficientes para iniciar sua corrida.
— Vamos, Steve. Já pegamos o que precisávamos por aqui. Rufy,
assim que sair o resultado da necrópsia, me avise, por favor — pediu Amber
ao perito, já se encaminhando para a saída. — Ah! E se acharem qualquer
coisa remotamente relevante, liguem para mim imediatamente.
— Eden estará aqui amanhã de manhã — falou Steve, caminhando ao
lado da investigadora em direção ao carro. — Ficou empolgado com a
possibilidade de colocar as mãos no quadro supostamente roubado.
— Ótimo. Agora, vamos tentar coletar alguma coisa na delegacia —
proferiu a investigadora —, precisamos descobrir quem ela é.
Capítulo 1

Lucy fitava suas roupas há mais de vinte minutos e chegou à conclusão


de que não tinha nada descolado o suficiente para ir onde pretendia naquela
noite. Precisava modernizar seu guarda-roupas urgentemente.
Esse era o problema de só ter familiares com mais de 50 anos,
pensou, desgostosa e divertida ao mesmo tempo.
Após vasculhar os cabides pela 5ª vez, acabou por escolher um
vestido com estampa floral. Ele tinha mangas compridas e era rodado, mas
marcava bem sua cintura esbelta. Lucy o havia ganhado em seu último
aniversário de sua tia Bubble que, apesar da idade, até tinha bom gosto.
Depois de vestida, maquiou-se de forma a parecer natural,
caprichando apenas no rímel, a fim de destacar os lindos olhos esverdeados.
Para parecer um pouco mais sofisticada, havia feito um coque bem alto
na cabeça, deixando duas mechas despretensiosas caídas em cada lado do
belo rosto.
Sentiu-se levemente encabulada, mas excessivamente feliz ao entrar na
sala e ver o olhar de admiração que seus pais lhe lançaram.
Por trás daquela jovem estava uma mulher em mutação, a inteligente e
amorosa Lucy era como uma lagarta transformando-se em uma majestosa
borboleta.
— Uau! Você está linda, querida! — elogiou Nora.
— Sim, minha bonequinha está um arraso. Mas para que tanta
arrumação? — quis saber Harry. — Está com algum namorado, meu amor?
— Quantas perguntas! Mas não, eu não estou namorando ninguém, é só
uma festa.
— Tudo bem. Apenas mantenha o celular ligado e nos telefone se
houver qualquer coisa — advertiu a mãe.
— Ok, pode deixar — garantiu, sentando-se para se calçar.
Ela havia resolvido usar um sapato de salto médio para compensar a
baixa estatura. Era um risco, já que não era acostumada, mas decidiu que
estava na hora. Além disso, havia treinado durante a semana e estava
confiante.
O som de uma buzina interrompeu o programa que os pais de Lucy
assistiam na TV todos os sábados.
— Minha carona chegou — disse a jovem desnecessariamente,
levantando-se para sair.
— Boa festa — desejou Harry da porta, abraçado à esposa.
Feliz, Lucy foi em direção ao carro de Sammy, mãe de Alyssa, sua
melhor amiga, mas eles permaneceram ali, mesmo após o veículo ter sumido
de vista.
Sempre que a filha saía, a preocupação tomava conta de seus
corações.
— Lucy é uma garota esperta, não devemos subestimá-la — disse
Harry, tentando acalmar a esposa.
— Não a subestimo. Só fico com medo. É nossa menininha.
— Não mais, meu amor. Ela agora é uma mulher e vai trilhar seu
próprio caminho. Tudo o que podemos fazer é mostrar que sempre estaremos
ao seu lado, só isso — concluiu Harry.
Nora assentiu com a cabeça, porém, como todas as mães, não se
deixava convencer tão facilmente, havia um instinto superprotetor
relacionado à única filha, especialmente porque podia jurar que era capaz de
sentir um algo a mais, algo que Harry não compreendia.
Mas o marido estava certo, criaram a filha para ser independente e
aprender a tomar as melhores decisões, tentar mantê-la em uma redoma não a
ajudaria em nada.
— Vamos entrar — ela sugeriu e eles se mantiveram agarrados um ao
outro enquanto continuavam a ver seu programa de TV.
Diferente dos pais, Lucy se sentia extremamente excitada com a noite
que teriam pela frente e sua animação era idêntica à de Alyssa que, por sua
vez, estava superarrumada.
Ela e a mãe eram muito parecidas, tanto fisicamente quando em
personalidade. Ambas eram lindas como uma boneca, cada uma do seu jeito;
também eram divertidas e faziam todos a sua volta se sentirem acolhidos.

Sammy Witkin ainda era bastante jovem e por causa disso, ela e

Alyssa costumavam vestir as mesmas roupas, salvo por algumas exceções.

Naquela noite a amiga vestia um conjunto rosa de mangas compridas e


saia rodada acima do joelho que contrastava lindamente com sua pele
morena. Seus cabelos, longos e cachados, estavam soltos e tinham um
balanço quase musical quando ela se movia.
As duas amigas eram muito diferentes em vários aspectos, mas essas
diferenças as completavam e reforçavam a amizade que durava desde o
jardim de infância.
— Chegamos, meninas — falou Sammy. — Pego vocês neste mesmo
lugar às 23h.
— Tudo bem, mãe, nós estaremos esperando — disse Alyssa e foi
ratificada por Lucy, antes que esta saísse do veículo.
A grande quantidade de carros em frente à residência mostrava que o
lugar estava abarrotado de gente e a festa, no auge.
O exterior da casa estava excessivamente iluminado. Lucy conjecturou
se seria por conta da festa ou se todos aqueles holofotes enormes haviam
sido colocados ali para evitar assaltos ou destacar a residência das demais.
Pouco antes de chegar à porta, ela hesitou. Lugares lotados a deixavam
nervosa.
Por conhecer muito bem a amiga, Alyssa logo percebeu e agarrou seu
braço.
— Nada disso, vamos... — incitou, puxando-a consigo. — Não pense,
apenas curta — completou na hora em que ambas atravessaram a porta de
entrada.
Em contraste com o lado de fora, o interior da casa estava escuro,
exceto por diversos focos de luz espalhados aleatoriamente, permitindo que
os convidados andassem sem tropeçar e reconhecessem uns aos outros.
Na medida em que avançavam, viam as pessoas conversando e
dançando, alguns conhecidos, outros não. Havia alguns grupos formados,
muitos sentados, mas a maioria se encontrava em pé pelos cantos. Alguns
apenas curtiam suas bebidas e cigarros, alheios ao que acontecia ao redor,
outros conversavam, tarefa difícil devido ao som de Akon que, dava a
impressão, saía das paredes, mas eles pareciam não ligar, pelo contrário, se
entendiam muito bem.
Alyssa reconheceu um dos grupos e caminhou até lá, carregando Lucy
consigo.
— Lis, vou pegar algo para beber — disse Lucy à amiga após alguns
minutos.
— Traz pra mim também — ela pediu, já se virando para uma das
meninas com quem conversava e ria animadamente.
Lucy não sabia onde era a cozinha, então saiu desbravando a casa,
reparando em cada detalhe. A despeito da quantidade de pessoas, da fumaça
do cigarro e da pouca luz, viu que tudo parecia muito limpo. Os móveis, de
muito bom gosto e visivelmente dispendiosos, eram claros e a escada de
vidro, assim como o pé direito duplo, deixavam o ambiente muito mais
amplo.
Olhando para cima, viu um lustre imenso pendendo do teto. Pela
altura, imaginou que devia ter de dois a três metros de comprimento e era
absolutamente esplêndido.
Estava tão fascinada pela decoração e arquitetura que quase se
esqueceu do que tinha ido fazer.
Quando encontrou a cozinha, pegou dois copos e os encheu com o
ponche avermelhado que se encontrava sobre a bancada. Visualizou alguns
petiscos salgados ao lado, mas preferiu ficar somente com a bebida.
Ao se virar, bateu de frente com uma jovem alta, loira e totalmente
deslumbrante.
— Olha por onde anda, garota — falou ela de maneira altiva.
— Sinto muito, não foi minha intenção.
Sem ligar para seu pedido de desculpas, a jovem simplesmente se
afastou.
— Nossa, quanta ignorância, fui eu que me molhei — resmungou
consigo mesma quando viu a pequena mancha no vestido.
Não se importou demais com isso, mesmo assim parou e usou um
papel toalha para enxugar um pouco.
— Você está bem? — Uma voz masculina cochichou ao seu ouvido.
— Ai, Connor, que susto! — falou quando viu de quem se tratava.
O rapaz deu uma risada convencida, enquanto encarava Lucy
lascivamente, algo que ela notou de imediato.
Connor era o típico clichê que se via nos livros de romance: lindo,
alto, musculoso e capitão do time. Para validar ainda mais esse estereótipo,
muitas das garotas do colégio o desejavam e faziam de tudo para serem
notadas.
Lucy não as culpava, o aniversariante realmente chamava atenção, ela,
porém, prezava muito mais o intelecto do sexo oposto, algo que faltava a ele.
— Me desculpe — pediu o rapaz, sem nenhuma convicção, dando-lhe
uma piscadela.
— Parabéns pelo seu aniversário — respondeu Lucy desviando o
assunto.
— Obrigado.
— Hmmm, sua casa é muito legal.
— Meu quarto é mais legal ainda, quer conhecer? — perguntou,
descaradamente.
— Não, obrigada, a Lis está me esperando.
Lucy tentou se afastar, mas Connor tinha chegado perto demais, quase
encostando o quadril no dela.
Ao ver sua presa tentando escapar, o jovem a pressionou contra a
bancada e Lucy não pôde fazer nada além de empurrá-lo, o que também foi
inútil. Com ele tão perto, entretanto, conseguiu notar em seu hálito que o
colega já havia bebido demais, então resolveu contemporizar.
— Você está bêbado.
— De jeito nenhum, só quero conversar com você — insistiu Connor,
agarrando seu braço com mais força e a puxando para si.
Um pouco desesperada, Lucy olhou para os lados, mas as pessoas ao
redor deles deviam estar achando aquilo completamente normal, pois nem
lhe dispensaram um segundo olhar, então, tudo o que lhe restou foi tentar
empurrar aquela verdadeira muralha de forma a lhe mostrar que realmente
não estava a fim.
— Deixa a garota em paz, Connor.
Aquelas palavras soaram como música nos ouvidos da moça
assustada.
O dono da voz desconhecida estava atrás de Lucy, do outro lado da
bancada e ela não podia vê-lo, mas agradeceu mentalmente pela
interferência.
— Ah, moleque, não fode, sai daqui.
— Desculpe, amigo, mas isso não vai acontecer. Por que não vai atrás
o Ian, ele estava procurando por você — disse o rapaz empurrando-o para
longe.
Connor ainda lançou um último olhar a Lucy antes de sair cambaleando
da cozinha. Estava tão bêbado, que nem se lembraria do incidente no dia
seguinte.
— Foi mal, ele fica chato e inconveniente quando bebe — disse o
rapaz, virando-se para ela.
Lucy ficou entorpecida ao visualizar seu salvador.
Ele era lindo!
E ao encarar aqueles olhos, tão verdes que pareciam duas esmeraldas,
ela se esqueceu de tudo o que conhecia sobre paixão, tamanho o impacto que
aquele olhar lhe causara.
Na mesma hora quis saber tudo sobre o garoto que acabara de libertá-
la do alucinado do Connor, mas, obviamente, ficou sem palavras, não sabia
como agir diante dele.
— Tudo bem. Obrigada — respondeu, timidamente, sentindo as maçãs
de seu rosto ferverem.
— Foi um prazer — ele falou com um sorriso torto que devia fazer os
corações das garotas palpitarem um pouco mais rápido, como estava
acontecendo com o dela.
Com medo de deixar seu entusiasmo ainda mais transparente e acabar
falando alguma besteira, resolveu sair dali.
— Bom, acho melhor eu ir, minha amiga deve estar preocupada.
Obrigada de novo.
— Não vai levar os ponches? — quis saber o rapaz com um sorriso
contido, apontando os dois copos.
— Ah, claro. Hmmm, obrigada — disse outra vez, pegando as
bebidas.
Que mico, pensou, sentindo como se as paredes daquela cozinha
estivessem se estreitando. Mas não, era simplesmente a mão dele que se
aproximava de seu rosto.
— Tem ponche na sua bochecha — disse limpando o líquido do rosto
dela. — Prontinho.
— Obrigada novamente — agradeceu pela quarta vez, desta feita,
passando por ele e deixando a cozinha.
Se tivesse virado para trás, teria visto que ele continuou
acompanhando seu caminhar, parecendo tão afetado quanto ela.
— Que demora, Lucy, estava quase indo atrás de você — disse Alyssa
quando Lucy se sentou ao seu lado.
— Me perdi — mentiu.
— Nossa, aqui é grande mesmo, né? Está curtindo a festa?
— Sim, claro. Está bem legal — respondeu e viu a amiga revirar os
olhos com sua falta de animação.
— Vamos até a piscina, falaram que lá está um pouco mais tranquilo.
— E no instante seguinte Alyssa estava puxando Lucy para a área externa.
Enquanto seguia a amiga, pensou que preferiria não ter que encontrar
Connor novamente, esperava que ele já estivesse caído em algum canto, em
vez de perturbando outra garota.
Do lado de fora estava realmente mais tranquilo, dava para manter
uma conversa sem elevar muito o tom de voz. Olhou ao redor e não viu
mesas ou cadeiras, as pessoa se reuniram em grupos enquanto bebiam e
conversavam.
— Quem é aquela ali? — Lucy perguntou indicando a loira alta que
estava do outro lado da piscina.
— É a Trinity, o pai dela trabalha com o do Connor. Por quê?
— Nós nos esbarramos na cozinha. Ela foi tão arrogante.
— Ela é arrogante mesmo — respondeu Alyssa bebericando seu
ponche. — Aquele que está chegando à roda é o ex-namorado dela.
Era o rapaz de olhos cor de esmeralda.
— Qual o nome dele? — perguntou Lucy.
— Hector.
— Hum.
— O quê? — Alyssa quis saber, desconfiada, e Lucy lhe contou o que
havia acontecido na cozinha, inclusive o quanto o achou bonito.
Ela ficou surpresa e ao mesmo tempo empolgada com a história que
ouvia, tanto pelo súbito interesse da amiga quanto por declarar aquilo tão
claramente. Lucy já tivera suas paixonites, mas Alyssa nunca tinha visto
aquele brilho de interesse em seu olhar.
Do outro lado da piscina, os olhos de Hector encontraram os de Lucy.
— Você viu como ele está te olhando?! — exclamou Alyssa, surpresa.
— Uau, muito sexy — completou, fingindo se abanar.
— Nada de mais — Lucy falou, tentando não se influenciar por aquilo.
— Nada de mais? Ele gostou de você também, dá para ver nos olhos
dele. Mas já te adianto que você vai ter problema com a Trinity.
Lucy franziu o cenho.
— Mas você não disse que ele era ex dela?
— Sim, mas a garota até hoje acha que o Hector é sua propriedade.
— Então é melhor saímos daqui, não quero confusão com nenhuma ex
territorialista.
Desta vez foi ela quem puxou Alyssa de volta ao interior da casa.
— Amiga, olha quem está ali — disse Alyssa, parando abruptamente.
— É o Rick.
— Nossa, ele é um gato.
— Sim. Vou lá falar com ele — disse, resoluta. Era a fim de Rick há
um tempão e não deixaria passar aquela oportunidade.
Lucy a apoiou e voltou para o grupo ao qual se juntara quando
chegaram à festa e de lá pôde notar a animação do rapaz ao ver Alyssa.
Ficou alguns minutos olhando os dois conversarem animadamente e
sentiu uma pontada de inveja da amiga. Ela era tão resolvida e audaciosa,
duas características que Lucy adoraria ter, nem que fosse um pouquinho.
Como não dava para ficar a noite toda olhando para eles, ela se voltou
para a garota ao seu lado e tentou acompanhar a conversa.
Alyssa, por sua vez, estava mais que animada. Dois anos mais velho
que ela, Rick era lindo e ela ainda não acreditava na sorte que teve por
encontrá-lo ali.
Depois de conversarem, eles haviam ido à cozinha para pegar uma
bebida, mas em vez de voltarem para a sala, ele a tinha guiado até a área da
piscina e naquele momento estava com a língua em sua boca.
Tinha certeza de que ficariam ali por muito tempo, se não tivessem
sido interrompidos.
— Você chega e não vai falar com os amigos? — disse Hector a Rick,
antes de puxá-lo para um abraço.
— Bom, você pode me culpar? — disse o rapaz, apontando para
Alyssa, que ficou corada de contentamento.
— Na verdade, não. Muito prazer, eu sou o Hector — disse o rapaz
estendendo a mão à garota.
— Oi, Hector, prazer, meu nome é Alyssa — respondeu ela dando-lhe
um beijo na bochecha. — Eu já te vi por aí.
— Eu também. Você é amiga da Lucy, né?
Alyssa estreitou um pouco os olhos e o fitou por um segundo a mais.
Como ele sabia o nome da Lucy, pensou, se ela me falou que eles não
tinham se apresentado?
Bom, se ele tinha ido atrás, significava que estava mesmo a fim.
— Sim. Ela está lá dentro. Quer que eu apresente vocês?
— Claro. Por que não? — falou, tentando mostrar pouco-caso, mas ela
tinha visto a forma como ele olhara sua amiga e sabia que não era assim.
Sabia também que Lucy ficaria muito sem graça, mas se ela não fizesse
nada, a amiga também não faria, pois era tímida demais.
Voltaram para dentro e logo Alyssa a avistou, estava sentada no mesmo
lugar, mostrando real interesse na conversa que estava rolando, mas poderia
apostar que seus pensamentos estavam longe.
E estavam mesmo. Por mais que tentasse prestar atenção às pessoas ao
seu redor, a mente de Lucy teimava em voltar a Hector, mais especificamente
à forma como ele a protegera e ao olhar que lhe lançou na piscina. Havia
dito à Alyssa que não tinha sido nada, só que não era verdade; poderia ser
inexperiente, mas conhecia um olhar de interesse quando via um.
Estava tão absorta em pensamentos, que não notou o trio que ia em sua
direção, até que ele parou na sua frente.
A primeira pessoa que viu foi Hector. Seus olhos se arregalaram e ela
ficou tão nervosa, que até sentiu um pouco de náusea. Para disfarçar e tentar
se acalmar, olhou para a pessoa ao lado e se deparou com Alyssa de mãos
dadas com Rick e um sorriso triunfante no rosto.
— Lucy — disse ela, puxando a amiga para que esta ficasse de pé —,
esses são Rick e Hector. Garotos, esta é a minha amiga Lucy.
— Prazer — respondeu ela timidamente, dando um beijo na bochecha
de cada um.
Quando sentiu seu cheiro, teve certeza de que jamais esqueceria
aquela fragrância, uma mistura de aroma natural com um delicioso perfume
masculino. Perfeito.
Ao se afastar, o rapaz lhe ofereceu um lindo sorriso e ela viu algo que
lhe passara despercebido durante a interação na cozinha: ele tinha covinhas.
— Lis falou muito de você — comentou Rick.
— Então estamos quites, porque também já ouvi muito sobre você —
contrapôs Lucy, rindo.
Alyssa deu uma risada exageradamente alta, coisa que costumava fazer
quando a timidez brotava, o que era raro.
Os quatro conversaram por muito tempo como se fossem velhos
amigos e sobre diversos assuntos, de modo que não viram o tempo passar.
Estavam rindo de algo que Rick contou, quando Trinity se aproximou com
seu ar de superioridade e, sem cumprimentar ninguém, colocou a mão no
ombro de Hector.
Veio marcar território, pensou Lucy, incomodada.
Alyssa revirou os olhos, Rick a encarou com um ar de reprovação e
Hector afastou a mão da ex no mesmo instante.
— Menos, Trinity — disse ele, baixo, mas não o suficiente para que os
outros não escutassem.
Como que adivinhando a tensão que pairava ali, o telefone de Lucy
tocou. Era o alarme que colocara para que não se atrasassem e deixassem
Sammy esperando do lado de fora.
— Bom, gente, infelizmente nós temos que ir — falou Alyssa e foi
nítida a expressão de decepção no rosto dos dois rapazes.
Elas começaram a se despedir, como se Trinity não estivesse lá.
Enquanto Lucy recebia um abraço afetuoso de Rick, o mesmo
acontecia com Alyssa, mas quando trocaram de lugar, as coisas ficaram mais
quentes, ao menos para Alyssa que recebeu um beijo daqueles de Rick.
Já Hector, deu um forte abraço em Lucy ao qual ela retribuiu, como se
fosse apenas certo estar nos braços dele.
— A gente se fala — sussurrou ele ao seu ouvido e ela acenou
discretamente.
Mas enquanto se encaminhavam para o carro que já as esperava, Lucy
pensou no ciúme doentio e despropositado de Trinity e de sua marcação
cerrada em cima de Hector.
Ela realmente gostou dele, principalmente depois de conversarem.
Mas será que estava mesmo disposta a entrar naquela batalha?
Capítulo 2

Trinity Lewis era linda e vinha de uma família com grande poder
aquisitivo. Seu pai fora o diretor de uma das maiores fábricas da cidade e
era visto como um homem respeitável e honrado.
Até que tudo ruiu.
Há alguns meses ele fora preso por desvio de dinheiro. Estava viciado
em jogos de azar e essa foi a maneira que encontrou para conseguir pagar
suas dívidas e, assim, poder jogar mais.
Quando isso veio à tona, ela perdeu o pai, a casa onde morava e toda a
estrutura familiar na qual crescera, regada a muita ostentação. E não teria
volta. Após o escândalo, seus pais se separaram de forma nada amigável e,
sem ter onde morar, ela e a mãe tiveram que ir para a casa da avó materna.
Tudo isso, infelizmente, gerou outras consequências. A mudança
brusca em seu estilo de vida afetou seriamente a saúde mental de Trinity,
cuja principal característica era a presunção. Muito por conta da inversão de
valores de seus pais, que, para evitar qualquer confronto, sempre lhe deram
o que queria. Devido a isso, sua adaptação a essa nova realidade estava
sendo muito mais difícil.
Já a mãe da jovem, Beatrice, não pudera se dar ao luxo de apenas se
sentar em um canto e lamentar. Ela precisou arrumar um emprego e tudo o
que conseguiu foi uma vaga de garçonete em um restaurante no centro da
cidade.
Sua ‘cegueira intencional’ e a despreocupação para com o futuro
estavam lhe cobrando um alto preço e o arrependimento lhe visitava todos os
dias ao se olhar no espelho pela manhã.
Mas o que mais a assustava era enxergar que havia criado um monstro,
um lindo monstro cheio de vontades que se recusava a aceitar o que o pai
fez, que culpava a mãe, que fora tão vítima das circunstâncias quanto ela, e
continuava querendo viver como antes.
E tudo só piorou depois que Hector, com quem a garota namorara por
mais de um ano, terminou o relacionamento. Não apenas porque ele lhe
serviria de escada para que voltasse ao topo novamente, mas porque, sem
que quisesse, acabara se apaixonando loucamente por ele. Do jeito dela, é
claro.
Porém, quando Hector Bullock se envolveu com Trinity, ela se
mostrara doce e agradável, mas depois de algum tempo aquela máscara
começou a cair e o rapaz, que era extremamente educado e gentil, logo
percebeu a incompatibilidade que havia entre eles. E mesmo com a garota
usando o problema do pai para chamar sua atenção e fazê-lo sentir pena
dela, ele resolveu dar um fim a algo que já não estava funcionando há muito
tempo.
Ele havia tentado terminar algumas vezes antes, porém, a jovem
voluntariosa sempre ameaçava tirar a própria vida e ele acabava
retrocedendo em sua decisão. Mas toda paciência e bondade têm limites e a
de Hector já havia acabado. Não estava feliz e se recusava a continuar com
alguém tão instável e menos ainda a se responsabilizar por suas loucuras.
Apesar da boa situação financeira de sua família, ele nunca se
acomodou ou se vangloriou do que possuía. Fora criado com alto senso de
dever e uma grande noção a respeito do certo e do errado adquiridos tanto
da mãe, enquanto esta estava viva, quanto do pai que, aliás, sempre fora seu
espelho.
Era por causa dele que iria estudar engenharia civil. Queria seguir os
passos do homem que sempre foi um exemplo de dedicação e humildade,
nunca deixando que o dinheiro interferisse em seu caráter.
Mas para seguir com seus objetivos, não poderia ficar com uma
pessoa superficial como Trinity, por mais bonita e gostosa que ela fosse.
Desde que haviam terminado – ainda que a ex continuasse marcando
terreno –, ele já havia conhecido e até mesmo ficado com algumas garotas,
mas nenhuma delas fizera seu coração acelerar como havia acontecido com
Lucy.
Hector ficou fascinado por ela. Seu sorriso doce e olhar sedutor
cravaram fundo em seu coração e, mais do que isso, sentiu como se já a
conhecesse há uma eternidade. Ficou imensamente frustrado quando a ex
chegou e atrapalhou aquela que estava sendo a melhor interação que tivera
em meses.
Exatamente por isso, foi atrás do e-mail dela, queria surpreendê-la e
deixar claro que estava interessado.
Assim que conseguiu, dois dias depois, ele mandou uma mensagem que
foi recebida quando Lucy estava em seu quarto lendo um livro.
No momento em que ouviu o alerta de notificação em seu computador,
anunciando a chegada de um novo e-mail, ela se levantou e foi até a
escrivaninha.
E quando viu quem era o remetente, precisou se sentar, pois
imediatamente sentiu as pernas ficarem meio bambas e o coração acelerar a
ponto de quase conseguir ouvi-lo em meio ao silêncio em que se encontrava.

de: Hector Bullock <hector.d.bullock@aol.com>


para: Lucy Allen <lucyallen@hotmail.com>
data: 25 de julho 10:02
assunto: Oi, Lucy
Demorou, mas finalmente consegui seu contato, para ver o quanto quero falar com você.
Hector

— Meu Deus, onde ele conseguiu meu e-mail? — murmurou para si


mesma, as mãos fechadas tão fortemente que os dedos ficaram brancos.
Ficou vários minutos encarando o computador, sem acreditar que
aquilo era realmente verdade, mas resolveu testar.

de: Lucy Allen <lucyallen@hotmail.com>


para: Hector Bullock <hector.d.bullock@aol.com>
data: 25 de julho 10:08
assunto: Re: Oi, Lucy

Considerarei isso como um elogio.


Como conseguiu meu e-mail?

Quando clicou em enviar tinha um sorriso no rosto que apenas


aumentou quando a resposta chegou quase que imediatamente.

de: Hector Bullock <hector.d.bullock@aol.com>


para: Lucy Allen <lucyallen@hotmail.com>
data: 25 de julho 10:10
assunto: Re: Oi, Lucy

Está mais interessada em saber como consegui seu e-mail do que no assunto que quero
conversar?
O que faço com você, Lucy Allen?

“Quero saber ambos!”, foi o que ela respondeu e enquanto esperava,


pegou seu diário, queria poder organizar a miríade de pensamentos que
tomou conta de sua mente naquele momento.
Começou a relatar o que havia acontecido e acabou se dando conta do
quanto havia falado de Hector nas últimas páginas.
Adoraria ter terminado de colocar seus pensamentos no papel, mas foi
impossível, ficou dispersa demais olhando para a tela a fim de ver a
resposta assim que chegasse.
Lucy nunca fora muito ansiosa e detestava criar expectativas, mas
desde que conhecera Hector vinha sendo acometida com algumas crises.

de: Hector Bullock <hector.d.bullock@aol.com>


para: Lucy Allen <lucyallen@hotmail.com>
data: 25 de julho 10:12
assunto: Re: Oi, Lucy

Agora sim. Só tem um problema, não dá pra falar por e-mail, você vai ter que sair comigo pra
saber.

Ele realmente desejava vê-la novamente. Constatar aquilo fez uma luz
de agitação piscar em seu coração.
Com mãos suadas, deixou o diário de lado e escreveu uma resposta
evasiva, não queria parecer tããão interessada.

de: Lucy Allen <lucyallen@hotmail.com>


para: Hector Bullock <hector.d.bullock@aol.com>
data: 25 de julho 10:14
assunto: Re: Oi, Lucy

Ótima tentativa.

Enviou e se ajeitou na cadeira.

de: Hector Bullock <hector.d.bullock@aol.com>


para: Lucy Allen <lucyallen@hotmail.com>
data: 25 de julho 10:18
assunto: Re: Oi, Lucy

Que bom que aceitou, quero muito que a gente se conheça melhor.
Te pego na sua casa amanhã às 8 da noite.
Um beijo.
As coisas estavam acontecendo tão rápido que ela mal podia acreditar.
Toda a sua programação do dia seguinte já estava planejada e sair com
Hector certamente não estava no script.
Optou por não responder ao último e-mail com medo de parecer
entusiasmada demais, contudo, ela queria esse encontro, queria demais. E o
amplo sorriso em seu rosto era prova disso.
Estava louca para o sol dar lugar a lua o quanto antes.
Mas até lá, tinha muita coisa para fazer. Seu dia estava realmente cheio
dos compromissos que sua mãe planejara. Além de irem ao salão de beleza,
as duas foram fazer algumas compras e, para arrematar, tomaram um sorvete
no fim da tarde. Todas aquelas atividades ajudaram bastante para que o
tempo passasse um pouco mais depressa.
Contudo, antes de dormir, voltou a se perguntar como ele havia
descoberto seu e-mail e, mais importante, onde ela morava, uma vez que não
lhe pediu o endereço. Aquilo, entretanto, não a preocupou, sabia que no dia
seguinte lhe arrancaria todas as informações, embora já tivesse uma ideia de
com quem ele estivera conversando.

Enquanto se dirigia à casa de Lucy, Hector não poderia estar mais


feliz. Ele notou que ela também havia ficado interessada, da mesma forma
compreendeu que era uma garota cautelosa, por isso pensou duas vezes antes
de lhe enviar o e-mail. Porém, se não fizesse aquilo, sua única opção seria
pedir a Rick que armasse um encontro, mas isso demoraria e ele não estava
disposto a esperar.
E que bom que fez isso. Ela não tinha nada a ver com Trinity e sentia
que as coisas entre eles seriam bem diferentes.
Lembrar da ex o fez questionar o porquê de ter ficado tanto tempo
estagnado com uma pessoa tão tóxica quanto Trinity e a única resposta que
achou foi Beatrice, a pena que o rapaz sentia da ex-sogra o fez colocar a
própria felicidade de lado por algum tempo e permanecer com uma pessoa
que, além de todos os defeitos, ainda fazia da chantagem emocional um meio
para conseguir o que queria.
O pior de tudo foi perceber que, inconscientemente, continuava se
deixando manipular apenas por comodismo. Mas a atração que sentiu por
Lucy foi tão grande, que simplesmente parou de pensar em Trinity, nos
problemas que ela estava enfrentando e que, na realidade, não tinham nada a
ver com ele.
Parecia egoísta de sua parte pensar daquela forma, mas a verdade era
que quando o crime do pai dela foi descoberto, eles estavam dando um
tempo e ele só voltou porque viu o quanto tudo aquilo a abalara. Só que ele
se recusava a continuar perdendo tempo em um relacionamento que não daria
em nada. Ele não amava Trinity, não pretendia se casar com ela e não achava
justo com nenhum dos dois prolongar aquilo.
Chegou à rua indicada por seu contato e dirigiu devagar em busca da
casa de Lucy, que já o esperava. Ao ouvir o som de um motor, verificou o
relógio.
Pontual, refletiu.
Foi até a janela, afastou o mínimo possível a cortina para não ser
notada e lá estava ele, ridículo de tão lindo, causando uma enorme
palpitação em seu coração.
Antes que ele chegasse à porta, ela a abriu e foi ao encontro dele.
Naquela noite usava um tubinho preto de veludo que havia pegado
emprestado da mãe, meias-calças e botas de cano alto também pretas, além
de um casaco.
Deslumbrante, pensou Hector com um sorriso discreto, sem conseguir
desviar os olhos da garota que lhe tirava o ar.
— Você é muito mais linda do que eu me lembrava — disse a Lucy
antes de lhe dar um beijo na bochecha e a guiar para dentro do carro.
Quando deu a volta e entrou, o ar dentro do automóvel estava tomado
por seu delicioso perfume. O mesmo que ela usou na festa do Connor, ele se
lembrou.
— Aonde vamos? — perguntou a moça perdendo um pouco mais de
tempo na hora de prender o cinto numa tentativa de ocultar seu nervosismo.
— Pensei em irmos a um restaurante novo que abriu no centro. O que
acha?
— Perfeito, estou morrendo de fome.
O sorriso no rosto de Hector cresceu ante a sua autenticidade,
deixando à mostra as lindas covinhas que o diário de Lucy passara a
conhecer tão bem.
— Que bom — respondeu o rapaz dando partida no carro.
O caminho até o local não era longo e a conversa entre os dois fluiu de
forma muito natural. Logo sabiam interesses de vida um do outro, comidas
preferidas e músicas em comum.
— Vai me contar como conseguiu meu e-mail? — perguntou Lucy de
forma descontraída.
Hector riu.
— Pedi a conhecidos em comum.
— Alyssa, claro — interrompeu a moça.
— Não revelo minhas fontes.
— Tudo bem, agradecerei a ela depois — disse sorrindo. — E o tal
assunto tão importante?
Já sabia a resposta, contudo, aquele tipo de jogo era instigante e estava
curiosa para saber onde todo aquele empenho do rapaz daria.
Antes que ele pudesse responder, chegaram ao restaurante. Hector
entregou a chave do carro ao manobrista e, com a mão na base das costas de
Lucy, guiou-a até a entrada onde foram recepcionados por um jovem muito
simpático.
— Boa noite. Mesa para dois?
— Sim, por favor — respondeu o rapaz e o funcionário os levou até
uma mesa na área externa, localizada nos fundos do estabelecimento.
— Alguém virá tirar seus pedidos. Bom jantar.
— Obrigada — respondeu Lucy, mas seu olhar estava em Hector. —
Então, vai me dizer ou vai ficar enrolando? — perguntou quando o
funcionário se afastou.
As covinhas deram o ar da graça novamente e ela adorou constatar que
aquilo acontecia com bastante frequência.
— Gostaria de saber do seu vestido. Me pareceu que o ponche havia
feito um estrago grande nele.
Lucy ergueu as sobrancelhas e o encarou de uma forma divertida.
— Sofreu danos severos e ficará inutilizado por tempo indeterminado
— debochou.
— Nossa, isso é uma pena, você estava maravilhosa nele. Embora
também esteja nesse — observou Hector olhando-a de cima a baixo,
fazendo-a ruborizar.
Lucy entrou no clima de flerte empregado por Hector.
— Ainda bem que a sua roupa não sofreu nenhum acidente, você
também não estava nada mal nela — disse, sem deixar a vergonha acabar
com a brincadeira.
A garçonete se aproximou para anotar os pedidos e ele ficou
extremamente sem jeito ao notar de quem se tratava.
— Sra. Lewis! — disse, surpreso, ao se deparar com a mãe de Trinity.
— Oi, Hector — respondeu a mulher e olhou para Lucy.
— Boa noite — saudou a garota, sem entender a situação, alternando o
olhar entre Hector e a garçonete.
— Eu não sabia que a senhora trabalhava neste restaurante. Se
preferir, pode pedir para outra pessoa nos atender — sugeriu o rapaz,
atencioso.
— Tudo bem, querido, não tem problema, vida que segue não é
mesmo?
— Sim, a senhora está mais do que certa — respondeu, enfático.
Lucy ficava cada vez mais curiosa, mas preferiu guardar as perguntas.
Fizeram seus pedidos, somente bebidas naquele momento, e assim que
Beatrice deu as costas, Hector resolveu explicar a complicada situação.
— Se não se sentir à vontade, nós podemos ir a outro lugar — sugeriu
quando terminou de esclarecer tudo.
— Não. Nem ela e nem nós estamos fazendo nada de errado. Além
disso, se sairmos agora, talvez ela fique mais constrangida. Vamos ficar —
decretou com um sorriso.
— Sabia que você era especial — declarou, encantado, colocando a
mão sobre a dela.
Acabou que Beatrice, com receio de deixar o ex-genro sem graça,
preferiu pedir para outro colega atender à mesa do casal e eles não se viram
mais pelo resto da noite. Com isso, o pequeno incidente, se é que poderia ser
classificado desta forma, fora completamente esquecido.
A comida que pediram, espaguete ao molho funghi, estava divino,
assim como o vinho que o acompanhou.
Ao saírem do restaurante, em vez de pedir o carro, Hector sugeriu que
fossem até a praça que ficava logo à frente.
A temperatura estava anormalmente baixa para a época, pouco
propícia para uma caminhada noturna, mas tanto Hector quanto Lucy amavam
o frio. Outro fator em comum.
Na medida em que caminhavam, a jovem contava, empolgada, sobre o
desejo de fazer medicina e o quanto precisava estudar para conseguir
realizar seu sonho.
Seu acompanhante a observava, fascinado com sua beleza, absorvendo
seu jeito de ser, suas expressões e espontaneidade, achando tudo fascinante.
Pararam em frente a uma fonte e enquanto ela dava a volta na grande
bacia, foi a vez de Hector falar mais a respeito de seus planos. Mas a
verdade era que sua cabeça estava em outro lugar e, sem conseguir mais se
conter, começou a diminuir a distância entre eles.
Lucy parou, tentando se concentrar no que ele dizia e não no belo
corpo que se aproximava do seu. Mas quando Hector se pôs à sua frente,
colocou as mãos em sua cintura e a beijou, ela parou de pensar e decidiu
apenas se entregar àquele momento inesperado e, ao mesmo tempo, muito
desejado.
O beijo foi longo e doce, todavia, mesmo com o vento gélido que
soprava ao redor, um enorme calor os envolveu e aconchegou, mostrando o
quanto aquilo era certo.
Do outro lado da rua, sem que notassem sua presença, Trinity os
observava com o olhar cheio de ódio e a cabeça repleta de planos.

Connor estava deitado em sua cama, mexendo no celular, quando ouviu


um barulho vindo da sacada. Intrigado, colocou o aparelho de lado e já ia se
levantar quando uma silhueta cobriu a luz da lua que iluminava parcialmente
o cômodo.
— Puta que pariu, Trinity, que susto. O que você tá fazendo aqui? —
quis saber, sobressaltado.
— Nossa. Calma, está assustado por quê? — indagou ela, entrando no
quarto.
— Você é louca? Como conseguiu subir?
— O que interessa é que eu estou aqui — respondeu a jovem tirando o
casaco e subindo em cima do rapaz, uma coxa de cada lado de seu quadril
estreito.
— Não, Trinity. Chega. Essa história já foi longe demais — declarou
ele, jogando-a para o lado e se levantando da cama.
— Qual o problema, Connor?
— O Hector é meu amigo, não quero mais continuar com isso.
— O que foi? Consciência pesada? Logo agora que eu estou solteira?
Apesar do clima, Trinity continuou em cima da cama, a calcinha toda
exposta devido à minissaia e à posição provocante, os fartos seios quase
saltando para fora da blusa e um sorriso zombeteiro no rosto.
— Quando você estava me comendo, sua consciência não pesava.
— Acho melhor você ir embora — pediu ele, apontando a sacada.
— Sério? Porque não é o que o seu amiguinho está me mostrando —
disse Trinity encarando o volume visível por baixo da calça de moletom do
rapaz.
Ela tinha esse efeito, sabia como ninguém instigar um homem.
— O que você quer? — perguntou Connor e Trinity pôs-se de joelhos
sobre o colchão.
— Quero passar a noite com você — disse ela, com o olhar sedutor
O mesmo olhar que o seduziu quando começaram a ter um caso, algum
tempo antes de Hector terminar tudo.
Ela era linda e insaciável e Connor não era do tipo que resistia a um
corpo bonito. Sua cabeça sabia que deveria negar, seu corpo, porém, fazia
exatamente o oposto, mesmo consciente de que Trinity não dava ponto sem
nó e que nada de bom sairia daquela união.
— Você é podre, garota.

— E você adora porque é igualzinho a mim — retrucou e o puxou para si,

iniciando um beijo lascivo que o deixaria de quatro.


Capítulo 3

Lucy estava nas nuvens. O primeiro homem pelo qual nutria


sentimentos sinceros, além de um intenso desejo, a queria também e nas
últimas semanas sentia como se estivesse vivendo um sonho, pois Hector
personificava tudo o que ela sempre quis.
Mas isso também a amedrontava, parecia que sempre que uma pessoa
estava em um estado de felicidade plena, o universo sentia necessidade de
equilibrar as coisas e muitas vezes Lucy ia dormir tentando adivinhar que
evento a faria cair da nuvem em que se instalou a partir do momento em que
ela e aquele garoto maravilhoso começaram a se ver.
Saiu de seus devaneios quando seu celular alertou que uma mensagem
havia chegado.

Bom dia, querida Lucy.


Como foi sua noite?

Era dessa forma carinhosa que seu dia começava desde que ela e
Hector trocaram números de telefone.
Eles estavam em perfeita sintonia e se viam sempre que suas agendas
de estudos permitiam. Faltando uma semana para o final do ano letivo,
ambos estavam em fases decisivas de suas vidas.
Hector, em seus recém-completados vinte anos, iniciaria o curso de
engenharia e pretendia fazer administração, também; queria estar bem
preparado para herdar a empresa da família quando o pai se aposentasse. Já
Lucy, no auge dos seus dezesseis anos, não via a hora de começar a
faculdade assim que as férias de verão acabassem.
As provas finais e os trâmites necessários para o ingresso nas novas
instituições de ensino, tomavam bastante tempo de ambos, pois a dedicação
aos estudos era uma das coisas em comum, contudo, eles sempre davam um
jeito de se ver e já planejavam como fariam para se encontrar futuramente,
afinal, eles iriam para estados diferentes a fim de realizar seus sonhos e isso
já pesava um pouco no ânimo do casal apaixonado.
E foi com o coração apertado que digitou:

Estou com saudades.

A resposta veio imediatamente, como sempre acontecia:

Eu também.
Mas vamos resolver isso hoje à noite, pqna, tenho uma pergunta p te fazer.

Hector era prático e direto, acreditava que as pessoas costumavam


complicar coisas que deveriam ser simples. E o apelido carinhoso arrancava
suspiros de Lucy, ela nunca se cansava de ouvir sua voz de barítono a
chamando de ‘pequena’.

Quer saber se mais alguma roupa minha estragou?

Hahaha. Não!
E não adianta me pressionar pq só vou falar pessoalmente.

Ela sabia daquilo, por isso apenas concordou:

Tudo bem.
Até mais tarde.
Hector tinha um sorriso no rosto quando colocou seu aparelho celular
sobre a mesa de cabeceira. Na verdade, era assim que todos o viam há quase
dois meses, desde que seu relacionamento com Lucy engatou.
Felizmente Trinity havia desaparecido. Nada de visitas inoportunas,
ligações ou mensagens. Hector a conhecia muito bem e achava aquela atitude
muito estranha, mas não ousava nem questionar. Preferia pensar que sua ficha
havia caído e a ex-namorada estava seguindo sua vida.
Esperava estar certo, mas bem no fundo havia uma pontinha de
preocupação, tinha medo do que Trinity aprontaria quando descobrisse sobre
ele e Lucy.
Sorriu, bastava evocar nome dela para que seu humor mudasse.
Cada vez que se encontravam, algumas barreiras eram ultrapassadas e
a intimidade entre os dois aumentava. Sabia que sua garota era virgem e
nunca forçaria a barra, todavia, estava cada vez mais difícil se segurar e
sabia que o mesmo acontecia com ela.
Quando a noite chegou, ambos estavam ansiosos. Hector por causa do
que pretendia propor e Lucy porque sempre que ia se encontrar com ele
ficava uma pilha de nervos.
Daquela vez ela optou por uma roupa mais descontraída, maquiou-se
levemente e passou seu perfume preferido e tão elogiado por ele.
— O que acha de vermos um filme hoje? — perguntou Hector, com o
carro ainda parado em frente à casa da moça.
— Perfeito! — exclamou Lucy alegremente.
— Ótimo, porque eu queria te levar para a minha casa, mas meu pai
não vai estar lá — avisou e esperou sua reação.
— Sua casa? — indagou ela, pigarreando.
— Sim. Mas foi apenas uma sugestão, se você não se sentir à vontade
com isso, nós podemos ir a outro lugar — sugeriu, mesmo a contragosto.
— Hum, não, não tem problema, vamos para a sua casa — respondeu,
subitamente nervosa, mas decidida.
Aquela seria a primeira vez que estariam sozinhos, exceto dentro do
carro, entre suas idas e vindas ao centro da cidade.
— Tem certeza de que está tudo bem? — perguntou ele, preocupado
com o silêncio dela.
— Tenho, sim. O que iremos assistir?
— Bom, eu adoro cinema e tenho um grande acervo de DVDs para
escolhermos. Estou certo de que encontraremos algo que vai nos agradar.
Lucy aquiesceu, sentindo-se um pouco mais segura. Tinha certeza de
que Hector nunca a pressionaria a nada, embora achasse que ele não
precisaria fazer isso. A interação entre eles estava cada dia mais íntima e ela
se sentia arder sempre que ele a beijava.
Interrompeu o fluxo de pensamentos quando atravessaram os portões
de uma imensa propriedade. Ela sabia que ele era abastado, mas pela casa
que via a sua frente, constatou que era muito além do que poderia imaginar e
a cada passo que dava lá dentro ela ficava mais encantada com o que via.
Eles chegaram a uma sala de TV onde havia sofás superconfortáveis e
a maior TV que ela já vira. Em uma parede havia uma estante com os DVDs
anteriormente mencionados. Hector a guiou até lá, indicou a parte onde
estavam os lançamentos que nem ele havia assistido ainda, mas a deixou à
vontade para escolher o que quisesse.
Enquanto ela fazia isso, foi à cozinha e em pouco tempo o barulho de
milho estourando e o cheiro delicioso e característico tomava a casa.
Hector voltou da cozinha com um grande pote, além de duas latas de
refrigerante, e se acomodou ao lado de Lucy que já havia escolhido um
suspense. Adorava esse gênero e acompanhada seria perfeito.
Por vários minutos o casal assistiu ao filme e comeu as pipocas como
se não estivessem se dando conta de quem estava ao lado, contudo, a tensão
que sempre havia entre eles foi aumentando, tornando-se quase palpável e
quando, como num filme, suas mãos se encontraram dentro do pote de
pipoca, foi impossível continuar fingindo.
Eles se olharam e na mesma hora Lucy soube o que iria acontecer. E
mais importante, viu que ansiava por aquilo. Já fazia algum tempo que se
achava pronta para seguir em frente, se entregar a Hector, senti-lo dentro de
si...
Parecendo notar sua determinação, ele colocou o pote sobre a mesa de
centro e, sem pressa, aproximou o rosto do dela.
Foi Lucy quem tomou a iniciativa de colar os lábios nos dele e no
instante seguinte estavam se beijando alucinadamente. E por mais que não
fosse do feitio de Hector forçar uma situação, o desejo que aflorava da pele
deles era tangível demais, ainda assim, obrigou-se a perguntar:
— Tem certeza de que quer continuar?
— Mais que tudo — ela disse e ele percebeu que era verdade.
Antes de prosseguir e fazer aquilo que ansiava há tantos dias, Hector
respirou fundo e disse:
— Lembra da pergunta que queria te fazer? — Lucy balançou a
cabeça, mesmo com ele segurando seu rosto com ambas as mãos. — Quer
ser minha namorada?
O sorriso que ela deu foi mais que suficiente para ele saber o quanto
se alegrara com aquela pergunta, mas ele queria ouvir.
— Sim, é o que eu mais quero — externou e mais uma vez iniciou o
beijo.
Naquele interlúdio, o ruído ofegante de suas respirações era
interrompido apenas pelo som vindo da Tv.
— Eu te desejo tanto... — declarou Lucy, surpreendendo até a si
mesma.
Sem hesitação, Hector a pegou no colo e a carregou escada acima em
direção ao seu quarto. Sabia de sua responsabilidade a partir daquele
momento, mas não conseguiria voltar atrás. Desejava aquela garota mais que
tudo.
Depois de fechar a porta com o pé, ele a colocou, delicadamente,
sobre sua cama e ficou admirando a boca marcada por seus beijos, os olhos
enevoados de desejo e nunca a achou tão linda.
Sem pressa, começou a tirar-lhe as roupas, aproveitando para deixar
beijos suaves em cada parte que era desnudada. Quando terminou, achou que
o zíper de sua calça fosse explodir, tamanho o desejo que sentia. Sua
vontade era se despir e logo em seguida se enterrar nela, mesmo sabendo
que depois disso estaria perdido. Mas não poderia. Aquela era a primeira
vez de sua garota e ele faria o máximo para que fosse perfeito.
Deitou-se sobre ela novamente e a beijou devagar, porém,
ardentemente. Contudo, sem que ele esperasse, Lucy começou a tirar sua
camisa de dentro da calça e a tocar a pele quente de suas costas. Sem
conseguir se conter, ele gemeu e esfregou a ereção contra o seu centro,
fazendo-a ofegar.
Aquilo não demorou muito, pois as mãos de Lucy saíram de suas
costas e começaram a desafivelar seu cinto (com uma destreza que
surpreendeu a ambos) para, em seguida, abrir sua calça.
O aroma que exalava do corpo masculino era afrodisíaco e a estava
enlouquecendo.
Sem pensar, enfiou a mão dentro da cueca dele e tirou seu pênis para
fora. O prazer que aquilo causou o fez emitir um rosnado gutural que pareceu
atravessar a coluna de Lucy, fazendo-a estremecer.
De repente, o peso de Hector sobre o seu corpo sumiu e ela o viu de
pé à sua frente, arrancando as roupas desesperadamente. Teve que sorrir
quando percebeu que as mãos dele tremiam quando tentou colocar a
camisinha e se sentiu muito poderosa.
Fechou seus olhos quando ele voltou para cima dela e correspondeu ao
beijo voraz que ele lhe deu. E quando o pau dele começou a avançar, ela não
sentiu o medo que esperava, pelo contrário, embora soubesse que iria doer,
o desejo que estava sentindo era muito maior.
Acabou que não doeu tanto assim, Hector foi muito cuidadoso e após
alguns minutos de espera, começou a entrar e sair de dentro dela com
movimentos suaves até Lucy entrar em seu ritmo.
Isso, contudo, durou pouco; eles estavam extremamente excitados e a
energia que emanava daquele contato a atingiu em cheio e ela simplesmente
se entregou ao prazer que ele a fazia sentir.
As arremetidas de Hector se tornaram mais vigorosas e Lucy se sentiu
bem mais ousada, e quando o clímax chegou, o prazer que eles sentiram foi
muito além do que poderiam imaginar.
— Você é maravilhosa — disse ele, puxando-a contra si.
— Você que é extraordinário — rebateu e ganhou um beijo quase
reverente na boca.
Eles permaneceram naquela posição por muito tempo, apenas curtindo
a companhia um do outro.
De repente o celular de Hector começou a tocar e ele decidiu ignorar,
principalmente porque não costumava atender a chamadas de números
privados, mas depois de o aparelho continuar tocando mesmo após duas
recusas, achou por bem aceitar. Seu pai estava na rua e poderia ter algo a ver
com ele.
Apenas aquele pensamento o amedrontou e foi com certa urgência que
atendeu. Antes não o tivesse feito, pois a voz do outro lado da linha era a
última que desejava escutar, ainda mais depois do que vivera com Lucy.
— O que você quer, Trinity?
Quando ele falou o nome dela, Lucy mal pôde acreditar que o momento
mais importante e maravilhoso de sua vida estava sendo interrompido por
aquela cobra.
Fazia tanto tempo que não ouvia o nome dela que já havia até se
esquecido. O que a acalmou foi ver que Hector não parecia nada feliz com
aquilo também.
— Bom, mas eu não tenho mais nada para conversar com você. Adeus
— disse, incisivo, e desligou o celular, visivelmente irritado.
— Me desculpe por isso, Lucy.
— Tudo bem. Não é sua culpa.
— Eu sei, mas já deveria ter te alertado que ela é uma pessoa difícil,
só não falei porque a Trinity nunca mais me procurou. Achei que finalmente
tinha seguido sua vida.
Ela entendia, tinha visto a forma como a garota agiu na festa.
— Eu percebi que ela ainda te considera uma propriedade dela.
— Sim. Tento não ser grosseiro, mas já estou de saco cheio.
— Imagino, mas o que ela queria?
— Conversar comigo.
— Sobre o quê? — quis saber, mesmo correndo o risco de parecer
enxerida.
— Não sei. Aliás, sei, sim. Ela deve estar querendo fazer mais um de
seus dramas para que eu volte com ela, mas isso não vai acontecer,
especialmente agora. — Hector se aproximou de Lucy e após esquadrinhar
seu rosto com o que (meu Deus!) parecia muito com amor, beijou-a
delicadamente. — Por favor, tenha um pouco de paciência, uma hora ela vai
se cansar.
Mal ela terminou de anuir e ele voltou a beijá-la, desta feita,
apaixonadamente.
O celular voltou a apitar, indicava uma mensagem, que só foi vista por
Hector no dia seguinte, mas que simplesmente acabou com seu mundo:

Não se encontrar comigo não vai me impedir de falar o que eu preciso.


Eu estou grávida, Hector, você vai ser pai.
Aguardo seu contato.
Capítulo 4

ANOS DEPOIS...

Aquele era um dia típico de verão: sol quente, nada de nuvens no céu e
um vento fresco para equilibrar a temperatura.
Perfeito para um churrasco, pensou Hector enquanto estacionava em
frente à entrada da casa onde viveu sua vida inteira.
Apesar de não morar mais com o pai, fazia questão de visitá-lo todo
domingo, mesmo falando constantemente com ele durante a semana.
Saiu de seu SUV carregando as cervejas que ficara de levar e chegou
no quintal a tempo de ver Ronald distribuindo os hambúrgueres, as salsichas,
os legumes e as espigas de milho na churrasqueira.
— Bom dia, pai. Como está? — saudou Hector, abraçando-o.
— Tudo ótimo, meu filho, espero que esteja com fome.
— Faminto, mas não tem pressa — ponderou e lhe ofereceu uma long
neck.
Abriu a própria cerveja, acomodou-se em uma das cadeiras de jardim
e ficou apreciando a vista deslumbrante que tinha dali. A propriedade era
ladeada por árvores de ambos os lados e por um lago que cortava os fundos.
Era um belo cenário e ele nunca se cansava de apreciá-lo.
— Está tudo certo para reunião com os Dunlap? — questionou o
homem mais velho.
— Amanhã às 9h. Eles vão fechar conosco, tenho certeza. Você sabe
que foi indicação dos Rey, certo? — observou Hector.
— Sim, eles sempre nos trazem boas indicações, mas todo o mérito é
seu. Você fez um ótimo trabalho com eles.
— De todos nós, pai — amenizou, pois acreditava muito no trabalho
em equipe.
— E a mudança? Em que pé anda? — perguntou seu pai.
— Caminhando.
Hector nunca teve planos de sair de Port Yeil, mas a empresa que
passara a conduzir depois que o pai se aposentou começara a gerar ainda
mais lucros do que antes devido às inovações que conseguiu criar para a
corporação ancestral e que acabaram chamando a atenção de grandes
empresas de outros estados. E foi esse crescimento que o estimulou a fazer
planos para uma possível expansão. Todavia, para conseguir atender a essas
novas empresas, uma filial no estado que mais gerava dinheiro ao país seria
necessária e ele contava com a ajuda do pai e do melhor amigo, Rick, para
que tudo desse certo.
— O apartamento está quase pronto, mas houve um contratempo com a
parte elétrica do escritório — continuou e deu de ombros. — Obra é assim
mesmo, não é?
— Disso nós entendemos.
— Com certeza.
— Mas não vamos falar de trabalho hoje, quero saber de você. Achei
que iria trazer aquela moça — comentou o pai, sentando-se ao seu lado e
deixando a grelha quente fazer seu trabalho.
— Mia? Não estamos mais juntos — respondeu, pegando outra cerveja
para si.
— Ela não era mulher para você, meu filho. E quanto a Trinity,
continua no seu pé? — quis saber Ronald.
Hector respirou fundo e tomou um gole considerável de sua bebida
antes de responder:
— Vira e mexe recebo uma mensagem ou e-mail dela. Eu bloqueio,
mas ela sempre encontra uma forma de entrar em contato comigo.
— Meu Deus, essa moça precisa se tratar de verdade.
— Já nem sei quantas vezes falei isso a ela... Hoje eu só ignoro —
disse e soltou um suspiro cansado. — Acho que essa mudança vai ser boa
por conta disso também. Ela não vai atrás de mim em Nova York.
— Bom, só pelo que ela fez a você já precisaria estar internada, isso
sim — asseverou o pai, revoltado. — Não sei como a mãe dela não tomou
uma atitude.
— Beatrice nunca teve controle sobre a filha. Trinity sempre fez o que
quis a vida inteira e eu até tinha pena no começo, mas depois vi que o
problema estava no caráter dela.
— Então a mãe também precisa de ajuda.
— Sim, mas suponho que já seja tarde — respondeu Hector. — A vida
dela mudou do vinho para a água quando o marido foi preso e as coisas só
pioraram desde então.
— Com certeza — concordou, levantando-se para ver os
hambúrgueres na churrasqueira. — Mas você não tem um relacionamento
sério há anos e algo me diz que não é apenas por causa da marcação serrada
de Trinity.
Hector deu de ombros, não gostava de falar a respeito desse aspecto
de sua vida.
— Tudo bem... não vamos mais falar de coisas ruins — disse Ronald,
rindo. — Mas eu fico preocupado com você, meu filho.
— Preocupado por quê? Trinity não me engana mais, pai.
— Não sobre Trinity — falou, retirando os legumes que já estavam
prontos.
— Não me venha com essa conversa de que eu preciso arrumar
alguém.
A falta de resposta deixou os pensamentos do homem mais velho bem
explícitos.
— Ah, pai, não começa. Estou solteiro porque quero, prefiro ficar sem
ninguém a colocar outra louca em minha vida e estou feliz assim.
— Feliz? Tem certeza?
Outro silêncio constrangedor se formou.
Hector recostou-se no encosto da cadeira e apoiou a long neck no
joelho sentindo-se incomodado com o rumo da conversa.
— Quando foi a última vez que tentou entrar em contato com a Lucy?
— perguntou-lhe o pai, ainda de costas, virando os milhos.
Mesmo depois de tantos anos, ouvir o nome dela ainda lhe afetava. O
anúncio da gravidez de Trinity causou grandes mudanças na vida de todos os
envolvidos. Após aquela revelação, Lucy e Hector tentaram, com muito
afinco, ficar juntos e ela aguentou muita coisa em nome do amor que sentia
por ele, mas, por fim, o peso em seus ombros foi grande demais e ela não
conseguiu mais dividir o namorado com a ex obsessiva que, por estar
carregando um filho dele, se achava no direito de interferir de todas as
formas possíveis.
Diante disso, Hector não pôde culpá-la quando, dois meses depois, a
garota que amava terminou tudo e se mudou para outra cidade a fim de dar
seguimento ao sonho de se tornar médica.
— Não sei — respondeu.
Mas ele sabia. Mesmo ciente de que não devia, Hector tentou entrar
em contato com Lucy inúmeras vezes depois que ela se foi, mas sempre
recebia uma resposta evasiva, arredia, o que deixava bem claro a falta de
vontade de manter qualquer vínculo com ele.
E como sofreu com aquilo.
Inquieto, levantou-se da cadeira e foi assumir o comando da
churrasqueira.
Ronald ocupou seu lugar à mesa e pôs-se a examinar o filho.
O fato de aquele homem, sempre controlado, se mostrar tão
melindrado com o assunto não o fez recuar. Já queria ter tido aquela
conversa há muito tempo e achava que a hora havia chegado, mesmo que isso
o chateasse.
— Você tentou explicar o que aconteceu?
— Claro que sim, pai, mas não fez diferença, depois de um ano e meio
ela já tinha seguido com sua vida, talvez já até estivesse com outra pessoa, e
eu não quis forçar a barra — expôs Hector servindo dois pratos.
— Filho — começou Ronald colocando a mão sobre a do rapaz que
acabara de se sentar à sua frente —, mesmo que não tenha solicitado eu vou
te dar um conselho. A vida é curta demais para não irmos atrás do que nos
faz feliz. Se eu soubesse que sua mãe iria nos deixar tão cedo, eu teria feito
muitas coisas diferentes... Só Deus sabe a falta que ela me faz e a última
coisa que eu quero é que você tenha os mesmos arrependimentos.
Ele fez uma pausa para respirar e não deixar a emoção que o acometia
sempre que falava da falecida esposa transbordar em seus olhos.
— Depois de todo esse tempo, o certo seria te pedir para esquecer seu
amor de adolescência e ir adiante, mas seguindo o exemplo de todos os
homens da família, você só vai amar de verdade uma vez. Isso é bom quando
a gente encontra a pessoa certa na hora certa, mas se torna um verdadeiro
martírio quando o amor chega na hora errada, como aconteceu com você.
“Se estivesse realmente feliz, eu não falaria nada, mas isso não é
verdade. Aos trinta e três anos você é um homem bem-sucedido que realizou
seus sonhos profissionais com maestria, mas existe uma lacuna em seu
coração. Então, tudo o que eu peço é que vá atrás dessa moça e veja se ela
realmente seguiu com a vida, se realmente é tarde demais.
— E se for tarde demais? Eu não sei se estou preparado para vê-la
feliz ao lado de outro homem — disse Hector, externando seu maior medo.
— Isso é uma possibilidade, mas eu o conheço bem o bastante para
saber que se deixar as coisas como estão irá se arrepender depois. Enquanto
esse assunto não for resolvido em sua vida você nunca será feliz por
completo.
Aquelas palavras o fizeram parar para refletir. O pai era um homem
sábio que sempre o direcionou de maneira discreta, tentando ao máximo não
interferir em suas escolhas, especialmente quando elas entravam no âmbito
pessoal. Quando começou a namorar tudo o que lhe falou foi para nunca se
deixar cegar pela paixão e jamais esquecer de usar camisinha. Mesmo não
gostando de Trinity, ele só deu sua opinião quando Hector terminou tudo e
isso porquê este lhe deu abertura para tanto.
Mas o assunto Lucy era um tabu que não entrava em pauta há anos.
Só que Hector não tinha ideia de que a motivação do pai para falar
tudo aquilo veio da doença que acabara de descobrir. Estava com câncer na
próstata e apesar de o médico ter lhe dado grandes esperanças de cura, a
sensação de finitude iminente deixou Ronald um pouco mais ousado. O
sofrimento do filho o afetava imensamente, não achava justo que ainda
tivesse que pagar um preço tão alto por uma escolha ruim na adolescência e
se sentiu no dever de tentar reparar aquela situação.
Após terminarem o almoço, resolveram ir até a trilha que percorriam
quando Hector era criança e que, na época, parecia assustadora, mas que se
tornara inofensiva depois que ele crescera e percebera que a “floresta” que
existia nos fundos de sua casa era composta por apenas algumas dezenas de
árvores.
Apesar do medo que o menino Hector sentia, ainda se lembrava com
muito apreço das histórias que seu pai lhe contava nesses programas de pai e
filho e de como era bom ser recebido pela mãe quando retornavam.
Quando ficou um pouco mais velho, sua atividade favorita era fazer
aquele caminho com a antiga moto que ele e o pai haviam concertado.
Recordava-se com muita nitidez da mãe nervosa, pedindo ao marido que
jogasse a maldita coisa fora, o que acabou acontecendo quando Hector bateu
numa árvore. O acidente lhe rendeu apenas cinco pontos na cabeça, mas a
frágil motocicleta ficou bem acabada e foi abandonada de vez.
Ao passar pelo pinho silvestre no meio da trilha, ficou chocado ao ver
que a marca da batida continuava ali.
— Eu estou com câncer, meu filho — soltou Ronald e viu seu garoto
estacar no mesmo instante.
— Quando o senhor descobriu? — perguntou depois de se recobrar do
choque.
— Há pouco tempo.
— Por que não me contou antes? — exigiu Hector, a voz quase
falhando.
— Porque eu estou bem, não queria preocupá-lo antes da hora, fiquei
com receio de isso interferir nas decisões que precisaria tomar na empresa.
— A empresa que se dane, o que me interessa é você.
Ronald sorriu com a ferocidade do filho, era recompensador saber que
havia criado um homem tão valoroso.
— Não fique preocupado, o médico me deu um prognóstico muito bom
— disse em tom tranquilizador antes de voltar a caminhar. — Vou operar
para retirar o tumor e depois fazer o que for preciso.
— O senhor não podia ter me escondido algo tão sério! — alegou
Hector, aborrecido, indo atrás do pai.
— Não escondi, apenas omiti até saber o que realmente estava
acontecendo — explicou. Então parou e olhou sério para o filho. — Mas
isso me fez refletir a respeito de algumas coisas — ponderou o velho senhor.
— Preciso que me prometa algo.
— Pai, o senhor sabe que não gos...
— Prometa — insistiu Ronald.
— Está bem. O que é?
— O que eu mais quero nessa vida é te ver feliz e sei que seu coração
está com aquela moça, então, quero que prometa que vai resolver esse
assunto.
Hector aproveitou o restante do trajeto até a mansão para pensar. Uma
promessa feita pelos Bullock tornava-se uma dívida inegociável e caso se
comprometesse, teria que cumprir.
— Está bem, pai, eu prometo — disse, por fim, já imaginando o que
precisaria fazer para realizar o desejo do pai.
Capítulo 5

A vida da Dra. Lucy Allen não era nada regrada. Por ter se colocado
disponível para qualquer emergência, muitos de seus plantões não tinham
dias nem horários específicos. Mas já estava habituada, aquela era a
realidade que escolhera e prezava muito por ela.
A nova vida que construiu para si em New Rondy não foi exatamente
como ela e Alyssa haviam planejado enquanto adolescentes. Claro que ela
foi a algumas festas, mas em vez de ficar até tarde vendo filmes e comendo
guloseimas ou fofocando até não poder mais, passou a grande maioria de
suas noites estudando.
Os primeiros anos longe dos pais e de tudo o que conhecia foram
desafiadores, porém, após muita dedicação e apoio remoto deles, estava
colhendo os frutos de tantas abdicações.
O mesmo se aplicava a eles. Nora e Harry já tinham mais de 40 anos
quanto tiveram a filha e foram muito dedicados a ela em seus anos de
formação. Foram extremamente amorosos e com o dinheiro que juntaram
puderam transformar seu sonho de ser médica em realidade. Mas ambos
eram fascinados pelo mar, então, após a aposentadoria, venderam a casa
onde moraram a vida toda, compraram um veleiro de quarenta pés e o
transformaram em lar.
Desde então já conheceram vários lugares extraordinários e estavam
plenos, vivendo um sonho em alto mar.
Lucy os admirava demais pela coragem de se aventurarem em uma
empreitada como aquela e só rezava para que permanecessem saudáveis,
pois seu maior medo era de que um deles passasse mal estando longe da
costa.
Obviamente tentaram arrastar a filha para uma temporada e após muita
insistência ela aceitou passar suas primeiras férias com eles. Mas apenas
dois dias a bordo foram o suficiente para Lucy ver que não nascera para o
mar e desde então ficava ansiosa pelos dias que passavam com ela, mesmo
que se falassem por telefone toda semana.
Apesar da saudade, após o primeiro ano tudo ficou mais fácil, a
despeito da rotina atribulada que a mantinha bastante ocupada.
Graças a Deus ela tinha Alyssa. Sua melhor amiga foi um pilar
essencial naquela transição. Embora houvesse alguns desentendimentos, com
ela Lucy se sentia em casa.
As duas moravam no mesmo condomínio, com quatro andares de
diferença. No início até tentaram viver juntas, mas o apartamento era
pequeno demais para o temperamento inconsequente de Alyssa e logo ambas
perceberam que, se quisessem continuar amigas, precisariam se separar.
Contudo, suas sextas-feiras eram reservadas a outra. Elas comiam
pizza, bebiam refrigerante, cerveja ou vinho, dependendo do quão difícil
havia sido a semana, e jogavam conversa fora. Mas nos dois dias seguintes
Lucy quase não via a amiga, pois ela caía no mundo. A vida de Alyssa
sempre fora intensa e não mudou nem quando estavam na faculdade e nem
depois que foram contratadas pelo hospital onde fizeram residência.
— E você e o Trent. Como estão? — perguntou Alyssa que se
encontrava sentada no chão de pernas cruzadas e uma fatia de pizza na mão.
— Está tudo bem, mas você sabe como ele é. Qualquer coisa é motivo
para uma cena — respondeu Lucy bebendo o último gole de seu vinho.
— Olha, eu sou ciumenta e não escondo de ninguém, mas não sei como
você aguenta aquele insuportável.
— Ele foi bom comigo quando cheguei no hospital.
— Se fosse assim era para eu estar namorando o John.
— Que John?
— O tiozinho da faxina que foi um amor comigo no meu primeiro dia
lá no hospital. Quase entrei na sala da reunião, onde a diretoria se reunia,
mas ele me avisou que era melhor não fazer aquilo. Sábio tio John, tem
minha eterna gratidão.
Lucy riu, Alyssa sempre a divertia.
— Mas falando sério, isso não é motivo para se ficar com alguém,
Lucy.
— Talvez não, só que estou tão ocupada com os plantões e o curso,
que não tenho ânimo nem para pensar nisso — tentou se justificar. — Mas a
verdade é que fiquei acomodada — desabafou a moça voltando a se servir
do vinho.
— Quer saber o que eu acho? — disse Alyssa pegando outro pedaço
de pizza.
— Não — respondeu Lucy, rindo.
— Acho que você nunca superou o Hector — opinou, deixando claro
que não possuía filtro algum entre seu cérebro e a boca, nem quando se
tratava da melhor amiga.
Lucy suspirou, sempre que tinha uma oportunidade, Alyssa cutucava
aquela ferida, não por maldade, ela simplesmente não se conformava de a
história ter terminado da forma como terminou e não deixava a amiga
esquecer.
Não que precisasse, mesmo quando tudo o que queria na vida era um
lugar para se encostar e poder dormir um pouco, Hector estava em seus
pensamentos.
— Por que você sempre tem que falar dele? Passado é passado.
— Não, minha amiga — afirmou e suas feições mostravam que falava
sério. — Hector está no seu passado por tudo o que viveram, mas, com
certeza continua no seu presente e estará no seu futuro. Eu sei disso porque
sou vidente, você sabe.
— Não importa o que sinto. O que importa são os fatos.
— Seu amor é um fato, Lucy — disse Alyssa.
— A Trinity e o filho deles também. — O olhar de Lucy, ao dizer
aquelas palavras, transpareceu a dor que ainda carregava. — Chega de falar
dele, Lis, além de me machucar, não adianta nada. Eu segui com minha vida
e ele certamente seguiu com a dele juntamente com a vaca loira e o filho.
— Eu nunca engoli muito bem essa história, quer dizer, eu não acho
impossível que a vaca loira tenha mentido, por isso sempre achei que algo
não estava certo.
— Pois para mim sempre foi certo, como dois mais dois são quatro.
— Por que tem tanta certeza?
— Porque eles fizeram o exame de DNA logo que a criança nasceu e
deu positivo.
— Cacete, Lucy, como é que eu nunca soube disso? — perguntou
Alyssa, indignada.
— Deixa essa história pra lá, por favor. Vamos ver nosso filme.
Alyssa viu que os olhos da amiga estavam marejados e se arrependeu
de ter ido tão a fundo no assunto, mesmo sabendo que ele ainda a abalava. E
não era para menos, a noite maravilhosa que ela e Hector tiveram acabou se
tornando seu pesadelo e, consequentemente, o início do fim para o
apaixonado casal.
Só ela sabia o quanto aqueles primeiros dias foram difíceis para Lucy
e sentia muito por ter trazido tudo à tona.
Para deixar o clima mais descontraído, Alyssa colocou uma comédia,
sem romance, para elas assistirem e em pouco tempo, com as risadas e os
novos assuntos, ela viu a amiga relaxar.
Naquela noite elas não ficaram muito tempo juntas. No dia seguinte
ambas teriam plantão, de forma que dormir cedo não era uma opção, mas
uma obrigação para que conseguissem se sustentar por longas horas salvando
vidas de desconhecidos.
— Amanhã vou estar na enfermaria, mas vou dar um pulo na
emergência para almoçarmos juntas. O que acha? — perguntou Alyssa
segurando o elevador.
— Claro. Vamos sim — respondeu Lucy, apoiada na porta.
— Se o Dr. Hollywood quiser ir junto, tudo bem — falou Lis em tom
irônico e avesso ao mesmo tempo.
Lucy revirou os olhos.
— Até hoje não consigo entender sua implicância.
— Não sei exatamente. Mas não acho que ele seja uma boa pessoa. —
Ela deu de ombros. — A verdade é que nosso santo nunca bateu.
— Não põe a culpa no santo, isso é coisa sua — falou Lucy.
— Ei, não coloque tudo em cima de mim, a antipatia é mútua.
Era verdade, refletiu Lucy. Alyssa e Trent não se davam bem e não
escondiam isso de ninguém. Nunca houve um motivo em especial para essa
animosidade, eles simplesmente não eram compatíveis e só mantinham o
mínimo de cortesia no trabalho ou quando Lucy reclamava demais, o que
acontecia com bastante frequência.
Sua amiga não o chamava de Dr. Hollywood como elogio, mas para
deixar bem claro o quanto desprezava sua altivez.
Lucy não sabia se Trent percebia isso, ele era tão metido, que
provavelmente pensava que o apelido fora dado como uma forma de
enaltecer sua beleza e inteligência, pois, sim, ele era lindo e brilhante, mas
havia tantos pontos negativos que ela já não conseguia enxergá-lo com os
mesmos olhos.
Suspirando profundamente, Lucy resolveu encerrar a conversa para
evitar o estresse.
— Tchau, Lis.
— Tchau. Mas é sério, pode levar o metidinho se quiser, eu vou me
comportar — continuou Alyssa. — Calma, cacete — esbravejou quando o
elevador começou a apitar sinalizando a demora no fechamento das portas.
— Ele está em uma conferência em Nova York. Chega amanhã à noite.
— Que pena — disse, com fingido tom de lástima, e começou a rir.
— Você é terrível — admoestou Lucy antes de as portas do elevador
se fecharem. — Até amanhã! — gritou, rindo.
Mas depois que arrumou tudo e foi se deitar, um pouco da melancolia
que a acompanhava há muitos anos voltou e a última imagem em sua mente
antes de dormir foi a do rapaz que havia roubado seu coração anos atrás.

– AMOR E OBSESSÃO –
UMA TAÇA DE CHÁ
(L I VRO Ú N I CO )

O destino reservou a Chiara Grassi duas infelizes surpresas que fizeram sua vida mudar de um
dia para outro. O amor pela cozinha e por sua família, contudo, deu-lhe forças para não se
entregar à tristeza.
Esperando deixar as amarguras para trás, ela decidiu recomeçar em um novo lugar. Porém, não
contava com Paolo, dono da Vinícola Castelli, e seu mais novo vizinho. Lindo e misterioso, ele
mexeu com seus sentimentos mais profundos, forçando-a a reconsiderar várias decisões que
havia tomado.
O que ela não sabia era que Paolo também possuía feridas na alma e um grande muro em volta
do coração que ele não estava disposto a derrubar.
O que será que o destino reservou para estes dois corações feridos?

– DISPONÍVEL NA AMAZON –
TRECHO DO LIVRO

Capítulo 1

Era uma semana atípica de janeiro e, por sua janela, Chiara[6]


conseguia perceber o frio cortante do lado de fora. Apesar de gostar do
clima gelado, agradeceu por estar deitada em seu sofá, com o termostato
marcando 24°C e uma coberta felpuda sobre os ombros.
Seu apartamento tinha virado uma espécie de bolha particular de onde
ela não saíra para nada na última semana. Os banhos não eram mais diários,
comer, então, não era a maior de suas preocupações. Naqueles dias, sua
melhor companhia era o álcool, havia diversas garrafas de vinho vazias
espalhadas ao redor.
Ela realmente estava aproveitando suas férias da pior forma possível.
Passara meses planejando seu casamento para acabar ali, sozinha,
exceto por Gato, é claro. Sim, o nome de seu bichano era Gato. Simples e
perfeito para aquele animal alheio a qualquer tipo de expressão ou
demonstração de afeto. Sabia que deveria ter comprado um cachorro, em um
momento como aquele, ter alguém animado ao seu lado não seria tão ruim.
Enquanto o felino a encarava com desdém por Chiara ainda não ter lhe
servido seu almoço, pensou que era para estar fazendo selfies em uma
banheira com vista para o Oceano Índico em um hotel de luxo nas Maldivas,
contudo, o destino a quis ali, com a depilação atrasada e discutindo com um
gato preguiçoso.
Depois que o bicho subiu em sua barriga e pressionou as patas sobre o
seu peito, ela entendeu que ele realmente não iria lhe deixar em paz, e como
não estava em seus planos matar um animal de fome, foi obrigada a se render
e levantar do sofá que já estava ligeiramente afundado pelos dias seguidos
em que ficou acomodada no mesmo lugar.
Passou em frente a um espelho e parou diante dele observando a figura
refletida. Aquela não era ela. Cadê as maçãs rosadas do seu rosto? O brilho
dos olhos? O sorriso fácil? Cesare havia levado tudo com ele quando a
dispensara, uma semana antes do grande dia.
Ninguém a culparia por estar esse desastre, não é?
Sua autocomiseração foi interrompida pelo toque suave do telefone.
Chiara, porém, fingiu não escutar e continuou andando em direção à comida
de seu gato, esperando a chamada cair na secretária eletrônica.
— Chiara, pode se arrumar, meu amor, que a mamãe vai passar aí
daqui a pouco para fazermos um dia das meninas. Só eu e você, porque a
Bella está doente e sua irmã vai ter que ficar com ela. E nem adianta fingir
que não está em casa, consigo sentir o seu cheirinho daqui. Tchauzinho.
— Seria pedir muito poder curtir minha desgraça em paz? —
resmungou, revirando os olhos em direção a Gato. — E o que ela quis dizer
com “consigo sentir o seu cheirinho daqui?” Não está tão ruim assim. Está?
O bichano rechonchudo miou em resposta e, em seguida, lhe virou as
costas.
— Traidor — falou, cerrando os olhos enquanto Gato devorava sua
comida com a bunda empinada para ela.
Chiara analisou as duas opções que tinha: ou se arrumava e saía com a
mãe, deixando que ela a paparicasse um pouco, ou continuava ali, sentindo
pena de si mesma por ter sido abandonada por um traste sem coração.
A opção um venceu. Sofrer por um cafajeste não estava na sua “Lista
do que fazer antes dos trinta”. Além disso, receber o carinho de sua mãe
seria muito bom, ela realmente estava carente.
Enfim, tomou um banho longo e abrasador que fez sua pele branca
ficar vermelha. Ela adorava, sentia-se aconchegada enquanto a água quente
tocava sua pele, fazendo todos os seus músculos relaxarem.
Colocou uma roupa com a qual se sentia bonita; precisava daquela
injeção de autoestima depois de mais de sete dias na fossa. O look consistia
em uma calça flanelada preta, uma bota de cano longo sem salto e um lindo
sobretudo magenta. Na cabeça, colocou um gorro preto, combinando com a
luva que já havia separado.
Sentiu-se satisfeita ao se olhar no espelho.
— Esta sou eu — afirmou, analisando a imagem refletida.
Sentou-se no sofá afundado para esperar pela mãe e não fez questão de
ligar a televisão. Correr o risco de ver Cesare, justo no dia em que resolveu
voltar a viver, seria uma péssima ideia.
— Oi, meu amor — saudou a mãe entrando em seu apartamento.
— Ai, mãe, que susto. Já pedi para tocar o interfone.
— Este é o apartamento da minha filhinha e não preciso de permissão
para entrar — protestou Marietta, dando-lhe um beijo na testa. — E você
está linda, meu amor.
— Não é questão de permi... Ah, deixa pra lá — cedeu a jovem,
levantando-se do sofá. — Obrigada por vir — agradeceu, lhe retribuindo o
beijo.
— Podemos ir?
— Sim, mas posso saber para aonde vamos?
— Shopping, é claro. Nada melhor que umas comprinhas para livrar
sua cabeça daquele traste.
— Mãe, meia dúzia de roupas não vão fazer ele sair da minha cabeça.
— Mas já é um começo, vai — disse a mãe, dando-lhe um tapinha
carinhoso. — Vamos logo porque aquele idiota não merece nem mais um
segundo disso aqui — falou, indicando com o braço o apartamento um pouco
desleixado.
As duas belas mulheres seguiram para o shopping e Chiara viu que, de
certa forma, sua mãe estava certa; algumas comprinhas em sua companhia a
fariam esquecer, pelo menos por algum tempo, tudo que passou com o
Cesare.
Marietta era a mulher mais animada que Chiara conhecia, conseguia
animar até velório, se lhe fosse designada tal função, e naquele momento ela
estava animando o funeral do amor que a filha sentia pelo ex-noivo.
Algumas horas depois, ambas carregavam inúmeras sacolas com
roupas, sapatos e muitas lingeries, lindas e sexy, para Chiara usar e abusar
com seu próximo parceiro.
Depois de almoçarem, deliciaram-se com um gelato di crema que
adoçou aquela tarde maravilhosa.
— Obrigada — disse Chiara repentinamente para a mãe, enquanto
ainda estavam sentadas no bristô.
— Pelo que, querida? Foi só uma tarde de mãe e filha.
— Claro — respondeu a garota, rindo, antes de tomar um gole do seu
café.
— O que pretende fazer agora, querida?
— Estou pensando em me mudar.
— Se mudar? Como assim? Para onde?
— Calma, mãe. Não tenciono sair da cidade, mas Di Vizzano não é só
isso aqui, a área rural é linda.
— Rural? Vai fazer o que lá? Criar vacas? — perguntou a mãe com um
olhar divertido.
— Ainda não. Vou continuar como chef no restaurante, só quero morar
um pouco mais afastada, acho que me fará bem.
— Pensei que iria largar seu emprego.
— Mãe, eu não batalhei tanto para ser chef no único restaurante que
tem uma estrela Michelin aqui da cidade, para simplesmente largar tudo e
cuidar de vacas. Nada contra, apenas prefiro cozinhá-las.
As duas riram escandalosamente, chamando a atenção das mesas em
volta, mas elas nem se deram conta.
Quando terminaram, Marietta acenou para um garçom.
— Ótimo que tudo o que aconteceu não afetou o seu bom senso e nem
o seu humor.
— Ainda tem uma coisa que preciso fazer.
— Fecha para mim, por favor, meu jovem — solicitou a mulher ao
rapaz que se aproximou. — O que, meu amor?
— Preciso encerrar minha conta conjunta com Cesare no banco. Vou
ter que ir amanhã.
— Nada disso — falou sua mãe, conferindo a fatura que lhe foi
entregue. — Vamos cortar qualquer vínculo com aquele infeliz agora mesmo.
— Deixa comigo — informou Chiara, pegando o pedaço de papel da
mão de Marietta e colocando-o sobre a mesa com duas notas de dez euros.
— Não sei. Estou meio cansada para enfrentar um banco hoje, você sugou as
minhas energias.
— Você paga nosso almoço e eu determino que iremos fechar a única
coisa que ainda liga vocês dois. Vamos — chamou Marietta, levantando-se
em seguida.
Seguiram até o carro, colocaram as compras no porta-malas e foram
para o banco, que era perto o suficiente para irem caminhando.
— Não precisa dele para fechar essa conta?
— Não. Eu sou a titular.
— Ótimo, e o que vai fazer com o dinheiro? Dividir? Poderíamos
comprar mais lingeries para você usar com o melhor amigo dele. O que
acha?
Depois de rir, Chiara fez uma careta ao perceber que a mãe falava
sério.
— Não tem muito, nós gastamos bastante com o casamento e a lua de
mel.
— Acho que você deveria ir para as Maldivas. Posso até fazer o
sacrifício de te acompanhar
— Não tenho dúvidas — brincou Chiara. — Melhor não, a viagem tem
reembolso, além disso, o que eu faria em uma lua de mel sem um marido?
— Tem certeza? Poderíamos achar dois maldivos e, quem sabe, ficar
por lá.
— Ai, mãe, você não existe — disse Chiara, rindo alto.
— Só estou falando.
Assim que passaram pela porta giratória do banco e deram alguns
passos, Chiara teve um pressentimento ruim que a fez parar e desfazer o
sorriso de seu rosto.
— Isto é um assalto — gritou uma voz masculina, evidenciando o
óbvio.
Mãe e filha tentaram refazer o caminho e sair dali, porém, não havia
mais tempo para isso. Dois homens encapuzados, um bem alto e outro acima
do peso, armados com fuzis, travaram a entrada do banco enquanto outros
dois se posicionaram no fundo da pequena agência.
A partir daquele momento o pânico tomou conta.
— Não estamos aqui para machucar ninguém, mas se for preciso não
hesitaremos — um deles afirmou e aquela última frase fez o pânico se
instalar.
Algumas pessoas levaram as mãos à cabeça, alguns começaram a rezar
silenciosamente, enquanto outros gritaram de desespero.
— Cala a boca, sua babaca — bradou o assaltante gordo, dando uma
coronhada em uma senhora que parecia histérica, fazendo a idosa cair
desacordada no chão.
O homem alto torceu a boca em desaprovação e encarou o
companheiro.
— Meu Deus, minha filha — falou Marietta, visivelmente nervosa.
— Calma, vamos ficar quietas que vai dar tudo certo. Fica parada —
ordenou Chiara.
De onde estavam, ela não conseguia ver se a senhora ainda estava viva
e, por mais vontade que tivesse, não se atreveu a ir socorrê-la. Lágrimas
rolaram por seu rosto ao imaginar que talvez fosse tarde demais para a velha
senhora.
— Tira ela daqui — ordenou o que parecia o líder ao comparsa,
apontando para a mulher, e apesar dos resmungos, foi obedecido.
Os quatro estavam com toucas pretas e pareciam bem preparados,
além de armados.
— Todo mundo para lá, e deitem no chão — exigiu, indicando a
parede que ficava oposta às portas de vidro, próxima à abertura que dava
acesso ao interior da loja.
Logo, dois deles seguiram direto para uma área restrita a funcionários,
levando o gerente com eles. Os outros dois permaneceram ali para organizar
os reféns e manter a ordem até a finalização do assalto no interior da
agência.
— Vamos — gritou o alto, chutando os mais lentos com seu fuzil.
— Quero os celulares de todos aqui comigo, agora! — vociferou o
gordo, estendendo um saco. — Vamos, porra, não estou brincando. Como
meu amigo disse, não viemos aqui para machucar ninguém, assim que
pegarmos a bufunfa, vamos vazar, mas se precisar usar as nossas
amiguinhas, não vou egitar — garantiu.
— Hesitar, seu burro — repreendeu o alto em voz baixa, dando-lhe
uma cotovelada.
— Vá se foder, por um acaso é a porra de um professor? — reclamou
e continuou com a tarefa de recolher os aparelhos, apenas para pisar em
cima deles, antes de colocá-los na sacola.
Ao passar por Chiara, ela sentiu um vento gélido percorrer seu corpo e
a única coisa que chamava a sua atenção, era aquela enorme arma lhe
encarando. Não foi capaz de soltar o ar dos seus pulmões, tamanho o medo
que sentia.
— Olha para baixo — mandou Marietta.
Todos estavam localizados em uma parte do banco onde os caixas
trabalhavam, então, a mulher percorreu o olhar pelas bancadas onde, cinco
minutos antes, os funcionários trabalhavam sem preocupação, sem imaginar
que em muito pouco tempo vivenciariam seus piores pesadelos.
Sem querer, Marietta avistou um botão vermelho embaixo de uma das
mesas. Algo dentro dela gritou para sair correndo e apertá-lo. Não fazia
ideia da sua real utilidade, mas se fosse como nos filmes, era um alarme
silencioso que chamaria a polícia.
— Nem pense nisso — sussurrou Chiara, acompanhando os olhos da
mãe.
— Alguém precisa fazer alguma coisa ou aquela mulher vai morrer.
— Não, mamãe, fica quieta aqui, você não vai a lugar algum. Eles vão
te matar.
— O que vocês estão cochichando? — perguntou o barrigudo se
aproximando delas.
— Pelo amor de Deus! — murmurou Chiara, começando a chorar
quando sentiu o cano da arma em sua bochecha.
— Sai de perto dela — gritou Marietta.
— Vamos todos ficar calminhos que já estamos terminando —
declarou o homem alto, tentando manter tudo sob controle, enquanto se
encaminhava em direção à ponta da fila de reféns.
— Quer morrer, lindinha? — ameaçou o barrigudo no ouvido de
Chiara.
— Não, não — a jovem repetia.
Enquanto isso, o bandido alto terminava de pegar os celulares.
Assim que o gorducho virou as costas para Chiara, sem pensar muito,
Marietta se aproximou da mesa onde vira o maldito botão.
Percebendo o movimento, o homem se virou o mais rápido que sua
protuberante barriga permitiu.
— O que é isso, caralho?
— Não! — gritou Chiara.
Naquele momento, o som de dois disparos ecoou dentro da agência e a
mente de Chiara parou. Não conseguia escutar mais nada e não podia
acreditar no que seus olhos estavam vendo.
Sua mãe caía no chão, como que em câmera lenta, fazendo todo o
sentimento ruim que a moça sentia desde que entrou na agência se
concretizar.
— Não! — ela exclamou novamente, saindo de seu torpor e pulando
no pescoço do atirador barrigudo.
A gritaria se intensificou.
Sem ter noção do real perigo que corria, Chiara desferia socos com
toda a força que vinha da sua alma, mas para um homem daquele tamanho,
seus golpes não passavam de uma massagem bem malfeita.
— Seu maldito — esbravejou.
— Sai daqui, cadela — vociferou o homem, jogando-a no chão e
dando-lhe um chute no estômago.
— Falei para todos ficarem quietos — gritou o mais alto,
aproximando-se para tentar controlar a situação. Suas feições demonstravam
toda a raiva que estava sentindo do comparsa.
Chiara ignorou a dor intensa causada pelo chute e correu em direção à
mãe.
— O circo acabou — vociferou o homem alto mantendo o olhar
raivoso sobre todos.
Eram bandidos experientes e com bons equipamentos, incluindo pontos
de comunicação nos ouvidos.
O homem alto parou alguns segundos com o dedo pressionando o
comunicador em sua orelha direita enquanto ouvia uma orientação dos
colegas. Chegando próximo ao seu cúmplice, cochichou:
— Estão precisando de mim lá dentro. Dá conta deles, Berlusconi?
— Claro, Savino. Tá achando que sou o que, porra?
— Não quero mais nenhuma merda dessas, ouviu? — bradou,
cutucando seu peito com o indicador. — Não vou ser pego por que você é
um cretino que não consegue se controlar.
Guido Berlusconi simplesmente o ignorou e voltou sua atenção aos
reféns, enquanto Savino seguia em direção aos comparsas no interior do
banco.
Chiara ainda se encontrava ao lado da mãe e sua dor havia bloqueado
qualquer coisa que falavam a sua volta.
— Fica comigo — murmurava, uma e outra vez, para uma Marietta
inerte, após ser alvejada com dois tiros.
Suas lágrimas, contudo, caíam sobre o corpo já sem vida.
Ela voltou o olhar para o homem e deixou sua raiva guiar. Correu
novamente em direção a Guido deixando todo o peso do seu corpo esbarrar
contra o dele, sem dar ao homem qualquer chance de reação, fazendo ambos
caírem ao chão como frutas maduras.
Aproveitando-se da distração, outro refém se levantou e chutou a arma
para longe.
Foi a deixa para mais homens o imobilizarem.
Enquanto isso, os outros três assaltantes fugiram com as malas cheias
de dinheiro, deixando Guido para trás, junto com a sirene que se
aproximava.
Chiara não sabia manusear uma arma, nunca teve uma em suas mãos,
mas se levantou e apanhou a do bandido, mirando-a nele com determinação,
fazendo o homem tremer.
— Mata logo — vociferou ele, tirando a touca. — Vai, caralho.

— Não vou te dar esse prazer, quero que você apodreça na cadeia

— sentenciou Chiara com o olhar raivoso e cheio de lágrimas, ouvindo, ao

fundo, os policiais entrando no banco.


Capítulo 2

Chiara estava de volta ao seu apartamento, mergulhada em uma tristeza


que não conseguia expressar em palavras, mas que, com certeza, era muito
maior que a anterior.
Sua mãe foi morta a sangue-frio e, talvez, se tivesse atirado no maldito
barrigudo, sua dor estivesse menor naquele momento, contudo, sabia que o
fato de mandar o desgraçado para o inferno não aliviaria em nada o que
sentia.
Seu estado de ânimo não estava lhe permitindo fazer nada a não ser
chorar. Já fazia mais de vinte e quatro horas e a cena continuava se repetindo
em sua cabeça. Então, quando o cansaço vencia, tudo se repassava em seus
pesadelos fazendo-a acordar no exato momento em que aquele homem
disparava contra sua mãe. O rosto raivoso, redondo e cheio de manchas
voltava como um looping em sua mente e ela tinha certeza de que jamais o
esqueceria.
Obrigou-se a permanecer no velório e no enterro o máximo que pôde e
só não saiu correndo porque tinha a irmã, Bianca, ao seu lado o tempo
inteiro, compartilhando a mesma dor.
Muitas pessoas apareceram, a cumprimentaram, mas para Chiara nada
daquilo fazia sentido. Foram horas intermináveis de sofrimento encarando o
caixão fechado. Algo, em seu ponto de vista, totalmente desnecessário.
Após o enterro, o marido de Bianca foi para casa cuidar da pequena
Bella, enquanto as duas órfãs, agora também de mãe, permaneceram a
primeira noite juntas na casa de Chiara.
O fato de o assassino ter sido preso e, muito provavelmente, fosse
condenado a passar o resto da vida atrás das grades, deveria causar certo
alívio, mas não, a culpa a consumia, afinal, se não fosse por um problema
dela, não estariam naquele banco.
Aquilo a estava matando de dentro para fora e sentiria o peso daquela
responsabilidade para sempre.
Na rua, a chuva caía de forma intensa, espelhando os sentimentos
obscuros de dentro do pequeno apartamento.
Naquele momento, Bianca estava dirigindo a superequipada cozinha
de Chiara, tentando fazer qualquer gororoba para elas comerem. Ficou um
pouco perdida, pois com tantos ingredientes refinados a disposição, não
estava conseguindo definir nada normal para fazer, uma vez que não tinha as
habilidades da irmã.
Optou pelo básico que todo mundo gostava, um spaghetti a carbonara,
simples e rápido.
Na sala, ainda engolida por seu sofá, Chiara viu a tela de seu celular
brilhar em cima da mesa de centro. Esticou o braço para pegar o aparelho e
viu o nome de Cesare iluminando a tela.
Por um momento seu coração deu sinal de vida, bateu mais forte e
acelerado, mostrando que ainda não havia parado por completo, mesmo após
tanta desgraça. E ainda que sua racionalidade a recriminasse por se alegrar
com a ligação daquele cafajeste, Chiara não conseguia mandar nas emoções
e foi traída pelo próprio corpo.
— Cesare — atendeu com uma voz castigada.
— Sinto muito por Marietta.
— Foi horrível, Cesare, bem na minha frente.
— Gostaria de ir até aí, mas estou em Roma cobrindo um colega.
— Tudo bem, Bianca está aqui comigo.
— Como sua mãe levou os tiros? Eram quantos assaltantes? —
indagou um pouco acanhado.
Mas Chiara não era boba, ela se ajeitou no sofá e, como uma boa
italiana, começou a berrar, o que chamou a atenção não só de sua irmã,
como, provavelmente, do prédio inteiro.
— Seu desgraçado! Você me ligou para conseguir uma entrevista? Não
é possível que em tantos anos de relacionamento, eu nunca tenha visto quem
você realmente é. Eu fui a droga da sua noiva e quando minha mãe morre, a
única coisa que você quer é uma entrevista para o seu jornalzinho de merda?
Do outro lado da linha, Cesare até tentava falar alguma coisa, mas
Chiara não escutava, a única voz que ouvia era a de sua fúria.
— Vai se foder e enfia esse seu programa no...
— Chega — falou Bianca, tomando o celular da mão da irmã e o
desligando.
— Como ele pôde fazer isso, Bi? — protestou, chorosa.
A irmã se sentou ao seu lado e a abraçou.
— Não faz isso, Iaiá — aconselhou e deu um beijo em sua cabeça. —
Vamos comer e tentar esquecer esse idiota. O fato de ter terminado com você
uma semana antes do casamento, já mostra o quanto ele é babaca.
A serenidade na voz e no toque da irmã fez Chiara se acalmar.
— Eu sei. Mas eu ainda amo o desgraçado.
— Ele não é o seu amor, nunca foi, você estava apenas acomodada —
reiterou Bianca com as mãos no rosto da irmã.
— Bom, nesse momento tudo o que sinto é ódio.
— Isso também vai passar. Vem, vamos comer.
Seguiram em direção à cozinha e se sentaram à mesa redonda
localizada no centro do cômodo.
— Não ficou igual ao seu, mas acho que dá para o gasto — disse
Bianca para desanuviar o clima.
O cheiro estava bom, no entanto, a fome não vinha, pelo contrário, um
nó que havia no estômago de Chiara se estendia até a garganta; ela, porém,
se esforçou para dar algumas garfadas e não fazer desfeita depois de todo o
esforço de Bianca.
— Vou me mudar, Bi.
— Como é? — inquiriu a irmã, surpresa.
— Não vou sair da cidade. Já estava com esse plano antes de... Enfim,
tudo isso. Agora, mais que tudo, eu preciso sair daqui. Dante tem me
ajudado.
Aos 26 anos, Chiara parecia estar vivendo um ciclo de coisas ruins, e
sentia que isso não passaria enquanto não mudasse radicalmente sua vida.
Já tinha o emprego de seus sonhos e era extremamente feliz nele.
Faltava organizar sua vida pessoal, equilibrar seu interior. Queria viver um
dia de cada vez, sem muitos planos e muito menos homens, por algum tempo.
— Ele não me contou nada.
— Eu que pedi para não contar até fechar o negócio.
— Já encontrou alguma coisa?
— Ele achou uma casa exatamente como quero e onde eu quero. — O
brilho em seu olhar era notório, o primeiro em muitos dias.
— Eu te entendo e vou apoiar no que precisar — declarou Bianca,
acarinhando a mão de Chiara. — E onde fica essa tal casa dos sonhos? —
perguntou enquanto preenchia dois copos com suco.
— Em um vilarejo na área rural da cidade — explicou, colocando uma
garfada do macarrão na boca.
— Isso é longe, Iaiá.
— Nem tanto — disse, após engolir a porção, e colocou a mão sobre a
da irmã. — Mas quero combinar uma coisa, não vamos perder o contato
nunca, ok, vamos prometer de nos vermos, pelo menos, uma vez por semana.
— Claro que sim, minha irmã, nunca vamos nos separar — afirmou
Bianca com os olhos marejados —, senão, quem vai mimar a Bella? —
brincou, limpando as lágrimas que rolaram na bochecha.
Chiara afastou a cadeira e deu-lhe um longo e carinhoso abraço.
— Enfim — começou, sentando-se novamente. — A casa é linda e vai
ter um quarto para minha pequena dormir com a titia nos fins de semana, é
claro.
— Ela vai amar, tenho certeza.
— Na verdade, já tinha feito até uma oferta, estou esperando o dono
me dar um retorno. E assim que der certo, porque sei que vai dar, entrego o
apartamento.
— Fico feliz por te ver seguindo a vida. Vai ser bom recomeçar em um
novo lugar.
— Tem outro jeito?
— Não. Era o que ela gostaria. Sei que é uma frase clichê, mas
realmente é verdade.
— Eu sei, é isso que me dá força.
Um silêncio doloroso se estendeu por alguns segundos enquanto as
irmãs pensavam a mesma coisa.
— Pode ficar mais uma noite aqui comigo?
— Claro. Vou ligar para ver como a Bella está e avisar que só vou
embora amanhã.
Enquanto Bianca ligava para o marido, Chiara tirava os pratos da
mesa. Em vez de usar a lavadora, resolveu lavar na mão para ter o que fazer.
Mas foi só ficar sozinha para seus pensamentos voltarem aos
momentos mais terríveis de sua vida e, quando deu por si, estava chorando
novamente.
De repente, a tela de seu celular – que Bianca devia ter deixado sobre
a bancada, após tirá-lo de sua mão –, acendeu, chamando sua atenção.
Inclinou-se para ver quem era e lá estava o nome daquele demônio
novamente.
Daquela vez era uma mensagem, ela duvidava que o covarde teria
coragem de ligar novamente.
Enxugou uma das mãos e desbloqueou o aparelho para ler:

Me perdoe, Iaiá, não quis ser inconveniente, mas compreenda, minha obrigação como
repórter é apurar os fatos e você estava lá, é a principal peça em toda essa história devido ao
que aconteceu com sua mãe.
Quero te dar voz para falar tudo o que está sentindo.
Se mudar de ideia, sabe onde me encontrar.

— Filha da puta, desgraçado — xingou enquanto os dedos


enraivecidos digitavam uma resposta.

Primeiro, não me chama assim, para você, é Chiara.


Segundo, sua obrigação? Você realmente tem uma pedra dentro do peito?
Eu acabei de perder a minha mãe, a mulher que há duas semanas era sua sogra. Você não foi
ao velório me prestar condolências, não mandou uma mensagem sequer, e quando finalmente
me liga, é para me pedir uma entrevista?
Tudo o que você quer é um furo e ainda acha que eu tenho que compreender?
Compreenda isso, então: VÁ SE FODER e apaga meu número da sua agenda.
Babaca insensível.

Se tivesse alguma coisa para fazer seu dia piorar, ela desconhecia.
Jogou o aparelho de volta na bancada, apoiou as mãos na pia e chorou
copiosamente. Quando, por fim, se acalmou, levantou a cabeça e lavou o
rosto na água fria, numa tentativa de se recompor antes de sua irmã voltar à
cozinha.
O celular acendeu novamente, mas daquela vez era Mona, sua amiga
de infância.
— Oi, Mona — atendeu secando o rosto com uma toalha de papel.
— Oi, amiga. Meus pêsames. Me desculpe não ter ido ao enterro, não
consegui voo em cima da hora. Essas minhas viagens de trabalho são uma
droga!
— Tudo bem, amiga e obrigada.
— Como você está?
— O que você acha? — respondeu sem paciência. — Desculpa, estou
um pouco nervosa, acabei de brigar com o Cesare.
— Brigaram por quê? — perguntou, curiosa.
— Deixa isso para lá, nem vale a pena.
— Tudo bem. O que acha de almoçarmos semana que vem? Assim
poderemos conversar.
— Claro. Por que não?
— Está bem, então. Eu te ligo, pode ser?
— Pode, me avisa quando voltar.
— Tá bom. Ah, mamãe mandou um beijo e pediu para falar que sente
muito.
— Eu agradeço.
— Beijos, amiga, fica bem.

Com essas palavras, Mona desligou o telefone, deixando Chiara

intrigada, a amiga não parecia bem. Contudo, não estava com forças para

pensar nos problemas alheios, ela iria, só por aquela noite, ser egoísta e

remoer seus próprios dilemas.


Capítulo 3

As semanas passaram arrastadas, mas, finalmente, depois de muito


trabalho e bastante burocracia, Chiara estava com todas as suas coisas
empacotadas, pronta para reescrever uma parte de sua história.
Iria deixar em seu antigo apartamento tudo de ruim que vivera e
tentaria seguir em frente sob uma nova perspectiva. Isso incluía mudar o
número de seu celular, até porque, cortar qualquer tipo de ligação com
Cesare fazia parte dessa mudança.
O idiota pelo menos tivera a decência de ir ao banco para fechar a
conta, já que Chiara não pretendia voltar ao lugar que fazia pano de fundo
para seus pesadelos.
Parou à porta de seu apartamento, com Gato no colo, e a fechou sem
hesitação.
Seguiu direto para o térreo e se encaminhou para seu Fiat 500, um
carro lindo, mas pequeno demais para levar qualquer coisa que não fosse ela
e o bichano. O restante de suas coisas iria no mini caminhão que contratara.
Abriu o porta-malas para colocar algumas coisas de Gato e uma
mochila contendo alguns itens básicos, mas deu de cara com as sacolas das
compras que havia feito com sua mãe e que foram completamente esquecidas
por Chiara.
Na mesma hora, a felicidade que estava sentindo com a mudança se
esvaiu e lágrimas brotaram de seus olhos.
— Deixa que eu cuido disso — persuadiu Bianca, afastando a irmã e
tirando tudo de lá.
— Podemos ir? — Chiara perguntou após conseguir se recompor.
— Sim! — gritou Bella.
A sobrinha tinha ido para “ajudar” a guardar suas coisas, mas, como
era de imaginar, a pequena mais atrapalhou do que ajudou, porém, deixou o
clima mais leve e arrancou muitas risadas das irmãs.
— Ah, meu amor, vem aqui — falou Chiara puxando a garotinha para
seu colo. — Depois que estiver tudo arrumado, a tia vem buscar você para
dormir lá comigo e fazermos muita bagunça. O que acha disso?
— Eba! — respondeu Bella, rodeando o pescoço da tia com os
bracinhos.
— E comer muitos docinhos — sussurrou Chiara em seu ouvido para
Bianca não escutar. — Mas isso é segredo, está bem?
Bella consentiu com a cabeça, soltando uma risada gostosa para, em
seguida, levar as mãozinhas à boca.
— Estão cochichando o que, hein? — perguntou Bianca com um
sorriso nos lábios.
— Nada, mamãe — disse a pequena e então se entregou: —, a titi não
vai fazer docinhos pra Bella.
Aos risos, Chiara devolveu a sobrinha aos braços da irmã e lhes deu
um abraço apertado e demorado.
— Qualquer coisa, me liga, está bem?
— Pode deixar, Bi, mas esquece que não vou mudar de cidade, só vou
cuidar de vacas — comentou com um sorriso emocionado no rosto.
— Tudo certo, senhorita Grassi. Se estiver pronta, nós já podemos ir
— disse o motorista do caminhão.
— Vamos nessa.
Chiara entrou no carro, deu partida e se foi, vendo sua irmã e sobrinha
paradas na calçada, acenando enquanto se afastava.
Em pouco tempo estavam deixando a cidade e isso ficou bem nítido
quando os vinhedos começaram a tomar conta de tudo o que sua visão podia
alcançar. A vista era simplesmente deslumbrante e a região era famosa no
mundo inteiro por produzir os melhores vinhos italianos.
Soube que estava chegando a seu novo lar quando o asfalto ficou para
trás e a terra ocupou todo caminho.
Assim que avistou a casa, seu coração bateu mais forte e um sorriso
brotou em seu rosto.
A construção era toda em madeira, como as outras da região, a
varanda possuía um balanço que seria perfeito para ler seus livros e, quem
sabe, escrever um pouco, já que a vista era de tirar o fôlego e certamente lhe
daria grandes inspirações. Do outro lado da rua havia um mato alto
desembocando em uma linda colina com árvores, plantas e flores das mais
variadas espécies.
Chiara poderia ficar ali admirando a natureza por horas, jamais se
cansaria.
Havia duas casas ladeando a sua; a do lado direito – que ficava mais
próxima – era enorme, maravilhosa e moderna, já a do lado esquerdo era
mais simples, porém, muito bem-cuidada. De longe, os telhados das três
residências formavam uma escada.
Apesar de serem próximas, não eram grudadas, havia um espaço
considerável entre elas, promovendo privacidade a todas. Bem diferente da
realidade em que vivia até trinta e dois minutos atrás, onde um morava em
cima da cabeça do outro.
Deixou o ar fresco entrar em seus pulmões um pouco mais enquanto
observava seus vizinhos. Deu um giro completo, admirando o lugar que faria
parte de sua vida daquele dia em diante.
— Gato, é aqui que vamos morar. O que achou? — perguntou Chiara
ao pegar o felino no banco do passageiro. — Ah, pode parar aqui, ao lado
do meu — acenou para o motorista do caminhão.
Segundos depois, os dois rapazes que haviam tirado as coisas de seu
apartamento estavam levando tudo para dentro de seu novo lar.
A casa já estava mobiliada e não houve necessidade de levar seus
móveis, somente itens pessoais e utensílios de cozinha, claro.
— Pode deixar as caixas na sala. E isso aqui no primeiro quarto,
subindo as escadas — disse apontando algumas caixas de plástico.
— Pode deixar, senhorita Grassi.
Chiara se deu alguns minutos de descanso no balanço que amou desde
que o viu, e desfrutar da sensação de estar sentada ali, com Gato em seu
colo.
— Bom dia, senhorita — saudou um desconhecido, de repente.
— Bom dia — ela respondeu, desconfiada.
— Meu nome é Enzo Savoia. Sou o diretor da vinícola aqui ao lado —
esclareceu e apontou para a propriedade que ficava à sua direita. — É a
nova moradora?
Chiara olhou na direção que ele indicou e não viu vinícola alguma,
mas a arquitetura, como sempre, lhe chamou a atenção.
— Quem olha de fora não consegue ver muita coisa — falou o rapaz
como se desvendasse seus pensamentos —, mas se for até os fundos, vai ver
a mágica acontecer.
— Entendo — respondeu finalmente. — Eu, ah, sou a Chiara, prazer.
— O prazer é meu — disse ele, erguendo o chapéu à guisa de
cumprimento. — Que lindo! Qual o nome dele? — perguntou, olhando para
baixo.
— Gato.
— Sim, estou vendo que é um gato, mas como se chama? — perguntou
novamente, confuso e um pouco sem graça.
Chiara abriu um sorriso.
— O nome dele é Gato.
O rapaz riu tão abertamente, que Chiara achou ter visto seus sisos
superiores.
— Se a bela moça precisar de qualquer coisa, eu tô à disposição.
— Claro, obrigada, senhor Enzo — respondeu, mas estava achando o
homem muito esquisito.
— De nada. Hum, preciso ir, tenho que resolver alguns problemas.
Ela apenas assentiu.
— Bom, seja bem-vinda.
Com essas últimas palavras, Enzo lhe deu as costas e andou em
direção à grande propriedade.
Chiara observou o homem se afastar com sua camisa xadrez de manga
longa e calças surradas, largas e compridas demais, ao ponto de ele ter
precisado dobrar as barras para não arrastarem no chão.
Poderia ser meio preconceituoso de sua parte, mas nunca diria que
aquele homem seria diretor de alguma coisa. A verdade era que nunca
conhecera um diretor de vinícola, mas já percebeu que, ali, as coisas eram
bem diferentes do que estava acostumada a ver na cidade.
— Seja receptiva e abra um pouco a mente, Chiara — sugeriu a si
mesma, levantando-se do balanço e entrando na casa.
— Prontinho — falou um dos rapazes alguns minutos depois. — Já
terminamos.
— Obrigada, vocês foram ótimos — agradeceu e estendeu uma nota de
cem para o homem.
— Não tenho troco, senhorita Grassi.
— Não falei que precisava. Usem para tomar alguma coisa quando
chegarem à cidade.
— Muito obrigado.
Ambos se despediram, saíram da casa e entraram no caminhão, felizes
com os quinze euros que ganharam de gorjeta.
Chiara passou o restante do sábado desempacotando suas coisas.
Iniciou por seu cômodo preferido, a cozinha, a parte da casa em que se
sentia mais à vontade. Pretendia estreá-la fazendo uma bela pasta para o
jantar.
Poucas horas depois, o cômodo já estava da forma como havia
imaginado.
— Sou boa nisso, ficou maravilhosa — brincou, satisfeita, ao observar
o cômodo.
A cozinha era realmente linda, com armários em madeira maciça, uma
ilha no meio, onde duas bocas do seu cooktop já trabalhavam
incansavelmente. A longa bancada em mármore, perfeita para sovar suas
massas, pegava toda a parede lateral que exibia uma janela no meio com
vista para a grande casa branca que escondia a vinícola citada por Enzo. No
fim do balcão, uma porta dava acesso à área externa.
Curiosa, Chiara seguiu até lá, ansiosa para ver o que lhe aguardava.
Ao abri-la, ficou maravilhada por notar que, dali, poderia ver o vinhedo
formado por vários hectares de plantação, com o pôr do Sol como pano de
fundo.
— Se existe paraíso na terra, ele é aqui, na minha casa — declarou,
emocionada, já imaginando como seria aquela vista pela manhã.
Por ter visitado a propriedade apenas uma vez antes, e à noite, ela não
conseguiu ver as paisagens maravilhosas no entorno. Mas seria eternamente
grata ao marido de Bianca, que era corretor de imóveis, por ter apresentado
a residência de seus sonhos e mais ainda por ter mantido tudo em segredo
até, por fim, comprá-la.
Voltou para o interior, onde o cheiro de seu molho especial já
dominava o ambiente, e foi olhar as panelas.
Segundos depois, a campainha soou, a assustando, uma vez que ela
nem sabia que possuía uma.
Abaixou a chama do queimador em que reduzia o molho, limpou as
mãos no pano de prato e começou a atravessar a sala.
Antes mesmo de chegar à porta, ouviu uma voz vagamente familiar
chamar seu nome.
Aquilo a deixou intrigada.
— Acho que lhe pertence — disse Enzo, assim que ela abriu a porta.
— Meu Deus! Onde ele estava? — perguntou Chiara, já pegando Gato
das mãos do rapaz, antes que o felino o arranhasse.
Com a confusão da mudança e seu empenho em colocar tudo em seus
devidos lugares antes do jantar, Chiara se esqueceu que Gato estava em um
ambiente desconhecido, e que isso poderia assustá-lo.
Foi exatamente o que aconteceu. Enquanto ela admirava a propriedade
de seu vizinho, o bicho saiu para fazer o próprio reconhecimento do terreno.
— Onde o achou?
— Ele estava correndo atrás do cabrito da vizinha.
— Seu bichano danado, não faça mais isso! — disse ao gato que
apenas miou em resposta.
— Ainda bem que ela não viu, é melhor não arrumar confusão com a
velha — Enzo acrescentou.
— Tenho que me preocupar com ela?
— A dona Carlota parece inofensiva, mas é bastante rabugenta, se não
quiser que ela venha reclamar, é melhor não deixar seu gato pisar nas terras
dela ou ela vai começar a perseguir o bichinho — preveniu.
— Obrigada por avisar. Não quero confusão, então vou manter esse
curioso por perto.
Ele assentiu e tirou chapéu de palha, deixando suas sobrancelhas
extremamente grossas à mostra.
— Você é muito bonita — Enzo jogou as palavras subitamente, sem
contexto algum, deixando-a sem saber como reagir.
— Ah, bom... — balbuciou, um pouco sem graça. — Eu estou muito
agradecida pelo que fez — mudou de assunto. — Até te convidaria para um
café, como recompensa, mas as coisas estão meio bagunçadas por aqui.
— Entendo... Não quer dar uma volta comigo, então? Sabe... Para
conhecer a região. Você não vai se arrepender, é lindo.
Chiara percebeu que o rapaz queria se aproximar, só que ele estava
indo rápido demais. Mas o principal era que não se sentia preparada para
começar qualquer coisa com outro homem, então, preferiu declinar:
— Melhor não, já está quase anoitecendo, além disso, ainda tenho
muita coisa para fazer. De qualquer forma, eu agradeço e, mais uma vez,
obrigada por ter trazido Gato para mim.
Dizendo isso, ela fechou a porta, mas ainda viu Enzo acenar com o
chapéu, lançando-lhe um olhar que julgava ser matador.
A bela moça voltou para a cozinha, sem saber se ria daquela tentativa
tosca de sedução ou se preocupava com aquele aprendiz de Don Juan.
Ainda divertida, foi terminar seu jantar.
Depois de comer e lavar as louças, subiu para seu quarto com o intuito
de tomar um banho e dormir, mas ao ver todas aquelas caixas no chão, não
conseguiu ir descansar até ter arrumado suas roupas no guarda-roupa.
Por causa disso, acabou acordando tarde no domingo. Fez seu café,
comeu um corneto com a geleia de morango que havia feito na sexta-feira e
foi arrumar o restante das coisas.

Por volta das dezoito horas, estava tudo em seu devido lugar e,

daquela vez, depois de jantar, tomou um banho relaxante e dormiu cedo para

estar completamente recuperada no dia seguinte. Seria seu primeiro dia de

trabalho depois das férias forçadas e ela estava com um bom pressentimento

em relação a sua nova rotina.


Capítulo 4

Chiara acordou com uma mensagem animada de Bianca e um vídeo de


Bella falando que já estava com saudades e desejando bom trabalho para a
titi. Aquilo a fez levantar com o ânimo renovado, apesar das dores no corpo
por todo esforço despendido no dia anterior.
Antes de qualquer coisa, fez um café com intenção de tomá-lo em sua
varanda, admirando a vista, com o canto dos pássaros de trilha sonora.
Chiara adorava a natureza, mas no centro, onde morava, jamais encontraria
um som tão puro, tudo o que se ouvia era a balbúrdia de uma cidade grande.
Quando comprou a casa, a única imagem que vinha em sua mente, era
dela sentada em seu balanço na varanda tomando café, lendo ou escrevendo.
Após o passeio não autorizado de Gato, ela resolveu redobrar a
atenção, pelo menos até o bichano se habituar ao novo ambiente. Por isso,
pretendia carregar o felino gordo para onde fosse quando estivesse em casa.
Colocou a água para esquentar e foi até a janela de onde ficou
observando a casa vizinha. A sua era linda, mas pequena e até mesmo
simplória se comparada àquela, que era majestosa. Chiara cortaria um dedo
para ter a oportunidade de conhecê-la por dentro, no entanto, sentiu pena da
coitada que tinha que limpar todas as janelas que ornavam perfeitamente com
o clima campestre.
Quando a chaleira apitou, preparou o café sem pressa; o restaurante
onde trabalhava, abria apenas para o jantar, portanto, só precisaria se
deslocar até lá depois do almoço.
Ao pensar que todos os dias poderia fazer esse mesmo ritual de “vida
de interior”, um sorriso se desenhou em seu rosto, porém, junto a ele vinha a
culpa.
Sua mãe morrera e ela não se sentia no direito de estar feliz. Marietta
fora sua melhor amiga, a pessoa que a entendia como ninguém, além de mãe
e pai dela e de Bianca. Por sua causa, esta mulher extraordinária havia
partido prematuramente, como acontecera com seu pai e para aquele tipo de
dor, não havia palavras para expressar.
As duas mortes, apesar de antecipadas, eram distintas, seu pai fora um
fumante compulsivo e acabou sendo vencido pelo câncer de pulmão, algo
que a esposa já imaginara que aconteceria, uma vez que, simultaneamente ao
vício, havia obesidade e problemas cardíacos.
Esperava que o tempo fosse capaz de curar mais essa ferida.
Pegou sua xícara e foi para a varanda.
— Você fica aqui, seu gordinho fujão — falou para o gato que a
ignorou dando-lhe as costas. — Mal-educado.
A brisa fria do final de fevereiro esbarrava em seu rosto, mas ela não
se importou. Sentou-se no balanço. Fechou os olhos e ficou assim por alguns
minutos. Quando finalmente os abriu, prestou atenção a cada detalhe do que
tinha ao seu redor, inclusive da colina gramada existente bem em frente à sua
casa.
Nunca se cansaria de apreciar aquilo.
Quem sabe não criasse o costume de subir até o topo toda semana.
Com certeza seria uma fonte de inspiração inesgotável para seus livros.
Um barulho ressoou dentro da casa, a assustando. Ela se levantou e
voltou para dentro, apenas para encontrar um vaso espatifado no chão e Gato
bem ao lado, com seu olhar esnobe.
— Quer se vingar de mim por ter te deixado aqui dentro? Não vai
adiantar.
Gato chegou perto, roçou o corpo em suas pernas e saiu desfilando.
— Vou considerar isso como um pedido de desculpas.
Quando terminou de recolher todos os cacos do chão, foi tomar um
banho e se arrumar, decidira ir mais cedo para o restaurante, pois gostaria de
saber exatamente quanto tempo o percurso levaria.
A verdade, porém, era que estava ansiosa para o seu primeiro dia
depois de tanto tempo afastada.
Estava indo em direção ao seu carro quando Enzo se pôs à sua frente.
— Bom dia — cumprimentou com a voz um pouco mais grossa, como
se quisesse impressioná-la com sua masculinidade.
— Nossa, Enzo, que susto! — ralhou com a mão no peito.
— Desculpa, linda, não quis assustar.
— Meu nome é Chiara — corrigiu, incomodada com a ousadia, eles
nem se conheciam!
— Claro, claro, Chiara. — Alguns segundos constrangedores de
silêncio se passaram antes que ele perguntasse: — Você quer almoçar
comigo?
— Olha, eu não quero ser rude, você resgatou meu gato e sou grata,
mas não é por isso que pode ficar aparecendo por aqui assim. Não me leve a
mal, eu só não estou querendo nenhum tipo de envolvimento.
— Certo, entendi. Não tem problema, vou esperar você mudar de ideia
— falou, encarando-a incisivamente.
— Então tá! — disse ela com as sobrancelhas arqueadas, ignorando a
última frase. — Preciso ir, tenha um bom dia — acrescentou e desviou do
rapaz.
— Você trabalha no quê?
— No FBI. Tchau, Enzo. — E para não estender o interrogatório,
entrou no carro.
— Você tá namorando?
— Sério? Não ouviu nada do que acabei de falar? — inquiriu já dando
a partida. — Bom dia, Enzo.
Chiara saiu, mas pelo retrovisor observou que o vizinho curioso
manteve os olhos no carro até este sumir de vista.
O rapaz sempre lhe dava aqueles olhares profundos, provavelmente
numa tentativa de ser sexy, mas que para ela só parecia meio psicótico
mesmo.
— Gente, qual o problema desse cara? Cruzes! — desabafou consigo
mesma e voltou toda sua atenção à estrada.
Fez o trajeto até o restaurante tentando tirá-lo da cabeça e acabou
chegando mais rápido do que o previsto, o que a deixou satisfeita.
Foi recebida com muito carinho por todos e se emocionou com tanto
cuidado vindo de seus colegas.
Claro que aquela sensibilidade poderia ser porque era o primeiro dia
que trabalhava após tudo de ruim que lhe acontecera nas últimas semanas. O
dono do restaurante, um senhor extremamente gentil e de idade avançada, lhe
concedera folga desde que fora abandonada no altar, como uma forma de
reconhecimento pelo que ela estava passando, mas também porque a jovem
nunca havia tirado férias nos cinco anos em que trabalhava no Tramontrana.
O dia de trabalho foi preenchido com a preparação de muitas pastas,
risotos e carnes de cortes finos. Não demorou a entrar novamente no ritmo
alucinado da cozinha. Era lá seu lugar e o respeito que tinha pela comida
transparecia em cada legume que cortava e em todos os pratos que
entregava, garantindo elogios atrás de elogios dos clientes.
No fim do dia estava exausta, mas feliz. Alimentar as pessoas era uma
forma de amor, pelo menos era isso que sentia.
Já era mais de meia-noite – horário em que normalmente saía do
restaurante – quando entrou em seu pequeno carro.
Gostava de usar o tempo que passava dirigindo para fazer uma
reflexão da própria vida e acabou perdida em pensamentos.
Infelizmente, Cesare apareceu em sua mente sem ser evocado. Ela
realmente não gostava de perder qualquer tempo lembrando daquele traste,
contudo, por mais decidida e descomplicada que fosse, levaria um tempo
para esquecê-lo e estava conformada com isso.
Para piorar, a cena do assalto voltava, dia após dia, para perturbá-la,
estivesse ela dormindo ou acordada.
O sorriso, que era sua marca registrada, ainda estampava o belo rosto,
mas, no fundo de seu peito, a ferida ainda estava aberta e não sabia ao certo
quando – ou se – iria fechar.
O ano mal havia começado e tudo a sua volta estava diferente e
totalmente fora do padrão que havia idealizado, pensou, pouco antes de
chegar à estrada de terra.
O asfalto acabou e, com ele, a iluminação pública. As únicas luzes
vinham de dentro das casas, mas estas ficavam muito longe para fazerem
alguma diferença.
Fez uma anotação mental para conversar com os vizinhos sobre o
assunto. Chegar tarde quase todos os dias no breu total não era algo que lhe
agradava, mesmo que, teoricamente, aquele fosse um lugar pacífico.
Parou em frente ao seu jardim e saiu rapidamente do automóvel. Mal
tinha dado dois passos quando viu alguém vindo da lateral de sua casa.
Chiara deu um grito, tamanho o susto que levou.
De novo não, pensou, achando que fosse o diretor novamente.
De repente, a luz de sua varanda, munida de um detector de
movimento, acendeu quando a pessoa se aproximou e ela pôde ver, pela
silhueta, que não se tratava de Enzo.
Contudo, ela não sabia se devia ficar aliviada ou ainda mais
preocupada, visto que o homem tinha quase o dobro do tamanho daquele
esquisito.
— Imagino que seja Chiara, a nova vizinha — disse o rapaz
tranquilamente, sem ter ideia de que ela estava petrificada e com as pernas
bambas.
— Caralho! — vociferou. — Quem é você?
— Paolo Castelli, dono da vinícola aqui ao lado. Eu não quis te
assustar, mas é que não costuma passar carros pela rua a essa hora, então
achei melhor vir conferir.
Embora mais calma, suas pernas ainda bambeavam, mas, desta vez,
pela beleza do italiano maravilhoso que descobrira ser seu vizinho.
O olhar abusado percorreu todo o corpo de Paolo, desde os tênis
surrados, passando pelas calças de moletom, justas por conta das coxas
grossas, indo até o casaco vermelho e voltando ao anel em seu anelar
esquerdo.
— Desculpa pelo grito, mas vocês gostam de assustar as pessoas por
aqui, não é? Enfim... Pode se acostumar, porque chego tarde todos os dias.
— Vocês? — ele questionou, sem entender do que Chiara falava.
— O Enzo já andou me assustando também — explicou-se,
observando com mais nitidez os lindos olhos do rapaz.
Se pudesse descrevê-lo em uma palavra, seria hipnotizante.
— Enzo é intrometido, não dê liberdade a ele. Passar bem, senhorita
Grassi — disse, virando-se e indo em direção a grande casa branca.
Paolo continuou se afastando e a moça não conseguiu tirar os olhos da
bunda carnuda que a calça de moletom não escondia.
Como se sentisse a região queimando, ele se virou e a encarou.
Chiara disfarçou o olhar em respeito à esposa do homem e voltou a
andar.
— Lindo, mas rude e casado. Credo, só tenho vizinho louco. Melhor
me manter bem longe — murmurou para si enquanto destrancava a porta.
Ao entrar, viu Gato em cima da mesa e outro vaso espatifado no chão.
— Ah! Que ótimo. Não tenho uma loja de vasos, sabia? — inquiriu,
colocando suas coisas no cabide ao lado da porta.
Depois de limpar a sujeira feita por seu felino, Chiara foi para o fogão
fazer um chá. Apesar da sua vontade de tomá-lo na varanda, preferiu se
sentar na banqueta de sua ilha, mirando a casa branca.
Havia uma luz acesa no andar de cima e sentiu vontade de ter um
binóculo para observar mais de perto, como um adolescente observando a
vizinha gostosa.
Em seu caso, era o vizinho gostoso.
Isso até uma silhueta feminina aparecer e dar fim aos seus devaneios.
— Credo, Chiara, a que ponto chegamos, hein? — protestou e se
levantou do banco, fechando a cortina em seguida. — A proposta era nada
de homens, especialmente se eles forem comprometidos.
Sem sono, foi até o pequeno escritório que montou no segundo quarto
do andar superior e ligou seu computador. Abriu um novo arquivo e começou
a colocar algumas ideias que estavam em sua cabeça há alguns dias, mas que
ganharam novos contornos depois da visão que teve.
Ela fazia aquilo por hobby e já tinha finalizado dois livros que
estavam devidamente arquivados. Não pretendia publicá-los, estava feliz no
restaurante, mas gostava de preencher suas horas vagas escrevendo.
Era uma mulher muito criativa, não só para elaborar pratos, como
também inventando histórias de todos os tipos. Quem mais se beneficiava
era Bella, que as ouvia sempre com muita atenção e entusiasmo, entretanto,
seu ponto forte eram as histórias de amor com uma boa pitada de Carolina
Reaper[7].
Seu novo protagonista seria um vigoroso italiano de 30 anos, coxas
grossas e olhos intensos de uma cor abstrata, difícil de descrever, até mesmo
para ela, que sabia colocar no papel detalhes de forma minuciosa. Começava
com um castanho e conforme se aproximava das pupilas, um belo tom de
verde tomava conta, era maravilhoso.

Qualquer semelhança com seu vizinho seria mera coincidência.


Capítulo 5

Com a cabeça fervilhando de ideias, Chiara foi dormir tarde todos os


dias daquela semana, que se resumiu a trabalho no restaurante, arrumação da
casa nova e muita conversa com a irmã mais velha. Mas isso não a
perturbou, pois já fazia parte de sua rotina, bem como tomar café antes de
qualquer coisa pela manhã.
Assim como vinha acontecendo desde que conheceu seu vizinho,
preferiu manter as cortinas da cozinha fechadas quando foi prepará-lo.
Agora que sabia quem era o dono da bela casa branca, era melhor evitar
fantasias, ainda mais àquela hora da manhã.
Resolveu fazer o café um pouco mais forte que o de costume, uma vez
que era sexta, um dia cheio no restaurante, com muitas reservas e vários
clientes exigentes.
Com a xícara cheia do líquido escuro, foi até seu balanço, torcendo
mentalmente para não ter que lidar com Enzo logo cedo, perturbando sua
paz. Embora não tivesse do que reclamar, uma vez que desde aquele dia, o
rapaz não aparecera mais.
Para sua sorte, não viu nada ao sair pela porta, exceto aquela linda
colina que parecia lhe convidar para conhecê-la.
Permaneceu ali, sentada no balanço, perdida e maravilhada pelos
próximos quinze minutos até finalizar a bebida. Não se cansava de
contemplar todas as cores e formatos que a natureza oferecia para serem
admirados.
Voltou para dentro e subiu direto para seu quarto, colocou uma roupa
de ginástica e, ao se olhar no grande espelho, conseguiu enxergar vestígios
da antiga Chiara. As bochechas estavam rosadas, os olhos já retomaram um
pouco do brilho original da cor castanha, puxada para o mel, uma
combinação perfeita com seu cabelo loiro, longo e cheio.
Ela não costumava praticar exercício físico, porém, sua genética a
favorecia, seu corpo era esbelto e com curvas na medida certa. Como não
sabia até quando poderia contar com a ajuda de seus genes, comprometeu-se
a subir a colina duas vezes por semana; se estivesse com pique, três.
Saiu de casa carregando uma pequena garrafa térmica repleta de seu
café encorpado e deixando Gato para trás, devidamente alimentado.
O bichano já estava um pouco mais acostumado com sua nova casa,
assim, Chiara ficava mais tranquila quando saía, mesmo que fosse recebida,
muitas das vezes, com coisas quebradas.
Começou a subir a montanha e quando chegou ao topo, percebeu que
não era tão grande quanto aparentava quando olhava de seu balanço. Mas a
vista, ah, aquela vista, era de tirar o fôlego de qualquer um.
Sentou-se ao pé de uma grande árvore, da qual adoraria saber o nome,
abriu a garrafa e ao despejar o líquido na tampa que servia de copo, notou
que havia esquecido o açúcar.
Ah! Que se dane o açúcar. Tinha começado a fazer exercício físico e ia
cortar os excessos.
Por alguns minutos ficou só observando a natureza e se acostumando
com o amargo do café. Foi então que notou que, dali de cima, podia ver o
vinhedo do vizinho. E, meu Deus, era como uma orquestra em total sintonia
com o casarão branco e o galpão existente no fim da plantação.
Seus olhos se fecharam com aquela maravilha registrada em sua mente
e não soube ao certo por quanto tempo permaneceu assim.
— Desbravando por aí? — uma voz interrompeu seu momento.
— Oi, Bi — falou Chiara, animada, levantando-se e dando um abraço
cheio de saudade nela. — O que faz aqui?
— Vim ver minha irmãzinha. Não posso?
— Óbvio que pode. Quando quiser. E cadê minha princesa?
— Dante ficou com ela agora de manhã para eu resolver algumas
coisas.
— Como ousa vir aqui sem o meu amorzinho? — brincou.
— Na verdade, eu não pretendia vir, mas no caminho resolvi passar
para tomarmos um café.
— Fez bem. Vamos descer — disse Chiara conduzindo a irmã na
descida. — Como sabia que eu estava aqui em cima?
— Um rapaz me falou.
Chiara fez uma careta.
— Que rapaz? — perguntou, mas já sabia de quem se tratava.
— Não sei, um baixinho. Estava tocando sua campainha e ele apareceu
falando que você tinha subido a colina.
— Aff. Esse cara já está me dando nos nervos.
— Quem é?
— O nome dele é Enzo, trabalha na casa do meu vizinho. Ele fica
aparecendo do nada.
— Me pareceu inofensivo.
— No começo também achei, mas... Sei lá. Como ele sabia que eu
estava lá em cima? Só pode estar me espionando!
— Fala com o patrão dele.
— Acho que vou ter que falar mesmo.
As irmãs chegaram ao fim da descida e, minutos depois, estavam
entrando na casa.
— E o gato gordo? Parou de quebrar as coisas? — quis saber Bianca.
— Ele está se acostumando com o novo ambiente — respondeu
Chiara, servindo o café já pronto em uma xícara.
— Então não — constatou, rindo. — Voltar ao trabalho foi tão bom
como imaginou?
— Foi, sim. É legal estar de volta à minha rotina, apesar do novo
endereço. Estou amando este lugar. Se não fosse o baixote esquisito, estaria
tudo perfeito — ponderou Chiara fazendo a irmã rir. — E na sua casa? Como
estão as coisas?
— Está tudo bem, mas Bella pergunta bastante da mamãe — comentou
com a voz entristecida.
— Ela ainda é muito novinha e, infelizmente, vai esquecê-la logo.
— Eu sei disso. Bom... Me fala de você. Como está, depois de... Você
sabe.
— Não me olha com essa cara, Bi. Eu estou bem, seguindo em frente.
— Não vejo isso em seus olhos — contestou Bianca, com os cotovelos
apoiados no balcão para poder encarar a irmã caçula mais de perto.
Chiara fez um bico e desviou o olhar.
— Está muito recente ainda, mais cedo ou mais tarde tudo voltará ao
normal, não se preocupe.
— E o Cesare?
— Desde aquele dia, nunca mais “apareceu” — declarou Chiara com
as mãos para o alto em agradecimento.
— Ótimo. Menos um problema em sua vida — disse Bianca,
colocando a xícara vazia dentro da pia e olhando ao redor. — Nossa, essa
casa é linda mesmo! Do tamanho ideal para você e esse quadrúpede folgado.
Ela saiu da cozinha e passeou pela sala, explorando cada detalhe. Já
Chiara, permaneceu sentada em sua banqueta, não precisava sair do lugar
para ver a irmã, pois a parte térrea era toda aberta. A única porta, fora a da
entrada e a dos fundos, era a do pequeno lavabo localizado embaixo da
escada.
— Sim, ela é perfeita para nós — concordou, pegando Gato do chão.
— Parabéns, minha irmã — disse a mais velha, dando um beijo na
testa de Chiara. — Foi uma ótima escolha, com a ajuda do meu marido, é
claro. Bom... Agora que já fiz minha ronda, vou indo, Dante tem uma reunião
daqui a pouco.
— Fiquei feliz por ter vindo, mas da próxima vez traz a Bella e o
Dante também.
— Por que não fazemos assim: você vai lá para casa neste fim de
semana e no próximo a gente vem para cá? — propôs e seguiu até a porta.
— Ótima ideia, domingo estarei lá e semana que vem, vou preparar um
churrasco para vocês.
— Perfeito — declarou Bianca, entrando no carro e dando partida.
Chiara acenou e ficou observando o automóvel de sua irmã se afastar,
depois, curiosa, foi até a lateral da casa, entre a dela e a do senhor Castelli,
e não viu nada nem ninguém, o que era no mínimo estranho, uma vez que se
tratava de um vinhedo.
Por que será que Paolo e a esposa nunca davam as caras?
Pensou em fazer uma de suas tortas de bacalhau e levar para eles. Mas
a regra pregava o contrário, eram os vizinhos antigos que deveriam ser
receptivos e lhe ofertar com pequenos mimos.
Dane-se, iria fazer mesmo assim, era sozinha e nova ali, queria poder
contar com eles para qualquer problema eventual, inclusive com dona
Carlota, afinal as três casas eram um pouco mais próximas umas das outras
do que as demais.
Anotou em seu bloco de notas do celular todos os ingredientes que iria
precisar e antes de ir trabalhar, passaria em um mercado para que pudesse
fazer as duas tortas no dia seguinte logo cedo.

Depois de uma sexta-feira típica de trabalho, saiu do restaurante após a uma


hora da manhã. A forte chuva que caía lhe deu uma dose extra de prudência e
fez com que dirigisse bem devagar, principalmente pelos lugares mais
lamacentos, que eram muitos.
Decidiu que sua próxima aquisição seria uma caminhonete, pois, por
mais que amasse seu Fiat 500, não era um carro apropriado para rodar
naquele lugar.
Acabou chegando à sua casa quase duas da manhã, mas, por sorte, sem
atolar em nenhuma poça de lama. Ao abrir a porta da frente, foi nocauteada
por um vento gélido que a assustou. A atmosfera lá dentro estava tão fria
quanto o lado de fora, talvez pior.
Seu sistema de aquecimento funcionava por meio de riscaldamento[8] e
ele, claramente, não estava funcionando normalmente.
Seu primeiro pensamento foi para Gato. Começou a procurar pelo
bichano, chamando seu nome, morrendo de medo de o encontrar congelado
em algum canto da casa. Quando, enfim, o encontrou, ele estava em cima da
sua cama, embaixo do cobertor.
— Graças a Deus, Gato — agradeceu dando um beijinho em sua
cabeça. — Que merda aconteceu com o aquecedor, hein? — murmurou e,
após mais um beijinho, deixou o bicho no mesmo lugar e voltou a descer as
escadas para ver o que podia fazer.
Só que o bendito aquecedor ficava no porão e a entrada deste ficava
do lado de fora da casa. O problema era que de dia aquela propriedade era
um paraíso, mas de noite um clima pesado tomava conta e deixava tudo
amedrontador.
Entretanto, era ir até lá ou morrer de frio.
Colocou sua capa de chuva, pegou uma lanterna na gaveta da cozinha,
um guarda-chuva no cabideiro e saiu. Já em frente ao porão, puxou as duas
metades da porta localizada no chão e desceu de uma só vez, com receio de
que todos os músculos petrificassem e a deixassem na mão. Caminhou em
passos acelerados até o final do cômodo e constatou que a caldeira estava
desligada, o que era estranho, visto que para tal, alguém teria que ter decido
ali para fazer isso. Com uma pulga atrás da orelha, ela ligou o sistema
novamente e saiu o mais rápido possível daquele lugar.
Já na varanda, deixou seu guarda-chuva aberto no chão e tirou sua
capa, apoiando-a no balanço, para que ambos secassem até o dia seguinte.
Estava prestes a entrar quando avistou uma silhueta parada no outro
lado da rua, observando-a.
Todos os pelos de seu corpo se eriçaram, não de frio, mas de pavor.
Ao invés de entrar correndo e fugir da sombra intimidadora, ela gritou,
com a voz trêmula, mesmo sabendo que com o barulho da chuva, ninguém a
escutaria.
— Quem está aí?
Desviou os olhos por alguns segundos para ligar a lanterna em sua
mão, mas, como em um passe de mágica, o fantasma havia evaporado.
O medo de que a sombra fosse ao seu encontro se intensificou e Chiara
correu para dentro de casa, acionando todas as trancas disponíveis,
desejando se sentir segura em sua fortaleza.
Mesmo receosa, foi até a janela da sala e observou a rua por alguns
minutos. A chuva já estava mais fraca, mas não foi possível ver nada. Era
como se houvesse tido uma alucinação.
Será que era isso?
Os sinais demonstrados por seu corpo diziam que não; ela realmente
vira uma sombra a observando.
Respirando fundo, fechou as cortinas, verificou todas as portas e
janelas para ver se estavam trancadas e subiu as escadas.
Gato se encontrava no mesmo lugar, dormindo o sono dos justos.
Foi para o banheiro, colocou a banheira para encher, então tirou a
roupa e os sapatos úmidos e mergulhou na água tépida, onde permaneceu por
vários minutos.
Mas mesmo após o banho relaxante, o sono demorou a chegar. A
janela de seu quarto, que dava para a rua, parecia um ímã que a toda hora a
puxava para conferir se a sombra voltaria.
Quando finalmente adormeceu, o sol já estava quase dando o ar de sua
graça no céu.

– UMA TAÇA DE CHÁ –


CONTATOS DA AUTORA

[1]
Marca brasileira de charuto que está entre as cinco melhores do mundo.
[2]
Uma bebida alcoólica, popular na Europa, usada diretamente na xícara para adoçar o café expresso.
[3]
O brandy é uma bebida destilada elaborada a partir de uvas ou outras frutas
[4]
Nino é pai de um dos principais personagens de Amor e Obsessão, um livro da autora
completamente independente deste.
[5]
Música tradicional Italiana.

[6]
Nome italiano, pronuncia-se Kiara.

[7]
Marca de molho de pimenta extremamente ardida.

[8]
Semelhante ao sistema de calefação.

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