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DE 7º GRAU
O Caso Villas Boas
Caio Lima
NOTA
Esta não é uma história de ficção; embora tenhamos optado por escrevê-la em
formato de romance. Procuramos ser o mais fiel possível aos fatos narrados
há muitos anos pelo próprio envolvido no caso, Antônio Villas Boas, o qual,
à época, 1957, um jovem de 23 anos de idade, morador e agricultor na região
rural da pequena cidade de São Francisco de Sales, em Minas Gerais.
Mais surpreendente ainda foi o temor que pareceu tomar conta dos poucos
parentes, amigos e até mesmo de algumas autoridades municipais da cidade
de São Francisco de Sales com os quais tentamos falar a respeito do caso. Um
desses parentes (que não quis ser identificado), mesmo colocando em prática
a velha tradição mineira da boa hospitalidade e atenção dada também aos
desconhecidos, foi bastante afável até que lhe fosse revelada nossa intenção
de escrever mais sobre o que ficou conhecido como o Caso Villas Boas.
Claro que insistimos para saber de quem e/ou de onde partiram tais
‘proibições’ e ‘ameaças’. Porém, mais uma vez foi totalmente inútil nossa
insistência: além de não nos dizer absolutamente nada sobre o caso, aquele
parente do nosso personagem Antônio Villas Boas ainda nos “aconselhou
para que esquecêssemos” o caso; o que, naturalmente, não o fizemos. E aqui
a história contada em forma de romance, à qual procuramos ser o mais
fidedigno possível com os fatos.
I
Por isso vos digo, ó nobre bodhisattva, que existem muito mais coisas em
todo
Sidharta Gautama.
Já em seu quarto que dividia com seu irmão João, e como estava muito calor,
Antônio resolveu abrir a janela que dava para os fundos do quintal, quando
de repente percebeu uma luz esbranquiçada, de origem indefinida, na direção
norte e que iluminava tudo ao redor, uma iluminação bem mais forte que a
iluminação da pouca luz da lua em seu quarto crescente.
― João!... João! ... Acorda, João! ... Acorda! ― Disse quase sussurrando,
enquanto chacoalhava pelos ombros o irmão que dormia profundamente.
― Olha ali... Olha... ― Balbuciou Antônio apontando com uma das mãos
para a janela veneziana que deixava passar pelas frestas a forte luz
esbranquiçada, enquanto que, com a outra mão, apertava fortemente o ombro
do irmão.
O rádio, que ficara ligado, começou a estalar mais fortemente por causa da
estática. E quando João fez menção de desliga-lo para evitar aquele ruído
insuportável, este desligou de repente, como se tivesse recebido um forte
curto-circuito e queimado. E foi aí que ouviram uma espécie de zumbido
vindo do lado de fora da casa, parecido com o ruído de catraca de roda de
bicicleta, quando se gira o pedal para trás.
Quase sem saber o que fazer, João apanhou e vestiu a calça de brim cinza que
estava dependurada num cabide de parede, enquanto Antônio fazia o mesmo.
Estendeu os braços e apanhou a carabina de dois canos num suporte logo
acima do cabide, verificou rapidamente os cartuchos e apanhou mais uns
quatro que estavam numa pequena caixa dentro na gaveta de um velho
camiseiro, enquanto João apanhava o lampião a querosene e girava o
pequeno eixo para aumentar a chama e luminosidade do pavio. E foi nesse
exato momento que a luz pareceu se movimentar em direção à frente da casa.
E nem perceberam que a estática do rádio que voltara a funcionar de novo,
diminuía de intensidade enquanto a luz parecia se afastar em outra direção.
Pé ante pé, seguiram pelo longo corredor que dava acesso aos outros quartos
da casa e terminava na ampla sala de estar. Estranharam o fato de os dois
cachorros, um perdigueiro e um fila brasileiro tigrado, ambos bravíssimos, e
que vivam soltos no quintal de terra batida não terem dado um único latido.
Na verdade, apenas ganiam baixinho, com medo, trêmulos e encolhidos junto
à porta da sala, do lado de fora da casa, na varanda.
Antônio acordou um pouco antes das onze horas, e por causa do calor
insuportável que fazia, tomou um rápido banho frio e depois foi até a cozinha
onde uma de suas irmãs, que não havia acompanhado a família à missa na
Igreja de São Francisco de Sales no pequeno povoado com o mesmo nome,
terminava de preparar o almoço.
Dizendo à irmã que não queria almoçar, comeu apenas uma fatia de queijo
fresco e um pedaço do bolo de fubá que havia sobrado do dia anterior,
acompanhados com uma caneca de café quente. Sentia-se ligeiramente
indisposto. Pouco depois chegava a família e as perguntas sobre a tal “luz
misteriosa” foram se sucedendo, umas após outras. João havia contado a
todos, com detalhes, o sucedido na noite anterior.
Depois de ouvir o relato dos filhos, Jerônimo apanhou uma carabina calibre 20 num suporte na parede
logo acima da penteadeira e um antigo, mas ainda eficiente revólver Smith&Wesson, calibre 38, que
estava numa gaveta da penteadeira. Colocou as duas armas sobre a cama e em seguida apanhou numa
outra gaveta duas caixas de munições, uma para cada arma respectivamente.
Mandou que os filhos levassem as armas e as caixas de munição para o quarto deles. Depois, explicou
que, se de novo acontecesse durante a noite ou a madrugada qualquer coisa de estranho como “a tal luz
esbranquiçada” que aparecera sobre a casa na noite passada, toda a família deveria ser imediatamente
acordada. Os filhos anuíram com um sinal de cabeça e discretamente levaram as armas para o quarto,
onde iriam fazer “companhia” a outra carabina de cano duplo calibre 12, que pertencia a João.
Como era domingo, o pai, os filhos e alguns cunhados tiraram o restante do dia pra irem pescar num
ribeirão não muito longe da propriedade. A rotina de trabalho só voltaria ao normal dia seguinte,
segunda-feira, quando trabalhavam em dois turnos de até doze horas, com os empregados da fazenda
fazendo o turno diurno e os irmãos o turno da noite, por causa do forte calor.
Não podiam perder tempo, uma vez que a terra deveria estar totalmente arroteada e feita a calagem para
controlar o pH do solo, até no máximo trinta dias antes da semeadura dos brotos de cana de açúcar e
das chuvas de verão, ás quais começariam em dezembro. Depois de muito comentarem sobre a tal “luz
esbranquiçada”, e como não houve mais nenhum incidente no decorrer daquela semana, o assunto
começou a cair no esquecimento, embora Antônio sempre fizesse questão de levar junto algum de seus
irmãos. Não queria ser surpreendido no campo, sozinho, caso a tal luz resolvesse aparecer de novo.
Pouco mais de uma semana se passou. E naquela tarde quase noite de segunda-feira, 14 de outubro,
logo depois do jantar, Antônio e seu irmão mais novo José examinaram o combustível, a água do
radiador e o óleo do motor do potente trator International Harvester à gasolina, com o qual iriam fazer
o turno da noite. Estava uma bela noite, relativamente fresca, a lua cheia naquela noite já havia entrado
para seu quarto minguante, o que parecia deixar a noite com maior profusão de brilhantes estrelas.
Depois de cerca de quatro horas de trabalho, resolveram dar uma parada rápida. Antônio desligou o
motor do trator, apanhou o chamado cantil de caboclo, um vasilhame para água feito de cabaça, uma
canequinha esmaltada e uma garrafinha de vidro com café. Em seguida acenderam com a binga de
metal um cigarro de palha e mal começaram a dar umas baforadas quando viram na ponta norte do
campo, justamente sobre a parte que haviam acabado de arar, uma luz forte, só que desta vez de
vermelho-claro muito forte, que iluminava boa parte do campo recém-arado.
Ficaram imóveis por alguns instantes, olhos fixados na luz, até que Antônio, irritado, atirou longe o
cigarro que mal começara a fumar e sem tirar os olhos da luz, disse entre dentes:
― Já tô com o saco cheio dessa disgrama de luz dos inferno!...
Dito isto, disparou a passos rápidos em direção à luz, para desespero de José que gritava apavorado
para que o irmão voltasse para o trator. Sem dar importância aos gritos do irmão, Antônio apressou
ainda mais o passo, e até tentou correr em direção à luz, esquecendo-se momentaneamente que correr
sobre um campo recém-arroteado é tarefa quase impossível; uma pisada errada entre um sulco e um
torrão de terra poderia causar uma grave torção do pé ou do joelho, ou até mesmo uma fratura. Quando
Antônio se aproximou uns cinquenta metros da luz, esta se deslocou numa velocidade espantosa para a
ponta sul do campo e ali permaneceu parada, a uns cem metros de onde se encontrava.
Antônio deu meia volta e continuou a perseguição, agora em direção ao sul. E mais uma vez, ao se
aproximar, a luz voltou rapidamente para o ponto ao norte onde aparecera antes. E como Antônio não
desistia, aquelas idas e vindas continuaram por vezes seguidas, até que Antônio, estafado, com a boca
seca de raiva e quase sem fôlego parou a meio do caminho, levantou desafiadoramente os braços com
os punhos fechados, respirou profundamente e berrou alto e bom som em direção à claridade da
misteriosa luminosidade:
― O que é que você quer, sua desgraçada?... Você é do bem ou do mal?... É de Deus ou do *trem
ruim? (*Demônio). Sem, obviamente obter nenhuma resposta, Antônio fez o máximo esforço para
juntar alguma saliva na boca ressecada, deu uma cusparada no chão em direção à luz e voltou para
junto do irmão, no trator. Apanhou a cabaça d’água no embornal de pano e sem usar a canequinha,
bebeu de um só gole quase a metade da água. Tomou uma golada do café frio e acendeu outro cigarro
de palha, previamente preparado, enquanto José também acendia um.
Fumando em silêncio enquanto observavam a luz que permanecia parada na ponta norte do campo, os
irmãos queriam e precisavam fazer perguntas um ao outro sobre o que poderia ser aquela estranha
aparição, mas não conseguiam articular nenhuma palavra. E foi naquele exato momento que a luz
começou a emitir raios multicoloridos em todas as direções, que lembrou o sol poente. Depois de fazer
um quase imperceptível movimento para os lados, simplesmente desapareceu em altíssima velocidade
em direção ao horizonte.
José ligou o trator e os faróis, e sob o pouco brilho da lua nova passando para minguante, continuaram
o trabalho até quase o amanhecer do dia e depois retornaram à casa onde o cheiro de café fresquinho e
broa de milho assada que dona Enésia acabara de preparar se espalhava por rodo o terreiro. Tomaram
café em silêncio, e depois de rápido banho frio, foram para os seus respectivos quartos. João acabara de
se levantar e depois do café, iria substituir os irmãos. Perguntou a Antônio se estava tudo bem, que
apenas anuiu positivamente com a cabeça, sem contar o ocorrido no campo. Não iria adiantar nada; e
ainda causaria uma desnecessária preocupação ao irmão.
Já passava do meio dia quando Antônio acordou. Depois de almoçar, procurou não pensar mais na
emblemática luz. Apanhou as apostilas do Curso de *Madureza por Correspondência que fazia e tentou
concentrar-se ao máximo nos estudos, porém, sua mente parecia fixar-se tão somente e apenas na
estranha aparição da noite anterior.
(*Madureza = Antigo curso, presencial ou por correspondência que abarcava ao mesmo tempo o
ginasial e o colegial. Equivalente hoje ao supletivo, para galgar à Faculdade.)
Como não conseguia mesmo se concentrar nos estudos, guardou as apostilas e os cadernos, apanhou
alguns pregos e um martelo e foi fazer pequenos reparos em algumas tábuas do curral. Não contou a
ninguém da família sobre o acontecido, e pediu a José que fizesse o mesmo: não valeria a pena deixá-
los preocupados com algo que nem ele mesmo sabia o que era.
À noite, Antônio e José partiram no trator para mais uma jornada de trabalho no campo. A lua, em sua
última fase de minguante, no dia seguinte, 16,entraria para a fase de lua nova. Durante toda a noite e
madrugada quase não tiraram os olhos dos céus, cujas estrelas, parecendo um pouco pálidas por causa
da lua quase nova, muitas vezes chegavam a parecer nova presença da misteriosa luz. Porém, nada
aconteceu: a tal luz misteriosa parecia ter desaparecido de uma vez por todas.
Mais tranquilos, retornaram à fazenda pouco antes de o nascer do sol. O empregado que faria o turno
do dia já os aguardava. Depois de lavaram as mãos e o rosto na bica d’água ao lado da cozinha,
tomaram o café da manhã em silêncio. Silêncio só quebrado por José quando avisou que mais tarde iria
a cavalo até a cidade de São Francisco de Sales visitar o dentista pra dar um jeito num dente do siso que
estava inflamando dia a dia e aumentando cada vez mais a dor.
Perguntou ao irmão se precisava de alguma coisa da cidade, e Antônio lhe pediu que comprasse alguns
lápis pretos, envelopes, selos e um vidrinho de tinta para a sua caneta-tinteiro; precisava enviar à Escola
por correspondência seus exercícios e respostas às lições do seu curso.
Antônio, agora um pouco mais tranquilo com os acontecimentos causados pela luz misteriosa dos
últimos dias, e agora que esta parecia ter desaparecido para sempre, dormiu um sono profundo e
reparador, só acordando, bastante descansado, por volta das duas horas da tarde. Tomou um rápido
banho frio, almoçou e aproveitou para colocar as lições e os estudos em dia. Tinha um grande objetivo
de vida: tornar-se, um dia, um doutor da Lei, um grande advogado. E para que isto acontecesse, teria
que se preparar muito bem e tirar boas notas no Curso.
José retornou da cidade no finzinho da tarde. Desarreou o cavalo e deu-lhe água num cocho e farelo de
milho num outro. Com o lado esquerdo do rosto bastante inchado por causa do siso que o dentista
resolvera extrais, José entrou na cozinha, retirou o embornal que trazia a tiracolo e entregou as
encomendas do irmão. Em seguida apanhou os remédios que o dentista lhe passara, como analgésicos e
antibióticos injetáveis à base penicilina. Estes últimos seriam aplicados por uma de suas irmãs, que
possuía alguma noção de enfermagem.
Já estava escurecendo, e com muita dificuldade Antônio conseguiu convencer o irmão para que ficasse
em casa e não o acompanhasse naquela noite nos trabalhos do campo. José precisava repousar por
causa da extração do dente e a subsequente inflamação. Este acabou concordando muito a contragosto,
uma vez que, mesmo não comentando sua inquietação com as ocorrências dos últimos dias (para não
causar mais apreensão), José se preocupava, e muito, com a segurança e o bem estar de seu irmão mais
velho.
II
A lua cheia estava iniciando este seu novo ciclo justamente nessa noite, dia
16. Antônio preferiria que fosse noite de lua mansa (lua cheia), uma vez que
seu brilho suntuoso deixavam as noites e madrugadas quase tão iluminadas
quanto à claridade da luz do dia, o que não era o caso da lua nova.
Antônio apanhou o embornal de pano com a cabaça d’água, o vidro com café
e os cigarros de palha que havia enrolado pouco antes. Colocou no bolso a
binga e o canivete preso à uma corrente de metal. Pensou por um momento
em levar consigo pelo menos uma das armas, o revólver ou carabina que seu
pai havia deixado no quarto dele e do irmão João. Porém, desistiu da idéia.
Nunca gostara de armas; haja vista que, ao contrario do pai, dos irmãos e
cunhados que possuíam às vezes mais de uma, Antônio nunca possuiu
nenhuma.
Enquanto fumava, deu uma boa espiada nos céus em todas as direções, mas a
única coisa que via eram as estrelas e o céu iluminado pela lua nova e uma ou
outra ‘estrela cadente’ que deixavam belos riscos no firmamento. Subiu
novamente no trator, deu a partida, ligou os faróis e continuou o trabalho,
quando, de repente, no lado norte, a luz vermelha reapareceu. Por acaso
Antônio conduzia o trator naquela mesma direção e sentiu que todo o seu
corpo se arrepiava, quando percebeu que a luz vinha em sua direção.
Como que hipnotizado tanto pelo medo quanto pela surpresa, Antônio mal
conseguia respirar. Seu cérebro parecia querer estalar, uma vez que não
conseguia racionar ou tomar qualquer atitude que fosse. Sentia-se
completamente dominado, abismado, atônito e com medo; muito medo.
Tentou ainda dar a partida, mas o motor não pegou mais. Antônio pulou do
trator e começou a correr, mesmo sabendo da grande dificuldade ou, até se
poderia dizer, da impossibilidade de se correr sobre um campo recém-
arroteado. Porém, também não conseguiu ir muito longe: um ser que mal
chegava à altura dos seus ombros agarrou-o pelo braço.
Os estranhos fixaram-no com seus olhos claros, que lhe pareciam de cor
azul. Acima dos olhos, o capacete tinha duas vezes a altura de uma testa
normal. Provavelmente, sobre a cabeça, debaixo do capacete, deveriam usar
mais alguma coisa, invisível de fora. A partir do meio da cabeça, descendo
pelas costas e entrando no macacão, à altura das costelas, Antônio notou três
tubos redondos, de prata, dos quais não saberia dizer se eram de borracha ou
metal. O tubo central descia pela coluna vertebral à esquerda e à direita
desciam os dois outros tubos, até uns 10 cm abaixo das axilas.
Quanto aos seus macacões, parecia que eram uma espécie de uniforme, pois
todos os tripulantes usavam um escudo do tamanho de um pires. De lá, uma
tira de pano, prateada ou de metal, ligava-se à cinta estreita, sem fivela.
Nenhum dos macacões tinha bolsos ou botões. As calças eram compridas e
colantes e continuavam numa espécie de botas, sem, no entanto, mostrar onde
terminavam as calças e começavam as botas.
Um líquido espesso, transparente, parecido com óleo – mas que não deixava
a pele engordurada – foi passado com uma esponja macia em todo o seu
corpo. De outra sala cuja porta era parecida com a primeira, surgiram dois
seres segurando nas mãos uma espécie de tubo de ensaio dos quais saiam
uma espécie de tubo flexível e transparente.
Um líquido espesso, oleoso, mas que não deixava a pele engordurada foi
passado em seu corpo com uma espécie de esponja macia. Em seguida, um
deles colocou a extremidade de um dos tubos no que parecia um tubo de
ensaio, e a outra ponta, que possuía uma peça de embocadura parecida com
uma ventosa, foi no queixo de Villas-Boas. O agricultor não sentiu dor,
apenas a sensação de que a pele estava sendo sugada.
Viu seu próprio sangue escorrer pelo tubo flexível e se depositar no tubo de
ensaio, que ficou cheio até a metade. O tubo flexível foi então retirado. O
outro tubo, que ainda não havia sido usado, foi colocado do outro lado do
queixo, de onde se coletou mais sangue, até completar o vasilhame. A pele de
Antônio ficou ardendo e coçando no lugar das sangrias.
Deixado sozinho na sala, percebeu que em uma pequena parte de uma das
paredes pequenos furos, quase imperceptíveis começaram a exalar uma
espécie de fumaça de cheiro desagradável e sufocante, o que acabou lhe
provocando náuseas. Sentindo que ia vomitar e não encontrando
absolutamente nenhuma pia, vaso ou sanitário onde pudesse fazê-lo, Antônio
levantou-se da cama e em seguida abaixou-se ao lado do que seria a parte dos
pés da cama e vomitou ali mesmo.
Antônio esperou por um longo tempo até que, para seu espanto, uma das
portas se abriu e surgiu uma mulher inteiramente nua. Seus cabelos eram
macios e louros, quase cor de platina ― como que esbranquiçados — e lhe
caíam na nuca, com as pontas viradas para dentro. Usava o cabelo repartido
ao meio e tinha grandes olhos azuis, amendoados. Surpreso e um tanto
admirado, Antônio percebeu que a alienígena era de estatura baixa; porém,
belíssima. O que mais lhe chamou a atenção foi o fato de que os pelos das
axilas e do púbis eram vermelhos como sangue.
Tinha os seios pequenos, mas bonitos e firmes. A cintura era fina, as nádegas
arredondadas e volumosas, as coxas grossas e sensuais.
IV
De novo sozinho, sentado sobre a cama dentro de uma espaçonave
extraterrestre para à qual fora levado à força, Antônio se sentia ao mesmo
tempo aturdido e sem saber nem mesmo o que pensar de tudo aquilo: as
coisas ocorreram rápidas demais. Menos de um minuto depois que a moça
saíra, entretanto, a porta tornou a se abrir e um alienígena ainda uniformizado
entra na sala. Trazia suas roupas e o par de botinas mateiras. Com um gesto,
fez sinal para que Antônio se vestisse; o que este fez rapidamente e de muito
bom grado.
Em seguida, entraram na sala os cinco alienígenas que o apanharam várias
horas antes. Com um sinal para que Antônio os acompanhasse, saíram da sala
em direção à porta que dava talvez para a saída da nave, a mesma porta com a
escada metálica bamboleante por onde Antônio havia sido forçado a entrar
momentos antes.
Quando Antônio passou ao lado de uma pequena plataforma que saía da
parede -- uma espécie de mesinha embutida -- percebeu que havia ali um
pequeno objeto de metal escuro, um pouco maior e com o formato parecido
com um maço de cigarros. Procurando não ser visto, apanhou o objeto:
precisava levar alguma coisa da nave que pudesse provar para quem quer que
fosse que estivera lá. Porém, foi descoberto por dos alienígenas, que
imediatamente arrancou o objeto de suas mãos e o recolocou no mesmo lugar
onde estava.
Desceram a escada metálica e Antônio sentiu a velha e boa terra sob seus
pés. Todos permaneceram parados, em completo silêncio, até que os
alienígenas estenderam a mão e apertaram a mão dele, uma espécie de
despedida silenciosa. Em seguida subiram rapidamente as escadas, e menos
de um minuto depois a nave começou a emitir o já conhecido ruído de catraca
de bicicleta quando se gira o pedal para trás.
O brilho das luzes avermelhadas se tornou mais forte, e Antônio
instintivamente se afastou de debaixo da nave, à qual, ato contínuo recolheu
as grandes hastes telescópicas de metal, pairou no ar por uma fração de
segundo e disparou numa velocidade inimaginável em direção ao norte.
Antônio continuou ali parado e olhando para os céus por mais alguns
momentos, sentimentos confusos, um misto de alegria e de gratidão aos
estranhos seres que não lhe causaram nenhum mal. Muito ao contrário,
pensou ele. O que Antônio não poderia saber é que naquele momento estava
passando por um fenômeno psicológico que somente uns vinte e tantos anos
depois a Ciência o chamaria de “Síndrome de Estocolmo”, quando um
sequestrado cria uma forte empatia com seus sequestradores.
Caminhou até aonde estava o trator e apanhou um cigarro de palha.
Quando foi procurar o ‘isqueiro bala’ de metal amarelo, não conseguiu
encontra-lo. Provavelmente tenha caído de seu bolso quando do entrevero
com os alienígenas. Lembrou-se do outro velho isqueiro de pedra que sempre
estava no fundo do embornal: uma ponta de chifre de boi com algodão, uma
pedra de cristal de quartzo e um pedaço de lima. Depois de várias tentativas,
finalmente conseguiu acender o cigarro de palha.
Fumando de pé ao lado do trator, Antônio olhou para cima, e somente a
lua nova já bem alta a caminho do leste e nenhuma estrela, à exceção da
Estrela D’alva (Na verdade, o planeta Vênus) com seu brilho intenso
indicava que não demoraria muito para a alvorada. Calculou que havia ficado
dentro da nave entre quatro e cinco horas, uma vez que, quando foi arrastado
pra lá, devia ser mais ou menos uma hora da manhã, e como lavradores não
usam relógios durante os trabalhos no campo, não poderia calcular com
certeza.
Calmamente Antônio galgou os dois estribos do trator, e sem saber se o
motor pegaria ou não, girou a chave do contato. O motor pegou na hora, ao
mesmo tempo que os faróis iluminaram o espaço à frente. Puxou um pouco
mais a alavanca do hidráulico, girou o volante em direção ao oeste, onde
ficava a casa, mas não engatou a marcha.
A pretexto de aquecer o motor, esperou alguns momentos para observar o
céu em direção ao norte e pensou na mulher extraterreste com a qual havia
feito amor e que levava em seu ventre uma sementinha, seu filho, fruto
daqueles momentos que o marcariam enquanto vivesse. Finalmente engatou a
marcha, começou a acelerar devagar e sem pressa sob a luz do luar da lua
nova, cujos raios fizeram brilhar uma lágrima que teimava escorrer em seu
rosto curtido pelo sol.
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Introdução