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Uma introdução à teoria da probabilidade sobre grupos.

Aniura Milanés

Sumário
1 Introdução 1

2 Probabilidades sobre grupos nitos. 2


2.1 Análise harmônica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
2.1.1 Representações de grupos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
2.1.2 A transformada de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.1.3 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.2 Probabilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.2.1 Leis de probabilidade e suas propriedades . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.2.2 A transformação característica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.2.3 Teoremas limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.2.4 O ponto de vista das cadeias de Markov . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.2.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

1 Introdução
Em muitas situações aparece a necessidade da modelagem através de quantidades aleatórias
que tomam valores em determinado grupo.

• S 1 Na pesquisa sobre tendências na migração de alguns animais, os dados de interesse


podem ser ângulos medidos em relação a certa direção de referência. Neste caso os
dados tomam valores na circunferência. Dados circulares podem aparecer também
em áreas como a geologia e a medicina.

• Sn

O objetivo destas notas é o de apresentar de forma muito elementar algumas proprie-


dades das probabilidades denidas sobre grupos. Assumiremos algum conhecimento básico
sobre a teoria das probabilidades na reta. O texto consiste basicamente de notas de aula
e é baseado nos livros [Dia88], [Gre63], [JM99], [Ser77] e [Fol95] além do clássico [Fel57].
As notas encontram se ainda em processo de correção e elaboração.

1
2 Probabilidades sobre grupos nitos.
Nesta seção, G denotará sempre um grupo nito.

2.1 Análise harmônica.

2.1.1 Representações de grupos.


As representações de grupos permitem descrever grupos abstratos em termos de transfor-
mações lineares sobre espaços vetoriais. Desta forma muitos problemas da teoria de grupos
podem ser reduzidos a problemas de álgebra linear.

Denição 2.1. Uma representação de G no espaço vetorial V é um homomorsmo ρ :


G → GL(V ). dρ = dim V será chamada de grau da representação ρ e V é chamado de
espaço da representação.

Observação 2.2. Repare que como consequência da denição sempre teremos que

• ρ(e) = idV ;

• ρ(g −1 ) = ρ(g)−1 , g ∈ G.

Observação 2.3. Se xarmos uma base de V , obtemos um homomorsmo R : G → Md (C)


que será chamado aqui de representação matricial de G associada a ρ. Para cada
representação ρ existem innitas representações matriciais associadas, mas elas devem
satisfazer que se R1 e R2 são duas representações matriciais de ρ, então existe uma matriz
invertível T ∈ Md (C) tal que
R2 = T R1 T −1 .
Por outro lado, dada uma representação matricial R de G, podemos construir a represen-
tação
ρ(g)v = R(g)v,
com v ∈ Cd .

Denição 2.4. Dizemos que um subespaço W de V é estável pela ação de G se ρ(g)W ⊂


W , ∀g ∈ G. Nesse caso ρW = ρ W é outra representação que será chamada se subrepre-
sentação de G.

W = {0} e W = V são sempre estáveis pela ação de G. Quando não existem outros
subespaços estáveis dizemos que a representação ρ é irredutível. As representações irredu-
tíveis são importantes pois elas servirão de base para decompor qualquer representação de
G.

Exemplo 2.5. Qualquer representação com dρ = 1 é irredutível.

Exemplo 2.6. A representação matricial ρT : G → C dada por ρT ≡ 1, é chamada de


representação trivial. Ela é irredutível pois neste caso V = C, que tem dimensão um.

2
Exemplo 2.7. Seja V espaço vetorial qualquer. A representação ρ : G → GL(V ) dada
por ρ ≡ idV será chamada aqui de representação identidade.

Exemplo 2.8. Seja Sn o grupo de permutações de n objetos. Uma representação irredu-


tível deste grupo é a chamada representação alternada

ρA (π) = sinal(π), π ∈ Sn .

Esta representação é irredutível por ser unidimensional.


Vamos denir uma outra representação ρP com grau n como segue.
Seja {e1 , . . . , en } a base canônica de Cn . Denimos

ρ(π)ej = eπ(j) .

Esta representação é chamada de representação de permutação e não é irredutível. De fato,


os subespaços U : subespaço gerado por e1 +e2 +· · ·+en e W = {v ∈ Cn : v1 +· · ·+vn = 0}
são estáveis pela ação de G. Pela sua vez, ρP,U é irredutível por ser unidimensional e ρP,W
também o é. Provaremos esta armação a seguir somente no caso n = 3.
Observe que {e1 − e2 , e2 − e3 } é uma base de W . Suponha que W1 é um subespaço
de W estável pela ação de G. Seja (x, y, z) ∈ W1 não nulo. Podemos supor que x 6= 0,
por exemplo e nesse caso (1, y 0 , z 0 ) ∈ W1 e portanto (y 0 , 1, z 0 ) ∈ W1 , onde y 0 = xy e z 0 = xz .
Então (1 − y 0 , y 0 − 1, 0) ∈ W1 . Se y 0 6= 1 obtemos que (1, −1, 0) = e1 − e2 ∈ W1 , portanto
e3 − e2 ∈ W1 e W = W1 . Se y 0 = 1 então (1, 1, −2) ∈ W1 , seque que (1, −2, 1) ∈ W1 e

(1, 1, −2) − (1, −2, 1) = (0, 3, −3) = 3(e2 − e3 ) ∈ W1 ⇒ e1 − e2 ∈ W1 ⇒ W1 = W.

As representações ρT e ρP,U se Sn têm uma estrutura bastante similar. Isto pode ser
formalizado através do conceito de isomorsmo de representações.

Denição 2.9. Dizemos que as representações (ρ1 , V1 ) e (ρ2 , V2 ) do grupo G são isomorfas
se existir um isomorsmo sobrejetivo τ : V1 → V2 tal que

ρ2 (g) ◦ τ = τ ◦ ρ2 (g), ∀g ∈ G.

Exemplo 2.10. Para um grupo G, consideremos a representação trivial ρT e uma re-



presentação (ρ, V ) qualquer, com dρ > 1. Seja {ej }j=1 uma base de V e consideremos a
subrepresentação irredutível em U : subespaço gerado por e1 + · · · + edρ , dada por

ρU (g)(e1 + · · · + edρ ) = e1 + · · · + edρ .

Não é difícil vericar que ρT e ρU são isomorfas, com τ : C → U dado por

τ (α) = α(e1 + · · · + edρ ).

Em particular, as representações ρT e ρP,U se Sn são isomorfas.

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O isomorsmo de representações é uma relação de equivalência no conjunto de todas
as representações de um grupo G. Escreveremos ρ1 ∼ ρ2 para denotar representações
isomorfas. Observe que se ρ1 ∼ ρ2 teremos dρ1 = dρ2 . Além disto, matrizes associadas
a representações isoformas são necessariamente similares, isto e se R1 (g) e R2 (g) são as
matrizes associadas a ρ1 (g) e ρ2 (g), em relação a bases de V1 e V2 , respectivamente, então
existe T invertível tal que
R2 (g)T = T R1 (g), ∀g ∈ G.
No exemplo (2.8) tínhamos achado três representações irredutíveis. Identicando ρT e
ρP,U podemos dizer que realmente encontramos três representações irredutíveis diferentes,
módulo isoformismo. Novamente, módulo isoformismo, estas são as únicas representações
irredutíveis diferentes de S3 . Além disto qualquer uma das suas representações pode ser
decomposta em termos destas três. No próximo parágrafo explicaremos porque ocorre isto.

Teorema 2.11. Seja (ρ, V ) uma representação do grupo G em V e seja W um subespaço


vetorial de V , estável pela ação de G. Então existe W 0 , subespaço vetorial de V estável
pela ação de G e tal que V = W ⊕ W 0 .

Prova: Dado h, i1 , produto escalar em V , arbitrário, para u, v ∈ V dena


X
hu, vi = hρ(g)u, ρ(g)vi1 . (2.1.1)
g∈G

Então h, i também é um produto escalar em V e além disso é invariante pela ação de G no


sentido que
hu, vi = hρ(g)u, ρ(g)vi, ∀u, v ∈ V. (2.1.2)
Escolhendo W 0 = W ⊥ , observe que se u ∈ W 0 e v ∈ W , podemos calcular

hρ(g)u, vi = hρ(g)u, ρ(g)ρ(g −1 )vi


= hu, ρ(g −1 )vi.

Como W é estável pela ação de G, ρ(g −1 )v ∈ W e obtemos portanto que hρ(g)u, vi = 0,


∀v ∈ W , ou seja ρ(g)u ∈ W 0 , ∀g ∈ G e W 0 é estável pela ação de G.

Com a notação acima, para v = vW + vW 0 ∈ V , com vW ∈ W e vW


0 ∈ W 0 , podemos

escrever

ρ(g)v = ρ(g)vW + ρ(g)vW 0


= ρW (g)vW + ρW 0 (g)vW 0 .

Ou seja, as subrepresentações ρW e ρW 0 determimam ρ e é bastante natural denotar


ρ = ρW ⊕ ρW 0 . Diremos neste caso que ρ é soma direta de ρW e ρW0 . Podemos denir
também a soma direta de um número nito de subrepresentações de ρ. De fato, suponha
MK
que V = Wj , com Wj estável pela ao de G para todo j ∈ {1, . . . , K}. Então
j=1

K
M
ρ(g) = ρWj (g).
j=1

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Observação 2.12. Se escolhermos uma base de W que seja união de bases de W e W 0 ,
respectivamente, obteremos que nesta base
 
RW (g) 0
R(g) = .
0 RW 0 (g)
Isto pode ser estendido a uma soma direta de uma quantidade nita de representações.
Teorema 2.13. Toda representação de um grupo G é soma direta de subrepresentações
irredutíveis dele.

Prova: Seja (ρ, V ) uma representação de G. A prova será feita por indução na dimensão
de V .
Suponhamos que dimV = 0, então ρ ≡ 0 sendo portanto a soma direta da família vazia
de representações irredutíveis. Considere agora n > 0 e assuma que para representações
com dim V < n vale a armação do teorema. Se dim V = n + 1 e (ρ, V ) é irredutível,
então não há nada a provar. Caso contrário, podemos decompor V = V 0 ⊕ V 00 como no
teorema anterior, com dim V 0 < n e dim V 00 < n. Portanto, pela hipótese de indução, V 0
e V 00 são soma direta de representações irredutíveis e o mesmo vale para V .

Observação 2.14. A representação obtida no teorema acima não é única. No entanto,


vale o seguinte. Considere o conjunto de todas as representações irredutíveis de um grupo
G. O isoformismo de representações divide este conjunto em classes disjuntas. Então, cada
representação de G pode ser decomposta da forma
V = n1 W1 ⊕ · · · ⊕ nk W k , (2.1.3)
j
M
onde nj Wj = Wj e as representações (ρj , Wj ) são irredutíveis e não isoformas entre
l=1
si, ou seja, pertencem a classes distintas. A decomposição (2.1.3) também é única no
sentido que se V = m1 V1 ⊕ · · · ⊕ mq Vq é uma outra decomposição deste tipo, então q = k
e além disso para cada j ∈ {1, . . . , k} há algum l ∈ {1, . . . , k} com Vj ∼ Wl e nj = ml .
Ou seja, as representações irredutíveis em (2.1.3) são únicas módulo isomorsmos e as
"coordenadas"de representações irredutíveis isoformas são iguais.
Provaremos estas armações no restante desta seção.
Observação 2.15. A prova do teorema 2.11 tem uma consequência muito importante que
descrevemos a seguir. Nela foi denido um produto escalar h, i invariante pela ação de G.
Equivalentemente, todos os operadores ρ(g), g ∈ G denidos sobre V, h, i são unitários,


ou seja ρ(g)∗ = ρ(g −1 ), onde ρ(g)∗ denota o adjunto do operador ρ(g). Portanto se xarmos
uma base ortonormal de V e denotarmos por R(g) a matriz associada a ρ(g) nessa base,
t
teremos que R(g) é uma matriz unitária, ou seja R(g) = R(g −1 ). Como consequência
disto, toda vez que for preciso, poderemos assumir que R(g) são matrizes unitárias. Tal
representação matricial será chamada de representação matricial unitária.

A seguir apresentaremos um resultado que permite entender melhor o isomorsmo de


representações.
Lema 2.16 (Lema de Schur). Sejam (ρ1 , V1 ) e (ρ2 , V2 ) duas representações irredutíveis do
grupo G e seja τ : V1 → V2 uma transformação linear tal que
ρ2 (g) ◦ τ = τ ◦ ρ1 (g), ∀g ∈ G. (2.1.4)
Então valem as seguintes armações.

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(a) Ou τ é um isomorsmo sobrejetivo ou τ ≡ 0.
(b) Se ρ1 = ρ2 , τ é um múltiplo escalar da identidade.

Prova: Não é difícil vericar que a condição (2.1.4) implica que Ker τ e Im τ são su-
bespaços invariantes de V1 e V2 , respectivamente (veja o exercício 2.1.2). Como (ρ1 , V1 ) é
irredutível, Ker τ = V1 ou Ker τ = {0}. No primeiro caso, τ ≡ 0. Analogamente, pela
irredutibilidade de (ρ2 , V2 ), Im τ = {0} ou Im τ = V2 , logo ou τ ≡ 0, ou Ker τ = {0} e
Im τ = V2 e neste caso τ é um isomorsmo sobrejetivo.
Para provar (b) suponha que τ não é a transformação nula. Então por (a), τ é um
isomorsmo sobrejetivo, portanto existe um autovalor λ não nulo de τ . Mas então τ1 =
τ − λidV satisfaz (2.1.4) e como Ker τ1 6= {0}, então τ1 ≡ 0.

Corolário 2.17. Sejam (ρ1 , V1 ) e (ρ2 , V2 ) duas representações irredutíveis do grupo G e


seja h : V1 → V2 linear. Considere
1 X −1 1 X
T0 = ρ2 (g) ◦ h ◦ ρ1 (g) = ρ2 (g −1 ) ◦ T ◦ ρ1 (g).
|G| |G|
g∈G g∈G

Então valem:

(a) se (ρ1 , V1 ) e (ρ2 , V2 ) não são isomorfas, T0 ≡ 0.


(b) se ρ1 = ρ2 , então T0 = c idV , onde c = dρ .
T r(T )

Prova: T0 satisfaz (2.1.4), portanto, se vale (a), devemos ter T0 ≡ 0.


(b) é consequência de (b) no Lema de Schur. Para obter c, basta calcular o traço nas
duas expressões que temos para T0 .

Para os seguintes corolários, usaremos uma notação que passamos a descrever.


As representações matriciais associadas a (ρ1 , V1 ) e (ρ2 , V2 ) serão denotadas por R1 (g) =
(1) (2)
ri1 j1 (g) e R2 (g) = ri2 j2 (g) , respectivamente, enquanto que (tij ) e (t0ij ) denotarão ma-
 

trizes associadas às transformações T e T0 . Ou seja,


dρ1 dρ2
1 XX X
t0i2 i1 = ri2 j2 (g −1 )tj2 j1 rj1 i1 (g) (2.1.5)
|G|
g∈G j1 =1 j2 =1
dρ1
dρ2 
X X 1 X 
= ri2 j2 (g −1 )rj1 i1 (g) tj2 j1 . (2.1.6)
|G|
j1 =1 j2 =1 g∈G

Para cada il ∈ {1, . . . , dρl }, l ∈ {1, 2}, a expressão no termo direito de (2.1.5) é linear em
tj2 j1 . Portanto, por (a) do corolário 2.17, obtemos que
Corolário 2.18. Se (ρ1 , V1 ) e (ρ2 , V2 ) são duas representações irredutíveis do grupo G não
isomorfas então
1 X (2) −1 (1)
ri2 j2 (g )rj1 i1 (g) = 0,
|G|
g∈G

toda vez que 1 ≤ il , jl ≤ dρl e l ∈ {1, 2}.

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Nas hipóteses de (b) do corolário 2.17, temos que R1 (g) = R2 (g) = R(g) = rij (g) e


dρ dρ 
X X 1 X 
t0i2 i1 = ri2 j2 (g −1 )rj1 i1 (g) tj2 j1 (2.1.7)
|G|
j1 =1 j2 =1 g∈G

e também que
T r(T )
t0i2 i1 = δi1 ,i2 (2.1.8)

Pdρ Pdρ
j1 =1 j2 =1 δj1 ,j2 tj2 j1
= δi1 ,i2 (2.1.9)

dρ dρ  
X X
= dρ −1 δi1 ,i2 δj1 ,j2 tj2 j1 . (2.1.10)
j1 =1 j2 =1

Segue então o seguinte resultado.


Corolário 2.19. Se (ρ, V ) é uma representação irredutível do grupo G então
 −1
1 X −1 dρ , i1 = i2 , j1 = j2 ;
ri2 j2 (g )rj1 i1 (g) =
|G| 0, caso contrário.
g∈G

= d−1
ρ δi1 ,i2 δj1 ,j2 .

toda vez que 1 ≤ il , jl ≤ dρ e l ∈ {1, 2}.


Observação 2.20. Os corolários 2.18 e 2.19 serão essenciais para entender a estrutura do
espaço vetorial das funções a valores complexos denidas sobre G. De fato, denotemos este
espaço como FG . Observe que as funções δg denidas por

1, h = g;
δg (h) =
0, h 6= g.

formam uma base deste espaço, sendo portanto dim FG = |G|.


Consideremos em FG o produto escalar dado por
1 X
(φ, ψ) = φ(g)ψ(g). (2.1.11)
|G|
g∈G

Sejam {Rl }l∈Λ representações matriciais unitárias irredutíveis de G. Então ri2 j2 (g −1 ) =


rj2 i2 (g) e obtemos que
(l ) (l ) 
ril 1jl , ril 2jl = d−1
ρ δl1 ,l2 δil1 ,il2 δjl1 ,jl2 . (2.1.12)
1 1 2 2

(l)
Ou seja, as funções { dρl ril jl }l∈Λ,1≤il ,il ≤dρl formam um conjunto ortonormal de FG .
p

Como dim FG = |G|, obtemos que há somente um número nito destas funções. Em
particular X
d2ρl ≤ |G|
l∈Λ

e portanto Λ é um conjunto nito. Assumiremos daqui para frente que Λ = {0, . . . , L − 1},
com L ∈ N e sendo ρ = ρT , a representação trivial. Mais adiante (veja o corolário 2.35)
vericaremos que estas funções formam na verdade uma base ortonormal de FG .

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Exemplo 2.21. Considere as representações ρ0 = ρT e ρ1 = ρA de Sn . Na nossa notação
temos que r(0) (π)= 1 e r(1) (π) = sinal(π), π ∈ Sn .
Observe que
1 X (0) 1 X
r(0) , r(1) = r (π)r(1) (π) =

sinal(π) = 0,
n! n!
π∈Sn π∈Sn

1 X 1 X 2
r(0) , r(0) = 1 = 1 = d−1 r(1) , r(1) = sinal(π) = 1 = d−1
 
0 , 1 .
n! n!
π∈Sn π∈Sn

A seguir veremos como construir para cada representação de G uma função em FG que
caracteriza as representações módulo isomorsmo.

Denição 2.22. Seja (ρ, V ) uma representação de um grupo G. O caracter de ρ é a função

χ(ρ) = T r(ρ(g)), g ∈ G. (2.1.13)

Exemplo 2.23. A representação trivial de um grupo G satisfaz χT ≡ 1. A representação


identidade ρ(g) = idV , g ∈ G satisfaz χρ ≡ dρ .

/
Exemplo 2.24. Para as representações irredutíveis de S3 que foram obtidas no exemplo
(2.8), temos que χρT ≡ 1 e χρA (π) = sinal(π) e

 2, se π = id;

χρP,W (π) = 0, se π = (12), ou π = (13) ou π = (23); .


−1, se π = (123), ou π = (132).

/
Proposição 2.25. Se χ é o caracter de uma representação (ρ, V ), então
(a) χ(e) = dρ ;
(b) χ(g −1 ) = χ(g), g ∈ G;

(c) χ(g1 gg1−1 ) = χ(g), g, g1 ∈ G;

(d) se ρ = ρ1 ⊕ ρ2 , então χρ = χρ1 + χρ2 .

Prova:

(a) T r(ρ(e)) = T r(idV ) = dρ ;

(b) χ(g −1 ) = T r(ρ(g −1 )) = T r(ρ(g)∗ ) = T r(ρ(g)) = χ(g), g ∈ G;

(c) Observe que seria equivalente provar χ(gh) = χ(hg), h, g ∈ G; mas isto é consequên-
cia da propriedade T r(AB) = T r(BA), que vale para quaisquer matrizes A e B que
possam ser multiplicadas.

8
(d) se ρ = ρ1 ⊕ ρ2 , então pela observação 2.12, podemos escolher
 
R1 (g) 0
R(g) = ,
0 R2 (g)

portanto χρ (g) = T r(R(g)) = T r(R1 (g)) + T r(R1 (g)) = χρ1 (g) + χρ2 (g).

No grupo G fala-se que g1 e g2 são conjugados se existe g ∈ G tal que g2 = gg1 g −1 . Esta
é uma relação de equivalência que divide G em classes de conjugação. (c) acima garante
que χ é constante nas classes de conjugação. Tais funções são chamadas de funções
classe. Denotaremos aqui por ZFG o espaço de todas as funções classe sobre G. ZFG é
um subespaço vetorial de FG e não é difícil vericar que as funções {δC } dadas por

1, g ∈ C

δC (g) =
0, g ∈/ C,

para cada classe de conjugação C, formam uma base, portanto

dim ZFG = { número de classes de conjugação em G}.

Exemplo 2.26. As classes de conjugação de S3 são {id}, {(12), (13), (23)} e {(123), (132)}.
Note que o caracter χρP,W mostrado no exemplo 2.24 é constante em cada classe de conju-
gação.

Usando a igualdade (2.1.12) na observação 2.20 sobre os corolários do lema de Schur,


podemos obter o seguinte resultado.

Teorema 2.27. Os caracteres {χl }L−1


l=0 das representações irredutíveis {ρl }l=0 formam um
L−1

conjunto ortonormal de ZFG .

Prova: Para as representações irredutíveis ρl1 e ρl2 consideremos os seus caracteres χl1 e
(1) (2)
χl1 e matrizes unitárias Rl1 (g) = (ri1 j1 (g)) e Rl2 (g) = (ri2 j2 (g)) associadas. Então

dρl dρ
l2
X 1 
(1) (2)
X
(χl1 , χl2 ) = ri1 i1 , ri2 i2
i1 =1 i2 =1
dρl dρl
X1 X2  (1) (2)

= ri1 i1 , ri2 i2 .
i1 =1 i2 =1
 
(1) (2)
Se ρl1  ρl2 , ri1 i1 , ri2 i2 = 0 e portanto (χl1 , χl2 ) = 0. Além disto,


l1  l1

X  X 1
(χl1 , χl1 ) = ri1 i1 , ri1 i1 = = 1.
dρl1
i1 =1 i1 =1

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Teorema 2.28. Seja (ρ, V ) uma representação de G com caracter φ. Suponha que V se
decompõe numa soma de representações irredutíveis
V = W1 ⊕ · · · ⊕ Wk . (2.1.14)

Então se (ρ̃, W ) é uma representação irredutível de G con caracter χ, o número de


representações (ρ̃j , Wj ) isomorfas a (ρ̃, W ) é igual a (φ, χ).

Prova: Tem-se que


φ = χ1 + · · · + χk ,
onde χj denota o caracter de ρ̃j . Então

(φ, χ) = (χ1 + · · · + χk , χ),

mas sabemos que


se ρ̃j  ρ̃;

0,
(χj , χ) =
1, se ρ̃j ∼ ρ̃
e o resultado segue.

O teorema acima tem algumas consequências importantes.


Repare que como (φ, χ) não depende da decomposição (2.1.14), o número de subrepre-
sentações irredutíveis de ρ, isomorfas a uma representação irredutível dada, não depende
da decomposição (2.1.14). Chamaremos este número de multiplicidade de ρ̃ em ρ.
Se identicarmos na decomposição (2.1.14) todas as representações irredutíveis isomor-
fas entre si através da notação nl ρ̃il = ρ̃il ⊕ · · · ⊕ ρ̃il , podemos reescrever
| {z }
nl vezes

ρ = n1 ρ̃i1 ⊕ · · · ⊕ nj ρ̃ij .

l=0 ,
Além disto, se considerarmos todas as representações irredutíveis do grupo G, {ρl }L−1
cada ρ̃ik ∼ ρlk para algum índice lk e nesse caso nk = (φ, χlk ) pois os caracteres de
representações isomorfas coincidem. Em outras palavras, qualquer representação (ρ, V ) de
um grupo G pode ser identicada com uma soma direta da forma

n0 ρ0 ⊕ · · · ⊕ nL−1 ρL−1 , (2.1.15)

onde cada nl = (φ, χl ) é a multiplicidade de ρl em ρ.

Exemplo 2.29. Considere a representação trivial ρ0 e uma representação identidade


1 X
(ρI , V ), com dim V = d. Como (χI , χ0 ) = d = d, obtemos que a multiplici-
|G|
g∈G
dade da representação trivial na representação identidade (ρI , V ) coincide com a dimensão
de V , ou ρI ∼ dρ0 o que é bastante intuitivo.

Uma vez xadas as representações irredutíveis {ρl }L−1 l=0 , a decomposição (2.1.15) de-
pende apenas do caracter de ρ. Portanto teremos a mesma decomposição para representa-
ções isomorfas entre si e isto prova o seguinte resultado.

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Proposição 2.30. Duas representações são isomorfas se e somente se elas possuirem o
mesmo caracter.

A seguir apresentamos um critério bastante simples de irredutibilidade.


Teorema 2.31. Se φ é o caracter de uma representação, então (φ, φ) ∈ N. Além disto,
(φ, φ) = 1 se e somente se a representação for irredutível.

Prova: Pelo teorema (2.11) podemos escrever V = n1 W1 ⊕ · · · ⊕ nk Wk , portanto


χ = n1 χ1 ⊕ · · · ⊕ nk χk
e pelo teorema 2.27, (φ, φ) = n21 + · · · + n2k .
(φ, φ) = 1 somente quando nj = 1 para algum j e nl = 0 para l 6= j , ou seja, se a
representação for irredutível.

Lembre que tínhamos denotado FG o espaço vetorial das funções sobre G e que uma
base deste espaço está dada pelas funções {δg }g∈G . Deniremos abaixo uma representação
de G em FG que será de extrema importância.
Denição 2.32. A representação regular de G: ρR : G → GL(FG ) está denida por
ρR (g)(δh ) = δgh ,
om g, h ∈ G.

A seguir calcularemos o caracter de ρR .


Proposição 2.33. O caracter rG de ρR está dado por

|G|, g = e;
rG (g) = .
6 e.
0, g =

Prova: Observe que a entrada na posição (h X1 , h2 ) da matriz associada a ρR (g) na base


{δg }g∈G será δgh1 ,h2 . Portanto, T r(ρR (g)) = δgh1 ,h1 . Como δgh1 ,h1 = 1 ⇔ gh1 = h1 ⇔
h1 ∈G
g = e, o resultado segue.

A expressão obtida para o caracter de ρR tem uma consequência extremamente útil.


Corolário 2.34. Considere todas as representações irredutíveis de G, l=0 . Cada re-
{ρl }L−1
presentação ρj está contida em ρR com multiplicidade igual ao seu grau dj .

Prova: Pelo teorema 2.28, devemos calcular (rG , χl ), sendo χl o caracter de ρl .


1 X
(rG , χl ) = rG (g)χl (g) = χl (e) = dl
|G|
g∈G

e o resultado segue.
L−1
X
O corolário acima implica que rG = dl χl . Avaliando ambos os termos em g = e e
l=0
como consequência da proposição 2.33 obtemos que
K
X
d2j = |G| (2.1.16)
j=1

11
e para g 6= e,
K
X
dj χj (g) = 0.
j=1

A relação (2.1.16) permite obter o resultado seguinte.


Corolário 2.35. As entradas nas representações matriciais unitárias irredutíveis formam
uma base ortogonal do espaço das funções sobre G.

Prova: Basta observar que temos um total de K j=1 dj entradas e que a dimensão do
2
P
espaço em questão é |G| , portanto o corolário segue de (2.1.16) .

2.1.2 A transformada de Fourier


Denição 2.36. Seja f uma função sobre G e seja (ρ, V ) uma representação de G. De-
nimos a transformada de Fourier de f na representação ρ como o operador
X X
fˆ(ρ) = f (g)ρ(g −1 ) = f (g)ρ(g)∗ . (2.1.17)
g∈G g∈G

Exemplo 2.37. X
δbg (ρ) = δg (h)ρ(h−1 ) = ρ(g −1 ).
h∈G

/
Exemplo 2.38. Se f ≡ c, com c ∈ C, então
X X
fˆ(ρ) = cρ(g) = c ρ(g).
g∈G g∈G

/
Exemplo 2.39. Para ρ0 , a representação trivial, obtemos
X X
fˆ(ρ0 ) = f (g)ρ(g −1 ) = f (g) = |G|(f, 1).
g∈G g∈G

/
Exemplo 2.40. Seja ρI uma representação identidade, então
X X
fˆ(ρI ) = f (g)ρ(g −1 ) = f (g)idV = |G|(f, 1)idV .
g∈G g∈G

Para as representações irredutíveis de G, {ρl }L−1


l=0 , consideremos as representações ma-
triciais unitárias associadas {Rl }l=0 . Então
L−1

(l) (l)
X X
fˆ(ρl ) i j = f (g)ril jl (g −1 ) =

f (g)rjl il (g)
l l
g∈G g∈G
(l) 
= |G| f, rjl il .

12
(l)
Por outro lado, sabemos que as funções { dρl ril jl ,
p
l ∈ {0, . . . , L − 1}, 1 ≤ il , il ≤ dρl }
formam uma base ortonormal de FG e portanto,
L−1 dl X
dl
(l)  (l)
X X
f (g) = dl f, ril jl ril jl (g)
l=0 il =1 jl =1
L−1 dl X
dl
1 X X (l)
fˆ(ρl ) j i ril jl (g)

= dl
|G| l l
l=0 il =1 jl =1
L−1
1 X
= dl T r(fˆ(ρl )r(l) (g))
|G|
l=0
L−1
1 X
= dl T r(fˆ(ρl ) ◦ ρl (g)).
|G|
l=0

Obtemos dai o seguinte resultado.


Proposição 2.41 (Fórmula de inversão). Seja f uma função denida sobre G e seja
{ρl }L−1
l=0 a família de todas as representações irredutíveis de G. Então
L−1
1 X
f (g) = dl T r(fˆ(ρl ) ◦ ρl (g)).
|G|
l=0

Como consequência da fórmula de inversão obtemos basta conhecer a transformada de


Fourier de uma função sobre as representações irredutíveis para conhecer f .
Corolário 2.42. A transformada de Fourier nas representações irredutíveis determina
qualquer função f ∈ FG , i. e. se f for tal que fˆ(ρl ) = 0, para todo l ∈ {0, . . . , L − 1},
então f ≡ 0.

A transformada de Fourier sobre representações irredutíveis de funções classe adota


uma forma especial que descrevemos a seguir.
Proposição 2.43. Seja f ∈ ZFG e seja (ρ, V ) uma representação irredutível de G. Então

fˆ(ρ) = λidV ,

onde
1 X |G|
f (g)χρ (g −1 ) =

λ= f, χρ .
dρ dρ
g∈G

Prova: fˆ é um operador sobre V . Além disso, temos


X
ρ(h) ◦ fˆ(ρ) ◦ ρ(h−1 ) = ρ(h) ◦ f (g)ρ(g −1 ) ◦ ρ(h−1 )
g∈G
X
f (g) ρ(h) ◦ ρ(g −1 ) ◦ ρ(h−1 )

=
g∈G
X X
= f (g)ρ(hg −1 h−1 ) = f (h−1 g̃h)ρ(g̃ −1 )
g∈G g̃∈G
X
= f (g̃)ρ(g̃ −1 ) = fˆ(ρ),
g̃∈G

13
portanto fˆ satisfaz as hipóteses da parte (b) do lema de Schur e podemos concluir que
fˆ(ρ) = λidV . Para calcular o valor de λ, observe que temos
T r(fˆ(ρ)) = T r(λidV ) = λdρ .
Além disto, pela denição da transformada de Fourier,
X
T r(fˆ(ρ)) = T r f (g)ρ(g −1 )


g∈G
X
= f (g)T r(ρ(g −1 ))
g∈G
X
= f (g)χ(g).
g∈G

Igualando as duas expressões obtidas, chegamos ao resultado desejado.

Teorema 2.44. Os caracteres de todas as representações irredutíveis de G, l=0 for-


{ρl }L−1
mam uma base ortonormal de ZFG .

Prova: Sejam {χl }L−1


l=0 todos os caracteres irredutíveis do grupo G. Suponha (f, χl ) = 0,
para todo l ∈ {0, . . . , L − 1}, então pela proposição 2.43, obtemos que fˆ(ρl ) = 0 para
l ∈ {0, . . . , L − 1}. Como a transformada de Fourier sobre as representações irredutível de-
termina as funções (corolário 2.42), obtemos que f ≡ 0. Ou seja, o complemento ortogonal
em ZFG do subespaço gerado pelos caracteres {χl }L−1 l=0 , é {0}. Isto junto com o teorema
2.27 conclui a demonstração.

Corolário 2.45. O número de representações irredutíveis de um grupo coincide com o


número das suas classes de conjugação.

Prova: Como tínhamos observado, dim ZFG coincide com o número de classes de conju-
gação de G. O teorema acima arma que dim ZFG = L, portanto L é o número de classes
de conjugação de G.

O corolário 2.45 caracteriza o número de representações irredutíveis de um grupo G em


termos de uma das propriedades de G, nomeadamente, da quantidade de classes irredutíveis
que ele tem. Isto fornece uma maneira de encontrar todas as representações irredutíveis
de um grupo. Para isto podemos determinar tantas representações irredutíveis quantas
classes de conjugação haja no grupo e depois provar que nenhum par das representações
obtidas são isomorfas entre si. Isto permite, por exemplo, obter o seguinte resultado sobre
grupos abelianos.
Teorema 2.46. As seguintes propriedades são equivalentes.
(i) G é abeliano;
(ii) Todas as representações irredutíveis de G são unidimensionais.
L−1
Prova:
X
De (2.1.16) sabemos que d2l = |G|, onde L é o número de classes de conjugação
l=0
de G. Então L = |G| ⇔ dl = 1, l ∈ {0, . . . , L − 1}, ou seja, todas as representações
irredutíveis de G são unidimensionais se e somente se cada classe de conjugação contiver
apenas um elemento, ou seja, se G for abeliano.

14
Exemplo 2.47 (As representações irredutíveis de Zn ). Como Zn é abeliano, as re-
presentações irredutíveis são todas as representações unidimensionais. Seja ρ uma repre-
sentação unidimensional. Então ρ(k) = [ρ(1)]k e ρ(n) = [ρ(1)]n = 1. Portanto, ρ(n) é uma
2πij
das n raizes unitárias e então ρl (1) = e n , 0 ≤ l ≤ n − 1 determina n representações
dadas por
2πilk
ρl (k) = e n , k ∈ Zn .
2πilk
Como χl (k) = e n , temos que se l 6= j , χl 6= χj e portanto, nenhum par das representa-
ções obtidas são isomorfas entre si e elas são então todas as n representações irredutíveis
de Zn .
Consideremos uma função f : Zn → C. Denotando fˆ(l) = fˆ(ρl ), obtemos que
X 2πilk
fˆ(l) = f (k)e− n .
k∈Zn

A fórmula de inversão correspondente seria


L−1
1X ˆ 2πilk
f (k) = f (l)e n .
n
l=0

2.1.3 Exercícios
2.1.1. Suponha que G é um grupo cíclico com gerador a ∈ G e ordem n. Prove que a
transformação ρ : G → C dada por
2πik
ρ(g) = e n

dene uma representação de G.

(a) Esta representação é irredutível? Por quê?


2.1.2. Verique que a condição (2.1.4) implica que Ker τ e Im τ são subespaços invariantes
de V1 e V2 , respectivamente.
2.1.3. Comprove que o isomorsmo de representações é uma relação de equivalência.
2.1.4. Verique que h, i como denido em 2.1.1 é um produto escalar e que satisfaz 2.1.2.
2.1.5. Sejam ρ = ρ1 ⊕ ρ2 e ρ̃ = ρ˜1 ⊕ ρ˜2 duas representações de um grupo G tais que ρ1 ∼ ρ˜1
e ρ2 ∼ ρ˜2 . Prove que ρ ∼ ρ̃.
2.1.6. Considere as representações ρT , ρA e ρP,W de S3 . Verique que as seis coordenadas
dasrepresentações matriciais unitárias a elas associadas formam um conjunto ortogonal no
espaço das funções denidas em G.
2.1.7. Seja (ρ, V ) uma representação com caracter χ.

(a) Prove que a multiplicidade da representação trivial ρT em ρ é


1 X
(χ, 1) = χ(g). (2.1.18)
|G|
g∈G

(b) Considere todos os caracteres irredutíveis do grupo G, {χk }K−1


k=0 . Verique que
X
χk (g) = 0, ∀k ∈ {1, . . . , K − 1}. (2.1.19)
g∈G

15
2.2 Probabilidades

2.2.1 Leis de probabilidade e suas propriedades


Assuma que temos uma regra para escolher elementos de G aleatóriamente sendo P (g) a
probabilidade do elemento g ∈ G ser escolhido. Os valores {P (g) : g ∈ G} determinam
uma distribuição de probabilidade.

Denição 2.48.
XUma função P : G → [0, 1] dene uma lei ou distribuição (de probabili-
dade) em G se P (g) = 1. Se X é uma quantidade aleatória com valores em G, X será
g∈G
chamado de elemento aleatório sobre G. A distribuição de probabilidade de X está dada
por

PX (g) = P(X = g), g ∈ G.

Denotaremos por P(G) o conjunto de todas as distribuições sobre G.

Exemplo 2.49. Para g ∈ G, δg é uma lei de probabilidade. De fato é a lei do elemento


aleatório X ≡ g .

Exemplo 2.50. A lei U dada por U (g) = |G|


1
, ∀g ∈ G é chamada de lei uniforme sobre G.
Ela correspondente a uma regra para escolher elementos de G na qual nenhum elemento é
privilegiado.

Exemplo 2.51. Seja H um subgrupo de G. A lei UH dada por

1
g ∈ H;

UH (g) = |H| ,
0, g∈/ H,
representa uma maneira de escolher ao acaso elementos do subgrupo H .

Denição 2.52. O suporte de uma distribuição P sobre G é o conjunto

supp P = {g ∈ G : P (g) > 0}. (2.2.20)

Exemplo 2.53. Repare que supp δg = {g}, supp U = G e supp UH = H .

Suponha que dada uma lei de probabilidade P , decidimos escolher um elemento g


usando o peso com que seria escolhido seu inverso g −1 . Desta forma estamos denindo
uma nova lei P − dada por
P − (g) = P (g −1 ), g ∈ G.
Observe que (PX )− = PX −1 .

16
Denição 2.54. Chamaremos a lei P − de simétrica da lei P e diremos que P é simétrica
quando P = P −. Analogamente dizemos que o elemento aleatório X é simétrico se PX =
(PX )− , ou seja se X e X −1 possuem a mesma distribuição.

Exemplo 2.55. UH é uma distribuição simétrica para qualque H subgrupo de G. δG é


simétrica unicamente no caso g = e.

A seguir deniremos a convolução de distribuições.

Denição 2.56. Dadas P , Q ∈ P(G), dene-se P ∗ G ∈ P(G) como


X X
P ∗ Q(g) = P (gh−1 )Q(h) = P (h)Q(h−1 g). (2.2.21)
h∈G h∈G

Exemplo 2.57. Se P ∈ P(G) e g, h ∈ G temos que P ∗ δg (h) = P (hg −1 ) e δg ∗ P (h) =


P (g −1 h).
Em particular, a operação de convolução não é comutativa.

Exemplo 2.58. Para toda P ∈ P(G) temos

U ∗ P = P ∗ U = U.

De fato U é a única distribuição satisfazendo esta propriedade (veja o exercício 2.2.2).

A convolução de um número nito de distribuições dene-se recursivamente como

P1 ∗ P2 ∗ · · · ∗ Pk = P1 ∗ (P2 ∗ · · · ∗ Pk ).

Usaremos a notação P ∗ · · · ∗ P} = P ∗k .
| ∗ P {z
k vezes

Denição 2.59. Dizemos que os elementos aleatórios sobre G, X e Y são independentes


se
P(X = g, Y = h) = P(X = g)P(Y = h) = PX (g)PY (h), ∀g, h ∈ G. (2.2.22)

Proposição 2.60. Se X e Y são independentes, então PXY = PX ∗ PY .

Prova:
PXY (g) = P(XY = g)
X
= P(X = gh−1 , Y = h)
g∈G
X
= PX (gh−1 )PY (h) = PX ∗ PY (g).
g∈G

17
2.2.2 A transformação característica
Denição 2.61. Seja P ∈ P(G) e sejam {ρl }L−1l=0 as representações irredutíveis do grupo
G. A transformação φP dada por
X
φP (l) = Pc− (ρl ) = P (g)ρl (g)
g∈G

será chamada de transformação característica de P .


Se X for um elemento aleatório sobre G, a transformação característica de X será
φX = φPX .

L−1
[
Observe que φP (l) ∈ B(Vl ), então φP : {0, . . . , L − 1} → B(Vl ). Vejamos alguns
l=0
exemplos.

Exemplo 2.62. Para qualquer P ∈ P(G) temos que φP (0) = 1. De fato, pela denição,
X
φP (0) = Pc− (ρ0 ) = P (g) = 1.
g∈G

Exemplo 2.63. Consideremos a lei uniforme U sobre G. Para l ∈ {1, . . . , L − 1}, temos
que
X 1 X
φU (l) = U (g)ρl (g) = ρl (g).
|G|
g∈G g∈G
(l) 
Para qualquer representação matricial unitária Rl = ril jl associada a ρl , temos que

1 X (l) (l) (l)


ril jl (g) = hril jl , 1i = hril jl , r(0) i = 0,

φU (l) i j =
l l |G|
g∈G

onde a última igualdade é consequência do corolário 2.35. Ou seja, φU (l) ≡ 0Vl .

A seguir apresentamos algumas propriedades importantes da transformação caracterís-


tica.

Proposição 2.64. Seja φP a transformação característica da lei de probabilidade P . Então


(a) (Fórmula de inversão)
L−1
X
dl T r φP (l) ◦ ρl (g −1 ) . (2.2.23)

P (g) =
l=0

Em particular, os valores de φP determinam os valores de P .


(b) kφP (l)k ≤ 1, para todo l ∈ {0, . . . , L − 1}.
(c) φP ∗Q = φP ◦ φQ .

18
(d) φP − (l) = φP (l)∗ , para l ∈ {0, . . . , L − 1}.
Como consequência disto, a distribuição P será simétrica se e somente se φP (l) for
um operador autoadjunto para todo l ∈ {0, . . . , L − 1}.

Prova:
(a) A armação é equivalente à fórmula de inversão para a transformada de Fourier.

(b) X X
kφP (l)k = k P (g)ρl (g)k ≤ P (g)kρl (g)k = 1.
g∈G g∈G

(c)
X
φP ∗Q (g) = P ∗ Q(g)ρl (g)
g∈G
XX 
= P (gh−1 )Q(h) ρl (g)
g∈G h∈G
XX 
= P (gh−1 )Q(h)ρl (gh−1 ) ◦ ρl (h)
g∈G h∈G
XX 
P (gh−1 )ρl (gh−1 ) ◦ Q(h)ρl (h)

=
h∈G g∈G
X 
= φP (l) ◦ Q(h)ρl (h)
h∈G
= φP (l) ◦ φQ (l).

(d)
X X
φP − (l) = P (g −1 )ρl (g) = P (g)ρl (g −1 )
g∈G g∈G
X X ∗

= P (g)ρl (g) = P (g)ρl (g)
g∈G g∈G

= φP (l) .

Exemplo 2.65. No caso do grupo G ser abeliano, todas as representações irredutíveis são
unidimensionais e podemos considerar que ρl = χl , 0 ≤ l ≤ |G| − 1. Temos então que
φP : {0, . . . , |G| − 1} → C é dada por
X
φP (l) = P (g)χl (g) = |G|(P, χl ).
g∈G

Escrevendo P na base de FG formada pelos caracteres irredutíveis obtemos que


|G|−1 |G|−1 |G|−1
X X 1 X
P (g) = (P, χl )χl (g) = (P, χl )χl (g) = φP (l)χl (g −1 ).
|G|
l=0 l=0 l=0

Esta é a expressão da fórmula de inversão (2.2.23) no caso particular de G ser abeliano.

19
/

Denição 2.66. Para cada P ∈ P(G), denimos a distribuição simetrizada de P , P S por

P S = P − ∗ P. (2.2.24)

A distribuição P S possui algumas propriedades que apresentamos a seguir.

Proposição 2.67. Para P ∈ P(G) valem

(a) P S é uma distribuição simétrica.


(b) Se X e Y são elementos aleatórios sobre G independentes e identicamente distribuídos
com X ∼ P então
PX −1 Y = P S .

(c) Sejam g0 ∈ G e H um subgrupo de G. Se supp P ⊂ g0 H , então supp P S ⊂ H .

Prova:

(a)
φP S (l) = φP − (l) ◦ φP (l) = φP (l)∗ ◦ φP (l),
portanto, φP S (l) é autoadjunto e o resultado decorre de (d) na proposição 2.64.

(b)
PX −1 Y = PX −1 ∗ PY = P − ∗ P.

(c) X X
P S (g) = P (gh−1 )P (h) = P (g0 hg −1 )P (g0 h).
h∈G h∈G

Se g ∈
/ H , g0 hg −1 / g0 H e portanto
∈ P S (g) = 0, ou seja, supp P S ⊂ H .

2.2.3 Teoremas limite


O fato do grupo G ser nito faz com que a convergência em distribuição de elementos
aleatórios em G possa ser denida de forma muito simples.

Denição 2.68. Seja (Xn ) uma sequência de elementos aleatórios em G e seja P ∈


P(G). Dizemos que (Xn ) converge em distribuição para a distribuição P quando n → ∞
d
(Xn −−−→ P ) se
n→∞
PXn (g) −−−→ P (g), ∀g ∈ G.
n→∞
d d
Se X é um elemento aleatório, dizemos que Xn −−−→ X quando Xn −−−→ PX .
n→∞ n→∞

Proposição 2.69. d
Xn −−−→ P se e somente se φXn (l) −−−→ φP (l), para todo l ∈
n→∞ n→∞
{1, . . . , L − 1}.

20
Prova: O resultado decorre da fórmula de inversão (2.2.23).

Dada uma sequência (Xn ) de elementos aleatórios sobre G, independentes e identica-


mente distribuídos, interessa estudar o limite de (Sn ), onde

Sn = X1 X2 · · · Xn .

Observe que se X1 ∼ P , então Sn ∼ P ∗n , pela proposição 2.64 (c). Os seguintes lemas


tratam da convergência de (Sn ).

Lema 2.70. Se supp P ⊂ g0 N para algum N , subgrupo normal de G, com g0 ∈ G \ N


então (Sn ) não converge.

Prova: Seja k o menor número natural tal que g0k = e e considere o subgrupo cíclico
H = hg0 i. Como H é abeliano, ele possui exatamente k representações irredutíveis e
pelo teorema 2.46, todas elas são unidimensionais. Podemos escolher então uma destas
representações ρH , diferente da representação trivial, sendo portanto ρH (g0 ) = eiα , com
α 6≡ 0( mod 2π). Para cada g ∈ G, denamos ρ(g) = eiαk se g = g0k N . Como N
é normal, obtemos que ρ é uma representação sobre G e como é unidimensional existe
l ∈ {0, . . . , L − 1} tal que χl é o caracter de ρ. Nesse caso
X X X
φP (l) = P (g)χ(g) = P (g)χ(g) = P (g)eiα = eiα
g∈G g∈supp P g∈supp P

e portanto φP ∗n (l) = eiαn , que não converge quando n → ∞.

Nos lemas 2.71 e 2.72 a seguir, H denota um subgrupo de G tal que supp P ⊂ H e
j }j=0 as representações irredutíveis de H .
J−1
{ρH

Lema 2.71. Se (Sn ) não convergir então existe j ∈ {1, . . . , J −1} tal que tal que kφH
P (j)k =
1.

Prova: Se (Sn ) não converge então existe j ∈ {1, . . . , J − 1} tal que a sequência de
operadores (φH
P (j) ) não converge, onde
n

X
φH
P (j) = P (g)ρj (g).
h∈H

Como kφH P (j) k ≤ kφP (j)k e kφP (j)k ≤ 1, a única maneira desta sequência não convergir
n H n H

seria se kφP (j)k = 1.


H

Lema 2.72. Se kφH


P (l)k = 1 para algum j ∈ {1, . . . , J −1} então suppP
∈ g0 N para algum
g0 ∈ suppP e algum N subgrupo próprio de H . Se H for o menor subgrupo de G contendo
supp P então N é normal em H e g0 ∈ G \ N .

Prova: Sejam j ∈ {1, . . . , J − 1} e v ∈ Vj , com kvk = 1 tais que kφH


P (j)vk = 1. Segue
que X X
1 = kvk = kφH (j)vk = P (g)ρH
(g)v ≤ P (g)kρH
j (g)vk = 1.

P j
g∈H g∈H

P (g)ρl (g)v é uma combinação convexa dos vetores unitários {ρl (g)v}g∈supp P . Ela
P
g∈H
somente pode ter norma um no caso em que todos estes vetores coincidam, pois a bola

21
unitária em um espaço com produto escalar é um conjunto estritamente convexo. Segue
que se g0 ∈ supp P , ρl (g)v = ρl (g0 )v, ∀g ∈ supp P .
Consideremos o conjunto H(g0 ) = {g ∈ H : ρl (g)v = ρl (g0 )v}. Então supp P ⊂
H(g0 ) = g0 H(e) = H(e)g0 . Além disto, H(e) é um subgrupo próprio de H pois caso
contrário o subespaço gerado por v seria estável por ρH
j , mas ρj é irredutível, então isto
H

não pode ocorrer. Portanto, se N = H(e), obtemos que supp P ⊂ g0 N como queriamos
provar.
Seja B = {g ∈ H : gN = N g}. Então B é um subgrupo de H e B ⊃ H(g0 ) ⊃ supp P ,
portanto se H for o menor subgrupo de G contendo supp P teremos que B = H e segue
que N é um subgrupo normal próprio de H e portanto g0 ∈ G \ N .

Lema 2.73. Se existir Q ∈ P(G) tal que


d
Sn −−−→ Q
n→∞

então Q = UH , onde H é o menor subgrupo de G contendo supp P .

Prova: Seja H o menor subgrupo de G contendo supp P . Pelos lemas 2.70 e 2.72, temos
que kφH
P (j)k P (j) −−−→ 0 e obtemos que
< 1, ∀j ∈ {1, . . . , J − 1}. Então φH n
n→∞

d
Sn −−−→ UH .
n→∞

Concluindo, podemos caracterizar a convergência de (Sn ) através do seguinte teorema,


que é consequência dos lemas 2.70 - 2.73.
Teorema 2.74. Seja (Xn ) sequência de elementos aleatórios i.i.d. sobre G e suponha que
X1 ∼ P . Então existirá Q ∈ P(G) tal que
d
Sn −−−→ Q
n→∞

se e somente se não houver nenhuma classe lateral de nenhum subgrupo normal próprio
de G (a não ser o próprio subgrupo), contendo supp P , ou seja, se para todos N , subgrupo
normal de G e g0 ∈ G \ N vale supp P 6⊂ g0 N .
Além disto, caso (Sn ) convirja, deve ocorrer Q = UH , onde H é o menor subgrupo de
G contendo supp P .

2.2.4 O ponto de vista das cadeias de Markov


2.2.5 Exercícios
2.2.1. Dizemos que uma distribuição de probabilidade P sobre G é idempotente se P ∗ P =
P.

(a) Dê um exemplo de uma lei de probabilidade sobre G tal que sup P não seja um sub-
grupo de G.

(b) Prove que se P é idempotente então sup P é um subgrupo de G.

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(c) Prove que se P é idempotente então P = UH para algum H subgrupo de G.

2.2.2. Prove que se uma lei P sobre G é tal que para toda Q ∈ P(G), vale P ∗ Q = P ,
então P = U .
2.2.3. A convolução pode ser denida para duas funções sobre G quaisquer. Vimos que em
geral ela não é comutativa.

(a) Verique que o conjunto das funções que comutam sob a convolução com qualquer
outra função é exatamente o conjunto das funções classe, ou seja;

H = {f1 : f1 ∗ f2 = f2 ∗ f1 , ∀f2 }. (2.2.25)

(b) Conclua que a convolução de funções é comutativa se e somente se o grupo G é abeliano.

2.2.4. Seja (Xn ) sequência de elementos aleatórios i.i.d. sobre G tal que X1 ∼ P .

(a) Prove que se e ∈ supp P , então (Sn ) converge.

(b) Verique que se P é simétrica, então (S2n ) converge.


Sugestão: Prove que e ∈ supp P ∗2 .

Referências
[Dia88] P. Diaconis. Group representations in probability and statistics. Vol. 11. Lecture
NotesMonograph Series. Hayward, California: Institute of Mathematical Statis-
tics, 1988.
[Fel57] W. Feller. An Introduction to Probability Theory and its Applications, Volume 1.
New York: John Wiley, 1957.
[Fol95] G. Folland. A Course in Abstract Harmonic Analysis. Studies in Advanced
Mathematics. Boca Raton, Florida: CRC Press, 1995.
[Gre63] U. Grenander. Probabilities on algebraic structures. John Wiley & Sons, 1963.
[JM99] P. E. Jupp e K. V. Mardia. Directional Statistics. Wiley, 1999.
[Ser77] J-P. Serre. Linear Representations of Finite Groups. Vol. 42. Graduate Texts in
Mathematics. Springer, 1977.

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