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B

I
MERCURYO

m&A COV

OS HUMANÓIDES 2
A QUINTA COLUNA DO

ESPAÇO
J.J. BENÍTEZ

tradução de
Hermínio Tricca

MERCURYO
Aos pesquisadores "de campo"
e a suas esposas e companheiras.
E o que Deus nos der,
São Pedro bendiga...
"Eu não digo que isto é possível.
Digo que é."

WILLIAM CROOKES
físico
SETE ANOS DE SILÊNCIO

"Em 20 de fevereiro de 1983, à noite, quando me preparava


para reiniciar a narrativa dos dois últimos e apaixonantes 'encon-
tros com humanóides' deste primeiro livro, acontecidos na ilha
Cristina (Huelva) e em Villares dei Saz (Cuenca), a chamada tele-
fônica do meu bom amigo Julio Corchero, de Valencia de Alcân-
tara (Cáceres), obrigou-me a suspender a tarefa. Segundo teste-
munhos colhidos no povoado de Vegas de Coria — ao norte da
Estremadura —, um ser gigantesco, com uma roupa escura, vi-
nha sendo observado nos últimos dias e espalhava o pânico entre
a população. Em um dos comunicados sobre o caso, o diário Hoy,
de Badajoz, afirmava que uma das testemunhas havia morrido,
em conseqüência, ao que parecia, da repentina aproximação desse
pavoroso gigante.
"Aquilo, francamente, me pareceu coisa muito séria. E em
questão de horas pus-me a caminho, rumo a Las Hurdes.
"Chegaria a tempo dessa vez? Que me reservaria o destino
em Vegas de Coria?"
Assim termina A P o n t a d o Iceberg, primeiro volume da série
"Os humanóides", dedicada a encontros com "tripulantes de ov-
nis". Entre tal trabalho — publicado em junho do mesmo ano de
1983 — e o que agora me ocupa, decorreram sete anos. üm perío-
do suficientemente dilatado para suscitar dúvidas e suspeitas en-
tre os que um dia houveram por bem depositar sua confiança nes-
te pesquisador. Que aconteceu? Por que sete anos de silêncio na
publicação de obras sobre a temática extraterrestre? Entendo que
antes de entrar em cheio nas aventuras que compõem esta segun-
da parte devo ao leitor uma explicação. Com isso, além de aplacar
a agitação e os rumores, tentarei destruir as insinuações mal-

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dosas geradas pelo meu afastamento do tema. Murmurações —
seja dito de passagem — espalhadas, como de hábito, pelos cor-
rosivos e mal-intencionados de sempre. Ou seja, pelos "vampi-
ros"1 da ufoiogia espanhola. Uma fauna que, de passagem, con-
vém desmascarar. Documentos confidenciais, humor e ousadia
não me faltam. Alas vamos por partes.
Dizia eu que este meu temporário distanciamento do assun-
to suscitou as mais sutis murmurações acerca da minha suposta
deserção do fenômeno que "descobrira" em 1972 e acerca do qual
publiquei catorze volumes e centenas de reportagens. Dentre es-
se punhado de especulações vou-me ocupar muito brevemente
de três das mais venenosas.
Esses parasitas dos malchamados "objetos voadores não iden-
tificados" têm propalado, em público ou em particular, "que meu
alheamento era de esperar e que mais cedo ou mais tarde meu
interesse pelos ovnis desapareceria".
Está claro que não é assim. Os poucos que conhecem este
sonhador, romântico e empedernido viajante sabem que nestes
últimos oitenta e quatro meses minhas viagens, aventuras e in-
vestigações por meio mundo foram frenéticas. O interesse por um
tema não tem por que estar em relação direta com a sua divulga-
ção. E é óbvio que esta colocação é extensiva a todo ser humano.
Os escassos amigos com que me brindou a Providência conhe-
cem minha paixão pelo mar, a música, o cinema e a poesia. Pois
bem, o fato de não haver publicado livro algum sobre um tema
particular significará que meu interesse por ele está condenado
à extinção?
Esses maledicentes ignoram um detalhe vital. Desta ou da-
quela cor, mais ambicioso ou mais modesto, o Destino se encar-
rega sempre de cravar em cada coração o estandarte de um ideal.
Mão conheço um só homem que, na medida das suas possibilida-
des, não sonhe e lute por algo. No meu caso, o estudo, a pesquisa
e a divulgação da realidade dos ovnis há muito tempo constituem
para mim uma bandeira. Já ocorreu com outros investigadores:

1. Em benefício do leitor desavisado convém ir esclarecendo conceitos e expres-


sões. Como em outros setores da vida, também na ufoiogia ocorre o "vampirismo".
Trata-se dos já familiares "ufólogos de salão", indivíduos que "investigam" por cor-
respondência e que, com o passar do tempo, invocando o nome da ciência, acabam es-
cravizando a mais de um investigador "de campo". Incapazes de lançar-se às sempre
custosas pesquisas in situ, apropriam-se dos informes alheios, capitalizando-os, em seu
próprio benefício, em publicações, conferências, etc. E cúmulo do cinismo e da vaidade
ainda se atrevem a "abençoar" ou "condenar" as investigações que "vampirizaram"
e, o que é mais triste, as próprias testemunhas das aparições. Tudo isso, claro, sem tirar
o traseiro da cômoda poltrona de sua casa. Mas haverá tempo para voltar a este desa-
gradável assunto quando analisarmos "a arte de investigar" em uns e outros. (N.A.)

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nestes dezoito anos meu interesse pelo fenômeno extraterrestre
experimentou uma — suponho — lógica metamorfose. Daqueles
momentos febris do início, em que boa parte do meu trabalho viu-
se sacrificada ao louvável desejo de convencer os incrédulos, pas-
sei a uma fase de estudo mais sereno e intimista.
Já não penso em convencer. Muito menos em polemizar.
Aquele que na verdade desejar informação tem ao seu dispor ex-
tensa bibliografia. Como eu já disse, lenta e sutilmente o comple-
xo e ramificado "universo ovni" deitou raízes em minha vida e cres-
ceu em forma de desafio, üm desafio sabiamente camuflado de
horizonte interior e a o qual, por certo, nunca permitirei que se
chegue. Aqueles que penetraram na investigação dos "não iden-
tificados" sabem que digo a verdade. Tal qual acontece com o ho-
rizonte geográfico, quando o viajante crê tê-lo alcançado, outra
paisagem, outra distância e outras incógnitas se erguem mais
adiante, excitando sua curiosidade. Assim é, em minha opinião,
o fenômeno que me tem fascinado. Por trás de um caso, de uma
aterrissagem, de um encontro com tripulantes, de um "contata-
do", surgem sempre outros enigmas, outras perguntas, outros ho-
rizontes... Como, então, conceber sequer a idéia de parar? Os ov-
nis, ao menos para os autênticos pesquisadores, constituem um
caminho sem retorno.
M as continuemos com o repertório de maledicências. Chegou-
me aos ouvidos mais uma mentira: "Era lógico. O cansaço não
perdoa. Além disso, já não há ocorrência de ovnis."
Duplo erro. Certamente, dezoito anos de permanente e tenaz
busca — com um saldo, a esta altura, de mais de três milhões de
quilômetros às minhas costas — deveriam ter-me quebrantado âni-
mo e saúde. Todavia, Deus parece ter outros planos para este mor-
tal. E minhas forças, como sucede com as que são sustentadas
por um ideal, acham-se intactas. Se a Providência não mudar de
opinião, haverá J. J. Benitez por muito tempo... E aproveito o lan-
ce para desvendar aos obtusos uma coisa que, em parte, já esbo-
cei e que é fundamental para quem quiser conhecer o segredo de
tão indestrutível entusiasmo. Desde a época heróica dos já faleci-
dos e nunca bem apreciados pesquisadores Rey Brea, Manuel Osu-
na, Arejula e o juiz Federico Acosta, tenho assistido a um contí-
nuo desfile de homens e grupos que — como os furígos na prima-
vera — aparecem e se extinguem no mundinho ufológico. Quase
sempre a "sepultura" de todos é o seu próprio cansaço, üm esgo-
tamento que os vai minando inexoravelmente e que, associado
a rixas pueris e à burocracia que é a indefectível marca dos "ufó-
logos de salão", arrasta-os ao abandono. A não ser que no íntimo
de cada um desses jovens investigadores palpite "algo mais" que
simples curiosidade, afã de notoriedade, mimetismo ou impulso

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de destruir o que os outros conseguiram descobrir. Afinal, há de
tudo no meio dessa corja da ufologia.
Nada disso, por si só, possui solidez e energia suficientes pa-
ra manter um ser humano em alerta permanente — sublinho o
permanente — na dura e difícil investigação dos fenômenos ov-
nis. O segredo, em minha modesta opinião, reside em uma frené-
tica paixão pelo tema. Uma paixão que não conhece tibieza e in-
diferença e que, sobretudo, é capaz de colocar ao serviço da pes-
quisa todos os muitos ou parcos recursos intelectuais e materiais
disponíveis: tanto em tempo como em dinheiro, como em imagi-
nação, como em estudo, como em sacrifício ou tenacidade. E to-
do esse cabedal afetivo e material, em troca de muito pouco. Es-
te, como o de tantos veteranos investigadores "de campo", é o
meu caso. E só isso explica que em meus quarenta e três anos
tenha dado setenta e cinco vezes a volta ao mundo...
Quanto à "escassez de ovnis", nada mais falso e demonstra-
tivo da incompetência dos tais "ufólogos por correspondência".
üm destes "vampiros", roçando o ridículo, fazia, em dezembro de
1987, declarações que, obviamente, se voltaram contra si próprio.
Interrogado sobre os ovnis, esse camelô da ufologia radiofônica,
na atualidade metido a curandeiro, pontificava: "Desde que Spiel-
berg fez E. T., acabou-se. O extraterrestre passou a ocupar seu au-
têntico lugar na história: é a mitologia do nosso tempo. "Eis aqui
um dos graves riscos em que incorrem os "investigadores de sa-
lão". Debaixo de que pedra se terá escondido este desmemoria-
do animador de "alertas-ovni" nas noites de estio espanholas, ao
saber da revoada de 1988 no Brasil, ou dos dois casos da União
Soviética, França e Cádiz em 1989, ou dos recentes avistamen-
tos na Bélgica e em Roma em 1990?
E claro que os autênticos investigadores — os que continuam
arriscando-se pelos caminhos do mundo — sabem que essas as-
tronaves estão aí, que sobrevoam cidades e aldeias e aterrissam
a todo momento. Desde quando a Guarda Civil, a Marinha e a Ae-
ronáutica se dão ao incômodo de investigar e perseguir "mitolo-
gias"? Mas, como eu já disse, para descobrir a verdade e resgatar
o erro é necessário despegar o traseiro — perdoem — das cômo-
das poltronas...
Por último, uma terceira e não menos sofisticada especulação
circulou insistentemente pelos grupos e cenáculos ufológicos, em
um esforço para explicar racionalmente meus "sete anos de silên-
cio": "O ovni" — afirmavam convencidos — "já não é negócio."
A acusação de mercantilista não é nova. Foi-me infligida des-
de que surgiu meu primeiro livro, em setembro de 1975. Seme-
lhante calúnia só pode proceder daqtflsles que não me conhecem,
dos invejosos e dos que jamais escreveram livro algum sobre o

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assunto. Dizem que a Verdade precisa de poucos argumentos. Pois
no meu caso bastará um para dissipar essas cáusticas dúvidas. Dos
quatro espanhoizinhos que na década de 80 tivemos a legítima
aspiração de "viver de nossas respectivas investigações", firman-
do diversos contratos com a Planeta, apenas um continua publi-
cando regularmente com a mesma editora. Lamentavelmente, os
livros "sobre ovnis" dos srs. Ribera, Fáber Kaiser e Jiménez dei
Oso jamais chegaram a cobrir as antecipações financeiras. E o
sr. Lara viu-se na óbvia necessidade de rescindir o compromisso
com cada um deles. Onde estava o negócio? O quarto escritor,
o "mercantilista" J. J. Benitez, esteve a ponto de incorrer em idên-
tica sorte. Entre 1980 e 1985, os ovnis lhe haviam propiciado o
opulento capital de quase seis milhões de pesetas... de dívidas.
Só a mágica irrupção dos Cavalos d e Tróia acabou por eliminar
as "cifras vermelhas", concedendo-me um fôlego. Eu me havia
salvado do naufrágio, sim, mas com a ajuda da narrativa. Não dei-
xa de ser paradoxal ter de recorrer a obras de outro gênero para
sobreviver e, sobretudo, para continuar na trilha da investigação.
Essa, e não outra, é a crua verdade. O panorama — sejamos
francos — tem sido e continua tão ruinoso (ao menos no que se
refere ao mercado de língua espanhola) que, nestes últimos sete
anos, os livros surgidos sobre a fenomenologia extraterrestre po-
dem ser contados nos dedos de uma mão. Falemos, pois, com sin-
ceridade: não é o fito do lucro que nos mantém em uma investi-
gação ainda minoritária, desprezada pelos círculos ortodoxos, sem
subvenções oficiais e pontilhada de obstáculos. Como dizia o Mes-
tre, "quem tem ouvidos que ouça".
Aliviado o coração, passo agora ao problema de fundo. Em
um país como o nosso — onde, se pudessem voar, os iconoclas-
tas, os medíocres e os invejosos turvariam o sol —, se batalhar por
um ideal suscita todo tipo de críticas, tentar viver dele é quase um
delito. Isso dói aos "vampiros" e ufólogos "de salão". Essa é a en-
fermiça e subterrânea "fonte" que ilumina todas as suas críticas.
Faltou-lhes coragem para renunciar aos ofícios que exercem e em-
barcar de corpo e alma nas pesquisas que dizem apoiar. Até com-
preendo seus receios. Em 1979, quando tomei a decisão de aban-
donar minha carreira de jornalista para "perseguir ovnis", também
eu experimentei o terror que é próprio de qualquer situação de
insegurança. O que não compreendo é sua animosidade para com
os que ousaram arrostar essa aventura. E ainda tentam dissimular
sua covardia assumindo um solene ar de severidade e de serieda-
de científica. Mas só o que sabem fazer é crítica destrutiva.
Creio que era Francisco de Sales quem assegurava que "a
ciência nos desonra quando nos envaidece ou degenera em pe-
dantismo". Ouvindo as sentenças, ou lendo os dogmáticos e abor-

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recidos escritos destes amargurados, vem-nos à memória aquela
sábia afirmação de Tolstoi: "Dentro de alguns séculos a história
disso que agora chamamos atividade científica do progresso será
um grande motivo de hilaridade e de compaixão para as gerações
futuras."
Sejamos honestos. Será que realmente sabemos algo do fe-
nômeno ovni? Nós, pesquisadores "de campo", o perseguimos
sem descanso, acumulamos um máximo de documentação, o es-
tudamos e, claro, apontamos conclusões. Mas quem pode ser tão
insensato para pontificar e deitar cátedra na matéria? Este com-
plexíssimo tema ao menos até o momento não é compatível com
os computadores, por muito que se empenhem os ufólogos "de
salão".
Estamos diante de uma realidade múltipla, esquiva, que trans-
cende as fronteiras da lógica e até, me atreveria a dizer, os inson-
dáveis limites do próprio espírito humano. Cada caso é diferente.
Irritantemente diverso. Como, então, introduzir o absurdo, o des-
conhecido em um banco de dados de um computador? Talvez es-
tejamos diante de um desafio que demanda tempo, paciência, es-
tudo, investigação e, acima de tudo, humildade. Por isso me sin-
to à vontade e me identifico com os modestos, tenazes e valentes
pesquisadores "de campo". Em silêncio, eles constroem, não des-
troem. Com sacrifício eles vão erigindo pedra por pedra o que al-
gum dia será um magnífico edifício, capaz de albergar uma Ciên-
cia positiva. Uma Ciência com consciência. Que este livro seja de-
dicado a homens como Mateo Nogales, Julio Marvizón, Saturni-
no Mendoza, Paco Padron, Andrés Gómez Serrano, Julio Arcas,
Bruno Cardenosa, Rafael Vite, Luis Jiménez Marhuenda, Carmen
Pérez de la Hiz e aos demais investigadores regionais não é ca-
sualidade.
E depois destes desabafos regressarei ã questão inicial: a que
se devem então estes sete anos de silêncio sobre os ovnis?
Acabo de mencionar a palavra "casualidade". Creio, porém,
que deveria ter empregado um termo mais apropriado e justo:
"causalidade". Eis aqui uma das lições aprendidas em meu estreito
contato com o assunto ovni. E sei que penetro em um terreno res-
valadiço, de difícil demonstração, no qual é necessário caminhar
com os bordões da intuição. Mas estou convencido disso e, por-
tanto, serei honesto comigo mesmo: nada é casual.
A princípio, e segundo meu fraco entendimento, esse vazio
informativo foi provocado por duas razões de peso, às quais acres-
centei uma terceira, digamos, de menor calibre. Todas, em suma,
revelaram-se positivas. Mas', antes de passar a expô-las, seja-me
permitido um prévio comentário acerca de um fenômeno que —
espero — ir abordando no transcurso das próximas narrativas.

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Sei que os hipercríticos, os "vampiros" e a ralé inteira sorri-
rão maliciosamente ao tomar conhecimento deste audacioso e
"pouco científico" achado. Isso não me preocupa; a questão é que,
após anos de observação, e depois de confrontar minhas expe-
riências com as acumuladas por outros investigadores "de cam-
po", estou persuadido de que todos os que nos temos entregado
a este nobre empenho de abrir caminho no jângal-ovni nos acha-
mos sutil mas ferreamente "controlados". Para os que crêem em
um Deus, semelhante idéia pode parecer óbvia. Certamente des-
se prisma religioso os seres humanos desfrutam a tutela ou pro-
teção de um "anjo da guarda". Mão estou, porém, falando de reli-
gião. Minhas palavras têm outro sentido. Tantos têm sido os fa-
tos marcantes — estranhos e misteriosos — que registrei e conti-
nuo observando ao longo das minhas correrias, que não posso dei-
xar de crer na "presença-existència" de alguns "seres-entidades"
(as palavras me limitam), definitivamente associados ao fenôme-
no ovni e que "cuidam-velam-conduzem-protegem" cada passo
dos investigadores.
Como afirma Novalis, "o acaso não é inescrutável; também
é regido por uma ordem". Mão pode ter sido mero acaso que eu
um dia abandonasse os pincéis para ingressar na Escola de Jor-
nalismo, assim renunciando ao que considerava minha verdadei-
ra vocação. Não é casualidade que eu tivesse sido "preparado"
durante vinte anos na dura e nobre profissão jornalística. Não foi
gratuitamente que em 1972 um redator-chefe colocou sobre mi-
nha mesa de trabalho um teletipo com a notícia de uma aterrissa-
gem ovni, com isso comprometendo meu futuro profissional de
repórter. Seria "normal" que dois anos mais tarde, engajado já
então na pesquisa, recebesse meu "batismo de fogo" contemplan-
do dois ovnis em um deserto peruano? Seria por acaso que, a partir
dessa data — 7 de setembro, dia do meu aniversário — meus es-
quemas e parâmetros mentais oscilassem cento e oitenta graus?
Obedeceu a razões fortuitas o fato de, passados doze meses jus-
tos, eu publicar o meu primeiro livro? E que pensar do'que ocor-
reu quatro anos mais tarde, quando, com a oposição de parentes
e estranhos, eu disse adeus ao jornalismo ativo e a um emprego
para embarcar no que muitos qualificaram de "loucura e cami-
nho infalível para o desprestígio"? Estou com Lessing: "A pala-
vra acaso é uma blasfêmia." E algum dia, acrescento por minha
conta, será eliminada dos dicionários.
Por que a maior parte dos pesquisadores do fenômeno ovni
(para não entrar no da parapsicologia) tem a seu crédito singula-
res vivências — muitas delas durante a infância — caracterizadas
por "luzes", "seres de aspecto mais ou menos imaterial" ou "mis-
teriosos encontros" com naves e tripulantes similares aos que hoje

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pesquisam? Quem pode atribuir à casualidade os profundos, rea-
listas e conscientizadores filmes sobre extraterrestres de Steven
Spielberg? Não parece muito suspeito que um ovni estacionasse
à vista do futuro gênio do cinema quando ele contava nove anos
de idade? Mas para que sufocar o leitor? A lista de "casualidades"
é interminável.
Este parêntese — mais transcendente do que o leitor possa
imaginar — guarda as chaves que, sempre da minha perspectiva,
justificam esse anormal "silêncio de sete anos". Em duas oportu-
nidades rebelei-me contra tal situação e empenhei-me em conti-
nuara escrever. Em ambas as ocasiões o trabalho foi bruscamen-
te interrompido. Naquelas ocasiões (1983) e nos anos sucessivos
eu tinha outra "missão" que desfrutava prioridade absoluta: a vi-
da de Jesus de Nazaré. Como sempre — tolo que fui —, precisei
de tempo para o compreender. Era a primeira razão de peso. E
ainda que me fosse dado prosseguir e progredir nas investigações
"de campo", o certo é que o fato físico de sentar-me para escre-
ver sobre tal matéria sofreu um bloqueio, um sólido bloqueio. Pu-
de alternar os Cavalos d e Tróia com outros temas, mas jamais com
ovnis.
O mais desconcertante, porém, é que eu ardia em desejos de
reencontrar-me com meu "filho favorito". Pouco a pouco devido
a esse distanciamento fui entrando em uma saudável fase de re-
flexão. Agora vejo com clareza. Todo pesquisador, seja qual for
a sua especialidade, precisa de uma parada em seu caminho. E
com mais razão se o objetivo do seu trabalho escapa aos limites
da realidade conhecida.
Em suas Máximas e Reflexões, Goethe esgrime uma frase que
todo ufólogo deveria gravar na memória: "Somos tão limitados
que cremos ter sempre razão." Eis aqui a segunda justificativa de
peso: meu grande caudal informativo — fruto de onze asfixiantes
anos de "perseguição ovni" — ameaçava reduzir-me a um insa-
ciável devorador de casos. Era obrigado a levantar o pé do acele-
rador e meditar serenamente. Um máximo de informação nem
sempre proporciona a Verdade. No melhor dos casos, só uma parte
dessa Verdade. E ainda que, como foi dito, eu sempre soubesse
que jamais acariciarei a "verdade-ovni", essa providencial "via-
gem" ã galáxia dos pensamentos me serviria para alterar o rumo.
A singradura do J. J. Benitez recopilador de casos havia ter-
minado. Devia permanecer na investigação e difusão, sim, mas
em outra rota. Apontando mais para o alto. Comprometendo-me.
Tenho recebido indícios e provas suficientes para dar esse passo.
Uma coisa é certa: que ninguém espere revelações traumáticas
e sensacionais. O pouco ou muito que eu tenha conseguido cap-
tar — sempre sujeito a revisão, naturalmente — é simples. E sei

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também, como dizia Graf, que para dar-se por satisfeito com o
simples necessita-se uma alma grande. Daí que estas minhas atro-
peladas vivências sejam destinadas aos que gozam da virtude de
engrandecer o pequeno.
Quanto à derradeira razão de tão longo silêncio — ainda que
de menor envergadura —, acabaria por ser igualmente frutuosa
e significativa, ria verdade poderia ser qualificada como mera ane-
dota, nascida à sombra de duas grandes razões. Por que não apro-
veitar esse tempo de obrigatório retiro e reflexão para consolidar
um "experimento" que havia acionado em diferentes oportunida-
des? Adivinhava o resultado, mas, para ser imparcial, eliminei ve-
lhos preconceitos e parti do zero. A colocação era simples. Tal-
vez estivesse equivocado ao qualificar determinados indivíduos
de ufólogos "de salão". Talvez se lhes concedêssemos uma mar-
gem de tempo razoável chegassem a surpreender-nos com o "le-
vantamento" de importantes e inéditos casos de ufos. E esperei
sete anos...
O balanço não poderia ser mais dramático. Enquanto os in-
vestigadores "de campo" continuavam enriquecendo a estatísti-
ca, os "sumos sacerdotes" de ufologia hispânica se revelavam im-
potentes na hora da verdade. Que eu saiba, nenhum desses "vam-
piros" enriqueceu o "patrimônio ovni" com uma aterrissagem ou
um encontro de terceiro grau (de colheita própria, entenda-se).
Dada a sua ineficiência e natureza destrutiva, limitaram-se ao que
já conhecíamos: a "vampirizar" e a fazer o papel de "térmitas",
em uma ridícula tentativa de minar os casos já conhecidos e cer-
tamente investigados por "mercantilistas" e "adventícios", como
diziam de mim.
Claro, sempre poderão esgrimir o tema "de que não há ov-
nis". Neste caso, a sentença de Demófilo retrata-os às mil mara-
vilhas: "O falsário é tão hábil com a espada da mentira como com
o punhal da desculpa." Mas esqueçamos por um momento esses
"eunucos do ovni" e entremos já, sem mais desvios, na primeira
e nada reconfortante aventura daquele ano do Senhor de 1983.

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1
Onde se conta como um "gigante de preto" fez o diabo com
um pacífico povo de Las Hurdes • A "isca" de uma notícia er-
rônea, ou "nada é casual" • O fracasso de Vegas de Coría: to-
da uma lição de humildade • D e como um bar pode cheirar
a "rinha" • D e quando e de que maneira eu soube do caso "Co-
lás", o primeiro "mártir" da ufoiogia espanhola • "Muito dia-
bólica devia ter sido a bruxaria para 'despachar' o cavaleiro"
• "Ou te afastas ou te afasto"; e saiba você que os fantasmas
não se convencem com razões • Onde se narra a morte do se-
nhor de Cambroncino, acontecida em 1917 • De que vale uma
faca albacetense diante de um ovni? * De como a Providência
teve piedade deste pesquisador, presenteando-o com uma ata
de sepultamento • O confronto do ovni com "Colás", fria e mi-
nuciosamente calculado • Os acontecimentos de Fátima e Cam-
broncino despertam suspeitas • Outros dois encontros com ov-
nis ou a obra de Satanás e sua desordeira mãe

As p e s s o a s às vezes não s a b e m c o m o agir.


A p r e s e n t e pesquisa — à s e m e l h a n ç a de outras c o m que o
Céu tem havido por b e m obsequiar-me — c o m e ç o u tarde e mal.
Vejamos se serei capaz de explicar-me.
No c o m e ç o do m ê s de fevereiro de 1983 recebi u m primeiro
aviso. Na região de Las Hurdes, Cáceres, vinha-se registrando u m a
certa agitação ovni. Julio Corchero, m e u informante, p r o m e t e u
dar-me mais a m p l a s informações. Por aquela época, c o m onze
a n o s de correrias às m i n h a s costas, eu já desprezava os casos de
"simples luzes nos céus". Esse tipo de avistamento é tão c o m u m
e f r e q ü e n t e que não m e r e c e mais atenção. Além disso, achava-
m e mais interessado e m outros o b j e t o s que p a r e c i a m vagar pe-
los arredores da p e q u e n a aldeia alavense de Monasterioeguren.
Mas Corchero, c o m seu fino instinto, continuou insistindo.
Lembro-me de que na noite de quinta-feira, dia 3 desse m ê s
de fevereiro, convidei-o a c o m e n t a r os fatos no p r o g r a m a "Mun-
do Ovni" da Cadeia SER, c o m o estimável e falecido Antonio de
Rojo. Hesitei, já não se tratava de "luzes" sulcando o f i r m a m e n t o ,
m a s de u m "escuro e f a n t a s m a g ó r i c o ser" que, ao q u e constava,
havia dado u m susto de m o r t e e m u m confiante m o r a d o r de Ve-
gas de Coria. E devo reconhecer humildemente: m e u s reflexos fa-
lharam. Sufoquei a s e m p r e sábia voz da intuição e mantive-me

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firme no propósito de postergar a notícia. Partiria para Estrema-
dura q u a n d o o "fogo cruzado" dos b o a t o s e r u m o r e s a c a l m a s s e .
"Depois de t u d o " — disse a m i m m e s m o —, "a tática de interro-
gar as t e s t e m u n h a s q u a n d o as á g u a s voltaram ao seu leito q u a s e
s e m p r e funciona."
Eu tinha e não tinha razão. Essa fórmula, realmente, é váli-
da, m a s d e p e n d e n d o das circunstâncias. O que já não parece tão
aconselhável é o excesso de a u t o c o n f i a n ç a . E m e r s o n sustentava
que "a fé e m si m e s m o constitui o primeiro s e g r e d o do êxito".
Certo. O mal está no a b u s o dessa fé. Corre-se o risco de deixar
os d e u s e s para trás e fracassar.
Por fim, no dia 12 desse mês, a imprensa fez-se eco desse al-
voroço. O "gigante de preto" continuava s e m e a n d o o terror e m
Las Hurdes. Ao ler a resenha do jornal Hoy, de Badajoz, anuncian-
do que u m dos m o r a d o r e s da região havia falecido e m conseqüên-
cia da violenta presença desse ser, os a l a r m e s interiores deste de-
sajeitado pesquisador s o a r a m enlouquecidos. Havia c h e g a d o o
m o m e n t o . E e m 20 de fevereiro, depois de brigar c o m os telefo-
nes, em u m inútil esforço para confirmar a notícia do falecimen-
to, liguei o "piloto automático", iniciando a " c o n t a g e m regressi-
va" do que imaginava u m a rotineira saída pelas estradas. Mas o
Destino — ou deveria e m p r e g a r a expressão "força controlado-
ra" a que já fiz alusão? — m e reservava u m rosário de surpresas...
Então, m e t ó d i c o e fiel aos m e u s c o s t u m e s , dispus os equipa-
m e n t o s e a diminuta b a g a g e m e m e absorvi na enésima revisão
e análise d o s p o u c o s recortes de jornais e a n o t a ç õ e s que havia
coligido. Uma desta r e s e n h a s e m particular — a primeira que di-
vulgou as "aparições" da extravagante figura: gigante, para alguns,
fantasma, para outros, diabo envolto em lençol, na opinião de ter-
ceiros, e extraterrestre para u n s p o u c o s — era aceitavelmente ex-
plícita. Provinha de Nunomoral, localidade jurdana muito próxi-
ma a Vegas de Coria, e era assinada pelo c o r r e s p o n d e n t e do Hoy
naquela área — Félix Barroso —, na época professor em Nuno-
moral. Convirá reproduzi-la e m sua totalidade, assim a q u i e t a n d o
possíveis impaciências.
"(Jm a c o n t e c i m e n t o curioso" — dizia essa crônica jornalística
da sexta-feira, 11 de fevereiro — "tem a m e d r o n t a d o os m o r a d o r e s
do povoado de Vegas de Coria, pertencente ao município de Nuno-
moral. Faz alguns dias u m a estranha figura vestida de preto, e m
alguns casos, e uma sombra, e m outros, aparece e desaparece diante
do olhar atônito das pessoas. S ã o n u m e r o s o s os que dizem haver
sido t e s t e m u n h a s desse estranho f e n ô m e n o que d e s d e o dia 3 de
fevereiro, dia de São Brás, faz s u a s "aparições" q u a s e diariamente.
"O m o r a d o r de Vegas Nicolás Sánchez, ao voltar u m a noite
para sua casa, observou que um p e r s o n a g e m estranho, vestido to-

18
t a l m e n t e de preto, interpunha-se e m seu caminho. Nicolas apa-
nhou duas pedras, m a s ficou paralisado, incapaz de lançar u m a
que fosse. O m e d o apoderou-se dele. Então, t e m e n d o o pior, lan-
çou u m a maldição contra Satanás. No m e s m o instante o extrava-
gante ser desaparecia de sua vista.
"No último dia 3, ao escurecer, os jovens J o a q u i n Sánchez,
Germán e Cristino, habitantes de Vegas de Coria, ao atingirem
u m a curva da estrada que conduz ao povoado de Arrolobos, ob-
servaram u m p e r s o n a g e m idêntico ao que Nicolás Sánchez vira.
Estava sobre u m barranco, e m plano inferior ao da estrada. Era
de estatura fora do normal e estava e m b u ç a d o em u m a veste pre-
ta. Ao ver os jovens, atirou-se do barranco e caiu ao c h ã o s e m so-
frer o m e n o r dano. Depois pôs-se a correr a grande velocidade.
"No dia seguinte voltaram os m e s m o s jovens e c o n s e g u i r a m
de novo localizá-lo, m a s o p e r s o n a g e m mais uma vez deitou a cor-
rer rapidamente. Ao cair a noite, ali por u m a da m a d r u g a d a , três
m o r a d o r e s de Vegas a c a b a v a m de guardar uns azulejos no inte-
rior de u m a casa, q u a n d o um deles, u m m o ç o c h a m a d o Florián,
saiu à rua para a p a n h a r mais material e deu de cara c o m o esqui-
sito p e r s o n a g e m . C o m o das outras vezes, o estranho fugiu a gran-
de velocidade; e, ao chegar à altura de u m a p o n t e situada à saída
de Vegas, na direção de Rio Maio de Abajo, atirou-se pelo peitoril
e no m e s m o instante surgiu u m a labareda...
"(Ima psicose de pânico c o m e ç o u a apoderar-se dos habitan-
tes de Vegas de Coria. Os bares fechavam-se mais cedo do que
de c o s t u m e e n i n g u é m se atrevia a andar pelas ruas depois de
anoitecer.
"No s á b a d o , dia 5, u m g r u p o g r a n d e de m o r a d o r e s de Vegas
dirigiu-se à curva da estrada de Arrolobos. Estavam dispostos a
desvendar o mistério. Nada de e s t r a n h o aconteceu. Cerca de no-
ve horas da noite, entretanto, o habitante de Vegas J e s u s Sánchez,
ao abrir a porta de sua casa, topou c o m u m a s o m b r a altíssima,
amedrontadora. Como um raio, voltou para dentro e cerrou a porta
o melhor que pôde.
"Chegou o d o m i n g o e o p e r s o n a g e m continuou r o n d a n d o o
povoado..."
Esta, em princípio, era a pavorosa história que eu m e dispu-
nha a pesquisar no próprio local. Q u e m podia e n t ã o suspeitar —
eu não, esclareça-se logo — que s e m e l h a n t e e n r e d o m e abriria
as portas a o u t r o s acontecimentos, mais cobiçados, se assim se
p o d e dizer, pelos pesquisadores? Agora, maio de 1990, instala-
do na perspectiva que o t e m p o oferece, reafirmo o que disse: na-
da é casual. CJm erro em u m a nota de jornal, um fracasso ou u m
atraso na investigação, tudo, até o m í n i m o detalhe, p a r e c e esme-
rada e m e t i c u l o s a m e n t e " p r o g r a m a d o " . "Mãos de invisíveis es-

19
píritos" — escrevia Longfellow — " t a n g e m a s c o r d a s d e s s e ins-
t r u m e n t o q u e s e c h a m a a l m a , t o c a n d o o p r e l ú d i o d o n o s s o desti-
no." M e n o s r e f i n a d o d o q u e o a u t o r d e The Spanish Student, e s t e
p e s q u i s a d o r a p o s t a n ã o e m espíritos e s i m e m s e r e s c a p a z e s d e
pilotar a s t r o n a v e s .
A v i a g e m r u m o às p e s q u i s a s , e n f i m , s e a f i g u r a v a fácil n o pa-
pel, tal o m e u indestrutível e n t u s i a s m o . Mas veja o leitor que, n o
estouvamento e nervosismo destas primeiras páginas, ainda não
esclareci qual ia ser o itinerário d e s t a p r i m e i r a a v e n t u r a . S e " m e u
c o n f i d e n t e e fiel c o m p a d r e " , o Renault 18, s u p o r t a s s e o estirão
d e s e i s c e n t o s q u i l ô m e t r o s , ou q u a s e , q u e s e p a r a m Bilbao d a Es-
t r e m a d u r a , m i n h a j o r n a d a da s e g u n d a - f e i r a , 2 1 d e fevereiro, ter-
minaria e m t e r r a s d e Plasencia. E c o m os p r i m e i r o s a l b o r e s d o
dia s e g u i n t e estaria eu e n t r a n d o e m Las H u r d e s e i n s t a l a n d o o
" q u a r t e l - g e n e r a l " e m V e g a s d e Coria, ou, se n ã o f o s s e possível,
e m a l g u m a localidade circunvizinha.
A e x p e r i ê n c i a e o s a l e m ã e s t ê m - m e e n s i n a d o q u e "a m e l h o r
i m p r o v i s a ç ã o é a q u e se p r e p a r a " . E m u m a i n v e s t i g a ç ã o a p a r e n -
t e m e n t e t ã o d e s o r d e n a d a c o m o a d o " g i g a n t e d e preto", o faro
m e r e c o m e n d a v a u m m í n i m o d e o r d e m e paciência. E, já q u e
se vai p r o l o n g a n d o e s t e p e q u e n o p r e â m b u l o , o leitor m e permi-
tirá o u t r a c o n f i s s ã o , q u e s e c a s a c o m o u n h a e c a r n e c o m o já
lido a respeito d e s s a " f o r ç a " q u e s e m p r e escolta o s investigado-
res. É m a t e m á t i c o . Cada vez q u e m e s e n t o a o v o l a n t e d e u m car-
ro ou invisto r u m o a o d e s c o n h e c i d o , e m p e n h a d o e m e s c l a r e c e r
u m caso, m e u â n i m o vê-se s u b i t a m e n t e r e n o v a d o p e l o s invisí-
veis d e d o s da i m p a c i ê n c i a , d o m e d o e da alegria. E, c o m o fiel
da b a l a n ç a d e t ã o d í s p a r e s s e n t i m e n t o s , u m a cristalina — q u a s e
tangível — s e n s a ç ã o d e " s e g u r a n ç a " . E c o m o se, n o alto, u m a
" n a v e - m ã e " f o s s e a b r i n d o c a m i n h o . . . (Jm " c a m i n h o " tão inescru-
tável q u a n t o " m a r a v i l h o s a m e n t e louco". J á a f i r m a v a Logau:
" Q u e m q u e r q u e seja, c a d a qual c a r r e g a u m r a m o da árvore da
loucura; u n s o e s c o n d e m , o u t r o s o levam l i v r e m e n t e . " O s pes-
quisadores "de campo" — benditos sejam — pertencem a este
segundo grupo.
E n t r e t a n t o — ai d e m i m , q u a n d o a p r e n d e r e i ? — o p r o g r a m a
se alteraria n o m o m e n t o j u s t o . Foi s u f i c i e n t e u m a c h a m a d a tele-
fônica para o m e u a m i g o e c o n t a t o e m Valencia d e Alcântara, Cor-
c h e r o Robledo, para q u e t u d o se t o r n a s s e t ã o cinzento c o m o aque-
le c h u v o s o e d e s a g r a d á v e l e n t a r d e c e r e m Plasencia. Q u a n d o lhe
anunciei m e u iminente d e s e m b a r q u e no cenário d o s acontecimen-
tos, J u l i o f o r ç o u - m e a c o n s u l t a r o s j o r n a i s d o dia anterior a n t e s
d e c o m e ç a r q u a l q u e r coisa. E m u m a e x t e n s a carta, o c o r r e s p o n -
d e n t e e m N u n o m o r a l alinhava n o v o s d a d o s a c e r c a d o s s u c e s s o s
d e V e g a s d e Coria e u m fatídico " e s c l a r e c i m e n t o " acerca d o ho-

20
m e m falecido. A p a r e n t e m e n t e , s u a m o r t e havia o c o r r i d o e m ou-
tro p o v o a d o e, o q u e era pior, e m o u t r o t e m p o .
Na hora n ã o consegui c o m p r e e n d e r . Hoje, c o n h e c e d o r d o "es-
tilo" d e s s a " f o r ç a " q u e i m p r e g n a e dirige n o s s a s a ç õ e s , só o q u e
p o s s o fazer é sorrir. Não fora e s s e lapsus jornalístico e talvez mi-
n h a ida a Las H u r d e s h o u v e s s e d e m o r a d o indefinida e perigosa-
m e n t e . Mas a s c o i s a s s ã o c o m o são, e m b o r a o ser h u m a n o con-
s u m a b o a p a r t e da sua existência t e n t a n d o modificá-las. Q u e ga-
nharia eu d e s m o r a l i z a n d o - m e ? A persistência — c o m o t e r e m o s
o p o r t u n i d a d e d e ir d e s c o b r i n d o — d e v e ser u m a d a s a r m a s d e to-
d o p e s q u i s a d o r . Ovídio o d e s c o b r i u há séculos: " Q u e coisa have-
rá m a i s d u r a d o q u e a p e d r a e m a i s b r a n d a d o q u e a á g u a ? E, to-
davia, a á g u a b r a n d a p e r f u r a a própria p e d r a . " O p r o b l e m a está
e m que, d i v e r s a m e n t e da t e n a c i d a d e , q u e o p e r a m o d e s t a m e n t e ,
"gota a gota", a i n c o n s t â n c i a arrasta c o m sua fácil e c ô m o d a tor-
rente. Não sei d e n e n h u m investigador nato q u e n ã o seja paciente.
E o b e d e c i . Na solidão d o m e u a p o s e n t o d o hotel fui devoran-
d o o artigo d o Hoy e s u b l i n h a n d o o s p o n t o s m a i s significativos.
S e g u n d o o s d e p o i m e n t o s ali citados, o fugidio ser d e V e g a s con-
tinuava m o s t r a n d o - s e p e l a s i m e d i a ç õ e s e p r o v o c a n d o o pânico.
E m b e b i d o n o relato, n ã o reparei na a d v e r t ê n c i a c o n t i d a n o s pri-
m e i r o s p a r á g r a f o s . Melhor teria sido a m i n h a s o r t e — é u m a su-
p o s i ç ã o — s e h o u v e s s e refletido s o b r e o q u e ali e s c r e v e r a o cor-
r e s p o n d e n t e . Félix Barroso dava conta minuciosa d o mal-estar ge-
rado entre as p e s s o a s simples d o lugar pelas zombarias e a incom-
p r e e n s ã o p r o v o c a d a s p o r a l g u m a s r e p o r t a g e n s jornalísticas q u e
d e t u r p a v a m a história t a n t o c o m i n c o m p e t ê n c i a q u a n t o c o m fal-
ta de respeito. E de novo u m p o u c o r e c o m e n d á v e l excesso d e con-
fiança p r ó p r i a m e fez d e s p r e z a r o sinal d e a l a r m e . P o u c o s f a t o r e s
s ã o t ã o n e f a s t o s e m u m a p e s q u i s a ovni c o m o o r e s s e n t i m e n t o e
a s e n s a ç ã o d e ridículo nas t e s t e m u n h a s . E esses, l a m e n t a v e l m e n t e ,
t e n d o e m c o n t a a idiossincrasia hispânica, s ã o f a n t a s m a s q u e es-
p r e i t a m p o r t o d a p a r t e . Q u a n t a s p e s s o a s se t o r n a r a m inabordá-
veis a o s i n v e s t i g a d o r e s por c a u s a d e s s a s e s t ú p i d a s c h a c o t a s d e
seus concidadãos...
Mas r e t o m e m o s o fio cronológico da investigação. Aquela carta,
publicada s o b o título "A outra face d o a c o n t e c i m e n t o d e Vegas d e
Coria", c u j o c o n t e ú d o julgo d e notável interesse para c o m p r e e n -
der q u a n t o m e sucederia h o r a s m a i s tarde, dizia t e x t u a l m e n t e :
"Agora, q u a n d o p a r e c e q u e vai a r r e f e c e n d o a p s i c o s e — trá-
gica para uns, histriónica p a r a o u t r o s — q u e v a g o u implacavel-
m e n t e pelo p o v o a d o d e V e g a s d e Coria, é o m o m e n t o d e pôr o s
p i n g o s n o s ii.
" E s t e c o r r e s p o n d e n t e foi o p r i m e i r o a lançar, p o r jornal e rá-
dio, a notícia d a s e s t r a n h a s a p a r i ç õ e s . Nada inventei, n a d a tirei

21
do m e u arsenal particular, por mais que a l g u n s intrigantes apre-
g o e m o contrário. Tal qual m e c o n t a r a m , contei. E, para desgos-
to de alguns, as versões estão t a m b é m gravadas em uma fita mag-
nética que g u a r d o c o m i g o .
"São m u i t o s os q u e s a b e m que s e m p r e que escrevo qualquer
coisa sobre a região de Las Hurdes reflito muito seriamente, pois
sei muito b e m que aqui, nesta zona, a suscetibilidade está à flor
da pele. E há motivos para isso.
"Com respeito, carinho e veracidade, t e n h o escrito e conti-
nuarei escrevendo sobre os variados t e m a s d e s t e s m o n t e s de ur-
zes e piçarras. Se alguns se d e s g o s t a m , ao diabo c o m s u a s úlce-
ras. Os j u r d a n o s é que são m e u s a m i g o s e n ã o aqueles que, leva-
dos por o b s c u r o s interesses, se fizeram m e u s inimigos. Minha
consciência está tranqüila, m i n h a s m ã o s estão limpas e minha éti-
ca de c o r r e s p o n d e n t e p o d e proclamar, h u m i l d e m e n t e , que está
à prova de b o m b a s . Fico à disposição dos contestadores, para
tapar-lhes a boca c o m as c e n t e n a s de artigos que sobre esta re-
gião publiquei, d e f e n d e n d o s e m p r e , c o m firmeza, a realidade e
a objetividade, e denunciando, m u i t a s vezes c o m crueza, a injus-
tiça, o caciquismo e os artífices da nefasta legenda negra.
"Expresso aqui, portanto, m e u respeito aos cidadãos de Ve-
gas que t e s t e m u n h a r a m acerca das aparições. E faço extensivos
m e u respeito e a g r a d e c i m e n t o àqueles outros, e f o r a m muitos,
que a p o i a r a m e c o n f i r m a r a m , s e m tibieza, m i n h a s reportagens,
diante d o s indecisos e manipuladores. Hoje, a incredulidade de-
sapareceu; p o u c o s a d e p t o s conseguiu u l t i m a m e n t e . Os últimos
a c o n t e c i m e n t o s estão d a n d o razão aos que, há p o u c o s dias, se vi-
ram diante da estranha aparição. Não faz ainda q u a t r o dias q u e
estive de novo em Vegas. Ali, em um bar, e na presença de pes-
soas q u e m e permitiram citar s e u s n o m e s , surgiu u m a acalorada
conversação. Pablo J i m é n e z , d o n o do bar e vereador e m Nuno-
moral, algo cético a princípio, jurava por seus q u a t r o filhos que
na noite do dia 12, na c o m p a n h i a de outras pessoas, observara
uns o b j e t o s luminosos que se elevavam para a a t m o s f e r a . E con-
tou o caso dos dois parapsicólogos vindos de Cáceres, que tenta-
ram fotografar aqueles estranhos objetos s e m o conseguir p o r q u e
suas m á q u i n a s não f u n c i o n a r a m .
"E ali falaram outras pessoas, c o n t a n d o que no lugar das apa-
rições havia a n t i g a m e n t e u m a cruz para as a l m a s p e n a d a s , Cruz
de Animas; c o m o em suas imediações, na curva da estrada de
Arrolobos, ocorreram já quatro acidentes. Falava-se, igualmente,
dos ruídos noturnos em tal zona, s e m e l h a n t e s a p e d r a s que rola-
vam ladeira abaixo, s e m c h e g a r ao rio. O s e n h o r Florentino S e g u r
p o d e t e s t e m u n h a r acerca desses ruídos nos t e m p o s e m que se de-
dicava a espreitar os javalis. Discutiu-se t a m b é m o caso de um se-

22
ACTA DE DEFUNCIÓN
Mmeiy -fJf. .
Vffitií}
'e mü novecientos i&ct^f-rítzé ._. ante D. í JJuf era tiff sj&tílá*^,

Juiz municipal .t
' O.^Zractt***^ C^t'dt&ZLL *tâa*.zC^Secnlario, compareci6
utâa.*ZLL. natural

t&M^.-.^jJL^tZST .
n el Cemenlerlo de

manifestando Fueron testlgos presencíalis -ZKi, S&íícf s '


natural de tirmino municipal de

d'
— r provinda de ~
At-t^sr7 de edad
... .-7.-A,-
J/Á.; iz^tju'^c • ^
/ integramente esta acta, ê invitadas tas personas
te/ao ' que deben
y domiciliado en
:ribirla i que la leyeran por sl
v^n^-J fatkció
á ~ ^ "zèsLjfç S< % dei fuigado numcip •!. y la firma tl Sr. Juri

^^tfasPx^^â-tdL-
de lo cual daba parte.
en deblda forma fomo yfesifeUfe, o f - t j ^

En vista de esta manifestaciin ytt


Sr. Juez municipal dispuso que se extendícse la presente acta de InscrípcUn.
consignándose en ella, ademds de lo expuesto por et declarante, en virtud de
las noticias que se han podido adquirir, las circunstancias slguienles:
Que (_l referido fina d* en el acto dei falleclmlento, estaba 6.

Registro de ó b i t o do " m á r t i r de C a m b r o n c i n o '

Á esquerda, Estefanía Garcia Sánchez, mulher de Colás.


A seu lado, Maria dei Pilar Sánchez Garcia, filha dos
anteriores e esposa de Nisio.
nhor de C a m b r o n c i n o que teve a c o r a g e m de disparar, há alguns
anos, sobre u m a m o n s t r u o s a figura que o cercou. No dia seguin-
te morreria de f o r m a estranha e m sua aldeia. E aquele outro caso
de um h o m e m de Casares de Las Hurdes, c a s a d o e m La Pesga,
residente a t u a l m e n t e e m Barcelona, que, ao dirigir-se ao povoa-
do de sua mulher, notou, à altura de Vegas de Coria, que uma som-
bra se introduzia em seu carro, para terrível e s p a n t o seu. A som-
bra só d e s a p a r e c e u q u a n d o o automóvel t r a n s p ô s a p o n t e de La
Pesga.
"Nessa m e s m a noite, q u a n d o escutava a t e n t a m e n t e no bar
do Pablo, p u d e constatar algo mais. Heliodoro S e g u r Martin e Pa-
co, um professor de La Pesga, chegaram assustadíssimos. Haviam
visto, na fatídica curva, as luzes misteriosas. O n ú m e r o de teste-
m u n h a s crescia...
"Até aqui, e por ora, minha palavra. Espero que c o m ela se
haja desanuviado e aclarado u m p o u c o o a m b i e n t e rarefeito q u e
se vinha respirando em Vegas de Coria."
Eu não sabia que partido t o m a r . Diante da torrente de d a d o s
novos, senti-me d i s c r e t a m e n t e reconfortado. E m tais situações,
toda pista é bem-vinda. J u n t o do trigo despontava t a m b é m o joio.
O s u p o s t o episódio do s e n h o r de C a m b r o n c i n o — sucedido a n o s
atrás e q u e eu havia associado ao "gigante de preto" — esvaziou
u m p o u c o m e u entusiasmo, levando-me a duvidar dos aconteci-
m e n t o s de Vegas. Para dizer a verdade, as informações da impren-
sa m e p a r e c e r a m u m enigma, tão c o n f u s o q u a n t o suspeito. Q u e
os jovens pesquisadores não se escandalizem c o m as dúvidas deste
velho andarilho. P a r a f r a s e a n d o Kant, se o erro nunca é tão útil
q u a n t o a verdade, a dúvida, ao contrário, o é c o m freqüência. Afi-
nal de contas, que é a inteligência? Não foi ela concedida à ma-
neira de bússola para permitir a n a v e g a ç ã o no o c e a n o da existên-
cia? Ou, para ser mais rigoroso: não é a dúvida a inseparável som-
bra da inteligência?
Mas o c a n s a ç o e a solidão abreviaram m i n h a s tortuosas re-
flexões. Ah! a solidão! C o m o é necessária na peregrinação de to-
do pesquisador! Tão necessária para a imaginação c o m o a com-
panhia para o caráter.
"Gigantes f a n t a s m a g ó r i c o s ? " "Luzes e ruídos misteriosos?"
" ü m a cruz de a l m a s p e n a d a s ? " " S o m b r a s que p e n e t r a m em ca-
sas e a u t o m ó v e i s ? " "Sustos de m o r t e ? " Q u e d e m ô n i o seria todo
aquele caos? E m que nova loucura estava eu a ponto de meter-me?
Então, de súbito, na borrascosa m a n h ã de 2 2 de fevereiro,
vi-me r o d a n d o i m p e t u o s a m e n t e para Mohedas, e m busca do rio
Los Angeles — curiosa coincidência —, natural fronteira c o m a
região jurdana ao sul. A iminência da pesquisa, o reencontro c o m
o d e s c o n h e c i d o e — por q u e ocultá-lo? — a possibilidade de dar

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de cara c o m algum dos enigmáticos f e n ô m e n o s descritos pelo po-
vo local, d e s v a n e c e r a m em p o u c o s m o m e n t o s m i n h a s razoáveis
dúvidas.
Vaguear, m a s vaguear para valer, ao redor de Las Hurdes,
constava das minhas velhas a g e n d a s de viagens. Entretanto — pa-
ra m e u escárnio e vergonha —, j a m a i s até e n t ã o eu havia posto
os pés e m tão singular maravilha da Natureza. E n ã o é força de
expressão.
Assim que deixei o p o v o a d o de Caminomorisco, nas Baixas
Hurdes, a a p e n a s 16 quilômetros de Vegas de Coria — m e u teóri-
co "centro de o p e r a ç õ e s " —, senti q u e tinha n e c e s s i d a d e de mar-
gear a tortuosa estrada que desafia, curva a curva, picos e gar-
gantas. Nos cimos, que d o m i n a v a m intermináveis b o s q u e s verde-
escuros de pinheiros, madronheiros e castanheiros, a brancura re-
luzente do quartzo simulava u m a nevada e fazia rude contraste
c o m o azeviche dos extensos piçarrais. C o m o em outras ocasiões,
dei graças aos céus por m e proporcionarem t a m a n h o encantamen-
to a n t e s da batalha.
la e m meio a m a n h ã , aliás aborrecida, q u a n d o , às m a r g e n s
do c a n s a d o rio, apareceu Vegas. Fiel aos velhos hábitos, destinei
algum t e m p o à inspeção da aldeia e s e u s arredores. Clm conheci-
m e n t o o mais possível exaustivo do cenário dos fatos facilita sem-
pre o trabalho do pesquisador, ajuda-o a c o m p r e e n d e r o que quer
que tenha ali ocorrido. Do improvisado mirante, a n t e s de entrar
na curva f e c h a d a da esquerda que evita a casa florestal de "Boa
Agua", Vegas de Coria se configura c o m o u m c r u z a m e n t o de ca-
minhos. Consultei o m a p a e deduzi que u m a das estradas — a que
sobe para o o e s t e — devia levar ao povoado de Arrolobos. E m
a l g u m a s d a q u e l a s curvas, na í n g r e m e serra do Cordón, vinham-
se registrando as s u p o s t a s "aparições" do t e n e b r o s o p e r s o n a g e m
de preto. T o m a d o por uma familiar excitação, fui gravando na me-
mória e na c â m a r a fotográfica as i m a g e n s das ribanceiras que se
d e r r a m a m a u m lado e a outro do asfalto. Teria dessa vez a sorte
de topar c o m as fugidias criaturas que persigo há anos?
Em sentido oposto ao de Arrolobos distingui um s e g u n d o ca-
minho, que se e m p i n a e m direção a Nunomoral. T a m b é m ali, co-
m o logo iria descobrindo, se haviam registrado f a t o s dignos de
menção.
Q u a n t o à estrada que se afasta para o nordeste, r u m o a Rio
Maio de A b a j o e Sotoserrano, teria importante papel na solução
do quebra-cabeça e m que, ao fim de tudo, iria converter-se o fa-
m o s o caso do "gigante de preto".
Vegas cochilava, a p a r e n t e m e n t e em paz. E n g a n o s a paz... En-
colhida ao pé d o s maciços verde-azuis da serra da Corredera, a
aldeia q u a s e n ã o respirada. A p e n a s o vermelho gritante dos te-

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lhados parecia desafiar, insolentemente, o h u m a n o e o divino, ü m
grupo de c a m p o n e s e s , ao longe, avivava o verde velho das árvo-
res, o verde m a d u r o das oliveiras e o verde jovem da várzea que
os operosos j u r d a n o s t o m a r a m de e m p r é s t i m o ao rio. A p a r a g e m ,
recôndita, belíssima, e conquistada por p e s s o a s s e m hipocrisia,
trouxe-me à m e m ó r i a u m a das c o n s t a n t e s do f e n ô m e n o ovni: a
f r e q ü e n t e "escolha", por parte dos tripulantes dessas naves "não
h u m a n a s " , de cenários a f a s t a d o s do bulício urbano. Lugares sim-
ples e p o u c o sujeitos à poluição de todo tipo que enevoa e asfixia
as p o p u l a ç õ e s nos g r a n d e s a g l o m e r a d o s urbanos. (Pode ser que
a c o n t u n d ê n c i a de a l g u m a s d e s t a s expressões c h o q u e os desavi-
sados. Eis u m a das sólidas certezas extraídas nestes a n o s de pes-
quisa: os ovnis [refiro-me, evidentemente, a o s casos genuínos],
são veículos, naves ou astronaves tripulados ou controlados por
civilizações alheias à Terra. A experiência e o senso c o m u m m e
dizem isso. D i f e r e n t e m e n t e do pusilânime fazer e dizer dos pseu-
d o p e s q u i s a d o r e s — mais p r e o c u p a d o s c o m o "que dirão" do que
c o m os fatos — a esta altura do "filme" não estou disposto a pas-
sar por estúpido. A "sinceridade" revestida de "cientificismo" que
o s t e n t a m os ufólogos "de salão" não passa de refinada dissimu-
lação destinada a atrair a confiança d o s ingênuos. E e s t a m o s fa-
lados.) Ao m e n o s em teoria, aquele remoto vale jurdano encaixava-
se na a b u n d a n t e crônica de encontros, mais ou m e n o s próximos,
c o m ovnis e s e u s "pilotos" e m territórios n ã o populosos.
Após as primeiras t o m a d a s fotográficas e u m a s rápidas ano-
t a ç õ e s e m m e u "caderno de c a m p o " , desci s e m pressa e fui esta-
cionar no centro da larga rua — estrada que divide Vegas de nor-
te e sul. E ali p e r m a n e c i por alguns minutos, alvo da curiosidade
e d o s d e s c o n f i a d o s olhares de m a t r o n a s e cidadãos.
Foi u m p r e s s e n t i m e n t o . Talvez precipitado. Mas não teria si-
do mais sensato chegar ao povoado na c o m p a n h i a de alguém que
m o r a s s e no lugar ou c o n h e c e s s e os m o r a d o r e s e assim dissipas-
se naturais inquietações e suspeitas? C o m o s e m p r e , a intuição,
o instinto — c h a m e m o - l o c o m o q u i s e r m o s — aconselha e m voz
baixa. E eu, em lugar de prestar-lhe a t e n ç ã o e dar meia-volta em
busca d e Félix Barroso, o c o r r e s p o n d e n t e de jornal em Nunomo-
ral e h o m e m integrado e respeitado na região, caí no p e c a d o da
auto-suficiência.
C o m o proclamava France, "a razão, a s o b e r b a razão, é capri-
chosa e cruel. A santa ingenuidade do instinto é a única verdade,
a única coisa certa que a H u m a n i d a d e p o d e captar nesta vida ilu-
sória, na qual três q u a r t a s partes de n o s s o s m a l e s p r o c e d e m do
p e n s a m e n t o " . Q u e os jovens p e s q u i s a d o r e s não deixem que se
perca a p e q u e n a grande lição q u e eu estava prestes a receber. Os
veteranos s a b e m que cada pesquisa é diferente. Está sujeita a mil

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fatores: à natureza do caso, às idiossincrasias das pessoas, ao
grau e tipo de divulgação prévia pelos meios de c o m u n i c a ç ã o ,
à própria atitude do ufólogo e, por fim, a u m a constelação de
p o r m e n o r e s , às vezes irrelevantes na aparência, c o m o o horário
de trabalho das t e s t e m u n h a s , as c o n d i ç õ e s climatéricas reinan-
tes na ocasião, ou a q u a n t i d a d e de cerveja que se repartiu no
lugar e no m o m e n t o oportunos. "Aprende-se a investigar inves-
tigando".
Atualmente, apesar do esforço de muitos de nós, a comuni-
d a d e científica não vê c o m b o n s olhos esta jovem disciplina —
a ufologia — que parece desestabilizar e atirar ao t e r r e n o das dú-
vidas muitos d o g m a s estabelecidos. Mas tudo se resolverá. Será
que existe alguma verdade que não tenha sido combatida no prin-
cípio? No que se refere aos ovnis, c o u b e a esta s e g u n d a m e t a d e
do século XX a parte mais dura, mais ingrata e, ao m e s m o tem-
po, mais fascinante de qualquer investigação.
Oscar Wilde definiu o progresso c o m o a concretização da uto-
pia. E que s o m o s nós, os p e s q u i s a d o r e s dos f e n ô m e n o s extrater-
restres, s e n ã o u n s "utópicos avançados", "tabeliães" do que al-
g u m dia será u m a esplêndida n o r m a l i d a d e ? Partilho e continua-
rei partilhando a "profecia" de Tennyson: "Este velho e belo mun-
do em que h a b i t a m o s não é s e n ã o u m a criança que ainda carre-
g a m em seu carrinho. Paciência. Dai-lhe t e m p o para que exercite
seus ombros; há u m a m ã o que guia." Do m e s m o m o d o que o jo-
vem a b a n d o n a o lar para buscar o futuro, assim ocorrerá c o m a
espécie h u m a n a . A Terra será "berço e lar". As estrelas, o prome-
tido porvir.
E falando de porvir, o deste infeliz pesquisador em Vegas de
Coria não tardaria a nublar-se. A sucessão dos m e u s erros era im-
perdoável e m e advertia, para m e u pesar, que na investigação ov-
ni " s o m o s t o d o s p e r p é t u o s principiantes".
Por o n d e c o m e ç a r ? Repassei mais u m a vez a lista das presu-
míveis t e s t e m u n h a s do "gigante de preto" e m e decidi pelo bar
de Pablo J i m é n e z , m o r a d o r de Vegas e, ao t e m p o , vereador de
Nunomoral, além de t e s t e m u n h a das "luzes" que teriam feito evo-
luções sobre o vale e que talvez tivessem relação c o m o insólito
p e r s o n a g e m . E m vinte anos de jornalismo eu havia a p r e n d i d o al-
g u m a s coisas, especialmente nos saudosos t e m p o s de repórter ge-
ral. Em t o d o s os núcleos h u m a n o s — e mais a c e n t u a d a m e n t e
q u a n t o mais reduzidos —, as notícias t e n d e m a concentrar-se e m
meia dúzia de e s t a b e l e c i m e n t o s públicos: bares, padarias e bote-
quins, de preferência. Nestes "centros da mentira" — versão mo-
derna da fonte pública de outros t e m p o s —, u m pesquisador con-
v e n i e n t e m e n t e estimulado p o d e conseguir n o m e s e pistas que lhe
a s s e g u r e m u m a boa provisão de material. Alheio ao desastre que

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se a p r o x i m a v a , dirigi p a r a u m d a q u e l e s " c e n t r o s sociais" m e u s
passos e minhas intenções.
Pablo, o p r o p r i e t á r i o , estava a u s e n t e . Primeiro c o n t r a t e m p o .
A e s p o s a , r e c e o s a d i a n t e d o forasteiro, foi s ó evasivas. E s e u t o m
alto, d e f e n s i v o , alertou a p a r ó q u i a . S e g u n d o c o n t r a t e m p o . Não
há t o r t u r a m a i s insuportável p a r a u m t í m i d o d o q u e a d e s c a r g a
d e u m a dúzia d e o l h a r e s inquisidores. Resumi e a d o c e i m e u s pro-
pósitos c o m o t a t o d e u m elefante, e s t e n d e n d o a s p e r g u n t a s a res-
peito d o " g i g a n t e d e p r e t o " a c a d a u m d o s t a c i t u r n o s c i d a d ã o s .
Vários d e l e s d e s e r t a r a m s e m t e r m i n a r sua cerveja. T e r c e i r o con-
t r a t e m p o . O b a r t o r n o u - s e p e s a d o e t e n s o . Insisti e pelejei, procu-
rando não perder o aprumo.
O s p o u c o s r e m a n e s c e n t e s t r o c a r a m a l g u n s c o c h i c h o s e, por
única r e s p o s t a , r e c o m e n d a r a m - m e , e m t o m severo, q u e " n ã o in-
c o m o d a s s e " . E n t ã o , o s p r i m e i r o s p a r á g r a f o s d a q u e l a carta publi-
c a d a n o jornal Hoy, d e B a d a j o z , v o l t a r a m - m e à m e m ó r i a , abalan-
do a coragem deste imprudente pesquisador.
Q u e i r a m o s ou não, a injusta " l e g e n d a n e g r a " q u e há a l g u n s
lustros se a b a t e r a s o b r e Las H u r d e s a i n d a suscitava n a t u r a i s re-
ceios entre os seus habitantes. Que esperar, então, de u m come-
ço t ã o i n e f i c i e n t e m e n t e p l a n e j a d o ? E u m a vez m a i s p a g a r a m o s
j u s t o s p e l o s p e c a d o r e s . 0 p e s s o a l d e V e g a s d e Coria estava farto
d e p i a d a s . P o u c o i m p o r t a v a q u e a q u e l e e s t r a n h o f a l a s s e a sério.
A l g u m a s s a n g r e n t a s r e s e n h a s d e ó r g ã o s d e i m p r e n s a , c o m Inter-
viú à frente, haviam e s g o t a d o a paciência daquela população. Sim-
p l e s m e n t e , só d e s e j a v a m e s q u e c e r e q u e o s e s q u e c e s s e m . Nova
lição p a r a o s i n v e s t i g a d o r e s iniciantes.
A s o r t e estava lançada. Eu o s o u b e a n t e s d e a b a n d o n a r o lo-
cal. Ainda assim, reunindo o q u e m e sobrava d e forças, sacudi aque-
la p r i m e i r a poeira e m e atirei à rua. Mas a notícia da p r e s e n ç a n o
povoado d e "outro intruso q u e procurava informações" t o m o u corpo
e m e venceu. D u r a n t e horas, p e r g u n t a s e p e s q u i s a s s o m e n t e con-
t r i b u í r a m para revolver s e n t i m e n t o s e tornar impossíveis m i n h a s
r e l a ç õ e s c o m a q u e l e povo. P o u c a s vezes, e m m i n h a s l o n g a s pere-
g r i n a ç õ e s a t r á s d e ovnis, e x p e r i m e n t e i o f r a c a s s o e a i m p o t ê n c i a
c o m o e m Vegas d e Coria. D u r a n t e t o d o o dia a p e n a s colhi silên-
cios, p o r t a s na cara, n e g a t i v a s e g e s t o s rudes. Q u a n t o à s t e s t e m u -
n h a s principais, todas, s u s p e i t o s a m e n t e , " a c a b a v a m d e deixar a al-
deia". Ao anoitecer, Pablo J i m é n e z , o vereador, a c a b o u por destro-
çar m e u s restos d e e s p e r a n ç a n e g a n d o q u e tivesse sido t e s t e m u -
n h a d e luzes e s t r a n h a s . O olhar esquivo e c e r t a s v a r i a ç õ e s no t o m
d e voz o d e l a t a r a m . Ocultava a verdade. Mas, f i r m e e cortês, aca-
b o u p o r sugerir que, para m e u p r ó p r i o b e m , e s q u e c e s s e a história.
C u r i o s a m e n t e , n i n g u é m na aldeia se a t r e v e u a d e s a c r e d i t a r
as "aparições". Como ocorre com freqüência, os problemas das

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Juliana Expósito Garcia,
filha de Estefania em segundas núpcias.
(Foto de J. J. Benitez.)

Andrea Expósito,
com seu marido,
Ángel Alonso.

Manuela Iglesias Iglesias, filha de Maria a


Habanera, mostrando o retrato
deteriorado de sua mãe. Manuela
completou 17 anos em 2 1 de outubro de
1 9 1 7 , data do " c o n t a t o " de Colás com
a " a s s o m b r a ç ã o " . Segundo esta
moradora de Cambroncino, Pepa, sua tia,
sua mãe e o amigo Colás regressavam
de Plasencia, c o m três cavalgaduras
carregadas de cal para as escolas,
quando viram a " l u z " . ( F o t o d e J . J .
Benitez.)
t e s t e m u n h a s de aparições de ovnis v ê m depois d o s a v i s t a m e n t o s
e por causa d o s h u m a n o s . O instinto, apesar das aparências, m e
dizia q u e de fato haviam tido lugar ali a c o n t e c i m e n t o s p o u c o co-
muns. Q u e as p e s s o a s n ã o d e s e j a s s e m falar e recordar era outra
questão.
Necessitado de u m a trégua e, sobretudo, de u m s o s s e g a d o
e x a m e de consciência, procurei abrigo na estalagem Hurdano, na
vizinha Nunomoral. A hospitalidade e a m e s a de Crescenciano
Duarte de Dios, o proprietário, foram um refrigério para este quase
derrotado peregrino, d m vinho e n c o r p a d o , u m a sopa s e m quími-
ca e u m a s a b o r o s a torta recheada de lingüiça de boa qualidade
m e devolveram à vida.
O n d e estava a falha? Por q u e toda u m a aldeia m e batia a por-
ta na cara? Ainda que não t e n h a a intenção de cair no orgulho
que q u a s e s e m p r e se oculta debaixo da falsa humildade, tive de
reconhecer que tão s o n o r o fracasso só podia ser atribuído a u m a
infeliz c o m b i n a ç ã o de falta de reflexos e precipitação. Eu chega-
ra tarde, e outros — a b u s a n d o da confiança da p o p u l a ç ã o — ha-
viam m a n i p u l a d o o assunto, fazendo de Vegas o alvo de ferinas
historietas. S e m n e n h u m a culpa, eu estava recolhendo a tempes-
t a d e s e m e a d a antes. É b o m a p r e n d e r c o m n o s s o s próprios erros.
C o m o dizia Públio Siro: "A prudência c o s t u m a faltar q u a n d o mais
falta n o s faz." E eu, f r a n c a m e n t e , havia agido c o m imprudência.
"Todo projeto" — explica Teógnis de Mégara — "deve ser medi-
t a d o pelo m e n o s três ou q u a t r o vezes." Com mais razão diante
de semelhantes antecedentes. Eu tinha de adotar outra tática. Não
sou, aliás, h o m e m que renuncie c o m facilidade.
Assim, nessa m e s m a noite armei-me de paciência e esbocei
um plano q u e não daria f r u t o s a n t e s de b e m a d i a n t a d o o a n o de
1986. O s insensatos que se atrevem a tachar-me de "mercantilis-
ta" t ê m contra si, nesta laboriosa e paciente investigação, u m se-
vero a r g u m e n t o . Se minha natural inclinação tivesse algo que ver
c o m o q u e m e i m p u t a m esses malnascidos, o lógico é que — de-
vorado por esse p r e t e n s o afã de lucro — m e aproveitasse das pri-
meiras e confiadas m a n i f e s t a ç õ e s d a s t e s t e m u n h a s à imprensa e
" m o n t a s s e " u m relato tão imoral q u a n t o rentável. Não é esse o
m e u estilo. Ao contrário, a maior dificuldade representa para mim
o maior estímulo. Se Vegas de Coria havia sido cenário das cor-
rerias de u m enigmático "gigante de preto", eu o descobriria. O
secreto poder de todo p e s q u i s a d o r está mais no t e m p o e na perti-
nácia do q u e no brilho fugaz.
C o m o clamar a o s céus? Não sou dos que a f i r m a m que "nada
é casual"? Pois bem, na m a n h ã seguinte teria ocasião de confir-
m a r o q u e já sei: nos a s s u n t o s pelos quais circula este p e c a d o r
tudo se acha "atado e b e m atado". O a c e r t a d o adágio de S t e r n e

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— "Deus a c o m o d a o vento para o cordeiro tosquiado" — parecia
concebido para mim. Com mais juízo do que na véspera, decidi
apresentar-me no Lar-Escola de Nunomoral, o n d e mantive u m a
cordial e frutuosa conversa c o m o professor e c o r r e s p o n d e n t e do
diário Hoy. Félix Barroso ouviu-me, e n t e n d e u minha "tragédia"
e m e ofereceu sua valiosa influência. Eu, porém, convencido de
que seria mais honesto e útil não forçar vontades, declinei da ofer-
ta. Desejava g a n h a r a confiança do povo do lugar, sim, m a s sem
recorrer a f ó r m u l a s mais ou m e n o s impositivas. De a c o r d o c o m
meu plano, tudo deveria chegar "sobre carretéis" e s e m mano-
bras bruscas. E n e m havia pressa. C o m o afirmou Ruskin, "sem-
pre houve no m u n d o mais coisas do que os h o m e n s p o d e r i a m ver
c a m i n h a n d o a passo lento; não as verão melhor se c a m i n h a r e m
velozmente".
Barroso d e u - m e mais detalhes sobre os a c o n t e c i m e n t o s de
Vegas. Tinha tido a sorte de chegar às f o n t e s b e m a n t e s que a at-
mosfera se anuviasse. E foi categórico: a gente de Las Hurdes é
simples e íntegra. Q u e n e c e s s i d a d e havia de perturbar a vida de
um povoado c o m relatos tão a p a r e n t e m e n t e a b s u r d o s ? As histó-
rias do "gigante de preto" só estavam acarretando desgostos e pro-
blemas. E m sua opinião, Nicolás Sánchez, o jovem lavrador e mo-
rador de Vegas, era u m a das peças-chave naquele quebra-cabeça.
Ele parecia ter tido a mais intensa e cristalina experiência c o m
o terrorífico ser de preto. A região o estimava. Sua f a m a , mereci-
da, era de h o m e m sério, rígido e p o u c o dado a e s q u e n t a r a cabe-
ça c o m "músicas celestiais". E esse p e r s o n a g e m ficou gravado em
minha m e m ó r i a .
Partilhando o m e s m o fervor pelas velhas lendas que, graças
a Deus, e m o l d u r a m ainda as terras da Espanha, logo Félix foi
e n c a m i n h a n d o a conversa para "outros casos" que incendiaram
minha insaciável curiosidade. Dois deles, e m especial, m e im-
pressionaram na ocasião. Do primeiro eu já tivera notícia. Em
parte era a c a u s a da minha presença e m Las Hurdes. Estou fa-
lando do caso do senhor de Cambroncino, localidade t a m b é m
jurdana, a s s e n t a d a entre C a m i n o m o r i s c o e Vegas. O h o m e m em
q u e s t ã o — u m tal "Colás" — havia disparado contra u m a "as-
s o m b r a ç ã o " que tivera a audácia de interpor-se e m seu caminho.
Logo depois morreria de f o r m a estranhíssima. Isso era tudo. Ao
m e n o s era o que havia c h e g a d o ao c o n h e c i m e n t o do correspon-
dente. O "incidente" — fosse ou n ã o lenda — circulava pela re-
gião fazia muito t e m p o . Mas n i n g u é m até então parecia haver-se
p r e o c u p a d o s e r i a m e n t e e m esclarecer os fatos. E este tosquiado
pesquisador foi cair na sutil cilada dos céus, e m b a r c a n d o na ár-
d u a missão de averiguar o mistério que levara à t u m b a o mora-
dor de Cambroncino.

31
Q u a n t o ao s e g u n d o "caso" — o do "tiu Mona" —, m e u infor-
m a n t e t a m p o u c o tinha muito que dizer-me. A notícia, s e g u n d o
entendi, era recente — t a m b é m "casual" — e saíra dos lábios de
um ex-aluno, parente longínquo do tal "tiu Mona". Para m e u mar-
tírio, o a s s u n t o perdia-se na noite d o s t e m p o s . Mas, c o m o ocorre-
ra c o m "Colás e seu f a n t a s m a " , a m e m ó r i a popular o m a n t i n h a
s e m d e t u r p a ç ã o . Resumindo: o "Mona" havia vivido u m a incrível
aventura ao cruzar c o m outra " a s s o m b r a ç ã o " que o desafiou a lu-
tar. E os j u r d a n o s da época juravam que seu c o m p a d r e havia sal-
vado a pele g r a ç a s a u m certeiro golpe desferido c o m u m a enor-
m e peça de p ã o que carregava. Félix Barroso p r o m e t e u voltar a
entrevistar-se c o m o rapaz, na tentativa de conseguir novos dados.
Não há c o m o negar. A m b a s as histórias t i n h a m u m cheiro de
fantasia que m e colocou e m guarda. Las Hurdes, c o m o outras re-
giões e s q u e c i d a s pelos governantes, e até pela Providência, t e m
padecido séculos de miséria e o b s c u r a n t i s m o . E a incultura — di-
zem os d o u t o s e o s a b e m t o d o s — s e m p r e se irmana c o m a su-
perstição. (Sobre esse particular haveria muito q u e anotar. Nova
York, para citar u m exemplo, é na atualidade u m fervedouro de
crédulos, fanáticos e supersticiosos.) A triste realidade é que, até
1922, a n o da visita da Alfonso XIII aos jurdanos, este recanto "suí-
ço" da geografia hispânica n ã o dispunha de escolas e estradas.
Mas, ainda aceitando que o a n a l f a b e t i s m o possa acarretar u m
apreciável índice de superstição, c o m o harmonizar essa falta de
instrução c o m uma imaginação popular tão fecunda? Algumas das
s u p o s t a s lendas que m e dispunha a pesquisar estavam repletas
de " i m a g e n s " b e m c o n h e c i d a s dos investigadores de ovnis. E
adianto u m p e n s a m e n t o que n ã o é m e u : será que a falta de infor-
m a ç ã o d e f o r m a os fatos reais e c o m o passar do t e m p o os envol-
ve na b r u m a da fantasia?
Pesquisas à parte, o certo e verdadeiro é q u e — talvez por
u m a g e n e r o s a c o n c e s s ã o da Providência — m e entusiasmei c o m
o "Colás" de Cambroncino e o "Mona" de Martilandrán, outro for-
m o s o recanto jurdano. E veja o leitor c o m o são as coisas de ovni:
a viagem m e viria a ser a l t a m e n t e proveitosa.
Antes, p o r é m , de s u b m e t e r o primeiro d o s c a s o s a severíssi-
m o j u l g a m e n t o , apurei, até o n d e m e foi dado, o a s s u n t o do mal-
sinado "gigante" de Vegas. C o m a lição b e m aprendida, passei
e s g u e i r a n d o - m e pela vizinhança e ocupei os dias seguintes c o m
u m a exaustiva e s e m p r e saudável "rodada de conversações" c o m
as "forças vivas" do lugar. Médicos, sacerdotes, professores, far-
macêuticos, vereadores e guardas-civis d o s d e s t a c a m e n t o s pró-
ximos tiveram a amabilidade e a santa paciência de responder às
m i n h a s perguntas, todas objetivando avaliar a integridade e a ho-
norabilidade das t e s t e m u n h a s .

32
Não houve q u e m sequer insinuasse a mais t ê n u e suspeita
quanto à inteireza moral desses veguenses. Em compensação, per-
cebi entre alguns — ainda que p o u c o s — simpatizantes ou afilia-
dos do antigo partido da Aliança Popular u m desejo oportunista
de capitalizar os a c o n t e c i m e n t o s de Vegas, c o m vistas às próxi-
m a s eleições municipais de maio d a q u e l e ano de 1983. ü m des-
ses espertalhões — despido de escrúpulos — c h e g o u a propalar
a estapafúrdia idéia de que "o assunto dos ovnis e da figura mons-
truosa" obedecia a u m a c a m p a n h a de desprestígio, orquestrada
pela " E s t r e m a d u r a tinida", outra facção política radicada e m Las
Hurdes. A ridícula m a n o b r a n e m m e r e c e comentários.
Não preciso dizer que a cada noite, concluída a colheita de
informação, m e u sofrido automóvel e eu c u m p r í a m o s a promes-
sa — absurda para muitos, eu sei — de velar na escuridão, n u m a
inútil m a s estimulante tentativa de ver aparecer o "gigante em-
b u ç a d o n u m lençol". As curvas, os escuríssimos pinheirais e os
bíblicos precipícios que f o r m a m u m t o d o entre as aldeias de Ar-
rolobos, Rio Maio de Abajo, Nunomoral e Cambroncino poderiam
dar t e s t e m u n h o do m e u sonho. Mas, c o m o já disse, além de um
ou outro susto, fruto do meu m e d o e do áspero adejar das águias
perdigueiras e outras aves de rapina, este incurável s o n h a d o r não
ganhou mais do q u e frio e u m i d a d e o t e m p o todo.
Se os vivos às vezes não falam, que esperar dos m o r t o s ? E m
pesquisas c o m o a de Cambroncino, o pesquisador — e n q u a n t o
tiver forças — deve multiplicar s u a s a n d a n ç a s e interrogatórios,
ainda mais quando a testemunha principal está irremediavelmente
ausente. E o a m i g o Colás, c o m o contava a lenda, de há muito pas-
sara desta para melhor. As primeiras i n f o r m a ç õ e s m e c a u s a r a m
vertigem: Nicolás Sánchez Martin — esse era o seu n o m e — mor-
rera no princípio do século. Do século vinte, b e m entendido. E
ainda bem...
A rude experiência de Vegas levou-me a alterar os papéis. E
durante toda a m i n h a p e r m a n ê n c i a na acolhedora C a m b r o n c i n o
alijei do m e u vocabulário o rótulo de "pesquisador ovni", de tão
nefastos resultados na vizinha povoação. Assim, s e m faltar à ver-
dade, fiz-me passar — algo ridiculamente, reconheço — por "com-
pilador de lendas e tradições". Mas, c o m o sentenciava minha avó,
a contrabandista, " b e m está o que b e m acaba". Graças a o s céus,
dessa vez o povo abriu-se para mim s e m reservas n e m intenções
ocultas. Para c o m e ç a r — e devo admitir q u e o assunto m e entu-
siasmou consideravelmente —, a suposta lenda não parecia tal.
Colás não era u m p e r s o n a g e m irreal. Havia nascido, vivido e mor-
rido naquela recôndita aldeia de telhados de u m preto azulado e
ruas — m e r a força de expressão — labirínticas e poeirentas.

33
Haveria t e m p o para verificar isso nos p o u c o s d o c u m e n t o s que se
conservam sobre sua pessoa.
A entrada nas cerca de d u a s d e z e n a s de casas de Cambronci-
no não poderia ser mais triunfai. O primeiro habitante que saiu
ao meu e n c o n t r o — Isidro Martin Martin, que por aquela época,
m a r ç o de 1983, contava já setenta e três a n o s — disse que sabia
de Colás e do seu infortúnio. O encontro c o m o " f a n t a s m a " havia
sido tão violento e sua m o r t e tão precipitada e inexplicável que
o a c o n t e c i m e n t o correra c o m o rastilho e d u r a n t e m u i t a s luas não
se falara de outra coisa n a q u e l a s e s q u e c i d a s p a r a g e n s . Meu amá-
vel informante não se lembrava de muitos detalhes. Era a p e n a s
uma criança na época. Mas ainda guardava na m e m ó r i a a estam-
pa de Colás: "alto, seco e forte, capaz de carregar u m a besta so-
bre os o m b r o s . "
— Muito e n d e m o n i n h a d a deve ter sido a bruxaria — senten-
ciou o velho — para d e s p a c h a r assim o "caballero".
— Ah! c o m p r e e n d o ! — aparteei meio c o n f u s o —. O tal Colás
era de origem nobre... 1
Isidro, e c o n ô m i c o e m palavras, m a s c o m a doçura daqueles
que c o m e ç a m a caducar, sorriu a p e n a s c o m os olhos. E, benevo-
lente, esclareceu:
— A nobreza de berço, jovem, não está no sangue, m a s no
coração. Eu m e referia, p e r d o e - m e o senhor, era à maneira c o m o
andava Colás, ou seja, no l o m b o das cavalgaduras.
Conduzido pelo oportuníssimo guia — que alegria se sente
q u a n d o se p e r c e b e a m ã o da Providência... —, entreguei-me de
corpo e alma a identificar os o c t o g e n á r i o s de C a m b r o n c i n o . A ta-
refa nada tinha de desagradável, ao contrário. E ainda que no
transcurso das divertidas a c a r e a ç õ e s surgisse u m ou outro paren-
te do "cavaleiro Colás" que eu, naturalmente, tencionava visitar,
preferi n ã o m e apressar. Esgotaria a n t e s de mais nada as versões
daquela gente.
Acho que foi a minha boa ação daquele dia. Anciãos c o m o
Manuela Iglesias Iglesias, Marcelina Marcos, Teresa Iglesias Ru-
bio ou J u a n Marco Martin, "o das panelas", para não alongar muito
a lista, ficaram felizes de poder r e m e m o r a r u m fato que, s e g u n d o
eles, "a juventude de hoje n ã o e n t e n d e e recebe c o m descrédito".
C e r t a m e n t e , diante da minha surpresa, cada um d o s informantes
deixou claro e a s s e n t a d o — para desfazer suspeitas — que "pu-
nha a m ã o no fogo" por Colás. N e n h u m deles tinha dúvidas. A
n i n g u é m passou pela m e n t e atribuir o e n c o n t r o c o m o "fantas-
m a " a lendas ou histórias de velhas. Outra questão era definir e de-

1. O quiproquó explica-se pela indistinção vocabular, no espanhol, entre "cava-


leiro" e "cavalheiro", como no português. (N. T.)

34
O riacho onde se deu o " c o n t a t o " entre Colás e a " l u z " .
Ao fundo, o caminho que o animal seguiu para Cambroncino.

Don Vito, o médico,


que tentou salvar a vida
de Colás, em companhia
de sua esposa.

Botão de f o g o " utilizado por


Don Vito no tratamento de
Colás. Abaixo, o artefato
metálico que se expunha ao
fogo até que a ponta
alcançasse a incandescência. A
direita, a " p e r a " que se
utilizava como fole para,
através de um t u b o de
borracha, manter o ferro rubro.
Acima, à esquerda, uma
pirogravura feita por Victor
Sánchez c o m esse mesmo
cautério.
limitar a verdadeira natureza da " a s s o m b r a ç ã o " . Aí, c o m o é natu-
ral, houve de tudo. Mas, no substancial, a coincidência foi notá-
vel. Tal qual ouviram dos lábios do infeliz Colás — o m e n o s idoso
dos m e u s interlocutores rondava já os oitenta e cinco a n o s —, as-
sim foram transmitindo e assim ouviu q u e m isto escreve. E as-
sim — pela graça do S e n h o r — fica impressa a p e q u e n a g r a n d e
história.
"Ocorreu a n t e s da visita do rei."
Os velhos j o r d a n o s queriam referir-se ao rei Alfonso XIII. Isso
m e deu u m a pista. Falavam, nesse caso, de u m a época anterior
a 1922. Mas não houve f o r m a de pô-los de acordo, ü n s remonta-
vam a 1910 e outros ao início dos a n o s 20. Desisti. Com u m pou-
co — ou muito — de sorte, talvez a solução d o r m i s s e nos arqui-
vos paroquiais.
"Corriam o s primeiros dias de n o v e m b r o . Colás, trabalhador
e correto c o m o poucos, tinha s e u s negócios e parcerias. Criava
porcos, vendia frutas e metia o m b r o s a qualquer tipo de trabalho.
Saiba o s e n h o r que nada lhe p u n h a m e d o . E u m belo dia, com-
pletada a venda de uns porcos no m e r c a d o de Ahigal, q u a n d o vol-
tava para a aldeia..."
Não m e cansarei de insistir no significativo f e n ô m e n o das
coincidências. Apesar de interrogados e m separado, os anciãos,
cada qual e m sua linguagem, f o r a m f o r n e c e n d o os m e s m o s no-
m e s e d e s c r e v e n d o as m e s m a s circunstâncias.
"...e q u a n d o já estavam prestes a atingir o porto, u m a luz ao
longe o s obrigou a parar. Flutuava sobre o rio e muito perto de
Rivera Oveja..."
Ao notar que falavam no plural perguntei pela c o m p a n h i a .
Então m e d e r a m a identidade de outras duas m o r a d o r a s de Cam-
broncino, já desaparecidas: Maria Iglesias, a Habanera, e sua ir-
mã Pepa. Todos, ao q u e se sabe, regressavam de Ahigal.
"...e as mulheres, s e m p r e t e m e r o s a s , a c h a r a m mais pruden-
te pernoitar em Ribera Oveja. Aquela 'luz', na opinião delas, não
era coisa h u m a n a . Então, c o m o m e d o no corpo, se recolheram.
Colás, que não conhecia fraquezas, continuou colina abaixo, c o m
a única c o m p a n h i a da mula e de u m sabre que i m p u n h a respeito
à simples vista. Mas, q u a n d o ia atravessar o rio a 'coisa' voou ao
seu encontro e foi esperá-lo na outra m a r g e m . Colás e sua caval-
gadura atravessaram o rio e assim que pisaram terra firme d e r a m
de cara c o m a 'luz', que lhes barrou o c a m i n h o . Aí c o m e ç o u o cal-
vário. Colás quis impor o seu direito de passar. Mas os 'fantasmas',
saiba o senhor, não c o n h e c e m razões. Então Colás e m p u n h o u o
seu sabre e gritou-lhe c o m o a u m s e m e l h a n t e : 'Ou te afastas ou
te afasto!' Bem sabe Deus que ele falava a sério. E nessa estava
q u a n d o — s e g u n d o relatou aos s e u s — a 'luz' avançou aos golpes

36
e pancadas, visando às p a t a s da cavalgadura. Entre coices e sal-
tos a mula safou-se da 'assombração' e alcançou c o m o p ô d e —
e Colás c o m ela — as terras de p r o p r i e d a d e do cavaleiro. A co-
m o ç ã o e tudo o mais deixaram Colás prostrado e sem ânimo. E
durou a p e n a s mais três dias."
Esta, mais ou m e n o s f r a g m e n t a d a , foi a versão dos conterrâ-
neos que o t i n h a m conhecido, ü m d e p o i m e n t o harmônico, nar-
rado c o m e s p o n t a n e i d a d e e s e m n e n h u m a aparência de fabula-
ção. Clm a c o n t e c i m e n t o — milagre da tradição oral — conserva-
do durante mais de m e i o século e que, ao deixar C a m b r o n c i n o
e os c o n t e m p o r â n e o s de Colás, começava a sofrer as d e t u r p a ç õ e s
naturais. Por exemplo: n e n h u m dos anciãos m e n c i o n o u a palavra
"sombra". T a m p o u c o se falou de arma de fogo. Fazendo-se eco
do relato de Pepa, da Habanera e do próprio Colás, m e n c i o n a r a m
repetidas vezes u m t e r m o muitíssimo familiar aos p e s q u i s a d o r e s
ovni: a "luz".
Mas eu precisava lapidar a história. Ainda faltava interrogar
mais um ou dois informantes. Assim, nos dias sucessivos dedi-
quei minha a t e n ç ã o aos p a r e n t e s do infortunado Colás. Estefanía
Garcia Sánchez, esposa da testemunha principal, natural de La Pes-
ga e peça-chave no caso, fazia t e m p o que deixara de pertencer
ao m u n d o dos vivos. Os papéis c o n f i r m a v a m seu falecimento e m
1953, aos sessenta e dois anos de idade. Tive de resignar-me. Mas
nem tudo estava perdido. Apurei q u e duas das filhas de Estefanía
(do s e g u n d o c a s a m e n t o ) e um genro de Colás ainda viviam. E os
deuses e a "nave-mãe" 2 foram compassivos comigo. Nisio, o gen-
ro, e Juliana Expósito Garcia, filha de Colás, não m e d e r a m ne-
n h u m e l e m e n t o novo sobre o a c o n t e c i m e n t o . Seu relato casou,
ponto por ponto, c o m o que eu já tinha ouvido. Mas Nisio foi pre-
cioso em um ponto: deu-me a época do encontro c o m a "assom-
bração" q u a s e p r e c i s a m e n t e . Partindo do óbito de sua mulher,
acontecido e m 1973, aos cinqüenta e oito a n o s de idade, e consi-
d e r a n d o que a filha de Colás tinha dois ou três anos q u a n d o da
morte do pai, a história deve ter-se p a s s a d o ao redor de 1917. Fi-
quei p a s m a d o . Eu estava envolvido na reconstrução de u m lance
mais antigo do que podia supor.
Nisio, pelas contas, era a p e n a s u m m e n i n o q u a n d o Colás e
sua mula alcançaram Cambroncino e m tão atropeladas circuns-
tâncias. Mas, insisto, o acontecimento foi tão trágico que nada nem

2. Esta expressão "nave-mãe" aparecerá aqui com certa freqüência. Trata-se, di-
gamos, de uma metáfora(?) de uso pessoal que resume e simplifica boa parte da minha
filosofia, já exposta, em torno da "causalidade" e dessa fascinante "programação-
proteção" que determinados tripulantes dos ovnis parecem exercer sobre os pesquisado-
res. Que o céu me perdoe semelhante revelação! (N. A.)

37
n i n g u é m o eliminou da m e m ó r i a . Mais preciso do q u e os outros
todos, Nisio m e proporcionou até a data do fato: "entre 1 e 2 de
novembro". Era muito significativo que, transposta já a q u a s e fa-
raônica muralha dos sessenta e seis anos que o separavam do pro-
vável 1917, o ancião conservasse vivo e fresco o q u a d r o de tão
amarga aventura. Sinal inequívoco de que correspondia a u m a só-
lida realidade. Richter estava certo ao elogiar a m e m ó r i a dos ve-
lhos: "E o único paraíso do qual n ã o p o d e m ser expulsos." Toma-
ra tivéssemos nós sido e d u c a d o s na arte da transmissão oral... Pa-
radoxalmente, a moderna e e s m a g a d o r a fórmula de comunicação
entre os h u m a n o s é tão veloz q u a n t o fugaz. E n q u a n t o os jovens
p a r e c e m e s p e c i a l m e n t e d o t a d o s para o e s q u e c i m e n t o , os velhos
— Deus os a b e n ç o e — d e s f r u t a m o d o m de recordar.
"Pouco m a i s p o d e dizer-se do m e u p o b r e sogro" — disse Ni-
sio —. "Sabe-se que foi e n t e r r a d o e m Cambroncino, m a s isso é
c o m o não saber nada."
Achei melhor n ã o e m b a r a ç a r o genro c o m u m dilema filosó-
fico. Ainda que a negligência fizesse d e s a p a r e c e r cruz e n o m e do
cemitério, a m e m ó r i a de Colás sobrevive e, muito provavelmen-
te, sobreviverá a nós. Está claro que não d e s a p a r e c e o que mor-
re, m a s sim aquele a q u e m se esquece. E o caso, no m e u fraco
entendimento, parecia forjado por m ã o s "não humanas", c o m evi-
d e n t e "intencionalidade propagandística". E u m a vez q u e repu-
dio a casualidade, que outra explicação haveria para a preserva-
ção da m e m ó r i a do fato s e m d e t u r p a ç ã o e a descida de u m pes-
quisador e m tão longínquas p a i s a g e n s e c o m u n i d a d e s ?
Mas v a m o s c o m cautela. Antes de arriscar na hipotética in-
t e r p r e t a ç ã o da enigmática aparição, convinha a p r o f u n d a r as pes-
quisas.
A entrevista c o m Juliana Expósito Garcia — juro que não pu-
de evitar — foi q u a s e u m a festa. Mas t a m b é m não era habitual,
reconheça-se, que em tão excêntrico ângulo do m a p a nacional —
leia-se C a m b r o n c i n o — c h e g a s s e m t o d o s os dias forasteiros em-
p e n h a d o s e m d e s e m p o e i r a r mistérios e outras curiosidades. As-
sim, c o m razão ou s e m razão, q u a n d o c o m e ç a m o s a falar c o m a
filha de Estefanía, a casa t o m o u ares de reunião familiar. Movi-
dos pela curiosidade, f o r a m a p a r e c e n d o h o m e n s e mulheres, ra-
pazes e m o ç a s e quanta g e n t e m i ú d a foi capaz de conseguir u m
lugar. E o que foi m a i s vantajoso: alguns sobrinhos do protago-
nista da nossa história. Entre eles a loquaz Agapita, filha de Ma-
ria J o s e f a Martin Martin, meia-irmã de Colás. (Não se s u r p r e e n d a
o leitor diante dessa s a r a b a n d a de parentes. E m Las Hurdes, até
há b e m pouco, a c o n s a n g ü i n i d a d e era muito c o m u m . )
E o papel estelar da reunião, c o m o era fácil prever, ficou pa-
ra Juliana. Ainda que, c o m s e u s cinqüenta e quatro anos, não ti-

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I «irosa Iglesias Rubio, nascida em 1 9 0 0 , O "tio Juan",
moradora de Cambroncino e testemunha em pleno ato de rezar responsos.
(In outro " f a n t a s m a " pelo ano de 1 9 3 0 . A seu lado, seu filho Sixto.
(I oto de J. J. Benitez.) (Foto de J. J. Benitez.)
vesse c o n h e c i d o o d e f u n t o Colás — sepultado, s e g u n d o t o d o s os
indícios, no decorrer da Primeira Guerra Mundial —, era, de fato,
"depositária da mais pura tradição", c o m o diria u m p e d a n t e .
"Boa era minha m ã e , a senhora Estefanía..."
Com a sagaz inteligência que Deus m e deu, não tive muito
trabalho para interpretar c o r r e t a m e n t e tão e s p o n t â n e o comentá-
rio. Deduzi q u e a senhora sua m ã e lhes havia m a r t e l a d o os ouvi-
dos c o m a história do " f a n t a s m a " até dizer basta. E tinha razão
a pertinaz Estefanía. Porque, v a m o s e v e n h a m o s , se e x c e t u a r m o s
as aparições de Fátima — ocorridas do outro lado da fronteira e
" c a u s a l m e n t e " no m e s m í s s i m o a n o —, de que outro "aconteci-
m e n t o m á g i c o " podia vangloriar-se C a m b r o n c i n o e até m e s m o o
resto da região? Colás, q u e i r a m o s ou não, havia sido o primeiro
"mártir" das "aparições". Pelo m e n o s dos t e m p o s m o d e r n o s .
A s e q ü ê n c i a foi impecável. Juliana Expósito, a j u d a d a aqui e
ali por Agapita e a parentela, fez um relato exatíssimo. N e n h u m a
contradição c o m as d e m a i s versões. E mais: o estreito, natural e
p r o l o n g a d o contato c o m sua m ã e (Juliana viveu c o m Estefanía
por espaço de vinte e quatro anos) lhe havia proporcionado o aces-
so a detalhes d e s c o n h e c i d o s da aldeia. Por exemplo: que Colás,
em plena luta c o m a "luz", recebeu um e s t r a n h o e invisível golpe
que o arrojou de cima da mula ao solo.
" J a m a i s se s o u b e de o n d e partiu tal p a n c a d a n e m q u e m foi
o autor de t a m a n h a sem-vergonhice."
Juliana tinha razão. T a m b é m s o u b e que Colás chegara trans-
tornado e que, apesar da sua reconhecida valentia, tinha u m a "cor
de cera". E que, depois de relatar à família a lamentável e injusta
desgraça que lhe havia acontecido, sobreveio-lhe o sentimento de
h u m i l h a ç ã o que o atirou na c a m a e exigiu socorro. E nove dias
depois — não três, c o m o calculavam os anciãos — Deus o levou.
Não por falta de recursos, q u e os tinha, e muito m e n o s por negli-
gência dos médicos, que f o r a m c h a m a d o s de Casar de P a l o m e r o
e P i n o f r a n q u e a d o . A causa da m o r t e m e pareceu u m p o n t o de es-
pecial interesse na leitura do caso "Colás". Mas, por mais que eu
repassasse na m e m ó r i a as versões já ouvidas, esse a s p e c t o conti-
nuava p o u c o claro. Houve u m a clara divisão de opiniões: uns fa-
laram de p n e u m o n i a ; outros, a maioria, "susto de morte". Estefa-
nía c o n t o u a Juliana que fora necessário aplicar-lhe "botões de
fogo". E ainda assim "o s a n g u e continuou congelado"...
Ao ouvir a palavra " p n e u m o n i a " tentei descobrir se Colás se
havia refugiado ou caído nas á g u a s do rio Los Ángeles. Negativo.
"Apareceu enxuto", t e s t e m u n h o u Juliana. "Ele n ã o era dos que
r e c u a v a m q u a n d o tinha razão."
Entendi por "botões de f o g o " u m a espécie de remédio casei-
ro muito e m p r e g a d o e m d é c a d a s p a s s a d a s e que, c o m o auxílio

40
de u m i n s t r u m e n t o metálico, g e r a l m e n t e u m ferro e m brasa, atua-
va c o m o cautério. Mas d e i x e m o s as e s p e c u l a ç õ e s s o b r e a miste-
riosa m o r t e .
A i m p o s s i b i l i d a d e d e viajar, n o m o m e n t o , à c i d a d e d e Cáce-
res, o n d e m o r a v a A n d r e a Expósito, irmã d e J u l i a n a , f o r ç o u - m e
a interromper as investigações c o m parentes. A reconstituição d o s
fatos, todavia, d e n t r o d a s n a t u r a i s l i m i t a ç õ e s q u e o a c o n t e c i m e n -
to i m p u n h a , havia c h e g a d o p r a t i c a m e n t e a o fim. E pelo resto da-
quela s e m a n a d e d i q u e i - m e a d e v a s s a r a região, na u t ó p i c a espe-
rança d e a c h a r vivo a l g u m d o s m é d i c o s que, s e g u n d o p a r e n t e s
e m o r a d o r e s da aldeia, h a v i a m a t e n d i d o Colás e m s e u s ú l t i m o s
dias. "(Jtópica e s p e r a n ç a ? " Minha e m p r e i t a d a era digna d o m a i s
i n g ê n u o d o s f r a n c i s c a n o s . S e s s e n t a e seis a n o s c o n t r a p o n d o - s e
a o m e u p r o p ó s i t o e r a m u m a e t e r n i d a d e . N e m d o m Vito, d e Casar
d e P a l o m e r o , n e m d o m Hilário, d e P i n o f r a n q u e a d o , e s t a v a m dis-
p o s t o s a c o n f i d ê n c i a s . O s v e n e r á v e i s " g a l e n o s " que, presumivel-
m e n t e , viram extinguir-se o "mártir d e C a m b r o n c i n o " , n ã o esta-
vam. Minto. Ainda q u e m o r t o s e s e p u l t a d o s , " e s t a v a m " na me-
mória d o s j u r d a n o s . (Que t e r i a m o s a n t i g o s m é d i c o s "de cabecei-
ra" para q u e a p á t i n a d o t e m p o n ã o d e s f i g u r a s s e s e u s n o m e s e
imagens?) C o m o eu previa, n i n g u é m e n t e n d e u o interesse por coi-
sa tão remota. Falar d e algo de princípios d o século era c o m o men-
cionar o australopithecus de Quênia.
E n t ã o pensei e m fazer u m a busca nos arquivos oficiais. A b e m
da v e r d a d e , a i n d a q u e eu tivesse à m i n h a f r e n t e m u i t o s a m i g o s
e p a r e n t e s seus, Colás, do p o n t o d e vista jurídico, era a p e n a s u m a
ficção. Mais d e u m " v a m p i r o " p o d e r i a a l e g a r q u e e s s e c a s o era
m a i s f r u t o da m i n h a febricitante i m a g i n a ç ã o do q u e u m a "reali-
d a d e c i e n t i f i c a m e n t e t e s t a d a " . Coisas p i o r e s se t ê m dito e publi-
cado...
C o m a b o n d o s a a j u d a de Feliciano Ventura, p á r o c o de La Pes-
ga; de A n t o n i o Puerta, s e c r e t á r i o da aldeia d e C a m i n o m o r i s c o ,
e d e F a u s t o Lucio, d o Arquivo D i o c e s a n o d e Cáceres, e n t r e ou-
tros, m e u t r a b a l h o d e u resultado. C o m o eu estava i n s e g u r o acer-
ca da data d o f a l e c i m e n t o , foi p r e c i s o u m a vasta e x p l o r a ç ã o d e
p a c o t e s e alfarrábios, à m a n e i r a a n t i g a . O u seja, folha por folha.
Mas t u d o t e m seu fascínio na a p a i x o n a n t e i n v e s t i g a ç ã o ovni, in-
cluindo e s s a s " e s c a v a ç õ e s " na p o e i r e n t a História. E a s e g u n d a dé-
c a d a do s é c u l o XX local foi i m p i e d o s a m e n t e revolvida até q u e ,
c m d a d o m o m e n t o , a " n a v e - m ã e " teve p e n a d e t o d o s . Mais c e d o
d o q u e eu e s p e r a v a , o arquivo d o B i s p a d o d e Coria j o g o u - n o s a o
colo u m p r e s e n t e da Providência. Ali, d o r m i n d o u m s o n o ininter-
rupto d e s e s s e n t a e seis a n o s , jaziam, a m a r e l e c i d a s , d u a s f o l h a s
q u e c o m p e n s a v a m c o m j u r o s as p e n a s , o s f r a c a s s o s e o s sacrifí-
cios d a q u e l a s ú l t i m a s s e m a n a s .

41
S ó o s p e s q u i s a d o r e s q u e s e e n t r e g a m c o n v i c t a m e n t e a o seu
t r a b a l h o p o d e m partilhar e e n t e n d e r m i n h a íntima s a t i s f a ç ã o e m
u m i n s t a n t e c o m o esse. Ali estava, m i l a g r o s a m e n t e intacta, a ata
d e f a l e c i m e n t o d e Nicolás S á n c h e z Martin. Era a primeira vez, e m
longo m e i o século, q u e a l g u é m se o c u p a v a e p r e o c u p a v a c o m
aquele d e s a p a r e c i d o jurdano. A primeira vez q u e outro ser h u m a n o
— u m t a n t o "louco", r e c o n h e ç o — resgatava-o d o e s q u e c i m e n t o .
E, c o m o já disse, s e n t i - m e gratificado. A q u e l e d o c u m e n t o — re-
p r o d u z i d o e m fac-simile n e s t a s p á g i n a s —, a l é m d e c o n f i r m a r a
" p e r s o n a l i d a d e jurídica" d e Colás, a c r e s c e n t a v a a l g u n s d a d o s d e
interesse. Mas a n t e s d e o s c o m e n t a r será j u s t o q u e revele a o lei-
tor tão i m p o r t a n t e t e x t o . A folha e m q u e s t ã o , d e n ú m e r o oito, re-
za assim:

Núm. 8. Cambroncino

Nicolás Sánchez Martin, casado com Estefanía Garcia


Sánchez.

Em Cambroncino, província de Cáceres, Diocese de Coria, dia


trinta e um do mês de outubro de mil novecentos e dezessete, eu,
o infra-assinado Dom Vicente González Montero, cura-pároco da
igreja paroquial de Sta. Catalina Virgen y Mártir do mesmo po-
voado, mandei dar sepultura eclesiástica ao cadáver de Nicolás
Sánchez Martin, natural deste povoado, de trinta e nove anos de
idade, casado com Estefanía Garcia Sánchez, esta natural de La
Pesga, ele natural e morador deste povoado, onde faleceu às três
da tarde do dia anterior sem que a papeleta do Juizado municipal
de Caminomorisco expresse o gênero de morte. Era filho legíti-
mo de Nicolás Sánchez, natural de Las Escás (ininteligível) de Pi-
nofranqueado, e de Jerónima Martin, natural e moradora deste
povoado. Recebeu os santos sacramentos de Penitência Viático
e Extrema-unção. Foram testemunhas do sepultamento Primiti-
vo Iglesias e Florentino Iglesias desta localidade. Epara que conste
assino na data "ut s u p r a " .

VICENTE GONZÁLEZ M O N T E R O

O p a c i e n t e leitor e n t e n d e r á a g o r a o p o r q u ê do m e u n a d a exa-
g e r a d o júbilo. O b o m d o Colás n ã o era p r o d u t o d e u m s o n h o fe-
bril. T a m p o u c o da s u p e r s t i ç ã o , a i n d a que, a d m i t o , estivesse a ca-
m i n h o d e se instalar na " m i t o l o g i a d o m é s t i c a " .
A ata, c o m o v e m o s , era u m a s e n h o r a ata. Ali e s t ã o p o r m e n o -
res d e valor inestimável. A m e m ó r i a d o s a n c i ã o s — d a t a n d o o
a c o n t e c i m e n t o d o s " p r i m e i r o s dias d e n o v e m b r o " — s o m e n t e ha-

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via errado em u m a s e m a n a . A i n u m a ç ã o do cadáver se realizou
em 31 de o u t u b r o de 1917. E o pároco, minucioso, faz saber que
a m o r t e ocorrera "às três horas da tarde do dia anterior". Se os
parentes estavam certos, e o "mártir de Cambroncino" sobrevi-
veu nove dias, o fatídico encontro c o m a "assombração" devia ter
acontecido em 21 do m ê s de outubro, domingo. E havia mais. Co-
lás morreu aos trinta e nove anos. ü m a circunstância que, conju-
gada à c o m p r o v a d a fortaleza do protagonista, poderia proporcio-
nar valiosas reflexões acerca da possível " d o e n ç a " que o levou à
t u m b a , ü m a " d o e n ç a " que, c o m o assinalou o minucioso pároco,
"não constava n e m na papeleta do juizado", o que é muito signi-
ficativo...
Não era m i n h a intenção enfatizar a observação do reverendo
d o m Vicente Gonzáles Montero, a q u e m não p u d e beijar as m ã o s
por motivos óbvios. O que estava escrito, escrito estava. Mas era
meu dever confirmar a data do óbito. Para isso — e r e t o r n a n d o
aos alfarrábios da municipalidade — só havia uma saída: encon-
trar a "certidão de sepultamento", s u p o n d o que existisse. Há oca-
siões em que eu m e s m o m e assombro diante desta rocha que Deus
me deu por cabeça. Qualquer ufólogo "de salão" se haveria d a d o
por feliz c o m o a c h a d o da ata de óbito. Por que então a minha
obstinação? Creio que a teimosia é u m a sábia c o m p e n s a ç ã o da
Natureza para a escassez de luzes... Estou resignado.
Apresso-me a advertir que desta vez as pesquisas não foram
tão trabalhosas. Os n o m e s e datas que eu possuía t o r n a r a m esta
etapa da pesquisa b e m mais a m e n a . E foi noutra a f o r t u n a d a ma-
nhã que caiu e m m i n h a s m ã o s o q u a s e pré-histórico d o c u m e n t o .
A certidão de e n t e r r a m e n t o de Nicolás Sánchez Martin confirma-
va civilmente, claro — o que estava c o n s i g n a d o no livro V, folhas
166 verso, n ú m e r o 8, do t o m o de falecimentos da paróquia San-
ta Catalina de Cambroncino. O a m i g o Colás havia falecido em 30
de outubro de 1917.
As próximas e obrigatórias correrias deste c o m e d o r de estra-
das tiveram por cenário a vizinha localidade de Rivera Oveja. Meu
objetivo era sondar a m e m ó r i a dos octogenários à busca de re-
c o r d a ç õ e s que p u d e s s e m completar o acontecido naquele dia 21
de o u t u b r o de 1917. E a "nave-mãe" esteve por ali...
Durante um dia de grande atividade, os anciãos — auxiliando-
se m u t u a m e n t e em tão inusitado "parto" — foram revolvendo me-
mória e p r o p o r c i o n a n d o - m e u m a alegria que só os pesquisado-
res "de c a m p o " p o d e m avaliar c o m justeza e justiça.
O "frescor mental" de moradoras de Rivera Oveja, c o m o Mag-
dalena González e Bienvenida M o h e d a n o Mohedano, além de ou-
tros c o n t e m p o r â n e o s do "mártir de Cambroncino", permitiu-me
confirmar a veracidade da enigmática "luz" que sobrevoou Rive-

43
ra Oveja. Ao que parece, Colás e as irmãs " h a b a n e r a s " — c o m o
era de supor — não foram as únicas t e s t e m u n h a s do encontro c o m
o " f a n t a s m a " . O a c o n t e c i m e n t o c o m o v e u m e t a d e da aldeia, ü m
tal Julián Sanchez, já falecido, ao ver a "luz" nas proximidades
do m o i n h o e m que trabalhava, c h e g o u até a lançar m ã o da sua
escopeta, disposto a " e s q u e n t a r " o s u p o s t o farsante. Mas ao
convencer-se q u e "aquela coisa" p o u c o tinha de h u m a n o , optou
pelo mais p r u d e n t e e razoável: a b a n d o n a r a cena e rezar.
Conta-se t a m b é m que o u t r a s duas mulheres, residentes em
Sotoserrano, adotaram a m e s m a e sábia decisão das acompanhan-
tes do amigo Colás. Ao verem a "luz", cheias de medo, recolheram-
se na casa da tia Candela e se recusaram a continuar o c a m i n h o .
As erráticas evoluções da "aparição" prolongaram-se por boa parte
daquela noite, e n c h e n d o os m o r a d o r e s da aldeia de m a u s pressá-
gios e t e m o r e s .
Guiado por Emiliano Dominguez Iglesias, natural de Cam-
broncino e g e n r o da citada Bienvenida Mohedano, tive acesso ao
lugar onde, s e g u n d a afirmava toda a aldeia, se passara o infeliz
"encontro" entre Colás e o ovni. Um e m a r a n h a d o e rústico vale
pelo qual serpenteia u m regato c h a m a d o "Vanogal". ü m recanto
perdido, a coisa de q u i n h e n t o s m e t r o s da aldeia, que q u a s e não
alteroiJ sua beleza e seu silêncio d e s d e 1917. Explorei o leito do
riacho, verificando que de fato suas águas cristalinas eram de pou-
quíssima p r o f u n d i d a d e , permitindo u m a tranqüila travessia a ho-
m e n s e cavalgaduras. E, apesar d o s a n o s transcorridos, ali, em
pleno palco d o s a c o n t e c i m e n t o s , experimentei u m a intensa emo-
ção, misto de tristeza e de raiva. Qual o sentido daquela m o r t e ?
E, s e m saber b e m por que, colhi um p e q u e n o r a m a l h e t e de flores
silvestres e o atirei à m a n s a corrente, c o m o humilde recordação
e h o m e n a g e m à m e m ó r i a de um bravo h o m e m que, sozinho, não
hesitou e m enfrentar u m a força desconhecida.
Durante algum t e m p o pensei muito no "mistério" da m o r t e
de Colás. Intensifiquei as pesquisas e, finalmente, desencavei os
arquivos do médico que o havia t r a t a d o n a q u e l e s derradeiros no-
ve dias. Lamentavelmente, a revisão das c e n t e n a s de papéis, li-
vros e pacotes do cirurgião Victor Sánchez Hoyos, o f a m o s o "Don
Vito", no que fora seu consultório em Casar de Palomero, não aju-
dou a solucionar o p r o b l e m a . O querido e eficiente médico havia
falecido e m 1953, aos noventa e u m a n o s de idade, e depois de
cinqüenta de ininterrupto exercício em Las Hurdes. Com o passar
do t e m p o , muitos dos s e u s d o c u m e n t o s haviam sido destruídos.
Mas não a b a n d o n e i as buscas. Com a c o l a b o r a ç ã o de s e u s filhos
— especialmente de Constancia Sánchez Martin —, continuo em-
p e n h a d o na procura do "histórico clínico" do "mártir de Cambron-
cino". Dada a correção e meticulosidade d a q u e l e facultativo, é

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mais do que provável que em a l g u m lugar se conserve ainda u m
relatório de " d o e n ç a " que levou Colás. Q u e s t ã o de paciência. En-
quanto isso, arrisco-me a avançar a l g u m a s das possíveis c a u s a s
da morte. Com b a s e nos d e p o i m e n t o s , nos s i n t o m a s e no empre-
go dos "botões de fogo", os m é d i c o s que consultei c o n c o r d a m
c o m a hipótese de u m a " p n e u m o n i a estafilocócica".
A causa imediata dessa moléstia poderia estar nos efeitos, so-
bre a vítima, de u m a radiação ionizante de natureza desconheci-
da e p r o c e d e n t e da "luz" que interceptou sua c a m i n h a d a e se in-
troduziu entre as p a t a s da mula. Essa radiação 3 , de baixa fre-
qüência, a julgar pela sintomatologia, c o m p e q u e n o poder de pe-
netração, afetaria a pele inevitavelmente. O histórico d o s ovnis
inclui n u m e r o s o s c a s o s de t e s t e m u n h a s que s o f r e r a m toda sorte
de q u e i m a d u r a s devido à proximidade das naves. O caso de lm-
jãrvi, na Finlândia, e m janeiro de 1970, é clássico. A radiação afe-
tou g r a n d e s áreas do corpo e originou q u e i m a d u r a s de s e g u n d o
e de terceiro grau, além de outros sintomas típicos: vômitos, diar-
réias, etc. E m 1917, e n u m a m b i e n t e rural c o m o o de Cambron-
cino, de c o n d i ç õ e s higiênico-sanitárias m a i s do que precárias, a
evolução das q u e i m a d u r a s para u m a infecção generalizada era
q u a s e inevitável. Então surgiria o que e m medicina se c o n h e c e
c o m o "infecção oportunista", causada, q u a s e c o m certeza, por es-
tafilococos. Estes g e r m e s são e n c o n t r a d o s na pele e no ambien-
te, ainda que em condições normais se mostrem inócuos. Em uma
primeira fase apareceriam bolhas, vesículas. Daí o e m p r e g o , por
Don Vito, dos "botões de fogo". Essas bolhas s u r g e m em quei-
m a d u r a s de s e g u n d o grau e especialmente nas de terceiro. A apli-
cação do ferro c a n d e n t e visaria à cauterização. Entretanto, na au-
sência de antibióticos a d e q u a d o s (a descoberta d e s s e s f á r m a c o s
inicia-se e m 1940), as bolhas logo levariam a u m a septicemia ge-
neralizada (a infecção atinge o sangue), que, por sua vez, daria
lugar a u m a b r o n c o p n e u m o n i a , c o m graves efeitos sobre os
pulmões.
Explica-se, assim, que os p a r e n t e s e c o n t e r r â n e o s de Colás
falassem de u m a " p n e u m o n i a " c o m o causa final de sua morte.
No f u n d o não estavam equivocados, se b e m que a raiz do proble-
ma fosse outra. Não é preciso dizer que t o d o esse processo p o d e
ser fulminante, ainda mais naquele t e m p o r e m o t o e n a q u e l e lu-
gar, s e m recursos para enfrentar o mal. O infeliz j u r d a n o deve ter
morrido entre fortes dores, p r o v o c a d a s em boa parte pelo tipo de

3. As radiações, como se sabe, são partículas energéticas oxidantes que produzem


água oxigenada (H 2 0 2 ) nos tecidos que atravessam. Destroem as proteínas do protoplas-
ma celular, interferem na mitose, produzem grande calor intracelular e, por fim, liqui-
dam as células, liberando grandes quantidades de histamina e histaminóides. (N. A.)

45
c a u t e r i z a ç ã o . E m m i n h a visita a C á c e r e s , A n d r e a Expósito, filha
da e s p o s a d e Colás d o s e g u n d o c a s a m e n t o , o c o n f i r m a r i a :
"A d o r q u e s u p o r t a v a era tal que, e m d e t e r m i n a d o m o m e n -
to, desferiu u m a b o f e t a d a e m m i n h a m ã e . E m quinze a n o s d e ma-
t r i m ô n i o j a m a i s lhe levantara a m ã o . . . "
Assim p o d e r i a c o n s i d e r a r - s e e n c e r r a d o o c a s o d o " s e n h o r d e
C a m b r o n c i n o " . Mas eu decidi n ã o parar por aí. Q u e possíveis "lei-
turas" pode proporcionar um acontecimento tão remoto e grave?
Vejamos.
E m p r i m e i r o lugar, a " a p a r i ç ã o " e m f o r m a d e "luz" m e lem-
brou d e i m e d i a t o u m a d a s v a r i a n t e s — q u a s e rotineira — d o fe-
n ô m e n o ovni. Não e s q u e ç a m o s as e x p r e s s õ e s d o p e s s o a l : "a luz
flutuava s o b r e o rio", " a q u e l a luz n ã o era coisa d e g e n t e " , "o 'as-
s o m b r o ' voou a o s e u e n c o n t r o " , "a luz o d e f r o n t o u e cortou-lhe
o c a m i n h o " , "a luz a v a n ç o u a o s g o l p e s e p a n c a d a s " . . .
Tratava-se, e m s u m a , d e u m a "luz" q u e s e c o m p o r t a v a inteli-
g e n t e m e n t e . Q u e foi a o e n c o n t r o d e Colás. Q u e o a g u a r d o u d o
o u t r o lado d o rio. Que, a s s i m q u e o cavaleiro lhe fez u m a adver-
tência, d i s p a r o u c o n t r a a m u l a . Q u e , e n f i m , v a g u e o u por t o d a Ri-
vera Oveja. O d e t a l h e da "luz" e n t r e as p a t a s da m u l a f i r m a a hi-
p ó t e s e d e u m ovni d e d i m e n s õ e s r e d u z i d a s a q u e n ó s investiga-
d o r e s , n ã o sei se c o m e x c e s s o d e i m a g i n a ç ã o , e n t e n d e m o s cha-
m a r d e foo-fighters ou " b o l a s d e f o g o " . 4 Coisa velha, velhíssima,
e m ufologia. Podia tratar-se d e s o n d a s , n ã o tripuladas, claro, ca-
t a p u l t a d a s d a s n a v e s e que, pela sua n a t u r e z a e p r o p o r ç õ e s míni-
m a s (entre trinta e c i n q ü e n t a c e n t í m e t r o s ) , s ã o a p r o p r i a d a s p a r a
" o p e r a ç õ e s especiais".
Colás, está claro, n ã o e n f r e n t o u u m a nave, n o s e n t i d o literal
da palavra, m a s , m u i t o p r o v a v e l m e n t e , u m " a r t e f a t o " teledirigi-
do. E e s t a m o s e m 1917, n ã o o e s q u e ç a m o s . Na é p o c a , q u e po-
tência m u n d i a l disporia d e a r m a t ã o a p a r a t o s a ?
Mas c o n t i n u e m o s a c o t e j a r os t e s t e m u n h o s .
S e v o l t a r m o s a o fio da narrativa, v e r e m o s q u e p o u c o a n t e s
d o d r a m á t i c o " e n c o n t r o " à m a r g e m d o rio os c a m i n h a n t e s divisa-
r a m a luz a o longe. Ao q u e p a r e c e , a o atingir o p e q u e n o p o r t o
q u e s e eleva às c o s t a s d e M o h e d a s — d e a p e n a s 4 2 0 m e t r o s d e
a l t i t u d e —, a i n e s p e r a d a " a p a r i ç ã o " o b r i g o u - o s a parar e refletir.
A s m u l h e r e s e n c h e r a m - s e logo d e pavor. A n a l i s e m o s u n s dois de-
talhes. Tratava-se da m e s m a "luz" q u e logo m a i s s e a p r e s e n t a r i a

4. O termo foo-fighters foi inventado na Segunda Guerra Mundial pelos pilotos


norte-americanos. Foo, corruptela inglesa de feu — fogo em francês — e fighter, avião
de caça em inglês. Com esses vocábulos, os pilotos de um e outro lado designaram as
desconhecidas bolas de fogo ou de luz que avistavam com freqüência em suas incursões
aéreas. (N. A.)

46
diante deles? Em princípio eu diria que não, ainda que tudo seja
possível quando se trata de ovnis. O raciocínio é elementar. Se
o "intruso", como disseram, flutuava sobre o rio e muito próxi-
mo de Rivera Oveja, e se a distância, em linha reta, da aldeia
ao local de observação (o porto) podia oscilar ao redor dos qua-
tro ou cinco quilômetros, como explicar que o vissem? tim pon-
to luminoso de poucos centímetros — a quatro ou cinco mil me-
tros — não é perceptível. E o que já chega ao inadmissível é
que se aterrorizassem. Se a Pepa e a Habanera — mulheres rijas,
sem dúvida — optaram por pernoitar naquela noite em Rivera
Oveja, é porque "aquilo" nada tinha de normal. Suponho que
teria um aspecto, como afirmam outras testemunhas ovni, infi-
nitamente mais espetacular do que uma humilde candeia. A tal
distância, repito, para que a "luz" lhes causasse espanto teria de
ser tão intensa quanto deslumbrante. Em conclusão: o mais ve-
rossímil é que o foo-fighter não estivesse sozinho e que a primei-
ra "luz" fosse uma "nave de exploração". "Ora" — argumenta-
rão os entendidos —, "também cabe uma segunda teoria: que
ambas as aparições fossem um único objeto." Certíssimo. Dada
a sofisticada tecnologia desses "seres", esse ovni "de bolso" tam-
bém podia dispor de uma magnífica capacidade de transforma-
ção. Prodígios maiores já se viram e — espero — continuarão
a ser vistos e relatados.
Seja como for, não desviemos a atenção com ninharias e —
sem negar sua importância — vamos ao essencial do caso. Se o
pacífico Colas, admitamos, teve a má idéia de enfrentar um ovni,
como compreender que o fizesse com tão bisonhos recursos? À
razão humana repugna admiti-lo. Claro. Que necessidade tinha
ele de fechar-lhe a passagem e, acrescento, de meter-se em dis-
putas e ainda envolver uma inocente e humilde mula?
O assunto suscita infinitas conjeturas, mas deixemo-las de par-
te. Enquanto não se demonstrar o contrário, o caso "Colás" con-
tinuará representando um marco na pequena grande história da
ufologia espanhola, peninsular e talvez continental. Estamos, pe-
lo menos, diante do primeiro "encontro ovni" conhecido "com re-
sultado letal".
Haverá quem queira insinuar que pode tratar-se de uma fatal
casualidade. Permitam-me que duvide. E sinto que começo a des-
lizar pelo fio da navalha... Deixando de lado, e só por um momen-
to, a já discutida teoria do "nada é casual", como explicar tan-
to "despistamento" por parte dos tripulantes dessas naves? Ba-
seando-nos na tecnologia de que dispõem, não seria nada de ex-
cepcional que se apercebessem da lenta aproximação do cavalei-
ro e suas comadres da aldeia de Rivera Oveja. E é evidente que
se "deixaram ver" deliberadamente. E se ainda pudesse restar

47
alguma dúvida, "voaram ao e n c o n t r o " de Colás e o a g u a r d a r a m
do outro lado do riacho.
P o d e m os i n g ê n u o s insistir: "Ele caminhava armado!" S e es-
tas astronaves são capazes de bloquear os radares civis e milita-
res e de detectar — s a b e Deus c o m o — a presença de um ser vivo
a muitas milhas em redor, c o m o n ã o controlariam o sabre de Co-
lás? Q u e tipo de a m e a ç a podia ele representar... por muito alba-
cetense que fosse? A bibliografia ovni nos oferece u m extenso rol
de casos, mais ou m e n o s parecidos, e m que, diante da violência
do h o m e m , os responsáveis por essas naves se têm limitado a inu-
tilizar m e t r a l h a d o r a s e mísseis dos aviões de caça, a imobilizar
as t e s t e m u n h a s , ou tão-só a ignorá-las olimpicamente. Diga-me
o leitor se seria normal que tão mágica superioridade fosse anu-
lada por obra de um m o d e s t o jurdano e n c o n t r a d o ao acaso. E,
além de tudo, por tão fútil ou n e n h u m motivo...
Minha hipótese é outra e p o d e até destilar m a l d a d e . Mas n ã o
e s q u e ç a m o s — por Deus! — de indagar e m q u e terreno nos mo-
vemos: no dá lógica h u m a n a ou no da "ilógica lógica" exterior?
Creio que já o disse. O f e n ô m e n o ovni é "o a b s u r d o " por excelên-
cia. Daí que seja tão arriscado tratar de "centrifugá-lo" e m labo-
ratórios e c o m p u t a d o r e s . Melhor seria para nós se f ô s s e m o s ca-
pazes de dar prioridade a esta premissa. Mas p a s s e m o s à minha
tese.
Apostaria dois contra u m na "não improvisação". Se, c o m o
creio, não existe a casualidade no "universo ovni", por que fazer
exceção no caso "Colás"? O e n c o n t r o e a m o r t e do j u r d a n o pode-
riam ter sido fria e meticulosamente preparados. Mas, Senhor, com
base e m q u e maquiavélica e tortuosa idéia? C o m o é óbvio, so-
m e n t e p o s s o presumi-la.
Q u e m s a b e para deixar registro histórico de sua presença nu-
ma época e n u m lugar? Conjeturas, dirão. E por q u e não? O s pes-
quisadores do f e n ô m e n o ovni c o n h e c e m mil casos nos quais —
inexplicavelmente — e m vez de pousar no deserto ao lado, o ovni
"escolhe" a proximidade de u m a única casa habitada em quinhen-
tos q u i l ô m e t r o s de raio. T a m b é m é casualidade... E q u e pensar
d a q u e l e solitário p e s c a d o r que labuta em u m qualquer dos am-
plos oceanos e que acaba c o m um ovni por chapéu? Continuo com
as "casualidades"? Não vale a p e n a . O cético p o d e consultar as
bibliotecas e extrair conclusões.
Ou será que o movia o d e s e j o de fazer "experiência"?
Ao leitor assiste razão ao pensar assim: p o d i a m ter escolhido
o s e n h o r pai de qualquer d o s "pilotos" do ovni. . Eis-nos de volta
ao princípio de tão irritante dilema. A lógica terrestre — e n ã o
há outra — rebela-se. Não é fácil aceitar justificativa a l g u m a para
tão p o u c o caritativo "trabalhinho". Se era seu propósito conse-

48
IJmo imagem histórica: as testemunhas observam as evoluções anormais
do " s o l " , no dia 13 de outubro de 1 9 1 7 , em Cova de Iria (Portugal).

Representações de algumas das


muitas observações ovni
registradas no outono de 1 9 1 7 na
região de Leiria. Acima, à
esquerda, um " f o o - f i g h t e r " igual
ao que provocou a morte do
morador de Cambroncino,
observado em 13 de outubro por
Maria Carreira. Na gravura da
esquerda, um objeto em forma de
cruz " s a i n d o do s o l " em 13 de
setembro. Na figura superior,
outros dois ovnis que
" a c o m p a n h a r a m " as "aparições
o f i c i a i s " , segundo descrição de
Joel de Deus Magno (esquerda) e
do doutor Pereira Gens (direita).
(Cortesia de Joaquim Fernandes e
Fina D'Armada.)
guir q u e o s h o m e n s d o f u t u r o s o u b e s s e m d e s u a existência n o s
alvores d o s é c u l o XX na E s p a n h a , d ê e m g r a ç a s a D e u s p o r o con-
s e g u i r e m . Mas a q u e p r e ç o ? O b v i a m e n t e , a s i n t e n ç õ e s d e a l g u n s
d o s s e r e s q u e n o s visitam p o u c o ou n a d a t ê m q u e ver c o m o q u e
e m n o s s o p l a n e t a c o n v e n c i o n a m o s c h a m a r d e "ética". C o n v é m
q u e n o s a c o s t u m e m o s a esta idéia. Mas n ã o e s t o u d i z e n d o q u e
t o d a s e s s a s e n t i d a d e s e x t r a - h u m a n a s e s t e j a m m o l d a d a s pelo mes-
mo padrão. Cada um c o m o cada um... E s t a m o s onde estamos:
n o c a s o "Colás", m o r t o e s e p u l t a d o por o b r a e graça d e u m ovni.
E a n t e s d e p a s s a r a o u t r a s curiosas p e s q u i s a s , u m a última ob-
s e r v a ç ã o q u e m e n e g o a silenciar e q u e — verá o leitor — só au-
mentará o "imbróglio".
O c a s o "Colás", e m b o r a t e n h a levado s e t e n t a e t r ê s a n o s pa-
ra surgir e m letra i m p r e s s a , foi c o n t e m p o r â n e o d e o u t r o s f a t o s
q u e g a n h a r a m f a m a e publicidade por a q u e l e 1917. A c o n t e c i m e n -
t o s s i m u l t â n e o s e localizados p r a t i c a m e n t e na m e s m a região. Se-
te dias a n t e s d o e p i s ó d i o d o ovni d e Rivera Oveja, s e t e n t a mil ci-
d a d ã o s assistiam e s t u p e f a t o s ao c h a m a d o "milagre d o sol" e m Co-
va d e Iria (Portugal), n ã o m u i t o d i s t a n t e d e Las Hurdes, p o r volta
d e c e m q u i l ô m e t r o s e m linha reta.
O n ã o m e n o s p a s m a d o leitor i n d a g a r á q u e r e l a ç ã o p o d e ver
e s t e i n s e n s a t o p e s q u i s a d o r e n t r e o foo-fighter d e C a m b r o n c i n o e
as a p a r i ç õ e s m a r i a n a s d e F á t i m a . Não se trata d e d e s e n v o l v e r u m
prolixo relatório e m t o r n o d o s s u p o s t a m e n t e m i l a g r o s o s aconte-
c i m e n t o s p r o t a g o n i z a d o s p e l o s f a m o s o s p a s t o r z i n h o s lusitanos.
E possível q u e a l g u m dia m e a n i m e a c o n t a r , e m p r o f u n d i d a d e ,
" t u d o " q u a n t o e m v e r d a d e o c o r r e u n a q u e l e c e n á r i o no a n o d e
1917, e t a m b é m m u i t o a n t e s .
E d o d o m í n i o público o t e m a d a s r e p e t i d a s " a p a r i ç õ e s " d e
u m a e n t i d a d e que, s e g u n d o Lúcia, J a c i n t a e Francisco, se auto-
p r o c l a m o u a Virgem. C o m o t a m b é m o " m i l a g r e " d e q u e falei, o
d e u m sol q u e "se agitou, m u d o u d e lugar e se precipitou s o b r e
a m u l t i d ã o " na histórica m a n h ã d e 13 d e o u t u b r o d e 1917. "Ca-
s u a l m e n t e " , u m a s e m a n a a n t e s d o caso "Colás". O que, c e r t a m e n -
te, j a m a i s repercutiu — a o m e n o s c o m o í m p e t o d a s " a p a r i ç õ e s
oficiais" — foi a intensa " r e v o a d a " d e ovnis q u e o c o r r e u simulta-
n e a m e n t e a e s s e s prodígios. Cima "revoada" q u e se repetiu a o lon-
go d e q u a s e seis a n o s s o b r e a faixa h i s p a n o - p o r t u g u e s a c o m p r e e n -
dida e n t r e o s 3 9 e os 41 graus. D u r a n t e e s s e t e m p o , e c o m espe-
cial e t e n a z insistência na p r i m a v e r a , n o v e r ã o e no o u t o n o d e
1917, d e z e n a s d e p o r t u g u e s e s , e s t r e m e n h o s e s a l m a n t i n o s f o r a m
t e s t e m u n h a s d a s e v o l u ç õ e s d e t o d o tipo d e " o b j e t o s v o a d o r e s " . 5

5. Eis aqui muitos exemplos, recolhidos pelos investigadores Carmen Pérez de la


Hiz e Saturnino Mendoza. Pela primavera de 1917 corria o comentário popular de que

50
O s p e s q u i s a d o r e s J o a q u i m F e r n a n d e s e Fina d ' A r m a d a , e n t r e o u :
tros, c a t a l o g a r a m exaustivo n ú m e r o d e casos, c o m c i t a ç ã o d e no-
mes, lugares e pormenores.6
Nessa r e c o p i l a ç ã o inclui-se u m b o m n ú m e r o de ovnis d e ta-
m a n h o reduzido, q u a s e s e m p r e l u m i n o s o s e d e g r a n d e mobilida-
de, a sobrevoar c a m p o s e aldeias, antes, d u r a n t e e depois d a s "apa-
rições m a i o r e s " . S i r v a m de a m o s t r a t r ê s e x e m p l o s c o l h i d o s e m
u m a m p l o repertório:
" 1 3 d e s e t e m b r o d e 1917, na região d e Assentiz, a o o e s t e d e
F á t i m a . J o a q u i m Vieira declarava: 'De r e p e n t e vi p a s s a r algo pa-
recido a u m a bolha d e sabão, c o m o a s q u e os m e n i n o s c o s t u m a m
fazer c o m c a n u d i n h o s . ' "
"Nesse m e s m o dia, e m Cova de Iria, a criada Emília Alves era
t e s t e m u n h a da p a s s a g e m d e outro m i n ú s c u l o objeto: "Vimos u m a
bolinha b r a n c a , q u e p a r e c i a d e a l g o d ã o e m r a m a e se dirigia para
os m e n i n o s . Ao a p r o x i m a r - s e deles, d e s a p a r e c e u . Era c o m o u m
p u n h o ou p o u c o mais, e m t a m a n h o . ' "
" O u t u b r o d e 1917, na m e s m a região. Maria Carreira descre-
ve a s s i m u m f e n ô m e n o d e c a r a c t e r í s t i c a s s e m e l h a n t e s : 'Na dire-
ç ã o d o p o e n t e v i m o s u m a estrela, u m a bola, b e m r e d o n d a , c o m o
u m balão, m u i t o bonita, c o m as c o r e s d o arco-íris, m a s m a i s avi-
vadas... P a s s o u a g r a n d e v e l o c i d a d e e d e s a p a r e c e u a u m p a l m o
d o solo.' "
E s t e e n x a m e d e foo-fighters r o d o p i o u impassível d i a n t e d e
m u l t i d õ e s ou d e t e s t e m u n h a s solitárias. E o m e s m o o c o r r e u c o m
ovnis d e m a i o r porte: m a j e s t o s o s g l o b o s iluminados, o b j e t o s e m
f o r m a d e cruz, n a v e s cilíndricas, " n u v e n s " coloridas q u e afronta-
v a m as m u i t o rígidas leis c l i m a t o l ó g i c a s , m i s t e r i o s o s e gigantes-
c o s "ovos" c o m s i l h u e t a s h u m a n a s n o interior, etc. E t u d o isso
associado a um sem n ú m e r o de f e n ô m e n o s que sempre acompa-
n h a m a p r e s e n ç a d o s " n ã o identificados". Por e x e m p l o : zumbi-
d o s " c o m o d e a b e l h a s " , a g i t a ç ã o n o g a d o , "luz sólida" e m f o r m a
d e r a m p a s , " c a b e l o s d e a n j o " q u e s e p r e c i p i t a m a o solo à passa-
g e m d a s naves, r e l â m p a g o s e m c é u s cristalinos e e x p l o s õ e s rui-

na noite de uma sexta-feira, na direção do sudoeste, se vira passar o que podia descrever-se
como "troncos em chamas". Tratava-se de uns dez ou doze objetos alongados e chame-
jantes que sobrevoaram Torrejoncillo, Coria e arredores. Entre agosto e setembro, na
zona de Berlanga e Azuaga, vários mineiros que se dirigiam ao trabalho ao amanhecer,
na zona próxima da antiga praça dos touros, viram um estranho objeto em forma de
mesa, com quatro pernas e uma pequena torre com uma luz. Quando tentaram aproximar-
se viram a "coisa" elevar-se e partir em direção a Berlanga, onde também foi visto. Na-
queles dias apareceram animais mortos em algumas propriedades dos arredores, com
efusão de sangue. (N. A.)

6. Intervenção extraterrestre em Fátima, 1981. (N. A.)

51
dosas. E n q u a n t o isso, intrépidos "ases" da aviação do nosso pla-
neta faziam piruetas e se arriscavam e m primitivos e destrambe-
lhados aviões de lona e madeira...
Se tais a c o n t e c i m e n t o s o b e d e c e s s e m a u m "plano" meticulo-
s a m e n t e p r o g r a m a d o e executado pelos tripulantes desse exército
de ovnis, n ã o é disparatado imaginar e deduzir que a incursão a
Rivera Oveja fizesse parte dos "cotidianos vôos de reconhecimen-
to" — ou algo análogo — pela região. Las Hurdes, se analisarmos
bem, além de estar a u m passo, devia constituir u m atrativo espe-
cial para tão avançadas civilizações com seus hábitos, tradições e
peculiar forma de vida na época, 1917. Q u a n t o ao e n c a d e a m e n t o
nas datas — 13 e 21 de outubro —, n ã o desperta suspeita? Até o
mais recalcitrante dos céticos teria de admitir u m a vinculação en-
tre o caso "Colás" e os a c o n t e c i m e n t o s de Fátima. Esta é minha
sincera e f u n d a d a crença. Mas, admitindo u m a "paternidade" co-
m u m para os a c o n t e c i m e n t o s de Las Hurdes e de Fátima, q u e m
seria capaz de explicar tão contraditórios c o m p o r t a m e n t o s ?
A julgar pelo que se investigou e publicou, e n q u a n t o e m Fá-
tima se e s b a n j a v a m prodígios e m e n s a g e n s em favor da paz, do
a m o r universal e da espiritualidade, do outro lado da fronteira
abatia-se s e m p i e d a d e u m simples e humilde jurdano. E n t ã o per-
gunto: não s o m o s todos filhos de Deus? Ou será q u e t a m b é m nos
negócios celestes tudo é relativo e q u e s t ã o de interpretação?
E de novo a lógica h u m a n a vê-se c o n f u n d i d a pela lógica não
h u m a n a . Vejamos se, ao final, o b o m Montaigne tinha razão quan-
do dizia q u e "um arrazoado produz diversas aparências. E u m va-
so c o m d u a s asas, que p o d e m o s pegar c o m a direita ou c o m a
e s q u e r d a " . Diante do caso do "mártir de Cambroncino", s e m pre-
t e n s ã o de fazer u m s a r c a s m o fácil, c o m que "asa" ficamos?
Decerto, e já que falamos em "questão de interpretação", con-
cluirei m i n h a p a s s a g e m por C a m b r o n c i n o c o m outras d u a s expe-
riências vividas por diferentes m o r a d o r e s locais e que, na hora de
formular u m "juízo individual", esclarecem b a s t a n t e a ancestral
associação "ovni-religião". Um "casamento" que só depois da cor-
rida espacial entrou em fase de "divórcio". Para sorte de todos,
d e s d e que o h o m e m se lançou aos vôos orbitais e lunares, a maio-
ria das t e s t e m u n h a s dos casos de ovnis n ã o mais t e n d e a vincular
esse f e n ô m e n o a "milagres celestes" ou a "prodígios sobrenatu-
rais". E m outros t e m p o s — aí está Fátima —, o avistamento des-
tas naves e de seus tripulantes era motivo de veneração religiosa,
de s a g r a d o t e m o r de Deus, de oportuníssima ocasião para con-
fessar os pecados... S e g u n d o as circunstâncias e a t e s t e m u n h a ,
o ovni podia passar à posteridade c o m o " m a n i f e s t a ç ã o diabólica
e fonte de m u i t o s males". Vamos aos fatos.
O primeiro dos casos e m q u e s t ã o foi protagonizado por Te-
resa Iglesias Rubio, nascida em C a m b r o n c i n o e c o m o século. E,

52
coisa curiosa e a l t a m e n t e positiva para o investigador: e m 1983,
m o m e n t o s a n t e s do interrogatório, a velhinha não havia modifi-
cado e m u m a vírgula seu ponto de vista. O que viu, ali por 1930,
continuava sendo "coisa suspeita, mais própria de S a t a n á s e sua
corja do que da S a n t a Madre Igreja". A boa mulher nada sabia
de ovnis, n e m nada parecido. Mas seu relato — está visto —
encaixa-se p e r f e i t a m e n t e c o m o que já c o n h e c e m o s e vimos per-
seguindo c o m tanto ardor q u a n t o duvidosa sorte.
— Pois verá o senhor, jovem — c o m e ç o u a anciã, e n q u a n t o
preparava a voz e a m e m ó r i a c o m u m a d o s e de doce e a r o m á t i c o
vinho de fruta —. Foi há muito t e m p o , ali por 30, se não m e en-
gano. Voltávamos de Ahigal. Eu estava em boa c o m p a n h i a . Via-
javam c o m i g o outras três ou quatro da m i n h a aldeia. Mas não m e
pergunte nomes; poderia trocar fulana por sicrana. E isso não im-
porta, não lhe p a r e c e ?
— Se a senhora diz está b e m , vovó.
— Pois é. Afinal, por culpa do porco que trazíamos amarra-
do por u m a pata, fez-se noite na p o n t e do Casar de Palomero. E
ao a l c a n ç a r m o s u m casarão em ruínas surgiu a "luzinha" e, c o m
ela, um ruído que nos arrepiou. Até o porco se perturbou... Ai,
Deus q u e susto! Era c o m o o farol de u m c a m i n h ã o . E ali ficou
ela, no meio do c a m i n h o , c o m o se nos esperasse. Mas já m i n h a
m ã e e outros b o n s cristãos nos haviam advertido sobre estas coi-
sas de S a t a n á s e sua desordeira m ã e . Assim, seguindo o conse-
lho, nos a j o e l h a m o s e i m p l o r a m o s misericórdia ao céu. E disse-
m o s em coro: " Q u e o S e n h o r afaste isso de mim, que n ã o o que-
ro ver." Deus seja louvado, filho. Mal a c a b a m o s de rezar, a luz (que
c e r t a m e n t e nos estava escutando) afastou-se para um lado e voou
para o riacho. E muita raiva e desgosto deve ter-lhe c a u s a d o nos-
sa oração p o r q u e no m e s m o instante ficou triste e se agitou.
Depois de não p o u c o s rodeios acreditei poder interpretar a
"tristeza e agitação" da luz c o m o u m decréscimo na intensidade
luminosa e algum tipo de vibração, respectivamente.
Teria sido p o u c o cristão — e n ã o sei se t a m b é m inconstitu-
cional — que eu tentasse alterar os e s q u e m a s m e n t a i s daquela
boa mulher de oitenta e três anos c o m u m a versão mais m o d e r n a
e a j u s t a d a à realidade. Se a "luz", para ela, era coisa de S a t a n á s
ou de malditos infiéis, bendita seja.
O s e g u n d o caso tinha t a m b é m s e u s ricos p o r m e n o r e s . Pou-
co faltou, m e s m o , para que J u a n Marco Martin, o "tio J u a n " , se-
guisse a triste sorte de Colás. Custou-me muito apelo e ajuda con-
vencê-lo a narrar o acontecido n a q u e l e j u n h o de 1921. Não por-
q u e o cordial ancião de oitenta e sete a n o s se recusasse a reviver
o ocorrido, m a s a p e n a s por causa da surdez de q u e sofria e da
sua reação diante do gravador. Em minha atribulada vida pro-

53
fissional t ê m - m e t o m a d o por fiscal de impostos, a g e n t e do gover-
no, " t e s t e m u n h a de J e o v á " , pároco, detetive particular, espião,
cadastrador e até repórter do NO-DO. J a m a i s , porém, m e haviam
confundido c o m um "caça-talentos". E isso foi o que ocorreu c o m
o "tio J u a n " . Precisei de uma hora inteira para convencê-lo de que
m e u interesse pela sua venerável pessoa nada tinha que ver c o m
seus eventuais dotes de cantor. Ainda assim, o velho p e g o u fogo,
a n i m a n d o e pontilhando a conversação c o m as mais variadas can-
tigas e seguidilhas, que o b v i a m e n t e suprimi.
— Foi na colheita do centeio. Quer dizer, para o caso de o
senhor não saber, no m ê s de junho. Este velho tinha e n t ã o vinte
e cinco anos. Mas r e a l m e n t e não quer q u e eu cante?
A história, apesar de tudo, não d e m o r o u a sair. Nascido e m
1896, J u a n passou pela a m a r g a experiência quatro a n o s a p ó s o
incidente protagonizado por Colás, seu vizinho e amigo.
— ...Havíamos trabalhado u m a s terras, eu e mais três com-
panheiros. E t o d a s as noites nos reuníamos para "matar o bicho".
Quer dizer, e eu o esclareço p o r q u e talvez o s e n h o r não saiba, à
espera do javali. Naquela noite eu cheguei primeiro e esperei en-
c o s t a d o a um tronco de carvalho, c o m a escopeta de pistão atra-
vessada no braço esquerdo. E nisso estava quando, no lusco-fusco
do entardecer, vi aproximar-se u m a luz que pousou acima do pân-
tano. E eu pensei: "E essa agora? ü m pescador!..." Não quer mes-
m o que eu cante?
O "tio J u a n " não esperou minha reposta. E cantou. Pelo me-
nos creio q u e cantou.
— Onde eu estava? — perguntou ao concluir a cantoria e sem
perder a linha.
— No pescador...
— Ah! sim. C o m o podia a l g u é m sair a dar tiros c o m u m cris-
tão pela f r e n t e ? Mas a "luzinha" deslocou-se para a m a r g e m do
rio. Então eu pensei: "Ai, m e u irmão, que isso n ã o é um pesca-
dor!" Então apanhei rapidamente quatro ou cinco pedras e m e dis-
p u s a espantá-la. Afinal, não havia por que perder a viagem por
causa de u m " f a n t a s m a " .
— Mas, h o m e m de Deus! d e s d e q u a n d o se a f u g e n t a m "as-
sombrações" a pedradas?
— E m sua terra não sei. Aqui era o c o s t u m e .
Aceitei o a r g u m e n t o .
— E q u a n d o m e preparava para lançar a primeira pedra, ben-
dito seja o n o m e do Senhor!...
O "tio J u a n " transmitiu seu nervosismo à boina, tirando-a da
c a b e ç a e esfregando-a.
— J u r o por m e u s m o r t o s que não era minha intenção cau-
sar mal à " a s s o m b r a ç ã o " . S ó queria dar-lhe u m p o u c o de disci-

54
plina. Mas sim... Q u e m se " b o r r o u " , c o m p e r d ã o da palavra, foi
e s t e seu criado. A "luz" adivinhou m i n h a s i n t e n ç õ e s . E a s s i m q u e
eu levantei o b r a ç o ela c r e s c e u e c r e s c e u , e ficou m a i s alta q u e
a torre da aldeia. S e lhe digo q u e a q u e l a coluna d e f o g o c h e g a v a
perto d o s c e m m e t r o s , digo-lhe p o u c o . Era larga e longa por bai-
xo e b e m afilada e m c i m a . E t u d o a o m e u redor ficou claro. Podia
ver o centeio, o rio, o p â n t a n o e o s c a m p o s , c o m o s e a q u e l a m á
hora f o s s e a própria h o r a do Angelus. E dali a p o u c o , e m u m si-
lêncio d e velório, se foi f a z e n d o p e q u e n i n a e triste, a t é a p a g a r - s e
de t o d o . Ali ficou o "tio J u a n " , s e n t a d o , c o m as p e d r a s na m ã o
e rezando p a r a os s a n t o s e os d e f u n t o s q u e d e s f r u t a m a graça
divina.
— E q u e foi q u e rezou?
— Q u e p o d e r i a ser? O r e s p o n s o c o n t r a as " a s s o m b r a ç õ e s " .
Quer que o cante?
— Claro.
— Pois o u ç a : " S o b e r a n o e t e r n o Deus... (ininteligível)... a sú-
plica votiva do bem-aventurado S a n t o Antônio... teu confessor ale-
gre... (ininteligível)... tua igreja... (ininteligível)... para q u e s e m p r e
seja fortalecida c o m auxílios espirituais e m e r e ç a gozar as pro-
m e s s a s d e N o s s o S e n h o r J e s u s Cristo... e m n o m e d e N o s s o Se-
nhor... A m é m . "
O "tio J u a n " referia-se à estrela d'alva.
— ... E n ã o m e i m p o r t o d e c o n f e s s a r . Ao c h e g a r a C a m b r o n -
cino tive q u e ir p a r a a c a m a . D u r a n t e dois dias fiquei febril e tive
p e s a d e l o s . T e m m e s m o certeza d e q u e n ã o q u e r q u e e u c a n t e ? . . .

55
2
Onde se explica que os ufólogos "de salão" são ignorantes, mas
não mentecaptos • Outra vez a pegada de um "filho da casta
de Satanás" • De como ao buscar o "tiu Muna" tropecei com
o "deus de Martilandrán" • Torre de don Miguel: o pesquisa-
dor fica "sem camisa" • üma matança — de porcos, bem en-
tendido —, uma fogaça de pão, um "forasteiro rude e voador"
e uma "lua no alto" • Se você é carvoeiro, cuidado com os tios
"escarramarraus"? • Eram tempos em que párocos e civis não
haviam perdido a vergonha • Onde se vê que, de quando em
quando, convém confiar na Santa Madre Igreja * Sabe você que
o "menino Jesus" deu agora para roubar melancias? A enor-
me surpresa de dona Elvira: "a anunciação do anjo" cumpriu-
se • Vegas de Coria cai como fruta madura • Tudo começou
com uma "labareda" • De como um oportuno "te esconjuro,
Satanás" pode salvar alguém de um "gigante com batina" •
"Somos pessoas ou o quê?" ' Em Vegas houve ovnis e mais
do que ovnis • Cimas fotografias oportuníssimas

Eu tinha motivos para sentir-me d i s c r e t a m e n t e satisfeito. A


pesquisa do caso "Colás", se não fora brilhante, havia sido pelo
m e n o s útil. O resgate desse antigo a c o n t e c i m e n t o ovni — amea-
çado de cair no â m b i t o do lendário — estava b e m g u a r d a d o . Mo-
déstia à parte, o registro in situ d o s t e s t e m u n h o s orais d o s vizi-
nhos e p a r e n t e s q u e sobreviveram ao "mártir de C a m b r o n c i n o "
podia reputar-se positivo. A l g u m a s das t e s t e m u n h a s n ã o demo-
rarão a desaparecer. C o m o "tabelião" dessa outra realidade que
nos cerca, eu havia certificado e d a d o fé c o m as p e s s o a s e docu-
m e n t o s d i r e t a m e n t e implicados, s e m n e c e s s i d a d e de a u t o s e pro-
cessos. Q u e mais podia fazer? Possivelmente, e estou p r e p a r a d o
para isso, q u a n d o estas p e r g u n t a s f o r e m publicadas serão objeto
de corrosivos j u l g a m e n t o s dos "vampiros" e ufólogos "de salão"
pelo m e r o fato de t e r e m sido produzidas por mim. Muitas outras
tiveram a m e s m a sorte. Posso adivinhar os c o m e n t á r i o s e "notas
de rodapés" nos d o g m á t i c o s trabalhinhos de u m desses " s u m o s
sacerdotes" da ufologia nacional (valenciano, por sinal, e m a u si-
nal): "Faz-se necessário averiguar diretamente o caso, já que a úni-
ca informação, ainda que ampla, proceda de fontes jornalísticas."
E m outras palavras, que nós profissionais de imprensa s o m o s pou-
co confiáveis.

57
Não há dúvida d e q u e o t r a b a l h o d e q u a l q u e r p e s q u i s a d o r —
seja qual for sua e s p e c i a l i d a d e — está s e m p r e s u j e i t o a c o r r e ç ã o .
E q u e m isto e s c r e v e — livre-me Deus! — n ã o é u m a e x c e ç ã o . En-
t r e t a n t o , digo eu, na h o r a d e localizar t e s t e m u n h a s , d e s u b m e t ê -
las a i n t e r r o g a t ó r i o , d e avaliar s e u s d e p o i m e n t o s e s u a s p e r s o n a -
lidades, ou d e rastrear d o c u m e n t o s , q u e m p o d e o f e r e c e r m a i o r e s
g a r a n t i a s d e s u c e s s o , a o m e n o s e m t e o r i a ? Um profissional da in-
f o r m a ç ã o , c o m m a i s d e vinte a n o s d e experiência e m t o d o tipo
d e a c o n t e c i m e n t o s , ou u m perito industrial a serviço d e u m a fá-
brica d e a u t o m ó v e i s que, e m s e u s m o m e n t o s livres, "investiga por
correspondência"?
Esta é a triste r e a l i d a d e da ufologia. S e m p r e resta a esperan-
ça, c e r t a m e n t e , d e q u e e s s e s " v a m p i r o s " s i g a m o e x e m p l o e visi-
t e m Las Hurdes, " a b r i n d o d e n o v o " a i n v e s t i g a ç ã o d o c a s o "Co-
lás". O s i n v e s t i g a d o r e s "de c a m p o " ficariam e n c a n t a d o s se o s vis-
s e m obter m a i s e m e l h o r e s resultados. O mal é q u e isso custa tem-
p o e dinheiro... E, c o m o se s a b e , o s u f ó l o g o s " d e s a l ã o " s ã o igno-
r a n t e s m a s n ã o m e n t e c a p t o s . E m a i s s i m p l e s , c ô m o d o e rentável
" d e s q u a l i f i c a r " u m c a s o "a distância e da p o l t r o n a " , d o q u e bri-
gar p o r e s s e s m u n d o s d e Deus, à b u s c a e à c a p t u r a d e "Exposi-
tos", "Nisios", "tios J u a n e s " e o u t r o s que, para culminar, " n ã o os-
t e n t a m títulos universitários".
A o b s e s s ã o d e s s e s hipercríticos p e l o s títulos é digna d e psi-
quiatra. C o m o se a h o n o r a b i l i d a d e d e u m ser h u m a n o d e p e n d e s -
se d o s s e u s d o u t o r a d o s ou d o m a i s ou m e n o s e x t e n s o curriculum
e m s e u c a r t ã o d e visita... "A h o n r a e a v e r g o n h a " — dizia P o p e
— " n ã o s ã o i n e r e n t e s a n e n h u m a c o n d i ç ã o . " E eu a c r e s c e n t o , pa-
r a f r a s e a n d o Píndaro: prefiro e s s e s s i m p l e s h o m e n s d o m a r ou d o
c a m p o , q u e f o r j a r a m sua s a b e d o r i a n a s lições c o t i d i a n a s d a Na-
tureza, a o s o r g u l h o s o s da c i d a d e q u e a p r e n d e r a m t u d o n o s livros.
A c r e d i b i l i d a d e d e u m a t e s t e m u n h a ovni, para r e s u m i r a q u e s t ã o ,
p o d e variar p o r m u i t a s c a u s a s , m a s n u n c a , e m princípio, p e l a s di-
f e r e n ç a s culturais. O s q u e d e s c o n f i a m d e s s e s c a m p o n e s e s por seu
fraco verniz cultural, deveriam ler as Memórias d o cardeal d e Retz.
Há n e l a s u m a f r a s e lapidar: "E m a i s f r e q ü e n t e s e r m o s e n g a n a d o s
pela d e s c o n f i a n ç a d o q u e pela c o n f i a n ç a . "
Dito isto, v o l t e m o s a o q u e i m p o r t a .
O u t r o s c a s o s e a v e n t u r a s m a n t i v e r a m - m e a f a s t a d o da Estre-
m a d u r a a t é o o u t o n o d e 1 9 8 3 . De a c o r d o c o m o p l a n o t r a ç a d o
e m V e g a s d e Coria, deixei correr a p r i m a v e r a e o verão. C o m o
assinalava Voltaire, "o t e m p o é justiceiro e p õ e t o d a s a s c o i s a s
e m seu lugar". Mas, a p e s a r d o e x t r e m o t a t o q u e usei n e s t a s e g u n -
da visita a o s c e n á r i o s d o " g i g a n t e d e p r e t o " , o t e m p o transcorri-
d o n ã o foi s u f i c i e n t e m e n t e "justiceiro". Ainda q u e e n c o n t r a s s e al-
g u m t a n t o a t e n u a d a a d e s c o n f i a n ç a d o s m o r a d o r e s d e Vegas, a s

58
Dona Josefa Crespo Azabal,
contemporânea do pai
de " t i u M o n a " .
(Foto de J. J. Benitez.)

Típica fogaça de pão jurdano,


muito própria para escalavrar
" h u m a n ó i d e s c o v a r d e s " . Dezoito
" p r a t a s " custou a Juan Martin.
(Foto de J. J. Benitez.)
c i r c u n s t â n c i a s a i n d a m e e r a m d e s f a v o r á v e i s . A l g u m a s d a s princi-
pais t e s t e m u n h a s , o q u e era pior, incluindo Nicolás S á n c h e z , es-
t a v a m a u s e n t e s . Dessa vez n ã o s e tratava d e s u b t e r f ú g i o s , m a s d e
p u r a v e r d a d e , t l n s a n d a v a m p o r S a l a m a n c a , p a r a a colheita d a s
uvas, e o s o u t r o s por C á c e r e s , e m b u s c a d e p ã o e sal. Assim, pa-
c i e n t e e r e s i g n a d o , limitei-me à t a r e f a d e s e m e a r c o n f i a n ç a e co-
letar d a d o s d e " s e g u n d a categoria", o q u e n ã o era p o u c o . Mas dis-
so f a l a r e m o s q u a n d o for o m o m e n t o .
E m m e u m o d e s t o p a r e c e r , o p e s q u i s a d o r d e v e p r o c u r a r via-
jar p a r a o s locais d o s a c o n t e c i m e n t o s c o m m a i s d e u m ou dois
p r o j e t o s na b a g a g e m . S e u m d e l e s falhar, n ã o haverá por q u e cair
n o d e s â n i m o . E foi isto o q u e m e c o u b e viver n a s n o v a s a n d a n ç a s
por terras jurdanas. Em minha agenda, entre outras ocorrências
d e m e n o r i m p o r t â n c i a , a g u a r d a v a m a d o "tiu Mona", d e Martilan-
drán, e a n ã o m e n o s f a s c i n a n t e d o " a n j o a n u n c i a d o r " , d e Gargan-
ta la Olla. A m b a s h a v i a m sido a d i a d a s p o r u m a ou o u t r a razão.
Mas s u a h o r a c h e g a v a .
Para e c o n o m i z a r e n e r g i a s — a aldeola d e Martilandrán dista
n ã o m a i s q u e s e t e q u i l ô m e t r o s d e N u n o m o r a l , o n d e m e havia ins-
t a l a d o d e n o v o —, e p o r q u e p o r a l g u m lugar é p r e c i s o c o m e ç a r ,
c o n c e n t r e i as p o u c a s luzes q u e D e u s m e d e u na p r o c u r a d o "tiu
Mona".
As p r i m e i r a s (e débeis) notícias, c o m o ficou dito, p r o c e d i a m
d e Félix Barroso, c o r r e s p o n d e n t e d e jornal. Havia ele p r o m e t i d o
p e s q u i s a r m a i s a f u n d o o a s s u n t o . E c u m p r i u . N a q u e l e inverno
d e 1 9 8 3 c h e g a v a - m e u m a carta d e seu próprio p u n h o , dizendo en-
tre o u t r a s coisas:
"... Passo, a seguir, a t r a n s c r e v e r t e x t u a l m e n t e o c a s o d e q u e
te falei, n a r r a d o por J o s é C r e s p o Miguel — m e u a n t i g o a l u n o —,
n a t u r a l d e Martilandrán: Meu tio p a t e r n o , a q u e m c h a m a v a m 'O
Galgo d e Martilandrán' e t a m b é m d e 'tiu Mona', subia, u m a noi-
te, d e N u n o m o r a l para Martilandrán; a o c h e g a r à altura d o 'Valli
dei S a p u ' , a l g u é m cruzou o s e u c a m i n h o e o p r o v o c o u a brigar.
Meu tio c o n s e g u i u afastar-se d o f o r a s t e i r o p o r m o m e n t o s , m a s o
e s t r a n h o o alcançou e lançou-se ao seu pescoço. Meu tio apalpou-o
e viu q u e era t o d o á s p e r o e gritou: ' D e u s m e u ! c o m q u e m e s t o u
eu l u t a n d o ? ' Q u a n d o m e u tio s e sentia já m e i o s u f o c a d o , conse-
guiu a l c a n ç a r u m p ã o q u e levava n o alforje e d e u c o m ele u m a
p a n c a d a na testa d o d e s c o n h e c i d o . E n t ã o viu-se c o m o q u e u m res-
p l e n d o r e o h o m e m d e s a p a r e c e u n o alto."
O n o v o d e s a f i o serviu p a r a r e n o v a r m i n h a d i s p o s i ç ã o .
Q u a l q u e r p e s q u i s a d o r se a b a l a c o m a notícia d o f a l e c i m e n t o
d e u m a t e s t e m u n h a . E é natural. C o m a d e s a p a r i ç ã o d o "tiu Mo-
na", e m 1971, e n t e r r a r a m - s e m u i t o s e, s e m dúvida, ricos deta-
lhes a c e r c a d o e s t r a n h o d u e l o n o Valle dei S a p o . Tinha, pois, d e

60
valer-me da t r a d i ç ã o , b a s e a d a , c o m o no c a s o d e C a m b r o n c i n o ,
e m p a r e n t e s e p e s s o a s q u e o h o u v e s s e m c o n h e c i d o e ouvido. Es-
tava c e r t o d e que, c o n v e r s a n d o c o m u n s e c o m o u t r o s e analisan-
do p a c i e n t e m e n t e c a d a relato, as p o n t a s soltas d a q u e l e a p a r e n t e -
m e n t e f a n t á s t i c o c o n t o a c a b a r i a m p o r juntar-se e adquirir consis-
tência. Por m a i s f a n t a s i o s a q u e p a r e c e s s e a história, m i n h a obri-
g a ç ã o era a p r o f u n d á - l a . P e n s o q u e o investigador d e v e e n c a r a r
seu t r a b a l h o c o m o faz u m cirurgião: c o m assepsia, c o m d e c i s ã o
e s e m p r e c o n c e i t o s . C o m o s e n t e n c i a v a S é n e c a , " j a m a i s se des-
cobriria coisa a l g u m a " — e m u i t o m e n o s , digo eu, no t u r b u l e n t o
universo d o s ovnis — "se n o s c o n s i d e r á s s e m o s satisfeitos c o m a s
coisas d e s c o b e r t a s " .
C o m o seria d e prever, a história d o "tiu M o n a " t o r n o u - s e co-
nhecida e n t r e o s v e l h o s d e Martilandrán. C o m m a i o r ou m e n o r
luxo d e p o r m e n o r e s , n a r r a v a m o t r e m e n d o s u s t o q u e levou Ma-
nuel Martin Crespo, o Galgo, e m u m a l o n g í n q u a noite d o princí-
pio d o século, q u a n d o teve a infelicidade d e t o p a r c o m " u m filho
da casta d e Belzebu". Não incorri na leviandade d e polemizar c o m
o s a n c i ã o s . Ali, c o m o e m o u t r o s sítios n a s circunvizinhanças d e
Las Hurdes, e s s e s e n c o n t r o s c o m "luzes e s e r e s e s p a n t o s o s " s e m -
pre h a v i a m sido e c o n t i n u a v a m s e n d o "coisa d e D e u s ou d o Dia-
bo". Pois q u e o u t r a c o n c l u s ã o p o d i a m tirar d e u m e n t e b a i x i n h o
e p e l u d o que, s e m aviso n e m motivo, intercepta a p a s s a g e m d e
u m h o n r a d o filho d e D e u s e, d e p o i s d e t e n t a r estrangulá-lo, voa
para u m a "lua"? Q u e eu saiba, n ã o ocorreria a s a n t o a l g u m apa-
recer a o s c a m i n h a n t e s c o m t ã o vis p r o p ó s i t o s e m a n e i r a s . Con-
clusão dos octogenários: um forasteiro tão perverso e capaz de
voar só p o d i a e s t a r b u s c a n d o a a l m a d e "tiu Mona". E q u e m é ca-
paz de fazer s e m e l h a n t e s coisas? "Só S a t a n á s e seus a p a n i g u a d o s . "
O p o r m e n o r da "lua" — c o n f i r m a d o m a i s de u m a vez — lem-
b r o u - m e algo. Mas eu n ã o quis levantar o a s s u n t o p r e m a t u r a m e n -
te. O s c o n t e m p o r â n e o s d e b o a v o n t a d e d e Manuel Martin m e re-
m e t e r a m à vizinha p o v o a ç ã o de F r a g o s a , o n d e vivia u m d o s pou-
cos sobrinhos vivos d o "tiu Mona". C o n f e s s o q u e esfreguei as m ã o s
d e p u r a s a t i s f a ç ã o . E n t r e t a n t o , m e u prazer n ã o d u r o u m u i t o . J e -
s ú s Crespo, d e c i n q ü e n t a e dois a n o s , a m á v e l e falante, concor-
d o u e m c o n t a r - m e o q u e lhe narrara o p r ó p r i o tio. Mas, para m e u
d e s c o n c e r t o , o h o m e m surgiu c o m u m a história q u e eu n ã o sou-
be onde enquadrar:
"Isso devia ter sido por volta d e 1930. d m dia d e copiosa chu-
va m e u tio avistou na p a r t e alta da aldeia u m h o m e m d e s c a l ç o
e nu da cintura para c i m a q u e c a r r e g a v a u m a p e s a d a cruz.
O f e r e c e u - s e p a r a ajudá-lo, convidou-o a c o m e r , m a s o f o r a s t e i r o
n ã o aceitou. E 'tiu Mona' o b s e r v o u que, a p e s a r da t o r m e n t a , o in-
divíduo estava e n x u t o . O f e r e c e u - l h e e n t ã o abrigo, q u e o h o m e m

61
t a m b é m n ã o a c e i t o u . C h e g o u a pôr à sua d i s p o s i ç ã o u m a jaque-
ta. Nova n e g a t i v a . E n t ã o , a n t e s d e d e s a p a r e c e r , o h o m e m disse-
lhe " q u e n a q u e l e a n o n ã o teria o n d e colocar o vinho". E a s s i m
foi. J a m a i s s e viu u m a colheita c o m o a q u e l a . "
A partir daí, o e n i g m á t i c o p e r s o n a g e m c o m a cruz às costas —
d e c u j a s a p a r i ç õ e s tive notícia e m o u t r a s l o c a l i d a d e s j u r d a n a s
— foi b a t i z a d o c o m o o " d e u s d e Martilandrán". Eu, p o r é m , n ã o
estava à caça d e prodígios d e s s e tipo, p o r m u i t o i n t e r e s s a n t e s q u e
f o s s e m . O m e u era "tiu Mona". E veja o leitor o p a r a d o x o : o pa-
rente d o "tiu Mona", inexplicavelmente, sabia do episódio d o Valle
dei S a p o m e n o s d o q u e o s a v ó s e d o q u e eu m e s m o . A princípio,
essa lacuna na m e m ó r i a d e J e s ú s C r e s p o d e i x o u - m e desconfia-
do. E se t u d o f o s s e u m a i n v e n ç ã o ou a d e t u r p a ç ã o d e o u t r o acon-
t e c i m e n t o verificado Deus sabia q u a n d o ? Busquei tranqüilizar-me.
A m i n u c i o s a coincidência d o s d e p o i m e n t o s d o s anciãos, p o n t o
p o r p o n t o , n ã o podia ser u m a p e ç a d o Destino. A c o n t e c e r a algu-
m a coisa d e e x t r a o r d i n á r i o . T ã o h o r r o r o s a e d e s u s a d a q u e ficaria
p a r a s e m p r e na m e m ó r i a d o s c o n t e r r â n e o s .
Invoquei a n a d a heróica virtude da paciência (por isso diz Leo-
pardi q u e , a p e s a r d e sua a p a r ê n c i a , é a m a i s bizarra d a s condi-
ç õ e s h u m a n a s ) e c o m e c e i pelo princípio. Dia a dia, fui d e s p e n -
c a n d o c o m o u m falcão e m c a d a u m a d a s a l d e i a s ou g r a n j a s n a s
q u a i s — s e g u n d o as notícias q u e m e c h e g a v a m — habitava u m
possível i n f o r m a n t e . Saltei d e Martilandrán, F r a g o s a , N u n o m o r a l
e Rubiaco às a l t u r a s d e R o b l e d o d e Arriba e C a s a s dei C a s t a n a r ,
p a s s a n d o pela área vulcânica d e El G a s c o p a r a o distrito d e Pino-
f r a n q u e a d o e a s ribeiras d e C a m i n o m o r i s c o . E a e x t e n u a n t e via-
g e m — o s p e s q u i s a d o r e s " d e c a m p o " s a b e m d o q u e falo — ren-
d e u - m e b e l o s f r u t o s . O s i n f o r m e s s o b r e o "tiu M o n a " f o r a m pre-
ciosos. T o d a u m a s o l e n e u n a n i m i d a d e . Eu estava no b o m cami-
nho, salvo por u m insignificante e q u í v o c o .
Daquela meia centena de entrevistas que figuram e m m e u s
c a d e r n o s e fitas m a g n é t i c a s — a l é m d e material para e s c r e v e r
m a i s u m e s u b s t a n c i o s o livro s o b r e o u t r a s mil s u p o s t a s l e n d a s
e a c o n t e c i m e n t o s —, concluí c l a r a m e n t e q u e n a q u e l a é p o c a , de-
z e m b r o d e 1983, as peças-chave para deslindar o mistério do Valle
dei S a p o e s t a v a m — por u m c a p r i c h o d o d e s t i n o — e m o u t r a
l o c a l i d a d e r e m o t a d o o e s t e d e C á c e r e s , e m plena serra d e Gata:
T o r r e d e d o n Miguel. Para lá m e r e c o m e n d a r a m q u e f o s s e o s
í n t i m o s d o "tiu Mona". Era o n d e r e p o u s a v a m os r e s t o s d o Galgo
d e Martilandrán e, se a justiça divina n ã o h o u v e s s e d i s p o s t o o
c o n t r á r i o , ali t a m b é m d e v i a m residir ainda d u a s t e s t e m u n h a s re-
levantes: a e s p o s a d o c o n t e n d o r de Belzebu e u m a irmã dela.
E n i n g u é m m a i s havia na galeria de possíveis c o n f i d e n t e s d e "pri-
meiríssima m ã o "

62
Ainda m e recordo c o m justa cólera. Cólera contra mim mes-
i no, entenda-se. Queira Deus que os jovens p e s q u i s a d o r e s dos fe-
n ô m e n o s ovnis extraiam u m a lição deste novo e irreparável erro.
Dizia eu que ainda m e lembro da calamitosa decisão c o m u m sa-
Iirado desgosto. Examinei os m a p a s e, efetivamente, a localida-
de de Torre n ã o ficava a u m á distância considerável. Mas, em vez
de deixar-me levar pelo instinto, q u e exigia minha imediata pre-
sença na vila do desconhecido don Miguel, desprezei-o e suspen-
di t e m p o r a r i a m e n t e as indagações. A proximidade das festas na-
talinas obrigou-me (?) a regressar ao lar.
Isto parece justificativa, m a s a verdade é que não m e r e ç o o
perdão divino. "Diversamente dos h u m a n o s " — disse um sábio
- "os d e u s e s j a m a i s se justificam." Eis u m a lição proveitosa pa-
i a os aspirantes a pesquisadores: se sua sutil intuição os empur-
Mi para u m a d e t e r m i n a d a direção, n ã o hesitem; o b e d e ç a m . Cima
liora, um dia, u m a s e m a n a ou um m ê s de atraso p o d e ser fatal.
Nao sei se exagero, m a s o curioso é que a "nave-mãe", nestas cir-
runstâncias, costuma "avisar". E eu, viajante compulsivo, não sou-
be interpretar o " t o q u e de alerta".
O caso é que p o u c o depois que deixei Las Hurdes o m e u ve-
lho e leal Renault 18 empacou. Cima pouco c o m u m avaria na chave
de contato deixou-me à m e r c ê dos lobos em plena serra jurdana.
Ainda não sei c o m o cheguei à casa de J u a n i t o , "o de Cádiz", em
Nuftomoral. Ali, o de Olvera, único m e c â n i c o em um raio de cin-
qüenta quilômetros, fez-me um trabalho de emergência, c o m cor-
das e arames, e m e e n c o m e n d o u à corte celestial. Consegui ir até
1'lasencia, em busca de u m a oficina c o m todas as b ê n ç ã o s apos-
tólicas.
O curioso é que, ao modificar o itinerário de regresso ao País
liasco, e s c o l h e n d o a rodovia C 512, mais d e s e m b a r a ç a d a do q u e
a solitária rota que margeia o p â n t a n o de Gabriel e Galán,
coloquei-me nas proximidades de Torre de don Miguel. Mas n e m
lanto assim... Ainda q u e as placas indicativas, ao cruzar Villanue-
va de la Sierra, m e e n t r a s s e m pelos olhos c o m o u m filme em ci-
n e m a s c o p e , a n u n c i a n d o a aldeia de don Miguel a p o u c o mais de
vinte quilômetros, fiquei p e n s a n d o na c o n f u s ã o provocada por
aquela avaria mecânica. Agora, passado o incidente, percebo que
a falha técnica foi muito, m a s muito rara. S e g u n d o as a n o t a ç õ e s
do meif "caderno de viagem", o h o d ô m e t r o do m e u Renault mar-
cava, pela altura daquele d e z e m b r o de 1983, a cifra respeitável
de cento e quarenta mil quilômetros. Pois bem, em toda essa lon-
ga trajetória j a m a i s ocorrera u m a avaria tão s e m explicação. Q u e
cada qual interprete o fato s e g u n d o s u a s luzes.
E u m a r r e p e n d i m e n t o p o u c o c o m u m , pungente, m e mante-
ve inquieto durante as s e m a n a s que se seguiram. Agora sei que

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o p e c a d o d e o m i s s ã o se a n i n h a n o m a i s r e c ô n d i t o da a l m a , m a s ,
ainda a s s i m , é t ã o implacável c o m o q u a l q u e r outro. E m u i t o la-
m e n t e i n ã o haver o b e d e c i d o à q u e l e i m p u l s o .
A o e n t r a r na aldeia d e T o r r e d e d o n Miguel, já e m 1984, a
notícia da m o r t e de Victoriana Crespo Azabal, ocorrida e m dezem-
bro d o a n o anterior, a b r i u - m e o s olhos. Eu m e sentia d e s a m p a r a -
do. Era u m a d e s g r a ç a irreparável. Irreparável s o b r e t u d o para m i m .
Duvido m u i t o q u e s e u s p a r e n t e s t e n h a m c h e g a d o a sentir-se t ã o
d e s c o n s o l a d o s c o m o eu. E d u r a n t e h o r a s — t o m a d o d e u m ata-
q u e d e raiva — p e r a m b u l e i p e l a s e s t r a d a s a t é p e r c o r r e r q u a s e me-
t a d e da serra d e Gata. Na m i n h a proverbial d i s t r a ç ã o , p o u c o fal-
tou para q u e eu e n c o s t a s s e no vizinho P o r t u g a l .
Não p o s s o , todavia, deixar d e r e c o n h e c e r t a m b é m a fina sa-
b e d o r i a d o E v a n g e l h o na p a r t e q u e diz: "A D e u s Pai n ã o é p r e c i s o
pedir. Ele sabe. Basta q u e lhe a g r a d e ç a m o s . " Então, " s a b e n d o q u e
s a b e " , a b a n d o n e i - m e e m s u a s m ã o s e, t i r a n d o f o r ç a s da f r a q u e -
za, voltei a T o r r e c o m a e s p e r a n ç a d e a c h a r c o m vida a última d a s
t e s t e m u n h a s : J o s e f a C r e s p o Azabal, irmã da falecida, c u n h a d a d o
Galgo e m ã e d o d e s m e m o r i a d o J e s u s C r e s p o .
Q u a n t a v e r d a d e n o dito p o p u l a r d e q u e D e u s a p e r t a m a s n ã o
sufoca. Dessa vez caí d e pé. E m b o r a a l g o senil, n o s s e u s s e t e n t a e
seis anos, D o n a J o s e f a era a i n d a capaz d e c a r r e g a r lenha, d e m a n -
ter a horta, d e cuidar d e u m a família d e g a t o s — cada qual m a i s
salafrário — e, ainda p o r cima, d e p ô r e m o r d e m s u a s l e m b r a n ç a s .
Foi preciso vencer as primeiras e naturais suspeitas. Desta vez
fui tido p o r d e m a n d i s t a , a d v o g a d o s e m c a u s a s . Não sei a t r o c o
d e q u ê , m a s a velhinha m e t e u - s e na c a b e ç a q u e e s t e escriba esta-
va ali p a r a c o n f i s c a r a h e r a n ç a d o "tiu Mona". B e m analisado, a t é
q u e ela estava certa. A p e n a s , a " h e r a n ç a " q u e eu b u s c a v a era d e
o u t r o g ê n e r o . Ao fim d a s e s c a r a m u ç a s , m a i s a b o r r e c i d a d o q u e
convencida, c o n c o r d o u e m contar o q u e sabia. E c o m e ç o u por con-
f i r m a r a história do " d e u s d e Martilandrán". O p r ó p r i o 'tiu Mona'
o havia r e l a t a d o ali m e s m o , a o p é d a q u e l e f o g ã o , e c o m t a n t a se-
r i e d a d e q u a n t a a d m i r a ç ã o . Q u a n t o a o "forasteiro" q u e o intercep-
t o u n o Valle dei S a p o , d o n a J o s e f a p ô s o s p o n t o s n o s ii logo d e
início. Persignou-se, u s a n d o u m o b j e t o q u e e u já havia visto c o m
a l g u n s o c t o g e n á r i o s e s o b r e o qual n ã o fiz p e r g u n t a s para n ã o a
confundir.
"Essa disputa c o m o Maligno — q u e D e u s n o s proteja! — o
'tiu M o n a ' a c o n t a v a , sim, m a s n ã o foi a ele q u e s u c e d e u ; foi a o
s e n h o r s e u pai J u a n Martin C r e s p o . Eu, na o c a s i ã o , era u m a me-
nina. E ouvi a história c o n t a d a p o r ele no m í n i m o c e m vezes. E
s e m p r e c o m a voz a l t e r a d a . . . "
D o n a J o s e f a a t e n d e u a o m e u p e d i d o e eu fiz a l g u n s cálcu-
los. S e ela havia n a s c i d o e m 1907 e a coisa a c o n t e c e r a q u a n d o

64
•lullán Iglesias, residente em Martilandrán e contemporâneo de Juan Martfn,
Indicando a casa onde vivia o pai do " t i u M o n a " . Em primeiro plano,
Mnrfa Cruz Vizcaya, outra vizinha do hurdano que " p e l e j o u " com o
ohlnelos de f e r r o " , como t a m b é m denominaram o estranho ser.
(I oto de J. J. Benitez.)

Dom Luis Diaz Escudero, pároco de


Garganta la Olla, mostrando o livro de
batizados no qual aparece registrado
Ángel Garcia Hernandez.
(Foto de J. J. Benitez.)

Reprodução do t e x t o
da ata de batismo.
c o n t a v a seis ou s e t e a n o s , e n t ã o i r í a m o s parar ali p o r 1 9 1 3 ou
14.
"...Do q u e e s t o u c e r t a " — a c r e s c e n t o u c o m a v i v a c i d a d e q u e
d e s p e r t a m s e m p r e c e r t o s a c o n t e c i m e n t o s históricos — "é d e q u e
foi p o u c o a n t e s d e estalar a Primeira G r a n d e G u e r r a . N e s s e t e m -
p o as c o i s a s a n d a v a m m u i t o a g i t a d a s por c a u s a d o s d e r r o t a d o s
q u e v o l t a v a m d e Cuba..."
C o m excelente raciocínio, a boa velhinha aludia a o s e s p a n h ó i s
que, a partir d e 1899, a o c a b o d a s g u e r r a s c u b a n a s , v o l t a r a m a o
lar.
"... S a b e r á o s e n h o r , q u e p a r e c e m u i t o letrado, q u e a f a m o s a
sarna c h e g o u c o m o s ' c u b a n o s ' . . . "
E s t e " l e t r a d o " — d e v o a d m i t i r — teve d e recorrer à s enciclo-
p é d i a s . A m e m ó r i a d e d o n a J o s e f a era p r o d i g i o s a . De fato, e m
1 9 1 8 registrou-se u m a e p i d e m i a d e s a r n a q u e infectou m e i o m u n -
d o e, s e g u n d o t o d a s a s f o n t e s , só p o d i a ter e n t r a d o c o m o s ex-
c o m b a t e n t e s d o Caribe.
" O n d e e u e s t a v a ? " — incansável, ela p r o s s e g u i u n o seu rela-
to — " U m a noite, e s t a n d o J u a n Martin e m u m a ' m a t a n ç a ' (eu falo
d e porcos, o s e n h o r sabe), a c o n t e c e u q u e lhe a c a b o u o pão. E diga-
m e o s e n h o r o q u e seria d e u m a ' m a t a n ç a ' s e m v i n h o e s e m pão...
Mas a e s c u r i d ã o era m u i t a e m Martilandrán e n e n h u m d e l e s que-
ria a v e n t u r a r - s e à q u e l a s h o r a s da noite p e l o s p e r i g o s o s c a m i n h o s
q u e na é p o c a levavam a N u n o m o r a l . Q u e m , e m seu juízo perfei-
to, faria isso? Pois o pai d o Galgo, a p e s a r d e ter juízo e b o m juízo,
o s e n h o r m e e n t e n d e , disse q u e se e n c a r r e g a r i a d o pão. Inutilmen-
te t e n t a r a m retê-lo. J á vê o s e n h o r c o m o d e u m a coisinha d e na-
da p o d e u m h o m e m fazer u m a q u e s t ã o d e h o n r a . P o b r e cristão!
"Ignorando a r g u m e n t o s , pôs-se ao fresco noite a dentro, à bus-
ca d o i n o p o r t u n o p ã o . E dizia o velho q u e m a l c h e g a d o a Nuno-
m o r a l , a divina Providência p r e m i a r a sua c a m i n h a d a e seu sacri-
fício c o m u m a c r e p i t a n t e f o g a ç a d e dois quilos e m e i o . T o d o con-
t e n t e , e m p r e e n d e u o c a m i n h o d e volta. De r e p e n t e , a o t o m a r a
d i r e ç ã o d e u m a v e r e d a n o Valle dei S a p o , a p a r e c e u d i a n t e dele
um 'hominho'..."
O u seja, u m h o m e m d e p o u c o porte, a c r e s c e n t e i por m i n h a
conta.
"... De p o u c o p o r t e ? C o n f o r m e . . . A J u a n i t o lhe p a r e c e u u m
m e n i n o . Talvez n ã o l e v a n t a s s e u m s a c o d e c a s t a n h a s . . . "
Fiz u m a s r á p i d a s c o n t a s m e n t a i s e calculei q u e o " h o m i n h o "
devia o r ç a r p o r u m m e t r o , ou p o u c o mais- I n t e r e s s a n t e . Muito in-
teressante.
"... Mas, para o d i a b o o h o m i n h o ! D u r a n t e a l g u n s m o m e n t o s
n a d a s e p a s s o u . (Jm olhava p a r a o o u t r o e o o u t r o olhava p a r a

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0 um. E o pai d o Galgo, c o m a pulga a t r á s da orelha, fez-lhe u m a s
advertências. O 'forasteiro' continuou m u d o e no m e i o d o caminho,
.lá a b o r r e c i d o c o m t a n t o teatro, o m a r t i l a n d r e n s e tocou-se para a
1 rente. E aí m o s t r o u s u a s i n t e n ç õ e s o m u i t o filho d e S a t a n á s . S e
.luanito buscava evitá-lo pela e s q u e r d a , ali s e plantava o rixento.
Se tomava a direita, idem. Estava m a i s d o q u e claro q u e q u e r i a a
guerra. E s e m m a i s a q u e l a saltou s o b r e o p e s c o ç o d e Martin,
• ipertando-o c o m o o faria a l g u é m c o m o ele m e s m o : u m e n d e m o -
ninhado. J u a n i t o m o l h o u as calças. E n ã o p o r q u e fosse u m fraco
ou u m palerma, e sim pelo q u e descobriu a o tocar a criatura. O fan-
tasma — contava d e p o i s q u e lhe p a s s o u a febre — era á s p e r o co-
m o u m a azinheira. Foi aí q u e ele p e r c e b e u q u e pelejava c o m u m
ser d o o u t r o m u n d o . Era t o d o preto e r e c o b e r t o d e u m a pele n u n c a
vista. E c o n t i n u o u atacando-o, o filho d e u m a g r a n d e marafona...
Até que, m e i o derrotado, o cristão a p a n h o u a única coisa q u e car-
regava: a peça d e pão. E n t r e u m a m o r d i d a e u m p o n t a p é , quis D e u s
q u e o Maligno s e distraísse u m nadinha. Era o q u e J u a n i t o espera-
va. Então, e r g u e n d o a fogaça, assestou-a b e m na testa d o bruto. O
maldito recuou e no t e m p o exato d e u m piscar d e o l h o s saltou pa-
ra as alturas e se m e t e u e m u m a lua branca. E dizia J u a n i t o q u e
tudo ficou dia claro, c o m u m a luz q u e n ã o dava s o m b r a s .
" Q u a n d o a l c a n ç o u o s c o m p a n h e i r o s n ã o parecia u m h o m e m ,
m a s u m cadáver. Dizem q u e ele falava e repetia: 'Se n ã o f o s s e o
l>ão...!' Foi preciso q u e o e s t a p e a s s e m p a r a voltar a si. Até f e b r e
leve. P a s s o u d e p o i s m u i t o s dias a t o l e i m a d o , c o m o l h o s p e r d i d o s
e o p e s c o ç o t o d o roxo.
" D e s d e a q u e l e e n c o n t r o n e g o u - s e a fazer o q u e q u e r q u e fos-
se d u r a n t e a noite. E s e m p r e q u e se via na o b r i g a ç ã o d e atraves-
sar o Valle dei S a p o p r o c u r a v a a c o m p a n h i a d e o u t r o s cristãos."
A desventura deste jurdano bem merece uns comentários.
Partindo da p r e m i s s a d e q u e n ã o e n c o n t r a v a razões q u e p u d e s -
sem fazer-me duvidar da a u t e n t i c i d a d e d o fato, s e m p r e n a r r a d o
c o m c e r t a s n u a n ç a s d e s l o c a d a s da é p o c a , a q u e c o n c l u s ã o p o d e
c h e g a r o p e s q u i s a d o r ? C o m o é possível q u e e m 1 9 1 3 ou 14 se
descreva e m Las H u r d e s u m o b j e t o circular e l u m i n o s o , igual a
u m a "lua"? Não p e r c a m o s d e vista q u e e m 1910, p a r a citar u m
e x e m p l o , F a b r e fazia voar o p r i m e i r o h i d r o p l a n o . A l g u m cético
p o d e r á insinuar q u e o q u e J u a n Martin viu e n q u a d r a - s e no domí-
nio d o s helicópteros. A esse espertinho c o n v é m refrescar-lhe a me-
mória: a primeira a s c e n s ã o d e u m a m á q u i n a d o g ê n e r o deu-se e m
G e t a f e (Madri), e m 1923. E b e m q u e o p r e z a d o J u a n d e la Cierva,
inventor d a q u e l e " e m b r i ã o " d e helicóptero, teria d e s e j a d o p a r a
si o s e g r e d o d e t ã o e n i g m á t i c a "lua". Hoje, e m ufologia, e s s a s
"luas" s ã o o no*sso p ã o d e c a d a dia. A m a i s banal d a s d e s c r i ç õ e s
d e ovnis q u e se p o s s a m e n c o n t r a r .

67
E q u e dizer d o m a l v a d o " f o r a s t e i r o " ? O p o r t e m i n g u a d o , q u e
levou o pai d o Galgo a c o n f u n d i - l o c o m u m m e n i n o , é o u t r o d a d o
a b u n d a n t e nos encontros c o m tripulantes. Seres de um metro e
p o u c o d e e s t a t u r a , c o m u m a i n d u m e n t á r i a q u e t a m b é m n ã o se
encaixa n o q u e se usava n o s princípios d o s é c u l o . E, p a r a c o m -
pletar, c o m c a p a c i d a d e d e a u t o p r o p u l s ã o . Q u e m a i s ?
Q u a n t o a o c o m p o r t a m e n t o d o " p e l u d o v o a d o r " , trata-se d e
u m capítulo à p a r t e . E, c o m o n o c a s o d o s e n h o r d e C a m b r o n c i -
no, f i c a m o s s e m a p o i o da razão e da lógica. E m a m b o s o s c a s o s
— significativamente próximos no t e m p o e no espaço —
d e p a r a m o - n o s c o m u m a a g r e s s i v i d a d e (não m e atrevo a usar a ex-
p r e s s ã o " m a l d a d e " ) i n c o m u m n o f e n ô m e n o ovni.
Q u e s a g r a d o s princípios c ó s m i c o s p o d e r i a o i n o c e n t e J u a n i -
to ter v i o l a d o p a r a p r o v o c a r a s s i m a ira d o s c é u s ? E n t ã o , conti-
n u o p r o p o n d o a m e s m a q u e s t ã o : participaria e s s e h o m ú n c u l o d o
e s p a ç o da m e s m a " e q u i p e " q u e a p a r e c e u e m F á t i m a ? P e n s a n d o
b e m , 1 9 1 3 ou 1 9 1 4 n ã o estava tão distante d e 1917. O u será que,
p a r a r e t o m a r a t e s e d o " n a d a é casual", t u d o haveria sido igual-
m e n t e p l a n e j a d o para a p e n a s deixar rastro e registro histórico?
Nesta linha d e raciocínio, t a m b é m é e s t r a n h o q u e e m u m a b e m
p r e p a r a d a " m a t a n ç a " f a l t a s s e u m a l i m e n t o t ã o acessível c o m o o
pão. E o m e s m o não se poderia pensar da obstinação do aldeão,
d i s p o n d o - s e a fazer s e u s b o n s q u i l ô m e t r o s às t a n t a s da noite e de-
sacompanhado?
Nesta altura p e n s o n o s " v a m p i r o s " d i s c u t i n d o e c a t a l o g a n d o
o i n c i d e n t e c o m s u a s c o s t u m e i r a s s a í d a s m o r d a z e s . Mais ou me-
n o s a o estilo d o c a s o d e A r o c h e , na província d e Huelva, e m feve-
reiro d e 1969, e m q u e t o d a u m a família foi t e s t e m u n h a d a s evo-
l u ç õ e s d e u m ovni. S e n a q u e l a o c a s i ã o u m d e s s e s u f ó l o g o s " d e
s a l ã o " — b a t i z a d o p o r A. Ribera c o m o o " r e p e l e n t e r a p a z i n h o Vi-
c e n t e " — atreveu-se a "explicar" o a v i s t a m e n t o c o m o " u m a f u g a
d e exilados p o r t u g u e s e s " , n ã o seria s u r p r e e n d e n t e q u e o c a s o d e
Martilandrán f o s s e r e d u z i d o a cinzas e q u e o " f o r a s t e i r o " f o s s e to-
m a d o p o r u m " s a r n e n t o c u b a n o c o m u m a terrível intoxicação etí-
lica e n t r e o peito e a s c o s t a s " . D e m o s t e m p o a o t e m p o . . .
Antes de passar à obrigatória narração do "anjo anunciador"
d e G a r g a n t a la Olla, é o p o r t u n o a c r e s c e n t a r a e s t e s " l a n c e s infer-
nais" o u t r a d a s p e r i p é c i a s p r o t a g o n i z a d a s — n o dizer d o s a n t i g o s
j u r d a n o s — por "Mestre S a t a n á s " e m p e s s o a . Cima preciosidade...
Desta vez r e s u m i r e i o c a s o . O c o r r e u n o S a l t o dei Agua, u m
r e c a n t o p o u c o m e n o s q u e virginal na serra da F r a g á , a o e x t r e m o
d e El G a s c o . Foi " c o m o n o s a n o s da f o m e " , vale dizer, ali p o r 4 0 .
Lá t r a b a l h a v a m o s c a r v o e i r o s da região. CIm deles, A n t o n i o Do-
m i n g u e z Crespo, estava u m a noite na dura e ingrata tarefa d e con-
verter e m carvão u m a tora d e urze. C o n t a r a m - m e , e n t r e o u t r o s ,

68
m
fi g*®
1 -...ft*

Santos e Dionisio Garcia

i
Niguerol, irmãos do pai
de Ángel. A o f u n d o Juana
Lopez Martin, que deu
refúgio em sua casa
à mãe do " a n u n c i a d o " .

Ángel Garcia Hernández,


junto a sua mãe, Gervasia
Hernández Basilio.
(Foto de J . J. Benitez.)

Ángel, o h o m e m cujo nascimento


f o i " a n u n c i a d o " por u m " a n j o " ,
j u n t o a J. J . Benitez.
Rufino C r e s p o , s o b r i n h o d o p r o t a g o n i s t a , e J o s é A c e i t u n a , talvez
o único f a b r i c a n t e n o m u n d o d e t o n é i s d e p e d r a vulcânica, q u e ,
n o m e i o d a s trevas, u m a "luz" c o m e ç o u a rodeá-lo. S e g u i n d o o
c o s t u m e , o carvoeiro interpelou-a e m voz alta. Infeliz decisão. Co-
m o f u l m i n a n t e r e s p o s t a a o s e u grito, a "luz" a v a n ç o u para c i m a
dele. E — coisa prodigiosa! — dela surgiu u m a n c i ã o alto c o m o
u m palheiro, d e rosto " d e s f i g u r a d o " e " p a t a s p r e t a s , c o m o a s d e
c a b r a " . A típica e viva e s t a m p a d o diabo, na o p i n i ã o d o s jurda-
nos. E ali foi instalar-se, "to e s c a r r a m a r r a u " ( e x p r e s s ã o p o p u l a r
que, e m t r a d u ç ã o livre, descreveria u m indivíduo q u e se s e n t a so-
bre o fogo). " E n ã o se q u e i m a v a , o c o n d e n a d o . "
O a n c i ã o c o n v e r s o u c o m o carvoeiro a t é o r o m p e r d o dia. E
o "Maligno" preveniu-o: "De t u d o isto q u e te revelei n ã o dirás na-
da a n i n g u é m . E m u i t o m e n o s m i n h a s palavras finais." E t a m b é m
a c o n s e l h o u - o a falar m e n o s e a p a r a r d e gritar na e s c u r i d ã o .
A partir d a q u e l a fantástica noite, o h o m e m j a m a i s subiu sozi-
n h o às carvoeiras d e El Gasco. E n i n g u é m c o n s e g u i u arrancar-lhe
u m a só palavra acerca da discurseira d o "desfigurado". Morreu a o s
s e t e n t a e seis anos, a o cair d e u m a p o n t e . E o s e g r e d o d e t ã o singu-
lar conversa jaz c o m ele n o c e m i t é r i o d e Fragosa. "Claro que, p o r
a q u e l a é p o c a " — justificava o Aceituna —, " a n d a v a m m u i t o s deu-
s e s por e s t e s povoados..." Q u e r i a ele dizer q u e tais c o l ó q u i o s c o m
"seres d o a b i s m o " n ã o e r a m t ã o i n c o m u n s . "E s a b e o s e n h o r p o r
q u ê ? " — enfatizou o Aceituna — "Porque a q u e l e s e r a m t e m p o s e m
q u e p a d r e s e civis a i n d a c o n s e r v a v a m a vergonha."
Curioso: u m ser c o m p a t a s " c o m o as d e c a b r a " . O n d e havia
eu ouvido u m a história p a r e c i d a ?
Terei d e fazer u m e s f o r ç o e deixar p a r a m e l h o r o p o r t u n i d a d e
m e u s s i n g u l a r e s a c h a d o s e m Marrocos, n o s E s t a d o s tinidos, n o
Brasil e no País Basco s o b r e e s t e s curiosíssimos p e r s o n a g e n s c o m
" p é s c a p r i n o s " . S e r e s q u e e n t r a r a m e m m i n h a a g e n d a pela pri-
m e i r a vez q u a n d o eu percorria a E s t r e m a d u r a e d e c u j a real exis-
tência — a i n d a q u e p a r e ç a incrível — n ã o t e n h o a m e n o r dúvida.
E p o r q u e essa certeza, p e r g u n t a r á o leitor? Muito s i m p l e s . N e m
o " P a n c h o " (sua d r a m á t i c a a v e n t u r a foi relatada e m m i n h a o b r a
anterior, A Ponta do Iceberg) n e m o carvoeiro d e El G a s c o soube-
ram jamais das aparições desses "humanóides caprinos" naque-
les o u t r o s p a í s e s e vice-versa. C o m o explicar, e n t ã o , coincidên-
cias t ã o a f a s t a d a s na g e o g r a f i a e no t e m p o ?
N a q u e l a é p o c a , m e u s e g u n d o p r o j e t o — d e certa hierarquia
— havia sido batizado c o m o p o m p o s o e talvez p e t u l a n t e título
d e "o a n j o a n u n c i a d o r " , t l m a vez e n c e r r a d o o c a s o d o pai d o "tiu
M o n a " , c o n c e n t r e i m i n h a s a t i v i d a d e s na localização d o p e r s o n a -
g e m que, a p a f e n t e m e n t e , era a c a u s a d e t ã o singular história. O
q u e eu r e a l m e n t e p o s s u í a e m m e u s a r q u i v o s era m u i t o p o u c o .

70
" E m 1? d e o u t u b r o d e 1 9 3 4 " — dizia o aviso —, "na aldeia
c a c e r e n s e d e G a r g a n t a la Olla, u m a velhota havia vivido u m mis-
terioso e n c o n t r o c o m u m ser de baixa e s t a t u r a e t r a j e reluzente.
A m u l h e r e s t a v a t r a b a l h a n d o na roça, m u i t o p r ó x i m o d e Gargan-
ta, q u a n d o o e s t r a n h o ser a p a r e c e u e m u m d e s p e n h a d e i r o . No
m e s m o i n s t a n t e a anciã ouviu e m s u a c a b e ç a u m a voz q u e lhe
anunciava o n a s c i m e n t o d e u m neto. T e n t o u aproximar-se d o des-
c o n h e c i d o , m a s e s t e c o r r e u e d e s a p a r e c e u da sua vista.
"Intrigada e a s s u s t a d a , a s e n h o r a voltou para a aldeia e c o m -
provou q u e o a n ú n c i o q u e havia r e c e b i d o era certo: seu n e t o aca-
bara d e n a s c e r . "
A notícia concluía assim:
" S u p o n d o q u e o a n ú n c i o p r o c e d i a d o céu e q u e a q u e l e ser
era u m a n j o , a família p ô s n o r e c é m - n a s c i d o o n o m e d e 'Angel'."
Não era g r a n d e coisa, m a s já m e vi e m piores circunstâncias...
O q u e na v e r d a d e m e c h a m o u p o d e r o s a m e n t e a a t e n ç ã o —
admitida a a u t e n t i c i d a d e d o a c o n t e c i m e n t o — foi a b r u s c a trans-
f o r m a ç ã o n o p r o c e d i m e n t o e na filosofia d e s t e s seres. Da m o r t e
e truculência t e s t e m u n h a d a e m Las H u r d e s s a l t á v a m o s a g o r a a o
pólo oposto: u m a d e s a c o s t u m a d a " c o o p e r a ç ã o " c o m a vida. O "ab-
s u r d o universo ovni" d e novo...
E s t e globe-trotter d e v e n ã o p o u c o s f a v o r e s a o a u s t e r o e ser-
viçal cura d e G a r g a n t a la Olla. M e s e s a n t e s , i n t e r e s s a d o e m apu-
rar o c a s o do " a n j o " , lhe havia p e d i d o u m a primeira e e l e m e n t a r
c o m p r o v a ç ã o : se e m o u t u b r o d e 1 9 3 4 fora registrado m e s m o n o s
a r q u i v o s p a r o q u i a i s o b a t i s m o d e u m c e r t o "Angel". Eu n ã o que-
ria correr d e s n e c e s s a r i a m e n t e d a q u i p a r a ali, q u e i m a n d o t e m p o
e c o m b u s t í v e l , se a história c o n t a d a p e l o s p a r o q u i a n o s n ã o apa-
recesse o n d e era o b r i g a t ó r i o q u e a p a r e c e s s e . E o b o n d o s í s s i m o
d o m Luis Diaz E s c u d e r o — ainda q u e a S a n t a Madre Igreja n ã o
c o m u n g u e c o m as h e t e r o d o x a s a t i v i d a d e s d e s t e "filho p r ó d i g o "
— a c e i t o u o e n c a r g o c o m m u i t o zelo e eclesiástica p a c i ê n c i a . A
princípio — r e c o n h e ç o c o m p u d o r — duvidei d e t u d o : da existên-
cia d o registro, da v e r a c i d a d e da história e a t é da b o a v o n t a d e d o
p á r o c o . C o m o explicar q u e u m fato t ã o s e n s a c i o n a l n ã o houves-
se sido d i v u l g a d o ?
E u m belo dia, q u a n d o q u a s e m e e s q u e c e r a já d o caso, d o m
Luis m e enviava a s e g u i n t e e explosiva carta:
" E s t i m a d o s e n h o r : e m b o r a c o m u m p o u c o de atraso, desejo-
lhe feliz Natal. Q u a n t o a o a s s u n t o d o n a s c i m e n t o d e u m m e n i n o
e m o u t u b r o d e 1934, p o s s o informar-lhe isto:
"Existe tal^ n a s c i m e n t o n a q u e l a d a t a , d a n d o - s e a o m e n i n o o
n o m e Angel. E filho d e P e t r o n i o Garcia Niguerol e d e Gervasia
H e r n á n d e z Basilio. O s q u a t r o avós d o referido m e n i n o já falece-
ram, c o m o t a m b é m o pai, vivendo a m ã e , m a s reside e m Talave-

71
ra d e la Reina (Toledo), o n d e t a m b é m reside a t u a l m e n t e o s e n h o r
e m q u e s t ã o e o n d e dirige u m p e q u e n o c o m é r c i o d e b a r r a c a . O
q u e n ã o p u d e a v e r i g u a r foi o s e u e n d e r e ç o , pois, e m b o r a t e n h a
aqui tios carnais d e a m b a s as partes, eles m e s m o s o d e s c o n h e c e m .
"Todavia, u m i r m ã o d e s e u pai s e r e c o r d a d e h a v e r ouvido
d e s u a m ã e q u e h o u v e isso. O s e n h o r vive aqui, e m G a r g a n t a la
Olla, o n d e fixou residência, pois está a p o s e n t a d o , já q u e a avó a
q u e o s e n h o r s e r e f e r e era a p a t e r n a . S e u n o m e era Elvira Nigue-
rol Nieto..."
O p á r o c o , p r u d e n t e , n a d a dizia a r e s p e i t o d o q u e a p r e g o a v a
a voz p o p u l a r . N e m a favor n e m c o n t r a . Falar d e " m i l a g r e s " na
d é c a d a d e 3 0 e n u m lugar t ã o c o n s e r v a d o r c o m o G a r g a n t a la Ol-
la, n ã o era p r ó p r i o . B a s t a n t e havia feito o h o m e m e m p o e i r a n d o -
s e t o d o e m s u a b u s c a n o s arquivos. E c o m e s t e t r u n f o entrei na
ora azul, ora d o u r a d a , ora e s m e r a l d i n a p r a ç a d e p ó r t i c o s da al-
deia g a r g a n t i n a , que, à força d e visitá-la, já m e p a r e c e c o m o mi-
nha casa.
O p r i m e i r o (e obrigatório) m o v i m e n t o consistiu e m p r o c u r a r
o s livros d e registro d e b a t i s m o s e r e g a l a r - m e c o m a leitura da-
quelas h u m i l d e s m a s decisivas dezessete linhas tão e s m e r a d a m e n -
te m a n u s c r i t a s . No t o m o 24, f o l h a s 2 5 3 , s o b o n ú m e r o 78, apare-
cia o p e q u e n o g r a n d e t e s t e m u n h o q u e , e m princípio, m e autori-
zava e a n i m a v a a p r o s s e g u i r na investigação.
Diz a s s i m :

Na vila de Garganta la Olla, província de Cáceres, diocese de


Plasencia, a sete de outubro de mil novecentos e trinta e quatro,
eu, abaixo assinado, pároco desta, batizei solenemente um meni-
no a quem pus o nome de Ángel. E filho legítimo de Petronio Gar-
cia Niguerol e de Gervasia Hernández Basilio, naturais e morado-
res desta. Nasceu, segundo declaração da madrinha, às onze do
dia primeiro do corrente na rua do Palácio. São seus avós pater-
nos Manuel Garcia Herrero, natural de Casas dei Monte, e Elvira
Niguerol Nieto e os maternos Hernández Rodrigues e Gerónima
Basilio Diaz. Foram padrinhos Juan Garcia e Teodora Gómez, aos
quais lembrei o parentesco espiritual e as obrigações contraídas,
sendo testemunhas Pedro López e Domiciano López, e por ser ver-
dade assino, data "ut s u p r a " .

F E D R O P . DE COLOSIA

C o m a a j u d a d o s n u m e r o s o s p a r e n t e s q u e ainda m o r a m e t ê m
p r o p r i e d a d e s e m G a r g a n t a n ã o foi difícil a f a s e s e g u i n t e da pes-
quisa. D o n a Elvira, p r o t a g o n i s t a d o e n c o n t r o c o m o " a n j o " , fale-
cera havia m a i s d e trinta a n o s . S e g u n d o o livro d e s e p u l t a m e n t o s

72
da p a r ó q u i a (livro 15, n ú m e r o 91), o ó b i t o o c o r r e r a e m 5 d e ju-
nho d e 1951. ü m c a r c i n o m a (câncer d o reto) fora a causa-mortis.
Contava e n t ã o s e t e n t a e três a n o s d e idade.
Não sei b e m p o r q u e m e deixei e n t r e t e r n a q u e l e i n o c e n t e e
p o u c o s u b s t a n c i a l " j o g o " . O m a i s provável é q u e careça d e im-
portância. Mas o s q u e m e c o n h e c e m u m p o u c o s a b e m da m i n h a
inclinação pela c a b a l a e a n u m e r o l o g i a . Por isso, e m b o r a a "des-
c o b e r t a " n ã o t e n h a m a i o r valia, n ã o q u e r o relegá-la a o esqueci-
m e n t o . Até p o r q u e é p r e c i s o levar e m c o n t a q u e n o s m o v e m o s
em uma contínua "transfusão mágica".
O c a s o é q u e , a o f o l h e a r a q u e l e s livros, veio-me o i m p u l s o
de s o m a r o s n ú m e r o s q u e tinha d i a n t e d e m i m . A f i r m o q u e n ã o
houve p r e m e d i t a ç ã o n e m s e g u n d a s i n t e n ç õ e s . A r e s o l u ç ã o saiu-
m e e s p o n t a n e a m e n t e . Considerei a s " 1 7 " linhas da ata d e q u e já
falei, o s n ú m e r o s q u e o livro a p r e s e n t a ("24", " 2 5 3 " e "78") e as
d u a s d a t a s i g u a l m e n t e citadas: 1 - 1 0 - 1 9 3 4 e 5-6-1951, c o r r e s p o n -
d e n t e s a o n a s c i m e n t o d o n e t o e a o ó b i t o da avó, r e s p e c t i v a m e n -
te. S u r p r e s a : o s dígitos r e s u l t a n t e s d a s s o m a s c o n f i g u r a v a m u m
n ú m e r o familiar: " 1 9 3 4 " , o a n o - c h a v e n a q u e l e n o v o e n i g m a . Aí
fica, p a r a c o n s o l o d o s e s o t é r i c o s e c o m o vítima propiciatória na
perseguição e demolição a que nos têm acostumado os "santos
e o s e s p e c i a i s " (leia-se "fariseus") da ufologia.
A família, os p a r e n t e s e c o n t e r r â n e o s d e Elvira Niguerol Nie-
to j u n t a r a m - s e e m m a s s a a m i m , p a r a reconstituir a história d a s
"Majaíllas", n o m e da c h á c a r a o n d e se d e u o fato. C o m o supo-
nho q u e deva fazer q u a l q u e r p e s q u i s a d o r p r u d e n t e e h o n e s t o ,
guardei silêncio s o b r e o q u e já sabia — incluindo a s a t a s paro-
quiais — para n ã o influir nos e s p o n t â n e o s d e p o i m e n t o s dos m e u s
I n f o r m a n t e s . Dois d e l e s e m especial, filhos d e d o n a Elvira —
Dionísio e S a n t o s Garcia Niguerol —, s e t e n t õ e s , m a s b r i l h a n t e s
e b e m - p o s t o s , f o r n e c e r a m - m e d a d o s p r e c i o s o s . O a s s u n t o esta-
va f r e s c o e m sua m e m ó r i a . N e n h u m d e l e s — o p á r o c o é teste-
m u n h a — tinha idéia ou i n f o r m a ç ã o d o c o n t e ú d o da ata d o ba-
tismo. Entretanto, m o s t r a r a m absoluta precisão até q u a n t o à hora
do n a s c i m e n t o : o n z e da m a n h ã . N e s s e e x a t o m o m e n t o , a u n s
cinco q u i l ô m e t r o s da aldeia, n a s "Majaíllas", d o n a Elvira teve
a "visão".
T o d a s a s m a n h ã s ela ia c o m o e s p o s o , d e sua casa, na rua
d o F o r n o , e m G a r g a n t a , a t é as terras q u e lavravam e m parceria
c o m tal J u a n , d o n o da p r o p r i e d a d e . Ali cultivavam t a b a c o , me-
lões, m e l a n c i a s e o u t r o s d o s e x c e l e n t e s f r u t o s q u e t ê m d a d o fa-
m a à m u i t o senhorial e imperial c o m a r c a d e La Vera.
" E u m a hora a n t e s d o c a n t o d o Angelus — veja o s e n h o r co-
m o a g e a Providência — a avó r e c e b e u a visão. Não estava sozi-
nha, n ã o s e n h o r , m a s foi c o m o se estivesse..."

73
E essa? J á eu festejava c o m certa precipitação o que supu-
nha f o s s e m t e s t e m u n h a s do caso.
"A avó estava em c o m p a n h i a de J u a n , filho do patrão, um
tal Toribio, de Fasarón, e de outros trabalhadores. Mas, por mais
que o l h a s s e m e t o r n a s s e m a olhar na direção indicada pela avó,
n e n h u m deles foi capaz de ver 'coisa maravilhosa' a l g u m a . E que
pensa o s e n h o r que ela viu?..."
Q u e foi? — interrompi impaciente — Q u e foi que ela viu?
"... Cima 'coisa' redonda e brilhante e e m cima dela u m a cria-
tura belíssima, c o m o u m ' m e n i n o J e s u s ' . "
Então só ela conseguiu ver tal maravilha...
"Isso m e s m o . Num primeiro m o m e n t o — coisa de aldeões —
pensou q u e a l g u é m tentava furtar s u a s melancias. O s e n h o r com-
preende. E disse isso ao filho do proprietário, ' ü m menino' — di-
zia — 'apareceu de pé, sobre essa bola de luz, e não sei o q u e traz
nas mãos!'
"Para resumir, Elvira, mais ciosa de s u a s melancias do que
de possíveis maravilhas do Senhor, deitou a correr para a criatu-
ra. Mas, a n t e s que os alcançasse, ' m e n i n o e bola' d e s a p a r e c e r a m .
Então — contava ela m e i o arrependida pela falta de respeito e
de seus muito terrenos p e n s a m e n t o s — foi q u a n d o c o m e ç o u a
zumbir-lhe na cabeça aquela mania do nascimento do neto. E disse
isso ao seu marido. Ninguém acreditou nela. A avó, porém, que
nada tinha de tonta, continuou na sua idéia. E tanto fez e falou,
a f i r m a n d o que 'aquilo' era u m aviso do céu, q u e n ã o tiveram ou-
tro r e m é d i o s e n ã o ceder e abreviar o regresso a Garganta. J á po-
de o s e n h o r imaginar a surpresa de dona Elvira e o t r e m o r de os-
sos de d o m Manuel, seu incrédulo marido, q u a n d o lhes anuncia-
ram que — p r e c i s a m e n t e às onze horas — Gervasia havia d a d o
à luz u m m e n i n o . A e m o ç ã o foi tão forte que a avó precisou de
u m ou dois dias para acalmar-se e ir à rua do Palácio, para visitar
a nora e o neto..."
Toda a família c o n c o r d o u c o m a s u g e s t ã o de dona Elvira:
aquele menino, cujo nascimento havia sido "anunciado" pelo céu,
receberia o n o m e de "Angel". E assim foi e assim ficou registra-
do. E se o q u e m e foi relatado c o r r e s p o n d e à verdade — c o m q u e
propósito iria dona Elvira montar semelhante encenação? — o me-
nos que se p o d e fazer é persignar-se e reconhecer-se u m inútil to-
tal. O n d e está a lógica? Q u e m era este Angel Garcia Hernández,
nascido e m u m a remota e paradisíaca "Belém" cacerense, para
que sua vinda ao m u n d o fosse anunciada c o m " b o m b o e pratos"?
Só havia u m a maneira de desvendar o enigma: procurá-lo,
falar-lhe, o u v H o . Então, s e m mais hesitações, fui à cidade indus-
trial de Talavera de la Reina. Consultei a lista telefônica e encon-
trei três assinantes com idênticos p r e n o m e s e sobrenomes: A. Gar-

74
Vegas de Coria, cenário das aparições de u m " g i g a n t e e m b u ç a d o "
o outros " c o l e g a s " . A o f u n d o , à direita, a estrada
o o s terraplenos de Arrolobos.

Nicolás Sánchez Sánchez,


testemunha do primeiro dos terroríficos
" c o n t a t o s " ocorridos em Vegas.
(Foto de J. J. Benitez.)

Eusébio Iglesias e seu filho Florian.


cia Hernandez. Escolhi um por intuição e acertei. Dessa f o r m a co-
nheci o s e g u n d o protagonista — não sei se deveria falar o primei-
ro — d e tão singular a c o n t e c i m e n t o .
Angel, que estava na casa dos cinqüenta anos, era um h o m e m
e x t r e m a m e n t e simples. Dirigia u m negócio de p e r f u m a r i a e vivia
feliz e p a c i f i c a m e n t e c o m a família. Pelo que p u d e observar e m
u m primeiro m o m e n t o , sua vida, ainda que u m p o u c o agitada na
juventude, decorria n o r m a l m e n t e . Até então, nada de extraordi-
nário, a não ser a "anunciação" do "anjo", havia m a r c a d o sua exis-
tência. E c o m m o d é s t i a e naturalidade, s e m e m p r e s t a r excessiva
importância ao ocorrido n a q u e l e 1? de o u t u b r o de 1934, concor-
dou e m responder às m i n h a s perguntas. S u a avó, sua m ã e e ou-
tros p a r e n t e s lhe haviam c o n t a d o o caso das "Majaíllas".
"Aquela experiência" — c o m e n t o u Ángel — " m e converteu
no seu n e t o predileto. E m i n h a avó teve mais de vinte deles. Mas
o senhor m e perguntava pelo parto. Ao q u e sei foi normal, s e m
complicações, e teve a a j u d a de u m a parteira."
Dona Gervasia Hernández Basilio, m ã e de Ángel, que assis-
tia à narrativa do filho, confirmou suas palavras e acrescentou ou-
tros dois detalhes que eu n ã o sei se p o d e r i a m ter relação c o m o
" p o r q u ê " da misteriosa "anunciação":
"Eu fiquei grávida e m i n h a família m e p ô s fora de casa. Du-
rante u m t e m p o acolheu-me J u a n a Lópes Martin, u m a de m i n h a s
c u n h a d a s . Mas, por causa do que s u c e d e u nas 'Majaíllas', tudo se
acertou. E a paz voltou entre nós. A aparição do 'anjo' — ou o
que fosse — chegou c o m o u m 'aviso' d o s céus..."
" S e g u n d o minha avó" — continuou Ángel —, "foi u m mila-
gre. Estava ela no interior de u m secador de t a b a c o (ou perto, tal-
vez à porta) q u a n d o lhe a p a r e c e r a m o ' m e n i n o e a bola lumino-
sa'. Mas ela n ã o ouviu palavra a l g u m a . S ó dizia e repetia que era
muito bonito, que parecia u m 'menino J e s u s ' e q u e de repente
u m a 'voz' em sua cabeça lhe anunciou o n a s c i m e n t o de u m neto.
S e m p r e contava a m e s m a história. E p o d e o s e n h o r estar certo
de u m a coisa: minha avó n ã o era fantasista. Naquele t e m p o e na-
quele lugar o misticismo era u m luxo. S i n c e r a m e n t e , j a m a i s m e
ocorreria duvidar de sua honradez. Se disse que viu é p o r q u e viu.
Descrevia até suas m ã o s e trajes. Dizia, por exemplo, que vestia
u m a espécie de blusa vermelha e que p e r m a n e c e u c o m os braços
estendidos. Parecia u m 'menino'. Talvez por sua p e q u e n a estatu-
ra. E o viu t o d o o t e m p o no alto de u m a 'coisa redonda e lumino-
sa'."
Seja c o m o for, o certo é q u e a história do "anjo" m a r c o u a
infância d a q u e l e outro "Ángel".
"E o s e n h o r n e m p o d e imaginar q u a n t o . Primeiro fui m e n i n o
de coro. Depois, aos dezesseis anos, ao sair de Garganta, fui ser

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frade. Salamanca, Ciempozuelos, Córdoba, Sevilha, J e r e z e, e m
1956, América. Ali passei u m a longa t e m p o r a d a . Ao completar
os vinte e quatro anos, vendo que aquele n ã o era o m e u caminho,
pedi ao Papa minha dispensa e voltei para a Espanha. Então corri
daqui para lá, t r a b a l h a n d o nos mais variados ofícios: copeiro de
uma marquesa, psicólogo em um centro para deficientes mentais,
gerente de a b a s t e c i m e n t o de u m restaurante, enfermeiro e m vá-
rios hospitais, porteiro e m u m edifício de a p a r t a m e n t o s e, por úl-
timo, t a m b é m e m Madri (em Leganés, para ser mais preciso), tive
um bar, e m s o c i e d a d e c o m u m dos m e u s irmãos. E a Providência
brindou-nos c o m um prêmio de loteria. E n t ã o deixei tudo e vim
para Talavera. Aqui m o n t e i este negócio e aqui crescem m e u s fi-
lhos."
Perguntei-lhe se se sentia "especial" ou "especialmente es-
colhido" pelos céus, e sua resposta foi a c o m p a n h a d a de u m ex-
pressivo sorriso de assentimento. C o m o se eu — pobre diabo sen-
timental — não c o n h e c e s s e de a n t e m ã o a resposta...
"E o senhor m e p e r g u n t a ? Desde sempre, estimado amigo,
me envolve u m a claríssima s e n s a ç ã o de 'proteção'. C o m o pode-
ria explicar-lhe? Vem a ser c o m o se 'alguém', invisível, m a s mui-
to real, estivesse a m e u lado p e r m a n e n t e m e n t e . Isso m e propor-
ciona u m a notável s e g u r a n ç a . "
Era suficiente. Ao m e n o s para mim, q u e tanto sei a respeito
dessa "presença". Q u a n t o ao futuro desse a p a r e n t e m e n t e c o m u m
e simples cidadão de Talavera, q u e m p o d e arriscar uma predição?
Se o acaso não existe, é provável que o último capítulo da histó-
ria que se iniciou em 1934 nas "Majaíllas" n ã o haja sido ainda es-
crito. Prometi voltar. E n q u a n t o isso, só m e atrevo a transcrever
uns s u m á r i o s a p o n t a m e n t o s , não mais q u e especulações, sobre
esta m o d e r n a " a n u n c i a ç ã o celeste". O s ortodoxos em matéria re-
ligiosa bradarão aos céus, pedindo uma fogueira que m e asse. Mas,
s e j a m o s justos, g u a r d a d a s as diferenças, q u a n d o e o n d e se t ê m
repetido a c o n t e c i m e n t o s c o m o os referidos nos textos evangéli-
cos? Q u e não m e interpretem mal. Não se trata de fazer crer a
ninguém que em Garganta la Olla nasceu u m "messias". E da "for-
m a " q u e eu falo. S e o fato foi real, c o m o parece, por que utilizar
esta fórmula, tão bíblica e a p a r e n t e ? Por que a "criatura e a bola
de luz" só foram o b s e r v a d o s pela avó?
No c a m p o da ufologia e e m muitas d a s c h a m a d a s aparições
marianas c o s t u m a m ocorrer f e n ô m e n o s análogos. E c o m o se a
"visão" estivesse e s p e c i a l m e n t e p r e p a r a d a para uma só d a s tes-
t e m u n h a s . Claro que t e n h o m i n h a s dúvidas acerca da "natureza
angelical" daquele p e q u e n o p e r s o n a g e m . Desde q u a n d o esses es-
píritos puros, imateriais, vestem-se de vermelho e precisam de es-
feras luminosas a s e u s pés? Talvez o que dona Elvira viu esti-

77
vesse " m a i s p r ó x i m o " d o q u e h o j e e n t e n d e m o s p o r " a v i s t a m e n t o
ovni" d o q u e d e u m a m a n i f e s t a ç ã o e s t r i t a m e n t e "espiritual". E n ã o
nos e s q u e ç a m o s de que o t e r m o "anjo", cujo significado é "men-
s a g e i r o " , e n q u a d r a - s e p e r f e i t a m e n t e n o e p i s ó d i o d a s "Majaíllas".
O u t r a q u e s t ã o é o p o r q u ê d e s e m e l h a n t e " t r a m a " . Buscava-
se, c o m e s s e t r u q u e , c o m o insinuava a m ã e , a r e c o n c i l i a ç ã o da
família? Isto soa à p r i m e i r a vista d e s p r o p o r c i o n a d o . O u será q u e
na vida d e Angel Garcia H e r n á n d e z d e v e a i n d a a c o n t e c e r a l g u m a
coisa q u e n o s induza a t o d o s à reflexão?
V e g a s d e Coria... Ainda q u e n ã o p a r e ç a , m i n h a m i s s ã o e m
Vegas prosseguia e se aproximava d o seu t e r m o . Q u a s e s e m o sen-
tir, o c u p a d o n a s o u t r a s t a r e f a s d o m e s m o g ê n e r o , o a n o d e 1 9 8 6
já ia a v a n ç a d o . Plutarco m e haveria c o m p r e e n d i d o . "A p a c i ê n c i a "
— e s c r e v e u e m Vida de Sertório — "triunfa e m s u a s e m p r e s a s
m a i s d o q u e a força." Meu p l a n o , t r a ç a d o t r ê s a n o s a n t e s , p o u c o
a p o u c o t r o u x e - m e e s p e r a n ç a . A c a d a cinco ou seis m e s e s eu vol-
tava a Las H u r d e s e r e c o m e ç a v a t u d o . E e s s a s visitas a s s í d u a s —
c o m o seria d e e s p e r a r , d e resto, e n t r e p e s s o a s d e b e m — termi-
n a r a m p o r d e r r u b a r as d e s c o n f i a n ç a s iniciais. E e m 6 d e o u t u b r o ,
sem grande vibração nem rumor, o "quebra-cabeça" c o m e ç o u a
resolver-se por si próprio. B e m , n ã o e x a t a m e n t e p o r si só. E m be-
nefício da p r ó p r i a história, p o r é m , d e s t a vez livrarei o leitor da-
quela c o m p l i c a d a r e d e d e n o m e s , r e l a ç õ e s e v i a g e n s q u e por fim
m e guiaram ao núcleo de tão singulares acontecimentos.
O caso, c o m o v e r e m o s , foi m a i s c o m p l e x o e i n t e r e s s a n t e d o
q u e o d i v u l g a d o n a q u e l e s dias d e fevereiro e m a r ç o d e 1983. A
i m p r e n s a , talvez por falta d e t e m p o , c o n f u n d i u f a t o s e d a t a s , li-
m i t a n d o a s a p a r i ç õ e s d o " e m b u ç a d o " a fevereiro d e 1983. Na rea-
lidade, a s c o i s a s c o m e ç a r a m a c o m p l i c a r - s e e m n o v e m b r o d e
1982, n o c o m e ç o d o m ê s . . .
Tudo teve início na m a d r u g a d a d o dia 10. Ali pela u m a hora,
E u s é b i o Iglesias e seu filho Florián, d e c i n q ü e n t a e cinco o primei-
ro e d e vinte e três a n o s o s e g u n d o , o c u p a v a m - s e na d e s c a r g a d e
u m m a t e r i a l d e construção. E e s t a v a m e m p l e n o trabalho, remo-
v e n d o areia p a r a d e n t r o d e u m a casa d e obras, q u a n d o foram sur-
p r e e n d i d o s p o r u m e s t r a n h o ruído q u e q u e b r o u o silêncio da al-
deia. " C o m o u m lamento." E, n u m instante, a n t e s q u e E u s é b i o e
Florián c h e g a s s e m a p e r c e b e r d e o n d e e d e q u e m p r o c e d i a m os
g e m i d o s , "toda a e s t r a d a foi t o m a d a p o r labaredas". Nesse lugar,
p r a t i c a m e n t e a r r e d o r e s d e Vegas, a e s t r a d a q u e leva a A r r o l o b o s
p a s s a q u a s e a o p é da o b r a na qual n o s s o s dois p e r s o n a g e n s traba-
lhavam. Cima casa que, c u r i o s a m e n t e , está m u i t o p r ó x i m a à d e Ni-
colas S á n c h e z S á n c h e z , o u t r a d a s t e s t e m u n h a s d o "gigante".
"A l a b a r e d a , d e u m a cor a z u l a d a , e s p a r r a m o u - s e p o r t o d a a
largura d a e s t r a d a . Talvez tivesse u m m e t r o d e altura. Ao c a b o d e

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Uma das famosas curvas da estrada de Arrolobos, onde foram
observados os misteriosos personagens de preto. A o fundo, Vegas de Coria.
(Foto de J. J. Benitez.)

A casa de Colás e Jesús


'.nnchez, nos arredores de
Indicado pela flecha,
• i lugar do encontro c o m o
' tllyante de p r e t o " . Nesse
mínimo local se registraria a
H|imlção da " l a b a r e d a " azul
vista por Eusébio
e Florián Iglesias.
(Foto de J. J. Benitez.)
um minuto, pouco mais ou menos, desapareceu. Foi incrível. S e m
ruído, s e m explicação. Ali, c o m o o senhor sabe, n ã o há depósito
algum de combustível. Foi visto e n ã o foi visto. E assim que se
extinguiu os c ã e s se p u s e r a m a uivar d e s e s p e r a d a m e n t e . "
Na m a n h ã seguinte, Florián retornou ao local:
"Mas n ã o vi n e m m a n c h a de q u e i m a d u r a a l g u m a . A estrada
estava normal. Aquela labareda, ou que fosse, não deixara rastro
n e m cheiro."
Nessa noite de quinta-feira, 11 de n o v e m b r o , se registraria
o s e g u n d o "incidente". E até possível que tivesse ocorrido na mes-
ma quarta-feira, 10. O protagonista, o citado Nicolás Sánchez Sán-
chez, não tinha clara noção da data do desagradável encontro c o m
o "gigante de preto". O fato é que, ali pelas 2 1 h 4 5 , q u a n d o se di-
rigia, a sós, para sua casa, situada, c o m o já expliquei, fora da al-
deia, ocorreu o imprevisto:
"Pode ser que eu m e e n c o n t r a s s e a cinco ou seis p a s s o s da
porta de casa. Lembro que estava muito perto. Até já tinha na m ã o
a chave. Nisso m e pareceu ouvir u m g e m i d o . Partia do centro da
estrada. Fixei a vista e vi u m a coisa escura. Assim c o m o u m vul-
to, m a s muito p e q u e n o . Não creio q u e p a s s a s s e de trinta centí-
metros. Intrigado, caminhei ao seu encontro..."
Nicolás, que à época contava vinte e sete anos, era e é u m
h o m e m corajoso. Ainda assim, o que viu deixou-o gelado.
"...E q u a n d o estava a q u a t r o ou cinco passos, aquilo come-
çou a crescer e a crescer e ficou e n o r m e . Encontrei-me diante
de u m a figura de dois m e t r o s de altura, ou até mais, que avan-
çou c o m u m ruído c o m o o de ranger de dentes. Arrepiei-me
todo. C o m o pude, caminhei para trás, r e t r o c e d e n d o alguns me-
tros. E o gigante atrás de mim. J e s u s Cristo! T o m e i - m e de u m
tal m e d o que não podia n e m falar. Quis c h a m a r m e u s pais, m a s
a voz n ã o saiu. Ainda não sei o n d e consegui c o r a g e m , mas,
a g a c h a n d o - m e , agarrei duas p e d r a s da m u r e t a da casa — u m a
e m cada m ã o — e decidi defender-me. Mas n e m cheguei a er-
guer os braços. Antes de atirar as p e d r a s soltei u m 'te esconju-
ro, Satanás!' e o ser parou. Deu a volta e se afastou estrada aci-
ma, e m direção a Arrolobos. Então, a n t e s que ele desapareces-
se, vi u m g r a n d e resplendor, qualquer coisa c o m o u m relâmpa-
go, o q u e não deu para entender, p o r q u e o t e m p o estava b o m .
E m resumo, voei para casa e, s e m jantar n e m dizer nada, meti-
m e na c a m a . Só que a tremedeira era tanta que não p u d e dor-
mir."
De fato, Colás guardou segredo. Ninguém s o u b e de sua
a m a r g a experiência até m e s e s depois. Durante a l g u m t e m p o , e
para estranheza de a m i g o s e vizinhos, fez o possível e o impos-
sível para chegar em casa a n t e s do anoitecer. Florián e seu pai

80
igualmente não c o n t a r a m a n i n g u é m o que haviam visto e ouvi-
do naquele m e s m o cenário.
Com a paciente ajuda de Nicolás Sánchez, pude esboçar o "re-
trato" do enigmático desconhecido que o enfrentou:
"Forma h u m a n a , fora de dúvida. De grande porte. O m b r o s
largos. Cabeça redonda, volumosa e s e p a r a d a do tronco. Braços
longuíssimos e curvos. Não c h e g o u a distinguir suas feições.
"Cobria-se c o m u m a espécie de túnica ou sotaina preta, mui-
to ampla e rodada, e que chegava abaixo dos joelhos. Mangas lar-
gas e u m a capa t a m b é m muito escura, que flutuava. Não se lem-
brava da forma dos pés, ainda que p u d e s s e afirmar que o sujeito
deslizava s e m tocar o asfalto. Parecia leve, sutil, e seu andar era
lento e rígido, isto é, s e m flexão dos joelhos. Ao voltar-se e dar-
lhe as costas o fez de u m a vez, ao estilo dos robôs."
Na opinião do depoente, as intenções de s e m e l h a n t e mons-
tro não e r a m a m i s t o s a s precisamente. E a traumática experiên-
cia, c o m o já esclareci, ficou arquivada no mais íntimo da sua me-
mória e assim p e r m a n e c e u por espaço de três longos meses. Ano-
tem os p e s q u i s a d o r e s novatos este interessante detalhe.
Mas a n t e s de t o c a r m o s no s e g u n d o "ato" desta estranha his-
tória, ocorrida e m fevereiro de 1983, convém rematá-la c o m u m
terceiro "incidente", verificado nessa m e s m a s e m a n a , possivel-
m e n t e no s á b a d o , 13 de novembro. O protagonista — Eusébio
Iglesias, cinqüenta e seis anos — s o u b e t a m b é m guardá-lo c o m o
coisa só sua.
"Diga-me o s e n h o r que mais eu podia fazer? Contar e pas-
sar por louco? Mas o que eu vi, ao voltar de Arrolobos para Ve-
gas, é de passar para a história. Seriam nove e meia ou dez da
noite. Eu estava a pé, junto ao mulo. Ao entrar na curva perigo-
sa — a de Cruz de A n i m a s —, tive de parar: u m dos sacos, o
dos repolhos, c o m e ç a v a a deslocar-se. E estava eu a ajeitá-lo,
d e b r u ç a d o sobre o animal, q u a n d o vi que u m a s o m b r a se movia
às m i n h a s costas. E logo percebi q u e a s o m b r a avançava e m
minha direção pela borda do terrapleno. A que distância? Tal-
vez vinte ou trinta metros. A princípio pensei que fosse a l g u é m
de Arrolobos. Mas estranhei. O s e n h o r já viu a s o m b r a de u m
h o m e m ao sol? Pois era isso. Então, intrigado e u m tantinho
inquieto, gritei-lhe:
"— S o m o s p e s s o a s ou o quê?
"Não se dignou responder. E ao chegar perto de mim afastou-
se u m p o u c o e disse, muito baixinho e c o m voz rouca:
"— Não m e c o n h e c e ? "
"— Maldito! — gritei-lhe. Num piscar de olhos o tipo saltou
pelo terrapleno. Não exagero se lhe digo que p o u c o faltou para
que eu sujasse as calças. Creia o senhor: essas não são pessoas da

81
Terra. Era alto e fino c o m o u m a estátua. Com mais de dois me-
tros e todo e n r o u p a d o de preto. E os b r a ç o s e n o r m e s . "
Até aqui, três a c o n t e c i m e n t o s — cada qual mais m ó r b i d o —,
registrados em 1982 e que os m e i o s de c o m u n i c a ç ã o ou n ã o di-
vulgaram ou o fizeram tão superficial q u a n t o c o n f u s a m e n t e , e só
a partir de fevereiro de 1983. Durante esse interregno de a l g u n s
m e s e s tudo ficou reduzido, portanto, a u m s e g r e d o íntimo de três
dos trezentos m o r a d o r e s de Vegas. E muito provavelmente assim
teria continuado, não fosse por aquele agitado dia de São Brás.
T a m b é m é curioso q u e a nova experiência recaísse e m Florián
Iglesias.
Nessa quinta-feira, 3 de fevereiro, nosso h o m e m — tal qual
sucedera c o m seu pai — retornava a Vegas de Coria, p r o c e d e n t e
da aldeia vizinha de Arrolobos.
"Seriam sete da tarde. A noite c o m e ç a v a a cair. Eu estava so-
zinho e cavalgava u m mulo. A p o u c o mais de trinta metros, vi apa-
recer a l g u é m no meio da estrada. Aproximava-se correndo. Per-
guntei a m i m m e s m o : Q u e m será? Não parecia muito alto. Vestia
u m traje azul escuro, c o m u m a risca branca em u m lado. Ao ver-
me, o h o m e m saiu fora da estrada e saltou c o m o u m a lebre pelo
barranco. E o fez tão s u a v e m e n t e que não removeu u m a só pedra
do p e n h a s c o . O que mais m e c a u s o u estranheza foi sua atitude.
Por que evitar minha p r e s e n ç a ? Se se tratava de a l g u é m conheci-
do (e por aqui c o n h e c e m o - n o s todos), o natural é que houvesse se-
guido seu caminho e respondesse à minha saudação. Desci do ani-
mal e ainda p u d e vê-lo que se afastava e m direção ao rio. Corria
desenvolto, o c o n d e n a d o . Nisso surgiram três rapazes, morado-
res de Vegas, m o n t a n d o bicicletas. E r a m J o a q u i n Sánchez, Ger-
m á n e Cristino Dominguez. Seu destino era Arrolobos. Pararam
ao m e u lado e, ao avistarem o h o m e m , sentiram o m e s m o que eu:
ressentimento. Por isso m e s m o reagiram atirando p e d r a s na dire-
ção do fugitivo. Assim terminou a excursão a Arrolobos. E nós qua-
tro, mais m e d r o s o s do que um b a n d o de velhos, v e n c e m o s ansio-
sos os oitocentos ou mil m e t r o s que nos s e p a r a v a m do povoado."
A notícia, desta vez, talvez pelo n ú m e r o maior de testemu-
n h a s e a e x t r e m a juventude de três deles, n ã o p ô d e ficar e m se-
gredo. Acabou sacudindo a tranqüilidade da aldeia. Mas os co-
mentários, c o m o seria de esperar, roçaram mais o jocoso e a zom-
baria. N e n h u m a simpatia pelas vítimas do a c o n t e c i m e n t o , as
quais, t e m e n d o o ridículo e o escárnio, preferiram responder c o m
o silêncio. Todavia, a h o n e s t i d a d e de Colás devia ter-se ressenti-
do, e muito, da incredulidade dos conterrâneos. E no dia seguin-
te extravasaria.
E m 4 de fevereiro, curiosos e intrigados, os três ciclistas do
dia anterior voltaram, ao crepúsculo, à estrada de Arrolobos;

82
e, ao descerem por u m p o n t o c h a m a d o "o penhascal", t o p a r a m
com u m a s e g u n d a , negra e esguia figura.
" P a r a m o s as bicicletas a quarenta ou cinqüenta passos. Ca-
minhava de frente para nós e pela m a r g e m da estrada. Era alto
e delgado e não parecia levar nada nas m ã o s . Antes que pudésse-
m o s esboçar u m gesto qualquer, o sujeito precipitou-se escarpa
abaixo e d e s a p a r e c e u . C o m o não q u e b r o u todos os ossos? Essa
rampa tem mais de vinte m e t r o s de inclinação..."
Os rapazes i r r o m p e r a m na aldeia assustadíssimos. E tão al-
terada devia estar sua cor que a p o p u l a ç ã o ficou perplexa. E lá
estava Colás, c o m a escopeta carregada. Foi a primeira vez que
se atreveu a revelar seu encontro c o m o "gigante de preto". De-
pois dele, t a m b é m Eusébio e Florián. Conhecendo a seriedade das
novas t e s t e m u n h a s , a aldeia curvou-se à palavra delas. Não que
as zombarias t e n h a m desaparecido, m a s agora os cretinos tinham
cuidado de fazer s u a s graçolas às costas dos protagonistas, Uma
semana mais tarde — na quarta-feira, 9 de fevereiro —, J e s ú s Sán-
chez, irmão de Colás, era alvo de outra completa "surpresa", tam-
bém à porta da casa paterna. Um s e g u n d o "gigante" — dessa vez
c o m "sotaina" branca — esteve a p o n t o de enlouquecê-lo. O ater-
rorizado J e s ú s Sánchez entrou a t r o p e l a d a m e n t e em casa e a par-
tir daí passou a acreditar p i a m e n t e na história contada por seu
irmão.
O povo todo, por sua vez, imergiu e m u m clima de terror. E,
para piorar tudo, nesse m e s m o fim de s e m a n a uma dezena de mo-
radores da aldeia, entre os quais Colás, testemunhou as evoluções
sobre a aldeia de vários objetos silenciosos e de g r a n d e luminosi-
dade.
"Vimos os o b j e t o s em noites diferentes. Moviam-se sobre o
rio. Com u m a e s p a n t o s a rapidez eles se faziam p e q u e n o s e au-
m e n t a v a m de t a m a n h o sucessivamente. S e m p r e c o m u m a cor
amarelada. Numa das vezes p e r m a n e c e r a m várias horas sobre Ve-
gas. Apesar da chuva, p u d e m o s observá-los c o m toda a clareza.
Depois, c o m o não podia deixar de ser, já c o m e ç a r a m a dizer que
tudo não passava de faróis de automóvel, ou que os jovens ha-
viam subido à colina c o m lanternas e papéis em c h a m a s , ou não
sei o q u e mais..." 1

1. Segundo um ofício do Observatório Meteorológico de Cáceres ao autor, duran-


te os seis primeiros dias dos mês de fevereiro de 1983 predominaram sobre Vegas de Co-
ria condições de céu claro ou escassamente velado por nuvens altas (cirros e cirros-estratos).
A pressão atmosférica era elevada (entre 1025 e 1032 milibares). A partir do dia 6, co-
meçou a aparecer nebulosidade do tipo baixo (cúmulos), ao mesmo tempo que a pressão
ia descendo. A partir de 11 amiudaram-se as precipitações e registraram-se fortes nevas-
cas. Entre 14 e 17 iniciou-se um temporal e as chuvas duraram quase até o final do mês.
(n.; A.)

83
Pelo q u e colhi e m m i n h a s i n d a g a ç õ e s , q u a n d o o a m b i e n t e e m
Vegas estava e m p l e n a ebulição, a G u a r d a Civil e u m g r u p o d e
m o r a d o r e s e f e t u a r a m diversos r a s t r e a m e n t o s pelas cercanias, c o m
resultados negativos. C o m o a f i r m a v a m m u i t o s e n s a t a m e n t e as tes-
t e m u n h a s d o s ovnis, e s t a s b a t i d a s f o r a m s e m p r e a posteriori. De-
pois, c o m a a p a r i ç ã o d a s p r i m e i r a s notícias n o s jornais, o s acon-
t e c i m e n t o s s e d e t u r p a r a m , t r a n s f o r m a n d o a aprazível l o c a l i d a d e
j u r d a n a e m alvo da m o r d a c i d a d e nacional. F a r t a s d e t a n t a celeu-
m a e m e r c a n t i l i s m o , a s t e s t e m u n h a s a d o t a r a m u m a a t i t u d e de-
fensiva. A l g u m a s d e s a p a r e c e r a m ; o u t r a s , a maioria, s e l a r a m o s
lábios. Para m i m , e n t r e t a n t o , c o m o p a r a q u a l q u e r p e s q u i s a d o r
c o m u m p o u c o d e vivência, o q u e o c o r r e u e m Las H u r d e s t e m a
m a r c a d o " g e n u í n o " . Q u e n e c e s s i d a d e t i n h a m o s v e g u e n s e s , afi-
nal, d e inventar histórias tão " s e m s e n t i d o " e d i a b o l i c a m e n t e obs-
c u r a s ? Por o u t r o lado, a d m i t i n d o - s e q u e e s t i v é s s e m o s d i a n t e d e
u m c o m p l ô , p o r q u e o g u a r d a r i a m e m silêncio e n t r e n o v e m b r o
d e 1 9 8 2 e fevereiro d e 1 9 8 3 ? E m q u e isso b e n e f i c i o u a aldeia?
P o u c a s vezes o pacífico p o v o a d o p a d e c e u t a n t o c o m o naque-
les m e s e s . Não; e s t e s a r g u m e n t o s n ã o r e s i s t e m a u m a análise sé-
ria. E m V e g a s d e Coria h o u v e ovnis e m a i s d o q u e ovnis. E n e s s a
m e s m a é p o c a — fevereiro d e 1 9 8 3 —, e m b o r a o s j u r d a n o s e a
i m p r e n s a n ã o t i v e s s e m tido notícia disso, o u t r o s e s t r e m e n h o s vi-
r a m e f o t o g r a f a r a m o s " n ã o identificados". O c a s o q u e se p a s s o u
c o m A r g i m i r o Pereira é u m a prova d o q u e a f i r m o . N a q u e l e s dias
d e fevereiro, o n o s s o h o m e m — t é c n i c o e m r e p a r o s d e a p a r e l h o s
d e televisão — viajava d e a u t o m ó v e l pelo p o r t o d e Honduras, mui-
to p r ó x i m o à localidade d e Hervás, província d e Cáceres.
"Foi a o e n t a r d e c e r . Dirigia-me a S a n t i b á n e z el Bajo, m u i t o
p r ó x i m o a o p â n t a n o d e Gabriel e Galán. O p o r t o estava solitário.
De r e p e n t e , vi u m a luz e s t r a n h í s s i m a . Parei o Citroen C-8 e, s e m
p e r d e r t e m p o , a p a n h e i u m a m á q u i n a f o t o g r á f i c a q u e s e m p r e tra-
g o c o m i g o , c a r r e g a d a c o m u m filme K o d a k (D1N 100), e fotogra-
fei. Era u m a luz a l a r a n j a d a q u e s e d e s l o c a v a d e v a g a r e c o m u m
m o v i m e n t o ondulatório. Tinha u m a a p a r ê n c i a g a s o s a , c o m o u m a
b o l h a d e s a b ã o , e deslizava p o r u m a d a s v e r t e n t e s da colina, tal-
vez a q u a t r o ou cinco m e t r o s d o solo. No m o m e n t o e m q u e e u
batia a primeira foto calculo q u e n ã o estivesse a m a i s d e quinhen-
t o s m e t r o s da m i n h a p o s i ç ã o . Era incrível! Planava s e m ruído e
c o m a g i l i d a d e p a s m o s a . Às vezes m o s t r a v a u m a certa d e f o r m a -
ç ã o . Eu e s t a v a a b s o l u t a m e n t e c e r t o d e q u e aquilo n ã o era n a d a
n o r m a l . P o u c o s s e g u n d o s d e p o i s tirei a s e g u n d a foto. E assim q u e
a p e r t e i o d i s p a r a d o r , o o b j e t o , c o m o s e s o u b e s s e o q u e eu fazia,
elevou-se a t o d a v e l o c i d a d e e d e s a p a r e c e u da m i n h a vista."
As f o t o g r a f i a s f o r a m r e v e l a d a s u m m ê s m a i s t a r d e . E p o r u m
d e s s e s c a p r i c h o s d o d e s t i n o f i c a r a m e s q u e c i d a s d u r a n t e dois

84
Argimiro Pereira mostrando as duas
fotografias obtidas no
porto de Honduras.

Imagens do ovni visto e


fotografado por Argimiro
Pereira nas mesmas datas dos
acontecimentos de Vegas de
Coria. Na f o t o superior, o
objeto, de grande luminosidade,
se desloca a pequena distância
do solo. É possível que o " f o o -
f i g h t e r " que provocou a morte
do velho de Cambroncino
apresentasse forma e colorido
muito semelhantes. Na segunda
tomada, o ovni se eleva.
Instantes depois — segundo a
testemunha — desaparecia no
espaço a grande velocidade.
anos. Tive a c e s s o a elas e à h o n r a d a pessoa do seu d o n o g r a ç a s
à oportuna advertência de Antonio J . Garcia Román, outro esfor-
çado e jovem pesquisador cacerense. Então, q u e m , c o m o eu, pas-
sa a vida toda a perquirir e perguntar, não p o d e deixar de mani-
festar sua estranheza: por q u e este interessante d o c u m e n t o , co-
lhido em plena efervescência do caso do "gigante de p r e t o " de
Vegas, e a coisa de cento e trinta quilômetros dali, não foi divul-
gado no m o m e n t o o p o r t u n o ?
T e m o leitor razão ao indagar: e qual é o " m o m e n t o oportu-
no" no m á g i c o "universo ovni"? Talvez o fato de ter sido conser-
vado e m sigilo tanto t e m p o afaste a suspeita de " o p o r t u n i s m o "
e fortaleça a credibilidade dos acontecimentos de Las Hurdes. Cima
região que t a m b é m n ã o foi exceção no que se refere a avistamen-
tos. O estudioso pode repassar os registros daqueles anos de 1982
e 1983. S e sua bibliografia e arquivos forem m i n i m a m e n t e provi-
dos, ficará p a s m a d o . Contrariamente ao que a n d a r a m proclaman-
do os "esquenta-cadeiras", houve tantos ovnis q u e até se poderia
acusá-los de "impertinentes", se m e p e r m i t e m a familiaridade. 2
Por q u e estranhar, então, os c a s o s de Vegas? E a n t e s de
lançar-se de novo às estradas este "escriba à força" gostaria de
fazer algumas breves considerações acerca das " e m b u ç a d a s " cria-
turas vistas por Colás e o resto da paróquia. Assim a seco, aos
leigos na q u e s t ã o de ovni essas peripécias p o d e r ã o parecer chi-
nês. Pois asseguro-lhes que não. "Forasteiros" c o m o esses, c o m
"sotainas" e "capas" (não sei se à espanhola), t ê m sido vistos nos
mais díspares recantos do globo. E outro t a n t o se p o d e dizer dos
"relâmpagos" e "labaredas" que a c o m p a n h a m suas aparições. Até
m e s m o o sinistro ranger de d e n t e s e os " l a m e n t o s " são c o m u n s

2. Espero que o caro e paciente leitor saibaTelevar esta nota; mas entendo que
é ilustrativa. Eis aqui uma série de casos, entre os muitos que se registraram nos últimos
meses de 1982 e boa parte de 1983 na Península: quatro ovnis sobrevoam a Ilha Cristina
(Huelva) (28-9-82 e 1-10-82). Objeto não identificado sobre a torre de controle do aero-
porto de Quatro Ventos (Madri) (10-10-82). Numerosas testemunhas observam um ufo
em Fuencarral (Madri) (23-10-82). Dias antes, ovni no céu de Ponferrada (León) (13-10-82).
Um ovni de grande luminosidade agita a povoação de Villalba de Lampreana (Zamora)
(12-1-83). Um ufo manobra ao redor de uma casa em Escoriai (Badajoz) (2-4-83). Vá-
rias testemunhas e um carro-patrulha da polícia descrevem um ovni em Orense (27-4-83).
Enorme bola luminosa em La Mola (Barcelona) (25-5-83). Ovni fotografado em Cáce-
res (fevereiro de 1983). Milhares de testemunhas presenciam a passagem de um ufo em
Sabadell (6-6-83). Vários objetos "varrem" boa parte das ilhas Baleares, na Espanha
e Portugal (12-7-83). Estes ovnis, captados pelos radares de La Defensa, provocam a
decolagem de caças da Força Aérea. Semanas mais tarde, o Grupo Popular apresenta
uma interpelação parlamentar sobre os objetos vistos em Madri. O ministro da Defesa
reconhece a existência de ufos mas silencia sobre a audaciosa incursão de um deles na
zona de segurança da base naval de Rota (Cádiz). Ao longo desses meses de julho, agos-
to e setembro, os casos de ufos foram registrados às centenas. A lista seria quase esgo-
tante. (N. A.)

86
nas investigações ufológicas. Eis aí outro elenco de manifestações
que mereceria um e s t u d o especial e sério. Q u a n t a s d e s s a s "infer-
nais" cenas n ã o terão sido relacionadas na antigüidade — e até
m e s m o no n o s s o século, c o m o já t e m o s visto — a S a t a n á s e aos
inquilinos do inferno? E veja o leitor este absurdo: assim q u e ou-
viu o impropério contra o Maligno, o "gigante" de Vegas deu meia-
volta e sumiu. E n t ã o pergunto: q u e m assustou a q u e m ?
E o m e s m o se p o d e dizer dessa c a p a c i d a d e de levitação do
aberrante ser de preto. A ufologia s a b e de n u m e r o s o s e n c o n t r o s
em que os h u m a n ó i d e s se deslocam s e m tocar o solo, ora flutuan-
do, ora saltando, c o m o se tivesse u m m o t o r nos pés.
E que tal as prodigiosas faculdades que lhes p e r m i t e m trans-
por escarpas e p e n h a s c o s de vinte m e t r o s e mais? Maiores mara-
vilhas, entretanto, já se viram e se verão entre essa tropa de "ad-
ventícios".
Com respeito à enigmática "resposta-pergunta" da "sombra"
a Eusébio Iglesias — "Será que não m e c o n h e c e ? " —, minha con-
fusão, f r a n c a m e n t e , é tanta ou maior do que a do apavorado ve-
guense. Que quereria dizer com semelhante réplica? Por mais que
eu insistisse e pressionasse, a t e s t e m u n h a não soube relacionar
a estranha criatura c o m ninguém conhecido. Nem vivo nem morto.
O que, entretanto, já não se p o d e dizer que seja rotina neste
prodigioso universo ovni — e é preciso enfatizar isso — é u m dos
"pormenores" descritos por Colás. Nos primeiros segundos do "en-
contro", o que c h a m o u sua a t e n ç ã o n ã o foi o "gigante" propria-
m e n t e dito m a s u m objeto do t a m a n h o de u m tijolo, colocado no
meio da estrada. Pois digo-lhe, leitor, q u e passar de alguma coisa
c o m o u m tijolo, ou um montículo qualquer, a um sujeito de so-
taina de dois metros, e m um abrir e fechar de olhos, isso, asseguro-
lhe, já é u m caso m e n o s encontradiço. Q u e m e lembre, foi no Ca-
nadá q u e aconteceu coisa igual. E m 19 de s e t e m b r o de 1963, ali
pelas oito da noite, quatro m e n i n o s avistaram um ovni. E do ufo
desprendeu-se u m a espécie de "caixa". Intrigados, os rapazinhos
aproximaram-se dela e, q u a n d o se a c h a v a m a três ou quatro me-
tros, viram q u e "da coisa se elevava a figura de um h o m e m " . Era
u m ser muito alto: de uns três metros, vestido qual um m o n g e ,
c o m u m a r o u p a g e m branca. O ser emitiu um estranho s o m — co-
m o u m g e m i d o —, e s t e n d e u os braços e se moveu em direção
aos meninos. Que, claro, fugiram aterrorizados.
A coincidência é a l t a m e n t e curiosa. Nem será preciso dizer
que esta informação, p r o c e d e n t e do Canadá, j a m a i s c h e g o u a o s
ouvidos dos m o r a d o r e s de Las Hurdes.
Desconcertado, pergunto de novo: a q u e m enfrentamos? Q u e
espécie de seres nos visitam? Não seria mais p r u d e n t e arrumar
a b a g a g e m e ocupar-se de outras tarefas mais tranqüilas?

87
Ainda b e m que, nestas questões, s e m p r e s u r g e m gênios q u e
t ê m explicação para tudo. Então m i n h a m e m ó r i a , maliciosamen-
te, m e socorre c o m aquela lapidar frase de outro "vampiro", radi-
cado em San Sebastián e que, apesar do seu d o u t o r a d o e m infor-
mática, voa "de ouvido", c o m o os m o r c e g o s : "Tudo faz s u p o r " —
soltou ele, referindo-se aos ovnis — "a existência de um fenôme-
no mal conhecido, provavelmente relacionado c o m a física atmos-
férica." Não é genial? Q u e diriam o p o b r e senhor de Cambronci-
no ou o aldeão de Martilandrán s e p u d e s s e m erguer-se da sepul-
tura? Positivamente, essa ufologia dos n o s s o s p e c a d o s está cheia
de impostores...

88
3
Onde se dá a razão de um oportuno sonho • Perseguindo uma
"dama de cristal", tropeço com um "primo" do "gigante" de
Vegas • Saucedilla: um ser com um "ventilador debaixo da saia"
• Onde já se viu um humanóide com uma cicatriz no rosto?
• Três meses antes,outra suspeita aterrissagem ufo " Falando
de estilos, não será o humor um colete salva-vidas? • "O" de
Zafra, meu senhor, é coisa de não se acreditar • Catorze anos
de silêncio • Onde se demonstra, uma vez mais, que a palavra
"casualidade" é uma blasfêmia • üm "papai noel" na estrada
• Onde o senhor Trejo sofre novo susto e com um ovni com
setenta "tubos de escapamento" • Se o caso Zafra foi uma ex-
periência, eu sou Sofia Loren • Os tripulantes de Baracaldo e
os tenebrosos e "confidenciais"manejos dos "vampiros" • Onde
se insinua que "os da cabina telefônica" e do "magiclic" eram
uns consumados atores • üm trunfo na manga deste "fazedor
de teatro" * Ede como o Destino "prepara" os "encontros" deste
"inventor" • Aí vão outras duas primícias que farão cair em lá-
grimas os ufóiogos "de salão" • Também os "etarras"1 deram
de cara com os humanóides

Embarcado nesta literatura de "cabotagem" — quero dizer, sem


perder de vista a terra, o "íntimo" —, espero que o leitor saiba
compreender-me. Na realidade, que seria de u m a pesquisa s e m o
t e m p e r o das a n e d o t a s e das p e q u e n a s confidências do pesquisa-
dor? Nisso, talvez — e é minha toda a culpa ou todo o possível mé-
rito —, se distinga o "farejador de c a m p o " do ufólogo de "salão".
Precisei de dois dias para decidir-me. Conto? Não c o n t o ? En-
tão, impelido pela máxima de Chamfort, decidi meter m ã o s à obra.
O grande literato francês dizia que "nas coisas grandes os h o m e n s
se m o s t r a m c o m o lhes convém mostrar-se; nas pequenas, ao con-
trário, a g e m c o m o são realmente". Pois bem, ao m e n o s no caso
de Argimiro — assunto pouco importante, sem dúvida —, m e apre-
sentarei c o m o sou e m realidade. E o que Deus nos der, S ã o Pe-
dro o bendiga...
V e j a m o s c o m o poderei sintetizar. Entre os episódios "estra-
nhos" que t e n h o vivido regularmente, há u m muito recente, o de
Argimiro Pereira.

1. Como são conhecidos os membros da ETA, organização revolucionária basca.


(N.T.)

89
C o m o já adiantei, este c a c e r e n s e viu e fotografou u m ovni na
m e s m a época d o s a c o n t e c i m e n t o s de Vegas de Coria. Tive aces-
so às fotos e m 1985. E o a s s u n t o ficou arquivado entre c e n t e n a s
de outros, à espera de uma eventual divulgação. Resultado: na hora
de pôr em o r d e m e redigir as vivências e m Las Hurdes, a expres-
siva contribuição de Argimiro apagou-se da minha m e m ó r i a . E
muito provavelmente não teria sido incluída neste trabalho — para
meu vexame — se não m e acontecesse um "oportuníssimo e muito
suspeito sonho". Foi na noite de 22 para 2 3 do corrente m ê s de
maio de 1990. (No m o m e n t o em que redijo estas linhas são ca-
torze horas do dia 24 do m e s m o m ê s de maio.) Nessa m a d r u g a d a
— coisa insólita e m mim, que sou capaz de dormir no pau de u m
galinheiro — acordei sobressaltado. E m minha m e m ó r i a esvoa-
çavam muito c l a r a m e n t e a l g u m a s i m a g e n s e um n o m e , protago-
nistas do s o n h o que eu havia tido. E r a m as fotografias que acom-
p a n h a m o capítulo p r e c e d e n t e — c o m o ovni c a p t a d o no porto
de Honduras — e a identidade de seu autor, Argimiro Pereira. Cla-
ro que já n ã o m e era possível voltar a dormir. Aquele n o m e e os
flagrantes do objeto c o n t i n u a r a m revoluteando no m e u cérebro
insistentemente. Na m a n h ã seguinte, s e m c o m p r e e n d e r a razão
do sonho, deixei-me levar pela intuição. Desci aos arquivos e —
maravilha das maravilhas! — m e u s olhos se encheram: o caso que
eu varrera da m e m ó r i a havia acontecido j u s t a m e n t e e m fevereiro
de 1983 e, obviamente, ganhava nova importância. E fico pen-
sando c o m o tece sutilmente a "nave-mãe"! E digo mais: se este
livro está t a m b é m sob sua tutela, e n t ã o bendito seja Deus... Dis-
se o Mestre: " H o m e n s de pouca fé. Se vosso Pai cuida da roupa-
g e m d o s lírios, q u a n t o mais de vós, s e u s filhos!"
Dito isso, p r o s s i g a m o s c o m as "casualidades".
Por aquele inverno de 1984, viajando entre Las Hurdes e Ve-
ra, outra excitante notícia fez-me correr a Navalmoral de la Mata.
Uma mulher "transparente" fazia estrepolias em plena rodovia na-
cional V, nas proximidades de Almaraz. Uma das testemunhas des-
ta " d a m a de cristal" — u m c a m i n h o n e i r o — a havia atropelado
c o m seu p o d e r o s o veículo. Na realidade, "atravessou-a". E quan-
do se deteve, apavorado, diante da suposta catástrofe, s e u s cabe-
los se eriçaram: a "mulher" continuava e m pé, no centro da rodo-
via, c o m o se o impacto das quinze toneladas do c a m i n h ã o tives-
se sido u m a brisa marinha.
E nisso estava, p r o c u r a n d o deslindar essa história louca e pi-
toresca, q u a n d o , em u m a das visitas à Rádio Navalmoral — o pri-
meiro meio de c o m u n i c a ç ã o que divulgou as tropelias da invul-
nerável senhora —, um pesquisador muito jovem, Gonzalo Pérez
Sarro, falou-me a respeito de Saucedilla. Nessa localidade da co-
m a r c a de Aranuelo, eqüidistante de Casatejada e da citada Alma-

90
SAüCEDílLA

A localidade cacerense
de Saucedilla. Sete meses
||||ii)l( das ocorrências de Vegas
de Coria, os moradores
sofreram u m medo e uma
angústia iguais.

Mari Carmen Ramos,


testemunha do " g i g a n t e
de p r e t o " , no lugar
do primeiro encontro.
(Foto de J. J. Benitez.)

Avonida de Gonzales Amézqueta


na entrada de Saucedilla
A q u i ocorreram dois do£
misteriosos " p a s s e i o s "
ilo " h o m e m vestido de m u l h e r "
raz, se haviam registrado casos que, assim, à primeira vista, m e
p a r e c e r a m familiares. Um "gigante de preto"? E t a m b é m em
1983?
Intrigado, releguei t e m p o r a r i a m e n t e as pesquisas e m torno
da " d a m a de cristal", e m favor de outro que, se confirmado, des-
mentiria os que haviam z o m b a d o de Vegas de Coria. E, a p ó s ou-
vir as primeiras versões das t e s t e m u n h a s — gravadas primeira-
mente pelo voluntarioso Gonzalo Pérez —, esbocei em minha men-
te u m dossiê do que podia ter ocorrido n a q u e l e m ê s de o u t u b r o
em Saucedilla.
"Sabia-se da existência de pelo m e n o s três t e s t e m u n h a s . To-
das mulheres e todas coerentes na descrição do gigante, que, c o m
o maior caradurismo, havia desfilado pelas ruas da vila: muito al-
to, c o m u m a espécie de veste talar, e tão f ú n e b r e c o m o o embu-
çado de Vegas."
E fácil imaginar o sufoco d a s jovenzinhas que cruzaram c o m
s e m e l h a n t e "torre".
E d u r a n t e algum t e m p o — às vezes na agradável c o m p a n h i a
do pesquisador de Navalmoral, outras vezes só — fui percorren-
do a hospitaleira vila, à espera de a l g u m indício da presença do
"gigante". As coisas dessa vez estavam a favor do m e u trabalho.
Apesar de decorrido u m ano, os "incidentes" não haviam tido a
publicidade que tiveram e sofreram os de Las Hurdes. Isso m e per-
mitiu u m a investigação mais tranqüila.
Aqui está o f u n d a m e n t a l daqueles dias de insónia em que,
à s e m e l h a n ç a do que sucedera em Vegas de Coria, se viu envolvi-
da a p o v o a ç ã o de Saucedilla:
Mari Carmen Ramos, u m a jovenzinha de catorze anos, volta-
va para casa ao entardecer. Estava só e caminhava pela avenida
J u a n J o s é González. A data exata foi difícil de apurar. Então, na
rua solitária, de frente e na calçada oposta, avistou u m "ser" de
considerável altura: entre dois e três metros...
"Tinha o perfil de u m h o m e m " — disse a jovem —, " m a s se
vestia c o m o u m a mulher. Não sei dizer c o m o c h e g o u até ali. E
a m b o s c o n t i n u a m o s avançando. Um para o outro. S u p o n h o q u e
nos a p r o x i m a m o s a cinco ou seis metros. De repente, para m e u
espanto, cruzou a avenida e meteu-se e m u m corredor existente'
à m i n h a direita. Q u a n t o s s e g u n d o s teria eu levado para chegar
ao corredor? Cinco? Pois não mais o vi. Havia desaparecido. E
olhe que o lugar não t e m saídas, n e m m e s m o portas ou vãos on-
de p u d e s s e ocultar-se. Q u e susto!"
Creio que a mulher, além de outras notáveis qualidades q u e
o h o m e m desejaria possuir, possui u m a a g u d a c a p a c i d a d e de ob-
servação. Em especial no que se refere às coisas de vestuário. E
essa t e s t e m u n h a , na sua condição de mulher, fez o s t e n t a ç ã o des-
sa virtude:

92
"Sua veste chegava aos pés. Era preta e a parte de baixo se
agitava c o m o se movida por u m ventilador. Caía a prumo, s e m
cinto n e m ataduras. Eu diria que era bastante folgada p o r q u e não
deixava perceber as f o r m a s das pernas. Tinha um ligeiro brilho.
E acredito, ainda q u e não possa assegurar, que cobria a cabeça
c o m a l g u m a coisa s e m e l h a n t e a u m gorro. Não sei se era essa pe-
ça que lhe s o m b r e a v a o rosto. A q u e s t ã o é que n ã o consegui ver
suas feições. Talvez isso se devesse a p e n a s à p e n u m b r a do anoi-
tecer..."
Outro aspecto que alarmou e p ô s em guarda Mari Carmen —
se não b a s t a s s e m tantos outros — foi o singular m o d o de cami-
nhar do gigante.
"...Ainda q u e n ã o m o s t r a s s e os pés, não tocava o solo. Isso
eu lembro muito b e m . A não ser q u e em lugar de s a p a t o s tivesse
um motor. A palavra correta seria 'deslizamento'. Aquele 'indiví-
duo' se movia c o m o se corresse sobre patins. E s e m pressa. Co-
m o se o 'passeio' fosse coisa habitual."
A adolescente aterrissou e m sua casa c o m o coração na bo-
ca. S a b e n d o , p o r é m , que se exporia ao ridículo se c o n t a s s e o que
lhe sucedera, optou pelo silêncio. Mas o s e g r e d o tinha s u a s horas
contadas. Dois dias depois já dava na língua. E q u a n t o s lhe de-
ram crédito? Muito poucos. A g e n t e miúda — s e m p r e m e n o s "in-
toxicada" que os adultos — aceitou a palavra de Mari Carmen.
E u m a tarde, e m c o m p a n h i a de dois irmãos mais novos, a teste-
m u n h a percorreu a l g u m a s das ruas m e n o s transitadas do povoa-
do, c o m a esperança de reencontrar o h o m e m do "patim".
"...Ao c h e g a r m o s a uma esquina o vimos ao longe. Não sei
se era o m e s m o p e r s o n a g e m . Estava já bastante escuro, m a s a
cara foi o que mais n o s c h a m o u a atenção: era redonda e branca
c o m o a lua. E resplandecia e se destacava na obscuridade. Eu
agüentei uns s e g u n d o s . Queria certificar-me. Mas, afinal, o m e d o
p ô d e mais e saí correndo."
Nessa m e s m a noite, s e g u n d o a vizinhança, os cães mostra-
ram-se inquietos, uivando sem cessar. A notícia, primeiro a meia
voz, c o m e ç o u a circular pela tranqüila paróquia e n ã o tardaria a
t o m a r corpo. Outra adolescente — cuja identidade não estou au-
torizado a declinar — havia encontrado, e m u m a ponte, " u m ho-
m e m d e s c o m u n a l , vestido de preto até o solo". Aquilo deu o que
pensar a toda a povoação. Cidadãos, primeiro, e a Guarda Civil,
depois, m o n t a r a m guarda e r o n d a r a m toda a vila. A inutilidade
das batidas só contribuiu para elevar a t e n s ã o e os mexericos. E
a situação alcançaria o clímax q u a n d o o "gigante dos patins" foi
visto pela quarta e pela quinta vez. A testemunha — Maria dei Mar
Mariscal, então c o m treze anos de idade — contou assim seu pri-
meiro susto:

93
"Voltava eu para casa pela avenida..."
O lugar era a larga rua Gonzalez Amézqueta, cenário t a m b é m
do primeiro dos e n c o n t r o s de Mari Carmen Ramos.
"... Havia caído a noite. Talvez f o s s e m nove horas. Eu estava
só e caminhava pelo lado e s q u e r d o da rua. De repente o avistei
no centro da rua. Mão posso explicar c o m o apareceu, n e m de on-
de. Estava ali quieto, o l h a n d o para m i m . Fiquei c o m u m m e d o
horroroso e parei. Ele estava b e m perto de mim, coisa de cinqüen-
ta passos. Lembro que ele recebia em cheio a luz de u m dos fa-
róis da avenida, localizado à sua esquerda. Era muito alto (segu-
r a m e n t e passava dos dois metros) e fazia s o m b r a . Vestia-se c o m o
u m a mulher. Mais e x a t a m e n t e , aliás, c o m o u m a m o n j a . O 'hábi-
to', todo preto, caía até o solo. As m a n g a s , largas, ocultavam as
mãos. Eu pelo m e n o s não consegui vê-las. A cabeça, ao contrá-
rio, estava descoberta. Tive a impressão de que era b a s t a n t e lon-
ga. E m p o u c o s s e g u n d o s deixei de vê-lo. E lhe a s s e g u r o que ele
não se m o v e u . S i m p l e s m e n t e , d e s a p a r e c e u . "
A a d o l e s c e n t e c h e g o u em casa em pânico. Morava em u m
chalé perto dali. Q u a n d o reconstituí o sucedido, no próprio local,
junto c o m a t e s t e m u n h a , calculei q u e a distância que os separava
não excedia, de fato, os sessenta metros. Aquela hora da noite,
em outubro, c o m a proximidade do farol, a iluminação era bas-
t a n t e razoável. Do poste junto ao qual a jovem se deteve, a visibi-
lidade era impecável. E c o n s i d e r a n d o que à época o espaço que
se abria de u m lado e de outro da avenida era p r a t i c a m e n t e cam-
po aberto, o lógico é que, se o "gigante" se tivesse s i m p l e s m e n t e
afastado, a m e n i n a o teria visto.
E chegou a quinta "aparição". Foi uma semana depois e pouco
mais ou m e n o s à m e s m a hora. Na minha opinião, u m a das mais
interessantes.
"...Acabava de tirar a m e s a e ia varrer o lixo..."
Maria dei Mar estava e m casa. O chalé t e m na frente um pe-
q u e n o jardim, f e c h a d o por u m a s e b e de u m m e t r o e oitenta. No
canto e s q u e r d o deste retângulo — observando-se da fachada da
casa — ergue-se uma cancela de ferro, provida de u m longo fer-
rolho e o respectivo cadeado, e perfeitamente encravada entre di-
versas colunas de p e d r a s de dois m e t r o s de altura. O e s p a ç o s o
portão, de folha dupla, p e r m i t e o acesso de veículos à g a r a g e m
da casa, localizada a uns oito m e t r o s da cancela. Q u a s e no extre-
m o o p o s t o abre-se u m s e g u n d o portão, de m e n o r e s dimensões,
provido t a m b é m de ferrolho. As colunas que s u s t e n t a m a grade
principal seriam muito úteis para determinar a altura aproxima-
da do misterioso "transeunte" de Saucedilla.
"... Fui até o jardim e q u a n d o m e preparava para entrar na
g a r a g e m , para guardar o balde de lixo, tornei a vê-lo. Senti-me

94
Maria dei Mar Mariscal
(à esquerda) " t r o p e ç o u "
c o m o gigantesco ser
em duas ocasiões.

O jardim da família
Mariscal. Indicada
pela flecha, a coluna
j u n t o à qual foi
observado o estranho
"visitante".

Maria dei Mar, à direita,


na posição em que se encontrava
o " h o m e m " de quase três metros.
Diante do portão de ferro,
a garagem do chalé.
Desse lugar observou
a testemunha o
misterioso ser.
(Foto de J. J. Benitez.)
morrer. Estava dentro do terreno do chalé, diante da coluna da
e s q u e r d a e de f r e n t e para m i m . Era o m e s m o sujeito da avenida.
Podia jurar. Alto, altíssimo, e c o m aquela vestimenta preta que
ia até o solo. C o m a m ã o direita m e fez sinais para que m e aproxi-
masse. Movia os lábios, m a s n ã o ouvi n e n h u m s o m . Talvez o me-
do m e e n s u r d e c e s s e . S e m deixar o lixo, dei a volta e entrei e m
casa c o m o u m a louca. Os m e u s gritos alertaram m e u pai, que saiu
i m e d i a t a m e n t e , c o m u m a faca na m ã o . Eu fui atrás dele m a s o
tipo já havia desaparecido de novo."
Nessa ocasião, o encontro c o m o "gigante de p r e t o " foi mais
nítido. A jovem parou a nove m e t r o s dele. De acordo c o m s e u s
cálculos, sua cabeça ficava a u m metro, a p r o x i m a d a m e n t e , do re-
m a t e da coluna que estava às s u a s costas. Isso permitiu medir a
altura do "anjinho": entre 2,90 e 3,00 metros.
Ainda q u a n t o a esse aspecto, Maria dei Mar a c r e s c e n t o u al-
guns p o r m e n o r e s c o m p l e m e n t a r e s :
Cabeça descoberta e rosto " a p e p i n a d o " . F r o n t e alta, cabelo
liso, esticado e p e n t e a d o , c o m risca no centro. Olhos escuros, re-
dondos, nariz afilado. Lábios finos, queixo p o n t i a g u d o e s e m bar-
ba, ao m e n o s s e m vestígio dela. E o mais curioso: u m a espécie
de cicatriz na face esquerda. A t e s t e m u n h a forneceu e c o n f i r m o u
cada u m a das suas informações. O sinal na face — muito pronun-
ciado — tinha todo o a s p e c t o de seqüela de ferida. Mais ainda:
no primeiro encontro, no m e i o da avenida, t a m b é m lhe pareceu
vê-la. Da m ã o direita pendia "algo" que — c o m m u i t a s reservas
— identificou c o m u m a "bolsa". Q u a n t o ao braço esquerdo, per-
m a n e c e u estendido junto ao corpo. Os pés, c o m o na ocasião an-
terior, não se viam.
Para a menina e seu pai, a entrada e o posterior desapareci-
m e n t o do e s t r a n h o p e r s o n a g e m no chalé p e r m a n e c i a m u m enig-
m a . Na hora, o s portões estavam cerrados. Ainda admitindo que
h o u v e s s e p o d i d o manipular o ferrolho da cancela menor, deslo-
cando-se até o e x t r e m o oposto do jardim, junto às colunas de pe-
dras, c o m o fizera para sair? O a p a r e c i m e n t o do s e n h o r Mariscal
no jardim foi rapidíssimo, coisa de a l g u n s s e g u n d o s . Na suposi-
ção de q u e tenha c o n s e g u i d o escapar por esse s e g u n d o portão,
seu e n o r m e porte deveria ter d e s p e r t a d o a t e n ç ã o . E outro deta-
lhe s e m explicação: por que o ferrolho não estava corrido?
Perguntei sobre possíveis p e g a d a s , m a n c h a s ou queimadu-
ras no local o n d e p e r m a n e c e u e foi visto o "gigante". A família
r e s p o n d e u n e g a t i v a m e n t e . T a m b é m a sebe e as plantas p r ó x i m a s
n ã o a p r e s e n t a v a m alteração a l g u m a .
E m b o r a custasse aceitá-lo, o " h o m e m do p a t i m " parecia ter
o poder de materializar-se e desmaterializar-se à vontade, ü m a fa-
culdade, eu sei, muito c o m u m entre tripulantes de ovnis. Em-

96
bora eu não tenha podido ou sabido levantar um só t e s t e m u n h o
que confirmasse a presença dos "não identificados" sobre a al-
deia naqueles dias, sei que Saucedilla havia sido cenário da des-
cida desses o b j e t o s três m e s e s antes, p r e c i s a m e n t e ao crepúscu-
lo de 12 de julho. Ou seja, u m dos dias "quentes" da já referida
"revoada" ovni sobre a Espanha e Portugal. Emiliana Badillo e
Eduarda Redonda, m o r a d o r a s de Saucedilla, foram t e s t e m u n h a s
da a s c e n s ã o de u m a luz intensa que se achava p o u s a d a nos arre-
dores da povoação, e m plena estrada. Ao vê-la subir, em silêncio
e no centro de u m torvelinho de poeira, se assustaram e corre-
ram para a vila.
Anos atrás — e o assunto b e m mereceria a l g u m a s reflexões
—, outros m o r a d o r e s , entre os quais t o d o s os m e m b r o s da famí-
lia Ramos, assistiram maravilhados à aterrissagem de outro ufo,
a pouco mais de c e m m e t r o s do bar dirigido pelo pai da testemu-
nha Mari C a r m e m Ramos. Ali p e r m a n e c e u entre cinco e dez mi-
nutos, d e c o l a n d o depois velozmente e "iluminando c a m p o s e ca-
sas c o m u m a luz s e m e l h a n t e à da solda autógena".
Se algumas das civilizações que nos visitam parecem agir sem
pressa — q u a s e que eliminando o conceito h u m a n o de " t e m p o "
—, seria u m a insensatez especular sobre as "intenções" da ater-
rissagem. Não é "casualidade" d e m a s i a d a que, na extensa Estre-
madura, os tripulantes do objeto fossem escolher c o m o "testemu-
nhas" as pessoas da família Ramos, c o m a p e q u e n a Mari C a r m e m
na frente? Coisas e casos mais esquisitos têm sido vistos, m e u que-
rido e serviçal Sancho...
Outro tanto poderia dizer-se do ovni de 12 de julho. Teria ater-
rissado em Saucedilla três m e s e s a n t e s das visitas do "gigante de
preto" por pura casualidade? Q u e o s p e d a n t e s invoquem o cálcu-
lo das probabilidades e extraiam porcentagens. Dentre os 504 750
quilômetros q u a d r a d o s do território espanhol, o ovni "elege" u m
c a m i n h o e m Saucedilla... Dentre os q u a s e dez mil p o v o a d o s q u e
pontilham a Espanha, os o c u p a n t e s d e s t a s naves se " d e c i d e m "
por u m de a p e n a s trezentas almas: Saucedilla... E dentre os trin-
ta milhões de e s p a n h ó i s que vivem e se c o n t a m nos últimos tem-
pos, os ovnis "fazem suas contas" e concluem que "devem mostrar-
se" a cinco t e s t e m u n h a s de Saucedilla. E dessas cinco — exigen-
tes que são —, a u m a família em particular: os Ramos... S e m co-
mentários.
E já que nos e m p e n h a m o s e m procurar exatidão, continue-
m o s c o m o ditoso "acaso". Q u e conclusões tiraria u m hábil pes-
quisador, verdadeiro "sabujo", ao examinar as curiosíssimas coin-
cidências de m a n e i r a s e tudo o mais entre os "gigantes de sotai-
na" que se exibiram por Vegas e Saucedilla?
Apontemos algumas:

97
Ambos os "grupos" — no dizer dos moradores e moradoras —
"apareciam e desapareciam". Curioso.
Ambos os "grupos", em lugar de caminhar como Deus man-
da, "deslizavam, como que flutuando". Mais curioso ainda.
Ambos os "grupos" ostentavam uma altura descomunal.
Ambos os grupos eram adeptos da "moda eclesiástica" (sem
ofensa). Alguns, também é certo, um tanto mais "modernos": co-
mo "bolsa" incluída.
Em ambos os lugares — antes ou depois dos encontros —
detectou-se a presença de ovnis.
E em ambos os lugares, por fim, além das batidas, das cor-
rerias e do pânico, registrou-se outro arquiconhecido fenômeno
ufológico: os gemidos e a excitação dos cães. (Que eu saiba, os
nobres cães não lêem ficção científica.) Como poderemos verifi-
car em sucessivas aventuras, os animais acusam a proximidade
desses objetos e de seus "pilotos" antes e melhor do que os hu-
manos.
Gracejos à parte, entendo que os muito sérios acontecimen-
tos de Las Hurdes e Saucedilla guardam maior e mais estreita re-
lação do que podem aparentar. O "que procuravam" com tais exi-
bições é um enigma que, por ora, permanece como "segredo pro-
cessual". Deles, claro.
E permitam-me um adendo. Pode ser que esta literatura "de
cabotagem" — aparentemente frívola certas vezes — não seja do
agrado de alguns. Não é uma insolência — clamarão os "vampi-
ros" e seus acólitos —, e até um retrocesso, um tratamento pou-
co adulto do fenômeno dos "não-identificados"? Responderei com
uma frase de Wilhelm Raabe: "O humor é um colete salva-vidas
no mar da existência." Sou dos que acreditam que quanto mais
solene, transcendental e dramático é o problema que nos ocupa,
mais à mão devemos ter "isso" que nos diferencia dos animais:
o senso de humor. Ao menos de quando em quando. Seria mara-
vilhosamente simples lançar mão de conceitos e expressões co-
mo "índices de estranheza e credibilidade", "zonas de baixa con-
fiabilidade testemunhal", "desenho de um modelo-resumo". "pro-
cesso de depuração no tratamento de anomalias" e outras precio-
sidades que, embuçadas na roupagem do rigor científico, apenas
procuram deslumbrar o incauto. Por que será que esse estilo des-
tila como baba da pena dos "vampiros"?
ü m a vez desoprimido o "tigre de Bengala" que tenho dentro
de mim, continuemos com o inexorável Destino. O que me dis-
ponho a narrar daqui para diante é coisa de não se acreditar. Tan-
to assim que, se não estivesse empenhada nisso a palavra de um
amigo — guarda civil por acréscimo —, eu mesmo me sentiria
inclinado a benzer-me...

98
Eduarda Redonda e Emiliana Badillo,
moradoras de Saucedilla, assistiram à
decolagem de u m ovni que havia
pousado em plena estrada, nas
imediações do povoado.

A família Ramos. Anos antes dos


encontros de sua filha Mari Carmen
c o m o " g i g a n t e de p r e t o " , um objeto
aterrissara a cem metros de sua casa.
Dirá você, escrupuloso leitor, que a b u s o de m e u conceito fa-
vorito: "nada é casual". Mas que teria feito você se tivesse vivido
a " c h o c a n t e " peripécia de Zafra? Mas iniciemos c o m o recomen-
d a m os cânones: pelo princípio.
Q u e m teve a culpa deste novo e n r e d o foi outro s u p o s t o "gi-
gantão". O caso ocorreu em n o v e m b r o de 1968. Hoje, vinte e dois
anos passados, sorrio para o s m e u s botões. Na época, p o r é m , o
p a n o r a m a , para os p o u c o s p e s q u i s a d o r e s "de c a m p o " da ufolo-
gia hispânica, era desolador. Imaginem o "negócio": naquela oca-
sião, u m cidadão a n ô n i m o q u e circulava e m automóvel pela es-
trada de Zafra (Badajoz) a Huelva tropeçou c o m u m p e r s o n a g e m
nada c o m u m , c o m s e u s dois m e t r o s de estatura. A notícia che-
gou ao c o n h e c i m e n t o da imprensa e no dia 19 do m e s m o m ê s
de n o v e m b r o saía u m a r e p o r t a g e m sobre o a c o n t e c i m e n t o .
Convém lembrar às brilhantes gerações atuais que naquela
década de 60 muitos espanhóizinhos ainda p a d e c i a m os efeitos
— nunca b e m esclarecidos — do "queijo e do leite em pó" pre-
s e n t e a d o s pelos Estados Unidos à Espanha de pós-guerra. E m ou-
tras palavras, alcançar a casa dos dois m e t r o s era q u a s e u m insul-
to à mediania nacional.
O responsável pela r e p o r t a g e m , u m certo Tomillo, aludia a
vários avistamentos de ufos, muito freqüentes, de resto, n a q u e l e
a n o de 1968. Entretanto, c o m o se verá, não informava sobre a
identidade da pessoa q u e havia visto o fulano de dois metros, ou
mais. Mas será melhor que o leitor julgue por si próprio. Eis o texto
integral da nota publicada no Hoy de Badajoz:
"Tudo c o m e ç o u c o m u m a c h a m a d a telefônica de u m a m i g o
que nos merece o maior crédito, informando a este correspondente
que, q u a n d o viajava c o m a família na rodovia de Villafranca a Al-
mendralejo, viu aparecer no f i r m a m e n t o u m a refulgente bola ver-
m e l h a q u e d e s a p a r e c e u n u m instante no horizonte, produzindo
por e s p a ç o de s e g u n d o s c o m o que u m a chispa ou irradiação lu-
minosa de u m a intensidade insólita e deixando entre as nuvens
u m a esteira e m ziguezague que levou dois ou três m i n u t o s para
diluir-se. Ao ver esse e s t r a n h o f e n ô m e n o , havia p a r a d o o carro,
s e n d o alcançado por u m veículo da polícia de trânsito cujos ocu-
p a n t e s t a m b é m observaram a s u r p r e e n d e n t e esteira e trocaram
c o n j e t u r a s sobre aquilo que a c a b a v a m de ver.
"Foi o que nos c o n t a r a m e é o que t r a n s m i t i m o s s e m agregar
comentários.
"Depois f o m o s informados por várias outras pessoas, n ã o me-
nos dignas de crédito, q u e confirmaram o fenômeno, explicando-o
c o m as m e s m a s características e de vários p o n t o s de observação,
distantes uns dos outros, e s e m q u e houvesse entre elas, posterior-
mente, o m e n o r contato n e m c o n h e c i m e n t o dele de nossa parte.

100
"Até aqui parecia que t a m b é m em nosso pequenino quadrante
geográfico havia surgido um ovni, u m d e s s e s estranhos o b j e t o s
voadores n ã o identificados de que tanto se o c u p a m u l t i m a m e n t e
os meios de c o m u n i c a ç ã o universais, vistos de q u a n d o em quan-
do na Patagônia ou e m Moçambique ( p o n h a m o s c o m o exemplos)
e que agora são d e t e c t a d o s s i m u l t a n e a m e n t e em t o d a s as latitu-
des, c o m f r e q ü e n t e persistência, s e m e a n d o toda u m a psicose co-
letiva, exacerbada pelo cinema, pelos p r o g r a m a s televisivos e pe-
lo gênero novelistico da ficção científica.
"Mas não é só. Três m e m b r o s masculinos de uma família (tam-
bém amiga) viram, da cobertura de sua casa, um forte círculo lu-
minoso sobre u m a propriedade rural d e n o m i n a d a 'Las Navas', na
rodovia de Huelva. C o m o não fosse distante da sua residência,
animaram-se a investigar pessoalmente. Mas b e m antes de se apro-
ximarem do local o f e n ô m e n o desapareceu, não sendo observa-
do n e m no local n e m nas proximidades o menor vestígio ou a cau-
sa dele.
"Na m e s m a rodovia Zafra-Huelva, p o u c o mais ou m e n o s à al-
tura da citada p r o p r i e d a d e 'Las Navas', n o s c o n t a m que o chofer
de um automóvel q u e rodava a u m a média de 60 quilômetros ho-
rários viu-se b r u s c a m e n t e freado, s e m responder aos c o m a n d o s
durante os p o u c o s s e g u n d o s que o carro deslizou s e m velocida-
de, por u m a distância de p o u c o s metros, voltando a embalar lo-
go depois. O motorista, b o m mecânico, fazia conjeturas sobre a
estranha e m o m e n t â n e a avaria técnica, q u a n d o ao seu regresso,
no m e s m o local, tornou a ocorrer. Surpreso, enquanto o carro des-
lizava q u a s e parado, olhou para u m lado da rodovia, 'vendo a fi-
gura de u m h o m e m c o m uns dois m e t r o s de altura, c o m cintila-
ções verdes', e ao voltar o carro a embalar fugiu horrorizado e con-
tou sua singular aventura."
A notícia do correspondente concluía com um parágrafo mui-
to "à espanhola", no qual, todavia, se deixava entrever u m a re-
mota pista.
"... Tudo isto deu lugar a que na cidade — a reportagem era
datada de Zafra — c a m p e i e m os mais variados comentários e opi-
niões. A p o n t o de não dar importância a o s objetos voadores e às
luzes, já que a presença física de qualquer h o m e m alto e desco-
nhecido que n o s visita seja vista c o m receio, ainda que mais tar-
de se descubra que não passava de u m turista, perfeitamente iden-
tificado, alojado na Hospedaria Nacional de Turismo."
Deixando de p a r t e a infeliz graçola do senhor Tomillo, q u e
e v i d e n t e m e n t e subestimava a inteligência d a q u e l e povo, o certo
é, c o m o já observei, q u e nessas últimas linhas s e insinuava u m a
hipotética possibilidade. Se a boataria e m torno do encontro c o m
o " h o m e m de cintilações verdes" havia a u m e n t a d o e m Zafra, a

101
d e d u ç ã o a tirar era q u e a t e s t e m u n h a vivia nessa cidade ou pelo
m e n o s c o m e n t a r a o fato ao passar por ela. Alguns d o s "heróicos"
ufólogos "de c a m p o " daquela d é c a d a , de 60, t e n t a r a m infrutife-
r a m e n t e arrolar mais alguns dados. O motorista c o m o q u e fora
tragado pela terra. E o caso entrou em processo, digamos, de "mu-
mificação". E assim p e r m a n e c e r i a — "incorrupto" — por u m pe-
ríodo de catorze anos. Em 1978, justiça seja feita, a história da
rodovia de Zafra produzia u m ligeiro eco, ao ser publicada em um
dos habituais "quadrados" de oito linhas do já m e n c i o n a d o "vam-
piro" valenciano. Q u e outra coisa se poderia esperar de u m ufó-
logo "de salão"? Dizia assim:
"Quinta-feira, 14 de n o v e m b r o de 1968 (22h45). Zafra (Bada-
joz). ü m a t e s t e m u n h a estava no quilômetro 3 da rodovia de Zafra
a Huelva q u a n d o viu u m a f o r m a h u m a n a imóvel a u m a das mar-
gens, a trinta m e t r o s de distância. Tinha u m a altura de u n s dois
metros, b r a ç o s a n o r m a l m e n t e longos e s u a s roupas verdes e r a m
fosforescentes. O rosto não passava de u m a m a n c h a preta. O car-
ro da t e s t e m u n h a c o m e ç o u a falhar e seu relógio parou, ao mes-
m o t e m p o e m que se ouviu u m s o m similar ao produzido por u m
furacão. Só que não soprava vento a l g u m . "
A m e s q u i n h a " r e p o r t a g e m " , c o m o veremos, estava coalhada
de erros. Conseqüência inevitável da "investigação" realizada por
esses ufólogos "de salão", que, c o m o os abutres, e s p e r a m alguém
m a t a r a peça para cair s o b r e a carniça.
Mas voltemos ao desolador panorama do caso "Zafra". Na épo-
ca, a "caça e captura" da t e s t e m u n h a anônima fracassou. Para cul-
minar, o senhor Tomillo, q u e poderia trazer a l g u m a luz, faleceu
e m 1975. Vim a ter c o n h e c i m e n t o do e n i g m a ali por 1977. Ab-
sorvido, porém, por outras pesquisas, deixei-o c o n g e l a d o por al-
g u n s anos. Para ser franco, a c o m o v e d o r a ingenuidade m o s t r a d a
a princípio pelos "vampiros" inclinou-me a dar ouvidos ao seu si-
bilino vozerio. Pouco a p o u c o iria descobrindo o verdadeiro rosto
dessa "raça de víboras". Por que e m b a r c a r e m tão titânica e ab-
surda b u s c a ? O motorista, insisto, podia m o r a r e m Zafra, m a s as
probabilidades disso n ã o e n c h i a m u m a colher de sopa. E se esti-
véssemos diante de um forasteiro, de p a s s a g e m pela região? Tam-
b é m podia ser u m dos seiscentos mil habitantes c o m que conta-
va e n t ã o a província de Badajoz. As hipóteses e r a m ilimitadas. E
o "gigantão" continuou no "limbo" ufólogo.
Até que, e m n o v e m b r o de 1982, o Destino disse: "Aqui es-
tou eu."
Por essas alturas, andava eu tentando reconstituir dois outros
f a m o s o s a c o n t e c i m e n t o s : os e n c o n t r o s c o m tripulantes e m Villa-
franca de los Barros e Talavera la Real. E quis a "nave-mãe" que
n a q u e l a s idas e vindas pela e n c a n t a d o r a E s t r e m a d u r a eu termi-

102
nasse fixando estes olhos na vizinha Zafra. Mas, hesitei. For que
meter-me em confusão velha de catorze anos? Obviamente, as coi-
sas, longe de melhorar, só p o d e r i a m ter piorado. Mas, n u m da-
queles impulsos que m e caracterizam, fiz a mim m e s m o um de-
safio. Algum dia, eu sei, esta paixão pelo "mais difícil ainda" m e
levará à sepultura. Não m e arrependo, c e r t a m e n t e . Ou será que
existe a l g u m a f o r m a mais bela de receber a parca do que c o m a
missão realizada e as malas feitas para a viagem? "A sorte" —
dizia Virgílio — "ajuda os audazes." E eu, e m meu atrevimento,
corrijo o pai da Eneida: "A sorte, não; a Providência, sim."
E, "providencialmente" — e volto ao "nada é casual" —, nes-
ta festiva ocasião não houve necessidade de abordar os catorze
mil habitantes da histórica Zafra.
Cada vez que penso nisso m e faço a m e s m a pergunta; de
q u e m foi a "genial intuição" de anotar aquele n ú m e r o telefôni-
co? Da "nave-mãe" ou minha? Estou convencido de que não fiz
outra coisa s e n ã o "materializar o telex vindo das alturas".
O senso c o m u m — em sua implacável guerra à intuição —
se espevitou e m e advertiu do a b s u r d o da tentativa. Zalamea de
la Serena está a mais de cem quilômetros de Zafra. Ainda assim,
misteriosamente obstinado, pus-me em contato com um excelente
pesquisador: Victor Sierra Moreno. A conversa manteve-se excep-
cionalmente viva e m minha precária m e m ó r i a . Interroguei-o so-
bre a indigitada t e s t e m u n h a , dando-lhe os misérrimos d a d o s de
que dispunha. C o m o era de supor, não tinha idéia do seu para-
deiro. Mas, gentil, p r o m e t e u "mover alguns cordéis", não sem m e
prevenir que a missão era difícil. Isto acontecera na quinta-feira,
4 de novembro. E combinei u m a s e g u n d a c h a m a d a para o sába-
do, 6.
No entanto, nesse dia, c o m o se fosse a coisa mais fácil do
m u n d o , estava eu c o m o nome, o s o b r e n o m e e o endereço da ina-
cessível t e s t e m u n h a da rodovia Zafra. O p e q u e n o "milagre" não
poderia ser m e l h o r a d o por santo n e n h u m :
"Depois de remover céus e terras" — explicou-me Sierra Mo-
reno —, "e q u a n d o estava a p o n t o de dar-me por vencido, acon-
teceu 'algo' que, se não tivesse tido u m a testemunha, não m e atre-
veria a contar-te. Gim dia depois da tua c h a m a d a , sexta-feira,
coube-nos u m a rotineira o p e r a ç ã o de vigilância em u m a das ro-
dovias próximas a Zalamea..."
Esclareço que m e u contato prestava então seus serviços co-
m o guarda-civil no quartel daquela localidade de Zalamea de la
Serena.
"... Meu c o m p a n h e i r o , Pedro dei Pino, e eu nos p o s t a m o s em
u m a paragem denominada Argallanes. Nesse fim de semana o mo-
vimento de c a ç a d o r e s era intenso. E ali pelas seis da tarde, por

103
pura rotina, decidimos parar u m dos m u i t o s a u t o m ó v e i s que cir-
culavam e m direção a Higuera. E n q u a n t o viver n ã o poderei es-
quecer isso. Tratava-se de u m Ford Granada. Devo dizer que foi
u m a escolha a b s o l u t a m e n t e fortuita. Solicitamos a d o c u m e n t a -
ção e, ao verificar que o motorista era de Zafra, veio-me à m e n t e
o teu pedido. Interroguei-o s e m muita convicção, essa é a verda-
de. Devias ter visto a cara d a q u e l e h o m e m . Não só o conhecia co-
m o era seu amigo... Deus bendito! C o m o era possível?"
Isso m e s m o m e perguntei e ainda continuo perguntando. Os
incrédulos e os a m a n t e s da m a t e m á t i c a p o d e m t o m a r papel e lápis
— sugiro, aliás, de preferência u m a calculadora — e tentar "racio-
nalizar" o lance. Aí vão alguns dos "ingredientes" para "cozinhar":
1. Zafra: 14 0 0 0 habitantes e 1 6 0 3 automóveis.
2. E s t r e m a d u r a : 1 100 0 0 0 habitantes, a p r o x i m a d a m e n t e .
3. Alvarás de caça na c o m u n i d a d e e s t r e m e n h a : cerca de
70 000. Destes, 8 7 4 são de Zafra.
4. P a r q u e automobilístico na citada c o m u n i d a d e a u t ô n o m a
( u n i c a m e n t e no que diz respeito a automóveis e ao a n o de 1982):
50 504 e m Cáceres e 77 8 8 4 e m Badajoz.
5. Efetivo da Guarda Civil de Tráfego e m Badajoz: 127.
Pois bem, c o m estes p a r â m e t r o s — para nos limitarmos à Es-
t r e m a d u r a — qual é a probabilidade m a t e m á t i c a de que dois ho-
m e n s da Guarda Civil, a c e m quilômetros de Zafra, d e t e n h a m u m
carro e que seu condutor seja caçador, m o r a d o r de Zafra e a m i g o
da a n ô n i m a t e s t e m u n h a ?
Para aqueles que, c o m o eu, deixaram longe os estudos de es-
tatística, aqui está o resultado, elaborado por u m proficiente dis-
cípulo de Pitágoras: Manuel Audige. 2 A probabilidade é de u m a

2. "... Calculando que os caçadores de Zafra que excursionaram nesse dia — ex-
plica Manuel Audye em seu relatório — fossem dois terços do total e que em cada veícu-
lo viajassem quatro deles, obtém-se um total de 146 automóveis. Calculando três vias
principais de acesso para a referida cidade, contamos com o seguinte: uma frota móvel
flutuante e diária de 200 veículos, mais ou menos. Uma frota móvel própria que sai e
entra na proporção de 1/10, quer dizer, 100 veículos, mais ou menos. E outros 100 car-
ros da frota móvel entrando e saindo, em conseqüência, nesse dia, do maior fluxo de
caçadores. Isso nos leva a um total de 400/3 = 133 veículos que circularam diante dos
guarda-civis. O fator de probabilidade que primeiro surge é este: quantos desses 113 carros
poderiam levar caçadores? O cálculo nos dá um total de 0,3659. Em segundo lugar, que
probabilidade existe de que o "caçador" saia esse dia à caça e, além disso, passe pelo
controle da Guarda Civil? Probabilidade de que saia: 2/3. Probabilidade de que passe
pelo controle: 1/3 (vias de acesso). Probabilidade conjunta: 2/3 . 1/3 = 2/9 = 0,22.
Em terceiro lugar, que probabilidade existe de que o carro em que viaja seja controlado-
interceptado?: 1/133 = 0,0075, no caso de que somente fosse interceptado um carro
durante todo o serviço. Em quarto lugar, que probabilidade há de que seu pedido de
ajuda seja atendido por um dos guarda-civis?: 1/2 = 0,5 e 1/127 = 0,0078. Em quinto
lugar, que probabilidade há de que " o caçador" conheça a testemunha?: 1/14000 =
0,0000714. O que corresponde, mais ou menos, a 1/50 000 000." (N. A.)

104
Manuel Trejo, mostrando
o "desenho-robô"
do humanóide que viu
na estrada de Zafra.
A testemunha tinha então
3 7 anos de idade.
(Foto de J. J. Benitez.)

J. J. Benitez fotografando Manuel Trejo Rodrigues, na estrada


que liga Zafra e Burguillos dei Cerro. (Foto de J. L. Barturen.)

mimIéBÉJÊ
em cinqüenta milhões. Se c o m s e m e l h a n t e desfile de zeros u m a
pessoa ainda continua c o m os olhos v e n d a d o s é que "não é deste
mundo", c o m o dizia o tio Eusébio, o de Vegas.
S e n t i n d o - m e c o m o que t o c a d o pelo g o r d u c h o e b a r b u d o ve-
lhinho do Natal, fui bater à porta de Manuel Trejo Rodriguez, e m
Zafra. O h o m e m , amável c o m o só ele, mostrou-se, c o m o eu espe-
rava, surpreendido. Catorze a n o s se haviam p a s s a d o d e s d e aque-
le n o v e m b r o de 1968 e d u r a n t e t o d o esse t e m p o seu silêncio fora
total. Circunstância que d e p u n h a significativamente, aliás, em fa-
vor da autenticidade do caso, c o m o s a b e m muito b e m os pesqui-
sadores da ufologia.
Pois b e m , aqui está, em primeira mão, seu encontro c o m o
estranho p e r s o n a g e m e a l g u m a coisa mais...
"Naquela noite, pelas oito horas, tomei m e u automóvel, u m
Citroen, e, c o m o de hábito, dispus-me a ir até o vizinho p o v o a d o
de Burguillos dei Cerro, a dezesseis quilômetros de Zafra, na di-
reção de J e r e z de los Caballeros. Por aquela época, e m b o r a sol-
dador de profissão, dedicava-me t a m b é m ao transporte de carvão
m i ú d o próprio para ser utilizado e m braseiros antigos. E essa era
a minha intenção: apanhar u m a carga de sacos de carvão e m Bur-
guillos e voltar para casa.
"Lembro-me de que chovia e de que encontrei a l g u m a s áreas
de nevoeiro. A coisa de quatro ou cinco quilômetros de Zafra, e m
u m a curva, o carro apresentou alguma coisa de estranho. Deu u m
solavanco e, então, luzes e m o t o r e n t r a r a m e m pane. Era inexpli-
cável, pois o carro estava e m perfeitas condições. Aí, então,
moveu-se c o m o se o e m b a l a s s e m . O problema foi passageiro. Re-
cuperei logo o e m p u x o e as luzes e, intrigado, continuei a viagem
f o r j a n d o hipóteses acerca do que havia sucedido.
"Levei duas horas para c o m p r a r e carregar os quinze ou de-
zesseis s a c o s de carvão na capota e no interior do Citroen. E ini-
ciei a viagem de regresso a Zafra. As 2 2 h 5 0 atingi u m a curva bas-
tante pronunciada, de uns trinta graus. Rodava em terceira, à ve-
locidade de quarenta ou cinqüenta quilômetros por hora e c o m
os faróis de distância. A uns trezentos m e t r o s mais ou m e n o s dali
divisei, à direita da estrada, à m a r g e m da valeta, um indivíduo que
a princípio confundi c o m u m e l e m e n t o da Guarda Civil. Daí a se-
g u n d o s o carro voltou a falhar. E, entre solavancos, entrou de no-
vo e m p a n e . Fiquei s e m luzes e então tirei o pé do acelerador.
Assim q u e passei pelo h o m e m — talvez a vinte m e t r o s — t u d o
voltou ao normal. Desta vez, apesar do susto, resolvi parar. E fui-
m e aproximando da m a r g e m , até ficar b e m perto do estranho per-
s o n a g e m . Desci, mas, para minha surpresa, ele havia desapareci-
do..."
C o m o de hábito e m casos assim, "misteriosa e inexplica-

106
velmente", e n q u a n t o durou a experiência Manuel Trejo não cru-
zou c o m u m único veículo.
"... C o m o era o indivíduo? Essa i m a g e m eu a conservo gra-
vada em fogo. Passei ao seu lado, c o m o é natural, e suficiente-
m e n t e devagar para reter detalhes. Não era tão alto c o m o diziam
os jornais. Pareceu-me normal: entre 1,70 e 1,80 m. Estava de fren-
te para o automóvel. As pernas e r a m unidas e os b r a ç o s p e n d i a m
ao longo do corpo. Vestia u m traje cinturado, c o m o o d o s mergu-
lhadores, c o m n u m e r o s a s luzinhas vermelhas, verdes e azuis. Ina-
creditável. Eu diria que as luzinhas tinham o t a m a n h o de u m a len-
tilha. Talvez m e n o s . Parecia u m a árvore de Natal... E ao chegar
rente a ele notei que a sua luminiscência a u m e n t a v a de intensi-
dade. A cabeça e as mãos, entretanto, estavam na s o m b r a . As fei-
ções e os cabelos, escuros, n ã o m e c h a m a r a m a atenção. E r a m
c o m o os nossos. O c o m p r i m e n t o dos cabelos, isso sim, era fora
do normal. Q u a n t o aos dedos, dava para percebê-los perfeitamen-
te. Talvez usasse luvas, não sei... Os p é s eram pretos e brilhavam.
Calçava a l g u m a coisa s e m e l h a n t e a botas.
"Não estou certo m a s creio que q u a n d o m e coloquei ao seu
lado ele se moveu ligeiramente. Não desejo essa experiência a nin-
guém. Passei m e d o , sim senhor."
Como bom mecânico, assim que voltou para casa teve a preo-
cupação de revisar a f u n d o o carro. Nem u m só defeito. Cima vez
fora da "zona de influência" do "luminoso caminhante", tudo fun-
cionou perfeitamente. Na noite seguinte, ao fazer o m e s m o per-
curso, o Citroen não acusou alteração alguma. Nem na primeira,
n e m na s e g u n d a curva. Então a c o n f u s ã o de Manuel Trejo aumen-
tou. As "surpresas" não haviam a c a b a d o . Duas noites depois do
encontro c o m o inusitado "papai noel", Manuel passava de novo
pela experiência e pelo susto, no seu trabalho de transporte de
carvão.
"Pelas onze horas dessa noite" — explicou ele — "deixei Bur-
guillos c o m outro c a r r e g a m e n t o . Q u a n d o havia rodado uns du-
zentos metros, coisa rara, parei o automóvel. Ali, à esquerda da
estrada, existe u m a fonte. Bebi c o m prazer e ainda enchi u m a gar-
rafa."
Perguntei-lhe o q u e queria dizer c o m o "coisa rara" e ele res-
p o n d e u s e m hesitação:
"Homem, o lógico é que eu tivesse t o m a d o água na aldeia,
a n t e s de partir. Além disso, por que subir no carro c o m as m ã o s
m a n c h a d a s de carvão e deter-me a duzentos m e t r o s ? Pois foi o
que fiz. E, e n q u a n t o m e lavava, surgiu u m a luz e m cima da serra
que se e r g u e do lado oeste. Senti m e d o . Aquela luz, c o m o nácar,
não era normal. Não se ouvia o m e n o r ruído. Deslocou-se sobre
os m o n t e s e, a p ó s três ou quatro minutos, voltou ao p o n t o ini-

107
ciai, o n d e a havia visto pela primeira vez. Foi c o m u m e s t r a n h o
d e s a s s o s s e g o q u e m e meti no Citroen e arranquei na direção de
Zafra. Essa foi outra. Não sei explicar por q u e não dei meia-volta
e m e refugiei e m Burguillos.
"Aos p o u c o s fui-me a c a l m a n d o . A luz d e s a p a r e c e u e d u r a n t e
os sete primeiros quilômetros nada mais se passou. Mas, ao subir
ao porto de Alconera, enxerguei-a de novo à minha direita. E desta
vez q u a s e se m e t e em cima do carro. O Citroen r e s p o n d e u b e m .
Q u a n t o a mim, não posso dizer o m e s m o . Eu tremia todo, dos
pés à cabeça. Ao atingir o porto m e detive. E aquele objeto parou
no ar, a cinqüenta metros, obliquamente ao carro. Através do pára-
brisa, a visibilidade era perfeita. Lembrava a f o r m a de u m limão
partido ao meio. Teria uns seis m e t r o s de diâmetro e brilhava c o m
um branco intenso. S e m e l h a v a u m 'tripé' e tinha u m a porção de
tubos de e s c a p a m e n t o distribuídos ao longo da circunferência, se-
p a r a d o s entre si cerca de 2 5 ou 30 centímetros. Não creio q u e su-
p e r a s s e m os 15 ou 20 cm d e longitude..."
De a c o r d o c o m a fórmula da extensão de circunferência, e
se Manuel Trejo não estava errado em seus cálculos, do ovni "pen-
d i a m " cerca de setenta " t u b o s de e s c a p a m e n t o " .
"Digo q u e seriam t u b o s de e s c a p a m e n t o p o r q u e p r o j e t a v a m
fogo. (Jmas c h a m a s c o m o as de maçarico. E m o c i o n a d o , nervo-
so, assustado, só m e ocorreu fazer-lhe sinais c o m as luzes do car-
ro e ficar ali a b o b a l h a d o . Dentro de uns m o m e n t o s , e m m e i o a
u m forte silvo, aquela intrigante coisa c o m e ç o u a mover-se e de-
sapareceu no céu, fazendo-se p e q u e n a c o m o u m a estrela. Não sei
se terá importância para u m pesquisador c o m o tu. O certo é q u e
e n q u a n t o eu observava o f e n ô m e n o m e u s olhos c o m e ç a r a m a la-
crimejar. E a irritação durou a l g u m a s horas. C o m o seria possível
se n e m saltei do carro?"
Manuel Trejo — a p o s t o o p e s c o ç o — receberá completa res-
posta, a esta e a outras perguntas, q u a n d o , a partir da publicação
deste livro, venha a ser a b o r d a d o pelos "acólitos" e outros "vam-
pirizados" a serviço d o s ufólogos "de salão". E o mais provável
é que o veredicto final d e s s e s d o u t o s aspirantes ao Prêmio No-
bel, sobre o p e r s o n a g e m q u e cruzou o c a m i n h o do m o r a d o r de
Zafra, n ã o seja diferente do já m e n c i o n a d o há t e m p o pelo "repe-
lente rapazinho Vicente" da ufologia espanhola. C o m e n t a n d o os
casos de e n c o n t r o s c o m tais figuras solitárias, o valenciano saiu-
se c o m a seguinte s e n t e n ç a : "...Cremos q u e mais p r o p r i a m e n t e
devem ser t o m a d a s c o m o 'aparições' de natureza diferente, pro-
vavelmente de raiz psicológica."
C o m o tinha razão De Bonald ao dizer que "a p r e s u n ç ã o n ã o
exclui o talento, m a s o c o m p r o m e t e " . Eu não sabia que uma "apa-
rição de raiz psicológica" — caso do "papai noel" de Zafra — fos-
se capaz de "apagar" u m carro e deixá-lo "à deriva"... E que dizer

108
Desenho do humanóide de Zafra,
segundo a descrição da testemunha.
Embaixo, a assinatura de Manuel Trejo.
À direita, um esquema do ovni visto
pelas testemunhas.

Victor Sierra Moreno, atualmente


comandante de posto no quartel da
Guarda Civil de Zalamea de la Serena.
(Foto de J. J. Benitez.)
do relógio Avanti-Crom que a testemunha levava e que, exatamen-
te ao p e n e t r a r no raio de ação do h u m a n ó i d e — perdão, da "apa-
rição psicológica" —, se declarou em greve, p a r a n d o às 2 2 h 5 0 ?
E já que e s t a m o s no terreno da ironia, r e c o m e n d o aos jovens
p e s q u i s a d o r e s que c o m p a r e m estas declarações da t e s t e m u n h a
com a "notícia" publicada e m 1978 pelos "ufólogos de salão". Co-
m o é possível q u e estes "rigoristas" da ufologia se a v e n t u r a s s e m
a lançar s e m e l h a n t e estultícia? Nas m e n c i o n a d a s oito linhas che-
guei a contar sete contradições: a t e s t e m u n h a não estava no qui-
lômetro 3 da rodovia Zafra-Huelva; a "forma h u m a n a " não estava
a trinta m e t r o s de distância e não tinha dois metros; seus braços
rão eram a n o r m a l m e n t e longos; as roupas não eram verdes e fos-
forescentes; a cara não era u m a m a n c h a preta; e não se ouviu u m
s o m c o m o o de u m furacão... Moralidade e "aviso aos jovens na-
v e g a n t e s da ufologia": "o diabo é mais diabólico q u a n d o parece
respeitável".
Nessa m e s m a noite do encontro c o m o "papai noel", o senhor
Trejo encontrou-se no bar de Enrique Hernández, e m Zafra, c o m
um a m i g o e companheiro de trabalho. Realmente o m u n d o é mes-
m o muito pequeno... Pois não é que o c o n t e r r â n e o e vizinho —
Manuel Morán — t a m b é m havia sido t e s t e m u n h a da aterrissagem
de u m ovni... p o u c o s dias antes? Q u a s e c o m certeza, Morán foi
o primeiro a saber da terrível experiência vivida por Trejo.
"...Lembro que Manuel Trejo" — c o m e n t o u c o m e m o ç ã o —
"caiu no choro. Estava m o r t a l m e n t e assustado. E t a m b é m foi u m a
casualidade que nessa noite fosse encontrar-se comigo... Acredi-
tei nele, c e r t a m e n t e . Dias a n t e s — em 12 de o u t u b r o —, m e u fi-
lho Manuel, um sobrinho (Alvaro Morán), E d u a r d o Ortiz, um vizi-
nho, e eu tivemos a sorte de ver um d e s s e s objetos. Aconteceu
ao redor de meia hora depois da meia-noite. Os rapazes o viram
primeiro. Caminhavam pela estrada e observaram u m grande res-
plendor. Deram-nos u m aviso e então s u b i m o s ao terraço desta
m e s m a casa. E, efetivamente, a uns q u i n h e n t o s metros, sobre a
área o n d e se ergue a ermida de Belém, luzia um disco, intensa-
m e n t e luminoso, impressionante. Ali p e r m a n e c e m o s algum tem-
po, perplexos, até que os jovens, e m sua inconsciência, propuse-
ram descer e caminhar até o lugar. 'Se não c o n h e c e r e s o cão' —
adverti-os — 'não lhe t o q u e s a orelha.' Mas n ã o d e r a m ouvidos
ao m e u conselho. Então saí c o m eles. Eduardo, se não m e enga-
no, ficou em Zafra. E eu e os d e m a i s f o m o s c a m i n h a n d o em dire-
ção ao c a m p o sobre o qual planava o artefato.
"Curioso, ele não emitia ruído algum. E ao alcançar u m a bi-
furcação apagou-se e desapareceu. Eu voltei a sugerir que regres-
s á s s e m o s , m a s os rapazes, e n t u s i a s m a d o s e s e m m e d o , decidi-
ram c a m i n h a r até a ermida. Então, a coisa de uns trezentos me-

110
tros, ele a p a r e c e u de novo e dessa vez p o u s a d o no solo. Os cães
das chácaras d o s arredores c o m e ç a r a m a uivar. Era c o m o se ge-
m e s s e m . C h e g a m o s a p r o x i m a d a m e n t e a uns duzentos m e t r o s do
objeto. Podia ter u n s dez m e t r o s de diâmetro. Sua f o r m a era de
uma meia laranja, m a s alongada. Na realidade era u m a m a s s a es-
cura, c o m muitas luzes coloridas na borda superior. U m a s e r a m
violetas, outras vermelhas, a l g u m a s azuis, e giravam. O silêncio,
com exceção dos ganidos e de u m intenso zumbido (não sei se
produzido pelos c a b o s elétricos ou telefônicos), era inquietante.
Estávamos a u m a distância de duzentos metros, já, q u a n d o o ob-
jeto de novo apagou-se e d e s a p a r e c e u . Aí decidimos voltar. Mas
logo depois ele tornou a aparecer, desta vez um p o u c o mais afas-
tado (coisa de trezentos metros), e ainda em terra. Aí decidimos
nos separar e contorná-lo. Foi inútil. No m e s m o instante esfumou-
se pela terceira vez. E não v o l t a m o s mais a vê-lo."
A aventura desse grupo se prolongaria por q u a s e três horas.
Mas não foram os únicos a vê-lo. Na localidade próxima de Bur-
guillos dei Cerro a l g u m a s pessoas reunidas no cassino observa-
ram t a m b é m as singulares evoluções de um ovni de característi-
cas s e m e l h a n t e s .
A nave — ou q u e m sabe as naves —, positivamente, havia
feito u m "passeio" pela região.
Por especial complacência para c o m o leitor — q u e s u p o n h o
adulto e c o m p l e t a m e n t e preparado para tirar conclusões próprias
sobre os a c o n t e c i m e n t o s de que trato neste trabalho —, suprimi
detalhes no caso "Zafra". Por que c o m e n t a r o que se i m p õ e por
si m e s m o ? Q u e o senhor Trejo teve ao seu lado u m a entidade fí-
sica e "não h u m a n a " está evidente. Q u e as avarias no seu carro
e no seu relógio de pulso foram p r o v o c a d a s por aquele ser ou pe-
la nave que, q u a s e c o m toda a certeza, se achava nas proximida-
des, p o u c o importa. E t a m b é m não deve constituir p o n t o de dis-
cussão a a p r o x i m a ç ã o do ovni na s e g u n d a noite. Não será hora
de c h a m a r ao pão, pão, e ao queijo, queijo? Em 1968, do m e s m o
m o d o que na atualidade, não havia u m a só potência mundial que
dispusesse de a r m a s ou transportes c o m o os descritos pelo mo-
rador de Zafra. Por que, então, os sofismas e as frases afetadas?
E m recente congresso de ufologia celebrado em Madri, vá-
rios dos participantes, alguns muito jovens, c h e g a r a m à conclu-
são de que o f e n ô m e n o ovni "obedecia a u m a m a n i p u l a ç ã o total
do tipo sociológico". E estes "rapazes", que se a u t o p r o c l a m a m
a "terceira g e r a ç ã o ufológica", profetizaram s e m rubor: "isso nos
permite prever, já, o fim da história dos ovnis". O n d e já ouviu al-
g u é m coisas tão insensatas? "Manipulação sociológica"? T a m b é m
em Zafra, c o m u m "papai noel" na estrada e u m artefato no ar?
Não soa a p e d a n t i s m o e despropósito? Principalmente levan-

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do-se em conta que se t o m o u c o m o cobaia u m m o d e s t o e solitá-
rio vendedor de carvão que m a n t e v e a boca fechada d u r a n t e ca-
torze anos. E " m a n i p u l a ç ã o " por parte de q u e m ? Se isso foi u m
"experimento sociológico" eu sou a Sofia Loren...
O que de fato m e parece digno de reflexão nos "encontros"
vividos por Manuel Trejo — e aqui toco o f u n d o do p r o b l e m a —
é o " c o m p o r t a m e n t o " destes seres. E m parte, é c o m o chover no
molhado. Q u e fazia esse "ser" às 2 2 h 5 0 e m u m a estrada deserta
e j u s t a m e n t e no m o m e n t o e m que circulava solitariamente o mo-
rador de Zafra? "Casualidade", dirão os céticos. E n ã o será "ca-
sualidade" d e m a i s que, d u a s noites depois dessa, o m e s m o cida-
dão, no m e s m o local, na m e s m a hora, c o m o m e s m o carro, tenha
sido a c o m p a n h a d o por u m ovni? Chega de capciosismo. C o m o
dizia o a b a d e Galiani: "A casualidade é a mais férrea das leis que
o h o m e m enfrenta. Seu significado nos escapa por falta de dados."
Outra coisa muito divertida: o caso "Zafra", c o m o veremos,
acabou por converter-se em u m b u m e r a n g u e por deixar e m m á
posição, u m a vez mais, os ufólogos "de salão" e s e u s testas-de-
ferro. Explico-me. No a n o de 1977, o e n t ã o repórter J . J . Benitez
investigava e divulgava u m a aterrissagem ovni, c o m saída de tri-
pulantes, na localidade biscainha de Baracaldo. Até aí, tudo nor-
mal. Mas, por u m d e s s e s caprichos do Destino, u m d o s "vampiri-
zados", residente e m Bilbao, recebeu o r d e m de "reinvestigar" o
a s s u n t o e enviar seu informe à "cúpula" d o s ufólogos de "salão".
Durante as pesquisas que realizei ocorrera u m a circunstância re-
lativamente c o m u m em ufologia: as t e s t e m u n h a s decidiram ocul-
tar seus n o m e s . E eu, fiel à m i n h a norma, respeitei-lhes a vonta-
de. Pois isso deu p a n o para m a n g a s . O s t e n t a n d o medíocre pre-
p a r a ç ã o policial, o "testa-de-ferro" não foi capaz de localizar u m a
só das t e s t e m u n h a s . Conclusão dos "vampiros": "Se as s u p o s t a s
t e s t e m u n h a s não a p a r e c e m é p o r q u e não existem. Pode ser que
tudo não p a s s e de teatro." A essa conclusão dedicarei u m a s pala-
vrinhas d e p o i s da exposição do caso Baracaldo.
É b e m certo que o peixe m o r r e pela boca. Apesar dos m u i t o s
a n o s transcorridos s e m que o senhor Trejo p u d e s s e ser localiza-
do, não ocorreu a n e n h u m dos "vampiros" "desqualificar" o caso
Zafra, atribuindo-o a u m a peça teatral explorada pela imprensa.
Tudo teria sido diferente se, em lugar de ficar dormitando em uma
"terra de ninguém", o episódio tivesse levado a assinatura deste
"adventício ufológico" que lhes fala. Nesse pressuposto, se Ma-
nuel Trejo, c o m o os p r o t a g o n i s t a s de Baracaldo, houvesse insis-
tido no anonimato, minha sorte teria sido diferente. Desta vez, to-
davia, eles levaram a pior, os ufólogos "de salão"...
Mas a n t e s de continuar d e s m a s c a r a n d o estes fariseus, devo
dar completa notícia do que s u c e d e u n a q u e l e 2 9 de outubro de

112
1 9 7 6 e m c e r t o t e r r e n o n a s i m e d i a ç õ e s d o c e m i t é r i o d e Baracal-
do. A investigação realizada j u n t o às d u a s t e s t e m u n h a s principais,
a u m a terceira — a v ó d e u m a d e l a s —, no local, e m l a b o r a t ó r i o s
e ainda j u n t o a o u t r o s m o r a d o r e s d a m e s m a p o v o a ç ã o biscainha,
d e u o s e g u i n t e r e s u l t a d p , d i v u l g a d o p a r c i a l m e n t e e m 5 d e janei-
ro de 1977 n o d e s a p a r e c i d o jornal La Gaceta dei Norte:
"O c a s o se d e u p o u c o a n t e s d a s oito e m e i a d e s s a t a r d e . Seis
m e n i n o s j o g a v a m n a s i m e d i a ç õ e s d e u m t e r r e n o m u r a d o existen-
te e n t r e a rua Rosário e o colégio S a n Ignacio Gorostiza, a curta
distância d o c e m i t é r i o .
" P a s s á v a m o s no m o m e n t o pela porta d o cemitério, m u i t o pró-
x i m o da igreja d e S a n Vicente. De r e p e n t e o u v i m o s u m ruído in-
sólito, c o m o o d e u m r e c e p t o r d e televisão q u a n d o s e avaria e faz
n é v o a . Aí v i m o s aquilo q u e baixava. Era u m a p a r e l h o p a r e c i d o
c o m u m a c a b i n a telefônica. Mas só n ó s o p e r c e b e m o s . O s o u t r o s
c o n t i n u a v a m j o g a n d o . Intrigados, a p r o x i m a m o - n o s da e n t r a d a d o
terreno. E dali, a u m a distância d e trinta m e t r o s , a p r o x i m a d a m e n -
te, p r e s e n c i a m o s a c e n a .
"A c a b i n a foi p o u s a r por trás d e u n s a r b u s t o s . Tinha b a s t a n t e
altura: m a i s de três m e t r o s . Na p a r t e inferior tinha três patas. Lan-
çava u m a luz b r a n c a e v e r m e l h a p e l o s q u a t r o lados. Mas n ã o dis-
t i n g u i m o s focos, n e m pilotos. A l u m i n o s i d a d e saía p o r t o d a par-
te e d e u m a vez. E n t ã o abriu-se u m a portinhola ovalada — p a r a
d e n t r o — e o interior surgiu, i l u m i n a d o c o m u m a cor v e r m e l h o -
f o g o . E s a í r a m dois ' h o m e n s ' . Primeiro m o s t r a r a m a c a b e ç a . De-
pois, o c o r p o . P a r e c i a m j o g a d o r e s d e bola a o cesto. E r a m m u i t o
altos. S e g u r a m e n t e p a s s a v a m d e dois m e t r o s . Vestiam-se c o m o
os 'homens-rãs', c o m trajes pretos, m a s s e m a risca amarela, e c o m
c i n t u r õ e s m u i t o brilhantes, d e u n s quinze c e n t í m e t r o s d e largura
afivelados a c i m a d o u m b i g o . C o m m o v i m e n t o s lentos c a m i n h a -
r a m e m direção a u m d o s m u r o s do terreno. Aí c o m e ç a m o s a sentir
m e d o . Mas a c u r i o s i d a d e foi m a i s forte. Deles a p e n a s v í a m o s o s
olhos. Brilhavam c o m o d i a m a n t e s . Não c o n s e g u i m o s ver n a d a
mais, pois os c o r p o s e s t a v a m c o m p l e t a m e n t e c o b e r t o s p e l a s rou-
pas. Ao a l c a n ç a r o m u r o , s i t u a d o a u n s três m e t r o s da c a b i n a , u m
d e l e s o a p a l p o u s u a v e m e n t e . Depois b a t e u nele três ou q u a t r o ve-
zes c o m força. As m ã o s t a m b é m e r a m pretas. P a r e c i a m u m a es-
p é c i e d e luvas d e ferro. Nisso, p a r e c e q u e p e r c e b e r a m n o s s a pre-
s e n ç a e n o s o l h a r a m . Mas n ã o n o s d e r a m n e n h u m a i m p o r t â n c i a .
R e t r o c e d e r a m p a r a o c e n t r o d o t e r r e n o e, q u a n d o h a v i a m d a d o
u n s dez ou d o z e p a s s o s , refizeram o c a m i n h o e m d i r e ç ã o a o mu-
ro. Aí u m d e l e s a p a n h o u u m a e s p é c i e d e bolsa q u e trazia à cintu-
ra, n o flanco e s q u e r d o , e tirou dela u m a p a r e l h o estreito e longo,
a o estilo d o s a c e n d e d o r e s d e f o g õ e s a gás, u m "magiclic". Pres-
t a m o s m u i t a a t e n ç ã o . O s dois t r a z i a m b o l s a s iguais e na m e s m a

113
posição. Mas só u m tirou o instrumento, j u s t a m e n t e o que havia
testado c o m s e u s golpes o m u r o . E s t e n d e u o braço. No m e s m o
instante o u v i m o s u m ruído, c o m o o de u m a mola q u a n d o salta.
E um raio verde escuro atingiu o m u r o . A área de saída do 'raio'
era delgada, mas, à medida que se distanciava do instrumento,
o magiclic, ia engrossando, até chegar a uns quarenta ou cinqüenta
centímetros. Isso durou alguns m o m e n t o s . De vez em q u a n d o nos
olhavam, c o m o que desconfiados.
"Logo m a i s o raio m u d o u de cor. Fez-se branco e depois de-
sapareceu. O indivíduo então guardou o aparelhinho na bolsa. E
c o m isso p r a t i c a m e n t e se 'despediram'. Devagar, n a q u e l e seu an-
dar lento, voltaram à cabina, Um m e t e u primeiro a cabeça e de-
pois o resto do corpo. O outro esperou u n s s e g u n d o s , vigilante,
e a seguir fez a m e s m a m a n o b r a . Nesse m o m e n t o d e i x a m o s de
observá-los e, m o r t o s de m e d o , d i s p a r a m o s dali."
S e g u n d o os parentes, a m b o s os m e n i n o s entraram e m casa
"muito assustados, pálidos e t o m a d o s de grande excitação". Um de-
les apresentava borbulhas no peito, nas costas e mãos. Na m a n h ã
seguinte, todavia, as manchas vermelhas haviam desaparecido. Essa
t e s t e m u n h a confidenciou à sua avó o que acabara de presenciar.
E no dia seguinte — 3 0 de o u t u b r o — a mulher e o neto foram ao
local e comprovaram a existência de um e m b a ç a m e n t o e de u m a
zona q u e i m a d a no muro, assim c o m o u m a árvore desgalhada e u m
trecho de vegetação em q u e as moitas estavam e s m a g a d a s .
Nesses m e s m o s dias — s e g u n d o p u d e averiguar a n t e s que
viesse a público a r e p o r t a g e m —, vários m o r a d o r e s de Baracaldo
f o r a m t e s t e m u n h a s da presença nos c é u s de u m e n o r m e objeto
discóide que c h e g o u a fazer evoluções a p o u c o mais de trezentos
m e t r o s do solo.
Q u a n d o , e m novembro, este "fazedor de teatro" teve notícia
da ocorrência, apressou-se, c o m o é natural, a interrogar as teste-
m u n h a s , visitando e m seguida o terreno. E p u d e ver c o m m e u s
olhos os destroços na árvore, o e s m a g a m e n t o da g r a m a e o em-
b a ç a m e n t o do muro, que abarcava u m trecho de 1,15 m de altu-
ra por 0 , 7 5 m na parte mais larga. Curiosamente, por mais q u e
eu procurasse, debaixo do e m b a ç a m e n t o não restava n e n h u m re-
vestimento. Manchada, a área apresentava sinais inequívocos de
c h a m u s c a m e n t o . Ainda que sujo e descolorido, o m u r o não mos-
trava vestígios c o m o aqueles e m n e n h u m a das d e m a i s zonas de
e m b a ç a m e n t o que apresentava, todas m e n o r e s e, obviamente, de
origem muito diferente. Q u a n t o à árvore — cuja fotografia ilus-
tra estas páginas —, havia sido reduzida s e m piedade: a m e t a d e
dos seus r a m o s estava no solo.
Apesar da minha f a m a de fazer teatro, tratei de conduzir as
pesquisas d i g n a m e n t e . Além de interrogar as t e s t e m u n h a s sepa-

114
A árvore sobre a qual desceu a
" c a b i n a t e l e f ô n i c a " em u m solar
de Baracaldo. A metade da sua ramagem
foi derrubada.
(Foto de Gras.)

HAPAGTO SOBRE IA TAP/A

O lugar da aterrissagem
do ovni em Baracaldo.

Uma das testemunhas


mostrando a raspagem feita
pelos seres no muro. Convém
assinalar que a difusão desta
f o t o , graças à sua reduzida
qualidade técnica, não
comprometeu, na ocasião
( 1 9 7 7 ) , e menos ainda na
atualidade, o desejo da
testemunha de permanecer no
anonimato.
radamente, e mais de u m a vez, e de preparar u m informe acerca
da "estabilidade emocional e psicológica" d o s meninos, de s e u s
costumes, predileções, etc., t o m e i a elementar p r e c a u ç ã o de
munir-me de t o d o tipo de amostras: r a m o s desfolhados, folhas,
cascas, p e d a ç o s da árvore sacrificada pela "cabina", g r a m a e er-
vas d a n i n h a s p r e s u m i v e l m e n t e e m contato c o m o objeto e u m a
sacola repleta de restos d o s tijolos e do m u r o c h a m u s c a d o . Esse
material foi p o s t o à disposição de três laboratórios: dois da uni-
versidade e outro de u m a faculdade de engenharia.
Os resultados dos e x a m e s f o r n e c e r a m u m a informação mais
do que interessante, q u e vinha corroborar o que já se sabia: "algo
estranho havia sucedido n a q u e l e terreno baldio de Baracaldo".
Mas — e isso os "vampiros" t a m b é m ignoram —, c o n s i d e r a n d o
que u m a cópia das análises caiu no poder do serviço de inteligên-
cia militar, t o m o a liberdade de adiar sua divulgação. E m futuro
próximo o farei, e m trabalho intitulado "os ovnis e os militares".
A gravidade do assunto o m e r e c e .
Entretanto, c o m o acho que seria desconsideração deixar o lei-
tor com água na boca, aí vão duas pinceladas sobre o que os cien-
tistas descobriram:
"1. Nos r a m o s s e c i o n a d o s da árvore — cujo corte se regis-
trou e m sentido d e s c e n d e n t e —, as p r o s p e c ç õ e s ao microscópio
detectaram partículas de natureza metálica, procedentes, s e m dú-
vida, do a g e n t e responsável pelo s e c i o n a m e n t o da árvore. E gran-
d e m e n t e estranhável que na c o m p o s i ç ã o de tais partículas apare-
ç a m (...)
"2. Com respeito às análises realizadas nas p e ç a s vegetais,
o grau de d e s s e c a ç ã o supera os 8 5 por cento, s e m que se possa
atribuir, a julgar pela estrutura e o estado dos c o m p o n e n t e s quí-
micos d e s s e s vegetais, à ação do f o g o e sim a u m a fonte de apre-
ciável calor..."
A perspicácia do leitor terá intuído a realidade. "Algo", sim,
m a s não precisamente de "raiz psicológica", ceifou m e t a d e da ár-
vore — de cima para baixo — e deixou sua " p e g a d a " em nível
microscópico. E os "vampiros" a r g u m e n t a r ã o : "Tudo muito lógi-
co. Os p e q u e n o s baracaldenses treparam na copa (a cinco m e t r o s
de altura), f o r a m cortando os r a m o s e, de p a s s a g e m , para con-
fundir o "fazedor de teatro", f o r a m d e p o s i t a n d o entre os interstí-
cios da madeira dezenas de partículas metálicas microscópicas
cuja liga a NASA gostaria muito de possuir..."
Lastimo não poder revelar os n o m e s dos meninos. Seriam sé-
rios c a n d i d a t o s ao Prêmio Nobel...
C o m o vemos, o " b u m e r a n g u e Zafra" colocou as coisas e m
seus lugares. Que eu silencie a identidade de uma testemunha não
quer dizer que o caso seja fruto da minha imaginação. E m m e u s

116
arquivos existe neste m o m e n t o tal q u a n t i d a d e de casos de ovnis
que, s e m exagero, precisaria de dez a n o s para os divulgar a to-
dos. Q u e n e c e s s i d a d e t e n h o eu de "inventar"? O encontro de ter-
ceiro grau de Baracaldo foi tão real c o m o falaciosa a insinuação
publicada pelos "testas-de-ferro" d o s ufólogos "de salão". 3
d m desses indivíduos — L. H. Franch 4 —, referindo-se aos me-
ninos de Baracaldo, encerrou o rosário de sandices lançadas contra
o caso com u m a idéia f u n d a d a no maior "rigor e seriedade científi-
cos". "Os t e s t e m u n h o s infantis" — sentenciou essa lúcida m e n t e
— "não t ê m »suficiente consistência para sustentar por si m e s m o s
a veracidade de u m caso." Q u e o digam as "crianças de Fátima"...

3. Em 20 de maio de 1985 o jornal La Gaceta dei Norte, de Bilbao, publicava uma


carta, assinada por Luis A. Gámez e Juan N. Gascon, na qual se atiravam as seguintes
"maravilhas" a este "fazedor de teatro": "Esse digno jornal La Gaceta dei Norte, em
sua edição número 26 247, da quarta-feira 5 de janeiro de 1977, sob o título "Aterrissa-
gem de um ovni?", publicava uma crônica firmada por J. J. Benitez, segundo a qual
um OVNI e seus ocupantes haviam sido vistos por alguns meninos em um incerto terre-
no baldio das proximidades do cemitério de Baracaldo (Vizcaya).
"Em nosso empenho por investigar esse mistério e obter sua comprovação, deci-
dimos fazer contato com o responsável pela notícia, a fim de que nos facilitasse a locali-
zação das testemunhas e pudéssemos assim reinquiri-las e contar com um testemunho
fidedigno. Nosso pedido ao jornalista Benitez foi feito pelo telefone e por escrito, sem
que até hoje esse senhor nos fornecesse a informação. Todavia, como a notícia também
havia sido publicada em uma revista mexicana pelo mesmo jornalista, desta feita ilus-
trada pela fotografia de uma das pequenas testemunhas do evento, fomos até o local
do acontecimento para averiguar o que em realidade havia ali ocorrido anos atrás. Lo-
calizamos o terreno do bairro de San Vicente onde se deu o ocorrido e interrogamos
pessoas da zona que lá moram há muitos anos. Curiosamente, ninguém, nem sequer
uma professora a quem mostramos a fotografia do menino, soube fornecer-nos qual-
quer dado em relação às testemunhas. Vendo que não podíamos chegar a um conheci-
mento direto dos fatos, uma vez que ninguém conhecia as testemunhas, perguntamos
à gente das imediações do terreno, em nossa visita, se haviam tido notícia do caso. A
maioria dos inquiridos ignorava que houvesse acontecido algo parecido no bairro. Só
uma pessoa, o dono de uma marmoraria próxima, disse-nos que havia sabido do acon-
tecimento graças a uma notícia de jornal. Isso causou-nos estranheza, já que a região
apresenta notável densidade. Além do que, o dono da marmoraria disse-nos que se real-
mente houvesse ocorrido aquilo todo o bairro teria tido conhecimento. Estas gestões fo-
ram realizadas em meados de 1983, sem que até hoje se haja podido progredir na inves-
tigação, dada a falta de ajuda de Benitez e o anonimato das supostas testemunhas.
"Categoricamente, consideramos que existe uma grande porcentagem de probabi-
lidade de que tudo não passa de teatro; uma brincadeira ideada pelas crianças ou mes-
mo por terceiras pessoas, cujo objeto seria o jornalista que divulgou os acontecimentos."

4. Este bom senhor — Deus o tenha em sua glória — protagonizou em 1983 o pri-
meiro processo da história da Espanha com os ovnis como pano de fundo. Na sistemáti-
ca perseguição de que sou alvo por parte dos "vampiros", esse personagem, pela mão
àa.Intervití e do senhor Biosca, aliás "Antonio José Alés", tentou ridicularizar-me. Lo-
gicamente o processei e os tribunais o condenaram. Algum dia me disporei a publicar
o volumoso dossiê de tão jocosa história e as "comprometedoras" cartas que a ilus-
tram. (N. A.)

117
C o m o o leitor deduzirá s e m d i f i c u l d a d e s da leitura da n o t a
q u e a p a r e c e a o p é da p á g i n a , "o t r a b a l h o d e i n v e s t i g a ç ã o " d e s t e s
s e n h o r e s foi, c o m o s e c o s t u m a dizer, " u m e x e m p l o d e eficiência
e d e rigor científico"... V e n d o q u e n ã o p o d i a m localizar as teste-
m u n h a s , d e r a m u m a volta p e l o s a r r e d o r e s e p e r g u n t a r a m aqui e
ali..., n o v e a n o s depois. E m e n o s mal q u e o d o n o da m a r m o r a r i a
se l e m b r a v a d o artigo. Q u a n t o à f a m o s a fotografia d o m e n i n o , có-
pia d e cópia e p r e j u d i c a d a , c o m o é natural, p e l o s v e l h o s s i s t e m a s
d e r e p r o d u ç ã o jornalística, diga o p r ó p r i o leitor... N e m a m ã e d o
m e n i n o o teria r e c o n h e c i d o .
Mas o b s e r v e m a malícia q u e destila da carta d o Sr. F r a n c h :
" E m n o s s o e m p e n h o por investigar tal m i s t é r i o e comprovar sua
autenticidade, decidimos fazer c o n t a t o c o m o responsável pela no-
tícia, a fim d e q u e n o s facilitasse a localização d a s t e s t e m u n h a s
e p u d é s s e m o s a s s i m reinquiri-las e contar com um testemunho
fidedigno."
C o n f i r m o o q u e disse: e s t e p e s q u i s a d o r q u e lhes fala é u m
" a d v e n t í c i o " e s e u s t r a b a l h o s d e v e m ser "refeitos". S ã o eles —
os " e s q u e n t a - p o l t r o n a s " — q u e d e s f r u t a m a p o s s e da V e r d a d e .
Triste cruz a d o s p e s q u i s a d o r e s "de c a m p o " . . . V a m o s ver se o tem-
po e a justiça divina aliviam n o s s a carga.
Mas ainda n ã o concluí m i n h a s o b s e r v a ç õ e s a respeito da tal
e n f a d o n h a carta. S e u s s i g n a t á r i o s d e n u n c i a m m i n h a falta d e co-
l a b o r a ç ã o e, e m p r e g a n d o a f o r ç a d a s " m e i a s v e r d a d e s " , d e i x a m
e n t r e v e r q u e a v e n t u r e i r o se saiu o jornalista J . J . Benitez. O q u e
n ã o d i s s e r a m — d e n t r o d o s e u habitual e solerte estilo — é q u e
e u lhes r e s p o n d i c o m t o d a a clareza q u e " n ã o p o d i a f o r n e c e r a
identidade das testemunhas enquanto não fosse expressamente
a u t o r i z a d o por elas". E o q u e t a m b é m o m i t i r a m e r a m q u e m esta-
va por t r á s d o e m p e n h o de "reinquirir" as t e s t e m u n h a s . Dois a n o s
d e p o i s (1985), e m u m b o l e t i m e d i t a d o p o r e s s e s s u m o s sacerdo-
t e s da ufologia e s o b o " r i g o r o s o " título " B a r a c a l d o (Biscaia): o s
humanóides estavam enfadados", um dos que lamentavam minha
"falta d e a j u d a " na c a r t a à Gaceta s e delatava e delatava a s desa-
j e i t a d a s m a n o b r a s a q u e m e v e n h o referindo. " E m m e a d o s d e
1983" — confessou o "vampirizado" — "chegou aos autores u m a
sugestão d e V i c e n t e - J u a n Ballester O l m o s alertando s o b r e a im-
portância d e u m s u p o s t o a v i s t a m e n t o OVNI, c o m p r e s e n ç a d e hu-
m a n ó i d e s , o c o r r i d o na l o c a l i d a d e d e B a r a c a l d o e m d e z e m b r o d e
1976..."
O q u e igualmente i g n o r a m esses "testas-de-ferro" — m a s pelo
m e n o s d e v i a m ter s u s p e i t a d o — é q u e "o d i a b o m a i s s a b e p o r ser
velho d o q u e p o r ser d i a b o " . G r a ç a s a Deus, m e u serviço particu-
lar d e i n f o r m a ç ã o t e m a s m ã o s t ã o l o n g a s q u e se infiltrou na pró-
pria " c ú p u l a " da ufologia " d e salão". E p o u c o s d i a s d e p o i s d e re-

118
Um dos ramos
desgalhados pelo
ovni de Baracaldo.

Dois seres altos, com cinturões,


de olhos luminosos, saíram
de um objeto com forma de cabina
tolefônica, em um solar abandonado

Brinas
Labastida'

S. Vicente
c e b e r a p r i m e i r a c h a m a d a t e l e f ô n i c a d o s e n h o r G o m e z , e s t a v a eu
a par da i d e n t i d a d e d o " c h e f ã o " q u e lhes havia e n c o m e n d a d o o
" t r a b a l h i n h o " . P o r q u e n o f u n d o — n ã o se deixe o leitor e n g a n a r
— as i n t e n ç õ e s da " c ú p u l a " n ã o e r a m t ã o l i m p a s e h o n e s t a s co-
m o t e n c i o n a m fazer crer a "carta a o diretor" e o b o l e t i m d o s fari-
seus. E eu, n a t u r a l m e n t e , precipitei-me, sangrei-me e m s a ú d e . E m
parte, f o r ç a d o pela s a g r a d a l e a l d a d e a a l g u m a s t e s t e m u n h a s . E m
parte, p o r q u e tinha c o n s c i ê n c i a da n e g r a s o m b r a q u e pairava so-
bre m i m . Q u e os p e s q u i s a d o r e s n o v a t o s a t e n t e m p a r a o s cami-
n h o s p a n t a n o s o s q u e e s s e s r é g u l o s da ufologia p e r c o r r e m e q u e
m u i t o p o u c o s t ê m a c o r a g e m d e d e n u n c i a r . C u i d a d o c o m o s can-
tos d e sereia d e s s e s h e m a t ó f a g o s . Por t r á s da a p a r ê n c i a "científi-
ca", " m e t ó d i c a " e "altruísta" se o c u l t a m a p e ç o n h a , a h o s t i l i d a d e
e a vaidade, doa a q u e m doer.
O leitor e s t a r á p e r g u n t a n d o , e fará m u i t o b e m , s e a m i n h a
c o n t r a - o f e n s i v a n ã o e s t a r á u m p o u q u i n h o e x a g e r a d a e atrevida.
Muito a o c o n t r á r i o . É tal o lixo q u e se atira s o b r e esta j o v e m dis-
ciplina — a ufologia —, q u e está a m e r e c e r u m a m o n o g r a f i a . Quei-
ra D e u s q u e e s t a s h i s t o r i e t a s e b r e v e s i n c u r s õ e s p e l o p u r g a t ó r i o
sirvam p a r a e s c l a r e c e r p o s i ç õ e s e distinguir q u e m é q u e m . C o m
isso m e c o n s o l o .
Mas o leitor voltará a p e r g u n t a r : q u e p r o v a s t e m e s t e m a l d o -
so J . J . Benitez d e s t a s " m a n o b r a s " da " c ú p u l a v a m p i r e s c a " ? Mui-
tas. E a l g u m a s d e l a s t ã o t o r t u o s a s e d i a b ó l i c a s q u e n ã o m e atre-
vo n e s t e m o m e n t o a torná-las públicas. E x c e t o u m a , m u i t o bran-
da, c e r t a m e n t e , m a s q u e fala p o r si só. Trata-se d e u m a carta qua-
lificada c o m o "confidencial", d a t a d a d e abril d e 1 9 8 4 e q u e m e u s
"infiltrados" i n t e r c e p t a r a m e m e r e m e t e r a m . Leiam e d e s f r u t e m .
N a d a h á nela q u e seja d e s p e r d í c i o :
"Querido amigo:
" Q u e r o , c o n f i d e n c i a l m e n t e , levar a v o c ê u m a reflexão a q u e
n ã o m e p u d e f u r t a r a p ó s a d e t a l h a d a leitura d a s ú l t i m a s publica-
ç õ e s d e J . J . Benitez. (O cavalheiro a u t o r d a carta, Ballester Ol-
m o s , referia-se a m e u livro A Ponta do Iceberg.)
"Notei e m alguns (o grifo n ã o é m e u ) r e l a t o s d e c a s o s OVNI
d a d o s à luz n o s ú l t i m o s a n o s , e s p e c i a l m e n t e d e p r e s u m i d o s inci-
d e n t e s caracterizados c o m o a l t a m e n t e estranhos, u m a série de de-
t a l h e s g e r a l m e n t e c o n s t a n t e s q u e m e p r e o c u p a m p o r s u a s possí-
veis i m p l i c a ç õ e s . Esta c o m u n i c a ç ã o visa a dividir essa p r e o c u p a -
ç ã o c o m a l g u n s de m e u s a m i g o s e c o l a b o r a d o r e s m a i s p r ó x i m o s .
" E x e m p l o disso é o c a s o d o s u p o s t o guarda-civil descrito n a s
p á g i n a s 1 2 3 a 135 d e A Ponta do Iceberg (Mercuryo, 1992):
"— Cima só t e s t e m u n h a (que se m a n t é m a n ô n i m a ) , ou, s e se
c i t a m várias, e s t a s s ã o d e s c o n h e c i d a s . S u a existência só é dedu-
zida d o t e s t e m u n h o d o e n t r e v i s t a d o .

120
"— R e d a ç ã o c o m a b u n d a n t e s licenças literárias ou desenvol-
vimento novelesco.
"— G r a n d e luxo d e d e t a l h e s , a p e s a r d e tratar-se d e t e s t e m u -
n h a s de fraca f o r m a ç ã o , de h a v e r e m transcorrido m u i t o s a n o s e/ou
d e ser a t e s t e m u n h a m u i t o j o v e m , etc.
"— A c ú m u l o d e c a r a c t e r í s t i c a s típicas ( p e g a d a s , efeitos na
t e s t e m u n h a , etc.).
"— Inclusão de c a r a c t e r í s t i c a s atípicas ( g r a n d e d u r a ç ã o d o
incidente).
"— C o m p o r t a m e n t o a n ô m a l o da t e s t e m u n h a (dá m o s t r a s d e
g r a n d e valentia d i a n t e d o OVNI e d e p o i s n ã o q u e r q u e s e u n o m e
se a s s o c i e a o caso...)
"— Casual a c h a d o d o c a s o ( c o m e e m u m b o t e q u i m e t o p a
c o m a t e s t e m u n h a d e u m a a t e r r i s s a g e m ; p e g a u m g u a r d a d e es-
t r a d a e e s t e teve u m e n c o n t r o há pouco...).
"— A p a r i ç ã o d e c a r a c t e r í s t i c a s a s s o m b r o s a s : por e x e m p l o ,
no c a s o d o c i t a d o g u a r d a :
" c a m i n h ã o q u e se desloca s e m ruído;
" c a m i n h ã o q u e s e volatiliza f a n t a s m a l m e n t e ;
"OVNI q u e s e d e s v a n e c e .
" S e m e s q u e c e r t a m p o u c o q u e a l g u n s d e s t e s o c o r r e r a m na
m e s m a província, Cádiz, q u e ele c o n h e c e e s p e c i a l m e n t e b e m por
seu n a s c i m e n t o (creio).
"Afora a certeza q u e t e n h o d e q u e Benitez gosta d e aceitar,
s e m hesitação, as n a r r a ç õ e s m a i s e s d r ú x u l a s q u e q u a l q u e r u m lhe
faça — para s u a i m e d i a t a e x p l o r a ç ã o —, os c a s o s d o tipo citado
t ê m m a i s a p a r ê n c i a d e c r i a ç õ e s literárias, d e c o n t o s , q u e de ex-
p o s i ç ã o d e f a t o s reais.
" E s t e s r e l a t o s n ã o p o d e m ser c o n f i r m a d o s , s o b a justificati-
va d e q u e e m p e n h o u sua palavra c o m as t e s t e m u n h a s ( a p e s a r d e
q u e a p r e o c u p a ç ã o do a n o n i m a t o t o d o s s a b e m o s q u e h o j e é pou-
co habitual). J u s t i f i c a t i v a q u e e m p r e g a , p r e c i s a m e n t e , e m vários
d o s c a s o s m a i s incríveis, c o m o eu disse.
"Peço-lhe, c o m o m e r a presunção, q u e c o n s i d e r e a possibili-
d a d e , a t é a g o r a n ã o c o g i t a d a — a o m e n o s por m i m —, d e q u e
a l g u n s d o s casos_mais s e n s a c i o n a i s e a n ô n i m o s d e Benitez pos-
s a m ser INVENÇÕES dele. S o b r e t u d o , o s c a s o s d a d o s a conhe-
cer n o s ú l t i m o s a n o s , q u a n d o a estatística OVNI é — e m â m b i t o
m u n d i a l — q u a s e nula.
"Dois c o r o l á r i o s se d e d u z e m disto:
"1) Tratar d e averiguar esta hipótese por m e i o do e s g o t a m e n t o
d e t o d a s as f o r m a s d e c o m p r o v a ç ã o possíveis, s o b r e s e u s casos,
a o nível local, a t é q u e se c h e g u e a p o d e r a f i r m a r a inexistência
d a s p e s s o a s q u e cita (por e x e m p l o , o guarda-civil no c a s o m e n -
cionado). Ou m e d i a n t e a c o n f i d ê n c i a direta, q u e m e n c i o n e n o m e
e sinais d a s t e s t e m u n h a s , q u e s e j a m c o m p r o v á v e i s .

121
"2) P r o c e d e r c o m EXTREMA CACITELA n o s c a s o s d e sua pro-
c e d ê n c i a , a t é m e s m o m a i o r d o q u e a atual ( b a s e a d a , esta, e m sua
proverbial falta d e c a p a c i d a d e crítica e e m p e s q u i s a s c l a r a m e n t e
t e n d e n c i o s a s ) , d i a n t e da e v e n t u a l i d a d e a s s i n a l a d a .
" S e s e c h e g a r a c o m p r o v a r , em um só caso, q u e pratica esta
c o n d e n á v e l f o r m a d e c r i a ç ã o literária (ficção i m p o s t a c o m o reali-
dade), t e r e m o s a c o n s t a t a ç ã o d e u m a f o r m a d e i m p o s t u r a e ma-
n i p u l a ç ã o q u e deverá ser d e n u n c i a d a .
"A v e r d a d e é q u e eu gostaria d e e s t a r e q u i v o c a d o .
"Aguardo seus comentários, ü m abraço."
Eis aí a a u t ê n t i c a e sibilina f a c e d o s q u e d i z e m d e s f r a l d a r a
b a n d e i r a da ufologia científica, m a s que, p o r trás, instilam vene-
no. Mantive e m s e g r e d o a i d e n t i d a d e d e s s e guarda-civil p o r ex-
p r e s s o d e s e j o dele m e s m o , e a s s i m c o n t i n u a r á a t é q u e o interes-
s a d o m u d e d e p o s i ç ã o . Eu p o d e r i a m e n c i o n a r u m o u t r o c a s o des-
crito p e l o s " v a m p i r o s " , n o s q u a i s a t e s t e m u n h a se c o n s e r v a anô-
n i m a . V a m o s duvidar p o r isso da v e r a c i d a d e d o a c o n t e c i d o ? Não.
Do q u e d u v i d a m o s é da h o n e s t i d a d e d e m u i t o s d e s s e s b u f õ e s , ca-
p a z e s d e c h a m a r d e " c o n t o s e c r i a ç õ e s literárias" o q u e c u s t o u
t a n t o s e s f o r ç o s , t a n t o s q u i l ô m e t r o s e sacrifícios e que, a l é m d e
t u d o , t ê m a o a l c a n c e da m ã o ? Basta q u e se l a n c e m às e s t r a d a s
e e x p o n h a m a cara e a carteira...
Eu n u n c a s o u b e q u e t e n t a r e s c r e v e r c o m " a b u n d a n t e s licen-
ç a s literárias ou u m d e s e n v o l v i m e n t o n o v e l e s c o " c o n f l i t a s s e c o m
a o r t o d o x i a e o p u r i s m o u f o l ó g i c o s . Creio q u e foi Cícero q u e en-
sinou q u e "não basta adquirir sabedoria; é necessário t a m b é m usá-
la". E q u e m e l h o r t r a t a m e n t o p a r a u m a s s u n t o d e t a n t a profundi-
d a d e d o q u e u m a l i n g u a g e m acessível, precisa e leve?
H u m a n o , p e r d ô o o a u t o r da carta " c o n f i d e n c i a l " por c o n f u n -
dir o lugar o n d e eu gostaria d e m o r r e r (Cádiz) c o m o d o m e u nas-
c i m e n t o (Navarra). O q u e n ã o s u p o r t o é q u e s u g i r a a s e u s esbir-
ros q u e t e n t e m f u r t a r - m e , a t é "por m e i o da c o n f i d ê n c i a direta"...
E m o u t r a s palavras: m e c h a m a d e m e n t e c a p t o . Sei q u e p o u c a s
s ã o m i n h a s luzes, m a s t a m b é m sei q u e n ã o m e a c h o às e s c u r a s .
O s o v a d o capítulo q u e m e atribui "o g o s t o p o r admitir t o d a
s o r t e d e narrativas e x t r a v a g a n t e s , c o m o execrável fim d e fazer-
m e milionário c o m sua f u l m i n a n t e publicação", deixo-o para o mo-
m e n t o e m q u e m e resolver a revelar a l g u n s s e c r e t í s s i m o s docu-
m e n t o s , c o m a a s s i n a t u r a d e s t e " g a n h a d o r " , o n d e se m o s t r a q u e
o s " s a n t o s " da ufologia n ã o p o s s u e m o c o m e d i m e n t o e o altruís-
m o q u e s i m u l a m d i a n t e d a s platéias.
E u m a última cutilada, suave: se m i n h a "proverbial falta d e
c a p a c i d a d e crítica" p u d e s s e ter a l g u m a relação c o m o fato de q u e
e m m e u s livros e e s c r i t o s dificilmente a p a r e c e m c a s o s f r a u d u l e n -
tos, s a i b a m o s m e u s d e t r a t o r e s q u e a e x p l i c a ç ã o é d e m e r o s e n s o
c o m u m : acredito, sim, n o s ovnis c o m o a s t r o n a v e s n ã o - h u m a n a s .

122
Por isso procuro divulgar os " c o n t a t o s " e ocorrências que reputo
reais, genuínos. Dos negativos já se e n c a r r e g a m os térmitas e os
abutres da ufologia. Dessa f o r m a o jogo fica mais equilibrado...
E por falar e m equilíbrio, só vai mais u m a última b o r d o a d a .
Há três anos, e m u m diário do leste, declarava um d e s t e s bufões:
"Não t e m o s prova de que o OVNI corresponda a u m a m á q u i n a . "
Tanto é verdade que o pior cego é o que não quer ver!... Para m e
limitar à matéria que tenho e m mãos, c o m o deveríamos qualifi-
car a "cabina telefônica" que, s e m o m e n o r respeito pela ecolo-
gia, desgalhou meia árvore e m Baracaldo? C o m o outra "manipu-
lação sociológica"? Ou q u e m s a b e — para seguir a m o d a que nos
chega dos E s t a d o s Unidos e da Inglaterra — c o m o "um raio em
forma de bola" c o m um "magiclic" na cintura? 5
Claro que os "vampiros" m a n i p u l a m explicações muito mais
"ajustadas" q u a n d o q u e r e m "esclarecer" o f e n ô m e n o dos ovnis.
Por exemplo, as do neuropsicólogo c a n a d e n s e Persinger: "A ori-
g e m dos não-identificados p r o c e d e de um tipo de 'tensão geotec-
tônica' na crosta da Terra que chega a gerar u m a e m i s s ã o de ra-
diação eletromagnética, a qual, na longitude de onda visível, pro-
duz luminosidades que dão lugar a o s avistamentos OVNI". C o m o
acrobacia mental, a b s o l u t a m e n t e insuperável...
E por falar em "invenções" — esporte que, s e g u n d o eles, se-
ria de minha predileção —, v e j a m o s outras que s e g u r a m e n t e fa-
rão saltar as lágrimas (de alegria, b e m entendido...) dos olhos dos
m e u s desafetos, os ufólogos "de salão".
Pois não é q u e neste fatigante esforço de espantar "vampiros"
estive a ponto de esquecer um último detalhe sobre o caso Bara-
caldo? O leitor reparou no esquisitíssimo c o m p o r t a m e n t o dos "su-
jeitos da cabina"? Se realmente lhes interessava aquele sujo e mí-
sero terreno, por que n ã o desceram e m hora mais discreta? E m vez
disso, tiveram de "deixar-se ver" pouco antes das oito e meia da
tarde, exatamente q u a n d o cinco ou seis rapazes jogavam nas pro-
ximidades. E se queriam m e s m o aterrissar, por que fazê-lo ao pé
de u m a árvore, deixando m e t a d e dela no solo? O terreno era sufi-
cientemente espaçoso para permitir-lhes baixar sem tanto estra-
go. Mas não, tinha de ser em cima do inocente e s p é c i m e vegetal!

5. Por causa do "que dirão", e como viva mostra da "simpatia" que despertam
em mim esses "rigoristas" da ufologia, trago aqui a definição de "raio em forma de
bola" exatamente como ensinam esses eméritos "investigadores": " o raio globular é
uma forma de eletricidade atmosférica que se manifesta de repente, ou desce de uma
nuvem, tem uma forma esférica ou ovóide e um tamanho em torno de 30 cm, ainda
que às vezes passem de vários metros. Sua 'vida' é de somente uns cinco segundos em
média, mas 10 por cento desses fenômenos podem exceder os 30 segundos, e sua mais
longa duração é de 15 minutos. Quanto à coloração, fica entre o amarelo e o vermelho
(...), estimando-se sua velocidade desde a estática até 100 km/segundo". (N. A.)

123
E que m e dizem da e n c e n a ç ã o do m u r o ? Q u e p r o f u n d o se-
gredo podia encerrar aquele vetusto p a r e d ã o ? Se estavam inte-
ressados no grave e transcendental e s t u d o da cal e do tijolo d o s
t e r r á q u e o s (e o planeta t e m milhares e milhares de c o n s t r u ç õ e s
iguais àquela, e m p a r a g e n s ermas), por que n ã o f o r a m investigar
no deserto do S a a r a ? Mas não, tiveram de fazer isso no c o r a ç ã o
de u m a cidade de q u a s e duzentos mil habitantes. "E de vez e m
quando nos olhavam", disseram os pequenos. Não é suspeito? Não
é preciso ser muito sagaz para intuir q u e nessa aterrissagem ovni
— c o m o em tantas outras — havia algo oculto. Na minha opinião,
os seres da "cabina telefônica" n ã o tinham outro objetivo se não
o de "ser vistos" e, c o n s e q ü e n t e m e n t e , fazer ato de presença. E
o c o n s e g u i r a m , r e p r e s e n t a n d o toda u m a p a n t o m i m a . E o "festi-
val ovni" continua.
Senão, digam-me c o m o devo qualificar o que sucedeu naquele
22 de janeiro de 1981 na cidade de Huesca? Não se diga q u e eu
ande por aí buscando, ou que perdi o senso de medida. E que acon-
teceu tal c o m o conto, por mais que n ã o o queiram os " u r b a n o s "
da ufologia. E ainda assim, e já que m e vejo obrigado a silenciar
os n o m e s das próximas t e s t e m u n h a s , prevejo que o que vou re-
velar acrescentará lenha verde à fogueira que os "inquisidores"
ateiam à m i n h a volta. Ainda b e m que os t e m p o s de Calvino dor-
m e m nas p á g i n a s da História. Vamos, então, à primeira "inven-
ção"...
Por aquela altura eu m e sentia e m clima natalino, de tão con-
tente. O caso do "contato" c o m tripulantes em Robres, na provín-
cia de Huesca, estava q u a s e encerrado. E, c o m o é de m e u hábito,
u m a vez concluída a investigação, coloquei o caso no "congela-
dor". Apesar do que m u r m u r a m os m e u s "torquemadas" — e creio
que n e s t e trabalho o provo —, c o s t u m o dar t e m p o ao t e m p o para
divulgar u m a c o n t e c i m e n t o ovni. Se a ocorrência parece autênti-
ca, c o n v é m voltar a ela e ampliar as pesquisas e interrogatórios.
Graças ao ar de tonto que m e caracteriza, n ã o e n c o n t r o embara-
ço para interrogar as t e s t e m u n h a s , acerca de s u a s experiências,
s e m p r e que julgo conveniente. E e r a m estes m e u s planos naque-
le janeiro de 1981. Nessa t a r d e do dia 22 eu resolvera viajar até
as p o v o a ç õ e s de Turis e Aldaya, no leste, e dali — u m a vez "re-
p a s s a d o s " os e n c o n t r o s ocorridos r e c e n t e m e n t e — continuar até
Murcia e Huelva, cenários t a m b é m de vários e n c o n t r o s c o m tri-
pulantes de ufos. Mas já diz o adágio popular: "O h o m e m põe e
Deus dispõe."
Nessa quinta-feira — c o m o está a n o t a d o no m e u minucioso
"caderno de c a m p o " — coincidiram e m m i n h a vida duas circuns-
tâncias a p a r e n t e m e n t e irrelevantes. Cima: nessa m a n h ã eu havia
adquirido na cidade de Huesca u m exemplar do diário biscainho

124
Os famosos " p i c a o s " de San Vicente de la Sonsierra.

O castelo de San Vicente


de la Sonsierra,
cenário dos fatos narrados
pelo ex-membro da ETA.

A estrada que une


San Vicente (ao fundo)
com Briones. À direita,
a vinha na qual se
refugiou " M i s t e r Huesca
(Foto de J. J. Benitez.)
El Correo Espanol. Para u m ex-profissional do j o r n a l i s m o e con-
t u m a z d e v o r a d o r d e jornais, c o m o eu, o a s s u n t o c a r e c e d e impor-
tância. E n t r e t a n t o , e s s e g e s t o teve u m a c o n s e q ü ê n c i a n a d a roti-
neira. G e r a l m e n t e , q u a n d o viajo, g o s t o d e p a s s a r e m revista o s
jornais d e circulação nacional, m a s t a m b é m os locais. Não era nor-
mal, p o r t a n t o , q u e na a m o r á v e l Huesca, o n d e por sinal e x e r c e r a
já o j o r n a l i s m o , n o El Heraldo de Aragón, e u o p t a s s e p o r u m jor-
nal de fora, d o País Basco. Duas: o q u e r e a l m e n t e representou u m a
q u e b r a n o s m e u s h á b i t o s foi o q u e a c o n t e c e u às q u a t r o e dez des-
sa tarde, d i a n t e da p a s s a g e m d e nível c o m barreiras existente n o s
a r r e d o r e s d e H u e s c a . 6 N e s s e m o m e n t o eu estava a o v o l a n t e d o
" m e u escudeiro", o f l a m a n t e e recém-adquirido Renault 18, 7 à es-
p e r a d e q u e o c o m b o i o da R E N F E n o s liberasse a p a s s a g e m . E
u s o o plural ("nos") i n t e n c i o n a l m e n t e . L e m b r o - m e d e q u e o nú-
m e r o d e veículos q u e e s p e r a v a m a p a s s a g e m d o t r e m era d e seis
ou s e t e .
E s s e o c e n á r i o c o m a s d u a s c i r c u n s t â n c i a s . Pois b e m . S e m
m a i s a q u e l a , observei q u e à e s q u e r d a d o s a u t o m ó v e i s u m indiví-
d u o c a m i n h a v a p a u s a d a m e n t e p a r a c i m a e p a r a baixo da fila d e
carros. O e x e m p l a r d o El Correo Espanol estava n e s s e m o m e n t o
n o a s s e n t o a o m e u lado, b e m visível. Creio q u e e m u m m o v i m e n -
to reflexo, e n q u a n t o t e n t a v a m a t a r o t e m p o d e e s p e r a , fixei mi-
n h a a t e n ç ã o n o p a s s a n t e e ele fez o m e s m o , m a s f o c a l i z a n d o o
olhar p r i m e i r o s o b r e o jornal b a s c o e só d e p o i s e m m i m . E n t ã o
a p r o x i m o u - s e da janela e fez u m g e s t o d e q u e d e s e j a v a p e r g u n t a r
a l g u m a coisa. E m f r a ç õ e s d e s e g u n d o , c o m o t r e m à vista, adivi-
nhei s u a i n t e n ç ã o .
" P o d e d a r - m e u m a c a r o n a para Z a r a g o z a ? "
A q u e l e s q u e p a s s a m m e t a d e da vida n a s rodovias m e enten-
d e r ã o . Por u m a s i m p l e s q u e s t ã o d e s e g u r a n ç a t e n h o por c o s t u m e
n ã o admitir "caronas". E, q u a n d o o faço, é e m circunstâncias mui-
to especiais, ou p o r q u e m e deixo guiar pela intuição. E digo q u e
foi o instinto q u e m e levou a r o m p e r essa rigorosa n o r m a . Seria
facílimo dizer-lhe n ã o . As b a r r e i r a s c o m e ç a v a m a erguer-se. En-
t r e t a n t o , trinta s e g u n d o s d e p o i s m e via c i r c u l a n d o e m d i r e ç ã o à
capital a r a g o n e s a c o m a q u e l e p e r s o n a g e m a o m e u lado. Clm ho-
m e m i m p e c a v e l m e n t e vestido, q u e disse ser e c o n o m i s t a e m o r a r

6. Os "vampiros" estão no seu direito de se certificar dos horários de trens. E di-


go isso por causa das tais "invenções". (N. do consumado "fazedor de teatro" J. J.
Benitez.)

7. Comprado a prazo no Natal de 1980. Hoje, 31 de maio de 1990, está pedindo


aposentadoria aos berros... Conto isso por causa das suspeitas e insinuações acerca de.
minhas polpudas contas-correntes no interior e no exterior. (N. do "mercantilista" J.
J. Benitez, z)

126
em uma populosa vila guipuzcoana. No aspecto, pelo menos, não
se encaixa no m o d e l o habitual dos "caronas". Ele m e s m o , no
transcurso da viagem, admitiu que seu gesto fora excepcional. Tra-
balhava c o m u m irmão em u m a e m p r e s a de transportes e, por um
absurdo e n c a d e a m e n t o de c o n t r a t e m p o s , havia ido parar na es-
tação ferroviária, c o m a intenção de t o m a r um táxi. Entretanto,
ao passar junto aos automóveis que a g u a r d a v a m diante da passa-
g e m de nível, m u d a r a de idéia. E foi q u a n d o "elegeu" a m i m pelo
fato de ver no m e u carro u m jornal de sua terra. (Os "vampiros"
não poderão queixar-se. Aqui têm "carniça" para dar e regalar-se.)
Bem — clamará o sofrido leitor para si m e s m o —, e onde quer
ir parar este " p a n t o m i m e i r o " c o m tantos rodeios? T u d o no seu
devido t e m p o .
Gentil e agradecido, o h o m e m assumiu o c o m a n d o da con-
versa, desejoso, suponho, de tornar mais a m e n o o t e m p o que nos
separava de Zaragoza, cerca de u m a hora. E c o m o não p o d e dei-
xar de acontecer q u a n d o dois estranhos trocam as primeiras pa-
lavras, meu a c o m p a n h a n t e fez-me u m a pergunta que d e s t a p o u a
"caixa de Pandora":
"E o s e n h o r o que faz?"
Dependendo das circunstâncias e da pessoa, c o s t u m o respon-
der evasivamente. Dessa vez, p o r é m — creio que por obra da
"nave-mãe" — m e saí rotunda e explosivamente c o m esta:
"Persigo ovnis."
A princípio atribuí seu silêncio a mera e d u c a ç ã o e cortesia.
Não seria m e s m o de esperar que ele se pusesse a rir na cara do
motorista que acabava de ajudá-lo. A seriedade do seu rosto se
devia a outro motivo. E pouco a p o u c o ele m e foi levando para
o seu terreno. Ou, para ser mais exato, para o m e u . Assim é que
fiquei s a b e n d o de u m estranho a c o n t e c i m e n t o por que passara
em 1968 e que j a m a i s havia m e n c i o n a d o a pessoa a l g u m a q u e
não fosse do seu mais íntimo círculo familiar.
Antes, porém, de transmitir o relato do "incidente" é m e u de-
ver adiantar u m a q u e s t ã o que, de certa maneira, converte a his-
tória em algo diferente, nunca visto, ao que eu saiba, em ufologia.
Por obra dessas enigmáticas "vibrações" que as pessoas ema-
nam, meu interlocutor e eu e s t a b e l e c e m o s u m a rápida e franca
amizade. "Era c o m o se nos tivéssemos conhecido toda a vida."
O q u e provava q u e a amizade não d e p e n d e do "quanto", m a s do
"como". Para m i m , naquele m o m e n t o , o caso de "mister Hues-
ca" — c o m o o chamarei a partir de agora por óbvias razões que
a maioria aceitará — n ã o ultrapassou as fronteiras do " c o m u m
e habitual" na investigação ovni. Até que u m dia, conversando so-
bre assuntos alheios aos ufos, vim a descobrir que o robusto "mis-
ter Huesca", cuja castigada aparência lhe dava muito mais do que

127
os trinta e oito a n o s que e n t ã o contava, havia sido m e m b r o ativo
da ETA na c h a m a d a "época histórica": o assassínio do inspetor
Manzanas, "processo de Burgos", etc. Após m u i t a s vicissitudes
— até prisão —, esse guipuzcoano havia a b a n d o n a d o a organiza-
ção terrorista, a e x e m p l o de o u t r o s "etarras históricos". Tal cir-
cunstância a g r e g o u u m a s p e c t o novo ao assunto. E m minha car-
reira de "perseguidor de ovnis" já conheci toda espécie de teste-
munhas: de religiosos a camponeses, passando por pilotos de com-
bate e catedráticos. J a m a i s , p o r é m , um m e m b r o , ou ex-membro,
da ETA.
Naturalmente, não era m u i t o difícil pesquisar o p a s s a d o tur-
bulento d e s t e m e u novo amigo. Tudo estava certo. E assim, e m
outra e s m a g a d o r a "casualidade", o Destino p ô s ao m e u alcance
o primeiro "contato" acontecido entre u m "ex-etarra" e três hu-
m a n ó i d e s . S u p o n h o que o leitor e n t e n d e r á agora a razão do
anonimato.
Eis aqui, em primeira m ã o , o q u e s u c e d e u naquela S e m a n a
Santa de 1968 na localidade riojana de São Vicente de Sonsierra:
"Por razões que não vêm ao caso" — c o m e ç o u "mister Hues-
ca" —, "encontrava-me nessa vila e m c o m p a n h i a de u m amigo.
Depois de jantar e m u m restaurante, decidi dar u m passeio pelos
arredores. Meu c o m p a n h e i r o preferiu recolher-se. S e m escolher
rumo, deixando-me levar por m e u s próprios passos, fui parar nas
ruínas de um castelo. A noite era tépida e, por e s p a ç o de minu-
tos, m e entretive p e r a m b u l a n d o pelos m e a n d r o s da fortaleza. Tu-
do estava às escuras. S e m u m a alma. S o b u m silêncio i n c o m u m .
Então fui sentar-me n u m d o s pátios situados a céu aberto. Creio
que cochilei. De repente, no m e i o do silêncio, abri os olhos so-
bressaltado. J u r o que n i n g u é m m e tocou, n e m m e falou. E u m
suor frio m e b a n h o u dos pés à cabeça. Diante de mim, e m pé e
a curta distância — por volta de dez m e t r o s —, achavam-se três
seres e n o r m e s , de mais de dois m e t r o s de altura. Tinham os om-
bros e x a g e r a d a m e n t e largos e se cobriam c o m m a n t o e capuz.
O m a n t o caía até o solo. Vestiam-se t o d o s de preto e tinham na
m ã o direita diversos artefatos que, a p e n a s para dar u m exemplo,
m e l e m b r a v a m u m a foice. Mas eu sei que n ã o se tratava desse
utensílio agrícola. Não sei se falo claro...
"Não se moviam. Pareciam estátuas. E m e olhavam c o m uns
olhos... Não rias pelo q u e vou dizer-te. Eram grandes, vermelhos
e s e m e l h a n t e s aos do sapo. E o mais a s s o m b r o s o era que "pesta-
n e j a v a m " — n ã o sei se a expressão é correta — u n i f o r m e m e n t e .
Os seis " a p a g a v a m e a c e n d i a m " ao m e s m o t e m p o e n u m a cadên-
cia m a t e m á t i c a . Na realidade, foi a única m a n i f e s t a ç ã o de vida
que vi naqueles seres. Nem m e falaram, n e m falaram entre si. Is-
so foi o que mais m e assustou: o silêncio q u e enchia a cena.

128
"Nos primeiros instantes, t e n t a n d o racionalizar o que tinha
à minha frente, pensei nos 'picaos' de San Vicente. Tu sabes: os
h o m e n s desse lugar que, na S e m a n a Santa, c o m as costas desnu-
das, se açoitam c o m tranças de lã. Mas logo afastei a idéia. E m
primeiro lugar, esses penitentes se vestem de branco e, ainda que
c u b r a m a cabeça c o m u m capuz, s u a s túnicas não são tão longas.
Ademais, é g e n t e muito respeitosa c o m suas tradições e j a m a i s
se poriam a zombar e dar sustos de m o r t e às duas da m a d r u g a d a
em u m castelo. Por outro lado, c o m o explicar o porte, a corpu-
lência e os olhos d a q u e l e s indivíduos? C o m o podiam sincronizar
c o m t a m a n h a precisão os m o v i m e n t o s d a s pálpebras d o s três pa-
res de olhos?
" C o m o te disse, afastei de imediato a possibilidade de que
fossem farsantes. Eu o teria percebido. Não pretendo alardear co-
ragem, m a s p o d e s estar certo de que, por tudo que m e foi d a d o
passar na vida, n ã o sou u m a pessoa m e d r o s a . Pois bem, acredita-
rás se eu te disser que m e acovardei? E u m a reação muito curio-
sa que vocês, investigadores desses f e n ô m e n o s , deveriam estu-
dar. Por que um h o m e m com t o d a s as s u a s faculdades chega a
perder o seu a u t o d o m í n i o em tais circunstâncias? Percebi que m e
achava diante de a l g u m a coisa desconhecida e, s e m dúvida, su-
perior. E minha cabeça se negou a trabalhar. Meu corpo se con-
verteu e m u m a reação química, p u r a m e n t e . E o pavor m e tirou
dali a p ó s três ou quatro minutos. A perturbação era tão intensa
que até ao fugir das ruínas tomei um rumo errado. Corri para Brio-
nes. Lembro-me de que, na minha c o n f u s ã o , refugiei-me e m u m
vinhedo à borda da estrada, o n d e fiquei, a c o c o r a d o e t r ê m u l o co-
m o u m menino, até o a m a n h e c e r . Depois, mais calmo um pouco,
retomei o c a m i n h o para San Vicente, n u m f u r g ã o de distribuição
de gás de cozinha que coincidiu passar por ali. Procurei meu com-
panheiro, contei o que havia sucedido e ele, c o m o é natural, n ã o
m e acreditou."
A partir daí, "mister Huesca" decidiu calar-se. Seriam neces-
sários treze longos a n o s para que se decidisse a confidenciar sua
a m a r g a experiência a u m estranho. De m i n h a parte, acrescentei
a essa p r u d e n t e atitude outros nove a n o s "extras". Nesse largo
interregno houve múltiplas o p o r t u n i d a d e s de pôr à prova o teste-
m u n h o do "ex-etarra" e atestar que t e m a solidez de u m a rocha.
T o m e m nota os "arrivistas" de ufologia: ao que parece, este "mer-
cantilista" dos ovnis n ã o tem tanta pressa, ao contrário do que
se diz, de divulgar o que investiga... E não é o único caso. C o m o
se viu, e se continuará a ver, meu "refrigerador" está repleto de
ocorrências inéditas.
E convém destacar outro "detalhe" de interesse no caso q u e
nos ocupa: "mister Huesca", apesar dos pesares, não crê nos

129
ovnis. T e n h o tido longas conversas c o m ele sobre isso e, ainda
que respeitoso para c o m as m i n h a s considerações, "é coisa q u e
não entra e m sua cabeça". No fundo, essa postura fortalece seu
t e s t a m e n t o . A ele não interessa o f e n ô m e n o dos "não-identifica-
dos". Ele viveu u m a cena real que por certo não s a b e n e m quer
interpretar. Aí n a s c e e m o r r e o assunto. E a prova é que j a m a i s
procurou explorá-lo. J a m a i s leu u m livro sobre ufologia. E decer-
to j a m a i s ouviu falar d o s casos da Argentina e da Inglaterra, o n d e
se registraram aparições de seres "encapuzados", semelhantes aos
que viu na Rioja. Tais fatos, aliás, se d e r a m e f o r a m noticiados
anos depois d a q u e l e 1968. (Jm ano, c o m o s a b e m os a c o m p a n h a -
dores e estudiosos do t e m a , de g r a n d e atividades ovni no m u n d o
e, em especial, na E s p a n h a .
Foi assim, por causa de u m jornal e de u m a p a s s a g e m de ní-
vel c o m barreiras, que, pela e n é s i m a vez, alterei os planos sobre
m e u rumo, e s q u e c e n d o por a l g u m t e m p o os a s s u n t o s que recla-
m a v a m m i n h a presença no reino de Valencia e e m Andaluzia. E
concedi preferência a este a n ô n i m o e valioso caso, protagoniza-
do por "mister Huesca". Só n ã o podia imaginar que, m e s e s a n t e s
da investigação desse caso, outros m e m b r o s da ETA faziam con-
tato c o m ovnis.
Deus e a l g u n s dos m e u s íntimos s a b e m . T e n h o s u p o r t a d o o
peso da dúvida d u r a n t e m e s e s . Devia dar divulgação a estes ca-
sos? Existe u m risco. F i n a l m e n t e decidi que sim. E que a "nave-
m ã e " n o s proteja a todos... Para dizer a verdade, teria sido muito
fácil substituí-los. E m m e u s arquivos a g u a r d a m sua vez nada me-
nos de q u a t r o c e n t o s "contatos" c o m tripulantes, ocorridos na Es-
panha. (Imagino os "vampiros" t e n d o vertigens ao saber de tão
rico repositório.)
Penso que o pesquisador deve saber reunir a prudência c o m
a c o r a g e m . A m b a s as atitudes, c o m o a aurora e o ocaso, têm o
seu m o m e n t o justo. Certas vezes, o h e r o í s m o ou a cautela fora
de t e m p o p o d e transformar-nos e m loucos insensatos ou e m co-
vardes. Ainda que tido c o m o fantasista, eu não queria incorrer e m
tais inconvenientes. Assim sendo, p o n h o a m ã o na m a s s a e assu-
m o os possíveis riscos. T o m a r a as circunstâncias f o s s e m outras
e eu p u d e s s e revelar n o m e s , lugares e p e s s o a s que m e a c o m p a -
n h a r a m na investigação e que p o d e m confirmar q u a n t o vou rela-
tar. Talvez algum dia...
Para regozijo de m e u s "amigos", os "narcisistas" da ufologia,
não p o s s o explicar n e m " c o m o " n e m " q u a n d o " cheguei até estas
t e s t e m u n h a s , t a m b é m e x - m e m b r o s da t r i s t e m e n t e f a m o s a orga-
nização a r m a d a . S o m e n t e o q u e posso dizer é q u e o verdadeiro
pesquisador "de c a m p o " t e m obrigação de esquecer suas idéias
pessoais em benefício da causa pela qual trabalha. E não é t o d o s

130
os dias q u e se a p r e s e n t a u m a ocasião tão espetacular: tais indiví-
d u o s — ainda que pareça incrível — haviam a b a n d o n a d o as ar-
m a s por causa de u m encontro ovni. Eis aqui, n o v a m e n t e e m pri-
meira m ã o , u m a síntese da história, tal qual m e foi contada pelos
próprios envolvidos:
"Foi e m 1980 que ocorreu. Aproximadamente, e m 15 de agos-
to. Viajávamos de Madri para Astúrias. Ao passar pela província
de León nos detivemos em u m a zona de castelos. Levávamos ten-
das de c a m p a n h a , 'canadenses', e decidimos a c a m p a r . O lugar,
de g r a n d e beleza, era cortado por u m rio. J a n t a m o s e por volta
das onze h o r a s nos recolhemos.
" E m u m a das t e n d a s " — esclareceu a t e s t e m u n h a principal
— " e s t a v á m o s m i n h a mulher, u m a c u n h a d a e eu. Mas n ã o nos
foi possível dormir. Alguma coisa anormal n o s sucedia ou se pas-
sava ao n o s s o redor. O caso é que, pela m a d r u g a d a , de repente,
tudo se iluminou. Foi a s s o m b r o s o : a noite d e s a p a r e c e u e o lugar
ficou claro c o m o se fosse meio-dia...
" Q u a s e ao m e s m o t e m p o , c o m e ç o u a formar-se no ar u m a
cabeça h u m a n a . Aí s e n t i m o s m e d o . d m terror indescritível. Mas
— não sei se poderás compreender-nos —, simultaneamente a esta
s e n s a ç ã o de pavor e angústia, apossou-se de nós outro sentimen-
to, tão real e p o d e r o s o c o m o o anterior. Sei que é difícil de acre-
ditar, c o m o era para nós m e s m o s . Ao m e s m o t e m p o que se 'for-
mava' a cabeça, inundou-nos u m a estranha 'corrente' de paz. E
o 'ser' continuou 'desenhando-se' no ar, até sua completa e total
definição. E, curioso, sua 'materialização' parecia condicionada
ao nosso grau de aceitação do f e n ô m e n o . E muito difícil descre-
ver isso!...
"Era u m h o m e m . Isso saltava à vista. Mas um ' h o m e m ' de três
m e t r o s de altura. Aparentava meia idade. Talvez quarenta ou qua-
renta e cinco anos. Vestia u m a túnica branca. Seu rosto, muito
bronzeado, era perfeito. Não sei quais são os p a d r õ e s da beleza,
m a s aquela figura superava-os c o m sobras. Nunca vi coisa igual.
O cabelo, longo, tinha u m a a s s o m b r o s a tonalidade branca. O s
olhos, azuis, destacavam-se do c o n j u n t o . Não trazia e m b l e m a s ,
n e m armas, n e m nada s e m e l h a n t e . Irradiava paz e confiança. Ao
falar, movia os braços. E falou. E suas palavras f o r a m a 'chave'
para modificar nosso r u m o e nossa filosofia em cento e oitenta
graus... O impacto foi tal que, n a q u e l e m o m e n t o , tive í m p e t o s de
ir para ele. Mas, ao despedir-se, ele fez u m gesto c o m a mão, co-
m o que r e c o m e n d a n d o 'tranqüilidade'. E e m s e g u n d o s desapare-
ceu. E a claridade c o m ele. E tudo recuperou a aparência e o rit-
m o normais. Tudo, m e n o s nós, claro..."
A realidade — bendita realidade — é que, motivadas por es-
se encontro, essas p e s s o a s r e f o r m u l a r a m , admitindo que "havia

132
outros caminhos". Desde então se a c h a m integradas na dinâmi-
ca das "vias pacíficas".
S u p o n h o não ser necessário lembrar ao leitor que a esses ho-
m e n s se p o d e acusar de quase tudo, m e n o s de u m a coisa: de culti-
var a nobre arte da fantasia. Dada a duvidosa "espiritualidade" e m
que se m o v e m , n ã o creio que se sinjtam t e n t a d o s pela leitura ou
o a p r o f u n d a m e n t o do f e n ô m e n o ovni e similares. Daí a especialís-
sima relevância do caso em questão, c o m o já sublinhei. Q u e eu
saiba, é a primeira vez que alguém que pratica a filosofia da mu-
dança pelo terror, "muda", por sua vez, em conseqüência da ma-
terialização de um ser "não-humano". Um "ser" e u m a materiali-
zação" bastante c o m u n s em ufologia e que se inscrevem no capí-
tulo dos c h a m a d o s "celestes" ou "muito altas entidades cósmicas".
Devo lembrar ao leitor em geral e a o s p e s q u i s a d o r e s novatos
em particular que casos c o m o este que acabo de relatar dificilmente
p o d e m ser c o m p r e e n d i d o s e admitidos pelos tais racionalistas que
falam d o s "raios e m f o r m a de bola". Eis aqui outra parcela da ufo-
logia — e das mais transcendentais — para a qual estão castrados.
Q u e os ídolos da investigação e m todo o m u n d o e s t e j a m mudan-
do suas antigas e rígidas c o n c e p ç õ e s e admitindo a possibilidade
— dentro do c o m p l e x o m u n d o ovni — de "outras realidades", di-
gamos, "espirituais", p o u c o lhes importa. E m seus escritos, pan-
fletos e conferências magistrais continuam escamoteando essa face
do f e n ô m e n o , afirmando, q u a n d o questionados, q u e tais indaga-
ções não são dignas de t r a t a m e n t o sério e científico.
Não seria m a u que se resolvessem, ao m e n o s u m a vez, e a
título de experiência, a b a n d o n a r a frieza de seus c o m p u t a d o r e s
e aventurar-se na multidão dos "contatados". Victor Hugo, embo-
ra em outra direção, expressa essa m e s m a idéia e c o m u m brilho
inexcedível: "O h o m e m que não medita vive na cegueira; o que
medita vive na escuridão. Não p o d e m o s s e n ã o optar entre as tre-
vas. Nesta escuridão q u e até o p r e s e n t e m o m e n t o é q u a s e toda
a nossa ciência, a experiência tateia, a observação espreita e a su-
posição vai e vem." Mas não. Esses indivíduos — que j a m a i s ha-
veriam conseguido sair de sua mediocridade se não fossem os ov-
nis — c o n t i n u a m c e g o s às mil facetas da Verdade e, o que é pior,
z o m b a m dos que são capazes de duvidar e de investigar "para den-
tro". Sob o seu " d a n d i s m o " intelectual — c o m o escrevia Mere-
dith — "estão c e r c a d o s pelo m e d o e o cinismo". Tirem a prova:
p e r g u n t e m a esses " s u m o s s a c e r d o t e s " da ufologia pelo " m a r c o
espiritual" dos "não identificados".
E agora, a t e n d e n d o à r e c o m e n d a ç ã o de "mister Huesca", pas-
sarei a outro capítulo — o do m e d o —, q u e mereceria, por si só,
u m a alentada m o n o g r a f i a .

133
4
O medo nas testemunhas ovni: toda uma tese de doutorado •
Onde se conta a história do toureiro Peralta e o sujeito do "ba-
ra-ra-rá" * Somos nós — não eles — que temos pressa de des-
vendar o mistério • Seria estúpido, senão mesmo pecamino-
so, silenciar a palavra-chave: que fazia aquele ovni nas dunas
de Punta ümbría? • Diga-me você: que "bicho"poderia mexer
nos bigodes de um gato montês? • Em Ronda tive-os ao alcan-
ce da mão • Cinqüenta pegadas frescas de um "ser" com pa-
tas redondas como tubos • Onde se viu uma "lavadeira" eriçar
os cabelos de uma família catelhana? • Fuentecén foi coisa de
loucos: "Satã" latia para a "lavadeira" e esta para o cão • Ou-
tra "aguilhoada" nos "vampiros" • Em samora, meu senhor,
também se faz feitiço com favas • Onde se contam as desven-
turas de um pescador, dois cães e um curioso com um motor
nos pés • Se você não sabia, também os engenheiros sentem
medo • De como dois gigantes gêmeos desceram na rodovia
A-68 e de como se foram sem pagar a conta da testemunha

E n t r e o s m i l h a r e s d e c a s o s ovni q u e se a c o t o v e l a m e m m e u s
a r q u i v o s a c h o q u e seria c a p a z d e c o n t a r n o s d e d o s d e u m a m ã o
a q u e l e s e m q u e as t e s t e m u n h a s n ã o s e n t i r a m m e d o . E p o d e ser
que me sobrem dedos...
E s t a m o s , aliás, d i a n t e d e u m s e n t i m e n t o d o qual n ã o há p o r
q u e n o s e n v e r g o n h a r m o s . Leopardi reconhecia: "São as coisas des-
c o n h e c i d a s q u e n o s c a u s a m m a i o r p a v o r . " A maioria d a s p e s s o a s
q u e t e s t e m u n h a r a m a a p r o x i m a ç ã o d e u m a d e s s a s naves, s e m fa-
lar d o s s e u s o c u p a n t e s , e x p e r i m e n t a u m terror singular. S u a s rea-
ç õ e s s ã o b e m c o n h e c i d a s p e l o s investigadores: paralisia, i n t e n s o
c h o q u e e, no geral, f u g a p r e c i p i t a d a . Uma análise d e personalida-
d e d e s s a s p e s s o a s o f e r e c e q u a s e s e m p r e u m r e s u l t a d o tranqüili-
zador: trata-se d e indivíduos equilibrados, c o m razoável p a r c e l a
de a u d á c i a e t e m o r . Por q u e , e n t ã o , essa m e d r o s a a t i t u d e d i a n t e
de máquinas e seres de outro m u n d o ? Serão esses milhares de
h u m a n o s e x c e ç ã o à r e g r a ? Qual seria o c o m p o r t a m e n t o d e u m
h o m e m d e r e c o n h e c i d a c o r a g e m ? E s s a s p e r g u n t a s , no f u n d o , en-
c e r r a m u m a dúvida d e g r a n d e t r a n s c e n d ê n c i a para a qual, por ora,
n ã o há r e s p o s t a : c o m o reagiria a coletividade h u m a n a d i a n t e d e
um d e s e m b a r q u e público, oficial e m a c i ç o d e s e r e s a l h e i o s à

135
n o s s a civilização? Talvez p o s s a m o s imaginá-lo à luz d e u m a his-
tória q u e vou relatar. É s a b i d o q u e e m n o s s a s o c i e d a d e e x i s t e m
d e t e r m i n a d a s p r o f i s s õ e s q u e f i z e r a m d o risco s e u modus vivendi.
H o m e n s e m u l h e r e s q u e e m s e u dia-a-dia e n f r e n t a m o p e r i g o e
a m o r t e s o r r i n d o e s e m p e r d e r a c a l m a . E m princípio, pois, s e r e s
t r e i n a d o s " a o limite". E, todavia...
E s s e é o caso, c o m o vinha dizendo, d e u m d e s s e s " a m a n t e s
da m o r t e " q u e , e m sua l o n g a t r a j e t ó r i a , só se l e m b r a d e dois mo-
m e n t o s e m q u e o m e d o e s t e v e a p o n t o d e fazê-lo p e r d e r a postu-
ra: d i a n t e d e u m t o u r o e d i a n t e d e u m h u m a n ó i d e .
A s p r i m e i r a s notícias e m t o r n o d o c a s o vivido pelo c é l e b r e
toureiro sevilhano Rafael Peralta Pineda c h e g a r a m a o m e u conhe-
c i m e n t o e m 1982, e m 18 d e a g o s t o . O jornal Odiei, d e Huelva,
em primeira mão, anunciou que s e m a n a s antes em plena tempo-
rada taurina, o m u n d i a l m e n t e c e l e b r a d o toureiro-cavaleiro havia
tido u m singular " c o n t a t o " c o m u m o b j e t o n ã o i d e n t i f i c a d o e u m
ser d e g r a n d e p o r t e . N a q u e l e s d i a s eu viajava p e l a s s e r r a s d e u m
inverossímil v e r d e - b r a n c o da r e g i ã o d e Cádiz, e m p e r s e g u i ç ã o a
a l g u n s ovnis q u e h a v i a m a t e r r i s s a d o na região. E n ã o faltou qua-
se n a d a p a r a q u e , a t r a í d o pela q u a l i f i c a ç ã o da t e s t e m u n h a , a b a n -
d o n a s s e Setenil d e las B o d e g a s , B e n a m a h o m a e A l g o d o n a l e s e
m u d a s s e o r u m o para P u e b l a dei Rio, e m Sevilha. No ú l t i m o mo-
m e n t o , e n t r e t a n t o , s u r p r e e n d e n d o - m e a m i m m e s m o , optei p o r
t e r m i n a r a m i s s ã o e m q u e e s t a v a e e s p e r a r . O instinto d e s t e re-
pórter, c r i a d o na velha e sábia escola da vida, p e d i a c a l m a . E n ã o
errou, o ladino.
S e d u z i d o s pela s e n s a c i o n a l notícia, j o r n a l i s t a s e c u r i o s o s d e
t o d o tipo c a í r a m , pelo r e s t o d a q u e l e verão, s o b r e o afável tourei-
ro, e n c u r r a l a n d o - o , l i t e r a l m e n t e . O q u e , aliás, t e v e t a m b é m s e u
lado positivo. D u r a n t e s e m a n a s f o r a m a p a r e c e n d o a l g u m a s crô-
nicas e entrevistas que, para u m pesquisador, s e m p r e represen-
t a m , a l é m d e u m a b o a f o n t e informativa, u m p r e c i o s o "laborató-
rio". S e g u n d o toda essa matéria jornalística, Rafael Peralta limitou-
s e a repetir m a i s d e u m a vez o q u e havia visto e ouvido. E m mo-
m e n t o a l g u m caiu e m c o n t r a d i ç ã o . A história se m a n t e v e estru-
t u r a d a , s e m m u d a n ç a s , da p r i m e i r a à última d e s u a s d e c l a r a ç õ e s .
Aquilo era, na v e r d a d e , u m b o m sinal.
Por o u t r o lado, a n a l i s a n d o o a s s u n t o c o m frieza, a publicida-
d e q u e , i n d u b i t a v e l m e n t e , o e p i s ó d i o r e n d e r a , p o u c o ou n a d a be-
neficiara o f a m o s o toureiro. Duvido q u e p r e c i s a s s e disso. A pro-
va é ter ele m a n t i d o d u r a n t e a l g u m t e m p o a e x p e r i ê n c i a n o s es-
tritos limites d o s e u m e i o familiar. Mas e n t r e m o s d e u m a vez na
descrição do "contato".
E m d e z e m b r o d e s s e a n o , q u a n d o calculei q u e as á g u a s ha-
viam v o l t a d o ao seu leito, e s t a b e l e c i c o n t a t o c o m Peralta. C o m o

136
Rafael Peralta e esposa,
Mercedes Revuelta,
em dezembro de 1 9 8 2 .
(Foto de J. J. Benitez.)

/V
?JA

Desenhos feitos pelo toureiro-cavaleiro.

i nizamento de estrada onde se deu o encontro de Rafael Peralta


I um um ovni e u m ser c o m forma de robô.
verão os p e s q u i s a d o r e s iniciantes, minha tese sobre o " m o m e n t o
o p o r t u n o " de nos aproximar de um caso não está sujeita a rígi-
dos padrões. Cada a c o n t e c i m e n t o t e m suas próprias circunstân-
cias e o "farejador" deve saber distingui-las. Se e m Vegas cometi
u m erro ao retardar m i n h a atuação, no caso do cavaleiro andaluz
a tática de a g u a r d a r p a c i e n t e m e n t e foi mais proveitosa do que o
seria u m a tola precipitação. Rafael Peralta, u m universitário, que
em 1982 contava quarenta e três a n o s de idade, s o u b e perceber
d e s d e o primeiro m o m e n t o q u e não se achava diante de u m sim-
ples jornalista ansioso de novidades mais ou m e n o s espetacula-
res. E se abriu c o m p l e t a m e n t e , a p u r a n d o os detalhes e propor-
c i o n a n d o - m e a s p e c t o s de sua experiência que n i n g u é m até e n t ã o
conhecera.
"Naquela noite de d o m i n g o , 2 5 de julho" — assim c o m e ç o u
o seu relato o toureiro —, "depois de tourear e m La Línea e dei-
xar m i n h a equipe em Sevilha, tomei m e u Mercedes e pus-me a
c a m i n h o de Punta ü m b r í a , o n d e m i n h a família veraneava."
M a m e n , sua esposa, que esteve p r e s e n t e à nossa primeira e
tranqüila entrevista e m Rancho Rocio, a p r o p r i e d a d e de Peralta
e m Puebla dei Rio, c o n f i r m o u as palavras do marido.
"...Eu estava só. Ali pelas quatro da m a d r u g a d a , q u a n d o m e
aproximava do c r u z a m e n t o de El Rompido, a p e q u e n a distância
da estrada da esquerda — a q u e leva a Punta ü m b r í a —, observei
u m a s luzes vermelhas e amarelas, intermitentes. Não estavam exa-
t a m e n t e sobre a rodovia, m a s na praia. Pensei e m acidente. 'Al-
g u m carro ou c a m i n h ã o ' — disse para m i m m e s m o — 'deve ter
capotado...' Então fui reduzindo a m a r c h a , até deter-me a vinte
m e t r o s do local em que as luzes brilhavam. Desci do automóvel,
para dar a j u d a se fosse o caso, e caminhei na sua direção. Foi en-
tão que c o m e c e i a perceber q u e 'aquilo' n ã o tinha cara de aciden-
te. Ali, no solo, estava u m o b j e t o que eu nunca havia visto na vi-
da. Brilhava c o m o prata. J á viste u m a bandeja iluminada pelo sol?
Mais ou m e n o s assim. Era q u a s e quadrado, c o m os cantos chan-
frados. S e g u n d o m e u s cálculos, devia ter por volta de cinco ou
seis m e t r o s de largura por outros três ou q u a t r o de altura. Confu-
so, c o m u m a estranha s e n s a ç ã o no e s t ô m a g o , convicto de que
aquele o b j e t o não era normal, parei. Creio que cheguei a uns dez
m e t r o s dele, a p r o x i m a d a m e n t e . Então notei o indivíduo que es-
tava à direita do objeto. Era alto. Sua c a b e ç a podia chegar a u m
m e t r o do teto do aparelho. Isso lhe dava u m a altura de 2,60 ou
2,70 m e t r o s . Os cálculos, c o m o c o m p r e e n d e r á s , são estimativos.
O certo é q u e fiquei olhando, a b s o l u t a m e n t e p a s m a d o . O tipo es-
tava de frente e s u p o n h o que já se a c h a s s e ali q u a n d o c o m e c e i
a aproximar-se. Não tinha b r a ç o s ou pelo m e n o s não os vi. A ca-
beça, q u a d r a d a , estava coberta c o m u m a espécie de malha metá-

138
MAR

SER DE ASPECTO
ROBÓTICO
OVNI
N
Punta Umbria
]0
El Rompido >

Posição do Mercedes de Rafael Peralta. Na praia, o ovni


e o tripulante de aparência robótica.

Um ser de aparência metálica e de grande


nnlntura estava j u n t o ao objeto.
0 ovni, de grande luminosidade, ficou
inumado entre a estrada e o mar.

" R e t r a t o - r o b ô " do ser observado por Peralta. Seu aspecto


era metálico, c o m o brilho do aço inoxidável. Na zona
frontal da cabeça se viam umas linhas, à maneira de olhos,
ligeiramente inclinadas. No tórax viam-se t a m b é m umas
listras horizontais esbatidas. A s pernas, mais longas do que
o t r o n c o , eram separadas. 0 " p e r s o n a g e m " , c o m aparência
lica. Não vi n a d a que p a r e c e s s e cabelo ou feições. Q u a n t o às per-
nas, não saíam das virilhas, c o m o normalmente, m a s de mais abai-
xo. Por a l g u n s s e g u n d o s fiquei e m silêncio, observando-o, s e m
poder dar crédito aos m e u s olhos. Nisso ele soltou u m s o m estra-
nho, muito difícil de reproduzir. Parecia u m a 'frase' gutural, seca
e entrecortada. Qualquer coisa c o m o 'ba-ra-ra-rá'... Com certo tom
metálico. Mas n ã o demasiado. E muito rápido. Não m e soou a ne-
n h u m idioma conhecido. Então reagi e perguntei-lhe: 'O quê?' Não
houve resposta. Nesse instante c a m i n h o u até o o b j e t o e desapa-
receu, s u p o n h o que no seu interior. Não m e p e r g u n t e s por o n d e
entrou. Não sei se o fez por u m flanco ou por trás. O fato é que,
e m um abrir e fechar de olhos, o aparelho ergueu-se do solo e se
afastou e m silêncio, no r u m o do mar. E eu, m o r t o de m e d o —
confesso f r a n c a m e n t e —, voltei para o carro e lá fiquei por u n s
m o m e n t o s . E digo-te isto p o r q u e a impressão foi t a m a n h a que ne-
cessitei de seis ou oito m i n u t o s para m e lembrar o n d e havia me-
tido as chaves do Mercedes. Por fim encontrei-as no bolso. Dei
a partida e saí c o m o u m a bala. Ao chegar e m casa contei t u d o
à minha mulher. O relógio de quartzo, de pulso, havia parado, cu-
riosamente, às quatro e p o u c o da m a d r u g a d a . Ao cabo de d u a s
ou três horas c o m e ç o u de novo a funcionar c o m toda a normali-
dade. O do automóvel, entretanto, não teve alteração a l g u m a .
Nem as luzes ou o motor..."
Perguntei-lhe sobre sua primeira impressão, o que lhe viera
à m e n t e ao sentar-se no Mercedes, e n q u a n t o procurava as cha-
ves, e Peralta r e s p o n d e u c o m a e s p o n t a n e i d a d e q u e lhe é carac-
terística:
"Pensei q u e 'aquilo' n ã o era deste m u n d o . Pensei n u m ovni.
Eu sei o que é u m helicóptero e 'aquilo' não fazia ruído, n e m pa-
recia c o m os nossos helicópteros. A p e n a s ao decolar emitiu u m a
espécie de silvo, m a s suave. Nem a forma, n e m as luzes, n e m a
velocidade, n e m a f o r m a do ser t i n h a m nada q u e ver c o m o q u e
c o n h e c e m o s ou s a b e m o s . "
No dia seguinte, o toureiro e sua esposa haviam ido visitar
o lugar s e m encontrar vestígios n e m rastro do o b j e t o ou de seu
tripulante.
"Posso jurar-te" — a c r e s c e n t o u Rafael — "que e m toda a mi-
nha vida só vivi outra esperiência tão amarga quanto aquela. Ocor-
reu na praça de Puerto de Santa Maria, ü m touro lançou-me fora
da sela. Caí de costas e o animal parou a quatro ou cinco m e t r o s
de mim, olhando-me. Não pestanejei. 'Se eu m e mover ele m e ma-
ta', pensei. Foram s e g u n d o s horrorosos. E assim fiquei, paralisa-
do, até q u e a equipe interviesse e d o m i n a s s e a fera. Pois b e m , o
m e d o c h e g o u depois, no hotel. Cima s e n s a ç ã o que te deixa a bo-
ca seca e te retorce os músculos. A m e s m a coisa senti ao c h e g a r

140
a Punta Clmbría. O s dois ou três m i n u t o s e m q u e p e r m a n e c i dian-
te d o ovni e d o g i g a n t e f o r a m d e p e r p l e x i d a d e . Ao c h e g a r e m ca-
sa, e n f r e n t e i o m e d o . E foi-me impossível d o r m i r . "
Muitos a n o s atrás, e m 1951, n o verão, n a s l a g u n a s d o Gua-
dalquivir, o t o u r e i r o tivera outra e x p e r i ê n c i a i n t e r e s s a n t e , ainda
q u e n ã o t ã o d r a m á t i c a . " E m p l e n a noite, u m a luz cruzou o s c é u s
a g r a n d e velocidade, i l u m i n a n d o os c a m p o s c o m o se f o s s e d e dia
e e m m e i o a u m silêncio arrepiante. O s cavalos m o s t r a r a m - s e mui-
to inquietos e eu e o e n c a r r e g a d o f i c a m o s impressionados. J a m a i s
t í n h a m o s visto coisa igual."
C o m o creio q u e já disse, Rafael Peralta g u a r d o u s e g r e d o so-
bre o a c o n t e c i d o na e s t r a d a d e El R o m p i d o . A l g u n s d i a s d e p o i s ,
a o c o m e n t a r o c a s o c o n f i d e n c i a l m e n t e c o m u m a m i g o , a notícia
a c a b o u p o r vazar, c h e g a n d o à r e d a ç ã o d o diário Odiei.
N e s s e m ê s , e s p e c i a l m e n t e e n t r e o s dias 14 e 17, m u i t a s ou-
tras p e s s o a s f o r a m t e s t e m u n h a s d e p a s s a g e m d e ovnis. E m m e u s
a r q u i v o s e s t ã o avisos p r o c e d e n t e s d e Murcia, Alicante, C ó r d o b a ,
Cádiz e da própria Huelva. É i n t e r e s s a n t e d e s t a c a r q u e n e s s a
quarta-feira, 14 d e j u l h o d e 1982, p e l a s t r ê s e m e i a da m a d r u g a -
da, a l g u n s v e r a n i s t a s p r o c e d e n t e s d e Madri q u e c h e g a v a m a Pun-
ta ü m b r í a o b s e r v a r a m a p r e s e n ç a d e u m o b j e t o q u e fazia evolu-
ç õ e s s o b r e o m a r , d i a n t e d o c r u z a m e n t o d e La Bota. Ao c h e g a r
à e n t r a d a d o p o v o a d o , à altura da curva d e n o m i n a d a d o Calé, o s
f o r a s t e i r o s s o u b e r a m q u e vários m o r a d o r e s d o lugar t a m b é m ha-
viam t e s t e m u n h a d o a s silenciosas e incríveis e v o l u ç õ e s d o ovni.
" E m várias o c a s i õ e s d e s c e u q u a s e a t é roçar a superfície d o m a r ,
iluminando-o intensamente."
Mas v a m o s à s "leituras". Q u a i s as i m p r e s s õ e s d e a l g u é m a o
t o m a r c o n h e c i m e n t o e analisar u m c a s o c o m o o o c o r r i d o c o m o
toureiro?
E m p r i m e i r o lugar — r e t o m a n d o o fio c o n d u t o r d e s t e capítu-
lo: o m e d o s e n t i d o p e l a s t e s t e m u n h a s d e ovnis —, c o n v é m reco-
n h e c e r q u e o ser h u m a n o , pelo m e n o s e m nível individual, n ã o
está p r e p a r a d o para e n c a r a r o f e n ô m e n o . S e u m profissional d o
risco, q u e e m 1982 contabilizava e m s e u haver n a d a m a i s n e m
m e n o s q u e dois mil e q u i n h e n t o s d u e l o s c o m o u t r o s t a n t o s tou-
ros d e c o m b a t e , r e a g i u c o m o s a b e m o s q u e reagiu, q u e e s p e r a r
de u m mortal c o m u m ?
Q u a s e s e m q u e r e r , vim a d e s e m b o c a r n o "circuito" s e c r e t o
e e s c u r o o n d e d o r m i t a m a s razões q u e p o d e r i a m justificar o " n ã o
c o n t a t o " c o m o s h u m a n o s . Cientistas, céticos, curiosos, c r é d u l o s
e p e s q u i s a d o r e s f o r m u l a m há a n o s e a n o s a m e s m a intrigante per-
g u n t a : "Por q u e n ã o d e s c e m e x p l i c i t a m e n t e , o f i c i a l m e n t e ? " Tal-
vez — n o m e u f r a c o e n t e n d i m e n t o — seja o m e d o a g r a n d e ra-
zão. E u m fator q u e n ã o d e v e ser s u b e s t i m a d o .

141
A julgar pelos milhares de t e s t e m u n h o s colhidos em todo o
m u n d o , a maioria das civilizações q u e nos visitam apresenta u m a
morfologia " h u m a n a " , c o m diferenças q u a s e s e m p r e irrelevantes.
"Eram c o m o nós m e s m o s " , c o s t u m a m dizer as t e s t e m u n h a s . Eu
vou mais além e m e atrevo a inverter a colocação: " S o m o s nós
que nos p a r e c e m o s a eles." Não nos e s q u e ç a m o s que, se estão
aqui, é p o r q u e sua tecnologia e sua antiguidade lhes p e r m i t e m .
E m boa lógica, muitas d e s s a s civilizações t ê m de ser mais velhas
do que a nossa. Certamente, se f o s s e m iguais ao h o m e m , no q u e
se refere ao grau de desenvolvimento tecnológico, não teriam se-
quer ultrapassado s u a s luas.
Mas t a m b é m é certo q u e nestes quarenta e quatro a n o s da
c h a m a d a " m o d e r n a era ovni", nós todos, pioneiros da ufologia,
t e m o s recolhido u m n ú m e r o notável de "contatos imediatos" que
m o s t r a m a realidade de outros seres de aspecto físico "monstruo-
so", para utilizar u m t e r m o terráqueo. S u p o n h o que o conceito
e a interpretação de beleza, t a m b é m e m nível cósmico, são relati-
vos. Dostoievski r e c o m e n d a n ã o julgá-la: "A beleza" — diz — "é
u m enigma." E, queiramos ou não, esses tripulantes c o m um olho
só providos de pés caprinos, de a s p e c t o robótico ou c o m cara de
ratazana, para citar alguns exemplos, constituem u m dos mais im-
penetráveis mistérios do século XX. A q u e s t ã o é se o h o m e m po-
deria acostumar-se com o seu contato. No fundo suponho que sim.
Guardadas as diferenças, nossa civilização aceita, e c o m eles con-
vive, seres que não t ê m a m e n o r s e m e l h a n ç a c o m o "rei da cria-
ção". E o faz até m e s m o c o m indivíduos de sua m e s m a espécie
c u j a s m o n s t r u o s i d a d e s , no agir, dizer ou pensar, fariam suportá-
vel o t e n e b r o s o aspecto de u m "gigante de sotaina".
Para estabelecer esse definitivo contato c o m outros " h o m e n s "
d a s estrelas necessita-se, isso sim, t e m p o e u m a p r o f u n d a cons-
cientização. Pode-se dizer que e s t a m o s ainda "de fraldas". Gim
e x e m p l o ? T e m o s milhares deles. Nosso grau de evolução é tão
baixo por e n q u a n t o que, apesar de h a v e r m o s c o n q u i s t a d o (?) a
lua, não s a b e m o s defender-nos da chuva, a n ã o ser c o m u m
guarda-chuva. C o m p a r a d o c o m os tripulantes d e s s a s naves, o ha-
bitante da Terra m e lembra u m b e b ê que a c a b a de levantar-se e m
seu berço e c o m e ç a a descobrir a p a s s a g e m e a existência de "ou-
tros seres" à sua volta.
Na realidade, serão precisos muitos a n o s para que essa cria-
tura consiga entender a c o m p l e x a trama q u e a circunda. Q u e m ,
em seu juízo, tomaria esse bebê em seus braços e tentaria explicar-
lhe, por exemplo, a teoria geral da relatividade ou o funcionamento
de um m o t o r de explosão? Algo similar — ainda que eu reconhe-
ça o risco de qualquer simplificação — está ocorrendo, a t o d o s
nós, c o m o f e n ô m e n o dos "não-identificados". S o m o s nós, não

142
Uma das enigmáticas pegaaas
da Serra de Ronda.
A mão serve como referência.
(Foto de J. J. Benitez.)

Segundo os peritos consultados, as pegadas surgidas nos contrafortes da Serra


de Ronda não pertencem a nenhum animal conhecido naquelas latitudes.
Chama atenção o enorme peso do " s e r " , que calcou o terreno seco até a
profundidade de dez centímetros, provocando fissuras ao redor das suas
pegadas. Na f o t o da esquerda, causam surpresa as orlas pequenas e
arredondadas, visíveis no ângulo superior direito. Na f o t o da direita, segundo
os peritos, as pegadas, por suas bordas de fratura irregular e grande
profundidade, parecem provir de um impacto muito violento, provocado pela
f o r t e pressão de u m objeto ou membro de relevo irregular (salientes,
mamilares) e perfil circular.
(Fotos de J. J. Benitez.)
eles, que t e m o s pressa de desvendar o enigma, s e m n o s lembrar-
m o s de q u e "há um t e m p o para tudo".
Entre as pinturas rupestres e a "magia" do controle a distân-
cia de u m televisor nos s e p a r a m cerca de vinte mil anos. Os pilotos
dos ovnis s a b e m disso e, em minha opinião, a g e m levando essa cir-
cunstância e m consideração, ou seja, adiando o contato final. Dão
t e m p o ao tempo. Suponho, t a m b é m , que chegará o dia e m q u e as
raças h u m a n a s desta remota "esfera azul", perdida na "periferia de
u m a galáxia", se integrarão de fato e de direito no "clube cósmico".
E livros c o m o este serão motivo de hilaridade, de enternecimento,
m a s t a m b é m de muito compreensível estranheza.
Mas c o n t i n u e m o s c o m as interpretações do caso Peralta.
Seria idiotice, s e n ã o pecado, não formular a pergunta-chave:
que diabos faziam aquele ovni e o cara do "ba-ra-ra-rá" nas alvas
d u n a s de Punta ü m b r í a às quatro da m a d r u g a d a e à m a r g e m de
um cruzamento rodoviário? Esticando as pernas? Aspirando a per-
f u m a d a brisa m a r i n h a ? Investigando o lugar? E que interesse po-
dia ter aquele recanto para a tripulação de tal aparelho? Q u e m
passear por aquela praia descobrirá, a certa distância, uma peque-
na e nada extraordinária casinha da Cruz Vermelha, para uso d o s
banhistas. Um p o u c o mais à direita, em direção ao "Rompido",
u m a lanchonete c o m o tantas outras e, à m a r g e m da estrada, u m a
m o d e s t a m a r q u i s e destinada à p r o t e ç ã o dos usuários dos auto-
ônibus que fazem o serviço regular de transporte coletivo entre
as cidades da região. A seu lado, u m a cabina telefônica e os car-
tazes habituais em qualquer confluência que se preze. E, ao fun-
do, entre cinqüenta e c e m metros, d e p e n d e n d o das marés, o mar.
Isso era tudo.
Por m a i s voltas que eu d e s s e pelos a r r e d o r e s não fui capaz
de desvendar o mistério. À primeira vista, além da beleza própria
das terras o n u b e n s e s , t u d o se encaixava no normal e no c o m u m .
Por que, então, a nave foi aterrissar à m a r g e m da estrada, e, qua-
se c o m toda a certeza, m i n u t o s ou s e g u n d o s a n t e s da p a s s a g e m
do Mercedes do toureiro? A duzentos m e t r o s c o m e ç a u m d e n s o
b o s q u e de pinheiros "mediterrâneos". Se n ã o d e s e j a v a m ser vis-
tos, não teria sido mais lógico ocultarem-se no bosque, ou, sim-
p l e s m e n t e , t o m a r distância da estrada? E para q u e aquele esban-
j a m e n t o de luzes? S a b e m o s de i n ú m e r o s casos e m que os ovnis
v o a m ou aterrissam c o m o s o m b r a s . Q u a n t o ao "cidadão" de qua-
se três m e t r o s e vestido à m o d a robótica, que se p o d e dizer? Des-
ceu do "utilitário" para soltar u m "ba-ra-ra-rá" e t c h a u ? Não afas-
t e m o s , p o r é m , a possibilidade de q u e se tratasse de u m admira-
dor de Rafael Peralta que, ansioso por ver seu ídolo, foi esperá-lo
às q u a t r o da m a d r u g a d a à porta da sua casa de veraneio. E que
melhor galanteria do que u m "ba-ra-ra-rá"?

144
C h a c o t a s à p a r t e , inclino-me — " f a r e j a d o r " t e i m o s o q u e s o u
— pela hipótese q u e n ã o m e c a n s o d e citar: "nada é casual". Q u e m
s a b e nesta á r d u a , lenta e sutil t a r e f a d e m e n t a l i z a ç ã o d o g ê n e r o
h u m a n o , "alguém", n a s alturas, escolheu o toureiro-cavaleiro. Por
q u e n ã o ? O prestígio, a f a m a , a h o n r a d e z e a p r o v a d a c o r a g e m
d e s t e sevilhano s e r i a m razões d e p e s o na s e l e ç ã o . O r e s u l t a d o foi
c o m p l e t o : i m p r e n s a , rádio, TV e a g ê n c i a s d e notícias d i v u l g a r a m
o acontecimento e o tornaram conhecido por meio m u n d o .
O u t r o d e t a l h e curioso e significativo. O toureiro d e fato guar-
d o u silêncio, m a s na primeira o p o r t u n i d a d e e m q u e resolveu con-
fidenciar seu s e g r e d o — t a m b é m é c a s u a l i d a d e ? —, figurava na
roda u m i r m ã o d o diretor d o jornal Odiei... Às vezes p e n s o q u e ,
por m u i t o q u e se o b s t i n e m as t e s t e m u n h a s n o m u t i s m o , s e o s pla-
n o s d e s s e s " s e r e s " incluírem a d i v u l g a ç ã o d o fato n ã o h a v e r á for-
ça h u m a n a q u e o neutralize. Não i m p o r t a o t e m p o , n e m a s cir-
c u n s t â n c i a s , m e n o s a i n d a a o b s t i n a ç ã o d o s h o m e n s . T e m o s aí o s
c a s o s d o s e n h o r d e C a m b r o n c i n o , q u e levou s e t e n t a e t r ê s a n o s
p a r a ser revelado, e o d o "tiu Mona", d e Zafra, p a r a ficar a p e n a s
nesses.
T a m b é m sei q u e a s provas e a r g u m e n t o s q u e a l i c e r ç a m esta
teoria n ã o p o d e m ser t e s t a d o s e m laboratório, o q u e fará sorrir
m a l i c i o s a m e n t e o s c é t i c o s e cáusticos. S e a l g u é m p u d e r raciona-
lizar q u a l q u e r d e s t e s " c o n t a t o s " c o m u m a b a s e sólida, s e m recor-
rer à c ô m o d a teoria d o a c a s o , estarei d i s p o s t o a levá-lo e m consi-
d e r a ç ã o e, se for preciso, a retratar-me. N i n g u é m p e r d e o s a n é i s
a o c o n f e s s a r - s e e r r a d o . De m i n h a p a r t e — d i v e r s a m e n t e d o s "in-
falíveis v a m p i r o s " — a d o t o a s e n t e n ç a d e G o e t h e : "Assim q u e s e
c o m e ç a a falar, c o m e ç a - s e a errar." Todavia, o p o u c o ou m u i t o
q u e fui a p r e n d e n d o c o m m i n h a s p e s q u i s a s levou-me a esta con-
clusão: "Tudo, ou q u a s e t u d o , na teia da a r a n h a ovni p a r e c e mi-
n u c i o s a e m a g i c a m e n t e p r o j e t a d o a n t e s d e o c o r r e r . " Até a pró-
pria existência d o s u f ó l o g o s "de salão". Q u e seria d e s t e p e r v e r s o
"fazedor d e t e a t r o " se n ã o p u d e s s e a t o r m e n t á - l o s ?
E já q u e m e n c i o n o a palavra " a t o r m e n t a r " , v e j a m o s pesqui-
s a d o r e s n e ó f i t o s e o s a m a n t e s do t e m a a t é q u e p o n t o u m devora-
dor d e e s t r a d a s p o d e ser castigado pelo Destino o n d e m a i s lhe dói.
T u d o c o m e ç o u por culpa de u m ovni d e g r a n d e s d i m e n s õ e s . . .
J á a c o n t e c e u e m o u t r a s o p o r t u n i d a d e s . N e m sei, p o r t a n t o ,
p o r q u e m e queixo. N a q u e l e 10 d e m a r ç o d e 1 9 7 8 a c h a v a - m e a
u n s mil q u i l ô m e t r o s d e Sevilha. A p r i m e i r a fase da i n v e s t i g a ç ã o
d o c a s o d e P u e n t e S a n Miguel, e m Cantabria, c a m i n h a v a exce-
l e n t e m e n t e . E aproveitei m i n h a e s t a d a na M o n t a n h a para m a n t e r
o u t r o s c o n t a t o s i m e d i a t o s c o m o s t r i p u l a n t e s e s u a s naves. E nis-
so e s t a v a eu, j u n t a m e n t e c o m o e n t ã o diretor d a s g r u t a s d e Alta-
mira, Felipe Méndez d e la Torre, q u a n d o , e m u m providencia-

145
líssimo p o u s o e m m e u negligenciado lar, m e p u s e r a m de sobrea-
viso: u m d o s m e u s "espiões", entre o pessoal militar do radar de
Constantina, na província sevilhana, pedia minha atenção c o m ur-
gência. Não era para m e n o s . As telas haviam d e t e c t a d o u m obje-
to de e n o r m e s p r o p o r ç õ e s evoluindo no e s p a ç o aéreo andaluz.
Cima s e g u n d a c h a m a d a , desta vez à Base Aérea de Morón, viria
confirmar a presença e o r u m o do ovni. A p a r e n t e m e n t e , sua dire-
ção era sudeste.
Nessa m e s m a m a n h ã , t o m a d o de grande nervosismo, peguei
a estrada, m a i s v o a n d o do que rodando, no q u a s e suicida intento
de alcançar o ovni. Pouco a n t e s do alvorecer, depois de confir-
m a r que a gigantesca "nave-mãe" havia sido vista nas proximida-
des de Ronda, irrompi c o m o u m raio na rodovia 3 3 9 disposto a
tudo. Mas aí, na agreste serrania m a l a g u e n h a , acabei perdendo-
lhe o rastro. O o b j e t o se havia e s f u m a d o . Os radares e as teste-
m u n h a s oculares que m e haviam guiado e m u d e c e r a m . Desanima-
do, enfrentei u m á r d u o dilema. A entrada da cidade de Ronda
abriam-se várias rotas: as estradas de c o m a r c a 3 4 1 (para Teba,
no norte, e J i m e n a de la Frontera, no sul), 3 4 4 (levando a Coín)
e 3 3 9 (que acaba no mar). Qual escolher? O mais provável é que
n e n h u m a delas oferecesse u m a solução para o m e u louco objeti-
vo. S e n t a d o ao volante, com o m a p a rodoviário zombando do m e u
infortúnio, veio-me u m a idéia que de certo fará sorrir outra vez
o s s u m o s s a c e r d o t e s da ufologia: resolvi jogar c o m os n ú m e r o s
que identificam aquelas estradas. Só u m a s o m a v a 2: a 344. E co-
m o já fazia t e m p o q u e a m a n h e c e r a n a q u e l e s á b a d o , 11
(11 = 1 + 1 = 2 ) lancei-me para Yunquera, Alozaina, Coín e Alhau-
rín el Grande.
O resto do dia, c o n f o r m e anotei no m e u c a d e r n o de c a m p o ,
foi todo u m s o b e r b o fracasso. Q u a t r o vezes fiz e desfiz os noven-
ta e p o u c o s quilômetros que s e p a r a m Ronda de Coín. Nem em
Guaro, Tolox, Gibralgalia, Casarabonela ou El Burgo, n e m nas lo-
calidades servidas pela estrada principal, p u d e obter notícia do
vôo do ovni. E mais: a reação de m u i t o s dos que eu interroguei
mereceria passar para a posteridade:
" d m o quê, diz o s e n h o r ? "
" ü m ovni", respondia eu diante da estranheza, aliás óbvia, dos
moradores. E, entre caras contrafeitas, sorrizinhos, chacotas e dar
de o m b r o s , vi chegar a noite e c o m ela o d e s â n i m o e o sono. Inca-
paz de continuar devorando quilômetros, parei à m a r g e m da es-
trada, ao a m p a r o da serra Parda, e ali, e m u m s o n o e n t r e c o r t a d o
e interminável, aguardei o a m a n h e c e r , ü m a vez mais, a noite m e
pareceu u m ringue. E o s e n s o c o m u m e a intuição mantiveram
u m c o m b a t e de cinco ou seis horas. O primeiro, c o m o seria de
supor, t o m o u a iniciativa, castigando d u r a m e n t e a s e g u n d a . Inex-

146
plicavelmente, p o r é m , n e n h u m d o s pugilistas g a n h o u ou p e r d e u .
Alguma coisa, no m e u íntimo, m e aconselhava a conservar a cal-
ma. Ao m e s m o t e m p o , era ridículo continuar em tão disparatado
projeto. A cordilheira de Ronda é s i m p l e s m e n t e imensa. Só a cir-
cunscrição judiciária da cidade a b r a n g e mais de 1 3 0 0 quilôme-
tros q u a d r a d o s . Ao fim de tudo, traí o instinto. E p o u c o a n t e s do
alvorecer, decidido a acabar c o m aquela aborrecida e estéril per-
seguição, tomei o c a m i n h o mais fácil e direto para a civilização.
Atravessei Coín e, q u a n d o escalava os 580 m e t r o s do porto de
Ojén, r u m o a Marbella, m e u e s t ô m a g o lembrou-me de que n ã o
provava u m b o c a d o sequer d e s d e o meio-dia da véspera.
Por q u e parei naquele r e m o t o b o t e q u i m a p o u c o s quilôme-
tros de Ojén? A primeira vista, por causa da fadiga q u e m e toma-
ra. Mas, q u a n d o m e lembro d a q u e l e café c o m leite, as torradas
c o m manteiga e as notícias q u e corriam no estabelecimento, já
não estou tão certo. Acontece que f r e g u e s e s e botequineiro dis-
cutiam aos gritos e apelavam para a razão por causa de u m "bi-
cho" mal e n c a r a d o e c o m p a t a s " r e d o n d a s c o m o tubos" que, se-
gundo eles, havia sido visto a u m a distância de meia légua do por-
to. Os mais sensatos negavam sistematicamente. "Que 'bicho' po-
dia tocar os bigodes de u m gato m o n t ê s ? " E o mais letrado rema-
tava: "E q u e 'bicho' serrano caminha c o m d u a s patas, a f u n d a n d o
no solo c o m o um Passo da S e m a n a S a n t a ? "
A discussão e m torno do enigmático "bicho" m e deixou an-
siosíssimo. E s e m esperar convite meti-me na c o n t e n d a , para m e
esclarecer. Será que eu tinha ouvido b e m ? E tinha, sim, louvado
seja Deus! E m uma certa p r o p r i e d a d e que se eleva no e x t r e m o
limite de Ojén alguém garantia ter visto u m "bicho" c o m p a t a s
"redondas", c a m i n h a n d o muito perto da casa principal. Mas isso
não era tudo. Nessa m e s m a m a n h ã , o pessoal da granja sepultara
os restos de u m a gata decapitada misteriosamente.
(E fácil imaginar c o m o se sentiu este "são p e d r o " de fanca-
ria, capaz de trair sua própria intuição.)
Q u a n d o cheguei ao lugar, situado a uns catorze quilômetros
em linha reta do lugar o n d e havia p a s s a d o a noite, acho q u e eu
estava p a r e c e n d o u m a " a s s o m b r a ç ã o jurdana": c â m a r a s fotográ-
ficas a r m a d a s , barbado, olhar perdido e mais de mil quilômetros
de estrada pressionando minha coluna vertebral. Plantei-me es-
t r a t e g i c a m e n t e no meio de u m g r u p o que tagarelava sobre o que
ocorrera na propriedade. Acho que a presença d a q u e l e forasteiro
os confundia tanto ou mais do que o incidente p r o p r i a m e n t e di-
to. Mas seria trabalho perdido tentar explicar o que eu m e s m o não'
conseguia entender...
O importante era q u e eu estava ali e que, depois de um lon-
go diálogo e de garantir s e g r e d o q u a n t o a o s n o m e s das teste-

148
m u n h a s e da propriedade, c o n c e d e r a m - m e passar da história ao
seu cenário. O dono, a q u e m designarei pelas iniciais L.B., ainda
assustado, relatou o que segue:
"Era por volta da meia-noite. Meu filho e eu víamos televi-
são. Ao nosso lado estava o cachorro-lobo. De repente, o vídeo
se alterou. Surgiram u m a s listras e quase simultaneamente ouviu-
se u m silvo. Meu filho o notou primeiro. Depois o f e n ô m e n o vol-
tou a registrar-se c o m nitidez. O cão, inquieto, nervoso, ergueu
a cauda e as orelhas, foi até a porta e c o m e ç o u a ladrar furiosa-
m e n t e . Olhamo-nos intrigados. Nisso p e r c e b e m o s que os c ã e s da
redondeza t a m b é m uivavam. A princípio, c o m o é natural, pensa-
m o s na hipótese de alguém se a p r o x i m a n d o da casa. Então, se-
gurando o cachorro pela coleira, fui c o m m e u filho até o terraço.
Acendi a luz da fachada e de parte do terreno e t e n t a m o s ver o
que se passava. Eu, f r a n c a m e n t e , nada vi. Mas meu filho a p o n t o u
para o c a m i n h o que s o b e até aqui e c h a m o u minha atenção. 'Já
vem fulano — c o m e n t a m o s —. E bêbado. Bela noite nos espera'!"
O proprietário do rancho m e disse que no primeiro m o m e n -
to confundiram o estranho p e r s o n a g e m c o m um vizinho, a m a n t e
do c o p o e que q u a n d o e m b r i a g a d o tinha o c o s t u m e de plantar-se
na casa e amolá-los por horas e horas.
"...O andar do tipo era tão e s t r a n h o que a c r e d i t a m o s que se
tratava do nosso amigo bêbado. Mas quando prestamos mais aten-
ção vimos que não. Aquele sujeito caminhava de lado. Vinha pa-
ra nós por u m a trilha que s o b e até a casa. Primeiro deitava u m a
perna, depois a outra. E assim, passo a passo, foi c h e g a n d o per-
to, a coisa de uns dez m e t r o s da esplanada. E o cão, cada vez mais
excitado, c o m e ç o u a dar violentos e m p u x õ e s até q u a s e m e arras-
tar. A luz da l â m a p d a distinguimos d u a s 'patas' de aspecto metá-
lico, grossas, em forma de canos, e de u m a tonalidade azul-aço.
Deviam medir mais de um metro. O resto do corpo não consegui-
m o s ver. Alarmado, interpelei-o várias vezes: ' Q u e m vem aí?' Si-
lêncio. Ninguém r e s p o n d e u . E continuou avançando. Ao chegar
junto à pedra grande, e x a t a m e n t e no p o n t o em que a iluminação
é mais forte, ameacei-o c o m o cão. Acho que e n t e n d e u p o r q u e
parou. Mas o incrível é que não houve maneira de ver-lhe a parte
superior. Só os p o d e r o s o s e longos 'tubos'. Convencido de que
'aquilo' não era normal, soltei o cachorro, que, enfurecido, c o m
o pêlo eriçado, c o m o se fosse um porco-espinho, correu para o
sujeito. Eu, mais encolerizado do que o animal, fui atrás. Você
viu e percorreu o lugar. Do alpendre até o c a m i n h o e a estrada
n ã o se leva mais de cinco segundos. Pois b e m , o tipo havia desa-
parecido! E tanto m e u filho c o m o eu nos p e r g u n t a m o s : c o m esse
andar lento, difícil e de lado, c o m o poderia sair daqui em segun-
dos? E outro f e n ô m e n o que nos encheu de perplexidade: o ca-

149
chorro, em vez de p e r m a n e c e r no lugar em que se s u p u n h a que
estivesse o monstro, prosseguiu c a m i n h o abaixo, ladrando raivo-
s a m e n t e . Absurdo, n ã o te p a r e c e ? "
Mas o pesadelo, para LB e a família, ainda não havia p a s a d o .
Com o alvorecer descobriram algo que acabou por aterrorizá-los.
Primeiro f o r a m as pegadas. Eu, p e s s o a l m e n t e , contei m a i s
de cinqüenta. D e s e n h a v a m um círculo ao redor da casa. As mais
próximas situavam-se a dois m e t r o s das paredes. E r a m circula-
res — de dez a quinze c e n t í m e t r o s de d i â m e t r o por oito ou dez
de p r o f u n d i d a d e — e p r a t i c a m e n t e g ê m e a s . F o r m a v a m u m a fi-
leira, m a s não era possível discernir o c o m e ç o e o fim da cami-
nhada. C o m e ç a v a m na trilha e rodeavam a casa, m a s t a m b é m era
possível que fosse o contrário. O certo é que, em a l g u m a s áreas,
as p e g a d a s surgiam de repente e sem explicação.
A primeira impressão era de que o ser de p e r n a s metálicas
havia p a s s e a d o em torno da casa, e c o m u m a audácia elogiável.
Mas q u a n d o ? Antes ou depois do incidente do terraço? Fosse
c o m o fosse, por que os m o r a d o r e s e os cachorros n ã o percebe-
ram sua p r e s e n ç a ? E c o m o e por o n d e conseguiu evaporar-se?
O responsável por tais p e g a d a s devia ser e x t r e m a m e n t e p e s a d o
ou capaz de exercer u m a e n o r m e pressão sobre o duro e resse-
cado terreno. As pegadas, s e p a r a d a s entre si por trinta ou qua-
renta c e n t í m e t r o s e m média, f o r m a v a m , c o m o já disse, u m a li-
nha que confirmava a descrição das t e s t e m u n h a s : o sujeito an-
dava de lado.
Apesar da clara evidência, pedi a c o l a b o r a ç ã o dos m e u s anfi-
triões, na tentativa de reproduzir pisadas similares. Foi impossí-
vel. Nem os cães, nem os carneiros, n e m os seres h u m a n o s , por
muita pressão que p u s e s s e m no caminhar, produziram p e g a d a s
de mais de três ou quatro milímetros. Q u e espécie de indivíduo
ou animal poderia haver rebaixado o solo até dez c e n t í m e t r o s ?
A idéia de u m urso foi descartada pelos próprios m o r a d o r e s . Pri-
meiro, p o r q u e nas m o n t a n h a s de Ronda, lamentavelmente, essa
espécie se extinguiu. S e g u n d o , p o r q u e a forma e o relevo das pe-
g a d a s não tinham s e m e l h a n ç a c o m as dos ursos. Por último, por-
que, na esdrúxula suposição de que houvesse sobrevivido algum
espécime, não seria normal que descesse até o p o n t o o n d e m e
encontrava, a pouco mais de vinte quilômetros da costa. Bastava
a s e g u n d a razão para descartar a hipótese.
Para ser franco, ainda que eu g u a r d a s s e sigilo, para não au-
mentar o pânico que já flutuava no ambiente, as p r o p o r ç õ e s das
p e g a d a s m e fizeram tremer. Aquele "ser" — s e g u n d o os cálculos
realizados t e m p o s depois — podia pesar entre trezentos e qua-
t r o c e n t o s quilos. Só assim se explicaria o a f u n d a m e n t o do solo
e as fissuras que circundavam cada p e g a d a . A análise da terra

150
A gata, logo depois de exumada. A mangueira de rega estava
Cabeça e pata esquerda ainda dobrada quando foi fotografada
"guilhotinadas". por J. J. Benitez. A flecha
(Foto de J. J. Benitez.) indica o lugar onde se encontrou
a gata. No solo se vê uma pequena
mancha de sangue. Nessa área,
estranhamente não havia pegadas.

0 proprietário da chácara, caminhando pelo cenário dos fatos. À sua frente


caminha o seu cachorro-lobo.
(Foto de J. J. Benitez.)
pisada não forneceu, por seu lado, u m único dado que p u d e s s e
esclarecer a natureza do p e r s o n a g e m .
Q u a n t o ao s e g u n d o e m a c a b r o achado, registrado nessa mes-
ma m a n h ã , só contribuiu para a u m e n t a r o t e m o r do pessoal e a
minha c o n f u s ã o . A oitenta m e t r o s da casa, e muito perto da tri-
lha o n d e fora observado o par de "tubos andarilhos", u m campo-
nês tropeçou c o m o corpo mutilado de u m a gata. Nesse lugar es-
tá disposta u m a m a n g u e i r a de regar. Pois bem, ao constatar que
a água não fluía pela m a n g u e i r a , o c a m p o n ê s a foi e x a m i n a n d o
até chegar à borda de tal trilha. Ali estava o problema: a mangueira
se apresentava dobrada, e, junto a ela, o infortunado felino.
"...É incompreensível" — disse LB com grande pesar —. "Es-
sa gata, de a p e n a s a n o e meio, vivia aqui, conosco, no galinhei-
ro. Era muito ágil. É incrível que u m estranho t e n h a podido
agarrá-la e mutilá-la tão b a r b a r a m e n t e ! Nem as raposas o conse-
guiriam..."
Entretanto, a gata, que estava prenhe e teria filhotes em ques-
tão de dias, não só foi agarrada c o m o t a m b é m decapitada. E a
cabeça e a pata dianteira e s q u e r d a não f o r a m encontradas. Cheia
de pena, a família já havia sepultado s e u s restos. De tarde, a m e u
pedido, LB e u m vizinho m e a c o m p a n h a r a m até o lugar do sepul-
t a m e n t o e e x u m a r a m o animal. Fazia cinco horas que havia sido
enterrado. Notei que apresentava duas curiosas mutilações. Ao
examinar o pescoço, e ainda que m e u s c o n h e c i m e n t o s de anato-
mia e dissecação não f o s s e m tão brilhantes c o m o seria desejável
num m o m e n t o c o m o aquele, pareceu-me que estava diante de u m
corte "limpo", sem dilaceração aparente. Se fosse obra de u m ani-
mal predador, o normal seria q u e os tecidos, vasos, ligamentos,
etc., estivessem "desfiados" e p e n d e n t e s . O osso e a musculatura
que integravam a pata dianteira esquerda a p r e s e n t a v a m o mes-
m o aspecto: haviam sido s e c i o n a d o s de u m golpe e perpendicu-
larmente ao eixo da pata.
Mas não era a mim que competia emitir um juízo sobre as
e s t r a n h a s mutilações. Depois de fotografar o animal pedi permis-
são para levá-lo e entregá-lo a especialistas. LB, ainda que um tan-
to surpreso diante de um pedido tão incomum, aquiesceu. E a gata
iniciou assim uma última "viagem", p a s s a n d o por laboratórios,
veterinários e zoólogos de Málaga, Sevilha e Madri.
Os e x a m e s e o veredicto final foram u n â n i m e s . Eis u m a sín-
tese deles:
"Cabeça e pata f o r a m s e p a r a d a s m e d i a n t e u m a ação mecâ-
nica. Provavelmente c o m um bisturi ou outro instrumento cortan-
te. O tecido ósseo apresentava na zona de corte u m perfil s e m ru-
gosidades, indício básico de apoio à hipótese de u m secionamen-
to por meios artificiais e muito aperfeiçoados..."

152
Devo esclarecer, ainda que considere desnecessário, que ne-
n h u m dos peritos que trabalharam sobre o cadáver da gata foi in-
f o r m a d o das circunstâncias da sua morte.
"O pêlo do felino, d i r e t a m e n t e e m contato c o m a área muti-
lada, apresenta t a m b é m , através da microfotografia (X200), cla-
ros sinais de c h a m u s c a m e n t o . Sinais, todavia, q u a s e imperceptí-
veis nos restantes tecidos do pescoço..."
Em outras palavras, traduzindo em t e r m o s leigos a linguagem
científica dos peritos: o bisturi ou instrumento utilizado no ato sel-
vagem, além de separar a cabeça e a pata "limpa e precisamen-
te", q u e i m o u o pêlo a d j a c e n t e . Foi u m a lástima não se encontra-
rem as partes "guilhotinadas". Talvez h o u v e s s e m podido revelar
o sistema que produziu a mutilação.
No ventre foram encontradas e extraídas quatro crias com cer-
ca de cinqüenta dias de gestação. Isso significa, t o m a n d o - s e por
base que a média é de cinqüenta e cinco, que os gatinhos esta-
vam prestes a nascer.
E m minha opinião, ligando as p o n t a s desta terrorífica e nada
edificante história, os três capítulos c o n h e c i d o s se inter-relacio-
nam: avistamento ou contato c o m os "tubos andantes", p e g a d a s
e m o r t e do felino doméstico. A o r d e m e m que a c o n t e c e r a m já é
mais difícil de estabelecer, e m b o r a careça de importância. O que
parece verossímil é que o p e r s o n a g e m que se aventurou até per-
to do terraço p o d e ter sido o causador das p e g a d a s e do sacrifício
da gata. E as p e r g u n t a s c o m e ç a m a jorrar.
Foi essa "entidade" — para chamá-la de uma forma caritati-
va — a responsável pelas interferências no televisor? Provocou
t a m b é m os silvos? C o m o s a b e m os que c o n h e c e m a l g u m a coisa
dos f e n ô m e n o s relacionados c o m ovnis, essas anomalias costu-
m a m ser associadas à presença ou proximidade dos "não-identi-
ficados" ou s e u s tripulantes. C o m o navarro, apostaria dois con-
tra u m que, nos arredores, esperavam o sanquinário uma nave e
um ou mais c o m p a n h e i r o s de tripulação. Ainda que não possa
prová-lo, estou convencido de que este "ser" fazia parte da tripu-
lação do gigantesco objeto c a p t a d o pelos radares horas a n t e s e
que m e havia feito atravessar meia Espanha.
Ainda hoje, doze ou treze a n o s depois da violenta experiên-
cia, aterroriza-me a lembrança daquela noite no interior do m e u
carro, a catorze quilômetros do cenário dos acontecimentos. Q u e
m e aconteceria, leviano que fui, se o sujeito dos "tubos", e m lu-
gar de escolher a propriedade de LB, optasse por meu carro? De
vez e m q u a n d o m e faço u m a pergunta que, à vista de tantos fa-
tos, abala-me u m pouco: que m e reservará o Destino no dia e m
q u e eu chegar a t e m p o de encontrá-los frente a frente?
T a m b é m o c o m p o r t a m e n t o dos c ã e s encaixa-se p l e n a m e n t e
na crônica dos ovnis. Esses nobres animais — c o m o m u i t o s ou-

153
tros: cavalos, vacas, patos, etc. — gozam de um singular e apura-
do sentido que lhes permite perceber a proximidade de algo ou
alguém não c o m u m . S e u s uivos, seu nervosismo e terror consti-
t u e m u m a advertência de grande valor. E m geral, as p e s s o a s ha-
bituadas ao trato c o m estes fiéis guardiães e c o m p a n h e i r o s sa-
b e m distinguir q u a n d o os ladridos ou a atitude do cão se devem
à aproximação de alguém, ou algo normal, e q u a n d o s e n t e m al-
guma coisa desconhecida. Esse terror é capaz de transformar ani-
mais valentes, ou e s p e c i a l m e n t e adestrados, em cordeiros aco-
vardados. Qualquer pesquisador "de c a m p o " que se preze conhe-
ce ao m e n o s cinco ou seis c a s o s em que, graças a esses "avisos",
os habitantes das zonas rurais p u d e r a m c o n t e m p l a r as evoluções
de objetos não identificados ou as andanças de humanóides. Aten-
ção, pois, ao g a d o e aos animais domésticos. Contrariamente ao
que afirmam os "vampiros", ainda não conheci um só cachorro,
por mais "pastor a l e m ã o " que fosse, c o m c a p a c i d a d e para mon-
tar u m a f r a u d e ovni...
Dentro dos estreitos limites do m e u c o n h e c i m e n t o , p o r é m ,
um dos a s p e c t o s mais a s s o m b r o s o s do caso Ojén é a m o r t e da
gata. Se as diferentes autópsias d e s c a r t a m a ação de um preda-
dor, que é que nos resta? O senso c o m u m nos leva àquele miste-
rioso passante. Muito bem, m a s c o m o ele conseguiu aproximar-
se do animal? Creio que t o d o s t e m o s sido t e s t e m u n h a s a l g u m a
vez das incríveis ginásticas de que esses m a m í f e r o s são capazes.
Por muito p e s a d a que estivesse de prenhez, o formidável mons-
tro de patas de aço não teria tido sucesso na operação, a não ser
que tivesse o poder de imobilizá-la de longe. Coisa que já aconte-
ceu outras vezes no desconcertante "universo ovni". Mas se o mas-
sacre teve lugar junto à m a n g u e i r a de borracha, o n d e o cadáver
foi encontrado, por que na área n ã o foi e n c o n t r a d a sequer u m a
p e g a d a ? E se a gata foi executada em outro lugar, c o m o p ô d e ir
parar ali? Os mistérios se e n c a d e i a m d e s a f i a d o r a m e n t e . E falan-
do de mistérios não posso deixar de registrar outro insignificante
"detalhe": a dobradura da mangueira. Os que estão a c o s t u m a d o s
a regar s a b e m : essas dobras são c o m u n s e freqüentes. O que já
não m e parece tão normal é que a c o n t e c e s s e em plena noite e
e x a t a m e n t e ao lado dos restos mutilados do felino. Cada u m in-
terprete c o m o quiser...
Q u a n t o à impiedosa decapitação e posterior desaparição dos
m e m b r o s , h o n e s t a m e n t e , não consigo explicar. Se d e s e j a v a m fa-
zer experiências com o indefeso animal, não teria sido mais fácil
e piedoso agarrá-lo e devolvê-lo c o m vida? Mas se o que realmen-
te queriam era mostrar-se, marcar presença, n ã o e r a m suficien-
tes o contato no terreno e a meia c e n t e n a de p e g a d a s ? A lógica,
mais u m a vez, se esborracha contra o m u r o do ilogismo. Aliás,

154
A flor silvestre ficou quebrada à passagem da " c r i a t u r a " . Nesta f o t o vêem-se
claramente o que poderiam ser as chamadas " a l m o f a d i n h a s d i g i t a i s " ,
perfeitamente ovaladas. Mario Sáenz de Buruaga, biólogo especialista em
rastros, fez uma interessante observação: o dedo esquerdo (indicado por uma
flecha) é estranho. Não deixa marca da unha e é muito mais pontiagudo do
que os outros. A dedução é que se trata de u m dedo " r e g r e s s i v o " e, pois, que
nos encontramos diante de uma pata extraordinariamente evoluída. Na minha
opinião, o " a c h a d o " do eminente biólogo, do ponto de vista ufológico,
constitui um interessante m o t i v o de reflexão.

A profundidade anormal das pegadas, em terreno ressecado, fez supor u m


" s e r " de peso enorme, superior a 3 0 0 quilos. Segundo os peritos consultados,
" e s t a s pisadas são impressões enigmáticas que combinam duas saliências
aguçadas na borda superior, c o m u m desenho arredondado nas bordas
esquerda e posterior, não imputáveis a pegada alguma das espécies da fauna
espanhola".
e m t e r m o s d e valores, q u e podia i m p o r t a r u m gato, por m u i t o
m o n t ê s q u e fosse, se d e m o s t r a r a m n ã o lhes i m p o r t a r s e q u e r a sa-
grada vida d e u m h o m e m ?
De u m a coisa e s t o u certo: a a t e r r i s s a g e m d e s t e " f a r e j a d o r "
n a q u e l e s p r i m e i r o s dias d e m a r ç o d e 1 9 7 8 na cordilheira d e Ron-
da n ã o foi p r o d u t o de " c a s u a l i d a d e " .
C o m o t a m b é m n ã o o foi q u e n e m u m único d o s e s p e c i a l i s t a s
e m p e g a d a s a o s q u a i s m o s t r e i as i m a g e n s s o u b e s s e dizer, c o m
certeza, a q u e a n i m a l p o d i a m p e r t e n c e r . As c o n s u l t a s a b r a n g e -
r a m t o d o s o s r a m o s possíveis: zoologia, p a l e o n t o l o g i a , veteriná-
ria, a n t r o p o l o g i a , biologia e a t é u m g u a r d a florestal.
A possibilidade de que estivéssemos diante de um primata
a d u l t o (gorila, c h i m p a n z é , etc.) foi d e s c a r t a d a . S e g u n d o Ester Re-
bato, titular d o D e p a r t a m e n t o d e Biologia Animal e Genética (Uni-
d a d e d e Antropologia Física), da Universidade d o País Basco, n e m
a d i s p o s i ç ã o d o s d e d o s , n e m o t a m a n h o e a p r o f u n d i d a d e d a s pe-
g a d a s c o r r e s p o n d i a m às d o s g r a n d e s m o n o s . Tais p r i m a t a s , a l é m
disso, c a m i n h a m c o m o auxílio d a s m ã o s , m a i s e x a t a m e n t e c o m
os n ó s d o s d e d o s (sistema c h a m a d o d e knuckle walking), o q u e
t o m a s u a s p e g a d a s p e r f e i t a m e n t e reconhecíveis. N e m m e s m o o
m a i s p e s a d o d o s p r i m a t a s — o gorila m a c h o —, q u e p o d e p e s a r
a o redor d e d u z e n t o s quilos, teria d e i x a d o p i s a d a s t ã o p r o f u n d a s
e m t e r r e n o s e c o e c o m p a c t o c o m o aquele. S e g u n d o os d a d o s me-
t e o r o l ó g i c o s , n o m ê s d e m a r ç o d e 1978, e n t r e o s dias 1? e 12,
a s c h u v a s f o r a m q u a s e nulas. S ó no dia 3, sexta-feira, se registra-
r a m 8 , 9 litros por m e t r o q u a d r a d o . No m e s m o p e r í o d o , as t e m p e -
raturas ficaram entre a m á x i m a d e 21 g r a u s c e n t í g r a d o s da quinta-
feira, 9, e a s m í n i m a s d e 5 e 4 d e s s e m e s m o dia e da s e g u n d a -
feira, 6, r e s p e c t i v a m e n t e . T a m b é m h o u v e v e n t o s n o s d o z e dias
citados, c o m o r a j a d a s q u e o s c i l a r a m e n t r e o s 6 0 k m / h o r a d o sá-
b a d o , 4, e o s 19 k m / h o r a da quinta-feira, 9.
Q u a n t o ao dia-chave, s á b a d o , 11 d e m a r ç o , o s d a d o s f o r a m
o s seguintes: t e m p e r a t u r a m á x i m a , 2 0 ° C às 14h20; mínima, 8 , 4 ° C
à s 7 h 0 0 ; t e m p e r a t u r a m é d i a , 14,2°C; u m i d a d e m é d i a , 8 0 % ; es-
t a d o d o céu, limpo; v e n t o m á x i m o (270°), 2 0 k m / h o r a , à s 6 h 5 0 .
E m o u t r a s palavras, c o m o já m e n c i o n e i : o e s t a d o d o terreno, du-
ro c o m o u m a p e d r a , t o r n a v a impossível s e m e l h a n t e p r o f u n d i d a -
de, a o m e n o s para u m a n i m a l c o n h e c i d o .
I g u a l m e n t e as análises realizadas por F r a n c i s c o Purroy Irai-
zoz, c a t e d r á t i c o d e zoologia da Universidade d e León e u m d o s
m a i s prestigiosos especialistas e u r o p e u s e m ursos, n ã o t r o u x e r a m
m a i o r e s e s c l a r e c i m e n t o s . Não se tratava d e u m urso. E para u m
c a n í d e o (cão, lobo, etc.) sua p r o f u n d i d a d e era excessiva. Por ou-
tro lado, o s d e d o s laterais n ã o a p a r e c i a m e m linha, n e m o con-
j u n t o d a s p e g a d a s a p r e s e n t a v a u m a característica m u i t o própria

156
dos lobos, isto é, as pisadas distribuídas de duas em duas. (O lo-
bo, por exemplo, avança a m ã o direita e, atrás, a pata direita.)
Tratava-se, s i m p l e s m e n t e , de u m "animal desconhecido".
C o m o é óbvio, e m n e n h u m a das pesquisas revelei do q u e se
tratava. O a s s u n t o foi colocado pura e s i m p l e s m e n t e c o m o u m
enigma zoológico. Naturalmente, depois de e x a m i n a r e m as foto-
grafias, os peritos ficavam curiosos e intrigados e queriam conhe-
cer as particularidades do caso. E ao esbarrarem no tal "enigma
zoológico" o ceticismo era geral. Lógico. Mas eu conhecia a ocor-
rência e confiava na sinceridade das t e s t e m u n h a s . Pois bem, uma
vez concluídas essas perícias, de certo m o d o obrigatórias, e afas-
tada a possibilidade de que as p e g a d a s fossem de um animal,
firmou-se no m e u íntimo a convicção de que elas tinham sido dei-
xadas por um ser "não-humano". Mais precisamente, aquele que
havia percorrido a granja. A d o c u m e n t a ç ã o gráfica, c o m isso, al-
cançava, do p o n t o de vista ufológico, um valor inestimável.
J á os vejo chegando... Q u a n d o estas pesquisas e aventuras
forem do domínio público, calculo que ali pelo o u t o n o de 1990,
se Deus e o meu editor permitirem, o clã dos ovnis, b e m de acor-
do c o m seus hábitos, vai lançar-se ao encalço dos casos para
demoli-los. Não m e admiraria se os "esquenta-poltronas" expli-
c a s s e m as p e g a d a s da serra de Ronda c o m o "a lógica conseqüên-
cia da irrupção na fazenda de um b a n d o de ciganos a m b u l a n t e s " .
No caso do qual m e ocuparei a seguir, ocorrido na localidade bur-
galesa de Fuentecén, houve algo parecido. Nem um só d o s "vam-
piros" se a p r e s e n t o u em pessoa no local da ação. N e n h u m deles
interrogou as t e s t e m u n h a s , examinou o terreno, recolheu amos-
tras. Apesar de tudo, logo mais, o contato c o m esse novo "ser"
de aparência robótica era qualificado de "fraude". Mas exponha-
m o s os fatos e q u e o leitor julgue.
O Destino escolheu desta vez a p e q u e n a povoação castelha-
na de Fuentecén, dezessete quilômetros ao oeste de Aranda de
Duero. Ali, em fevereiro de 1981, u m certo Luis Dominguez Diez,
então c o m trinta e sete anos de idade, dirigia u m bar. A vida de-
corria sem excessivos sobressaltos, c o m o de hábito n e s s e s labo-
riosos e longíquos povoados. Mas e m certa m a d r u g a d a , a de 12
para 13 de fevereiro, um a c o n t e c i m e n t o insólito m a r c o u a exis-
tência da família. Eis a versão das t e s t e m u n h a s que eu tive opor-
tunidade de conhecer e interrogar mais de u m a vez. Nunca, ape-
sar do t e m p o que d e l i b e r a d a m e n t e deixei transcorrer entre as di-
versas gravações, modificaram o depoimento inicial ou caíram em
contradições.
"Foi por volta das d u a s e meia ou três da m a d r u g a d a . Fechei
o bar e q u a n d o caminhava para a minha casa, que na época era
b e m ao lado, observei u m a s luzes coloridas. A primeira coisa e m

157
q u e p e n s e i foi u m carro. N e s s e s dias h a v i a m o c o r r i d o vários rou-
b o s na aldeia. S u s p e i t a n d o , p o r isso, q u e p u d e s s e m ser ladrões,
corri e m s u a d i r e ç ã o . Mas q u a n d o estava a u m a c e n t e n a d e me-
tros as luzes s e e l e v a r a m , f a z e n d o u m e s t r a n h o giro pela direita.
Fiquei p a r a l i s a d o . Despertei m i n h a m u l h e r e, c o m a s luzes apa-
gadas, f i c a m o s o b s e r v a n d o a 'coisa' da janela da c o z i n h a . "
"Eu d e s d e o princípio tive m e d o " — disse a e s p o s a —. "Era
u m a coisa n u n c a vista... O c ã o ladrava c o m o u m louco. E n t ã o fiz
o possível p a r a q u e Luis n ã o saísse..."
"Eu, r e a l m e n t e " — disse o m a r i d o —, "estava disposto a acor-
dar meia povoação. Aquilo era digno de ser visto. T ã o r a p i d a m e n t e
r e t r o c e d i a c o m o se movia p a r a os lados, e s e m p r e e m m o v i m e n -
t o s o n d u l a n t e s . D e s p e r t a m o s t a m b é m m e u filho J o s é F r a n c i s c o
e ali f i c a m o s p o r u m t e m p o . O rapaz e eu, a t ô n i t o s e m o r t o s d e
c u r i o s i d a d e . Minha m u l h e r , a o contrário, m o r t a d e m e d o . De re-
pente, 'aquilo' lançou u m a e s p é c i e d e foco ou c h a m a e m u m p o m -
bal e e n t ã o o c a m p o e as c a s a s se i l u m i n a r a m c o m o se f o s s e dia.
Minha m u l h e r s e r e c o l h e u e o rapaz e eu c o n t i n u a m o s p r e g a d o s
e m n o s s o p o s t o d e o b s e r v a ç ã o , a vidraça da j a n e l a . Meia h o r a de-
pois q u e o ' f e s t e j o ' se iniciara p a r e c e u - m e ter e s c u t a d o u m ruído.
Meu filho t a m b é m . C o m o p a s s o s q u e s e a p r o x i m a v a m . Era u m
'tap...tap...tap...' m u i t o claro. Não p o s s o mentir: m e u s j o e l h o s tre-
m i a m . Mas n ã o s a b í a m o s p a r a o n d e olhar. Até q u e o n o s s o cão,
Satã, n o s d e u u m a pista. S e u s ladridos v i n h a m da cerca q u e cir-
c u n d a a casa. E ali estava 'aquilo'...a quinze m e t r o s d e n o s s a ja-
nela e d o o u t r o lado da vala. Era c o m o u m caixão, ou, m a i s exa-
t a m e n t e , c o m o u m a 'lavadora': q u a d r a d o e m e t á l i c o . Excedia d e
u m p a l m o a altura da c e r c a . For isso calculei q u e teria u m m e t r o
e p o u c o . Talvez 1,40 ou 1,50. R e c o m e n d e i a o rapaz q u e n ã o se
m o v e s s e e subi a o a n d a r d e c i m a para o b s e r v a r m e l h o r . De f a t o
era larguinho, d e u n s s e s s e n t a ou s e t e n t a c e n t í m e n t r o s d e enver-
g a d u r a , e e x a t a m e n t e igual a u m a lavadora ou u m r e f r i g e r a d o r
d o s m e n o r e s . Não vi nele m a i s n a d a : n e m c a b e ç a , n e m pés, n e m
braços... Desci r a p i d a m e n t e e pedi a o m e n i n o q u e a p a n h a s s e a
lanterna e n ã o ligasse as luzes. A r m e i - m e c o m u m a faca d e m o n -
t a n h a e abri a porta, d i s p o s t o a a p r o x i m a r - m e da vala. Mal p u s
os p é s fora da casa e escutei u m ruído c o m o o crepitar d e c a b o s
d e alta t e n s ã o . O 'caixão' havia d e s a p a r e c i d o . Mas as luzes ver-
m e l h a s c o n t i n u a v a m n o c h ã o . E e m p o u c o s s e g u n d o s se eleva-
r a m d e n o v o até se p e r d e r e m e m m e i o a o a r v o r e d o . E n ã o volta-
m o s a vê-las."
E m s u m a , a o b s e r v a ç ã o d o ovni e d o " c a i x ã o " m e t á l i c o du-
rou e n t r e c i n q ü e n t a e s e s s e n t a m i n u t o s . Na s e g u n d a f a s e — n o
e n c o n t r o p r ó x i m o c o m a " l a v a d o r a " — pai e filho a s s i s t i r a m a ou-
tro insólito fato:

158
Ateies Macaca Papío Cercopilhecus Presbytis Nasalis Colobus

Hylobates Pongo Chimpansee

MAos direitas de diversos primatas adultos,


Hiiliizidas todas à mesma escala. (A. Schultz.)

Pés direitos de diferentes primatas adultos,


reduzidos todos à mesma escala. Estas imagens,
como as das mãos, não apresentam semelhança
alguma com as pegadas de Ronda. (A. Schultz.)

Tupaia Lemur Daubentonia Loris Nycticibus Perodicticus

Hylobates Pongo Chimpansee Gorila Homo


"Satã ladrava e o objeto, da b o r d a da vala, r e s p o n d i a c o m u m
s e g u n d o 'ladrido' m a i s lento e m a i s fraco. P o d e p a r e c e r ridículo,
m a s juro q u e foi assim. Deu-nos a s e n s a ç ã o d e q u e imitava o cão."
Nessa m e s m a noite, a s s i m q u e o ovni d e s a p a r e c e u , Luis e seu
filho p e r c o r r e r a m a r e d o n d e z a . A p e s a r da n e v e q u e caíra p o u c a s
h o r a s a n t e s , n ã o c o n s e g u i r a m d e s c o b r i r u m s ó rastro da e n i g m á -
tica " l a v a d o r a f a l a n t e " . Foi n o dia s e g u i n t e , a o r e g r e s s a r d e Roa,
d o colégio, q u e J o s é F r a n c i s c o c o n t o u a seu pai q u e d e s c o b r i r a
u m a "zona q u e i m a d a " e x a t a m e n t e n o p o n t o d o c a m p o e m q u e
h a v i a m p o u s a d o a s "luzes". E n e s s a sexta-feira, 13, a n i m a d o p o r
a l g u n s vizinhos, o s e n h o r D o m i n g u e z Diez decidiu c o n t a r o f a t o
a o já extinto diário Pueblo. Aquela é p o c a , o s jornalistas Pablo Tor-
res, J e s u s Carrillo e F r a n c i s c o Minaya d e d i c a v a m p a r t e d e s e u s
e s f o r ç o s p r o f i s s i o n a i s c o m o s n ã o identificados. E g r a ç a s à b o a
v o n t a d e deles foi possível "resgatar" o caso d e F u e n t e c é n e, o m a i s
i m p o r t a n t e , e x a m i n a r as m a r c a s da n a v e q u a n d o a p e n a s se ha-
viam p a s s a d o p o u c a s h o r a s d e s u a a t e r r i s s a g e m .
E p r e c i s o q u e se r e c o n h e ç a — e esta e s t o c a d a vai direto a o
c a c h a ç o d o s " v a m p i r o s " — q u e a a ç ã o da i m p r e n s a , à s vezes, n ã o
é t ã o n e f a s t a c o m o p r e t e n d e m e s s e s negativistas. A notícia e a s
p r i m e i r a s i m p r e s s õ e s f o r a m d a d a s a p ú b l i c o e m 18 d e s s e m ê s d e
fevereiro. Falava-se, ali, de fato, d e u m a área d e cinco m e t r o s qua-
d r a d o s , n ã o e x a t a m e n t e q u e i m a d a , m a s " d e s s e c a d a " , c o m o se
u m a o n d a d e calor a h o u v e s s e a t i n g i d o . E n o " c o r a ç ã o " d o p o n t o
d e c o n t a t o d o ovni c o m o solo f o r a m d e s c o b e r t o s três orifícios
circulares d e u n s trinta c e n t í m e t r o s d e p r o f u n d i d a d e por dois d e
d i â m e t r o , f o r m a n d o u m t r i â n g u l o e q ü i l á t e r o d e dois m e t r o s d e
largura.
N ã o era p r e c i s o ser m u i t o s a g a z para deduzir q u e tais m a r c a s
d e v i a m c o r r e s p o n d e r a o " t r e m d e a t e r r i s s a g e m " d o o b j e t o . Coisa
m u i t o c o m u m e m ufologia. C o n v i c t o s da i m p o r t â n c i a d o caso, o s
j o r n a l i s t a s tiveram a p r e c a u ç ã o d e r e c o l h e r a m o s t r a s e enviá-las
a o s l a b o r a t ó r i o s da J u n t a d e E n e r g i a Nuclear. M e s e s m a i s t a r d e ,
o c h e f e da s e ç ã o d e I n f o r m a ç ã o Nuclear, J . P. Díaz-Guerra,
c o m u n i c a v a - l h e s o s e g u i n t e : "...Havendo sido realizados p o r esta
J E N as c o n t a g e n s alfa, b e t a e g a m a d a s t r ê s a m o s t r a s r e m e t i d a s
p e l o s s e n h o r e s , e q u e j u n t a m o s a esta, o s r e s u l t a d o s d e s t a s con-
t a g e n s indicam q u e n e n h u m a delas t e m caráter radioativo, já q u e
o s v a l o r e s o b t i d o s s ã o o s c o r r e s p o n d e n t e s a o f u n d o natural..."
Cima s e m a n a d e p o i s d o a c o n t e c i m e n t o p u d e d e c o m p r o v a r ,
n o local, o q u e o jornal Pueblo havia p u b l i c a d o . E e m m i n h a s con-
v e r s a s c o m a s t e s t e m u n h a s surgiu a l g u m a c o n v e r s a m a i s . Pou-
c o s dias a n t e s d o e n c o n t r o c o m o ovni e o robô, o m e s m o Luis
D o m i n g u e z e o u t r o s da aldeia h a v i a m p r e s e n c i a d o a s e s t r a n h a s
e v o l u ç õ e s , s o b r e F u e n t e c é n , d e u m a s luzes v e r m e l h a s m u i t o pa-

160
recidas c o m as da m a d r u g a d a de 12 para 13. Cima delas, até, fora
bater contra a porta de u m a casa, para g r a n d e susto dos morado-
res.
Pode parecer que t e n h o implicância c o m os "esquenta-pol-
tronas". Nada mais longe da minha "angelical natureza". O que
ocorre é que nós, p e s q u i s a d o r e s "de c a m p o " , não d e v e m o s con-
sentir em que esses fulanos c o n f u n d a m c o m suas p a n t o m i m a s a
opinião pública e os jovens estudiosos. Por q u e o caso de Fuente-
cén foi catalogado c o m o "fraude" pelos "vampiros"? Talvez por-
que Luis Dominguez tenha c o m e t i d o o "delito" de telefonar para
a imprensa? Talvez p o r q u e a aparição nos jornais lhe trouxesse
uma e f ê m e r a publicidade pessoal? De a c o r d o c o m essa regra de
três haveríamos de questionar t a m b é m se as declarações d e s s e s
" s u m o s s a c e r d o t e s " aos m e i o s de c o m u n i c a ç ã o não invalidariam
igualmente seus trabalhinhos. O desejo de notoriedade desse sim-
ples e m o d e s t o burgalês, ao m e n o s para os que o c o n h e c e m pes-
soalmente, é uma acusação ridícula. Podem dizer o m e s m o os que
se atrevem a julgá-lo s e m sequer haver pisado em F u e n t e c é n ? 1
1. Eis aqui duas das numerosas provas que possuo e que confirmam a falsidade
e hipocrisia de muitos desses "rigoristas" da ufologia. Enquanto na ribalta posam para
as platéias como puros e intocáveis, nos bastidores distribuem cartas e circulares a seus
devotos e "vampirizados" convidando-os a comprar e difundir, à custa do bolso do acó-
lito, claro, o livro deles acabado de sair. Um exemplo: "Permito-me remeter-lhe este
documento com o propósito de informá-lo acerca de minha obra ... publicada pela edi-
tora ... em suas coleções ... Este livro é fruto de anos de trabalho e está inteiramente
dedicado ao problema dos contatos imediatos com ovnis na Espanha. Documenta a va-
liosa prova recolhida nos casos de aterrissagem, resenha exaustivamente casos compro-
vados de observação de supostos tripulantes, analisa alguns dos mais relevantes aspec-
tos estatísticos do fenômeno, em suma, cuida de oferecer uma alternativa científica à
literatura sobre o tema escrita em castelhano.
"Esta obra, profusamente ilustrada, pretendeu focalizar o tema ovni de uma pers-
pectiva universitária e dar-lhe o tom de rigor exigido pela seriedade e importância po-
tencial desta problemática, ao mesmo tempo que divulgar a fenomenologia para um pú-
blico que desconhece a abundante informação de primeira mão que nós, os especialis-
tas, temos acumulado em longos anos de estudo.
"Mando-lhe aqui uns dados sobre meu livro, assim como uma coletânea de rese-
nhas e críticas publicadas, onde você encontrará as impressões de destacados ufólogos
internacionais como Jacques Vallée, Francesco Izzo, Miguel Guasp e muitos outros.
"Agradeço-lhe de antemão a recepção que sei que dará à minha obra..."
Empenho de se promover? Não, certamente. Estas e outras cartas nas quais até se
fornecem aos incautos orientação e fórmulas para que o livro se venda mais e melhor
— conferências, contatos com jornalistas, etc. —, apenas são e constituem um "meio
limpo e sério", no figurino do narcisismo desses "sepulcros caiados". Querem os jovens
investigadores outra prova? Em julho de 1984, datada de Valencia, esse mesmo "vampi-
ro" divulgava, sem o menor pudor, esta carta-circular: "Querido amigo. Tenho o prazer
de informar-lhe que no número de agosto da revista Muy interesante se dará cobertura
ao tema ovni. Estará incluído um trabalho assinado por mim em que assinalo as princi-
pais características anômalas do fenômeno ovni e indico a necessidade de discriminar
os casos..." O "aviso" conclui com uma frase que fala por si só: "Muy interesante se
adquire nas bancas." O que não se menciona nessas "iscas" é que, para oferecer essa

161
É claro que, por detrás de tudo, está a intenção de atribuir a "frau-
de" à "exuberante imaginação" deste manipulador de pessoas, ca-
paz de s u b m e t e r u m a área de vários m e t r o s q u a d r a d o s e u m a ra-
diação calorífica superior a o s oitocentos graus centígrados, des-
s e c a n d o a v e g e t a ç ã o s e m queimá-la. A isso seria preciso acres-
centar a invenção de u m a "lavadora falante" que se diverte imi-
tando os ladridos de u m cachorro e que n ã o deixa m a r c a s na ne-
ve. S e m contar a prévia trabalheira de m o n t a r e ensaiar a história
c o m os outros m o r a d o r e s de F u e n t e c é n para dizerem, n ã o à im-
prensa, m a s a mim, q u e dias a n t e s do encontro t a m b é m haviam
observado u m a s e s t r a n h a s luzes v e r m e l h a s sobre a aldeia. E tu-
do isso c o m o sibilino propósito de aparecer n o s jornais...
Se o s "santos e especiais" se h o u v e s s e m d a d o ao trabalho de
viajar até Fuentecén teriam comprovado que o senhor Dominguez
não recebeu u m vintém por s u a s amáveis e pacientes revelações.
Ao contrário. Muitos dos que o p r o c u r a m o s s o m e n t e lhe causa-
m o s g r a n d e s p e r d a s de t e m p o que inevitavelmente r e d u n d a r a m
em queda dos seus m o d e s t o s rendimentos. E aqui se dá outra sig-
nificativa distorção, h a b i l m e n t e alimentada pelos que dizem os-
tentar a bandeira da seriedade ufologica. Q u a n d o são eles em pes-
soa que se d i g n a m entrevistar u m a t e s t e m u n h a — s e m p r e que o
caso se dê c o m o d a m e n t e às portas de s u a s casas, está claro —,
no geral essa pessoa é "honrada, séria, formal, fidedigna", e s e u s
relatos, "articulados e sóbrios". (Reproduzo palavras textuais de
um desses narcisistas da ufologia. Mais precisamente, do caso Mu-
notello.) Q u a n d o o peso da investigação correu por conta dos ou-
tros p e s q u i s a d o r e s "infiéis", que não p e r t e n c e m ao grupo da cas-
ta vampiresca, então t e s t e m u n h a e pesquisador c a e m e m desgra-
ça e a honradez e credibilidade de u m a e de outro são n e g a d a s .
Este é o caso de Luis Dominguez.
Por outro lado, se ficarmos nos casos d e t e c t a d o s por aquela
época, a aterrissagem e o contato imediato e m F u e n t e c é n se en-
quadram plenamente na "minirrevoada" ovni que, suponho, consta
das célebres "listas" dos "esquenta-poltronas". Só entre novem-
bro e d e z e m b r o de 1980 f o r a m registrados mais de quarenta avis-
t a m e n t o s no Marrocos, na península Ibérica, França e Inglaterra.
E, s e g u n d o os m e u s arquivos, de janeiro a abril do ano seguinte

"alternativa científica à literatura escrita em castelhano", a "abundante informação de


primeira mão que nós, os especialistas, temos acumulado" — diz — "em longos anos
de estudos", procede, em sua maioria, de uma plêiade de esforçados pesquisadores "de
campo" previamente "vampirizados". Em meus arquivos "confidenciais" figura uma
bela coletânea de cartas nas quais estes dignos representantes da ufologia científica "exi-
gem", "mandam" e "ordenam" a seus lacaios que lhes remetam com a maior brevida-
de tudo quanto tenham podido investigar. Assim se escreve a pequena história da ufolo-
gia espanhola... (N. de J. J. Benitez.)

162
t nu Dominguez, com seu filho mais velho José Francisco
nntro), marcando o lugar da aterrissagem.

A testemunha principal
de Fuentecén c o m sua esposa.
se c o n t a r a m d e z e n o v e c a s o s c o n h e c i d o s e m solo h i s p â n i c o . Mas
n a d a disto t e m o m e n o r valor para o s u f ó l o g o s d a s idéias fixas...
E m m i n h a opinião, o s s u c e s s o s d e q u e a g o r a m e o c u p o —
P u n t a t l m b r í a , Ojén, F u e n t e c é n e m a i s o s q u e p a s s a r e i a relatar
e m s e g u i d a m o s t r a r a m a r e a l i d a d e d e t r i p u l a n t e s r o b o t i z a d o s ou
q u a s e robotizados. Coisa que, c o m o s a b e m o s familiarizados c o m
a a e r o n á u t i c a , n ã o deveria r e p u g n a r à ciência e à t e c n o l o g i a hu-
m a n a s . À n o s s a m a n e i r a já e s t a m o s f a z e n d o isso n a s i n c u r s õ e s
a Marte, Vénus, etc. A m o d e r n a era ovni está repleta d e t e s t e m u -
n h o s m a i s ou m e n o s iguais a o s r e l a t a d o s . P a r e c e claro, a o m e n o s
p a r a n ó s investigadores, q u e o s s e r e s q u e n o s visitam g o s t a m d e
d e s e m b a r c a r p e s s o a l m e n t e e m n o s s o m u n d o , m a s t a m b é m se
a p r o v e i t a m d a s m á q u i n a s e r o b ô s q u e , s e m dúvida, o s a c o m p a -
n h a m . A i n d a q u e s e j a m a p e n a s — c o m o se viu n o solo castelha-
no — c o m a a p a r e n t e m e n t e ridícula e pueril i n t e n ç ã o d e "imitar
o s ladridos d e u m cão". E d i g a m - m e : q u e o p i n i ã o f a z e m o s leito-
res d e s e m e l h a n t e e x p e r i m e n t o ? P o r q u e , s e era disso q u e se tra-
tava, p a r a s e m e l h a n t e " v i a g e m " b e m q u e p o d i a m ter feito e c o n o -
mia. O u será q u e a s u b l i m e tecnologia q u e equipa essas naves n ã o
está c a p a c i t a d a para c a p t a r d o alto o s m o v i m e n t o s e o s latidos
d e u m c ã o ? E já vê você, c a r o leitor, c o m o , s e m q u e r e r , d e s e m -
b o c o n o d e n o m i n a d o r c o m u m d e s t e trabalho: " e s t a c i o n a r a m " n o s
limites d e F u e n t e c é n , e x a t a m e n t e na h o r a e m q u e o s e n h o r Do-
m i n g u e z f e c h a v a a s p o r t a s d o s e u bar, p o r p u r o a c a s o ? Arrisca-
r a m m a n d a r a q u a s e d u z e n t o s m e t r o s da n a v e a s u a "lavadora fa-
l a n t e " a p e n a s para "latir" p a r a Satã?
A b o m entendor...
S e n o lance da "lavadora f a l a n t e " — t a n t o é c e r t o q u e a reali-
d a d e s u p e r a s e m p r e a f i c ç ã o — c o m e t e u - s e o " g r a v í s s i m o peca-
d o " d e partilhar o fato c o m a i m p r e n s a , o q u e a g o r a a o p i n i ã o pú-
blica vai c o n h e c e r c h e g a "virgem e i m a c u l a d o " , a o m e n o s n o q u e
se r e f e r e à mídia escrita. O c a s o p e r m a n e c e u d e z e s s e i s a n o s n o
c o n g e l a d o r d e s t e "fazedor d e t e a t r o " da ufologia. O b t e r á o nihil
obstat d o s " p u r p u r a d o s " d o ovni? A p o s t o m i n h a b e m c o n q u i s t a -
da f a m a d e " m e r c a n t i l i s t a e a d v e n t í c i o " q u e n ã o .
Tive notícia da e x p e r i ê n c i a por q u e p a s s o u o s a m o r a n o Guil-
l e r m o Rodriguez Riesco n o s p r i m e i r o s d i a s d e m a i o d e 1978. O
falecido investigador "de c a m p o " F e d e r i c o A c o s t a , p r i m e i r o juiz
n o m u n d o q u e teve a c o r a g e m d e "lavrar ata d e u m a aterrissa-
g e m ovni", m e havia f a l a d o d o a s s u n t o m a i s d e u m a vez. E na-
q u e l e s dias, e m p e n h a d o e m u m a exaustiva " v a r r e d u r a " d a s ter-
ras s a m o r a n a s , d e c u j o s r e s u l t a d o s , aliás, q u a s e n e m t o m e i co-
n h e c i m e n t o até e s t e m o m e n t o , fui a o e n c o n t r o d o c i t a d o indus-
trial, r e s i d e n t e na capital d e Z a m o r a . O fato, a c o n t e c i d o na pri-
m a v e r a d e 1974, teve por c e n á r i o a s m a r g e n s d o rio Esla, a t r á s

164
do a b a n d o n a d o m o n a s t é r i o de Moreruela. A a p e n a s u m a hora de
automóvel da cidade de Zamora. E, u m a vez mais, alguns cães,
o m e d o , u m " p e r s o n a g e m robotizado" e um ser h u m a n o compu-
n h a m a cena:
"Era quinta-feira. Pelas cinco da tarde. Havia ido pescar e m
c o m p a n h i a de u m amigo. C o m o de c o s t u m e , nos distanciamos.
Ele ficou a um quilômetro e meio do m e u posto. Instalei as d u a s
varas e m e sentei, à espera de u m feliz e rápido a c o n t e c i m e n t o .
De repente pareceu-me que se realizava. Mas não em f o r m a de
peixe...
"Lembro-me de que tinha à minha direita um dos cachorros
grandes: u m boxer mestiço de buldogue. Cima fera. A esquerda
descansava outro cão, menor. Com o olhar fixo nas varas, entre-
tinha-me fazendo c ó c e g a s no p e q u e n o . T u d o estava em paz, em
um agradável e acariciante silêncio. De repente, s e m explicação,
os animais se levantaram e c o m e ç a r a m a ladrar violentamente,
c o m as orelhas, cauda e pêlos eriçados c o m o espinhos, e m atitu-
de a m e a ç a d o r a . Não tive t e m p o de pensar... À minha direita, a
uma centena de passos, distingui u m a 'pessoa'. Essa foi a impres-
são inicial. Observava-me a t e n t a m e n t e e c o m o corpo inclinado
para a frente. Era alto. Muito alto. Com u m a altura de mais de
dois metros. O m b r o s largos e o corpo, n e m sei c o m o dizer, meti-
do em u m a veste metalizada e branca. O pescoço era longo. A
cabeça, grande, a r r e d o n d a d a e s e m cabelo. Estava imóvel, c o m
os braços colados ao tronco.
"Durante s e g u n d o s nos o b s e r v a m o s m u t u a m e n t e . Os cães,
cada vez mais inquietos, revolviam-se furiosamente, a v a n ç a n d o
e retrocedendo alguns metros. Não sei o q u e m e ocorreu. Talvez
m e d o . Talvez não. O caso é que c o m e c e i a sentir-me c o m o q u e
a b o b a d o . Esfreguei os olhos, m a s ao abri-los o 'indivíduo' conti-
nuava ali. Pressentindo o perigo, dei u m grito e aticei os cães.
"Os cachorros o b e d e c e r a m e lançaram-se ao encontro dele.
Mas a n t e s que h o u v e s s e m percorrido vinte ou trinta m e t r o s o es-
tranho ser afastou-se m o r r o acima, deslizando sobre o solo c o m o
se tivesse um m o t o r nos pés. Minha mãe! Q u e será isso? excla-
mei. Corria mais do q u e os cães. Calculo que a cinqüenta ou ses-
senta quilômetros horários. E d e s a p a r e c e u da minha vista. Os
cães, então, aproximaram-se do ponto em que havia permaneci-
do o 'robô', ou o que fosse, e ali p e r m a n e c e r a m por alguns mo-
mentos, farejando, ladrando e fazendo círculos. Q u a n d o conse-
gui recuperar-me u m p o u c o do espanto e da tonteira que m e aco-
metera, chamei-os, recolhi as varas e saí c o m o alma t o m a d a pelo
diabo. Aproximei-me do meu companheiro, mas, inexplicavelmen-
te, não consegui abrir a boca. Durante algum t e m p o os c ã e s con-
tinuaram excitados e agressivos. Então meti-me no carro e re-

165
gressei a Zamora. Durante todo esse fim de s e m a n a , praticamen-
te até o d o m i n g o à noite, m e u e s t a d o não foi normal. Q u a s e não
falava, q u a s e não m e alimentava e passava horas imóvel, c o m o
que paralisado. Tinha m e d o e m e parecia que aquele ser estava
por perto.
"Na quinta-feira seguinte, mais tranqüilo, regressei ao local
em c o m p a n h i a de uns amigos. Contei-lhes o que se passara e, co-
m o era de esperar, houve divisão de opiniões. Por várias horas
inspecionamos o local, à busca de possíveis pegadas. Nada de na-
da. Não se via rastro algum: n e m pisadas, n e m v e g e t a ç ã o esma-
gada... E não e n t e n d o c o m o podia ser assim, pois, e m b o r a n ã o
tocasse o solo, o deslizamento deveria ter p r o v o c a d o a l g u m a al-
teração."
S e g u n d o a t e s t e m u n h a , esse d e s l o c a m e n t o se iniciou, q u a s e
s e g u r a m e n t e , c o m o c o n s e q ü ê n c i a do a ç u l a m e n t o dos cães. O su-
jeito, e n q u a n t o se afastava pelo suave declive, continuou rígido
c o m o um poste, s e m mover os o m b r o s n e m flexionar p e r n a s ou
braços.
"...Sua aparência, insisto, era s e m e l h a n t e à de u m h o m e m ,
c o m exceção da altura e do 'uniforme' que o cobria: de u m a só
peça e perfeitamente ajustado ao corpo. A cor, de u m branco meio
a m a r e l a d o , t a m b é m c a u s o u - m e estranheza."
O s céticos — e estão no seu santo direito — p o d e r ã o supor
q u e o p e s c a d o r sofreu um "transtorno mental transitório". Admi-
to. Mas, e os cães? Eles f o r a m os primeiros a captar a presença
do estranho, ü m "ser", c o m o ocorrera em Saucedilla, que cami-
nhava s e m tocar esta p e c a d o r a terra e impelido por uma força
enigmática. C e r t a m e n t e não se p o d e falar de u m a recíproca e no-
civa influência. Nem o senhor Rodriguez Riesco j a m a i s ouvira fa-
lar do caso do "gigante de patins", n e m as t e s t e m u n h a s de Sau-
cedilla d o estranho sujeito de Moreruela.
E mais u m a coisa q u e reputo tão h u m a n a e compreensível
q u a n t o triste. O terror, certamente, é livre. E ninguém, nessas cir-
cunstâncias, p o d e prever s u a s reações. Mas, ainda assim, por que
o ser h u m a n o — recordemos Ojén ou a faca de montanha de Fuen-
tecén — se inclina q u a s e s e m p r e para a violência ou a autodefe-
sa? Q u e haveria ocorrido no Esla se, em lugar de açular os cães,
o p e s c a d o r houvesse d o m i n a d o o m e d o e tentasse comunicar-se
c o m o gigantesco estranho?
Sei que estou a r g u m e n t a n d o c o m o absurdo. Este diabo sen-
timental q u e lhes fala — c o m mais de três milhões de quilôme-
tros atrás de si e u m a p r e p a r a ç ã o teórica notável no que se refere
a perseguir ovnis — já m o l h o u as calças e m pelo m e n o s três oca-
siões a n t e a simples suspeita — falsa c o m o J u d a s — da aproxi-
m a ç ã o , nas trevas, de u m d e s s e s objetos. C o m o amostra, per-

166
mitam que narre o sucedido em uma dessas longas esperas, em
u m r e m o t o e solitário b o s q u e d o s Pirinéus...
Foi no o u t o n o d e 1977. D u r a n t e a l g u n s dias, e s t e s o n h a d o r
dividiu seu t e m p o e n t r e a i n v e s t i g a ç ã o e o u t r a d e s u a s p a i x õ e s :
a o b s e r v a ç ã o d o f i r m a m e n t o n o t u r n o . C o m o narro e m m e u livro
anterior, A Ponta do Iceberg, a n d a v a eu, p o r a q u e l e t e m p o d e ju-
ventude, e m plena briga c o m u m ovni g i g a n t e s c o e v e r m e l h ã o q u e
parecia e n r a b i c h a d o p e l o s c é u s e n l u a r a d o s da serra Caballera, n o
norte de Aragão. Foi coisa de orgulho profissional. A f a m o s a "nave
d e Pusilibro", u m d o s p i c o s d a q u e l e s Pirinéus que, a p ó s t a n t a s
idas e vindas, a c a b o u p o r se m e t o r n a r c o m o da família, havia si-
do vista por d e z e n a s d e o s c e n s e s e a t é f o t o g r a f a d a f a c i l m e n t e .
Propus-me encontrá-la. A única m a n e i r a era a c a m p a r nos bosques,
ladeiras e f u n d o s d e vales q u e velam a q u e l a s solidões j u n t o à mag-
nífica fortaleza d e Loarre. E m t ã o e x t r e m o s e i n s p i r a d o r e s con-
fins, a q u a s e mil e s e i s c e n t o s m e t r o s d e altitude, c o m a s estrelas,
o e q u i p a m e n t o fotográfico, m e u Renault, provisões d e b o c a e, co-
m o única c o m p a n h i a , m i n h a n e g r a c o n s c i ê n c i a , fui q u e i m a n d o
a s noites, a t e n t o a o m a i s débil sinal l u m i n o s o celeste. E m u m a
d a q u e l a s vigílias, p r e c a r i a m e n t e e n t r i n c h e i r a d o no interior d o au-
t o m ó v e l e t e n t a n d o e s p a n t a r o frio e o s o n o c o m a a j u d a d e rios
d e c a f é e o c e a n o s d e o b s t i n a ç ã o , s u c e d e u o i n e s p e r a d o . Ou, me-
lhor dizendo, o m u i t o e s p e r a d o .
S e g u n d o as a n o t a ç õ e s d o m e u c a d e r n o d e c a m p o , f a l t a v a m
p o u c o s m i n u t o s para a s q u a t r o da m a d r u g a d a . A lua, acredito q u e
m o v i d a pela p i e d a d e , havia c a p r i c h a d o e m clarear a reduzida es-
p l a n a d a e m q u e e s t e i n c o n s c i e n t e , v o l u n t a r i o s o e r o m â n t i c o pes-
q u i s a d o r m o n t a v a g u a r d a , à espera — q u e desfaçatez! — da apro-
x i m a ç ã o , m a i s d o q u e isso, da a t e r r i s s a g e m d e u m a d e s s a s astro-
n a v e s n ã o h u m a n a s . J o v e m e impulsivo, eu teria d a d o m e t a d e da
m i n h a vida por u m c o n t a t o i m e d i a t o c o m o s t r i p u l a n t e s d e u m
ovni. Hoje t a m b é m , m a s m e n o s .
CJm estalo a c o r d o u - m e . Vinha do flanco direito do carro. Virei-
m e n o a s s e n t o , p r o c u r a n d o a o r i g e m d o q u e m e p a r e c e u nitida-
m e n t e u m a p a n c a d a na c a r r o ç a r i a d o Renault. Mas n ã o c o n s e g u i
distinguir vulto ou m o v i m e n t o a l g u m . Contive a respiração e apu-
rei o s s e n t i d o s . A l g u n s s e g u n d o s depois, ouvi u m a s f u g i d i a s pas-
s a d a s , d e s t a vez d i a n t e d o c a p ô ; olhei pelo pára-brisa. E u m tre-
m o r q u e n a d a tinha q u e ver c o m a t e m p e r a t u r a d o m o m e n t o m e
a g i t o u c o m o u m b a m b u . Não havia dúvida: a l g u é m circulava e m
t o r n o d e s t e cavaleiro da triste figura. Mais do q u e triste, s u c u m -
bida.
S o e r g u i - m e no v o l a n t e e, m a i s c o m m e d o d o q u e c o m vergo-
nha, inspecionei o c o n t o r n o d o carro. D e s a j e i t a d o c o m o s e m p r e ,
e n t o r n e i a garrafa d e café. Aturdido, p e r d i d o e n t r e m a p a s e ca-

167
d e m o s , percebi u m a s e g u n d a série de ruídos. Partiam agora do
lado direito. Q u a s e c o m certeza, da altura da porta trazeira. Aí
começaram a desfilar pela minha m e n t e as imagens de alguns pos-
síveis "intrusos", cada qual m a i s fantástico.
O m e d o é o que é. Não t e m c o m o ser evitado. E m u m ou
dois m i n u t o s imaginei o inimaginável. Teria descido a l g u m a na-
ve nas proximidades? Os s e u s o c u p a n t e s estariam ali e m volta
de m i m ? E n t ã o o pânico — c h a m e m o s as coisas pelo seu n o m e
legítimo — apossou-se definitivamente de m i m quando, no meio
d a q u e l e a n g u s t i a d o transe, vim a descobrir, através do vidro da
porta posterior, a r o t u n d i d a d e de u m crânio cinzento e as chis-
pas de u n s olhos ú m i d o s e saltados que m e observavam c o m
avidez. A "criatura", e s f u m a d a na névoa da m a d r u g a d a , q u a s e
não chegava a u m p a l m o da base da vidraça. Essa circunstância
e a m i n h a acalorada i m a g i n a ç ã o fizeram o resto. Aquela cabeça
nua, lisa, p r a t e a d a pela lua, tinha de pertencer a a l g u é m de u m
metro ou p o u c o mais de estatura. P r e c i s a m e n t e a compleição
d o s a b u n d a n t í s s i m o s h u m a n ó i d e s a n ã o s e cabeçudos v vistos e m
meio m u n d o . Aí e n t ã o a razão e o s e n s o c o m u m m e abandona-
ram, substituídos por u m pavor de c h u m b o q u e desmoralizou
todo o m e u pretenso "treinamento". Descontrolado, c o m a idéia
fixa e absurda de "repelir a agressão", agarrei uma garrafa e, len-
t a m e n t e , fui abrindo a porta, disposto a espantar o "visitante".
Agora c o m p r e e n d o o horror das t e s t e m u n h a s . A cegueira pro-
duzida pelo pânico m e impediu até de lançar u m s e g u n d o olhar
ao p e q u e n o p e r s o n a g e m .
Apesar do t r e m o r das pernas, o instinto de conservação ou
outra coisa qualquer m e carregou até o porta-malas do automó-
vel. Cima vez ali, c o m os c a b e l o s e s p e t a d o s , reuni a l g u m a s gotas
de c o r a g e m q u e ainda m e restavam e avancei sobre o "inimigo".
Ao ver-me, a criatura, e m vez de paralisar-me, c o m o teria sido o
correto nessa espécie de c o n t a t o s galácticos, limitou-se a balan-
çar a cauda e m sinal de amizade. E o inesperado e t e r r á q u e o ca-
chorro, dócil c o m o só ele, continuou por alguns m o m e n t o s na en-
g a n a d o r a posição que havia d e s e n c a d e a d o m i n h a diarréia men-
tal: c o m as p a t a s para cima, d e s c a n s a n d o s o b r e a carroçaria do
carro. A única f o r m a q u e permitia ao inteligente animal bisbilho-
tar o interior do automóvel.
Não sei o que foi mais sofrido: o m e d o que acabava de pas-
sar, ou o e s p a n t o s o ridículo do episódio. O historiador Lívio defi-
niu b e m esse tipo de situação: "O m e d o está s e m p r e disposto a
ver as coisas mais feias do que são."
Poderá o leitor estar p e r g u n t a n d o se o currículo profissional
e intelectual p o d e influir para impedir o pânico. Ora, t e m o s aí os
exemplos. O toureiro e universitário Rafael Peralta não foi capaz

168
A casa da família D o m i n g u e z e m
1 9 8 1 . O robô se a p r o x i m o u da
pequena porta que aparece aberta na
foto. A testemunha observou a
estranha " l a v a d o r a f a l a n t e " da janela
de serviço (a terceira, a partir da
esquerda).

Dominguez, ao f u n d o ,
luto, no lugar onde
o r o b ô por
i/lnte m i n u t o s .

MONASTERIO

Zamora
de neutralizá-lo. Quanto a mim próprio, licenciado pela prestigiosa
Universidade de Navarra, o m e s m o drama... (Jm desastre...
Mas, por via das dúvidas e suspeitas, acrescentarei à lista u m
caso extra, vivido por uma pessoa que, em tese, dada sua alta qua-
lificação e cérebro frio e "quadriculado" — e n g e n h e i r o e m Ins-
t r u m e n t a ç ã o de Processos —, deveria reagir c o m s u m a seguran-
ça e firmeza. Deixemos q u e o s fatos falem por si m e s m o s .
C o n h e ç o a t e s t e m u n h a há muitos a n o s e por motivos alheios
à minha atividade. S e m p r e o considerei u m h o m e m estável, inte-
grado ao seu trabalho e i m u n e a fantasias. E m s u m a , c o m o b o m
engenheiro, mais inclinado ao racionalismo do que a histórias do
gênero ficção científica. Esse arraigado senso profissional é o que
motiva, precisamente, que nosso personagem haja decidido silen-
ciar sua identidade. De m o m e n t o , sabe-se, o t e m a ovni não se en-
quadra nos f e c h a d o s horizontes da ciência oficial. E, c o m o infe-
rência lógica, t a m b é m as multinacionais não se p e r m i t e m n e m
autorizam excessivas manifestações nesse particular. Sei de altos
executivos, t e s t e m u n h a s de ovnis, q u e foram f o r ç a d o s a retratar-
se, diante da espada de D â m o c l e s de u m a f u l m i n a n t e demissão.
RV, c o m o chamarei meu amigo, casado, radicado no País Bas-
co, catalão de nascimento, e que n a q u e l e julho de 1988 contava
quarenta e u m a n o s de idade, s o u b e guardar absoluta reserva de
sua experiência. Foi a "nave-mãe", s e m p r e sutil e milagrosa, que
se e n c a r r e g o u de "transmitir-me" a notícia, mal o fato acabara de
acontecer e, claro, pelos "labirínticos canais" que lhe são habituais.
Nestes dois últimos a n o s t e n h o tido várias conversas c o m o
m e u amigo. Visitei o lugar o n d e os fatos a c o n t e c e r a m . Recolhe-
m o s e fizemos analisar a m o s t r a s e investigamos a f u n d o a s dife-
rentes a n o m a l i a s d e t e c t a d a s e m seu automóvel e nos cartões de
crédito que carregava no m o m e n t o do "contato imediato". Eis uma
síntese do ocorrido:
— Foi um dia de trabalho. Creio que u m a sexta-feira, 2 9 de
julho. Seriam a p r o x i m a d a m e n t e três da m a d r u g a d a . Eu voltava
de u m a viagem de trabalho pela rodovia A-68. Assim que passei
pela cidade de Logrono c o m e c e i a sentir um p o u c o de sono. S e m
hesitar, desviei-me da pista e penetrei na primeira área de des-
canso q u e encontrei, situada no quilômetro 82. Eu viajava sozi-
nho e, ao verificar que no lugar já se achava u m c a m i n h ã o , senti-
m e tranqüilo. Lembro que era um veículo de grande t o n e l a g e m
e de placa francesa. Então inclinei o assento, pus-me o mais cô-
m o d o possível e em q u e s t ã o de u m ou dois m i n u t o s caí em u m
sono profundo. Até ser despertado subitamente por u m a forte cla-
ridade e u m estranho ruído. Alguma coisa assim c o m o u m zum-
bido, m a s muito leve. A prirfcípio pensei que as luzes f o s s e m de
um carro ou de algum outro c a m i n h ã o que t a m b é m estivesse ali.

170
Mas não. A claridade procedia de minha direita. Quer dizer, da
campina vizinha ao e s t a c i o n a m e n t o .
— Seu s o n o é leve?
Minha pergunta foi respondida por RV c o m a confirmação de
sua mulher, E m m a .
— Muito ao contrário. Q u a n d o d u r m o sou u m a pedra.
— O rádio do carro estava ligado?
— Não.
— E c o m o descreveria essa claridade?
— Vejamos se consigo explicar. Não é tão simples. Ao des-
pertar e olhar para a direita notei que aquela luz se apagava e que
o lugar recuperava seu aspecto normal, isto é, u m a escuridão ab-
soluta. Pois bem, n e s s e instante, s e m conseguir e n t e n d e r o que
se passava, vi que o chofer do c a m i n h ã o caminhava em direção
ao m e u carro, ao m e s m o t e m p o e m q u e eu, u m tanto alarmado,
saía do BX. Ao chegar junto a mim perguntou-me, agitado: "Viu?"
"Viu?" E indicou o terreno situado à direita dos veículos. Exata-
m e n t e o ponto de onde eu acreditava haver vindo a claridade. Mas
o que vi foi alguma coisa muito estranha: u m a escuridão que ocu-
pava boa parte do nosso c a m p o de visão, à frente e ao alto. Ao
notar s e m e l h a n t e negrura fiquei e s p a n t a d o . Se aquilo estivesse
ocorrendo q u a n d o entrei no e s t a c i o n a m e n t o , os faróis do carro
teriam m o s t r a d o .
— Q u e horas e r a m ?
— Por volta das quatro. Durante alguns segundos, permane-
c e m o s de pé, à e s q u e r d a do m e u carro e c o m o olhar fixo naquela
imensa "massa negra".
— E m que e s t a d o se encontrava o chofer francês?
— Muito inquieto. E em sua excitação só conseguia repetir
a pergunta: "Viu?" Mas que é que havia para ver? Diante de nós
só havia u m a "coisa" escura... E de repente, para minha própria
estranheza, eu lhe disse: "Vamos." C o n t o r n a m o s o m e u carro e
c o m e ç a m o s a caminhar em direção à "massa negra", para designá-
la de a l g u m a maneira.
— Por que você disse "para minha própria estranheza"?
— Muito simples. Não sou curioso. Essa minha reação foi to-
tal e a b s o l u t a m e n t e inexplicável. Por mais que p e n s e nisso n ã o
consigo entender. E q u a n d o nos a c h á v a m o s a uns dez metros,
aproximadamente, da tal massa negra, ocorreu um f e n ô m e n o que
t a m b é m não tem explicação: o caminhoneiro e eu " t r o p e ç a m o s "
n u m a muralha invisível. Duvido muito que eu consiga descrever
aquilo c o m precisão. Era c o m o um m u r o . Tanto ele c o m o eu o
p a l p a m o s . Meus óculos c h e g a r a m até a "fundir-se" contra o rosto*
ao impacto daquela "barreira". Era incrível. Eu poderia compará-
la talvez a uma espécie de gelatina ou material plástico, muito sutil

171
m a s firme o suficiente para barrar nosso avanço. Amoldava-se às
m ã o s e ao rosto e, ao primeiro impacto, retrocedi u m ou dois cen-
tímetros. Ainda assim m e parecia algo intangível. Foi nesse ins-
tante que m i n h a s p e r n a s c o m e ç a r a m a tremer. Então, m e u ami-
go, conheci v e r d a d e i r a m e n t e o m e d o . Da reação do francês n ã o
lhe p o s s o falar. Mas s u p o n h o que fosse igual à minha. Nisso, co-
m o se já n ã o fosse suficiente o que p a s s á r a m o s , a parte inferior
da " m a s s a negra", n u m a distância de a p r o x i m a d a m e n t e seis me-
tros, iluminou-se ligeiramente. E n ã o sei dizer-lhe se já estavam
ali ou se a p a r e c e r a m nesse m e s m o m o m e n t o . . .
— Desculpe, c o m o era essa iluminação?
— Creio que poderia descrevê-la c o m o uma mudança de tom.
Não foi c o m o se se a c e n d e s s e u m a luz, não. E que essa borda in-
ferior de " m a s s a negra" clareou levemente, e m b o r a continuasse
sendo u m a obscuridade. Sei q u e m i n h a s palavras são difíceis de
entender, m a s o que t í n h a m o s diante de nós n ã o era "normal"...
Q u e exemplo eu poderia dar? Imagino u m a e n o r m e lousa de már-
m o r e preto. Mas u m preto esverdeado. Pois bem, assim era o ce-
nário e s c u r o de que lhe falo. Ao iluminar-se, esse verde-garrafa
fez-se u m tantinho mais diáfano. Quer dizer, n ã o emitia luz, m a s
coloriu-se a si m e s m o . Então, c o m o lhe dizia, esse "claro-escuro"
permitiu-nos distinguir d u a s silhuetas. Torno a dizer-lhe q u e n ã o
sei se já estavam ali d e s d e o princípio ou se surgiram naquele mo-
m e n t o . Tive u m calafrio ao vê-las. E o t r e m o r das m i n h a s p e r n a s
a u m e n t o u . . . E r a m — santo Deus! — de u m a compleição e u m a
envergadura gigantescas. Calculei uns três metros de altura e u m a
largura proporcional. E a v a n ç a r a m para nós...
— A q u e distância estariam?
— Mais ou m e n o s uns cinco metros. Moviam-se s e m agili-
dade. Não e r a m h u m a n o s , disso estou certo. Mas t a m b é m não se-
riam o q u e e n t e n d e m o s por robôs. E u m a coisa curiosa: caminha-
vam c o m o se u m fosse o reflexo do outro. Quer dizer, q u a n d o u m
dos gigantes erguia a perna direita, o segundo fazia o m e s m o , m a s
c o m a esquerda. Exatamente c o m o e m um espelho. Deram alguns
passos, n ã o excessivamente longos, girando, depois, de u m a for-
ma estranha, c o m o se s o b r e seu próprio eixo. E r e t r o c e d e r a m pa-
ra a "massa negra", detendo-se u m p o u c o mais além do ponto on-
de os havíamos visto surgir. Incrível. Tanto de frente c o m o de cos-
tas e r a m iguais.
— Você observou as feições?
— Nada de nada. Nem olhos, n e m boca, n e m nariz... A m b a s
as figuras, c o m o lhe disse, e r a m idênticas. Imensas, c o m extre-
m i d a d e s superiores e inferiores, u m tronco e u m bloco à maneira
de cabeça.
— E a cor dos gigantes?

172
Um ser gigantesco me observava a t e n t a m e n t e " , declarou o pescador
•»morano.
— O m e s m o verde-garrafa q u e tinham às costas.
— Dava para distinguir m ã o s e pés?
— Não. E mais: n ã o poderia afirmar-lhe que pisassem o so-
lo. Os b r a ç o s p e r m a n e c i a m colados ao tronco e, nos seus p o u c o s
deslocamentos, moveram-se c o m agilidade. Q u a n t o à articulação
dos joelhos, t a m b é m c h a m o u a minha a t e n ç ã o . As "pernas"
dobravam-se u m pouco, m a s n ã o se viam rugas ou m o v i m e n t o s .
E q u a n d o eles ficaram p l a n t a d o s nessa posição final nosso pâni-
co foi mais forte e s a í m o s c o r r e n d o para o carro.
— Teve a s e n s a ç ã o de que eles os observavam?
— Sim, claro, ainda que não s o u b é s s e m o s o que era neles
frente ou costas. E ali p e r m a n e c e m o s uns m o m e n t o s , entrinchei-
rados atrás do BX e m o r t o s de m e d o . Então "aquilo" se a p a g o u .
— Desculpe, poderia explicar a razão do m e d o ?
— T e n h o u m a ligeira idéia. Não é que tivéssemos notado ne-
les u m a atitude hostil ou agressiva, m a s t a m b é m não infundiam
confiança. Ou seja: não m e sentia seguro.
— Teriam influído a altura e a corpulência dos seres?
— Naturalmente. Aquele porte impressionava.
— Ouvia-se algum tipo de ruído ou s o m ?
— Sim, m a s muito fraco. Foi no m o m e n t o e m que surgiu a
tal claridade da borda inferior. Aí o u v i m o s u m zumbido ligeiríssi-
mo, muito próprio das altas freqüências. E desapareceu juntamen-
te c o m a claridade.
— T e m a l g u m a idéia de c o m o d e s a p a r e c e r a m os gigantes?
— N e n h u m a . Não os vimos entrar n e m sair. S i m p l e s m e n t e ,
e m alguns m o m e n t o s , tudo escureceu. Transcorridos alguns mi-
nutos, a " m a s s a negra" a u m e n t o u u m p o u q u i n h o sua claridade
e se afastou no que p o d e r í a m o s c h a m a r u m vôo rasante e ab-so-
lu-ta-men-te silencioso.
— Q u e f o r m a t o m o u a " m a s s a n e g r a " ao clarear?
— T a m b é m não posso dizer. Sei que m e u c a m p o de visão
podia abarcar entre sessenta e setenta metros. Não sei, p o r é m ,
se era circular ou se configurava algum tipo de simetria geomé-
trica. Na suposição de que se tratasse de um o b j e t o discóide, o
que eu estava vendo devia ser u m a parte do perímetro. S e você
fizer uns cálculos simples verá que aquela m a s s a ultrapassava os
cem metros de diâmetro. Mas agora estou falando por falar. O que
p o s s o assegurar é que era a l g u m a coisa gigantesca e n ã o huma-
na. J a m a i s havia visto tecnologia tão sublime e perfeita. Afirmo,
a m i g o J u a n j o , que o país q u e dispuser de s e m e l h a n t e s artefatos
dominará o planeta c o m o b e m quiser.
— Q u a n t o t e m p o durou a experiência?
— Ao redor de u m a hora.
— E a presença dos gigantes?

174
— Quinze ou vinte minutos, mais ou m e n o s . C o m o com-
preenderá, n e s s a s circunstâncias (perplexos, primeiro, e m o r t o s
de m e d o , depois), n i n g u é m se lembra de olhar o relógio... O que
posso dizer-lhe é que foi t e m p o de sobra.
— E c o m o é possível que nesse dilatado espaço de t e m p o
n ã o tivesse a p r e e n d i d o outros detalhes?
— Porque não os havia. E eu p o s s u o excelente visão. Mais
ainda de noite. Tudo era "liso". (Uniforme. Tive u m a impressão
que talvez lhe pareça disparatada. Mas lhe direi: era c o m o se os
"gigantes" não f o s s e m e x a t a m e n t e físicos, m a s u m a i m a g e m ge-
rada por projeção.
— Cima holografia?
— Algo assim. Cima espécie de i m a g e m tridimensional, per-
feita e c o m volume, m a s projetada.
— Fale-me de novo da meia-volta d o s dois seres.
— Foi para dentro e sincronizado. E p e r m a n e c e r a m p o u c o
mais ou m e n o s à m e s m a distância em q u e se encontravam u m
do outro: entre um e dois metros.
— Ao fazerem a volta, observou algo especial em seu perfil?
— Nada de particular. Bem, talvez os braços não sobressaís-
s e m . Apesar do ligeiro m o v i m e n t o deles, nunca p a s s a r a m da lar-
gura do tronco.
— E m q u a n t o calcula essa largura?
— Talvez um metro.
— As p e r n a s e r a m proporcionais ao resto do corpo?
— Não. A i m a g e m geral podia ser esta: muito largos, q u a s e
q u a d r a d o s em sua parte superior, c o m dois "cilindros" à guisa de
e x t r e m i d a d e s inferiores. Dois "cilindros" longos e bonitos.
— Notou algum reflexo ou faísca quando fizeram meia-volta?
— Creio que não. C o m o lhe disse, o e s t a c i o n a m e n t o estava
às escuras. E t a n t o o c a m i n h ã o q u a n t o m e u carro tinham as luzes
a p a g a d a s . Nesse m o m e n t o , c o m o p o d e c o m p r e e n d e r , não nos
ocorreu m a n o b r a r m e u carro e iluminar o local c o m os faróis. No
m e u caso, ao m e n o s , não fiz senão reagir por instinto.
— Q u e disse o caminhoneiro ao tropeçar c o m a barreira in-
visível?
— Praguejou. E imagino que s e u s cabelos se eriçaram, co-
m o aconteceu comigo.
— Q u a n t o teria d u r a d o o contato c o m a "muralha"?
— Não sei precisar. Creio que u m minuto.
— Lembra-se de a l g u m a alteração do tipo fisiológico?
— Não. Afora o m e d o , tanto nesse m o m e n t o c o m o nos dias
posteriores não tive p r o b l e m a s de espécie a l g u m a . Se se refere
ao encontrão c o m a "barreira", a verdade é que não nos c a u s o u
mal algum.

175
— Imagine por u m m o m e n t o que tivesse lançado o BX con-
tra esse misterioso escudo. Q u e ceria a c o n t e c i d o ?
— H o m e m , que lembrança! Eu, positivamente, à vista daqui-
lo, não teria sido capaz. Mas, se e s t a m o s t r a b a l h a n d o c o m hipó-
teses, c e r t a m e n t e o carro teria sido atirado para trás.
— Não lhe ocorreu apalpar a barreira lateralmente?
— Sim, claro. Tanto o caminhoneiro quanto eu, ao t o p a r m o s
com o obstáculo, c a m i n h a m o s u n s dois ou três metros, à esquer-
da e à direita, na tentativa d e encontrar u m a brecha.
— A superfície era plana ou curva?
— Minha impressão é que enfrentávamos uma superfície pla-
na e vertical.
— O s p é s t a m b é m se c h o c a r a m ?
— C e r t a m e n t e . Imagine u m e n o r m e vidro, m a s elástico. Se
você c a m i n h a até ele s e m o ver, o normal é que receba o primei-
ro impacto no rosto, tronco, joelhos e pés. Pois isso a c o n t e c e u .
Depois, ao perceber a existência do obstáculo, insisti e palpei
detidamente.
— A barreira era fria ou q u e n t e ?
— Nem u m a coisa n e m outra. A s e n s a ç ã o foi a m e s m a de
um material plástico, que e m geral p e r m a n e c e a u m a temperatu-
ra a m b i e n t e . Foi o que senti.
— Você m e dizia que d u r a n t e essa longa hora de observa-
ção c h a m o u - l h e a a t e n ç ã o a inexistência de veículos em circula-
ção na rodovia...
— De fato. Foi estranhíssimo. Apesar do a v a n ç a d o da ma-
drugada, o normal é que exista u m certo tráfego, por m e n o r que
seja. Todavia, enquanto "aquilo" estava defronte do estacionamen-
to, não notei a p a s s a g e m de u m só carro. Nem e m um sentido
n e m e m outro. Depois, q u a n d o a b a n d o n e i o lugar, tudo se nor-
malizou.
— C o m o a m b o s reagiram depois do d e s a p a r e c i m e n t o da
"massa"?
— O chofer francês, excitadíssimo e v o m i t a n d o palavrões à
direita e à esquerda, meteu-se no c a m i n h ã o e se m a n d o u c o m o
u m furacão. Foi u m a p e n a não anotar sua licença ou n o m e . Te-
ria g o s t a d o de conversar c o m ele, trocar impressões... Foi impos-
sível. Saiu do e s t a c i o n a m e n t o a toda a velocidade. Quanto a mim,
entrei no automóvel e permaneci uns m o m e n t o s tentanto pensar.
Lembro que acendi a luz interna. E depois de u m instante, inca-
paz de controlar m e u s p e n s a m e n t o s , entrei na rodovia. Ultrapas-
sei o c a m i n h ã o . Businei para ele. Respondeu-me c o m três ou qua-
tro sinais de luz. A partir daí c o m e c e i a notar u m a u m e n t o do trá-
f e g o na estrada. E, f r a n c a m e n t e , há coisas que não consigo en-
tender. Por exemplo: p o u c o s m i n u t o s depois de deixar para trás

176
Fecha = Julio 1988
llcra = 3 a 5 rnadrugad,/
Aprox, 60 a 70 m,

R. frontal aprox, 6 a 8 m. / v | Iridefinícion de forma en


/ ">1 planta, ambas u otras sari
J y i posibles

V
\\
\ Humanoidesh- Aprox. 10 m. /
\ R, Aprox, 3 ml > Pantalia invuible
posibles disposiciones
TV. Maxima aprox. de observadores
Coche

Frances
' \|1erpue5to dde
i obser/acion

ParKig A—68
>Hhio Logrofio
_ — _ .4-68 _ _ _ _ _ _ _

I «querna elaborado pela própria t e s t e m u n h a , o engenheiro catalão.

I in primeiro plano, o terreno da


rodovia A - 6 8 , p r ó x i m o ao
imtacionamento sobre o qual
iwrmaneceu a grande " m a s s a
n e g r a " . S e m a n a s depois d o
acontecimento, o matagal
•iiitlnuava partido e dessecado,
c o m o se pode observar
na f o t o .

o Zambrana

Logrono •

Autopista A-68
o c a m i n h o n e i r o francês passei por um s e g u n d o c a m i n h ã o . E n t ã o
m e perguntei: c o m o explicar q u e por toda u m a longa hora não
passasse diante do e s t a c i o n a m e n t o u m só veículo e, agora, assim
que reiniciei a viagem, c o m e ç a s s e a ultrapassar t o d o tipo de trá-
fego? Não t e m sentido. E lhe direi mais. Lembro-me de que, ao
atingir o c r u z a m e n t o c o m a rodovia que leva a Burgos, o engarra-
f a m e n t o de carros era f e n o m e n a l . O i m p e d i m e n t o (refiro-me à di-
reção Bilbao-Zaragoza) se prolongava p r a t i c a m e n t e até o pedá-
gio de Altube.
S e g u n d o sua esposa, RV entrou em casa ao redor das sete
da m a n h ã e n u m e s t a d o de singular nervosismo, i n c o m u m nele.
"Fez-me levantar", explicou E m m a , "e m e contou o que ha-
via sucedido. Estava tão excitado que não p ô d e dormir."
Mas se o o r g a n i s m o do e n g e n h e i r o reagiu n o r m a l m e n t e , o
m e s m o não se pode dizer do seu automóvel, o Citroen modelo BX.
"Devido ao a c o n t e c i m e n t o " — c o m e n t o u RV — "a bateria co-
m e ç o u a falhar. Bastava usar o sistema a u t o m á t i c o de mover os
vidros d a s janelas para entrar e m pane. E assim continuou, c o m o
você sabe, até d e z e m b r o desse a n o de 1988, q u a n d o , aborrecido,
optei por substituí-la. Naturalmente, q u a n d o detectei a falha, fui
a u m a oficina. Os m e c â n i c o s n ã o s o u b e r a m reparar a avaria. Era
inexplicável. A bateria estava em perfeitas condições. Ademais,
não havia razão para falhar: o carro não tinha u m ano."
T a m b é m parte do lado direito do^BX a p a r e c e u c o m u m a al-
t e r a ç ã o misteriosa.
"De fato. Tanto o vidro posterior q u a n t o a curvatura do pára-
choque dianteiro apresentavam d e f o r m a ç õ e s estranhas. Pareciam
bolhas. A m b a s essas partes são constituídas por material plásti-
co. O resto da pintura desse lado — j u s t a m e n t e o mais próximo
da g r a n d e massa negra — n ã o estava alterado."
Na opinião de peritos, essas bolhas no pára-choque e no vi-
dro plastificado da janela posterior direita só p o d i a m explicar-se
pela ação do calor, ou talvez por u m a radiação de origem e natu-
reza desconhecidas.
T a m b é m os cartões de crédito que RV levava e m u m a peque-
na bolsa de m ã o foram a f e t a d o s pela proximidade do objeto, se-
não pela "invisível barreira" ou pelos próprios gigantescos "seres".
"Costumo viajar c o m a bolsa ao alcance da mão. Naquela oca-
sião, c o m o q u a s e sempre, a havia deixado s o b r e o assento do la-
do. Continha as chaves da casa, m e u s d o c u m e n t o s , o dinheiro e
o s cartões. Mas não pensei no assunto até que, alguns dias de-
pois, em Irún, ao tentar utilizar u m deles, a caixa a u t o m á t i c a o
rejeitou. P e n s a m o s que podia tratar-se de falha nos c o m p u t a d o -
res do banco. Testei-o e m outras caixas. O resultado foi o mes-
m o . Mas o mais estranho é q u e a anomalia afetara todos os três

178
cartões. Não era muita casualidade? Obviamente, o p r o b l e m a re-
sidia nas b o r d a s m a g n é t i c a s dos cartões. Alguma coisa as havia
alterado."
O e n g e n h e i r o transportava, t a m b é m , m a s no porta-malas do
carro, u m a maletinha de madeira c o m d o c u m e n t o s e u m total de
onze disquetes de c o m p u t a d o r , c o m u m banco de d a d o s relacio-
n a d o s c o m um projeto para u m a fábrica química. For sorte, ne-
n h u m deles foi danificado.
A surpresa seguinte — s e m explicação científica possível —
viria na visita ao terreno sobre o qual havia flutuado a descomu-
nal nave. De fato, c o m o contara o engenheiro, a p e q u e n a distân-
cia do e s t a c i o n a m e n t o notava-se u m considerável trecho de terra
c o m a v e g e t a ç ã o esbranquiçada e e s m a g a d a . No total, ainda q u e
não fosse possível determinar u m a figura geométrica precisa, a
superfície afetada era superior a 3 6 0 0 m e t r o s quadrados. Curio-
s a m e n t e , o arvoredo alto estava t o m b a d o na direção nordeste. E
todo ele, além de guardar a m e s m a inclinação, apresentava o pon-
to de ruptura muito próximo à base. N e n h u m a haste, espiga, fo-
lha, etc., estava calcinada. Como já tem acontecido e m outros ca-
sos de aterrissagem ou "quase a t e r r i s s a g e m " de ovnis, a vegeta-
ção havia ficado dessecada, m a s sem vestígios de incêndio ou sim-
ples c h a m u s c a m e n t o .
Os resultados das análises das a m o s t r a s recolhidas no local
f o r a m aqueles já familiares aos pesquisadores: "alto grau de de-
sidratação, superior, às vezes, a oitenta por cento". A causa, para
os expertos, só podia ser u m a fortíssima fonte de calor que, além
de "cozer" literalmente as plantas, incidiu o b l i q u a m e n t e sobre a
r a m a g e m , partindo-a pela base.
As a m o s t r a s não apresentavam sinais notáveis de radiação.
Mas, para complicar ainda mais as coisas, em diferentes pontos,
distribuídos a n a r q u i c a m e n t e , foram e n c o n t r a d a s pedras pratica-
m e n t e fundidas. Esse fato, c o m o já disse, era incompreensível.
Para que as p e d r a s atingissem o grau de fusão era necessária a
aplicação de u m a corrente calórica superior a 2 500 graus Cel-
sius. E, admitindo que o artefato que p e r m a n e c e u sobre a área
houvesse podido desenvolver essa f o n t e energética, c o m o expli-
car que a v e g e t a ç ã o a d j a c e n t e ficasse a p e n a s d e s s e c a d a ?
Por mais q u e eu inspecionasse e rastreasse o lugar n ã o fui
capaz de achar u m só vestígio ou m a r c a que permitisse deduzir
q u e a grande " m a s s a negra" havia a s s e n t a d o , fisicamente, sobre
a suave ladeira. Isto, de certo m o d o , corroborava a informação
do engenheiro, que não s o u b e precisar se o objeto estava aterris-
sado.
Mas e n t r e m o s em outro capítulo, não m e n o s sugestivo. Qual
o propósito desse singular contato imediato?A pergunta, eu sei,

179
pode parecer do gênero idiota. Quando, e m u m a das últimas con-
versas c o m RV, formulei-lhe a questão, o engenheiro se surpreen-
deu.
" S u p o n h o " , foi a sua resposta, "que tudo se deveu a u m a ca-
sualidade."
Mas m e u amigo, que nada t e m de tolo, ficou c o m a pergunta
zumbindo na m e n t e . As indagações q u e este perverso foi semean-
do em seu frio e cético espírito não tardariam a despontar, obri-
gando-o a reconhecer que, q u a n d o menos, o assunto era bastan-
te insólito. Eis a l g u m a s das "dúvidas" que s u b m e t i à sua reflexão
e que, de p a s s a g e m , atiro ao leitor c o m o u m a batata quente:
1? Tema "sono". Segundo o engenheiro, acostumado que está
a viajar, é difícil que sinta sono. Entre outras razões, p o r q u e sem-
pre inicia s u a s viagens p e r f e i t a m e n t e d e s c a n s a d o . A freqüência
e intensidade de seus d e s l o c a m e n t o s o exigem. (Em a p e n a s u m
ano, segundo está na fatura, havia percorrido 57 000 quilômetros.)
C o m o entender, então, que, j u s t a m e n t e naquela ocasião, fosse
vencido pela sonolência? "Casualidade" n ú m e r o u m ?
2? Se "Castela é larga", Rioja não lhe fica atrás. E, apesar das
i m e n s a s solidões dessa c o m u n i d a d e — t o m e m o s c o m o exemplo
a serra da D e m a n d a —, o ovni chega e desce à borda da artéria
mais notável: a rodovia A-68. E diante do carro do engenheiro.
"Casualidade" n ú m e r o 2?
3? A gigantesca nave "escolhe" um dos cinqüenta e dois es-
t a c i o n a m e n t o s e áreas de serviço que há na m e n c i o n a d a rodovia,
na direção Barcelona-Bilbao. "Casualidade" n ú m e r o 3?
4? E m plena "operação saída de férias", por e s p a ç o de u m a
hora não circula um só veículo e m n e n h u m a das d u a s direções.
"Casualidade" n ú m e r o 4?
5? Para c ú m u l o do absurdo, junto à " m a s s a n e g r a " s u r g e m
dois seres de três m e t r o s de altura que se limitam a dar u m curto
passeio diante das aterrorizadas t e s t e m u n h a s . "Casualidade" nú-
m e r o 5?
6? E para que fique registro, aí estão mais de três mil m e t r o s
q u a d r a d o s de v e g e t a ç ã o dessecada, u m a bateria e três cartões de
crédito inutilizados, além de u m pára-choque e u m a vidraça ava-
riados. "Casualidade" n ú m e r o 6?
Conclusão: não será muita casualidade? Não estaremos, pe-
la e n é s i m a vez, diante de u m flagrante caso de "aqui e s t a m o s e
c o n v é m que se saiba"?
E m resumo: o m e d o não escolhe n i n g u é m . Pouco importa o
nível intelectual ou profissional, o grau de t r e i n a m e n t o ou a cora-
g e m natural da t e s t e m u n h a . No caso vivido pelo e n g e n h e i r o RV,
esse sentimento foi provocado f u n d a m e n t a l m e n t e pela "sensação
d e insegurança". Aí está, na minha opinião, u m a das chaves da-

180
Matagal e plantas dessecadas
no ponto de aterrissagem ou
semi-aterrissagem do ovni, em
La Rioja, junto à rodovia A - 6 8 .
No centro da f o t o , pedras
praticamente fundidas.

Fatura relativa à troca da


bateria do BX. A estranheza
dos mecânicos foi tal que, KfiiíÊLO

como mostra o papel, o dono


da oficina teve de fazer um
desconto de 5 0 por cento.

O carro de J. J. Benitez, no
ponto que o BX ocupava na
noite dos f a t o s na área de
descanso da rodovia A - 6 8 .
questão. O f e n ô m e n o ovni, e m suas múltiplas variantes, acaba por
fugir à c a p a c i d a d e de raciocínio do ser h u m a n o . E isso, s e g u n d o
os tratados de medicina e psiquiatria, constitui u m a das "atitu-
des" peculiares ao h o m e m em situações de m e d o . 2 Diante de um
perigo, real ou imaginário, a pessoa que entra e m pânico costu-
ma desenvolver quatro "reações terminais": foge, ataca, enfrenta
racionalmente ou fica paralisada. Tudo d e p e n d e r á de conhecer
o perigo (três primeiros tipos de reação), ou não conhecer (última
reação). Diante do f e n ô m e n o ovni — cuja natureza é desconheci-
da para a imensa maioria das t e s t e m u n h a s — c a b e m as q u a t r o
possibilidades. De fato, s a b e m o s de i n ú m e r a s p e s s o a s que reagi-
ram "fugindo", "atacando", "racionalizando" ou "ficando c o m o
estátuas".
Do p o n t o de vista p u r a m e n t e teórico, a solução para não su-
cumbir ao m e d o diante da proximidade de u m a destas naves e
dos h u m a n ó i d e s que as tripulam deveria estar em u m a "familiari-
d a d e " c o m essa "outra realidade". E n q u a n t o os conceitos "ovni"
ou "tripulantes de outros m u n d o s " continuarem, para o c o m u m
dos mortais, associados ao mistério, ao desconhecido e ao impos-
sível, os "registros cerebrais" continuarão reagindo negativamente.
Será, pois, necessário — c o m o eu já assinalava páginas atrás —
u m longo, muito longo período de t e m p o para que a raça huma-
na inclua e m s e u s p a r â m e t r o s m e n t a i s essas "outras realidades"
às quais, s e m dúvida, e s t a m o s ligados. As crianças e os adoles-
centes das últimas gerações, graças a Deus, c o m e ç a r a m a com-
p r e e n d e r e assimilar isso. E, nesse importantíssimo trabalho de
mentalização, tanto os meios de c o m u n i c a ç ã o q u a n t o os pesqui-
sadores — ainda que a p e n a s m o d e s t a m e n t e — d e s e m p e n h a m o s
um papel q u e só a História poderá avaliar.
Claro que t a m b é m cabe a postura do avestruz, tão sábia e ha-
bilmente trabalhada por governos e "vampiros". Basta "explicar"
esse tipo de "contatos" c o m seus típicos sofismas. Para o caso

2. O medo — que não deve ser confundido com a angústia — representa e provoca
uma perturbação do espírito diante de um perigo real ou imaginário, atual ou futuro.
Pois bem, segundo os especialistas, em situação de temor (caso de encontro com ovni
ou seus tripulantes) irrompem no ser humano os seguintes mecanismos: 1. O perigo é
percebido pelos órgãos sensoriais. 2. Estresse. 3. Síndrome geral de adaptação. 4. Esti-
mulação do hipòtálamo. 5. Estimulação da hipófise. 6. Hipersecreção do hormônio
ACTH. 7. Estimulação de hormônios córtico-supra-renais. 8. Taquicardia, sudorese,
palidez, relaxação de esfíncteres (predomínio do sistema nervoso simpático com ativa-
ção das fibras musculares estriadas e relaxação das lisas). 9. Conhece-se a natureza do
perigo. Neste caso pode-se reagir com a fuga,-o ataque ou o domínio cortical, com inibi-
ção da ação muscular e um enfrentamento racional do perigo. 10. Não se conhece a na-
tureza do perigo. Isto significa: "reação nula", com persistência dos fenômenos vegeta-
tivos. Vale dizer, registra-se um esgotamento do sistema nervoso simpático, com secre-
ção de acetilcolina. (N.. A.)

182
do engenheiro p o d e m recorrer às "alucinações hipnagógicas ou
hipnopômpicas". Quer dizer, as falsas p e r c e p ç õ e s sensoriais que
se registram ao dormir e ao despertar, respectivamente.
Essas classificações médicas — tão do agrado dos s u m o s sa-
cerdotes da ufologia — já foram utilizadas para desacreditar acon-
t e c i m e n t o s c o m o os de Yurre, Torrejoncillo ou Losa dei Obispo,
entre outros. Pois bem, apostaria minha b e m ganha fama de "pan-
t o m i m e i r o " e m que logo logo o caso da rodovia A-68 estará in-
cluído na "lista negativa" desses "esquenta-poltronas" c o m u m a
qualquer das explicações m e n c i o n a d a s .
De u m a coisa p o d e estar certo o sofrido leitor. Será impro-
vável encontrar u m engenheiro c o m s e m e l h a n t e c a p a c i d a d e de
fabulação. F a l e m o s sério. Se é para fantasiar, por que omitir
as óbvias e naturais feições nos rostos d o s gigantes? Por que
"fabricá-los" idênticos, por trás e pela frente? Não teria sido mais
c o n g r u e n t e enfeitar a " m a s s a negra" c o m u m a pirotecnia de lu-
zes e efeitos espetaculares? Ademais, se RV desejava " m o n t a r "
u m a história desta natureza, por que guardar segredo? Sobretu-
do, c o m o se arranjou para dessecar u m a superfície de terreno
de mais de três mil m e t r o s q u a d r a d o s e fundir dezenas de pe-
dras? Será que u m a "alucinação hipnagógica" p o d e inutilizar a
bateria de um a u t o m ó v e l ?

183
5
Outra fatura não paga, ou a "odisséia" de Vicente Coreli com
"gentes do outro mundo" • O "tio das perinhas" vira caçador
de caracóis • "Você tem aí uma pistola? Não? Pois então cale-
se" * Onde se dá conta de como um acontecimento genuíno
pode ser desacreditado pelos "vampiros" e seus acólitos • Tam-
bém os mestres-escolas viram seres de outros mundos • A mo-
derna investigação ovni: meio século de fracassos. E eu pergun-
to: não será porque trabalhamos com instrumentos errados? •
D e como um banhista chamado "Patton" se esfumou diante do
nariz de alguns veranistas • Tarifa: a testemunha guardou se-
gredo durante vinte e seis anos • "Rapaz, você é daqui?", per-
guntou o gigante • "O do Hilário": outro acontecimento inédi-
to e surpreendente" • "E este cristão especulava: onde teria Juan
Brisa conseguido uma luminária tão forte?" • "E aquele homen-
zarrão de repente se pôs a voar. Você me segue?" • Talvez uma
das chaves do fenômeno tenha sido fornecida por uma pintora
da Ilha Cristina • "Que são?" • E os seres de cabelo albino res-
ponderam á grande pergunta • Onde faço de "profeta menor'"
e acerto • Falemos de dinheiro: outra farsa nos "sumos sacer-
dotes" • Conil ou a "quinta coluna" • Onde se narra a assom-
brosa "mutação" de dois seres de "túnicas" brancas e o "pas-
seio" de um "cabeça de pêra voador" • Mais difícil ainda: anto-
lógico "catálogo de caradurismo ufológico" * E os ovnis e o es-
tranho "par" regressaram a Conil • O mistério está servido

E por falar de faturas não pagas, o a m i g o Vicente Corell está


há catorze anos e s p e r a n d o que as " g e n t e s do outro m u n d o " se
d i g n e m regressar. Porque o a m i g o Corell, de qualquer maneira
q u e se encare a coisa, t e m razão. S e foram eles os responsáveis
pela avaria em seu modesto Renault 4-L, de q u e m reclamar as qua-
tro mil pratas q u e custou o conserto? J u s t o será reconhecer tam-
b é m que, a estas alturas, o c a m p o n ê s b o n a c h ã o de Almenara per-
deu a esperança de recuperar os q u a t r o s "verdes".
Mas, a n t e s de aventurar-me pelo c a m i n h o das conjeturas, é
b o m e necessário m e s m o que e x a m i n e m o s os fatos c o m o m e fo-
ram narrados pelos protagonistas d e s t e novo caso: Vicente Co-
rell Cerdá e sua esposa, Carmen Civera Sales, que à época conta-
v a m cinqüenta e cinco e cinqüenta e u m anos, respectivamente.
Mão é preciso dizer q u e tanto ele q u a n t o ela são p e s s o a s sim-
ples, francas, c o m escassa capacidade de imaginação e s e m ne-

185
n h u m a intenção de enriquecer ou alcançar n o m e e popularidade
à custa do a c o n t e c i m e n t o da noite de 14 de março de 1976, u m
domingo. Ao contrário. Digo e confirmo que sua boa-fé e solicitu-
de, aceitando dialogar com q u a n t o s os procuraram e m sua casa,
na localidade castelonense de Almenara, só lhes criou problemas.
Tenho repetido e sustentarei até que a Providência m e dê o "passa-
porte" para os m u n d o s vindouros: as verdadeiras dificuldades das
t e s t e m u n h a s ovni c o m e ç a m depois dos contatos. E, c o m o era de
esperar, o t e s t e m u n h o do casal Corell-Civera foi objeto de chaco-
tas por parte dos "vampiros" e formalistas da ufologia hispânica.
Mas v a m o s por partes. Haverá t e m p o para contestar os "doutores"
ufólogos q u e "deitaram cátedra" neste acontecimento.
Minutos a n t e s das dez da noite daquele frio e ventoso domin-
go, o senhor Corell parou seu automóvel no sinal de trânsito exis-
tente na via de acesso e saída do então CIR n ú m e r o 7 (Centro de
Instrução de Recrutas), localizado nas proximidades de Marines,
na província de Valencia. Nessa m a n h ã , um de seus filhos, per-
t e n c e n t e ao grupo da primeira c o n v o c a ç ã o de 1975, havia jurado
bandeira naquele quartel. Os pais viajaram de Almenara, aprovei-
t a n d o o s e m p r e emotivo a c o n t e c i m e n t o para passar o dia c o m o
jovem. Ao fim da jornada e m p r e e n d e r a m viagem r u m o à cidade
de Museros, na província de Valencia.
"Nossa intenção" — explicou o lavrador — "era passar a noi-
te c o m a família da minha mulher. Mas, assim que u l t r a p a s s a m o s
o sinal, c o m e ç a m o s a ver u m a estranha luz."
A esposa, livre do e n c a r g o de dirigir o automóvel, foi q u e m
melhor p ô d e observar e fornecer d a d o s sobre o f e n ô m e n o .
"Era ovalada, brilhante, de u m branco-rosa. Nem m e u mari-
do n e m eu lhe d e m o s maior importância. Flutuava a u m a distân-
cia b e m g r a n d e e p e n s a m o s que se tratava de u m carro. Fiquei
observando-a e m silêncio, s e m n a d a dizer a Vicente. E dentro e m
p o u c o ela d e s a p a r e c e u . "
O m a r i d o t a m b é m viu a luz, mas, c o m o a mulher, não fez co-
mentários, preferindo u m p r u d e n t e silêncio.
"Estava muito distante e, sinceramente, n ã o m e p r e o c u p o u .
Mas, q u a n d o r o d á v a m o s a coisa de c e m ou duzentos m e t r o s do
sinal de trânsito, 'aquilo' apareceu à nossa esquerda, sobre o cam-
po..."
O automóvel — d a d o a ser levado em conta —, c o m a tercei-
ra marcha engatada p o u c o s m o m e n t o s atrás, circulava nesse mo-
m e n t o a cinqüenta ou sessenta quilômetros por hora.
A senhora Corell, que, dentro das circunstâncias, observou
a aparição mais c o m o d a m e n t e , descreveu-a nos seguintes termos:
"Primeiro foi u m torvelinho. E, no m e i o da poeira, a l g u m a
coisa muito i n c o m u m foi 'erguendo-se' do chão. E se tornou u m a

186
Vicente Corell,
em sua casa de Almenara.
I fundo, o carro em que viajava
em companhia da esposa.
(Foto de J. J . Benitez.)

O casal Corell-Civera,
j u n t o ao seu Renault 4-L.
e s p é c i e d e ' e s t á t u a ' . Flutuava s o b r e o t a l u d e p r ó x i m o à e s t r a d a .
Mais ou m e n o s a u m m e t r o d o solo. Movia-se e m n o s s a d i r e ç ã o
e c o m u m ligeiro b a l a n c e i o à direita e à e s q u e r d a . O farol alto ilu-
minava b e m e isso m e p e r m i t i u o b s e r v a r t u d o a t e n t a m e n t e .
"E d e s u p o r q u e tivesse d u a s p e r n a s , p o r q u e , c o m o e u disse,
tinha u m perfil h u m a n o . Todavia, e s t a v a m t ã o u n i d a s q u e m a i s
p a r e c i a m u m a c o l u n a d o q u e e x t r e m i d a d e s h u m a n a s . Era alto,
bem aparentado e com um traje cinturado, c o m o de u m a só peça
e d e cor e s c u r a e brilhante. O s e n h o r c o n h e c e o t e c i d o d e moiré?
Pois era u m a coisa a s s i m . A s s e g u r o - l h e q u e m e s m o à distância
se distinguia p e r f e i t a m e n t e .
" O s b r a ç o s n ã o se a f a s t a r a m e m n e n h u m m o m e n t o d o s flan-
cos. Q u a n t o à s m ã o s , observei m u i t o b e m , m a n t i n h a - a s f e c h a d a s .
C o m o s p u n h o s a p e r t a d o s . O s d e d o s e r a m p e r f e i t a m e n t e distin-
guíveis. O p e s c o ç o m e p a r e c e u fino. A c a b e ç a , lisa, p a r e c i a pe-
q u e n a , c o m p a r a d a c o m o resto d o c o r p o . No alto, d u a s diminu-
t a s luzes s o b r e s s a í a m , u m a e m c a d a t ê m p o r a . P a r e c i a m p e q u e -
n a s peras. Q u a n d o o a l c a n ç a m o s c o m o automóvel, parou, fez u m a
volta, t o c o u o solo e ficou e m p o s i ç ã o d e s e n t i d o , c o m o u m sol-
dado, olhando-nos."
Foi n e s s e instante, a o e m p a r e l h a r c o m o e s t r a n h o p e r s o n a -
g e m , q u e o 4-L s o f r e u a m i s t e r i o s a avaria: a s luzes t o d a s d o c a r r o
s e a p a g a r a m , d e i x a n d o à s e s c u r a s o a t ô n i t o casal. E o m e d o se
c o n v e r t e u n o terceiro p a s s a g e i r o , f r u s t r a n d o a festa d o s Corell-
Civera.
A i n d a assim, a e s p o s a , q u e p a r e c i a n ã o haver t o m a d o nítida
c o n s c i ê n c i a d o q u e a c a b a v a d e deixar para trás, fez u m c o m e n t á -
rio a p a r e n t e m e n t e fútil:
"Você viu? Ao p a s s a r s e a p a g a r a m as s u a s 'perinhas'..."
O m a r i d o , d e v o r a d o p e l o s nervos, replicou s a r c a s t i c a m e n t e :
" E a s d o carro t a m b é m . "
Corell — c o m o a f i r m o u n a s d i f e r e n t e s entrevistas e m q u e m e
repetiu a história —, a i n d a q u e a t e n t o à e s t r a d a p e r c e b e u perfei-
t a m e n t e q u e a " e s t á t u a " n a d a tinha d e c o m u m . Mas a r e p e n t i n a
falha e m seu sistema d e luzes b l o q u e o u m o m e n t a n e a m e n t e o sus-
to p r o v o c a d o pela "criatura f l u t u a n t e " .
" H o m e m d e Deus! Veja só q u e s i t u a ç ã o : s e m luzes, a quilô-
m e t r o s d e distância da c i d a d e e n u m d o m i n g o . . . "
E a s e n h o r a , alheia à v e r d a d e i r a n a t u r e z a d o " s u j e i t o d a s pe-
rinhas", c o m o já expliquei, virou-se para a m a r g e m da e s t r a d a e
o b s e r v o u a figura d u r a n t e a l g u n s s e g u n d o s .
" C o n t i n u o u imóvel e c o m a c a b e ç a voltada p a r a o carro. De-
pois p e r d e u - s e na e s c u r i d ã o . A v e r d a d e é q u e n ã o e n t e n d o c o m o
os ocupantes dos automóveis que circulavam atrás de nós não o
viram."

188
Mas a gravidade do desarranjo do carro acabou por devolvê-
la à crua realidade da situação.
"O carro havia c o m e ç a d o a fazer f u m a ç a e exalava u m cheiro
a q u e i m a d o . T e m e n d o um incêndio, pedi a Vicente que parasse."
A resposta do marido foi muito significativa:
"Você tem aí u m a pistola? Não? Então cale-se..."
No fim das contas, muito a seu pesar, o proprietário do 4-L
foi obrigado m e s m o a interromper a viagem. Parou a várias cen-
t e n a s de m e t r o s do lugar do incidente e solicitou auxílio a o s car-
ros que trafegavam a p e q u e n a distância do seu.
" E r a m p e s s o a s que, c o m o nós, haviam ido assistir ao jura-
m e n t o à bandeira de seus filhos. Minha esposa foi recolhida por
u m a família de Borbotó e, assim, b e m ou mal, escoltados por dois
amáveis motoristas, c o n s e g u i m o s chegar a Betera. Ali estaciona-
m o s o carro e prosseguimos até Museros. Ao c o m e n t a r m o s o que
havia acontecido conosco, os de Borbotó e s t r a n h a r a m . Nada ha-
viam visto. Mas explicaram que circulavam c o m as luzes baixas."
E foi nesse trajeto — entre Betera e Museros — que a senho-
ra Corell c o m e ç o u a perceber o caráter do que haviam visto nas
proximidades da valeta que margeia a estrada.
"Aquilo n ã o era deste m u n d o " — disse ela —, " m a s do ou-
tro. Agora estou c o m p r e e n d e n d o . "
T a m b é m o lavrador castelonense não escaparia i m u n e da es-
tranha ocorrência.
"Ao entrar e m Museros" — revelou a esposa — "pôs-se a cho-
rar. A t e n s ã o e o susto se a p o d e r a r a m do pobrezinho e ele não
conteve as lágrimas. Durante vários dias mostrou-se apático, ne-
gligente, muito diferente do que s e m p r e fora."
No dia seguinte, ali pelas sete da m a n h ã , o s e n h o r Corell foi
c o m um irmão e outros dois p a r e n t e s ao p o n t o o n d e haviam vis-
to o "ser do outro m u n d o " . Atemorizado, porém, negou-se a des-
cer do carro. E nessa m e s m a segunda-feira o 4-L era conduzido
a Almenara e recolhido à oficina de Julio Marti.
Nos subseqüentes interrogatórios, tanto Carmen quanto o ma-
rido c o n f i r m a r a m que a figura flutuante tinha aparência h u m a n a .
Q u e outra coisa, realmente, podiam dizer de uma entidade c o m
nariz, orelhas, braços e m ã o s ? O traje, bem, o traje era outra his-
tória... A parte superior, do pescoço à cintura, era c o m p o s t a de
faixas transversais, estreitas e ligeiramente estufadas. O senhor
Corell usou u m e x e m p l o muito familiar aos motoristas: "Tinha
uma certa semelhança c o m o b o n e c o da Michelin, a p e n a s não tão
aparatoso." As faixas cobriam a totalidade do tórax, assim c o m o
os braços, c o m exceção das m ã o s .
Se essa primeira e principal cena era confusa, c o m o não po-
dia deixar de ser n u m f e n ô m e n o ovni, a s e g u n d a parte — a avaria

189
do 4-L — era coisa de atirar a toalha e interromper a luta... Julio
Marti, o m e c â n i c o que consertou o automóvel, n ã o teve c o m o es-
clarecer o q u e houvera. O h o m e m limitou-se a substituir o cabo
que conectava a luz baixa dianteira esquerda com o c o m a n d o das
luzes. Todo ele estava queimado. No total, um metro de cabo, mais
ou m e n o s . E m sua opinião, a falha — u m possível curto-circuito
— podia ter sido causada por u m impacto; mas, c o m o reconhe-
ceu o s e n h o r Marti, "tudo era muito estranho". As p e ç a s princi-
pais estavam intactas, s e m sinal de violência. C o m o explicar en-
tão que o c a b o se q u e i m a s s e ? O automóvel esteve s e m p r e dis-
tante do singular "passante". Por que o corte das luzes se produ-
ziu q u a n d o o carro chegou à altura do sujeito das "perinhas"? Im-
potentes, no fundo, para solucionar estas freqüentíssimas anoma-
lias, nós, pesquisadores, simplificamos a questão batizando-a com
a pomposa e vazia denominação de "efeito eletromagnético". Cima
definição que a b r a n g e muito e nada diz...
Q u a n d o submeti o caso à apreciação de alguns dos mais re-
conhecidos estudiosos do m a g n e t i s m o em nosso país, t o d o s eles
a c a b a r a m desistindo de um diagnóstico. A ciência, no m o m e n t o ,
"não sabe e não responde". 1
Até aqui, a experiência vivida pelo casal Corell não merece-
ria maior atenção. Tratava-se, e m síntese, de u m caso de "conta-
to imediato", c o m o tantos outros, c o m um custo dobrado: o sus-
to das t e s t e m u n h a s e as q u a t r o mil p e s e t a s p a g a s pelo reparo do
carro. Na minha opinião, as t e s t e m u n h a s limitaram-se a contar
o que viram, s e m o m e n o r esforço de se p r o m o v e r e m ou lucra-
rem. Cima história, em suma, clara, genuína, relatada por pessoas
simples, t r a n s p a r e n t e s e s e m duplicidade. Mas vejam vocês co-
m o e de q u e maneira, e m n o m e da "seriedade e do rigor científi-
cos", se p o d e deturpar um a c o n t e c i m e n t o que não oferecia gran-
des complicações.
E m 1983, primeiro, e em 1985, pela s e g u n d a vez, ou seja,
sete e nove a n o s depois, respectivamente, vários e m i n e n t e s re-

1. Um desses especialistas, M. Audije, com todas as reservas impostas por um episó-


dio destas características, teve a ousadia de avançar uma possível explicação, sempre a
título especulativo: "O fato de a figura crescer em volume — fosse mediante uma 'espi-
ral', um 'torvelinho', ou qualquer outra forma — indica que um 'condutor' (neste caso
a 'estátua') está adquirindo uma carga eletrostática até o potencial de saturação. Em con-
seqüência, este grande potencial chega a produzir a ionização do ar circundante, resultan-
do disso a luminosidade. Também a maneira anormal de deslocamento — como se flu-
tuasse — é um claro sintoma de campo eletrostático. Formado que está por ions negati-
vos, o corpo não toca o solo. É de supor que, ao chegar à altura da 'figura', o carro entrou
em contato com o campo eletrostático do 'continente' e recebeu uma descarga, com duas
conseqüências concretas: a) desaparição da luminosidade da 'figura', já que seu potencial
havia diminuído até tornar-se insuficiente para produzir ionização; b) o carro se carrega-
ria negativamente, provocando a falha do sistema de luz." (N. A.)

190
Julio Marti, o mecânico
que consertou o automóvel
do senhor Corell.

0 estranho ser visto pelo casal Corell flutuava sobre o solo,


k m h o i u n i l i i à direita e à esquerda.
p r e s e n t a n t e s da ufologia " r a c i o n a l i s t a " visitavam o casal Corell
e o lugar d o ocorrido, d a n d o início — s e g u n d o s u a s p r ó p r i a s pa-
lavras — a u m a "exaustiva i n v e s t i g a ç ã o " . Creio q u e , e m benefí-
cio da objetividade informativa, vale a p e n a reproduzir a l g u n s d o s
p a r á g r a f o s d o i n f o r m e p u b l i c a d o e m abril d e 1987, c o m o resu-
m o d a s "brilhantes p e s q u i s a s " realizadas por e s s e s e l e m e n t o s , as-
sim c o m o a n ã o m e n o s "lúcida c o n c l u s ã o " . O leitor, por si só, irá
extraindo algumas conclusões muito saborosas.
"Assim, e m 18 d e s e t e m b r o d e 1 9 8 5 " — diz o t e x t o publica-
d o na revista Karma-7 —, "a fim d e c o m p r o v a r d a d o s e m p í r i c o s ,
f i z e m o s nova visita a o local da o b s e r v a ç ã o . . . "
A prova e f e t u a d a n o lugar e m q u e se d e r a m os f a t o s consis-
tiu e m u m a r e p r o d u ç ã o d o d e s e n v o l v i m e n t o da o b s e r v a ç ã o e m
c o n d i ç õ e s d e visibilidade idênticas. CIm d o s a u t o r e s (J. M. Gas-
con) dirigiu s e u c a r r o d e noite, f a z e n d o o m e s m o p e r c u r s o q u e
a s t e s t e m u n h a s , a u m a velocidade-cruzeiro d e 70-80 k m / h o r a
(igual à d e Corell), d e s d e a p r o x i m a d a m e n t e u m q u i l ô m e t r o a n t e s
d o p o n t o d e e n c o n t r o . J . A. F e r n á n d e z , por s u a vez, vestido c o m
u m i m p e r m e á v e l e l e v a n d o u m a l a n t e r n a , p o s t o u - s e n o lugar e m
q u e as t e s t e m u n h a s d i s s e r a m q u e se e n c o n t r a v a o h u m a n ó i d e .
C o m o c a r r o e m m o v i m e n t o , concluiu-se o s e g u i n t e :
" 1 ? Ao atingir u m a curva, d e p o i s d e p a s s a r p o r a l g u m a s ár-
vores, o b s e r v a - s e u m a luz q u e c h a m a a t e n ç ã o (lanterna d e Fer-
nández), a p a r e c e n d o a c i m a e à e s q u e r d a d o s e n t i d o da m a r c h a
d o veículo, a p a r e n t e m e n t e s o b r e a silhueta d o s m o n t e s existen-
t e s a o f u n d o d o c a m p o visual (posição atribuída à luz o b s e r v a d a
primeiramente pelas testemunhas).
" 2 ? Dez s e g u n d o s d e p o i s d e c o m e ç a r a ver a luz da l a n t e r n a ,
a u n s q u a r e n t a m e t r o s d o p o n t o o n d e o c a r r o ficou avariado, a
figura d e F e r n á n d e z , m a i s larga da cintura p a r a c i m a p o r c a u s a
da c a p a , t o r n a - s e p e r f e i t a m e n t e distinguível, c o m o a figura d e al-
g u é m q u e t e m u m a luz na c a b e ç a ou p e r t o dela, s e b e m q u e e m
n e n h u m m o m e n t o seja iluminada pelos faróis d o carro p o r q u e está
s e m p r e paralela a ele, à e s q u e r d a . A figura s e d e s t a c a p o r q u e o
i m p e r m e á v e l reflete u m p o u c o d e luz da l a n t e r n a , e F e r n á n d e z
a m a n t é m n o alto p a r a o b s e r v a r m e l h o r o c h ã o . N ã o o b s t a n t e , a
visibilidade da sua figura d u r a a p e n a s q u a t r o s e g u n d o s , já q u e ra-
p i d a m e n t e c h e g o u - s e à sua altura ( m o m e n t o d a avaria).
" E s s a prova n o s levou à c o n c l u s ã o d e q u e a luz vista primei-
r a m e n t e p e l a s t e s t e m u n h a s e o h u m a n ó i d e visto e m s e g u i d a po-
d i a m ser o b s e r v a ç õ e s , a d i s t â n c i a s d i f e r e n t e s , d e u m m e s m o estí-
m u l o . Do m e s m o m o d o , a visão da figura d e F e r n á n d e z n a s con-
d i ç õ e s i n d i c a d a s era c o m p a r á v e l à q u e teve o casal q u a n d o ocor-
reu a avaria.

192
Conclusão final

"O f a t o d e s e h a v e r e m f u n d i d o o s fusíveis d e i l u m i n a ç ã o do
veículo d a s t e s t e m u n h a s a o c h e g a r e m à altura d o h u m a n ó i d e (da-
n o atribuído p e l o s investigadores a n t e r i o r e s à a p r o x i m a ç ã o do ser)
n ã o é r e p r e s e n t a t i v o d e a n o r m a l i d a d e interna a l g u m a d e o r d e m
e l e t r o m a g n é t i c a , já q u e a bateria d o veículo n ã o d e s c a r r e g o u e o
m o t o r n ã o p a r o u . E s s e tipo d e avaria n ã o é m u i t o c o m u m , m a s
t a m b é m n ã o é d e m a s i a d a m e n t e raro, e se origina f u n d a m e n t a l -
m e n t e n o m a u e s t a d o d e c o n s e r v a ç ã o d e d e t e r m i n a d o c o n d u t o elé-
trico que, a o tocar ' m a s s a ' (segundo a terminologia e m p r e g a d a nas
oficinas d e eletricidade d e a u t o m ó v e i s ) p r o v o c a u m curto-cicuito.
A prova d e q u e s e t r a t o u d e u m a avaria casual está n o fato d e q u e
a i n s t a l a ç ã o elétrica d o s veículos q u e s e g u i a m o d a s t e s t e m u n h a s
n a d a s o f r e u à p a s s a g e m pelo m e s m o local, i n s t a n t e s d e p o i s . For
o u t r o lado, u m a análise p o r m e n o r i z a d a d a s d e c l a r a ç õ e s d a d a s a o s
a u t o r e s , e m c o m p a r a ç ã o c o m o c o n t e ú d o d o s i n f o r m e s elabora-
d o s pelos investigadores p r e c e d e n t e s , permitiu a c o n c l u s ã o d e q u e
o c a s o havia sido t r a t a d o s o b u m a óptica pró-ovni, c o m t e n d ê n c i a
a o mistério. A s t e s t e m u n h a s , d i a n t e d o s u s t o d e se v e r e m s e m luz
e m uma p a r a g e m que quase não conheciam, e depois de verem
a figura de a l g u é m q u e levava u m a luz na c a b e ç a ou p e r t o dela,
e s t a b e l e c e r a m certa relação e n t r e a figura e a avaria e, posterior-
m e n t e , a o r e c e b e r e m a visita d e investigadores, essa possível rela-
ç ã o de c a u s a e efeito se c o n s o l i d o u . A e s c a s s í s s i m a d u r a ç ã o da
o b s e r v a ç ã o d o h u m a n ó i d e (dois ou três segundos), associada a cer-
ta expectativa das t e s t e m u n h a s ( m o m e n t o s a n t e s haviam visto u m a
luz q u e c h a m a r a s u a atenção), fazia prever q u a l q u e r c o n f u s ã o . As
t e s t e m u n h a s o b s e r v a r a m p r i m e i r a m e n t e u m a luz d e l a n t e r n a ou
foco, q u e a l g u é m c a r r e g a v a , e, p o u c o d e p o i s , s i m u l t a n e a m e n t e ,
a luz da m e s m a l a n t e r n a e a silhueta d e q u e m a levava. Na realida-
de, o q u e o casal p o d e ter o b s e r v a d o teria sido u m h o m e m q u e
s e erguia e s e abaixava a o p r o c u r a r a l g u m a coisa — p o s s i v e l m e n -
te caracóis, q u e a b u n d a m n a q u e l a área —, c o m a a j u d a da lanter-
na, e v e s t i n d o i m p e r m e á v e l , q u e p o r s u a especial c o m p o s i ç ã o têx-
til refletia l e v e m e n t e a luz da própria l a n t e r n a . O u s o d e s s a p e ç a ,
e m a l g u é m q u e s e m o v i m e n t e a o ar livre, está justificado, a i n d a
m a i s à noite, e m u m a é p o c a d o a n o propícia a o s resfriados.

" O f a t o d e o indivíduo vestir u m i m p e r m e á v e l é q u e favore-


c e u a c o m p a r a ç ã o c o m a figura d o s bonhommes Michelin, q u e
a m u l t i n a c i o n a l usa c o m o p r o p a g a n d a . Algo já clássico na litera-
t u r a ufológica..."
S u b l i m e ! P e s s o a l m e n t e , tiro o c h a p é u d i a n t e da o s t e n t a ç ã o
d e "rigor e s e r i e d a d e científicos" d o s s e n h o r e s " i n v e s t i g a d o r e s " .
Eis aí u m n o v o aviso a o s "jovens n a v e g a n t e s " da ufologia. Essa,
e n ã o outra, é a m í s e r a c o n t r i b u i ç ã o d o s s u m o s s a c e r d o t e s a o es-

193
clarecimento do f e n ô m e n o dos "não-identificados". Definitivamen-
te, é o q u e qualificam de " a d e q u a d a re-averiguação d o s fatos, a
fim de d e t e r m i n a r se nos a c h a m o s r e a l m e n t e diante de u m a ex-
periência anormal, inexplicável, ou se, ao contrário, se trata de
alguma coisa racionalmente explicável".
Para c o m e ç a r , à vista das conclusões — a genialidade do su-
jeito dos caracóis é difícil de igualar —, estes s e m p r e "respeitá-
veis e l e m e n t o s " t o m a m de u m a caneta e, por u m decreto sobera-
no, desqualificam as declarações de dois c i d a d ã o s e lhes passa
— sem o dizer, claro — a t e s t a d o de cretinos. Esse m e n o s p r e z o
pela palavra e pela opinião de u m lavrador e a sua esposa é moti-
vo de sobra para os desautorizar e para duvidar de sua própria
ética. Mais de u m a vez já afirmei que a c a p a c i d a d e de observação
dos h o m e n s do c a m p o ou do m a r é, em linhas gerais, muito su-
perior à do anquilosado cidadão das g r a n d e s cidades. Por que,
então, duvidar do testemunho de um c a m p o n ê s que simplesmente
conta o que viu? Por que supor q u e o senhor Corell, aos cinqüen-
ta e cinco anos, vá perder o controle diante de u m indivíduo de
impermeável e lanterna que procura caracóis? Consideram esses
"rigoristas" da ufologia que o lavrador de A l m e n a r a era tão frágil
e m o c i o n a l m e n t e que se poria a chorar à vista de u m pescador de
caracóis? Francamente, diante de u m tal rosário de sandices, u m a
pessoa não sabe se ri ou se chora...
(Jma análise sumária desse informe evidencia u m tal acúmu-
lo de incongruências e erros que, s e m o propósito de ofender, m e
inclino a pensar que os " d o u t o s autores" estavam sob o efeito do
vinho. Exemplos:
1 ? Reconstrução dos fatos em "condições de visibilidade idên-
ticas". Q u e eu saiba, s e t e m b r o e m a r ç o se p a r e c e m c o m o u m fi-
go a u m a castanha.
2? "Percurso a uma velocidade de cruzeiro de 70 a 80 km/ho-
ra." O 4-L acabava de alcançar a terceira m a r c h a , circulando en-
tre 40 e 60 km/hora.
3? A primeira "luz" observada pelas t e s t e m u n h a s era "ovula-
da, branca tirando a rosa e distante o suficiente para ser confun-
dida c o m o s faróis de um carro". Q u e tem isto que ver c o m o fo-
co de u m a lanterna?
4? "A visão da figura de F e r n á n d e z " — dizem os "santos e
especiais" — "era comparável à que tiveram as t e s t e m u n h a s quan-
do ocorreu a avaria." Os "experts" e s q u e c e m — não sei se inten-
c i o n a l m e n t e —: que a f a m o s a "estátua" flutuava a um m e t r o do
solo; que se balouçava à direita e à esquerda; que surgiu sobre
o talude c o m o um "torvelinho"; que s u a s p e r n a s estavam tão uni-
das que pareciam uma "coluna"; que apresentava duas "perinhas"
no alto da cabeça; que se voltou para o automóvel e tocou o solo

194
O famoso boneco Michelin. Na imagem
inferior, representação de u m dos humanóides
vistos na França.

Humanóides " a n e l a d o s " , segundo a versão


das testemunhas (Kansas, junho de 1 9 7 6 ) .

I »«posição do sistema elétrico no Renault 4 L .

78306
e que, a o abaixar-se, a s " p e r i n h a s " se a p a g a r a m . Não t e n h o o pra-
zer d e c o n h e c e r p e s s o a l m e n t e o s e n h o r F e r n á n d e z Peris, m a s s e
sua e s t a m p a é c o m o a q u e d e s c r e v e r a m Corell e a e s p o s a , t e m
ele f u t u r o g a r a n t i d o n o m u n d o d o circo...
5 ? A o falar da avaria n o s i s t e m a d e luz d o 4-L, o s ínclitos re-
p r e s e n t a n t e s d a " b a r b u d a " ufologia e s p a n h o l a p a s s a m d o erro a o
d e s p r o p ó s i t o e d e s t e a o ridículo. " O f a t o d e se h a v e r e m f u n d i d o
o s fusíveis d o s i s t e m a d e luz" — p o n t i f i c a m s e m s e q u e r haver le-
v a n t a d o o c a p ô d o carro e se dar a o t r a b a l h o d e c o n s u l t a r o s es-
q u e m a s elétricos d e s s e tipo d e veículos — "... n ã o é representati-
vo d e a n o r m a l i d a d e e n d ó g e n a (?) a l g u m a d e o r d e m e l e t r o m a g -
nética..." F a ç o m i n h a s as palavras d o p e s q u i s a d o r T o m á s Santia-
go, d o g r u p o GRÜE, que, a o analisar e s s e m e s m o " i n f o r m e " d o s
s e n h o r e s G a s c ó n e F e r n á n d e z (Cuadernos de üfología, n ? 6, abril
d e 1989), p õ e a s coisas e m s e u devido lugar, e s c l a r e c e n d o q u e
" o s faróis e a luz baixa n o Renault 4-L (1125) não p a s s a m p e l o s
dois ú n i c o s fusíveis s i t u a d o s n o c o m p a r t i m e n t o - v ã o m o t o r " .
T e n h o a ligeira i m p r e s s ã o d e que, a p e s a r d o p o m p o s o "con-
selho d e c o n s u l t o r e s " d e q u e t a n t o se g a b a m o s " s u m o s s a c e r d o -
tes", os "lúcidos a u t o r e s " n ã o a n d a m m u i t o p o r d e n t r o n o q u e se
refere a e l e t r o m a g n e t i s m o . Atribuir a falha "ao m a u e s t a d o d e con-
s e r v a ç ã o d e d e t e r m i n a d o c a b o elétrico" é t ã o p o u c o sério q u a n t o
a r r i s c a d o . Por q u e o "curto-circuito" s e d e u n o lado e s q u e r d o d o
c a r r o e n ã o , p o r e x e m p l o , n o direito? T a m b é m foi " c a s u a l i d a d e "
q u e o " s e r " se e n c o n t r a s s e n e s s a á r e a d a e s t r a d a e q u e a p a n e s e
r e g i s t r a s s e e x a t a m e n t e a o p a s s a r o c a r r o por ele? P e n s o q u e fe-
c h a r os o l h o s à evidência é u m a a t i t u d e m u i t o p o u c o científica.
J u s t i f i c a r o caráter fortuito d e u m a avaria c o m a a f i r m a ç ã o d e q u e
o s d e m a i s c a r r o s n ã o f o r a m a f e t a d o s é c o n f u n d i r a l h o s c o m bu-
galhos. S e o h u m a n ó i d e h o u v e s s e p e r m a n e c i d o s o b r e o t a l u d e
q u a n d o o s d e m a i s c a r r o s p a s s a r a m , é m u i t o provável q u e tam-
bém estes teriam apresentado a m e s m a alteração.
6 ? " O a c o n t e c i m e n t o havia sido t r a t a d o s o b u m a óptica pró-
ovni, c o m t e n d ê n c i a a o m i s t é r i o . " E e u m e p e r g u n t o : se u m a tes-
t e m u n h a t r o p e ç a c o m u m a " e n t i d a d e " c o m o a descrita, e m q u e
outra coisa p o d e p e n s a r ? Q u e eu saiba, só o s a g e n t e s d o fisco s ã o
c a p a z e s d e p r e g a r u m s u s t o igual...
7 ? "A e s c a s s í s s i m a d u r a ç ã o da o b s e r v a ç ã o d o h u m a n ó i d e (2
e 3 s e g u n d o s ) " , diz o i n f o r m e , " a s s o c i a d a a certa expectativa d a s
t e s t e m u n h a s ( m o m e n t o s a n t e s haviam visto u m a luz q u e lhes cha-
m a r a a atenção), fazia prever q u a l q u e r c o n f u s ã o . " O s "investiga-
d o r e s " v o l t a m a errar. O 4-L a c a b a v a d e e n g r e n a r a terceira mar-
cha q u a n d o s e u s o c u p a n t e s viram a " e s t á t u a " . E m o u t r a s pala-
vras: a v e l o c i d a d e era d e 5 0 q u i l ó m e t r o s / h o r a a p r o x i m a d a m e n t e .
S e c o n s i d e r a r m o s q u e o e s p a ç o p e r c o r r i d o , d e s d e q u e o s Corell

196
d e r a m c o m o h u m a n ó i d e até que a senhora o perdeu de vista, po-
dia oscilar ao redor dos duzentos metros, o t e m p o de observação
se situa entre os dez e catorze s e g u n d o s . Cima fração curta m a s
suficiente para fixar um mínimo de detalhes.
Q u a n t o ã primeira "luz", por que iria ser causa de c o n f u s ã o
se as próprias t e s t e m u n h a s declararam que a haviam simplesmen-
te associado a o s faróis de um carro? A prova disso é que n e n h u m
dos dois c o m e n t o u o detalhe. Categoricamente: de c o n f u s ã o n ã o
há que falar.
8? Retomando a "genial e muito científica conclusão", os "fa-
rejadores" p o d i a m ter evitado o ridículo a p e n a s c o m u m a consul-
ta aos d a d o s m e t e o r o l ó g i c o s e a u m simples "guia de caracóis"
(à venda e m livrarias e b a n c a s de jornais). Esses " m o l u s c o s gas-
trópodes", c o m o s a b e m mais os h o m e n s do c a m p o do que os pes-
quisadores da cidade, d e s p e r t a m para a vida q u a n d o as tempera-
turas se estabilizam acima dos dez ou doze graus centígrados, o
que ocorre, geralmente, no início da primavera. No outono, c o m
a chegada do frio e do vento seco, seus grandes inimigos, se ocul-
tam e p a s s a m o inverno em estado de repouso. Pois bem, naque-
le 14 de m a r ç o de 1976 ( t a m b é m seria "casualidade"?), s e g u n d o
informação fornecida pelas estações m e t e o r o l ó g i c a s de Nou Mo-
les e Manises, registrou-se u m a ventania que atingiu os quarenta
e três quilômetros horários. Foi j u s t a m e n t e o vento mais forte do
mês. Se a c r e s c e n t a r m o s que as precipitações foram praticamen-
te nulas em todo o m ê s de m a r ç o e que as t e m p e r a t u r a s m í n i m a s
se a p r o x i m a r a m dos nove graus centígrados, q u e m , em seu juízo
perfeito, poderia aventurar-se à busca de caracóis?
E m sua faraônica ignorância sobre os moluscos, os a u t o r e s
do "informe" c a e m e m solene contradição ao justificar o uso do
impermeável em " u m a época do ano e m que as bronquites e res-
friados são c o m u n s " . Dessa forma, na sua afoiteza por formular
u m a explicação "racional", invalidam sua própria hipótese. É es-
sa a ufologia "científica" que os "esquenta-poltronas" e seus acó-
litos d e f e n d e m ?
E agora a derradeira b o b a g e m . Desde q u a n d o u m a capa im-
permeável se a s s e m e l h a à espetaculosa indumentária do f a m o s o
b o n e c o da Michelin? Na verdade, o c o n t o r c i o n i s m o mental des-
ses indivíduos está p e d i n d o um psiquiatra...
A c o m p a r a ç ã o feita pelo casal Corell, e x a m i n a d a c o m b o m
senso, fortalece a autenticidade do caso. S e estivéssemos diante
de u m a confusão, as t e s t e m u n h a s , ao e m p r e g a r e m a fórmula do
h o m e m "anelado", teriam generalizado e dito que essa vestimen-
ta lhe cobria todo o corpo e n ã o a p e n a s a m e t a d e superior. Mas,
s e m hesitar, declararam que as estreitas faixas infladas apareciam
tão-somente entre o pescoço e a cintura. Por outro lado, o b o n e c o

197
Michelin está s e m p r e c o m as p e r n a s separadas; nunca justapos-
tas e em f o r m a de coluna.
Em s e g u n d o lugar, n e m o s e n h o r n e m a senhora Corell ha-
viam ouvido falar até aquele m o m e n t o — e duvido q u e os conhe-
ç a m ainda hoje — dos a c o n t e c i m e n t o s de Maubeuge, França, em
1954, e Kansas, E s t a d o s Unidos, e m junho desse m e s m o a n o de
1976, envolvendo ovnis. Num caso e no outro, c o m o s a b e m os
estudiosos, f o r a m descritos h u m a n ó i d e s c o m o a s p e c t o do cele-
bérrimo b o n e c o da Michelin. Q u e m sabe t a m b é m é "casualida-
de" que, c o m três m e s e s de diferença, e em países tão distancia-
dos entre si c o m o E s t a d o s Unidos e Espanha, fossem avistados
tripulantes c o m trajes p r a t i c a m e n t e idênticos.
Como afirmava o escritor francês M. Jacob, "o bom senso cos-
t u m a ser o instinto da verdade". Fica mais do que claro que a in-
vestigação realizada pelos que se p r o c l a m a m "rigoristas" da ufo-
logia está muito distante desse b o m senso. A seriedade e m u m a
investigação não guarda relação direta c o m o grau de negativida-
de que se lhe imponha, n e m a imparcialidade t e m nada que ver
c o m a estupidez. C o m o v e r e m o s mais adiante ao analisar "a arte
de investigar", o espírito científico deve distinguir-se por sua am-
pliação de vistas, nunca por sua cegueira ou miopia. Do ponto de
vista do meu limitado conhecimento, observo que os ufólogos "de
salão" g o s t a m de arrasar e demolir a imensa maioria dos aconte-
c i m e n t o s c o m ovnis b a s e a d o s e m opiniões e apreciações precipi-
t a d a s e frágeis e, o que é pior, m e n o s p r e z a n d o a inteligência das
t e s t e m u n h a s . A "exaustiva investigação" a que se lançaram es-
ses indivíduos no caso dos Corell é reveladora. Tudo é válido quan-
do se trata de encontrar (?) u m a explicação racional (?) e "assen-
tar cátedra". Até m e s m o u m a ridicularia c o m o a do "caçador de
caracóis".
E às vezes — creio que já falei disso — a c o n t e c e o contrário.
Q u a n d o o "contato ovni" é descoberto pelos "vampiros" (geral-
m e n t e são os acólitos que "levantam a lebre"), as conclusões são
s e m p r e positivas. Se o caso é levantado por u m ufólogo "de cam-
po" — já não digo por este "abominável mercantilista", c o m o di-
zem de m i m —, a r e t o m a d a da investigação pelos "inquisidores"
é inevitável. Não existe m e i o t e r m o n e m m a r g e m de confiança
para estes " p u r p u r a d o s " dos ovnis. Sua obstinação — c o m o dizia
Hebbel — representa u m s u c e d â n e o (e barato, acrescento por mi-
nha conta) de sua cinzenta personalidade. Necessitarão de t e m p o
para c o m p r e e n d e r — s u p o n d o que seus n e u r ô n i o s e s t e j a m pre-
p a r a d o s para isso — que o espírito deve mostrar-se flexível c o m o
o junco e não rígido c o m o o cedro. C o m o é acertada a frase de
Dan Triller: "O que não se dobra acaba por romper-se." E, no es-
corregadio f e n ô m e n o que nos ocupa, c o m mais razão.

198
CamW
i -meH
f o M0UT
g ill

Rodovia vicinal próxima ao


atual A c a m p a m e n t o Militar
Divisão Maestrazgo 3, onde
se deu o " c o n t a t o " do
casal Corell.
(Foto de J. J. Benitez.)

Miguel Timermans,
entrevistado por
J. J. Benitez em Jerez.
Pois b e m , isto foi o q u e o c o r r e u n o c a s o p r o t a g o n i z a d o p o r
u m p r o f e s s o r patrício e m 1960. Nessa o p o r t u n i d a d e , os "vampi-
ros" c h e g a r a m p r i m e i r o . E logo m a i s o r e s u l t a d o da i n v e s t i g a ç ã o
era p u b l i c a d o n o extinto Stendek, b o l e t i m oficial d o s " s u m o s sa-
c e r d o t e s " da ufologia e s p a n h o l a ( j u n h o d e 1980). O i n f o r m e con-
cluía t e x t u a l m e n t e : "Trata-se d e u m a c o n t e c i m e n t o q u e , p o r s u a s
características, m e r e c e u m a alta n o t a d e c o n f i a b i l i d a d e . "
E veja o leitor q u e e s t o u d e inteiro a c o r d o c o m a s a v a l i a ç õ e s
d o a u t o r d a s p e s q u i s a s . Mas h a v e r i a m eles c o n c o r d a d o c o m i g o
se a a u t o r i a f o s s e d e s t e " a d v e n t í c i o " ?
No transcurso do verão de 1979 entrevistei Miguel T i m e r m a n s
Ceballos, p r o t a g o n i s t a , à é p o c a , d o c i t a d o c o n t a t o d e "terceiro
grau". No m e u caso, d i f e r e n t e m e n t e d o s " v a m p i r o s " , tive m e n o s
p r e s s a d e divulgar o r e s u l t a d o d a s m i n h a s a b o r d a g e n s . O a c o n t e -
c i m e n t o e m q u e s t ã o p e r m a n e c e u m a i s d e o n z e a n o s n o congela-
dor. Gim t e m p o m a i s d o q u e s u f i c i e n t e p a r a refletir s o b r e ele e ve-
rificar q u e , c o m efeito, a p r e s e n t a o selo d o g e n u í n o . . . Esta, e m
síntese, foi a v e r s ã o d o p r o f e s s o r s o b r e f a t o s e m q u e n o v a m e n t e
m a r c a m p r e s e n ç a o s h u m a n ó i d e s à Michelin:
"Na é p o c a eu t r a b a l h a v a c o m o interino na l o c a l i d a d e gadita-
na d e P r a d o dei Rey, e m p l e n a serra. Não m e l e m b r o da d a t a pre-
c i s a m e n t e , m a s e s t o u c e r t o d e q u e era u m s á b a d o . D e v í a m o s es-
tar e m m a i o ou j u n h o . Era m e u dia livre e, c o m o fazia t o d o s o s
s á b a d o s , resolvi viajar a t é J e r e z . A m a n h ã era e n s o l a r a d a . Ao
meio-dia t o m e i m i n h a m o t o , u m a L a m b r e t a , e iniciei a v i a g e m .
T u d o t r a n s c o r r e u n o r m a l m e n t e até que, a o subir u m a e n c o s t a , a
m e i a distância e n t r e P r a d o dei Rey e Arcos, vi a p a r e c e r a q u e l a
figura gigantesca m e t i d a e m u m 'traje' a p a r e n t e m e n t e inflado. Le-
vei t a m a n h o susto q u e parei a m o t o n o centro da pista. E u m enor-
m e m e d o se a p o d e r o u d e m i m . A princípio n ã o p o d i a dar crédito
a o q u e e s t a v a d i a n t e d e m i m a c e m ou c e n t o e c i n q ü e n t a m e t r o s .
A q u e l e ser, c o m o lhe disse, era e n o r m e . Ultrapassava c o m certe-
za dois m e t r o s de estatura. Caminhava para m i m , seguindo o meio-
fio direito da e s t r a d a . S u a veste era i n t e i r a m e n t e v e r m e l h a : da ca-
b e ç a a o s pés. E a p r e s e n t a v a u m a e s p é c i e d e " a n é i s " inflados, pa-
r e c i d o s a o s d o b o n e c o da Michelin. C a m i n h a v a r e l a t i v a m e n t e de-
vagar, c o m m o v i m e n t o s rígidos e articulados, tal qual u m robô.
Não consegui distinguir-lhe feições. Q u a n d o já havia a v a n ç a d o u n s
seis p a s s o s surgiu p e l a s s u a s c o s t a s u m s e g u n d o p e r s o n a g e m ,
idêntico n o a s p e c t o , m a s c o m d u a s n o t á v e i s d i f e r e n ç a s : n ã o pas-
sava d e u m m e t r o d e altura e u m a d a s p e r n a s era preta,
d e s t a c a n d o - s e p o r isso d o v e r m e l h o i n t e n s o d o traje. Eu diria q u e
era u m a b o t a . Muito c h o c a n t e , na v e r d a d e . E s s e s e g u n d o robô,
se p u d e r usar essa e x p r e s s ã o , c a m i n h a v a c o m a m e s m a dificul-
d a d e e a p e q u e n a distância d o primeiro. E m p o u c o o s dois atra-

200
vessaram a estrada e m diagonal e d e s a p a r e c e r a m da minha vis-
ta. Foi tudo muito rápido. Não creio q u e toda a cena se prolon-
gasse por mais de vinte ou trinta s e g u n d o s . Ignoro se t o m a r a m
c o n h e c i m e n t o de mim, m a s suspeito q u e sim. Entre m i m e eles
não havia n e n h u m obstáculo. As vezes p e n s o que s o m e n t e o fato
de ser a m o t o silenciosa m e permitiu surpreendê-los. Mas tam-
b é m não posso assegurar. Além disso, c o m o explicar q u e 'apare-
cessem' e 'desaparecessem' tão rapidamente? Se se tivessem ocul-
t a d o nos arvoredos eu os teria visto. No final das contas, a curio-
sidade superou o m e d o . Dei a partida na m o t o e m e aproximei
do local. Mas n e m rastro n e m sinal dos misteriosos indivíduos.
S i m p l e s m e n t e se haviam e s f u m a d o . S e eu estivesse a c o m p a n h a -
do talvez m e atrevesse a explorar a região. Acho que você m e com-
preende. Aquelas e r a m criaturas extraordinárias. J a m a i s vi coisa
igual. E c e r t a m e n t e nada tinham que ver conosco, simples huma-
nos. 'Aquilo', m e u amigo, não pertencia a este m u n d o . "
O professor T i m e r m a n s não exagerava ao qualificar aqueles
seres de extraordinários. E não só pelo seu i m p o n e n t e aspecto,
suas estaturas ou os m o v i m e n t o s robóticos. Para este velho in-
vestigador, e t a m b é m para o perplexo mestre, uma das mais fas-
cinantes e incompreensíveis seqüências daquela fugaz cena foi a
forma de "materializar-se" e "desmaterializar-se" dos humanóides.
"A estrada" — afirmava e atônita t e s t e m u n h a — "estava deserta.
E aqueles seres surgiram c o m o do nada."
Então as familiares p e r g u n t a s b r o t a m inevitavelmente. A
q u e m e n f r e n t a m o s ? Q u e tipo de realidade nos envolve e esprei-
ta? Q u e s o m o s para eles? Qual o móvel de tão a b s u r d o compor-
t a m e n t o ? Por que deixarem-se avistar por vinte ou trinta segun-
dos por u m motociclista?
Mencionei a palavra "absurdo"? E não se dará o caso de que
a razão, a nossa razão, c o m o apregoava Voltaire, nos engana mais
f r e q ü e n t e m e n t e do que a imaginação? Q u e sucederia se, em lu-
gar de analisar o f e n ô m e n o dos não-identificados do ângulo da
lógica h u m a n a , n o s a t r e v ê s s e m o s a usar a intuição e a fantasia?
Na verdade, qual foi a chave do avanço da Humanidade? Não fo-
ram os p o e t a s e os geniais p e n s a d o r e s q u e abriram a senda para
a ciência e o progresso? Cito os fatos. A m o d e r n a era ovni está
pelo meio século de esforços inúteis para etiquetar e esclarecer
o f e n ô m e n o . Mas n e m os c o m p u t a d o r e s , n e m os sisudos ufólo-
g o s "de salão", n e m os serviços de inteligência, n e m o obstinado
e m p e n h o dos militares abriram uma frestazinha sequer no impe-
netrável problema. Estaríamos "trabalhando" c o m "ferramentas"
equivocadas? Desde q u a n d o o "mágico" e o "invisível" p o d e m ser
" d e s b a s t a d o s " ou "dissecados" na tela de um c o m p u t a d o r ou na
m e s a de um laboratório?

201
Mas prossigamos com outros exemplos, mais palpáveis e con-
sistentes do q u e m i n h a s tolas reflexões. No caso de Castelldefels,
que relatarei e m seguida, t a m b é m as i m a g e n s falam por si sós. 2 O
singular "contato" aconteceu há dezenove anos. Q u e m se atreverá
a acusar as t e s t e m u n h a s (sete) de intenções de lucro ou notorieda-
de? Só agora veio à tona, flutuando ao sabor da opinião pública.
Aconteceu em u m a m a n h ã de agosto de 1971, na praia da
citada localidade barcelonesa. Mais precisamente, na zona que re-
cebe o n o m e de El Apeadero. Os protagonistas não l e m b r a m c o m
exatidão a data, só a p o n t a n d o os dias 14 e 16 c o m o os mais pro-
váveis. Pelas dez horas da m a n h ã , três adultos e três crianças aca-
bavam de instalar-se muito próximo da água, c o m a intenção de
passar u m dia de relaxante lazer. Eram Emilio Macias — ATS de
profissão —, Rosa Maria Escalada, sua esposa, e a irmã desta, Glo-
ria, funcionária do Instituto Nacional de E m p r e g o . Com eles, os
três filhos do casal: Emilio, de doze anos; Rosa Maria, de onze,
e Gloria, de cinco.
A larga praia estava p o u c o concorrida, pois ainda era cedo.
Os adultos f o r a m deitar-se na areia, e n q u a n t o as crianças brinca-
vam à beira d'âgua. E estavam nisso quando, de súbito, diante
deles, surgiu um "banhista" p o u c o c o m u m .
"Primeiro o vimos de costas. Parecia querer entrar no mar,
m a s seus m o v i m e n t o s e r a m estranhos. Apesar de sua forte com-
pleição e g r a n d e estatura, era rígido e b a m b o l e a v a à direita e à
esquerda.
" 'Este vai cair!', c o m e n t o u Emilio.
" C o m o se nos houvesse escutado, o estranho deu meia-volta
e pôs-se a andar em direção à água. Dali a p o u c o ela já lhe chega-
va a o s joelhos. E foi q u a n d o c o m e ç a m o s a observá-lo c o m curio-
sidade e estranheza. Era a b s o l u t a m e n t e inaudito. Sua pele n ã o
tinha poros, p a r e c e n d o material plástico, liso e branco. Não tinha
cabelos n e m sobrancelhas. A cabeça era poderosa, c o m uma fron-
te abaulada e uns olhos fundos, de um cinza metálico e extraordi-
nariamente vivos e inteligentes. Era forte, de o m b r o s largos e cor-
po atlético, b e m proporcionado. Seu traje de b a n h o era esverdea-
do. Ao caminhar, parecia u m robô: não flexionava os joelhos e
equilibrava s e u s lentos e desajeitados m o v i m e n t o s c o m os bra-
ços. E foi avançando devagar ao nosso encontro."
Ao ver tão curioso p e r s o n a g e m , cada u m a das t e s t e m u n h a s
soltou u m e s p o n t â n e o comentário:

2. Pareceu-me conveniente destacar este caso do bloco dos "contatos com tripu-
lantes" ocorridos e investigados na Catalunha, e que, como anunciava em meu livro
anterior — A Ponta do Iceberg —, será minuciosamente exposto na próxima obra da
série "Os Humanóides". (N. de J. J. Benitez.)

202
" P a r e c e o P a t t o n " , disse o c h e f e da família d i a n t e da s e m e -
lhança d o " b a n h i s t a " c o m o ator q u e e n c a r n o u o papel d o f a m o -
so general n o r t e - a m e r i c a n o no filme d o m e s m o n o m e .
" Q u e bicho m a i s raro!", e x c l a m o u a e s p o s a .
"É u m e x t r a t e r r e s t r e " , foi a e x p r e s s ã o d e Gloria.
Então, na sua insegura e oscilante saída da á g u a o c o r r e u u m a
coisa q u e n ã o p ô d e p a s s a r inadvertida a o s a t ô n i t o s b a n h i s t a s .
"(Jm m e n i n o , b r i n c a n d o , cruzou c o m ele. E o h o m e m , ape-
sar d o s s e u s r o b ó t i c o s e difíceis m o v i m e n t o s , abriu os b r a ç o s pa-
ra o p e q u e n o e o estreitou c o m g r a n d e delicadeza. D e p o i s cami-
nhou os vinte m e t r o s q u e o s e p a r a v a m d e n ó s e passou a cinqüenta
c e n t í m e t r o s d a s t o a l h a s . S e q u i s é s s e m o s p o d e r í a m o s tê-lo toca-
do. D i s c r e t a m e n t e , d e s v i a m o s o olhar. A v e r d a d e é q u e ele n ã o
parecia fixar a a t e n ç ã o e m n i n g u é m e m particular. S e u s olhos per-
m a n e c i a m a t e n t o s a o horizonte. Mas, a s s i m q u e ele n o s p a s s o u ,
v o l t a m o s a c a b e ç a p a r a vê-lo. E q u e p e n s a q u e a c o n t e c e u ? Havia
d e s a p a r e c i d o ! Da s u r p r e s a p a s s a m o s e n t ã o a o m e d o . Era impos-
sível! Q u a n t o t e m p o se p o d e levar p a r a m o v e r a c a b e ç a e t o r n a r
a observar u m a p e s s o a q u e a c a b a d e p a s s a r a o n o s s o lado? Clm
s e g u n d o ? Dois? O lógico é q u e o m á x i m o q u e ele podia ter feito
era c a m i n h a r u n s dois p a s s o s . Mas n ã o . Parecia q u e fora t r a g a d o
pela areia..."
O s a t ô n i t o s p e r s o n a g e n s desta história, t o m a d o s d e natural
n e r v o s i s m o , e r g u e r a m - s e e f u g i r a m a t o d a a velocidade. N e s s e
m e s m o dia, algo m a i s calmos, exploraram a praia, à busca d o mis-
t e r i o s o " P a t t o n " , m a s o resultado, c o m o era fácil d e prever, foi
negativo. J a m a i s v o l t a r a m a vê-lo. P o u c o s dias depois, o s j o r n a i s
f a l a v a m d e u m e n o r m e ovni avistado na zona de Garraf, a curta
distância d e Castelldefels.
Falei c o m as m u l h e r e s , fiz-lhes p e r g u n t a s e elas r e s p o n d e r a m
s e m p r e c o m a m e s m a p r o n t i d ã o e precisão:
" O t r a j e d e b a n h o era n o r m a l . S e u s m o v i m e n t o s , p o r é m , n ã o
o e r a m . P a r e c e u - n o s s i m p l e s m e n t e i n c o m p r e e n s í v e l q u e u m in-
divíduo t ã o forte e b e m p r o p o r c i o n a d o c a m i n h a s s e c o m t a n t a di-
f i c u l d a d e . E sua pele, d e u m a cor d e m a n t e i g a , s e m p ê l o s n e m
poros e c o m p l e t a m e n t e enxuta, apesar do contato recente com
a á g u a , n a d a tinha da d e u m ser h u m a n o n o r m a l . O olhar, toda-
via, c h a m o u - n o s a a t e n ç ã o pela d o ç u r a e inteligência. O m a i s sur-
p r e e n d e n t e , p o r é m , foi s u a f o r m a d e d e s a p a r e c e r . Isso, definiti-
v a m e n t e , n o s c o n v e n c e u d e q u e h a v í a m o s sido t e s t e m u n h a s da
p a s s a g e m d e u m a criatura q u e n a d a t e m q u e ver c o m o q u e co-
nhecemos."
A b s u r d o ? Creio q u e o t e r m o é impróprio. Diz o dicionário q u e
" a b s u r d o é aquilo c o n t r á r i o à razão". E e s t e p e s q u i s a d o r , e m sua
a u d a z ignorância, atreve-se a c o m p l e t a r a definição c o m u m "con-
trário à nossa razão". Afinal, se o e p i s ó d i o d e Castelldefels é ve-

203
rídico, c o m o a c h o que é, de que maneira p o d e ele ser interpreta-
do? Pela lógica h u m a n a ? ü m cientista sorriria z o m b e t e i r a m e n t e ,
negando-se a aceitar isso. ü m ufólogo "de salão", c o m muita sor-
te, o catalogaria de "alucinação coletiva". Ambos, certamente, es-
tariam equivocados. Afirmava Victor Hugo que "a ciência é igno-
rante e não t e m direito a l g u m de rir-se; deve s e m p r e esperar o
inesperado".
Resta, a m e u ver, u m a via alternativa: a dos p o e t a s e "loucos
sonhadores". A daqueles que partilham o p e n s a m e n t o de Emer-
son: "O milagre continua s e n d o a s e m e n t e da ciência." Se o caso
de que nos o c u p a m o s , insisto, foi real, só cabe examiná-lo pela
m ã o da intuição. Pelo m e n o s por e n q u a n t o . E isso, taxativamen-
te, c o m o já repeti à exaustão, é aplicável a t o d o s os f e n ô m e n o s
ligados a o s ovnis. Senão, c o m o "entender" o passeio de tão sin-
gular criatura, exibindo-se para u m p a s m a d o grupo de veranistas
e depois desmaterializando-se diante dos seus narizes? E a intui-
ção m e diz: q u e m sabe u m d o s objetivos dessa enigmática "pre-
sença" na praia barcelonesa c o m e ç a a dar seus frutos agora —
p a s s a d o s dezenove a n o s —, q u a n d o você, paciente leitor, se sur-
p r e e n d e a refletir sobre o caso. Não sei se li isso em algum lugar
ou se a c a b o de inventar. A q u e s t ã o é que se u m a só palavra, u m a
só frase ou u m a só idéia for capaz de estimular o p e n s a m e n t o ,
u m a obra estará justificada. T u d o que é b o m , eu sei, já foi pensa-
do. Mas, c o m o preconizava Goethe, "é saudável voltar a pensá-
lo". E q u e melhor f o r m a de fortalecer a condição h u m a n a do que
praticando o atletismo da intuição? Porventura este d o m não re-
presenta u m a ligação direta c o m a divindade? Deste ponto de vis-
ta, afirmo, o "absurdo ovni" c o m e ç a a t o m a r c o n t o r n o s de razão.
E s e m querer, pela e n é s i m a vez, d e s e m b o q u e i na "regra de
ouro" q u e envolve este trabalho: nada é casual. Foi casual o en-
contro do senhor T i m e r m a n s c o m os dois seres "anelados"? Pode-
se atribuir à casualidade, e m u m a praia de quilômetros, às dez
horas da m a n h ã , a súbita aparição do a m i g o "Patton"? Foi por
acaso que ele saiu do mar (?) e x a t a m e n t e à frente do casal Macias
e da funcionária do INEM?
E por via das dúvidas e dos recalcitrantes aí vai u m novo ca-
so, tão repleto de "absurdo" c o m o os anteriores, se não mais...
E esclareça-se previamente: vinte e seis a n o s de silêncio.
S e o caso de Castelldefels precisou de dezenove para ser di-
vulgado, o que agora passo a relatar n ã o lhe fica atrás. Aconte-
ceu e m 1964. E ainda que a t e s t e m u n h a tenha decidido revelá-lo
em 1981, eu, fiel aos m e u s c o s t u m e s , "congelei-o" até hoje. Se
fizermos as c o n t a s c o m p r o v a r e m o s que este "pé-de-vento" (qua-
lificativo carinhoso c o m o qual os "vampiros" h o n r a m este "rai-
voso mercantilista" que os martiriza c o m a palavra) esperou nove

204
Tripulantes de ovnis vistos em 1972 na Argentina. Também apresentavam
Irujes " a n e l a d o s " , como no caso da Serra de Cádiz.

Desenhos e anotações do senhor Timermans. Barcelona

CASTELLDEFELSo

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L UL+í -
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% 9
-io^á,

^yuu^U.
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. A. ZZ^^x. Mouuuoa.
l o n g o s a n o s p a r a "fazer n e g ó c i o " c o m o a s s u n t o . T o m e m n o t a o s
i n v e s t i g a d o r e s j o v e n s e virgens, t ã o e x p o s t o s à m a l e d i c ê n c i a .
Q u a n d o da p r i m e i r a entrevista c o m E s t e b a n (cuja i d e n t i d a d e
n ã o e s t o u a u t o r i z a d o a revelar), e m a g o s t o d a q u e l e a n o d e 1981,
estavam c o m i g o dois b o n s a m i g o s , J u a n A n d r é s G ó m e z Serrano,
veterano investigador "de campo"; Rafael Tobajas, ex-vereador d e
Algeciras, e Rafael Montano. Eles p o d e m confirmar o q u e vou expor.
O i n c i d e n t e registrou-se n o e x t r e m o sul da p e n í n s u l a , à bor-
da d o M e d i t e r r â n e o e a curta distância da c i d a d e g a d i t a n a d e
Tarifa.
Esteban, t e s t e m u n h a única, é u m r e p u t a d o " h o m e m - r ã " , c o m
m a i s d e trinta a n o s de e x p e r i ê n c i a profissional. E m o u t r a s pala-
vras: u m a p e s s o a p r u d e n t e , q u e s e m p r e viveu d o s e u d u r o e sa-
crificado trabalho e que, c o m o b o m mergulhador, n ã o p e r m i t e q u e
a fantasia sufoque o senso c o m u m . Os que c o n h e c e m mediana-
m e n t e o m u n d o s u b m a r i n o p o d e m avaliar a c a p a c i d a d e d e obser-
vação, o s n e r v o s d e a ç o e o e s m e r o d e q u a n t o s o p r a t i c a m . E m
especial, d e s e u s profissionais. E s t e p r e â m b u l o t e m o p r o p ó s i t o
d e dar a o leitor u m a idéia a p r o x i m a d a da p e r s o n a l i d a d e d o n o s s o
p r o t a g o n i s t a . (Jm h o m e m q u e , d a d a a é p o c a e m q u e o c o r r e r a m
os fatos, n ã o teve alternativa s e n ã o silenciá-los, a n t e p o n d o seu
prestígio e s e u e m p r e g o a o i m p u l s o d e revelar o e s t r a n h o "conta-
to". M e s m o hoje, vinte e seis a n o s depois, c o n t i n u a p r e f e r i n d o o
a n o n i m a t o . A história o justifica...
"Por a q u e l a é p o c a " — explicou E s t e b a n — "eu tinha vinte e
oito a n o s . J á t r a b a l h a v a c o m o m e r g u l h a d o r . Foi e m s e t e m b r o .
L e m b r o b e m p o r q u e se c e l e b r a v a a feira d e Tarifa e essa noite,
p e l a s d u a s e m e i a ou três da m a d r u g a d a , eu r e g r e s s a v a d o baile.
Vivia e m u m lugar c h a m a d o El Tejar, a coisa d e u m q u i l ô m e t r o
d e Tarifa. O c a m i n h o c o r r e p a r a l e l a m e n t e a o s alcantis. Conheci-
o m u i t o b e m e, g e r a l m e n t e , c o m o n e s s a o c a s i ã o , eu estava só.
A q u i n h e n t o s m e t r o s d e m i n h a casa, e m p l e n o aclive, e e m u m a
d a s c u r v a s da s e n d a , elevava-se, à e s q u e r d a , o q u e por aqui cha-
m a m o s u m ' c o r t a d o d e pita', ou seja, u m a cerca ou paliçada d e
três ou q u a t r o m e t r o s d e altura. E s s e ' c o r t a d o ' serviu-me d e refe-
rência p a r a calcular a s d i m e n s õ e s d o 'indivíduo' q u e a t r a v e s s o u
o meu caminho.
"Para abreviar a c a m i n h a d a t o m e i a v e r e d a e m p e d r a d a q u e
c o n d u z i a a o C a m o r r o , o o b s e r v a t ó r i o da Marinha, c o m a inten-
ç ã o d e m e t e r - m e logo na c a m a e d e s c a n s a r . Minha m ã e cuidava
da casa, c o m a a j u d a d e q u a t r o cães. E, curioso, e s s e s a n i m a i s ,
Adelín, Monto, Linda e u m a cadelinha c e g a s a í a m s e m p r e a o m e u
e n c o n t r o . Nessa noite, e n t r e t a n t o , d e s a p a r e c e r a m .
"Ao c h e g a r e m u m a curva, a d o ' c o r t a d o d e pita', m e detive,
p e r p l e x o . Era u m a noite s e m lua, m a s , a p e s a r da o b s c u r i d a d e ,

206
eu caminhava sem o menor problema. Por minha profissão — che-
guei a descer a noventa m e t r o s no p â n t a n o do Pintado, e m Sevi-
lha —, estou muito afeito a mover-me nas trevas. E, c o m o lhe dis-
se, algo m e deteve. A minha esquerda, à borda do c a m i n h o e à
frente da cerca de pita, vi u m a s pernas. Minto: o que primeiro m e
c h a m o u a a t e n ç ã o — a coisa de u m m e t r o dos m e u s olhos — foi
u m a mão. ü m a m ã o e n o r m e q u e repousava em u m a coxa igual-
m e n t e gigantesca. Cima m ã o e s q u e r d a c o m os d e d o s ligeiramen-
te a b e r t o s e recoberta de u m a série de placas, c o m o e s c a m a s de
peixe, de três a quatro centímetros de c o m p r i m e n t o cada uma.
Minha vista, c o m o lhe dizia, ficava p r a t i c a m e n t e à altura daquela
m ã o . Espantado, ergui os olhos. Tinha diante de mim um ser in-
terminável. Sua cabeça achava-se no m e s m o nível que o r e m a t e
da cerca. Isso significava uma estatura de três metros e meio, apro-
x i m a d a m e n t e . Acho que fiquei de boca aberta, paralisado. Mas,
inexplicavelmente, não senti m e d o . E n ã o m e p e r g u n t e por quê.
Nem eu e n t e n d o . O gigante estava metido em um traje justo, pa-
recido c o m o q u e u s a m o s nós, os homens-rã, m a s inteiriço, de
u m a só peça e todo coberto com essas plaquetas ou escamas. Era
de u m a cor cinzenta, b a s t a n t e triste. Lembro que o farol nos ilu-
minava a cada cinco ou dez s e g u n d o s e que, e m b o r a a luz incidis-
se inteiramente sobre ele, as tais escamas não brilhavam. Sua com-
pleição era proporcionada ao seu talhe, ainda que fosse um pou-
co estreito de o m b r o s e tórax. E m todo o t e m p o que p e r m a n e c i
a seu lado, não fez ele um único m o v i m e n t o . Estava de frente pa-
ra o m a r e s e u s braços caíam ao longo das pernas. Não sei se foi
por causa da imensidade da sua altura — eu t e n h o um metro e
sessenta e t a n t o s centímetros e m e u s olhos e m p a r e l h a v a m c o m
suas coxas —, m a s a q u e s t ã o é que não p u d e distinguir-lhe a ca-
beça e o rosto claramente. De repente ele falou comigo. E n u m
castelhano perfeito.
" 'Existem fábricas de pescado?', p e r g u n t o u .
"E eu lhe respondi: 'Não, só na cidade.' "
"Aí, c o m u m a voz mais doce e melosa, c o m o que decorada,
fez u m a s e g u n d a pergunta:
" 'Rapaz, você é daqui da redondeza?'
" 'Sou de Tejar' — respondi — 'e todas as noites passo por aqui'.
"E aí acabou a 'conversa'. Com toda a certeza a voz era hu-
m a n a . Tudo nele era h u m a n o , m a s gigantesco. E durante u m mo-
m e n t o — não saberia precisar q u a n t o — c o n t i n u a m o s e m silên-
cio, observando-nos um ao outro. Sei que era u m a situação ab-
surda. Mas estou-lhe c o n t a n d o tal qual ocorreu. Daí, s e m mais,
retomei a c a m i n h a d a , para minha casa. Alguns passos adiante
virei-me e ele lá estava. Não se havia movido do lugar. Foi ao en-
trar em Tejar e divisar a porta de minha casa aberta que m e senti
t o m a d o de m e d o . Cim m e d o total, c o m o p o u c a s vezes senti na vi-

207
da. A p o n t o de cair d e s m a i a d o . Contei o episódio a minha m ã e ,
m a s ela, claro, n ã o m e acreditou. A noite foi horrível. Não fiz ou-
tra coisa senão pensar e pensar. Só os cães, com seu estranho com-
p o r t a m e n t o , pareciam dar-me razão. Na noite s e g u i n t e tornei a
passar pelo m e s m o lugar. Detive-me u m t e m p o c o n t e m p l a n d o o
'cortado de pita', o estreito c a m i n h o e o mar, que se abre a cin-
qüenta ou sessenta metros, m a s nada havia de a n o r m a l . "
Para Esteban, a c o n d u t a do gigante foi impecável, s e m ne-
n h u m a d e m o n s t r a ç ã o de agressividade.
"Na s e g u n d a pergunta, c o m o creio já haver c o m e n t a d o , no-
tei até m e s m o u m t o m afável e carinhoso, c o m o se quisesse tran-
qüilizar-me. Eu via seus lábios se m o v e r e m e t e n h o sua voz gra-
vada a fogo na m e m ó r i a . Nunca ouvi u m a voz igual. A v e r d a d e
é que não consigo entender o p o r q u ê de tão e s t r a n h o e n c o n t r o . "
Não falta razão ao b o m Esteban. (Jma análise superficial d o s
fatos nos coloca de novo no "olho do f u r a c ã o " do p r o b l e m a . Es-
t a m o s diante de uma simples e engraçada coincidência ou o "con-
tato" do h o m e m - r ã faz parte do formidável "teatro" ovni? Arra-
n h e m o s a l g u m a s das s u a s f a c e t a s e que Deus n o s inspire.
Pode-se qualificar de "casualidade" que o gigante coberto de
e s c a m a s se e n c o n t r a s s e no c a m i n h o de Tejar j u s t a m e n t e no mo-
m e n t o da p a s s a g e m do m e r g u l h a d o r ? As d u a s e meia ou três da
m a d r u g a d a ? E c o m o sabia ele q u e o nosso h o m e m voltava para
casa? Não será mais provável que Esteban estivesse sendo muito
b e m "controlado" — q u e m s a b e d e s d e q u a n d o — e que foi esco-
lhido fria e c a l c u l a d a m e n t e ? Afinal de contas, a espreita de u m
ser h u m a n o por parte d e s s e s indivíduos não é novidade...
E que dizer do objetivo? Promoveu o contato para pedir in-
f o r m a ç ã o acerca das fábricas de pescado que porventura existiam
e m Tarifa? Até o m e n o s e n f r o n h a d o na problemática ovni sorri-
ria diante de tal hipótese. Não creio que a q u a s e "mágica" tecno-
logia dessas civilizações não tenha capacidade de localizar tais in-
dústrias e necessite d e s e m b a r c a r e m u m a remota m o n t a n h a , e de
m a d r u g a d a , para abordar u m c a m i n h a n t e solitário.
Com respeito à s e g u n d a pergunta: "Rapaz, você é da redon-
deza?", f r a n c a m e n t e , m e pareceu capciosa. Mais do que o con-
teúdo, q u e soa artificial, o que r e a l m e n t e c h a m a a t e n ç ã o é u m a
das matizações da t e s t e m u n h a : "Além do seu tom, mais doce e
meloso do que a primeira, c o m o se quisesse tranqüilizar-me, pa-
recia q u e a havia d e c o r a d o às pressas, c o m o único fim de recitá-
la para m i m . "
Curiosa e suspeitosamente, aí morreu a "animada conversa".
E a intuição m e diz: Não será razoável acreditar que tão "brilhan-
tes e p r o f u n d a s perguntas" n ã o foram s e n ã o parte do "artifício"
usado por esses tripulantes? E voltamos à irritante pergunta ini-

208
ciai: por quê? E, sobretudo, por q u e jogar c o m o "absurdo"? A
não ser, e v i d e n t e m e n t e , que a fórmula seja u m obrigatório ingre-
diente na tarefa de conscientização da Humanidade. "Aqui esta-
mos, sim, e convém q u e se saiba a seu tempo... m a s gradualmen-
te. E que melhor do que praticar o equívoco sistema 'absurdo' para
que s o m e n t e creia em nós q u e m deva crer?"
Deve ser m e u destino. Levo m e t a d e da minha vida batalhan-
do c o m as palavras. Por mais que m e e m p e n h e , entretanto, as es-
cassas idéias que Deus m e tem dado, longe de " p e n d e r e m dos
cravos das palavras", c o m o pregava o ilustre colega francês E. Go-
din, resvalam e se p e r d e m . C o m o poderia eu transmitir o que pen-
so agora? Há p ò u c o referi-me à "mágica tecnologia" destes se-
res. Até aí é fácil. As c e n t e n a s de milhares de observações ovni
c o n f i r m a m q u e e s t a m o s diante de um f e n ô m e n o prodigioso que
nos t r a n s c e n d e e c o n f u n d e . E é verossímil que alguns dos gran-
des m e s t r e s da literatura fantástica f o s s e m capazes de igualar —
não sei se superar — os relatos e descrições que nos f o r n e c e m
as t e s t e m u n h a s nos casos de ovnis. O que já não posso aceitar
é que dois humildes pastores tivessem c a p a c i d a d e para "criar"
u m a história c o m o a ocorrida nas terras o n u b e n s e s de Villablan-
ca, a n ã o ser que estivessem falando de u m fato real.
Prestem a t e n ç ã o os jovens aspirantes a pesquisador. O teste-
m u n h o de todos os h o m e n s , em princípio, deve ser igualmente
válido para q u e m busca a verdade. Contrariamente ao que apre-
g o a m os "vampiros" e toda a ralé ufológica, u m maior nível inte-
lectual ou profissional não tem p o r q u e pressupor mais sincerida-
de. E às vezes, c o m o no caso que daqui a p o u c o exporei, é preci-
s a m e n t e a falta de f o r m a ç ã o universitária q u e valoriza a história
e lhe e m p r e s t a u m a autenticidade muito além do previsível.
A palavra — escrevia Bini — é um d o m precioso, m a s não
dá idéia da riqueza do nosso ser interior. Com respeito à sensa-
ção, é c o m o c o m p a r a r u m sol pintado a óleo c o m o próprio Sol.
Pois b e m , isto foi o q u e m e sucedeu n a q u e l e inverno de 1982 no
m o d e s t o lar de D o m i n g o de la Cruz Horta. No m o m e n t o de trans-
mitir sua experiência e s e n s a ç õ e s as palavras lhe faltaram. A m i m
— p e c a d o mais grave — as palavras limitam o trabalho de cronis-
ta d e s t a s realidades que algum dia entrarão pela larga porta da
História. Q u e o leitor saiba c o m p r e e n d e r , imaginar e suprir aci-
ma do "cárcere" de m i n h a s palavras...
Ocorre c o m regularidade. Estava eu e m p e n h a d o no esclare-
c i m e n t o da interessante revoada ovni do Natal de 1980 q u a n d o
várias das t e s t e m u n h a s da acolhedora p o v o a ç ã o de Ilha Cristina,
em Huelva, deixaram e s c a p a r "o do Hilário". Carlos Avilés, um
dos professores de EGB que m e honraram c o m suas informações,
d e u - m e a dica c o m p l e t a : "Trata-se de u m pastor. Vive em Villa-

209
blanca. Assegura haver visto u m ' h o m e m que voava'." E dessa vez,
c o m o de t a n t a s outras, saltei de u m a investigação mais ou me-
nos rotineira para outra m a i s apetecível: a de um inédito e, até
este m o m e n t o , esquecido "contato de terceiro grau".
Dentro e m p o u c a s horas m e u fiel carro, e eu c o m ele, voava
feliz entre os pinheiros fronteiriços, à procura de u m a aldeia que
governa a Virgen Blanca. J á falei nisso. Apesar do e s g o t a m e n t o
e dos mil p e q u e n o s desastres que a c o m p a n h a m cada uma das mi-
nhas viagens, a notícia de u m caso novo m e transforma, faz-me
vibrar c o m o um colegial e n a m o r a d o . Assim entrei em Villablan-
ca: ansioso, e m o c i o n a d o e disposto a tudo. T o m a r a que os futu-
ros pesquisadores c o m p r e e n d a m e se deixem possuir por esta apa-
rente frivolidade! Depois de milhões de quilômetros, minha pai-
xão pelo a s s u n t o ovni é tal que cada novo a c o n t e c i m e n t o se afi-
gura o primeiro e último. Desgraçado do h o m e m que não conhe-
ce a paixão! S u a s ações e s e u s trabalhos serão s e m p r e insípidos.
S ã o os apaixonados, em qualquer atividade desta vida, que, co-
m o proclamava o poeta c u b a n o J . Marti, lubrificam o m o t o r da
existência.
Respirei aliviado. Ainda que beirando os setenta, D o m i n g o
de la Cruz Horta, mais c o n h e c i d o pelo apelido de Hilário, manti-
nha-se ativo e ereto c o m o u m junco de beira de rio. Ele se diz
agricultor, e não serei eu que o desmentirei, m a s a gente da co-
marca o c o n h e c e u d e s d e m e n i n o às voltas c o m o pastoreio. Este
é seu mister, e no pastoreio lhe ocorreu o que lhe ocorreu. A
história, c o m o está em m e u c a d e r n o de c a m p o , m e pareceu es-
plêndida em sua simplicidade. Hilário, c o m o é fácil supor, n ã o
recebeu instrução. Mas tem todo aquele c o n h e c i m e n t o dos que
estão e m cotidiano contato c o m a natureza e os h o m e n s , o que
não é pouco. A voz popular e minhas próprias observações o clas-
sificam c o m o um h o m e m s e m dissimulação, aberto e piadista
e c o m u m a reduzida c a p a c i d a d e imaginativa. Nada sabe de li-
vros de ficção científica. E j a m a i s se p r e o c u p o u de alardear para
fora dos limites de s e u s familiares o sucedido naquela noite de
19 de m a r ç o de 1967. O assunto, portanto, havia p e r m a n e c i d o
em s e g r e d o por espaço de quinze anos. Outro recorde para o
livro da ufologia hispânica...
— Pois verá o senhor — c o m e ç o u o nosso h o m e m em sua
m o d e s t a casinha de "La Chapatina", a coisa de três quilômetros
de Villablanca e desejoso de satisfazer a tão inusitado forasteiro
—, andava eu então a cavalo, a cuidar de u m a s ovelhas. E m e n o s
mal que tive companhia...
— Vejamos, explique-me isso de c o m p a n h i a .
— Isso m e s m o , Deus quis q u e f ô s s e m o s dois, e não um ape-
nas, os que vimos aquilo. E foi n u m dezenove de m a r ç o p o r q u e

210
nessa m a n h ã foi a missa de ano do irmão de um primo m e u . Eu
havia deixado aqui o pastor, o c u p a d o nos seus misteres...
— Q u a n d o fala no "pastor" refere-se à c o m p a n h i a ?
— Isso m e s m o . C o m o se nota que o senhor tem estudos! As-
sim dá gosto conversar...
— Desculpe a indiscrição. O n d e anda o pastor neste momen-
to?
— Por Cartaya, creio. Chama-se F e r n a n d o e seu pai t e m o
apelido de o Largo. Não tem c o m o errar.
"Ainda b e m " — pensei — "está ao m e u alcance."
— ... E c o m o eu lhe dizia, terminada a missa fui reunir-me
a uns a m i g o s e só voltei para casa aí por volta das quatro ou cin-
co da tarde. Eu estava p r e o c u p a d o c o m o rapaz, pois o havia dei-
xado sozinho às voltas c o m mais de duzentos bichos, entre pe-
q u e n o s e grandes.
— Bichos?
— Ovelhas, compreenda. Deviam ser os nossos pecados por-
que o S e n h o r veio a castigar-nos c o m uma seca severíssima. Os
pastos estavam mal e nós andávamos às turras com uns mocinhos
de Sevilha, proprietários de u m a s terras regularmente úmidas. O
senhor está m e a c o m p a n h a n d o ?
Fiz-lhe sinal que sim, respeitosamente, c o m o c o r r e s p o n d e a
um h o m e m de estudos. Mas, para ser sincero, não conseguia en-
tendê-lo claramente...
— ... Então, s e m perder t e m p o , tomei a estrada e vim para
a pastagem. Aqui estava o pastor, mortinho de fome. E já no lusco-
fusco disse-lhe que t o m a s s e o rebanho e fosse para a "Molinera".
— E o n d e é isso?
Hilário, c o m p l a c e n t e , levou-me para fora e m e m o s t r o u u m
b o s q u e de eucaliptos no horizonte.
— ...E e r a m as terras da discórdia. Os m o c i n h o s de Sevilha
cuidavam delas c o m o as m e n i n a s dos s e u s olhos. Até vigias ha-
viam posto. Mas nós, pobres cristãos, e n t r á v a m o s às escondidas
e, b e m ou mal, m a t á v a m o s a f o m e do rebanho. E foi isso, n e m
mais n e m menos, que fizemos naquela noite. E, q u a n d o os bichos
haviam m a t a d o a f o m e , disse ao pastor que voltasse r a p i d a m e n t e
c o m eles. Se algum d o s guardas n o s s u r p r e e n d e s s e na "Moline-
ra" era briga certa. S a í m o s dos eucaliptos c o m as ovelhas e, mal
havíamos pisado u m a propriedade q u e c h a m a m "do tio Román",
comecei a ver a luz.
— Q u e horas poderiam ser?
— Calculo que d u a s da m a d r u g a d a . E c o n t i n u a m o s a cami-
nhar. O pastor t a m b é m a havia visto, m a s n e n h u m de nós abriu
a boca. E eu só pensei: "Vejamos o que ele diz." Mas o rapazinho
c o m e u a língua.

211
— E você, que p e n s o u ?
— No princípio, nada. Julgava que podia ser J u a n Brisa, sain-
do de casa, talvez para dar de c o m e r às vacas.
— E por que julgou s e m e l h a n t e coisa?
— Ora essa! Porque a luz estava junto à entrada do curral.
Foi por isso q u e disse a m i m m e s m o : J u a n Brisa andava a lidar
c o m o gado. E, c a m i n h a n d o e c a m i n h a n d o , a c a b a m o s por atin-
gir u m a ribanceira, muito próximo de outra p r o p r i e d a d e de u m
tal Ratino. E ali, já no f u n d o do vale, d e i x a m o s de ver a luz. Nesse
instante, não p o d e n d o mais conter a curiosidade, perguntei afi-
nal ao rapaz se havia visto u m a claridade. E ele vai e m e diz: "Isso
não é u m a luz." "Então o q u e é?", perguntei-lhe. E aí e n t r a m o s
na disputa. Q u e era u m a luz, q u e não era, q u e sim, que não... Por
fim, se u m estava e n v e n e n a d o , o outro mais ainda. E decidimos
tirar as dúvidas. C a m i n h a m o s até u m a elevação próxima e quan-
do c h e g a m o s ao alto o rapaz ficou parado, a fitar a ditosa luz.
" B e m " — perguntei-lhe —, "e agora que m e diz?" "Pois sim, se-
nhor" — admitiu — "isso é u m a luz."
— A que distância p o d i a m estar dela?
— Lá sei eu! A distância de u m a pedrada.
— E q u a n t o p o d e ser isso?
— S e o senhor está alimentado, duzentos metros... Se não
está alimentado, cem...
— E você havia c o m i d o ?
— Sim, senhor.
— Agora diga-me, c o m o era a luz?
D o m i n g o foi sentar-se e m u m a cadeira de braços, à porta da
casa. Depois coçou a calva, n u m a atitude que m e pareceu de re-
flexão.
— A luz era uma luz...
Mas ele m e s m o não se satisfez c o m a resposta e p r o n t a m e n -
te se corrigiu:
— ... Poucas vezes vi u m a luminária tão grande. Era u m a fo-
co branco que "resplandecia" c o m o o próprio demônio. Via-se tu-
do: a casa, o curral e até o cimo das colinas. Q u e formosura!
— Viu se as ovelhas estavam inquietas?
— Não estavam. Os bichos conheciam o caminho e andavam
b e m juntos e pastavam muito felizes...
— E a luz?
— Ali, quieta, c o l a b o r a n d o c o m J u a n Brisa... Bom, isso foi
o que interpretei. Mas o s e n h o r verá que se passou.
— Conte, conte...
— Decidi então a p a n h a r u m cigarro, e q u a n d o o acendia vi-
m o s u m a pessoa que se afastava do curral. Carregava a luz na
mão...

212
— A m e s m a luz?
— A m e s m i n h a . Aí vou e digo ao pastor: "Esse é J u a n Brisa
que anda a buscar tomilho para a l g u m a vaca." E o cristão, de fato,
foi c a m i n h a n d o e m direção ao tomilhal. E juro ao senhor, pela gló-
ria de minha mãe, que a "lanterna" do sujeito o iluminava inteiro.
E eu não saía do m e u assombro. As estevas, as moitas de tomilho,
as pedras, tudo se via melhor que em pleno sol. E eu matutava: "On-
de terá conseguido o tio J u a n u m a luminária como essa?" Ao cabo
de um momento, q u a n d o se cansou de dar voltas pelo tomilhal, re-
gressou de novo ao curral. "Eu lhe disse" — tornei a dizer ao rapaz
—. "Esse é J u a n Brisa, às voltas com u m a vaca doente."
— Q u a n t o s m e t r o s p o d e distar da casa ao tomilhal?
— CJm tiro de pedra.
— C o m p r e e n d o . Mas um "tiro de pedra"... a n t e s ou depois
de c o m e r ?
— Pelos c e m m e t r o s andaria o negócio.
— Entendi: um "tiro de p e d r a " a n t e s de comer...
— E ali nos a g ü e n t a m o s por um m o m e n t o . E s e m mais n e m
m e n o s o "tipo da luminária" se afastou um p o u q u i n h o do curral
e saiu pelos ares. E c o n f o r m e ganhava altura d e i x a m o s de vê-lo
e só o que se distinguia era o brilho da "lanterna".
— Está m e dizendo q u e J u a n Brisa se pôs a voar?
— Não, p o r q u e o verdadeiro J u a n Brisa estava dormindo. O
que se m a n d o u para o alto era u m "forasteiro".
— J á que está falando nisso, J u a n Brisa sabe o q u e se
passou?
— J á lhe disse que ele estava dormindo. S e g u n d o m e con-
tou, n e m sentiu n e m padeceu...
— Havia cachorros na h e r d a d e ?
— Acredito que sim. E isso é o mais estranho: n e m u m só
deles deu o alarme.
— Então o "forasteiro" g a n h o u altura...
— E muito boa, sim senhor.
— Fazia ruído?
— Isso é q u e é mais estranho: que aparelho seria aquele q u e
n e m piava?
— Viu algum aparelho?
— Não, senhor. Mas o "moço", se voava, era por alguma coi-
sa. E nós, em nossa ignorância, p e n s a m o s que levava a l g u m apa-
relho. O senhor está m e e n t e n d e n d o ?
— Sim, estou.
— Resumindo, primeiro se m a n d o u para Portugal. E ao che-
gar a um pinheiro muito alto deu a volta, buscando de novo a pro-
priedade de J u a n Brisa. Mas a n t e s de chegar o vimos cair atrás
de um barranco.

213
— Está f a l a n d o da luz...
— Claro. E aí c o m e ç a m o s a t r e m e r . " S e g u r a m e n t e n ã o fica
u m vivo", p e n s e i c o m i g o . E c o m o e s t á v a m o s m u i t o p e r t o d o lu-
gar q u e ele havia t r a n s p o s t o , tratei d e a j u d a r os p o b r e s c r i s t ã o s
d o a p a r e l h o , c o m a a j u d a d o p a s t o r . E c o r r e m o s pelo c a m i n h o ,
p e n s a n d o o pior. Mas, a p ó s a l g u n s p o u c o s p a s s o s , o rapaz sinali-
zou p a r a o alto e gritou: "Aí v e m o u t r a vez!" Fiquei rijo c o m o u m
p a u . T i n h a razão o p a s t o r . A c a b a v a d e sair d e d e t r á s d o m o n t e
e voava e m nossa direção, a coisa d e vinte ou trinta m e t r o s do solo.
— Iluminava t a n t o q u a n t o na p r o p r i e d a d e d e J u a n Brisa?
— Muito m e n o s , essa é a v e r d a d e . U m a coisa regular, diria
eu. E foi b a i x a n d o p o u q u i n h o a p o u q u i n h o . E n t ã o , c o n f o r m e per-
dia altura e se aproximava, v o l t a m o s a distinguir a silhueta d e u m a
pessoa...
— F a ç a u m e s f o r ç o e t r a t e d e l e m b r a r c o m precisão. E c e r t o
q u e n ã o viu u m a p a r e l h o ?
— Filho, o Hilário n ã o t e m e s t u d o s , m a s sua m e m ó r i a é t ã o
b o a para o s b e n e f í c i o s c o m o para as injúrias ou os sustos! Q u a n -
d o lhe digo q u e n ã o v i m o s a p a r e l h o é q u e n ã o v i m o s a p a r e l h o .
"Bendito pastor!" — pensei c o m o s m e u s b o t õ e s —. "Não t e m
escola, m a s essa s e n t e n ç a era d i g n a d e S é n e c a . . . "
— E n t ã o — insisti —, c o m o d e m ô n i o s voava?
— Voava.
— Claro — retruquei, s i m u l a n d o n a t u r a l i d a d e . E c o m o ele
o fazia: s e n t a d o , d e pé, t o m b a d o ?
— De pé. E a s s i m caiu e m terra. E a s s i m q u e pisou n o cami-
nho, a luz e n f r a q u e c e u e virou u m a lanterna. E o "tio" pôs-se a
c a m i n h a r , i l u m i n a n d o o t e r r e n o c o m aquilo. E c o n f o r m e s e apro-
ximava p e n s e i q u e o r e c o n h e c i a . Aí eu disse a o rapaz: " E s s e é o
Francisco!"
— Francisco?
— S i m , u m d o s g u a r d a s , u m h o m e n z a r r ã o c o m o qual n ã o
c o n v é m m e t e r a cara. E isso foi o q u e adverti a o rapaz: " C o m es-
se é p r e c i s o agir direito..."
E n t e n d i q u e as e x p r e s s õ e s d e D o m i n g o c o m respeito a o su-
p o s t o g u a r d a t i n h a m q u e ver c o m o f a t o d e haver violado u m a
p r o p r i e d a d e , p o u c o antes, introduzindo o seu r e b a n h o e m "La Mo-
linera". E m u m p r i m e i r o m o m e n t o , c o m o v e r e m o s , os p a s t o r e s
a s s o c i a r a m a figura d o v o a d o r c o m o d o vigilante ou g u a r d a .
— ...E c o m o n ã o era c a s o d e n o s e x p o r m o s o s dois, r e c o m e n -
dei a o rapaz q u e a g u a r d a s s e a t r á s d e u m pinheiro. Aí corri p a r a
ele, t e n t a n d o cortar-lhe a dianteira. Mas q u a n d o o tinha b e m diante
d o m e u nariz, a três ou q u a t r o p a s s o s , ele s e deteve. Eu, claro,
fiz o m e s m o . F i c a m o s n o s o b s e r v a n d o d u r a n t e u n s s e g u n d o s , e
foi e n t ã o q u e caí e m m i m : a q u e l e n ã o era F r a n c i s c o . E a n t e s q u e

214
Disposição das placas ou " e s c a m a s "
que cobriam todo o traje do gigante
visto nas proximidades da cidade
gaditana de Tarifa.

Domingo de la Cruz Horta, " o


Hilário", testemunha de um
excepcional caso de " c o n t a t o " com
um humanóide voador.
(Foto d e J . J . Benitez.)
eu abrisse a boca ele m e voltou as costas e t o m o u o c a m i n h o da
colina, até sair de novo na vereda. Nisso vi que o m e u rapaz se
aproximava e, aliviado por n ã o ser aquele sujeito o tal Francisco,
soltei-lhe esta bravata: "Estamos salvos! Esse não t e m 'calças' para
enfrentar-nos!" Digo-lhe que muito p a s m a d o devia eu estar e pa-
recer para soltar t a m a n h a baboseira.
— Sentiu m e d o ?
— Não sei o que lhe dizer. O susto (puxa! fiquei todo atrapa-
lhado) eu senti p o u c o antes, q u a n d o vimos a luz cair atrás do bar-
ranco. Mas depois já não. S e eu tivesse sentido m e d o n e m pode-
ria ir adiante. O senhor está m e seguindo?
— Sim, chefe, estou. E q u e ocorreu depois?
— O fulano continuou c a m i n h a n d o . E eu pensei: "Isso aí re-
cebeu m ^ e d u c a ç ã o . A u m cristão não se nega u m c u m p r i m e n -
to..." E q u a n d o c h e g o u ao p o n t o o n d e havia aterrissado se fez de
novo ao alto e saiu voando.
— E s e m aparelho!
— S e m aparelho. E, c o n f o r m e subia, a luz ia g a n h a n d o e m
força. E c h e g o u um m o m e n t o e m q u e tudo se via c o m o se fosse
de dia: o c a m p o , as árvores e até nossas roupas. C a r a m b a , que
luminária! E d u r a n t e dez ou quinze m i n u t o s a estrada ficou
quieta.
— Dava para ver nesse m o m e n t o o voador?
— Mas n e m um nadinha. E n q u a n t o a luminária continuava
dizendo "aqui estou eu", o fulano desapareceu da nossa vista. De-
pois arrancou e m direção ao pico que c h a m a m o s C u m e Alto e
d e s a p a r e c e u e m direção ao Guadiana. E, apesar da distância, o
brilho era tal que c o n t i n u á v a m o s vendo t u d o à nossa volta me-
lhor do que agora.
— Aí, s u p o n h o , terminou a história.
— Sim, senhor; p o u c o m a i s ou m e n o s às três da m a d r u g a -
da. O pastor e este seu servidor n o s o c u p a m o s dos bichos e n o s
e n c e r r a m o s e m casa. Q u e noite, cristão!
— Diga-me, Domingo, nesses últimos m o m e n t o s , quando vo-
cê saiu ao encontro do voador, o n d e estavam as ovelhas?
— Ali m e s m o , junto a nós, e s p a l h a d a s pelo c a m p o .
— E não se e s p a n t a r a m c o m a proximidade do forasteiro?
— Não, senhor. O sujeito até andou entre os bichos e os afas-
tou c o m as m ã o s .
— Outro assunto. Você seria capaz de fazer u m retrato do
voador?
— Estou vendo o tipo. Alto, uns q u a t r o d e d o s mais do que
este cristão que lhe fala...
— Fiz os cálculos. Se a t e s t e m u n h a tinha por volta de 1,80
m, o porte do misterioso h o m e m - p á s s a r o podia chegar a 1,90 m.

216
— ...Enorme e vestindo u m a jaqueta e calças. A m i m m e pa-
receram de pano, m a s não poderia jurar isso por m e u s mortos.
— J a q u e t a e calças. T e m certeza?
— Não lhe disse que o estou v e n d o ? J a q u e t a e calças.
— E a cara?
— Branca, s e m barba e c h u p a d a .
— E que idade aparentava?
— Fintava assim c o m o a minha ou p o u c o mais. Eu tinha en-
tão cinqüenta e quatro anos.
— E que m e diz dos olhos, do nariz...?
— Aí, se eu dissesse branco ou negro mentiria. A verdade
é que não fixei b e m . Entre outras coisas p o r q u e a luz da "lanter-
na" m e deixava m e i o vesgo. O q u e l e m b r o é que se cobria c o m
u m a espécie de "mascota"...
— ü m chapéu.
— Isso. E isso rendeu u m a disputa c o m o pastor. Ele dizia
que mais parecia u m a coroa, c o m o a da Virgen de la Blanca. Mas
eu não vi coroa. Só m e recordo de u m a chapa na frente da "mas-
cota", c o m o a d o s trabalhadores a m b u l a n t e s , Cima chapa que re-
brilhava u m pouco, isso sim.
— E q u a n d o ele se voltou de costas, houve alguma coisa que
c h a m a s s e sua a t e n ç ã o ?
— Pois n ã o m e s m o , senhor. Digo-lhe que o corte da jaqueta
guardava boa s e m e l h a n ç a c o m o uniforme dos guardas florestais.
Não lhe disse q u e o tomei por Francisco?
— Sim, m a s u m guarda florestal não voa...
— Nisso o senhor t e m toda a razão.
— Fala-me da "lanterna". E m que m ã o a levava?
— Na direita.
— E lhe pareceu u m a lanterna normal?
— Se n ã o fosse assim m e lembraria.
— O voador sorriu para você ou fez algum gesto?
— Q u e nada! Tinha o "caráter", c o m o nós todos, m a s pare-
cia que havia engolido u m a escova...
— O "caráter"?
— A cara, para que m e e n t e n d a .
— Você falou c o m ele?
— Essa era a minha intenção. Q u a n d o ele parou, c o m o já
lhe expliquei, eu perdi o passo. E fiquei "cortado". E ao reparar
melhor e concluir que n ã o se tratava do Francisco, disse para
m i m m e s m o : "Pois eu vou falar c o m ele." Mas ele g a n h o u a
parada. C o m o se lesse m e u p e n s a m e n t o , deu meia-volta e ficou
de costas.
— Dizia você q u e q u a n d o o voador se m a n d o u de novo pe-
los ares ouviu um ruído...

217
— Não, senhor. Este cristão n ã o inventou tal coisa. Ali não
havia ruído de espécie alguma.
A sinceridade e a genuína ingenuidade do Hilário eram tão
evidentes que estas p e q u e n a s armadilhas não tinham razão de ser.
Mas, ainda assim, usei a l g u m a s delas. Os resultados — c o m o no
caso do ruído — f o r a m eloqüentes. A sua maneira e c o m sua pe-
culiar linguagem, Domingo limitava-se a contar o que havia visto.
— Bem, e que explicação você p o d e dar para tudo isto?
O pastor deu de o m b r o s pela primeira vez.
— Q u e sei eu?
— Acha normal que a l g u é m possa voar c o m o simples auxí-
lio de u m a luz?
— Q u e sei eu? C o m o o m u n d o anda tão estranho...
— S a b e o q u e são ovnis?
— T e n h o ouvido algo. Mas este cristão é muito incrédulo.
Além disso, não t e n h o tido t e m p o de ocupar-me d e s s a s coisas.
Miseravelmente, m e u pai nos criou ali presos. Então só pisei u m a
escola q u a n d o cheguei ao serviço.
— Ao militar.
— Isso, ao serviço. Ali m e ensinaram a ler e escrever e ali
aprendi o p o u c o que sei. E o que sei é que o tio voador não era
normal.
— Chegou a averiguar se esse tal Francisco rondava naque-
la noite por aquelas p a r a g e n s ?
— Claro que lhe perguntei. E ele estava dormindo.
E m minha m e n t e começava a germinar u m a idéia e insisti no
assunto do guarda.
— Ele fazia essas rondas c o m freqüência?
— Q u e eu saiba, todas as noites. Ele sabe que invadimos os
pastos da "Molinera" e mais de u m a vez nos espreitou e pilhou.
— E o denunciou?
— Sim, senhor. Mas não eram os vinte "duros" 3 de multa o
que m e doía, e sim o desaforo que se fazia a este p o b r e cristão.
Por isso, ao ver o "voador" e confundi-lo c o m Francisco, fui-me
a ele para ajustar contas.
— Com quê?
— Cego, se m e compreende. Mas o tio (já lhe disse) ficou "pa-
radão", s e m m e dizer nada. E isso não era normal.
— Por quê?
— Porque Francisco m e haveria falado. Além disso, onde es-
tava a sua escopeta?
— Claro. E você não ia a r m a d o ?

3. Duro, moeda espanhola de prata, equivalente a cinco pesetas. (N. T.)

218
" O Hilário", junto a sua casa, indicando os campos sobre os quais viu voar
o misterioso " g u a r d a j u r a m e n t a d o " .
— E u ? S e u servidor aqui n ã o g a s t a navalha n e m para
comer...
— O q u e n ã o e n t e n d o , D o m i n g o , é p o r q u e a n d a v a p o r ali
s e m os cães...
— Não f a z e m falta. As o v e l h a s s ã o b i c h o s d ó c e i s . Eu havia
tido u m a cadela m u i t o b o a e m u i t o ágil. Mas havia " d a d o o
passaporte".
— Q u e é isso?
— F o r q u e se t o r n o u s e n h o r i t a . E o pior q u e p o d e a c o n t e c e r
a u m cristão ou a u m a n i m a l é p e r d e r o juízo. Está m e s e g u i n d o ?
Tive a sorte de "seguir" o Hilário d u r a n t e a l g u m a s h o r a s mais.
E saí da entrevista c o n v e n c i d o d e a o m e n o s dois a s s u n t o s d e ca-
pital i m p o r t â n c i a . Primeiro: n e n h u m p a s t o r , n e m e m 1967, n e m
a g o r a , haveria p o d i d o f a n t a s i a r u m a c o n t e c i m e n t o t ã o insólito e
e s t r a n h o a s e u s p a r â m e t r o s m e n t a i s , a n ã o ser q u e o vivesse real-
m e n t e . C a s o contrário, digo q u e o p a í s p e r d e u u m g ê n i o da pros-
petiva! Pois — a t r e v o - m e a profetizar —, n ã o será e s s e u m d o s
revolucionários s i s t e m a s de t r a n s p o r t e e d e s l o c a m e n t o d o s h u m a -
n o s e m u m f u t u r o talvez n ã o e x c e s s i v a m e n t e r e m o t o ? Imagine,
o leitor, o c h e f e d e família, o executivo ou o e s t u d a n t e t o m a n d o
s u a s " l a n t e r n a s " e s a i n d o pela janela, r u m o a o t r a b a l h o ? Pois is-
so, n e m m a i s n e m m e n o s , era o q u e eu a c a b a v a d e ouvir d o s lá-
bios d e u m h u m i l d e pastor, s e m e s t u d o s e s e m títulos universitá-
rios. S e g u n d o : c o m o escrevia Diderot, "a s a b e d o r i a n ã o é o u t r a
coisa q u e a ciência da felicidade". E q u e m é s á b i o ? Talvez aque-
les q u e , c o m o o Hilário, p r a t i c a m a filosofia "do imprescindível".
D o m i n g o d e la Cruz Horta, c o m o t a n t o s , foi m o d e s t o c o m a
vida, s o l i c i t a n d o "o justo". E s e m o s a b e r a d o t o u a s e n t e n ç a d e
Burke: " N u n c a a n a t u r e z a disse u m a coisa e a s a b e d o r i a , o u t r a . "
Por isso, para m i m , os h o m e n s c o m o o pastor d e Villablanca cons-
t i t u e m u m m a n a n c i a l n o qual c o n v é m b e b e r m o s .
A última f a s e desta i n v e s t i g a ç ã o — a localização d o pastor-
zinho q u e partilhou c o m o Hilário a a v e n t u r a d a q u e l a a g i t a d a
noite — foi a s s u n t o d e m e n o r i m p o r t â n c i a , ainda q u e t e n h a vin-
d o f o r t a l e c e r o t e s t e m u n h o inicial. A p ó s a l g u m a s h o r a s d e labo-
riosa b u s c a , na qual p u s Cartaya d e p e r n a s p a r a o ar, p u d e e n f i m
sentar-me a conversar c o m Fernando Cabaço. Contava em 1982
vinte e s e t e a n o s d e idade. Pois b e m , sua v e r s ã o d o s f a t o s foi
idêntica à q u e eu já c o n h e c i a , c o m a única v a r i a n t e — referida
por seu a n t i g o p a t r ã o — da " c o r o a " . E ainda q u e esta s e g u n d a
t e s t e m u n h a tivesse e s t a d o a u m a distância d o v o a d o r m a i o r d o
q u e a d o Hilário ( a p r o x i m a d a m e n t e vinte metros), d e f e n d e u a to-
d o c u s t o " q u e o q u e o tipo trazia na c a b e ç a n ã o era u m a 'masco-
ta', m a s 'algo' s e m e l h a n t e a u m a 'coroa'. E essa 'coroa', a l é m
disso, irradiava luz".

220
E m m i n h a opinião, o m a i s a s s o m b r o s o d e s t e s e g u n d o teste-
m u n h o — p o n d o d e p a r t e a d i s c r e p â n c i a da coroa — foi s u a mi-
n u c i o s a c o i n c i d ê n c i a c o m o p r i m e i r o . Haviam t r a n s c o r r i d o quin-
ze a n o s . O j o v e m d e Cartaya e o pastor d e Villablanca n ã o h a v i a m
v o l t a d o a ver-se. C o m o era possível q u e a m b a s a s d e s c r i ç õ e s fos-
s e m t ã o idênticas? Do m e u m o d e s t o p o n t o d e vista só c a b e u m a
explicação: o a c o n t e c i m e n t o foi t ã o real q u a n t o i m p r e s s i o n a n t e ,
ü m a c o n t e c i m e n t o , c o m o ficou dito, d o qual n e n h u m a t e s t e m u -
n h a c o l h e u b e n e f í c i o ou proveito a l g u m , ü m a c o n t e c i m e n t o q u e
p r e c i s o u d e vinte e t r ê s a n o s para cair n o d o m í n i o público, ü m
a c o n t e c i m e n t o q u e deveria a b a l a r c é t i c o s e recalcitrantes, ü m
acontecimento, enfim, que estimula u m pesquisador "de c a m p o "
a p r o s s e g u i r n e s t a a p a r e n t e m e n t e " l o u c a a v e n t u r a " d e dar teste-
m u n h o da visita a e s t e velho " p l a n e t a azul" d e o u t r a s civilizações
e "outros humanos".
E a n t e s d e alçar v ô o a n o v o s a c o n t e c i m e n t o s e m t o m o d e ov-
nis d e p o s i t a r e i na p á g i n a e m b r a n c o da i m a g i n a ç ã o d o leitor u m
p a r d e s u g e s t õ e s t i r a d a s do c a s o Villablanca.
Por e x e m p l o : p o d e m o s estar c e r t o s d e q u e t o d o s o s "não-
i d e n t i f i c a d o s " s ã o r e a l m e n t e n a v e s ? De a c o r d o c o m o r e l a t a d o ,
n e m s e m p r e é a s s i m . S e u m o b s e r v a d o r r e l a t i v a m e n t e distancia-
d o h o u v e s s e p r e s e n c i a d o as e v o l u ç õ e s da f a m o s a luminária ca-
paz d e r o m p e r a s trevas a quilômetros, o presumível é q u e ele acre-
d i t a s s e estar d i a n t e d o q u e p o p u l a r m e n t e se identifica c o m u m
ovni, u m ufo, ou seja, u m veículo espacial " n ã o h u m a n o " . Entre-
t a n t o , o t e s t e m u n h o d o s p a s t o r e s q u e tiveram o privilégio d e
aproximar-se de u m a luz c o m s e m e l h a n t e p o d e r revela q u e ali n ã o
havia a p a r e l h o a l g u m .
P e r g u n t o , e n t ã o : q u a n t a s t e s t e m u n h a s , e m t o d o o m u n d o , já
t e r ã o o b s e r v a d o o v ô o d e u m solitário h u m a n ó i d e , c o n f u n d i n d o -
o, e n t r e t a n t o , c o m u m a nave?
O u t r a coisa: t e m s e n t i d o q u e u m ser q u e d e s f r u t a u m a tecno-
logia inimaginável p a r a a ciência d e 1967, e a t é para a atual, pas-
s e i e p e l o s a r e s v e s t i d o d e g u a r d a florestal, ou pelo m e n o s c o m
u m a j a q u e t a e u m a s c a l ç a s s e m e l h a n t e s às q u e u s a m e s s e s pro-
fissionais?
Q u a n d o o a m i g o Hilário m e falou do tal Francisco, u m a idéia
m e veio à m e n t e . Não teria sido e s s e traje, t ã o i m p r ó p r i o p a r a u m
" h o m e m - p á s s a r o " , u m d e l i b e r a d o e a s t u t o disfarce? S e a l g u é m
o h o u v e s s e s u r p r e e n d i d o e m terra, q u e m e l h o r " s i s t e m a d e segu-
rança" do q u e u m a aparência h u m a n a e u m a veste de a l g o d ã o ave-
l u d a d o , à m o d a florestal? Essa sutileza n ã o l e m b r a o u t r o s f a m o -
s o s e a n t i g o s c a s o s , e m q u e os m i s t e r i o s o s "pilotos" d e n ã o me-
n o s m i s t e r i o s a s m á q u i n a s v o a d o r a s d e s c i a m e m 1897 n o s Esta-
d o s ü n i d o s , a o estilo d o s " a v i a d o r e s " e " h e r ó i s " d o s g l o b o s e diri-
gíveis d e J ú l i o V e r n e ?

221
Mas, se é assim, se a muito espanhola vestimenta do nosso
" h o m e m - p á s s a r o " obedecia a razões "estratégicas", isso quer di-
zer que s a b i a m da presença diuturna dos g u a r d a s n a q u e l a s para-
gens de Villablanca... Então pergunto: que mais p o d e surpreender-
nos a esta altura do negócio? E eu m e s m o respondo: p o b r e in-
cauto! A p e n a s entreabriste a "caixa de Pandora" do a b s u r d o uni-
verso ovni... Triste sorte a do jovem ou do v e t e r a n o pesquisador
que perder a c a p a c i d a d e de assombrar-se! S e r ã o flores de u m a
só estação...
E falando de " a s s o m b r o s o " , seria t a m b é m por mera casuali-
d a d e q u e por aquela época (novembro de 1982), um dos pionei-
ros da ufologia hispânica — o falecido Manuel Osuna —, e m u m a
de s u a s derradeiras declarações, insistisse no caráter " a b s u r d o "
do f e n ô m e n o que vinha e s t u d a n d o d e s d e 1945? P e r g u n t a d o so-
bre os ovnis, m e u velho a m i g o e m e s t r e r e s p o n d e u assim:
"O f e n ô m e n o ovni, que deve ser tão antigo q u a n t o a própria
h u m a n i d a d e , s e n ã o anterior a ela, constitui e m nosso t e m p o u m
repto não só à ciência ortodoxa m a s t a m b é m ao sistema lógico
de raciocínio dos h o m e n s . Sua manifestação, tão e x u b e r a n t e e m
f o r m a s e peripécias, é na maioria dos casos u m puro a b s u r d o em
suas motivações e b a s t a n t e irracional em sua c o n d u t a . Mas os fa-
tos aí estão, categóricos, inegáveis..."
E m novembro, O s u n a falecia. E eu, e m u m a de m i n h a s via-
gens por Sevilha, c o m o lhe p r o m e t e r a ' e m vida, e m vez de rezar
diante de sua tumba, no cemitério de ü m b r e t e , voltei para ele meu
p e n s a m e n t o e n q u a n t o , no gravador de c a m p a n h a , lhe dedicava
a sublime c a n ç ã o sevilhana Quando um amigo se vai. C o m o es-
crevia Campbell, "viver nos c o r a ç õ e s q u e d e i x a m o s para trás, is-
so não é morrer".
Satisfeita a minha p r o m e s s a , e convencido de que, de certo
m o d o , minha "proteção" celestial se havia fortalecido c o m a as-
censão de Manuel Osuna à "outra m a r g e m " , redobrei m e u s es-
forços, cultivando o trabalho que o havia o c u p a d o d u r a n t e q u a s e
quarenta a n o s e que defendia a r d o r o s a m e n t e : a investigação "de
c a m p o " , as pesquisas sobre o terreno, junto às t e s t e m u n h a s . E,
assim, naquele inverno de 1982, graças ao aviso de outro leal ami-
go, J o s é Biedma Viso, tomei c o n h e c i m e n t o de u m novo aconte-
cimento, inédito até hoje, e que m e levou a p r o f u n d a s reflexões.
(Jm caso diferente, que, ao m e n o s para este "pobre diabo senti-
mental", tem um especialíssimo significado, confirmando, pela
enésima vez, o que intuo há dezoito anos. Mas d e i x e m o s as incli-
n a ç õ e s do coração e r e p a s s e m o s os fatos, da f o r m a c o m o m e fo-
ram narrados por Maria Assunción E c h a g ü e e Alvarez de Soto-
mayor, a t e s t e m u n h a principal.
T a m b é m é curioso. E bendigo a "nave-mãe" por isso. Pode-
ria jurar por m e u s filhos q u e eu não estava preparado. Mas é a

222
m e s m a coisa. Q u e m m e quiser crer, que m e creia. A q u e s t ã o é
que, há p o u c o s instantes, m e referia ao extraordinário "contato"
ocorrido c o m dois humildes pastores. E apesar de tudo o que fi-
cou dito, eu sei, haverá intrigantes que continuarão menosprezan-
do a experiência do Hilário e do seu pastor, pelo simples fato de,
s e g u n d o os ridículos p a r â m e t r o s da s o c i e d a d e que nos tocou por
destino, "tratar-se a p e n a s de incultos aldeões". Pois b e m , no fi-
nal das contas, os " a n õ e s mentais" que assim p e n s a m vão trope-
çar com u m a t e s t e m u n h a diametralmente oposta aos protagonis-
tas de Villablanca, ao m e n o s do prisma da "cultura oficial". Por-
que Maria Assunción Echagüe fala cinco idiomas, é licenciada e m
Literatura e Artes, trabalhou no Museu do Prado d u r a n t e dezes-
seis a n o s e ainda por cima goza de m e r e c i d o prestígio c o m o pin-
tora. 4 Se a isso s o m a r m o s sua origem navarra, está dito tudo...
C o m o eu disse — ou ainda não disse? —, tive a honra de co-
nhecer esta m o d e s t a e agradabilíssima mulher em u m a das mi-
nhas visitas à Ilha Cristina. Maria Assunción E c h a g ü e havia pas-
sado por esta experiência em novembro de 1972. Por aquela épo-
ca, fiel praticante t a m b é m da filosofia do "imprescindível" e apai-
xonada — tudo t e m de ser dito — do carisma das terras e da gen-
te onubense, afastou-se dos ruídos m u n d a n o s e deitou raízes no
Sul. E ali via p a s s a r e m seus dias e n t r e g u e à pintura q u a n d o lhe
s u c e d e u "algo" que a marcaria no mais íntimo do seu ser. O caso
— e faço esta observação c o m toda a perversidade de que sou
capaz, c o m o "aviso" a o s que m e a c u s a m de a f o b a d o — v e m a pú-
blico c o m vinte e oito a n o s de atraso. E m e n o s mal que sou u m
"detestável mercantilista"!...
"Sei que e s t á v a m o s no m ê s de n o v e m b r o " — explicou a se-
nhora E c h a g ü e — " m a s não p u d e reter na m e m ó r i a o dia exato.
Eu tinha então quarenta e quatro anos. E vivia c o m minha famí-
lia nos a p a r t a m e n t o s próximos à praia de Entrepinos, aqui, na Ilha
Cristina. S e g u i n d o m e u costume, u m a m a n h ã , ali pelas dez, ini-
ciei meu c o s t u m e i r o passeio pela praia, e m direção a La Antilla.
Nessa ocasião — ainda b e m — acompanhava-me minha irmã Con-
chita, que vive e m Madri. E, claro, m i n h a cadelinha Tekel. A ma-

4. Sirvam como amostragem de quanto afirmo duas opiniões, ao acaso, de outros


tantos e reconhecidos críticos de arte. Étienne Chantrel, da France Presse e Bresle-Vimeu,
escreveu o seguinte sobre M. Assunción Echagüe: "Estamos diante de uma artista ex-
cepcional que parece pedir desculpas por seu talento. Nunca pude entender seu desinte-
resse por dar-se a conhecer ou por expor suas obras, apesar de tão notáveis. A mestria
dos seus desenhos, de uma beleza e uma perfeição que não parecem deste século, nos
falam de toda uma vida de estudo e aprendizagem junto aos mais conhecidos pintores."
Por seu lado, Francisco J. Martos, da Sociedade Internacional de Críticos de Arte, afir-
mava: "...Sua obra, fruto de uma sólida preparação onde nada foi improvisado, basta
para reputá-la uma das pintoras mais refinadas destes tempos." (N. de J. J. Benitez.)

223
ré estava baixa e o lugar, solitário, c o m o a c o n t e c e nessa época
do ano. P a s s a d o s uns dez minutos, p o u c o mais ou m e n o s , desco-
brimos as p e g a d a s . A princípio nos s e n t i m o s contrariadas. Gos-
távamos de ser as primeiras a deixar as m a r c a s na areia. Não sei...
era c o m o q u e u m capricho. E, de fato, minha irmã c o m e n t o u ao
vê-las: 'Veja, já pisaram na praia.' Mas i m e d i a t a m e n t e , ao obser-
varmos melhor, concluímos que a q u e l a s pisadas n ã o e r a m nor-
mais. Por quê? Muito simples: em primeiro lugar, partiam da água
e se dirigiam para a duna, quase perpendicularmente ao mar. Além
disso, correspondiam a duas p e s s o a s c o m u m a muito singular ca-
racterística: pareciam caminhar uniformemente. Eram simétricas.
Decalcadas, imitadas, eu diria. Q u a n d o u m a dava um passo, a ou-
tra executava o m e s m o m o v i m e n t o e c o m o m e s m o pé. Natural-
m e n t e e x p l o r a m o s a costa e o mar. Mas n ã o se via pessoa ou em-
barcação a l g u m a . De o n d e p r o c e d i a m e n t ã o ? O susto chegaria
mais tarde. Intrigadas, c o m e ç a m o s a seguir as p e g a d a s . O e x a m e
do rastro confirmou-nos que de fato e s t á v a m o s diante de p é s cal-
ç a d o s (em n e n h u m m o m e n t o distinguimos m a r c a s de dedos), de
d i m e n s õ e s e f o r m a s relativamente normais. O c o m p r i m e n t o da
p e g a d a era u m p o u c o superior à de u m n ú m e r o 41 ou 42. Nem
m e s m o a p r o f u n d i d a d e delas c h a m o u - n o s a a t e n ç ã o . Parecia nor-
mal: uns p o u c o s centímetros. O q u e r e a l m e n t e se destacava —
afora a simetria — e r a m as extremidades: ligeiramente afiladas.
Aí p e n s a m o s em duas coisas: ou os s a p a t o s t i n h a m u m a ponteira
estreita e estilizada, ou os indivíduos caminhavam nas pontas. Q u e
distância poderia haver entre cada par de p e g a d a s ? Não mais de
um metro.
"E ao c h e g a r junto às d u n a s que f e c h a m a praia levamos u m
susto. A dupla fileira acabou b r u s c a m e n t e . As p e g a d a s termina-
vam s e m explicação, c o m o se os tipos tivessem sido fisgados do
ar por u m anzol, tal qual exprimiu g r a f i c a m e n t e Conchita.
"Ao convencer-nos de que ali ocorria a l g u m a coisa i n c o m u m
c o m e ç a m o s a sentir m e d o . Então e n c e r r a m o s o passeio e volta-
m o s para casa. Entretanto, n ã o sei e x a t a m e n t e por quê, passa-
d o s uns quarenta e p o u c o s minutos, s e m nada dizer a m e u mari-
do, decidi voltar à praia, sozinha. E vi que não tinha s o n h a d o : lá
estavam ainda as pegadas. A m a r é começava a subir e, logicamen-
te, as encobriria. Foi u m a lástima não tê-las fotografado... Mas
q u e m poderia imaginar que aquele a c o n t e c i m e n t o ainda estava
por encerrar-se? Por fim, decidi e s q u e c e r tudo. Subi para o apar-
t a m e n t o , e u m p o u c o a n t e s do meio-dia saí ao terraço e pus-me
a irrigar as plantas. O dia era lindo, ensolarado. Tépido. Respirava-
se uma grande paz. Mais tarde, ao r e m e m o r a r o ocorrido, chamou-
m e a a t e n ç ã o o p r o f u n d o e a n o r m a l silêncio q u e reinava naquela
área.

224
"Estava eu nisso q u a n d o , de súbito, m e u s olhos ficaram fixa-
dos, c o m o q u e imantados, no jardim existente à frente do edifí-
cio. Ali, de costas, estavam dois "indivíduos" c o m o j a m a i s vira.
Do segundo andar, onde me encontrava, até eles, não haveria mais
de quarenta metros. Tinham u m a cabeleira escorrida e branca que
caía sobre os o m b r o s . Os cabelos t i n h a m u m brilho e u m lustro
especiais. Mão se tratava de cabelo grisalho c o m o o dos anciãos,
m a s de u m a brancura igual à do leite puro.
"Detive-me c o m o regador na m ã o , estupefata.
" E r a m altos. Talvez 1,90 m ou mais. Q u a n t o ao que vestiam,
Deus meu, q u e roupa mais estranha! Para dar-lhe u m a designa-
ção, era u m "traje" de u m a só peça, de u m cinzento faiscante e
c o m o que granulado. Messe m o m e n t o estavam à s o m b r a de u m a s
árvores e, assim m e s m o , a roupa continuava brilhando intensa-
m e n t e . Tal vestimenta, ou o que fosse, era colada ao corpo, real-
ç a n d o a a n a t o m i a e d a n d o a impressão de nudez. Mos p e s c o ç o s
observei a l g u m a coisa escura, m a s n u n c a vim a saber do q u e se
tratava. C o m o pintora, t e n h o grande s e n s o de observação e pos-
so afirmar-lhe q u e eles m e fizeram u m a forte impressão. A p o n t o
de inquiri-los mentalmente enquanto olhava para eles: 'Quem são?'
" J e s u s , fiquei toda arrepiada! Ainda agora, ao lembrar, sinto
calafrios. Mal a c a b a r a de formular a p e r g u n t a mental, os dois ho-
m e n s se voltaram ' c o m o se fossem u m só' e m e olharam. Foi in-
crível. Asseguro-lhe, querido amigo, que não abri a boca. Foi ape-
nas um p e n s a m e n t o : ' Q u e m são?'
"Ato contínuo, a p ó s voltarem a vista para o terraço, elevaram
o braço direito — t a m b é m ao m e s m o t e m p o —, c o m os d e d o s
polegar, indicador e m é d i o erguidos. O gesto m e pareceu u m a
s a u d a ç ã o e u m a resposta à minha pergunta, ainda que eu igno-
rasse o seu significado.
"Não m e foi possível distinguir suas feições c o m clareza, m a s
p o s s o dizer-lhe q u e seus rostos se d e s t a c a v a m por u m a estranha
palidez. No peito, sobre o 'traje', a p r e s e n t a v a m u m d e s e n h o es-
curo e creio q u e q u a d r a d o . Mas não m e peça detalhes. Não posso
dá-los.
"As m ã o s e os rostos estavam descobertos. Depois do rápido
gesto baixaram os braços e c o n t i n u a r a m seu caminho, desapare-
c e n d o entre as árvores. Q u a s e juraria q u e seu r u m o era a praia,
mas, c o m o c o m p r e e n d e r á , nada posso afirmar.
"Tudo nesses 'seres' era incrível. O m o v i m e n t o de meia-volta,
para m e e n c a r a r e m , foi lento e típico da pessoa que se volta para
responder a u m c h a m a d o . Disso não t e n h o dúvida. Eu jamais ha-
via visto u m a suavidade e esbeltez de f o r m a s c o m o aquelas.
"O mais s u r p r e e n d e n t e é que, ao m e olharem e e r g u e r e m os
braços, notei nesse gesto qualquer coisa c o m o u m a 'comunica-

225
ção'. E senti u m a alegria e u m a paz difíceis de descrever. S e você
prometer não rir, lhe direi que foi u m s e n t i m e n t o tão agradável
e benéfico c o m o o que sentia c o m a visita dos Reis Magos quan-
do era menina.
"Mas n ã o fui a única a vê-los. Nesse m e s m o m o m e n t o , lá e m
baixo, à frente do prédio, brincava u m m e n i n o — Rufininho —,
um dos filhos do proprietário do bar Rufino, u m velho amigo. E
o garoto, ao ver-me no terraço, m e c h a m o u , e x c l a m a n d o : 'A se-
nhora viu q u e forasteiros m a i s estranhos?'
"E outra curiosidade; por mais que indagasse nos a r r e d o r e s
e na cidade, n i n g u é m m e s o u b e informar nada a respeito de tão
ostentosos p e r s o n a g e n s . Ao que m e parece, só o p e q u e n o e eu
os havíamos visto. Mas c o m o seria isso possível, e m plena luz do
dia?
"Poucos m e s e s depois, por janeiro, não sei se isso será de uti-
lidade para as tuas investigações, ao subir ao terraço do edifício
para recolher roupa, observei no mar, sob a água, u m a e n o r m e
claridade. Estava e s c u r e c e n d o . O sol já se havia posto. O fenô-
m e n o c h a m o u - m e p o d e r o s a m e n t e a atenção, pois mudava de cor.
Do azul passava ao verde e deste ao laranja. E ali p e r m a n e c e u du-
rante dez minutos..."
Não há dúvida de que esse último avistamento tinha interes-
se para m i n h a s pesquisas e e m especial para m i n h a s conclusões.
Mas a n t e s de a p r o f u n d a r - m e nisso q u e r o deixar registro de outro
a c o n t e c i m e n t o que, na m i n h a m o d e s t a opinião, encerra u m a es-
pecial "leitura". Lembro-me de que n a q u e l e 1982, e n q u a n t o m e
avistava com a testemunha, entre tantas perguntas e tantos comen-
tários que trocávamos, e s c a p o u - m e um, a p a r e n t e m e n t e intrans-
c e n d e n t e e até frívolo. "E ocorre c o m relativa freqüência — disse-
lhe eu — que as t e s t e m u n h a s voltem a ver os f e n ô m e n o s ou os
seres. Você observou um o b j e t o luminoso sob a água p o u c a s se-
m a n a s a p ó s e talvez — q u e m s a b e — a experiência se repita..."
Casualidade? Setenta dias exatos a p ó s esta despretensiosa
"profecia" a pintora m e anunciava c o m e m o ç ã o u m novo acon-
tecimento-ovni. Clm caso sucedido t a m b é m na Ilha Cristina e q u e
seria divulgado n a c i o n a l m e n t e pela imprensa. Este, e m síntese,
foi o d e p o i m e n t o de Maria Assunción E c h a g ü e sobre o ocorri-
do na m a d r u g a d a de 2 8 para 2 9 de s e t e m b r o do citado ano de
1982:
"...Quando você m e pediu que lhe informasse qualquer novo
a c o n t e c i m e n t o relacionado com os ovnis, a verdade é que pensei
que muito pouco ou nada teria a dizer, já q u e tais coisas, creio,
n ã o ocorrem s e n ã o muito raramente. Mas na noite de 28 para 29
de setembro, quarta-feira, por volta da u m a e meia da m a d r u g a d a ,
voltou a acontecer. A essa hora tive u m acesso de tosse (estou com

226
Maria Asunción Echagüe
e o t a m b é m morador da Ilha
Cristina, José Biedma, mostrando
as imagens dos seres
vistos pela pintora.
(Foto de J. J. Benitez.)

mÊÊsm

Desenho feito pela pintora


Maria Asunción Echagüe. IMos primeiros
momentos, os estilizados seres
"«pareceram" de costas.

mbr<; 11)2,

Segundo m o m e n t o
do " c o n t a t o " : os seres
se v o l t a m sincronicamente
e erguem o braço direito,
c o m os dedos polegar,
indicador e médio levantados.
(Desenho da testemunha,
gentilmente cedido
a J. J. Benitez.)
bronquite há mais de dez dias) e fui obrigada a levantar-me da
cama e passar para outro c ô m o d o da casa, para não perturbar m e u
marido, (o p o b r e t e m - m e velado t o d a s estas noites.)
"Esse c ô m o d o dispõe de u m a janela orientada para o leste,
c o m u m a perspectiva muito vasta. Pois bem, qual n ã o foi m i n h a
surpresa ao descobrir diante da minha janela u m a espécie de 'pão-
zinho' luminoso, c o m um resplendor alaranjado. A princípio pen-
sei que fosse a Lua. ü m a lua d e m a s i a d o g r a n d e e estranha, certa-
mente. Mas você sabe que o ser h u m a n o , inconscientemente, bus-
ca s e m p r e u m a explicação lógica para tudo aquilo que não é 'nor-
mal'. Não obstante, ao prestar-lhe maior atenção, observei que a
Lua real encontrava-se no lugar e m que devia estar, e em quarto-
crescente. O 'pãozinho', ao contrário, p e r m a n e c i a imóvel, silen-
cioso e s u s p e n s o no e s p a ç o c o m o u m 'farol'.
"Não p o s s o calcular a distância a que se encontrava, m a s di-
ria que flutuava no espaço da praia. (Não a que você conhece, m a s
a que se acha no e x t r e m o da Gran Via.) E de r e p e n t e o objeto
apagou-se e d e s a p a r e c e u .
"Apressei-me a contar ao m e u marido o q u e vira. E qual não
foi minha surpresa quando, a o cruzar a casa a c a m i n h o do dormi-
tório, vi outras d u a s luzes através do balcão que se a b r e para o
poente. Cima delas era ovalada, c o m o a que acabava de desapa-
recer ao leste. A outra, assim c o m o u m dublê, apresentava a par-
te de cima m e n o r q u e a inferior.
"Fiquei tão s u r p r e e n d i d a que m e custou sair do a s s o m b r o .
E para m e convencer de que n ã o se tratava de um sonho, apanhei
u m c a d e r n o e escrevi e desenhei o que tinha diante de m i m .
"A luz q u e e m a n a v a m era tão intensa que eu continuava ven-
do-os, apesar da l â m p a d a q u e acendi para poder fazer m i n h a s
anotações.
"Tudo isso durou p o u c o t e m p o . De súbito, o o b j e t o de f o r m a
ovalada m u d o u de posição, colocando-se na vertical, ou seja, per-
pendicular ao solo. E aí d e s a p a r e c e u da m i n h a vista. Mas não o
vi elevar-se. S i m p l e s m e n t e , d e s a p a r e c e u .
"No dia seguinte, J o s é Luis C a m a c h o Maio, o jornalista-
locutor da Rádio Nacional, noticiou que três g u a r d a s municipais
que estavam de serviço naquela noite, pela u m a e meia, haviam
visto um objeto retangular muito brilhante e c o m um colorido ala-
ranjado. E x a t a m e n t e à altura da praia da Ponta. Ao fim de cinco
minutos, a luz d e s a p a r e c e r a . T a m b é m o viu o d o n o de bazar de
pinturas, s e m contar u n s marinheiros de b a r c o s de pesca que n ã o
quiseram dar seus n o m e s , talvez por superstição. T o d a s as teste-
m u n h a s são p e s s o a s responsáveis, pais de família e gente muito
conhecida na Ilha Cristina. E m s u m a , h o m e n s sérios e honrados,
dos quais n ã o se p o d e duvidar. Acresce a circunstância de que,

228
sem nos havermos comunicado, todos coincidimos no relato, salvo
os g u a r d a s municipais, que só se fixaram no objeto que estava
mais próximo deles e n ã o podiam ver os outros dois, o que, aliás,
era natural, dada a sua localização. Eu m e s m a não os teria visto
se não tivesse atravessado a casa e p a s s a d o diante da janela q u e
já mencionei.
"Quanto aos pescadores, eu m e s m a os ouvi gritar e correr pela
minha rua exclamando coisas assim: 'Ainda estão aí em cima! Não
m e deixem para trás... Esperem-me! Esperem-me!' Ouvi dizer, a
respeito dos marinheiros, que nessa noite regressaram do m a r
aterrorizados e s e m haver pescado. E a l g u n s se m e t e r a m na ca-
ma, t e m e r o s o s do q u e haviam visto...
"E u m a última observação" — concluiu Maria Assunción
E c h a g ü e —, "em u m dos objetos se viam u n s finíssimos 'fios' —
não sei, f r a n c a m e n t e , que n o m e dar-lhes — que p e n d i a m para o
solo. Tinham u m a coloração azulada brilhante, a p a r e c e n d o e de-
s a p a r e c e n d o em g r a n d e velocidade."
O leitor terá de reconhecer c o m i g o que a tríplice experiência
vivida pela t e s t e m u n h a da Ilha Cristina t e m u m forte ar de suspei-
ção. E tão c o n s t r a n g e d o r que não serei eu a aplicar-lhe a c ô m o d a
etiqueta do "pura casualidade". Entre outras razões, p o r q u e este
criado de vocês t a m b é m "sabe" da existência desses seres albinos.
Pode ser que eu esteja equivocado. Ou não. Para mim, esses
três "contatos" — c o m os p e r s o n a g e n s estilizados e os ovnis —
g u a r d a m estreita relação. Boa parte do que contou Maria Assun-
ción E c h a g ü e soa familiar entre os c o n h e c e d o r e s do f e n ô m e n o :
o silêncio a n o r m a l que dominava o lugar, a descrição dos "ho-
mens", o fato de que só d u a s t e s t e m u n h a s viram os "forasteiros",
a s e n s a ç ã o de c o m u n i c a ç ã o telepática, a benéfica paz, u m a nave
sobre a água e diante da casa, o inoportuno acesso de tosse no
meio da m a d r u g a d a e, muito especialmente, a sutil e pronta res-
posta à pergunta mental formulada pela pintora. E o leigo em as-
s u n t o s esotéricos talvez se pergunte, cheio de razão: "E que sig-
nificado t e m a enigmática 'saudação' d o s seres vistos pela mora-
dora da Ilha Cristina?" A espontânea pergunta — recordemos uma
vez m a i s — foi tão lógica q u a n t o simples: " Q u e s ã o ? "
Pois bem, do ângulo do mais puro e atávico simbolismo eso-
térico, a fulminante resposta não poderia ser mais explícita. Por-
que e s s e s três d e d o s erguidos — polegar, indicador e m é d i o —
c o n s t i t u e m o signo por excelência da iniciação. O signo do Eso-
terismo. O signo dos Mestres. O signo da Força Divina. Do triun-
fo do espírito sobre a matéria. O " e m b l e m a " da Natureza Angeli-
cal. O signo da Trindade.
" Q u e são?"
"Mestres."

229
A resposta se reveste de tal transcendência q u e n ã o a cons-
purcarei c o m m i n h a s rudes palavras. Deixo isso à imaginação do
leitor...
Os não-versados na prodigiosa "espiral ovni" formularão, tal-
vez, outra interessante questão: "E que t ê m que ver estes seres
c o m os a n j o s ? " Cima explicação m e d i a n a m e n t e satisfatória n o s
levaria a t e m p o s , cenários e f a t o s tão r e m o t o s que desisto. Para
ser breve — coisa s e m p r e perigosa e irritante —, p o s s o dizer que
"sim", que a l g u m a s d e s s a s civilizações p o d e r i a m ser associadas
ao termo "anjos" ou "mensageiros". Dezenas dos c h a m a d o s "con-
t a t a d o s " — e n ã o " c o n t a t a d o s " — d ã o t e s t e m u n h o de e n c o n t r o s
c o m seres que, tanto por suas f o r m a s quanto por suas mensagens,
p a r e c e m desfrutar um "caráter" muito próximo à Divindade. Mais
ainda: q u a n d o utilizo a expressão "nave-mãe", e m sinal de prote-
ção e controle celestes, estou aludindo a e n t i d a d e s c o m o as ob-
servadas pela senhora E c h a g ü e . Cima pintora — seja dito de pas-
s a g e m — c u j o s c o n h e c i m e n t o s esotéricos e r a m tão exíguos q u e
não s o u b e interpretar o "gesto" dos "albinos".
E m minha r e m o t a infância estes seres recebiam outro n o m e ,
mais romântico, m a s de idêntica significação. Então os chamá-
v a m o s de " a n j o s da guarda"...
Adivinho as risotas dos "vampiros" e d e m a i s "rigoristas" da
ufologia. C o m p r e e n d o - o s e m e c o m p a d e ç o . "O mel não é feito
para a boca do asno..." Mas p o r q u e os "esquenta-poltronas" não
os a d m i t e m n ã o significa q u e não existam. Trata-se, insisto, de
seres iguais ou muito s e m e l h a n t e s aos descritos pela pintora. Se-
res d i r e t a m e n t e vinculados a o s ovnis. Seres c a p a z e s de materiali-
zar-se e desmaterializar-se. Seres que irradiam u m a paz p o u c o co-
m u m . Q u e s a e m ao encontro das t e s t e m u n h a s , ajudando-as. Q u e
"lêem" o s p e n s a m e n t o s . Q u e nos c o n h e c e m melhor do que nós
m e s m o s e que q u a n d o são vistos m a r c a m para s e m p r e a m e m ó -
ria e o destino dos h o m e n s . S e r e s cuja "presença invisível" é de-
tectada c o m freqüência pelos mais jovens da família — s e m p r e
os m e n o s "intoxicados" —, assim c o m o pelos animais. Seres q u e
falam de concórdia e amor. Seres, em suma, atemporais, que sem-
pre aqui estiveram e que, em boa medida, nos "escoltam" e ve-
lam pela segurança de cada u m dos h u m a n o s .
Este p o b r e devorador de estradas, aliás, sabe a l g u m a coisa
a respeito. Q u e m e recorde, por três vezes já m e salvaram a
vida; e m u m a t o r m e n t a , na d e s e m b o c a d u r a do Guadalquivir. No
l o m b o de u m cavalo d e s e n f r e a d o , nas terras do Sul, e na rodo-
via de Burgos, quando, em plena noite, m e u automóvel pene-
trou e m u m a lâmina de gelo e se precipitou contra u m cami-
nhão. Talvez um dia m e a n i m e a r e m e m o r a r e s s e s acontecimen-
tos e a contar c o m o a angustiosa invocação do n o m e de u m

230
Praia da Ilha Cristina, onde apareceram as misteriosas pegadas.

"imonhos e anotações de autoria

£ testemunha, Maria Asunción Echague,


lios na madrugada de 2 8 para 2 9
d« «otembro de 1 9 8 2 , quando
•IH os ovnis.

h<Àu. <*Ctl zf «£ Z-9 S^T./ig,


•I /
Lu^ o

O edifício de apartamentos.
UtvUMJL. touGÃ-!
A f o t o mostra as árvores onde
iiJLn frf > Ia
' a/JUA* i foram vistos os seres estilizados,
ht^uJÚMJ i 0 vtiiD-í de cabelos albinos.
desses " a n j o s " t r a n s f o r m o u e m "milagre" o q u e parecia u m a ine-
vitável tragédia...
E você, a m i g o leitor, a r r a s t a d o por u m malas-artes c o m o eu
nestas loucas aventuras, continuará c e r t a m e n t e a fazer pergun-
tas. E fará muito b e m .
"E por q u e aconteceu c o m a senhora E c h a g ü e e Alvares de
S o t o m a y o r e não c o m o c h e f e do governo?"
Creio q u e não estarei e n g a n a d o se afirmar q u e uma "apari-
ç ã o " desta espécie — seja a u m estadista, a u m c e l e b r a d o cientis-
ta ou a u m reverendíssimo p u r p u r a d o — nunca, jamais, chegaria
ao c o n h e c i m e n t o do povo. No caso da pintora da Ilha Cristina e
de o u t r a s p e s s o a s simples, a experiência chegou, sim, a seu defi-
nitivo destino: você. E no m e u atrevimento recorro a u m a frase
de Alguém q u e nunca se e n g a n o u : "...e estas coisas não serão re-
veladas a o s poderosos, m a s de preferência a o s humildes". (Peço
desculpas ao m e u a d m i r a d o J e s u s de Nazaré pela versão u m tan-
to livre de s u a s palavras.)
E c o m que finalidade? Q u e sentido encerra s e m e l h a n t e "tea-
tro"? Cimas p e g a d a s na praia, dois tripulantes " a t u a n d o " unifor-
m e m e n t e ao pé de u m a s árvores, um sinal e m código...
Cada leitor haverá e s b o ç a d o já s u a s conclusões. E serão váli-
das, n ã o t e n h o dúvidas. C o m o t a m b é m o são as q u e m i n h a pró-
pria intuição dita. O t e s t e m u n h o da pintora significou para m i m
u m novo e vivificante jorro de oxigênio a estimular e fortalecer
minha convicção nessa outra "realidade". Cima convicção que nas-
ceu em 1972, m a s q u e de vez e m q u a n d o é necessário reforçar.
E meu â n i m o encheu-se de esperança. E q u e m s a b e se alguns que
t o m e m c o n h e c i m e n t o destas experiências t a m b é m saiam benefi-
ciados. Estes motivos não serão suficientes para justificar o "pas-
seio" d o s seres da Ilha Cristina?
Concluirei estes precipitados "ditados do c o r a ç ã o " c o m u m
p e q u e n o segredo: é j u s t a m e n t e essa convicção — inexpugnável
e granítica — na existência d e tais "anjos" o q u e m e m a n t é m na
luta, transmitindo-me u m a confiança q u a s e suicida e q u e muito
p o u c o s t ê m sabido c o m p r e e n d e r . Eis aí u m a das g r a n d e s razões
q u e legitimam m e u s a n o s de inquebrantável lealdade e dedica-
ção ao impropriamente c h a m a d o f e n ô m e n o dos "não-
identificados". E entre os muitos q u e jamais s o u b e r a m "ler" m e u s
verdadeiros s e n t i m e n t o s e m relação ao t e m a ovni encontram-se,
claro, o s que m e a c u s a m de "mercantilista e negociante". E apro-
veito o lance para soltar outra "carga de p r o f u n d i d a d e " . De acor-
do c o m esta "confissão", muito tolo eu teria de ser para continuar
e m m e u trabalho... por dinheiro. O s v e r d a d e i r a m e n t e inteligen-
tes s a b e m que o "brilho da Verdade é infinitamente mais tenta-
dor do que o do ouro". E eu, nesse capítulo, sou insaciável.

232
E agora q u e as coisas f o r a m postas e m seus lugares m e per-
mitirei um parêntese, para cumprir a p r o m e s s a . Páginas atrás, ao
falar de dinheiro, anunciei q u e revelaria alguns dos torvos mane-
jos dos " s u m o s s a c e r d o t e s " da ufologia nacional. P o r q u e o ver-
dadeiro rosto dos "vampiros" n ã o é o q u e eles c o s t u m a m apre-
sentar em público. Sirvam de exemplo uns "assuntinhos" que, ob-
viamente, tiveram especial cuidado e m m a n t e r ocultos. Queira
Deus que os jovens investigadores e os incautos "vampirizados"
t o m e m boa nota do acontecido naquela primavera de 1985. Mas,
d a d o o p r o s a í s m o e a deselegância do negócio, tomarei a liber-
d a d e de relegá-lo a nota de r o d a p é . 5

5. Insisto em que se trata apenas de uma pequena amostra do procedimento hipó-


crita dos que se autoproclamam "sérios e desinteressados estudiosos dos ovnis". Em
meus arquivos repousam, à espera de uma oportunidade para publicá-los, outros docu-
mentos confidenciais mais severos e comprometedores que envergonhariam o mais cor-
rompido dos fenícios. Mas tudo tem seu tempo.
Começarei por uma curiosa carta que fala por si própria. Assina-a o senhor Bal-
lester e é dirigida a Ariel Rosales, diretor, na época, da revista mexicana Contactos Ex-
traterrestres.
"Valencia, 2 de abril de 1981.
"Querido amigo Ariel.
"Diante da falta de notícias suas, reitero novamente o fato de que Contactos Ex-
traterrestres publicou os seguintes artigos meus que ainda não foram pagos: 1. "Encon-
tro ufológico em Londres", CE número 73 ($125). 2. "Conselho de consultores de Sten-
dek", CE número 85 (S125). 3. "O fenômeno aterrissagem", CE números 86 e 87 ($250).
"No total, a quantia que me devem é de 500 dólares.
"Com o propósito de resolver com a maior brevidade possível esta situação, e co-
mo expressão máxima de minha boa vontade, lhe digo que considerarei saldada a dívida
com o envio de um cheque de apenas 400 dólares USA.
"Seria lamentável, querido amigo Ariel, que isto empanasse uma relação que tem
sido frutuosa ao nível pessoal e de colaboração editorial..."
O segundo exemplo teve como "detonador" o III Congresso Ufológico de 1985,
celebrado em Vitoria, de 14 a 18 de janeiro. Nesse evento, organizado por Pruden Mu-
guruza sob o patrocínio da Caixa Econômica de Álava, participaram os senhores Anto-
nio Ribera, Charles Berlitz, o doutor Jiménez dei Oso, Enrique de Vicente, J. A. Silva
e este "abominável mercantilista" que lhes fala. Pois bem, o anúncio dessas conferên-
cias, como era de prever, agitou os nervosos espíritos dos "doutos, sérios e muito hono-
ráveis" representantes da ufologia científica (?). E as primeira reações — capciosas —
não se fizeram esperar. Com data de 11 de janeiro, o senhor Félix Ares remetia a seguin-
te carta ao diretor da citada Caixa Econômica:
"Distinto senhor.
"Através da imprensa inteirei-me da próxima celebração do III Congresso Inter-
nacional de Ovnis do País Basco. Talvez minha carta possa parecer-lhe uma impertinên-
cia, mas, na realidade, não o é. Nela quero apenas mostrar minha preocupação pelo
avanço da pseudociência em nossa sociedade. Tema que, como professor universitário,
me preocupa seriamente. Creio — oxalá me engane! — que o mundo está passando por
uma etapa muito difícil que se deve enfrentar assumindo a realidade e fugindo de salva-
dores míticos, terrestres ou extraterrestres.
" H á poucos meses pudemos ler na imprensa notícias muito desagradáveis sobre
o grupo Edelweis, segundo os quais uns inescrupulosos enganavam jovens de poucos
anos, para introduzi-los em técnicas sodomitas e levá-los para a América do Sul como
guerrilheiros, ou talvez algo pior, com base na atração do tema extraterrestre.

233
Mas v a m o s adiante. O caso q u e agora entra na "liça" dificil-
m e n t e será entendido e admitido por aqueles que se obstinam em
encerrar o m á g i c o f e n ô m e n o ovni nos frágeis e estreitos limites
da lógica h u m a n a e da m e d i o c r i d a d e travestida de rigorismo. A
imaginação — dizem os berlinenses — faz-nos fortes. Pois bem,
em d e t e r m i n a d o s m o m e n t o s , t a m b é m o pesquisador dos "não-

"Este, e muitos outros casos, fazem-me pensar que o assunto extraterrestre dei-
xou de ser neutro — pouco mais que literatura de escapismo — para converter-se em
um tema muito sério, que deve ser tratado sem frivolidade.
"No tema dos ovnis, como na maioria dos assuntos da vida, existem muitas opi-
niões. Fazendo três divisões, podemos dizer que um grupo crê, com toda a certeza, que
nosso planeta está sendo visitado por seres extraterrestres vindos em naves que eles cha-
mam ovnis. Crêem também que os alienígenas estão entre nós e que muitos terráqueos
já foram "seqüestrados" por visitantes de outros mundos. Num segundo grupo estãos
os céticos, convencidos de que todos os casos ovnis podem ser explicados como fraudes,
fenômenos naturais mal interpretados e uma overdose de sensacionalismo por parte da
mídia, etc. Por último, um terceiro grupo está convencido de que 95% ou mais dos ca-
sos ovnis são fraudulentos, farsas, confusão com fenômenos naturais, etc.; mas que existe
alguns poucos cuja natureza não está clara e, portanto, são dignos de investigação: tal-
vez simples confusões, talvez fenômenos físicos mal interpretados ou pouco conheci-
dos, e — por que não? — talvez naves extraterrestres.
"Em nome da liberdade de expressão, acho bastante louvável que vocês realizem
um Congresso como este. Minha preocupação é que somente falem os do primeiro gru-
po. Pessoas todas muito dignas, que defendem suas idéias muito bem — destacando meu
bom amigo, veterano ufólogo, magnífico escritor Antonio Ribera. Mas todos defendem
acirradamente a hipótese extraterrestre para explicar os ovnis. Fazem tudo para difun-
dir suas crenças. O mais grave, porém, é o atentado à liberdade de expressão, o suicídio
intelectual: SOMENTE ELES FALAM. Nenhum representante dos outros grupos foi
convidado. O Congresso nasce distorcido.
"Lástima! Poderia ter sido uma boa tentativa. Receba uma cordial saudação.
"P.D. Haveria possibilidade de um Congresso de réplica?"
Uma vez concluído o evento, o diretor da entidade patrocinadora receberia outra
série de cartas, todas firmadas por membros do denominado Coletivo ARIFO (Alterna-
tiva Racional para a Investigação do Fenômeno Ovni). O retumbante titulozinho retrata
por si mesmo seus "sócios"... Em duas dessas cartas posteriores ao Congresso, uma
de 24 e a segunda de 29, ambas de janeiro, dentro do que sem dúvida obedeceu a uma
campanha perfeitamente "orquestrada", os "arifos" se revelaram por inteiro, lançan-
do outras "lindezas", ao estilo das usadas pelo professor universitário. Escolherei algu-
mas, altamente representativas. O "ínclito" L. A. Gámez manifestava de sua cátedra:
" . . . a inclusão de Charles Berlitz entre os convidados é realmente surpreendente, dado
que esse senhor tem umas teorias muito bonitas (Triângulo das Bermudas, ovnis estrela-
dos, experiências secretas em que um destruidor viaja à margem do espaço e do tempo,
etc.), que entretanto se demonstrou não passarem de fraudes, histórias inventadas, ma-
nipulação de dados, etc. Não sei quanto haverá custado trazer Charles Berlitz, ainda
que eu suponha que rondará pelo meio milhão... Creio que o Congresso falhou. Os con-
vidados não foram bem selecionados. Se acreditam que podem fazer algo similar para
o ano que vem, pensem em oferecer ao público um pluralismo de idéias... Creiam-me
que há tantos outros nomes quanto os convidados deste ano que podem participar com
opiniões que desta vez não foram consideradas. Assim o Congresso será verdadeiramente
objetivo e não como o deste ano, em que é possível que alguma mente se haja atrofiado
depois de assistir a alguma das conferências..."
Como veremos mais adiante, ao mencionar a questão econômica, começava a des-
pontar o penacho dos "arifos"...

234
" O P a p a " , segundo o Tarot de Marselha
(quinto naipe), executando o signo do
Esoterismo: os três dedos da mão direita
erguidos. Numerosas igrejas usam este
símbolo como uma bênção, sem conhecer
seu remoto e autêntico significado. Neste
caso, o chamado "iniciador dos mistérios de
I s i s " está sentado entre as duas colunas do
santuário. Apóia-se em uma cruz de três
braços e representa o ensinamento prático e
oral das idéias do Esoterismo: o
Ensinamento Secreto. É o reflexo da
Vontade: a Inteligência. O reflexo do Poder:
a Autoridade, a Religião, a Fé e a Vida
Universal. A religião (de " r e - l i g a r e " ) é
entendida como a relação entre o Ser
Absoluto e o relativo.

0 signo do Esoterismo
n dos mestres.

r
n sA-LDicmvw
Imagem do Esoterismo sacerdotal, formulando
a reprovação. Curiosamente, ao executar este
signo sagrado, t a m b é m se pode projetar, na
sombra, a imagem do Maligno. Em outras
palavras: a errônea utilização do mistério pode
engendrar o mal e a escuridão. ( " D o g m a e
Ritual da Alta M a g i a " , de Eliphas Lévi.)
identificados" deve lançar m ã o d e s s e excelso d o m superior. Ao
m e n o s para poder enfrentar f a t o s tão c o n s t r a n g e d o r e s c o m o os
ocorridos na província de Cádiz na noite de 2 9 de s e t e m b r o de
1989. Q u e m s a b e c o m a imaginação p o s s a m o s tentar, só tentar,
d o m a r esse "potro" rebelde q u e nos c o n f u n d e e perturba a cada
passo.

A segunda daquelas cartas (29 de janeiro) estava assinada por outro furibundo "ra-
cionalista": L. Hernández F., cujo ódio para com este "repórter mercantilista" que lhes
fala foi tal que, em plena agonia, continuou enviando-me ameaçadores e insultuosos
"anônimos". Nessa comunicação ao diretor da Caixa Econômica de Álava dizia-se, en-
tre outras coisas: " . . . é lamentável que hajam dado facilidades no recente congresso de
UFOLOGIA àqueles senhores que se distinguem por sua linha sensacionalista, excluin-
do completamente os que estamos na linha científica. As conclusões, portanto, são alta-
mente desorientadoras para o público inadvertido que somente ouviu versões puramen-
te testemunhais, de modo algum experimentais, nas quais se baseia toda a ufologia sé-
ria, que trabalha com rigor.
"Seria justo que se desse oportunidade para um congresso de réplica, já que há
numerosos e valiosos elementos com títulos superiores, grande experiência e provada
capacidade científica."
Até esse momento a suspeita "chuva" de cartas — sempre engendradas pelos "ari-
fos" e jamais por um só dos numerosos assistentes ao Congresso (observe-se a suspeitís-
sima "coincidência" das colocações aspeadas em todas as cartas) — parecia perseguir
um duplo objetivo: desqualificar os conferencistas e organizar um novo Congresso, bem
à feição dos "santos e especiais". Mas as verdadeiras e secretas intenções destes virgi-
nais elementos não tardariam a manifestar-se. Antes de as revelar, não resisto a trans-
crever alguns dos saborosos comentários — todos cheios de veneno — do professor e
seus acólitos. Não tenho por que empenhar-me em defender os conferencistas daquele
Congresso. Dos seis "adventícios e praticantes das pseudociências" que tivemos a satis-
fação de nos dirigir ao público, ao menos cinco, que me lembre, somos titulados univer-
sitários. E nenhum de nós pode ser associado , nem direta nem indiretamente, a um as-
sunto tão escabroso como o do Edelweis. Tomem nota os jovens estudiosos do tema
ovni de como se pode manipular as palavras e os conceitos, com o único e repugnante
fim de desprestigiar. Menos mal que o autor da carta falava em nome da liberdade de
expressão... Claro que para estes "sepulcros caiados", como para o resto dos fanáticos,
a democracia bem entendida tem de passar pelo crivo dos seus interesses e suas premis-
sas. Os pobrezinhos que não comungam com seus parâmetros e colocações "são muito
dignos, mas sensacionalistas, desorientadores, mercantilistas e atrofiadores de cérebros".
Eu tinha entendido que a verdadeira democracia consiste no exercício do respeito mú-
tuo. Mas o mais lamentável é que esses "paladinos" da objetividade se arrogaram o
direito de julgar, subestimando a inteligência e a maturidade do público que assistiu ao
Congresso. Teria o evento nascido "estrábico" porque sua linha geral — argumento dis-
cutível, inclusive — estava aberta à hipótese extraterrestre? O mesmo não ocorreria se
houvesse vingado o Congresso que os "racionalistas" pleiteavam? Se "escolher" uma
temática, tão respeitável como qualquer outra, é um "atentado contra a liberdade de
expressão" e "um suicídio intelectual", que se pode esperar dos que pensam assim e
têm a ousadia de dizê-lo por escrito? Quanto àquilo de "ganhar adeptos" para nossas
respectivas "causas"(?), nem os escritores Ribera e Berlitz, que eu saiba, nem o psiquia-
tra Jiménez dei Oso, nem o jornalista E. de Vicente, nem o piloto e escritor José Anto-
nio Silva e muito menos esse "tritura-crânios" chamado J. J. Benitez jamais se preocu-
param com "fazer escola". Cada um, à sua maneira e do seu lugar, se limita a investi-
gar, difundir e expor seus achados, experiências e opiniões, sempre a título pessoal e
sem essas sujas e subreptícias intenções que se deduzem das imbecis afirmações dos "ari-

236
Se o caso anterior, o da Ilha Cristina, poderia admitir o quali-
ficativo de "transcendental", por seu especialíssimo significado,
o de Conil torna a romper os e s q u e m a s , ressuscitando u m a velha
crença: "eles estão aqui infiltrados c o m o u m a 'quinta coluna' ".
Mas r e t r o c e d a m o s até 6 de o u t u b r o do ano p a s s a d o (1989).
Nesse dia, ao receber pelo telefone a primeira notícia do sucedi-
fos". Já o diz o refrão: " O ladrão crê que todos são de sua laia."
Não tardariá, porém, como eu insinuava há pouco, que os "limpos e puros" re-
presentantes da "linha científica" revelassem suas verdadeiras e inconfessáveis inten-
ções. No fundo, como sempre, o que em verdade estimulava seus enfermiços neurônios
não era a possibilidade de ver magoada a decantada "ortodoxia". O que lhes causava
furor era verem-se marginalizados e ignorados. A inveja, neste nosso país, faz mais es-
tragos do que as estradas. E não é isso o pior. Como escrevia La Rochefoucauld: "O
invejoso é um doente incurável, mais daninho que um malfeitor." A tudo isto, como
a seguir veremos, deve-se acrescentar o "fantasma" do dinheiro. Para esses cínicos, dis-
torcedores e carentes de documentação, os palestrantes do famigerado Congresso éra-
mos negociantes. Mas quão verdade é que mais facilmente se pilha um mentiroso do
que um coxo! Porque em 14 de março, em uma nova carta ao diretor da Caixa Econô-
mica — confidencial, como as anteriores —, as peças começaram a encaixar-se. O leitor
compreenderá sem demora para onde eram disparados os tiros e por que estes falsários
foram apelidados de "sepulcros caiados".
"Muito estimado senhor" — começava o tal L. Hernández F. em nome da coleti-
vidade —. "Através de meu parente, o advogado***, soube que o Sr. teve a amabilida-
de de aceitar a intervenção em um simpósio, no recinto da Caixa e sob o seu patrocínio,
do fenômeno ovni. Também recebi sua carta de resposta em que me manifestava sua
boa disposição.
"Seria nosso desejo realizar os referidos atos nos dias 27, 28 e 29 do corrente,
de 7 às 9 da tarde, assim como (atenção ao parágrafo) receber a confirmação de que
seriam cobertos pela Caixa os gastos de viagem e estada para três pessoas de Bilbao,
uma de Madri, uma de San Setastian e uma de Valencia, no total de 6, assim como
receber de forma oficial a importante confirmação citada, em especial para o enge-
nheiro senhor Ballester Olmos de Valencia, que suplicaria lhe enviassem um adianta-
mento ou a possibilidade de cobrar ao chegar a Vitoria. É engenheiro da empresa
Ford de Almusafes e nos pediu desculpas por ver-se na necessidade de fazer tal
pedido..."
Oh, deuses do Olimpo! Seria real o que liam meus perversos e mercantilistas olhos?
Um engenheiro da Ford pedindo o "rango" adiantado? Mas não era esse senhor o "santo
dos santos" do rigor e da seriedade? Não podia ser. Aquilo do adiantamento ou da "pos-
sibilidade de cobrar ao chegar (não ao partir) a Vitória" tinha de ser um erro... Desde
quando a "flor e a nata" de investigação ovni — doutos professores e técnicos superio-
res — antepunham o "vil mental", tão próprio de charlatães, salvadores místicos e pra-
ticantes de pseudociências, ao generoso e honesto labor de "ensinar a quem não sabe"?
Mas este "devora-caminhos" não estava sofrendo de alucinação alguma. Dias mais tar-
de, em resposta à Caixa, que se havia declarado impossibilitada de realizar o simpósio
nas datas solicitadas, o recalcitrante porta-voz dos "arifos" voltava à carga, aceitando
os únicos dias "livres" (de 13 a 16 de maio), repisando, insistindo, como mosca de boi
no "trivial" capítulo das pesetas:
" . . . Rogo-lhe que me perdoe" — denunciava-se o "cientista" — "ao insistir so-
bre os gastos de viagem, estada, etc., de dois dias para cada participante, com reserva
de hotel para um acompanhante, e demais gastos à chegada a Vitória. Desejamos ape-
nas um tratamento igual ao que foi dado aos participantes não técnicos na recente reu-
nião ou congresso. Garanto-lhe a alta categoria das pessoas que vão dar conferências,
seis, no total, de fora de Vitoria..."

237
do na praia de Los Bateles, na citada povoação gaditana de Co-
nii, maldisse m i n h a a p a r e n t e m e n t e má sorte. Pela e n é s i m a vez,
a "nave-mãe" parecia zombar deste "devorador de caminhos". Ou
não era assim? Quero crer que minha reação era justificada: "ape-
nas" m e encontrava a oito mil quilômetros do lugar da cena...,
na cidade do México, e e m b a r c a d o em u m a nova e sedutora

Quanta razão encerra a máxima de Bentley: "Ninguém perde a reputação senão


por obra própria." E os responsáveis pela entidade que devia patrocinar tão "sério e
solene" congresso começaram a recear diante de tanta e tão irritante insistência em tor-
no de dinheiro, sempre a ser dado adiantadamente, "à chegada a Vitória". E não se
enganaram. La Fontaine teve uma frase genial, que calha como luva no caso dos "ari-
fos": " A avareza perde tudo pretendendo ganhar tudo."
Em 27 de março, impacientes, os "altruístas" dos ovnis acabavam revelando seu
jogo em outra carta que não poderíamos deixar de transcrever:
"Distinta Srta." — diz o documento, cuja fotocópia, aliás, instrui estas páginas
—. "Respondo sua pergunta telefônica sobre nossa proposta para cobertura dos gastos
do simpósio Ufologia Científica autorizado pelo diretor-geral, senhor***.
"Sugerimos duas modalidades para cobrir os gastos:
"1? Consignar globalmente 550 000 pesetas para todos os gastos, que nós distri-
buiremos na conformidade do que couber a cada conferencista, já que são desiguais es-
ses gastos (6 conferencistas de fora; 1 de Vitoria; 1 de Madri; 4 de Bilbao; 1 de San Se-
bastián; 1 de Valencia e 1 de Vitoria).
"2? Hotel com aposento duplo, por três dias, para seis pessoas, com ou sem acom-
panhante, com preço especial para a Caixa (chanceler Ayala), gastos de viagem, gasoli-
na, etc., em uma média total por pessoa de 67 000 pesetas, ou seja, 422 000 pesetas para
6 pessoas, com uma margem para algum imprevisto. Gastos diversos de preparação de
palestras, fotografias, diapositivos, boletim informativo ou convites, etc. Num total de
90 000 pesetas. Total geral, 512 000 pesetas.
"Aceitaríamos qualquer outra proposta da Caixa, já que não duvidamos por um
instante que nos será dado o mesmo tratamento — nunca inferior — recebido pelos par-
ticipantes do congresso anterior, de janeiro passado, a cargo de pessoal não científico..."
Esse "pessoal científico", selecionado para tal simpósio, era o seguinte: dom Fé-
lix Ares, dom Luis Hernández F., dom Gerardo Garcia, dom Ángel Rodriguez, dom
L. Gámez, dom J. Marcos Gascón e dom V. Ballester.
Três dias depois (30 de março), alarmados diante do significativo silêncio da Cai-
xa Econômica, o "porta-voz" dos "puros e limpos de coração" arremetiam pela enési-
ma vez, e nos já conhecidos termos: " . . . Dada a indiscutível capacidade científica dos
conferencistas no simpósio proposto, esperamos que o senhor expeça ordens para que
sejamos considerados não mais, mas nunca menos, que os anteriores componentes do
congresso de janeiro, que pertencem a outra linha, puramente testemunhal."
Como eu dizia, a ambição acabou por furar o saco. O que esses "cientistas de alta
capacidade" não sabiam era que as "verbas" recebidas pelo abominável pessoal do con-
gresso anterior teriam despertado o riso e a incredulidade de qualquer cidadão que não
enxergasse dois dedos adiante do nariz. Mas, como os fatos falam mais do que as pala-
vras, aí vão as contas: A. Ribera, a título de viagens, 15 000 pesetas; estada (duas noi-
tes), 10 000 pesetas; alimentação, 15 000; cachê por duas conferências, 30 000. Total:
70 000 pesetas. Charles Berlitz, pelas passagens de avião dos Estados Unidos, traslado
para Vitoria e estada, 520 000 pesetas. Cachê pela conferência, 0 pesetas. Total: 520
000 pesetas. Doutor Jiménez dei Oso, pela viagem, 15 000 pesetas; estada (duas noites),
10 000; alimentação, 20 000. Cachê pela conferência: 0 pesetas. Total: 45 000 pesetas.
E. de Vicente: viagem, 15 000 pesetas; estada em Vitoria (uma noite), 5 000 pesetas; ali-
mentação, 5 000. Cachê pela conferência, 0 pesetas. Total, 25 000 pesetas. J. A. Silva,

238
significado dos diferentes símbolos que o integram: " Z o n a superior. Indicados
pelo 'microprosopus', alguns círculos que representam a eternidade e que
estão assinalados com a legenda 'eis tons aionas, a m é m T p a r a sempre,
amém'). No centro, u m rosto radiante indicado como 'é doxa' (a glória) e uma
mão que mostra o signo da Trindade. À esquerda, 'gnosis'(o conhecimento). À
direita, ' A z i l u t h ' , que é um equivalente hebreu e significa t a m b é m a grande
unidade do Universo inteiro (mundo da Emanação) e seus três níveis. O
primeiro — 'Briah'- é o mais elevado (mundo da Criação), estando simbolizado
por um triângulo sobre uma cruz (21 ' figura do Tarot); quer dizer, o
septenário: a mais alta iniciação.
" Z o n a média. Surgindo das nuvens do véu que desce do ' A z i l u t h ' , u m livro: o
do conhecimento que v e m do mundo superior e que se oferece à inteligência
(polegar para cima) que domina a matéria (os outros quatro dedos, que pouca
função t ê m sem a ajuda do polegar). Este símbolo está assinalado como 'O
Poder'. À esquerda, 'Psiquê' (a alma humana ou do mundo). À direita,
'Jezirah': sede de 'Ruash', a alma. Sede, por sua vez, da vontade humana e,
para que não haja dúvidas sobre o mundo representado, o símbolo do mercúrio
(a luz astral ou fluido Universal).
" Z o n a inferior. Alguns pés assentam sobre rocha. A rocha traz a legenda 'a
Rainha'. Os pés posicionam-se em sentido contrário e sustém colunas (escura
e clara) que se projetam para cima, nas nuvens do m u n d o da Formação. Essas
colunas do templo de Salomão são 'Jakin'(a branca, que representa o espírito)
e 'Bohas' (a escura, a matéria). Vale dizer, a confrontação dos contrários:
necessários para a evolução. E t u d o isso no mundo indicado como ' A z i a h ' e
' H y l é ' : a Realização, sede do corpo físico e o princípio vital. Símbolo: um
quadrado, ou seja, a Terra, a matéria, o quaternário, o ternário que se projeta
no mundo. Entre as duas colunas, a Lua, que simboliza o íntimo da matéria e
sua dominação pelo espírito.
" E m toda a parte direita, j u n t o ao mundo correspondente, aparecem repetidos
os nomes dos outros m u n d o s , significando a inter-relação entre e l e s . " (De " A
Chave dos Grandes M i s t é r i o s " , de Eliphas Lévi.)
a v e n t u r a q u e só estaria c o n c l u í d a e m fevereiro d e 1990, a o final
do mês. A g u a r d a v a m - m e sete países a m e r i c a n o s e d e z e n a s d e pes-
quisas. Fiel à c o n d i ç ã o h u m a n a , p r o c u r e i justificar-me. C o m o é
sábio o a d á g i o : " S ó os h o m e n s g o s t a m d e justificar o s s e u s atos;
os d e u s e s n ã o p r e c i s a m fazê-lo."
R e s i g n a d o , optei p o r o c u p a r - m e da única coisa q u e p o d i a fa-
zer a distância: reunir u m m á x i m o d e i n f o r m a ç õ e s e m t o r n o d o
novo " c o n t a t o i m e d i a t o " .
No â m b i t o da i m p r e n s a , o " f u r o " a c e r c a d o i n c i d e n t e d e Co-
nil c o u b e a o Diário de Cádiz (5 d e o u t u b r o , quinta-feira). Dias an-
tes, a c a d e i a SER havia v e n t i l a d o o a s s u n t o , i n t e r r o g a n d o a s tes-
t e m u n h a s q u e a f i r m a v a m haver visto t r ê s g i g a n t e s c o s s e r e s na
praia d e "Los Bateles". Mas, n ã o sei s e a f o r t u n a d a ou desafor-

pela viagem, 15 000 pesetas; estada (uma noite), 5 000 pesetas. Caehê pela conferência,
0 pesetas; alimentação, 5 000 pesetas. Total: 25 000 pesetas.
Quanto ao "grande mercantilista" (leia-se J. J. Benitez), por viagens, 0 pesetas;
estada, 0 pesetas; alimentação, 0 pesetas; cachê, 0 pesetas. Total: 0 pesetas. Melhor di-
zendo, minto como um velhaco. Agora me lembro: a Caixa fez questão de reembolsar-
me, após muita insistência, as 9 000 pesetas que eu gastara na compra de uma corrente
que me permitiu vencer a nevasca caída naqueles dias em Alava e que pôs em risco mi-
nha presença no polêmico congresso.
Bastam uns poucos cálculos para constatar que, com exceção do senhor Ribera
(15 000 pesetas por conferência), os demais "desprezíveis mercantilistas" não cobraram
um centavo sequer por sua participação, limitando-se a uns poucos gastos de viagem
(sempre à "saída" de Vitoria), quase simbólicos. Uma coisa são as patranhas e a male-
dicência e outra coisa, muito diferente, é a realidade nua.
Em 1? de abril os responsáveis pela entidade financeira, muito judiciosamente,
cancelaram o projeto, argumentando com a "ausência de razão de ser". E em parte era
uma verdade. Mas minhas informações confidenciais iam mais longe: as noventa mil
pesetas por cabeça exigidas por esses falsários foram vistas como simplesmente abusi-
vas. A reação, está claro, não demoraria. E durante esse mês de abril continuaram che-
gando cartas e cartas na sede da Caixa Econômica de Álava, todas elas empapadas em
veneno. Um familiar curare, característico desses "amantes da liberdade de expressão
e da tolerância". Vão aí as provas:
" . . . Pedimos-lhes por favor que compreendam que um grupo de técnicos e cientis-
tas não deve ser menosprezado com relação a outro puramente jornalístico e sensacio-
nalista, cujas palestras carecem de rigor..." (13 de abril, assinada por L. Hernández F.)
" . . . Por outro lado, os que adotamos uma linha distanciada do sensacionalismo
e do comercialismo não atacamos as pessoas, apenas mostramos as inexatidões, tergi-
versações e manipulações em que incorrem aqueles que apenas buscam no tema o bene-
fício econômico. Digo-lhe isto para o caso de que pensam que incorremos em afirma-
ções gratuitas..." (17 de abril, assinada por L. A. Gámez.)
"Afirmações gratuitas?" Uma linha afastada do "comercialismo"? Um grupo "jor-
nalístico e sensacionalista"? Gente que "só busca no tema o benefício econômico"? A
vista destes documentos e cifras, é o caso de perguntar: ou estes senhores, em lugar de
oxigênio, respiram cinismo, ou precisam urgentemente de uma "cura de repouso".
Mas essas torvas manobras, insisto, constituem apenas uma mínima e "inocente"
parte do que chegou às minhas maquiavélicas mãos.
Haverá tempo e oportunidade para continuar desmascarando esses tipos. (N. de
J. J. Benitez.)

240
t u n a d a m e n t e , cinco dias m a i s t a r d e (10 d e outubro), a perestroi-
ka c o m i a vivo o a v i s t a m e n t o " e s p a n h o l " . Para s u r p r e s a d e m e i o
m u n d o , a a g ê n c i a d e notícias T a s s — pela primeira vez e m s u a
história — noticiava u m a a t e r r i s s a g e m ovni, c o m d e s c i d a d e tri-
p u l a n t e s , na c i d a d e soviética d e Voronezh. E, c o m o eu disse, e s t e
a c o n t e c i m e n t o eclipsou o "hispânico". Na realidade, a m b o s os fa-
t o s se h a v i a m d a d o a l g u n s dias a n t e s . O russo, e m 2 7 d e s e t e m -
bro; o andaluz, dois d i a s depois, 2 9 . E s s e s d a d o s p r e l i m i n a r e s de-
v e m ser t i d o s e m c o n t a , d i a n t e d o a c ú m u l o d e notícias e c o m e n -
tários insensatos e d e s p r o p o s i t a d o s q u e surgiriam posteriormente.
Pois b e m , e m 16 d e o u t u b r o , ou seja, p r e c i s a m e n t e dezesse-
te dias d e p o i s d o " c o n t a t o " d e Conil, o s " s e v e r o s rigoristas" d e
s e m p r e já h a v i a m e n c o n t r a d o u m a " e x p l i c a ç ã o racional e defini-
tiva". E, m a i s u m a vez a l a r d e a n d o p r u d ê n c i a e e s m e r o , a p r e s s a -
ram-se a dá-la a c o n h e c e r a o s m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o . Na d a t a re-
ferida, o Diário de Cádiz — e m u m i n g ê n u o g e s t o d e c o n f i a n ç a
p a r a c o m e s s e s " e s t u d i o s o s " d o s ovnis — retratava-se a n u n c i a n -
d o q u e " o s e x t r a t e r r e s t r e s d e Conil e r a m s i m p l e s o p e r á r i o s britâ-
nicos que estendiam um cabo telefônico".
Ao m e u regresso à E s p a n h a encontrei, portanto, u m c a s o teo-
r i c a m e n t e resolvido e e n c e r r a d o . Q u e a t i t u d e t o m a r ? Dar p o r vá-
lidas a s i n t e r p r e t a ç õ e s d o GEIPO (Grupo E s p a n h o l d e Investiga-
ç ã o d o F e n ô m e n o Ovni) d e Cádiz? S i n c e r a m e n t e , se a s investiga-
ç õ e s h o u v e s s e m sido feitas por u f ó l o g o s " i n d e p e n d e n t e s " , eu, fiel
a o s m e u s princípios, a s c o n s i d e r a r i a positivas. M e u s c o m p a n h e i -
ros i n v e s t i g a d o r e s " d e c a m p o " s a b e m disso m u i t o b e m : j a m a i s
"reinvestigo" u m caso q u e tenha sido p e s q u i s a d o e e s m i u ç a d o por
h o m e n s h o n e s t o s , c o m experiência e, s o b r e t u d o , " n ã o vampiri-
zados". Seria d e m a u g o s t o e p o u c o prático. Mas, n o c a s o GEIPO
— por q u e usar d e p a n o s q u e n t e s e d i p l o m a c i a —, as c o i s a s n ã o
e s t a v a m n e m m e d i a n a m e n t e claras. E m m e u s a r q u i v o s f i g u r a m
" p a p é i s c o n f i d e n c i a i s " q u e d e n u n c i a m esta " s u b m i s s a e incondi-
cional servidão" a o s " s u m o s s a c e r d o t e s " e e m especial a o "Hitler"
e " g r ã o - v a m p i r o " v a l e n c i a n o , b e m c o n h e c i d o (e, a partir d e ago-
ra, c o n h e c i d o e m " p r o f u n d i d a d e " ) d o s s e g u i d o r e s d e ovnis. E s t a s
s u s p e i t a s se v e r i a m c o n f i r m a d a s p o r a l g u n s d o s e x c e l e n t e s inves-
t i g a d o r e s "de c a m p o " da zona — t o d o s eles a l h e i o s a o GEIPO —
e que, e m r e s p o s t a às m i n h a s dúvidas, m a n i f e s t a r a m s e u d e s c o n -
t e n t a m e n t o pelo p r e c i p i t a d o e ridículo t r a t a m e n t o c o n c e d i d o às
t e s t e m u n h a s d e Conil. E e m 8 de m a r ç o d o p r e s e n t e a n o (1990)
i n a u g u r a v a eu a s p e s q u i s a s e m c o m p a n h i a d e m e u b o m a m i g o
e investigador Rafael Vite, c o m p e t e n t e , c o m g r a n d e d i s p o s i ç ã o
e u m a e x c e l e n t e estrela, e a q u e m c o u b e facilitar m e u a c e s s o a o s
p r o t a g o n i s t a s do c a s o . A l g u m a s d a s n o t a s e c o m e n t á r i o s da im-
p r e n s a , t ã o e s c a s s o s d e c a r i d a d e e b o m g o s t o c o m o d e u m a míni-

241
ma d o c u m e n t a ç ã o , haviam contribuído para perturbar a atmos-
fera de u m a povoação "onde todo m u n d o se conhece". Assim, com
razão, várias t e s t e m u n h a s c o m e ç a v a m a negar-se a repetir seus
d e p o i m e n t o s . Eu já disse e confirmo: os verdadeiros p r o b l e m a s
de q u a n t o s c o n s e g u e m avistar u m ovni c o m e ç a m depois...
A parte maior da investigação se prolongaria até o m ê s de
agosto do m e s m o a n o de 1990. Dada a natureza de alguns dos
fatos que c o m p õ e m o acontecimento, devo dizer que não cheguei
ainda ao "fim do túnel". O que, todavia, não significa que deva
"congelar" o m e u trabalho. O q u e resta a elucidar v e m a ser u m a
espécie de "epílogo", já enunciado anteriormente: "eles estão aqui,
c a m u f l a d o s e infiltrados...".
C o m o eu já disse, entre m a r ç o e a g o s t o tive o p o r t u n i d a d e de
interrogar os cinco observadores principais em diferentes m o m e n -
tos e e m circunstâncias diversas. Apesar da c o m p l e x i d a d e e lon-
ga d u r a ç ã o da história não consegui surpreendê-los e m u m único
erro, falha ou contradição que p u d e s s e fazer duvidar da autenti-
cidade do "contato". Aí estão as gravações e a n o t a ç õ e s que o ates-
tam. E, felizmente, n ã o fui o único a abordar o caso. Outros in-
vestigadores "de c a m p o " , a n t e s ou ao m e s m o t e m p o que eu, en-
traram c o m g a n a s no assunto, "virando no avesso as t e s t e m u n h a s
e esvaziando-as", s e g u n d o a feliz expressão de J e s ú s Borrego Lo-
pez, outro veterano e consciencioso " s a b u j o " gaditano.
Aqueles que adquiriram u m m í n i m o de experiência e m inter-
rogatórios s a b e m muito b e m que, e m caso de fraude, na s e g u n d a
ou q u a n d o muito na terceira conversa o interrogado "cai". Mais
ainda q u a n d o e m vez de se tratar de u m a só t e s t e m u n h a , a histó-
ria se divide e m cinco fabuladores... s u b m e t i d o s ao b o m b a r d e i o
de um b o m p u n h a d o de jornalistas e ufólogos.
Mas agora é hora de ir e n t r a n d o no caso, e x a t a m e n t e c o m o
m e foi n a r r a d o pelos cinco jovens, t o d o s m o r a d o r e s de Conil
e c u j a s identidades — por desejo expresso deles — não p o s s o
revelar. S e u s p r e n o m e s e idades são os seguintes: Isabel (dezes-
sete anos), Loli (vinte e três), Lázaro (catorze, irmão de Isabel),
Pedro (dezenove) e u m s e g u n d o Pedro (vinte e u m anos, que
chamarei de Pedro G. para evitar confusões). T o d o s eles rapazes
e m o ç a s simples, s e m a n t e c e d e n t e s suspeitos de n e n h u m tipo
e considerados "gente n o r m a l " nos círculos policiais, clínicos,
escolares e familiares que a m a v e l m e n t e colaboraram em m i n h a s
indagações.
Tudo c o m e ç o u em m e a d o s de s e t e m b r o de 1989. O fluxo tu-
rístico de Conil começava a declinar. Certo dia, à tardinha, dois
casais, c o m o tantos outros, f o r a m ao passeio Marítimo, localiza-
do n u m d o s e x t r e m o s do p o v o a d o e paralelo à longa e larga praia
de Los Bateles. Os jovens e r a m Loli, Pedro, Isabel e Pedro G. O

242
Jluii 4j*tnindr) TtancA
Md» HIJOS DE VALERIANO FEKIZ, S.
B i l b a o 27 Hlarzo 1985
Fotocópia da carta enviada à Caixa
Econômica de Álava pelo porta-voz
da chamada " l i n h a científica, séria
e r i g o r o s a " da Ufologia espanhola.
Srta. M B M W H B M Sem comentários...
N - g o c i a d o da Obras So&uales da l a
Caja da flhorros P r o v i n c i a l de A l a i
01004 VI TORI A

D i s t i n g u i d a_ S r t a . C o n t e s t o (_ su p r e g u n t a por tt
l e f .o n o . . „ . - t r a propuesta para c u b r i r ga3tos d e i
nposia s o b r e U f o l o g i a c i e n t i f i c a a u t o r i z a d o por e l
Directo ' S&X2J9S OB &L&YVCV"

r
Sugerimos dos i p o d a l i d a d e s para s u f l r a g a r l o s na:

1 9 . - A s i g n a r g l o b a l m e n t e 5 5 0 . 0 0 0 p t a s . por t o d o s 1«
g a s t o s que n o s o t r o s d i s t r i b u i r e m o s con a r r e g l o a 1; <s/5>SE2& SLÜMtft
p r o d u c i i i o s por cada c o n f n r e n c i a n t e , ya que son desi-
g u a l e s d i c h o s g a s t o s . ( 6 c o n f e r e n c i a n t e s de f u » r a
uno de V i t o r i a : 1 de foadrid, 4 de B i l b a o , 1 de Son
b a s t i a n , 1 de V B l - n c i a y 1 de V i t o r i a .

2 » . - H o t e l h o b i t a c i o n d o b l e , p o r a 3 dias para 6 p - r
nas con o s i n acompafiante c o n p r e c i o e s p e c i a l para
C a j a , ( H . C a n c i l l e r A y a l a ) . g a s t o s de v i a j e , g a s o l i n a
e t c . una media t o t a l por p e r s o n a de 67000 p t a s , p o r
6 p e r s o n a s , 4 2 2 . 0 0 0 p t a s , a l aPIadir a l g u n i m p r e v i s t
Gostos v á r i o s de p r e p a r a c i o n de p o n e n c i a s , f o t o s , d i
sitivas.bolentin informativo o invitaciones etc. '
un t o t a l de 9 0 . 0 0 0 . T o t a l g e n e r a l 512.000 p t a s .

A c e p t a r i a m o s c u a l . - u i e r o t r a p r o p u e s t a de l a C
i <|ue i dudai i por
i g u a l - nunca i n f e r i o r -
a1 a n t e r i o r c o n g r e s o d« Z MÉT12« APX.
,no c i e n t i f i c o .
Para r e f e r e n c i a s mias c ganizador,i
dar *r\ esa el- abogado I

Adjuntamos d a t a s complemei os para su cono


c i m i e n t o y l e rogamos sea t a n t e de c o n t e s t a r r
dnndonos su i m p o r t a n t e o p i n i o n reta.Saludale

4:
A s p e c t o dos seres de " t ú n i c a s "
brancas que surgiram sobre
a água, na praia gaditana de Conil. 7VNICÜ o SIMI LaK.
(Desenho de Juan Bermúdez.) SL-K>uc A

A imensa praia de Los Bateles, em Conil (Cádiz), cenário dos fatos.


(Foto de J. J. Benitez.)
p a s s e i o t r a n s c o r r i a n o r m a l m e n t e a t é que, ali p e l a s oito e m e i a ou
nove h o r a s — já e n t r a d a a n o i t e — a l g o c h a m o u - l h e s a a t e n ç ã o :
— Era u m a luz a v e r m e l h a d a . Estava imobilizada s o b r e a zo-
na d o p o r t o , n o c a b o d e Roche. E, a p e s a r da distância, m a i s d e
cinco q u i l ô m e t r o s e n t r e a n o s s a p o s i ç ã o , e m Los Bateles, e o es-
pigão, n ó s a v í a m o s g r a n d e e r e d o n d a c o m o u m a bola d e f u t e b o l .
Q u a l q u e r coisa a s s i m c o m o u m a lua cheia, m a s d e u m a tonalida-
de vermelho-laranja.
A o b s e r v a ç ã o , s e g u n d o a s t e s t e m u n h a s , p r o l o n g o u - s e por cer-
ca d e m e i a hora. D e p o i s disso, a "luz" p e r d e u - s e n o h o r i z o n t e a t é
converter-se e m u m p o n t o e d e s a p a r e c e r . O fato, c o m o é óbvio,
i m p r e s s i o n o u o s jovens. E no dia s e g u i n t e , t a m b é m a o pôr-do-sol,
v o l t a r a m a o p a s s e i o Marítimo, a g o r a m u n i d o s d e b i n ó c u l o s d e
7 x 5 0 de aumento.
— E a "luz" surgiu à m e s m a hora e na m e s m a p o s i ç ã o : n o
p o e n t e , e s t á t i c a e a u n s d u z e n t o s m e t r o s s o b r e o nível d o m a r .
Cada u m d e n ó s u s o u o b i n ó c u l o e t o d o s v i m o s o m e s m o : u m a
m a s s a circular, v e r m e l h a e c o m q u a t r o f o c o s b r a n c o s a o c e n t r o
f o r m a n d o u m q u a d r a d o . A u m d e t e r m i n a d o intervalo emitia u m a
cintilação. E m m e i a hora a f a s t o u - s e m a r a d e n t r o , p e r d e n d o - s e . E
assim foi a c a d a noite, d u r a n t e c a t o r z e ou q u i n z e dias. S e m p r e
a m e s m a luz, p o n t u a l c o m o u m relógio e s o b r e o c a b o . Nós to-
dos, e m n o s s a c u r i o s i d a d e , p e r m a n e c í a m o s na praia a t é dez ho-
ras ou mais, para o c a s o d e q u e ressurgisse.
— N e s s a s d u a s s e m a n a s o c o r r e u a p a s s a g e m d e aviões d e
combate ou de helicópteros?
— E m m o m e n t o a l g u m . Ao m e n o s n e s s e s q u i n z e dias.
E c h e g o u a sexta-feira, 2 9 d e s e t e m b r o . A notícia da estra-
n h a "lua c h e i a " havia u l t r a p a s s a d o o s círculos m a i s í n t i m o s d a s
testemunhas.
E n e s s a n o i t e u m q u i n t o o b s e r v a d o r s e uniria a o g r u p o :
Lázaro.
— ... E ali p e l a s oito e m e i a , s e g u i n d o o c o s t u m e , f o m o s sen-
tar na praia, b e m e m f r e n t e a o bar "Los Corales".
De a c o r d o c o m as m e d i ç õ e s e f e t u a d a s in loco, a distância en-
tre o p a s s e i o Marítimo, local e m q u e está o r e s t a u r a n t e , e a faixa
d e areia e m q u e e s t a v a m s e n t a d o s o s j o v e n s era d e u n s t r e z e n t o s
metros, aproximadamente.
— ... A m a r é era v a z a n t e e o litoral estava p r a t i c a m e n t e de-
serto. No m a r n ã o se via b a r c o a l g u m . E d e p o i s d e u n s quinze mi-
n u t o s d i s t i n g u i m o s n o alto u m s e m i c í r c u l o . T o m a m o s o b i n ó c u l o
e d e s c o b r i m o s n o c e n t r o da "meia-lua c h e i a " o u t r o g r u p o d e fo-
cos, m a s v e r m e l h o s . F o r m a v a m u m a e s p é c i e d e triângulo. Aque-
le o b j e t o p r o c e d i a d o m a r e cruzou e m silêncio s o b r e n o s s a s

244
cabeças, r u m o ao povoado. Durante alguns m o m e n t o s ficamosf
comentando o fenômeno...
— Havia aparecido já a primeira "luz", aquela q u e vocês vi-
n h a m observando todas as noites?
— Sim, c e r t a m e n t e . Essa p e r m a n e c i a , c o m o s e m p r e , imó-
vel sobre o cabo. Logo depois, u m a vez desaparecido o "semicír-
culo", b e m e m cima de nós a p a r e c e u u m a terceira "luz". Não ti-
nha f o r m a ou pelo m e n o s não p u d e m o s distingui-la. Era um cin-
tilar contínuo. A seguir, f o m o s s u r p r e e n d i d o s por algo curioso:
a "luz" que t í n h a m o s sobre nós lançava três f o g a c h o s ( c h a m e m o -
los assim), e a "vermelha", a que estava ao oeste, respondia c o m
dois. E assim c o n t i n u a m e n t e , s e m parar.
— Quanto t e m p o durou o "intercâmbio" de sinais luminosos?
— Mais ou m e n o s meia hora.
— Notaram a l g u m a cadência precisa?
— Variava. As vezes u m a emitia d u a s cintilações e a outra
replicava c o m três. E vice-versa. Aquilo, naturalmente, nos im-
pressionou. Passava-se ali alguma coisa muito rara. De repente,
p e n s o que pelas nove horas, vimos na orla duas figuras, dois se-
res, dois indivíduos...
— Viram q u a n d o c h e g a r a m ?
— Não. Q u a n d o p e r c e b e m o s já ali estavam, a uns cinqüenta
m e t r o s e de costas. Dentro d'água...
Ainda que o nervosismo não tardasse a se apossar do grupo,
os jovens continuaram observando c o m o binóculo. Isso permitiu-
lhes captar u m considerável n ú m e r o de detalhes.
— Num primeiro m o m e n t o nos a l a r m a m o s . Era u m a "gen-
te" muito estranha; altos, talvez dois metros, c o m u m a vestimen-
ta branca que ia até o chão. As c a b e ç a s t a m b é m e r a m brancas,
s e m cabelo e s e m cara...
— Q u e tipo de vestimenta?
— Qualquer coisa parecida c o m as túnicas dos m e n i n o s de
coro: folgadas e c o m m a n g a s que ocultavam as mãos.
Ao observá-los c o m o binóculo, u m a das moças, assustada,
sugeriu ao grupo a "imediata retirada". Pedro, mais p o n d e r a d o ,
repeliu a idéia, desejoso de averiguar melhor "o que era aquilo"...
— "E se f o s s e m dois gozadores?" — lembrou Pedro G.
A idéia não era disparatada.
— P e n s a m o s nisso, claro. Podia tratar-se de dois farsantes
envoltos em um lençol. Mas havia algo e s t r a n h o que nos fez afas-
tar essa possibilidade: o "branco" das túnicas era diferente do das
cabeças.
— Por quê?
— O da pele ressaltava c o m mais intensidade.

245
— Vocês disseram que eles surgiram de pé s o b r e a água...
— Na m e s m a praia.
— As vestes estavam m o l h a d a s ?
As mulheres, geralmente mais capazes de reter detalhes, res-
p o n d e r a m s e m vacilação:
— Sim, m a s isso não parecia importar-lhes. A água, certa-
mente, molhava a parte inferior das túnicas e s u p o m o s que tam-
b é m os pés. Entretanto, e m m o m e n t o algum e r g u e r a m a roupa...
E os e s t r a n h o s "seres" — s e g u n d o as t e s t e m u n h a s — puse-
ram-se a caminhar, saindo da água...
— ... E se dirigiram para nós. T i n h a m u m andar i g u a l m e n t e
diferente, lento. C o m o se lhes fosse difícil mover-se. Os b r a ç o s
p e r m a n e c i a m colados ao corpo. Q u a n t o às pernas, n ã o n o t a m o s
que se flexionassem. T a m b é m nos l e m b r a m o s de que as túnicas
eram muito largas...
— Pisavam a areia?
Os jovens hesitaram.
— A verdade é que não s a b e r í a m o s dizer. A p a r e n t e m e n t e ,
as túnicas c h e g a v a m ao solo, o c u l t a n d o os pés.
— E que s u c e d e u ?
— Nada, pois s a í m o s correndo.
— Por quê?
— Q u a n d o os vimos se a p r o x i m a n d o e n t r a m o s em pânico.
E fugimos...
— Q u a n t o s passos podiam haver dado os "seres", q u a n d o vo-
cês fugiram, a partir do primeiro "lugar de observação"?
— Talvez vinte ou trinta. E logo p a r a r a m e nos d e r a m as cos-
tas. E ficaram olhando para a "luz" vermelha, a do porto.
— Mas c o m o p o d e m lembrar esses detalhes se estavam e m
plena f u g a ?
— Q u a n d o o nosso g r u p o saiu correndo, os seres p a r a r a m .
E foi q u a n d o nós t a m b é m p a r a m o s que eles nos deram as costas...
— A que distância se encontravam os dois q u a n d o vocês saí-
ram c o r r e n d o ?
— Não mais de vinte metros. E c o m n ã o p o u c a s dificulda-
des c o n s e g u i m o s que os â n i m o s se a c a l m a s s e m e o grupo se co-
locasse a u m a distância prudente.
— A que distância?
— ü m pouco mais além: ao redor de trinta metros.
— S u p o n h a m o s que o g r u p o n ã o tivesse sentido m e d o . Q u e
a c h a m que teria acontecido?
— Não f a z e m o s idéia. O que está claro é q u e se dirigiam a
nós.
— P e r c e b e r a m no avanço deles a l g u m ar hostil?
— Não, m a s as figuras (idênticas em tudo) e r a m de impres-
sionar.

246
Reconstrução da " c o v a " e da pequena " m u r e t a " de areia, onde se deitaram
os dois seres de " t ú n i c a s " brancas. A o fundo, Conil. Assinalado pela flecha, o
lugar pelo qual o estranho " p a r " entrou no povoado.

Reconstrução das pegadas aparecidas na noite


de 2 9 de setembro de 1 9 8 9 na praia
de Los Bateles, em Conil.

. pegadas deixadas
<1 ureia pelo
liomem" e pela
mulher".
llnenhos de Juan Bermudez.)
— Idênticas?
— Iguaizinhas. Pareciam g ê m e a s .
— Prossigamos.
— E e n q u a n t o p e r m a n e c i a m de costas...
— C o m o e r a m essas "costas?" — interrompi-os de novo.
— A m e s m a coisa que a "frente".
— Então, c o m o podiam saber que se a c h a v a m "de costas"?
— P o r q u e giraram. E foi aí q u e vimos o que d e n o m i n a m o s
"estrela c a d e n t e " . E n q u a n t o olhavam a luz a v e r m e l h a d a do ca-
bo, "algo" precipitou-se para a praia. E a coisa de m e i o metro de
suas c a b e ç a s se "apagou", d e s a p a r e c e n d o . Era p e q u e n o . Talvez
c o m o u m a bola de tênis e de u m a cor branco-azulada. Estranha-
m o s que surgisse a cinco ou seis m e t r o s sobre os seres. E q u a n d o
pensávamos que iria chocar-se contra eles, esfumou-se no ar. Che-
g a m o s até a agachar-nos, p e n s a n d o que ia nos atingir.
— Qual foi a atitude d o s seres?
— Nem se m o v e r a m . E assim que se a p a g o u a "estrela ca-
dente" f o r a m sentar-se na areia e c o m e ç a r a m a escavar ao seu
redor...
— Um m o m e n t o . Não e x e c u t a r a m u m só m o v i m e n t o ao ve-
rem a queda ou a a p r o x i m a ç ã o do que vocês c h a m a m de "estre-
la"?
— Nada. E há mais: tivemos a impressão q u e a e s p e r a v a m .
— Recordam da " f o r m a " c o m o se s e n t a r a m ?
— Normal. Do contrário nos teriam c h a m a d o a atenção. O
que p o d e m o s dizer é que se m a n t i n h a m muito eretos. S e n t a d o s ,
m a s rígidos. E os dois muito juntos, ü m ao lado do outro. Ao
r e m o v e r e m a areia v í a m o s os m o v i m e n t o s d o s s e u s braços; me-
lhor dizendo, das suas m a n g a s . Era c o m o se, ao formar a q u e l e s
montinhos, p r e t e n d e s s e m ocultar-se. Logo mais deitaram-se de
costas e essa "muralhazinha" os m a n t e v e semi-ocultos.Segundo
os jovens, esse ato de "deixar-se cair de costas" foi simultâneo.
— ...E além de o fazerem par a par, os c o r p o s se inclinaram
"rígidos" c o m o paus... S e m dobrar-se n e m apoiar os braços.
— Q u a n t o t e m p o p o d e r i a m ter levado para erguer a m u r e t a
de areia?
— Muito pouco. Coisa de cinco ou seis s e g u n d o s . Foi ver e
n ã o ver.
— E o binóculo? Continuavam u s a n d o ?
— Claro; e o p a s s á v a m o s um para outro s e m cessar. E os co-
m e n t á r i o s e r a m os mais variados... S o b r e o cintilar da luz, sobre
os seres, sobre a areia...
— E o "intercâmbio" de luzes no céu, continuava?
— S e m parar.

248
A julgar por seus depoimentos, vários dos rapazes, nesses mo-
m e n t o s de m e d o e tensão, falaram e m fugir. Foi Pedro que, mais
sereno, conseguiu retê-los.
— ... E assim que se recostaram vimos brilhar u m a esferazi-
nha azul que c o m e ç a r a m a passar u m para o outro. Isso durou
alguns s e g u n d o s . Talvez uma meia dúzia de vezes...
Nesses instantes críticos, q u e m fazia uso do binóculo era Pe-
dro G. De r e p e n t e ele se desfez do binóculo e a b a n d o n o u o grupo
correndo. O outro Pedro saiu atrás dele, alcançou-o e procurou
serená-lo. P e r g u n t a d o por que fugira daquela maneira, Pedro G.
explicou q u e havia visto um terceiro ser, aos pés dos o u t r o s dois
que estavam deitados na praia. Era muito mais alto, ao redor de
três metros, vestia-se t o t a l m e n t e de preto e tinha u m a e n o r m e e
m o n s t r u o s a cabeça e m f o r m a de pera invertida. Avisadamente,
n e n h u m deles c o m e n t o u o assunto c o m os outros três restantes.
Voltaram para o g r u p o e Pedro, então, a p a n h o u o binóculo e fez
u m a busca visual ao redor do par que permanecia deitado. O re-
sultado foi nulo. Do terceiro ser n ã o havia sinal.
— C o m o é possível que só Pedro G. o visse?
— Em parte, p e n s a m o s , porque tinha o binóculo no m o m e n -
to e p o r q u e os d e m a i s estavam a t e n t o s à esferazinha azul e aos
dois seres.
— Falem da "esferazinha"...
— Parecia ter luz própria. Azulada. Não faiscava. Era peque-
nina c o m o u m a bola de pingue-pongue. E de repente desapareceu.
E logo a seguir, coisa de quatro a cinco segundos, os que estavam
deitados na areia se ergueram. Mas, para nosso assombro, eram
agora duas p e s s o a s normais. CJma h o m e m ; outra, mulher. Ele, al-
to, com calças j e a n s e u m a camisa. Ela, com cabeleira longa, u m a
blusa e u m a saia larga. Ficamos mudos. Aturdidos. E n t ã o
colocaram-se um em frente do outro, voltaram-se na direção do po-
voado e partiram, c a m i n h a n d o c o m o se nada houvesse ocorrido.
— Fizeram o gesto habitual de sacudir a areia da roupa?
— Não. N e n h u m d o s dois.
— C a m i n h a v a m c o m dificuldade?
— Não. A n d a v a m c o m o qualquer pessoa sã e normal.
— Olharam para vocês?
— S u p o n h o que não. Continuaram s e m deter-se e nós fica-
m o s a observá-los, ainda entre atônitos e atemorizados. "Aquilo"
foi incrível. J a m a i s poderíamos imaginar coisa igual. Simplesmen-
te, "transformaram-se".
— Estão certos disso? Não poderia ter havido uma confusão?
— De m o d o n e n h u m . Nós cinco os vimos. Eram dois seres
c o m túnicas brancas. Deitaram-se e, ao levantar-se, apresentavam
outro aspecto.

249
Desta vez dirigi-me às m o ç a s .
— Qual foi a p r i m e i r a coisa q u e c h a m o u a a t e n ç ã o de v o c ê s
nesse " n o v o a s p e c t o " ?
— O c a b e l o . O s d a s t ú n i c a s e r a m ou p a r e c i a m calvos. O ho-
m e m e a m u l h e r , a o contrário, t i n h a m c a b e l o longo.
— O "homem" também?
— S i m , u m c a b e l o louro. A j o v e m era m o r e n a .
— C o m o se vestiam?
— Ela c o m u m a saia larga, b r a n c a , e u m a blusa t a m b é m
branca. Ele, c o m calças e s c u r a s (talvez jeans) e u m a c a m i s a clara.
— Tinham as roupas arregaçadas?
— Não.
— Caminhavam calçados?
— A saia da m u l h e r cobria-lhes os pés, q u e n ã o e s t a v a m vi-
síveis. E os d o h o m e m t a m b é m n ã o se v i a m . Mas, a julgar p e l a s
p e g a d a s q u e d e i x a r a m na areia, a m b o s e s t a v a m descalços...
Para m a n t e r a c r o n o l o g i a deixarei p a r a m a i s a d i a n t e o inte-
r e s s a n t e c a p í t u l o d a s p e g a d a s . P o r q u e a a s s o m b r o s a história ain-
da n ã o e s t a v a concluída...
— E v i m o s os dois se a f a s t a r e m e m d i r e ç ã o a o p o v o a d o . E
q u a n d o e s t a v a m a u m p a s s o d o b e c o q u e se a b r e j u n t o a "Los Co-
rales" o c o r r e u o c a s o da "névoa"...
As p r i m e i r a s a r e p a r a r e m n o f e n ô m e n o f o r a m as m o ç a s .
— O l h a m o s pelo b i n ó c u l o e, s o b r e a á g u a , o b s e r v a m o s "al-
g o " q u e p a r e c i a u m a " n u v e m " . A p r o x i m a v a - s e da costa a g r a n d e
velocidade...
— Q u e tipo d e n u v e m ?
— P e q u e n a . Branca. Talvez n ã o tivesse m a i s d e u m ou dois
m e t r o s de largura por três ou q u a t r o de altura. E ao c h e g a r à praia
p a r o u . Foi q u a n d o d i s t i n g u i m o s a figura d o ser d e p r e t o .
N e s s e m o m e n t o , P e d r o a p a n h o u o b i n ó c u l o da m ã o d e Loli
e c o n f i r m o u o q u e havia c o n t a d o a seu c o m p a n h e i r o , P e d r o G.,
ao fugir d o g r u p o .
— ... Ali, na costa, a p a r e c e u u m g i g a n t e d e u n s t r ê s m e t r o s
de altura, c o m u m a e s p é c i e de m a c a c ã o p r e t o e u m a c a b e ç a bran-
ca e d e s c o m u n a l .
— E a "névoa"?
— D e s a p a r e c e u . A c h a m o s q u e o ser d e p r e t o s e a p r o x i m a r a
da praia e n v o l t o e m u m a " n u v e m " . D u r a n t e u n s s e g u n d o s ele per-
m a n e c e u quieto, o l h a n d o p a r a nós. E logo pôs-se a a n d a r ,
a f a s t a n d o - s e na d i r e ç ã o d o p o e n t e . O m a i s incrível é q u e ele n ã o
tocava a areia. Deslizava a u m p a l m o d o solo, p o u c o m a i s ou me-
nos, e rígido c o m o u m p o s t e . Não d o b r a v a o s j o e l h o s e o s b r a ç o s
p e r m a n e c i a m c o l a d o s a o c o r p o . "Aquilo" n ã o era correr... Mais
p a r e c i a q u e voava.

250
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Pu effí-o
O ser de preto, Esquema indicando a posição
segundo a descrição das testemunhas, na praia
das testemunhas. de Conil, das pegadas
(Desenho de Juan Bermúdez.) e da " c o v a " (montículo).
(Desenho feito por Juan
Bermúdez no caderno de campo
de J. J. Benitez.)

No gráfico de Juan Bermúdez, a posição dos jovens,


da mureta e das pegadas, assim como as distâncias.
Então, inexplicavelmente, até para os próprios protagonistas,
Lázaro e Fedro G. saíram no encalço dele. Q u a n d o lhes perguntei
qual a razão do seu gesto impulsivo, n e n h u m dos dois s o u b e res-
ponder c o m precisão.
— Ele está escapando! — e x c l a m a r a m . E ao m e s m o t e m p o
lançaram-se a u m a veloz e inconsciente corrida. Cima "persegui-
ção" que, c o m o se previa, acabaria tão rápida quanto bruscamente.
— Por mais que c o r r ê s s e m o s — explicou Lázaro —, mais ele
corria. E q u a n d o e s t á v a m o s a cinqüenta ou s e s s e n t a m e t r o s do
sujeito e s c u t a m o s as vozes dos o u t r o s (mais n i t i d a m e n t e a de Pe-
dro), dizendo q u e p a r á s s e m o s . E assim fizemos. Então o ser tam-
b é m parou e se voltou. Aí vimos sua cara. O q u e melhor lembro
são os olhos. E r a m c o m o dois ovos negros. A cabeça, e n o r m e ,
parecia u m a pera invertida. Tivemos tanto m e d o q u e fizemos
meia-volta e s a í m o s voando.
— Qual foi sua atitude ao virar-se?
— Minha s e n s a ç ã o — r e s p o n d e u Lázaro — foi a de q u e nos
estava d a n d o u m aviso.
— De q u ê ?
— Q u e n ã o o s e g u í s s e m o s mais.
E o "olhar" do gigante, c e r t a m e n t e , deu resultado. Os dois
rapazes voltaram ao grupo visivelmente a f e t a d o s pela experiên-
cia. E aí, praticamente, acabaria a "odisséia". O tipo perdeu-se
no escuro e as "luzes", que haviam p e r m a n e c i d o no alto, trocan-
do cintilações, d e s a p a r e c e r a m t a m b é m . E r a m nove e meia da
noite.
— E o " h o m e m " e a "mulher", q u e a c o n t e c e u c o m eles?
— T a m b é m os p e r d e m o s de vista. C o m o t o m a v a m a direção
da aldeia, s u s p e i t a m o s que se confundiriam c o m a massa.
— Q u e fizeram a partir daí?
— Continuamos na praia, c o m e n t a n d o . Estávamos confusos,
assustados. E p o u c o a n t e s das dez vimos outra coisa "estranha":
por toda a costa do p o e n t e ao levante, cruzou u m a luz branca, pe-
quena, que se deslocava em silêncio e "saltitando", e m zigueza-
gue, c o m o u m a bola. Depois c h e g o u J u a n Bermúdez, correspon-
d e n t e da rede SER e excelente pintor e desenhista.
— Eu tinha c o n h e c i m e n t o do que eles vinham observando
a cada noite — disse-me Bermúdez —, e naquela sexta-feira, co-
m o em outras ocasiões, aproximei-me de Los Bateles para juntar-
m e aos jovens. C o n t a r a m - m e o que a c o n t e c e r a e os a c o m p a n h e i
na exploração da praia. Ali, realmente, d e s c o b r i m o s u m a enor-
m e "coleção" de p e g a d a s . A p e q u e n a distância da água, b e m de
a c o r d o c o m a sua descrição, abria-se u m a cova de uns dois me-
tros de c o m p r i m e n t o por um de largura, cercada e m três lados
por u m montículo de areia que lhe dava u m a f o r m a de ferradura.

252
— ü m a ou d u a s covas?
— Cima, se b e m que não se possa falar de u m a concavidade
p r o p r i a m e n t e dita. O que de fato lhe dava a aparência de cova
era a p e q u e n a " m u r a l h a " de areia q u e a cercava.
— Havia sinais de dedos?
— Muitos. Precisamente de a l g u é m que a r r a n h a s s e e amon-
toasse a areia.
— "Arranhaduras"?
— Muito finas, indicando d e d o s longos e finos.
— E o resto das p e g a d a s ?
— Partiam da cova em direção ao povoado. Indicavam p é s
descalços, de u n s quarenta ou cinqüenta centímetros de compri-
m e n t o por quinze na parte mais larga. O arco era muito pronun-
ciado, c o m u m d e d o polegar e n o r m e . As pisadas se distanciavam
u m a da outra um m e t r o e meio. A extremidade dianteira da pe-
gada era mais f u n d a do que o resto, c o m o se o corpo descansas-
se nesse ponto. E a dupla fileira partia da cova em direção à aldeia.
— A trajetória coincidia c o m o c a m i n h o seguido pelo casal?
— Sim.
— Havia diferenças entre as p e g a d a s de u m a e de outra
fileira?
— N e n h u m a . Eram das m e s m a s d i m e n s õ e s e formas. E tam-
b é m isso p a r e c e muito estranho.
— Por quê?
— A " m u l h e r " era mais baixa do que o " h o m e m " . Normal-
mente, seus pés deveriam ser m e n o r e s .
A c e m m e t r o s do beco de "Los Corales" — s e g u n d o as teste-
m u n h a s — a dupla fileira de p e g a d a s desaparecia.
— Houve outra circunstância q u e não s o u b e m o s explicar. A
uns vinte passos da cova d e s c o b r i m o s um círculo, de u n s dez me-
tros de diâmetro, repleto de p e g a d a s . Eram as m e s m a s : as dos
pés de quarenta e cinco centímetros. C o m o se os seres que dei-
xaram as pegadas se houvessem movimentado desordenadamente
naquele ponto. E n ó s f i c a m o s a perguntar-nos: q u a n d o terá acon-
tecido isso? O " h o m e m " e a "mulher" não p a r a r a m e m m o m e n t o
algum, ü m a vez operada a " m u t a ç ã o " , deixaram a cova e parti-
ram r u m o à aldeia.
— Vocês voltaram no dia seguinte?
— Claro, pela m a n h ã . Mas a água e o s p a s s o s de g e n t e ha-
viam a p a g a d o tudo.
C o m o é natural, os jovens c o n t i n u a r a m indo t o d o s o s dias,
ao entardecer, à praia de Los Bateles. Mas n ã o voltaram a ver na-
da anormal. Nem m e s m o a "lua cheia" vermelho-alaranjada q u e
aparecia sobre o c a b o de Roche fez ato de presença. Entretanto,

253
c o m o v e r e m o s m a i s adiante, os ovnis e a e n i g m á t i c a " p a r e l h a "
q u e e n t r o u t ã o a u d a z m e n t e na aprazível localidade costeira se-
riam vistos d e novo, a l g u m a s s e m a n a s depois. E e m u m e o u t r o
caso, p o r o u t r a s t e s t e m u n h a s q u e n a d a t ê m q u e ver c o m o s rapa-
zes e m o ç a s q u e h a v i a m p r o t a g o n i z a d o a p r e s e n t e história. Cima
"história", enfatizo, d e m a s i a d o minuciosa e c o m p l e x a para ser atri-
buída a u m a c o n f u s ã o ou f a b u l a ç ã o . Mas r e s p e i t e m o s o c u r s o
na tural d o s "acontecimentos". As s u r p r e s a s estavam por chegar.
S e g u n d o i n f o r m a ç õ e s q u e e s t ã o e m m e u p o d e r , o g r u p o ga-
d i t a n o d e i n v e s t i g a ç õ e s ovnis (GEIFO) foi a Conil e m 7 d e outu-
bro de 1 9 8 9 e i n t e r r o g o u as t e s t e m u n h a s , c o m o m e d i d a prelimi-
nar da a b e r t u r a d a s " p e s q u i s a s " . Pois b e m , s e g u i n d o a bíblica re-
c o m e n d a ç ã o d e "dar a César o q u e é d e César", selecionei a l g u n s
dos parágrafos mais "interessantes" do "informe" elaborado por
e s s e s "rigoristas" da ufologia e que, c o m o terei o p o r t u n i d a d e d e
expor, serviu d e o r i e n t a ç ã o a o u t r o s " p r e c l a r o s e d o u t o s " ufólo-
g o s para "deitar c á t e d r a " s o b r e os a c o n t e c i m e n t o s da praia d e Los
Bateles. Q u e o s p e s q u i s a d o r e s iniciantes vão t o m a n d o n o t a d o s
c r a s s o s erros — para n ã o usar palavras m a i s g r o s s e i r a s — e m q u e
" t a m b é m " p o d e m incorrer os "infalíveis racionalistas"...
"... E n t r e v i s t a d o s pelo GEIFO" — diz o s a b o r o s o d o c u m e n t o
—, " e m q u e s t i o n á r i o inicial, (as t e s t e m u n h a s ) n ã o a p r e s e n t a m e m
seus depoimentos contradições dignas de nota."
M e n o s mal...
"... Visitou-se a área d e a v i s t a m e n t o e m c o n d i ç õ e s o m a i s pa-
recidas possível às d o dia d o s fatos, c o m p r o v a n d o - s e a visibilida-
d e p r o p o r c i o n a d a pelo local, c o m a i n t e n ç ã o d e ver se as teste-
m u n h a s diziam a verdade q u a n t o à possibilidade d e identificar cor-
retamente o que estavam vendo."
Sem comentários...
— "... C o m p r o v o u - s e a inexistência d e exercícios d e tiro e
a n ã o ocorrência d e m a n o b r a s militares, na área, no dia d o s fatos."
Primeiro "indício" d e possível " s u b n o r m a l i d a d e " nas cinco tes-
t e m u n h a s : s e e m 2 9 d e s e t e m b r o — e n t r e a s 2 0 h 3 0 e as 2 1 h 3 0
— t i v e s s e m o c o r r i d o o s s u p o s t o s "exercícios d e tiro" na costa d e
Conil, o s o b s e r v a d o r e s e m q u e s t ã o t e r i a m c o n f u n d i d o a l h o s c o m
bugalhos...
" ... C o m p r o v a d a a p r e s e n ç a d e dois navios d e c a b o s e a rea-
lização d e t r a b a l h o s por p e s s o a l t é c n i c o d o s m e s m o s n o local d o
s u p o s t o a v i s t a m e n t o . O s navios e r a m o British Enterprise Two e
o C. S. Monarch, d e n a c i o n a l i d a d e britânica."
A l é m d e idiotas, as t e s t e m u n h a s e r a m " c e g a s " . Mais d e u m a
vez a f i r m a r a m q u e na costa " n ã o havia b a r c o a l g u m " . O GEIFO,
a o fazer t ã o r o t u n d a d e c l a r a ç ã o , d e r r a p o u , feio...

254
"... O s t r a b a l h o s realizados c o n t a r a m c o m a p a r t i c i p a ç ã o d e
mergulhadores baseados nos barcos."
C o m o diz m i n h a avó, "o peixe m o r r e pela boca". Mas n ã o n o s
a d i a n t e m o s a o s fatos.
"... C o m a d o c u m e n t a ç ã o à vista, o c a s o p o d e ser e n c e r r a d o
c o m a c o n c l u s ã o definitiva d e 'erro d e identificação' por p a r t e d a s
testemunhas."
E m o u t r a s palavras: oito dias d e p o i s d o múltiplo " c o n t a t o " ,
o a s s u n t o havia sido d e s p a c h a d o e e s c l a r e c i d o . Mas o s "vampi-
ros" n ã o h a v i a m dito q u e o " a f o b a d i n h o " era e u ?
" D o c u m e n t a ç ã o à vista?" Aí estava a c h a v e d o s e g r e d o . No
texto q u e reproduzo a seguir, elaborado no GEIFO, revela-se a con-
f u s ã o : "Nessa noite d e 2 9 d e s e t e m b r o , o b a r c o britânico Monarch
a c h a v a - s e d i a n t e d a s c o s t a s d e Conil." Cima vez mais, o s "acóli-
tos" dos "sumos sacerdotes" convertiam em verdade absoluta e
inquestionável o q u e n ã o p a s s a v a d e m e i a verdade... V e j a m o s o
m e n c i o n a d o texto. É d i g n o d e figurar na m a i s insigne galeria d e
despropósitos.
"... R e c e b e m o s u m a c o m u n i c a ç ã o telefônica, d e u m d o s nos-
s o s c o n t a t o s , e n o s e n t r e g a d o c u m e n t a ç ã o e m q u e se e s c l a r e c e
t o d o o mistério.
"Desta d o c u m e n t a ç ã o p u d e m o s extrair u m a c o n c l u s ã o , a l é m
da p r e s e n ç a física d e n o s s o c o n t a t o na á r e a e p o s t e r i o r e s averi-
g u a ç õ e s q u e c o n f i r m a m os fatos, q u e d e 1 0 . 0 6 . 8 9 a t é 0 2 . 1 0 . 8 9 ,
dois navios d e b a n d e i r a inglesa, d e n o m e s British Enterprise Two
e C. S. Monarch, d e c a b o s , realizaram t r a b a l h o s d e s t i n a d o s a lan-
çar u m novo c a b o telefônico no litoral. (Nada m a i s fácil, para q u e m
quiser s a b e r se isso é ou n ã o certo, d o q u e c o m u n i c a r - s e c o m o
s e c r e t á r i o t é c n i c o da Telefônica.)
"De 10.06.89 até 0 1 . 0 7 . 8 9 encontrava-se na zona o British En-
terprise Two, q u e , devido a o vento, e n t r o u várias vezes n o p o r t o
d e Cádiz.
"O C. S. Monarch realizou s u a s o p e r a ç õ e s d e 2 3 . 0 9 . 8 9 a
02.10.89, entrando no porto em 26.09.89 e saindo e m 27.09.89,
p a r a a p a n h a r m a t e r i a i s c h e g a d o s p o r via a é r e a .
" O s t r a b a l h o s r e a l i z a d o s p o r a m b o s o s navios f o r a m contro-
l a d o s d e terra e a b o r d o d e l e s p r ó p r i o s p o r p e s s o a l t é c n i c o d a s
e m b a r c a ç õ e s , e c o n s i s t i r a m na instalação d e u m a série d e medi-
d o r e s d e c o r r e n t e s e o b s e r v a ç ã o d o f u n d o d o m a r , utilizando ma-
terial c h e g a d o a b o r d o d o s b a r c o s e p o r via a é r e a .
"O fim d e s e m a n a c o m p r e e n d i d o e n t r e a sexta-feira, 2 9 (de
s e t e m b r o ) , e o d o m i n g o , 1 ? d e o u t u b r o , o C. S. Monarch e s t e v e
n o m a r , d i a n t e da c o s t a d e Conil, t r a b a l h a n d o noite e dia, c o m
a p o i o d e terra. Na o p e r a ç ã o , d e n o m i n a d a T.A.T. 9, c o n t o u c o m a

255
ajuda de m e r g u l h a d o r e s b a s e a d o s no navio, retirando todo o ma-
terial e m 02.10.89, data em q u e o navio zarpou."
C h a m o a a t e n ç ã o do leitor e, e m especial, dos jovens pesqui-
sadores para o p a r á g r a f o precedente, ü m a investigação "séria",
c o m o veremos, n ã o deve basear-se e m fatos "possíveis" e "não
contestados".
"... O h o m e m que vestia m a c a c ã o ou traje a j u s t a d o " — pros-
segue o GEIFO c o m u m a alegria carnavalesca —, "com cabeça
branca, avultada, que deslizava sobre a água, era u m d o s mergu-
lhadores, a bordo de u m a e m b a r c a ç ã o Zodiac, p r o v o c a n d o u m a
'névoa' q u e identificamos c o m a água deslocada pela velocidade.
"A esfera luminosa do par inicial era u m a lanterna; as túni-
cas, roupas de abrigo, e o h o m e m e a mulher, u m casal que, co-
m o t o d o s o s casais, depois de p e r m a n e c e r e m na praia u m t e m p o
d e t e r m i n a d o , voltou para a povoação.
"Os ovnis e r a m o barco de c a b o s e u m avião, assim c o m o as
luzes ou balizas de localização de instrumentos.
" A c h a m o s que não houve avistamento de ovnis n e m de se-
res a eles associados, o que n ã o importa em a f i r m a r m o s q u e as
testemunhas m e n t e m , apenas que incorreram em u m erro de iden-
tificação. Principalmente se levarmos e m conta q u e d u r a n t e vá-
rios dias estavam vendo u m a s luzes que, para eles, e r a m estra-
nhas. Seu espírito estava predisposto a ver 'qualquer coisa', e is-
so é o que p e n s a m o s que ocorreu."
Hesitei. Não devo ocultá-lo. A cortesia não elimina a valen-
tia. A ê n f a s e no que se refere ao barco britânico diante da costa
de Conil era tanta que, n u m primeiro m o m e n t o , s e m d a d o s con-
cretos, admiti a possibilidade c o m o verossímil. Até o mais infla-
m a d o adversário dos "vampiros" teria refletido muito a n t e s de
pronunciar-se a respeito.
"E nos entrega d o c u m e n t a ç ã o o n d e se esclarece o mistério."
A p e q u e n a f r a s e parecia irredutível. Poderia tratar-se, em verda-
de, de u m a espetacular c o n f u s ã o ? Dizia-me o instinto que não.
Boa parte das " d e d u ç õ e s " do GEIFO encaixava mal...
Exemplos:
Não era d e m a s i a d o forçada a c o m p a r a ç ã o de u m ser de três
metros, de cabeça branca, gigantesca e e m f o r m a de pera inverti-
da, c o m u m h o m e m - r ã ?
Desde q u a n d o u m a lancha de borracha e r g u e u m a "névoa"
c o m o a descrita pelas t e s t e m u n h a s , por muita velocidade q u e de-
senvolva?
Que fazia esse "mergulhador" — por muito britânico que fosse
—, "levitando" a um p a l m o do solo e "voando" pela praia, "teso
c o m o u m p o s t e de iluminação"?
C o m o e n t e n d e r que u m m e r g u l h a d o r profissional desembar-
casse à noitinha em u m a praia tão aberta e m e t i d o no i n c ô m o d o

256
traje de "rã"? Não teria sido lógico q u e se d e s e m b a r a ç a s s e d o equi-
p a m e n t o no b a r c o , n a s l a n c h a s auxiliares ou n o p r ó p r i o p o r t o ?
Quanto às "túnicas brancas", esses "geifos" , aspirantes ao
P r ê m i o Nobel, c o n t o r n a m a q u e s t ã o c o m u m a " f ó r m u l a " q u e do-
braria d e riso o s m e r g u l h a d o r e s e q u a n t o s c o n h e c e m as f o r m a s
e m a n e i r a s d o s familiarizados c o m o m a r . " E r a m r o u p a s d e abri-
go." "Cima vez c o n c l u í d o o seu t r a b a l h o " — dizem — "cobriram-
s e c o m u m a l b o r n o z . " Genial. E f o r a m p a r a a p o v o a ç ã o a b a n d o -
n a n d o os e q u i p a m e n t o s na areia? S e e s s e s "rigoristas" houves-
s e m tido o t r a b a l h o d e c o n s u l t a r o s b o l e t i n s m e t e o r o l ó g i c o s d o
dia t e r i a m s a b i d o — para sua v e r g o n h a — q u e n e s s e 2 9 d e se-
t e m b r o , a l é m d o v e n t o d o o r i e n t e q u e s o p r o u , a q u e c e n d o a at-
m o s f e r a , a t e m p e r a t u r a m á x i m a foi d e trinta g r a u s c e n t í g r a d o s .
Não p o s s o i m a g i n a r dois " h o m e n s - r ã s " d e s e m b a r c a n d o na costa,
a b a n d o n a n d o a Zodiac e m u d a n d o os t r a j e s d e b o r r a c h a por "tú-
n i c a s n a z a r e n a s " ou " a l b o r n o z e s l u m i n o s o s e i m a c u l a d o s " , para,
e m seguida, sentar-se na areia, jogar p i n g u e - p o n g u e c o m u m a lan-
t e r n a e, p o r fim, e s t e n d e n d o - s e no c h ã o . E já q u e e s t a m o s n o ter-
r e n o da e s p e c u l a ç ã o , p o r q u e u m a " l a n t e r n a " ? E p o r q u e n ã o u m
"círio m a l a g u e n h o " ?
E n t ã o , u m a vez c o n c l u í d a a " c e r i m ô n i a " — o b r i g a t ó r i a p a r a
t o d o m e r g u l h a d o r q u e se preza —, o s b r i t â n i c o s s e l e v a n t a r a m
e, à p a i s a n a , c a m i n h a r a m para a p o v o a ç ã o . CIm e m jeans, o "ou-
tro" o s t e n t a n d o a m o d a "máxi".
E d e m a i s , a t é m e s m o para u m m e r g u l h a d o r !
E q u e p e n s a r da "explicação-ovni"? F o r a m c o n f u n d i d o s c o m
a s luzes d o navio d e c a b o s t e l e f ô n i c o s e c o m u m avião? S e a me-
m ó r i a n ã o m e trai, u m a d e l a s tinha f o r m a d e "meia-lua" e cruzou
o c é u s i l e n c i o s a m e n t e . E s t r a n h o avião! O u t r o p e r m a n e c e u p o r es-
p a ç o d e m e i a h o r a s o b r e as c a b e ç a s d o s r a p a z e s e s o l t a n d o faís-
cas. Seria talvez u m " m e r g u l h a d o r - v o a d o r " ou a prestativa Mary
Poppins?
G r a c e j o s à parte, a o l o n g o e ao largo do " i n f o r m e " d o GEIFO
paira " a l g o " m u i t o m a i s triste e d e s a l e n t a d o r d o q u e t o d a s a s ne-
c e d a d e s e n u m e r a d a s . A vista d o e x p o s t o , o s q u e a p a r e c e m c o m o
p a l h a ç o s de circo s ã o as t e s t e m u n h a s . E c h e g a m o s à situação cos-
t u m e i r a . "CJns" se a r r o g a m a p o s s e a b s o l u t a da Verdade, relegan-
d o o s " o u t r o s " à c o n d i ç ã o d e p o b r e s imbecis, i n c a p a z e s d e distin-
guir d e n t r e s u a s d u a s m ã o s a direita e a e s q u e r d a .
Não m e cansarei d e insistir: e n q u a n t o os p r o t a g o n i s t a s d e u m
a c o n t e c i m e n t o ligado a ovni n ã o caírerti e m c o n t r a d i ç õ e s graves,
s e u s d e p o i m e n t o s s ã o s a g r a d o s . E n i n g u é m , p o r m u i t o qualifica-
d o q u e se c o n s i d e r e , p o d e m e n o s p r e z á - l o s , m u i t o m e n o s corrigi-
los z o m b e t e i r a m e n t e . E s s e s j o v e n s n a s c e r a m e t ê m vivido à bei-
ra d o m a r . E ainda q u e n ã o o s t e n t e m o s p o m p o s o s títulos uni-

257
versitários d e q u e t a n t o se u f a n a m o s " s a n t o s e e s p e c i a i s " da ufo-
logia, s a b e m discernir o e s t r é p i t o e a s s i l h u e t a s d e u m a Zodiac
e d e a l g u n s m e r g u l h a d o r e s o b a s t a n t e para n ã o incorrer n o risco
d e os c o n f u n d i r c o m " o u t r a coisa"...
E "felizes", convencidos d e q u e s u a s "investigações" e r a m ina-
tacáveis, os " g e i f o s " se a p r e s s a r a m a t r a n s m i t i r a o s m e i o s d e co-
m u n i c a ç ã o o s " c a t e g ó r i c o s e i n q u e s t i o n á v e i s r e s u l t a d o s " . E na
s e g u n d a - f e i r a , 12 d e o u t u b r o d e 1989, c o m o já m e n c i o n e i , o Diá-
rio de Cádiz r e p r o d u z i a p a r t e d o " i n f o r m e " a n t e r i o r s o b e s t e de-
m o l i d o r título: " O s e x t r a t e r r e s t r e s d e Conil e r a m o p e r á r i o s britâ-
nicos q u e e s t e n d i a m u m c a b o t e l e f ô n i c o . "
Missão c u m p r i d a . O s u f ó l o g o s "sérios" a c a b a v a m d e " e x a r a r
sentença". Pouco importaram os óbvios protestos das testemu-
n h a s e a s p r u d e n t e s s u g e s t õ e s d o s investigadores "de c a m p o " q u e
h a v i a m e n t r a d o no caso.
E s t a n d o a s c o i s a s n e s s e pé, e s t e " e s c a s s a m e n t e q u a l i f i c a d o
i n v e s t i g a d o r " decidiu fazer u m a revisão d o caso, p a r t i n d o d o ze-
ro. O l a m e n t á v e l d e tais s i t u a ç õ e s , a l é m d o t e m p o , dinheiro e es-
f o r ç o s q u e u m a nova i n v e s t i g a ç ã o c u s t a , é o d a n o m o r a l c a u s a d o
aos protagonistas. Por causa da notícia do Diário de Cádiz, os cinco
j o v e n s d e Conil f o r a m s u b m e t i d o s a t o d a s o r t e d e v e x a m e s . Daí
a g r a v i d a d e d o p r e c i p i t a d o j u l g a m e n t o d o GEIFO, a t r a n s c e n d e r
o t e r r e n o p u r a m e n t e investigativo. Mas f a l e m o s s e m m a i s d e m o -
ra n a s m i n h a s p r ó p r i a s p e s q u i s a s . . .
E m princípio, foi assim q u e coloquei a q u e s t ã o , u m d o s "enig-
m a s " a resolver era precisar a posição d o navio d e c a b o s Monarch.
S e g u n d o a f a m o s a " d o c u m e n t a ç ã o " coligida pelo GEIFO, na sexta-
feira, 2 9 d e s e t e m b r o d e 1989, o navio inglês " e n c o n t r a v a - s e n o
m a r , d i a n t e d a s c o s t a s d e Conil". O " i n f o r m e " d o s " g e i f o s " e a
notícia d o jornal não deixavam dúvidas. Essa era a peça-chave q u e
s u s t e n t a v a o resto d a s e s p e c u l a ç õ e s .
O b e d e c e n d o à recomendação do próprio "informe" ("nada
m a i s fácil, p a r a q u e m quiser s a b e r se isso é c e r t o ou não, d o q u e
se c o m u n i c a r c o m o secretário técnico da Telefônica"), apresentei-
m e na s e d e dessa c o m p a n h i a e m Cádiz. Mas, para a u m e n t a r a con-
fiabilidade, n ã o interroguei o tal s e c r e t á r i o t é c n i c o e sim a pró-
pria direção. E a i n f o r m a ç ã o q u e m e d e r a m foi a d e q u e o s b a r c o s
ingleses e s t a v a m r e a l m e n t e n a s á g u a s g a d i t a n a s , m a s n ã o c o m
a m i s s ã o d e "deitar u m c a b o s u b m a r i n o " , m a s a p e n a s d e e f e t u a r
t r a b a l h o s prévios d e p r o s p e c ç ã o . O p r o j e t o — para u m d u p l o ca-
bo, p o r sinal — c o r r e p o r c o n t a d e u m c o n s ó r c i o d e cinco países.
A m b o s o s "sistemas" t ê m c o m o p o n t o de partida Conil: um, o cha-
m a d o T.A.T. 9, unirá a E u r o p a c o m o s E s t a d o s Unidos, " a t r a c a n -
d o " n o Reino Unido e no C a n a d á . A i n s t a l a ç ã o d e s t e c a b o está
prevista p a r a 1991. O s e g u n d o , b a t i z a d o c o m o PENCAN-5, en-

258
trelaçará a E u r o p a c o m as Ilhas C a n á r i a s e sua c o n c r e t i z a ç ã o po-
derá dar-se e m 1 9 9 2 ou 1993.
L o g i c a m e n t e , o s d i r e t o r e s da T e l e f ô n i c a n ã o s o u b e r a m indi-
c a r - m e a p o s i ç ã o exata d o Monarch na noite de 2 9 d e s e t e m b r o .
E n t r e o u t r a s coisas, p o r q u e n ã o era a s s u n t o d e s u a direta e estri-
ta c o m p e t ê n c i a . De q u a l q u e r f o r m a , d e s e j o s o s d e c o o p e r a r c o m
o p e s q u i s a d o r , m e e n c a m i n h a r a m a o c h e f e da E s t a ç ã o d e C a b o s
S u b m a r i n o s , t a m b é m s u b o r d i n a d o à c o m p a n h i a , e m Conil. O s re-
s u l t a d o s d a s d i f e r e n t e s c o n v e r s a ç õ e s c o m o s e n h o r M o n t a n e r fo-
r a m p r a t i c a m e n t e iguais. O s t r a b a l h o s d e p r o s p e c ç ã o se concluí-
r a m e m 1? d e o u t u b r o . Isso era t u d o q u e p o d i a m precisar. O na-
vio havia n a v e g a d o e o p e r a d o p o r a q u e l a s á g u a s , d e fato, m a s a
e s t a ç ã o n ã o tinha registro de s u a s atividades. " C o n s u l t e a Arma-
da, q u e m s a b e p o s s a m dar-lhe u m a r e s p o s t a exata, a i n d a q u e eu
duvide", disse R a m ó n M o n t a n e r , c o m t o d a a razão.
As g e s t õ e s s e g u i n t e s , j u n t o a o C o m a n d o da Marinha d e Cá-
diz, t r o u x e r a m a l g u m a luz. F r a q u i n h a , sim, m a s s e m p r e luz. Se-
g u n d o c o n s t a n o s livros do d e p a r t a m e n t o d e " D e s p a c h o d e Na-
vios", o Monarch e n t r o u no p o r t o da capital g a d i t a n a e m 2 6 d e
s e t e m b r o , às 1 3 h 3 0 , p a r t i n d o às 2 3 h 3 0 d e s s e m e s m o dia. Q u a n -
to à p o s i ç ã o d o navio n o dia 29, os militares n a d a p u d e r a m dizer.
" N e n h u m a idéia." Mas, pelas características d o s t r a b a l h o s q u e de-
via realizar, m e s u g e r i r a m u m a c o n s u l t a a o s "avisos a o s navegan-
tes". Havia a p o s s i b i l i d a d e d e q u e e s s e s boletins d e s s e m a posi-
ç ã o d o barco.
E s t a v a m certos. No Instituto Hidrográfico da Marinha conser-
v a v a m - s e os "avisos" e s p e c i f i c a m e n t e r e l a c i o n a d o s c o m o Mo-
narch. O p r i m e i r o , d e 9 d e s e t e m b r o d e 1989, dizia t e x t u a l m e n t e :
" 3 6 / 1 1 7 9 (T). Atlântico Norte. E s p a n h a , Costa SW. P r o x i m i d a d e
d e Conil. T r a b a l h o s d e s o n d a g e m p a r a o e s t a b e l e c i m e n t o d o ca-
b o s u b m a r i n o T.A.T. 9, pelo navio o c e a n o g r á f i c o C. S. Monarch
e m á g u a s territoriais e s p a n h o l a s p r ó x i m a s da praia d e Conil. Car-
ta t e m p o r a r i a m e n t e c o m o n ú m . 4 4 4 . C. G. Z. M. d o E s t r e c h o . S a n
F e r n a n d o , 08-V11I-89. "
O segundo, correspondente ao Grupo 38 e datado de 23 de
s e t e m b r o , advertia o s e g u i n t e : " 3 8 / 1 2 6 8 (T). Atlântico Norte. Es-
p a n h a , Costa SW. T r a b a l h o s para lançar o c a b o s u b m a r i n o T.A.T.
9. Até o dia 3 0 d e s e t e m b r o a p r o x i m a d a m e n t e e f e t u a r a m - s e tra-
b a l h o s d e l a n ç a m e n t o d e c a b o s u b m a r i n o pelo navio o c e a n o g r á -
fico C. S. Monarch, iniciando e m 18 d e s e t e m b r o a 1200Z, e m si-
t u a ç ã o 3 6 ° 17' N, 0 7 ° 10' W, c o m o r u m o 0 7 0 ° e v e l o c i d a d e d e
0 , 5 nós. C a r t a s t e m p o r a r i a m e n t e a f e t a d a s n ú m e r o s 44-B, 4 4 e 4 4
D e c c a . C.G.Z.M. d o Estreito. S a n F e r n a n d o , 18-IX-89."
Nessa s e g u n d a p u b l i c a ç ã o oficial, p o n d o d e p a r t e o l a p s o re-
f e r e n t e a o objetivo d o navio (não se tratava, c o m o foi dito, d e "lan-

259
ç a m e n t o d e u m c a b o " , m a s d o s t r a b a l h o s prévios d e prospecção),
indicava-se, n o fim, a p o s i ç ã o inicial d o Monarch, a s s i m c o m o o
rumo e a velocidade. E ainda que esses dados não se referissem
a o dia 29, m a s a o dia 18, c o n s t i t u í a m u m p o n t o d e partida.
D a d a a n e c e s s i d a d e d e u m a c o r r e t a "leitura" d a q u e l a s coor-
denadas, procurei de novo os expertos. E entre os marinheiros pro-
fissionais q u e consultei, citarei Manuel F o n c u b i e r t a , prático-chefe
d e La C a r r a c a , e m S a n F e r n a n d o , o qual, a l é m disso, estava a par
da notícia d i v u l g a d a pelo g r u p o GEIFO. Assistiu à entrevista J o -
sé M o r e n o Lacalle, p r e s i d e n t e d o A g r u p a m e n t o P a r a p s i c o l ó g i c o
d e P u e r t o Real (Cádiz), e i g u a l m e n t e inteirado d o c a s o Conil. E
ali, s o b r e o s m a p a s d o litoral g a d i t a n o , surgiu u m a p r i m e i r a dúvi-
da. A p o s i ç ã o indicada n o "aviso a o s n a v e g a n t e s " ( 3 6 ° 17' N e
0 7 ° 10' W) colocava o Monarch a u m a s s e s s e n t a m i l h a s (mais d e
108 q u i l ô m e t r o s ) da praia d e Los Bateles, e m Conil. (Jma distân-
cia t ã o c o n s i d e r á v e l q u e d i s p e n s a c o m e n t á r i o s . E s e essa situa-
ç ã o c o r r e s p o n d i a a o dia 18 — as t e s t e m u n h a s c o m e ç a r a m a ob-
servar a "lua cheia a v e r m e l h a d o - l a r a n j a " a partir d e 14 ou 15 —,
c o m o era possível q u e h o u v e s s e m c o n f u n d i d o o ovni estaciona-
d o s o b r e o c a b o d e Roche c o m a s luzes do navio d e c a b o s ? Grave
deslise d o s "geifos".
N a t u r a l m e n t e — a r g u m e n t a r ã o o s c é t i c o s —, o b a r c o pode-
ria ter m o d i f i c a d o os p l a n o s d e n a v e g a ç ã o , a p r o x i m a n d o - s e d a s
p r a i a s d e Conil na n o i t e d a q u e l a sexta-feira, 2 9 d e s e t e m b r o . Não
era isso o q u e i n f o r m a v a o "aviso". O r u m o estava i n d i c a d o mui-
to c l a r a m e n t e : 0 7 0 ° . Basta tirar u m a linha d e s d e a p o s i ç ã o inicial
para observar q u e o r u m o oficial devia desenvolver-se para o Norte.
Vale dizer, a m u i t a s m i l h a s d o c e n á r i o d o " c o n t a t o c o m o s t r ê s
seres".
Mas cabia a dúvida, sim. O " i n f o r m e " d o GEIFO n ã o deixava
p o r m e n o s : " n o fim d e s e m a n a c o m p r e e n d i d o e n t r e a sexta-feira,
2 9 d e s e t e m b r o , e 1? d e o u t u b r o , o C. S. Monarch p e r m a n e c e u
n o m a r d i a n t e d a s c o s t a s d e Conil". E q u e se d e v e e n t e n d e r p o r
" d i a n t e d a s c o s t a s " ? E l e m e n t a r . O s u f i c i e n t e m e n t e p r ó x i m o à or-
la para q u e o s cinco jovens, " m í o p e s c o m o t o u p e i r a s " , c o n f u n -
dissem a s luzes d o Monarch c o m ovnis e s e u s m e r g u l h a d o r e s c o m
extraterrestres.
S e esta era a " d o c u m e n t a ç ã o " q u e t i n h a m e m m ã o s , mal avia-
d o s a n d a v a m . Ou os " g e i f o s " n ã o s a b i a m "ler" a s c a r t a s maríti-
m a s — no q u e n ã o creio — ou t e n t a v a m jogar-nos areia n o s olhos.
C o m e c e i e n t ã o a s u s p e i t a r q u e o c a m i n h o para c o n h e c e r a posi-
ç ã o d o Monarch na noite d e 2 9 d e s e t e m b r o n a d a tinha q u e ver
c o m os o r g a n i s m o s oficiais e s p a n h ó i s . S ó a e m p r e s a proprietária
e, claro, o c a p i t ã o d o navio p o d i a m e s t a r d e p o s s e d e tão cobiça-
d o " s e g r e d o " . Ainda assim, s a b e n d o q u e a " c h a v e " s e e n c o n t r a v a
n o Reino CJnido, c o n t i n u e i f a r e j a n d o e m o u t r a s f r e n t e s .

260
Cima d a s visitas o b r i g a t ó r i a s foi a o c o n s i g n a t á r i o d o Monarch:
"Dávila & Cia.", e m Cádiz. Ali, r e p a s s a n d o os arquivos, verifiquei
q u e o barco se havia a p r o x i m a d o d o p o r t o e m três o c a s i õ e s e n ã o
e m u m a , c o m o a s s e g u r a m os "rigoristas". Afora n o já citado dia
2 6 de setembro, o navio c h e g o u "fora d e linha" do porto e m 2 8 desse
m e s m o m ê s (com e n t r a d a à l h 3 0 e partida às 2 h 0 0 , a fim d e em-
barcar e d e s e m b a r c a r tripulantes), a s s i m c o m o e m 3 d e o u t u b r o
( t a m b é m "fora d e linha"), fazendo-se a o m a r n e s s e m e s m o dia.
C o m o era d e s u p o r , a c o m p a n h i a c o n s i g n a t á r i a t a m b é m n ã o
tinha c o n h e c i m e n t o da localização d o navio na n o i t e d o s fatos.
As p e s q u i s a s n o Instituto Hidrográfico, no C o m a n d o da Mari-
nha, n o Instituto Nacional d e M e t e o r o l o g i a e na E s t a ç ã o d e Ca-
b o s S u b m a r i n o s f o r a m f r u t u o s a s , f o r n e c e n d o u m a série d e d a d o s
que, e m b o a lógica, invalidavam p a r t e d o s a r g u m e n t o s d o GEI-
FO. Eis as m a i s relevantes:
O navio o c e a n o g r á f i c o j a m a i s p ô d e f u n d e a r ou m a n o b r a r
"diante da praia d e Los Bateles". Não havia razão para isso, já q u e
os t r a b a l h o s d e p r o s p e c ç ã o (no q u e se r e f e r e a o litoral g a d i t a n o )
estavam minuciosamente delimitados entre a chamada Punta de
los R o q u e s (ao p é d o hotel F l a m e n c o ) e o c a b o d e Roche. E s t e
setor da costa, e s c o l h i d o para as a n c o r a g e n s d o s c a b o s s u b m a r i -
nos, e n c o n t r a - s e a o o e s t e do lugar o n d e o c o r r e r a m o s f a t o s d e 2 9
d e s e t e m b r o . C o n c r e t a m e n t e , a q u a s e dois q u i l ô m e t r o s . Na su-
p o s i ç ã o d e q u e o Monarch h o u v e s s e o p e r a d o n a q u e l a noite nes-
s a s á g u a s , q u e s e n t i d o haveria e m d e s e m b a r c a r s e u s m e r g u l h a -
d o r e s e m Los B a t e l e s ? O p o r t o d e Conil está ali m e s m o . . .
E digo "na s u p o s i ç ã o d e q u e h o u v e s s e o p e r a d o " p o r q u e , jus-
tamente em 29 de setembro, o estado do mar desaconselhava a
a p r o x i m a ç ã o da costa, m u i t o m e n o s a d e Conil, s e m e a d a d e pe-
d r a s (veja-se carta 444), d e navio a l g u m d e m é d i o ou g r a n d e cala-
do. A m e t e o r o l o g i a a n u n c i o u para e s s e dia " c o m p o n e n t e Leste
3 a 4, c o m r a j a d a s d e 5 a 6, a l g u m n e v o e i r o e á r e a s d e a g i t a ç ã o
d a s águas, generalizando-se no Estreito e a u m e n t a n d o a forte agi-
t a ç ã o " . S e a c r e s c e n t a r m o s a isso a s c o r r e n t e s q u e c i r c u l a m p o r
e s s e litoral e a c o i n c i d ê n c i a da m a r é v a z a n t e , iniciada à s 2 0 h 3 7 ,
c o m os a c o n t e c i m e n t o s já conhecidos, n ã o será difícil deduzir q u e
a p r e s e n ç a d e u m navio c o m o o Monarch a curta distância d e ter-
ra r e p r e s e n t a r i a u m risco q u e n e n h u m c o m a n d a n t e está d i s p o s t o
a correr d e s n e c e s s a r i a m e n t e .
Mas esta série d e circunstâncias — q u e fazia improvável o fun-
d e a m e n t o d o b a r c o d i a n t e d e Conil — p o d i a ser c o n s i d e r a d a frá-
gil. A s o l u ç ã o definitiva do " p r o b l e m a " tal qual eu imaginava, che-
garia pelas m ã o s da e m p r e s a proprietária do navio. Deus s a b e q u e
eu estava d i s p o s t o a c h e g a r a o f u n d o da q u e s t ã o . E se isso exigis-
s e a " p e r s e g u i ç ã o " d o Monarch ou d e s e u c a p i t ã o até o fim d o

261
m u n d o , este "devorador d e c a m i n h o s " abriria p a s s a g e m pelos sete
m a r e s . Mas a " n a v e - m ã e " teria c o m p a i x ã o d e s t e t e i m o s o n a v a r r o
e d e sua m a g r a carteira...
E m 2 4 d e j u l h o d e 1990, e m r e s p o s t a a m e u s r e q u e r i m e n t o s ,
o c a p i t ã o J . A. B. S i m k i n s — D e u s o a b e n ç o e — m e t r a n s m i t i a
a seguinte e categórica informação:
" E m 2 9 d e s e t e m b r o d e 1989, a p o s i ç ã o a p r o x i m a d a d o Mo-
narch era 3 6 ° 23' N e 0 6 ° 4 4 ' W.
E a c r e s c e n t a v a e m sua carta:
"... Nós n ã o utilizamos ' h o m e n s - r ã s ' . "
Faltou-me t e m p o para consultar as cartas náuticas. Adivinhem
o n d e s e e n c o n t r a v a o navio o c e a n o g r á f i c o na referida d a t a d e 2 9
d e s e t e m b r o d e 1989? A trinta milhas, a p r o x i m a d a m e n t e , a o oeste
d e Sancti Petri! O que, " t r a d u z i d o " para a l i n g u a g e m d e leigos e m
a s s u n t o s navais,, v e m a r e p r e s e n t a r algo m a i s d e c i n q ü e n t a e cin-
co q u i l ô m e t r o s da praia d e Los Bateles. Q u e r dizer, impossível d e
distinguir. E n ã o e s q u e ç a m o s q u e a linha d o horizonte, n a s me-
lhores c o n d i ç õ e s d e visibilidade, se e n c o n t r a a oito milhas.
E sem mergulhadores!
Esta " d o c u m e n t a ç ã o , sim, esclarecia o mistério". Simples-
m e n t e : n e s s a noite n ã o h o u v e navio d e c a b o s , n e m t a m p o u c o
" h o m e n s - r ã s " , na praia d e Los B a t e l e s d e Conil. O QEIFO havia
d e r r a p a d o e s t r e p i t o s a m e n t e . Mas d e s t a vez n ã o m e irritarei c o m
e s s e s p r e c i p i t a d o s e i r r e s p o n s á v e i s "ufólogos'(?). P a r a f r a s e a n d o
s e u p r ó p r i o " i n f o r m e " , n ã o q u e r o p e n s a r q u e h a j a m m e n t i d o ou
m a n i p u l a d o o caso intencional e m a q u i a v e l i c a m e n t e , m o v i d o s p o r
o b s c u r o s p r o p ó s i t o s . CJm "erro", isso sim, q u e e x i g e i m e d i a t a re-
tificação a t r a v é s da i m p r e n s a . O c o n c e i t o e o b o m - n o m e d e s s e s
cinco j o v e n s o e x i g e m .
S ó n ã o e s t o u d i s p o s t o a c o n c e d e r t r é g u a , m u i t o a o contrá-
rio, é a o s " v a m p i r o s " e " v a m p i r i z a d o s " que, s e m haver interroga-
d o as t e s t e m u n h a s , s e m dar-se o i n c ô m o d o d e visitar o lugar d o s
f a t o s e s e m realizar u m a i n v e s t i g a ç ã o in situ, p o r m u i t o m o d e s t a
q u e fosse, se a r r o g a r a m o direito d e julgar, q u a l i f i c a n d o d e "fan-
t a s i s t a s " e " m e n t i r o s a s " as t e s t e m u n h a s .
E x e m p l o : o " i n f o r m e " s u r g i d o n o s Cuadernos de üfologia
(maio d e 1990) s o b o p o m p o s o título d e "Voronezh e Conil: ou
a f e b r e d o s mass media". O " p o b r e z i n h o d o f a l a s t r ã o " q u e assina
o artigo, d e q u e m n ã o e s t o u d i s p o s t o a fazer p u b l i c i d a d e , teria
feito b e m , e q u a n t o , e m c o n t e r a língua e praticar a evangélica
virtude da p r u d ê n c i a . À vista do d o c u m e n t o da c o m p a n h i a d o Mo-
narch, s u a ficha d e " b o m investigador" ficou b e m c o m p r o m e t i d a .
No " b r i l h a n t e d o s s i ê " q u e circulou s e m a n a s a n t e s , t a m b é m
e m m á hora, da c o n f i r m a ç ã o da p o s i ç ã o d o Monarch no dia 2 9
d e s e t e m b r o , J . R. (não é piada), b a s e a n d o - s e e m notícias da im-

262
»

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Posição do " M o n a r c h " em 29 de setembro de 1 9 8 9 (assinalada com u m


círculo). Exatamente a 3 2 milhas das praias de Conil.

A s p e c t o do " h o m e m " observado em


Conil na noite de 15 de outubro de
1 9 8 9 . (Desenho de Jesús Borrego.)
Jesús Borrego López, de quarenta e
quatro anos, guarda de segurança e
jontrole da Municipalidade de Cádiz.
Em seus vinte e cinco anos como
pesquisador do fenômeno ovni
estudou mais de trezentos casos.
Grande estudioso de Astronomia,
Astrofísica e Arqueologia Submarina.
prensa e n a s p e s q u i s a s d e s e n v o l v i d a s por Angel Rodriguez e An-
gel Carretero O l m e d o , estabelece u m a série d e "conclusões" e "dú-
vidas d o investigador", que, s e g u n d o a ufologia "séria e científi-
ca", c o n s t i t u e m u m " m o d e l o d e b e m fazer e e n t e n d e r " . V e j a m o s
a l g u n s d o s m a i s s u c u l e n t o s p a r á g r a f o s ; e q u e o leitor e as j o v e n s
p r o m e s s a s da i n v e s t i g a ç ã o ovni tirem c o n c l u s õ e s .
D e p o i s d e fazer u m c o m p l e t o relato d o s f a t o s — crivado d e
erros, para piorar as c o i s a s —, o a u t o r se e s t e n d e na d e s c r i ç ã o
do trabalho de lançamento de cabos submarinos, ignorando que,
n e s t e caso, a m i s s ã o d o Monarch era a p e n a s d e " p r o s p e c ç ã o e es-
t u d o do f u n d o d a s á g u a s " . E e m s e g u i d a s e " e s p a r r a m a ex cathe-
dra", c o m " c o n c l u s õ e s " c o m o estas:
"... C o n h e c i d o s os a n t e c e d e n t e s q u e se citam e t e n d o e m con-
ta as c o n s i d e r a ç õ e s q u e p r e c e d e m c a d a u m d o s a s p e c t o s relacio-
n a d o s c o m o incidente, p a r e c e e v i d e n t e q u e o relato c a r e c e d e
f u n d a m e n t o , por m a i s q u e t e n t e m d e s q u a l i f i c a r u m investigador
q u e teve a c o r a g e m d e a f i r m a r q u e t u d o era falso..."
S u p o n h o q u e se refere a A n g e l Rodrigues, suboficial da Ar-
m a d a e p r e s i d e n t e do GEIFO: a p e s s o a q u e r e c e b e u a f a m o s a "do-
c u m e n t a ç ã o " e q u e se precipitou a dar a c o n h e c e r a o Diário de
Cadiz a e x p l i c a ç ã o d o s " o p e r á r i o s britânicos".
" N ã o há razões" — p r o s s e g u e e m s u a s " p r i m o r o s a s " hipóte-
ses — "para p e n s a r na o c o r r ê n c i a d e algo a l t a m e n t e ' e s t r a n h o ' ,
principal característica q u e deveria presidir a t o d a essa história
no c a s o d e ser certa."
S e g u n d o a Real Academia, "estranho" é t u d o aquilo "raro, sin-
gular, especial ou e x t r a o r d i n á r i o " . E a c r e s c e n t o eu: s e a l g u n s ov-
nis no céu, t r o c a n d o cintilações; a a p a r i ç ã o na á g u a d e dois sujei-
t o s m e t i d o s e m lençóis ( c o m a s c a b e ç a s "caiadas"); u m a "estrela
c a d e n t e " q u e "nasce" d o nada; o " m a l a b a r i s m o " c o m a esfera azul;
a " m u t a ç ã o ; u m " c a b e ç a d e p e r a " v o a n d o pela praia e a l g u m a s
pegadas de quase meio metro não constituem nada de "altamen-
te e s t r a n h o " , e n t ã o eu s o u S ã o F r a n c i s c o d e Assis.
"A a t i t u d e d a s t e s t e m u n h a s n ã o é e x a t a m e n t e a d e p e s s o a s
confiáveis, c o n c o r r e n d o n e l a s f a t o r e s q u e a s d e s q u a l i f i c a m . "
Tais a f i r m a ç õ e s — d e s a c o m p a n h a d a s d e provas — c o n s t i t u e m
injúrias, i m p r ó p r i a s d e u m investigador "sério e ortodoxo". A "ati-
t u d e " d o s cinco jovens, ao m e n o s c o m os investigadores q u e tive-
ram a delicadeza de procurá-los e interrogá-los, foi s e m p r e correta,
franca e, às vezes, a t é paciente. Nós, ufólogos, c o m e t e m o s a toli-
ce d e s u p o r q u e os p r o t a g o n i s t a s d e u m a c o n t e c i m e n t o ovni s ã o
o b r i g a d o s — q u a s e q u e p o r lei — a satisfazer nossa curiosidade.
"A vista d o e x p o s t o " — d e s c a b e l a o m e s t r e — "é j u s t i f i c a d o
p e n s a r q u e cinco p e s s o a s f o r t e m e n t e i n f l u e n c i a d a s pelo f e n ô m e -
n o e e x t r e m a m e n t e crédulas, e m p r e s t a r a m indevida m a g n i t u d e

264
a u m a série d e f a t o s e n c a d e a d o s , p o s s i v e l m e n t e , s e m r e l a ç ã o en-
tre si."
E óbvio q u e o " p u r p u r a d o " r e d a t o r d o a r t i g o z i n h o n ã o teve
o c u i d a d o d e reunir o currículo d a s t e s t e m u n h a s . E s s a d e "forte-
mente influenciadas" e "extremamente crédulas" nem mereceria
c o m e n t á r i o s . Q u a n t o à q u e l a d e e m p r e s t a r indevida m a g n i t u d e a
u m a série d e f a t o s (quais? u m navio e s u a s luzes? o s h o m e n s - r ã s
a serviço d o navio?), se levarmos e m c o n t a q u e o Monarch se acha-
va na o c a s i ã o a u m a s trinta m i l h a s e q u e n ã o havia m e r g u l h a d o -
res, qual foi, afinal, o e x a g e r o d a s t e s t e m u n h a s ?
O ú l t i m o d e s t a q u e do " i n f o r m e " d o s Cuadernos de üfologia
— "Descrição d o s s e r e s e s e u s m o v i m e n t o s (Dúvidas d o investi-
gador)" — só p o d e r i a ser classificado c o m o u m d o s m a i s c o m p l e -
t o s e a n t o l ó g i c o s c a t á l o g o s d o c a r a d u r i s m o e de d e s f a ç a t e z a q u e
n o s a c o s t u m a r a m o s " s u m o s s a c e r d o t e s " d o s ovnis. E e s t e escre-
vinhador, e m sua perversidade, divertiu-se à g r a n d e relendo-o. So-
b r e t u d o a p ó s r e c e b e r a s c o o r d e n a d a s d o Monarch...
E c o m o p e n s o q u e o regozijo d e v e ser s e m p r e coisa a dois,
aí vão, a s p e a d a s , as " c a r a d u r i c e s " m a i s r o t u n d a s :
1? " T r a z e m d i f e r e n t e s túnicas. T o a l h a s , p o s s i v e l m e n t e ? "
Até o s p é s e c o m m a n g a s ?
2? "Movimentos lentos e difíceis. S e se t r a t a s s e d e u m p a r q u e
sai da á g u a agitando-se, os m o v i m e n t o s s e r i a m p l e n a m e n t e dis-
tinguíveis, m a s s e n d o d e noite e c a m i n h a n d o pela areia da praia..."
E s t a r i a m d e c a r a p a ç a os m e r g u l h a d o r e s — ou a "parelhazi-
n h a " — para sair d o m a r c o m as " t o a l h a s " p o s t a s ?
3? "A d e s c r i ç ã o q u e f a z e m d e s u a s caras. Seria o c a s o d e per-
g u n t a r c o m o c o n s e g u i r a m , s e p r e c i s a m e n t e n e s s a n o i t e havia lua
nova, p o r t a n t o inexistia luz natural, e receio q u e p o u c a ou n e n h u -
ma que proviesse do povoado."
De fato, "é preciso p e r g u n t a r à s t e s t e m u n h a s " . Para isso é ne-
c e s s á r i o viajar para Conil e n ã o " p o n t i f i c a r " d e ouvido... Q u a n t o
à iluminação, n ã o s e trata d e c o m p a r a r a m o d e s t a p o v o a ç ã o ga-
ditana c o m Nova York, m a s faz a n o s q u e Conil d e s f r u t a u m apre-
ciável s i s t e m a d e i l u m i n a ç ã o . S u f i c i e n t e para permitir distinguir
(e n ã o e s q u e ç a m o s q u e havia u m binóculo) dois t i p o s c o b e r t o s
c o m lençol, d e g r a n d e p o r t e e c a b e ç a s p e l a d a s , m a i s b r a n c a s q u e
as túnicas.
4? "Algo mais de dois m e t r o s d e altura. C o m o determinar esse
tamanho?"
D e i x a n d o d e p a r t e a s d i m e n s õ e s da "cova" na qual se deita-
r a m (ao redor d e dois metros), e s s e " á r d u o p r o b l e m a " — a trinta
m e t r o s — seria t ã o " c o m p l i c a d o " , p e l o m e n o s , c o m o a a v a l i a ç ã o
da e s t a t u r a d o " m e r g u l h a d o r q u e se d e s l o c a v a e m p é a b o r d o d e
u m a Zodiac". ( I n t e r p r e t a ç ã o d a d a p e l o GEIFO).

265
5? " N ã o s e t r a n s f o r m a m d i a n t e da estrela c a d e n t e q u e as tes-
t e m u n h a s d i z e m q u e está a p o u c o s m e t r o s d e s u a s c a b e ç a s . Não
seria r e a l m e n t e u m a estrela c a d e n t e e, portanto, infinitamente dis-
tanciada da realidade d o s seres? C o m o operar u m a ' m u t a ç ã o ' dian-
te d e u m fato d e s t a s características, que, a l é m d e tudo, devia estar-
se p a s s a n d o às c o s t a s d o s s e r e s ? "
O cara n ã o a c e r t a m e s m o n e n h u m a ! N e s s e m o m e n t o , s e g u n -
do as t e s t e m u n h a s , os s e r e s h a v i a m girado e se a c h a v a m "de fren-
t e " para a s u p o s t a "estrela c a d e n t e " .
6? " O ser d e p r e t o só foi visto p o r Pedro, q u e corre, e nin-
g u é m c o m p r o v a s u a p r e s e n ç a j u n t o a o s dois s e r e s . P e n s o q u e po-
d e ser u m a fantasia, p r i n c i p a l m e n t e q u a n d o a t é e n t ã o n a d a se dis-
sera s o b r e o u s o d o b i n ó c u l o . "
A isto se c h a m a "investigar por t a b e l a " , q u e r dizer, por se-
g u n d a s , t e r c e i r a s ou q u a r t a s p e s s o a s . Viva a ufologia "científica"!
7? " Q u a n d o os s e r e s se t r a n s f o r m a m e v o l t a m a o p o v o a d o ,
será q u e n ã o foi só n e s s e m o m e n t o q u e as t e s t e m u n h a s v ê e m real-
m e n t e o q u e há ali, u m s i m p l e s casal q u e havia e s t a d o e s t e n d i d o
na areia! Por q u e n ã o o s s e g u i r a m ? Qual o grau d e e s t r a n h e z a q u e
p o d e produzir u m casal na praia, d e noite, e m t e m p o relativamente
b o m ? E s s a creio q u e é a v e r d a d e i r a e x p l i c a ç ã o . "
Não é q u e isso e s t e j a e n t r e m i n h a s d i v e r s õ e s favoritas, m a s
ainda estou por descobrir u m "casal" q u e se e s t e n d a n a praia, c o m
u m a túnica da c a b e ç a a o s pés, q u e se p r e o c u p e c o m construir u m
" m u r o z i n h o " d e areia a o s e u r e d o r e q u e se " e n t r e t e n h a " n o ingê-
n u o " b r i n q u e d o " d e " p a s s a r u m a lanterna". E t u d o isso e m segun-
dos. J á o s vi " e x c e p c i o n a i s " e "rápidos", m a s n ã o tanto...
Por q u e n ã o o s s e g u i r a m ? O a m i g o J . R. p a r e c e q u e r e r t r o ç a r
d e nós. P o r q u e na " c a r a d u r i c e " q u e v e m a seguir está a c o m p l e t a
resposta...
8? " O l h a m a praia e v ê e m deslizar o ser d e p r e t o a t é t o c a r
a orla. N ã o foi p r e c i s a m e n t e e s s e o m o t i v o por q u e o casal d e c i d e
deixar a p r a i a ? E m u m raciocínio lógico, se eu e s t o u c o m u m a
m u l h e r na praia, n o e s c u r o , p r o t e g i d o s , a m b o s , pela areia, deita-
dos, é d e s u p o r q u e n ã o e s t o u o l h a n d o a s estrelas. De o u t r o lado,
se nessa s i t u a ç ã o vejo a l g u é m aproximar-se, p e s c a d o r , m e r g u l h a -
dor, t r a n s e u n t e . . . e v i d e n t e m e n t e desistirei d e m i n h a p o s i ç ã o e n o
m a i s d r á s t i c o d o s c a s o s a b a n d o n a r e i o lugar."
O " a r g u m e n t o " seria discutível, n ã o f o s s e p o r u m "insignifi-
c a n t e d e t a l h e " q u e e s c a p o u à " s a g a c i d a d e " d o ilustre investiga-
dor: o m e r g u l h a d o r - v o a d o r " e a "névoa" a p a r e c e r a m q u a n d o o par
s e a f a s t a v a , já r u m o a o p o v o a d o . . .
9? " E s t r a n h a s luzes d e s d e o final d e a g o s t o . Coincide c o m
a s d a t a s d e o p e r a ç ã o d o Monarch."
Eu já disse: n ã o e m b o c a u m a . . .

266
10? "Turistas e m o r a d o r e s h a v i a m visto a s luzes, m a s s e m
dar-lhes a m e s m a a t e n ç ã o . Por q u e a p e n a s s u s c i t a r i a m a a t e n ç ã o
d a s t e s t e m u n h a s ? Aqui p o d e haver u m p o n t o d e a p o i o à sua ati-
t u d e d e d e s l u m b r a m e n t o . S e g u e m a s e v o l u ç õ e s d a s luzes p o r q u e
d e s d e o princípio a s a s s o c i a m c o m o f e n ô m e n o ovni, coisa q u e
n ã o fazertn o s d e m a i s m o r t a i s . Havia, p o r t a n t o , p r e d i s p o s i ç ã o . "
O n d e se e n c o n t r a m as d e c l a r a ç õ e s d e s s e s turistas, m o r a d o -
res e d e m a i s m o r t a i s ? Além disso, q u e há d e d e s c a b i d o e m q u e
u m a ou m a i s t e s t e m u n h a s a s s o c i e m a l g u m a s "luzes" c o m ovnis?
Por m u i t a " p r e d i s p o s i ç ã o " q u e isso p o s s a produzir — coisa sem-
pre m u i t o relativa —, a f a b u l a ç ã o n ã o resiste à análise. E n ã o é
e s s e o caso.
Escrevia N a p o l e ã o e m s e u s Pensamentos q u e o "imbecil t e m
u m a v a n t a g e m s o b r e o h o m e m d e t a l e n t o : está s e m p r e satisfeito
c o n s i g o m e s m o , e l e v a n d o s u a s o p i n i õ e s a v e r d a d e s inquestioná-
veis".
11? "Luz circular c o m q u a t r o f o c o s no centro, n o horizonte,
e luz vertical s o b r e a praia d e Los Bateles, c o m u n i c a n d o - s e e n t r e
si. P o d e ser e x p l i c a d o pela p r e s e n ç a d o Monarch e o s t r a b a l h o s
descritos."
Q u e p e r g u n t e m a o c a p i t ã o d o Monarch, q u e n e s s a noite se
achava a mais de cinqüenta quilômetros. Para p o d e r m o s fazer u m a
idéia, a largura d o Estreito d e Gibraltar é d e quinze.
O b s e r v e m o s j o v e n s i n v e s t i g a d o r e s a q u e abissal ridículo po-
d e arrastar a a u s ê n c i a d e rigor e m u m a investigação: o s "traba-
lhos descritos", c o m o ficou dito, f a z e m referência a o l a n ç a m e n t o
d e c a b o s telefônicos submarinos. Nessa ocasião — repito pela ené-
s i m a vez —, o s t r a b a l h o s d o s navios c o n t r a t a d o s se l i m i t a r a m a o
" e s t u d o e p r o s p e c ç ã o d o perfil m a r í t i m o " , c o m vistas a u m a ins-
t a l a ç ã o p r o g r a m a d a para 1991.
12? "Estrela c a d e n t e a 6 ou 7 m e t r o s d o s seres. E precisa-
m e n t e isso, u m a estrela c a d e n t e . "
P l a g i a n d o — q u e é o q u e eu f a ç o , s e g u n d o o s " v a m p i r o s " —
m e u a d m i r a d o Victor Hugo, " s u p o r t a r o s tiranos é u m a a t i t u d e
venerável. S u b m e t e r - s e a eles, a o c o n t r á r i o , é desprezível". E n ã o
serei eu — " b e s t a n e g r a " da ufologia "científica" — q u e m dirá
" a m é m " a esta nova " i m p o s i ç ã o " . Podia tratar-se d e u m a estrela
c a d e n t e . . . ou n ã o . O q u e n ã o a c e i t o é q u e " s o m e n t e " f o s s e u m
m e t e o r i t o , e m u i t o m e n o s por " d e c r e t o real".
13? "Bola l u m i n o s a d e u m a o u t r o ser, r e p e t i d a s vezes (6 a
7 ocasiões). Existiu r e a l m e n t e ? No c a s o afirmativo, p o d i a ter si-
do uma lanterna."
Minha inteligência — e m p e r p é t u a "lua n o v a " — n ã o d á p a r a
t a n t o . Mas a l g u é m , a n t e s d e m i m , s u g e r i u : "A d e s c o n f i a n ç a , as-
sim c o m o o s b o n s p e r f u m e s , e s t i m u l a e m d o s e s a d e q u a d a s . E m

267
excesso obnubila os sentidos." Se q u a n d o i n t e r r o g a m o s as teste-
m u n h a s a c r e d i t a m o s em sua sinceridade e na ausência de con-
tradições graves, c o m o qualificar a desconfiança de q u e m n e m
sequer as c o n h e c e u p e s s o a l m e n t e ?
C o m o dizia Graf, "se o ouriço tivesse u m p o u c o de inteligên-
cia não necessitaria armar-se c o m tantos espinhos".
14? "Pânico e curiosidade (nas testemunhas). Desde q u a n d o
o pânico é sinônimo de objetividade?"
E q u e t e m que ver a "a curiosidade" c o m a "objetividade"?
A primeira permitiu ao h o m e m evoluir. A s e g u n d a , ao contrário,
tem algo de metafísico. Q u e m se classifique a si m e s m o c o m o
"objetivo" — e m qualquer domínio da vida — q u e atire a primei-
ra pedra... Oscar Wilde definiu o dilema c o m sua habitual geniali-
dade: "Aquele que c o n s e g u e ver os dois a s p e c t o s de u m a ques-
tão é u m h o m e m que não vê a b s o l u t a m e n t e nada." Mas concen-
tremo-nos no conceito " m e d o " . Não seria supérfluo que o digno
r e p r e s e n t a n t e da ufologia "ortodoxa" consultasse os especialis-
tas em psiquiatria. Q u e não distorçam m e u p e n s a m e n t o . O pâni-
co, entre outras reações, provoca o estímulo do h i p o t á l a m o e da
hipófise. Dá lugar a u m a hipersecreção do h o r m ô n i o ACTH (ade-
nocorticóide) e "aciona" o sistema nervoso simpático. Pois bem,
s e g u n d o a medicina, u m a das c o n s t a n t e s no p r e d o m í n i o do siste-
m a nervoso simpático é j u s t a m e n t e o i n c r e m e n t o da atividade
mental. O que, em t e r m o s cristãos, significa: u m ser h u m a n o es-
tressado pelo m e d o dispõe, em linhas gerais, de u m a clareza, de
reflexos e de energia cerebrais m a i s a c e n t u a d o s do que e m con-
dições normais. Creio não exagerar se afirmo que u m a altíssima
p o r c e n t a g e m de t e s t e m u n h a s de a c o n t e c i m e n t o s c o m ovnis diz
haver e x p e r i m e n t a d o o m e d o . Isso está registrado na casuística
mundial e e m m i n h a s próprias investigações. E m u i t a s dessas ex-
periências são aceitas s e m reservas, até pelos "esquenta-
poltronas". Q u e sentido tem, então, essa nova "caradurice"?
15? "Pedro sai correndo e p õ e mais nervosos os demais. Por
que não deixa o binóculo aos outros para c o m p r o v a r e m o que dis-
se ver?"
A p a n e mental do autor do "informe" — c o n s e q ü ê n c i a lógi-
ca de sua vergonhosa falta de informação — faria inveja a Grou-
cho Marx. Se houvesse interrogado as t e s t e m u n h a s (o "atestado"
do GEIFO neste capítulo é a b s o l u t a m e n t e c o n f u s o e incompleto)
saberia que Pedro G, ao descobrir o ser de preto e sair correndo
"atirou" o binóculo para o grupo. E t a m b é m teria c o n h e c i m e n t o
do c o m p o r t a m e n t o dos demais, e m especial do c h a m a d o Pedro
"só", q u e usou o binóculo, sim, e m b o r a s e m resultado positivo.
16? "Se realmente d e s e j a m o anonimato, por que a impren-
sa, em diversas oportunidades...?"

268
Esquema da distribuição e direção das pegadas do estranho
" p a r " , no segundo " c o n t a t o " .

No desenho de Juan
Uermúdez, o " h o m e m "
que se levantou da areia
o que, segundos antes,
ora um ser de " t ú n i c a
hranca" e cabeça sem
rosto. Este " r e t r a t o -
robô" foi mostrado ao
Investigador Jesus
Borrego, que
Imediatamente Em uma das telas do Serviço de Tráfego Marítimo
reconheceu o misterioso de Gibraltar, o perfil do Estreito. A linha que parte
personagem que vira na de Tarifa (para a esquerda e para cima) marca o limite
inesma praia de Conil em da cobertura do radar naquela zona. Conil fica
15 de outubro. na " z o n a de s o m b r a " . (Foto de J. J. Benitez.)
A p e r g u n t a , além do vício de origem, destila o familiar vene-
no dos "sepulcros caiados". E por q u e não t o m a r a o r a ç ã o passi-
va? Apesar da imprensa, eles m a n t ê m o anonimato... O sensacio-
nalismo — ainda que fugaz — estava ao seu alcance e, entretan-
to, eles o recusaram.
17? "Anonimato. Cima vez feitas as declarações à imprensa,
por que se n e g a m a u m interrogatório sério e objetivo? Será q u e
p e n s a m q u e p o d e m ser alvo de c a ç o a d a ao comprovar-se q u e tu-
do foi mentira, m e r o erro?"
O c a r a d u r i s m o tinge-se agorp de tosca falsidade. Investiga-
dores de Cádiz, Puerto Real, Algeciras, etc., s u b m e t e r a m as tes-
t e m u n h a s a d u r o s interrogatórios. E incluo entre os pesquisado-
res os d e s a f o r t u n a d o s "geifos". Claro que, do p o n t o de vista dos
" s u m o s sacerdotes", muitos desses investigadores não p a s s a m de
"irmãos da Confraria do Dólar", desprezível escória incapaz de le-
var a b o m t e r m o u m a investigação "séria e científica"...
Q u e é que se p o d e fazer? Diz b e m o Evangelho: "Por s u a s
obras os conhecereis!"
Mas o "caso Conil", c o m o t e n h o feito ver ao longo destas pá-
ginas, n ã o se encerraria c o m os a c o n t e c i m e n t o s de 2 9 de setem-
bro de 1989. Os ovnis " r e g r e s s a r a m " . E t a m b é m o misterioso ca-
sal que nessa noite penetrou no povoado. O s e g u n d o "contato"
c o m o " h o m e m " e a " m u l h e r " que se haviam " t r a n s f o r m a d o " na
praia ocorreria a 15 de o u t u b r o seguinte. Tive precisa informa-
ção do acontecido, dos lábios dos cinco jovens. Mas nessa noite
de 15, d o m i n g o , além dos m o r a d o r e s de Conil, estava p r e s e n t e
outra pessoa, estranha aos jovens e ao lugar, CJm investigador ga-
ditano que "casualmente" interrogava os protagonistas de Los Ba-
teles. CJm h o m e m c o m u m a longa atividade nesse c a m p o , funcio-
nário da C â m a r a Municipal de Cádiz e de u m a honradez inatacá-
vel. A m e u pedido, J e s u s Borrego López redigiu u m a síntese do
que eles e as d e m a i s t e s t e m u n h a s p r e s e n c i a r a m naquele dia. Eis
aqui o seu interessante d e p o i m e n t o :
"Dias depois dos recentes acontecimentos da praia de Los Ba-
teles, em Conil de la Frontera, província de Cádiz, apresentei-me
na localidade e, a p ó s breves gestões, falei c o m os jovens. Seriam
2 0 h 3 0 da tarde (do citado 15 de o u t u b r o de 1989), q u a n d o m e
encontrava t o m a n d o um aperitivo e m u m bar, junto à praia, e con-
versando c o m o proprietário do dito estabelecimento, fazendo mi-
nhas primeiras investigações. Muito amavelmente, este senhor m e
c o m u n i c o u q u e os jovens, q u a s e t o d a s as tardes, apareciam pela
área e que, se eu a g u a r d a s s e u m m o m e n t o , era provável que os
visse.
"Efetivamente, seriam as 2 0 h 3 0 q u a n d o a p a r e c e r a m Loli e
Pedro (duas das testemunhas).

270
" S e n t a m o - n o s em um bar, e, depois de uma troca de impres-
sões, pedi-lhes que fizessem o possível para m e a p r e s e n t a r c o m
a maior brevidade o resto do grupo. Assim o fizeram. Uma vez
na casa de J u a n Bermúdez, na presença deste, assim c o m o Pe-
dro G. e Isabel, a c o m o d a m o - n o s e, s e m pressa, c o n v e r s a m o s lon-
g a m e n t e , depois de haver-lhes p e d i d o permissão para formular-
lhes a l g u m a s p e r g u n t a s talvez u m tanto incômodas, m a s muito
necessárias.
"Eles acederam amavelmente e, u m a vez respondidas as ques-
tões, pedi-lhes q u e m e a c o m p a n h a s s e m à praia, para que eu co-
n h e c e s s e o lugar. Reconhecida a área, f o m o s a um bar e, enquan-
to t o m á v a m o s u m refrigerante, c o n t i n u a m o s conversando sobre
o acontecimento.
"Seriam 2 2 h 3 5 q u a n d o ocorreu o imprevisto.
" F i c a m o s perplexos. Atônitos. A conversa ficou em suspen-
so e t o d o s e m u d e c e m o s . Instintivamente voltamos n o s s a s vistas
para u m par estranho que passava e m direção ao mar.
"Rompi o silêncio e perguntei-lhes se acreditavam no que es-
t á v a m o s vendo.
" 'Vocês observaram b e m a c a b e ç a desse h o m e m ? '
"Mas os jovens n ã o r e s p o n d e r a m . Ficaram olhando u n s para
os outros s e m abrir a boca.
"E eu continuei insistindo:
" 'Vejam que estatura! T e m dois metros, pelo menos...'
"Por fim os jovens r o m p e r a m o m u t i s m o e, u n a n i m e m e n t e ,
s e m titubear, a f i r m a r a m que e r a m as m e s m a s características dos
que se haviam 'transformado', na areia, em 2 9 de s e t e m b r o .
"Levantei-me e saí c o m Pedro, deixando as d u a s outras tes-
t e m u n h a s no bar, c o m o e n c a r g o de registrar o t e m p o gasto e m
chegar ao mar. Andávamos no m e s m o ritmo do estranho par, pou-
co mais ou m e n o s . O ' h o m e m ' e a 'mulher' c a m i n h a v a m em dire-
ção à água, levando u m a dianteira de cerca de cento e cinqüenta
metros.
" A visão era total, e m b o r a as l â m p a d a s do passeio Marítimo
estivessem apagadas. E m outubro, as autoridades determinam as-
sim. A noite era muito clara. A Lua era cheia e nuvens baixas re-
fletiam a luz do p o v o a d o e da Lua na praia e no mar. T a m b é m
n o s favorecia muito a claridade da varredura dos faróis de Trafal-
gar, para o sul, e do cabo de Roche, para o norte. Nossa visão,
para resumir, cobria os 180 graus Norte-Sul, c o m u m a penetra-
ção de mais de cinco quilômetros e m a m b o s os lados.
" A n d á v a m o s rapidamente, s e m tirar os olhos de cima deles.
Pisávamos areia seca, p e r p e n d i c u l a r m e n t e ao povoado. E quan-
do nos a p r o x i m á v a m o s da areia m o l h a d a ou úmida pela ação da
maré, o terreno m u d o u de configuração, p a s s a n d o a aclive.

271
"De repente percebemos que o par havia desaparecido de nos-
sa vista. O l h a m o s e m t o d a s a s direções. E repito: a visibilidade
era total.
"Haviam desaparecido!
" F i c a m o s arrepiados. Não era para m e n o s .
"Pois bem, mal nos havíamos refeito do susto q u a n d o nos me-
t e m o s e m outro. O l h a m o s para o leste e qual não foi nossa sur-
presa ao v e r m o s um 'ponto preto' do t a m a n h o de u m a bola de
futebol que, de s e g u n d o a segundo, a u m e n t a v a de t a m a n h o e que
se aproximava de nós pela faixa de areia contígua à água.
"Nossa a t e n ç ã o ficou fixada naquela 'coisa'. Não nos move-
m o s do lugar porque minha intenção era examinar as pegadas das
sapatilhas do incrível par. Assim, a g u a r d a m o s a c h e g a d a daque-
le f a n t a s m a g ó r i c o "ponto preto" que se avizinhava a u m a veloci-
d a d e incalculável. Clm verdadeiro recorde. Nisso c h e g a r a m os jo-
vens q u e havíamos deixado no bar e que t a m b é m f o r a m testemu-
nhas do o b j e t o velocista. A m e d i d a que se aproximava, o "ponto
preto' foi variando de t a m a n h o . E ao deslocar-se executava uns
curiosos m o v i m e n t o s : c o m o se flutuasse, u m a s vezes; outras ve-
zes, c o m o se avançasse a o s 'empurrões'.
"E assim p e r m a n e c e m o s , perplexos, até que p u d e m o s ver a
forma de u m ser h u m a n o q u e movia as p e r n a s a tal velocidade
que elas se tornavam p o u c o m e n o s q u e 'invisíveis'. Quer dizer,
da cintura para baixo parecia uma m a s s a informe. Os braços, ao
contrário, se distinguiam muito b e m .
"Ao chegar ã altura do n o s s o grupo se deteve. Era u m a
moça.
"Estava a uma distância de uns sessenta metros, roçando a
orla do m a r . Então livrou-se da parte superior da sua vestimenta
e continuou c a m i n h a n d o em direção ao oeste, para Roche.
" T o d o s c o n c o r d a m o s : distinguia-se b e m sua forma, que era
de mulher, m a s não as feições.
"E q u a n d o c o m e ç o u a distanciar-se acercou-se dela outra pes-
soa que, pelo visto, já se achava na área, ainda que n e n h u m de
nós tivesse percebido de o n d e saíra. E a m b o s logo se p e r d e r a m
na direção já m e n c i o n a d a .
" S e g u n d o nossos cálculos, a distância percorrida pela jovem
foi de u n s q u a t r o quilômetros. E não passou de quarenta e cinco
s e g u n d o s o t e m p o d e s p e n d i d o no percurso. Pode parecer incrí-
vel, m a s assim foi. A m e u pedido, Pedro registrou o t e m p o . Clm
verdadeiro recorde, c o m o já fiz notar. Clm recorde impossível de
superar: quatro quilômetros e m quarenta e cinco segundos! Ou
100 m e t r o s em 1,12 segundo!
" ü m corpo h u m a n o de u m a estatura igual à daquela mulher
— 1,80 m — deveria encontrar-se a quatro quilômetros, no míni-

272
mo, para poder aparentar a f o r m a de u m a bola de futebol. E esta-
m o s falando de u m plano horizontal, s e m obstáculos. Mais além,
para trás, a visibilidade melhorava pela maior proximidade do fa-
rol de Trafalgar. E inadmissível, portanto, que um ser h u m a n o pos-
sa ter feito esse percurso em tão curto espaço de t e m p o .
"Sentimo-nos estarrecidos ao t e s t e m u n h a r s e m e l h a n t e 'mar-
ca'. E é de supor que a m o ç a a dedicou a nós, já q u e não havia
n i n g u é m mais na praia.
"Por q u e e n t ã o não recorrer à fantasia e supor q u e nos 'lan-
ç a r a m uma cortina de f u m a ç a ' , c o m o propósito de desviar nossa
a t e n ç ã o da busca do par anterior?
"Depois dessa exibição, dispusemo-nos a seguir as p e g a d a s
do enigmático 'par' que sumiu de f o r m a tão misteriosa.
"(Jma vez localizadas, c o m p r o v a m o s que as p e g a d a s da jo-
v e m e r a m p o u c o definidas, levando-nos a duvidar até da sua exis-
tência. As do h o m e m , ao contrário, surgiam nítidas e muito pro-
f u n d a s na areia m o l h a d a .
"Suavemente, c o m extremo cuidado, introduzi m e u pé n u m a
daquelas e n o r m e s pegadas, introduzindo meu sapato na extremi-
dade do salto. A pegada do h o m e m superava meu n ú m e r o (42-43)
e m um palmo! Isso significava um c o m p r i m e n t o a p r o x i m a d o de
cinqüenta centímetros!...
" Q u a n t o à p r o f u n d i d a d e das p e g a d a s , correspondia segura-
m e n t e a um p e s o muito superior a c e m quilos. Eu t e n h o oitenta
e dois quilos e, depois de fazer pressão sobre a areia molhada,
não consegui aproximar-me daquela p r o f u n d i d a d e . Só d a n d o u m
salto e caindo c o m força sobre meu pé direito é que consegui uma
p e g a d a similar.
"Depois de rastrear toda a área, à busca de novas p e g a d a s ,
verificamos que apenas existiam as já citadas. Seguimo-las e cons-
t a t a m o s que se dirigiam para o mar e p e n e t r a v a m na água. Estre-
m e c e m o s . J á faz vinte e cinco anos que pesquiso a temática ovni
e muitas coisas já m e ocorreram. Algumas, muito rocambolescas.
J a m a i s , porém, m e a f e t a r a m . Este caso, ao contrário, foi espe-
cial... Esta experiência eu a vivi p e s s o a l m e n t e e dela dou fé c o m
a m ã o no coração. Sou inimigo da mentira e, igualmente, dou fé
da sinceridade dos jovens de Conil e denuncio que, de certo mo-
do, houve u m a tentativa de manipular s u a s experiências por di-
versos meios.
"Depois de os aconselhar a nada c o n t a r e m a q u e m quer q u e
fosse sobre o q u e havíamos presenciado, c o n c o r d a m o s e m nos
recolher ao p o v o a d o e p e r m a n e c e r na expectativa, na esperança
de tornar a ver o s u r p r e e n d e n t e 'casal'. E nisso e s t á v a m o s quan-
do, de repente, Pedro deu o alarme.
" 'Aí vêm!'

273
" d m d o s rapazes havia trazido u m a c â m a r a super-8 e come-
çou a filmar a b e r t a m e n t e , s e m tentar dissimular. E de fato eles
p a s s a r a m por nós. Pareciam muito apressados, c o m o da primei-
ra vez. O ' h o m e m ' olhou para nós, foi u m olhar ressabiado. Estra-
nho. Sua cara era branca c o m o u m a centelha. A da moça, ao con-
trário, belíssima. A estatura dele, impressionante: dois m e t r o s ou
mais. E a cabeça, c o m o já disse, c h a m a v a atenção, c o m um olhar
frio, fugidio e refletindo intranqüilidade. Q u a n t o às s u a s roupas,
inteiramente secas... E c o m o se explicaria isso se as p e g a d a s mor-
riam à beira do m a r ?
" Q u a n d o se revelou o filme n ã o saiu nada. E a luz era mais
do que suficiente...
"Posteriormente, já e m Cádiz, memorizei a figura do estra-
nho indivíduo e a desenhei. Depois levei o d e s e n h o a o s rapazes.
Isto ocorreu o n t e m , 20 de julho de 1990. Ao visitá-los, disse-lhes
que m e havia entrevistado c o m J . J . Benitez. Foi J u a n j o , precisa-
m e n t e , q u e m m e m o s t r o u u m d e s e n h o que m e fez estremecer.
A cabeça que aparecia no d e s e n h o era idêntica à do ' h o m e m ' q u e
vimos e m Conil.
" J u n t o a este m e m o r a n d o m e u próprio d e s e n h o . "
A maior parte das m i n h a s pesquisas e indagações, c o m o eu
já disse, se prolongaria até agosto de 1990. Mas — t a m b é m já fiz
ver —, dada a especialíssima natureza de alguns dos fatos, as pes-
quisas c o n t i n u a m abertas. Sou o primeiro a lamentar que — por
e n q u a n t o — n ã o p o s s a m ser reveladas. Cima indiscrição poderia
arruinar o paciente, laborioso e sigiloso trabalho que está s e n d o
realizado e que, se minha "boa estrela" o permitir, talvez faça luz
e m torno d o s a s s u n t o s i n t i m a m e n t e ligados ao múltiplo "conta-
to" de 29 de s e t e m b r o . E m u m deles está implicado u m apreciá-
vel grupo de "agentes especiais" (humanos, diga-se de passagem)
que, s e g u n d o consta, de a r m a s na m ã o lançaram-se atrás dos ov-
nis avistados e m Los Bateles. Disso, está claro, os "esquenta-
poltronas" n ã o têm a mínima idéia...
O s e g u n d o "assunto", muito estreitamente ligado ao par "mu-
tante", é de tal gravidade que, c o m o eu já disse, deve ser guarda-
do em segredo até sua definitiva comprovação. E aproveito a opor-
tunidade para advertir os "serviços de inteligência" — se b e m que
eu suspeite que eles já estão a par de tudo — q u e tive a precau-
ção de distribuir as pesquisas por outros investigadores... Ainda
assim, e c o m o conheço os "dramáticos hábitos" desses "serviços",
aqui e agora (em 3 de s e t e m b r o de 1990) faço u m a convocação
a o s a u d a z e s investigadores "de c a m p o " que ainda restam: se es-
te "engolidor de estradas", e m um futuro imediato, sofrer um "aci-
dente" — a p a r e n t e m e n t e causal —, não rezem por m i m . Investi-
guem...

274
Recorte de Jornal ("Diário
Zaliara de la Sierra de Cádiz"), de primeira página,

El alcaide y el director de em que se noticia o


avistamento de Zahara
la CsjsL de Ronda explican de la Sierra, ao norte
da província de Cádiz.
el avistamienio dei OVNI

Memorando oficial sobre


o avistamento registrado J e f a t u r a Policia Local
Canil dt la 7'rotlera (Cáili))
na madrugada de 29 de
dezembro de 1 9 8 9 em Conil.
Loa agontesde l a P o l i c i a Local D» flBHÉÉBBBHHIi y D. M B
• • • • • • • 1 por médio dei presente p a r t o informan a l Sr*
J e f e d® l a mlama.
Que en e l dia de hpji siendo l a s 01,55 h . mientrao efeotuaba-
mo8 una ronda de v i g i l a n c i a por l o s agentes a r r i b a mencionado se
ha podido observar que en l a s inmediaciones de t e l o f o n i c a e x i s t i a n
dos grandes focos de l u z sobrevolando, dirigiendonos a l l u g a r por
l a o a r r e t e r a d e i pago dei zorro y a l a a l t u r a d e i camping denomina-
do l o s e u c a l i p t o s nos detuVimos para observar dichos f o c o s , se pudo
observar que l o s focos estaben parados y no se pudo a p r e c i a r ning&i
t i p o do r u i d o de aparato de vuolo, dichos focos se apagaron inme-
diatamente convirtiendose en un pequeKofoco de l u z tenue oasi i n a -
pveciable, tomando segidnmente d i r e c c i o n h a c i a donde anteriormente
alumbraban, desde l a s inmediaciones de t e l e f ó n i c a h a s t a unos 500 m.
pasada l a base m i l i t a r , oato se pudo ob3Qrvar por un tiempo a p r o x i -
mado e n t r e 60 y 90 segundos.

Lo que trasladamos a Ud. para su s u p e r i o r conocimiento y efectoo


oportunos,

Conil de l a f r o n t e r a a 29 de Diciembre de 1909

Los Agentes

S R . rARGBNTO-JBPE DE LA POLICIA BOCAL DE CONIL DE LA FRONTERA


Imagino q u e o leitor não iniciado no f e n ô m e n o ovni encara-
rá esta c o n v o c a ç ã o c o m o u m "recurso", mais ou m e n o s literário,
produzido pela calorosa i m a g i n a ç ã o deste escriba. T o m a r a fos-
se! Se a opinião pública s o u b e s s e c o m o se m o v e m e até o n d e po-
d e m p e n e t r a r as garras de d e t e r m i n a d o s d e p a r t a m e n t o s de "in-
formação" no f e n ô m e n o dos "não- identificados", francamente não
sei o que seria de muitos estadistas e altos funcionários das For-
ças A r m a d a s . O "segredismo", e m matéria ovni, longe de a c a b a r
c o m o correr d o s anos, só fez reforçar-se.
CJm exemplo? Aí vai, e d i r e t a m e n t e relacionado c o m os acon-
t e c i m e n t o s de q u e estou tratando:
Nos dias 27, 28, 29 e 30 desse m ê s de s e t e m b r o de 1989, as
instalações do radar — militares, claro — localizadas em Algeci-
ras (Cádiz), ficaram "desligadas" e, por isso m e s m o , inutilizadas.
Os radares m o s t r a r a m - s e — de repente — e m "alerta no vazio".
CJrna "avaria" de natureza d e s c o n h e c i d a deixou-os inativos dia e
noite, reduzindo consideravelmente a vigilância na área do Estrei-
to. O "incidente", c o m o é óbvio, p e r m a n e c e u — e assim conti-
nuará — c o m o o mais estrito "segredo militar". E este impeni-
tente farejador faz a seguinte reflexão: não é casualidade d e m a i s
que a referida base de radar falhasse j u s t a m e n t e nas d a t a s ime-
d i a t a m e n t e próximas ao dia 2 9 de s e t e m b r o (incluindo-se a "data-
chave")? Q u e s a b e a esse respeito o contribuinte?
P r o m e t o mais informações "confidenciais" sobre o assunto...
no m o m e n t o o p o r t u n o .
E já q u e m e n c i o n e i a muito suspeita "avaria" d o s c o m p l e x o s
sistemas eletrônicos da Defesa na área em questão, não posso dei-
xar sepultado no arquivo outro "pequeno achado", descoberto e m
m i n h a s incessantes idas e vindas pelas estradas gaditanas. C o m o
não podia deixar de ser, u m a das "frentes" obrigatórias, na inves-
tigação do caso Conil, incluiu as instalações — militares e civis
— que p o d e r i a m haver d e t e c t a d o a contínua presença d o s "não-
identificados" no litoral.
C o m o fiz no caso do "bloqueio" dos radares de Algeciras,
restrinjo-me ao que obtive na Base Naval de Rota, relativamente
próxima t a m b é m à costa de Conil, para esse a n u n c i a d o trabalho
sobre "militares e ovnis". À vista do ocorrido n e s s e s dois estabe-
lecimentos, tive a feliz idéia de averiguar se a p a n e dos radares
se havia estendido a u m a terceira instalação: o Serviço de Tráfe-
go Marítimo do Estreito, q u e se localiza nas colinas de Tarifa.
O ingresso e a o b t e n ç ã o de i n f o r m a ç ã o nessa "base" — de
caráter civil e subordinada à Diretoria Geral da Marinha Mercan-
te — constituíram u m "agradável passeio", do m e s m o m o d o q u e
o " r a s t r e a m e n t o " nos enclaves militares. O pessoal do Serviço de
Tráfego Marítimo tem, entre outras missões, u m a vigilância inin-

276
t e r r u p t a d o E s t r e i t o d e Gibraltar e z o n a s limítrofes, c o m o auxílio
d e u m a m o d e r n a bateria d e r a d a r e s . Dessa f o r m a é possível con-
trolar a intensa circulação d e e m b a r c a ç õ e s por u m p o n t o t ã o es-
tratégico: 7 0 0 0 0 por ano. Q u a l q u e r b a r c o q u e o a t r a v e s s e , e m
q u a l q u e r direção, p o d e ser localizado n a s telas. S e o navio é de
porte regular, o radar o detecta c o m precisão a u m a distância apro-
x i m a d a d e vinte e s e t e ou vinte e oito milhas. Q u a n t o a o e s p a ç o
a é r e o a " c o b e r t u r a " p e l o s r a d a r e s oscila ao redor d o s d u z e n t o s
m e t r o s . E n t ã o , no c a s o d o s ovnis, s e eles t i v e s s e m s o b r e v o a d o
o litoral d e Conil d e la F r o n t e r a , e d u r a n t e d u a s s e m a n a s , talvez
e s s e s " a n j o s da g u a r d a " do E s t r e i t o o s h o u v e s s e m d e t e c t a d o .
J a v i e r Garate, Angel M o n t e r o e Manuel Reina, i n t e g r a n t e s
d o staff q u e dirige o e s t a b e l e c i m e n t o , c o l a b o r a r a m e n c a n t a d o s
n e s s a i n v e s t i g a ç ã o t ã o p o u c o c o m u m . Mas, a o falar d o c e n á r i o
d o s fatos, e s c l a r e c e r a m q u e e s s e " a r c o " da costa c o n s t i t u í a u m a
d a s c h a m a d a s " z o n a s d e s o m b r a " e m q u e o radar d e Tarifa n ã o
p o d e p e n e t r a r . O c a b o d e T r a f a l g a r a t u a c o m o o b s t á c u l o ou es-
c u d o natural, " o c u l t a n d o " a e n s e a d a d e Conil. E fizeram u m a
d e m o n s t r a ç ã o disso, a t i v a n d o o radar na d i r e ç ã o citada. (V. ilus-
t r a ç ã o pg. 2 6 9 )
E m m i n h a m o d e s t a opinião, e s s a s c o n s u l t a s , ainda q u e pos-
s a m p a r e c e r negativas, n ã o d e v e m ser c o n s i d e r a d a s t a n t o assim...
Mão é m u i t o significativo q u e i n s t a l a ç õ e s militares c o m capaci-
d a d e d e localização e d e a t a q u e t e n h a m sofrido n a q u e l e s dias inex-
plicáveis a n o m a l i a s , e n q u a n t o q u e u m radar civil, " q u e n ã o varre
a costa o n d e se r e g i s t r a r a m o s fatos", p e r m a n e c e s s e , ao contrá-
rio, i n t a c t o ?
Ainda s a b e n d o q u e m e a v e n t u r o e m t e r r e n o p u r a m e n t e es-
peculativo, n a d a haveria d e e s t r a n h o q u e " r e s p o n s á v e i s " pelas na-
ves o b s e r v a d a s na área h o u v e s s e m " e s t u d a d o " m e t i c u l o s a m e n t e
o assunto, " a p a r e c e n d o " e m u m p o n t o q u e não os obrigava a "neu-
tralizar" u m serviço d e vital i m p o r t â n c i a p a r a a s e g u r a n ç a d e de-
z e n a s de e m b a r c a ç õ e s m a r í t i m a s . L e m b r e m o s q u e d u r a n t e o dia
2 9 d e s e t e m b r o , s e g u n d o os boletins m e t e o r o l ó g i c o s , h o u v e ne-
voeiros e u m v e n t o d e leste, c o m r a j a d a s d e 5 a 6. N e s s a s condi-
ções, e m u i t o e s p e c i a l m e n t e c o m nevoeiro, o s r a d a r e s d e Tarifa
d e s e m p e n h a m u m t r a b a l h o crucial para u m a correta n a v e g a ç ã o .
J á devo ter m e n c i o n a d o isto e m a l g u m m o m e n t o : o q u e o s
" e s q u e n t a - p o l t r o n a s " i g u a l m e n t e n ã o s a b e m é q u e o s ovnis "vol-
t a r a m " . E duvido, t a m b é m , q u e t e n h a m tido notícias d e s s e ou-
tro "ser" q u e " p a s s e o u " j u n t o à d e s e m b o c a d u r a d o rio S a l g a d o ,
e m Conil, u m a s e m a n a a n t e s d o " g r a n d e a c o n t e c i m e n t o " d e Los
Bateles.
Nesta a b s u r d a - m á g i c a - d e s c o n c e r t a n t e " r e a l i d a d e ovni" t u d o
é admissível. A t é m e s m o q u e u m a t e s t e m u n h a sofra u m a "anor-

277
mal e transitória" amnésia, para "recordar" no m o m e n t o "opor-
tuno". Pois isso foi o que se p a s s o u c o m Miguel, outro m o r a d o r
de Conil de la Frontera.
No decorrer das pesquisas, a "nave-mãe" a c a b o u por colocá-
lo na mira deste "sabujo", em pleno r e d e m o i n h o do conflito en-
tre "capuletos e m o n t e c c h i o s " (leia-se ufólogos "de c a m p o " e de
salão). Agora, c o m a perspectiva do t e m p o a m e u favor, volto a
sorrir no m e u íntimo. O t e s t e m u n h o desse artesão de q u a r e n t a
a n o s veio reforçar o dos cinco jovens e, ao m e s m o t e m p o , a idéia
defendida pelos "capuletos": o caso era real.
No princípio foi preciso vencer a natural resistência desse no-
vo protagonista. Os "ventos" q u e s o p r a v a m na localidade gadita-
na, especialmente depois do que noticiou o GEIFO sobre os "ope-
rários britânicos", não aconselhavam embarcar em "aventuras com
m a r c i a n o s e outras bagatelas". Estava, pois, c a r r e g a d o de razão
o a m i g o Miguel ao exigir que se respeitasse seu a n o n i m a t o .
"Toda essa história" — c o m e ç o u ele um tanto aturdido — "é
f r a n c a m e n t e estranha. E estou falando do que ocorreu 'depois',
não só do que vi...
"Foi na m a n h ã do dia 22. Ali pelas sete, a n t e s de c o m e ç a r
o trabalho, saí para u m a c a m i n h a d a . E s e m razão a p a r e n t e dirigi-
m e à costa. Como lhe disse, estava clareando. E quando m e achava
nas proximidades do m a t a d o u r o divisei u m a figura do outro lado
do rio. Era alta. A julgar pela aparência e pela distância (talvez
q u i n h e n t o s metros), muito mais do que u m a pessoa. Pensei e m
uma coluna. Ao vê-la caminhar, porém, afastei a idéia. As p e r n a s
eram p e r f e i t a m e n t e distinguíveis. Caminhava sobre u m a duna e
na direção do leste. E muito l e n t a m e n t e e b e m ereto. Irradiava
um brilho metálico, m a s s e m faiscações. Parecia ter luz própria.
"Surpreso, fui para a praia para alcançá-lo e vê-lo melhor. En-
tretanto, s e m saber c o m o n e m por onde, d e s a p a r e c e u .
"Refiz o c a m i n h o e — coisa estranha —, ao voltar para o tra-
balho tudo aquilo se apagou da minha m e m ó r i a . Foi c o m o se não
tivesse passado. Só depois de oito ou dez dias, ao ouvir falar do
a c o n t e c i m e n t o de Los Bateles, foi que o incidente surgiu em mi-
nha m e n t e assim de golpe, c o m a m e s m a clareza daquela sexta-
feira, vinte e dois. E concluí que os rapazes não mentiam..."
Na realidade, de u m ângulo mais amplo da ufologia, os acon-
t e c i m e n t o s de Conil p o d i a m ser incluídos em u m a p e q u e n a m a s
intensa "revoada" ovni, detectada no cone sul peninsular entre os
m e s e s de s e t e m b r o e d e z e m b r o de 1989. É o que consta dos ar-
quivos d o s investigadores "de c a m p o " da região. E entre os ca-
sos conhecidos m e r e c e m referência especial os registrados na ser-
ra gaditana, proximidades de Ronda (Málaga) e, outra vez, e m
Conil.

278
Mapa de Conil e arredores,
elaborado pelos guardas
Jefaíura Policia Local municipais, testemunhas do ovni.
Catf ,íi /a
fntttfa (Cádlf)

ft. m * "
0 6
JS-3. ii " sf«v,l:"'"'

" „ «>">' O'""**'*"'

Instalação militar camuflada, nos arredores de Conil,


sobrevoada pelo ovni em 2 9 de dezembro de 1 9 8 9 .
(Foto de J. J. Benitez.)
E m 2 0 d e o u t u b r o — o Diário de Cádiz r e p o r t o u o f a t o opor-
tuna e m i n u c i o s a m e n t e —, u m e n o r m e u f o d e c o l o r a ç ã o " f o g o "
foi visto s o b r e a serra d e G r a z a l e m a . E n t r e o u t r a s t e s t e m u n h a s
d o s p o v o a d o s circunvizinhos f i g u r a r a m o p r e f e i t o d e Zahara d e
la Sierra, F r a n c i s c o Garcia Luna, o diretor da a g ê n c i a da Caixa
E c o n ô m i c a d e r o n d a n o m e s m o p o v o a d o , J o s é Benitez M o r e n o ,
e cerca d e q u i n z e o u t r o s m o r a d o r e s da aldeia s e r r a n a . O avista-
m e n t o , s e g u n d o p u d e verificar n o p r ó p r i o c e n á r i o d o s fatos, pro-
longou-se p o r d u a s horas, q u a s e , d e i x a n d o p e r p l e x a a p o p u l a ç ã o
local.
A i m p r e n s a gaditana, c o m o já informei, logo veiculou o acon-
t e c i m e n t o , c o m u m a nota n o dia s e g u i n t e , 21, e u m a a m p l a re-
p o r t a g e m n o d o m i n g o , 2 2 . Nessa r e p o r t a g e m dizia-se que, con-
s u l t a d o s o b r e o fato, o ínclito p r e s i d e n t e d o GE1FO, a p r o v e i t a n d o
a deixa, lançava u m a d e r r a d e i r a crítica s o b r e o a c o n t e c i m e n t o d e
Los Bateles.
" E s s e tipo d e a v i s t a m e n t o s esféricos", dizia Angel Rodrigues,
"é m u i t o c o m u m , c o m o o d o s discos, e o f a t o d e ter sido descrito
por t a n t a s t e s t e m u n h a s , d e f o r m a isolada e i n d e p e n d e n t e , lhe dá
m a i s v a l i d a d e d o q u e o c a s o r e g i s t r a d o e m Conil há p o u c o t e m p o
e q u e d e m o n s t r a m o s q u e se tratava d e m e r g u l h a d o r e s . "
M e n o s m a l que, p o r e n q u a n t o , a belíssima Zahara d e la Sier-
ra n ã o d i s p õ e d e mar! Não f o s s e isso e é m a i s q u e c e r t o q u e o s
" g e i f o s " t e r i a m " d e m o n s t r a d o " q u e o g i g a n t e s c o ovni n ã o era se-
n ã o u m a e q u i p e d e m e r g u l h a d o r e s a s s a n d o s a r d i n h a s a o calor d o
fogo...
E s a b e - s e lá o q u e ainda " p o n t i f i c a r ã o " q u a n d o t i v e r e m c o m -
pleta notícia d o " r e g r e s s o " d o s ovnis a Conil, na m a d r u g a d a d e
2 9 d e d e z e m b r o d e s s e m e s m o a n o d e 1989. Q u e r dizer, e x a t a m e n -
te n o v e n t a d i a s d e p o i s d o " i n c i d e n t e " c o m o s h u m a n ó i d e s — per-
dão, c o m os m e r g u l h a d o r e s — na praia d e Los Bateles.
A p o s t o dois c o n t r a u m que, n e s s a o c a s i ã o , o c a s o será ho-
m o l o g a d o . A razão? Muito s i m p l e s : a s t e s t e m u n h a s n ã o f o r a m al-
g u n s "jovens d e s l u m b r a d o s , m e n t i r o s o s e f a n t a s i s t a s " , m a s sim
q u a t r o a g e n t e s da a u t o r i d a d e , d e serviço n a q u e l a localidade.
D e p o i s d e n ã o p o u c a s g e s t õ e s , e g r a ç a s à a m a b i l i d a d e e tole-
rância d o p r e f e i t o d e Conil e d o seu c h e f e da Polícia Municipal,
tive a c e s s o , afinal, a o s p r o t a g o n i s t a s d o a v i s t a m e n t o . S u a s iden-
tidades, por expresso desejo d o s interessados, d e v e m ficar n o ano-
n i m a t o . E o m e s m o ocorreria, o b v i a m e n t e , c o m o s dois h o m e n s
da G u a r d a Civil q u e na o c a s i ã o f a z i a m a vigilância n o e x t r e m o
o p o s t o d o p o v o a d o , na c h a m a d a P o n t e d o S o l d a d i n h o , n a s proxi-
m i d a d e s da d e s e m b o c a d u r a d o rio. (Jns e o u t r o s , s e m o s a b e r e m ,
f o r a m t e s t e m u n h a s s i m u l t â n e a s do m e s m o fato. S ó m a i s t a r d e ,
a o p a r t i c i p a r e m d e u m m e s m o p l a n t ã o na s e d e da C h e f a t u r a da

280
Polícia Municipal, descobririam que haviam t e s t e m u n h a d o o mes-
mo acontecimento.
E m síntese, e para não esgotar o paciente leitor, os fatos se
p a s s a r a m da seguinte maneira:
Poucos m i n u t o s antes das d u a s da m a d r u g a d a , os dois poli-
ciais patrulhavam Conil a bordo de u m Land-Rover. A aldeia esta-
va tranqüila e o serviço, rotineiro, decorria em completa calma.
Ao deixar para trás o ambulatório, c o m e ç a r a m a ver dois poten-
tes focos, a u n s duzentos ou trezentos m e t r o s do solo, e estáti-
cos, nas proximidades da Telefônica (a Estação de Cabos Subma-
rinos). Surpresos, reduziram a m a r c h a até deter-se a u n s oitocen-
tos metros, assim que ultrapassaram o c a m p i n g municipal. Bai-
xaram os vidros do veículo e ficaram observando os focos por sua
esquerda.
"Aquilo era muito estranho. Não se ouvia ruído de qualquer
tipo. As luzes e r a m poderosas. Deslumbrantes. Estavam em um
plano horizontal e s e p a r a d a s entre si cerca de metro e meio. Es-
tes cálculos, logicamente, são aproximados.
"Cada foco apresentava o t a m a n h o de mais ou m e n o s um me-
tro de diâmetro. Irradiavam u m a luz branca, c o m alguns feixes
que se estendiam a quinhentos ou seiscentos metros."
P o u c o s s e g u n d o s depois, disseram os policiais, os focos se
a p a g a r a m , e no lugar que haviam o c u p a d o , talvez no centro, apa-
receu um p o n t o luminoso, m e n o r e de u m a cor alaranjada. Logo
mais, o objeto c o m e ç o u a deslocar-se, s e m p r e em silêncio. A prin-
cípio, lentamente. Então sobrevoou a estrada e u m a instalação
militar c a m u f l a d a existente na área, ao norte do núcleo u r b a n o .
"Durante t o d o esse t e m p o p e r m a n e c e m o s m u d o s de assom-
bro, q u a s e na vertical do impressionante 'aparelho'. Talvez a uns
cinqüenta m e t r o s dele. E q u a n d o ele se afastou pela nossa direita
dirigimo-nos à zona dos Moinhos, m a s aí já não vimos mais nada."
Ao chegar à altura da referida base c a m u f l a d a o ovni g a n h o u
velocidade e d e s a p a r e c e u na escuridão. A direção do feixe de luz
— explicaram as t e s t e m u n h a s — foi s e m p r e a m e s m a da deslo-
cação.
Apesar da p r o x i m i d a d e do Land-Rover, o veículo não sofreu
avaria alguma. Nem o sistema elétrico, n e m o motor.
As duas horas e vinte minutos o aturdido par de g u a r d a s mu-
nicipais retornou à chefatura. Quinze m i n u t o s depois c h e g a v a m
os m e m b r o s da Guarda Civil, confirmando as informações dos po-
liciais.
E nesse 29 de dezembro, convencidos do "anormal" do acon-
tecimento, os a g e n t e s enviaram à a u t o r i d a d e superior u m infor-
m e oficial. Informe que, por sua importância, assim c o m o pela
especial significação da "história ovni", incluo na página 275.

281
E este impenitente perseguidor de "vampiros" pergunta de
novo c o m o h a v e r i a m p r o c e d i d o o s " g e i f o s " s e t i v e s s e m d e s f r u t a -
d o as p r i m í c i a s d e s t e c a s o ? O navio o c e a n o g r á f i c o b r i t â n i c o fazia
q u a s e três m e s e s q u e havia a b a n d o n a d o a s á g u a s gaditanas... Mas
estou d i z e n d o tolices... Isso n ã o seria p r o b l e m a para e n c o n t r a r e m
a l g u m a " e x p l i c a ç ã o racional, séria e definitiva". Há t o d o u m arse-
nal delas: o "raio e m bola", a s "visões h i p n a g ó g i c a s " , o s "secre-
t í s s i m o s p r o t ó t i p o s da A r m a d a ou da F o r ç a A é r e a " , a l g u m
" h o m e m - r ã " extraviado ou o " p a r z i n h o " b r i n c a n d o c o m a lanter-
na a d u z e n t o s m e t r o s d o solo...
E concluirei o relato d e s t e s a c o n t e c i m e n t o s c o m u m par d e
r e f l e x õ e s e u m a retificação íntima. N e s t e c a s o é j u s t o q u e apli-
q u e a m i m m e s m o a f r a s e d e S y d n e y S m i t h : " Q u a n t o m a i s cami-
n h o para o o e s t e , t a n t o m a i o r é a m i n h a c o n v i c ç ã o d e q u e o s sá-
bios y ê m d o leste."
A vista d o q u e s u c e d e u na praia d e Los Bateles, já n ã o e s t o u
t ã o c e r t o d e q u e e s s a s "civilizações n ã o h u m a n a s " n ã o c o n v i v a m
c o n o s c o . D u r a n t e a l g u m t e m p o — e s e m p r e o declarei publica-
m e n t e — inclinei-me a crer q u e essa possibilidade era f r a n c a m e n t e
improvável. Ainda q u e o a s p e c t o físico d e m u i t o s " a l i e n í g e n a s "
seja similar a o d o s h o m e n s e m u l h e r e s da Terra, s u a s p e q u e n a s -
grandes diferenças morfológicas faziam-me pensar que a camu-
f l a g e m na r e d e social h u m a n a seria t a r e f a p o u c o m e n o s q u e in-
viável. O c a s o d o g u a r d a civil d e J e r e z , p o r m i m n a r r a d o e m A
Ponta do Iceberg, foi u m "aviso". O d e Conil, a g o r a , foi c o m o q u e
u m a c o n f i r m a ç ã o . D e s c o n h e ç o a " f ó r m u l a " , m a s está claro q u e
existe: e s s e s "seres" — talvez seja privilégio d e u n s p o u c o s — s ã o
c a p a z e s d e " m u t a r " s u a s f o r m a s originais, " t r a n s f o r m a n d o - s e " e m
t e r r á q u e o s . E a s s i m , d e m a n e i r a m u i t o natural, conviver c o m u m
g ê n e r o t e r r á q u e o a b s o l u t a m e n t e alheio à r e a l i d a d e d e s t a " q u i n t a
coluna cósmica".
P o d e m os leitores i m a g i n a r as possibilidades e a s c o n s e q ü ê n -
cias, e m t o d o s o s níveis, d e u m a tal infiltração n o s s i s t e m a s e so-
ciedades humanos?
Mas, c o m o escrevia o genial " m a n c o d e L e p a n t o " , " l a n c e s
m a i s p r o d i g i o s o s n o s reserva o Destino, m e u fiel S a n c h o . . . " .
Ansioso por c o n h e c e r os d e t a l h e s d a q u e l e novo " c o n t a t o ime-
diato", ocorrido entre as p o v o a ç õ e s d e Gaucín e Algatocín, na cor-
dilheira d e Ronda, e m d e z e m b r o d e 1989, l a n c e i - m e m a i s u m a
vez, feliz, às rodovias, i m p l o r a n d o a b e n e v o l ê n c i a da " n a v e - m ã e " .
Mas esta é o u t r a história...

282
6
A ARTE DE INVESTIGAR

P o n h o p o n t o final a o p r e s e n t e t r a b a l h o c o m u m a s n o t a s q u e ,
a p ó s dezoito a n o s d e investigação, e r a m para m i m o b r i g a t ó r i a s .
Surge com freqüência. Dezenas de jovens m e interrogando
a c e r c a d e u m a q u e s t ã o difícil d e r e s p o n d e r :
" C o m o p o s s o ser u f ó l o g o ? "
E s t e t í m i d o e n s a i o — à m a n e i r a d e epílogo — p r o c u r a r á fa-
zer luz s o b r e esta legítima e c a d a vez m a i s f r e q ü e n t e a s p i r a ç ã o .
Como sempre, tudo depende de q u e m se aventure a responder
à p e r g u n t a . S e o afoito q u e r e s p o n d e é u m investigador " d e sa-
lão" (da família d o s "vampiros"), d e f e n d e r á a validade d o q u e cha-
m a m d e "análise d e g a b i n e t e " . Leiam o q u e escreveu a respeito
u m a d e s t a s r a p o s a s d o t e m a ovni:
" T u d o se inicia" — diz a p u b l i c a ç ã o d e m a r ç o d e 1987 assi-
n a d a por e s s e " s u m o s a c e r d o t e " da ufologia hispânica — "quan-
d o a l g u é m c o n t a q u e foi t e s t e m u n h a d e u m fato e s t r a n h o 'para
ele'. Mais tarde, a l g u m a s vezes pode-se realizar p e s s o a l m e n t e u m a
p e s q u i s a in situ. O u t r a s vezes, m a i s f r e q ü e n t e m e n t e , d a d a a abun-
dância de casos e as n o r m a i s o b r i g a ç õ e s pessoais a q u e deve aten-
der, o analista p a r t e d o s d a d o s e l a b o r a d o s por p e s q u i s a d o r e s ra-
dicados na área d o s a c o n t e c i m e n t o s e q u e os investigaram ali mes-
m o o n d e o c o r r e r a m . E m a m b o s os c a s o s , 'a r e s p o n s a b i l i d a d e bá-
sica d e u m v e r d a d e i r o investigador, objetivo, c o n s i s t e e m deter-
m i n a r se o f e n ô m e n o p o d e ou n ã o ser identificado'... E s t e e s t u d o
p o d e ser feito c o m eficácia c o t e j a n d o , e m seu g a b i n e t e (ou, d e
preferência, no laboratório), entre livros técnicos ou q u a i s q u e r ou-
tros manuais de consulta, os dados do f e n ô m e n o presumidamen-
te e s t r a n h o c o m o s f e n ô m e n o s m e t e o r o l ó g i c o s , a e r o n á u t i c o s ou
mentais equiparáveis.

283
"Para conseguir u m a identificação precisa, n ã o é necessário
que o analista haja estado pessoalmente no lugar do acontecimen-
to; basta que 'alguém' haja percorrido a zona dos fatos para obter
a mais completa d o c u m e n t a ç ã o do que ali se passou, da testemu-
nha e do ambiente. Dispondo d e s s e s dados, recolhidos e m pri-
meira m ã o , se o analista e n t e n d e q u e a aparência, o comporta-
m e n t o e o u t r o s p a r â m e t r o s do f e n ô m e n o - p r o b l e m a l e m b r a m os
de algum tipo de experiência conhecida, isso é suficiente para ca-
racterizar assimilação e retirar o caso de u m catálogo ovni."
Esta pública "confissão" de c o m o "vampirizar os outros" e
de c o m o "emitir s e n t e n ç a " do alto da sua poltrona nada t e m que
ver c o m o m e u estilo, n e m c o m o d o s e s f o r ç a d o s p e s q u i s a d o r e s
"de c a m p o " . Para ser franco, não serei eu q u e m r e c o m e n d a r á aos
jovens aspirantes a ufólogos a iniciação nesse apaixonante mun-
do, enclausurado-se entre livros e revistas especializados e julgan-
do s e m haver primeiro p a s s a d o pelo c a m p o de batalha das pes-
quisas diretas e pessoais. No fundo, por trás da solene "declara-
ção de princípios" do "vampiro" valenciano, é fácil adivinhar a im-
potência e a hipocrisia. E s t a m o s de novo diante da familiar con-
tenda: investigar significa sacrifícios, dinheiro e t e m p o . E sem-
pre é melhor que "isso tudo" corra por conta dos "vampirizados"...
E daí — a r g u m e n t a r ã o os céticos de plantão —, o n d e está
a solução? Q u e m pode proclamar-se verdadeiramente, e com pro-
priedade, "investigador ovni"? C o m o se faz u m "ufólogo"?
Aproprio-me da frase do célebre poeta f r a n c ê s Corneille: "A
virtude d e s a p a r e c e tão logo se tenta fazê-la aparecer." Por isso
m e s m o , dou u m alerta às jovens p r o m e s s a s da investigação ovni:
n ã o c o n h e ç o n e m disponho de u m " m a n u a l " c o m a fórmula má-
gica. Muito possivelmente, a chave deva ser descoberta a m é d i o
prazo. E m o u t r a s palavras, u m "sim" à investigação "de c a m p o "
— s e m p r e dura, trabalhosa e sacrificada, m a s vital — e um "sim"
t a m b é m ao estudo, às consultas e reflexões posteriores. E um ca-
tegórico " n ã o " aos que p r e t e n d e m justificar seu c o m o d i s m o can-
t a n d o as excelências da investigação de "biblioteca" c o m o a pa-
nacéia ovni. De certa maneira, esta atitude radical m e lembra os
políticos q u e a c o n s e l h a m e p r e g a m a guerra m a s m a n d a m a ela
os outros...
Mas, o b e d e c e n d o à linha do p r e s e n t e trabalho, é hora de es-
te "devorador de c a m i n h o s " aventurar-se a indicar as qualidades
e os requisitos que, no seu fraco e n t e n d i m e n t o , deve u m "ufólo-
go" reunir. E partirei de u m axioma que t e n h o defendido e defen-
do c o m u n h a s e dentes: "aprende-se a investigar... investigando".
E assim será e n q u a n t o a ufologia, c o m o tal, não entre de pleno
direito nas universidades. E m e s m o quando isso tiver ocorrido essa
disciplina a c a d ê m i c a continuará s e n d o peculiar, rebelde, hetero-

284
doxa e de muito difícil controle. E será assim porque, c o m o te-
m o s podido observar nos casos aqui expostos, não existe um ca-
so de ovni igual a outro. Cada pesquisa exige a ç õ e s e coloca-
ç õ e s que p o u c o ou nada têm que ver c o m as anteriores. "O esta-
belecido" pelos teóricos do ovni se desequilibra e d e s a b a a cada
passo. E o c a c a r e j a d o " m é t o d o científico" — os investigadores
de " c a m p o " s a b e m disso melhor que n i n g u é m — não serve. Le-
var u m a d e s s a s naves a um laboratório, por enquanto, é pura
utopia.
Há algum t e m p o a Providência colocou no meu c a m i n h o u m
m e s t r e da investigação científica, ü m catedrático de Bioquímica
da Universidade A u t ô n o m a de Madri e diretor-honorário do Ins-
tituto de Enzimologia e Patologia Molecular do Conselho Supe-
rior de Investigações Científicas. Um h o m e m , e m s u m a , alheio
por c o m p l e t o ao universo dos "não-identificados". E, entretanto,
o professor Alberto Sois deu-me u m a grande "lição" em torno
da "arte de investigar". S u a s reflexões — c u r i o s a m e n t e — em-
bora dirigidas à investigação e m caráter genérico, p a r e c e m con-
cebidas para os q u e se m o v e m no m u n d i n h o da ufologia e, em
especial, para os que se p e r g u n t a m " c o m o chegar a ser um ufó-
logo": ou, o que é a m e s m a coisa, " c o m o chegar a ser u m inves-
tigador".
As teses desse experiente h o m e m de ciência m e c o m o v e r a m .
E ainda que prejudicadas pela escassez de t e m p o e espaço, pen-
so que os jovens investigadores s a b e r ã o extrair-lhes a essência e
beneficiar-se delas.
C o m e c e m o s pelo d e c a n t a d o " m é t o d o científico", t a n t a s ve-
zes esgrimido pelos que se a u t o p r o c l a m a m "investigadores sérios
e racionalistas". "A investigação" — dizia-me o professor Sois —
"para o b e m ou para o mal, ou a m b a s as coisas, está muito encra-
vada na s o c i e d a d e atual. Mas esse é u m f e n ô m e n o relativamente
novo na história da Humanidade. E u m a conseqüência natural do
progresso, ao longo d o s últimos três séculos do m é t o d o científi-
co, que deu lugar a u m a t r e m e n d a f o r m a ç ã o científica no centro
da nossa época. Há várias f o r m a s de falar do " m é t o d o científico".
Basicamente, duas.
"Para c o m e ç a r , porém, convém perguntar: existe um méto-
do científico concreto e passível de ser ensinado? Existe u m a sis-
tematização transmissível de uma f o r m a atual? A resposta é e m
parte sim e em parte não. Mais p r o p r i a m e n t e , não. E fato q u e os
investigadores de hoje se f o r m a m ou se f o r m a r a m q u a s e por ge-
ração e s p o n t â n e a . Eu digo f r e q ü e n t e m e n t e que a f o r m a ç ã o que
se adquire, no que se refere ao m é t o d o científico, nos c h e g a prin-
cipalmente por o s m o s e . Aprendem-se técnicas de trabalho, sim,
para d e t e r m i n a d o s problemas, m a s atitudes científicas diante da

285
investigação n ã o se c o s t u m a m , em geral, ensinar. Não c o n s t a m
dos p r o g r a m a s de nossas universidades.
" Q u e r o dizer c o m isso q u e o m é t o d o científico é suscetível
de e n f o q u e s filosóficos. E r e a l m e n t e tem sido u m t e m a tratado
mais freqüentemente por filósofos do que por cientistas. Pois bem,
diante dessa a b o r d a g e m filosófica, só o que se p o d e fazer é falar
da e x p e r i m e n t a ç ã o vivida. E u m investigador que vai c o m e n t a r
algo do que, por o s m o s e , f u n d a m e n t a l m e n t e por o s m o s e e por
experiência, por f r a c a s s o s repetidos e correções de rumo, apren-
deu."
A t e n t e m bem, os q u e aspiram a converter-se e m ufólogos,
para esta lapidar sentença desse pioneiro da investigação: "Inves-
tigar n ã o é a m e s m a coisa q u e publicar trabalhos. Muito ao con-
trário. E n t e n d o que é u m a maldição para a ciência o n ú m e r o de
publicações q u e surgiram nesta última d é c a d a . "
Q u e é, então, "investigar"? O professor Sois foi taxativo: "Des-
cobrir. Não importa que o a c h a d o consista e m coisas g r a n d e s ou
p e q u e n a s . O importante é descobrir."
E ainda q u e esse m e s t r e de investigadores não tivesse e m
m e n t e , n e m de longe, os "vampiros" da ufologia, n e m s e u s dog-
máticos e s e m p r e negativos trabalhos, as c o n s i d e r a ç õ e s q u e se
seguem parecem delineadas por e para os tais "santos e especiais".
Observem...
"Há, além disso, o que c h a m o 'confusões' e que, utilizando
outra expressão, poderia designar-se 'tinta de polvo'. Pois b e m ,
à s e m e l h a n ç a deste curioso animal marinho, a ciência e a investi-
g a ç ã o c a m i n h a m , e m geral, 'para trás', q u a n d o a l g u n s cientistas
ou pseudocientistas publicam o que n ã o se deveria publicar por
ser m e r a m e n t e 'tinta de polvo', ainda que c o m isso f a ç a m crescer
o seu currículo.
"E vem a pergunta: q u e m , na realidade, p o d e considerar-se
investigador? Penso que se p o d e investigar por vocação e por ofí-
cio ou profissão. Cajal era dos primeiros. Ele pagava por suas pró-
prias investigações. Desde os microscópios aos corantes. Hoje, gra-
ças a Deus, a investigação é u m a profissão normal e respeitável
da qual m u i t o s até p o d e m viver. E existe u m terceiro grupo: os
'de ocasião', q u e e n t r a m no terreno da investigação por acaso e
t e m p o r a r i a m e n t e . E qual o s e g r e d o para p e r m a n e c e r nesse mun-
do? Q u e qualidades deve reunir um b o m e h o n e s t o investigador?
Ou, o que é a m e s m a coisa, insisto, que qualidades deve reunir
u m b o m e h o n e s t o 'ufólogo'?
"... A mais importante poderia sintetizar-se assim: 'curiosida-
de científico-esportiva'."
A genial definição calha b e m para os "esquenta-poltronas".
"... S e m curiosidade" — acrescenta Sois — "não existe âni-
m o para descobrir. Mas essa curiosidade deve ser científica. Do

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contrário se converterá em outra coisa. Talvez especulação. Ago-
ra, a 'curiosidade científica', apenas, t a m b é m não serve. O s que
aí se instalam e p e r m a n e c e m , lendo e e s t u d a n d o o que dizem os
livros e as c e n t e n a s de milhares de boletins e revistas especializa-
dos, n ã o são, t a m p o u c o , autênticos investigadores.
"E por que alguns, em lugar de limitar-se a estudar o muito
que já se sabe, p r e f e r e m suar para descobrir por si m e s m o s ? Eis
aí o espírito do genuíno investigador: aquele que à curiosidade
científica s o m a a desportividade, a e m o ç ã o do descobrimento, o
maravilhoso s e n t i m e n t o de 'ser o primeiro'.
"Bem. Dispomos, já, de u m valioso ponto de partida. Para ser
um autêntico investigador — t a m b é m no amplíssimo 'universo ov-
ni' — convém fazer um sincero e x a m e de consciência e indagar
a si m e s m o : Sou curioso? Minha curiosidade é científica? Possuo,
além disso, a específica qualidade de a m a r a aventura, o risco,
s e m importar-me o sacrifício? Reconheço em m i m o especialíssi-
m o d o m de aceitar os desafios? Apraz-me 'descobrir por desco-
brir'?"
Se a jovem p r o m e s s a r e c o n h e c e e m seu coração esta série
de traços, a possibilidade de pertencer algum dia a essa "mara-
vilhosamente louca" vanguarda constituída pelos "investigadores-
ovni" será muito mais que u m a possibilidade. Mas o professor
Sois, além de traçar o perfil do b o m investigador, dá-lhe o colo-
rido:
"... E t a m b é m a a m b i ç ã o é uma qualidade desejada. A ambi-
ção que, h o n e s t a m e n t e , s e m subterfúgios, s e m hipocrisia e sem
soberba, leva-nos a lutar por u m a m e t a . "
A a m b i ç ã o — acrescento por minha conta — que Burke pre-
gava: "A que n o s permite voar. P o r q u e a a m b i ç ã o que arrasta é
própria da s e r p e n t e . "
"... Por outro lado, a criatividade é s u m a m e n t e importante.
E t a m b é m um certo grau de austeridade."
E pergunto: existe algum "curioso-cientista" (ufólogo "de sa-
lão") que se tenha distinguido e se distinga por sua "criativida-
de"? Porque esta, s e g u n d o o e s t u d o de Sois, requer imaginação.
Não, porém, a dos estúpidos — "colhedor de caracóis", "mergu-
lhadores britânicos", "alucinações hipnagógicas", etc. —, m a s a
dos inovadores. E essa "criatividade = imaginação" exige uma per-
m a n e n t e disposição infantil.
"... As vezes — diz mais o catedrático de Bioquímica —, o
gênio é aquele que continua p e r g u n t a n d o , c o m o fazem as crian-
ças. Porque, lamentavelmente, ao fazer-nos adultos p e r d e m o s essa
fascinante virtude."
E eu continuo perguntando-me: q u e m , entre a plêiade de in-
divíduos que se dizem "investigadores", conserva essa "disposi-

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ção infantil"? Só os autênticos: os "esportistas", os que se sur-
p r e e n d e m a cada passo, os que, c o m o as nuvens, "voam alto, re-
colhendo-se para depois derramar-se".
Observai os "vampiros": nos s e u s corações nasceu "barba".
Coleridge retrata fielmente u n s e outros: "Achareis u m b o m indí-
cio do gênio criador e imaginativo, observando se ele progride
e se desenvolve ou s o m e n t e gira sobre si m e s m o . " Observai os
investigadores "de campo": dificilmente "fazem escola" ao seu re-
dor, raras vezes os vereis r o d e a d o s de discípulos. São lobos soli-
tários, da estepe. E, ao contrário dos " s u m o s sacerdotes", c h e g a m
às suas p e q u e n a s ou grandes conclusões à maneira de faíscas, pro-
duto direto da imaginação. Os espíritos vulgares, ao contrário, co-
m o assegurava o filósofo alemão Mendelssohn, precisam ser orien-
tados por toda u m a série de conclusões.
E c o m o atingir esse "espírito criador"? A fórmula é simples:
soltando a imaginação em "vôo livre". S e m m e d o . Pauling, Prê-
mio Nobel de Química e da Paz, dizia: " ü m a boa idéia nasce de
muitas idéias." C o n t a m que Albert Einstein, nos dois anos que
p r e c e d e r a m a f o r m u l a ç ã o da teoria geral da relatividade, havia ti-
do,em média, u m a idéia a cada dois minutos. C e r t a m e n t e a maio-
ria foi repelida e esquecida. E Sois, fervoroso d e f e n s o r do "casa-
m e n t o " b o m investigador = grande imaginador, proporciona-nos
outro m é t o d o para multiplicar a criatividade: "Evitem as inibições,
apelem para o subconsciente (ele sabe e guarda) e ativem os exer-
cícios de p e n s a m e n t o livre e intenso."
Recapitulemos. De acordo c o m a experiência desse brilhan-
te e reputado cientista, que "sinais" devem orientar-nos para iden-
tificar o b o m investigador? Eis aqui os básicos: "CC1RIÒSIDADE
CIENTÍFICO-ESPORT1VA. AMBIÇÃO. CRIATIVIDADE." "... E se
a isso a c r e s c e n t a r m o s AUSTERIDADE e TENACIDADE, t e m o s a
receita ideal."
Austeridade , sim, m a s não só a que nos faz c o m e d i d o s e m
questão de finanças. Austeridade, sobretudo, entendida c o m o RE-
NÚNCIA. O verdadeiro investigador é forçado a u m a p e r m a n e n t e
desistência d o s direitos e de legítimos prazeres que cercam o ser
h u m a n o . Deve estar disposto a sacrificar a família, sua comodi-
d a d e e sua própria pessoa ao imperativo das viagens, das pesqui-
sas, do e s t u d o e da divulgação d o s seus achados. E, muito espe-
cialmente, deve estar p r e p a r a d o para a solidão. Para o vazio físi-
co e para o vazio que resultará da i n c o m p r e e n s ã o dos demais.
A postura contrária, por mais justificativas que se b u s q u e m ,
n ã o c o r r e s p o n d e à de u m investigador "curioso-cientista-esporti-
vo". No melhor dos casos será a atitude de u m simples "curioso-
cientista", q u e a p r e n d e u tudo n o s livros. F u j a m o s , pois, do "can-
to de sereia" dos "vampiros" e de toda a ralé ufológica. A investi-

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g a ç ã o d e " g a b i n e t e " ( e u f e m i s m o m u i t o próprio d e s s e s " s e p u l c r o s
caiados") p o d e ser positiva e a t é n e c e s s á r i a , s e m p r e e q u a n d o se
tiver p r i m e i r o b a t a l h a d o na f r e n t e . Q u e s a b e m e s s e s " e s q u e n t a -
poltronas" da renúncia e da solidão d e s s e s investigadores "de cam-
p o " r e g i o n a i s ? O m u n d o está c a n s a d o e e n o j a d o — incluindo o
" u f o l ó g i c o " — d e t a n t o c h e f e t e q u e governa, tiraniza e pontifica
"ajoelhado diante do seu próprio ego".
E t e n a c i d a d e , sim. O p e n s a m e n t o d e Sois, n e s t e sentido, fica
l u c i d a m e n t e c o n d e n s a d o na a u t o b i o g r a f i a d e Cajal: "Meu êxito",
diz, " d e m o n s t r a u m a vez m a i s q u e a s idéias n ã o s e m o s t r a m fe-
c u n d a s a o s q u e a s s u g e r e ou a s aplica p o r u m a p r i m e i r a vez, m a s
a o s t e n a z e s q u e as s e n t e m c o m v e e m ê n c i a , e e m c u j a virtualida-
d e c o l o c a m t o d a a sua fé, t o d o o seu a m o r . S o b e s t e a s p e c t o , b e m
p o d e dizer-se q u e as c o n q u i s t a s científicas são c r i a ç õ e s da vonta-
d e e o f e r e n d a s da paixão. Convicto d e haver e n c o n t r a d o u m ca-
m i n h o s e g u r o , p r o c u r e i a p r o v e i t a r - m e dele, c o n s a g r a n d o - m e a o
t r a b a l h o n ã o m a i s c o m afinco, m a s c o m fúria."
E o p r o f e s s o r Sois conclui s u a s p r e c i o s a s r e f l e x õ e s s o b r e a
" a r t e d e investigar" e o " b o m i n v e s t i g a d o r " c o m t r ê s s á b i a s ad-
vertências, q u e a f e t a m i g u a l m e n t e o m u n d i n h o ovni:
"1 ? A t e n ç ã o às obrigações burocráticas! S e o investigador n ã o
a n d a rápido, o d e v o r a r ã o i r r e m i s s i v e l m e n t e . "
O "aviso", c o m o eu disse, p a r e c e c o n c e b i d o para m u i t o s d o s
g r u p o s e a s s o c i a ç õ e s u f o l ó g i c o s q u e p r o l i f e r a m pelo m u n d o . Foi
e s t e " c â n c e r " q u e a c a b o u por a f o g a r o sincero e p r o m e t e d o r es-
pírito a v e n t u r e i r o e criador d e j o v e n s — e n ã o tão j o v e n s — pes-
q u i s a d o r e s . Eis aqui u m a d a s i n e q u í v o c a s "lepras" q u e a j u d a m
a distinguir os u f ó l o g o s "de salão". O s g r u p o s q u e t e r m i n a m cain-
d o e m s u a órbita, i n t e g r a d o s g e r a l m e n t e por m o ç o s e n t u s i a s t a s
e inexperientes, v ê e m - s e e n r e d a d o s d e i m e d i a t o e m u m a r a n h o l
d e " e s t a t u t o s " , " p a p e l ó r i o " e " t r a b a l h o s a d m i n i s t r a t i v o s " q u e su-
focariam u m franciscano. Estamos, definitivamente, diante d e u m a
velha e f u n e s t a "tática" d e " c o n t r o l e " d o p e s s o a l à s s u a s o r d e n s ,
sábia e a s t u t a m e n t e c a m u f l a d a , isso sim, pela " n e c e s s i d a d e d e
u m a o r d e m e d e u m a s i s t e m a t i z a ç ã o d o t r a b a l h o " . C o m o s e o fe-
n ô m e n o ovni p u d e s s e " t r a m i t a r " d e s d e o f a m o s o "escritório si-
nistro" da d e s a p a r e c i d a revista h u m o r í s t i c a La Codorniz. O ovni,
m e u s s e n h o r e s , é investigação, sim, m a s e m l i b e r d a d e e s e m bu-
r o c r a t a s q u e a fiscalizem.
"2? A t e n ç ã o c o m a s m o d a s ! E m m i n h a o p i n i ã o " — a f i r m a
o professor Sois —, "os investigadores j o v e n s de h o j e se p a r e c e m
à s vezes à s m u l h e r e s j o v e n s de s e m p r e , na f a s c i n a ç ã o p e l a s m o -
das. S e a l g u m a coisa está na m o d a , d a r á prestígio, será facilmen-
te financiável, p o d e r á publicar-se e fará currículo. O g r a n d e in-
c o n v e n i e n t e é q u e atrofia a originalidade, e s c r a v i z a n d o . "

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Certeira a d v e r t ê n c i a t a m b é m p a r a as " p r o m e s s a s " q u e dese-
j a m ingressar na investigação ufológica... " p o r q u e está na m o d a " .
E l e m b r e m - s e : o " e n i g m a d o s não-identificados", e m t o d o o ca-
so, é u m a " m o d a " q u e n ã o m u d o u d e s d e as cavernas, q u e n ã o pres-
tigia, q u e n ã o a s s e g u r a f i n a n c i a m e n t o fácil e q u e só e n r i q u e c e o
currículo interior.
"3? A t e n ç ã o a o s m o d e l o s ! No geral n ã o p a s s a m d e caricatu-
ras da realidade. Não é raro q u e cientistas f a m o s o s p r o p o n h a m
m o d e l o s q u e só c o n d u z e m à escravidão e à perda de t e m p o e ener-
gia."
C o m o se a j u s t a e s t e t e r c e i r o alerta à r e a l i d a d e ovni! O s jo-
v e n s i n v e s t i g a d o r e s e n c o n t r a r ã o a c a d a m o m e n t o t o d a u m a bate-
ria d e " m o d e l o s " , p r o p o s t o s c o m o " v e r d a d e s inquestionáveis" ou
" f é r r e a s f ó r m u l a s r e f e r e n c i a i s e m t o d a i n v e s t i g a ç ã o racional q u e
s e preze". Na maioria d o s c a s o s , c o m o a f i r m a Sois, n ã o s ã o outra
coisa q u e c a r i c a t u r a s q u e n i n g u é m e n t e n d e , " b e z e r r o s d e o u r o "
e "cortinas de fumaça", criados pelos de sempre, os obstinados.
T e n t a r a c o r r e n t a r a magia, o a b s u r d o , a invisibilidade e o mis-
tério d o s " n ã o - i d e n t i f i c a d o s " c o m estatísticas, m é t o d o s científi-
cos e m o d e l o s físico-matemáticos (ainda q u e s e j a m made in CISA),
é t ã o estéril c o m o arquivar o v e n t o , c o m p u t a d o r i z a r a t e r n u r a ou
e n c a r c e r a r a beleza e m u m c a t á l o g o .
O f a t o é que, p a r a fazer p a r t e d o invisível " c l u b e " d o s estu-
d i o s o s e s e g u i d o r e s d e ovnis s ó é n e c e s s á r i o abrir a i m a g i n a ç ã o .
"O resto — m e u a d m i r a d o J e s u s d e Nazaré s a b e r á p e r d o a r e s t e
i n t r o m e t i d o — n o s será d a d o p o r a c r é s c i m o . "

Em Larrabasterra, às 12h59 de 7 de setembro de 1990

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