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Copyright © 2022 Nathalia Oliveira

Além de Vegas
1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Capa: L.A Design


Revisão: Halice FRS
Diagramação: Nathalia Oliveira

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
fatos reais é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
código penal.
SUMÁRIO
PLAYLIST
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS
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Aproveite e boa leitura!
Esse vai para a minha família que sempre me proporcionou os Natais mais memoráveis de todos.
Ps. Todos ainda estão proibidos de ler meus livros. Parem por aqui.
Fazia mais de cinco anos que eu não retornava ao Brasil. E o
engraçado era que o lugar que foi minha casa por vinte e oito anos, não se
parecia mais com uma casa para mim.
Não que eu não goste do Brasil, porque cá entre nós, não existe
lugar melhor no mundo. E olha que já rodei boa parte dele. Não tem como
odiar um país que produz a cachaça. Não dá para mensurar o quanto é triste
quando gringos tentam reproduzir caipirinhas com rum ou vodca. Uma nota
para eles: dó.
A questão é que depois que minha vida cruzou com a de um
singapuriano muito gato, gostoso e engomadinho em Las Vegas, eu
descobri que a minha casa era onde ele estivesse.
Casar com Zayn foi fácil — tanto que eu ainda não me lembro
daquela noite —, escolher ficar ao seu lado foi um processo árduo, mas
formar uma família com ele, foi a melhor decisão que tomei em toda minha
vida.
Logo, ele e Ravi se tornaram meu lar.
Ravi. Aham, meu filho. Eu tenho um filho? Dá para acreditar? O
pessoal do jardim de infância às vezes acha que sou a irmã mais nova dele.
Isso nunca aconteceu, mas eu gosto de pensar que todos pensam assim.
Meu pitico está com três anos e não conhece os meus pais. Não que
eles sejam os avós mais interessados pelo neto da vida, até porque, eles
também não eram pais muito interessados. Mas, usei a desculpa de Ravi
não os conhecer para convencer meu bonde a passar as festas de final de
ano no Brasil. Terra da felicidade, da feijoada, do samba e da Anitta.
Bonde esse que já estava reclamando do calor assim que saiu do
avião.
Eles aceitaram vir para o Brasil dois dias antes do Natal, no começo
do verão, com um aeroporto lotado de pessoas afoitas e rodeadas pela
magia do Nat...
— Sai da frente, porra!
Tomei um empurrão tão grande na escada-rolante do aeroporto, que
só faltei descer de bunda.
Puta magia de Natal rolando no ar por aqui, hein?
— Ah, verdade. A esquerda tem que ficar livre — murmurei. —
Rápido, Hina! Sai da esquerda! — Empurrei a nossa pré-adolescente de
estimação para o lado, antes que ela apanhasse.
Hina bufou. E revirou os olhos. E bufou mais uma vez.
Ah, a adolescência!
— Minha pressão está baixando, é sério. — Tay apoiou no ombro
de Zayn, limpando a testa suada na camiseta do meu marido.
— Qual é, vocês são de Singapura. Lá faz uns sessenta graus. —
Revirei os olhos, mas parei no meio do processo, porque não poderia dar
exemplo para a rebelde sem causa aqui do lado.
— Mas temos uma inovação tecnológica chamada ar-condicionado.
— Você não é mais bilionário para ser tão chato assim. — Mostrei
todos meus dentes para Tay.
— Vocês dois... — Zayn ergueu o dedo, apontando para mim e Tay.
— Parem de discutir, Ravi dormiu agora.
Ele estava com a criança jogada em seu ombro, carregando uma
mochila no outro lado e ainda tomando conta de todos os nossos
passaportes. Que homem. Que escolha magnífica. Quero dar para ele.
— Não sei por que você casou com esse cara chato — resmunguei
alto o bastante para Tay ouvir, enquanto cutucava minha amiga Alessa.
— Porque ele sabe fazer outras coisas com a boca quando não está
enchendo o saco — Alessa deu um sorriso largo, mostrando todos os
dentes.
Tay fez um barulho irritante com a garganta e pegou o rosto de
Alessa com as duas palmas da mão, aproximando-a para dar um beijo
barulhento logo em seguida.
— Credo, isso é nojento. — Hina fez o som de quem vomitaria dali
a dois segundos, tirando os fones dos ouvidos. Fazia umas quarenta e sete
horas que ela estava com os fones, não sei nem como a boneca ainda tinha a
capacidade auditiva.
— Como acha que eles te fizeram, linda? — Pisquei para minha
sobrinha.
— Que nojo, Kiki!
Zayn me censurou com aquele seu olhar que era um misto de “Você
enlouqueceu de vez?” com “Vou te dar umas palmadas no quarto”.
Esperava que ele estivesse mais inclinado para a segunda opção.
Na realidade, tudo o que eu mais queria era chegar a minha casa,
tomar um banho e dormir até o Natal, literalmente.
Não seria possível, porque nós, os Marcondes, nos reuníamos todos
os Natais em Varginha, uma cidade pequena no Sul de Minas Gerais. Uma
viagem bem curta de quase cinco horas, às quais metade seria Tay
reclamando sobre a falta de um jatinho ou um helicóptero.
Depois do sucesso com os hotéis que ele e Alessa abriram, ele até
poderia pagar uma extravagância dessa, mas eu gostava de ver Alessa o
deixando com os pés bem plantados no chão. Mesmo depois que o pai dele
faleceu, seis meses atrás, Tay seguia focado em seus negócios, provando o
que seu sucesso vinha unicamente de seu trabalho e esforço.
Eu não teria reclamado sobre o helicóptero, não mesmo.
— Mama, quero fazer xixi — Ravi chamou atenção, puxando meu
pulso.
Eu estava ouvindo a central de fofocas de Cape May, surpresa com
as atualizações na vida de Hudson, que tinha sido pego beijando uma das
beatas mais fervorosas da igreja. Era o maior escândalo! Sabia que por trás
daqueles olhos julgadores existia fogo no rabo.
Zayn dirigia, com Tay ao seu lado, sendo o responsável pelo Waze.
Ele já tinha errado duas vezes o caminho, Zayn já o tinha xingado, tirado o
celular dele e depois voltado a entregar, porque era míope e não enxergava
bem; mesmo que só fosse necessário escutar, mas tudo bem. Eles pareciam
duas comadres rancorosas.
— Tay, qual é a parada mais próxima para Ravi fazer xixi e nós
comermos algo? — perguntei.
— Cinco minutos.
— Está no mapa cinco quilômetros — Zayn apontou para a tela do
celular.
— Agora você voltou a enxergar? — Tay retrucou.
— Cinco quilômetros não é a mesma coisa do que cinco minutos.
— Lógico que é.
— Dá esse mapa aqui.
Eles começaram a brigar pelo celular novamente e eu só escutei a
respirada profunda de Alessa. Só ela conseguia me entender. Caímos em um
poço sem fundo com duas senhoras briguentas, uma criança com a bexiga
cheia e o cosplay de Robert Pattinson como Batman.
Virei o pescoço para ver se o Batm... digo, Hina, estava bem ali
atrás. Alugamos uma minivan, então o último banco era ocupado por nossa
minigótica. Na verdade, eu nem sei se ela era gótica ou só adolescente
mesmo. Sempre tive problemas com adolescentes, eles são cruéis. Sentia
saudades da minha Hina fofinha com seus dinossauros e patos, para cima e
para baixo.
Espiei o que ela via na tela do celular, porque sou dessas. Era um
episódio de um anime. Nem sabia que góticos gostavam de desenho
japonês.
Resolvi deixá-la em paz e fiquei aguardando os cinco quilômetros
se passarem o que levou bem menos do que cinco minutos, para a tristeza
de Tay.
Levei Ravi ao banheiro e quando voltei, fiquei tão triste por ver
minha família com pratos cheios de comida em um autoposto rodoviário. O
preço dessa brincadeira ficaria o preço da viagem do helicóptero.
Não estava errada, porque depois de pagarmos a conta e quase
termos de deixar o rim de Alessa ― que era a mais saudável de nós ―,
voltamos para a estrada.
Duas horas e meia mais tarde, chegamos à terra do ET de Varginha.
Foi insano explicar para três gringos, mais uma pré-adolescente incrédula,
sobre a suposta aparição que fez uma cidade famosa.
Zayn abriu a boca para discordar dos meus argumentos, mas foi
bem no momento que chegamos a frente da casa de vovó Letícia.
Minha avó era como o Rei Harold, de Shrek. Quando pensamos que
vovó subirá ao reino dos céus, ela retorna do nada. Desconfio que ela seja
reptiliana, o que explica o apreço por essa cidade.
Eu conseguia farejar o pão de queijo de longe, mas minha vida que
ia de vento em popa até então, sofreu um dano seríssimo assim que vi a
pessoa mais detestável sobre a face da Terra.
A minha prima Luana.
— Oh, não acredito que esse é o pequeno Ravi!
A perua se aproximou tão rápido do meu filho, que eu nem
consegui tirá-lo das garras de uma bruxa tão cruel. Teria de pagar terapia
para Ravi depois disso, tinha certeza.
Minha inimizade com Luana começou desde que nascemos. O que
já começou errado, porque essa vaca nasceu um dia antes que eu. Logo, os
melhores presentes sempre foram destinados à essa cobra peçonhenta. Ela
roubava meus temas da festa e eu, um dia depois, acabava saindo como a
copiona. Nunca vou me esquecer da festa de onze anos, o tema era RBD.
Ela descobriu, contratou um cover e eu fiquei lá com meu cabelo pintado de
vermelho que nem uma palhaça no outro dia.
A última dela foi que o filho dela também se chamava Ravi. Meu
irmão Guto, levou dois meses para me contar essa bomba. Daquele dia em
diante eu jurei que a guerra estava declarada. E agora que estávamos frente
a frente, Luana mal podia esperar para ver.
— Sim, a versão original. — Expandi meu sorriso e tomei um
beliscão de Zayn, na bunda.
Tinha o ensinado a falar português, então ele entendeu muito bem
meu recadinho amistoso para a cobra.
Luana estava cheia de sorrisos para cima do meu filho. E depois do
meu marido. E depois dos meus amigos.
Liguei meu radar e puxei Tay pelo antebraço, rebocando-o para trás.
Lembro muito bem que no meu segundo casamento em Las Vegas, Luana
só faltou esfregar os peitos na cara de Tay. Ela não era boba, sabia que meu
amigo tinha comprado o Bellagio Hotel só para que eu me cassasse lá com
Zayn. Era o homem dos sonhos dela, por um motivo: era rico.
Graças a Deus, Tay não achou seu pau no lixo e deu um fora nela,
até porque ele também era casado naquela época. Não com Alessa, mas
com Kim. Kim e Luana têm tanto em comum...
— Oi, querida!
Repuxei meus lábios, tal qual um cachorro rosnando. Não era
bonito, mas era eficaz.
— Oi, Luana.
Peguei Ravi no colo e Hina pela mão, arrastando-os para dentro da
casa de minha avó. Zayn, Tay e Alessa que lidassem com a bomba que era
aturar Luana.
— Ela que é a vaca, Kiki? — Hina perguntou baixinho.
— Xiu, sua mãe me mata se souber que você está xingando alguém
de vaca.
— Mas não é o que ela é?
— Não ofenda as vacas, vai fazer seu pai chorar.
Minha garota deu uma risada baixa e eu a puxei para mim,
abraçando-a pelos ombros.
Minha família estava na sala. A casa de vovó Letícia era bem
grande, mas não o suficiente para fazer meu pai sorrir. Ele era o mais bem-
sucedido da família com seu escritório de advocacia, ainda assim era
obrigado por minha mãe todos os anos a passar junto da família dela. Meu
pai perdeu seu último irmão anos atrás, restaram uns primos que moravam
fora. Logo, tudo o que ele tinha de família era a numerosa e barulhenta
família da minha mãe.
Meu irmão foi o primeiro a correr até mim, mas a surpresa veio
quando ele pegou Ravi no colo e começou a enchê-lo de beijos.
Helena chegou rindo e abraçou-me com carinho. A última vez que
os vi foi no começo do ano. Eles foram passar férias em Cape May, onde eu
também estava passando uma temporada. Zayn e eu nos dividíamos alguns
meses entre Singapura e os Estados Unidos, por conta dos negócios. Zayn
estava cheio de contratos e sua carreira estava no auge, era incrível vê-lo
tão animado com seu trabalho.
Não posso reclamar também da minha carreira. Faço o que amo,
afinal, ninguém que sonha em ser professora espera ser milionária.
Ultimamente estou mais focada no aplicativo de ensino à distância, que
finalmente começou a dar retorno depois que ganhei uma sócia importante.
Era Alice Bergman, ela era mais nova que eu, mas já foi até indicada ao
Prêmio Nobel. A garota é um arraso, tem um coração do tamanho do
mundo e acabou se tornando uma grande amiga.
— Tia Kiki! — Lilian chegou correndo, bracinhos para o alto,
pronta para pular em cima de mim.
Não posso fazer nada se sou a tia preferida. De Hina, de Lilian e
também de Rami, o filho de Liana, a irmã de Zayn.
Lilian é filha do meu irmão com Helena. Uma figurinha de seis
anos que só anda de rosa para cima e para baixo. Se um unicórnio
espirrasse, eu tenho certeza de que sairia Lilian de lá com seus tutus cor-de-
rosa, tiaras de gatinho e esmalte de glitter nas unhas.
— Como está a minha Barbie preferida?
— Bem. — Deu de ombros e logo olhou para Hina. — Hina, cadê
seu pato?
— Ficou em casa — disse mal-humorada.
Hina era a cópia de Tay. Eles eram muito parecidos fisicamente,
com os cabelos escuros e lisos, os olhos monólitos brilhantes e a altura que
impressionava para uma garota da idade dela, mas fora a aparência eles
eram idênticos também. Com toda aquele amor por bichos esquisitos e o
humor bem peculiar.
Tay quase não veio porque disse que onde seus filhos não entravam,
ele também não entrava. Esse era seu discurso contra as regras sanitárias do
Brasil.
Resumindo, Alessa se impôs e fez ele ficar caladinho e aceitar
viajar, deixando as crianças em casa, com um dos funcionários da pousada
cuidando deles. Tay e Hina não estavam nada felizes, como era bem visível.
— E a lontra?
— Também. — Bufou.
— Que coisa, né?
Eu ri da conversa das duas e logo escapei para falar com meu
irmão, meus pais e vovó Letícia. Era impressionante como minha reptiliana
ficava mais nova a cada ano. Minha avó parecia melhor do que eu. Já tia
Cassandra...
Minha tia quebrava nozes no vão entre a porta e as dobradiças. Isso
explicava muita coisa do estado da minha tia que já não batia muito bem faz
anos. Existiram rumores que eu ficaria que nem ela, todos plantados por
Guto e Luana, obviamente.
— Minha filha, que homão é esse? — Vovó Letícia ficou toda
assanhada quando viu Zayn. Deve ser de família, porque eu também fico.
— Oi, vó. Como está você? — Zayn perguntou. Eu não tinha
coragem de corrigir as coisas que ele falava errado em português, porque
ele era muito fofo falando errado.
Já falei sobre o quanto eu quero dar para esse homem?
Eu estava contando os dias para vir para o Brasil, ficar rodeada por
setecentas mil pessoas da minha família que poderiam distrair Ravi
enquanto eu tirava todo o atraso com meu marido. Quem falou que ter bebê
pequeno em casa era péssimo para o sexo, é porque não conhece o poder de
uma criança de quatro anos de idade fazendo escândalos porque não quer
dormir sozinho no quarto.
Estou necessitada. Ardendo. Bacurinha on fire.
— Agora estou melhor ainda.
Uma rodinha com minhas tias e mãe se formou ao redor de Zayn.
Ele estava tímido, porque era a primeira vez desde que nos conhecemos que
ele via a maioria daquelas pessoas. Meus pais mesmo, ele viu apenas duas
vezes. Era compressível.
Fui para outro canto, onde Tay e Alessa estavam conversando. Fui
apresentada ao marido de Luana, Cássio. Na minha cabeça, alguém que
aceitava por livre e espontânea vontade se casar com Luana, deveria ser três
vezes pior do que ela. Cássio não parecia tão ruim assim, mesmo que
estivesse da cabeça aos pés vestido com roupas da Gucci. E daquelas com
monogramas, para deixar bem explícito o que usava.
Pelo que Guto me contou, ele era empresário. Algo bem abrangente
e que não explicava muita coisa. Minha prima fez teatro a vida toda, era
tratada na família como uma estrela em ascensão, por mais que a única
coisa que tenha feito na vida fosse comercial para televisão. Ela quase
entrou no Big Brother Brasil também, mas foi cortada porque na minha
cabeça, nem o Boninho a aguentaria. Agora ela é influencer, profissão que
depois de Kim, me dá até arrepio. Tenho preconceito e não nego.
Conheci também o Ravi dela. Tenho trinta e quatro anos, preciso
agir como a adulta que sou, mas foi inevitável não ficar comparando a
criança com o meu filho.
Meu bebê era mais alto. Falava três línguas com quatro anos de
idade. Era um prodígio no jardim de infância.
O Ravi dela estava com meleca no nariz.
Balancei a cabeça, espantando os pensamentos caóticos que eu
tinha. Era uma criança! Jesus amado! Uma criança!
Saí de perto deles e fui até Paola, minha outra prima. Essa sim era
um gênio. Da Física, Química, Matemática. Enquanto Luana e eu
competimos a vida toda, Paola estava há anos luz de nós. Era professora de
uma universidade super conceituada no Rio de Janeiro.
— E como está a vida, Paolinha? — Abracei-a pelos ombros.
Paola sempre foi arisca, muito na dela. Enquanto eu brincava de
Barbie, ela fazia robôs.
— Eu fui demitida do trabalho.
Ah! Nossa.
— É... A faculdade não estava mais à sua altura. Muito tempo lá,
né? — Tentei soar positiva.
— Não. Eu só comecei a gostar de um orientando, fiz merda, ele
não me quis mais como orientadora e a reitoria descobriu depois que a
fofoca se espalhou. Hoje ele trabalha na NASA, e eu moro com a minha
mãe. Ninguém quer me contratar, porque sou uma predadora de alunos.
Arregalei os olhos e fiquei paralisada. Sem nem saber o que
responder. Já imaginei que Luana, Guto ou eu acabaríamos na sarjeta por
alguma ideia errada. Agora Paola eu nunca imaginei. Nunca mesmo.
— Acontece, né?
— É, acontece.
Nosso assunto morreu à medida que ela foi se afundando no sofá,
enchendo a boca com um punhado de amendoins.
Decidi me afastar, indo na direção de tia Cassandra com suas nozes
trituradas pela porta. Sentei ao seu lado na cadeira e comecei a comer junto
dela.
— Como você conquistou um partidão desses? — Tia Cassandra
perguntou, com os olhos em Zayn que era paparicado por vovó Letícia.
— Muita droga envolvida, tia. — Dei de ombros, minimizando.
— Na década de setenta eu também usava muita coisa e conheci um
partidão.
Segurei a risada e mastiguei mais uma noz.
— É mesmo?
— É, mas ele morreu.
Minha família era incapaz de manter uma conversa que não fosse
para o lado trágico. Ou que se tornasse bizarra. Ou que me traumatizasse.
Nossa tarde foi tranquila, se é que é possível chamar de tranquila
uma tarde ao lado de Luana. Ela fez questão de mostrar para Tay e Zayn o
DVD com todos seus comerciais, provando que era uma superestrela da
televisão brasileira. Ficamos reunidos, comendo o biscoito de polvilho e o
pão de queijo que vovó Letícia fazia e vendo aquela atrocidade.
Alessa estava ao meu lado, de braços cruzados, olhando toda aquela
simpatia de Luana para cima de seu marido.
— Se você quiser matá-la, eu te ajudo a esconder o corpo. —
Cutuquei as costelas da minha amiga.
Alessa mordeu os lábios e negou com a cabeça.
— Ela só está sendo simpática, Kiki. Sororidade!
— Simone de Beauvoir que me perdoe, mas meu feminismo
evapora ao lado dessa peste.
— Você também é o cão quando quer, Kiara.
Abri a boca ofendida. Traidora!
— Vou ligar para a Kim, hein?
Ela revirou os olhos e cruzou os braços. Não era só o meu
feminismo que evaporava do lado de alguém. Fazia anos que não tínhamos
contato com Kim, mas em Singapura todo mundo conhece todo mundo. Ela
se casou novamente, mas o que minha cunhada tinha contado era que o
marido de Kim era bem focado no trabalho e não queria ter filhos. Sei que
Alessa tinha a mesma opinião que eu: desejávamos toda a felicidade para
Kim, mas que ela ficasse bem, bem, bem longe de nós.
— Engraçadinha.
Jantamos no começo da noite. Vovó fez polenta cremosa com ragu
de carne moída. Sem brincadeira, eu quase chorei de felicidade ao comer
aquilo. Era minha comida preferida de todas.
Zayn e Alessa já tinham repetido três vezes. Tay e Hina eram
vegetarianos, então minha avó preparou um molho de tomate orgânico para
eles jogarem por cima da polenta. Eu nunca vi meu amigo tão animado em
comer algo na vida.
Apresentei o guaraná para eles e minha minigótica ficou obcecada
com o sabor. Precisamos até tirar da mesa, antes que Hina tivesse dor de
barriga.
No final da noite, nós nos reunimos na sala para fazer o que todo
brasileiro faz na noite do dia 23 de dezembro: ver o especial de Natal do
Roberto Carlos.
— Por que sua avó está chorando? — Zayn perguntou.
— Ela ama o homem. — Apontei o queixo para a televisão. —
Todas as senhoras amam.
Zayn riu no meu cabelo. Eu estava sentada em suas pernas, na
poltrona. Uma posição perigosa, mas inofensiva porque estávamos na frente
de todos. Inclusive do nosso filho adormecido no tapete, ao lado do fake
Ravi. Eles, surpreendentemente, tinham se dado bem. Correram até a pilha
acabar e agora dormiam juntos.
— Muito emocionante as músicas — Tay fungou, passando os
dedos embaixo nos olhos. — É o Elvis Presley brasileiro.
Zayn e eu nos entreolhamos e rimos baixinho. Sua mão cercou
minha cintura e eu fiquei aconchegada em seu peito. Não existia um dia na
minha vida em que eu não me sentisse a pessoa mais sortuda de todo o
planeta.
Eu nunca esperei encontrar Zayn. Nunca nem sonhei em ter algo tão
bom quanto o relacionamento que tenho com ele. Zayn chegou em um
momento em que eu era a minha maior prioridade e me mostrou que eu não
preciso me anular para caber em um relacionamento.
Nosso amor não era egoísta. Não era pesado. Não era um fardo.
É difícil aceitar a leveza de um amor bom.
Sempre seria ele. E nosso filho. E nosso amigo fã de Roberto
Carlos, a família dele. E toda a nossa família.
Menos Luana.
Luana poderia ir para o Polo Norte. Sem passagem de volta.
Eu estava morando muitos anos fora, mas ainda era brasileira. E
estava em meus genes deixar tudo para a última hora.
Os presentes de Natal estavam incluídos nessa.
— Não, mas espera. O Natal é hoje no Brasil? — Tay não
conseguia entender de forma alguma.
— Hoje é a ceia de Natal, trocamos os presentes, reunimos a
família. Amanhã tem o almoço também.
— Vocês estão fazendo tudo errado. — Ele estava indignado. E
confuso.
— Ninguém liga. Quanto mais festa, melhor.
Viramos a esquina do pequeno shopping da cidade. Os corredores
estavam lotados. Zayn estava resolvendo algo do trabalho no celular, Alessa
olhava tudo curiosa e animada.
As crianças ficaram com minha família, porque eu sabia o que me
esperava nesse shopping. Ficamos quarenta minutos apenas para encontrar
uma vaga no estacionamento.
— Essa é... — Tay apontou surpresa para a vitrine.
— Sim.
A loja de brinquedos. Com gente saindo por todos os cantos. “Então
é Natal...” ecoando alto. O calor nos cozinhando vivos.
— Kiara... — Zayn ergueu os olhos do celular, a voz assustada.
— Tá tudo sob controle. Nós vamos atrás do presente do Ravi,
vocês do da Hina. — Apontei para meus amigos.
— Minha pressão está baixando — Tay recomeçou seu drama,
apoiando-se em Alessa.
— Para de ser fresco, Tay — Alessa o repreendeu. Ela sabia fazer
um homem ficar pianinho.
— Satã.
Tay ainda foi corajoso de xingá-la baixinho, mas Alessa ouviu e a
cara que ela fez faria eu me esconder de medo se fosse Tay.
— O que disse?
— Romã. Para a ceia. Precisamos comprar.
Espremi os lábios, observando a discussão silenciosa deles. Alessa
deu as costas e Tay saiu correndo atrás dela. Ele a provocava na mesma
medida que só faltava dar a pata para ela.
Zayn e eu enfrentamos a multidão e entramos na loja. Ravi estava
obcecado por Patrulha Canina e pediu um Chase que falava. Eu deveria ter
comprado em casa e trazido na mala? Sim. Fiz? Não.
Por isso, tive de me enfiar em um corredor abarrotado de pessoas
suadas, gritando umas com as outras enquanto aquela música absurdamente
triste de Natal tocava.
— Ali, Zayn. — Apontei para a caixa do cachorro, na penúltima
prateleira.
Meu marido era um poste, só ele conseguiria garantir o Chase e
fazer nosso Natal ser de paz e alegria.
Só que Zayn não teve nem tempo, porque alguém pegou a caixa.
— E agora? — Sua preocupação era genuína.
Olhei para o lado e puxei um garoto com a camiseta da loja que
passava por ali.
— Tem mais do cachorro marrom no estoque? — perguntei.
— Desculpa, moça. Acabou tudo.
Soltei o garoto e olhei para Zayn, desesperada. E agora? Ravi não
pediu mais nada que não fosse aquele cachorro.
— Tem o Ruble ainda — Zayn apareceu com a pelúcia do buldogue
inglês.
— Ravi não gosta dele.
— Mas é o que tem.
— Não vamos acabar com o sonho do nosso filho, Zayn. — Cocei a
nuca. — Já sei, vem!
Puxei Zayn pela mão e fomos com dificuldade até os caixas.
Estiquei o pescoço para ver a compra de todos que estavam na fila. Não foi
difícil ver a pessoa com a caixa colorida.
Era uma senhora baixinha, cabelos brancos presos em um coque
alto no topo da cabeça.
— Olá! — Acenei toda sorridente, enfiando minha cabeça na frente
dela.
A senhora olhou com desconfiança para mim.
— Posso ajudar?
— Tia, não está me reconhecendo? — Fiz um biquinho.
Zayn franziu o cenho, sem entender.
— Eu nunca te vi.
— Sou filha da Maria, da igreja.
Minha mãe se chamava Maísa e nunca pisou em uma igreja.
— Carina? — A senhora falou e eu assenti.
— Fiz alguns procedimentos na cara, tia — falei baixinho, como se
fosse um grande segredo. — Está calor aqui, né? Quer que eu fique na fila
para a senhora? Deixa que eu seguro a caixa para você.
Puxei o cachorro das mãos dela, exibindo meu melhor sorriso.
— Não, está tudo bem. — A senhora puxou a caixa de volta.
Eu fui resistente e continuei segurando.
— Sua artrite vai piorar, tia. Fica tranquila, eu fico aqui.
— Você não tem vergonha de tentar roubar o presente de Natal de
uma criança, garota?
Fui desmascarada. Bem no momento em que a música triste da loja
trocou para um funk natalino alto.
— É para meu filho. Preciso desse cachorro. — Continuei com as
mãos na caixa e tomei um tapa ardido da senhora.
— Minha neta também precisa.
— Quanto você quer por ele? — Situações extremas pedem
medidas extremas.
Perdi o foco da negociação por um segundo ao escutar a música que
ecoava na loja. Seu presente é piroca e ela caiu do céu. Dingo bell, dingo
bell, dingo bell.
Que porra de música natalina é essa, gente? Ainda mais tocando em
uma loja de brinquedos? Se bem que a batida é muito boa...
— Solte a caixa. Não vou vender nada para você.
Fechei a cara e olhei para Zayn, que se mantinha parado ao meu
lado. Eu não sabia se ele conseguia acompanhar a discussão, seu português
não era tão avançado assim.
— Mil reais? — Sugeri.
O bicho custava duzentos reais. Mas eu estava desesperada.
— Não vou vender o presente da minha neta para você. Saia daqui.
Acho que Zayn entendeu bem o recado da senhora, ainda mais
quando eu apertei os olhos e fechei a cara. Ele se desculpou com ela e saiu
me arrastando da loja.
— E se a gente esperar que ela vá para o estacionamento, pegar o
bicho e sair correndo? — Dei a ideia assim que estávamos fora daquela
confusão de corpos, suor e brinquedos.
— Você quer assaltar uma senhora, Kiara? — A paciência de Zayn
teve fim.
— Falando assim, parece errado.
— Foi exatamente o que você sugeriu.
— Combinamos de fazer tudo por nosso filho.
— Menos cometer um crime por um cachorro falante, Kiara.
Fiz um bico e encostei na vitrine, coçando meu braço enquanto
pensava em uma saída.
— O que faremos então?
— Deve ter outra loja.
— Só tem esse shopping.
— Em algum lugar dessa cidade tem de ter um Chase falante,
Kiara.
Eu adorava duas coisas em Zayn mais do que tudo. A primeira era
como ele ficava sexy sabendo o nome dos personagens preferidos de seu
filho. Ele era bom pai, gostoso e irritado, o meu tipo de homem,
definitivamente. A segunda era a forma que ele falava Kiara, que soava
como uma preliminar para mim.
— Tudo certo, pessoal? — Tay apareceu com uma embalagem
enorme na mão.
— Não. Sou uma péssima mãe e quis roubar uma velha.
— Como assim? — Alessa surgiu ao lado de Tay, confusa.
— Nem pergunta, Alessa. Nem pergunta. — Zayn abanou as mãos.
Ainda tivemos de acompanhá-los em outra loja, porque Alessa quis
comprar outro presente para Hina. Tay tinha comprado um dinossauro de
brinquedo para ela e Alessa achava que sua minigótica não gostaria mais
dessas coisas de criança.
— Mas todo mundo gosta de dinossauros. — Essa foi a explicação
de Tay.
Achei plausível.
Alessa, não. E acabou comprando uma câmera polaroid para a
nossa garota.
Saímos do shopping, mas ainda tinha a questão do cachorro. Eu não
deixaria meu filho sem seu presente de Natal, logo no primeiro ano que ele
finalmente entendeu sobre Natal e Papai Noel.
Tay até apoiou a minha ideia de roubar a senhora, mas sofremos
uma represália de Zayn e Alessa.
Fomos parar em outro shopping, mais lotado que o anterior. Não era
bem um shopping, sim, uma galeria. Na internet marcava que tinha uma
loja de brinquedos lá, mas quando chegamos, não parecia muito como a
outra loja.
— Boa tarde! Você tem o Chase da Patrulha Canina? — perguntei
para a atendente.
— Tenho, sim. Só um minuto.
Quase desmaiei de felicidade. Meu filho teria presente de Natal!
Apoiei na bancada de vidro e olhei para Zayn e Tay, que estavam
jogando bola dentro da loja. Garotos nunca cresciam, era impressionante.
— Gol da Alemanha! — Tay gritou assim que fez um gol em cima
de Zayn.
Cruzei os braços e fiz minha pior cara possível para aquele imbecil.
Ele não cansava disso?
— Está tendo um déjà vu? — Aquela peste simplesmente fez um
bico e olhou para mim.
Tay nunca mais deu paz para qualquer brasileiro depois do 7x1.
Peguei a primeira coisa que tinha em mãos — uma pelúcia do ET
de Varginha — e joguei em cima dele.
A atendente voltou com uma caixa nas mãos e, desesperada, eu fui
para cima dela. Peguei a caixa, antes que mais uma senhora tirasse de mim,
mas foi só olhar para a cara daquele cachorro que percebi que tinha algo
esquisito.
— Por que seu cachorro parece que usou LSD durante três dias?
Entortei o pescoço para analisar melhor. A pelagem do cachorro
tinha um marrom mais claro e os olhos dele estavam mais esbugalhados do
que os meus quando me casei com Zayn em Las Vegas.
— É uma réplica perfeita, senhora.
Respirei fundo, precisando de muito esforço. Muito mesmo. Para
não surtar.
— Está tudo bem? — Zayn segurou meu ombro.
— O cachorro é falso.
Zayn começou a rir, escondendo o rosto em meu pescoço. Eu
adorava a forma como ele encarava os problemas, com uma calma que até
irritava meu espírito brasileiro e sem paciência.
— Vamos levar.
— Mas...
— Ele tem quatro anos, Kiara. Nem vai se lembrar disso.
Eu ia abrir a boca para discordar, porque sabia que coisas assim
marcam a vida de uma criança, mas não tinha muito mais o que nós
pudéssemos fazer. A não ser que ainda alcançássemos a senhora com o
cachorro original. Tay segurava a mulher, eu roubava a caixa. Simples e
eficaz.
— Quanto é? — Voltei a olhar para a vendedora.
— Duzentos e cinquenta.
Não consegui nem discutir mais. Paguei esse cachorro de
Chernobyl e saí bufando da galeria. O espírito natalino estava me
consumindo de alegria e positividade.
Alessa ainda teve que parar em mais uma loja antes de voltarmos
para comprar o presente de seu amigo secreto. Ela deu sorte, porque as lojas
já estavam quase fechando.
Chegamos à casa da minha avó no final da tarde e encontrei Ravi e
Hina na piscina, junto do meu irmão e Helena. Toda a família estava por ali,
mas infelizmente, eu não poderia ficar de boa na piscina. Tinha obrigações
a serem feitas, vulgo, a rabanada para a ceia.
Era mais uma das coisas em que Luana e eu competíamos feito duas
obcecadas. Eu, obviamente, ganhei essa batalha e era a responsável pelas
rabanadas mais suculentas e sequinhas deste Brasil.
Prendi meu cabelo e aceitei a ajuda de Alessa para cortar o pão. Ela
não entendeu muito bem por que rabanada era uma comida natalina no
Brasil, enquanto nos Estados Unidos eles comiam várias vezes no café da
manhã. A coisa que eu mais amava em Alessa era que ela não media
esforços ajudar, mesmo que não compreendesse o que fazia.
Eu era tão grata por sua amizade. Ela, com toda certeza do mundo,
era a minha melhor amiga. Que Liana nunca escutasse essa.
Ter uma vida tão difícil como Alessa teve, ir ao inferno e voltar
depois do que aconteceu com seu irmão, criar Hina por anos sozinha até
Tay aparecer e ainda continuar tendo o coração mais bondoso que já
conheci, era para poucos. Na verdade, eu não conhecia ninguém igual a ela.
Emocionada por tê-la ali comigo, abaixei um pouco o rosto para dar
um beijo em sua bochecha.
Alessa apertou os olhos e olhou para mim como se eu estivesse
totalmente louca.
— O que foi? — perguntou.
— Amo você.
Desconcertei Alessa todinha. Ela ainda tinha dificuldade em
demonstrar sentimentos, até porque sua linguagem do amor era totalmente
diferente da minha. A minha definitivamente era toque físico, a de Alessa,
sem dúvidas, eram atos de serviço.
— Também amo você, Kiki.
Sua careta era hilária. E eu dei um cutucão na cintura dela, voltando
a derramar o leite em uma tigela.
Alguns segundos depois, Tay entrou na cozinha para pegar água.
— O Papai Noel chega hoje ou amanhã, Kiki? — perguntou meu
amigo.
Ele realmente não entendia sobre Natais brasileiros.
— Hoje, depois da meia-noite.
— Não faz sentido — reclamou. — Quem vai se vestir?
— Meu pai, eu acho.
— Ele tem experiência?
— Quer o currículo dele como Papai Noel? — Franzi a testa.
— Não me leve a mal, mas seu pai é meio mal-humorado.
— Tay, pelo amor!— Alessa o repreendeu. — É só uma fantasia.
— Não é só uma fantasia, é um pedaço na vida das crianças, algo
que fica para a história. — Levantou o dedo indicador.
Entendi aonde ele queria chegar.
— Você quer ser o Papai Noel, Tay?
— Não... A vaga já foi preenchida. — Deu de ombros.
Esse homem era o auge do drama!
— Tay, é uma fantasia, não uma seleção no LinkedIn.
Ele ficou em silêncio e passou a mexer nas assadeiras em cima da
ilha da cozinha, tapadas por um papel alumínio. Eu abri a boca para pedir
para ele se afastar, mas foi tarde demais.
Ele gritou tão alto, que senti até um zumbido no meu ouvido
esquerdo.
— Ele viu, não viu? — Alessa continuou de costas, lamentosa.
— Deus, perdoe a maldade humana! — Sua voz se tornou mais alta.
— Amiguinho, o que fizeram com você?
Neguei com a cabeça ao ouvir o barulho metálico dos papéis sendo
retirados.
— Tay, não abre esse... — Tentei puxá-lo pelo braço, mas cheguei
tarde demais.
— NÃO! — Seu berro veio bem no meu ouvido. — Ele poderia ser
irmão do Ludovik! — Tay agarrou a forma com o pato marinando. — Ele
tinha família, sonhos, uma vida, Kiara!
Tay começou a chorar, o que me deixou em choque. Eu estava
parada, olhando para o peru, o leitão e o pato que aguardavam ir para o
forno. Alessa largou as rabanadas para abraçar a cintura de Tay.
Minha família não renunciava às carne nesses eventos e Alessa e eu
tentamos deixar Tay o mais longe possível, mas não foi o suficiente.
— Respira fundo, está tudo bem, vai passar. — Alessa tentava o
acalmar com alguns tapinhas em suas costas.
— Vocês são bárbaros! — Apontou o dedo na minha cara. —
Merecem todos os gols da Alemanha!
— Tay, é a minha fam...
Eu até tentei conversar, mas Tay saiu da cozinha, chorando. Alessa
ainda me olhou, tentando buscar ajuda, mas ela que tinha se casado com
esse maluco. Virei as palmas das mãos para o alto, sem nem saber o que
fazer.
Ela saiu atrás de Tay, eu fiquei com as rabanadas. Tia Cassandra
veio ajudar a fritar e depois, saímos da cozinha, aguardando vovó colocar as
carnes no forno a lenha.
Subi para meu quarto para tomar um banho e já começar a me
arrumar. A cena que encontrei ali fez meu coração borbulhar de amor.
Zayn estava sentado na cama, tendo as coxas como travesseiro para
a cabeça de Ravi, que dormia. Sua mão se embrenhava ao cabelo escuro do
nosso garoto, que era uma cópia autenticada do pai. A única coisa que Ravi
tinha de mim era uma pinta no lado direito do rosto e a sobrancelha grossa,
porque de resto, até os dedos do pé eram iguais de Zayn.
Meu útero conseguiu tirar xerox do meu marido.
— Ele quis dormir depois da piscina — Zayn explicou.
Assenti e fui até eles, deitando apoiada na outra coxa de Zayn.
— É bom, porque ele vai ficar acordado até tarde hoje.
— Deu tudo certo lá?
— Tay surtou.
— Ele viu?
— Viu.
Zayn suspirou, porque o surto de Tay já era previsto. Senti seu dedo
indicador contornar o meu maxilar e olhei para cima, buscando seus olhos.
— Você tem ideia do quanto eu te amo, minha chapa?
Sorri, toda boba.
— Não mais do que eu, meu chapa. — Busquei a sua mão,
entrelaçando nossos dedos. Recebi um beijo ali dele. — Você se lembra de
quando a gente tinha pavor de relacionamento?
— Ô, se lembro.
— Eu queria saber naquela época, tudo o que sei hoje. Teria
revirado Singapura atrás de você uns vinte anos atrás.
— Eu adoraria ter conhecido a Kiara adolescente.
— Nossa, você precisava ver. Eu era gostosa demais!
— Você continua sendo gostosa demais.
Uma covinha charmosa apareceu em seu rosto. Nunca quis tanto
uma babá na vida.
— Nhé, mais ou menos, meu chapa.
Eu estava em uma fase meio ruim comigo mesma. Depois de ter
filho, tudo muda. Alessa já tinha me falado isso, mas eu não levei a sério.
Minha prioridade era Ravi, quis curtir esse momento na vida dele, porque
sabia que seria uma única vez e passava muito rápido. Ter Ravi foi um
milagre, eu nem acreditava que poderia mesmo engravidar depois que
ficamos sabendo sobre os exames de Zayn. Então, eu foquei no meu filho.
E acabei me esquecendo um pouco de mim.
Várias coisas me incomodavam e eu odiava confessar, mas me
comparava com cada pessoa neste planeta, porque estava insegura.
— Tem dinheiro na sua bolsa? — Zayn questionou.
Franzi a testa, sem entender.
— Acho que tenho cem reais.
— Vou pegar, então.
Não entendi aonde Zayn queria chegar. Ele levantou, pegou o
dinheiro na minha bolsa e saiu com Ravi nos braços. Demorou algum
tempo, mas quando Zayn voltou ao quarto, eu vi o momento em que ele
rodou a chave.
As expectativas explodiram como fogos de artifício dentro de mim.
— Que tipo de brincadeira é essa? Vamos fingir que você me paga?
Uou. Zayn era safado. E quente. Eu poderia vestir algo bem
provocante e...
— Não, era para convencer a Hina a ficar com Ravi.
Ah... Faz sentido. E eu era uma pervertida.
— Porque eu preciso convencer minha esposa de que ela é a
criatura mais gostosa, linda e excitante na face deste planeta. E que
absolutamente ninguém supera a forma como ela faz com que eu me sinta.
Zayn deitou em cima de mim e julgando a rigidez em meu ventre,
percebi que Papai Noel foi muito bondoso comigo esse ano e me daria um
saco cheio de presentes. Trocadilho infame, mas necessário.
Fomos roubados.
Era o que toda minha família gritava ao perceber que a ceia tinha
sumido.
O engraçado era que apenas as carnes tinham desaparecido. Na
verdade, não sumido. O ladrão tinha colocado pedras dentro das formas que
ficaram assando por horas.
Suspeito, não é mesmo?
Cruzei os braços e virei o pescoço para Tay. Ele estava sentadinho
com Hina ao seu lado. Sua camisa cheia de árvores de Natal parecia
inofensiva demais, o cabelinho penteado para trás também, mas eu conhecia
aquele homem de outros carnavais.
Zayn também, por isso ele chegou até Tay antes que eu.
— Tay, o que você fez com a comida? — Zayn questionou.
Tay e Hina tiveram a mesma reação, ao mesmo tempo. Cruzaram os
braços e acomodaram as costas no encosto do sofá.
— Você quer dizer com os pobres animais mortos para servir todos
em um dia que deveria ser de respeito e amor à família?
Escutei minha avó culpando o neto da dona Margarida, sua vizinha.
— Você roubou uma ceia de Natal, Tay? — Joguei uma almofada
na cara dele.
— Não foi roubo, Kiki. — Hina defendeu o pai. Até ela estava
envolvida no esquema? — Só demos um funeral bonito e honrado para eles.
— Hina! — Tay chamou sua atenção por ser desmascarado.
— Você fez um funeral para um peru? — Zayn estava descrente.
— E a um porco e a um pato. Faria o mesmo por vocês.
Tay levantou cheio de marra, com o queixo erguido. Hina foi atrás
dele, andando até sincronizada com seu pai. Que Deus nos protegesse,
porque ter duas versões de Tay — e uma ainda na adolescência — nos faria
enlouquecer.
Olhei para Zayn, que estava com a boca aberta.
— Ele faria... — A pergunta morreu em sua boca.
— Sim, o mesmo por nós.
Não contamos para ninguém, porque era mais divertido ver minha
avó elaborando diversas tramas maquiavélicas para se vingar da vizinha.
Alessa teve de fazer um macarrão para que comêssemos, porque
tudo o que tinha sobrado era arroz com passas, farofa e salpicão.
Enquanto minha avó ainda jurava vingança para a família da
vizinha, decidimos começar o amigo secreto. Minha avó começou e achei
fofo ela ter tirado Ravi. O meu Ravi. Ele ganhou um pacote com vinte
meias, meu filho não ficou feliz, mas eu fiquei. Meia de criança desaparece
mais do que meu salário em liquidação de loja.
Ravi tirou Tay e foi Zayn quem escolheu o presente. Era um porta-
retrato digital com fotos de toda nossa família, incluindo as crianças de Tay.
Nunca vi um homem tão animado com um presente na vida.
Tay tirou meu irmão e assim seguiu a brincadeira, até parar em
Luana. A querida estava com um vestido tão apertado e curto, que eu
conseguia ver o colo de seu útero mesmo do outro lado da sala. Cruzei
minhas pernas e os braços, prontíssima para ver minha querida prima passar
vergonha.
— Meu amigo secreto é alguém que eu gosto muito.
Bem, não era eu. Já posso relaxar.
— Essa pessoa é caridosa, inteligente e muita bonita.
Ok, podia ser eu. Sou muito inteligente e bonita. Caridosa também,
afinal, vivi trinta e quatro anos sem socar a fuça de Luana. Na realidade,
soquei só uma vez, mas foi bem de leve.
— E tem uma paciência de milhões, porque para ainda estar nessa
família... — Ela começou a rir, sendo acompanhada pelas outras pessoas. —
Ah, essa pessoa é muito cheirosa também, por isso escolhi esse presente
incrível para que ele sempre se lembre de mim.
Luana estava toda animadinha, mas eu não via graça nenhuma
naquilo. Que garota inconveniente...
— Meu amigo secreto é o Zayn.
Meu rosto endureceu tanto que achei que nunca mais eu pudesse ser
capaz de mover um músculo.
Ela chamou o meu marido de cheiroso? E bonito?
Zayn levantou meio receoso, olhou para mim, mas acabou
caminhando até Luana. Tay estava ao meu lado, uma perna dobrada na
outra, prendendo a risada.
Luana abraçou Zayn de uma forma que o deixou até desconfortável.
Ele era bem reservado, não curtia abraçar pessoas que nem eram de seu
convívio.
Meu marido abriu o presente e mostrou para todos na sala o
perfume da Dior que Luana o presenteou. Para que ele sempre se lembre de
mim. Vai nessa, amanhã pela manhã esse perfume estará no caminhão de
lixo.
Luana ainda fez questão de beijar Zayn no rosto. Minha careta de
puro desprezo para ela foi memorável. Deus, como amava chamar atenção!
Zayn deixou o maldito perfume de lado e foi pegar seu embrulho.
Era uma caixa quadrada, cuidadosamente embrulhada. Ele era metódico
demais para deixar um vinco se quer em seu embrulho.
— A minha amiga secreta é...
— Sou eu! — Luana quicou na cadeira toda empolgada.
Meu rosto já estava tomando a forma de puro desprezo desde que
apareci naquela casa. Era meu modo default para lidar com Luana.
Deboche, desprezo, ranço.
— Então é uma mulher! — Guto bateu palmas, animado em
descobrir a identidade da pessoa.
Zayn deu de ombros ao perceber que deu uma bola fora.
— Ela é simplesmente a pessoa mais incrível que eu já conheci.
— Pode passar o presente para cá, Zayn! — Luana disse rindo.
Vou quebrar a cara dela, estou falando muito sério. Dessa vez não
será leve.
— Faz seis anos desde que a vi em uma festa em Las Vegas e não
teve um dia desde então que eu não quis ficar desesperadamente com ela,
porque quando estou ao seu lado até os dias cinza são coloridos. A minha
amiga secreta me deu algo que eu nunca esperei ter: dias tão loucos que
nunca serei capaz de esquecer, o poder de me sentir em paz mesmo no olho
de um furacão, alguém para ser meu porto seguro. Obrigado por aceitar
aquele comprimido do Tay, por ter embarcado naquele avião para Singapura
comigo, por ter alterado todo o rumo da minha vida e me transformado na
melhor versão de mim. A minha amiga secreta é a minha Kiki.
Eu nem senti minhas pernas no chão, só percebi que tinha
atravessado toda a sala, quando já estava no colo de Zayn. Ele tinha
anunciado para minha família inteira que éramos dois drogados em Las
Vegas, mas dane-se, tinha sido a declaração mais perfeita de todas.
Zayn era o tipo de cara que demonstrava seu amor por meio de
atitudes, não de palavras. Eu achava incrível. Por isso, escutá-lo falar tudo
aquilo foi uma surpresa, ainda mais na frente de todos.
— Você torna a vida dos homens nesse planeta muito difícil, Zayn
Yong. Não tem como competir com você.
Eu meti um beijo nele, com língua e tudo, usando minha licença
poética de brasileira para poder fazer isso. Se fosse na frente da família de
Zayn, nós seríamos julgados como dois pervertidos pelos próximos dez
anos.
Ele entregou o presente logo depois, ao qual eu fiquei toda bobinha
em receber. Era um colar que eu comentei dois meses atrás que achei
bonito, enquanto passeávamos por um shopping lá de Singapura. Era um
cordão fino em ouro branco com um ponto de luz de diamante. Eu não tinha
nem roupa para usar com aquela preciosidade.
— Ah, que bonitinho. Cássio me deu um muito parecido semana
passada. — Luana passou ao nosso lado, olhando para o meu presente.
— É mesmo? — Abri um sorriso enorme para ela. — Não me
lembro de ter te perguntado nada.
Minha mãe falou um “Kiara” em tom de censura e que cortou
qualquer briga entre Luana e eu. Zayn me puxou para o sofá, Luana foi para
o outro lado e assim que o clima de Natal votou a reinar.
Terminamos a brincadeira minutos depois. Zayn, Ravi e eu usamos
o tempo livre para ligar para a família de Zayn, já que lá em Singapura era
manhã de Natal. Lionel era muito apegado em Ravi, eles tinham uma
conexão linda e eram melhores amigos. Falei com minha sogra, que não
perdeu tempo em contar uma fofoca sobre seus vizinhos que tinham
acabado de se separar.
Uma coisa que eu amava em Singapura era que todo mundo sabia
da vida de todo mundo. Zayn odiava isso, mas eu tinha apreço por saber da
vida alheia. Minha sogra também, para minha sorte.
Eu achava engraçado como a família e os amigos de Zayn acabaram
virando a minha família também. Estávamos ali rodeados da minha família
de sangue e eu sentia que não tinha um terço da conexão que tinha com
meus sogros, as irmãs e os amigos de Zayn. Era incrível achar seu lugar no
mundo. E eu tinha achado ao lado deles.
Tivemos de distrair as crianças enquanto Tay ia se vestir de Papai
Noel. Sim, ele conseguiu o papel. Meu pai não se importou, óbvio. Ele só
queria tomar seu uísque e ficar quieto. Zayn foi ajudar o amigo a se arrumar
e achei esquisita a demora deles, mas continuei distraindo as crianças que
corriam em volta da árvore de Natal.
— Ho! Ho! Ho!
Olhei para a porta, mas não tinha sinal de Tay. O “Ho! Ho! Ho!”
estava distante, mas foi o suficiente para deixar as crianças animadas. Elas
saíram correndo para o jardim e eu fui atrás, encontrando Zayn parado na
varanda.
— Olá, crianças! — A voz de Tay imitando um velho parecia vir do
além. Não enxergava onde ele estava.
— Eu não acredito nisso! — Alessa se lamentou.
Olhei na mesma direção que ela e finalmente enxerguei o Papai
Noel. Em cima do telhado da casa da minha avó.
As crianças começaram a gritar, animadas, as mãos para o alto,
acenando para o Papai Noel.
— Por que ele está em cima do telhado? — perguntei para Zayn.
— Esse doente queria fazer uma cena na chaminé.
— Mas não temos chaminé.
— Exatamente! — Zayn estava puto com Tay, como sempre. —
Agora ele está com medo de descer e eu não achei uma escada.
— Eu pego uma. — Guto apareceu para salvar o dia.
Fui até o gramado, vendo que Tay estava sentado no parapeito ao
lado de seu saco de presentes.
— Quem aqui foi um bom garoto?
Sua atuação era sofrível, mas as crianças estavam maravilhadas.
Hina estava de pé ao lado deles, de braços cruzados. Ela não acreditava
mais em Papai Noel há uns bons anos, mas dava para ver a admiração que
ela sentia pelo pai.
Tay começou a tirar os presentes das crianças e atirar lá de cima,
porque ainda estava preso.
— Mama, o Papai Noel é o tio Tay? — Ravi sussurrou ao meu
ouvido, como se fosse um segredo.
— Claro que não! — Meu desespero fez com que eu gritasse e
começasse a coçar a nuca.
— O Papai Noel tem aliança de casamento. — Apontou para Tay
que jogava o presente de Lilian do telhado nesse exato momento.
— E-Ele é...
— Ele é casado com a Mamãe Noel — Hina salvou a minha vida.
Eu não sabia mentir para uma criança de quatro anos. Que tipo de
mãe eu era? Se ele me pedisse algo, eu nem poderia falar “Na volta a gente
compra”, porque eu não sabia mentir.
— Que é a sua mãe? — Ravi testou.
— Não, minha mãe está ali, olha. — Apontou para Alessa que
nesse momento, ajudava Guto a trazer a escada.
— E cadê tio Tay?
— Fazendo cocô! — Mais uma vez falei alto e atraí a atenção das
pessoas ao nosso redor.
Finalmente Tay foi resgatado do telhado e recebeu um abraço
coletivo das crianças. Ele se sentou no último degrau da varanda e começou
a distribuir os presentes. Quando chegou a vez de Ravi, ele foi meio
desconfiado até Tay.
— Tio Tay?
— Ho, ho, ho, não está me reconhecendo, Ravi? Sou o Papai Noel.
— Com a voz do tio Tay?
— Não sei quem é esse tio Tay.
— Você nunca deu presente para o tio Tay?
— Ele não era um bom menino.
— Todos os meninos são bons — disse meu filho, puto da vida com
o Papai Noel.
Que orgulho!
— Inclusive você, toma aqui seu presente.
Tay perdeu a paciência e só esticou o embrulho para Ravi. Ele deu
uma olhada da cabeça aos pés para o Papai Noel e saiu de perto. Sentou na
grama, abriu seu embrulho e pegou o cachorro nas mãos. Analisou, olhou
de cima, de baixo, de lado.
Droga...
— Mama, por que meu Chace tá estranho?
Cruzei os braços e olhei para Zayn. Se ele tivesse deixado eu roubar
a senhora nada disso estaria acontecendo.
— O Chace brasileiro é assim — Zayn explicou.
— Mas ele tem nariz branco e roupa vermelha.
— É assim que funciona no Brasil.
Fui na onda de Zayn e comecei a me coçar, desesperada por estar
mentindo para meu próprio filhote.
— Eu amei um muitão. — Ele abraçou o cachorro de Chernobyl e
eu me derreti todinha.
Enquanto Zayn e eu o abraçávamos, vi Hina ganhar seu presente do
Papai Noel.
— Os duendes falaram que você já está muito grande para ganhar
brinquedos, mas nunca se é grande o suficiente para um T-Rex, não é? —
Tay falou enquanto Hina abria o embrulho.
Ela sorriu ao ver a pelúcia de seu dinossauro preferido. Hina era
adorável, mesmo na sua era adolescente gótica.
— Eu amei! — Ela esticou os braços e abraçou a cintura do Papai
Noel. — Você sempre será o meu melhor presente de Natal, pai.
Vi a forma como Tay ficou emocionado, porque não era todo dia
que se recebia uma declaração dessas de uma adolescente. Ele já tinha
falado um milhão de vezes de como ficava triste de ter tido tão pouco
tempo de Hina criança. Ele realmente sofria por isso, mesmo que
falássemos sem parar de que ela sempre seria seu bebê mesmo grande. Eles
tinham toda uma vida pela frente.
Recolhemos as crianças para que o Papai Noel pudesse ir embora e
quando Tay retornou, Ravi saiu correndo em direção a ele.
— Tio Tay? — Puxou sua mão. — Toma!
— O que é isso? — Tay ficou confuso quando Ravi esticou o
cachorro de pelúcia para ele.
— O Papai Noel falou que você não ganhava presente porque não
era um bom menino, mas é mentira dele, você é um bom menino.
Tay nem conseguiu responder, só tirou Ravi do chão e encheu o
rosto dele de beijos. Ravi não conseguiu se livrar de seu cachorro de
Chernobyl tão fácil, porque Tay agradeceu, mas disse que seu maior
presente era estar com Hina e com Ravi.
Olhei para Alessa que estava parada ao meu lado e ela estava com
os olhos cheios de lágrimas.
— O que foi? — Dei um tapa na bunda dela.
Alessa pulou para frente e esfregou a região onde bati.
— Eu sou apaixonada por esse homem.
— Que fofa! — Apertei a bochecha de Alessa com minhas duas
mãos, recebendo uma grande revirada de olhos.
Depois de tudo o que aconteceu com Kim, eu cheguei a acreditar
que algo de muito ruim aconteceria com Tay. Alessa nunca teria dimensão
do quanto eu a amava, não só por ser uma pessoa incrível, mas por ela e
Hina terem salvado a vida do meu amigo.
Quando finalmente deu meia-noite, eu não sabia se dava feliz Natal
ou pegava um prato de comida, porque minha barriga já estava roncando de
fome. A pessoa que inventou ter de esperar até meia-noite para comer a ceia
já estava morta por dentro. E nem tinha um peruzinho para contar história!
Era só macarrão, farofa e salpicão.
Minha avó reuniu a família para uma oração e depois começou a
cantar parabéns para o menino Jesus.
— Para quem estão cantando parabéns? — Alessa cutucou minha
cintura.
— Jesus. É aniversário dele.
— Sua família fez um bolo para Jesus?
Não entendi por que ela estava tão chocada.
— Sim? — Meu tom era duvidoso.
Por que ela estava confusa?
— É a família da Kiara, esqueceu? — disse Tay para a esposa. —
Para ela ser desse jeito, teve a quem puxar.
Que o espírito natalino me desculpasse, mas eu meti a mão na
cabeça de Tay, só para ele ficar esperto.
— Pelo menos eu não como sorvete com pão de forma.
— É uma iguaria singapuriana, só para você saber.
Joguei meu cabelo na cara dele e saí desfilando pela sala, cantando
parabéns com a minha família. Depois, finalmente, pudemos comer.
Percebi que falhei na educação de Ravi, porque ele reclamou da
uva-passa na comida. Esse desvio de caráter veio de Zayn, certeza. Eles
comiam pão com sorvete, noz tóxica e uma comida mais estranha que a
outra para virem até aqui implicar com o suprassumo natalino chamado
uva-passa?
Continuamos em família durante o jantar, na sobremesa e até
quando minhas primas e eu resolvemos beber vinho. Luana ficava muito
menos insuportável quando bebia. Zayn e Tay ficaram ali conosco bebendo
um pouco, apenas Alessa não quis beber, porque estava reclamado de dor
de cabeça.
Perdemos o controle, obviamente. Até tia Cassandra ficou conosco
até quase amanhecer.
No final das contas, acho que aquele era o verdadeiro espírito do
Natal: estar cercado de gente que amamos e quem não amamos, tomamos
muito vinho para tornar mais suportável.
Conseguimos um frango assado para o almoço. Foi uma briga
danada para ver quem ficaria com a coxa. Eu não comi, porque dei a minha
parte para a tia Cassandra, mas pelo menos venci Luana.
Porém, enchi minha barriga de sobremesa. Pavê de chocolate,
manjar de coco, pudim de leite condensado, era simplesmente o paraíso na
Terra.
Amanhã voltaríamos para São Paulo e logo depois iríamos para o
Rio de Janeiro, onde passaríamos o réveillon. Estava animada demais para
isso! Nunca tinha passado o réveillon no Rio, ainda mais no lugar onde
passaríamos.
Sugeri uma caminhada no parque da cidade para dar uma assentada
na comida naquele final de tarde. Sugeri levar o fake Ravi e Lilian junto
conosco, meu irmão liberou minha sobrinha, já Luana, fez questão de nos
acompanhar.
Inferno de mulher!
O parque da cidade era bastante arborizado e cheio de referências
aos extraterrestres que ainda causavam estranheza em meu grupo.
— Ok, mas se for verdade, por que os extraterrestres escolheriam
pousar em uma cidade como essa? Por que não Nova York? Londres?
Singapura? — Tay estava tagarelando.
— Você já provou o pão de queijo daqui? Quem não escolheria vir
para esse paraíso? — defendi a cidade de minha vovó.
Ninguém mexe com Minas Gerais sob o meu turno!
— Ela tem uma grande ponto. — A nova fã de pão de queijo, vulgo
Alessa, apontou para o marido.
Ficamos sentados em um banco por um bom tempo enquanto as
crianças brincavam. Cássio e Zayn tinham se dado bem e estavam batendo
o maior papo há vários minutos.
— Eu acho que ninguém esperava que você fosse formar uma
família. — Luana estava sentada ao meu lado e logo fez questão de puxar
papo naquele tom crítico de sempre.
Cruzei os braços e a perna direita por cima da esquerda, respirando
fundo para não mandar que fosse tomar no rabo.
— Claro, porque segundo vocês, o meu destino era ao lado do
Gabriel e não existia nada melhor para mim que não fosse ele.
— Ele se casou, sabia?
— Sério?
— Sim, com uma médica.
Não sabia dessa informação. Gabriel depois de descobrir que eu me
casei para valer com Zayn, ele ainda ficava enchendo o saco, dizendo que
eu fiz a escolha errada, que ele sempre me acolheria de volta quando esse
surto passasse. Irritada, eu o bloqueei de tudo e desde então não tive mais
notícias dele.
— Meus pêsames para ela. — Dei de ombros e enfiei a pipoca com
bacon que comprei na barraquinha.
Sim, saí de casa para caminhar por ter comido demais e lá estava eu
comendo novamente.
— Todo mundo achou loucura quando você terminou com ele, mas
eu acho que foi sua melhor escolha. Isso que você é péssima em fazer
escolhas.
— Ah, me poupe, Luana. — Revirei os olhos, já irritada com suas
provocações.
Ela não conseguia ter uma conversa sem me irritar, era
impressionante.
— É sério, você era muito melhor do que ele. Sim, ele era rico,
você era quebrada e tal. Ele também era bem mais bonito que você, mais
simpático e também...
— Porra, Luana!
— Sabia que ele já deu em cima de mim?
— Aham, porque todos dão em cima de você, não é? — Enfiei mais
um punhado de pipoca na boca.
— Estou falando sério. Ele vivia mandando mensagens no meu
celular.
Eu não sei por que senti raiva de um cara que eu não via há muito
mais do que seis anos. Mesmo antes de Zayn, Gabriel já era história. Mas
eu fiquei.
— Você é a pior prima do mundo. — Bati duas palmas na cara dela.
— Você era meio tapada, se eu te contasse, não acreditaria. Para que
me desgastar?
Ela tinha um ponto. Eu realmente não acreditaria.
Depois de ter terminado com Gabriel descobri que fui corna uma
par de vezes. Algumas estavam bem na minha cara, mas eu não queria ver,
porque estava confortável naquela reação. Ter me colocado em primeiro
lugar foi o melhor presente que dei a mim mesma.
— Bem, você fez uma excelente escolha.
A forma como ela olhou para Zayn, fez meu sangue esquentar. Dei
um beliscão no braço dela. Luana era muito magra, viciada em academia,
daquelas com uns 2% de gordura corporal. Meu beliscão nem tinha carne
para pegar, só pele.
Ela gritou, massageando o local onde belisquei.
— Para de olhar desse jeito para meu marido.
— Eu sou casada!
— Não parece! Vocês nem se olham!
Luana fechou a cara de uma forma como nunca vi. Eu achei que ela
fosse bater no meu rosto, mas tudo o que fez foi levantar do banco e sair de
perto de mim.
Fiquei desconfortável com a situação, pensando se tinha falado algo
de errado, mas era real, ela e Cássio nem ao menos se olhav... Eita, acho
que toquei em um ponto fraco.
Cássio continuava conversando com Zayn, enquanto Luana se
afastava, indo para perto das crianças. Fiquei me sentindo um pouco mal
por falar da relação deles sem nem saber o que realmente se passava ali,
mas não consegui pensar nisso por muito tempo, porque percebi uma
movimentação estranha de Tay e as crianças.
— Calma! Calma! Eu sou amigo — dizia meu amigo, com as mãos
para cima.
Levantei do banco, pensando que ele poderia estar sendo assaltado.
Temendo que algo acontecesse com as crianças, eu mal senti meus pés no
chão enquanto ia de encontro ao grupo reunido próximo ao lago.
Quando cheguei, Tay já estava ajoelhado no chão, acariciando um
cachorro marrom.
— O que aconteceu? — perguntei para Hina que estava mais
próxima.
— É um filhotinho perdido.
As pessoas têm de ser muito sem coração para abandonar um
filhote de cachorro no meio de um parque. Nunca vou entender a maldade
humana e...
— Isso não é um cachorro! — Dei um passo para trás assim que
Tay pegou o bicho no colo.
— Claro que não, é uma capivara. — Tay ergueu a bebê capivara
pelas axilas, quase em um remake de Rei Leão.
Era realmente um filhotinho, a pelagem marrom parecia áspera e a
barriga inchada era fofa, ainda assim, era uma capivara.
— Tay, não pode pegar capivara no colo, elas têm doenças.
— Que doenças? — Nessa altura do campeonato ele já estava
ninando a capivara no colo, como um bebê.
— Do carrapato. É perigoso.
— Um neném desses não teria doenças.
As crianças começaram a pedir para pegar a capivara no colo, mas
Tay não deixava, não por conta de doenças, mas porque era um egoísta de
primeira.
Alessa se aproximou, depois de quase quatro anos ao lado de Tay,
acredito que ela tenha perdido a habilidade de argumentar sobre as loucuras
dele. Ela simplesmente olhava e dava para ver em sua feição que não
gastaria sua energia com aquilo, porque Tay fazia o que queria.
— É melhor acharmos a mãe dela. Ela é bem pequena e deve estar
assustada — Alessa sugeriu.
Tay fez um bico, mas começou a olhar ao redor. Eu também olhei,
procurando pelo grupinho de capivaras. Normalmente elas ficavam em
bando, mas não tinha nem sinal delas.
— Eu posso ser a mãe dela — ele disse.
O sorriso de Tay se expandiu tanto, que quase rasgou sua cara no
meio. Ao seu lado, o rosto de Hina se iluminou.
— Nós podemos levar ela para casa e...
— Não. — Alessa ergueu o dedo, cortando a graça dos dois. — É
um bebê assustado e que precisa da mãe.
Tay resmungou, mas ele já tinha aprendido como funcionava a vida
de casado. Esposa feliz, casamento feliz.
Começamos a percorrer o parque atrás da mãe da capivara. Eu fui
com Zayn e as crianças, enquanto Alessa foi com Tay, só para garantir que
ele não escondesse a mãe e fingisse que não estava lá para poder sequestrar
a bebê capivara. Ele era a Nazaré Tedesco dos pets. Prova disso era que seis
anos depois, não fazíamos a menor ideia de onde ele tinha tirado Ludovik e
Herbert em Las Vegas.
Meia hora depois, já tínhamos procurado em cada canto daquele
parque e nada de qualquer resquício de outras capivaras.
— Gente, pensa comigo... — Tay chamou nossa atenção assim que
nos reunimos. — É Natal e encontramos essa bebê, pode ser um sinal.
Zayn, Alessa e eu cruzamos os braços, sabendo muito bem onde
aquela história daria.
— Um sinal de quê, Tay? — Zayn perguntou.
— Do espírito natalino. Pode ser um sinal do aniversariante do dia
para nós.
— Ninguém aqui é religioso, essa não vai colar. — Bati a ponta do
pé no chão, impaciente.
Estava escurecendo e se não achássemos a mãe dessa capivara, Tay
viraria a mãe dela. Tenho certeza.
— Ela ficou órfã em plano Natal. Vocês não têm coração?
Ele tapou os ouvidos da capivara, como se ela entendesse tudo o
que estava acontecendo.
— Tay, precisamos ir para casa e ela tem de ficar aqui, ok? Amanhã
você volta para ver se está tudo bem.
— Vamos deixar ela sozinha no dia de Natal? — Hina fez aquele
olhar do Gato de Botas do Shrek.
Engraçado que quando era para nos chantagear ela ia de minigótica
para bebê fofo em dois segundos.
— Filha, não podemos levar uma capivara para casa — Alessa
explicou, toda paciente. — Amanhã vamos embora, como vamos levar uma
capivara para o Rio de Janeiro?
— Nós vamos de carro, não vamos? — Tay rebateu, agarrado
naquela capivara.
— E depois, Tay? Explica como você vai entrar com uma capivara
nos Estados Unidos. — Zayn apertou a ponte do nariz, tentando não surtar
com o amigo.
— Eu dou um jeito.
— Não, Tay. Isso é crime ambiental.
— Crime é a gente deixar um bebê sem casa em pleno Natal.
Seríamos presos por conta de uma capivara. Que ótimo!
Eu achei que passaria meu réveillon tomando sol em Copacabana,
mas vou passar em alguma cela de Bangu. Sempre soube que meu destino
era esse quando aceitei ser amiga de Tay.
— Por favor, vamos cuidar dela? — Hina segurou minha mão e da
mãe dela, implorando com aqueles olhos lindos e pidões.
Como eu falaria não para essa criança? E para a outra criança de
trinta e oito anos que estava agarrado na capivara?
— Amanhã, quando chegarmos a São Paulo, você vai levar essa
capivara a um veterinário. Não vou passar meu réveillon em Bangu por sua
causa. — Apontei o dedo para Tay, vendo a sombra de um sorrisinho em
seu rosto.
Ele sabia que tinha ganhado.
Voltamos para a casa da minha avó com Tay decidindo qual seria o
nome da capivara. Isso se fosse ela mesmo, porque não fazíamos a menor
ideia de como identificar o sexo de uma capivara.
Quando chegamos ao portão, percebemos logo que algo estranho
estava acontecendo. Minha avó gritava na frente da casa e a última vez que
a vi gritar tanto assim foi no velório do meu avô, quando a amante dele
chegou carregando dois filhos que nunca vimos na vida. Foi um marco na
história da família Marcondes.
Fazia tanto tempo que eu não via uma briga entre vizinhos, que
quase pedi para Zayn ir estourar pipoca para mim. O pessoal de Singapura
era educado demais para gerar um entretenimento de qualidade desse.
— Você é uma cobra, Sônia! — Vovó apontava o dedo na cara da
senhora.
Reconheci a senhora, era Soninha, a vizinha.
— Você é uma cobra peçonhenta e feia. Você é a anaconda das
cobras! Feia e gorda! — Soninha devolveu a ofensa.
— E você é uma cobra-cega, tão insignificante que nem tem
veneno.
Wow, vovó arrasou nessa! Assenti para Guto, que estava por ali
tentando controlar a situação. Minha mãe e minhas tias estavam ali também,
assistindo a baixaria natalina promovida por minha avó.
— Eu quero o meu leitão de volta, Sônia! Avisa para esse seu neto
que a próxima vez que entrar na minha casa e roubar algo, eu desço a
espingarda nele.
Arregalei os olhos para Guto. Desde quando vovó tinha espingarda?
Ele devolveu o olhar, explicando que “Não fazia ideia”. Ah, o
dialeto entre irmãos...
— Eu já falei que meu neto não roubou seu leitão, Letícia! Ele não
é um perdido na vida igual os seus netos.
Opa, opa, opa!
Entendo que Soninha esteja sendo acusada injustamente, até porque
quem sumiu com o leitão foi Tay, mas ela me chamou de perdida?
— Meus primos e eu não somos perdidos não, viu, Soninha! — Fui
para o lado da minha avó, ficando perto da cerca da casa dela.
Cruzei os braços e ergui o dedo, assim como minha avó estava
fazendo.
— Sua avó mesmo falou que você casou com um homem que nem
conhecia depois de levar um pé na bunda, daquele médico.
Abri a boca em choque. Era isso que falavam de mim?
— Ela não casou com um desconhecido não, sua velha caduca! Ele
é um gênio da Tecnologia e pai do filho dela. E quem deu um chute no
médico foi ela!
Olhei para a lado, surpresa por ver Luana ali. E fazendo a coisa
mais inusitada de todas: ela me defendia.
— E ela é uma atriz famosa. Quantos netos você tem na televisão,
Soninha? — Apontei para Luana.
— Ela só faz comerciais — desdenhou.
— E que nenhum neto seu tem a capacidade de fazer. — Joguei o
cabelo para trás, encarando os netos de Soninha parados logo atrás dela.
— Porque somos inteligentes demais para isso. — O neto mais
velho dela falou, apelando para o deboche.
Ah, filho da puta!
— Quer falar de inteligência? A Paola é professora de uma das
maiores universidades do Rio de Janeiro. Ela construiria um carro voador
em dez minutos, só por diversão. — Apontei para Paola, que estava atrás de
nós, encolhida, morrendo de vergonha pelo barraco. — E o meu irmão
Augusto é o advogado mais competente de São Paulo. E está pronto para
lutar pelo réu primário que vou perder se vocês continuarem atormentando
minha família!
— Sua prima está desempregada e mora com a mãe. — Soninha
torceu o nariz.
Que velha desgraçada!
— Pelo menos ela não precisa roubar o leitão da ceia alheia.
Dane-se que foi Tay que resolveu enterrar toda a nossa ceia, agora
eu culparia Soninha pelo resto da minha vida.
A partir daí não me orgulho muito do que aconteceu, porque
começamos uma troca de ofensas por cima da cerca. Luana estava quase
voando na neta de Soninha, eu discutia com a senhora junto da minha avó.
Zayn foi quem me rebocou pela cintura, arrastando-me para dentro
da casa antes que eu fosse presa em pleno Natal.
Alessa ofereceu um copo de água enquanto eu estava sentada nos
degraus da varanda, ao lado de Tay e de sua capivara. Eu explicava o que
aconteceu, já que eles não entenderam nada da discussão acalorada em
português.
— Tá aí... — Tay segurou a capivara na frente do rosto. —
Soninha! É perfeito para ela.
Eu passei por um caos com minha família e ele estava preocupado
com o nome da capivara?
— Não. — Neguei de imediato, porque não queria conviver com
uma capivara chamada Soninha.
— Sônia da casa Chong. A primeira de seu nome!
Meu pedido para o próximo ano: fazer novas amizades.
Já estava combinado há muito tempo de Guto e Helena passarem o
réveillon conosco no Rio. Eu só não esperava uma traição tão grande de
meu irmão como a que recebi naquela manhã do dia 26 de dezembro,
enquanto colocávamos as malas no carro.
— Não, Augusto, não fode. Você não fez isso.
— Kiara, o Cássio é meu amigo. Como eu poderia dizer não?
Bufei, irritada demais em saber que Luana ficaria no mesmo hotel
que eu durante todo o feriado.
— Eu devo ter chutado um casal de bichos da Arca de Noé para ter
tanto sofrimento nessa vida.
Eu era dramática, sim. Sou de Câncer, já era esperado. Mas, juro
que todo drama não é suficiente quando se trata de Luana. Ok, ontem ela foi
bem razoável, mas foi um dia em trinta e quatro anos que a conheço.
— E a Paola?
— Eu paguei para ela também. Ela está meio depressiva, será bom
para se distrair.
— Você pagou para ela também? — Entortei a cabeça, querendo
que ele explicasse melhor aquilo.
— Sabe guardar segredo?
— Eu sou casada, óbvio que não.
— Luana e Cássio estão em uma situação financeira superdifícil.
Olhei para Cássio que estava ajudando a guardar nossas malas com
um tênis da Dior que vi Calvin, o marido da minha cunhada Liana, usar
também. E se tinha algo que Calvin gostava, eram de marcas caras.
— E as bolsas dela? O apartamento chique que ela não para de
falar?
Guto balançou a cabeça negativamente.
— É só para fazer bonito. Nada é real.
Abri a boca, chocada. Era a cara de Luana estar quebrada e ainda
querer sair por cima. Nada contra estar quebrada, porque anos atrás, eu
trabalhava em hostels em troca de moradia e há rumores que até aceitei ir
para Singapura ao lado de pessoas que eu não conhecia, só porque teria
viagens, moradia e comida de graça.
— Então você pagou cinco diárias no Copacana Palace para nossas
primas por que é uma alma boa? — Cruzei os braços, não perdendo a
chance de implicar com ele.
— Na verdade, dividi com seu marido. Ele queria pagar tudo, mas
as primas também são minhas.
Dessa vez eu fiquei chocada de verdade, principalmente com a
traição de Zayn por ele saber toda a fofoca e não ter compartilhado comigo.
Acho que meu casamento acabou.
A despedida da minha família não foi longa, mas saí um pouco
emocionada. Adorei passar esse tempo com eles, que mesmo que não
partilhassem do meu dia a dia, eram meu sangue. E isso, nada apaga.
Meus pais ficariam para o Ano-Novo, então me despedi deles
também, pegando a chave do apartamento, porque ficaríamos um dia na
casa deles antes de ir para o Rio.
A volta foi bem tranquila e saímos da estrada direto para um
veterinário de animais exóticos, porque eu não aceitaria nenhuma criança
doente pelo novo bebê de Tay. Demorou um pouco, mas logo Soninha foi
atestada como um animal saudável. O veterinário até riu quando Tay
perguntou como ele poderia levar a capivara para os Estados Unidos.
— Senhor Chong, eu acho que nunca ninguém tentou isso.
— Não deixamos família para trás, Alberto.
Não fazia nem vinte e quatro horas que Soninha estava conosco e já
era considerada família. Incrível.
Entrar nos Estados Unidos seria fichinha perto de fazer o
Copacabana Palace aceitar uma capivara como pet.
Soninha foi do lixo ao luxo em um dia. Capivara de sorte.
Aproveitamos que estávamos no centro e fiz questão de apresentar
o Mercadão para minha família. Comemos o lanche de mortadela — queijo
quente para Tay e Hina — e ainda os salvei de deixar o preço de um carro
popular na barraca de frutas, quando foram ludibriados por aqueles
morangos com tâmaras apetitosos. Eu era paulistana, não caía nessa, não!
Decidi levá-los à 25 de Março, porque estávamos na rua de trás.
Não existia um ser humano que não olhasse para nosso grupo, afinal, um
homem de quase dois metros de altura carregava uma capivara no colo.
— Kiara, são vinte meias por trinta reais! — Zayn estava
enlouquecido pela barraca de meias. — Quero dois, meu homem.
Olhei para o lado, tentando sorrir para o homem não achar que
Zayn estava tirando com a cara dele. Eu o chamava de meu homem às
vezes, zoando em alguma conversa. Ele não sabia que não podia chamar
outros homens assim.
— Olha, Kiki! — Hina estava com cinco camisetas do BTS na mão,
mais falsas do que eu fingindo que gosto de Luana. — Quinze reais cada!
Meu amigos estavam se divertindo demais, enquanto eu estava
desesperada segurando a mão de Ravi e de Hina tão forte que daqui a pouco
cortaria a circulação sanguínea deles. Nenhuma criança seria sequestrado
sob a minha supervisão.
Busquei Tay e Alessa com os olhos e os vi na barraca ao lado,
recebendo uma bela massagem da moça que vendia massageadores
elétricos. Alessa estava quase desmaiando de prazer com o massageador
capilar. Tay recebia a massagem no ombro da dona da barraca e estava com
um em suas mãos, massageando Soninha.
Depois de comprarmos massageadores, meias, todo tipo de produto
do BTS, raladores de legumes, roupas e coleiras para Soninha e drones dos
Minions, fomos para a casa dos meus pais, descansar para a viagem de
amanhã.
Mal podia esperar para estar na Cidade Maravihosa.
O Rio de Janeiro realmente era lindo. Mas, depois de uma viagem
de quase seis horas tudo o que eu mais queria era me jogar em uma piscina.
Eu nunca fui uma pessoa que ligava para coisas materiais, mesmo
que meus pais tivessem uma condição financeira legal, nunca almejei
grandes luxos para mim. Logo, nunca esperei pisar no Copacabana Palace.
Hotel para mim era um lugar com uma cama, só para que eu não dormisse
ao relento, mas quando entrei naquela suíte com vista para a praia de
Copacabana, eu entendi tudo, a vida passou a fazer sentido, Chico Buarque
começou a cantar dentro da minha cabeça e tudo pareceu conspirar para o
clima perfeito.
Estava na varanda, observando a vista quando Zayn apareceu,
abraçando minha cintura.
— Eu já fui a muitos lugares do mundo, mas isso aqui... — Zayn
apontou para frente. — Não existe igual.
— É muito bonito.
— Não sei como você conseguiu ir embora desse país.
— Conheci um singapuriano muito gato pelo caminho. Ele me
convenceu a não voltar para casa em duas chupadas.
— Kiara!
Eu ri sozinha, porque Zayn ainda estava preocupado por Ravi ter
escutado. Nosso filho estava mais preocupado com a cabaninha que o hotel
deixava de reacreação nos quartos com criança, do que com qualquer outra
coisa.
— Já imaginou uma escapada com essa vista? — Virei de frente
para ele, ficando com a bunda apoiada na grade de proteção.
— Precisamos de uma babá, urgente.
Bufei, tristinha por saber que dificilmente eu ganharia uma chupada
com a vista da praia de Copacabana.
— Serei má se falar que não vejo a hora de ele ter dezoito anos e
estar na faculdade? Lembra como era incrível andar pelado em casa? Dava
vontade? Era só sentar e catchow.
Dessa vez foi Zayn que começou a rir.
— Isso se não vier outra criança por aí.
Grunhi.
— Nós queremos? — Arqueei uma sobrancelha.
— Queremos?
Eu o abracei novamente, escutando seu coração. Já tínhamos
conversado várias vezes sobre dar um irmão para Ravi, afinal, nós tínhamos
irmãos e adorávamos, mas nunca chegamos a conclusão alguma. Eu não
tomava anticoncepcional. Às vezes fazíamos com camisinha, às vezes não.
E ainda tinha a possibilidade de nunca acontecer.
— Primos não vão faltar, né? — ponderei.
— Fora que ele não vai precisar brigar por herança.
— Isso, mesmo. É um saco. — Nenhum de nós tinha em algum
momento da vida brigado por uma herança, mas era um argumento válido.
— Mas seria legal uma menina, não seria? — Zayn fez um bico.
— Ela seria linda puxando nós dois. — Funguei, imaginando a
fofura. — Eu poderia chamá-la de Mia Colucci.
— Não. — Zayn foi rude e já cortou meu sonho. — Não mesmo.
— Roberta?
— Não.
— Lupita? Ah, não, Esquece. Ninguém liga pra Lupita.
Dei de ombros, ciente de como meu esposo era tóxico.
— Precisamos treinar caso o papo seja sério.
— Meia-noite, neste mesmo Bat-local?
Mordi o lábio inferior, fingindo uma supermalícia.
— Marcado.
A realidade seria no máximo uma foda gostosa no chuveiro, mas
não custava sonhar. Faltava só catorze anos para Ravi ir para a faculdade.
Tiraríamos de letra.
Encontrei com minhas primas no caminho para a praia. Zayn e eu
tivemos uma conversa muito profunda e dolorosa sobre fofocas. Ele tinha
de me contar todas, estava fora de cogitação não as compartilhar. Nosso
casamento estava a salvo depois dessa terrível deslizada dele.
— Estou muto feliz por estar aqui com você, Ki. — Paola passou o
braço por meu ombro.
Nós sempre fomos próximas na infância e adolescência. Eu
costumava ser mais introvertida nessa época, o que combinava com a
personalidade de Paola. Com o tempo, a vida adulta e os afazeres,
acabamos nos afastando. Espero que esse tempo no Brasil nos fizesse mais
próximas para a vida.
— Preparada para conhecer um milionário fazendeiro na festa de
réveillon?
— Acho que não. — Ela deu de ombros, jogando a franja para trás.
Paola estava com o cabelo curto, a franja maior que a parte de trás,
combinava muito com seu rosto delicado.
— Tem de aproveitar todas as chances da vida. Não vê a Kiara? —
Luana tinha que estragar com o clima. Era típico dela.
— Eu trabalho, tá? — disse com toda antipatia por ela que existia
dentro do meu ser. — Não me casei por dinheiro.
— Mas deu muita sorte, convenhamos.
Zayn e eu tínhamos uma vida muito confortável, porém
trabalhávamos para dedéu. A família de Zayn tinha grana, bastante grana,
mas eles eram eles, nós éramos nós. Mas desconfio de que para minha
família eu só dei um golpe do baú mesmo.
— Dei, não, dei? Graças a isso você está aqui conosco.
Fui escrota, confesso. Mas ela mereceu.
Luana entendeu muito bem o que falei e mudou de assunto, porque
não era trouxa de expor a própria vida para os outros.
Encontramos o resto de nosso numeroso grupo na recepção e depois
fomos para a praia. Ficamos nas espreguiçadeiras do hotel, mas eu logo dei
um jeito de conseguir um queijo coalho para nós. E depois um milho verde.
E água de coco. E biscoito Globo. Eu fiz a festa.
Um grupo chegou à barraca ao lado. Ali ao lado já não era mais
espreguiçadeiras do hotel, sim, de uma barraca de comida, onde pedimos
porções. Acabei me distraindo com as crianças que faziam um castelo de
areia e parei de olhar para nossos vizinhos.
Zayn e meu irmão tinham acabado de voltar do mar quando a garota
que estava ao nosso lado se levantou e começou a caminhar em direção ao
mar.
Eu nunca tinha visto uma bunda tão bonita na minha vida e me senti
80% menos brasileira por não ter um exemplar daquele. Percebi que todos
nós estavam olhando para a mulher do mesmo modo, abismados com o
corpo e os cabelos escuros caindo pelas costas dela.
Ela queria companhia para ir ao mar, mas ninguém de seu grupo
parecia muito a fim de ir com ela. Quando a garota se virou, eu vi seu rosto
perfeito. Acho que estou apaixonada.
— Não é possível isso. — Escutei Paola murmurar ao meu lado,
tapando o rosto com as mãos.
— Rei dos Patos? — Minha nova crush olhou abismada para Tay,
que assim como nós, também estava vidrado na bunda dela.
— Ah, não... — Tay se lamentou.
— Pietra? — Alessa ficou animada ao reconhecer a garota.
Oxe, de onde eles a conheciam?
— Alessa!
A garota bateu palmas e acabou abraçando Alessa logo em seguida.
— Hey, quem é? — perguntei para Tay que se levantava da areia
como se fosse um grande martírio ter de cumprimentar a menina.
— É uma conhecida de Cape May.
— Olha, Bernardo está aqui! Vem cá, Bê... — Pietra falava alto e
gesticulava para alguém da outra barraca.
— Não, Deus, por favor... — Paola continuava grunhindo ao meu
lado, não sabia mais se ela estava rezando ou falando sozinha.
Um garoto tão branco que quase refletia o sol apareceu por ali.
Acanhado, com as mãos nos bolsos do shorts com estampa de dinossauros
de óculos de sol. Ele acenou para Alessa e Tay timidamente.
Levantei, porque queria ser apresentada. Nunca vi esses dois em
Cape May e olha que eu conhecia todo mundo em Cape May. Eu poderia
ser a prefeita de Cape May diante de toda minha popularidade.
— Esse é meu amigo Zayn e sua esposa, Kiara. — Tay apontou
para nós dois.
— Prazer, Kiara! — Acenei efusivamente para os dois. — Seu
cabelo é lindo. — A bunda também, mas eu era educada.
— Obrigada. — Seu rosto se alargou em um sorriso fácil. — Eu
simplesmente amei seu biquíni.
— Comprei faz uns dez anos, acredita?
— Ah, eu acredito. Esse meu comprei faz dois anos, foi vinte reais.
— Segurou meu antebraço, simpática como uma legítima brasileira. Gostei
dessa garota. — Ah! Os irmãos do Bê vieram passar férias conosco no Rio.
Vocês lembram deles lá de Cape May?
Ela apontou para dois adolescentes, bem parecidos com o estranhão
ao lado dela. Os três pareciam os Volturis dando uma volta em Copacabana.
— Ryle? — Dessa vez foi Hina que falou.
A minha minigótica estava debaixo de quarentas graus com um
short jeans e camiseta preta, recusando-se a ficar de trajes de banho na
praia. Jovens...
O Volturi menor olhou para ela, parecendo chocado.
— Hina?
— Ah, vocês se conhecem? — Pietra passou a mão no cabelo de
Hina, enrolando uma mecha nos dedos.
Hina a olhou para ela, cheia de estranheza com tanta proximidade
física, mas acabou não reclamando. Senti ciúmes, porque ela já estava me
negando abraços perto dos outros. Agora para a menina da bunda bonita ela
é só sorrisos.
— Estudamos juntos. — O tal Ryle apareceu ao nosso lado,
olhando para Hina da cabeça aos pés. — Ela tem um pato de estimação. —
Ryle compartilhou a informação para o tal Bernardo, que assentiu.
— Não é pato, é Ludovik.
Hina foi um pouco rude em seu tom e vi o sorrisinho de Tay todo
orgulhoso por Hina estar tratando mal um garoto. Ele esperava que ela
continuasse assim até os quarenta anos. Já tínhamos avisado que era
impossível, mas ele continuava sonhando.
— Ah, o Ludo! Ele está bem? — Pietra ficou muito animada do
nada e Tay fechou ainda mais a cara.
— Você o conhece? — Hina perguntou.
— Somos melhores amigos.
— Não. Não são. Você o viu duas vezes. — Tay a cortou.— Meu
Ludovik tem certo bloqueio emocional com desconhecidos. Ele nem se
lembra de você.
Bernardo riu, mas acabou tapando a boca ao ver o bico que a garota
fez para ele.
— Eu sou inesquecível.
— Acho que não. — Tay expôs todos os dentes para ela, em um
sorriso meio macabro.
— Posso voltar para meu lugar? Eles são estranhos. — Escutei Ryle
cochichar um pouco alto com o irmão dele.
Bernardo ergueu os olhos, vendo Hina e Tay de braços cruzados,
com uma cara nada boa. Gostei da forma como ele segurou o irmão pela
parte posterior do pescoço, deixando-o quietinho no lugar.
— Claro, porque ficar para cima e para baixo falando sobre
foguetes não é nem um pouco estranho — Hina estava debochada em um
nível que nunca vi.
Era o gênio ruim de Tay, certeza.
— Hina! Peça desculpas — Alessa a repreendeu.
Ryle cruzou os braços, nem um pouco intimidado com sua colega
de escola.
— Pelo menos eu não tenho um pato como melhor amigo.
— Pelo menos eu tenho um melhor amigo, diferente de você.
Ficamos todos em silêncio, escutando apenas o grito do homem que
vendia mate perto de nós. O clima pesou no jardim de infância. Uou, uou,
uou.
— Crianças... — Alessa deu de ombros, tentando suavizar o clima.
— É, crianças... — Bernardo fez o mesmo gesto. — Ryle, não se
fala assim com uma garota.
— Ah, é? — Pietra cruzou os braços, repousando a língua na parte
interna da bochecha. — Deve ser de família ser grosso com garotas aos
doze anos.
Os dois se olharam de uma forma intensa, existia muita química ali.
Acredito que estavam falando sobre alguma piada interna, porque eu boiei.
— Garotos... — Hina fingiu estar com ânsia de vômito, apenas para
provocar Ryle.
— Então, vocês não são amigos na escola? — Juntei as mãos,
olhando de um para outro.
Eles franziram o rosto, nojo emanando de cada poro.
Pensei que daqui uns quatro anos essas carinhas seriam bem
diferentes um para o outro, mas não falei nada, em respeito a Tay e ao
coração fraco dele.
— Ele é igualzinho Bernardo quando era criança, só falava de
foguetes e NASA. — Pietra tocou o braço de Alessa.
Ela gostava de tocar nas pessoas, nós que somos brasileiros, somos
muito mal compreendidos quando convivemos com gringos. Ninguém
entende que precisamos de proximidade e toque.
— Que fofo! Ainda gosta de foguetes? — perguntei para o Volturi
mais velho.
— Eu trabalho na NASA.
Gente, que chique!
— Sério? A minha prima já fez um estágio com eles na época do
mestrado. Não é, Paola? — Virei para procurar Paola e a encontrei enrolada
em uma canga, como se fosse um sheik árabe, só que com estampas de
golfinhos.
— Paola? — Bernardo repetiu, mas seu olhar estava nela. Como se
a conhecesse, como se estivesse assustado demais.
— Ah, não. Nem fodendo! — Pietra falou em um bom português,
emanando sotaque carioca por cada sílaba.
Paola estava encolhida, parecia desejar cavar um buraco na areia
com os próprios pés e ir parar na China.
— Vocês se conhecem? — perguntei.
Minha prima tirou a canga da cabeça e levantou, receosa. Só pela
reação dela estava óbvio que se conheciam.
— Ela foi minha professora na faculdade.
Precisei de um segundo para entender tudo. O Volturi foi quem
alterou toda a vida da minha prima. Porque não tinha outro motivo para
Paola estar naquele estado se não fosse o aluno de quem ela gostava.
O Brasil, meus senhores, não é para iniciantes!
— Quanto tempo, Bernardo. — Paola estava pálida. Até pensei em
pegar um pouco de sal e colocar debaixo da língua dela. — Oi, Pietra. Tudo
bem?
Pietra respondeu passando o braço pelo abdômen de Bernardo,
como se o protegesse de uma figura maligna.
— Nossa, até esqueci como se responde. Cabeça oca a minha, né?
— O sorriso de Pietra teve ares de Coringa.
Eu não sei o que a minha prima fez para aquela garota, mas deveria
ser sério, porque Pietra parecia pronta para voar no pescoço dela.
— Já que todo mundo se conhece, por que não sentamos todos
juntos? — Alessa tentou ser sociável, mas o timing não foi bom.
— Claaaaaro! — Pietra prolongou aquele “A” por tanto tempo, que
eu jurei que ela mataria minha prima ali mesmo, sufocada com areia. — Por
que não?
Bernardo e Ryle ainda tentaram voltar para barraca deles, mas
Pietra não deixou. Trouxe sua cerveja e a cadeira de praia para a nossa
tenda. O outro Volturi, o do meio, também apareceu, ele se chamava
Connor. E Alessa me informou, em sussurros, que eles eram filhos da
cabelereira de Cape May com George, aquele médico filho da puta que
tomou uma sapatada minha na cabeça. Ninguém mandou ele mexer com
minha amiga.
Zayn começou a conversar com Bernardo, interessado sobre a
NASA. Não era todo dia que a gente conhecia um gênio. O cara era
simplesmente uma superestrela lá, estava envolvido em projetos incríveis.
Deu até um orgulho por saber que um brasileiro chegou tão longe.
Até prestar atenção em Paola e ver como ela estava chateada. Não
dava nem para julgar. Ela jogou sua carreira no lixo por um cara que agora
brilhava em um lugar que ela nunca poderia chegar. Confesso que foi triste
vê-la daquela forma.
Nossas porções começaram a chegar, enquanto Pietra contava sobre
sua profissão. Ela era escritora, tinha um podcast famoso e a Netflix tinha
acabado de fechar o contrato para fazer um filme sobre o livro dela.
— Ninguém acreditou no potencial do meu par de peitos e da minha
cabeça oca. — Ela pegou nos próprios peitos, dando uma apertadinha de
leve enquanto olhava com aquele sorrisinho assustador para Paola.
Alessa e eu nos entreolhamos, percebendo que o que quer que tenha
acontecido ali, foi pessoal e muito pesado.
Luana começou a tentar conseguir um papel no filme, vendendo seu
peixe.
— Gostei da sua tatuagem, Pietra. — Hina estava na areia, sentada
do nosso lado e tocou o pulso de Pietra. — O T-Rex é o meu dinossauro
preferido.
Pietra virou o pulso, exibindo um dinossauro fofo ali.
— Ele é o melhor! — Piscou o olho direito. — O Bê também tem
uma, olha. — Ela puxou a mão de Bernardo, que seguia conversando com
Zayn, Tay e meu irmão. Eram tatuagens iguais, no mesmo lugar, bem coisa
de casal fofo.
Isso me levou a pensar que talvez Zayn e eu não fôssemos fofos
dessa forma. Não tínhamos tatuagens iguais como Pietra e Bernardo ou uma
história como a de Alessa e Tay, que eram almas gêmeas e definitivamente
nasceram para ficar juntos, mesmo com o destino bagunçando toda a vida
deles.
Foi desesperador pensar que Zayn e eu éramos um casal chato.
Mais tarde, quando voltássemos ao hotel, daria a ideia de fazermos
tatuagens juntos. Talvez a placa de Las Vegas? Uma garrafa de champanhe?
Talvez uma balinha?
— Posso fazer uma assim, mãe? — Hina olhou Alessa cheia de
esperança.
— Quando for adulta, claro que sim.
— Desde quando você gosta de dinossauros? — Ryle, sentado ao
lado do Volturi do meio, indagou.
— Desde que nasci.
— Você não tem cara de quem gosta de dinossauros.
Hina revirou os olhos tão forte, que temi que eles se desprendessem
do globo ocular.
— Por que tenho um pato? — ironizou.
— Agora ela também tem uma capivara! — Tentei ajudar Hina a
fazer um amigo, mas pela sua cara para mim, eu deveria ter ficado quieta.
— O que é uma capivara?
— É quase como um Triceraptor, só que em miniatura.
— Irado! Tem foto?
Eles começaram a conversar sobre Soninha, o que achei um grande
avanço naquela relação de puro desprezo entre os dois.
Nossa rodada de caipirinha chegou e brindamos, animados. Fazia
tanto tempo que eu não tomava uma caipirinha na praia, que quase chorei
de felicidade. Zayn estava com um sorriso pregado de orelha a orelha por
finalmente beber a bebida dos Deuses. Eu tinha falado, ele não tinha
acreditado.
Pisquei para meu marido, erguendo o copo em um brinde silencioso
para ele.
— Não vai beber, Alessa? — Pietra perguntou.
— Estou com enxaqueca. Tenho fotofobia por causa do sol.
Acariciei a cabeça da minha amiga, esperando que ela melhorasse.
Bebemos três rodadas de caipirinha antes que eu levantasse para ir até o
mar com Alessa. O suor escorria por minha pele. Mesmo morando em
Singapura, que era quente como o inferno, não era igual ao calor brasileiro,
simplesmente porque é abafado. Parece que estamos dentro de uma panela
de pressão constantemente, não tem um ventinho para refrescar.
Fui de mãos dadas com Alessa até a água. Hoje as ondas estavam
mais tranquilas e a água quentíssima. Dei um mergulho e quase perdi a
parte de cima do biquíni no processo. Alessa também mergulhou e quando
estávamos uma ao lado da outra, a água nos cobrindo até a cintura, eu fiz a
grande pergunta:
— Tay não sabe, não é? — Fiz um aceno com o queixo em sua
direção.
O rosto de Alessa virou mármore.
— Sabe sobre o quê?
— Do bebê. — Apontei para sua barriga. — Acha mesmo que não
vi você durante todos esses dias fugindo de bebidas alcoólicas? Somos
adultas durante o fim de ano em família, só se suporta toda essa confusão
com muito álcool, você sabe.
Alessa abriu a boca, deu uma risada, depois começou a coçar o
couro cabeludo.
— Não é nada disso!
— Para cima de mim, gatinha? — Abri os braços, as palmas das
mãos para cima. — Seu cabelo está brilhando, seus peitos estão redondos e
a sua pele perfeita como um pêssego. Você está grávida, não tente me
enganar.
— Porra, Kiara! — resmungou, levemente irritada.
— Não está pensando em sumir e voltar daqui a oito anos com a
criança, não é?
Não pude deixar essa piada passar.
Alessa jogou água no meu rosto.
— Lógico que não. Só esperando um bom momento para contar.
Quero que seja épico, já que... Bem...
— Ele não teve isso com a Hina. — Entendi sua reticência sobre a
novidade.
Eu não aguentaria dois segundos sem falar que estava grávida.
Inclusive, Alessa foi a primeira pessoa a saber quando descobri sobre Ravi.
Depois de cinco segundos que desliguei, saí correndo para esfregar o teste
na cara de Zayn. Não é nem força de expressão, eu realmente fiz isso. Era
para ser do outro lado do teste, mas acabou pegando a parte do xixi na cara
dele e bem... Isso é história.
— Exato.
— Eu estou tão feliz por vocês! — Atirei-me nos braços de Alessa,
apertando-a contra mim. — Vocês são perfeitos e merecem toda a felicidade
desse mundo.
— Fiz o teste de gravidez no banheiro do avião para cá. Não sei
nem como aguentei tanto tempo sem falar para ninguém.
— Meu Deus, eu quero explodir de felicidade. — Agarrei os dois
lados do rosto de Alessa e a enchi de beijos.
Acredito que por conta da criação que teve, Alessa ainda tinha um
pouco de dificuldade com demonstrações de carinho. Ela tentava fugir toda
hora que eu a agarrava.
— Você acha que ele vai gostar?
— Tay? — Dei uma risada alta. — Ele basicamente vai construir
um altar para você. Ele sempre fala que a única coisa que queria na vida era
ter visto Hina bebê.
Alessa assentiu, eu sabia o quanto ela ainda se sentia mal por ter
privado Tay disso. Mas a grande realidade é que ela fez o seu melhor. Tay
estava do outro lado do mundo, ela não tinha grana para ir até ele ou
contratar alguém para contatá-lo. Eu acredito muito que tudo acontece no
tempo certo. Talvez, Tay e Alessa poderiam nunca ter ficado juntos. Ou ele
magoaria Hina, com toda aquela irresponsabilidade e babaquice que o
rodeavam quando estava no topo do mundo.
Agora eles teriam a chance de viver tudo da forma que sonharam.
E eu estava animada demais por estar ao lado deles nessa nova fase.
— Posso ficar aí com vocês? — Pietra gritou, lá do raso.
Soltei Alessa, vendo minha amiga assentir e chamar Pietra com a
mão. Alessa era meio arisca com as pessoas, se ela gostava de Pietra, então
eu confiava na moça da bunda bonita.
— Ninguém quer vir nadar comigo. Tenho pavor de ficar sozinha
no mar. — Ela chegou toda feliz e sorridente perto de nós.
— Medo de se afogar? — Alessa quis saber.
— De tubarão.
— Mas não tem tubarão no Rio de Janeiro.
Isso ela deveria saber mais do que ninguém, porque já tinha
comentado que morou a vida toda no Rio antes de morar em San Francisco.
— Se tem mar, tem possibilidade.
Errada ela não estava, mas foi um péssimo momento para falar isso,
porque a perna de Alessa raspou na minha e eu simplesmente chutei uma
grávida achando que era um tubarão. Ela gritou, assustou Pietra, que berrou
logo em seguida. Eu chamaria de caos, mas era só mais uma tarde comum
no Rio de Janeiro.
— Então, qual é a sua com a Paola? — Arqueei a sobrancelha
direita várias vezes, ávida pela fofoquinha.
Pietra fechou a cara e dobrou a perna, ficando apenas com a cabeça
para fora da água.
— É uma história complicada.
— Eu amo histórias complicadas.
Pietra começou a contar uma elaborada e confusa história sobre
gostar do pai de Bernardo, ele gostar de Paola, terem feito um combinado
de ela ajudar “Bê” a conquistar Paola, mas no fim das contas ele não
gostava de Paola, sim, dela.
— Mas espera, você realmente ficou com seu sogro? — Quanto
mais eu vivia, mais achava que ainda não vi tudo desse mundo.
— Eu não gosto de pensar nisso, porque tenho vontade de chorar. E
me esconder. E talvez de sumir no mundo.
— Mas rolou...? — Alessa fez um gesto com as mãos e Pietra
negou tão rápido, que achei que deslocaria o pescoço.
— Não! Pelo amor de Deus, não! Foi só um beijinho bem do ruim.
— Garota, você é uma figura rara! — Tapei a boca, rindo ainda
inconformada com aquela história. — Ok, mas e a Paola? Por que tanto
ódio dentro desse coraçãozinho?
— Uma vez ela falou para Bernardo, em uma chamada de vídeo,
que ele não deveria se rebaixar, porque eu era “Um par de peitos com uma
cabeça oca”. — Suas aspas com os dedos foram engraçadas, embora o
assunto fosse pesado.
Não esperava que Paola fosse capaz de falar algo do tipo para uma
mulher. Poxa, nós já aguentamos merda suficiente na vida, isso não é coisa
que se fale.
— Sinto muito, Pietra. — Fiz um bico, sentindo-me meio bosta por
toda a situação, por mais que eu não tenha culpa alguma.
Conheci Pietra faz uma hora e não era responsável pelas merdas
que minhas primas fizessem.
— Não, tudo bem, já foi. Isso até ajudou Bê e eu ficarmos juntos.
Só ficou um rancinho, sabe?
— Bem, quem sabe uma conversa entre vocês não ajude a deixar os
pratos limpos? — Sugeri.
Pietra fez um bico. Dava para ver que ela preferia ser jogada em um
tanque com cinco tubarões brancos.
— Mas, assim, você vai passar o Natal na casa do homem que você
deu uns beijos e que agora é o seu sogro? — Alessa ainda estava apegada
na outra história.
— Eu dei um beijo. — Mostrou um dedo para frisar bem. — E, sim.
Nós somos uma família, passamos Natais, aniversários, tudo juntos. Gael
sempre foi como um pai para mim.
Alessa abriu a boca para falar algo, mas só negou com a cabeça. Eu
a entendia. E como!
Continuamos conversando, dessa vez sobre a fofoca que Alessa
poderia contribuir para edificar Pietra. Sobre o pai dos irmãos de
Bernardo. Pietra ficou chocada, não tanto quanto nós ao saber que ela
pegou o próprio sogro.
No final da tarde, nós já estávamos mortos, mas Pietra tinha uma
energia de Golden Retriever e disse que conhecia uma festa maravilhosa e
que nenhum gringo deste grupo poderia sair do Rio de Janeiro sem
conhecer.
Diante de tanta animação, não tivemos opção a não ser aceitar.
Eu não sabia muito bem para que lugar Pietra inventaria de nós
levar. Ela era bem jovem, então desconfio que seja algum lugar da moda
aonde os jovens vão. Optei por um vestido preto de modelagem simples,
porém todo bordado com paetês.
Zayn estava combinando comigo, com uma calça preta jeans e
camisa de manga curta. Estávamos muito elegantes para uma noite de
diversão.
Paola disse várias vezes que não iria, porque não se sentia à
vontade, mas Luana e eu acabamos a convencendo a ir.
Dei uma última olhada em Ravi, que estava no quarto com as outras
crianças. O hotel oferecia um serviço de babá, ao qual contratamos para ter
um vale night da criançada. A babá estava fazendo pintura facial no rosto
das crianças e eu concluí que ele se divertiria, porque bagunça era com ele
mesmo.
— Eu nunca digo não para uma festa, mas por que aceitamos isso
mesmo? — Tay estava no lobby reclamando da vida.
— Porque eles são legais. E nós gostamos de fazer amigos novos —
respondi com um sorriso.
— Eu não gosto.
— Você só está com ciúmes porque o seu pato simpatiza com
Pietra.
— Ele não ousaria.
Neste mesmo momento Pietra entrou no saguão. Ela estava muito
simples para ir à uma festa. Shorts jeans, cropped e tênis. Atrás dela estava
Bernardo, segurando a mão da namorada.
— Nossa, que riqueza! — Pietra olhou ao redor, encantada com o
lugar. — Essa é a minha cunhada, Pérola. Esse é o namorado dela, Bruno.
— Apontou para um casal que estavam atrás dele.
A amiga estava mais parecido conosco, usando um vestido branco
com plumas na barra. Acenamos para o casal, que foi receptivo. Mais o
cara, do que a garota, para falar a verdade.
— Nós estamos muito arrumados? — Luana perguntou alisando seu
vestido lotado de monogramas da Fendi.
— Não! Estão lindos — Pietra respondeu.
Enquanto saíamos do hotel, eu escutei muito bem a tal Pérola
cochichar para Pietra algo sobre Luana que me fez morder a boca para não
rir:
— Esse é o vestido mais falso que já vi na minha vida.
Tivemos que pedir alguns ubers, pois éramos um grupo
considerável. O motorista do carro que pedi para mim, Zayn, Alessa e Tay
me olhou de uma forma esquisita depois de repetir cinco vezes o endereço
que Pietra tinha nos passado.
Não conhecia nada do Rio de Janeiro, mas comecei a ver toda
aquela área voltada para turistas ficando para trás. Não levou mais do que
quinze minutos para pararmos em frente a um lugar muito popular, com um
fluxo intenso de pessoas e motos.
— Senhor, que lugar é esse? — cutuquei o motorista antes de sair
do carro.
— Vidigal, madame.
Não sabia como repassar isso para meus amigos e Zayn, porque não
sabia qual seria a reação deles. Quando descemos do carro, eles
perceberam, mas Pietra estava ali, no meio da rodinha que minha família e a
irmã de Bernardo faziam ao seu redor.
— Você quer nos levar para um baile de favela, Pietra? Sério? —
Pérola estava inconformada.
Era engraçado, porque quando mais ela gesticulava, mais as plumas
chamavam atenção.
— Não sei para que o auê. Se você vem ao Rio e não vai para um
baile, então você não veio ao Rio. — Pietra deu de ombros. — Concorda ou
não concorda? — Olhou em minha direção.
Meu foco era nos dois caras com um fuzil cada, ali, ao pé do morro.
— É... Acho que sim? — Meu tom era de dúvida.
— Eu acho perigoso demais. — Guto estava amarelando, como
sempre.
Pietra tinha razão no ponto de ir a baile funk no Rio. Eu mesma
sempre quis ir a um.
— Aquilo é de brinquedo, não é? — Tay apontou com o queixo na
direção dos caras.
— Sim, é. Só para dar um clima — respondi.
Zayn me encarou de uma forma que deixava claro que ele sabia que
era mentira.
— É seguro? — Foi sua única pergunta.
Eu não sabia como responder, porque nunca estive ali. Mas era
horrível esse preconceito em torno da favela. Ali era a casa de pessoas de
bem, crianças, idosos. Não tinha motivo para tanto alarde.
— É, sim.
— Eu não vou subir! — Pérola cruzou os braços.
— Pois eu vou. — O namorado dela, Bruno, deu de ombros.
— Por que não voltamos para casa? Podemos pedir pizzas e
conversar... — Bernardo começou a dar uma solução.
Achei fofa a forma como ele tentava contornar a confusão e ainda
deixar Pietra feliz.
— Não! Você precisa ver como é! — Ela fez um bico. — Nós
vamos nos divertir, gênio. Confia em mim.
Ela era muito persuasiva, até eu acreditei nela.
— Então, vamos? — Bati uma palma, animada demais.
Não conseguia acreditar que eu iria ao um baile funk no Rio de
Janeiro!
Nosso grupo não parecia muito animado, mas acabaram topando.
— Isso aqui é Rio de Janeiro, bebê. — Pietra saiu saltitando de
mãos dadas com Bernardo.
Comecei a questionar nossos looks. Estávamos extremamente
arrumados para ir a um baile funk. E, obviamente, não levou um minuto até
que começássemos a chamar a atenção.
Não tinha nem subido dez metros do morro, quando um dos caras
com o fuzil na mão, entrou em nossa frente.
— Vão pa onde? — questionou o senhor do fuzil. Seus olhos
passaram por todos nós e atrás de mim, escutei a irmã de Bernardo
entoando uma oração, dizendo que era muito nova para morrer e que tinha
filha para criar.
— Para o baile — Pietra apontou para cima e recebeu do homem
uma olhada de cima a baixo.
— Já é cria daqui?
— Faz uns tempos que não subo.
Admirei a habilidade de Pietra de se comunicar com um provável
bandidão, porque eu mesma, já estava acuada com o fuzil.
— Parece muito real a arma — Tay sussurrou.
— Impressionante, né? — Dei de ombros.
— E aí, japinha! É nós ou agente? — O senhor bandido aproximou-
se do nosso grupo, fazendo um arrepio percorrer todo meu corpo.
— Ele não fala português. — Quase quebrei a mandíbula de tanto
arreganhar meus dentes, mostrando que sou simpática. E que não quero
morrer. — É nós, né? Agente só da polícia, o que não somos, nem de perto.
Nem gosto de polícia. Odeio, na verdade.
Levei uma cutucada tão forte de Pietra na costela, que quase perdi o
ar.
— A gata manja das coisas, menor. — O bandidão apontou para
outro, um adolescente, ao seu lado.
Quando me olharam, eu tripliquei meu sorriso. Logo, ele voltou a
atenção para Tay.
— I speak English, my friend. — O dono do fuzil falou com Tay,
com o inglês mais engraçado e carregado que já vi.
Tay assentiu e fez um joia com os dedos.
— E você, japonês? É de onde? — Agora a atenção foi para Zayn.
— Singapura, meu homem.
Vamos morrer, é isso.
Zayn chamou um narcotraficante de “Meu homem”. Acabou. Vivi
momentos incríveis nesse planeta, mas acaba hoje. Vamos tomar um tiro no
meio da testa, tenho certeza.
— Ih, qual é! Tá mandadão! — Ele começou a rir com os outros
caras e todos nós também rimos, tentando aliviar o clima. — Chama o
Clebinho para levar eles.
Para a vala?
Nesse momento queria ser Alessa e Tay, que não fazem ideia do que
está acontecendo. Às vezes, a ignorância é uma dádiva.
Descobri, segundos depois, que Clebinho era dono de uma moto e
começou a falar com Pietra que ele e uns colegas de trabalho nos levariam
até o baile. Isso não parecia um código para morte.
Começamos a nos movimentar, mas o dono do fuzil pegou Zayn
pelo pescoço, dando um abraço meio desajeitado nele.
— Tu é um comedião, japonês.
Zayn só riu, mas dava para ver que estava assustado.
— Você também é, meu homem.
O cara continuou dando risada junto de seus amigos e eu resolvi
puxar Zayn dali, antes que Ravi tivesse de ser criado pelos avós.
Subimos de moto táxi até o topo do morro, onde a festa já estava
rolando. Estava cheio, barulhento e escuro. O funk alto ecoava pelo
ambiente aberto.
Meus amigos olhavam tudo com curiosidade. Eu precisava me
incluir nessa, porque também estava curiosa. Mas, quando entramos na
festa, algo chamou minha atenção: a vista espetacular da cidade dali de
cima.
O visual da orla iluminada, o mar, as luzes, era umas das paisagens
mais bonitas que já vi.
Olhei em volta, vendo que no alto, muita gente estava armada, mas
o clima parecia tranquilo com todos se divertindo.
Tinha acabado de ficar mais à vontade no ambiente, quando um
cara com um fuzil pendurado nas costas chegou a nossa frente.
— O Herbert convidou vocês para o camarote dele.
— Quem é Herbert? — Meu irmão estava desesperado.
Com uma cerveja na mão, mas desesperado.
— Se o Herbert pede, nós obedece. — Apontou para cima, onde um
homem acenava efusivamente para nós.
— Ok, bora lá. — Pietra puxou Bernardo com ela.
O garoto parecia mortificado, pronto para desmaiar dali dois
segundos, mas ainda assim, a seguia para todos os lados.
Eu não precisava nem conhecer o tal Herbert para saber quem ele
era. E precisei, dessa vez, deixar bem claro para meus amigos quem era o
homem e como se portar. Não que eu soubesse grandes coisas, mas só
queria garantir que estivéssemos vivos amanhã.
— Então ele é traficante, tipo... Cidade de Deus? — Alessa estava
horrorizada.
— Sim, só que pior, porque é vida real. Então, pessoal, sorriso no
rosto, cuidado com o que vão falar e boa diversão!
Todo mundo olhava para nosso grupo, não tinha nem como olhar
com a irmã de Bernardo e suas plumas, meu vestido de paetê, Luana sendo
mascote da Fendi. Agora entendi totalmente a escolha de look de Pietra,
porque todo mundo estava com uma roupa muito parecida com a dela.
Chegamos ao camarote e fomos recebido pelo tal Herbert. Ele era
um homem relativamente baixo, careca, mas com um bigode chamativo no
meio do rosto.
— Sejam bem-vindos, gringaida!
Dei meu melhor sorriso, porque precisava criar meu filho.
— Obrigada pelo convite, senhor Herbert. — Acenei, educada
como nunca.
Para a decepção de Herbert, ele logo descobriu que a maioria de nós
éramos brasileiros e para minha surpresa, ele começou a falar em inglês
com eles, explicando que não era porque era bandido, que não era estudado.
Achei incrível.
— Você tem o mesmo nome do meu filho, acredita? — Tay já
estava tagarelando com o dono do morro.
— Opa, criança de sorte essa.
— Quer ver uma foto dele? — Ele já estava com o celular na mão.
— Mas isso é um lagarto.
— Exatamente.
Tay era um péssimo pai, porque sua proteção de tela era uma foto
de Herbert e de Ludovik. Nunca vi pai ter filho preferido tão
descaradamente assim. Hina, Fabricio, Edith e Iolanda foram esquecidos no
churrasco.
Herbert passou a visão — termo que nunca tinha escutado — que
éramos VIP e poderíamos beber à vontade. Depois, focou em Zayn e
Bernardo, o coitadinho que estava quase desmaiando de vergonha e medo.
Eu não estava muito diferente dele, mas decidi beber para conseguir relaxar
e aproveitar a festa.
Uma hora depois já tinha feito amizade com várias garotas que
estavam ali e me ensinaram algumas coreografias. Pietra e Pérola foram as
únicas que continuaram comigo na pista, porque Alessa já tinha fugido.
Enquanto eu rebolava a raba com uma garrafa de cerveja na mão e
um espetinho de carne na outra, vi Zayn fazer um movimento estranho.
— Segura aqui, Pietra.— Dei o espetinho para ela, percebendo que
ela comeu os meus dois últimos pedaços.
Saí correndo desesperada até Zayn, mas já era tarde demais. Ele
tomou a água tão rápido, que quando cheguei, a garrafa já estava vazia. Ao
seu lado, Bernardo também já tinha bebido mais da metade.
Bati a mão na garrafa com tudo, derrubando-a no chão.
— O que aconteceu? — O gênio da NASA me perguntou com seus
olhos arregalados.
— Quem deu essa água para vocês?
— O Herbert. — Zayn apontou para o chefão, que se divertia dando
tiros para o alto.
Tay estava ao lado dele, boquiaberto ao perceber que as armas não
eram de brinquedo.
— Isso não é água de verdade!
— Como não é?
— Eles colocam droga na água. É MD. Olha em volta, tá todo
mundo tomando água.
Eu achei que fosse bem óbvio para eles, mas não foi. Como eles me
aceitavam uma garrafa de água suspeita da mão do chefe do tráfico?
— Droga? Eu tomei droga? — Bernardo colocou a mão no coração.
— E se eu morrer? E se acontecer alguma coisa?
O garoto deveria ser virgem de substâncias ilícitas, porque começou
a hiperventilar, precisando se segurar em Zayn.
— Não acredito que isso está acontecendo de novo — Zayn
suspirou pesadamente. — Por que sempre acabamos drogados?
Dei de ombros, querendo segurar a risada.
— É o nosso charme. — Pisquei para ele, mas precisou auxiliar
Bernardo que estava quase tendo uma crise de ansiedade.
Pietra foi chamada e ajudou o namorado a sentar em um cantinho
da festa.
— Eu posso morrer, Pietra! — O coitado estava desesperado.
— Você conseguiu droga de graça e está reclamando? —
questionou Pietra.
Ela era o Tay versão feminina. Deveria ser por isso que ele não
gostava muito dela. O que era bom, porque se fossem amigos, nós
estaríamos mortos.
Paola passou por ali, olhando a situação com estranheza. Eu estava
de cócoras, abanando Bernardo.
— Está tudo bem?
— Eu vou morrer, professora!
O desespero deve ter feito bater mais rápido a brisa de Bernardo,
porque ele parecia menos apavorado e mais alucinado.
— Ele só tomou uma aguinha batizada — O tom de Pietra tinha
ares de pacificador, mas sua cara só mostrava que ela queria Paola bem
longe dali.
Não foi o que minha prima fez, ela veio para o canto onde
estávamos e ficou na mesma posição que eu, colocou dois dedos no pulso
de Bernardo. A intenção foi boa, mas eu tinha certeza de que ela apanharia,
porque a cara de Pietra não era brincadeira.
— Com essas coisas não se brinca. — Paola continuava com as
mãos em Bernardo.
— Ah, tá tranquilo. O Zayn tá ótimo, olha... — Apontei para onde
Zayn estava, porém, só comprovei que Paola estava certa, pois nesse exato
momento, meu marido, meu pacífico marido, dava tiros para o alto com a
arma de um bandido possivelmente procurado pela polícia.
— Pode tirar as mãos dele, eu cuido do meu namorado. — Pietra
foi afastando Paola com uns empurrões, até que conseguiu afastar minha
prima de seu namorado.
— Só estou tentando ajudar.
— Minha cabeça oca e meu peito delicioso, por sinal, também
conseguem contar a pulsação dele. — Sua resposta foi dura. Uau, Pietra
precisava muito se livrar desse rancor. — Um, dois, três... Tá vivo e ótimo.
Tinha certeza de que não era assim que se contava uma pulsação,
mas não quis avisar nada, porque o clima já estava estranho.
— Está com dor em algum lugar, Bernardo? — Ignorando a
cutucada de Pietra, ela voltou a atenção para o garoto.
— As luzes são lindas. — Apontou para os lasers da festa.
Pronto, bateu. Ele ficaria bem.
Pietra estava de braços cruzados, já sentada no chão ao lado de
Bernardo, olhando para a direção de Paola com todo o deboche que existia
dentro de alguém.
— Ok, você quer conversar, Pietra? — Paola chamou Pietra para a
chincha.
Até me acomodei melhor por ali, porque não perderia a luta do
século.
— Meu raciocínio consegue acompanhar o seu?
A gata era carioca. Cariocas nascem com o dom da briga. Minha
prima vai sair dessa chorando.
— Pietra, desculpa por ter falado o que falei naquele dia, tudo bem?
Eu estava chateada e cometi um erro. Já faz mais de um ano que isso
aconteceu, caramba!
— Por que estou com vontade de dançar? — Bernardo perguntou à
Pietra.
— Fica quietinho aqui um pouco... — Ergueu o dedo indicador para
ele antes de voltar a atenção para Paola. — Quem bate esquece, quem
apanha, nunca esquece.
— Eu nunca vou me esquecer de tudo isso, porque fodeu com toda
a minha vida.
Arregalei os olhos, querendo muito me afastar dali, porque o clima
pesou. Mas eu gostava da fofoca, então ficaria.
— E com a minha, então? Você sabe como é difícil ser gostosa
demais e ser julgada por isso?
Queria essa autoestima. Tudo o que eu precisava era que Pietra me
colocasse de frente para um espelho e entoasse um mantra de "Quem é a
gatona?” até eu parar de me importar por ter engordado um pouco, minha
barriga estar estranha, meu cabelo sem vida, minha pele oleosa, meu pé
ressecado e minha bunda com celulite.
— Não. Não faço a mínima ideia.
— A forma como eu o conquistei foi muito válida, sabe? Não foi,
Bernardo? — Cutucou o garoto que estava boquiaberto com as luzes.
— Foi. Foi resplandecente... Renovador... Esqueci a palavra.
Pietra deu de ombros.
— Ok, agora podemos deixar isso para trás? — Paola insistiu.
— E se quer saber de outra coisa, ele não perdeu nada de bom por
ficar ao meu lado. Ele já foi promovido duas vezes na NASA desde que
começou a trabalhar lá, é o melhor aluno de Stanford, sua tese do mestrado
é extremamente elogiada. Não é porque ele está comigo, que deixa de ser
menos gênio do que é.
— Ele está drogado em um baile funk.
Paola não sabia a hora de calar a boca. Parecia muito comigo.
Deveria ser de família.
— E mesmo assim ainda é muito mais do que você e eu juntas.
— Meninas... — Precisei me meter. — Será que não seria melhor só
fazer as pazes e dar esse assunto por encerrado? Você está com Bernardo, a
Paola aprendeu a lição depois que foi demitida.
Vi o olhar raivoso de minha prima para cima de mim. Era algum
segredo?
— Você foi demitida? — O tom de voz de Pietra baixou.
— Fui.
— Por causa do Bernardo?
— O que eu fiz? — Bernardo desviou o olhar alucinado das luzes
só por um momento.
— Na verdade, por minha causa. Ele só estava no papel de aluno,
eu que estava errada.
Pietra ficou em silêncio, processando a novidade.
— Você foi muito, muito, muito má com a Pietra. — Bernardo
apontou o dedo indicador, assim como a namorada minutos atrás. — Ela
tem um cérebro tão bonito quanto os peitos dela.
Eu ri mais da cara que Pietra fez, do que ele falou. Ela mordeu a
pontinha da língua e inclinou na direção de Bernardo, segurando o rosto
dele antes de lhe dar um selinho estalado.
— Sinto muito por isso, Paola. Conseguiu encontrar outro
emprego?
— Não, ela está morando com a mãe. — Coloquei a mão na boca
ao perceber que falei merda de novo.
— Não. Não encontrei.
Ficamos em silêncio, escutando apenas a batida alta do funk que
ofendia aproximadamente uns setenta e quatro direitos das mulheres.
— Eu realmente sinto demais por ter sido demitida, o Bernardo
sempre falou que você é uma excelente professora. Faltou ali uma ética, é
claro. — Fez uma careta, apertando um dos olhos. — Mas se não fosse por
você eu nunca teria encontrado o amor da minha vida. Então, tudo resolvido
entre nós.
Eu estava surpresa por Paola não estar chorando em posição fetal
no chão. Se a garota que tirou o cara de quem eu gosto, ainda agradece por
eu ter sido um empecilho tão legal que só contribuiu para eles terem
descoberto que se gostam, eu choraria, sem brincadeira.
— Eu sou o amor da sua vida? — Bernardo ressurgiu novamente.
— Sim, você é.
— Uau! — Ele falou pausadamente, puxando Pietra logo depois
para beijá-lo.
Eles eram quentes. Bem quentes, na verdade.
Paola e eu ficamos olhando aquela pegação por alguns segundos,
até que o negócio ficou um pouco embaraçoso demais e eu fui obrigada a
puxar minha prima dali.
— O que acha de uma bebida para comemorar que você vai romper
o ano sem assuntos pendentes?
— Eu necessito. — Seus olhos ainda estava no canto onde Pietra e
Bernardo se pegavam enlouquecidamente.
— Ei, você ainda vai encontrar alguém que seja o amor da sua vida
também. — Dei uma cutucada nela com o cotovelo, percebendo sua
chateação após aquela situação. — Só não é ele.
— Não. Não é mesmo.
Bebemos cada uma dois shots de vodca e depois fomos até onde
meus amigos estavam.
— O que aconteceu com seu marido? — Tay puxou meu braço,
olhando assustado para Zayn.
Se ele conseguia assustar Tay Chong, o rei da festas, dava para
imaginar o estado que Zayn estava. Nesse momento ele tentava convencer
Alessa a correr até ele e pular, como na cena do filme Dirty Dancing, só que
ao som de Primeiro Beck Ela Me Mamou.
— Droga, né? — Dei de ombros.
Tay negou com a cabeça e coçou a lateral da boca com o polegar.
Ele era muito o orgulho do leão do PROERD desde que conheceu Alessa.
Eu nem o julgava, porque depois de tudo o que tinham passado com o
irmão de Alessa, não tinha como ser diferente. Tay prometeu que nunca
mais usaria drogas depois de todas aquela situação e mais ainda depois de
saber que por conta disso que não se lembrava de ter conhecido Alessa e
consequentemente não saber sobre Hina.
— E você, Kiki?
— Eu sou mãe agora, me respeita.
Ele não confiava nem um pouco em mim, dava para ver na sua cara.
Revirei os olhos e puxei a mão de Tay para mais perto de onde Alessa e
Zayn estavam. Comecei a ensinar Tay a dançar funk, mas ele era duro que
nem uma árvore. Desisti e fui esfregar minha bunda em Zayn, chocando a
bancada conservadora da minha família — Guto, Helena e Luana — que
assistiam a tudo com a boca aberta.
Só foi Pietra chegar com Bernardo, que a minha dança virou coisa
de puritana perto do que estava rolando ali. Ela realmente sabia o que
estava fazendo. Já Bernardo, era nítido que não. E que nunca acreditaria que
fez tudo aquilo quando estivesse sóbrio. Por sorte, sua irmã estava com o
celular gravando um vídeo dele.
Herbert chegou com um monte de garrafas e mais garrafas de
champanhe. Começou uma guerra de champanhe, que fez Pérola começar a
reclamar sobre estarem estragando o vestido da Miu Miu dela. A fiel de
Herbert se irritou com ela e mandou a “Patricinha calar a porra da boca”.
Pérola foi arrumar briga e acabou tendo o cabelo puxado pela mulher.
Fiquei tomando minha catuaba enquanto via o desdobramento de
Pérola tomando uns tapas. Quando, finalmente, Herbert deu dois tiros para
o alto, elas pararam de graça e foi cada uma para um lado.
— Olha o que consegui! — Pietra chegou ao meu lado, de Tay e
Alessa com a mão fechada. Assim que abriu eu vi alguns comprimidos. —
Bora?
Eu precisava de companhias que me levassem à igreja, isso, sim!
Olhei para meus amigos. Alessa estava rindo, já Tay balançava a
cabeça negativamente. Eles recusaram, o que achei extremamente sensato
de Alessa, que estava prenha. Uau, Alessa estava prenha! Tinha esquecido
dessa novidade maravilhosa.
Levou dois segundos para eu aceitar e engolir o comprimido com a
catuaba.
— Quem não te conhece, que te compre, Kiki. — Tay me julgava,
porque era sua especialidade. — Mas, nunca chegará perto daquela noite
em Vegas.
— Daria tudo para me lembrar.
E era verdade. Foi a noite que mudou toda minha vida. E tudo o que
eu tinha eram flashes mínimos.
Porém, não consegui sofrer por muito tempo, porque logo o efeito
bateu e eu comecei a dançar sem parar. Herbert, sendo um querido, me
ensinou a atirar para o alto também. E ainda permitiu que eu dançasse a
clássica Balança a Glock, com sua arma na cintura. Uma arma verdadeira!
Combinei até uma viagem com ele a sua fiel para Singapura, prometendo
que eles poderiam ficar na minha casa.
Fazia anos que não ia a uma festa tão boa assim. As pessoas eram
incríveis, a música perfeita. O fato de estar com minha família e meus
amigos preferidos deixava tudo melhor.
Enquanto dançava com meus novos amigos Bernardo e Pietra, ao
lado de Zayn. Pietra segurou meu rosto e me tascou um beijo. Não
confirmo, nem nego que gostei. Muito.
Quando me afastei, Bernardo e Zayn batiam palmas animadamente.
Homens!
E para completar a minha noite, realizei um sonho: dei para Zayn
em um beco!
Enquanto ele me comia por trás, prendendo meu pescoço pela nuca
para que eu não me movesse, eu só conseguia agradecer a minha vida. Que
vida incrível! Que presente estar viva... Na minha vida?
— Eu acho que a gente deveria ter um outro bebê.
— Sério? — Zayn não parou de se movimentar dentro de mim.
— Aham, para crescer com o bebê da Alessa e do Tay.
— Que bebê?
— O que eles vão ter. Não tá sabendo?
Zayn negou com a cabeça. Não entendi, porque era uma novidade
linda para que ele não soubesse.
— Ok, seu pedido é uma ordem.
Ele puxou meu corpo para ele, metendo com tanta força que eu nem
sabia como ainda conseguia me manter de pé naqueles saltos. E saindo do
comum, ele abriu bem a minha bunda, deixando o espaço mais livre para
entrar e sair, até gozar dentro de mim.
Ainda ganhei uma chupada espetacular naquele beco escuro,
precisando morder meu antebraço para não gritar e chamar a atenção.
Ele abaixou meu vestido após fazer seu serviço com perfeição e
beijou meus lábios. Puxando minha mão para voltar à festa, porém antes
que retornássemos, vi em uma esquininha bem escura, assim como a que
tínhamos acabado de sair Alessa e Tay na maior putaria.
Abri a boca, chocada em vê-los em tamanha ação, até lembrar que
ela estava grávida e deveria estar esfolando Tay vivo.
Acho que não era só para mim que a noite estava sendo
maravilhosa!
E o fim dela foi ainda mais perfeito. Sentamos em uma laje,
comendo banana, que segundo Pietra faria bem para nossa ressaca, e
assistimos o nascer do sol. Todos juntos e felizes.
Da forma como tinha de ser.
Prometi que nunca mais beberia nem usaria nenhuma substância
ilícita ao abrir meus olhos naquela tarde.
Eu simplesmente não conseguia movimentar nenhuma parte do meu
corpo. Não fazia ideia de onde estava meu marido, não recordava nem
como chegamos ali.
O relógio ao lado da cama marcava 2h05 da tarde. Fazia muitos
anos que eu não acordava tão tarde assim. Nem parecia que eu era mãe e
tinha responsabilidades sérias.
Ao me lembrar de Ravi, afobada, levantei da cama. Nunca tinha
ficado tanto tempo longe dele. Percebi que ficaria um pouco mais, quando
tropecei no corpo do meu marido no chão e caí com tudo.
— Kiara? — Ele deu um grito, assustado com o chute que dei em
sua coxa.
— Pelo menos hoje você se lembrou do meu nome.
Dei um selinho nele e aproveitei para ficar aconchegada em seus
braços.
— Minha cabeça está explodindo — disse, bagunçando os cabelos.
— Fiz alguma coisa ruim ontem?
— Não, imagina. Só se afiliou ao Comando Vermelho, deu uns
vinte tiros para o alto e possivelmente me engravidou em um beco escuro.
Zayn grunhiu. Ele nunca acreditava que era capaz de cometer tantas
loucuras depois de ingerir algumas gotas de álcool. Ele só tinha a cara de
bom moço, porque era três vezes pior do que Tay e eu.
— Em um beco escuro?
— De tudo o que eu falei, você foca no beco escuro?
— Você merece mais do que um beco escuro.
Fiquei derretida pelo homem, não que eu já não fosse. O beijei
novamente, mas o gosto de rato morto na minha boca impediu de continuar.
Precisava escovar os dentes para voltar à vida.
Uma hora depois, eu já estava com meu filhote na piscina do Copa.
Apenas Guto e Helena não estavam, pois ainda dormiam. Tay estava por ali
também, junto de Soninha. A capivara que venceu na vida. Do parque de
Varginha para a piscina concorrida do Copacabana Palace. Eu queria
demais esse glow up. Sônia comia seu melão geladinho, servido pela equipe
do hotel, o que me fazia concluir que se Tay Chong quisesse, ele poderia
dominar o mundo.
— Kiki? — Hina chamou, sentando na espreguiçadeira ao meu
lado.
Eu estava na sombra, porque Ravi estava dormindo em cima de
mim. Ele estava carente e eu querendo chamenguinho, depois de todo
aquele tempo longe do meu bebê.
— Oi, minha linda.
— Você pode me ajudar em uma coisa?
Virei o rosto, olhando a garota que segurava o celular em uma mão
e coçava a coxa de forma nervosa com a outra mão.
— Claro. Em quê?
— Em responder uma mensagem. Eu estou um pouco nervosa.
Que mensagem tão importante assim faria uma garota de doze anos
ficar nervosa? Pedi o celular e assim que vi a mensagem, arregalei os olhos.
— É o irmão do Bernardo? O da praia?
Ela assentiu, as bochechas tão vermelhas que não dava nem para
enganar que era pelo sol.
Li a mensagem, era algo supersimples. Ele só perguntava se ela
queria entrar em uma partida on-line com ele. Mas era o suficiente para
fazer uma garotinha tremer na base.
— Ele nunca me mandou mensagem.
— Ele deve gostar de você, Hina.
Dessa vez a minha garota arregalou os olhos e engasgou com a
saliva.
— Não! Credo, Kiki! — Seu rosto se enrugou, demonstrando seu
profundo asco. — Você acha?
— Garotos dessa idade não sabem demonstrar sentimentos e
acabam sendo belos babacas. Mas que saber uma coisa? Isso passa.
— Sério?
— Lá pelos quarenta anos, com sorte.
Seu sorriso apareceu naquele rosto lindo e eu bati na
espreguiçadeira ao meu lado. Hina deitou comigo, aconchegando-se
debaixo daquela sombrinha gostosa da tarde.
— Todo mundo fala que sou esquisita na escola, não quero ser
esquisita fora da escola também.
Beijei a lateral da cabeça dela.
— Você é a garota mais incrível que eu conheço, Hina. E tenho
certeza de que, quem entrar na sua vida, vai perceber isso rapidinho.
Ela ficou toda sem graça, mas me abraçou mais forte.
— Pode responder a mensagem para mim?
— Por que você não responde? Seja você mesma.
— Mas eu tenho vergonha.
— Por que gosta dele?
Ela fez um som de vômito que acabou me fazendo rir.
— O único garoto merece o meu coração é o Jungkook.
— Quem é esse?
Hina virou o celular para mim e na proteção de tela estava um
coreano com a pele mais perfeita que já vi.
— De onde você conhece esse cara? — Já estava pronta para meu
discurso de que ela tinha que se relacionar com pessoas de sua idade.
— Ele é do BTS.
Ah! Ah, fazia todo sentido!
— Responda o garoto, ele deve estar mais ansioso do que você.
Hina pareceu meio em dúvida, mas pegou o celular, voltou para a
conversa e eu a vi digitar e apagar pelo menos umas dez vezes. Ela testou as
mais variadas combinações de “Vamos”, para no final escrever “Ok. Estou
livre.” com uma emoji de uma carinha feliz.
A insegurança dos adolescentes chegava até a ser engraçada.
O menino não levou nem dez segundos para responder,
comprovando minha teoria. Hina abriu o jogo e logo ficou entretida,
colocando o fone para poder conversar com o garoto enquanto jogavam.
Infelizmente, nem pude dar o meu conselho sobre como treinar para o
primeiro beijo, porque ela me ignorou para ficar naquela tela colorida. Mas,
teríamos ainda muito tempo para isso.
No final da tarde, depois de um banho muito bem tomado pós-
piscina, deixei Ravi na brinquedoteca, com o fake Ravi e Lilian. Teria
algumas brincadeiras com os monitores e ele fez questão de ir, como um
miniadultinho.
Na saída, encontrei Luana. Ainda envolta pelo espírito natalino,
chamei-a para comer algo comigo naquele final de tarde, porque não
aguentaria esperar até o jantar. Ressaca o nome disso.
— Posso fazer uma pergunta? — Fazia cinco minutos que
estávamos em silêncio, olhando para as paredes do restaurante.
— Pode.
— Está tudo bem com você e Cássio?
Era óbvio que não estava, porque eles nem ficavam juntos. Desde
que cheguei em Varginha, se vi duas interações deles foi muito.
Luana mexeu o suco com o canudo, desviando o olhar.
— Por que não estaria?
— Eu não te suporto, mas não quero te ver infeliz.
— Que fofa. — Ela sempre cairia atirando, era um dom.
— Sua cavala.
Eu não tinha paciência com Luana. Dei uma mordida generosa no
croissant que pedi e desviei o olhar dela. Não importava o quão gentil eu
tentasse ser com aquela cobra, ela continuava sendo insuportável.
— Não estamos nada bem, é óbvio. — O tom de voz de Luana
baixou, à medida que seus olhos tornavam-se cristalinos pelas lágrimas.
— Quer conversar sobre isso?
Luana empurrou o prato para frente e colocou os cotovelos no
lugar, empurrando a franja para trás.
— Conversar sobre o quê, Kiara? O fato de que ele foi um marido
de merda? Que acabou com a nossa família, por que sente tesão em apostar
todo o nosso dinheiro em qualquer coisa? Que eu finjo viver uma vida de
mentira? Sobre só ter recebido “Não” durante toda a minha carreira e agora
estar com trinta e muitos e não ter nada?
Fiquei com o croissant parado na boca. Eu esperava que Luana
apresentasse um problema do tipo “Ele está me traindo com a secretária” ou
“Eu não o amo mais”, mas aquilo foi muito além do que minha imaginação
poderia criar.
Molhei a boca com o suco, porque precisava de tempo para pensar
no que falar. Não éramos íntimas, nem de perto. Logo, ficava difícil falar
algo.
— Você está errada em falar que não tem nada. Você tem seu filho e
sua família. Isso já é muita coisa.
Luana coçou o nariz apenas para não demonstrar vulnerabilidade.
— Eu estou puta com tudo isso.
— Por que não se separa, então?
— Porque eu amo o Cássio. Eu só não gosto dele nesse momento,
não depois de tudo.
— Faz tempo que isso aconteceu?
— Dois anos.
— E ele parou?
— Claro, o dinheiro acabou. — Deu de ombros. — Moramos de
aluguel em um estúdio, em um bairro horrível e constantemente preciso
pedir dinheiro para minha mãe. Fora a parte que preciso da caridade de
vocês para conseguir acompanhá-los em uma viagem.
Nunca imaginei ver Luana falando sobre sua realidade tão
abertamente assim. Ela parecia muito satisfeita em desabafar.
— Não é caridade, Zayn só quis ter vocês com a gente.
— O Zayn? — Apertou os olhos. — Ele falou que você queria que
eu viesse.
Soltei uma risada, mas precisei tapar a boca com as mãos ao ver a
cara de Luana.
— Você não pediu, não é? — Luana perguntou.
— Quer a verdade?
— Manda.
— Eu nem sabia que você viria. — Dei de ombros. Ela não queria
sinceridade? — Mas estou feliz que esteja aqui, Luana. O Zayn acerta até
quando não tem a menor intenção.
Ele bufou, desviando o foco para a janela.
— Eu odeio sentir tanta inveja de você, Kiara.
— E eu odeio viver me comparando a você, Luana.
Ficamos nos encarando até cairmos na gargalhada. Uma coisa que
eu tinha aprendido com Zayn e sua família, era que eles eram a única
constância que eu amava ter em minha vida. Não importava a
personalidade, os defeitos, as brigas. Eles sempre seriam a parte mais
importante da minha vida. E convivendo com eles, eu sentia uma falta
tremenda desse laço com a minha família de sangue. Eu poderia passar o
resto da minha vida brigando com Luana ou eu poderia construir uma
relação mais próxima de companheirismo e respeito com uma pessoa que
sempre foi uma constante na minha vida.
— Eu nunca falei sobre isso para ninguém, obrigada por ter
escutado.
Suspirei e levantei da cadeira, dando a volta na mesa para cercar
com meus braços seu corpo. Foi um abraço esquisito. Devia fazer uns vinte
anos, pelo menos, que eu não abraçava Luana.
— Sinto muito por tudo isso que você está passando. E quer saber
de uma coisa? — Ela assentiu. — Se você tem tanto talento para fingir que
está tudo bem durante todo o feriado e forjar toda uma vida de mentira,
então você também tem para ser a maior atriz que esse Brasil já viu.
— Como a Fernanda Montenegro?
Seus olhos me olharam cheios de esperança e eu fiquei com a boca
aberta, levemente assustada com seu ego.
Gaguejei por uns instantes, mas finalmente falei:
— É, tipo ela. Confia.
Tay farejou o cheirinho do interesse de uma adolescente bobinha
por um garoto muito rápido.
Tiramos o dia 30 de dezembro para conhecer os pontos turísticos do
Rio, porque nem só de praia, piscina e caipirinha se fazia as férias.
Hina pediu para levar um amiguinho. E Tay já começou a
desconfiar quando descobriu que era Ryle, o menino que estudava com ela
lá em Cape May.
Fomos buscar o garoto no condomínio onde ele estava passando as
férias, na casa do pai de Bernardo. Quando o homem apareceu ao lado do
garoto, eu juro que entendi o fato de Pietra ter pegado o pai e o filho.
Simplesmente não tinha como deixar aquele homem passar.
Ele ainda deu um beijo na cabeça do garoto, que nem era seu filho,
muito pelo contrário, era filho da ex-mulher dele com o homem que a tirou
dele, segundo a fofoca de Pietra.
Ao chegarmos ao Cristo Redentor, logo vimos que cometemos um
grande erro ao decidir visitar o ponto turístico um dia antes da virada do
ano. Tinha gente saindo do ralo, não me surpreenderia de ver se gente
pendurada nos braços do Cristo, porque estava difícil ter lugar para se
mexer ali.
Zayn estava com Ravi nos ombros. Ele tinha pavor de perder Ravi.
Eu também tinha, obviamente. Mas ele era muito preocupado com isso
desde que o obriguei a ver Senhora do Destino comigo. Ele ficou com medo
da Nazaré Tedesco desde então.
— Hina, dá a mãozinha aqui para o papai — Tay balançou os dedos
na direção da garota, que o olhou com uma frieza que fez minhas bochechas
arderem de vergonha por Tay. — Alessa, segura a mãozinha do Ryle.
Crianças ficam confusas nessa multidão.
— Não sou criança. — Ryle cometeu seu primeiro e maior erro:
irritar Tay Chong.
— Você bate na minha cintura, tem doze anos e eu te vi fazer xixi
na calça na festa de primavera da escola, dois anos atrás. — Tay deu dois
tapinhas no topo da cabeça de Ryle.
O garoto cruzou os braços e ficou vermelho como a blusa que eu
estava vestindo.
— Eu estou em fase de crescimento.
— No começo dessa fase, presumo. — Arreganhou os dentes para o
garoto. — Assim que encerrar essa fase, não precisará dar a mãozinha para
ninguém. Agora estica a mão para a tia Alessa, vai.
Tay era uma peste quando queria. Sou grata por ser amiga dele,
porque não aguentaria o bullying gratuito que ele faz com quem quer.
Foi uma experiência incrível no Cristo, por mais cheio que tivesse.
Dali, fomos para o Pão de Açúcar, passear de bondinho. Estávamos
apreciando a vista deslumbrante, quando Tay cutucou Zayn.
— Esse mané não vai tirar minha princesa de mim.
— Tay, ele tem doze anos.
— Diz isso porque não tem uma filha, a hora que tiver, a gente
conversa.
Alessa revirou os olhos e só me restou rir, porque a situação era
ridícula. Hina e Ryle estavam escutando música no fone, enquanto jogavam
juntos. Não entendia o perigo que Tay estava vendo naquilo.
Fomos ao Museu do Amanhã, que foi um passeio incrível,
principalmente para Ravi, que ficou enlouquecido com tantas projeções,
principalmente do Cosmos.
No meio do Museu, enquanto Zayn e Tay entretinham as crianças,
Alessa e eu ficamos conversando mais para trás.
— Já pensou quando vai contar para ele? — Bati palmas, animada
demais com a ideia de ser tia novamente.
Tay e Alessa deveriam popular esse planeta de filhotes, porque a
fusão da personalidade dos dois, era a fórmula para crianças lindas e da pá
virada. O meu tipo preferido de criança.
— Ontem quase contei, mas não achei legal o suficiente. Ele estava
cortando a unha do pé.
— Superespecial mesmo — assenti, levando uma cutucada na
costela.
— Vou contar na virada, acho que terá um significado legal.
— Não acredito que você está grávida! — Quiquei de felicidade e
abracei Alessa, tirando seus pés do chão.
— Mama? — Ravi puxou a barra do shorts que eu usava, chamando
minha atenção. — Tia Alessa tem bebê na barriga?
Olhamos uma para a outra, sem saber nem como reagir a tal
questionamento. Alessa, por sorte, pegou a mão de Ravi e falou:
— Sim, mas é segredo. Você sabe guardar segredo?
Meu garoto balançou a cabeça, confirmando que era um ótimo
garoto.
— Faz um menino pra mim, tá? Meninas são chatas.
— Vou fazer esse requerimento para a cegonha.
— Os bebês vem de cegonha? — Ravi olhou na minha direção.
Ele tinha entrado na fase das perguntas agora, eu só não esperava
que essa viria tão cedo.
— Porra, Alessa — resmunguei.
Santo de casa não faz milagre e eu não queria ter aquela conversa
com Ravi no meio de um museu.
— Sim, logo depois que a mamãe come um tomate junto do papai e
uma sementinha é plantada na barriga. Aí o bebê cresce e a cegonha o
entrega lá no hospital — Alessa contou a história mais cabulosa que já vi na
vida sobre concepção.
Pisquei três vezes para descongelar do choque profundo que me
abateu.
— Alessa, que viagem é essa?
— Ué, contei assim para a Hina — disse com absoluta
tranquilidade.
— É sério isso? Essa menina come tomate? — cochichei com ela,
que apenas deu de ombros. Peguei a mão de Ravi e me abaixei até a altura
dele. — A tia Alessa é engraçada, né? Agora vou te contar a verdadeira
forma como os bebês vão parar na barriga das mamães.
— A verdadeira?
— Sim. Quando dois adultos se amam muito, eles têm um momento
íntimo e lá o papai joga várias sementinhas corredoras na mamãe. A
sementinha mais rápida, vira um bebê.
— E como o papai joga a sementinha?
Cocei a nuca, não acreditando que aquilo estava acontecendo
naquele momento. Eu tinha treinado tanto para isso e agora estava
absolutamente sem jeito.
— Com o pipi dele.
Alessa abriu a boca, assustada.
— Mas você falou que ninguém nunca pode pegar no pipi, que é
parte proibida.
Pois é, eu tinha falado. Desde sempre. E agora?
— Bem... — Limpei a garganta. — Depois que a mamãe e o papai
se casam, a mamãe pode pegar também.
— Você pega no pipi do meu papai? — Ravi gritou no meio do
museu, até Zayn, que estava mais longe, olhou.
Eu fiquei estática, querendo cavar um buraco até a minha cama em
Singapura, onde eu passaria os restos dos meus dias escondida da
civilização.
Olhei para Alessa, pedindo ajuda.
— É por isso que o tomate é mais eficaz. — Alessa apertou os
lábios, estalando a boca logo em seguida.
— Quem quer sorvete? — falei alto, desejando mais do que tudo
que ele esquecesse aquele assunto.
Eu não esqueceria, pelo menos. Inclusive, já posso rasgar o meu
diploma de pedagogia.
Terminamos o nosso dia tomando açaí, enquanto víamos o pôr do
sol mais lindo de todos no Arpoador. Tay ainda enchia o saco de Ryle e
agora fazia uma sabatina de perguntas ao garoto.
— Qual seu animal preferido?
— Cachorro.
— Hum, que previsível. — Tay estava sem limites no deboche. —
Deveria ter uma fuinha, combina com a sua cara.
— Pai! — Hina o repreendeu.
— Brincadeira! Ryle sabe que é brincadeira, não é, Ryle? — Tay
agarrou o ombro do menino de uma forma que fez o pobrezinho derrubar o
açaí na bermuda.
— Sim, Tay, claro! — O coitado estava até gaguejando.
— Senhor Chong para você.
Apoiei minha cabeça no ombro de Zayn, sabendo que aquela
discussão não teria fim. Não nos próximos anos, pelo menos.
E, para mim, tudo bem. Desde que eu estivesse ao lado deles,
porque aquela família era tudo para mim.
Fazia algum tempo que não me sentia tão gostosa assim, quanto
dentro daquele meu vestido escolhido para a festa onde passaríamos a
virada do ano, ali no Copacabana Palace.
Era uma festa requintada, então caprichei no look. Optei por um
vestido todo em paetê dourado, combinava demais com a minha tonalidade
e o rabo de cavalo que fiz. O vestido era bem justo, principalmente nas
pernas, o que deixava meu andar meio parecido ao de um pinguim, mas
tudo bem, Beyoncé já dizia que a beleza machuca.
Quando Zayn me viu, sua boca ficou escancarada, o que foi um
tremendo afago no meu ego.
— Não existe nada nesse mundo que se compare a você, Kiara. —
Ele pegou meu dedo indicador, fazendo com que eu girasse. — Eu sou um
homem de muita sorte.
Fiquei na ponta do pé, mesmo de salto, para beijar sua boca. Eu
gostava muito dos beijos quentes, óbvio. Mas com os beijos mais delicados
eu tinha a certeza de ter feito a melhor escolha da minha vida ao dizer “sim”
para aquele plano de seguir viagem com Zayn.
— Sim, você é. Já viu minha bunda nesse vestido? — Arrebitei meu
traseiro para ele, ganhando um tapa ardido logo em seguida. — Você
ganhou na loteria, Zayn Yong.
Zayn deu um beijo em minha testa e logo fomos encontrar Ravi,
que pediu para se arrumar com o fake Ravi. Eu me incomodei tanto em
saber que Luana tinha roubado o nome do meu filho, para acabar sabendo
que tudo o que eles mais gostavam era terem o mesmo nome e se vestirem
iguais. Até comprei uma roupa igual para os dois, que estavam animados
demais por estarem idênticos.
Luana e eu realmente deveríamos crescer, pois nossos filhos de
quatro anos eram infinitamente mais maduros que nós duas.
Encontrei com Alessa e Tay no caminho do elevador. A minigótica
também estava com eles e tinha se recusado a colocar vestido. Era o único
ser humano em terras brasileiras que passaria o réveillon de preto. O
máximo de felicidade no look que ela se permitiu foi a camiseta com um
dinossauro de paetês.
— Olha para minha barriga! — Alessa sussurrou no meu ouvido e
depois se afastou.
Olhei e como ela estava com um vestido justo de seda branco, a
pontinha da barriga acabava marcando no tecido.
Quis pular em cima dela, animada por ver que a barriguinha já
começava a aparecer, mas não pude, porque Tay estava por perto. Esperava
que ela contasse logo, porque eu não era boa em guardar segredos. Ainda
mais rodeada de tanta bebida.
Descemos para o salão de festas requintado. Requintado até demais.
Da sacada ampla do salão, teríamos vista total do show dos fogos de
artificio. Mas, confesso que lá no fundinho estava com uma invejinha de
quem estava na praia vendo o show da Anitta. Até dei a ideia de irmos, mas
ninguém quis perder a boca livre da festa no hotel.
Comi alguns canapês e mandei ver no jantar antes de começar os
trabalhos na bebida. Ravi já tinha ido para a recreação junto dos primos,
então eu poderia tomar uns gorós.
Percebi que Tay estava fazendo alguns movimentos suspeitos na
mesa de jantar e precisei olhar debaixo da mesa para ver o que ele estava
aprontando.
— Eu não acredito nisso! — Abri a boca em choque e apontei para
aquele homem sem juízo.
— O que foi?
— Você trouxe a capivara para a festa, Tay?
— Você trouxe? — A pergunta de Alessa soou como uma ameaça.
— Tay, eu falei que era para deixá-la lá no quarto!
— E se ela tiver medo dos fogos?
— Ela é uma capivara que vivia em um parque, Tay — Zayn
explicou, como se o amigo fosse uma criança de dois anos; ele falava dessa
exata forma com Ravi.
— E agora tem uma família que a ama muito. Não escute o que eles
dizem, Soninha.
Eu precisava de algo mais forte do que aquele gim, sem dúvida.
— Como vamos levar a Soninha para casa? — Alessa questionou.
Iriamos embora dali a dois dias. E como Tay levaria uma capivara
para os Estados Unidos seguia como uma incógnita.
— Simples! — ele falou como se não tivesse importância, depois
pegou o copo com uísque e tomou um gole. — Aluguei um jatinho para nos
levar para casa.
Ficamos parados, nós três, por alguns segundos. Ele daria risada ao
final e falaria que era mentira. Mas Tay continuou tranquilo.
— Um jatinho? — O tom de voz de Alessa só se tornava mais sério.
— Sim.
— Quanto custou essa brincadeira, Tay?
— Não se preocupe, eu pedi desconto e ainda ganhei de brinde a
nossa refeição a bordo. — Agora, sim! Promoção imperdível essa! Uau!
— Você alugou um jatinho para levar uma capivara para casa?
As perguntas retóricas de Alessa eram assustadoras. Eu estava com
medo por Tay.
— Soninha — corrigiu. — E, sim. Os negócios vão bem. E além do
mais, não deixamos família para trás. Já dizia Vin Diesel naquele filme dos
carros, família quer dizer nunca mais abandonar ou esquecer.
— Isso é de Lilo & Stitch! — Zayn já estava sem paciência com
Tay, esfregando as mãos no rosto.
— Dá no mesmo. — Meu amigo deu de ombros e separou uma
melancia para dar à Soninha debaixo da mesa.
Eu queria ficar indignada com Tay, mas estava animada demais por
andar de jatinho, então decidi ficar quieta.
Fomos dançar assim que a banda começou a tocar. Dancei com
Alessa e minhas primas até que meu pé começasse a doer, isso que
estávamos no começo da festa. Quando “Evidências” começou a ser
cantada, eu parei de dançar para beber um pouco.
Quando peguei a champanhe e tomei um gole, senti um déjà vu.
Olhei para a garrafa dourada da Armand de Brignac e fui jogada para uma
noite em Vegas, seis anos atrás. Aquela foi a mesma champanhe que tomei
com Zayn, depois que ele me chamou para subir ao camarote com ele.
Olhei para a taça, vendo as bolhas de gás subindo pelo cristal
embaçado pelo gelo. O sabor da bebida gelada, a forma como olhei a taça
da exata forma de seis anos atrás, fez com que eu me sentisse esquisita.
Quando busquei o olhar de Zayn, ele estava já agarrado em minha cintura.
— Não vai cantar essa música para mim?
O palhaço estava tirando com a minha cara. Eu poderia cantar um
milhão de músicas para me declarar para ele, mas escolhi Evidências.
Pensando naquele momento, fazia todo o sentido. Mas agora, eu aturava há
anos as piadas dele por isso.
— Engraçadinho.
— Sobe lá no palco e canta. Quero me sentir amado.
Revirei os olhos.
— Você já é amado o suficiente.
Ele riu e me aproximou dele usando a mãos em minhas costas.
Beijei sua mandíbula e o cantinho de sua boca, querendo provocá-lo. Zayn,
aparentemente, não estava com paciência para minhas provocações e beijou
minha boca de modo urgente. Eu adorava a versão brasileira de Zayn que
beijava na frente dos outros sem preocupações. Em Singapura, ele já era
mais contido.
Estava abrindo a boca para pedir para ele me acompanhar ao
banheiro, quando a banda anunciou que daqui a cinco minutos seria a virada
do ano.
Começou uma correria para pegar uva, romã, meu filho. Quando
terminei a maratona, todos já estavam na sacada, olhando a praia de
Copacabana lotada de gente. Aconcheguei-me nos braços de Zayn,
enquanto o coro da contagem regressiva era iniciado.
Olhei para o lado, vendo Alessa, Tay e Hina também reunidos em
um abraço, esperado o Ano-Novo chegar. Talvez aquele seria próximo ano
mais louco da família Chong e seu novo membro.
Quando a contagem foi encerrada e os fogos iluminaram o céu, eu
abracei Zayn e Ravi. Eu poderia fazer vários pedidos para esse ano que
chegava, mas eu nem sentia vontade, porque eu tinha ali tudo o que eu mais
queria e mais amava. Se fosse para pedir algo, seria só para ter muitos e
mais muitos anos ao lado deles.
— Eu te amo, meu chapa. — Dei um selinho em Zayn, que estava
mais encantado que o próprio Ravi com os fogos.
— Eu te amo, minha chapa.
Nós fizemos um sanduíche de beijo em Ravi, que logo ficou irritado
com tanto amor e pediu para descer. Bem a tempo de sermos abraçados por
Tay, Alessa e Hina.
Os primeiros minutos do ano estavam perfeitos, até que meu filho,
meu santíssimo filho, fez a única coisa que nunca esperei que ele fizesse:
— Tia Alessa, o bebê da sua barriga nasce esse ano?
Ficamos paralisados, eu, mais do que ninguém, tomada pelo
desespero. Os fogos estouravam lá no céu, mas meu coração batia mais alto
que eles. Meu filho é um fofoqueiro que não sabe guardar segredos. Não sei
por quem ele puxou, caramba!
— Que bebê? — Tay perguntou lentamente, como se estivesse
pisando em ovos.
— Que está na barriga dela.
Precisei tomar medidas extremas e tapar a boca de Ravi. Ele
simplesmente tinha estragado o que quer que Alessa planejasse fazer para
contar a Tay sobre o bebê.
— É sério? — Os olhos do coitado já estavam tomados por
lágrimas antes mesmo que Alessa falasse um “a”.
Ela deu uma risadinha e jogou as mãos para o alto.
— Surpresa!
O sorriso que Alessa deu foi a confirmação que Tay queria.
— Kiara, segura a Soninha.
Ele esticou a capivara para mim, que a peguei com certo receio. A
pelagem do bicho era estranha e ela parecia um cachorro rechonchudo, era
difícil de pegar.
Tay segurou o rosto de Alessa, balançando a cabeça negativamente
várias vezes. Ele parecia ter perdido a capacidade de se comunicar, tamanho
era o choque.
— Eu não acredito que vamos ter uma segunda chance parar criar
um bebê juntos — Tay sussurrou. — Era tudo o que eu mais queria!
Alessa assentiu, uma lágrima já rolava por seu rosto. Olhei para
Zayn, fazendo um biquinho para meu marido que já chorava mais do que o
pai e a mãe recém-descobertos.
— Obrigado por não ter desistido de mim e do nosso
relacionamento, por ter me esperado e me dado a chance de recomeçar.
Meu Deus, eu vou ser pai de novo! — Tay deu um grito no final, que fez
todos ao nosso redor olharem.
Tay tirou Alessa do chão, rodopiando-a de uma forma que não era
muito boa de fazer em uma grávida. Eles se beijaram e eu fiquei derretida
de amor, escutando as fungadas de Zayn.
— Ew, não acredito que eles ainda plantam tomates. Eles não são
muito velhos para isso? — Hina estava ao meu lado de braços cruzados e o
semblante de puro nojo ao ver os pais se beijarem.
— Não tem idade para isso. — Dei de ombros.
Eu não curtia tratar criança como criança. Meus assuntos eram de
igual para igual. E Hina estava inclusa nessa.
— Posso morar com vocês? — O projeto de Wandinha Addams
perguntou.
— Não. Nós também plantamos muito tomate, mesmo sendo
velhos.
Ela colocou o dedo na boca, fingindo que vomitaria no meu pé.
Hina não escapou do abraço conjunto dos pais. Depois, foi nossa
vez de comemorar com eles. Começar o ano daquela forma era a certeza de
que mesmo quando as coisas ficassem difíceis, nós ainda teríamos um ao
outro. E era tudo o que eu precisava.
Ravi voltou para a recreação, quebrando totalmente sua rotina de
dormir às 8h da noite. E eu fiquei ali, ainda escutando Anitta tocando
Movimento da Sanfoninha no show que fazia lá na praia. Comecei a dançar
com Soninha que, debaixo do meu braço, parecia um Lulu da Pomerânia de
uma madame.
— Champanhe? — Zayn apareceu ao meu lado, esticando uma taça
para mim.
Isso também me trouxe a sensação de déjà vu.
Aceitei a champanhe, pensativa.
— Isso não te parece muito com aquela noite em Vegas, quando nos
conhecemos?
Zayn riu e tomou um pouco do champanhe, fazendo carinho na
cabeça de Soninha logo em seguida.
— Não. Eu ainda estou sóbrio.
— Você tem um ponto. — Balancei o indicador para ele.
— Fez pedidos? — Apontou para a uva que eu deixei em cima do
parapeito da sacada.
Neguei com a cabeça.
— Já tenho tudo o que eu quero bem aqui. — Fiz um círculo com o
dedo. — E você?
— Ganhei meu bilhete da sorte seis anos atrás lá em Las Vegas.
Joguei a cabeça para trás, deliciando-me por saber que eu tinha
acertado na mosca, mesmo que não fizesse ideia do que fazia naquela noite.
Eu queria dar um beijo no mafioso gostosão e agora tenho uma família e
sou perdidamente apaixonada por esse homem.
— É mesmo? — Fiz uma careta, surpresa.
— Tudo o que eu quero é uma vida toda com você além de Vegas.
Escutei meu cérebro dar uma estralada ao ouvir o que Zayn tinha
acabado de falar. Era um pouco assustadora a forma como parecia
extremamente familiar escutá-lo falar aquilo. Como se eu estivesse vendo
um filme que não me lembrava de ter assistido.
Molhei a boca com champanhe e foi aí que minha mente explodiu.
Meu vestido de cristais. As mãos de Zayn no meu corpo. A capela
do casamento. Elvis falando que ele poderia me beijar. A comemoração
dentro de um cassino. A loja de animais.
— Zayn, eu me lembrei de tudo! — Meu grito foi quase um berro,
deixei o champanhe junto das uvas e, desesperada, olhei para meu marido.
— Do quê?
— Do nosso casamento, da noite, da comemoração, tudo! Você
falou essa coisa sobre além de Vegas lá também, na frente do Bellagio!
Eu mal conseguia respirar enquanto falava. As memórias estavam
frescas na minha mente, como se tivessem acabado de acontecer. Queria
chorar, queria rir, queria viver tudo novamente.
— É sério?
— É!
— Mentira?
— Verdade!
— Então me conta tudo sobre a nossa noite.
As luzes pulsantes da Marquee deixavam meu cérebro que já estava
confuso pós-uso de álcool e do alucinógeno patrocinado por Tay, ainda mais
confuso.
Nunca na vida senti meu corpo tão leve, parecia que eu flutuava
naquele ambiente extremamente cheio. Minha mão grudada com a de Zayn
dava a estranha sensação de pertencimento. Como se fossemos Bonnie e
Clyde. Nós dois contra o mundo.
Zayn cortou toda a fila das mulheres e me enfiou no ambiente
escuro, totalmente vermelho, sob gritos e protestos.
Nós tínhamos uma missão e não desviaríamos dela.
Nunca dei para um homem que conheci há menos de meia hora.
Ainda mais no banheiro de uma balada em Vegas. Além de querer
desesperadamente dar para aquele cara, eu queria viver essa experiência.
Quando eu fosse uma senhora reunida com minhas amigas senhoras para
um café da tarde financiado por uma revendedora de Tupperware, eu teria
uma ótima história para contar: o dia que fiquei de quatro (nos dois
sentidos) para um singapuriano gato demais para minha realidade.
Ele trancou a porta e aí, foi o momento aclamado. Vulgo, hora em
que ele simplesmente me empurrou para uma parede e seu beijo me
dominou por completo. A língua escorregou por meu pescoço, sob minha
clavícula, porém suas mãos não perderam tempo em descer dedilhando a
cintura, meu quadril, até a barra do vestido que tenho certeza ser o
responsável por fazer com que eu acabasse nas mãos de um gostoso
daqueles.
Zayn desviou o seu foco principal, para poder me olhar, buscando
uma aprovação que ele já tinha há aproximadamente trinta minutos.
— Nós vamos fazer isso mesmo? — Eu estava sem acreditar.
— Se você quiser, eu já estou querendo desesperadamente desde a
hora em que te vi na entrada. Tudo em você é incrível, eu nunca vi alguém
tão linda e gostosa quanto você.
Eu ri, enebriada com aquele frenesi louco que se formou entre nós
dois.
— Então faça valer a pena, Zayn Yong.
Zayn mordeu os lábios, convencido por minha provocação. E logo
senti seus dedos entrarem por debaixo do vestido, afastando a calcinha que
eu gostaria muito de lembrar qual era. Eu tinha certeza de que não era
bonita, porque eu não sentia o meu rabo ser repartido em dois pela renda.
Eu não achei que transaria com alguém hoje, então tenho certeza de que
estou com uma calcinha comum e...
— Puta que pariu! — Precisei morder a mão para abafar o grito que
eu quis dar assim que a língua de Zayn me tocou.
Eu tinha acabado de conhecer o cara e ele estava me chupando.
Gringos geralmente não faziam isso, era uma coisa que aprendi a duras
penas. Mas ele fazia. E fazia bem. E era capaz de deixar minhas pernas
bambas rapidinho.
Eu encontrei o homem da minha vida!
De joelhos, chupando-me em nosso primeiro encontro, e não só
isso, ele sabia o que fazer. Sua mão firme apertava minha bunda, a outra,
deslizada dois dedos para dentro de mim. Era o paraíso em Las Vegas. Eu
estava no lugar certo, na hora certa.
Segurei o cabelo daquele gostoso com tanta força, porque era a
única coisa que eu tinha para me segurar. Ele subiu uma perna minha para
seus ombros, ampliando os movimentos.
Eu estava explodindo, indo ao céu e escorrendo para o inferno,
porque era bom. Era perdidamente bom.
Ele não precisou nem de cinco minutos para me fazer gozar. O
orgasmo misturado com tudo o que tinha ingerido naquela noite, foi
memorável. Inesquecivel. Entrou para o hall da fama dos melhores
orgasmos. E ele nem tinha chegado com um centímetro de pau perto de
mim.
Falando em pau... Já estava ansiosa para ver tudo o que me
esperava por ali.
Zayn subiu ainda colado em mim, usando as mãos para continuar
me deixando presa no mesmo lugar, sua língua entrou na minha boca,
espalhando meu gosto por toda minha boca. Era atrevido. Era revigorante
até.
— Eu não vou te deixar escapar nunca mais.
Eu esperava mesmo que ele fosse um mafioso, porque eu estava
pronta para que me sequestrasse e nunca mais me devolvesse. Se eu
pudesse continuar sentindo aquela língua, eu estaria feliz.
Deslizei a mão por seu abdômen rígido, típico de quem é rato de
academia. Além de chupar bem, ainda é trincadinho. Deus, eu sabia que o
senhor iria me agraciar com tamanho presente, após as adversidades que
encontrei ao lado do sexo masculino.
— Eu não planejo ir para nenhum lugar.
Desci ainda mais a mão, pousando naquele volume divino que
gerava tanta expetativa em cima de mim. Bendito seja aquele champanhe
que aceitei!
Eu estava pronta para cair de joelhos aos pés daquele homem, sem
me importar com a sujeira do banheiro, porque depois do orgasmo que tive,
eu faria tudo o que ele quisesse. E mais um pouco.
Estava pronta para descer, quando escutei o murro na porta.
— Zayn! Kiki! Transem depois! Temos outros lugares para visitar!
Era a voz do amigo, dono da despedida de solteiro. Zayn segurou
meus ombros, impedindo que eu ajoelhasse.
— Precisamos ir? — Eu quase implorei para ficar.
— Zayn!— Tay esbofeteou a porta.
— Ele não vai dar sossego. Depois terminamos o que começamos
aqui.
Mordi o lábio inferior, afoita, animada, esperançosa. Quando
saímos do banheiro, o asiático doido estava de braços cruzados, uma
sobrancelha arqueada.
— Atrapalhei algo? — ele perguntou.
— Sim. O melhor orgasmo da minha vida. Seu amigo é um deus
com a língua.
Tay atormentou Zayn até encontrarmos o restante do grupo. Fui
apresentada a Eddie, Calvin e Thomas. Dei um abraço em todos os
meninos, que gritavam como bobos depois que Tay contou o que Zayn fazia
no banheiro comigo.
Bebemos cada um mais um shot antes de irmos para a limosine.
Brindei meu copo com Zayn, que sussurrou ao meu ouvido:
— À noite de nossas vidas.
— À melhor noite de nossas vidas. — Abri um sorriso e virei toda a
tequila, observando-o fazer o mesmo, antes de jogar o copo no chão e me
catar pela cintura para beijar minha boca novamente.
Fui com os meninos passear por Las Vegas. No meio da Strip,
enquanto passávamos em frente ao Hotel Flamingo, Tay ofereceu mais
balinha. Eu, já nem um pouco ciente do nível de fundo de poço que estava
me enfiando, aceitei.
Aquela primeira nem deu tanto barato assim.
As luzes de Vegas passavam por meus olhos e chegava até a doer,
porque eram fortes. Eu estava sentada no colo de Zayn, sentindo seus beijos
por todo meu ombro.
— Kiara? — Zayn chamou meu nome. Assim que olhei, ele estava
com o queixo apoiado em meu ombro. A cara de cachorro pidão que faria
qualquer pessoa cometer loucuras. — Você é muito linda.
— Você também é.
— Não, sério. Eu estou apaixonado por você. — Acariciou meu
cabelo. — Tay, eu estou apaixonado por ela!
— Eu nunca erro nos meus palpites de cupido. Vocês nasceram um
para o outro.
— Quer ir morar em Singapura comigo?
— Onde fica Singapura mesmo?
— Na Ásia? — Zayn não fazia mais a menor ideia.
— Eu quero.
— Então, vamos. Você e eu, juntos em Singapura. Minha mãe vai
surtar. — Ele deu um soluço, mas acabou respirando fundo e jogando os
cabelos para trás.
— Ela não sabe nada sobre a nossa conexão.
— Você tem razão.
— Eu sei.
Começamos a nos agarrar ali mesmo, na frente de todo mundo. Eu
não dava a mínima. Tudo o que eu queria era continuar beijando Zayn mais
e mais.
Certo momento, Zayn, Tay e eu colocamos metade do corpo para
fora do teto solar. A brisa da noite quente batia em meus cabelos e rosto,
fazendo com que eu tivesse a sensação de que vivia o melhor dia da minha
vida, ao lado das melhores pessoas que poderia ter encontrado.
Eu estava há meses buscando uma sensação tão boa quanto aquela.
Abri meus braços e gritei até perder o fôlego, animada demais por estar ali.
Agarrei Zayn, beijando-o, depois puxei Tay para um abraço triplo.
— Você será meu melhor amigo, Tay Chong! — Apontei para ele,
abrindo meu melhor sorriso.
— Uau, eu nunca tive uma mulher amiga.
— E eu? — Zayn fez um bico para mim.
— Você pode ser meu marido, algum dia, quem sabe.
A gargalhada de Zayn preencheu meu coração, ainda mais depois
que ele simplesmente me agarrou pela cintura. Enfiando os dedos em meus
cabelos, acariciando de leve o couro cabeludo enquanto me beijava.
— Vamos botar fogo nessa cidade essa noite, Zayn Yong. — Sorri
em seu beijo.
— Seu pedido é uma ordem.
— Las Vegas, bitch! — Tay gritou, erguendo as mãos bem no
momento em que passávamos diante do show das águas, em frente à fonte
do Bellagio.
Paramos na Freemont, a rua mais antiga de Las Vegas. Não tinha
ido ali até agora e ver aquela quantidade de luzes, pessoas e movimento, fez
com que eu parecesse uma criança solta no Disney World pela primeira vez.
Os maiores cassinos da cidade ficavam ali. Las Vegas se tornou
tudo o que é por conta dessa rua. Tay queria apostar alto no cassino mais
famoso da cidade, mas precisaríamos andar um pouco até chegar lá.
Precisei me apoiar em Zayn, porque minhas pernas pareciam gelatina em
cima dos saltos. Não conseguia andar com firmeza. Com certeza foi o suco
que tomei no jantar lá no hotel.
— Para tudo! — Tay, que liderava o grupo, ergueu a mão, como se
entendêssemos seu gesto.
Acabei batendo o nariz nas costas dele.
— O que foi? — Thomas, o britânico de bochechas cor-de-rosa,
perguntou.
— Isso é a coisa mais linda que já vi na minha vida.
— A coelhinha da Playboy? — perguntei, confusa.
Duas garotas estavam ali por perto, com um microbody, abordando
turistas para tirar foto com elas. Se ele estava na própria despedida de
solteiro, isso queria dizer que Tay tinha uma mulher, certo? Que safado!
— Não, aquele carinha ali. — Ele apontou para a vitrine de uma
loja.
Minha visão estava meio turva, mas aquilo na vitrine era um jacaré?
Tay grudou as palmas da mão no vidro, como eu fazia quando
passava em frente da loja da Gucci.
— Ele é a coisa mais linda que já vi.
— Tay, não inventa. Aquele dia com o filhote de leão já foi demais.
— Zayn se afastou de mim, para poder controlar o amigo.
— Ele estava pedindo ajuda com os olhos!
— Ele estava na Savana, só perdido da mãe. Veio um louco e o
levou embora da floresta, porque achou que ele estava “pedindo ajuda com
os olhos”. — Zayn fez aspas com os dedos.
— Foi um equívoco. — Deu de ombros. — Eu preciso levar esse
bebê para casa.
— É um jacaré. — Franzi o nariz, não entendendo o que tanto ele
via com o bicho.
— Não, não é. Ele é meu filho.
Tay começou a esmurrar a vitrine, a porta, tudo para que o dono da
loja abrisse, mas na placa dizia que eles fechavam às 18h. Meu novo melhor
amigo estava desesperado e era doloroso ver um pai sofrer por estar
afastado de seu filho.
Tirei um grampo do cabelo, o que eu usava para prender os fios
mais rebeldes da parte de baixo e enquanto os meninos batiam sem parar na
vitrine, eu fui até a porta, forçar a maçaneta com o grampo.
Era um truque simples que aprendi quando era criança. Meu pai e
minha mãe “misteriosamente” falavam que iriam fazer reuniões importantes
no quarto. Guto e eu tínhamos certeza de que eles comiam doces
escondidos e aprendemos como abrir a porta com um grampo de cabelo.
Tudo o que precisei foi de um computador velho, lento e pesado e muita
perseverança.
Se eles comiam doce? Não, bem longe disso. Precisei começar a
fazer terapia no ano seguinte, porque a imagem nunca saiu da minha
cabeça.
— Pronto. Vai lá buscar seu filho. — Chamei a atenção de Tay e fiz
um gesto pomposo para a porta aberta.
Os quatro homens me olharam, estarrecidos, em um misto de “Você
é uma deusa” com “Precisamos guardar nossas carteiras?”. Tay foi o
primeiro a ter uma reação e fez uma reverência para mim, antes de correr
para dentro da loja.
— Estou impressionado, Kiki. — Thomas piscou e passou logo em
seguida.
Isso foi ele flertando ou estou muito chapada?
Calvin e Eddie entraram logo depois e em seguida, veio Zayn. Ele
pegou minha mão e depositou um beijo nas costas.
— Sabe a parte em que você falou que queria que eu fosse seu
marido? — questionou sem desviar os olhos dos meus.
Afirmei.
— Seria um sonho. Você é a criatura mais bonita que já vi, a sua
bunda é perfeita e você invade lojas na calada da noite. Meu tipo de mulher.
— Por que você é um mafioso?
— Eu sou?
— Parece.
— Serei o que você quiser.
Começaríamos a nos agarrar novamente, mas o gritinho de Tay
acabou com o clima. Entramos na loja de animais exóticos. Quase tive uma
arritmia quando vi um aquário com cobras amarelas. Aranhas peludas.
Galos com papadas gigantes.
Tay estava com o lagarto embaixo do braço, mas apontava para uma
galinha debaixo da mesa.
— Eu preciso daquele pato! Meu sonho é ter um pato!
Era um pato? Aquele suco acabou mesmo comigo, nossa!
— Segura o Herbert, Zayn. — Tay passou o lagarto para Zayn, que
o pegou afastado do corpo, na pontinha dos dedos.
— Herbert?
— Combina com ele, não é? — Seu sorriso era tão genuíno ao falar
daquele lagarto, que eu comecei a acreditar que não era só papo de bêbado.
— Eu acho que combina demais. — Movi os polegares para cima,
apoiando aquele lunático.
— Sua namorada sabe das coisas, Zayn.
E lá foi ele, pegar o pato. Assisti, com incredulidade, o pato
simplesmente ficar parado, como se estivesse feliz por estar indo embora do
lado de um ladrão de patos e lagartos. Já no colo de Tay, ele passou o bico
pelo pescoço do seu novo e bizarro dono, como se fossem grandes
conhecidos.
— Ele gostou de você! — disse com incredulidade.
— Somos almas gêmeas. Anda, Kiki! Escolha o nome dele.
— Eu?
— Sim. Batize meu filho.
Pensei por muito tempo — dois segundos — e bati uma palma na
outra quando tive a ideia.
— Ludovik!
— Ludovik? — Tay franziu o cenho.
— Sim, ele tem uma pinta de mafioso russo. Tipo Zayn.
— Mas eu sou de Singapura — Zayn entrou no assunto só para
atrapalhar.
— Sim, um mafioso de Singapura. Acho conceito.
Depois do batismo, e de eu descobrir que era a madrinha de
Ludovik, vi Tay fazer um cheque no valor de UM MILHÃO DE
DÓLARES para se desculpar pelo arrombamento. Na cartinha, ele ainda
explicou que almas gêmeas se encontram nos momentos mais inusitados de
todos.
Aquilo me fez pensar.
Primeiramente nem era para eu ter vindo a Vegas, porque era para
eu estar na Europa. A vida fez com que eu fosse parar lá, ainda mais à boate
mais aleatória de todas, lugar que eu não frequentaria em um dia normal. Eu
encontrei Zayn na fila, ele me chamou para ficar ao seu lado e a partir dali,
tudo fluiu.
E se Zayn fosse minha alma gêmea tal qual Tay era do pato e do
lagarto?
Fomos para o Freemont Casino, o cassino mais famoso de Las
Vegas. Tay já começou jogando um cheque de dez mil dólares para o
gerente que tentou proibi-lo de entrar com dois animais. Fomos levados
para a área dos VIPs. Depois de ver um homem pagar uma quantia de
dinheiro absurdo para entrar com seus animais, não tinha outro lugar que
não esse para Tay Chong.
Fomos servidos com as melhores bebidas e comidas. Estava
mandando ver em um champanhe que a garrafa custava cinco mil dólares,
comendo caviar na torradinha e aproveitando tudo do bom e do melhor.
Eu não gostava de jogos de azar, mas enquanto os meninos estavam
no blackjack, eu peguei os vinte dólares que tinha na carteira para colocar
em uma das máquinas. O letreiro dela tinha a foto de um homem sem
camisa, na selva. Simpatizei com ele.
Coloquei o dinheiro, cliquei no botão de aposta mínima e então uma
coisa estranha aconteceu: eu ganhei vinte mil dólares.
A máquina começou a apitar sem parar, chamando atenção das
pessoas. Era um perigo anunciar que ganhei tanto dinheiro assim daquela
forma.
Zayn foi o primeiro a se aproximar e começar a pular comigo,
animado.
— Eu sou a filha da mãe mais sortuda de Vegas!
Eu não parava de pular e acreditar que, sim, eu era muito sortuda.
Não só pelos vinte mil dólares que acabei de ganhar.
Acredito que foi aí que enfiei o pé na jaca. Para comemorar, fiz
Zayn voltar a beber comigo. Viramos dois shots de tequila, misturamos com
champanhe, tomamos até um pouco de absinto. Eu perdi o controle, sentia
todo meu corpo entorpecido, mas absurdamente feliz e animado.
Acho que foi de Calvin a ideia de irmos para o cassino do Bellagio.
Zayn e eu não tínhamos nem mais condições de negar algo e eu saí feliz da
vida com minha mala, parecendo um político corrupto, com vinte mil
dólares! Nunca vi tanto dinheiro vivo assim!
Voltamos para a limosine e desembarcamos na frente do hotel. No
meio do caminho, Calvin começou a flertar com três garotas, eu tinha
certeza de que eram garotas de programa, mas eles ficaram tão animados
com elas, que não quis cortar o barato.
Segui de mãos dadas com Zayn e ao lado de Tay e seus filhos.
Antes de chegar à área do cassino, vi algo que me chamou atenção. Um
casal saía sob aplausos da pequena capela na lateral direita da calçada. A
noiva estava deslumbrante com um vestido cheio de franjas e um pequeno
véu no cabelo, o noivo se inclinava sobre ela, beijando-a com paixão.
Bati palmas junto dos outros convidados e senti os braços de Zayn
me envolverem.
— Vamos no casar?
Pensei ter escutado errado, mas ele virou meu corpo, usando as
mãos em meus quadris para me deixar de frente para ele.
— Agora?
— Neste momento.
— Sou contra casamentos.
— Eu também.
Quis completar que por ele, eu abriria qualquer exceção. O primeiro
princípio de um casamento bem-sucedido ele já cumpriu: dar uma boa
chupada. O que mais eu poderia querer de um marido?
— Não seria tão ruim assim, não é? — ponderei, pensando nas
possibilidades.
Sexo de primeira. Filhos lindos. Primeira-dama da máfia.
— Estou começando a acreditar que seria incrível.
Zayn abriu um sorriso tão lindo, que quase fez com que eu o
arrastasse para a capela. Mas ele me soltou, foi até Tay, sussurrou algo ao
ouvido dele. O amigo arregalou os olhos, falou algo para Zayn, que
continuou assentindo e, por fim, Tay tirou algo do bolso e entregou para
Zayn.
— Kiara... — Zayn retornou até mim, só que ele decidiu se ajoelhar
e fazer um gracejo para me mostrar uma aliança que tinha um diamante tão
grande, que faria qualquer mão ter tendinite por carregá-la. — Você daria a
honra de não deixar o que acontece em Vegas, em Vegas?
— Você está falando sério?
— Casa comigo, Kiara Manzini?
— É Mancini.
— Manziani?
— Man-Ci-Ni. — Precisei falar pausadamente.
— Manchini?
— Ok, quase lá. E, sim, eu caso! Vamos lá!
Zayn enfiou o anel no meu dedo e depois tentou me rodopiar em
comemoração, mas acabamos caídos no chão, rindo como bobos.
— Posso ser o padrinho? — Tay se jogou no chão conosco, pulando
em cima de Zayn. — Kiara, você tomou a melhor decisão da sua vida.
— Sei que sim — falei com os olhos em Zayn, que continha um
sorriso, mordendo a parte interna da bochecha.
Eu senti algo naquele momento, algo que aqueceu cada parte do
meu corpo, e nem era no sentido sexual da coisa. Não sabia como, mas
sentia que Tay tinha razão.
Por isso, quinze minutos depois, depois de uma discussão acalorada
com o ministro vestido de Elvis, que cobrou uma quantia exorbitante para
nos casar para valer, sem precisar de permissões e laudos posteriores, eu
entrava de braços dados com o Elvis que não parecia em nada com o Rei do
Rock. Ele dublava um playback de Love Me Tender. Eu gostaria de estar
emocionada, afinal, era o meu casamento, mas a grande verdade era que eu
soluçava sem parar. Aquele suco ainda vai me matar!
Zayn estava com um buá branco, com longas penas, no pescoço.
Tay chorava de uma forma dramática demais, ao seu lado, nossa testemunha
feminina era a stripper que estava ficando com Thomas.
Elvis ainda cantou Suspicious Minds enquanto Zayn e eu tínhamos
uma crise de risos, porque aquela definitivamente não era uma música para
casamento. Só para quem acha que casamento é uma armadilha. Bem,
talvez faça sentido para mim.
Arrumei meu véu emprestado da noiva que se casaria logo em
seguida. Esperava só que ela não me passasse piolhos ou algo do tipo,
porque seria trágico.
— Estamos aqui para celebrar o amor desse casal que escolheu Las
Vegas para ser a anfitriã de seu felizes para sempre. — O fake Elvis
começou a fazer seu discurso, ao qual Tay respondia com soluços; de choro,
diferente do meu. — Kiara Mancini, é de sua livre e espontânea vontade se
casar com Zack Yang?
— Seu nome não é Zayn? — perguntei para Zayn, estranhando.
Bêbada? Sim. Desconfiada? Sempre.
— É Zayn Yong — Zayn falou pausadamente para Elvis.
— Zack Yong?
— Zayn.
— Dá no mesmo. — Deu de ombros. — Aceita, Kiara?
— Aceito, seu Elvis.
— Zack Yong, é de sua livre e espontânea vontade se casar com
Kiara Mancini?
— Meu nome é Zayn e, sim, é.
A cerimônia parecia meio corrida e feita por alguém que tinha
tomado mais suco do que eu.
— Que entre as alianças!
Can’t Help Falling in Love começou a ser dublada por nosso Elvis,
enquanto as outras duas strippers entravam com Ludovik e Herbert, nossas
daminhas de honra. Zayn não tinha aliança, mas eu tinha aquela aliança de
aproximadamente quatro toneladas de diamante.
O anel estava em uma corrente que Tay usava no pescoço, ouvi que
Zayn tinha uma igual, mas perdeu em algum lugar. Ou seja, nossas alianças
eram itens pessoais de Tay. E estava tudo bem! Tirei o colar do pescoço de
Ludovik, que se comportava como um cachorrinho adestrado no colo da
stripper.
Enrolei o cordão umas vinte vezes para caber no dedo de Zayn e
esperei minha vez de desposar meu futuro marido.
— Fale algo do fundo do coração para sua futura esposa, Zack.
Zayn revirou os olhos, mas pegou minha mão.
— Tudo o que eu quero é uma vida toda com você além de Vegas,
Kiara Mancini.
Ele falou certo meu sobrenome!
Esfreguei os olhos, evitando chorar na frente dele.
— Em Vegas, em Singapura, no Brasil... — completei.
— No Brasil?
— Sou brasileira.
— Sério? — Seus olhos se arregalaram. Esqueci de contar esse
detalhe para ele.
— Pois é.
— Pois é.
Rimos e enfiamos nossas alianças um no dedo do outro, batendo
uma na outra ao final, rindo abobados com tudo.
— Eu vós declaro marido e mulher, pode beijar sua noiva, Zack.
Zayn puxou minha mão, inclinou minhas costas para o chão e me
deu o beijo mais especial que ganhei na minha vida.
Eu me casei com um estranho em Las Vegas e nunca estive tão feliz
na minha vida, nunca senti aquele comichão dentro peito, dizendo que eu
finalmente estava no lugar certo e na hora certa.
E sob os aplausos de todos os meus desconhecidos e maravilhosos
convidados, eu joguei meus braços nos ombros do meu marido.
Eu poderia não saber o que seria da minha vida dali em diante, mas
de uma coisa eu tinha certeza: Zayn Yong e eu poderíamos ser tudo.

FIM
Eu nunca demorei tanto tempo a escrever um “conto” (que, na
verdade, pelo tamanho e a divisão em capítulos é uma novela literária). Não
existiu bloqueio criativo ou uma história difícil, muito pelo contrário. O que
existiu foi uma angústia terrível por colocar aquele FIM ali de cima e saber
que Kiara, Zayn, Tay e Alessa teriam seus capítulos encerrados; que a voz
deles, que aparecem na minha cabeça em diversos momentos, cessaria.
Antes de tudo, eu sou apaixonada por todos eles, sou a fã número 1
dessas figurinhas que surgiram do nada na minha vida. Então, eu sabia que
o sofrimento seria certo.
Foi? Claro que foi, estou escrevendo isso depois de ter chorado
escondida, porque tem gente por perto, mas o coração leve e orgulhoso,
porque eles merecem tudo e muito mais!
Obrigada por me darem a chance de contar a história de cada um
deles. Eu sempre serei grata por esse presente incrível, não só por ter
conhecido muitas das vocês que estão lendo isso, mas por ter me
encontrado nesse meio de caminho, não só como pessoa, mas como
escritora.
Meu chapa e minha chapa mudaram a minha vida.
Meu pobre e minha satã me fizeram ter orgulho de estar no caminho
que escolhi trilhar.
Espero que tenha sido uma viagem de amor, risos e aprendizados
também para quem está lendo isso aqui.
Um Natal e um Ano-Novo repletos de felicidade, amor e saúde para
você e sua família!
Obrigada! Obrigada! Obrigada!
Amo vocês, minhas chapas!

Com muito amor,


Nathalia Oliveira
Saga Velocidade: Você – Livro 1
Saga Velocidade: Nós – Livro 2
Saga Velocidade: Eles – Livro 3
- Os Bergmans: Um conto de Natal da Saga Velocidade
LUNY: Contos de Amor na Universidade
Quando nos Perdemos
Depois de Vegas
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